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JOSÉ CARLOS LIMA DE SOUZA
O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) –
O Moderno Príncipe educativo brasileiro na história do tempo presente.
Tese apresentada ao Curso de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área de Concentração: História Política.
Orientador: Prof. Dr. BERNARDO KOCHER
Niterói2008
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S729 Souza, José Carlos Lima de. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – o Moderno Príncipe educativo brasileiro na história do tempo presente / José Carlos Lima de Souza. – 2008.
260 f.
Orientador: Bernardo Kocher.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, 2008.
Bibliografia: f. 239-260.
1. Trabalhador rural – Educação - Brasil. 2. Reforma agrária –Camponês - Brasil. 3. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. I. Kocher, Bernardo. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia III. Título.
CDD 370.19340981
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
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JOSÉ CARLOS LIMA DE SOUZA
O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) –
O Moderno Príncipe educativo brasileiro na história do tempo presente.
Tese apresentada ao Curso de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área de Concentração: História Política.
Aprovada em março de 2008.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________Prof. Dr. Bernardo Kocher – Orientador
Universidade Federal Fluminense
____________________________________________________Prof. Dr. Marcelo Badaró
Universidade Federal Fluminense
____________________________________________________Prof.ª Dr.ª Cláudia Maria Costa Alves
Universidade Federal Fluminense
____________________________________________________Prof.ª Dr.ª Ana Maria Monteiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro
____________________________________________________Prof. Dr. Eduardo StotzFundação Oswaldo Cruz
Niterói 2008
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DEDICATÓRIA
Aos meus queridos filhos Lucas, Letícia, Mateus e Luísa pela inspiração e estímulo que me dão a cada dia na luta por um mundo melhor, sempre acreditando na vida e apostando que é possível melhorá-la num sentido mais amplo, fraterno, solidário, e, principalmente, coletivo.
À minha mãe Maria de Lourdes, aos irmãos Lúcia, Rosane e Helinho, ao meu querido e saudoso pai Hélio Lopes de Souza, in memorian, cujo carinho e apoio em toda minha história foram fundamentais para que eu chegasse até aqui.
À Márcia, minha querida esposa e companheira, que, com seu carinho, fidelidade e amor tanto, me encorajou a seguir adiante, mesmo quando eram muitas as dificuldades.
Ao meu amigo, Prof. Bernardo Kocher,pelo precioso e corajoso apoio dado a minha pesquisa, aceitando o convite para orientá-la.
A tantos amigos, companheiros de estudo, mestres, professores, companheiros de luta do PEJA (Projeto de Educação de Jovens e Adultos do Município do Rio de Janeiro), que continuamente me incentivaram nesta trajetória,em tantos e tantos momentos de minha vida, das mais variadas formas, fazendo com que a lembrança e amizade desafiem o tempo.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Bernardo Kocher pelo incentivo acadêmico e
profissional, sempre vislumbrando novas perspectivas para o
socialismo, e também pela paciência, compreensão, e, sobretudo, pela
amizade e atenção dedicadas à minha pessoa.
A todos os professores do Departamento de História da UFF que
fizeram parte de maneira ativa e fundamental na minha formação como
historiador e educador, ajudando-me a compreender o valor de uma
história crítica, ativa, participativa e transformadora.
Ao grande mestre e amigo, Prof. Pedro Eduardo de Oliveira, pela ajuda
oportuna dada a minha pessoa na difícil tarefa de revisar os textos de
cada capítulo desta tese, com maestria tão grande quanto o seu
despojamento e sua humildade.
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"Estamos convencidos de que a mudança histórica
em perspectiva provirá de um Movimento de baixo
para cima, tendo como atores principais os países
subdesenvolvidos e não os países ricos; os
deserdados e os pobres e não os opulentos e outras
classes obesas; o indivíduo liberado partícipe das
novas massas e não o homem acorrentado; o
pensamento livre e não o discurso único. Os pobres
não se entregam e descobrem a cada dia formas
inéditas de trabalho e de luta; a semente do
entendimento já está plantada e o passo seguinte é o
seu florescimento em atitudes de inconformidade e,
talvez, rebeldia." (Milton Santos)
“A filosofia da práxis não busca manter os simples
na sua filosofia primitiva do senso comum, mas
busca, ao contrário, conduzi-los à concepção de
vida superior.” (A. Gramsci)
“Devemos compreender de modo dialético a relação
entre a educação sistemática e a mudança social, a
transformação política da sociedade. Os problemas
da escola estão profundamente enraizados nas
condições globais da sociedade.” (Paulo Freire)
“O senso comum de época se faz saturado com uma
ensurdecedora propaganda do status quo, mas o
elemento mais forte dessa propaganda é
simplesmente o fato da existência do existente.” (E.
P. Thompson)
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Resumo
O presente trabalho tem com objetivo comprovar a tese de que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST) é um partido político segundo a definição gramsciana para tal conceito. Esta análise se constrói a partir do estudo da história da formação do Movimento, das suas formas de organização, e de mobilização das massas no campo, no Brasil atual, e, sobretudo, do papel e da importância da educação como elemento-base para a consolidação deste Movimento social. A articulação de todos estes fatores foi de fundamental importância para a expansão do MST, levando-o à condição de um Movimento nacional, condição que sustenta a partir de duas estratégias, a territorialização e a espacialização, sendo a educação e a cultura, elementos de destaque na formulação das atribuições de ambas. Por isso mesmo, esta análise privilegia a educação como objeto de pesquisa, mostrando como ela acabou se constituindo em tema e objetivo de tantas discussões políticas desde a formação do Movimento até chegar a se constituir em um dos mais destacados setores na direção do MST. E esta relação entre a vida do Movimento e a luta constante em defesa da construção de uma educação de qualidade, universalizada, em todos os níveis, tanto para a sua militância como para as suas bases sociais, faz dele, para além de um partido político gramsciano, o moderno príncipe educativo brasileiro. Este é grande o objetivo desta tese, ou seja, perceber como um Movimento que organiza a luta pela terra, também organiza e faz avançar a luta por uma educação, que atinja a finalidade de transformar os atores sociais no campo em sujeitos de uma transformação que vai além da simples conquista da terra como bem material. Outra questão é a retomada do conceito de campesinato para definir estes novos sujeitos sociais rurais brasileiros, enquanto classe social, com interesses próprios e uma dinâmica social específica, contrapondo-se às teses de Eric Hobsbawm. Para o historiador inglês, o campesinato tenderia a desaparecer tanto pela modernização capitalista da agricultura quanto pela inviabilidade da existência de um partido agrário. As características peculiares que o conjunto dos camponeses possui no processo de desenvolvimento capitalista, pelo advento da transformação da terra como mercadoria e bem de produção, e pela renda capitalizada da terra, que em síntese cristalizam a contradição capital-trabalho no campo, em última análise criando uma tendência histórica de aprisionamento do campesinato e destruição de sua identidade de classe. Neste sentido, é relevante entender como e com que este conceito é recuperado e re-significado pelo Movimento, para mostrar que a possibilidade contráriafoi e tem sido possível, ou seja, que o campesinato brasileiro sobreviveu ao capitalismo, aperfeiçoando formas organizativas, com especificidade própria, fora de uma lógica de lutas políticas contra a exploração, nos moldes assalariados urbanos. Mais uma vez a chave para a compreensão de tal processo é a educação. Seus elementos fundamentais, pelos vínculos que têm com o programa político do MST, o projetam para além dos marcos da luta pela terra, stricto sensu, incorporando anseios por conquistas sociais de caráter universal para o conjunto das classes populares no Brasil, formando neste sentido intelectuais orgânicos com uma leitura de mundo freireana. Esta é a forma da guerra de posição gramsciana travada pelo Movimento na conjuntura brasileira do tempo presente.
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Abstract
The present work aims to present the Brazilian Landless Workers Movement, called MST, as a political party concerning to Gramsci´s theory in relation to this concept. The researches based on the history of the origins of that social movement, its characteristics and its way of calling new members, have chosen the education like the main tool in the MST’s development by now. Altogether, these elements have been too important to expand its fight making MST Known throughout the country. That is to say that MST is not only peasant party but a Brazilianparty. There are two strategies that have been decisive to make it: territorialization spacialization. The first one is related to physical occupation of not productive properties and the second one is related to cultural and political occupations with actions like to build schools, hospitals and social structure to poor people, which sometimes force local authorities to establish any contact with them by the popular respect and leadership it has got. In this case this work elected the actions in education like the most relevant because it was always present in the objects of discussion among the direction of MST. Nowadays it is one the most powerful division of national directory. The relationship between the movement’s life and its fight for qualified and universal education in all its levels, not only to its members, but also to Braziliancountry, makes it beyond a gramscian political party, the Brazilianeducational modern prince. This is the final discussion of this thesis: to understand how a social movement which organizes the fight for land to rural workers can also creates an education conception to make the social actors in Brazilian country or those people that will be themselves who will change the traditional principium of get land like private property to social property. This is the opposite that support Eric Hobsbawm, who does not believe in the possibility that peasants can be politically organized like a social class, with its own social dynamic of reproduction. To him the capitalism would make the peasants disappear by the modern technology and resources that would bring profits in relationship and in agriculture. Unavoidable it would divide the country between the owners of business and those that could not adapt to these changes by themselves. The latter would be exploited which according tothe British historian would not happen owing to the fact that there is not either a peasant party and a peasant class identity. So it is very interesting to know how and why the concept of modern peasant class has beenrecuperated to have a new meaning which has been made in a different way if compared to working class in the cities. Once more the education has its role making organics intellectuals that interpret and traduce the new meanings of fight for land in the capitalistic system producing a critical view of world in education as Paulo Freire´s conception suggested. In others words it is a gramscian war of position fought astrench warfare by MST in Brazil nowadays.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO........................................................................................................... 2
1. GRAMSCI – PARTIDO POLÍTICO, QUESTÃO AGRÁRIA E MST....................... 9
1.1 O conceito de partido político em Gramsci............................................................................. 9
1.2 A Questão Agrária em Gramsci ............................................................................................ 31
1.3 Gramsci e o MST .................................................................................................................. 42
2. O CAMPESINATO BRASILEIRO NA HISTORIOGRAFIA AGRÁRIA RECENTE: MST - UM SUJEITO COLETIVO DE TIPO NOVO................................................ 61
2.1. O campesinato e o marxismo ................................................................................................ 61
2.2. O campesinato na historiografia brasileira............................................................................ 73
2.3. Os desafios atuais do campesinato brasileiro e do MST ....................................................... 86
3. GRAMSCI E FREIRE – A EDUCAÇÃO POPULAR-UNIVERSALIZADA E A REFORMA INTELECTUAL E MORAL................................................................ 105
3.1. A escola e a transformação social ....................................................................................... 105
3.2.GRAMSCI e FREIRE – Um olhar comum sobre o papel da educação e os Movimentos sociais........................................................................................................................................ 116
4. EDUCADORES E EDUCANDOS DO MST: INTELECTUAIS ORGÂNICOS DA CONQUISTA DA ESCOLA NA LUTA PELA TERRA ........................................ 131
5. ESCOLARIZAÇÃO E GUERRA DE POSIÇÕES: A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS ELEMENTOS DA EDUCAÇÃO NA ESCOLA DO MST............................ 170
6. O MODERNO PRÍNCIPE EDUCATIVO - UMA ALTERNATIVA CONTRA-HEGEMÔNICA AO MODELO DE DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NO BRASIL DO TEMPO PRESENTE ......................................................................................... 197
7. CONCLUSÃO.......................................................................................................... 228
8. REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS ......................................................................... 239
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 249
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APRESENTAÇÃO
A presente pesquisa tem com objetivo comprovar a tese de que o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem terra (MST) é um partido político nos termos da definição
gramsciana de tal conceito. E mais, consideramos que o MST é, de fato, o moderno
príncipe brasileiro na história do tempo presente. Segundo Gramsci, o moderno príncipe
não pode ser um indivíduo, e sim um sujeito coletivo, um partido organizador da vontade
coletiva nacional popular. Ele deve mobilizar forças sociais interessadas em levar adiante
um projeto de sociedade que contemple os seus interesses, valores e visão de mundo.
De início, cabe ressaltar que se trata de um trabalho de história política que coloca
um grande desafio para os historiadores, pois se inscreve no terreno da História do Tempo
Presente. Este é um campo ainda em fase de consolidação na produção historiográfica,
visto com muita desconfiança pela própria comunidade acadêmica, principalmente pelo
cuidado ainda maior que exige em relação ao trato com questões epistemológicas, em
relação às técnicas de seleção e ao exame das fontes primárias, marcadas pela precariedade
de suas condições de produção, sempre provisórias e frágeis. Por isso mesmo, a presente
pesquisa não pode abrir mão de um diálogo com outras ciências sociais, pois devemos
reconhecer que elas têm ocupado um espaço que precisa ser disputado também pela
produção científica no campo da História.
Um outro aspecto relevante é que a hipótese de trabalho revela uma opção
teórico-metodológica pelo marxismo gramsciano como teoria da História. Cabe dizer, no
entanto, que a escolha anterior inspira cuidados no sentido de reorganizar as idéias e os
conceitos de Gramsci para trabalhar num terreno, que não foi exatamente o dele, que é
questão agrária. Sua leitura histórica acerca do campesinato, enquanto sujeito social, e sua
concepção quanto ao papel da escola e da educação foram organizados a partir de uma
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lógica na qual o proletariado urbano é o grande sujeito revolucionário. Enfrentar este
desafio é um dos aspetos que marcam a originalidade e relevância deste trabalho.
Pretendemos, então, reatualizar os conceitos de Gramsci, acreditando na
fecundidade do seu pensamento e do materialismo histórico, como teoria crítica social que
ainda dá conta das contradições atuais do capitalismo, compreendendo por outro lado o que
há de novo nestes novos sujeitos históricos que são os Movimentos sociais rurais no Brasil,
na América Latina e no mundo. Para isto, faz-se necessário discutir outros dois aspectos
fundamentais, que também são alvo de calorosos debates e polêmicas, que são: a) o papel
da educação como um dos elementos construtores de um projeto de hegemonia; e, b) a
atualidade de um outro importante conceito que é o de campesinato, enquanto classe
social, com interesses próprios e uma dinâmica social específica, contrapondo-se às teses
de Eric Hobsbawm segundo o qual, o campesinato tenderia a desaparecer tanto pela
modernização capitalista da agricultura quanto pela inviabilidade da existência de um
partido agrário. Segundo ele, as características peculiares que o conjunto dos camponeses
possui no processo de desenvolvimento capitalista são marcadas pelo advento da
transformação da terra em mercadoria e em bem de produção, e ainda pela renda
capitalizada da terra, que em síntese cristalizam a contradição capital-trabalho no campo.
Em última análise, tais fatores criam uma tendência histórica de aprisionamento do
campesinato e destruição de sua identidade de classe. Estudamos de modo particular,
dentro do processo histórico de formação e organização do MST, o setor ligado à educação
para mostrar que o contrário foi e tem sido possível, ou seja, que o campesinato sobreviveu
ao capitalismo, aperfeiçoando formas organizativas, com especificidade própria, fora de
uma lógica de lutas políticas contra a exploração, nos moldes assalariados urbanos. Ela é,
portanto, objeto de estudo fundamental, pelos vínculos com a consolidação e expansão do
Movimento, pela formação da militância de massas camponesas ou pobres do campo –
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como são chamados pela sociologia rural – construindo a ideologia deste Movimento
social. O MST se coloca, então, para além dos marcos da luta pela terra, strictu senso,
incorporando anseios por conquistas sociais de caráter universal.
Daí, advêm outros dois relevantes aspectos. O primeiro é a possibilidade de que o
MST seja um Movimento social de origem camponesa, que em meio à atual crise
econômica e política, na qual estão mergulhados os partidos e entidades de classes
representativas dos trabalhadores assalariados, pode constituir-se numa alternativa de
enfrentamento aos interesses imperialistas hegemônicos no Brasil. Assim, a luta pela terra
torna-se uma bandeira política que está diretamente ligada à posse da terra como forma de
propriedade privada burguesa, mas, pelo contrário, representa a metáfora de um conjunto
de reformas econômicas, políticas e sociais que revoluciona os princípios fundantes de
uma histórica dominação de classes de longa duração construída no país. O segundo ponto
a ser ressaltado é que a luta pela terra é travada dentro dos marcos institucionais e legais
que regem o modelo sócio-econômico vigente no país. A luta pela reforma agrária, o
assentamento de famílias em terras desapropriadas, a formação de acampamentos, as
marchas dos sem-terra, e o processo de ocupação de terras improdutivas trazem à tona as
diversas contradições do capitalismo brasileiro relacionadas de forma causal a tais ações.
Dentre elas, destacamos a necessidade de um sistema público de saúde de qualidade, o
acesso à educação – que segundo a constituição vigente deveria ser direito de todos – e por
fim, a própria existência efetiva de um estado democrático de direito no campo. Estes são
os aspectos mais visíveis das tarefas de uma guerra de posições gramsciana no Brasil
atual. Daremos ênfase, no presente trabalho, ao papel da educação no processo de
consolidação e atuação do MST como um dos aspectos visíveis deste processo político.
Para alcançar todos estes objetivos, desenvolvendo-os de forma encadeada, este
trabalho está dividido em seis capítulos.
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O capítulo 1 – GRAMSCI – PARTIDO POLÍTICO, QUESTÃO AGRÁRIA E
MST – aborda aspectos teóricos e práticos do polêmico legado de Antonio Gramsci, um
dos fundadores do Partido Comunista Italiano em 1921, cuja obra influenciou gerações
dentro do Movimento socialista internacional a partir do final da década de 1950.
Considerando que existem interpretações diversas acerca de seus conceitos, abordaremos
neste capítulo os conceitos de partido político e guerra de posições. Estes não serão
pensados a partir de uma luta política legislativa e parlamentar, ou ainda uma luta
meramente no campo cultural, restrita ao campo da ética e da filosofia. O conceito de
hegemonia aqui se torna muito mais que um mero domínio ideológico. A disputa pela
hegemonia compreende tarefas complexas, localizadas em diversos terrenos da vida social,
começando pela estrutura ou pelo econômico, mas passando também pela política e até
pela dimensão psicológica. Feitas estas considerações, enfrentamos a questão da
historicidade do pensamento gramsciano, justificando como seria possível estudar os
Movimentos sociais rurais da contemporaneidade, em particular o MST, com o objetivo de
preparar o terreno teórico para a comprovação da tese de partida da pesquisa. Para realizar
esta tarefa, é fundamental atualizar os conceitos de guerra de posições, sociedades
ocidentais e sociedades orientais, o papel dos intelectuais, o conceito de Estado ampliado
que incorpora a sociedade civil como espaço de luta contra-hegemônica, o conceito de
partido político, etc.
No capítulo 2 – O CAMPESINATO BRASILEIRO NA HISTORIOGRAFIA
AGRÁRIA RECENTE: MST - UM SUJEITO COLETIVO DE TIPO NOVO – o
objetivo é investigar as teses clássicas do marxismo sobre a questão agrária, que ajudaram
a consolidar um senso comum a respeito do campesinato como sujeito sócio-histórico.
Grande parte destas teses levou à generalização, muitas vezes ahistórica, de que o
campesinato não tem condições de organizar uma luta contra o capitalismo. Mostramos,
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ainda, como a origem desta formulação se encontra nos estudos marxistas aplicados a
condições histórica específicas, principalmente da Europa Ocidental no século XIX, por
ocasião do bonapartismo na França, por exemplo. Tal interpretação decorre ainda de uma
leitura parcial e desqualificadora do papel do campesinato na aliança política que levou a
revolução bolchevique à vitória na Rússia em 1917, imprimindo-lhe um caráter subalterno
na construção de uma hegemonia anticapitalista. Por fim, mostra como Gramsci dá novo
significado à questão agrária, abrindo novas possibilidades para a recolocação e a
atualização do conceito de camponês, a despeito inclusive das profecias marxistas de Eric
Hobsbawm em A Era dos Extremos.
No capítulo 3 – GRAMSCI E FREIRE – A EDUCAÇÃO POPULAR-
UNIVERSALIZADA E A REFORMA INTELECTUAL E MORAL – partimos da
premissa de que é necessária uma contextualização das condições de produção de Gramsci,
pois sua realidade histórica estava ligada às condições objetivas da luta política do seu
tempo, quando o operariado era o grande sujeito histórico revolucionário. Assim, quando
estivermos tratando especificamente das temáticas ligadas à educação, promoveremos o
diálogo entre o pensador italiano e o grande filósofo da educação no Brasil, que foi Paulo
Freire. E esta escolha se justifica por vários motivos, a saber: o legado freireano dialoga de
maneira mais livre com o cotidiano camponês, como se vê pela sua própria trajetória como
sujeito histórico e geográfico. Outro motivo é que Paulo Freire foi leitor de Gramsci, algo
que foi tornado público pelo próprio filósofo e educador brasileiro; e terceiro, porque
vemos uma convergência entre os conceitos de o sujeito crítico e leitor do mundo de Freire
e o intelectual orgânico de Gramsci. Desta forma pretendemos mostrar quais as
possibilidades, os desafios e a importância da educação para a transformação social, para o
desenvolvimento de luta política pela construção da hegemonia.
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No capítulo 4 – EDUCADORES E EDUCANDOS NA LUTA PELA TERRA
– discute-se a origem dos educadores e dos educandos que protagonizam o dia-a-dia do
processo educacional nos assentamentos e acampamentos do MST e as conseqüências
deste aspecto na prática educacional do Movimento, especialmente o tipo de pedagogia
que daí nasce. Faz ainda um paralelo entra a vida política e a prática educacional defendida
pelo MST, e principalmente os desafios enfrentados no cotidiano pelo Movimento no
campo educacional. Desta forma, mostra como a escola do MST tem contribuído para a
formação de intelectuais orgânicos, ou seja, atores sociais fundamentais porque são
geradores e difusores de um jeito de ser próprio dos sem-terra, incorporando a mística, a
cultura e a visão de mundo destes sujeitos sociais.
No capítulo 5 – ESCOLARIZAÇÃO E GUERRA DE POSIÇÕES: A
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS ELEMENTOS DA EDUCAÇÃO NA
ESCOLA DO MST – são apresentados alguns dos elementos da educação desenvolvida
nas escolas do MST. Além aprofundar a discussão sobre a proposta pedagógica do
Movimento, aborda-se as características do cotidiano da escola. Neste sentido, são
discutidos os métodos de ensino e recursos utilizados no desenvolvimento do processo de
ensino-apredizagem, situando o modo como a educação popular de Paulo Freire se
combina ao planejamento e à gestão do trabalho educacional, favorecendo a formação de
um educando crítico, militante e coletivamente organizado, não só nos momentos em que
realiza um trabalho específico para o MST, mas, também, e, sobretudo, no seu dia-a-dia,
nas suas tarefas mais simples e rotineiras. Este, capítulo, portanto, fornece elementos para
que se possa fazer uma ponte entre o capítulo 4 e o capítulo 6, mostrando como a educação
é, para o MST, uma dimensão organizativa fundamental.
No capítulo 6 – O MODERNO PRÍNCIPE EDUCATIVO - UMA
ALTERNATIVA CONTRA-HEGEMÔNICA AO MODELO DE
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DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NO BRASIL DO TEMPO PRESENTE –
retomam-se as questões desenvolvidas nos capítulos anteriores, tais como os conceitos
gramscianos de partido político, partido revolucionário – o Moderno Príncipe, guerra de
posições, resgatando na história do MST o projeto de assentamentos rurais chamado de
Comunas da Terra. O objetivo é mostrar como tal projeto se constitui numa alternativa
contra-hegemônica ao atual modelo de desenvolvimento capitalista em curso no país,
chamando à atenção para a aliança de classes e o conceito de propriedade presentes no
citado projeto. Também o situa como um projeto da classe camponesa, problematizando tal
conceito, e discutindo o papel do proletariado expropriado neste contexto. Aborda ainda
leituras discordantes quanto às conceituações utilizadas para os sujeitos assentados quanto
ao caráter camponês ou agricultor familiar, baseados numa análise economicista.
Apresenta o conceito de camponês a partir de um outro viés, discorrendo sobre a
permanência camponesa no capitalismo, seus fundamentos, e a face revolucionária do
campesinato. Por fim apresenta o MST como partido organizador de uma vontade coletiva
nacional-popular, contextualizando sua estratégia como uma ação política orientada a
partir dos interesses de classe de um novo campesinato.
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1. GRAMSCI – PARTIDO POLÍTICO, QUESTÃO AGRÁRIA E MST.
1.1 O conceito de partido político em Gramsci
Recentemente, o jornal O GLOBO publicou uma nota intitulada Terra em transe1,
onde registrava a presença de oitenta representantes do MST no campus da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), participando de um curso de filosofia durante todo
aquele mês de fevereiro. Segundo a nota, tal fato poderia indicar que o Movimento, a partir
de então, passaria a ser menos bárbaro em suas invasões, podendo ainda sinalizar que o
MST preparava quadros para se oficializar um partido político. Através da sua assessoria
de imprensa, os sem-terra responderam em nota oficial, também intitulada Terra em
transe2, publicada no mesmo veículo de comunicação, que não tinham a pretensão de
tornar-se partido político, esclarecendo que consideram, desde a fundação do Movimento
em 1984, “a educação em todos os níveis tão importante quanto a reforma agrária” 3 .
Frisaram, ainda, que o MST mantém quarenta convênios com treze universidades públicas
espalhadas pelo país, e desta forma possui um calendário de eventos e cursos escolhidos de
comum acordo entre o Movimento e as instituições.
Antes de avançarmos nas considerações acerca de tal episódio, cabe-nos, no
desenvolvimento de um trabalho historiográfico, ressaltar algumas contradições que não
poderiam passar despercebidas, e que tiveram lugar nesta discussão coberta por um veículo
tão importante da mídia brasileira. A primeira delas é que tal embate teve como ponto de
partida a investida de um colunista do jornal, que, como se vê, apesar de dedicar sua
coluna a notícias ligadas aos acontecimentos culturais genuinamente urbanos, limitados ao
espaço carioca, não hesitou ao tecer pesados comentários, que fogem ao tom comum de
1 SANTOS, Joaquim Ferreira dos. TERRA EM TRANSE, O Globo, Rio de Janeiro, 14 fev. 2006, Segundo Caderno, coluna GENTE BOA, p. 3.2 SANTOS, Igor Felippe. TERRA EM TRANSE, O Globo, Rio de Janeiro, 15 fev. 2006, O País, seção CARTA DOS LEITORES, p. 6.3 O grifo é nosso.
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suas notas. Isso ficou claro quando fez considerações sem a menor isenção quanto a sua
ideologia de classe acerca de como vê a prática do Movimento social, utilizando adjetivos
como bárbaro ao se referir à prática de invasões, ao invés de usar, por exemplo, o termo
ocupação. Esta denominação é largamente utilizada não só pela mídia do MST, como
também por diversas produções acadêmicas espalhadas pelo país, que tratam do assunto.
Por fim, o colunista ventila justamente a hipótese de que o MST quisesse, naquele
momento, preparar quadros para se oficializar como partido político. Esta última
afirmativa, em particular, está repleta de fecundas e instigantes questões, tais como: para o
colunista o ato de tornar-se partido político pressupõe a formação de quadros
especializados, e neste caso a formação filosófica é matriz fundante de tal iniciativa; o
conceito de partido político está diretamente ligado à institucionalização oficial, o que
necessariamente avalia o atual estágio do Movimento social como uma fase anacrônica
dentro da sua trajetória política, daí a possibilidade de, tornando-se partido político, vir a
tornar-se automaticamente menos bárbaro.
A resposta do Movimento não poderia ser mais curiosa, não só quando procura
negar veementemente a pretensão de formar um partido político – o que indica que esta
hipótese é de fato recusada por sua direção –, como também quando incorpora ao escopo
de sua luta política a questão educacional. Esta, por sinal, se trata, segundo a resposta do
MST, de uma questão que guarda com a reforma agrária, ou com a luta pela terra, uma
relação de simetria e complementaridade, sendo não só importante, mas fundamentalmente
necessária.
Independente das posições defendidas por ambas as partes neste embate, algumas
questões levantadas no episódio são cruciais para a presente pesquisa. Se for possível
pensarmos no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra como um partido político,
cabe-nos aqui esclarecer, qual o caminho teórico para fazê-lo, explicitando a opção
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epistemológica, a teoria da história escolhida, suas possibilidades. E ao mesmo tempo
indicar os cuidados que devem ser tomados ao utilizarmos seus conceitos fundamentais de
modo a produzirmos uma análise que seja ao mesmo tempo contextualizada, elucidativa e
crítica em relação aos argumentos apresentados.
Como demonstra o título desta tese, retomamos o pensamento de Antonio
Gramsci como teoria utilizada para chegarmos ao objetivo da pesquisa em curso. Portanto,
queremos testar e confirmar a hipótese da condição do MST, de fato, como um partido
político, segundo a teoria gramsciana de partido, ou seja, um Movimento social que se
revela uma grande expressão coletiva, que organiza e qualifica as lutas de uma classe
social, promovendo a sua ascensão à cena política. E nesta dinâmica social acaba
representando também os anseios de outras classes sociais subalternas contra toda forma de
opressão no Brasil contemporâneo, algo que o situa, enfim, como o moderno príncipe
brasileiro do tempo presente.
Desde que chegaram ao Brasil, os escritos de Gramsci foram utilizados pelos
militantes do PCB, tendo em conta determinadas ênfases que acabaram
determinadas/determinantes pelas condições objetivas da luta política das esquerdas
organizadas no Brasil da década 1960. Um exemplo claro disso é o da apropriação do
conceito que não é originado em Gramsci, mas assume na sua visão outro significado,
diverso daquele atribuído pelo marxismo clássico, que é a noção de sociedade civil. A luta
pela redemocratização no país, iniciada após o esgotamento do milagre econômico (1968-
1973), opunha a idéia de civil à de militar. Isto levava muitos dos primeiros gramscianos
brasileiros a apostarem numa interpretação de que a sociedade civil gramsciana constituía-
se numa trincheira teórica, pois o termo civil tomado em lato sensu lhe emprestava a idéia
de oposição diametral àquele estado autoritário, onde o conceito de Estado aparece por
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demais negativado, enquanto o de sociedade civil é positivado, como afirma Carlos Nelson
Coutinho4.
