o papel da pedogÊnese no modelado do relevo: busca de
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VI Seminário Latino Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
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O PAPEL DA PEDOGÊNESE NO MODELADO DO RELEVO: busca de
novos paradigmas
JOSÉ PEREIRA DE QUEIROZ NETO - Professor Emérito da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Professor titular do Departamento de Geografia, USP.
Resumo
Os principais aspectos apontados para a interpretação das relações entre as
vertentes e os solos foram apresentados: a autoctonia ou aloctonia dos materiais de
origem dos solos envolvendo a origem das stone lines, as relações dos solos com os
relevos, a antinomia/oposição entre pedogênese e morfogênese. Os resultados
obtidos com a utilização do procedimento da Análise Estrutural da Cobertura
Pedológica permitiram mostrar que a maior parte dos solos provém da alteração do
substrato rochoso e que pedogênese e morfogênese atuam simultaneamente na
construção da forma das vertentes, não havendo portanto antagonismo. Esses
resultados levam à necessidade de ampla revisão das interpretações feitas até agora.
Palavras chave: morfogênese e pedogênese, autoctonia ou aloctonia, análise
estrutural da cobertura pedológica.
Abstract
The main aspects of the interpretation of the soils and reliefs relationships are
discussed like the allochthony or autochthony of the parent materials of soils, also
involving the stone lines origin and the antagonism between morphogenesis and
pedogenesis . The main results of the usage of structural analysis of pedological cover
procedure showed the possibility to define more correctly those questions, especially
the nonexistence of the antagonism between morphogenesis and pedogenesis. These
results point to the need for extensive review of the interpretations made so far.
Keywords: morphogenesis and pedogenesis, autochthony or allochthony, structural
analysis of pedological cover.
Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais
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1- Introdução: a visão geomorfológica de JEAN TRICART
Quais são as relações existentes entre os solos e os relevos? As relações passam
pelo modo com que os pesquisadores em Pedologia e Geomorfologia veem as relações
recíprocas entre os solos e os relevos.
Convém salientar inicialmente que a PEDOLOGIA sempre viu no relevo um fator
importante para a formação dos solos, mas o mesmo não se pode dizer da
GEOMORFOLOGIA, que viu e vê nos solos apenas um papel coadjuvante na elaboração
dos relevos.
Jean TRICART (1968) parece ser um dos raros geomorfólogos que tratou da relações
entre os solos e os relevos (QUEIROZ NETO, 2010). Afirmava ele que assim como a
Geomorfologia estaria subordinada à Geologia Estrutural, a Pedologia estaria
subordinada à Geomorfologia. A proximidade dos geomorfólogos com os pedólogos
apareceria desde a alteração das rochas, com a mobilização e as acumulações das
partículas e íons: o transporte e acumulação desses materiais constituem
preocupações centrais da Geomorfologia Dinâmica e Climática e, nesse sentido, a
pedogênese seria um dos elementos da morfogênese (TRICART, 1968, 1977, TRICART e
KILLIAN, 1979).. O solo raramente proviria da alteração direta das rochas, e a gênese
de seu material original passaria por essa etapa do âmbito da Geomorfologia: seria por
essa espécie de intermediação (erosão,deposição dos materiais) que a Geomorfologia
influenciaria a pedogênese. Além disso, a vertente é uma forma geomorfológica
essencial que interfere diretamente na pedogênese, condicionando a circulação e ação
da água. Uma parte da água infiltrada participa da evapotranspiração, possibilitando a
existência de um ciclo natural dos elementos; outra parte atinge os lençóis,
acarretando transporte, migração e exportação de elementos; haveria aquí uma ação
direta da morfogênese, pois essa água pode determinar a ação de movimentos de
matéria.
Ao falar da interação entre os processos geomorfológicos e pedológicos, TRICART e
KILLIAN (1979) afirmaram haver uma verdadeira antinomia entre pedogênese e
morfogênese:
- quando a pedogênese é mais ativa, o solo torna-se mais espesso em detrimento
dos materiais subjacentes e os horizontes mais diferenciados: a morfogênese seria
pouco atuante;
- quando a morfogênese é mais ativa, a ablação generalisada é mais rápida que a
pedogênese, os solos tornam-se mais rasos podendo até ser eliminados: a pedogênese
não teria condições de se desenvolver.
