conflitos pela terra e uso dos recursos florestais...
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Conflitos Pela Terra e Uso dos Recursos Florestais, Microrregião da Rodovia Transamazônica, Pará.
Carla Rocha¹ Ketiane Alves²
José Antônio Herrera³ Ione Vieira dos Santos4
Tarcísio Feitosa5
Guilherme Britto5
1 Docente-pesquisadora do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural –NEAF/UFPA e do Laboratório Agreocológico da Transamazônica (LAET); [email protected] e [email protected] Eng. Agrônoma, pesquisadora associada ao LAET; [email protected] 3 Docente-pesquisador da Universidade Federal do Pará, Campus Universitário de Altamira; doutorando da Unicamp 4 Eng. Agrônoma e pesquisadora do LAET/AFATRA; [email protected] 5 Mestrandos do curso de Agriculturas Familiares e Desenvolvimento –NEAF/UFPA; pesquisadores associados ao LAET/NEAF Resumo O estudo realizado na localidade Pontal, localizada no município de Medicilândia (às margens da
Rodovia Transamazônica - BR 230, a 90 km de Altamira), Estado do Pará, possui os objetivos de
apresentar o histórico de ocupação e uso dos recursos naturais pela população e as condições
sócio-econômicas locais, destacando as relações com a exploração madeireira empresarial e
discutir como as políticas públicas poderiam levar à melhoria do acesso a terra e florestas,
traduzindo em benefícios sociais e ambientais. Trata-se de estudo de caso para pesquisa do
Centro de Pesquisa Florestal Internacional (CIFOR) e executado pelo Laboratório Agroecológico
da Transamazônica do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural –NEAF/UFPA. As
informações primárias foram organizadas a partir de reuniões e entrevistas a 40% das famílias. As
áreas de maior desmatamento são visualizadas em torno do Rio Jaurucu, onde estão instalados
os fazendeiros. Na comunidade, as dinâmicas de diferenciação são identificadas através da
análise dos sistemas de produção, e em especial a participação de cada atividade na formação do
Produto Bruto Total, além da composição da renda familiar principalmente por atividades extra-
lote e da venda de farinha. A pressão pela terra tem como vetores a instalação de fazendas que
fazem grandes aberturas na floresta; a ocupação pelos agricultores familiares e pecuaristas nas
localidades próximas, demarcando lotes nos fundos das estradas para implantação principalmente
de pecuária bovina e, por último, de madeireiros que “grilam” extensas áreas e entram em áreas
das famílias ribeirinhas para retirada de madeira através de processos ilegais.
Introdução O modelo tradicional de ocupação da Amazônia tem levado ao aumento significativo do
desmatamento vinculado aos fenômenos geopolíticos como a política de colonização dirigida e as
migrações regionais, e a fenômenos econômicos, como a exploração madeireira e a pecuária. O
desmatamento na Amazônia tem incrementado bastante durante no início dos anos 2000. No
1
Pará o desmatamento acumulado até 2006 foi de 212.906 km² (PRODES, 2007). Até 2006,
Medicilândia acumulou 1.655 km² de área desmatada, representando 20% do território.
A localidade Pontal é uma região ocupada inicialmente por famílias ribeirinhas, provenientes de
municípios como Porto de Moz e Portel, ainda nos anos de 1980, presencia a entrada de grileiros
como fazendeiros e madeireiros que se apropriam indevidamente de áreas maiores, muitas vezes
iniciando pela compra do direito de posse de famílias já instaladas, multiplicando suas áreas e
implantando extensas áreas de pastagem, intensa exploração madeireira e instalação de
serrarias.
Essa comunidade foi selecionada por apresentar dinâmica diferenciada de ocupação do território
e estar sob influência de atores externos como madeireiros e fazendeiros que impõem modelos de
exploração dos recursos florestais e de acesso a terra que excluem os direitos da população
ribeirinha e a desapropriam de suas terras. Além dessas condições particulares, a comunidade foi
escolhida pela existência de grupos madeireiros e de serrarias no local, possibilitando a reflexão
em torno da posse da terra e uso dos recursos florestais madeireiros.
Metodologia
Em termos metodológicos foi realizada uma primeira visita na comunidade, no período de 13 a 15
de agosto de 2007, para apresentação da pesquisa, fazer o reconhecimento da área e das
famílias, além da definição dos procedimentos de campo. Nesta reunião estavam presentes as
famílias da vila e moradores mais próximos, o presidente da Associação do Pontal e do Sindicato
de Trabalhadores Rurais de Medicilândia. Foram entrevistadas 19 famílias utilizando os
questionários pré-elaborados que continuam perguntas fechadas e abertas sobre o histórico da
família, a situação familiar atual, do uso do solo, do sistema de produção, comercialização e
organização social. Foram entrevistadas 4 pessoas-chaves, moradores mais antigos e lideranças
locais, que contribuíram no mapeamento da localidade e no levantamento de informações sobre
características gerais como histórico da comunidade, infra-estrutura, organizações e instituições
formais e informais, políticas públicas e conflitos pela terra e pelos recursos florestais. Foi
realizada a restituição dos resultados preliminares a 56 moradores da vila e dos rios Jaurucu e
Penetecaua, na qual foram restituídos os primeiros dados das entrevistas. Esta restituição foi
importante para socialização do trabalho com as famílias e para complementação das
informações do histórico da comunidade e da atuação das instituições e organização social, assim
como, foi importante momento discussão da situação da comunidade frente aos desafios da
criação do PDS e melhoria das condições de vida na localidade.
Localização da comunidade Pontal
A comunidade do Pontal se localiza no município de Medicilândia a 90 km da faixa da Rodovia
Transamazônica (BR 230) no interior das áreas onde foi criado o Projeto de Desenvolvimento
Sustentável (PDS) Ademir Federicci. A comunidade Pontal está situada na divisa dos municípios
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de Medicilândia, Brasil Novo e Porto de Moz, às margens dos rios Jaurucu e Penetecaua, e faz
limites ao norte com a Resex “Verde Para Sempre” no município de Porto de Moz (Figura 1). O
principal acesso à comunidade se dá através da vicinal no km 75 da Rodovia Transamazônica,
interior do Projeto de Assentamento (PA) Surubim. Por via terrestre a comunidade também
encontra-se ligada por estradas abertas por madeireiros, a qual dá acesso à várias vicinais
localizadas no municípios de Medicilândia e Brasil Novo. Por via fluvial, a comunidade está ligada
ao município de Porto de Moz, a uma distância de umas vinte horas em pequenas embarcações
até a sede do município.