Estas apropriações conceituais inauguram, por assim dizer, uma série de
apropriações conceituais imprecisas e mecanicistas do pensamento de Gramsci. A
hegemonia era vista de uma perspectiva meramente prática, como o predomínio dos
interesses de uma classe sobre outras inimigas ou aliadas, ou mesmo a obtenção de um
domínio ideológico5, esvaziando-a de seu significado e conteúdo de uma dimensão
dinâmica, que vê na história um permanente fazer-se/refazer-se. Pensa-se, aqui, mais no
imediato político. Daí, decorrem outras associações ainda mais errôneas que reduzem o
conceito de guerra de posições ao aliancismo político eleitoral e à luta parlamentar na
democracia liberal representativa, opondo as sociedades ocidentais às sociedades orientais,
de modo geograficamente, chegando até ao maniqueísmo. Aliás, há também a visão do
Gramsci liberal que pára na democracia progressiva, permanentemente aperfeiçoada, uma
vez que no mundo globalizado as sociedades orientais foram ocidentalizadas,
transformando o pensador italiano quase em profeta da tese do fim da história.
Cientes de que Gramsci foi um pensador do seu tempo, devemos contextualizar
historicamente as condições de produção de sua obra. Para isto, destacamos como ponto de
partida a reflexão acerca das condições políticas que marcam o momento da classe operária
italiana, particularmente, na segunda década no século XX, numa Itália marcada pela
experiência traumática da Primeira Guerra Mundial. A economia estagnada tornou-se
palco privilegiado para agitações do proletariado, cenário político que tinha no PSI
(Partido Socialista Italiano) e na CGL (Confederação Geral dos Trabalhadores) os grandes
elementos organizativos dos trabalhadores italianos. O PSI que tinha grande influência
4 Cf. SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a sociedade civil: cultura e educação para a democracia. Petrópolis, Vozes, 2001. p 9-12.5 Cf. DIAS, Edmundo Fernandes O outro Gramsci. São Paulo, Xamã, 1996, p. 9.
13
sobre a CGL estava dividido entre duas correntes. Uma delas era a dos maximalistas, cuja
posição tática era apostar no aprofundamento da crise até a insolvência política do governo
liberal italiano, e outra, a dos reformistas, que preferiam um controle da situação,
ganhando posições políticas através de alianças conciliatórias com o governo liberal,
contornando a crise, ao mesmo tempo, conquistando terreno para a implantação de um
projeto socialista, gradual. Gramsci se opunha às duas teses, pois segundo ele, os dois
campos estavam presos a uma visão tático-estratégica marcada pelo etapismo e pelo
mecanicismo - denominações oriundas dos debates da segunda internacional socialista
(1889-1914), até então predominante na avaliação do horizonte político do Movimento
socialista internacional.
Neste sentido testemunhou uma experiência decisiva do Movimento operário
italiano em Turim que foi a experiência dos Conselhos de Fábrica, quando os operários da
cidade, após um grande Movimento grevista realizado durante ao ano de 1919, ocuparam
as principais indústrias da região em setembro de 1920, mesmo tendo sido censurados pelo
partido socialista e pela principal central sindical. Esta experiência de gestão
administrativa, técnica e produtiva teve um impacto muito grande na concepção que
Gramsci criou de partido político ao longo de sua experiência intelectual, militante,
jornalística e educadora. Este acontecimento somou-se ao episódio da revolução soviética
na Rússia. Também condenada pelos social-democratas europeus de maneira geral, tanto
os reformistas quanto aos revisionistas, se tratava de um exemplo no qual os dogmas do
marxismo clássico eram contrariados, pois a revolução não se dava no centro do
capitalismo e sim na periferia, estando, portanto, fadada ao fracasso, ao isolamento, e à
repressão. Já em 1918, Gramsci havia escrito um artigo intitulado a “Revolução contra O
Capital”. Nele, Gramsci aponta a necessidade de repensar o pensamento marxista sob um
novo olhar, destacando a subjetividade como elemento alternativo em face ao
14
determinismo e à passividade herdada do pensamento marxista oriundo da Segundo
Internacional Socialista. Mas Gramsci também reconhecia ali o enorme potencial que
representava o soviet6, como organização das classes subalternas, autônomo em relação a
entidades político-representativas institucionais (sindicatos, partidos). Segundo o pensador
italiano, os soviets não estavam em contradição com sindicatos e partidos, pelo contrário,
ampliavam e aprofundavam na sociedade o espaço para reflexão política, cultural e de
valores por parte das classes subalternas.
Porém, as divisões no interior do Movimento socialista na Itália e o advento de 3ª
Internacional Comunista (1919-1943), reprovando severamente o apoio da maioria dos
partidos socialistas à guerra, denunciando a social-democracia européia, acabaram criando
as condições objetivas para a fundação dos partidos comunistas na Europa, como
aconteceu na Itália. Em janeiro de 1921, Gramsci acompanhou o grupo dissidente do PSI
que fundou o PCd’I, surgido a princípio como departamento italiano da 3ª Internacional.
Na Itália, porém, Gramsci, viveu a grande virada que foi a derrocada dos
Conselhos de Fábrica e a ascensão do fascismo, em outubro de 1922. Gramsci foi eleito
deputado em 1924, sendo cassado e preso em novembro de 1926, onde permaneceu até o
início de 1937, quando, já com a saúde precária, saiu da prisão, vindo a falecer no dia 27
daquele mês. Durante o período em que esteve encarcerado, mesmo sob condições muito
adversas, procurou sistematizar as lições e reflexões acerca de toda a sua trajetória
militante, incorporando as experiências históricas e políticas do partido comunista e do
país à ditadura fascista.
Uma última consideração a ser feita antes de entrarmos nas questões teóricas na
obra de Gramsci, é que neste trabalho temos a preocupação de não perder a visão da
6 Conselhos de operários, camponeses e soldados, que se espalharam pela Rússia, quase que molecularmente a partir de 1905, quando da primeira crise política enfrentada pelo Czarismo, e que acabaram se constituindo numa forma de organização política popular fundamental para a derrubada definitiva do regime em Fevereiro de 1917 e para a Revolução Socialista em Outubro do mesmo ano naquele país.
15
totalidade de sua obra e de sua trajetória como militante, ou seja, não separamos o Gramsci
dos conselhos de fábrica de Turim do Gramsci dos cadernos do cárcere. Isto porque a
própria estratégia do PCI de publicar as obras de Gramsci contribuiu para esta realidade,
reorganizando os escritos do pensador italiano a partir de unidades temáticas, não tendo
guardado a seqüência original de produção. Assim, por exemplo, os textos do jovem
Gramsci foram publicados por último.
No Brasil, a situação ainda piora quando as primeiras traduções dos cadernos são
feitas por partes, sendo a primeira delas a Concepção Dialética da História, seguida da
Maquiavel, a Política e o Estado, Os Intelectuais e a Organização da Cultura, e por fim,
Literatura e Vida Nacional. Por isso, apresentou-se um Gramsci que trabalhava a questão
dos intelectuais e da cultura, deixando em segundo plano a questão política, o que favorece
obviamente que se pense a hegemonia, como um domínio meramente ideológico7.
Há, no entanto, releituras dos Cadernos do Cárcere que buscam trabalhar a
questão política em Gramsci8. Resgata-se a centralidade do conceito de hegemonia
enfocando como questão central a sua relação com a capacidade de construção de uma
visão de mundo por parte de uma classe fundamental. Ou seja, a hegemonia de uma classe
sobre outras tem relação direta com a possibilidade/capacidade que ela tenha de elaborar
uma visão de mundo própria e autônoma9. Trata-se de um processo de permanente
construção/reconstrução, pois se torna necessário à classe identificar no cotidiano seus
7 Cf. DIAS, Edmundo Fernandes. Hegemonia: novo civiltà ou domínio ideológico. Uberlândia. Revista Histórias & Perspectivas - Universidade Federal de Uberlândia, nº. 5, junho-dezembro de 1991, p 1.8 Cf. LOSURDO, Domenico. Antonio Gramsci dal liberalismo al <<comunismo critico>>. Roma, Gamberetti Editrice, 1997. E ainda ___________________. Gramsci e a revolução IN Dossiê Revolução e Utopia. Revista Tempo nº 3 – Julho de 1998, Departamento de História da UFF, Niterói. Cf. DIAS, Edmundo Fernandes. Op. cit. E ainda _______________________. O outro Gramsci. São Paulo, Xamã, 1996. ________________________. Gramsci e Nós. Revista EM TEMPO, nº. 255, novembro de 1991. ________________________. O possível e o necessário: as estratégias das esquerdas IN Dossiê: O futuro da esquerda. São Paulo, Revista Outubro - Instituto de Estudos Socialistas, nº. 3, Maio de 1999.________________________. Gramsci em Turim. São Paulo, Xamã, 2000.9 No capítulo 3 desta tese faremos referência a uma convergência teórica entre Gramsci e Freire a partir deste ponto.
16
próprios interesses, processo que passa não só pelo seu aprimoramento organizativo como
intelectual, no sentido de permitir identificar nos valores, nos símbolos, na cultura e na
própria ideologia aquilo que mesmo sendo universalizado não lhe é próprio. A hegemonia,
é, portanto, a formulação de um nova forma de civilidade que passa necessariamente por
uma reforma intelectual e moral, ou reforma ético-moral, como mais normalmente é
conhecida.
Para Gramsci este papel organizativo e intelectual não é nem pode ser realizado
pelos indivíduos isoladamente, mas somente pelos partidos políticos, aqui entendidos
como sujeitos que organizam a vontade coletiva de uma classe ou fração e classe e não
necessariamente os partidos políticos stricto sensu, ou seja, partidos institucionalizados ou
mesmo os sindicatos.
Portanto, cabe frisar que para Gramsci, o processo de hegemonia se realiza tanto
no plano do Movimento social quanto no plano das instituições, não se limitando à luta
legislativa ou parlamentar, como supõe algumas de suas interpretações mais conhecidas.
Além disso, uma reforma intelectual e moral, que transforme as condições de existência
das classes subalternas, não pode ignorar a necessidade de um programa de reforma
econômica, pensando ao mesmo tempo em alternativas que a viabilizem, para além do
plano material, também o plano simbólico e superestrutural. Ao pensar na construção de
uma nova hegemonia10, ele, na verdade, reafirma que a hegemonia existente é fruto de um
consenso obtido pelas classes hegemônicas junto ao todo social.
Obviamente, o exercício desta hegemonia não se faz unicamente através da
coerção tal como supunham as reflexões marxistas clássicas do século XIX. Se nas
sociedades orientais o caráter coercitivo se destacava, separando violentamente a
sociedade política da sociedade civil, nas sociedades ocidentais isso não era realidade.
10 Podemos chamar ainda de contra-hegemonia.
17
Estudando a filosofia, a literatura, a religião Gramsci percebeu que elas têm um importante
papel de amálgama dos valores coletivos dominantes e dominados, universalizados para o
conjunto da sociedade. Assim, no capitalismo desenvolvido, as classes hegemônicas não
podem ser dominantes sem que sejam necessariamente dirigentes.
Nasce aqui uma nova visão de Estado, reforçando-o como relação social
complexa e não uma instituição ou ente abstrato que paira sobre as cabeças de todos e
necessário a toda forma civilizatória, onde os homens buscam superar o estado de
natureza11. Esse novo Estado também não se impõe ao conjunto da sociedade civil pela
força, mas, pelo contrário, ele se encontra na sociedade civil, disseminado capilarmente
através de aparelhos privados de hegemonia. A construção/reconstrução permanente da
hegemonia se dá a todo o momento pelo embate entre os aparelhos ideológicos de Estado e
os aparelhos privados de hegemonia, organizando os interesses dominantes e
universalizando seus valores e visão de mundo para o conjunto do tecido social, o que
Sônia Mendonça chama de Estado Ampliado12. Isto quer dizer que não é só o estado stricto
sensu que cria formas de olhar a realidade através dos aparelhos ideológicos e, mas
também e principalmente, a sociedade civil.
O partido tem que “mobilizar as vontades coletivas para realizar a tarefa de
desconstrução/construção”13 dos valores e visão de mundo hegemônicas e aqueles próprios
de suas classes, organizando-as, dando-lhes homogeneidade e sentido, condição que o
torna o moderno príncipe, organizador de um projeto nacional e popular. Mas a
homogeneidade aqui nada tem a ver com o apagar das diferenças. Diz respeito à
elaboração um programa político e de um instrumento de análise comum, que permita às
classes subalternas uma intervenção consciente na história, tirando-as de suas visões de
11 A concepção liberal clássica de estado.12 Cf. MENDONÇA, Sônia. Estado e Sociedade IN História Pensar & Fazer, Niterói, Laboratório de Dimensões da História da UFF, 1998, p 20.13 Cf. DIAS, Edmundo Fernandes. O outro Gramsci. São Paulo, Xamã, 1996, p. 11.
18
mundo fragmentárias e impregnadas de preconceitos pelo senso comum. Ou seja, acaba
sendo visão de mundo que pensam ser sua própria, mas que na verdade lhes é estranha,
pois é a visão da classe hegemônica transformada em visão de mundo e valores
universais14.
A relação entre o partido e o todo social passa obviamente não só pelo
conhecimento superestrutural, mas, sobretudo pelo estrutural. Isto quer dizer que é
necessário conhecer as relações estruturais para compreender as relações de força e
práticas classistas antagônicas que existem no interior de uma conjuntura social. É preciso
que o partido identifique os Movimentos sociais orgânicos e aqueles cujas origens são
meramente conjunturais, sabendo como se combinam, para aí identificar o caráter das
crises econômicas e políticas.
Os Movimentos conjunturais são aqueles em que as forças políticas atuantes na
manutenção e defesa da própria estrutura vigente ainda são capazes de fazê-lo. Mas a
própria dinâmica da vida social, em permanente articulação/rearticulação, pode configurar
um campo de possibilidades de intervenção das forças sociais organizadas. Isso depende da
correlação de forças entre as classes em disputa, o que se dá em três momentos15.
No primeiro momento, a classe apesar de existir objetivamente, ainda está no
terreno do reconhecimento e avaliação de suas possibilidades. O segundo momento é
político, e corresponde à fase em que as classes vivem um processo econômico-
corporativo, estando estritamente limitadas aos seus interesses específicos, quando a classe
passa a atuar no sentido de sair do seu isolamento, podendo corresponder ao momento da
sua consciência política de três formas distintas, a saber: 1) econômico-corporativa, onde o
processo de identificação se faz no âmbito corporativo e não do de classe; 2) sua
14 Incluindo aqui até a própria idéia de liberdade e democracia.15 Cf. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. 4ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980, p. 47.
19
identidade fundamental como classe já e percebida, mas sua atuação ainda se faz no
terreno da luta por uma igualdade política com os antigos grupos dominantes, ou seja, nas
esferas de decisão e elaboração legislativa e parlamentar, porém, restrita aos limites de
uma política existente; e 3) especificamente político que assinala a clara passagem da
estrutura à esfera das superestruturas complexas; é a fase em que as ideologias germinadas
nas fases anteriores se tornam partido, “(...) e entram na luta até que apenas uma delas ou,
pelo menos, apenas uma combinação delas tenda a prevalecer, e se impor, difundindo-se
sobre todo o tecido social, determinando para além da unicidade dos fins econômicos e
políticos, também a unidade intelectual e moral, colocando todas as questões (...) sobre um
plano universal, e criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma
série de outros subordinados”16. “O papel do Estado é, então, diferenciado, concebido
como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à
expansão máxima de próprio grupo, mas tanto este desenvolvimento como esta expansão
são concebidos e apresentados como a força motriz de uma expansão universal, de um
desenvolvimento de todas as energias nacionais”17, isto é, os grupos dominantes se
identificam com a nação, ou seja, o espaço-nação torna-se um projeto de classes.
Finalmente, existe um terceiro momento que é o da relação de forças militares, no sentido
técnico-militar e político-militar, fase em que no limite ocorre a criação de um novo bloco
histórico.
Segundo Edmundo Dias, todo e qualquer Movimento político e social que
pretenda ser hegemônico tem que necessariamente criar uma leitura da história através da
qual possa apresentar-se como alternativa, analisando e avaliando as situações políticas18.
E são estas ações que permitem colocar um projeto alternativo que vise a destruir as bases
16 Cf. Gramsci, Op. cit., 1980, p. 50.17 Ibid18 Cf. DIAS, Edmundo Fernandes. Op. cit., p. 16.
20
de sustentação do projeto vigente, destruindo suas condições de existência, constituindo-se
num Movimento que desagrega a velha vontade coletiva a partir de suas próprias
contradições, e até o velho senso comum, criando condições objetivas propícias para o
desenvolvimento dos Movimentos orgânicos. Conforme ressalta ainda o autor, “desagregar
o velho senso comum é vital para romper a unidade ideológica vigente; é separar os
simples, que consentem, dos intelectuais que organizam esse consentimento”. Em resumo,
aqui está a possibilidade para a ruptura entre as superestruturas vigentes e sua base
material19.
Outra contribuição do pensamento gramsciano ao marxismo está na reflexão
acerca do papel dos intelectuais, que são ao mesmo tempo organizadores e expressão de
sujeitos coletivos ou partidos. E estes partidos surgem e se organizam para dirigir as
situações em momentos cruciais para as suas classes. Para Gramsci, todos os homens são
intelectuais, porém nem todos exercem na sociedade este papel. Os partidos hegemônicos
vivem em permanente processo de formação dos seus próprios intelectuais, chamados
intelectuais orgânicos, ao passo que também lutam para subtrair os intelectuais orgânicos
de outras classes subalternas, inibindo a sua formação, desqualificando o saber , o fazer, e
todo o trabalho cognitivo das mesmas, além de assimilar os chamados intelectuais
tradicionais20. Trata-se, aqui, da velha dominação de classes que amplia e reforça a
subalternidade das outras classes. Portanto, a passagem de uma classe de subalterna a
hegemônica se expressa pela capacidade de tomar posse de si mesma, enquanto coletivo
organizado perante as demais.
O partido que reivindica a condição de intelectual das classes subalternas tem
duas tarefas básicas. A primeira é formar de uma vontade coletiva nacional-popular e
19 Ibid, p 18.20 Cf. GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 3ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1985, p. 7.
21
promover uma correlata reforma intelectual e moral das massas, construindo para além de
uma nova forma de ordenamento social, uma forma civilizatória. Como já foi dito
anteriormente, não há como fazê-lo de forma consistente sem que se reforme também a
economia e a posição destas classes na economia, condição em que sua realização se torna
concreta. É um processo em que ocorre a desconstrução do sistema de relações intelectuais
e morais sobre o qual está organizada a velha racionalidade. Procura-se, então, dar
procedimento à formação do novo bloco histórico, ou seja, um rearranjo político das
classes sociais, conferindo à classe contra-hegemônica a possibilidade ser expressão de si
própria e das outras classes e/ou frações subalternas, subordinando as classes até então
hegemônicas.
Portanto, trabalhar a questão da formação de uma vontade coletiva significa
trabalhar as formas de articulação mental das classes subalternas e das dominantes.
Significa construir uma racionalidade distinta da racionalidade dominante, baseada numa
nova concepção de mundo e de vida orgânica das classes subalternas, contrapostas às
concepções oficiais, geralmente marcadas pela presença de até elementos populares,
porém, fragmentadas, sem qualquer tipo de elaboração e sistematização, ou seja,
deslocados de sua lógica original, sob a forma do que chamamos de folclore. Daí, ser
fundamental, segundo Gramsci, que se coloque a filosofia da práxis, superando a distância
entre os intelectuais e as massas, recusando-se a manter os simples na sua filosofia
primitiva de senso comum, tendendo a conduzi-los a uma concepção superior de vida21.
Mas tal contato entre intelectuais e simples não pode limitar a atividade científica e manter
a unidade no baixo nível das massas22. Pelo contrário, deve ser precisamente o cimento de
num novo bloco intelectual-moral, que favoreça o progresso intelectual de massa, e não de
21 Cf. GRAMSCI, Antonio. A concepção dialética da História, 2ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, p 20.22 Baixo nível de consciência do acerca do real e da realidade.
22
poucos intelectuais. Não basta que os simples tenham entusiasmo sincero e vontade de
elevar-se à forma superior de cultura e de concepção de mundo, pois segundo Edmundo
Dias, “não basta dar voz a quem não tem voz. Quem dá a voz, dá a sua voz”23. Necessário
é que os princípios que aquelas massas colocam com a sua atividade prática sejam
elaborados e tornados coerentes, o que é tarefa dos intelectuais orgânicos. Trata-se de uma
relação pedagógica, não entendida como meramente escolar, mas sim como educativa num
sentido mais amplo, tal como também é a relação de hegemonia.
A contra-hegemonia é, portanto, uma experiência coletiva de emancipação, onde a
relação entre professor e aluno é uma relação ativa, com vínculos de reciprocidade, onde
professor é sempre aluno, e todo aluno professor24.
Uma nova visão de mundo supõe e demanda uma leitura crítica de toda
experiência histórica, supondo um novo tipo de intelectual, que vive em meio a um
processo de permanente interação entre as classes sociais, seus intelectuais e os valores
culturais vigentes. Por isso mesmo, “a personalidade de um filósofo individual é dada
também pela relação ativa entre ele e o ambiente cultural que ele quer modificar, ambiente
que reage sobre ele, obrigando-o a realizar uma contínua autocrítica, funcionando como
professor”25. Por isso, mesmo a liberdade de pensamento e expressão e a luta histórica são
condições fundamentais para que no processo histórico possam surgir os filósofos
democráticos, que são aqueles que estão convencidos de que a sua personalidade não se
limita ao próprio indivíduo físico, mas é uma relação social ativa de modificação do
ambiente cultural.
23 Cf. DIAS, Edmundo Fernandes, Hegemonia: novo civiltà ou domínio ideológico. Uberlândia. Revista Histórias & Perspectivas - Universidade Federal de Uberlândia, nº. 5, junho-dezembro de 1991, p. 29.24 Aqui o pensamento de Freire parece convergir para o de Gramsci, quando tratamos da relação entre os intelectuais e as massas populares. Cf. GRAMSCI, Antonio. Op. cit, 1978, p 37.25 Ibid, p 38.
23
Há aqui a necessidade de destruir o preconceito comumente difundido de que
filosofia é algo muito complexo e distante das massas. Este é um importante aspecto da
abordagem gramsciana quanto ao papel dos intelectuais. Para ele, essa atividade não é
apenas a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas
especializados, ou de filósofos profissionais e sistematizados. Pelo contrário, ela é possível
a todos, dado que todos são filósofos, e o trabalho filosófico tem assim seu campo
ampliando, pois está contido na linguagem, no senso comum, na religião popular e até no
bom senso26.
A linguagem é o terreno onde se cristalizam as noções e conceitos, sendo o senso
comum, a religião e o folclore, onde se expressam, ganhando vida e se generalizando27.
Segundo Edmundo Dias, a linguagem permite o ocultar e o esclarecer, pois nela ganha
forma todo e qualquer material ideológico, toda e qualquer concepção de mundo. Em
suma, a linguagem é o lócus de transformação cultural necessária, não se reduzindo, é
claro, à forma falada e escrita. A questão é saber como se trabalha com essa linguagem28.
Ser autônomo é ter, entre outras possibilidades, a oportunidade de construir a linguagem
adequada ao processo de transformação, elaborando uma concepção de mundo consciente
e crítica29.
Em resumo, é decodificar os signos da linguagem anterior e ser capaz de construir
a linguagem necessária à articulação de um projeto alternativo. Passa por aí o processo de
construção da identidade de classe, ou seja, pela crítica em relação aos diversos níveis de
consciência anteriores, sempre se contrapondo à racionalidade dominante. A linguagem é
vital neste processo, pois é através dela que se comunica e processa o debate hegemônico.
26 Ou seja, está presente mesmo entre as classes contra-hegemônicas após o desvelar do senso comum e a sua elevação intelectual moral.27 Vejo aqui uma ponte, ainda que complexa, entre Gramsci e Vygostky.28 Cf. DIAS, Edmundo Fernandes. O outro Gramsci. São Paulo, Xamã, 1996, p. 46.29 Ibid.
24
Assim, o conhecimento/desconhecimento da linguagem permite criar/destruir,
controlar/libertar a capacidade de estruturar projetos e prática30. Logo percebemos que
Gramsci estabelece um paralelo entre a linguagem e a política31. A libertação da linguagem
rompe com as visões mais restritas e provinciais associadas às questões econômico-
corporativas, sendo uma fase da existência de todas as classes e de seus partidos orgânicos.
Iniciado o processo de criação de uma nova concepção de mundo, a sua capacidade de
tradução passa a ser um dos elementos mais importantes.
Essa nova concepção deve ser capaz de difundir criticamente verdades já
descobertas, socializando-as, “fazê-las tornar-se base de ações vitais, elemento de
coordenação e de ordem intelectual e moral” 32. A hegemonia é exatamente isso: a criação
de uma massa de homens capazes de pensar coerentemente e de modo unitário o presente,
e, portanto, de projetar o futuro, na perspectiva de um novo patamar civilizatório. Neste
sentido, o elaborador e o sistematizador são igualmente necessários. Fazer de uma nova
cultura patrimônio de todos é fato filosófico bem mais importante e original do que a
descoberta, por parte de um gênio filosófico, de uma nova verdade que permaneça
patrimônio de um pequeno grupo de intelectuais33.
Para que haja a possibilidade de hegemonia, não pode haver exterioridade entre a
filosofia da práxis e o conjunto das classes subalternas. Portanto, a filosofia da práxis deve
ser capaz de perceber o conjunto das questões colocadas por aquelas classes e resolvê-las
no interior de sua problemática. O material sobre o qual deve se construir a nova visão de
mundo desta nova filosofia é o conjunto dos produtos históricos da sociedade. Senso
comum, religião, filosofia são nomes coletivos e múltiplos. A filosofia é a ordem
30 Ibid, p. 47.31 Relação que também toca a educação.32 Ibid.33 Ibid, p. 48.
25
intelectual fundamental, pois é ao mesmo tempo crítica e superação dos demais, e nesse
sentido, coincide com o bom senso, que é superação do senso comum34.
Porém, aqui, voltamos ao problema da contradição entre o agir prático e a
consciência teórica. Segundo Gramsci, “o homem ativo de massa age praticamente, mas
não tem uma clara consciência teórica deste seu agir que (...) é um conhecer o mundo
enquanto o transforma”35. Essa consciência contraditória que oscila entre aquela ação e
aquela consciência que “superficialmente herdou do passado e que acolheu sem crítica”36,
vinculada a um grupo social determinado, influi na conduta moral, na direção da vontade,
de modo mais ou menos enérgico, abrindo a possibilidade de que “a contraditoriedade da
consciência não permita nenhuma ação, nenhuma decisão, nenhuma escolha, e produza um
estado de passividade moral e política”37. Ser crítico de si mesmo é ter clareza sobre estas
contradições. Essa compreensão crítica ocorre então através de uma luta de hegemonias
políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, para
chegar a uma elaboração superior da própria concepção do real. A consciência de ser parte
de uma determinada força hegemônica, isto é, a consciência política é a primeira fase para
uma posterior e progressiva autoconsciência em que teoria e prática se unificam.
Mesmo a unidade entre teoria e prática não é então um dado fundamental, mas um
devir histórico, “que tem sua fase elementar e primitiva, no sentido de distinção, de
destaque, de independência, apenas instintivo, e progride até o processo real e completo de
uma concepção de mundo coerente e unitária”38. Distinguir-se, destacar-se, tornar-se
independente são os elementos que consolidam a autonomia39. O processo de hegemonia
supõe, antes de qualquer coisa, a autonomia da construção de visão de mundo. Autonomia
34 Ibid.35 Ibid, p. 52.36 Ibid.37 Ibid.38 Ibid.39 Ibid..
26
e/ou subordinação são faces dessa luta de hegemonias, que nada mais é do que o cotidiano
das classes e de suas lutas. “A construção do conceito de hegemonia representa um grande
progresso filosófico além de político prático, porque necessariamente arrasta e supõe uma
unidade intelectual e uma ética conformes a um concepção do real que superou o senso
comum e se tornou crítica, ainda que dentro de limites restritos”40. O desenvolvimento
desse conceito é decisivo na luta política. Subtrair-se ao domínio ideológico de outra classe
é condição necessária, porém não suficiente, na construção da hegemonia. É um primeiro
passo na direção da coerência e de demonstração de unitarismo da nova concepção. Para
tal, se faz necessário construir intelectuais. “Autoconsciência crítica significa, histórica e
politicamente, criação de uma elite de intelectuais: uma massa humana não se distingue e
não se torna independente por si, sem organizar-se (em sentido lato): e não existe
organização sem intelectuais, isto é, sem organizadores e dirigentes, sem que o aspecto
teórico da ligação teoria-prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas
especializadas na elaboração conceitual e filosófica”41.
Mas este processo de criação dos intelectuais é longo, difícil, cheio de
contradições, de avanços e de recuos, de cisões e de agrupamentos; e, neste processo, a
fidelidade da massa - e a fidelidade e a disciplina são inicialmente a forma que assume a
adesão das massas e a sua colaboração no desenvolvimento do fenômeno cultural como um
todo - é submetida a duras provas.
Porém, a hegemonia em construção traz outros problemas. Quando se pensa a
teoria como exterior à prática, e não como unidade, “estamos diante de proposições
marcadas por um concepção que toma a teoria como complemento, como acessório da
prática, teoria como escrava da prática”42. Na dialética intelectuais-massa estabelecida no
40 Ibid.41 Ibid.42 Ibid. O grifo é nosso.
27
processo de hegemonia, ocorre frequentemente uma perda de contato, dando a impressão
de acessório, de complementar, de subordinado. “A insistência sobre o elemento prático do
nexo teoria-prática, depois de ter cindido, separado e não apenas distinguido os dois
elementos (...) significa que se atravessa uma fase ainda econômico-corporativa, em que se
transforma quantitativamente o quadro geral da estrutura e a qualidade-superestrutura está
em vias de surgir, mas não está ainda organicamente formada” 43.
É fundamental então o papel dos partidos políticos na construção e difusão das
concepções de mundo e na criação de intelectuais. Eles funcionam como experimentadores
históricos dessas concepções. “Os partidos selecionam individualmente as massas atuantes
e esta seleção se opera simultaneamente nos campos prático e teórico em conjunto, com
uma relação tão mais estreita quanto mais a concepção é vital, e radicalmente inovadora e
antagônica aos antigos modos de pensar. Por isso, se pode dizer que os partidos são os
elaboradores das novas intelectualidades integrais e totalitárias44, isto é, o ponto de partida
para a unificação entre teoria e prática, entendida como processo histórico real”45.