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Assim, segundo aqueles autores erosão não poderia ser ativa ao mesmo tempo que
a pedogênese e vice-versa. A interferência entre pedogênese e morfogênese
dependeria essencialmente das velocidades relativas dessas duas categorias de
fenômenos naturais. Esse balanço morfogênese/pedogênese variaria no tempo e no
espaço, num sentido ou noutro, devido a modificações da cobertura vegetal, das
oscilações climáticas e das ações antrópicas.
Esse conceito de balanço morfogênese/pedogênese constitui a base da proposta da
interpretação/definição/classificação da estabilidade dos meios ambientes,
apresentada por TRICART (1977) e TRICART e KILLIAN (1979): haveria meios estáveis
com vegetação florestal, quando a pedogênese prevalesceria sobre a morfogênese, e
meios fortemente instáveis, com vegetação de baixa densidade foliar, predominância
da morfogênese e fraca pedogênnese. Esse conceito deixa para a pedogênese apenas
o papel passivo de preparação dos materiais superficial para as ações da morfogênese,
entendida como erosão.
A antinomia/oposição entre pedogênese e morfogênese, na realidade, havia sido
formulada anteriormente pelo pedólogo/geoquímico EHRART (1956), ao apresentar a
teoria da Biostasia e Rexistasia aplicável às regiões intertropicais, com repercussão
relativamente reduzida nos meios pedológicos porem largamente aceita pelos
geomorfólogos. Aplicava-se aqui as propostas apresentadas pelos autores citados
anteriormente, alternancia no Quaternário de períodos de pedogênese ativa,
biostasia, ou de morfogênese ativa, rexistasia.
BIGARELLA, MARQUES FILHO e AB'SABER (1961) e BIGARELLA, MOUSINHO e SILVA
(1965) haviam proposto um modelo para a interpretação da evolução dos relevos das
zonas tropicais brasileiras, baseado nas sucessões entre climas mais secos e úmidos do
Terciário ao Quaternário. No final do Terciário e inicio do Quaternário, em climas mais
secos, teriam sido elaborados vastos pediplanos, que ocupariam hoje as partes mais
elevadas dos relevos. Durante o Quaternário teriam sido elaborados pedimentos
embutidos ao longo dos vales, com materiais correlativos sob a forma de terraços.
2- A Pedologia clássica e os relevos
Para os pedólogos a busca das relações entre os solos e os relevos é permanente,
desde DOKUTCHAEV, que dera prioridade ao clima como fator na formação dos solos
porém reconhecera também a importância do “sub solo”, da vegetação, da fauna e do
relevo. Um exemplo marcante do reconhecimento da importância do relevo para os
solos é encontrada em MILNE (1935, 1936, 1942), que propuzera o conceito de
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“catena” para expressar a distribuição regional sistemática de solos ao longo das
vertentes. JENNY (1941), como DOKUTCHAEV, enfatiza os fatores de formação dos
solos onde a relação entre o relevo e os solos seria expressa pela topografia, que
condicionaria a circulação interna e externa (erosão) da água e a distribuição de
elementos.
MILNE (1935, 1936, 1942) percebeu que os perfis de solo formavam seqüências a
longo das vertentes, propondo a palavra “catena” para designa-las. Essa palavra indica
que os perfis se sucedem como os elos de uma corrente, mantendo relações genéticas
entre si.
A autoctonia ou aloctonia dos materiais de origem dos solos em relação à rocha
subjacente coloca a questão da presença eventual de colúvios (processos erosivos). A
relação destes com a Geomorfologia é evidente, pois diz respeito à interpretação da
evolução das vertentes e envolve também a presença das linhas de pedra ou “stone
lines”, que representariam descontinuidades erosivas. A aloctonia, mostrando
superposição de materiais originados por processos erosivos sucessivos,
testemunharia a relação entre morfogênese e pedogênese, aquela preparando o
material onde se desenvolveria o solo.