A infra-estrutura comunitária que existe na vila é composta pela Escola, comércio ou taberna,
barracão comunitário, Porto e a Igreja Católica. Neste mesmo espaço denominado por lote da
comunidade, com cerca de 100 hectares, foi instalada a serraria particular.
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Figura 1 . Localização da Comunidade Pontal (LAET, 2007)
Resultados e Discussão
Origem da Comunidade Pontal
O processo de ocupação da Comunidade do Pontal ocorreu de forma espontânea por famílias que
ao longo do tempo foram se estabelecendo através dos cursos das águas dos rios Jaurucu e
Penetecaua. A maioria das famílias que hoje ocupam a comunidade são famílias emigrantes das
regiões dos rios dos municípios de Portel, Melgaço, Porto de Moz, Breves e Gurupá,
descendentes possivelmente de levas nordestinas vindas no período extração da borracha, na
década de 40.
A comunidade do Pontal tem suas origens relacionadas aos grandes ciclos econômicos da
Amazônia. Registros datam que desde o final do século XIX até meados do século XX, período
que compreende o primeiro e segundo ciclo da borracha, essas áreas eram exploradas por
indígenas e seringueiros que viviam em processos migratórios de ocupação ao longo de toda a
região da bacia do Xingu. Nesse período, as áreas que sofreram influência desses povos foram
exploradas de forma espontânea, não havendo nenhum registro de instalação permanente de
famílias nas áreas hoje designadas como Comunidade Pontal.
Na década de 50 e 60, com a chegada do ciclo de exploração de peles de animais silvestres, as
áreas das comunidades ribeirinhas ainda eram exploradas de forma espontânea por indígenas e
populações tradicionais ribeirinhas (gateiros) que viviam instaladas às margens de rios e igarapés
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da região. Nesta fase, mesmo sem registro de famílias instaladas nas áreas que hoje formam a
comunidade, estas passaram por um forte processo de exploração de recursos vegetais
(castanha) e animais (peles), uma vez que, a captura de animais silvestres mostrava-se uma
atividade lucrativa.
No final da década de 70, após o deslocamento de indígenas do Pontal, inicia-se a ocupação e
instalação das primeiras famílias na localidade. Nesse período cerca de 6 famílias oriundas
principalmente dos municípios de Breves, Portel e Porto de Moz que já viviam explorando essas
áreas, instalaram-se às margens dos rios Jaurucu para atividades relacionadas à agricultura de
subsistência e pesca artesanal. Nesta fase, vale ressaltar que, mesmo havendo pouca
expressividade de comercialização de peles, as famílias ainda desenvolviam essa prática para
garantir seus meios de vida.
Neste período, essas famílias definiam áreas relativamente extensas para uso dos recursos
florestais, com forte potencial florestal, cujo objetivo era garantir área para desenvolver a
atividades extrativistas e para manter toda a família reunida em uma mesma área.
Durante treze anos, as áreas que hoje constitui a comunidade foram utilizadas por um número
reduzido de famílias que viviam basicamente do extrativismo vegetal e animal, da pesca artesanal
e da pequena agricultura; cuja utilização da área era mantida sob forma de acordo entre as
famílias (não havia escassez dos recursos), onde as áreas eram delimitadas pelos núcleos
familiares para desenvolver a prática extrativa.
No final da década de 70 até meados da década de 80, inicia-se o processo de exploração
madeireira no município de Porto de Moz e outros municípios vizinhos. Surge nesse período a
exploração de madeiras em toras extraídas nas margens de rios e igarapés. Por volta de 1986,
com a redução do potencial de recursos florestais madeireiros na região de Porto de Moz, tal
processo se estende para as áreas localizadas às margens dos rios Jaurucu e Penetecaua,
ocasionando a migração espontânea de cerca de 15 famílias oriundas principalmente do
município de Porto de Moz, Gurupá, Breves e Portel para as áreas da comunidade, cujo o objetivo
estava ligado fundamentalmente à exploração de recursos madeireiros. Durante essa fase de
ocupação, as famílias mais antigas orientavam quais áreas poderiam ser ocupadas, sendo que
estas geralmente são menores , variando de 100 a 200 hectares situadas às margens dos rios.
Na década de 1990 intensifica-se o processo de exploração madeireira nas áreas da comunidade,
atraindo novas famílias a migrarem para a área da localidade para desenvolver atividades
relacionadas à exploração madeireira. Nesse período, muitas famílias ribeirinhas de municípios
vizinhos foram contratadas por madeireiros da região para trabalharem como extratores-diaristas
(equipe de campo contratada na diária para retirar madeira) nos quais posteriormente acabaram
se instalando na localidade, uma vez que, além de se apresentar como fonte de renda, a chegada
ao local representava uma possibilidade de aquisição de um pedaço de terra, como forma de
patrimônio social. Nesse período de intensificação da atividade madeireira na localidade, estradas
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madeireiras são abertas dando acesso à comunidade, ocasionando novas frentes de ocupação
como agricultores e fazendeiros.
No ano de 2000, as áreas da comunidade recebem outra frente de ocupação, esta impulsionada e
dirigida pela instalação de uma serraria dentro da comunidade. Nesse período, segundo relatos de
moradores, 36 famílias de municípios vizinhos como Porto de Moz, Medicilândia, Altamira, Portel,
Breves e de outros estados brasileiros se instalaram nas áreas da comunidade objetivando a
aquisição de terras com potenciais madeireiros a serem explorados e comercializados junto à
madeireira. Nesta fase, apesar da maioria das famílias ocuparem as áreas de forma espontânea,
já se presenciava a comércio de terras baratas ou simplesmente devolutas, facilitando a entrada
de fazendeiros na localidade.