Há, aqui, outro grande problema. Essas novas intelectualidades não podem propor-
se como círculo restrito. Tem que ter a força de massa, e isso, no início, só é possível
“pelos trâmites de uma elite, em que a concepção implícita da atividade humana já se tenha
tornado em certa medida consciência atual, coerente e sistemática, e vontade precisa e
decidida”46. Uma vez que a ruptura das classes subalternas com os antigos modos de
pensar é apenas o momento inicial, que parte necessariamente da sua prática subordinada e
organizada pela racionalidade dos dominantes, sendo “fidelidade e a disciplina são
43 Ibid, p. 53.44 Entendido como totalizadoras.45 Ibid.46 Ibid, p. 53.
28
inicialmente a forma que assume a adesão da massa e a sua colaboração ao
desenvolvimento do fenômeno cultural como um todo”47.
No desenvolvimento da dialética intelectuais/massa, a cada deslocamento dos
intelectuais existe um Movimento análogo da massa dos simples, “que se eleva a níveis
superiores de cultura e amplia simultaneamente o seu círculo de influência, através dos
indivíduos, ou mesmo grupos mais ou menos importantes, no estrato dos intelectuais
especializados”48.
Uma outra consideração importante é que “uma parte da massa mesmo subalterna é
sempre dirigente e responsável, e a filosofia da parte precede sempre a filosofia do todo,
não apenas como antecipação histórica, mas como necessidade atual”49. Deve-se, então,
trabalhar “incessantemente para elevar intelectualmente estratos populares cada vez mais
vastos, (...) para dar personalidade ao amorfo elemento de massa, o que significa trabalhar
para suscitar elites de intelectuais de um tipo novo que surjam diretamente da massa,
permanecendo ainda em contato com ela (...). Esta (...) necessidade, se satisfeita, é a que
realmente modifica o panorama ideológico”50. Este trabalho se faz tanto mais necessário
quanto mais se sabe “que, entre as massas, a filosofia não pode ser vivida senão como
fé”51. A luta das hegemonias tem, pois, uma face cognitiva.
Por isso mesmo, diante da instabilidade das massas e do peso que a tradição confere
ao pensamento anterior, é necessário todo um trabalho de consolidação das novas
orientações gerais, de elaboração de uma nova linguagem, de fazê-las tornar-se cotidiano
das massas, com que uma nova natureza, com o que se tornam espontaneidade nacional52.
47 Ibid, p. 54.48 Ibid.49 Ibid.50 Ibid, p. 54.51 Ibid, p. 55.52 Ibid.
29
“A adesão ou não adesão de massa a uma ideologia é o modo com que se verifica a crítica
real da racionalidade ou da historicidade dos modos de pensar” 53.
A afirmação da cultura como espaço da hegemonia é fundamental. “A proposição
contida na introdução à Crítica da Economia Política, que os homens tomam consciência
dos conflitos de estrutura no terreno das ideologias, deve ser considerada como uma
afirmação de valor epistemológico e não puramente psicológico e moral”54. Para Edmundo
Dias, isso coloca a questão de que toda hegemonia supõe uma estrutura material de
realização. Se é no terreno das ideologias que os homens percebem suas contradições, isso
significa que qualquer tradução imediata do econômico no ideológico ou qualquer redução
deste a mero fenômeno secundário em relação àquele, implica desconhecer o real. Mais do
que isso, implica subordinação política e ideológica.
A eficácia das ideologias decorre de sua capacidade de interferir na vida concreta
das classes, dos homens. A tarefa de quem busca construir a nova hegemonia é,
fundamentalmente, compreender as razões pelas quais um projeto de hegemonia pode ou
não ser vitorioso. Ou seja, compreender como um discurso pode capturar as emoções e as
práticas das classes que domina55. A respeito do poder de captura do discurso, Gramsci
afirma que o debate hegemônico não se move apenas no plano da racionalidade, mas
também no campo da afetividade. Eis aqui uma outra dificuldade da nova racionalidade.
As formas anteriores de pensamento não apenas têm por si a legitimidade do
antigo uso, mas a sua transformação em afetividade. Basta-lhes a pura repetição e o uso
das imagens sacralizadas, dos valores tornados natureza. Como exemplos destas imagens,
temos as noções de ordem, família, pátria, fraternidade, amor. A nova racionalidade pode
encontrar oposição pelos apelos que vão das afirmações genéricas do tipo “eles negam a
53 Ibid.54 Ibid, p 57.55 Ibid.
30
família”, até a imputação de desrespeito aos símbolos pátrios, da negação da liberdade e da
propriedade, mesmo que no cotidiano as classes subalternas jamais tenham vivenciado
plenamente qualquer uma dessas categorias no sentido que as classes dominantes lhes
tenham imposto56.
Aqui, a afirmação de Marx sobre as aparências necessárias é vital. Já que o
discurso das classes dominantes pode capturar a vontade das classes dominadas e pô-las a
seu serviço, é preciso determinar o peso concreto de cada um dos elementos da estrutura e
o modo de sua realização nas mais diversas conjunturas.
56 Cf. DIAS, Edmundo Fernandes. Op. cit., p.58.
31
1.2 A Questão Agrária em Gramsci
Afinal, que lições permitiram que estas questões teóricas e práticas inventariadas a
partir do pensamento de Gramsci pudessem ser refletidas e amadurecidas no cárcere? No
início do capítulo, falamos do contexto histórico em que ele viveu. Agora, vamos retornar
a alguns aspectos do contexto nacional no período que vai da derrota dos conselhos de
fábrica até a sua prisão em novembro de 1926.
Apesar de ter na classe operária o grande sujeito coletivo contra-hegemônico na
Itália, Gramsci sempre deixou claro que nenhuma ação de massa seria possível se a massa
mesma não estivesse convencida dos fins que desejava atingir e dos métodos a aplicar.
Dizia ele: “O proletariado, para ser capaz de governar como classe, deve despojar-se de
todo resíduo corporativo, de todo preconceito ou incrustação sindicalista”57. Isto
significava que a classe operária deveria superar não só as distinções que existiam entre as
diversas profissões, como também era necessária a conquista do consenso e da confiança
dos camponeses, e de algumas categorias semiproletárias da cidade. A superação de alguns
preconceitos e se vencesse certos egoísmos que subsistiam entre os operários italianos
como tal, mesmo quando já tivessem desaparecido de seu meio os particularismos
profissionais. Preocupado com esta questão, Gramsci dizia que “o metalúrgico, o
carpinteiro, o operário da construção, etc. têm que pensar não apenas como proletários (e
não como metalúrgico, carpinteiro, operário de construção)58, mas têm ainda que dar um
passo adiante: têm que pensar como membros de uma classe que tende a dirigir os
camponeses e os intelectuais, como membros de uma classe que pode vencer e construir o
socialismo apenas se é auxiliada e seguida pela grande maioria daqueles estratos sociais”.
Se não obtivesse essa condição, o proletariado não se transformaria em classe dirigente, e
57 Cf. GRAMSCI, Antonio. Alguns Temas da Questão Meridional In Revista Temas de Ciências Humanas,nº. 1, São Paulo, editorial Grijalbo, 1977, p. 28.58 Ibid, p. 29.
32
aqueles estratos, que na Itália representavam a maioria da população, permaneceriam sob a
direção da burguesia, dando ao estado a possibilidade de resistir ao ímpeto proletário e de
debilitá-lo. Gramsci alertava os operários italianos quanto à importância de conquistar as
massas camponesas. Para isto, era necessário incorporar duas questões, que ele chamou de
questão meridional e questão vaticana. Dar conta do desafio que se apresentava para o
operariado italiano era se apropriar dessas duas questões do ponto de vista social,
compreendendo as exigências que elas representavam, incorporando-as ao programa
revolucionário de transição, colocando essas exigências entre as reivindicações de luta.
Mas o primeiro e, talvez, o maior problema que o partido comunista italiano tinha
em mãos era modificar a orientação política e ideológica geral do próprio proletariado
como elemento nacional, vivendo no conjunto da vida estatal e suportando
inconscientemente a escola, a imprensa e a tradição liberal burguesa. Era bastante
conhecida a ideologia difundida de forma intensa pelos propagandistas da burguesia entre
as massas do norte da Itália, que o sul, o Mezzogiorno, era um obstáculo que impedia o
progresso mais rápido e o desenvolvimento civil59 da Itália. Impregnados de positivismo,
afirmavam que os meridionais “eram biologicamente seres inferiores, quase ou
completamente bárbaros”60. E a lógica era a seguinte: se a região era atrasada, a culpa não
era do sistema capitalista ou de qualquer causa histórica, mas, sim, da natureza que fez da
população local incapaz e de vocação natural criminosa, compensando esta má sorte com o
surgimento de grandes gênios, expressões puramente individuais. O pior é que o próprio
partido socialista foi em grande parte defensor desta ideologia burguesa junto ao
proletariado setentrional.
Para completar a tragédia política, os próprios comunistas, apesar da reflexão
acerca da necessidade de articular a aliança operário-camponesa rumo à revolução, 59 Uma questão que por incrível que pareça permanece atual no país.60 Ibid, p. 23.
33
esbarravam nas lembranças das brigadas de camponeses do sul que eram usadas na
repressão às agitações operárias do norte, especialmente em Turim. Segundo Gramsci, “o
Mezzogiorno podia ser definido como uma grande desagregação social”61. Os camponeses,
que constituíam a grande maioria de sua população, não tinham nenhuma coesão entre si,
com a exceção de algumas regiões como a Sicília e a Sardenha. A sociedade meridional era
um grande bloco agrário constituído por três estratos sociais: A grande massa camponesa
amorfa e desagregada, os intelectuais da pequena e da média burguesia rural e, por fim, os
grandes proprietários rurais e os grandes intelectuais.
Os camponeses meridionais estavam em constante efervescência, mas como
massa não eram capazes de dar uma expressão centralizada às suas aspirações e
necessidades. O estrato médio dos intelectuais recebia da base camponesa os estímulos
para sua atividade política e ideológica.
Os grandes proprietários no campo político, e os grandes intelectuais no campo
ideológico, centralizavam e dominavam, em última análise, todo este conjunto de
manifestações. Era, portanto, no campo ideológico que a centralização se verificava com
maior eficácia e precisão.
Gramsci identificava no pensamento de Benedetto Croce a representação maior do
sistema meridional, sendo, em certo sentido, a maior expressão da reação italiana. Os
intelectuais meridionais formavam um estrato social dos mais interessantes e importantes
na vida nacional italiana. Bastava pensar que mais de 60% da burocracia estatal era
constituída de meridionais para confirmar este fato. Segundo Gramsci, para se
compreender a particular psicologia dos intelectuais meridionais, devia-se ter presentes
alguns dados62.
61 Ibid, p. 35.62 Ibid, p. 36.
34
O primeiro era que em todos os países, o estrato dos intelectuais foi modificado
pelo desenvolvimento do capitalismo. O velho tipo de intelectual era o elemento
organizativo de uma sociedade da base predominantemente camponesa artesanal. Para
organizar o comércio, a classe dominante criava um tipo particular de intelectual, o
organizador técnico, o especialista da ciência aplicada. Nas sociedades em que as forças
econômicas se desenvolveram em sentido capitalista, até chegar a absorver a maior parte
da atividade nacional, foi este segundo tipo de intelectual que prevaleceu, com todas as
suas características de ordem e disciplina intelectual. Ao contrário, nos lugares onde a
agricultura exercia um papel ainda notável e efetivamente predominante, continuava
prevalecendo o velho tipo, que fornecia a maior parte do pessoal estatal e que exercia
também, localmente, na aldeia e no burgo rural, a função de intermediário entre o
camponês e a administração em geral. Na Itália meridional, predominava esse tipo, com
todas as suas características, ou seja, democrático na face camponesa, conservador na face
voltada para o grande proprietário e para o governo, politiqueiro, corrupto e desleal, sendo
impossível compreender a figura tradicional dos partidos políticos meridionais se não se
levasse em conta as características desse estrato social.
O segundo era que o intelectual meridional vinha predominantemente de uma
camada ainda mais notável no Mezzogiorno: o burguês rural, ou seja, o pequeno e médio
proprietário de terras, que não era camponês. Por isso, não trabalhava a terra e se
envergonhava de ser agricultor, mas que, da pouca terra que possuía e cedia em aluguel ou
em simples meação63, desejava arrecadar o suficiente para viver convenientemente, para
mandar os filhos à universidade ou ao seminário, para fazer o dote às filhas que deviam
esposar um oficial ou um funcionário civil do Estado. Os intelectuais recebiam desta
camada uma áspera aversão pelo camponês trabalhador, já que este era considerado apenas
63 Categoria social também presente no meio rural brasileiro.
35
como máquina de trabalho, que devia ser sugado até o osso e que poderia ser facilmente
substituído, devido à superpopulação trabalhadora. Recebia, também, o sentimento
antepassado e instintivo do medo frente ao camponês e às suas violências destruidoras, e,
conseqüentemente, um hábito de hipocrisia refinada além de uma rebuscada arte de
enganar e domesticar as massas camponesas.
O terceiro era que, como o clero pertencia ao grupo social dos intelectuais, fazia-
se necessário notar a diversidade de características existente entre o clero meridional e o
clero setentrional. O padre setentrional era comumente o filho de um artesão ou camponês,
tinha sentimentos democráticos, e estava mais ligado à massa dos camponeses, sendo
moralmente mais correto do que o padre meridional, que, com freqüência, convivia quase
abertamente com uma mulher, por isso, exercia um ofício mais completo socialmente, ou
seja, era um dirigente de toda a atividade de um família.
No norte, a separação entre a Igreja e o Estado e a expropriação dos bens
eclesiásticos foram mais radicais do que no sul, onde paróquias e conventos ou
conservaram ou reconstituíram importantes propriedades imobiliárias e mobiliárias. No
sul, o padre aparecia ao camponês como um administrador de terras com o qual o
camponês entrava em conflito pela questão dos aluguéis; como um usurário que cobrava
elevadíssimas taxas de juros e fazia intervir o elemento religioso para arrecadar com
segurança o aluguel e a usura; ou como um homem submetido às paixões comuns com as
mulheres e o dinheiro, e que, portanto não oferecia espiritualmente a confiança quanto à
discrição e à imparcialidade. Por isso, a Igreja exercia uma escassa função dirigente, e o
camponês meridional, ou com freqüência era supersticioso no sentido pagão, não o era no
sentido clerical. Toda esta conjuntura política explica porque no Mezzogiorno o então
Partido Popular, fundado em 1919, e que viria mais tarde a se tornar a poderosa
Democracia Cristã na Itália, não tinha posição de destaque nem possuía uma rede de
36
instituições e organizações de massa. A atitude do camponês frente ao clero “se resumia no
ditado popular: o padre é padre no altar, fora dele é um homem como todos os outros”64.
Os Movimentos dos camponeses se resumiam não em organizações de massas autônomas e
independentes, isto é, capazes de selecionar quadros camponeses de origem camponesa e
de registrar e acumular as diferenciações e os progressos que se realizavam no Movimento.
Estes Movimentos acabaram sempre por reduzirem-se às ordinárias articulações do aparato
estatal com prefeituras65, províncias e câmara dos deputados, através de composições e
decomposições dos partidos locais. Estas composições eram constituídas de intelectuais
controlados pelos grandes proprietários e por seus homens de confiança, alguns deles
chegando inclusive a ser ministros de Mussolini nos primeiros anos do fascismo. Esta
articulação dos camponeses meridionais aos grandes proprietários, intermediada e
cimentada pelos intelectuais formava o que Gramsci chamou de “monstruoso bloco
agrário”66, que no seu conjunto funcionava como intermediário e guardião do capitalismo
setentrional e dos grandes bancos com o único objetivo de conservar o status quo. Em seu
seio, não existiam nenhuma luz intelectual67, nenhum programa, nenhum estímulo para
melhoramentos e progressos. Se alguma idéia e algum programa foram propostos, isto
aconteceu porque tiveram origem fora do Mezzogiorno, nos grupos políticos agrários,
conservadores, que no parlamento italiano estavam associados aos conservadores do bloco
agrário meridional.
O nó das relações entre o Norte e o Sul da Itália, no que se refere à organização da
economia nacional e o Estado, era tal que o nascimento de uma classe média de natureza
econômica, o que significaria um possível surgimento de uma burguesia capitalista difusa,
se tornava quase impossível. “Qualquer acumulação de capitais ou de poupanças na região
64 Ibid, p. 38.65 Chamadas de comunas em italiano66 Ibid, p. 39.67 Menção à formação de intelectuais orgânicos.
37
era impossível em virtude do sistema alfandegário e da ausência de novos investimentos,
pois os capitalistas proprietários de empresas, por não serem da região, não transformavam
seus lucros em capital novo, transferindo-os para outras localidades”68.
Quando a emigração italiana adquiriu formas gigantescas, características do
século XX, e as primeiras levas começaram a regressar do continente americano, os
economistas liberais logo se entusiasmaram dizendo que uma silenciosa revolução se
verificava no Mezzogiorno, o que modificaria lenta, porém, profundamente, toda a
estrutura econômica da região. Mas o estado interveio e a revolução silenciosa foi sufocada
no nascedouro, pois o governo ofereceu títulos do Tesouro a juros fixos e os emigrantes e
suas famílias, de agentes de uma expansão médio-burguesa, transformaram-se em agentes
que forneciam ao Estado os meios financeiros para subsidiar as indústrias parasitárias do
Norte.
Por cima do bloco agrário, funcionava, no sul da Itália, um bloco intelectual que,
praticamente, tinha servido até então para impedir que fissuras do bloco agrário se
tornassem muito perigosas e provocassem um esfacelamento da aliança com o capitalismo
nortista. Benedetto Croce se destaca como um dos maiores expoentes destes intelectuais69.
Mas, na visão de Gramsci, a Itália meridional era uma grande desagregação social. E isto
se aplicava tanto ao conjunto do campesinato como ao dos intelectuais. Era notável o fato
de que, no Mezzogiorno, junto à grande propriedade, tivessem existido grandes
68 Ibid, p. 40.69 Benedetto Croce (1866-1952) foi filósofo, jornalista, senador, figura intelectual que dominou a cultura italiana durante várias décadas, com uma produção que vai da filosofia e da historiografia, até a estética, a crítica literária. Sua filosofia foi marcada pelo idealismo de origem hegeliana, que após uma leitura das obras de Marx, acabou se dedicando à filosofia da cultura, em sintonia com as tendências gerais do idealismo. Exerceu uma forte influência na formação de muitos intelectuais italianos, inclusive sobre Gramsci, tendo sido um de seus principais interlocutores. A razão desta influência deveu-se à sua condição de renovador da cultura italiana, que segundo o pensador comunista sardo, foi por ele arrancada de enclausuramento provinciano, determinado pela hegemonia da Igreja, e colocada em contato com o pensamento laico europeu. Politicamente, Croce inspirou-se no liberalismo conservador italiano. Após certas vacilações no momento da grande crise social italiana do início da década de 1920, com clara simpatia pelo fascismo no período anterior à violenta repressão ao Movimento operário, retirou-se da política e assumiu uma atitude de oposição individual ao regime.
38
concentrações culturais e de inteligência em indivíduos isolados ou em reduzidos grupos
de grandes intelectuais, enquanto, por outro lado, não existia uma organização da cultura
média. Havia grandes editoras, revistas, academias e empresas culturais de enorme
erudição, mas não existiam revistas pequenas e médias, nem editoras em torno das quais
se agrupassem formações médias de intelectuais meridionais, entre estes, os que haviam
procurado sair do bloco agrário e abordar a própria questão meridional de forma radical,
somente puderam fazê-lo fora da região. Pode-se dizer, inclusive, que todas as iniciativas
culturais atribuídas a intelectuais médios, e que tiveram espaço na parte central e
setentrional da península, se caracterizaram pelo meridionalismo. No entanto, num círculo
mais amplo do que aquele extremamente sufocante do bloco agrário, eles conseguiram
fazer com que a colocação dos problemas meridionais não ultrapassassem certo limites e
não se tornassem revolucionários. Homens de enorme cultura e inteligência, nascidos no
terreno tradicional de Mezzogiorno, mas ligados à cultura européia e, conseqüentemente, à
mundial, tinham todas as qualidades para dar uma satisfação às necessidades intelectuais
dos mais honestos representantes da juventude culta do sul da Itália, para conter seu ímpeto
rebelde contra as condições existentes, “para orientá-los segundo uma linha média de
serenidade clássica do pensamento e da ação”70, num movimento que para a Itália
representou o equivalente à Reforma Religiosa.
Para Gramsci, ele próprio, e muitos seus companheiros de militância, são
resultado deste grande Movimento filosófico, ou melhor, resultado de uma nova concepção
de mundo que superou o catolicismo e qualquer outra forma mitológica. Neste sentido,
Croce cumpriu uma importantíssima função nacional, que foi favorecer a separação dos
intelectuais radicais oriundos das massas camponesas do Sul da Itália, ao permitir-lhes
participar da cultura nacional e européia, e através desta cultura fazer com que fossem
70 Ibid, p. 42.
39
absorvidos pela burguesia nacional e, em conseqüência, pelo bloco agrário. “Os
intelectuais se desenvolvem muito mais lentamente que qualquer outro grupo social, por
sua própria natureza e função histórica. Eles representam toda a tradição cultural de um
povo, cuja história inteira deseja resumir e sintetizar, e isto deve ser dito especialmente do
velho tipo de intelectual, do intelectual nascido sobre o terreno camponês”71. Considerar
como possível que ele pudesse como massa, romper com todo o passado para se colocar
completamente no terreno de uma nova ideologia, segundo Gramsci, era inviável, tanto aos
intelectuais tomados como massa, e também aqueles tomados individualmente, por mais
esforços que fizessem e desejassem fazer. Ele reafirma a importância dos intelectuais como
massa, e não apenas como indivíduos. Muito embora fosse útil ao proletariado que um ou
mais intelectuais individualmente chegassem a aderir ao seu programa e à sua doutrina,
confundindo-se no proletariado, tornando-se e sentindo-se parte dele. “O proletariado,
como classe, é pobre de elementos organizativos, não tendo e nem podendo formar um
estrato próprio de intelectuais a não ser lenta e arduamente, e assim mesmo apenas após a
conquista do poder estatal”72. Mas, para Gramsci, também era importante e útil que na
massa dos intelectuais ocorresse uma fratura de caráter orgânico73, historicamente
organizada, que se constituísse, como formação de massa, uma tendência de esquerda, no
significado histórico da palavra, ou seja, uma tendência orientada para o proletariado
revolucionário. A aliança entre o proletariado e as massas camponesas exigia essa
formação, e na Itália, portanto, exigia a aliança entre o proletariado e as massas
camponesas do Sul da península.
Assim, o proletariado italiano destruiria o bloco agrário meridional, na medida em
que conseguisse, através do seu partido, organizar em formações autônomas e
71 Ibid, p. 44.72 Ibid, p. 45.73 Nas palavras do próprio Gramsci
40
independentes massas cada vez mais consideráveis de camponeses pobres. Mas,
conseguiria cumprir esta tarefa obrigatória em maior ou menor escala segundo sua
capacidade, entre outras coisas, de desagregar o bloco intelectual, que é a armadura
inflexível, mas muito resistente, do bloco agrário.
Para a solução desta tarefa, o proletariado italiano teria que contar com liberais
progressistas, portanto, de esquerda, intelectuais setentrionais e meridionais, que segundo
Gramsci, compreendessem existir apenas duas forças sociais “essencialmente nacionais e
portadoras do futuro”74, o proletariado e os camponeses.
Como dissemos no início, a organização dos conceitos-chave no pensamento de
Gramsci tem uma historicidade marcada pelo contexto mundial, principalmente da 2ª
metade do século XIX e início do XX, quando ocorreram grandes processos históricos que
aprofundaram a dramaticidade social do caráter das transformações ocorridas, em
particular, na sociedade européia. Como principais exemplos, temos a Segunda Revolução
Industrial (1870-1896), o advento do capitalismo na sua fase monopolista, a expansão
imperialista das potências capitalistas desenvolvidas do velho continente, as disputas pelos
mercados na Ásia e na África, a ascensão do Movimento Socialista Internacional e a
realização de internacionais socialistas, dentro do próprio continente europeu.
Porém, mais significativo ainda era a então recente história da Itália unificada75,
marcada pelo recém-iniciado processo de industrialização76 na península, e, sobretudo,
pela jovem classe operária italiana que completava na década de 1920, pouco mais de meio
século de existência, com tímida experiência histórica acumulada, se comparada aos
exemplos da Inglaterra, da França, e até da Alemanha. A maior parte das comparações com
o modelo de desenvolvimento capitalista na península itálica ignora as especificidades de
74 Ibid.75 O Risorgimento.76 Um processo apontado pela historiografia econômica e mesmo pela geografia, como um modelo de industrialização tardia.
41
ambos os lados. Por isso mesmo, o exame que Gramsci faz de todos estes aspectos na Itália
permite ver que os liberais conservadores dialogavam com o positivismo e com a Igreja.
Daí, vinha sua preocupação em construir uma teoria crítica da ação política, que
mesmo sem negar a influência teórica das obras de Marx, procurava não sobredeterminá-la
na sua análise acerca da conjuntura italiana, algo que despertava profundas críticas de sua
parte ao Partido Socialista Italiano, fiel depositário das tradições dogmáticas da Segunda
Internacional Socialista no país.
O resultado desta nova perspectiva teórica era a valorização do caráter nacional-
popular na formação econômica e social italiana, privilegiando a dimensão sócio-espacial77
na análise das classes sociais em movimento, algo que está presente de forma implícita na
forma como Gramsci vislumbrava um projeto de socialismo para a Itália. Portanto, para
ele, a revolução não só não viria naturalmente em decorrência das contradições e
sucessivas crises do capitalismo, mas somente seria possível pela ação política. A
articulação de uma aliança operário-camponesa exigia, por outro lado, que se evitasse uma
transposição mecanicista do exemplo da revolução russa sobre a realidade italiana. Por isso
mesmo, era um equívoco comparar a situação do campesinato italiano ao campesinato
russo, assim como associar a experiência dos conselhos de fábrica de Turim ao soviets78,
pois para Gramsci a existência de um sujeito histórico proletariado ou campesinato como
conceito é uma abstração, pois é no espaço nacional que eles constroem sua historicidade.
Portanto, o pensamento gramsciano não pode ser visto como um mero desdobramento do
pensamento de Lênin.
77 Aqui faço uma correlação direta com a noção de espaço social tão utilizada pelo grande geógrafo brasileiro Milton Santos. Milton muito influenciado pelo filósofo marxista francês Henri Lèfevre, que tinha uma grande produção acadêmica na área da sociologia urbana, sendo uma de suas principais idéias a de que o homem produz o espaço, pelo fato de que na prática social o homem cria obras e produz coisas através do trabalho.78 Como fazem algumas leituras marxistas que lêem o pensamento gramsciano como uma derivação do pensamento leninista.
42
Por outro lado, a construção da hegemonia, a noção de partido político e do papel
dos intelectuais, o conceito de Estado ampliado que incorpora a sociedade civil, a distinção
entre as sociedades ocidentais e orientais, e, por fim, o de guerra de posições e guerra de
movimento, são conceitos que não podem ser utilizados para contrapor Gramsci a Lênin.
Há entre os legados dos dois, uma potencialidade que não é superada nem pelos rumos do
socialismo soviético pós-Lênin nem pelas releituras79 gramscianas, que assumiram no
caminho italiano para o socialismo de Palmiro Togliatti80 e o eurocomunismo de Enrico
Berlinguer81, suas formas mais acabadas82.
1.3 Gramsci e o MST
Feitas estas últimas ressalvas, a contribuição de leitura da obra de Gramsci nesta
pesquisa, obviamente, partirá de seu conceito mais importante que é o de hegemonia. Este
é o ponto de partida para uma análise crítica do desenvolvimento dos movimentos sociais
rurais no Brasil recente, com destaque para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, um sujeito coletivo complexo e orgânico, de caráter nacional-popular, com projeto
de reforma intelectual e moral que tem na reforma agrária o seu programa econômico. É
claro que o contexto histórico e geográfico muda completamente, pois Gramsci pensava na
classe operária como o sujeito revolucionário na Itália. Uma pequena adaptação do
conceito de camponês para trabalhador rural neste caso poderia resolver este problema,
mas aí teríamos um outro problema, que consistiria em explicar que trabalhadores rurais
lutam pela propriedade privada da terra, o que não representaria nenhum tipo de problema
para o capitalismo brasileiro neste sentido. Talvez, seja meramente um problema jurídico
79 Ou antinomias como afirma ANDERSON (2002).80 Secretário geral do Partido Comunista Italiano no período que vai do pós-guerra até 1964.81 Secretário geral do Partido Comunista Italiano no período que vai de 1972 até 1984. 82 Cf. SOUZA, J. C. Lima de. Gramsci: da fundação à refundação do comunismo italiano, Niterói, 2001, 138f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de pós-graduação em História, UFF, Niterói, 2001, p. 34. 40.
43
que, com um programa de reforma agrária oficial, pode ser facilmente resolvido. É
evidente que as classes hegemônicas neste país se esforçam para tentar fazer com que isso
pareça verdade, mas, o desenrolar da história vem mostrando outra realidade. Se, no meio
urbano, as entidades representativas das classes trabalhadoras assalariadas enfrentam uma
profunda crise, podemos dizer que, antes, no meio rural brasileiro, a situação nunca esteve
muito melhor do que está agora. Com a exceção de algumas experiências como a das ligas
camponesas (1954-1964), a situação dos pobres do campo sempre foi de muita penúria.
Nesta virada de século, sob os holofotes da grande mídia, pudemos testemunhar que, no
Brasil, há localidades onde, mesmo o Estado de direito, não consegue fazer-se presente, e,
a região amazônica é, neste sentido, um dos maiores exemplos. A reação dialética a este
estado de coisas teve na criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT)83, em 1975, um dos
seus momentos políticos mais importantes, pois se tratava de uma reação contra a
repressão do governo militar às manifestações do homem do campo no Brasil. A CPT
ajudou a defender as pessoas da crueldade daquele sistema de governo, que só fazia o jogo
dos interesses capitalistas nacionais e transnacionais, e participando ativamente da abertura
de caminhos para que o regime militar fosse superado. Ela nasceu ligada à Igreja Católica
porque a repressão estava atingindo muitos agentes pastorais e lideranças populares, e
também, porque a Igreja possuía alguma influência naquela conjuntura política e naquele
cenário cultural.