Influência da vertente (topografia) sobre os solos: certas propriedades dos solos
variam ao longo das vertentes, entre outras a granulometria e as bases trocaveis. Essa
variação é interpretada como resultado da circulação hídrica (JENNY, 1941). O conceito
de catena, proposto por MILNE (1936), indicaria a presença regional de sucessões
sistemáticas de solos ao longo das vertentes, tendo a erosão como principal fator
responsável. Esse conceito foi também adotado por geomorfólogos. Na década de
1930, trabalhando em levantamentos e cartografia de solos na África Oriental
britânica, MILNE (1935, 1936, 1942) percebeu que os perfis de solo formavam
seqüências a longo das vertentes, propondo a palavra “catena” para designa-las. Essa
palavra indica que os perfis se sucedem como os elos de uma corrente, mantendo
relações genéticas entre si.
A distribuição dos solos nos relevos: BENNEMA, CAMARGO E WRIGHT, em 1962,
haviam observado que a distribuição dos solos entre o litoral atlântico e a Bolívia,
estaria relacionada com o tipo de relevo: as zonas serranas com relevo acidentado
abrigariam Litossolos e solos pouco desenvolvidos; as áreas com relevos colinosos
mostrariam Podzólicos vermelho amarelo, medianamente desenvolvidos, e as áreas
com relevos mais tabulares seriam recobertas por Latossolos, solos mais antigos. Sob
esse ponto de vista, Pedologia/pedogênese e GEOMORFOLOGIA/morfogênese
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apresentariam interpretações convergentes sobre juventude e maturidade de relevos
e dos solos, como assinalou QUEIROZ NETO (1975).
Para os pedólogos, essas interpretações da evolução dos relevos serviram como
uma espécie de “muleta” para explicar a distribuição dos solos nas paisagens tropicais.
QUEIROZ NETO (1975) apresentou uma interpretação da distribuição de solos com
horizonte B latossólico e com horizonte B textural na fachada norte oriental da Serra
da Mantiqueira. Os primeiros ocorreriam principalmente em topos mais aplainados,
restos de pediplanos terciários ou plio-pleistocênicos. Os solos com horizonte B
textural, por seu lado, apareceriam em colinas mais baixas ou em níveis escalonados e
embutidos ao longo dos vales e nas vertentes, relevos quaternários.
Pedologia/pedogênese e Geomorfologia/morfogênese apresentaram
interpretações convergentes sobre juventude e maturidade de relevos e dos solos,
como assinalou QUEIROZ NETO (1975). A pedogênese ficava na dependência da
interpretação da evolução do relevo, que estabelecia cronologias às quais a “gênese”
dos solos se adaptaria. De outra parte, possibilitava a definição dos materiais de
origem dos perfis de solo que seriam, em grande parte, alóctones em relação ao
substrato, datando também por ai os solos. Essa adaptação, que não ocorreu apenas
no Brasil, persiste até hoje.
Finalmente, ao falar da interação entre os processos geomorfológicos e
pedológicos, os pesquisadores aceitavam a existência de uma verdadeira antinomia
entre pedogênese e morfogênese.
3- Nova visão dos solos e as relações com os relevos
A nova visão do objeto solo, obriga a realização de ampla revisão das interpretações
das relações entre os solos e as vertentes e/ou entre morfogênese e pedogênese.
A Analise estrutural da cobertura pedológica (AECP) levou a novas interpretações da
gênese dos solos e suas distribuições nos relevos. Esse procedimento permitiu a
superação da visão reducionista do perfil vertical de solo pela noção de cobertura
pedológica, como um continuum que recobre as vertentes (BOULET, 1978; BOULET et
alii, 1984; RUELLAN e DOSSO, 1993, QUEIROZ NETO, 1988, 2003). A aplicação da AECP
permitiu a compreensão correta dos solos, de seus funcionamentos, de suas histórias
(gêneses) e suas distribuições espaciais, além de suas relações com as outras CIÊNCIAS
DA NATUREZA como a GEOMORFOLOGIA.
A AECP mostra que:
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1- os solos constituem um meio organizado e estruturado, aparecendo como uma
cobertura contínua ao longo das vertentes , formando o que pode ser designado de
cobertura pedológica.
2- As organizações pedológicas e suas estruturas apresentam tres dimensões
espaciais, d'onde seu carater tridimensional, além de uma dimensão temporal: as
características dessa organização e estrutura estão presentes em todas as escalas de
observação, desde as da paisagem até a do microscópio.