Importante ressaltar que nesse período também ocorreu um fluxo de pessoas significativo na
área, uma vez que, instalou-se a serraria e a vila de funcionários no lote da comunidade.
Nota-se que os tipos de ocupação das áreas da comunidade do Pontal, estão relacionados às
formas de apropriação do potencial de recursos florestais existentes na área. Num primeiro
momento, a exploração da seringa e peles de animais e, num segundo momento, a exploração de
recursos madeireiros, estes sempre atrelados a ciclos econômicos e aquisição de terras para
garantir a reprodutibilidade dos grupos ali instalados.
Quadro 1: Síntese do Processo de Ocupação da Comunidade
Momento Período Dinâmica de
Ocupação
População Ciclo
Econômico
1º Século XVIII a
meados do
Século XIX
Área de migração
de povos indígenas
indígena -
2º Final do século
XIX (1880) a
meados do
século XX (1950)
Área de migração
de povos indígenas
e de seringueiros
Índios e
seringueiros
- Ciclos da
Borracha
(1º e 2º ciclo)
3º Década de 1950
e 1960
Área de migração
de povos indígenas
e de gateiros
Índios.
Gateiros
(ribeirinhos)/ de
regiões vizinhas
-Pele de animais
silvestre; e
-Castanha
4º Final da década
de 1970 a
meados da
década de 1986
Início do processo
de ocupação da
comunidade
(ocupação
espontânea)
Ribeirinhos de
regiões vizinhas
(Breves, Portel e
Porto de Moz)
-Pele de animais
silvestre;
-Castanha; e
-Madeira de beira.
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Continuação
Momento Período Dinâmica de
Ocupação
População Ciclo
Econômico
5º Década de 1990 Espontânea Ribeirinhos/agricu
ltores familiares
da microrregião
da
transamazônica/fa
zendeiros
-Extração de
madeira pesada a
partir da entrada
de equipamentos
pesados e equipe
de campo
-Pecuária e farinha
6º A partir dos anos
2000
Espontânea/compr
a e venda
Ribeirinhos/fazen
deiro
-Instalação da
Madeireira/serraria
;
-Atividades
agropecuárias
As principais dinâmicas socioeconômicas
As dinâmicas socioeconômicas da Comunidade Pontal tradicionalmente esteve atrelada às
atividades extrativistas desempenhadas no decorrer dos ciclos econômicos da Amazônia. Desde
os primeiros processos de ocupação das áreas localizadas às margens do rio Jaurucu, no início
século XX, o extrativismo sempre foi a atividade mais importante para povos que historicamente
viviam da apropriação dos recursos naturais nas regiões dos rios, situadas no polígono que
abrange municípios como Porto de Moz, Portel, Breves, Gurupá, Prainha e Melgaço.
Até meados do século XX, o extrativismo do látex da Maçaranduba, retirada da seringa e coleta
de castanha-do-brasil possuiu grande expressividade nas regiões das águas do médio Xingu. A
própria história econômica da região através do ciclo da borracha, e mais tarde da exploração de
peles de animais silvestres mostrou a dependência dos povos tradicionais frente aos recursos
florestais, fazendo com que nesse período, tais atividades representassem as principais atividades
econômicas da região.
Em meados da década de 50 até final da década de 70, dar-se exploração de peles de animais
silvestres na região de Porto de Moz, na qual se configurava uma das atividades de grande
importância econômica para comunidades ribeirinhas do município. Nesse período, tal atividade
demandava grandes áreas de exploração e mobilidade social de extrativistas da região, fazendo
com que estes percorressem extensas áreas de florestas ao longo dos rios e igarapés do
município de Porto de Moz e regiões vizinhas.
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Nesse contexto, as áreas que hoje formam a comunidade Pontal, situadas aos fundos do
município de Porto de Moz, foi diretamente influenciada pela atividade extrativista de captura de
animais silvestres, sendo esta desenvolvida por gateiros que viviam em processos migratórios em
toda essa região. Nesse mesmo período, essas áreas já eram ocupadas por grupos indígenas
instalados às margens do rio Penetecaua, que viviam sob práticas extrativistas, explorando
grandes áreas e desenvolvendo o extrativismo vegetal, pesca artesanal e agricultura de
subsistência. Nesta fase, a exploração de peles de animais por gateiros da região causou alguns
conflitos nessas áreas, uma vez que, havia a presença de dois grupos dependendo de um mesmo
território, tal tipo de exploração ocasionou disputa de território e/ou recursos naturais, acarretando
muitas vezes em mortes de indígenas e gateiros.
No final da década de 70, evidencia-se a extração de madeira leve nas margens dos rios de Porto
de Moz. Espécies como Virola, Cedro, Freijó e Ipê foram inicialmente exploradas por ribeirinhos
através do sistema de transporte calango1, posteriormente jogadas nos rios através de jangadas.
Nesse período, já existiam um número reduzido de famílias na comunidade do Pontal, nas quais
conseguiram se sustentar na área através da venda de madeira em tora, explorado pelo mesmo
sistema e comercializado com intermediários da região.
Com a criação da Lei n.5.197, de 3 de janeiro de 1967 de proteção à fauna, se proíbe a caça
profissional e amadorística. Em meados da década de 80 essa atividade foi praticamente extinta,
em função da redução da compra de peles de animais por regatões da região. Nesta mesma
época relatos apontam que muitos extrativistas/gateiros passaram a se fixar em pequenas áreas e
desenvolver atividades relacionadas à agricultura de subsistência como forma de garantir seus
meios de vida. Dessa forma, algumas famílias passaram a ocupar áreas ainda desocupadas
situadas nas margens do rio Jaurucu, aos fundos do município de Porto de Moz, uma das áreas
hoje considerada como Comunidade Pontal.
Na década de 90, configurou-se um novo quadro na economia da região, a exploração madeireira
é impulsionada pela entrada de equipamentos como caminhões, motoserras e balsas financiadas
por representações de grandes madeireiras fé com negociações com empresas madeireiras
locais, situados no município de Porto de Moz. Nesse período, inicia-se a exploração de madeiras
pesadas nas áreas ribeirinhas com grande potencial de recursos florestais de Porto de Moz, uma
vez que, havia facilidade de transportar o recurso madeireiro. Tal processo expulsava muitas
vezes famílias ribeirinhas que tradicionalmente habitavam essas áreas e que viviam sob práticas
extrativistas e venda de madeira para intermediários. Nesta fase, muitas famílias migraram para a
região do Pontal, consideradas na época, áreas desocupadas, com forte potencial de recursos
naturais.