Na verdade, a instituição eclesiástica não havia sido molestada. No período da
ditadura, o reconhecimento do vínculo com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) ajudou a CPT a realizar o seu trabalho e se manter. Mas, já nos primeiros anos, a
entidade adquiriu um caráter ecumênico, tanto no sentido dos trabalhadores que eram
apoiados, quanto na incorporação de agentes de outras igrejas cristãs, destacadamente da 83 Cf. SFORA, Maria de Fátima & CARVALHO, Tarcísio de. COMISSÃO PASTORAL DE TERRA (CPT)In: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, p. 106-111.
44
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB84. E foi justamente deste
Movimento que nasceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)85.
Durante os anos de 1979 a 1984, ocorreram os primeiros encontros de camponeses e
agentes pastorais ligados à CPT para organizar o Movimento nacionalmente86, o que veio a
ser feito de fato em janeiro de 198487. Neste momento, também o Movimento lança o seu
primeiro programa de Reforma Agrária, durante o encontro nacional em Cascavel, Paraná,
que reuniu líderes de sem-terra, sindicalistas, assessores e representantes de diversas
entidades de classe de 14 estados da federação88. Era um movimento social que nascia com
uma plataforma política anticapitalista89, com o objetivo de fortalecer frentes de luta a
nível estadual e nacional90, ampliando-o nos municípios e regiões onde ainda não estivesse
organizado91. Colocavam-se, inclusive, contra o projeto oficial de colonização da região
Norte, ou melhor, o projeto de ocupação da região da Amazônia legal, exigindo
reassentamento dos sem-terra nos seus estados de origem92.
Se olharmos projetos sociais e programas de reforma agrária oferecidos no Brasil
como resposta ao problema agrário de 1946 até a fundação do MST. A novidade agora é
que se antes havia uma ruptura entre intelectuais e massas do campo, o que ficava visível
pela tentativa de solucionar a questão a partir de uma visão instrumentalizada pelos
partidos políticos de esquerda, predominantemente urbanos, agora os camponeses tinham
em suas mãos um movimento orgânico. Ou seja, tinham um movimento cuja direção se
84 Cf. Histórico da Comissão Pastoral da Terra. Disponível em http://www.cptnac.com.br. Acesso em 06. fev. 2006.85 Cf. MEDEIROS, Leonilde de. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA (MST)In: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, p. 328-331.86 Cf. Acampamento foi exemplo para o MST. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 nov. 2006, Brasil, p 11.87 Cf. MEDEIROS, Leonilde Servolo de. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA(MST) In: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, p. 328.88 Cf. PROGRAMA DE REFORMA AGRÁRIA DO MST – 1984 In A Questão agrária no Brasil, São Paulo, Expressão Popular, v. 3, 2ª ed., 2005, p. 177.89 Idem, p.178. Item 2º - Princípios Gerais, Artigo nº 2.90 Idem, Idem. Item 3º - Princípios Práticos, Artigo nº 3.91 Idem, Idem. Item 3º - Princípios Práticos, Artigo nº 6.92 Idem, p. 179 Item 3º - Princípios Práticos, Artigo nº 15.
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encontra não só em suas mãos, como também era capaz de tomar iniciativa política e atrair
intelectuais93, formar os seus próprios intelectuais orgânicos, organizando molecularmente
outras células orgânicas, com sua própria autonomia, ainda que filiados nacionalmente ao
Movimento, como o Movimento dos atingidos por barragens (MAB)94, a Confederação
Nacional dos Seringueiros (CNS), etc.
Trata-se de um Movimento que desde 1987 constituiu um setor específico para
tratar dos desafios ligados à questão do direito à educação dos sem-terra. Em 1995, o MST
elaborou uma proposta de reforma agrária com um capítulo exclusivamente dedicado à
questão da educação com um programa de dez itens95. É a primeira proposta de reforma
agrária na história do país que abre espaço para fazer propostas por uma educação no
campo96, diga-se de passagem, também aberta a outras relevantes reivindicações tais como
a saúde, a cultura, o esporte e o lazer, além de um programa ambiental, etc. Neste sentido,
somente na campanha presidencial de 2002 é que o PT atualizou sua agenda política em
relação à educação, outros itens semelhantes àqueles para o campo no Brasil97.
Em 2003, o programa agrário unitário das organizações e entidades rurais durante
o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no campo98. Ele ressaltou a necessidade
de implementar de diretrizes operacionais para a educação básica aprovadas pelo Conselho
93 E neste caso a parceria com a Igreja Progressista, ou como afirma Michael Löwy , o Cristianismo Libertário, também uma outra novidade latino-americana.94 Cf. VAINER, Carlos. MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS In: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, p. 320-326.95 Cf. PROGRAMA DE REFORMA AGRÁRIA DO MST – 1995 In A Questão agrária no Brasil, São Paulo, Expressão Popular, v. 3, 2ª ed., 2005, p. 200. Características da Reforma Agrária, item nº. 9 - Educação.96 Sobre Educação, tratamos das questões políticas ligadas ao tema no capítulo 3, aprofundando a problemática do papel da educação na promoção do nível intelectual e moral das massas. No capítulo 4, tratamos da origem dos educadores e educandos do MST, o seu processo de formação e consolidação enquanto sujeitos sociais que pensam a educação e são atores fundamentais para uma nova demanda do MST que é construir a sua própria memória, e associando a luta pela terra a um leque mais amplo de conquistas sociais. 97 Cf. PROGRAMA AGRÁRIO DA CAMPANHA PRESIDENCIAL DO PT – 2002 – PROGRAMA VIDA DIGNA NO CAMPO In A Questão agrária no Brasil, São Paulo, Expressão Popular, v. 3, 2ª ed., 2005, p. 222. Políticas para o desenvolvimento rural sustentável e solidário, item nº. 6 – Educação para o meio rural.98 Cf. PROGRAMA AGRÁRIO UNITÁRIO DOS MOVIMENTOS CAMPONESES E ENTIDADES DE APOIO – 2003. In A Questão agrária no Brasil, São Paulo, Expressão Popular, v. 3, 2ª ed., 2005, p. 235, item nº. 8.
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Nacional de Educação, nas escolas do campo, localizadas prioritariamente nos projetos de
assentamento, comunidades e distritos rurais. O Programa reforçava ainda a utilização de
práticas que tenham com referência a terra e a água, a organização e a cultura do campo,
facilitando o acesso às escolas, combatendo o analfabetismo e garantindo o direito de
todos à educação de qualidade em todos os níveis99.
Na atualidade, como veremos mais adiante, a educação tem sido o elemento mais
importante para a consolidação do centralismo orgânico do MST. Ela tem sido
necessariamente contemplada em todas as iniciativas do Movimento, passando pela
organização e filiação de outras entidades representativas de camponeses ao Movimento,
pela formação de quadros dirigentes, e até mesmo pela unificação de uma linguagem
nacional100. A educação permeia todas as frentes de luta do Movimento, atuando ao
mesmo tempo no reforço das peculiaridades regionais e/ou locais. Podemos citar como
exemplo as comunidades remanescentes de quilombos, que são incentivadas à
ressignificar101 sua história e seu passado. Outro exemplo é a atuação do MST em algumas
comunidades de indígenas, designando educadores e pesquisadores no campo educação e
da lingüística para atuar no registro de dialetos em risco de desaparecimento,
principalmente na região norte, em particular, na Amazônia, não só recuperando a língua
dos indígenas, como também incentivando a sua utilização no processo educativo e no seu
cotidiano. Em última instância, o Movimento tem lutado pela preservação da cultura destes
povos.
99 O grifo é nosso.100 Lembrar a importância do papel da linguagem no pensamento de Gramsci como elemento presente na elaboração de uma síntese de mundo.101 Elemento de uma psicopedagogia a serviço de uma educação que pretenda revalorizar a cultura e a história, para organizar politicamente.
47
Estas questões formam um conjunto complexo de laços políticos e até afetivos102
entre estas comunidades e a militância do Movimento, que nem mesmo Hobsbawm
poderia supor, deixando de dar conta de que generalizava para o resto do mundo um
fenômeno que ocorria parcialmente na Europa.
Ao contrário das previsões, os movimentos sociais rurais contra-hegemônicos na
perspectiva de construção da identidade de classe do campesinato na América Latina, e
particularmente no Brasil, surgidos nas últimas décadas do século XX, têm como grande
adversário o agronegócio, a grande metáfora hegemônica do latifúndio no continente.
Por causa das diferenças de conjuntura entre o contexto italiano do início do
século XX e o brasileiro da virada do século XX para o XXI, é óbvio que devemos pesar
algumas diferenças. Na Itália, a massa de camponeses, amorfa, segundo Gramsci, era
muito superior em número à classe operária italiana, isto num país que experimentava um
modelo de industrialização em ritmo acelerado, apesar de subalterno em relação à maioria
das outras potências européias do período. Hoje, no Brasil, estima-se que a população rural
represente, mais ou menos, 20% da população absoluta, baseando-se no censo de 2000, o
que, no entanto, não aponta necessariamente tendências de redução da população rural, e
tampouco de desaparecimento do campesinato103. Neste sentido, têm sido os sujeitos
sociais organizados no campo um importante e vital movimento social de massas que vêm
mantendo acesas as lutas da esquerda. Na verdade, eles vêm construindo um novo capítulo
na história da própria esquerda brasileira, atualizando-se na luta contra a opressão no
processo histórico, que é dialético, onde o campesinato, com erros e acertos, avanços e
102 Relembro aqui a questão da afetividade e a política em Gramsci, vista anteriormente.103 Cf. VEIGA, Jose Eli da. Resultados de 2000 contradizem senso comum a respeito do Brasil rural. Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) – Ministério do Desenvolvimento Agrário, Governo Federal. Disponível em <http://www.nead.org.br> Acesso em: 20 out. 2005. Cf. VEIGA, Jose Eli da. A ilusão de país urbano. Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) – Ministério do Desenvolvimento Agrário, Governo Federal. Disponível em <http://www.nead.org.br> Acesso em: 20 out. 2005.
48
recuos, tem estado mais à frente das lutas antiimperialistas por reformas sociais, contra a
globalização neoliberal, do que os clássicos partidos de esquerda.
É possível, portanto, ver a hegemonia que se define/redefine, recuperando uma
visão gramsciana, para além da democracia como valor universal, pensando os temas da
cultura, da ideologia, da educação, trazendo-os para o terreno da política. Torna-se
instigante para os historiadores pesquisar e investigar quais são as chaves desta mudança
dos Movimentos sociais rurais. Neste sentido, o papel dos intelectuais da Teologia da
Libertação e sua formação política e filosófica são aspectos a destacar. O partido político
com sujeito organizador de uma vontade coletiva nacional-popular é outro traço
importante. A valorização da educação como um elemento, não único, porém,
fundamental, como ponto de partida para uma reforma intelectual e moral, que tenha na
reforma agrária seu programa econômico para as massas populares do campo e da cidade,
no Brasil contemporâneo torna-se um terceiro relevante aspecto.
Nas frentes de luta pela terra, a educação em todos os níveis tem sido mais que
um simples mote, mas sim um elemento até de coesão, que arregimenta forças para o
Movimento. E para pensar uma educação popular que se oponha ao modelo hegemônico de
educação no Brasil, claramente marcado pelo caráter dual, uma fecunda alternativa teórica
é fazer a escola de Gramsci dialogar com a pedagogia e filosofia da educação de Paulo
Freire. Afinal, sabemos que Gramsci não deu conta de tudo, e sua obra ainda está por ser
complementada ou acabada, aliás, como o próprio marxismo, que sendo uma teoria crítica,
precisa estar aberto às novas questões colocadas pelo atual estágio de desenvolvimento
histórico do capitalismo, no qual, inclusive, a questão ecológica, por exemplo, se coloca na
ordem do dia.
Gramsci, por exemplo, desenvolveu sua reflexão teórica a partir de uma
experiência de vida marcada por uma lógica proletária e urbana. Por isso mesmo,
49
vislumbrou o americanismo e o fordismo como formas superiores de elaboração social e
econômica. Apesar de ter compreendido que o capitalismo tem um ímpeto transformador,
na análise da questão meridional, deu a entender que, como relação social, ele pode
conviver perfeitamente com formas e relações pré-capitalistas de produção. Por isso,
descartamos, aqui, as tentativas de reduzir o camponês a um simples trabalhador rural
assalariado. Bernardo Mançano Fernandes104 afirma que apesar dos riscos de cairmos em
um anacronismo, é preferível apostar na atualidade do campesinato a trabalhar com a
retórica do bloco capitalista urbano brasileiro, se baseia na total subordinação dos
trabalhadores rurais ao processo de desenvolvimento capitalista, afirmando, portanto, que
luta pela terra é pequeno-burguesa, e, por isso, se inscreve na lógica capitalista de
produção, como afirma Paulo Alentejano105.
Cabe ressaltar, por outro lado, que também não é possível sustentar a velha
hipótese que associa diretamente a reforma agrária no Brasil à revolução socialista, pois as
condições políticas que viabilizam esta passagem de uma a outra se fazem de modo
complexo. Segundo Gramsci, não se pode confundir movimentos conjunturais com
movimentos orgânicos, e isso, nas sociedades do tipo ocidental, serve também para as
crises, ou seja, um momento agudo de crise econômica ou mesmo de crise política, pode
não representar necessariamente crise de hegemonia, e muito menos crise revolucionária.
Com isso, queremos dizer que a guerra de posições é travada através de múltiplas linhas
de ação, em uma multiplicidade de campos políticos. A abertura de espaços com os
poderes públicos106 e o embate entre programas de reforma agrária e as políticas de
ocupação de terras, forma de mobilização que se define através da espacialização e
104 Cf. FERNANDES, Bernardo Mançano. Delimitação conceitual de campesinato. Texto, 2004.105 Cf. ALENTEJANO, Paulo Roberto. O que há de novo no rural brasileiro?, Terra Livre, São Paulo, nº. 15, 2002 , p 87-112.106 Cf. nota nº. 2.
50
territorialização, segundo Mançano Fernandes107, além das marchas nacionais à Brasília,
têm sido ações táticas e estratégicas fundamentais para a consolidação do Movimento
como elemento organizativo e âmbito nacional.
Neste sentido, é importante lembrar que a forma de atuação do MST,
diferentemente da CONTAG, baseia-se na “arregimentação de famílias inteiras, e não
apenas de indivíduos, pois não há um processo de filiação ou associação formal, e sim a
mobilização visando à participação, podendo inclusive envolver pessoas sem origens
rurais”108, tendo-se originado na região Sul do país, com ações intensificadas nas regiões
Norte e Nordeste, áreas onde os conflitos agrários, nas últimas duas décadas, têm entrado
em ebulição. Muitas divergências internas ocorridas no MST derivam de tensões
provocadas pela resistência de muitas famílias em aceitar algumas regras trazidas pelo
Movimento, sendo algumas delas frontais às práticas anteriores destes grupos. Em alguns
casos, estas tensões associadas às estratégias de construção de alianças políticas109, já
geraram “rupturas, que deram origem ao aparecimento de várias novas organizações de
luta pela terra em diversas partes do país”110.
Quando da comemoração dos 15 anos de existência, em 1999, o MST já
acumulava algumas lições da luta pela terra111 relacionadas aos desafios enfrentados pelo
Movimento na organização da luta econômica, sem lembrar que as disputas são políticas;
radicalizar a resistência como forma de luta isolada da sociedade; defender interesses
corporativos localizados e não os interesses de classe em nível nacional; acreditar na luta
espontânea e não organizar-se com princípios, objetivo e valores; acreditar em simples
mobilizações de massas sem aperfeiçoar formas organizativas; e organizar as lutas
107 Cf. FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação do MST no Brasil. Petrópolis, Vozes, 2000, p. 280.108 Cf. MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Op. cit., p 329.109 Ibid, p. 330.110 Um exemplo é o Movimento de Libertação dos Sem-terra (MLST), nascido em 1997. 111 Cf. BOGO, Ademar. Lições da luta pela terra. Salvador, Memorial das Letras, 1999, p. 25.
51
reivindicatórias simplesmente sem levar em consideração os aspectos culturais da vida do
povo112.
Outra face destas contradições está na relação do Movimento com os programas
de reforma oficiais de reforma agrária, que segundo Ademar Bogo, são marcadas pela falta
de uma verdadeira falta de uma política agrícola, sendo inclusive responsável por graves
crises na agricultura brasileira nas décadas de 1980 e 1990. Tal fato, segundo o autor,
passou a exigir que o caráter do enfrentamento fosse travado dentro do aparelho estatal, e
não mais, necessariamente, através choque direto com os grandes proprietários113. Por isso
mesmo, segundo Bogo, a luta pela terra passou do enfrentamento militar corpo a corpo à
articulação da resistência com a sociedade local, regional, nacional e até internacional,
buscando espaços e canais de intervenção na estrutura do próprio Estado, onde estão os
principais instrumentos para a realização da reforma agrária, que são a lei, o Judiciário e o
aparato policial114.
Portanto, os movimentos sociais se fortalecem na medida em que impulsionam a
luta política a partir da luta econômica, o que, segundo BOGO, fez com que a luta pela
reforma agrária não pudesse mais ficar restrita ao objetivo final da luta do Movimento.
Daí, a necessidade de organizar-se com princípios, objetivos e valores115, elementos
fundamentais para a “superação da luta meramente econômica”116 pois “ela pode aparecer
e refluir (...), pois a luta que segue princípios e pretende desenvolver valores morais, tende
a permanecer e solidificar-se como alternativa para outras questões sociais”117. Portanto,
112 Alguns destes fatores estão diretamente ligados ao problema das divergências e rupturas abordado anteriormente.113 Ibid, p. 29.114 Ibid, p. 39.115 Ibid, p. 44.116 Para (BOGO, 1999:44) sinônimo de luta espontânea.117 Ibid.
52
transformar a estrutura agrária deixou ser uma etapa de um objetivo maior, pois para além
dela, a luta pela hegemonia exige transformar a conduta do Movimento118.
Tornou-se fundamental para o MST falar também de valores como a
solidariedade, o companheirismo, o trabalho, a preservação, a beleza, além do estudo, o
que envolve, em última análise, também a escola e a educação. São estes os novos desafios
para a filosofia da práxis, pois “a sociedade no seu conjunto deve se converter em uma
gigantesca escola, (...) produtora de uma consciência em que os valores adquiram
categorias novas”119. Acreditar em simples mobilizações de massas é seguir definições
organizativas com tendência centralizadora, característica de partidos burocráticos que
transformam aspectos doutrinários em dogmas e não conseguem evoluir na produção de
novas lideranças e consolidar-se como movimento orgânico.
O movimento orgânico é aquele cuja estrutura é formada por elementos próprios,
participando ativamente nos setores, comissões, núcleos e outras instâncias organizadoras
que mobilizam as massas, respeitando os movimentos ascendentes e descendentes, através
dos quais, as discussões e decisões do MST circulam nas diferentes esferas da organização.
Na atualidade, o Movimento é organizado em nível local, regional e nacional,
obedecendo sempre à mesma organização em setores nos três níveis. São setores do MST a
saúde, direitos humanos, questões de gênero, educação120, cultura, comunicação, formação,
projetos e finanças, produção, cooperação e meio ambiente e frente de massa. São
coletivos do MST: juventude e relações internacionais. Esses setores desenvolvem
alternativas às políticas governamentais convencionais, buscando sempre a perspectiva
camponesa, “com distribuição de tarefas e com consciência ideológica alcançada através
118 É o desafio dos programas de desenvolvimento da agricultura sustentável, ligada às questões de preservação dos recursos naturais e do meio ambiente.119 Ibid, p. 45.120 Atualmente o setor mais desenvolvido e por isso o que se coloca em maior evidência na vida organizativa do Movimento segundo o geógrafo Bernardo Mançano Fernandes (UNESP - Presidente Prudente).
53
da formação da consciência de todos os integrantes”121 sem distinção de idade, sexo, grau
de escolaridade, etc. “Mas aos se organizar e partir para a luta, esses seres humanos não
levam apenas pautas de reivindicações, mas também preocupações, sentimentos, dores,
alegrias, sonhos, esperanças e uma história. Isto também faz parte da vida humana e deve
ser percebido no desenvolvimento do ato político”122. Portanto, todos os elementos e meios
que vão sendo arranjados para se fazer a luta fazem parte da cultura, como a forma de
andar, vestir, cantar, alimentar-se, armar lonas para morar à beira das estradas, nas longas
marchas desenvolvidas, o que reforça a estratégia de mobilização das famílias.
Deste modo, as massas somente conseguirão entender o fazer história na medida
em que conseguirem entender a história já realizada, interpretar, com seus dirigentes, a
realidade e buscar meios para transformá-la, contemplando todos os aspectos que
compõem a vida humana. “Devemos entender, portanto, que as condições objetivas da
realidade não se limitam ao desenvolvimento das forças materiais; mesmo os elementos
subjetivos (organização, consciência, valores) se tornam elementos objetivos, pois estes
precisam se fazer concretos para que a transformação aconteça”123. Isso quer dizer que para
a reprodução do Movimento, outras dimensões da vida humana, em geral deixadas de lado,
devem ser colocadas na esfera da realidade social e política, e interpretadas, valorizadas e
contempladas pelos objetivos políticos estabelecidos. São dimensões imporantes da vida
humana a religião, a arte, e língua, os costumes, etc. Tudo isso faz parte da vida objetiva da
sociedade e constitui a consciência social de um povo. Estes aspectos assumiram
importância vital também naquilo que deu certo na experiência das Ligas Camponesas
121 Ibid, p. 49.122 Ibid, p. 50.123 Ibid, p. 51. O grifo é nosso.
54
(1954-1964). Segundo Francisco Julião124, as lições que mais lhe marcaram estão no fato
de que se deve “partir do nível de cultura e conhecimento do camponês (...). Não adianta
querer despejar doutrinas (...) Impressionou-me a forma como eles usavam a lei e a bíblia
para convencer o camponês a tirá-lo no nível de consciência ingênua para uma
consciência crítica”125.
Por toda a experiência histórica acumulada, já não se pode ignorar estes aspectos
da vida social e cultural das pessoas. “Ao se organizar um assentamento ou a luta pela
reforma agrária, ignorar os valores culturais, a religião, as superstições, os costumes, os
conhecimentos, etc., é o mesmo que transformar o ser humano em um instrumento
mecânico para ser fazer a luta política através dos objetivos que alguns poucos dirigentes
têm na cabeça”126, afirma Bogo127. Neste aspecto, o descaso para com a religião, como se
esta fosse simplesmente um fator de alienação, não pode impedir que a proliferação de
seitas e religiões nos assentamentos, por exemplo, permaneçam encaradas como um
desafio religioso, mas, sim, político, pois o objetivo estratégico é manter a unidade entre as
famílias, entendendo-se que uma reforma agrária de qualidade deve estabelecer relações
com todas as dimensões da vida humana. Portanto, não basta amontoar gente e distribuir
lotes, pois a tarefa é mais complexa128.
Hoje, as fontes oficiais do MST afirmam que o Movimento está organizado em
frentes de luta em 24 dos 27 estados da federação, enquanto a CONTAG, por exemplo,
124 Cf. STÉDILE, João Pedro. O MST considera-se um descendente das ligas (entrevista com João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST) In: A Questão Agrária no Brasil – História e natureza das Ligas Camponesas – 1954 -1964. São Paulo, Expressão Popular, v. 4, 1ª ed., 2006, p. 184. 125 Uma relação dialética com a filosofia da educação de Paulo Freire.126 O que, segundo Gramsci, deixa o ser humano no estado inicial de homem-massa, impregnado do senso comum.127 Cf. BOGO, Ademar, Op. cit., p. 51.128 Como afirma Gramsci, para muito além do econômico-corporativo.
55
atua em 19 estados129, desenvolvendo um trabalho cotidiano e molecular nos
assentamentos.
Mas, a guerra de posições não pára por aí, pois podemos citar, por exemplo, a
indicação de Miguel Rosseto para ocupar a pasta do Ministério do Desenvolvimento
Agrário no governo LULA em 2003, como outra frente de ação, já que além de ser um
nome simpático junto às lideranças do Movimento. Pela sua origem e trajetória, ao assumir
o cargo, o ministro ocupou sua pasta com nomes simpatizantes da causa. Uma parte ficou
com o MST, outra, com os integrantes da Comissão Pastoral da Terra, e uma terceira
é comandada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
(CONTAG)130. A presidência do INCRA, sua nomeação mais importante, foi entregue a
Marcelo Resende131, figura ligada à Pastoral da Terra e ex-comandante do Instituto da
Terra no governo Itamar Franco. MST e CONTAG gostaram da escolha. Ao designar
novos superintendentes para o INCRA, Resende colocou pessoas ligadas ao MST em nove
das 29 sedes do instituto no país132.
Seguindo a lista de exemplos, podemos ainda destacar aquilo que para a presente
pesquisa está no foco da conceituação do Movimento como partido político, e cujos
desdobramentos serão analisados na teoria e na prática, em capítulos posteriores, que é a
formação de seus intelectuais, agrônomos, veterinários, advogados, educadores, médicos,
129 Comunicação pessoal ao autor em 09 nov. 2006, durante uma mesa redonda intitulada OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO, onde estiveram presentes Bernardo Mançano Fernandes (UNESP -Presidente Prudente), Paulo Alentejano (UERJ) e Caio Augusto Maciel (UFPE), tendo como Coordenador/debatedor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP), por ocasião do XVIII ENGA - Encontro Nacional de Geografia Agrária – sediado UERJ campus Maracanã, entre os dias 06 e 10 nov. de 2006.130 Cf. CARVALHO, Tarcísio de. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA AGRICULTURA In: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, p. 121-122.131 Marcelo Resende é geógrafo, ex-presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), tendo ocupado o cargo até 01 set. 2003. Atuou como animador pastoral rural da CPT na região do triângulo mineiro. Atualmente é assessor da Via Campesina, da ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. 132 Cf. VEJA ON LINE. Suplemento REFORMA AGRÁRIA EM PROFUNDIDADE – Contexto e números – Os nomes do governo LULA. Artigo publicado em 02 jul. 2003. Disponível em <http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/reforma_agraria>. Acesso em: 23 mar. 2006.
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etc., onde o que se coloca em jogo é, sobretudo, a tentativa de quebra dos monopólios
destes saberes acadêmicos.
Até hoje, na história dos movimentos sociais rurais no Brasil, esta produção tem
estado tão rigidamente controlado, quer no acesso, quer na socialização da produção
científica. O que o MST quer é disponibilizá-la para uma comunidade bem mais ampla do
que simplesmente a dos grandes proprietários de terras do país, e os profissionais
especializados das grandes agroindústrias multinacionais que atuam no setor agrícola.
Aliás, há mais de um século, este tem sido um dos meios tradicionais pelo qual o latifúndio
consolidou sua hegemonia no Brasil, desorganizando o conjunto do campesinato brasileiro,
subtraindo-lhe as maiores lideranças, cooptando seus intelectuais orgânicos, criando uma
aristocracia camponesa. 133
Durante muito tempo um círculo fechado do saber acadêmico e da informação
historicamente garantiu privilégios para os latifundiários, muitas vezes colaborando
decisivamente para o isolamento dos movimentos sociais no campo134. Esta pode ter sido
uma das razões pelas quais as lutas camponesas, algumas delas inclusive com
características organizativas avançadas para o seu tempo, acabaram derrotadas em nossa
história135.
Porém, nesta última virada de século, essa história virou a página. Para Michael
Löwy136, “as organizações de esquerda precisam processar a fusão do pensamento marxista
com as características particulares do povo da América Latina para promover a construção
do socialismo do século XXI”. Para isso, é preciso incorporar as experiências dos diversos
133 Fazendo um paralelo aqui com as análises relativas à hegemonia da burguesia industrial sobre o conjunto da classe operária, ao longo da história do capitalismo.134 Cf. MENDONÇA, Sônia. O Ruralismo Brasileiro (1888-1931). São Paulo, HUCITEC, 1997, p. 113-136.135 Refiro-me aos chamados Movimentos messiânicos, como as Guerras de Canudos e do Contestado, no final do século XIX e início do XX, e principalmente da grande experiência histórica das Ligas Camponesas do Nordeste comandadas pelo grande líder e advogado Francisco Julião entre 1954 e 1964. 136 Michael Löwy é cientista social brasileiro radicado há quatro décadas na França. Leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da Universidade de Paris. Nascido em 1938, é especialista em Karl Marx, Rosa Luxemburgo e Georg Lukács.
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movimentos sociais, em especial, o indígena e o camponês, protagonistas nas lutas sociais
na região.
Segundo Löwy, “O motor da mudança passa por baixo, por movimentos sociais e
correntes políticas capazes de exprimir essa radicalidade”137. Para ele, o marxismo é
“formidável, mas precisa ser atualizado e latino-americanizado”138. É preciso dar conta da
importância dos camponeses e não só do tempo presente, mas desde o começo do século
passado.
Ainda segundo Löwy, “os pensadores que trataram de aplicar o método marxista
de forma criativa na região se deram conta de que o campesinato tem um papel muito mais
importante do que na Europa, e até mais do que imaginava Marx”. É preciso ler a história
destes Movimentos de maneira diferente da forma clássica da esquerda, que baseava no
operariado da fábrica urbana. Como o capitalismo funciona a partir da produção e da
indústria, os operários podem parar as máquinas. Isso é importante, mas não é suficiente
para derrubar um sistema. O capitalismo é um sistema político, social e econômico que só
se derruba com uma ação revolucionária. Para isso, é preciso ter a maioria da população,
que não é formada por operários fabris, mas por camponeses e massa pobre urbana. Apesar
da sua importância, a idéia da revolução como tarefa da classe operária e industrial nunca
correspondeu à realidade, muito menos na América Latina, o que segundo Löwy, exige
uma visão ampla do sujeito do processo revolucionário. O capitalismo sempre pode dar a
volta por cima enquanto controla o aparelho de Estado e a hegemonia. É preciso quebrar a
hegemonia ideológica e o controle político do capital.