3- Como decorrência e independentemente das aplicações, o estudo dos solos deve
basear-se no reconhecimento dessas organizações e estruturas pedológicas, em todas
as escalas, de suas características e propriedades, de seu funcionamento e de sua
história.
Os estudos dos processos pedológicos/pedogenéticos levaram ao reconhecimento e
definição dos sistemas pedológicos em equilíbrio dinâmico e em transformação
(BOULET, 1978; BOULET et al, 1984; QUEIROZ NETO, 1988, 1993; RUELLAN e DOSSO,
1993).
3.1- Sistemas em equilíbrio dinâmico
São coberturas pedológicas latossólicas homogêneas vertical e lateralmente, que
ocupam as vertentes desde as posições cimeiras passando no sopé a solos
hidromórficos (SALOMÃO, 1994, QUEIROZ NETO e PELLERIN, 1994). Esses sistemas
ocorrem sobre colinas com topos amplos e bastante planos e vertentes de baixas
declividades. Essas características estão relacionadas à presença de vertentes
regularizadas e em equilíbrio relativo, indicando momentânea estabilidade da rede
hidrográfica. A modificação das relações geométricas das vertentes podem ser
rompidas pelo aprofundamento rede de drenagem, que modificará o funcionamento e
dinâmica hídrica nas vertentes, colocando em desequilíbrio as organizações
pedológicas.
3.2- Sistemas pedológicos em transformação.
O exemplo paradigmático é a sucessão, ao longo das vertentes, dos Latossolos no
topo das colinas e dos Argissolos (solos com horizonte B textural) a partir das meias
encostas. Esses solos aparecem, nas classificações pedológicas, em ordens e/ou classes
geneticamente diferentes.
A sucessão B latossólico B textural ao longo das vertentes é bastante
frequente na região de Marilia (figura 1) e corresponde a um sistema de
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transformação lateral de uma organização pedológica em outra, incluindo
modificações de cor, textura, estrutura, porosidade, mineralogia e outros atributos
físico-químicos dos solos (FERNANDES BARROS, 1985; CASTRO, 1990). Esses estudos
permitiram, além disso, caracterizar a dinâmica hídrica e seu funcionamento, como
indicado na figura 1 através das setas.
Figura 1 – A toposseqüência mostra a transformação de solos com horizonte B latossólico
em solos com horizonte B textural (FERNANDES BARROS, 1985 e CASTRO, 1990).
O desencadeamento desse processo de transformação estaria relacionado com uma
modificação do nível de base local (córrego Invernada), que acelerou os fluxos internos
das soluções na base da vertente, onde se inicia a transformação do horizonte
latossólico em argílico. Avança para montante com perdas de argila, convexização da
base da vertente, porém mantendo o paralelismo com os horizontes. Na porção media
da pedoseqüência, há maior acumulação de água, as perdas de argila se acentuam e
provocam a modificação da forma da vertente para a concavidade (figura 1, pontos 68
e 69).
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O reconhecimento das características pedológicas e dos arranjos geométricos entre
os horizontes permite a espacialização da dinâmica da circulação interna da água
vertical e lateralmente, determina a movimentação de matéria (figura 2) permitiu, por
exemplo, compreender a evolução dos solos e das vertentes em “degraus” sobre
arenito Piramboia com lentes de argila, na região de São Pedro (DIAS FERREIRA, 1997).
Figura 2 – a toposseqüência Retiro mostra como as camadas siltico-argilosas do substrato e
os horizontes B determinam o fluxo lateral (DIAS FERREIRA, 1997).
Os horizontes 1, 2, 3 e sua transformação 4 acompanham o formato da vertente,
indicando que evoluíram concordantemente com ela. O horizonte 6 mostra uma
deformação provavelmente relacionada com o desaparecimento do horizonte 5.
Mas deve-se salientar que a presença da camada 6, siltico-argilosa, no terço
superior da vertente modifica para jusante os fluxos internos das soluções. A
diminuição da velocidade dos fluxos, causada por alguma retenção de água
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(horizontes 2a, 2b, 4a) não modifica (ao contrário acentua) o paralelismo com a
vertente.