1 Sistema manual de extração de toras composto por duas toras pequenas dispostas em forma de “V” que transportam as toras de interesse sobre estivas feitas na mata.
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No final da década de 90, a exploração madeireira sofre uma intensificação no seu processo.
Grandes empresas madeireiras se instalaram no município de Porto de Moz e regiões vizinhas
trazendo consigo equipamentos pesados como Skidder, tratores, empilhadeiras além de
arregimentarem grandes equipes de extração.
Em algumas áreas ribeirinhas, a intensificação da exploração madeireira transformava os
madeireiros em novos “patrões” que em alguns casos, passavam a persuadir os moradores locais
a se aliarem aos interesses desses atores para a retirada da madeira, alimentando assim, o
sistema econômico capitalista e deixando claro que o sistema tradicional em si não se torna uma
barreira a seu desenvolvimento (BARROS, 1996).
No período de 1991 a 1999, a entrada de grandes madeireiras na região de Porto de Moz e a
exploração maciça dos recursos florestais no município, fez com que muitas empresas
madeireiras procurassem novas áreas de exploração em municípios circunvizinhos. Dessa forma,
a comunidade do Pontal, por ser área de fronteira do município de Porto de Moz e ter facilidade de
transporte devido a malha hidroviária foi fortemente influenciada por essas empresas.
Com a presença de madeireiras nas áreas da comunidade, intensifica-se o processo exploração
dos recursos florestais madeireiros, onde as famílias passaram explorar com maior freqüência
suas florestas e/ou arregimentarem suas áreas, para extrair espécies comerciais como Cedro,
Freijo, Ipê e Breu. Nesta fase, volumes significativos de madeira comercial foram extraídos pelas
famílias, arrastadas até as margens dos rios através de calango para então ser entregue para a
equipe de campo das madeireiras que circulavam a região.
No período de 2000 a 2007, as atividades socioeconômicas da comunidade foram e estão sendo
marcadas pelo avanço da atividade madeireira sobre os recursos naturais e a crise que está
atividade vem ocasionando às famílias em função do uso desenfreado dos recursos naturais na
comunidade do Pontal.
Nesse período, o avanço sobre esses recursos foi impulsionado pela instalação de uma empresa
madeireira dentro da área da comunidade, onde as famílias passaram a intensificar a exploração
dos recursos florestais, em especial da madeira, estabelecendo forte relação comercial com a
empresa madeireira presente na área da comunidade.
Com a intensificação da atividade madeireira, ocorreu um processo migratório de famílias que se
deslocaram dos municípios de Porto de Moz e Portel, Medicilândia e Altamira para as áreas da
comunidade, cujo principal objetivo era explorar o potencial madeireiro para a empresa instalada
na área e possivelmente conseguir uma extensão de terra para assentar sua família.
Com a chegada da madeireira na comunidade, a cadeia de comercialização na área foi reduzida,
pois os ribeirinhos passaram majoritariamente a comercializar os recursos madeireiros com esta
empresa, fato que ocasionou a saída de grande parte dos marreteiros e outros agentes comerciais
de municípios circunvizinhos que atuavam na área da comunidade.
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Nesse período, apesar da empresa madeireira ser um canal certo de comercialização do produto,
e ter gerado alguns benefícios como estradas, transporte e construção de casas no vilarejo, as
famílias relatam que a saída dos marreteiros da comunidade levou à perda de autonomia de
negociação (compra e troca de produtos), uma vez que, a madeireira passou a estabelecer regras
para o processo de comercialização e até mesmo exploração dos recursos florestais.
Importante ressaltar que, nos primeiros anos de instalação da empresa madeireira na comunidade
esta procurava estabelecer contato direto com as famílias estimulando a venda do potencial
madeireiro para a empresa. Anos mais tarde, a empresa passou a demarcar áreas de exploração
e a desenvolver com suas equipes de campo a extração das madeiras comerciais e
posteriormente efetuar a venda dessas áreas para grandes fazendeiros principalmente dos
municípios de Medicilândia e Brasil Novo.
Dessa forma, tem-se nesse período além da extração madeireira, grandes áreas de pastagens às
margens dos rios. Esta pressão sobre os recursos florestais, segundo as famílias acabam
influenciando no processo natural da fauna e flora das áreas da comunidade, uma vez que, a caça
e os peixes migram para lugares mais distantes. Nesse contexto, as famílias relatam que a
comunidade apresenta-se com um cenário de crise, a qual não possui autonomia sobre seus
recursos, muitos animais silvestres e peixes estão desaparecendo das áreas e não existem
políticas públicas que garantam a permanência das famílias na localidade.
Condições na cobertura vegetal e mudanças no uso do solo
Durante o início do processo de ocupação da comunidade (década 1970), com as chegada das
primeiras famílias, as atividades econômicas eram baseadas principalmente no extrativismo de
recursos florestais. Durante esse período eram abertas somente pequenas áreas de floresta para
a implantação de cultivos de mandioca, áreas que variavam de 0,3 a 2,5 hectares da área total do
lote. Ressalta-se que esses cultivos eram destinados à subsistência das famílias, uma vez que, a
atividade de exploração de peles de animais supria as necessidades de trocas de produtos com
regatões, exercendo a função econômica dentro do sistema de produção.
A partir da década de 1980, com a entrada de novas famílias na comunidade, as áreas de floresta
ainda eram vistas como forma de garantir a sustentabilidade das famílias, uma vez que, mesmo
com pouca expressividade comercial, o extrativismo de peles continuava sendo uma atividade
econômica na comunidade. Atrelada a tal atividade, tem-se nesse período a exploração de
madeiras em toras. Nesse sentido, as áreas de matas eram mantidas sob valor de uso direto,
tanto para a prática extrativa de captura de animais silvestres como para a retirada de madeiras
leves às margens dos rios. Nesse período, as áreas eram destinadas a pequenos plantios de
mandioca consorciados com frutíferas variando de 0,32 a 2 ha da área total do lote.