Contudo, esta problemática passa ainda por outra questão, que tem sido um
verdadeiro nó na trajetória do MST que é a relação campo-cidade. Por isso mesmo, ao
137 Cf. LÖWY, Michael. Por um socialismo latino-americano no século 21, Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem-terra, edição nº. 268, dez./2006.138 Idem
58
fecharmos as discussões acerca deste primeiro capítulo, voltamos ao ponto de partida da
Terra em transe, para afirmar que o círculo de reflexões sobre os novos atores sociais
brasileiros no campo, requer bem mais atenção sobre uma perspectiva ainda mais inusitada
que a criação de um braço urbano para o MST. E esta idéia foi divulgada pelas próprias
lideranças do Movimento, durante o II Fórum Social Brasileiro, realizado na Universidade
Federal de Pernambuco, em Recife, em abril de 2006139. Naquela oportunidade, o
coordenador do Movimento dos sem-terra em São Paulo, João Paulo Rodrigues, afirmou
que o MST estaria preparando a criação de um braço urbano do Movimento, que teria
atuação semelhante à da Via Campesina140.
Para, Rodrigues, a idéia era que, através desta organização urbana, as classes
trabalhadoras do campo e da cidade pudessem atuar em conjunto para fazer “uma
revolução no país” 141. Rodrigues disse, ainda, em palestra, “estar convicto de que o Brasil
está às vésperas de ter o maior Movimento de massas das últimas décadas”, antecipando,
no entanto, que esse braço urbano passaria a atuar de fato somente a partir do ano de 2007,
provavelmente por causa do processo eleitoral.
Assim, as lideranças do MST trabalham na perspectiva de construir grande
movimento de massas, que possa ajudar a resolver o problema da terra, do trabalho. Os
temas como moradia, emprego para a juventude, educação e saúde são privilegiados para a
construção dessa frente de mobilização popular. Para que o evento ocorra, o Movimento
não pode vislumbrar avanços na elaboração de políticas públicas restritos somente aos
sem-terra, mas, também, aos sem teto, aos desempregados, etc., ou seja, que ataque os
problemas mais básicos e as necessidades mais urgentes da população. Rodrigues, disse
139 Cf. LINS, Letícia. MST PREPARA CRIAÇÃO DE BRAÇO URBANO – Coordenador do Movimento diz que união do campo com a cidade é necessária ‘para fazer revolução no país’. O Globo, Rio de Janeiro, 22 abr. 2006. O País, p. 8.140 Cf. SOUZA, J. C. Lima de. VIA CAMPESINA In: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, p. 492-496.141 O grifo é nosso.
59
ainda, que a Via Campesina já representou uma expressiva vitória, e agora é necessário
“uma espécie de Via Campesina urbana, para que a CUT, os sem teto, os estudantes, os
perueiros, os desempregados possam fazer na cidade”142 o que o MST faz no campo. Há,
de fato, uma experiência de outros países da América Latina, onde houve grandes avanços
onde a base social está organizada, mas, sobretudo, em áreas onde a maior parte da
população está no campo. Como já foi dito anteriormente, no Brasil, com algumas
ressalvas, estima-se que 20% da população estejam em áreas rurais, o que talvez leve os
movimentos organizados no campo a terem a preocupação com a luta ao lado da população
das cidades, o que, não raro, chega a ser inclusive lamentado pelo Movimento.
Lembrando Gramsci, este pode ser um pequeno, porém significativo argumento
para afirmarmos que o campesinato brasileiro, através de seus Movimentos sociais
organizados, vem construindo uma leitura própria de sua realidade, do Brasil e do mundo,
quando se questiona o processo de esvaziamento populacional do campo. É claro que há
uma vasta discussão no campo da geografia, da sociologia e até da antropologia urbana, de
dentro de outros domínios, acerca do assunto. Mas, ao longo do tempo, o senso comum
entre as classes mais oprimidas no Brasil parece ter-se acostumado a buscar soluções
dentro da própria infra-estrutura urbana, jamais apontando o fortalecimento do espaço rural
com lócus de um novo tipo de povoamento, sob novas bases econômicas. Até mesmo
porque, no ideário popular, a vida na cidade é associada a progresso e ascensão social,
enquanto permanecer no campo, não sem propósito, é sinônimo de atraso e isolamento.
Ao tratar da questão, durante o referido fórum social, Rodrigues disse que “se no
Brasil tivéssemos o mesmo percentual da população camponesa da Bolívia, já teríamos
142 Cf. LINS, Letícia. MST PREPARA CRIAÇÃO DE BRAÇO URBANO – Coordenador do Movimento diz que união do campo com a cidade é necessária ‘para fazer revolução no país’. O Globo, Rio de Janeiro, 22 abr. 2006. O País, p. 8.
60
feito a revolução contra a desigualdade social”143, ressaltando que o termo revolução não
implicaria necessariamente o uso das armas, e sim a pressão feita por meio de
mobilizações populares organizadas contra as injustiças sociais. Na oportunidade, citou o
exemplo das manifestações populares feitas pelos estudantes contra uma nova lei que
criava contratos de trabalho de dois anos para pessoas com menos de 26 anos. Estes
contratos poderiam ser suspensos pelos empregadores sem justa causa. Segundo o líder
paulista dos sem-terra, “o povo precisa ir às ruas cobrar do Congresso, e pôr um milhão de
pessoas em Brasília”. Mas, o coordenador do MST de Pernambuco ainda considera o MST
um Movimento pequeno, já que “apenas” um milhão de pessoas é pouco, considerando-se
uma das menores organizações se comparada à CUT, à CONTAG, à Igreja e à UNE, que
segundo ele têm uma base organizada muito maior. Segundo ele, o desafio atual do MST é
aumentar sua base para quatro milhões de famílias sem-terra, estimando-se neste caso
cerca de 25 milhões de pessoas.
Como pudemos ver, neste primeiro capítulo procuramos destacar no surgimento,
na história e no desenvolvimento do MST a hegemonia em movimento, como um processo
que envolve, a todo instante, a interação de grande conjunto de variáveis econômicas,
políticas, mentais, etc. Sabemos que as frentes de luta e os instrumentos necessários para
elaborá-la e reelaborá-la são variados. Nos dois capítulos seguintes, procuraremos deter-
nos na análise crítica do papel e da importância da educação para a consolidação da luta
pela hegemonia em torno de um sujeito coletivo antigo no seu nome, porém de novo tipo,
imprimindo uma nova dinâmica e novo significando a sua existência como ator social.
143 Idem
61
2. O CAMPESINATO BRASILEIRO NA HISTORIOGRAFIA AGRÁRIA
RECENTE: MST - UM SUJEITO COLETIVO DE TIPO NOVO
2.1. O campesinato e o marxismo
Segundo o historiador marxista britânico Eric Hobsbawm, a possibilidade de o
MST transformar-se em partido político está descartada. A precariedade do alcance da
análise de conjuntura dos camponeses e do caráter revolucionário das suas manifestações
representa um primeiro obstáculo. Somam-se a ela a falta de capacidade de avaliar a
conjuntura nacional, e identificar o momento da passagem da passividade à ação, além da
falta da influência camponesa sobre a estrutura política mais ampla144. Hobsbawm aponta
que, no caso dos países capitalistas, o campesinato desapareceu como conceito político. E
isto se deve, além dos fatores citados anteriormente, ao fato de os conflitos no meio rural
serem neutralizados pelo isolamento dos camponeses em relação aos de fora. Tais
características tendem a fazer com que a política eleitoral democrática não funcione em
favor dos camponeses como classe, e tal como Marx afirma em O Dezoito Brumário145, os
camponeses acabem sendo incapazes de impor seu interesse de classe em seu próprio
nome. A propriedade capitalista privada dos meios de produção é vista naturalmente pelo
trabalhador como condição necessária para a expropriação de sua força de trabalho e dos
bens que produz. Para o camponês, “em sua relação com o capital, a propriedade privada”,
ao contrário, “aparece como garantia de sua sobrevivência e de sua família”. É
considerada, portanto, como fator de progresso e não de regresso146.
144 Cf. HOBSBAWM, Eric. Os camponeses e a política In Pessoas Extraordinárias: resistência, rebelião e jazz. São Paulo, Paz e Terra, 1998, p235-237.145 Faz-se aqui uma menção a tendência camponesa de confinamento na sua dimensão espacial local. 146 Cf. MAESTRI, Mário. A ALDEIA AUSENTE: ÍNDIOS, CABOCLOS, CATIVOS, MORADORES E IMIGRANTES NA FORMAÇÃO DA CLASSE CAMPONESA BRASILEIRA In STÉDILE, João Pedro (org.). A Questão Agrária no Brasil – o debate na esquerda: 1960 -1980. São Paulo, Expressão Popular, v. 2, 2ª ed., 2005, p 220.
62
Esta visão acabou sendo incorporada à tradição do marxismo clássico. As análises
marxistas relacionadas à questão agrária de modo geral acabaram restritas ao problema da
aliança operário-camponesa, subordinando o programa camponês às condições da luta
operaria urbana. Estas análises possuem uma historicidade concreta apoiada na dinâmica
política e social que marcou a fase das revoluções burguesas na Europa do século XIX,
onde de fato, os problemas relacionados à adesão do campesinato ao programa socialista
revelaram que a aliança operário-camponesa enfrentaria diversos obstáculos.
Engels, por exemplo, ao analisar os programas dos partidos socialistas na
Europa147, na última década do século XIX, apesar de reconhecer o camponês como
elemento político vital, atribuía ao conjunto do campesinato uma grande apatia, cuja razão
era simplesmente o isolamento rural. E esta apatia acabava sendo fundamental para a
estabilidade da maioria dos regimes de governo do velho continente. O bonapartismo148
acabaria sendo um dos exemplos históricos que mais contribuíram para o início de um
estranhamento político entre o campesinato e o Movimento Socialista Internacional no
século XIX. A idéia de repartição de terras alimentava o ódio e desconfiança dos
camponeses contra os operários socialistas, fazendo com que os partidos social-democratas
acabassem admitindo a possibilidade de proteger a propriedade dos pequenos
camponeses149.
147 Cf. ENGELS, Friedrich. O problema camponês na França IN A Questão Agrária. São Paulo, Brasiliense, 1981, p.59-80.148 Engels faz menção ao apoio dos camponeses que ajudou a consumar o que Marx chamou de O 18 Brumário de Luis Bonaparte, ou seja, a vitória do sobrinho de Napoleão Bonaparte nas eleições presidenciais em Dezembro de 1848 na França.149 Eram em geral proprietários ou arrendatários de um pedaço de terra, não maior do que eles pudessem cultivar com ajuda de sua própria família e nem menor do que pudessem se sustentar com a própria produção. Eram comparados pelos socialistas ao pequeno artesão, ou seja, um operário que se distinguia do proletário da época somente por possuir seus meios de trabalho. Eram, portanto, pequenos lavradores remanescentes do velho campesinato servil do feudalismo, que apesar de terem eventualmente a posse da terra, desenvolviam uma atividade econômica de subsistência com baixa produtividade. Devido à industrialização e à progressiva monetarização da economia estavam condenados à proletarização.
63
O clima de euforia eleitoral na Alemanha e na França levava para os socialistas a
seguinte iniciativa: criar um programa agrário, onde o camponês deixava de ser visto como
um futuro proletário, para ser camponês proprietário. Desta forma, pelo programa
socialista, o camponês estaria protegido da ruína a que estava condenado pelo modo de
produção capitalista. No entanto, Engels considerava que esta decisão feria os princípios
fundamentais do programa socialista. Aqueles que defendiam a permanência do programa
agrário justificavam a proposta baseando-se em fragmentos do texto original do programa
geral dos partidos como, por exemplo, a afirmativa de que segundo o programa os
produtores só podem ser livres enquanto detêm a posse dos meios de produção. Por causa
do alto grau de concentração dos meios de produção na área urbana, sua restituição aos
produtores só poderia dar-se sob forma coletiva ou social. Enquanto no meio rural os
meios de produção e a terra encontravam-se ainda em muitos lugares, como propriedades
individuais, nas mãos dos próprios produtores individuais. De qualquer modo, estariam
fatalmente destinadas a desaparecer, por isso mesmo não caberia ao socialismo acelerar
este processo.
Havia, nesta defesa da propriedade do pequeno camponês, também, uma idéia de
que não era missão do socialismo separar a propriedade do trabalho, e sim, pelo contrário,
reuni-los nas mesmas mãos. Engels combatia esta concepção de propriedade individual,
afirmando que, no capitalismo, ela era meramente uma posse aparente, e que se confirmada
pelo programa socialista, estaria de fato, aí sim, convertida em propriedade real justamente
pelo caráter individual, e não coletivo150.
Ao analisar o desenvolvimento do capitalismo na Rússia, Lênin observa que a
questão agrária envolvia contradições para além da resistência dos camponeses à
repartição de terras. Naquele país, por exemplo, boa parte da produção agrícola existente e 150 Cf. ENGELS, Friedrich. O problema camponês na França IN A Questão Agrária. São Paulo, Brasiliense, 1981, p. 67.
64
que contribuía significativamente para o seu abastecimento, se dava por uma complexa
combinação entre relações capitalistas e pré-capitalistas de produção. Esta relação se
baseava na manutenção de um pequeno campesinato através de doação de terras feitas
pelos grandes proprietários aos operários agrícolas, de modo a evitar a falta de operários
pelo êxodo em massa da população do campo.
Por pequeno campesinato, aqui, se entenda pequeno pelo tamanho da sua
propriedade, da qual muitas vezes ele é, na verdade, somente posseiro, mas, sobretudo,
porque ele se sustentava a partir de uma economia doméstica articulada à economia rural,
tornando ao final um operário agrícola. Para Lênin, o problema estava no obstáculo que
essa complexa estrutura criava para o desenvolvimento de uma agricultura racional,
necessária ao abastecimento interno de um país de modo que este não caísse na
dependência de outros países, tal como acontecia com as principais economias européias
abastecidas pelas colônias capitalistas.
Por isso, a relação com os camponeses sempre foi vista como prioridade por Lênin.
Já no início de 1903, após a tentativa de insurreição dos camponeses em 1902, escreveu
um ensaio intitulado Aos pobres do campo, procurando explicar de forma simples, aos
camponeses, as idéias marxistas de luta de classes, destacando quais as classes sociais que
se enfrentavam. Além disso, pretendia mostrar aos camponeses as idéias do PSDOR e a
importância de se construir uma aliança de classes entre operários e camponeses.
Em sua análise, Lênin destacava que os operários deveriam explicar aos camponeses
porque a revolta foi derrotada e como fazer para que desse certo.
“A insurreição camponesa foi esmagada porque foi a insurreição de uma massa ignorante.
Inconsciente, uma insurreição sem reivindicações políticas claras, determinadas, isto é, a
reivindicação de uma mudança das estruturas do Estado. A insurreição camponesa foi esmagada
65
porque não tinha sido preparada. A insurreição camponesa foi esmagada porque os proletários do
campo não tinha ainda formado uma aliança como os proletários da cidade. Para que a insurreição
triunfasse, era necessário que fosse consciente e organizada, que abrangesse toda a Rússia e se
aliasse aos operários da cidade”.151
Desta maneira, Lênin, ao interpretar as causas da derrota, acabava dando o indicativo
de como a insurreição poderia ser vitoriosa na medida em que fosse novamente organizada.
Para isto, deveriam começar pela identificação das forças e classes existentes no campo.
Havia, na época, segundo Lênin, duas contradições de classes no campo: Primeiramente,
entre os operários agrícolas e os patrões rurais; em segundo lugar, entre o campesinato no
seu conjunto e o conjunto da classe dos latifundiários, embora Lênin considerasse que esta
contradição tendia a diminuir. Era necessário prestar muita atenção e concentrar forças na
luta contra ela, pois significava uma relação muito atrasada já naquela época.
O governo e o Estado burguês contribuíram para aumentar o êxodo rural, a miséria
dos camponeses, por meio dos créditos liberados para os grandes proprietários, que, assim,
aumentava cada vez mais a concentração da propriedade da terra.
Contra todas as injustiças, era necessário organizar os camponeses para lutar contra
elas, procurando restituir-lhes a propriedade da terra e reduzir a elevada renda paga aos
latifundiários. Antes, o camponês não podia casar sem autorização, trabalhava quando o
feitor queria, não podia se afastar da aldeia, não podia ter bens e não podia comprar terras.
Mas aquela dura realidade já havia sido superada e o camponês era livre para fazer o que
quisesse. A isto, Lênin iria classificar de liberdade civil. “O camponês e o operário são
151 Cf. GOMES, Oziel. A questão agrária In Lênin e Revolução Russa. São Paulo, Expressão popular, 1999, p .92.
66
livres para organizar como entendem sua vida de família, de gerir os seus negócios, de
dispor da sua força de trabalho (de escolher um patrão), de dispor de seus bens”.152
Mas, faltava tanto aos camponeses quanto aos operários a liberdade política de
eleger deputados e de discutir e opinar sobre todos os assuntos que dizem respeito à vida
do país. “O povo não participa de modo nenhum na organização e direção do Estado. É,
unicamente, o czar que, pelo seu poder pessoal, ilimitado, autocrático, promulga todas as
leis, nomeia todos os funcionários” 153.
Os textos mais contundentes de Lênin sobre a questão agrária e, portanto sobre o
programa agrário do partido, foram escritos em novembro de 1907. Fundamentalmente,
afirmava que a chave do combate na revolução russa estava na luta contra os latifundiários
feudais. Isto é declarado após um profundo estudo da concentração da terra na Rússia e da
situação de vida dos camponeses pobres. Havia, na época, na Rússia, aproximadamente
280 milhões de hectares de terras agricultáveis, e a concentração de terra era enorme nas
mãos destes grandes proprietários.
“Dez milhões e meio de famílias camponesas da Rússia européia possuem 75 milhões de hectares
de terras. Trinta mil senhores, principalmente nobres e em parte também adventícios, possuem
mais de 500 hectares cada um; no total de 70 milhões de hectares.” 154
Lênin conclui, então, que num país assim, a destruição dos latifúndios feudais só
poderia acontecer mediante o desenvolvimento capitalista, fazendo-se, num primeiro
momento, a revolução democrático-burguesa, que teria como base a nacionalização da
terra. Estudando a questão agrária, Lênin constatou que havia no capitalismo dois
caminhos para transformar a realidade agrária do país; uma seria a via prussiana.
152 Ibid, p. 94.153 Ibid.154 Ibid, p. 97.
67
“É possível eliminar o feudalismo por meio da lenta transformação das propriedades latifundiárias
em propriedades burguesas do tipo junker, por meio da conversão de massas de camponeses em
deserdados e assalariados, mantendo através da violência o nível miserável de vida das massas, por
meio da formação de punhados de abastados camponeses, criados infalivelmente pelo capitalismo
no ambiente camponês” 155
Esta posição já vinha sendo defendida pelo ministro do interior do czar Nicolau II,
Stolipin, que, através de um programa de reformas, vinha tentando criar uma classe de
médios proprietários capitalistas e defensores da manutenção do czarismo – os kulaks.
O segundo caminho era o norte-americano.
“Denominamos caminho norte-americano de desenvolvimento do capitalismo, diferente do
primeiro, do prussiano, pois tal caminho exige também a destruição violenta do velho regime de
posse da terra.” 156
Lênin entendia que este segundo caminho poderia facilitar o avanço das forças
produtivas no campo beneficiando as massas camponesas. Seria mais amplo e mais rápido,
trazendo como conseqüência o crescimento do mercado interno, elevando os níveis de vida
e cultural de toda a população. Embora surgisse uma classe de proprietários, se avançaria
mais rapidamente para a revolução, tendo como etapa fundamental a conquista de regime
republicano burguês. Lênin mostrou que, tanto o programa visivelmente concentrador de
Stolipin como o programa dos Kadets157 seguiam a via da conservação das propriedades
latifundiárias, mantendo os vestígios de servidão. Segundo Lênin,
155 Ibid.156 Ibid.157 Democratas constitucionais.
68
“O proletariado deveria lutar pelo segundo caminho, dado que ele assegurava uma maior liberdade
e rapidez do desenvolvimento das forças produtivas da Rússia capitalista. A vitória nessa luta só
seria possível com a aliança revolucionária entre o proletariado e o campesinato.” 158
A proposta de estatização da terra era a grande diferença, pois mudava o caráter da
propriedade fundiária.
“Para formar na Rússia uma economia de granjeiros realmente livres, é necessário ‘eliminar as
fronteiras’ de todas as terras, tanto as dos latifundiários como as comunais. É necessário destruir
todo o regime medieval de posse da terra, igualar toda espécie de terras perante os exploradores
livres sobre a terra livre. É necessário facilitar no máximo grau possível o intercâmbio de terras, a
livre distribuição da população camponesa, ou aumento dos lotes, a fundação de novas sociedades
livres em lugar da velha comunidade fiscal. É necessário ‘limpar’ a terra de todo o resto
medieval.” 159
Lênin acreditava que, tendo em vista o tamanho médio das propriedades dos
camponeses pobres, em torno de três hectares, e a necessidade de se libertar do regime
feudal, os camponeses se pronunciariam a favor da estatização da terra. Não haviam se
pronunciado antes porque estavam imbricados numa complexa rede que articulava a
grande produção agrícola com a preservação de relações pré-capitalistas de produção semi-
servis.
Portanto, a nacionalização da terra era uma medida burguesa e contra os resquícios
feudais representados pelo latifúndio. Significava a liberdade da luta de classes e libertaria
a terra de todas aquelas amarras não capitalistas.
158 Ibid, p.98.159 Ibid.
69
“Além disso, a nacionalização da terra, com a abolição da propriedade privada sobre a terra
representaria, na prática, um golpe tão poderoso na propriedade privada de todo os meios de
produção em geral que o partido do proletariado deve prestar todo o seu concurso a essa
transformação.” 160
No artigo Socialismo pequeno-burguês e Socialismo Proletário, escrito em 1905,
Lênin destacou alguns aspectos importantes sobre o Movimento camponês. Na Rússia da
época, um país atrasado economicamente, por muitos anos o marxismo e socialismo
populista se enfrentaram. Este enfrentamento tinha sua origem nas diferentes análises que
eram feitas em relação ao desenvolvimento do capitalismo e ao caráter das lutas de classes
daquela época, tendo em vista que, para os populistas, o homem do futuro seria o camponês
pobre e, para os marxistas, seria o operário. Esta diferença de visão fez com que os
populistas afirmassem que o Movimento camponês era genuinamente socialista. Para os
marxistas, porém, o Movimento camponês não seria um movimento Socialista, mas um
movimento democrático, tendo em vista que “este movimento não se dirigia contra os
alicerces do regime burguês, contra a economia mercantil, contra o capital” 161.
Nesta ampla consideração, Lênin demonstrou a precisão de sua análise para aquele
momento na Rússia, procurando interpretar o caráter do Movimento camponês e como
torná-lo um aliado do Movimento operário.
“A que aspirava o Movimento camponês na Rússia? À terra e à liberdade. Que alcance terá vitória
completa deste Movimento? Quando tiver obtido a liberdade, abolirá o domínio dos latifundiários
e dos funcionários do governo no Estado. Quando tiver obtido a terra, entregará as terras dos
grandes latifundiários aos camponeses. Será que a liberdade mais completa a mais completa
apropriação dos grandes latifundiários (confisco da terra dos latifundiários) suprimirão a economia
160 Ibid, p. 99.161 Ibid, p. 100.
70
mais completa, a economia mercantil? Não, não a suprimirão – Será que a liberdade mais
completa e a mais completa expropriação dos grandes latifundiários suprimirão o abismo profundo
que separa o fazendeiro rico possuidor de vários cavalos e várias vacas, e o operário agrícola, o
jornaleiro, por outras palavras, a burguesia camponesa e o proletariado rural? Não, não a
suprimirão. Pelo contrário, quanto mais completa for a derrota e a abolição da casta superior (dos
grandes latifundiário), mais profundo será o antagonismo de classes entre a burguesia e o
proletariado – Qual será objetivamente o alcance da vitória total da insurreição camponesa? Esta
vitória abolirá definitivamente todos os vestígios da servidão, sem no entanto, suprimir a economia
burguesa, o capitalismo, a divisão da sociedade em classes, em ricos e pobres, em burguesia e
proletariado – Por que é que o Movimento camponês é um Movimento democrático-burguês?
Porque ao abolir o poder dos funcionários e dos grandes proprietários, dá uma organização
democrática à sociedade sem modificar as bases burguesas desta sociedade democrática, sem
abolir o domínio do capitalismo. Qual deve ser a atitude de um operário consciente, de um
socialista, para com o Movimento camponês contemporâneo? Deve apoiar este Movimento, ajudar
aos camponeses, da mesma maneira mais enérgica, ajuda-lo até o fim a derrubar inteiramente o
poder dos funcionários e o poder dos grandes proprietários. Mas, ao mesmo tempo, deve explicar
aos camponeses que não basta derrubar o poder dos funcionários e dos grandes proprietários.
Derrubando este poder, é preciso preparar-se, sem perda de tempo, para suprir o poder do capital,
o poder da burguesia. Para isto é preciso popularizar sem demora uma doutrina socialista, ou seja,
marxista, e unir, ligar, organizar os proletários rurais para a luta contra a burguesia agrária e contra
toda a burguesia da Rússia – Pode um operário consciente trocar a luta democrática pela luta
socialista ou então trocar a luta socialista pela luta democrática? Não, um operário consciente, se
diz social-democrata precisamente porque compreendeu a relação de uma luta com a outra. Sabe
que não existe caminho para o socialismo fora do da democracia, da liberdade política. É por isso
que aspira a uma realização inteira e conseqüente da democracia para atingir o objetivo final: o
socialismo. – Por que é que as condições da luta socialista e da luta democrática não são as
mesmas? Porque os operários terão com toda certeza, aliados diferentes numa ou noutra luta. Os
operários travam a luta democrática em comum com uma parte da burguesia, sobretudo da
pequena burguesia. Os operários travam a luta socialista contra toda a burguesia. Pode-se e deve-
se lutar contra o funcionário e o grande latifundiário em comum com todos os camponeses ricos e
71
médios. Ao passo que contra a burguesia e, portanto, contra os camponeses ricos, não se pode lutar
de modo seguro senão com o proletariado rural.”162
A divergência principal, portanto, se situava na visão do processo que deveria se
seguir à revolução russa. Os populistas e os anarquistas queriam a transformação imediata
do capitalismo, enquanto os marxistas entendiam que havia no campo relações de
produção ainda pré-capitalistas e estas deveriam desenvolver-se para que houvesse
condições de alcançar para o socialismo. Mas, isto não significa que a luta dos camponeses
da época não fosse revolucionária, pois visava ao confisco das terras dos grandes
proprietários, sendo o passo inicial que se podia dar com o Movimento camponês. Neste
sentido, Lênin defendeu que se deveria aliar uma luta à outra sem confundir uma com a
outra. Apoiar a luta democrática, mas organizar o proletariado das cidades e do campo para
organizar um partido de classe, que teria a obrigação de unificar as lutas, mantendo suas
particularidades.
Mais tarde, este conflito se acirraria com os mencheviques, que acreditavam que a
hegemonia do processo revolucionário na Rússia seria da burguesia e não do proletariado
aliado ao campesinato. Os mencheviques negavam completamente o caráter revolucionário
das lutas camponesas, tal como os marxistas clássicos do século XIX. Tanto assim que a
questão agrária foi a mais polêmica de todas nos debates políticos que antecederam a
revolução de Outubro de 1917. Para Lênin, duas revoluções deveriam acontecer na Rússia,
a democrático-burguesa, com a expropriação e a nacionalização da terra, e a revolução
socialista, com a expropriação das fábricas e de outras propriedades da burguesia, estando
as duas intimamente ligadas.
162 Ibid, p 101-102.
72
“Devemos dizer direta e definitivamente aos camponeses: se queres levar a revolução agrária até o
fim, deves também levar até o fim a revolução política; sem levar a revolução política até o fim
não haverá revolução agrária minimamente sólida.” 163
Como balanço final desta análise do papel do campesinato no processo de superação
do capitalismo, o que se pode notar são dois momentos distintos. Um primeiro é o do
século XIX, em que havia uma tendência de articulação entre o proletariado e o
campesinato marcada pelo essencialismo164, ou seja, a necessidade do proletariado de obter
amplo apoio das massas camponesas de modo a fazer frente à reação da burguesia. Mesmo
existindo tentativas de alianças com a incorporação de algumas exigências dos
camponeses, a visão marxista tendeu a colocar o campesinato em segundo plano como ator
social, talvez nem tanto por subestimar sua força política, mas pela visão reducionista de
que a modernização capitalista inexoravelmente proletarizaria boa parte dos camponeses,
e, portanto, os destruiria enquanto classe. O segundo momento é das agitações políticas
que estremeceram os alicerces do czarismo na Rússia até a sua derrubada com a revolução
de Outubro. De fato, esta última reflexão incorporou as especificidades da dinâmica social
no campo, dentro de uma perspectiva que pode até ser questionada, porém, jamais negada
quanto a uma maior valorização do campesinato enquanto ator social e sujeito histórico.
Lênin demonstrou como era relevante o papel dos camponeses no processo de superação
da exploração de amplas massas no campo e nas cidades por parte do capitalismo naquele
país. Neste sentido, não cabe justapor a visão de Gramsci à de Lênin quanto ao papel do
campesinato, mas sem dúvida, o que a visão gramsciana tem a acrescentar nesta discussão
é justamente a de ver os camponeses como ativos partícipes na construção de uma visão de
163 Ibid, p. 103.164 GRYNSZPAN, Mário. CAMPESINATO In: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, p. 72-74.
73
mundo e de conjuntos de valores próprios a uma nova forma civilizatória de caráter
emancipatório.
2.2. O campesinato na historiografia brasileira
De modo geral, podemos dizer que na historiografia do Brasil até o final dos anos
1960 jamais havia existido, a rigor, um debate aberto acerca das classes sociais do campo,
que vislumbrasse o campesinato como ator social político de maior relevância. E isto se
deve, sobretudo, ao modo pelo qual eram analisadas as origens do campesinato brasileiro,
sendo tomadas a partir de uma ótica conceitual equivalente àquela usada para o
campesinato europeu, pelos chamados feudais165 do Partido Comunista Brasileiro. Viam
por dentro das relações escravistas as relações feudais. Era o feudalismo brasileiro, que
reservava ao campesinato um mínimo reconhecimento heróico de suas origens no intruso
pequeno posseiro na sua resistência obstinada pela posse da terra.