O trabalho de LUCAS et allii. (1984) mostra o significado das configurações das
organizações dos horizontes ao longo das vertentes em Manaus, resultante do
funcionamento desse sistema c a transformação dos LATOSSOLOS amarelos do topo
das colinas, com mais de 80% de argila, em PODZÓIS quase sem argila nos terços finais
da encosta, terminando em solos totalmente arenosos no sopé (figura 3). A “erosão”
geoquímica é responsável pelas perdas progressivas de argila e também pela formação
da encosta. A cobertura pedológica é transformada mas seus horizontes mantém-se
paralelos à vertente, indicando que evoluíram conjuntamente. A parte final da encosta
é coberta apenas por areias quartzosas. A leve concavidade da encosta se acentua com
o prosseguimento do processo, formando um degrau arenoso à semelhança de um
terraço fluvial. Para os autores citados, essa configuração do relevo afasta a
interpretação de que esses patamares corresponderiam a terraços fluviais balizando a
evolução recente da drenagem.
Figura 3 – Curvas isovalor de argila na seqüência 1 (LUCAS et alli., 1984) mostram sua
diminuição progressiva, na passagem dos Latossolos amarelos da parte alta (ponto 24) para as
areias brancas do sopé (pontos 4 a 1) passando pelo Podzol (pontos 10 a 4).
3.3- Evolução dos solos, relevo e rede hidrográfica.
A ação geoquímica das águas intempéricas sobre as rochas tem sido negligenciada,
com exceção do carste. No entanto, a alteração das rochas ácidas e básicas pelo
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intemperismo em região tropical elimina quantidades importantes de matéria. MELFI
(1969) estudando um perfil de alteração sobre granito em Itu, avaliou uma perda em
volume de SiO² de até 72% e de 50 a 95% em volume dos cátions; um diabásio em
Campinas apresentaria perdas muito maiores, de até 88% de SiO² e acima de 95% dos
cátions.
Essas perdas serão mais intensas onde as águas intempéricas penetram nas rochas
com maior facilidade e em maior quantidade, justamente ao longo das fraturas, falhas
e diáclases, como CASTRO (1980) indicara ao interpretar a formação de depressões e a
evolução da drenagem no platô de Itapetininga. Essa perda de matéria, mais
acentuada pontual ou linearmente, acaba provocando deformações na superfície
sobre as quais vão se acumular águas de chuva.
Pesquisas realizadas Estação Ecológica do Panga, na região de Uberlândia, mostram
o condicionamento da rede de drenagem pelas estruturas geológicas regionais (LIMA,
1996). O ribeirão Panga segue quase retilíneo uma direção S-SW para N-NE, mesmo
depois de uma quebra de direção para N-NW, volta a seguir a direção primitiva; seus
afluentes, configurados como veredas, são perpendiculares e paralelos entre si.
O estudo de uma vereda sobre arenitos, (figura 4), permitiu mostrar a geometria
das organizações pedológicas ao longo das vertentes. A cobertura pedológica
atravessa a vereda de um lado a outro sem interrupção, mostrando transformações
laterais progressivas dos horizontes (horizontes 5 e 9, figura 1) e aprofundamento do
eixo de drenagem com aparecimento de hidromorfia. A saturação em água na parte
central da vereda é responsável pelo desaparecimento das concreções ferruginosas,
mudanças de cor e diminuição dos teores de argila (horizontes 2 e 2’ e 3 e 3’), além de
formar o horizonte turfoso 7. O afundamento na parte central da vereda deformou
igualmente as duas vertentes, sem alterar no entanto o paralelismo dos horizontes e
da linha de seixos e de concreções ferruginosas, que acompanham a forma da
verftente. É importante assinalar que no fundo da vereda não foram encontrados
indícios de entalhamento por correntes hídricas nem de depósitos sedimentares: sua
forma é causada por alterações das rochas pelo intemperismo, com transferências de
matéria em profundidade seguindo os alinhamentos da estrutura geológica.
O ribeirão Panga segue quase retilíneo uma direção S-SW para N-NE, mesmo depois
de uma quebra de direção para N-NW, volta a seguir a direção primitiva; seus
afluentes, configurados como veredas. são perpendiculares.
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Figura 4 – toposseqüência Vereda na Estação Ecológica do Panga, mostrando o
paralelismo dos horizontes pedológicos (1 e 2) e do nível das concreções com a vertente e a
organização dos horizontes pedológicos com transformações laterais até o centro da vereda.