Na década de 90, a dinâmica de exploração madeireira é intensificada com e entrada de
equipamentos pesados nas áreas da comunidade, tanto por via fluvial, quanto por via terrestre
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através de estradas abertas por madeireiras da região. Nesse período, significativo potencial de
recursos florestais madeireiros foram explorados por empresas madeireiras de municípios
vizinhos, deixando muitas áreas com baixo potencial florestal, desocupadas e propícias à
grilagens de terras e instalação de fazendeiros nessas áreas. Dessa forma, inicia-se o processo
de concentração fundiária por alguns fazendeiros da região nas áreas do Pontal, estabelecendo
pastagens ao longo de toda a área por eles apropriada.
Tal fator influenciou diretamente na dinâmica de utilização das áreas de famílias ribeirinhas da
comunidade, uma vez que, passaram a incorporar em seus sistemas de produção pequenas
áreas de pastagens para desenvolver a bovinocultura em pequena escala. Nota-se, a partir do
quadro de caracterização da dinâmica de uso do solo das propriedades estudadas, que grande
parte das pastagens foi implantada nesse período. O quadro representa também o avanço das
pastagens desde a chegada das famílias nos lotes até os dias atuais. Somando-se as áreas de
pastagens no período de aquisição dos lotes das famílias, têm-se 39,5 hectares, atualmente
somado as áreas de pastagens desses mesmos lotes, estes se apresentam com 124,5 hectares,
crescimento que pode ser justificado não pelo investimento em compra de animais, mas pelo
aumento do plantel.
A partir dos anos 2000, com instalação da madeireira/serraria nas áreas da comunidade, grandes
áreas de florestas foram sendo apropriadas pela madeireira para garantir a demanda da serraria,
bem como outros tipos de acordos comerciais realizados com os recursos madeireiros das áreas
da comunidade. Desde 2000, grandes áreas de florestas vêm sendo exploradas na comunidade, e
segundo relatos de moradores, essas áreas vêm sendo tradicionalmente usadas por fazendeiros
para implantação de pastagens, fazendo com que haja concentração fundiária dentro dessas
áreas. De acordo com moradores da comunidade, a presença de áreas extensas cobertas por
pastagens, acaba acarretando prejuízos à comunidade, uma vez que afasta os recursos animais
(caça) e pesqueiros (pesca) para áreas mais distantes.
A área total das famílias entrevistadas corresponde a 3.167 hectares, sendo deste total 87,1%
composta por mata primária, 6,63% composta por pastagem, 2,43% composta por capoeira,
1,10% composta por açaizal nativo, 1,4% composta por culturas anuais, 0,2% composta por
pomares, 0,15% composta por culturas perenes e 0,06% composta por açaizal plantado.
Demografia
Segundo dos dados de campo, 36,3% dos moradores atuais da Comunidade Pontal nasceram na
própria comunidade. As mulheres têm seus partos em casa com ajuda de parteiras ou pessoas
com mais experiência em assistência a partos.
Outro importante local de nascimento dos moradores é o município de Porto de Moz, seja na sede
ou outras localidades ribeirinhas, demonstrando a origem de muitas famílias e a relação com este
município. Estas famílias ainda mantem relações com os parentes, através de visitas ou
11
permanência de algum familiar tanto no Pontal quanto nas localidades e sede de Porto de Moz.
Foram citados vários casos em que a instalação no Pontal foi a partir do convite de parentes e
amigos que já estavam morando na localidade. Existem casos de filhos e filhas de famílias do
Pontal que moram na sede de Porto de Moz em casas de parentes e amigos.
Porto de Moz e municípios da zona ribeirinha tradicional como Portel, Breves, Gurupá e Melgaço
se destacam como locais de origem das famílias, representando a primeira via de ocupação do
local que veio pelos rios da região. Como já foi colocado no histórico de ocupação, moradores
procedentes de Medicilândia e municípios da Rodovia da Transamazônica fazem parte de um
processo mais recente de migração, em que 12% dos moradores nasceram nestes locais,
incluindo neste percentual as crianças com menos de 7 anos que após a construção da estrada
nascem na sede do município de Medicilândia.
Ao contrário do que verifica nas demais localidades da Transamazônica, o percentual de
nordestinos e sulistas é pequena, com 6,2% do total dos moradores.
Segundo o mapeamento participativo, fazendo parte da Comunidade do Pontal, existem 11
famílias na Vila da comunidade 2, 18 famílias no Rio Penetecaua e 28 no Rio Jaurucu3. Ao todo
são 57 famílias com a média de 8 membros por família, sendo que morando na comunidade
temos a média de 6,4 membros por família, isto dá a estimativa de 365 moradores. Na serraria,
estimasse em torno de 30 pessoas morando.
A população atual da comunidade é caracterizada como jovem, com grande participação de
crianças e jovens até 17 anos, representada por 46% .
Temos ainda a categoria de 18 a 30 anos, com 33,4% do total, o que indica a formação de casais
e permanência dos jovens na localidade, sendo que para isto necessita de terras para instalação
dos mesmos, pois muitos estão nos lotes dos pais devido a dificuldade de permanência em locais
mais distantes e, porque as terras de melhor acesso e próxima dos familiares foram concentradas
por fazendeiros e madeireiros.
Foi narrado por alguns pais sobre as dificuldades dos filhos se estabelecerem nos lotes, pois as
terras que antes eram de acesso livre aos comunitários ficaram mais escassas, dificultando a
instalação dos filhos e filhas casadas em terras próprias terras.
Caracterização do Sistema de Produção
Mediante aos fatores dos sistemas de produção e em especial a participação de cada atividade na
formação do Produto Bruto Total (PBT) e a composição da renda familiar principalmente a partir
das atividades extras-lotes, foi possível estabelecer oito tipos de sistemas de produção.
2 Este dado não inclui os funcionários da serraria que tem moradia na vila. 3 Não estão contabilizados os fazendeiros e moradores destas fazendas que não fazem parte da comunidade.