Esta hipótese, no entanto, era rejeitada dentro do próprio PCB por Caio Prado
Júnior, que negava a herança feudal brasileira, afirmando que o modelo colonial
implantado no Brasil estava perfeitamente inserido na lógica da expansão do capitalismo
comercial luso. Segundo ele, o Brasil colonial já nascera sob a lógica de acumulação
capitalista. E a utilização intensiva da mão-de-obra escrava fechava as portas da história
para a existência de um campesinato, pois não havia a menor possibilidade de acesso à
pequena e média propriedade, engolidas pelo tradicional latifúndio monocultor. A
agricultura de subsistência estava restrita ao engenho, às margens da grande lavoura. Prado
165 A propósito do que foi discutido no item anterior dentre deste mesmo capítulo. tratamos de autores engajados nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro, que eram filiados às teses terceiro-internacionalistas, como Nelson Werneck Sodré e Alberto Passos Guimarães, dois autores que trabalhavam com a idéia de que o Brasil “deveria passar por uma revolução democrático-burguesa, que liberaria o país dos restos feudais, herdados do passado colonial, expulsando os representantes do imperialismo, aliados incondicionais dos latifundiários”. Cf. MOTTA, Márcia Maria Menendes. Caindo por terra: historiografia e questão agrária no Brasil no século XIX In GIRBAL-BLACHA, Noemi & VALENCIA, Marta (orgs.). Agro, tierra Y política. Debates sobre la historia rural de Argentina y Brasil. La Plata, Editorial de la UNLP, 1998, p 65.
74
Júnior criticava as teses feudais por terem sido importadas mecanicamente e aplicadas à
realidade histórica do Brasil, produzindo distorções como a de que o atraso econômico
brasileiro se devia ao latifúndio. Para Caio Prado, pelo contrário, o latifúndio não se
constituía num entrave ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil, mas era fruto dele, o
que mudava o foco da revolução brasileira da luta pela reforma agrária para a luta
antiimperialista, pois “a inexistência da reforma agrária não provocara nenhum
estrangulamento na capacidade de aferição de lucros por parte do grande capital” 166. Em
outras palavras, adeus às teses da liberação de grandes contingentes de mão-de-obra do
campo para a cidade, do desenvolvimento de um mercado consumidor interno, da
ampliação da oferta de alimentos e, sobretudo, da transformação capitalista da agricultura
através de uma reforma agrária que democratizasse o acesso à propriedade da terra, e à
modernização da agricultura167. Por outro lado, implicitamente, a hegemonia do latifúndio
mostrava a ausência de lutas sociais pregressas no campo. Esta tese viria a ser aprofundada
por Fernando Novais na década de 1970, compreendendo a dinâmica do antigo sistema
colonial regida por princípios e por uma lógica externa determinada política e
espacialmente pelos interesses metropolitanos, chamada exclusivo comercial.
No final dos anos 1970, Ciro Cardoso negou que o determinismo exclusivista
metropolitano na colonização do Brasil fechasse possibilidades para o campesinato,
apontando a existência de uma economia camponesa, chamada, pelo autor, de brecha
camponesa, análise elaborada a partir do desenvolvimento de novo conceito, o de modo de
produção escravista colonial168. Também Jacob Gorender adentraria por este conceito,
muito embora minimizasse a importância das camadas intermediárias priorizando a análise
da sociedade escravista.
166 Cf. MOTTA, Márcia M. M., op. cit., p 67.167 Refiro-me aqui ao modelo norte-americano apreciado por Lênin com expusemos no item 2.1.168 Ibid, p 71-72.
75
Portanto, podemos afirmar que, reconhecidas ou não, as lutas camponesas
apresentam uma longa trajetória no nosso país, contempladas ou não pelos debates
historiográficos clássicos vistos anteriormente, a medida que hoje são do conhecimento de
todos as revoltas de escravos no Brasil, da Colônia ao Império, passando pelo Movimento
abolicionista, pelas guerras de Canudos e do Contestado, e chegando às ligas camponesas
das décadas de 1950 e 1960.
Tendo em vista a história agrária brasileira, o que podemos concluir é que a
questão agrária no Brasil é até hoje um grande problema e a reforma agrária não é a sua
solução169. É partindo desta premissa que entendemos o problema da violência, da miséria
e da exclusão social no campo, que tanto têm sido destacados pela mídia na atualidade. A
visão parcial170 criada pela imprensa, em geral, organiza uma verdadeira seleção de seus
“melhores momentos” 171, omitindo os aspectos mais profundos e menos evidentes. O que
esta produção midiática nos mostra, ao final, é a atualidade do campesinato como sujeito
histórico no Brasil. Não se trata necessariamente de desqualificar a reforma agrária,
enquanto objetivo dos trabalhadores e movimentos sociais rurais do Brasil contemporâneo.
Pelo contrário, reconhecer que a luta pela reforma agrária não é a causa, mas sim um
sintoma de um problema maior, que na atualidade assume matizes cujas origens se
169 Faço aqui uma paráfrase do pensamento de Paulo Freire no final da década de 1950, e que mais tarde veio ser consolidado na pedagogia dos oprimidos, acerca do problema do analfabetismo no Brasil. Dizia ele: “O analfabetismo no Brasil é um problema. A alfabetização não é a sua solução”. Segundo o filósofo da educação, esta questão deve ser analisada sob dois aspectos. Primeiramente, o analfabetismo deve ser visto não como um problema em si, mas sim, um sintoma de algo muito maior, cujas raízes se encontram na própria exclusão social, portanto, combatê-lo deve significar combater os fatores causadores da miséria e de outros problemas que afligem as camadas mais pobres da sociedade brasileira, vítimas do analfabetismo e não simplesmente responsáveis por ele. Por outro, lado o autor lembra que toda a trajetória de exclusão social e analfabetismo geraram e continuam gerando mais miséria. E, portanto, estando sua solução para além da escola, torna inócua toda tentativa de promover a inclusão cidadã, partindo da somente alfabetização e da educação, a menos que os mesmos sejam vistos como um ato político, e que estejam comprometidos com mudanças mais profundas nas relações sociais vigentes.170 Cf. SOUZA, Sônia Maria Ribeiro & JÚNIOR, Antônio Thomaz. O MST NA LEITURA DOS JORNAIS O IMPARCIAL E FOLHA DE SÃO PAULO In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005..171 Refiro-me à espetacularização feita pela mídia televisiva em torno das ocupações e dos episódios que envolvem os confrontos entre os sem-terra e a lei.
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remetem a processos de longa, média e curta duração na história Brasil. A longa duração
tem no passado colonial, na passagem do trabalho compulsório para o trabalho livre e na
Lei de Terras de 1850, um dos momentos decisivos para o estabelecimento da atual
estrutura fundiária existente em nosso país172. A média duração tem no Estatuto da Terra
de 1965 o momento em que a Empresa Agrícola se estabelece como modelo de capitalista
adotado pelo Estado para a exploração da terra no país173. A curta duração tem no
agronegócio o modelo sobre o qual a burguesia agrária e os latifundiários construíram e
reproduzem sua hegemonia, contando inclusive com o apoio das classes trabalhadoras
urbanas174. A ascensão recente de novos sujeitos políticos no cenário rural brasileiro
desafia o pacto entre o grande capital internacional, a burguesia industrial, a burguesia
agrária, os latifundiários, e mesmo frações da classe operária, incluindo algumas de suas
entidades representativas, como sindicatos e partidos de esquerda, que têm formado a base
de sustentação política do Estado brasileiro175. Cabe ressaltar que no caso destes sindicatos
e partidos, não se trata necessariamente de uma opção política clara, mas sim um limite de
sua própria luta, restrita às condições de contorno da luta das classes urbanas contra a
exploração, que se dá nos marcos da legalidade e do regime de propriedade estabelecidos.
É aqui que se encontra o nó da questão política no Brasil atual. As esquerdas
urbanas parecem ainda apostar, tal como o PCB da década de 1960, na entrada do
capitalismo na agricultura como elemento modernizador da economia e da sociedade, ao
passo que para eles, a luta dos trabalhadores rurais assume um caráter conservador, restrita
à luta pela propriedade, daí, o isolamento entre luta urbana e a luta rural. Este é um dos
aspectos políticos que favorecem a hegemonia das classes dominantes no país. Por isso, a
172 Cf. MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1983, p. 35.173 Ibid, p. 102.174 Cf. MENDONÇA, Sônia Regina de. ”Questão Agrária, Reforma Agrária e Lutas Sociais no Campo”. Revista Serviço Social & Movimento Social. v. 2, nº. 1, São Luis: EDUFMA, 2000, p. 19.175 Cabe esclarecer que Estado aqui deve ser entendido como uma relação social, mais precisamente à noção gramsciana de Estado ampliado.
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questão agrária assume importância política crucial não só para os trabalhadores rurais
como urbanos, pois ela expõe não só as divergências entre estes segmentos sociais
explorados e combalidos nas últimas duas décadas, dividindo-os e inviabilizando uma
aliança entre ambos, como também o quanto é inconsistente considerar progressista o
papel do capital na agricultura. A luta pela terra e contra a expropriação no campo, no
Brasil atual, vista como uma posição conservadora176 pode e deve ser superada.
Cabe, então, aos intelectuais de esquerda, aos marxistas e aos defensores do
socialismo elaborar uma nova leitura acerca do papel político do campesinato brasileiro177,
no que poderá constituir-se num ponto de partida para uma verdadeira luta contra a
exploração das classes subalternas no país, tendo como elemento central não só as relações
urbanas de exploração do trabalho assalariado, mas ainda a luta contra a expropriação e
contra a propriedade privada, que são questões politicamente fecundas para uma reflexão
sobre pactos políticos e alianças de esquerda contra as políticas neoliberais.
Neste sentido, mesmo os pensadores, intelectuais e militantes urbanos de esquerda,
que valorizam a forma partido como principal elemento organizativo das massas
subalternas, não podem deixar de estudar, analisar e compreender o que vem ocorrendo no
Brasil de hoje, no campo. Os movimentos sociais rurais, no Brasil, nas últimas duas
décadas, vêm demonstrando não só fôlego político e organizativo, pois cresceram não só
no aspecto quantitativo como também no qualitativo, mas também têm alcançando
expressivos resultados no enfrentamento de questões no campo de ordem sócio-político-
econômica. Sobretudo, conseguiram dar à luta pela terra um novo significado, expondo a
176 É fácil perceber como o senso comum tende a ver a luta dos sem-terra numa visão à direita como uma quebra da legalidade, e mesmo entre as classes trabalhadoras urbanas, numa visão à esquerda, como uma luta de caráter pequeno burguês, pois se restringe à luta pela propriedade.177 Discordando de alguns brilhantes pensadores marxistas de nosso tempo, creio ser pertinente discutir a atualidade do conceito de campesinato, apontando caminhos para que se possa observar como esse ator social não só não desapareceu da cena política, como também se torna um ator político, por que não dizer na sua complexidade, um sujeito histórico, e dentro de marcos específicos até revolucionário.
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grave crise social que assola o país, antes oculta perante uma visão urbana da exploração
capitalista, predominantemente litoraneísta178, fortemente ligada aos grandes centros do
Sudeste, como se somente esta região representasse a face do Brasil moderno, apontando
contradições que o neoliberalismo procura esconder. E neste sentido a mais evidente destas
é a de um Brasil que há décadas vem batendo recordes de produção e exportação de grãos,
e que ao mesmo tempo tem um governo que se projeta no cenário político internacional na
atualidade por sustentar um programa de combate à fome. E o problema não está a
primeira vista nem no governo, tampouco no programa, mas no modelo econômico que
permite tal paradoxo.
As origens desta realidade estão não só na distribuição desigual da terra, mas
também no pacto político que garante à burguesia agrária e aos latifundiários o status de
vanguarda da economia brasileira, sendo seus resultados expostos a todo o momento pela
grande mídia nacional. Ao mesmo tempo, legitimam a ação de instâncias do poder que
atuam na repressão àqueles que ousam questionar modelo de capitalista de exploração na
agricultura brasileira. E mesmo algumas entidades representativas da própria classe
operária, tal como as demais classes urbanas, acabam sendo cooptadas pelo sucesso do
agronegócio. Isto pode significar que, por outro lado, os sindicatos e partidos políticos de
esquerda ainda não encamparam o problema do campesinato e das lutas sociais do campo.
Na verdade, consideram superada a questão agrária, muitas vezes atribuindo às lutas
camponesas uma agressão à democracia, pondo-a em risco. Provavelmente, porque
apresentam uma leitura do papel político e histórico do campesinato deslocada temporal e
178 No último senso do IBGE foram divulgados dados que apontam que cerca de 80% da população brasileira vive em áreas urbanas, o que não quer dizer que as áreas urbanizadas do interior reproduzam um espaço social, tal como os das grandes cidades do sudeste. Na verdade o que existe é uma urbanização heterogênea, e desigual sob o ponto vista sócio-econômico. Este argumento só serve para sustentar a idéia de que o campo já foi todo ele modernizado pelo capital, e que as relações sociais no meio rural já foram totalmente transformadas pelas relações capitalistas de produção, o que retira a historicidade das lutas sociais no campo.
79
espacialmente. Muito embora, insistimos em dizer que a esquerda recente179 se apóia em
matrizes teóricas marxistas, que valorizam conceitos como o pluralismo, o policentrismo e
a unidade na diversidade, oriundas do pensamento gramsciano, mas que só são pensados
nos limites estritos do meio urbano, em cuja heterogeneidade abraça, inclusive, setores
pequenos burgueses. Aliás, nada disso é novidade na América Latina180, onde os partidos
têm dificuldade práticas, teóricas e até doutrinárias para incorporar as tensões sociais e
mesmo as reivindicações camponesas181. A tal ponto de o conceito de camponês ser
recente no vocabulário brasileiro182, muito embora, como já dissemos, as lutas camponesas
venham de longe na história do país, atravessando a república e chegando ao início do
século XXI. Esta conjuntura fundamenta a hipótese de que questão agrária no Brasil é um
problema que coloca em xeque o caráter precário, restrito e limitado da própria democracia
no país, e mais, revela que a reforma agrária pura e simples não é a sua solução183.
Quando se estabelece um divisor de águas entre a luta pela reforma agrária e a
questão agrária, não se quer dizer que elas estão desvinculadas. Todavia, desvela-se o
modelo hegemônico de desenvolvimento do capitalismo no campo, cujas origens se
remetem ao estatuto da terra criado pelo regime militar instaurado em 1964. Pelo
aprofundamento das condições já existentes no meio rural, onde eram profundas as
desigualdades, nos anos 1990 consolidou-se uma ordem social perversa no meio rural
brasileiro, que excluía práticas não comprometidas com os novos padrões globalizados de
produtividade, lucratividade e competitividade. Deste modo, qualquer tipo de agricultura
que não atenda a tais requisitos é desqualificado como categoria de não integrada à
179 Partidos e sindicatos surgidos no crepúsculo da ditadura militar (1964-1985) no Brasil.180 Cf. MARTINS, op. cit., p. 9.181 Che Guevara já havia manifestado uma preocupação neste sentido, chegando formular a hipótese na década de 1960 de que a revolução na América Latina não passaria pelos partidos comunistas, mas sim pela aliança entre camponeses e setores intelectuais do cristianismo libertário ou teologia libertação. Cf. LÖWY, Michel. O marxismo na América Latina, p. 285-288.182 Ibid, p. 25-26.183 Cf. MENDONÇA, op. cit., p. 13.
80
agroindústria, portanto não possui legitimidade, na medida em que não se coaduna com o
modelo de progresso e o desenvolvimento do país. Trata-se, portanto, da formulação do
modelo sócio-econômico que tem cunhado a luta de classes no campo, esvaziando
importantes indagações acerca de “como”, “para que”, “para quem” cresce e se desenvolve
a agricultura no país.
Os projetos de reforma agrária que foram colocados em pauta vêm, então, compor o
leque de políticas sociais compensatórias, que obviamente não tocam nos elementos
fundantes da estrutura fundiária existente desde o golpe militar de 1964, apresentados sob
o mote do eficiente e bem sucedido agronegócio. Tornaram-se modelo hegemônico que
tem como paradigmas o alto grau de mecanização, o acesso aos resultados e a apropriação
privada das pesquisas na área da biotecnologia voltada para a produção e a especialização
de sementes e grãos, e da produção em larga escala, modelo agrário que obviamente carece
de altos montantes em investimentos, e, portanto inacessível a pequenos agricultores
assentados184.
Outro aspecto interessante é o fato de a produção teórica e política de esquerda
brasileira das décadas de 1950 e 1960 dar como superada a participação do campesinato
como ator político, quadro que foi ligeiramente alterado na década seguinte, com certa
retomada do conceito, porém de forma subalterna aos ditames da modernização capitalista
no campo185. Já na década de 1980, o debate passou a incorporar outras preocupações tais
como a abordagem dos trabalhadores rurais, valorizando-os enquanto sujeitos sociais e
políticos.
Atualmente, a identidade de classe destes sujeitos tem se apresentado diluída no
conceito de excluídos do campo186, homogeneizados a partir de um preconceito, que tem
184 A respeito dos assentamentos e acampamentos Cf. FERNANDES, op. cit., p. 179-278 e 279-302.185 Cf. MARTINS, op. cit, p. 92-102.186 Cf. MENDONÇA, op. cit, p. 17.
81
como cerne a falta de condições e aptidões para o agronegócio, mas, que mesmo assim,
insistem em contrapor o modelo agrário hegemônico, muito embora de modo fragmentado
politicamente187, além de disperso pelo país. Mas, um fato vem chamando a atenção nas
duas últimas décadas no Brasil, que é a emergência de uma quantidade significativa de
novos movimentos, cada qual com sua organicidade188.
Acabaram, no entanto, por tornarem-se aparelhos privados contra-hegemônicos,
como o MAB (Movimento dos atingidos por barragens), o MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros).
Demonstram o alto grau de consciência destes excluídos do campo, vítimas transformadas
em réus, ameaçados por um verdadeiro mito da periculosidade dos sem-terra, legitimando
várias formas de violência contra os mesmos, inclusive aquela exercida pelo poder
simbólico, que tem feito com que a luta de classes no campo assuma contornos dramáticos
e renovada dimensão no quotidiano do meio rural brasileiro. Trata-se de um conjunto
multifacetado de movimentos que nasceram de conflitos envolvendo desapropriações,
grilagem ou mesmo da destruição de reservas naturais, como foi o caso dos seringueiros,
todos eles erguidos a partir de questões locais, que se ligavam à questão agrária, mas que
indo adiante extrapolaram a sua luta, trazendo a discussão para além da luta no campo,
como foi o caso dos atingidos por barragens, que chegaram a questionar a própria política
energética governamental.
Deve-se destacar, ainda, a diversidade destes movimentos, que sob a hegemonia do
DNTR/CUT189 e do MST, ao mesmo tempo em que se unificam em torno de uma crítica
em relação à questão agrária, exigem o direito de serem consultados na elaboração de uma
187 Muito embora nem todos os autores ligados à questão agrária concordem com esta visão. Cf. em MARTINS, José de Souza. A Militarização da questão agrária no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1984, p. 75-112, e em FERNANDES, op. cit, p. 297-300.188 Ibid, p. 297-298.189 Direção nacional dos trabalhadores rurais subordinada à central sindical CUT - Central Única dos Trabalhadores
82
política de desenvolvimento para o Brasil. Por tal análise, temos razões para crer que haja
possibilidade de vislumbrar-se uma questão meridional190 no Brasil.
Neste sentido torna-se fecunda uma análise do campesinato brasileiro a partir da
dinâmica dos seus movimentos sociais, que nos últimos 20 anos, a partir da estratégia da
ocupação de terras, superou a perspectiva posta anteriormente de que representavam um
ator político deslocado do seu tempo, vinculado ao atraso, e, portanto, anacrônico. Mostrou
novas formas de organização, constituindo uma frente nacional, organizada na grande
maioria dos estados brasileiros.
Ao mesmo tempo valorizando e respeitando a autonomia local, tornou-se sujeito
coletivo, ampliando sua ação sobre o meio rural no Brasil, expondo os limites da
democracia no país. Vem denunciando uma ordem de acontecimentos que envolvem a
atuação dos aparelhos repressivos, e as instâncias da democracia liberal corrompidas por
grandes interesses em jogo, tal como o poder executivo local e o poder judiciário.
Enquanto mostram, por outro lado, como enfrentar estas questões nos marcos da
legalidade, esgarçando essa mesma democracia, e expondo como são diferenciados os
critérios e o ritmo na busca de soluções por parte do Estado, quando de um lado se têm os
grileiros, os latifundiários, e as grandes empresas agrícolas, e, de outro, trabalhadores
rurais, posseiros e os sem-terra. No campo, o caráter coercitivo do Estado está muito mais
evidente, porque o que está em jogo é o princípio da propriedade privada de terra, que é
meio de produção, e que segundo o MST tem que se tornar terra de trabalho, e não de
negócios ou de exploração.
A apuração dos crimes contra os militantes do Movimento também revela o caráter
precário da justiça, fazendo-se cumprir com a ajuda dos próprios infratores da lei,
legitimando a grilagem e adiando a solução do problema com lentos e seletivos programas 190 Para entender o conceito gramsciano de bloco histórico e o papel do campesinato como sujeito político, retornado à leitura do capítulo 1 desta tese. Cf. GRAMSCI, 1977, p. 45.
83
de reforma agrária191, que não agem na rapidez e na medida em que a realidade social rural
brasileira exige.
Mas, uma última e definitiva contribuição que os Movimentos sociais rurais
brasileiros contemporâneos têm a dar à reflexão política está no resgate do campesinato
enquanto classe em si e classe para si192. Temos razões para crer, então, que uma análise
mais profunda da formação do MST e de suas formas organizativas faz cair por terra todos
estes argumentos desacreditam esta hipótese. Para comprová-la, utilizamos o pensamento
gramsciano, trabalhando com os conceitos de intelectuais, o papel dos intelectuais na
organização da cultura e partido político.
É curioso observar que o caminho político adotado pelo MST, ligado ao resgate do
campesinato, é justamente o aspecto que, segundo alguns dos seus intelectuais fundadores,
tem feito com que o Movimento venha recebendo pesadas críticas com relação à mudança
de rumos, por causa descaracterização de suas propostas e objetivos iniciais193. A
sociologia rural contribui para esclarecer esta questão uma vez que recupera a discussão
acerca da importância da Igreja Católica e da CPT como mediadoras entre os intelectuais
orgânicos do campesinato brasileiro, o Estado e o restante da sociedade civil194, além de
analisar a complexidade das lutas sociais e o surgimento de novos sujeitos sociais no
campo basicamente em três frentes: assalariados, posseiros e os sem-terra195.
191 Fazem lembrar as reformas stolpinianas na Rússia a partir de 1906, cuja verdadeira face era criar classes médias de proprietários, os Kulaks, e assim desorganizar o campesinato russo, e suas formas organizativas mais avançadas. É o que figura nas fontes históricas sobre o MST como reforma agrária de mercado.192 Cf. ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. AS CONTRIBUIÇÕES DO CONCEITO DE HABITUS PARA O DEBATE DA CLASSE CAMPONESA In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.193 Como é o caso de José de Souza MARTINS, que rompeu com o MST por discordâncias que envolvem dentre outras razões a adesão da intelectualidade de segmentos médios junto à liderança do Movimento. Cf. MARTINS, José de Souza. REFORMA AGRÁRIA - O IMPOSSÍVEL DIÁLOGO. São Paulo: EDUSP, 2000.194 Cf. MARTINS, José de Souza. op. cit, 1984, p. 103-112.195 Ibid, p. 88-98.
84
O MST resgata, na atualidade, pelo menos três questões importantes para o futuro
da esquerda no país. A primeira diz respeito ao desafio de enfrentar o capitalismo
neoliberal globalizado; a segunda se relaciona ao caráter socialista e revolucionário de seus
objetivos e de sua ação política; e a terceira diz respeito à criação de uma alternativa
democrática para alcançar tais objetivos.
Em relação à primeira, parte-se do princípio de que é possível observá-lo como um
partido político, à medida que sob vários aspectos o MST é a força política mais avançada
contra o capitalismo no presente momento, pois que outro ator político desafia tão
frontalmente os interesses multinacionais e neoliberais no país? Um dos elos de uma
corrente de fatores que respondem a estas perguntas, e que nos permitem afirmar esta
ordem de coisas, é a luta contra o agronegócio. Mas, muitos outros objetos teoricamente
delimitados podem perfeitamente nos convencer de que o argumento é verdadeiro. As
marchas realizadas pelo Movimento, uma organicidade do Movimento centrada não só na
ocupação de terras, mas também na autonomia dos grupos regionalizados locais nas
decisões sobre as ações que são realizadas por famílias envolvidas.
Todas estas frentes de luta dão solidez ao Movimento de maneira que ele possa
desenvolver sua estratégia de luta pela terra, tendo na espacialização e na
territorialização196 elementos tático-estratégicos e político-ideológicos fundamentais. Para
os sem-terra a ocupação é a melhor forma de consolidar estes dois objetivos e assim
desenvolver sua ação política. Ao mesmo tempo em que consolida uma luta popular que
incorpora inclusive os anseios das classes proletárias urbanas, tais como a saúde, a
educação, habitação, bem-estar social, etc., ultrapassando o que Gramsci define como a
fase econômico-corporativa, uma vez que os objetivos econômicos são transformados em
objetivos políticos. Deste modo, já entramos na abordagem da segunda questão, pois a meu
196 Cf. FERNANDES, op.cit., p. 280.
85
ver, podemos concluir que a política de ocupação de terras não representa somente um
fim197 na luta dos trabalhadores rurais, mas, sobretudo, um meio198.
Como estratégia de luta, ela os ajudou a desenvolver outras metodologias de ação,
assumindo a forma da guerra de posições, ao contrário de uma guerra de movimento no
campo, inversamente ao que procura mostrar a mídia, colocada a serviço do grande capital
e da burguesia agrária. Inaugura-se aqui uma nova práxis política na história dos
movimentos políticos e sociais do país. Aprofundando a cada dia a construção de valores e
visão de mundo dos atores políticos e sujeitos históricos que compõem o Movimento199, a
sua organização social se fortalece, criando uma consciência de classe que amadurece
enquanto a luta se desenvolve, acumulando cultura e experiência. Ou seja, não se torna
uma mera consciência do dever ser, mas, sobretudo, contribui para formar novos sujeitos
com identidade própria200 a partir da autonomia política conquistada por eles próprios201.
Por outro lado, a luta para fazer valer o princípio jurídico legal que defende a
função social da terra faz da própria legalidade uma trincheira ou um espaço de luta, onde
esse campesinato complexo e heterogêneo atua, seja através uma intelectualidade orgânica
ou por adesão202. Na dinâmica interna do MST há uma profunda socialização das decisões,
dando-lhe uma organicidade, que vem se traduzindo em vinculação203. Aqueles que se
defrontam com a expropriação e a expulsão de suas terras, fonte de onde tiram o seu
sustento, são os mesmos que vivem em acampamentos.
Por fim, a terceira que é a questão democrática assume dois matizes: o quotidiano
do Movimento, as formas de participação e decisão da militância em todos os níveis,
197Uma finalidade ou um objetivo.198 Ferramenta prática e também teórica.199 Cf. MARTINS, op. cit, , 1984, p. 75.200 Cf. FERNANDES, op. cit., p. 285.201 Ibid, p. 287.202 Ibid, p. 283.203 Ibid, p. 297-298.
86
nacional, regional ou local, respeitando a autonomia local, e a preocupação como
articulação entre estas três instâncias do Movimento, sua integração e integridade.
2.3. Os desafios atuais do campesinato brasileiro e do MST
Desde o seu surgimento em 1984, o MST vem criando uma agenda para o
conjunto do campesinato brasileiro. A sua realização, porém, constitui-se no grande
desafio para o Movimento, pois muitos dos seus itens são polêmicos e/ou dependem de
fatores que estão além das possibilidades do Movimento, sendo, na verdade, desafios
também para o conjunto da sociedade brasileira. Dentre eles, podemos citar a
modernização do campo com a ajuda dos conhecimentos científicos; o desenvolvimento de
novas formas de mercado; a criação de mecanismo que possam reter os jovens no campo; a
elevação da renda, diversificando os investimentos, e, por fim, a transformação dos valores
do ser humano juntamente com a melhoria do meio onde ele vive.
A modernização causada pela revolução eletrônica rapidamente vem desempregando
os trabalhadores, boa parte deles não conseguem voltar ao mercado de trabalho204, por
causa da idade avançada ou da desqualificação profissional. Também o desaparecimento
de vagas já não possibilita empregar em massa, em todas as áreas da economia ou da
prestação de serviço.
Com o advento da mecanização, grande parte da mão-de-obra no meio rural foi
descartada. Muitos trabalhadores ficaram desempregados, o que se agravou com a relativa
desqualificação que possuíam, pois que lidavam com o trabalho assalariado, na
monocultura nas fazendas, na pecuária, na preparação de pastagens ou na construção de
cercas. Mas a agricultura, mesmo no início desse terceiro milênio, continua sendo a
204 Pensar na discussão que envolve hoje a escolaridade dos trabalhadores, falsamente vinculada a sua inclusão ou exclusão direta no mercado de trabalho, forjada pelo conceito de empregabilidade versus desemprego.
87
principal fonte de emprego e trabalho, fundamentalmente em países como o Brasil que não
produzem alimentos suficientes para toda a população e não garantem a totalidade da
matéria prima de que necessita a sua indústria.
Estes trabalhadores, que já abandonaram ou foram excluídos do trabalho na
agricultura, possuem uma série de dificuldades para desenvolverem a produção e organizar
sua vida no meio rural, principalmente no estágio em que se encontram o desenvolvimento
tecnológico e o mercado. À medida que retornam para o campo, encontram ali uma série
de desafios, que individualmente não conseguem superar. A alternativa foi organizar
cooperativas ou empresas de produção, onde uns possam cobrir as deficiências de outros, e
cada um colocar seus conhecimentos a serviço da comunidade.