A presença de depressões fechadas em posições topográficas elevadas nos relevos
tem chamado a atenção dos pesquisadores. A fotografia aérea da porção da chapada
de Uberlândia que contém as depressões da lagoa Irara e do covoal da Fortaleza.
QUEIROZ NETO, FELTRAN FILHO e SCHNEIDER (1998), estudando a lagoa Irara e o
covoal da Fortaleza, mostraram as etapas da instalação e evolução das depressões e da
rede de drenagem (figura 5). Lagoas fechadas menos profundas, como a Lagoa Irara,
constituem a primeira etapa da evolução: as toposseqüências estudadas mostraram
que os horizontes pedológicos argilosos vermelho escuros permanecem paralelos às
vertentes, acompanhando-as em direção ao centro da depressão. Nessa direção o teor
de argila diminui e a coloração passa de vermelho escuro para tonalidades mais claras,
com manchas de hidromorfia em profundidade.
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Figura 5 - Foto aérea EMATER (escala 1:25.000) mostra a lagoa Irara e o covoal da
Fortaleza, e o curso do Beija Flor e afluentes, com sucessão de depressões semi-circulares
coalescentes (QUEIROZ NETO, FELTRAN FILHO e SCHNEIDER, 1998)
O covoal da Fortaleza, maior e mais profundo, representa uma etapa mais avançada
dessa evolução, registrando flutuação importante do lençol freático que aflora na
parte central durante algum tempo. As transformações da cobertura pedológica são
mais intensas, com mosqueamento que se acentua até um material branco na parte
central, mostrando perda considerável do ferro. Esse covoal apresenta um exutório
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que deságua no rio Uberabinha, que aparece no canto nordeste da foto. Esse exutório
é o principal testemunho do inicio de formação de um curso de água.
3.4- Autoctonistas versus aloctonistas e as “Stone lines”
Baseando-se em pesquisas sobre térmitas realizadas na África, CAILLEUX (1957)
havia sugerido que as formigas poderiam ter um papel importante na “formação dos
solos superficiais separados da base por um leito de seixos” observados no Brasil.
Essa sugestão de CAILLEUX provocou uma refutação incisiva de AB’SABER (1962),
para quem as “stone lines” testemunhariam um paleopavimento detrítico, cuja
formação estaria relacionada a processos de erosão seletiva em climas secos, deixando
na superfície um pavimento pedregoso que, posteriormente, seria recoberto por
colúvios mais finos.
Aqui no Brasil não se deu maior atenção ao magnífico trabalho de VOGT e VINCENT
que, em 1966, publicaram uma ampla revisão bibliográfica sobre as interpretações do
“complexe de la stone line”: cerca de 110 citações sobretudo do Brasil e da África: Nas
conclusões afirmam que “o exame das formações superficiais mostra que não existe
uma stone line única mas muitas categorias diferentes, correspondendo cada uma à
condições genéticas particulares e à um certo grau de evolução”.
Essa observação de VOGT e VINCENT parece não ter chegado ao Brasil: a idéia do
paleo - pavimento detrítico dominou o cenário das interpretações realizadas no Brasil
sobre a evolução das vertentes e seus materiais de recobrimento, tanto por pedólogos
quanto geomorfólogos, principalmente na conceituação da evolução dos relevos no
Quaternário.
No entanto, pesquisas realizadas entre nós apontaram outra direção para a
interpretação da presença de stone lines: poderiam testemunhar influências biológicas
(formigas, cupins e minhocas) tanto na gênese de organizações pedológicas (passagem
de estruturas poliédricas para microagregadas), quanto na disposição de horizontes
enterrados e de “stone-lines” (MIKLOS, 1992, 1993). Para ele, o paralelismo das linhas
de seixos e dos horizontes sômbricos de profundidade com a vertente indicam que
essas organizações pedológicas teriam evoluído conjuntamente com a vertente. É
interessante assinalar que pesquisas realizadas na África também indicam a ação de
térmitas na elaboração de estruturas em microagregados de solos ferralíticos. Além
disso, essas pesquisas mostraram também que os materiais situados acima das linhas
de seixos são os mesmos encontrados abaixo delas, resultantes da alteração in situ das
rochas, como aliás o próprio MIKLOS (1983) havia mostrado em Botucatu.