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Tabela 1. Tipologia dos sistemas de produção.
Sistema de produção
Tipos
Criação Cultivo Extrativista
Outras
atividades
Total
Receita
Bruta
Pesca e atividade extra-lote
(4) 0 0 100 5838 5938
Atividade extra-lote (3) 50 1120 0 18960 20130
Farinha predominante (3) 600 10925 720 1440 13685
Madeira predominante (2) 2350 0 14100 4640 21090
Diversificado (5) 1585 2880 3800 4400 12965
Pesca para consumo e
farinha (2) 0 750 400 150 1300
Tipo 1 – Pesca de subsistência e renda monetária a partir da atividade extra-lote
O tipo considerado pesca de subsistência e renda monetária a partir das atividades extra-lotes é
representado por 21 % do total das famílias entrevistadas. Neste, tem-se a pesca como principal
atividade para o auto-consumo familiar, com uma participação de 52,25% a 99,06% do produto
bruto total e a atividades extra-lotes como a única atividade que garante entrada de recursos
monetários para a formação da renda dessas famílias.
As famílias que compõem esse tipo são caracterizadas como famílias que possuem seus sistemas
de produção poucos diversificados, com pequenas áreas cultivadas para subsistência, sendo a
pesca e a venda de mão-de-obra as principais atividades que garantem a reprodutibilidade das
famílias.
Tipo 2 – Atividade extra-lote como componente fundamental na renda familiar
Esse tipo representa 15,7% do total das famílias entrevistadas. Na comunidade do Pontal as
atividades extra-lotes apresentam-se como uma atividade de fundamental importância para a
formação da renda das famílias desse tipo, uma vez que, mais de 50% da renda total familiar é
composta por atividades anexas ao sistema de produção.
Das famílias que compõem esse tipo, em determinados períodos do ano, ocorre venda de mão-
de-obra, nas quais são geralmente disponibilizadas para atividades como empreitas (derrubas,
coivara e roços de pastagens), frete de barco, trabalhos periódicos na serraria nos picos de
serragem de madeira, dentre outras.
Existe o sub-tipo no qual as atividades extra-lotes e a produção de farinha possuem importâncias
equivalentes, uma vez que, as duas atividades são responsáveis pela entrada de recursos
monetários dentro do sistema de produção da família. A família que compõe esse sub-tipo, possui
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área de 80 hectares, com 96,25% coberta de mata e 2,56% disponibilizados para cultivo de
mandioca objetivando a fabricação de farinha com finalidade para comercialização auto-consumo
familiar. A produção de mandioca para fabricação de farinha apresenta-se nesse sub-tipo com
uma participação significativa de 61,28% do produto bruto total do sistema de produção. Neste
sub-tipo, a pesca também ganha destaque com 34,04% de sua participação na formação do
produto bruto, representando junto à farinha a principal fonte alimentar da família. No que diz
respeito a formação da renda familiar, tem-se a atividade extra-lote a partir da venda de mão-de-
obra (diárias e empreitas) como principal atividade reguladora do sistema, ocorrendo em
determinados períodos do ano a entrada de recursos monetários na renda total da família.
Tipo 3 – Farinha predominante
Trata-se do tipo que desenvolve atividades essencialmente relacionadas a produção de farinha.
Neste tipo estão representadas 15,78% das famílias que utilizam pequenas áreas plantadas de
mandioca com finalidade de produção e comercialização da farinha.
Considerando que em áreas de comunidades ribeirinhas as áreas de cultivos são áreas pequenas
em relação às áreas de mata. Nesse tipo, áreas plantadas com cultivos de mandioca são
relativamente altas em relação a todos os outros cultivos do sistema de produção, nas quais
variam de 1,28 a 10 ha.
Neste tipo, a produção de farinha ganha destaque por representar cerca de 67,7% a 83,3% do
produto total do sistema de produção.
Ressalta-se que por mais que a farinha seja a principal atividade desse tipo, outras atividades
como a pesca, arroz, feijão e milho com menor importância em termos de participação no produto
bruto complementam a renda familiar e são fundamentalmente importantes para o auto-consumo
da família.
Tipo 4- madeira predominante
Esse tipo é caracterizado pelas famílias que vivem basicamente da venda de madeira em seus
estabelecimentos agrícolas. Trata-se de famílias que também desenvolvem a agricultura de
subsistência, pesca artesanal, criações de animais, mas tem como a principal atividade dentro do
sistema de produção a atividade madeireira, com participação considerável de 57,7% a 68,7% na
formação do produto bruto total.
Tipo 5 – Diversificado
O sistema de produção das famílias caracterizadas como tipo 5 são considerados diversificados
pelo fato de nenhuma das atividades do sistema apresentar preponderância em termos de
participação na formação do produto bruto total.
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Neste tipo as famílias desenvolvem diversas atividades como: pequenos cultivos anuais, criações
animais, fabricação de queijo, extrativismo do açaí e da madeira e pesca artesanal, atividades
estas fundamentais para a formação da renda familiar anual.
Este tipo é representado por 21,05% das famílias entrevistadas. Considerando que neste grupo
não há nenhuma atividade que sobresai acima de 50% na participação do produto bruto, as
atividades do sistema de produção dessas famílias complementa-se entre si para formar a renda
familiar anual.
Tipo 6- Pesca para o auto-consumo e farinha
O tipo 6 é representado por 10,52% do total das famílias entrevistadas, neste tipo está contido as
famílias que possuem a pesca de subsistência e a produção de farinha para o auto-consumo as
principais fontes de sustentabilidade da família na comunidade.
As famílias que compõe esse tipo residem em estabelecimentos agrícolas que variam de 50 a 400
hectares situados às margens dos rios Jaurucu e Penetecaua. São áreas compostas de 85,7% de
mata primária e pequenos cultivos de mandioca que variam de 1,2 a 1,5 hectares. As famílias
vivem basicamente da farinha e da pesca artesanal, esta ultima com considerável participação de
48,44 a 52,84% na formação do produto total do sistema de produção.