Acontece que os sem-terra não foram apenas excluídos da produção, mas também da
escolarização, dos critérios do acesso à saúde, ao mercado, etc. e, até decidirem formar
cooperativas, nas quais possuem apenas a força de trabalho e os recursos financeiros
vindos do Estado. Mas, uma empresa cooperativa de trabalhadores rurais não pode
funcionar apenas com capital e trabalho porque antes de tudo ela é uma empresa social,
precisa de outras qualificações para se desenvolver. Neste sentido, os critérios de
assentamento têm limitado muito as possibilidades de integrar o conhecimento científico
como força de trabalho na produção. Uma empresa social, como é o assentamento, que
passa a funcionar como uma comunidade qualquer, precisa de médico, dentista,
economista, psicólogo, pedagogos, advogados, agrônomos, técnico agrícola, engenheiro
florestal, etc. Isto está fora dos critérios de assentamento, levando-nos a confirmar que a
visão de reforma agrária ainda está ligada à simples doação da terra e do assentamento,
feita para o camponês, mas mantendo-o excluído socialmente, como acaba vivendo o resto
de sua vida, sem recursos mínimos, porém satisfeito com a propriedade do seu lote.
88
Provamos isto pelos critérios de assentamento do INCRA, que seguem uma
determinada pontuação baseada determinados critérios eliminatórios e classificatórios.
Como eliminatórios podemos citar:
“(..)estar situado fora dos limites etários da legislação específica em vigor, com o mínimo de 21
anos e o máximo de 60 anos; exercer função pública, autárquica, ou em órgãos estatais civis ou
militares, ou estar investido de atribuições fiscais da administração federal, estadual ou municipal,
proveniente de atividade não agrícola superior a um salário mínimo. Proprietários, cotistas,
acionistas ou coparticipantes de estabelecimento comercial, industrial, ou agropecuário com área
superior a módulo rural regional; ex-beneficiário de projetos de assentamento oficial, de
regularização fundiária e de assentamentos e de responsabilidade de órgãos públicos; deficiente
físico ou mental incapacitado para o trabalho agrícola;” 205
Nos critérios básicos classificatórios estão as limitações maiores:
“(...) proprietário do imóvel desapropriado que queira explorar diretamente a parcela; trabalhador
assalariado, posseiro, parceiro, arrendatário ou forreiro, que viva ou trabalhe no imóvel
desapropriado; agricultor cujo imóvel não alcance a dimensão do módulo regional, ou seja,
comprovadamente, insuficiente para o sustento próprio e de sua família.” 206
Os governos têm cedido em alguns casos e estabelecido alguns convênios na área de
assistência, criando equipes de dois agrônomos e dos técnicos para cada trezentas famílias,
mas a necessidade das famílias assentadas, como já foi dito, não é apenas de assistência
técnica, pois os assentados têm todas as necessidades como qualquer ser humano. Por isso,
é de fundamental importância que a reforma agrária possibilite a participação também de
outros trabalhadores profissionais que possuam outras qualificações, e que sejam
assentados com os mesmos direitos dos trabalhadores sem-terra que possuam origens na
agricultura. Neste sentido, o Estado colaboraria através de convênios que pudessem 205Cf. BOGO, op. cit., p 73.206 Ibid, p. 73-74.
89
estruturar todas as áreas de assistência econômica, social, cultural e humana, como deveria
ser feito também nas cidades.
A agricultura moderna precisa de ciência e esta se encontra em geral na cidade, e a
sua integração com os cientistas, possibilitaria fazer uma revolução cultural no campo,
criando um novo tipo de camponês como novos hábitos, conhecimentos e habilidades,
mantendo suas raízes culturais, alcançando assim a modernização com desenvolvimento
econômico social e humano.
Isto tudo pode ser feito sem se deixar de produzir alimentos e de fazer uma reforma
agrária massiva que acabe com toda a concentração de terras e integre, ao processo de
produção, milhões de trabalhadores sem-terra e voluntários que desejam trabalhar nela.
O grande e extenso mercado estabeleceu relações econômicas, culturais e
ideológicas com a sociedade. As pessoas, ao mesmo tempo em que estão comprando, estão
divertindo-se e identificando-se com determinadas visões de mundo. O mundo se
transformou num imenso mercado e as pessoas se movem em busca de mercadorias, cada
vez mais sofisticadas, algo que a princípio marginalizaria os assentamentos, pela
dificuldade que teriam de pôr seus produtos em grandes centros comerciais, ou mesmo
exportá-los para os países do primeiro mundo. Ocorre, porém, que este tipo de mercado
atende a apenas trinta por cento da população, principalmente, a que está localizada em
grandes centros urbanos. A grande maioria dos assentamentos está localizada nos
municípios do interior do país, aonde chegaram alguns monopólios, muito embora não
prejudiquem necessariamente o espaço de mercado para os produtos originários das
atividades econômicas dos assentamentos. Sabedores de que as grandes empresas
priorizam as faixas de mercado de maior poder aquisitivo, as cooperativas de assentados
priorizam o mercado de massas, fixando sua linha de produção nos alimentos básicos,
usando da estratégia de não usar agrotóxicos e insumos químicos, como referencial de
90
qualidade207. O mercado de massas tem dois objetivos fundamentais: primeiramente,
garantir o sustento da renda familiar e cooperativa, permitindo que se desenvolvam vários
investimentos, que possibilitem o uso de mão-de-obra com remuneração garantida; e, em
segundo lugar, vincular os produtores aos consumidores. Ao mesmo tempo em que
produzem, os assentamentos têm sido incentivados a estar vinculados política e
afetivamente208 com os consumidores, para que eles percebam que é possível adquirir
alimentos de boa qualidade a preços mais razoáveis, mas também guardem amizade aos
vendedores. Geralmente, o mercado estabelece uma relação de desconfiança entre as
pessoas, provavelmente porque o vendedor tem uma visão utilitarista do consumidor,
visando somente tomar seu dinheiro. Tendo em vista as questões regionais, os
assentamentos são, em geral, incentivados a prestar mais atenção nos costumes locais e na
localização dos consumidores. Desta forma, é possível saber quais produtos devem ser
produzidos em maior ou menor escala, baseando-se nas necessidades dos consumidores,
sempre priorizando os alimentos básicos e evitando o suo de produtos químicos, que
deterioram a qualidade e as propriedades naturais dos alimentos.
Assim pode dizer-se que reforma agrária é o resgate dos trabalhadores excluídos, na
medida em que voltam a produzir de forma diferente, e com esta orientação entregam à
sociedade produtos de boa qualidade, pagando imposto como qualquer cidadão,
devolvendo, assim, aos poucos e na totalidade, o que o Estado investiu para realizá-la.
Sentem-se na obrigação de servir à sociedade através da organização da produção e do
mercado, conscientes das dificuldades que terão de ser enfrentadas por algum tempo.
207 O professor Caio Augusto Maciel (UFPE) fez referência ao cultivo orgânico em assentamentos no estado de Pernambuco como uma experiência que tem dado certo em relação ao desafio de combinar a reforma agrária com projetos de desenvolvimento agrícola sustentável. Comunicação pessoal ao autor em 09 nov. 2006, durante uma mesa redonda intitulada OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO, onde estiveram presentes Bernardo Mançano Fernandes (UNESP - Presidente Prudente), Paulo Alentejano (UERJ) e Caio Augusto Maciel (UFPE), tendo como Coordenador/debatedor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP), por ocasião do XVIII ENGA - Encontro Nacional de Geografia Agrária – sediado UERJ campus Maracanã, entre os dias 06 e 10 nov. de 2006.208 Lembrar a relação de hegemonia em Gramsci no capítulo 1.
91
Algumas medidas apontadas que podem ajudar na organização do mercado: a) desenvolver
um intenso trabalho educativo, possibilitando a todos os assentados a terem acesso às
informações sobre a produção e o mercado; b) estabelecer planos de produção conjuntos,
independentes da forma como os assentados fazem para produzir. É fundamental combinar
crédito com plano de produção e mercado, em cada área e em cada região do país; c)
estudar a possibilidade de criar mercados locais e regionais para, através disso, ir
adequando planos de produção com potenciais de consumo; d) dedicar-se a estudos sobre a
renda, tanto da terra, quanto financeira, para que haja referencial para regularizar a
produção nos lotes individuais e cooperativas. Parte-se da renda mínima, mas se estabelece
um sistema progressivo para se chegar à máxima possível. Desta forma cada família saberá
quanto deverá produzir mensalmente para elevar a renda familiar e diminuir a variação em
relação às quedas bruscas costumeiras de quantidade regularizando-se a relação com o
mercado; e) criar estruturas de comercialização nos diversos locais que passem a ser postos
de abastecimento, servindo de local permanente de acumulação de produtos e também de
referência para os consumidores; f) estabelecer formas de comercialização direta com
categorias urbanas, cooperativas e ouras entidades que possuam interesse em adquirir
produtos alimentícios de boa qualidade; g) investir em propaganda através de anúncios em
rádios e em jornais locais, faixas, panfletos, etc., juntamente com a divulgação dos
resultados alcançados pela reforma agrária através de vídeos, exposição de fotografias e
debates com a sociedade urbana; h) desenvolver o mercado a domicílio209 através de
contratos formais com as famílias, que se comprometerão em adquirir uma quantidade fixa
de alimentos semanalmente; i) estabelecer, com prefeituras e entidades afins, como
hospitais, asilos, creches, e outras, formas de venda permanente de produtos.
209 Uma modalidade bastante aperfeiçoada daquelas velhas práticas de fazer compras durante todo o mês e poder pagar no final do mês, ou seja, pendurar a conta.
92
O êxodo rural ocorreu e ocorre em todos os países do mundo. Este fenômeno se deve
a um conjunto de fatores: de um lado, pelo incentivo que se criou para os trabalhadores
rurais deixarem o campo, e, por outro lado, pela falta de condições de se satisfazer as
necessidades humanas, que levam famílias inteiras, e particularmente, os jovens, para os
centros urbanos, à procura de melhores condições de vida. Cabe, então, perguntar: o que
poderia deter a juventude nos assentamentos? Mesmo tendo em conta a subjetividade da
vontade humana, se houver possibilidade de trabalho que eleve a renda pessoal e familiar,
escola de boa qualidade desde os primeiros segmentos ao nível superior nos assentamentos
ou próximo a eles, alternativas de lazer que não sejam apenas passatempo, disponibilidade
de energia elétrica, acesso aos eletrodomésticos, transporte, etc., parte da juventude poderá
permanecer nos assentamentos.
A precariedade das condições de vida leva os jovens a buscar a cidade, acreditando
que há nela a salvação para seus problemas. Embora querendo permanecer no campo,
muitos deles precisam mudar-se para estudar, e, então, passam a se habituar à cidade, e
depois de formados já não têm tanto interesse em voltar para os assentamentos. Isto se
constitui no principal desafio para melhorar a qualidade nos assentamentos através da
permanência da força de trabalho e da idéia da juventude dentro dos assentamentos210.
Mas, para tanto, o Estado brasileiro precisa considerar que é necessário modernizar as
relações econômicas e sociais no campo, valorizando o desenvolvimento social e humano,
e investir prioritariamente nos municípios do interior do Brasil para que estes tenham
condições de manter suas populações e elas possam satisfazer suas necessidades, tendo
uma sobrevivência digna.
210 Cf. GOLDFARB, Yamila. O DESAFIO DA RECRIAÇÃO CAMPONESA ATRAVÉS DE UMA NOVA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE NAS COMUNAS DA TERRA In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.
93
Embora as dificuldades sejam enormes, o MST tem incentivado a resistência através
de um intenso trabalho educativo. Este trabalho no Movimento envolve as seguintes
frentes: escolas de ensino fundamental, educação de jovens e adultos, educação infantil e
formação de educadores, estando todos estes segmentos da educação, distribuídos por 23
estados e no Distrito Federal.
Este trabalho, que é desenvolvido em escolas públicas constituídas nos
assentamentos, envolve muitas crianças e adolescentes que estudam em outras escolas
públicas localizadas próximas dos assentamentos ou nas cidades; atendidos por
profissionais da educação, formados e graduados para atuar em áreas de assentamentos,
com o fim de ensinar através de um programa pedagógico, criado pelo próprio MST211.
Organizando cursos de magistério e pedagogia, em andamento em vários estados da
federação, através convênios com universidades212, o MST já formou milhares de técnicos
em cooperativismo no nível médio; milhares de jovens, filhos de assentados, já cursaram
nível superior em universidades públicas em todo o Brasil213, sendo também priorizada a
alfabetização de jovens e adultos. Além disso, o Movimento desenvolve diversos cursos de
capacitação técnica, visando qualificar a juventude, que passa a assumir a administração
das empresas cooperativadas, de pequenos negócios e gerenciamento das agroindústrias.
Isto tudo é fruto do esforço e da compreensão de que a reforma agrária sem a educação214
significa a manutenção de uma parte do latifúndio, agora representada pela concentração
do saber nas mãos de alguns privilegiados.
211 Cf. CALDART, Roseli Salete. Educação em Movimento, formação de educadoras e educadores do MST, Petrópolis, Vozes, 2000.212 SANTOS, Joaquim Ferreira dos. TERRA EM TRANSE, O Globo, Rio de Janeiro, 14 fev. 2006, Segundo Caderno, coluna GENTE BOA, p. 3.213 Cf. Pela primeira vez, Sem-terra defende doutorado. Disponível em <http://www.mst.org.br/mst>. Acesso em 05 mai. 2006.214 Cf. Como nos organizamos. Disponível em <http://www.mst.org.br/mst>. Acesso em 10 jan. 2004.
94
A linha política seguida pelo MST, como movimento social, trabalha no sentido de
organizar e manter a juventude nos assentamentos funciona, o que tem sido um grande
desafio a ser alcançado215. As diferenças regionais no Brasil são enormes, mas as
preocupações e os encaminhamentos procuram seguir um só rumo em busca da
valorização, integração e qualificação da juventude. Estas metas são destacadas pelo
Movimento como tarefas fundamentais para o seu estabelecimento como um movimento
de massas216. Freqüentemente, se ouve falar que o MST é composto por jovens ou que
nele se destaca a juventude. Este aspecto é verdadeiro, visto que muitas das gerações
passadas migraram para as cidades em busca de emprego ou conseguiram instalar-se em
pequenas propriedades. Porém as últimas gerações, nascidas a partir da década de 1960,
oriundas de famílias camponesas numerosas, no período em que deveriam entrar no
mercado de trabalho. Enfrentaram a crise econômica da década perdida de 1980, que lhes
tirou a possibilidade de trabalhar na agricultura, o que poderia tê-los integrado à produção,
junto às agroindústrias e às empresas rurais, mas estas não geraram empregos de forma
significativa, e por outro lado, a reforma agrária não foi efetiva. Por isso, a geração que
criou o MST está agora na faixa dos 50 anos.
De lá para cá, as outras gerações que surgiram estão na faixa entre 30 e 40 anos,
sustentando um grande número de crianças e adolescentes que vivem temporariamente nos
assentamentos. Por isso, o MST é um Movimento constituído de jovens, o que é algo
sempre destacado pelas lideranças nos diferentes níveis local, regional e nacional. Segundo
Stédile, o MST tem estado voltado para esta questão da juventude em todos os sentidos,
pois entende que o Movimento deve pertencer a eles em todas as frentes de luta:
econômica, política, ideológica, cultural, ética. Por isso, “é preciso criar uma mística, onde
a juventude se sinta parte deste patrimônio construído para libertar as futuras gerações 215 Cf. Quem somos. Disponível em <http://www.mst.org.br/mst>. Acesso em 07 jun. 2006.216 Cf. O que estamos construindo. Disponível em <http://www.mst.org.br/mst>. Acesso em 21 fev. 2003.
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prioritariamente”217. Outro desafio é aprender de um modo novo para desenvolver uma
nova cultura, portanto, a direção do Movimento frisa que é importante se apegar aos livros,
mas só isso não basta. “Os intelectuais inorgânicos foram os que provocaram este divórcio
entre teoria e prática” 218. A juventude organizada pelo MST procura aprender pela prática
o que quer dizer de fato a reforma agrária, seu caráter, sua importância, as tarefas que esta
tem a cumprir enquanto política social, e como ela está relacionada às demais reformas
necessárias para que o Brasil se torne um país justo e digno para com o povo. O que vem a
ser reforma agrária é algo que não se encontra necessariamente nos livros, que podem
fornecer dados, motivações para conduzir sua realização, mas neste caso, só o fazer pode
dar a dimensão do que ela de fato significa. O Brasil é um país imenso, onde há lugares
como a Amazônia, onde a água é abundante, e por outro lado há regiões, como o semi-
árido nordestino onde falta um bem tão básico para a qualidade de vida do ser humano, que
é a água. Por conseguinte, a juventude do Movimento procura aprender como fazer
reforma agrária tanto no primeiro quanto, principalmente no segundo, onde se concentram
grandes contingentes populacionais. Aprendem como interligar a distribuição da terra com
a organização das comunidades, respeitando sua cultura, seus costumes e crenças, e ao
mesmo tempo fazer com que isto tudo cumpra sua função social na promoção do
desenvolvimento solidário entre as pessoas. Aprendem de um novo jeito, nas escolas, nos
cursos de formação, no trabalho coletivo, na comercialização, na industrialização dos
produtos, na preservação da natureza e da vida, na participação política, e em tantas outras
dimensões da vida humana. Existem assentamentos que mal se diferenciam do antigo
latifúndio. Não permanece ali apenas a mesma paisagem devastada, mas também o atraso
217 Comunicado pessoal ao autor em 15 out. 2005 durante a Conferência Internacional Pensamento e Movimentos Sociais na América Latina e Caribe – imperialismo e resistência, realizado de 13 a 16 de Outubro de 2005, organizada pelos programas de pós-graduação em História e Geografia da Universidade Federal Fluminense com apoio do CNPq e da decania de Extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).218 Cf. BOGO, op. cit, p 83.
96
cultural, demonstrando velhos hábitos e a falta de criatividade que modelaram os velhos
camponeses de até cinco gerações atrás. Aprender o que é cultura e fazê-la acontecer,
aprendendo o que é ser camponês nos dias atuais no cotidiano das tarefas domésticas e
comunitárias. As campanhas educativas do Movimento sempre insistem que a arte de
produzir não pode ser mais importante do que a de viver, de sonhar e de ao mesmo tempo
construir o futuro, pois tudo isto faz parte da vida humana. Mas é preciso aprender a fazer
e a ser diferente.
A necessidade de preparar esta juventude tanto politicamente quanto tecnicamente,
tem feito com que o MST se torne uma referência no Brasil, porque tem buscado
alternativas simples para grandes problemas como é o caso da fome, por exemplo, que
pode ser resolvido pela fixação do homem e da mulher à terra. Mas há uma infinidade de
áreas onde se pode treinar a juventude e colocá-la a serviço da reforma agrária. Ensinar à
juventude a utilizar a terra, evitando o uso de substâncias químicas nocivas ao solo ao meio
ambiente, desenvolver novas formas naturais de adubar a terra, ensinar os jovens a
administrar, organizar, etc. são formas de valorizar as capacidades e habilidades da
juventude. A despeito das crises capitalistas, é necessário descobrir um modelo de
agricultura que se adapte às condições de sobrevivência, de custo barato e de rentabilidade
satisfatória, que estabeleça um padrão de vida nos assentamentos, através da cooperação
em seus diferentes níveis, possibilitando que sobre tempo para outras atividades humanas,
como o lazer e a cultura. Por isso, a temática mais recorrente no material de formação do
Movimento é que se deve seguir uma linha oposta daquela que segue o capital, pois este
visa ao lucro, enquanto o Movimento insiste no bem-estar do ser humano. Certamente, será
muito difícil concorrer nesta lógica quando não temos a moeda que intermedia as relações
comerciais entre as pessoas. Mas esta não é a única forma do Movimento se relacionar com
as pessoas e com o mercado. É possível estabelecer formas que recuperem a troca de
97
produtos por serviços, e de serviços por alimentos, etc. É fundamental entender que a
sociedade moderna se monetarizou e estabeleceu padrões rígidos de relações sociais. As
pessoas precisam buscar maneiras de ocupação que lhes rendam o sustento e dignidade,
sendo chamadas a planejar219 sua renda mensal, devendo aí buscar as fontes capazes de
proporcionar esta renda.
Quanto, a isto, há diversas formas de planejamento de renda, dentro dos
assentamentos, onde a juventude, mesmo não sendo proprietária de lotes, pode desenvolver
seu trabalho porque são áreas pouco ou nada exploradas. Exemplos destas atividades
alternativas são a produção e recolhimento de flores e folhagens, com especialização em
jardinagem, para ocupar os jovens com dentro e fora dos assentamentos, fazendo um
trabalho social. Este trabalho pode ser feito através da constituição de brigadas específicas;
pode-se, ainda, investir na criação de animais silvestres ameaçados de extinção,
desenvolver o artesanato, confeccionar brinquedos, sendo a produção destes dois últimos
voltada inclusive para troca por produtos de que necessitam os assentamentos.
Recentemente, têm surgido diversas iniciativas de reciclagem de lixo das cidades,
organizadas por alguns assentamentos, empregando mão-de-obra voltada para a produção
de adubos e derivados, além de ajudar a resolver um sério problema social dos depósitos de
lixo, desenvolvendo, ao mesmo tempo, um trabalho educativo com rentabilidade
econômica, o que, em última instância, pode criar alternativas para fixar pessoas no campo.
Pode-se ainda estruturar bibliotecas e outros recursos multimeios, cursos em torno da arte e
do lazer, criando centro de cultura a partir não somente do treinamento e manutenção de
grupos de teatros com jovens estudantes, mas também com adultos, além de maratonas,
gincanas, etc.
219 Algumas fontes e materiais de formação do Movimento usam o termo planificar no lugar de planejar.
98
Enfim, procura-se estabelecer planos em todas as áreas que constituem a vida
humana, como a economia, a política, a vida cultural e social para que os jovens saibam até
onde podem chegar quando terminarem o ano e o que ainda falta a ser feito nos próximos
anos. Desta forma, os jovens podem se animar e permanecer no campo, uma vez que estes
jovens possuem metas a serem alcançadas e não ficarão apenas vegetando no assentamento
à espera de uma oportunidade para saírem.
Naturalmente, todas as atividades a serem desenvolvidas pela juventude devem ser
coletivas, devendo o Movimento para isto estabelecer formas orgânicas, de modo que os
jovens tenham condições de atuar organizadamente, e também terem suas referências
organizativas constituídas.
Uma das formas mais atrativa é a brigada, que se organiza tanto por local geográfico,
que pode ser um assentamento, quanto pelas atividades que o MST pode vir a estabelecer
para que sejam desenvolvidas na sociedade. A brigada deve ter seu programa definido,
dentro e fora do assentamento, e um jovem, por exemplo, pode participar de várias
brigadas. Algumas podem ter caráter permanente, outras, duração temporária. Ou seja, uma
brigada num assentamento pode ser permanente, a que terá a responsabilidade de juntar e
organizar a juventude. Mas uma brigada de limpeza pública pode ser temporária,
constituída com pessoas de diferentes assentamentos. É fundamental, para o Movimento,
que se estabeleça um sistema de direção coletiva na brigada, que pode ser composta por
jovens escolhidos por sua capacidade de liderança ou por estarem em diferentes setores
dentro da brigada, e que estejam em sintonia com a organização do assentamento e do
MST regional e estadual.
Há, portanto, uma infinidade de tarefas a serem feitas pela juventude. Pode-se
responsabilizar os jovens para desenvolver diferentes atividades dentro e fora dos
assentamentos, em nome do Movimento. Baseando-se nas linhas políticas e exemplos
99
relacionados acima, podem ser estabelecidas tarefas em diversas áreas, tais como: áreas da
produção, onde os jovens podem desenvolver atividades econômicas independentes,
associadas aos investimentos já realizados, visando imprimir maior qualidade e elevação
da produtividade dos assentamentos. Em áreas em que é possível tornar o jovem membro
da comunidade produtiva, incentiva-se que isso seja feito.
Mas os jovens podem ainda desenvolver outras atividades que lhe dêem identidade,
enquanto brigada de jovens, como por exemplo, as que já foram citadas: área de formação
e capacitação, onde deve-se estabelecer formas de treinamento e cursos de formação de
jovens mais avançados e entregar-lhes a responsabilidade de repassarem os conhecimentos
aos núcleos de família, juntamente com técnicos e agrônomos. Estas brigadas também
podem assumir a tarefa de alfabetizar os jovens e adultos do assentamento,
independentemente dos programas educativos governamentais.
Se for difícil formar turma regulares de pessoas não alfabetizadas, cada jovem pode
reunir alguns deles e ensiná-los a ler e escrever, aproveitando para fazer a formação
política. Este trabalho é desenvolvido também nas escolas de nível fundamental e médio
nos assentamentos. Existem, ainda, áreas de organização onde é possível que os jovens
assumam a responsabilidade de organizar os núcleos de famílias, de mulheres, as brigadas
de jovens e, através destes núcleos e brigadas, contribuírem com a frente de massas para as
ocupações e outras atividades.
Além disso, pode-se ter brigadas de solidariedade formadas com outras categorias
que estejam presentes nas lutas que se desenvolvem, como a área de animação, agitação e
propaganda, onde as atividades podem ser desenvolvidas em cada assentamento ou regiões
do estado. Podem ser constituídas brigadas que tenham a finalidade de animar e agitar os
assentamentos, desenvolvendo atividades de propaganda ideológicas que motivam a
100
participação de famílias220, e se organizem em torno de programas com metas e
distribuição de tarefas.
É possível desenvolver atividades de propaganda também nas cidades, através dos
produtos de assentamentos, pinturas em muros, artesanatos, etc.
A área de comunicação é importante pela dificuldade que existe na comunicação
entre assentamentos, algo que é muito deficiente dentro do MST. O Movimento precisa
fazer com que funcione através de rádios comunitárias, instaladas dentro dos
assentamentos, e que os próprios assentados tenham participação e passem a usá-las como
referência para obterem informações. O jornal e a revista devem ser intensamente
utilizados nos núcleos e nas escolas para que, de fato se estabeleça um diálogo entre os
assentados através dos meios de comunicação oficiais do Movimento, podendo-se ampliar
estes veículos, criando boletins da juventude, dos assentados, das mulheres, etc.
A área dos valores atua no sentido de melhorar a convivência social, modernizar as
formas de organização e torná-las mais dinâmicas, embelezando os assentamentos,
preservando o meio ambiente, fazendo reflorestamento, e também promovendo a
solidariedade entre as pessoas, a organização dos trabalhadores, na defesa da nação, etc. Os
valores devem ser descobertos a partir da realidade local, procurando melhorar o nível de
organização das pessoas na elevação da consciência moral e ética221.
A área da estética é uma área que geralmente não é levada a sério nos assentamentos
de reforma agrária, mas está diretamente relacionada à parte espiritual da vida humana e
nela se integra a questão da arte, da beleza, da música, do teatro, da mística, enfim, da
alegria e do sentimento. Tudo isto faz parte da constituição da consciência social da
220 Cf. MEDEIROS, Leonilde de. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA (MST)In: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, p. 328-331.221 ALMEIDA, Ronise Nascimento de & ALMEIDA, Luana Daniella Silva & VARGAS, Maria Augusta Mundim. ORGANIZAÇÃO SOCIAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA MELHORA DA QUALIDADE DE VIDA EM ASSENTAMENTOS RURAIS In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.
101
pessoa. Por isso, o Movimento organiza brigadas que fazem este trabalho de
desenvolvimento estético nos assentamentos.
A área de troca de experiências, formada por brigadas que têm a função de sair do
estado e circular pelo país a fora, levando às outras pessoas a arte e os valores que o MST
desenvolve, podendo haver um brigada em cada estado.
A área das festas e datas comemorativas que são um espaço reservado pelo MST
para as datas comemorativas das lutas e conquistas do Movimento, podendo ser
organizadas várias atividades que ocupem alguns dias em determinada região ou estado,
podendo envolver também amigos urbanos do Movimento, como por exemplo, o dia
nacional da juventude das áreas de reforma agrária, etc.
As áreas de confraternização de colheita são aquelas em que um velho costume dos
povos antigos é resgatado na comemoração da alegria pela fartura e pela promoção do
progresso. O Movimento neste caso recomenda que se estude cada estado para conhecer
qual é a produção que existe nos assentamentos, e a época da colheita, enviando jovens
para aquela localidade a fim de não só ajudar na colheita, mas também, organizar
atividades culturais e políticas que dêem vida à simbologia.
A área da solidariedade é responsável por promover iniciativas e gestos concretos
que possam aumentar os laços de fraternidade entre as diferentes categorias sociais no
campo e até com grupos da cidade.
A área da formação ideológica é aquela em que a juventude assume a
responsabilidade de divulgar as idéias do MST, da reforma agrária e do socialismo, através
da formação ideológica. Isto pode ser feito através de cursos, palestras ou de jornadas
socialistas, quando brigadas de jovens se deslocam com o objetivo de organizar os eventos
com muita mística, para que as pessoas dos assentamentos se sintam bem e, de fato,
entendam, por alguns momentos, o que é viver o socialismo. Ao final, pode-se construir
102
um monumento ou outros símbolos que permaneçam como sinal de que houve momentos
diferentes na história daquele assentamento, e que devem ser repetidos, organizando-se
caminhadas internas nas áreas conquistadas, recuperando a história da ocupação, refazendo
o trajeto de volta, retornando ao lugar de origem de onde saíram as famílias para ocupar
uma terra, para ver o que por lá mudou e comparar as situações, avaliando se estão melhor
ou pior.
A área do esporte e lazer, que é uma área muito atraente, principalmente no que diz
respeito ao futebol e a outras modalidades esportivas. Já existem experiências de
organização de jogos olímpicos da reforma agrária, onde a juventude passa dias
convivendo e competindo em diferentes modalidades. A idéia é que se possa mais tarde
organizar campeonatos regionais de áreas de assentamentos, procurando, pelo esporte e
pelo estudo, integrar os jovens de assentamento numa relação afetiva e solidária.
A área do cuidado com os lugares históricos é aquela em que os lugares históricos
das lutas e batalhas do MST têm mantida a sua importância simbólica e política, por
lembrar não só as vitórias como também os que perderam a vida na luta pela terra, que
deve, segundo o Movimento, ser bem cuidados como sinal de reconhecimento da entrega
total da vida daqueles que ajudaram a formar o MST.