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4- A queda dos mitos e a busca de novos paradigmas
O estudo da gênese, da dinâmica, do funcionamento e da dinâmica dos solos
através da ANÁLISE ESTRUTURAL DA COBERTURA PEDOLÓGICA possibilitou relacionar
os solos/formações superficiais com a evolução do relevo, levando a identificar a
importância da pedogênese para a geomorfogênese (QUEIROZ NETO, 2001).
É possível ressaltar, em primeiro lugar, que os resultados apontam para a
necessidade de realizar uma revisão de alguns conceitos das classificações de solos,
como por exemplo a posição ocupada pelos Latossolos e Argissolos. Esses solos são
frequentemente colocados em ordens e/ou classes diferentes sugerindo que eles
resultariam de processos genéticos diversos. No entanto, como mostram os resultados
da Análise Estrutural da Cobertura Pedológica, eles representam etapas de um só e
mesmo processo, estando geneticamente associados.
Alguns aspectos das relações entre os solos e as vertentes, ou entre pedogênese e
morfogênese merecem ser destacados.
É preciso ter em conta que não há necessariamente antagonismo entre pedogênese
e morfogênese, os dois processos atuando conjuntamente no estabelecimento do
modelado. A continuidade dos horizontes do topo à base das colinas, mesmo com
transformações laterais, indica o desencadeamento de processos solidários e
simultâneos que prosseguem até agora; isso envolve também a idéia de convergência
e de manutenção da funcionalidade. O paralelismo das organizações pedológicas com
a forma da vertente é um indicador desse fato. É interessante perceber que se o relevo
constituiu importante fator de formação dos solos, os resultados das pesquisas
mostram que o solo é um importante fator de formação dos relevo.
Da mesma forma, o paralelismo freqüente das “stone lines” com as vertentes
também indica que suas gênese e evolução devem ser simultâneas e contemporâneas
à evolução das vertentes e solos. A atuação da atividade biológica dos solos na
fabricação de agregados e na migração ascendente vertical de materiais, enterrando as
“stone lines”, leva à re-interpretação da gênese dos solos e da evolução das vertentes,
no sentido da autoctonia dos materiais de origem, da evolução conjunta dos solos e
das vertentes além de também trazerem a noção de manutenção da funcionalidade.
Apontam ainda para a importante contribuição da atividade biológica na construção
das formas de relevo.
A formação e evolução das depressões fechadas, semi-fechadas e abertas é da
responsabilidade de “erosão” geoquímica desde o inicio das alterações superficiais.
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Além disso, lagoas fechadas e erosão geoquímica seriam uma porta aberta, pelo
menos “pro parte”, para a instalação da própria rede de drenagem.
Para finalizar, podemos afirmar que pesquisas pontuais e sistemáticas são
necessárias para reafirmar algumas questões levantadas. Para isso, deve ser
empregado todo o arsenal disponível de técnicas de campo e laboratório, que levem
ao aprofundamento da questão das relações dos solos com as vertentes e substratos
geológicos, da morfogênese com a pedogênese.
Da mesma forma, o paralelismo freqüente das “stone lines” com as vertentes
também indicam que suas gênese e evolução podem ser simultâneas e
contemporâneas à evolução das vertentes e solos. A atuação da atividade biológica
dos solos na fabricação de agregados e na migração ascendente vertical de materiais,
enterrando as “stone lines”, leva à re-interpretação da gênese dos solos e da evolução
das vertentes, no sentido da autoctonia dos materiais de origem, da evolução conjunta
dos solos e das vertentes além de também trazerem a noção de manutenção da
funcionalidade.
A formação e evolução das depressões fechadas, semi-fechadas e abertas é da
responsabilidade de “erosão” geoquímica. Além disso, lagoas fechadas e erosão
geoquímica seriam uma porta aberta, pelo menos “pro parte”, para a instalação dos
cursos d’água e da própria rede de drenagem.
Para finalizar, podemos afirmar que pesquisas pontuais e sistemáticas são
necessárias para reafirmar algumas questões levantadas. Para isso, deve ser
empregado todo o arsenal disponível de técnicas de campo e laboratório, que levem
ao aprofundamento da questão das relações dos solos com as vertentes e substratos
geológicos, da morfogênese com a pedogênese.
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