Acesso a terra, floresta e conflitos
Conforme pode ser observada na Figura 2, as áreas de desmatamento maiores são visualizados
no Rio Jaurucu, onde estão instalados os fazendeiros principais, concentrando áreas para
implantação de extensas pastagens. A pressão pela terra tem como vetores a instalação de
fazendas que fazem grandes aberturas na floresta; a ocupação pelos agricultores familiares e
pecuaristas, demarcando lotes nos fundos das vicinais transversais a Rodovia Transamazônica
dos municípios de Medicilândia e Brasil Novo para implantação, principalmente de pecuária
bovina e, por último, de madeireiros que grilam extensas áreas e entram em áreas das famílias
ribeirinhas para retirada intensiva de madeira utilizando de processos ilegais de exploração
madeireira.
As margens dos rios são mais almejados pelas empresas e fazendeiros, visando a facilidade de
retirada da madeira pelos mesmos. Também os rios são os locais de chegada e instalação das
famílias, também devido ao deslocamento e acesso a pesca para alimentação familiar.
As terras que ficam no meio dos rios Penetecaua, Jaurucu e Ipitinga foram griladas pelo
madeireiro proprietário da serraria que mantém um pretenso plano de manejo florestal na área.
A disponibilidade de terras e o acesso à floresta estão totalmente limitadas pelos fazendeiros e
madeireiros, ambos compraram direito de posse ou grilaram áreas que antes era área de livre
acesso das famílias locais.
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Figura 2. Desmatamento e concentração fundiária no Pontal
Com a intensificação da atividade madeireira e início da pecuarização no interior das áreas da
comunidade, bem como do PDS, aumentou consequentemente a pressão sobre a floresta. Pois a
partir da década de 1990, as áreas que constitui a comunidade Pontal foram subdivididas em
áreas de fazendas, de concentração fundiária do madeireiro e as áreas mais próximas aos rios
Penetecaua e Jaurucu ocupadas por famílias ribeirinhas, considerando ainda, que parte dessas
áreas já foram tomadas por fazendeiros.
Com a instalação de uma empresa madeireira na comunidade no ano de 2000, tendo como
proprietário o responsável pela maior concentração fundiária no interior da área considerada hoje
como PDS Ademir Federicci, deu-se início o terceiro momento da exploração da madeira. A partir
de então a forma de acesso ao recurso madeireiro ficou sobre o domínio da referida empresa, que
teve como primeira iniciativa, abrir uma estrada que dá a acesso comunidade do Pontal as vicinais
75, 85 e 20 que por sua vez dão acesso a Rodovia Transamazônica. Essa estrada foi aberta para
facilitar o transporte da madeira em tora para a serraria, e das serradas para fora do município. No
inicio da referida estrada foi instalada uma guarita4 para controle da entrada de veículos na
comunidade, mais precisamente nas áreas demarcadas para a exploração da madeira. Em caso
4 Porteira fechada com cadeado localizada ao lado de uma residência onde frequentemente fica uma pessoa responsável para efetuar o controle de entrada e saída de veículos.
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de utilização da referida estrada por outros madeireiros vindos de outras áreas de exploração
madeireira, como as do rio Macapixi, estes tem que pagar pedágio ao passar na guarita.
Para instalar a serraria no interior da comunidade, o empresário fez um acordo com as famílias da
comunidade, onde ficava responsável em fornecer madeira para a construção de 50 casas, uma
pos mês. Porém segundo informações obtidas junto às famílias, esse acordo não foi devidamente
cumprido. Quanto a cedência da área na comunidade para instalação da mesma essa foi feita
junto a uma das lideranças da comunidade (um dos moradores mais antigos que sempre esteve
ligado a atividade madeireira desde o período da “madeira de beira”) que negociou a área.
Um outro fator que facilitou a instalação da referida madeireira foi a ausência do Estado que até o
inicio dos anos 2000 tem deixado as famílias em verdadeiro estado de abandono, sem assistência
a estrada, educação e saúde. Então a abertura dos 40 Km de estrada pelo madeireiro facilitou o
acesso das famílias ao município de Medicilândia. Além do acesso a estrada a serraria também
passou a fornecer caronas nos caminhões madeireiros às famílias para transporte de algum
produto ou que desejasse ir à cidade a negócio ou em casos emergenciais, como principalmente
de saúde. A partir de então foram aos poucos se estabelecendo uma relação paternalista
madeireiro e famílias.
A instalação da madeireira influenciou significativamente o processo de ocupação da comunidade
e consequentemente da forma de acesso a terra e aos recursos florestais. Pois com a instalação
da referida empresa e a abertura da estrada efetuada pela mesma, foram atraídos dois grupos de
famílias para a comunidade, as dos funcionários da empresa que vieram prestar serviços com
mão-de-obra mais especializadas a empresa, bem como na operacionalização dos maquinários,
onde alguns posteriormente demarcaram área na comunidade e famílias de agricultores familiares
da microrregião da Transamazônica que vieram em busca de terra para desempenhar atividades
agropecuárias.
Com os dados obtidos junto as famílias entrevistadas, verificou-se que cinco das dezenove,
adquiriram terras na comunidade a partir dos anos 2000. As áreas do lote variaram entre 100 a
0,64 hectares (casa na vila), onde três foram adquiridos pelo processo de compra, um por posse
espontânea e um por cedência.
Quanto ao controle da área da comunidade para exploração madeireira, devido a proibição da
retirada de madeira no interior da comunidade por outras madeireiras e/ou marreteiros, as famílias
se tornaram reféns da empresa instalada na comunidade, passando a não ter critério de escolha
para a comercialização da madeira de suas propriedades.
Famílias da comunidade afirmam que durante todo o processo histórico de exploração madeireira
no interior da comunidade, tal atividade nunca garantiu um retorno econômico justo, por ter sido
sempre controladas por terceiros que pagam na madeira valores irrisórios. Considerando ainda
que em grande parte das vezes esses agentes pagavam pelo produto.
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A partir de então, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Medicilândia passou a discutir a
necessidade de regularização fundiária da área do referido município que envolve os rios Jaurucu,
Ipitinga, Penetecaua e Macapixi, local onde apresenta grande potencial de madeira de lei e que já
vem sendo explorada por diversas empresas madeireiras desde a década de 1990. Foi proposto
ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a criação de Projeto de Desenvolvimento
Sustentável (PDS), área de 233.351,939 hectares e com capacidade para 1200 famílias; sendo
que já foram cadastradas 1188 famílias no INCRA; em contraste com as 57 famílias levantadas no
mapeamento.
O que é um PDS?
De acordo com a Portaria INCRA No. 477 de 04 de Novembro de 1999:
- Criado para o desenvolvimento de atividades ambientalmente diferenciadas, destinado às
populações tradicionais que baseiam sua subsistência no extrativismo, na agricultura familiar e em
outras atividades de baixo impacto ambiental;
- Manutenção da atividade extrativista tradicional e o apoio às populações que desenvolvem
atividades determinantes para a conservação da biodiversidade;
- Legalização das terras que as populações extrativistas tradicionalmente habitam;
- Destina as áreas mediante concessão de uso,em regime comunal, segundo a forma decidida
pelas comunidades concessionárias - associativista, condominal ou cooperativista;
- Política para a economia extrativista que viabilize suas atividades e que permita a estas
populações produzir, comercializar sua produção e, em conseqüência, continuar habitando e
defendendo a floresta.
Porém as discussões não tiveram efetiva participação das famílias das comunidades envolvidas
no processo, nem tão pouco nas de definição da escolha da modalidade de assentamento a ser
definida para a referida área. Fato este, justificado pelo desconhecimento das famílias sobre o que
significa um Projeto de Desenvolvimento Sustentável e de como se dá na prática a gestão dos
recursos florestais no interior dessa modalidade de assentamento.
Outro fato interessante é que na área definida como PDS Federicci com capacidade para 1200
famílias, já se encontra cadastradas 1188 famílias, porém quase que na totalidade por famílias de
outras regiões da Transamazônica e que ainda não estão na comunidade. Quanto às famílias
ribeirinhas da comunidade, essas em sua maioria não estão cadastradas, ou seja, não estão na
lista de beneficiário do referido PDS.
Essas irregularidades demonstram a falta de garantias de viabilidade social e ambiental desses
projetos da forma que estão sendo criados (de dentro para fora) para atender interesses
estritamente políticos e de interesse econômico de empresas do setor produtivo.
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Com a efetivação da criação do PDS Ademir Federicci, a tendência é a de que as famílias fechem
acordos com madeireiras para efetuar a exploração da madeira através do “manejo florestal
comunitário”, onde as famílias terão pouca participação no processo de gestão do recurso no que
diz respeito a dinâmica de exploração, ficando esta sobre domínio da empresa. É preocupante
também a entrada de novas famílias na área que não possui histórico de relação com a floresta,
que serão deixadas no interior dessas áreas sem orientação, que logo em seguida provavelmente
passarão a comercializar a madeira de forma ilegal aos madeireiros como vem acontecendo na
maioria dos assentamentos da região.
Assim, a política atual de reforma agrária do Estado vem se tornando uma forte aliada dos
interesses econômicos da região, no que diz respeito ao setor produtivo.
O PDS da forma que foi criado atende aos anseios de grupos madeireiros que podem pleitear e
até negociar com associações das famílias e ter acesso legal aos recursos madeireiros. A questão
principal colocada é que o PDS não atende às necessidades das famílias e não segue os trâmites
legais e nem está sendo um processo transparente.
A dificuldade de legalização das áreas dos grileiros para exploração madeireira levou à articulação
de parte da classe empresarial a apoiar a criação de projetos de assentamentos nesta área,
apesar de que existem fazendeiros que são contrários, o que gera conflitos internos. Assim, a
posse de terra pelas famílias que ocuparam originalmente essa localidade não está garantida e,
ao longo desses anos o uso dos recursos florestais foi preponderantemente dominado por grupos
empresariais do setor florestal.
A omissão e ausência do Estado levaram a formação de áreas de ocupação nos locais mais
distantes da Rodovia Transamazônica, na qual os madeireiros exploravam essas áreas e faziam
estradas e fornecia assistência às famílias como transporte precário. A região da Rodovia
Transamazônica atravessa novo ciclo na sua história de desenvolvimento pela maior força das
iniciativas de formalização de direitos fundiários, de preocupações ambientais na política pública,
acompanhada da expansão de infra-estrutura, e de novas configurações de mercados para
produtos agrícolas, madeireiros e não-madeireiros. É a terra, e a forma como se distribui e
regulamenta seu acesso, além das condições para fazer o uso florestal, entre outros, os fatores
chaves na definição do desenvolvimento futuro e a conservação destas áreas.
Conclusão
A criação do PDS não dá garantia de posse das terras ocupadas pelas famílias pioneiras, que tem
modos de vida e cultura diferentes dos agricultores da Transamazônica. A chegada de mais de mil
famílias novas a esta região significa o aumento desenfreado do desmatamento e em pouco
tempo a retomada da área pelos fazendeiros e madeireiros, pois o assentamento de famílias a
mais de 100 km da Rodovia Transamazônica e de zonas urbanas tende a inviabilizar a
permanência destas famílias. O Estado não consegue viabilizar condições de infra-estrutura social
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e estrada ao longo do ano para esta população e o sistema de comercialização e transporte ficam
muito mais precários.
Os sistemas de produção adotados pela maioria das famílias e a chegada de agricultores externos
não viabilizarão o cumprimento das regras que controlam o uso dos recursos florestais e gestão
do patrimônio público e coletivo, pois o Projeto de Desenvolvimento Sustentável requer o controle
do uso através das regras contidas no Plano de Utilização do PDS.
Para isto, é imprescindível a organização comunitária para sustentar a condução do processo, no
entanto, esta capacidade local precisa ser expandida e fortalecida.
Referências bibliográficas
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SABLAYROLLES, Philippe, e ROCHA, Carla (org). 2003. Desenvolvimento Sustentável Da
Agricultura Familiar Na Transamazônica, 300. Altamira, Para: AFATRA.
VIEIRA, Ione et al. 2008. A terra nas disputas pelo desenvolvimento e conservação na região da
Transamazônica, Altamira-Pará. Altamira, CIFOR/LAET.
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