A qualidade dos assentamentos deve vir pelo planejamento da renda familiar. No
campo, geralmente, não se trabalha com esta dimensão, e aí vai plantando, consumindo e
vendendo o que sobra. Assim, muitos assentados só conseguem dinheiro no fim da safra,
ficando o resto do ano sem receber nada. Isso acontece porque a lógica da agricultura é
diferente da lógica da via urbana. Na cidade, uma família precisa saber quanto deverá
ganhar por mês porque sabe qual é o seu orçamento. Quando pode, tenta mudar de
emprego ou, então, outras pessoas da família começam a trabalhar para garantir a renda
mensal da casa. O MST defende que os camponeses devem fazer o mesmo e partir deste
103
cálculo para procurar fontes para garantir a renda mensal necessária, com ajuda de
cooperativas que possam elevar a renda individual, mediante investimentos coletivos,
diversificando, inclusive, a sua aplicação para obter mais recursos.
Para que se leve a renda através da produção o MST propõe observação de alguns
princípios pelos assentamentos: 1) em qualquer unidade de produção, seja coletiva ou
individual, cada um deve trabalhar e produzir a sua própria renda, pois ninguém deve
sobreviver apropriando-se da renda de outro, salvo as exceções, como doença, invalidez,
etc. E para que isto aconteça, se deve planejar o trabalho onde, considerando-se as
diferenças de idade e de condição física, cada um tenha possibilidade de fazê-lo; 2) uma
unidade de produção qualquer, somente conseguirá progredir se criar alternativas de
produção de mercadorias para vendê-las fora do assentamento, em quantidade suficiente
para garantir a remuneração da mão de obra que a produziu. Não importa se isto implica
ampliar o número de investimentos, e sim que todos os integrantes do assentamento
tenham a sua renda garantida mensalmente pela produção e pela venda de mercadorias; 3)
deve-se unificar os planos de produção das diferentes propriedades ou cooperativas em
cada região do Estado, para que se tenha matéria-prima ou mercadorias em quantidade
suficiente para estabelecer uma relação permanente com o mercado; 4) em áreas de
assentamento, deve-se evitar a monocultura, pois a diversificação evita crises e amplia a
relação com o mercado. Mas, não é recomendado que se descuide da produção de
subsistência, reservando parte do tempo para a produção daquilo que é consumido dentro
do próprio assentamento, garantindo alimentação suficiente e a qualidade de vida dos
assentados; 5) a relação com mercado deve-se limitar aos arredores dos assentamentos,
abrindo-se exceções em caso de preços compensatórios. O motivo é o maior vínculo das
comunidades locais e regionais com a reforma agrária.
104
Para finalizar, o MST, preocupado com a consciência social dos assentados,
estimula iniciativas que ajudam a organizar a sociedade onde moram, criando relações de
convivência e trabalho222, algo que, segundo a experiência do Movimento, é bastante
complexo por causa de dificuldades, tais como, o interesse pela propriedade privada e a
tendência de isolamento do convívio social. O problema maior se encontra na organização
da cooperação, porque é comum que, nos primeiros tempos de assentamento, a maioria dos
assentados acredite que trabalhar individualmente é a saída, e por isso procurem isolar-se
em seus lotes. Isto faz parte da cultura camponesa, mas dificulta por demais o
estabelecimento de políticas de cuidados com a saúde, programas culturais,
reflorestamento das áreas devastadas, a melhoria das habitações e a elaboração dos já
mencionados planos de produção.
Há, portanto, uma preocupação com a mudança da aparência física do latifúndio,
pois o assentamento “é renascimento da vida humana e da natureza”223, por isso, é
fundamental para o MST estabelecer uma política de desenvolvimento econômico, social e
humano, preservar o meio ambiente, recuperar as nascentes dos rios, evitar queimadas e
derrubada de árvores, recolher o lixo, recuperar áreas devastadas, evitar o uso de venenos e
adubos químicos, preservar a flora e a fauna224. Todas estas tarefas não são simples e fáceis
de serem executadas, mas fazem parte de um conjunto de iniciativas que combinam
mobilização e conscientização para a transformação das relações do homem com ele
próprio e com a natureza. No próximo capítulo, discutiremos a importância e o alcance da
educação como ferramenta para este tão sonhado projeto de transformação humana.
222 Cf. DAS ROS, César Augusto. O MST, os assentamentos e a construção de novas dinâmicas sociais no campo. CPDA Ruralidades, Rio de Janeiro, nº. 4, Outubro de 2002, p. 1-50.223 Cf. BOGO, op. cit., p 103.224 Cf. BARBIERI, Gisele. Reforma Agrária dever estar aliada ao meio ambiente, defende professor da UNB. Agência de Notícias do Planalto. Disponível em <http://www.mst.org.br/mst>. Acesso em 17 nov. 2006.
105
3. GRAMSCI E FREIRE – A EDUCAÇÃO POPULAR-UNIVERSALIZADA E A
REFORMA INTELECTUAL E MORAL
3.1. A escola e a transformação social
Para a maioria das matrizes teóricas contemporâneas que analisam a temática do
Estado, as mais diferentes visões sobre o papel da escola acabam convergindo para um
lugar comum que é a imutabilidade do social225.
Para os jusnaturalistas, por exemplo, ela se vincula às atribuições do contrato
social, que cria as bases para o Estado Civil. A atuação do Estado garante ao conjunto da
sociedade a condição do ser civilizado, ou seja, aquele que abre mão de certas
prerrogativas como a liberdade, conciliando-a à sujeição. Desta forma, o Estado se
constitui em instrumento que promove o alcance da razão por parte do conjunto de
indivíduos, que desta forma saem do seu Estado de Natureza.
A escola é, portanto, uma instituição fundamental neste processo porque, ao
educar, diz fazê-lo para a promoção e emancipação dos indivíduos, revestindo-se de um
caráter afirmativo, de avanço, de conquista em direção ao progresso da humanidade, mas
na verdade, os condiciona à realidade na medida em que cria para eles os marcos de suas
possibilidades no terreno do social. O educar traduz-se pelo condicionar, e por isso, a
escola é por excelência local de condicionamento.
Para boa parte dos marxistas, por outro lado, o conceito de escola está ligado
direta ou indiretamente à teoria da reprodução, constituindo-se, para alguns autores deste
campo teórico, num dos pilares fundamentais para a constituição de uma dada dominação.
Portanto, o condicionamento a que nos referimos no parágrafo anterior, está associado ao
225 Escola aqui não se refere obviamente a um espaço físico dedicado a instrução de alunos, mas quer dizer um conjunto de relações sociais que envolvem a educação, a formação do indivíduo para integrá-lo ao mundo e à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual no sentido gramsciano, um ser crítico e leitor do mundo no sentido freireano.
106
aprisionamento ideológico dos indivíduos, naturalizando226 sua posição dentro de um dado
ordenamento social que passa inclusive pela organização econômica e material da
sociedade em que vivem.
Para Althusser, por exemplo, a escola, entendida como aparelho ideológico de
Estado, que comparada às outras instituições como a Igreja e o Exército, está, como todos
estes aparelhos, também fadada a reproduzir um conjunto de valores e saberes, sob bases
teóricas e práticas que garantem a sujeição da classe operária à ideologia dominante ou às
manobras operadas pela mesma. Esta afirmação baseia-se no fato de que a reprodução da
força de trabalho exige não somente uma reprodução da qualificação, mas também a
submissão às regras da ordem social estabelecida. Isto quer dizer que o momento da
formação educacional é, na verdade, a oportunidade para estabelecer códigos sociais, um
conjunto de regras que ampliam e garantem a eficácia da ideologia dominante para os
agentes da exploração e da repressão.
O objetivo da escola se insere, então, no conjunto de tarefas que asseguram, por
todos os meios, a dominação de classe. Essa ideologia, no entanto, é comum a todos, de
modo que cada qual desempenha o seu papel, sejam os proletários, os explorados, sejam os
capitalistas, os exploradores.
Neste sentido, a figura do educador se confunde com a do agente da exploração,
pois não pode escapar ao seu destino. Ou, pior ainda, ele não consegue sequer se dar conta
do que o sistema o obriga a reproduzir. A atual ordem dos fatos na educação pública no
país ilustra bem esta situação. A escola pública, que é aquela que serve à maior parte do
conjunto das classes subalternas e marginalizadas de sociedade brasileira, tem sido lugar
das preocupações formais e quantitativas, orientadas por mecanismos como a aprovação
automática e a ampliação das atribuições da escola. Seu papel tem sido quase o de uma 226 Naturalizar quer dizer neste caso, tornar aceito como se fosse determinado pelas leis da natureza, e sendo assim, algo imutável porque foi criado daquela maneira, ou seja, é imanente.
107
agência da assistência social, concessionária de benefícios sociais vinculados às políticas
compensatórias oficiais.
A finalidade última destas políticas é conter o avanço da evasão escolar, que
denuncia o fracasso da educação pública, e assim suavizar os efeitos da exclusão em larga
escala, decorrente da ausência de autênticas políticas públicas voltadas para emancipação
das massas populares.
Para o educador, a alternativa é lutar sozinho contra a ideologia, contra o sistema
e contra as práticas em que este o envolve, travando uma verdadeira batalha solitária e
perdida227.
Segundo Poulantzas, mesmo que a escola fosse capaz de tornar o educando
crítico, passando a ser sujeito de si próprio e partícipe das lutas populares, estaria, ainda,
assim, inscrito nos aparelhos de poder que materializam estas lutas, pois segundo ele, há
um encadeamento complexo do Estado com o conjunto de dispositivos de poder228.
Reforçando este aspecto, ele aponta o fato de que o próprio Estado, como ponto de
equilíbrio instável da seleção entre frações das classes dominantes e das classes
dominadas, possui mecanismos de seletividade estrutural229 da informação. Esta
seletividade é fruto da interação entre os seus diversos aparelhos ideológicos, que trazem
para dentro de si a representação específica de interesses particulares, as contradições e os
conflitos entre eles, configurando as correlações de forças.
Por isso, é perfeitamente possível à escola, como um daqueles aparelhos, construir
uma educação crítica, pois esta crítica já está inserida nos mecanismos de sujeição, que em
última análise reproduzem a ordem. Tudo isto se traduz pelo fato de a mais crítica e
227 LUCKESI, Cipriano Carlos. Educação e sociedade: redenção, reprodução e transformação IN Filosofia da Educação, São Paulo, Cortez, p. 45-48.228 POULANTZAS, Nicos. Segunda Parte – As lutas políticas: O Estado, condensação de uma relação de forças IN O Estado, o Poder , o Socialismo., São Paulo, Graal, s/d, p. 162.229 Idem, p.-154.
108
revolucionária escola permanecer inscrita no conjunto de aparelhos que reproduzem o tipo
de dominação daquela sociedade.
A saída é colocar em xeque então os elementos fundantes daquela organização
social, tarefa árdua e inócua, pois o raio de alcance da atuação da escola e o potencial
transformador da educação na sua correlação de forças com outros aparelhos jamais lhe
serão favoráveis.
Portanto, até aqui, o que observamos é o fato de que escola não é o espaço
privilegiado para uma ação revolucionária, que envolva mudança de valores ou consciência
das classes dominadas, pois a ideologia dominante atua sobre sua organização, limitando
possibilidades de que ela possa subverter uma relação social de exploração e dominação.
Para Bourdieu, é especialmente por meio da escola que as categorias do
pensamento são elaboradas e impostas, o que, a princípio, condiciona e restringe toda a
visão de mundo reproduzida pela escola porque ela é garantida pelo próprio Estado.
Enquanto formadora de hábitos, a escola propicia aos que se encontram direta ou
indiretamente submetidos a sua influência uma disposição geral geradora de esquemas
particulares capazes de serem aplicados em campos diferentes do pensamento e da ação.
Bourdieu chamou essa disposição de habitus cultivado. Este habitus realiza um conjunto
de operações que atuam no consciente e no inconsciente dos indivíduos230, internalizando
esquemas que fazem parte da cultura231.
Tentando escapar do determinismo estrutural, Bourdieu identifica a tarefa das
pedagogias escolares como uma forma de habitus, ou seja, um sistema de disposições
inculcado na pessoa em desenvolvimento com o objetivo de gerar os tipos apropriados de
230 BOURDIEU, Pierre. Espíritos de Estado: gênese e estrutura do campo burocrático IN Razões Práticas sobre a teoria da ação, São Paulo, Papirus, s/d, p. 105.231 BOURDIEU, Pierre. Sistemas de ensino e sistemas de pensamento IN Economia das trocas simbólicas, São Paulo, Perspectiva, s/d, p. 210.
109
ações e atitudes na vida posterior. Este é o meio pelo qual as escolas podem passar seu
capital simbólico.
Desta forma, a escolarização está ligada a uma forma de opressão e não de
emancipação dos indivíduos, praticando uma violência simbólica, violência esta que não é
planejada pelos educadores, mas é amplamente produzida pela ação das próprias classes
dominantes, ou melhor, pela interação entre as mesmas e um sistema educacional
conservador. No entanto a novidade aqui é que pela sua própria lógica de funcionamento, a
escola pode modificar o conteúdo e a essência da cultura232 que transmite, cumprindo uma
função expressa de transformar o legado coletivo em inconsciente individual e comum233.
Abre-se espaço para uma autonomia restrita, em que, ainda que difícil, não seja todo
impossível pensar que as mudanças sociais possam passar pela escola. O maior problema
dela não está na imposição das desigualdades de classes234, mas sim em naturalizar um
conjunto de conteúdos, cujo caráter arbitrário é ocultado235, legitimando uma ordem social
que torna efetivas determinadas relações de poder e a desigualdade, sem que os dominados
possam ter clareza disto. Assim, o que as classes dominantes detêm, na verdade, é o poder
simbólico.
Cabe destacar que em Bourdieu a reflexão acerca da escola e a teoria do Estado
introduzem o conceito de cultura e do habitus. Se por um lado suas idéias remetem a certa
teoria reprodutivista, por outro mostram como o processo de construção e conservação de
uma dada dominação é dinâmico, atuando nas mentes, o que sugere que esta dimensão da
232 Idem, p. 208-209. “(...) A cultura não é apenas um código comum nem mesmo um repertório comum de respostas a problemas recorrentes. Ela constitui um conjunto comum de esquemas fundamentais, previamente assimilados, e a partir dos quais se articula, segundo uma “arte da invenção” análoga à da escrita musical, uma afinidade de esquemas particulares diretamente aplicados a situações particulares.”233 Idem, p. 212-215.234 Como seria bom se esta realidade se tornasse clara e cristalina, visto que a escolaridade é um elemento imprescindível para grande parte das classes subalternas.235 Lembro aqui da permanente tentativa do MST de elaborar e atualizar um calendário próprio, com datas e cronologia marcada pela própria história social dos Movimentos rurais do Brasil, dando destaque por exemplo, a Movimentos que a historiografia de ensino médio e fundamental pouco destacam como a Guerra de Canudos e o Contestado. Trata-se de uma tentativa de resistência.
110
realidade social também seja alvo de investigação por aqueles que refletem sobre teorias da
mudança, e até mesmo da revolução social.
Mas, se até agora, pelo visto, a escola reproduz a dominação, então, refletir sobre
modelo de escola é algo que está superado para aqueles que se dedicam a pensar na
emancipação das classes subalternas e oprimidas. No entanto, vejamos o que se pode dizer
sobre a escola e seu papel no pensamento de Gramsci.
Com já vimos no capítulo um, Gramsci foi um dos fundadores do Partido
Comunista da Itália em 1921, tendo se tornado uma das maiores referências do pensamento
marxista e da esquerda mundial no século passado. Embora comprometido com a
revolução proletária, acreditava que a tomada do poder deveria necessariamente ser
precedida por mudanças de mentalidade por parte das classes subalternas. Para Gramsci, os
intelectuais eram os atores privilegiados desta mudança, e a escola, um dos seus
instrumentos mais importantes. Foi ele quem trouxe à tona a importância discussão
pedagógica para elevação cultural das massas236, algo que se inscreve no conjunto de
tarefas e serem desempenhadas pela escola. Por ela, seria possível às classes populares
livrarem-se de uma visão de mundo assentada em preconceitos e tabus que constituem o
senso comum, predispondo à interiorização acrítica da ideologia das classes dominantes.
Uma das originalidades de pensamento gramsciano está no fato de ter se detido
particularmente no papel da cultura e dos intelectuais nos processos da mudança na
história. E é neste contexto que se inserem suas idéias sobre educação, muitas ligadas à
construção do conceito de hegemonia. A hegemonia significava para Gramsci, a forma
como uma classe social ou frações de classes articuladas defendiam seus interesses,
garantindo-lhes o poder sobre o conjunto da sociedade. Este poder como vimos se dá em
236 Esta questão é aprofundada no capítulo 4 desta tese, quando discutimos a origem dos educadores e educandos do MST e qual é o sentido da discussão da pedagógica para a consolidação da organização e da ação política do Movimento. Neste sentido cabe ressaltar que a elevação cultural das massas, aqui, só pode compreendida se entendermos o conceito de cultura no pensamento de Gramsci.
111
duas dimensões. Uma delas é a coerção e nisso, Gramsci concorda com as reflexões do
marxismo clássico.
Mas há uma outra dimensão que, segundo Gramsci, é mais eficaz, mais rica e mais
dinâmica, sendo a responsável por uma mudança de contexto em relação às táticas dos
partidos revolucionários, porque as tarefas da revolução também mudam em diversos
contextos históricos. Trata-se do consenso, obtido pelas classes dominantes junto às
subalternas.
Pelo fato de sua reflexão ter se baseado em experiência políticas derrotadas na
Itália, onde o fascismo assumiu áreas de um Movimento de massas, Gramsci pode analisar
o pensamento das massas e a relação das mesmas não só com as classes dominantes, mas,
sobretudo com os seus valores, observando o que elas reproduziam. E esta observação lhe
permitiu compreender que a complexidade da dominação se encontrava no consenso. Isto o
levou à conclusão de que a revolução na Itália passava por peculiaridades, que
demandavam tempo e paciência revolucionários, desconhecidos para o Movimento
socialista internacional na época. Um dos motivos para tal conclusão era o histórico da
formação cultural das massas populares na Itália. Isto dizia respeito não só às massas
camponesas amorfas do Sul agrário, mas também aos proletários do Norte industrializado.
Portanto, o consenso era também fruto desta cultura. Tratava-se de uma liderança
ideológica conquistada entre a maioria da sociedade, formada por um conjunto de valores
morais e regras de comportamento. Segundo Gramsci, toda relação de hegemonia é
necessariamente uma relação pedagógica, isto é, uma experiência que envolve
aprendizado.
Para Gramsci, a hegemonia é obtida por meio de uma luta de direções
contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política. Ou seja, é necessário
primeiro conquistar as mentes, para depois conquistar o poder. Mas, isto nada tem a ver
112
com a manipulação ideológica. Segundo Gramsci, a função do intelectual, e, por
conseguinte, da escola também, é estabelecer uma mediação para a tomada de consciência
dos educandos no ambiente escolar. Esta função mediadora passa pelo favorecimento à
busca do autoconhecimento individual e implica reconhecer, nas palavras de Gramsci, o
próprio valor histórico, algo que, segundo Paulo Nosela, no pode cair na cilada de se
tornar um mero doutrinamento abstrato237.
O terreno da luta de hegemonias é a sociedade civil, que compreende instituições de
legitimação do poder do Estado, como a Igreja, a escola, a família, os sindicatos, os meios
de comunicação. Na direção contrária a do marxismo tradicional, que tendia a considerar
tais instituições como meros aparelhos reprodutores da ideologia do Estado, Gramsci via
nelas a possibilidade de dar início às transformações, por intermédio da elevação de uma
nova mentalidade própria das classes dominadas.
Na escola vislumbrada por Gramsci, as classes menos favorecidas poderiam
inteirar-se dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização. Este é um primeiro passo
para a construção de uma visão de mundo que leve os indivíduos a superarem o senso
comum, conjunto de conceitos desagregados, estranhos e deturpados em virtude da religião
e do folclore238.
Quanto à escola, para que o educando adquirisse capacidade crítica, era necessário
que lhe fosse apresentado um currículo que trabalhasse as noções instrumentais, tais como,
ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos, além de seus direitos e
deveres como indivíduo social. Gramsci defendia a manutenção de uma escola única,
voltada para a cultura geral, humanista e formativa, que desse aos educandos o acesso a um
ensino desinteressado, destinado a criar os primeiros elementos de uma livre intuição
237 NOSELLA, Paolo. A Escola de Gramsci, São Paulo, Cortez, 2000.238 Por folclore entenda-se um conjunto de tradições que perderam o significado, mas continuam se perpetuando.
113
acerca do mundo. Gramsci acreditava que, pelo menos nos primeiros anos de estudo, o
educador deveria transmitir o mais amplo conjunto possível de conteúdos aos educandos.
A escola unitária de Gramsci é a escola do trabalho, mas não no sentido estreito do ensino
profissionalizante através do qual se aprende somente a operar. Em termos metafóricos,
não se trata de colocar um torno em sala de aula, mas sim de ler livros sobre seu
significado, a história e as implicações econômicas do torno239.
Trata-se, portanto, de uma escola que recupera o significado da própria educação. E
ela o faz, resgatando um sentido mais amplo para a descoberta e a construção do
conhecimento, tornando o educando, sujeito do conhecimento, promovendo-o à condição
de construtor/elaborador do saber, tudo isto dentro da correlação de forças estabelecida, o
que permitirá ao educando desmistificar a cultura das classes dominantes, aos poucos se
diferenciar da mesma.
Gramsci, portanto, atribuía à escola e à educação um caráter emancipatório, diverso
das teorias anteriores240. Ele afirmava que o princípio de toda mudança está em conhecer e
ter clareza quanto à constituição dos valores dominantes, para que posteriormente fique
claro para as classes subalternas o quanto o universo simbólico, os valores e visão de
mundo universais têm, na verdade, do caráter de classes daqueles que dão a direção ao
Estado. Segundo Gramsci, quem não tem conhecimento de seus próprios interesses, vive
segundo os interesses de outros241.
Portanto, a luta pela construção de uma contra-hegemonia, ou seja, a guerra de
posições, passa necessariamente pela permanente e renovada construção/desconstrução de
valores/contra-valores. Este processo, cuja dinâmica não pode escapar à escola e à
239 Cf. Paolo. A Escola de Gramsci, São Paulo, Cortez, 2004, p. 35.240 GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais, o princípio educativo e o jornalismo IN Os cadernos do Cárcere, vol. 2, São Paulo, Civilização Brasileira, 2000.241 Cf. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. 4ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980, p. 28.
114
educação continuada, está sempre em Movimento, e a hegemonia, que é dinâmica está
sempre pronta a ser elaborada e reelaborada, definida e redefinida. Esse Movimento, que se
dá no âmbito da sociedade civil, se torna capaz de formar intelectuais orgânicos,
organizadores de uma cultura, sob novas bases ético-morais, onde as classes subalternas,
alcançando o bom senso, possam imprimir um Movimento orgânico em direção a sua
emancipação242.
Diferentemente de muitos pensadores clássicos da educação, como Jean Jacques
Rousseau, que subordinavam o processo pedagógico à natureza, sugerindo que a própria
evolução das crianças daria conta de grande parte do aprendizado, Gramsci tinha outra
idéia. Segundo ele, “a educação é uma luta contra os instintos ligados às funções
biológicas elementares, uma luta contra a natureza, para dominá-la e criar o homem atual
de sua época” 243. Trata-se de uma polêmica em torno do principal objetivo da educação,
pois diferentemente de Rousseau, Gramsci a vê como uma ação cuja finalidade é distanciar
o homem da natureza, e por isso mesmo se reveste de um caráter dinâmico e socializante.
Paulo Freire também é um autor que aposta na escola e na educação como
elementos que podem se colocar a serviço da transformação libertária da sociedade, em
direção à justiça social e à democracia. Mas, para ele não se trata de escola e de uma
educação qualquer, pois estes dois conceitos não são neutros. Trata-se, portanto, de saber
qual escola e qual educação podem favorecer estas iniciativas. Segundo ele, “somente uma
escola centrada democraticamente no seu educando e na sua comunidade, vivendo as suas
circunstâncias, integrada com os seus problemas, levará os seus estudantes a uma nova
postura diante dos problemas de seu contexto: a da intimidade com eles, a da pesquisa, em
242 Cf. SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo, Cortez, 1986, p.43.243 Cf. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais, o princípio educativo e o jornalismo In Os cadernos do Cárcere, vol. 2, São Paulo, Civilização Brasileira, 2000, p.134.
115
vez da mera, perigosa e enfadonha repetição de trechos e de afirmações desconectadas das
suas condições mesmas de vida” 244.
Para Freire, a formação de um novo ser humano começa pela escola, lugar onde se
constrói o aprendizado sobre o universo a partir daquilo que o rodeia, criando uma conduta
integrada ao meio em que vive. Portanto, as dimensões afetiva, biológica, intelectual e
estética precisam fazer parte do desenvolvimento de uma prática formadora da
personalidade e do caráter das pessoas, abrindo caminhos para que elas se identifiquem
com a proposta de uma sociedade humana e solidária245.
Por fim, deve-se esclarecer que incorporar a análise do papel de escola em Gramsci
e Freire não significa ignorar que as visões de Althusser, Poulantzas e Bourdieu, tampouco
assumir os problemas por eles apontados estejam superados pelos primeiros. Pelo
contrário, trata-se, aqui, de reconhecer os desafios apontados, buscando superá-los. Neste
caso, Gramsci aponta uma direção que abre novos horizontes para a educação, para a qual
seu pensamento converge com o de Paulo Freire. Para ambos, a educação é um ato
político, porque tem e deve ter mesmo uma finalidade política, que é libertar as massas de
uma verdadeira cegueira ideológica, já expressa por Marx em O Capital - Tomo III, em
que se toda essência se confundisse com a sua aparência, o homem não precisaria de
ciência..
244 Cf. FREIRE, Paulo. Sobre a Educação (diálogos). São Paulo, Paz e Terra, 1982, p. 37.245 No capítulo 4 desta tese, vermos como estes aspectos têm sido fundamentais na discussão em torno de uma proposta pedagógica para as escolas do MST.
116
3.2. GRAMSCI E FREIRE – Um olhar comum sobre o papel da educação e os
Movimentos sociais
Muito embora o contexto histórico de vida e produção teórica tanto de Gramsci
como o de Freire seja diferente, há muitos elementos desta contextualização que guardam
alguma semelhança quanto às características gerais.
No campo biográfico, essas semelhanças podem ser percebidas, por exemplo, pelo
fato de que ambos eram oriundos de famílias que não tinham origem absolutamente
humilde. No entanto, passaram por períodos de muitas dificuldades materiais ainda na
infância. Gramsci teve seu pai preso, e Freire teve suas condições materiais familiares
arruinadas pelas conseqüências da crise econômica de 1929 no Brasil. Por isso, tendo sido
ambos expostos à pobreza, e particularmente, no caso de Gramsci, inclusive ao trabalho,
sentiram os efeitos destas adversidades sobre a própria escolarização. Mas as semelhanças
não param aí. Ambos nasceram em regiões cuja espacialidade era marcada pela pobreza e
pelo subdesenvolvimento, a saber, o Sul da Itália, e o Nordeste brasileiro. Por isso mesmo,
ambos, cada qual em seu tempo histórico e seu espaço geográfico, foram ativistas que
estiveram ligados à ótica político-pedagógica que se colocava ao lado das forças sociais
populares. Também vivenciaram experiências históricas de lutas destas camadas sociais,
no caso de Gramsci, a dos conselhos de fábrica de Turim em 1920, e Freire, a das ligas
camponesas no Nordeste, que surgiram em Pernambuco, e durou uma década – de 1954 a
1964. Se a Revolução Russa de outubro de 1917 teve um impacto positivo sobre as
reflexões de Gramsci, pode-se dizer que a influência política e ideológica da Revolução
Cubana, em 1959, também teve influência sobre Freire. E se o advento do fascismo
assumiu um caráter dramático na vida e na obra de Gramsci, que enfrentou a perseguição,
e por fim, a prisão, o golpe militar e o regime implantado a partir de 1964 impuseram o
117
exílio a Freire. Também aqui podemos dizer que estas circunstâncias tiveram um grande
peso sobre a escolha de enfoque dos seus textos e temáticas.
No entanto, também podemos apontar alguns fatores que diferenciaram
principalmente suas perspectivas de análise acerca do papel da educação na transformação
social. E começamos pelo impacto que exerceu sobre Gramsci o contato com a classe
operária de Turim, onde se tornou jornalista e militante político, fazendo com que a maior
parte de sua atenção estivesse voltada para a sociedade capitalista ocidental, ambiência de
uma classe operária avançada e de uma sociedade civil muito desenvolvida246. Esta é,
certamente, uma das principais razões para que Gramsci tenha enfocado o proletariado
industrial urbano como o grande protagonista de revolução social, enquanto o campesinato,
pela sua falta de coesão entre si, tinha um menor potencial, por atuar no sul da Itália, uma
área de desintegração social extrema.
De sua parte, Freire dedicou a atenção, pelo menos nos seus trabalhos mais
destacados, às áreas habitadas por camponeses sem-terra ou que vivenciavam os primeiros
tempos de um período posterior aos Movimentos de independência e descolonização, ou
até mesmo revolucionários em seus países, habitantes marginalizados das cidades, que
tinham um passado camponês recente, mas que viviam na periferia das cidades. Como
ocorreu com Gramsci, também no pensamento de Paulo Freire, há uma grande influência
das condições sociais presentes neste meio sobre sua reflexão acerca da realidade.
No entanto, estas diferenças nem de longe chegam a contrapor suas idéias acerca
do papel da educação na transformação da realidade social. Sendo assim, passamos agora à
tecer algumas considerações, a fim de estabelecer um paralelo entre os dois pensadores.
Tendo contextualizado as condições de produção da obra de Gramsci e Freire,
torna-se útil e interessante comparar suas idéias, buscando elementos que nos permitam
246 Lembrar dos conceitos de Estado ampliado e de sociedade do tipo ocidental em Gramsci.
118
observar os caminhos teóricos paralelos. E começamos pelo fato de que ambos valorizam a
natureza política da educação, principalmente da educação de jovens e adultos. Com
dissemos no capítulo um, todos os projetos de hegemonia são essencialmente pedagógicos,
ou seja, assumem uma forma educativa.
Partindo-se do fato de que a hegemonia é o conceito fundamental para
alcançarmos entendimento sobre a dominação de uma classe sobre a outra, obtida por
meios políticos e econômicos, a análise política de Gramsci tangencia a educação o tempo
todo, enquanto Paulo Freire afirma explicitamente que educar é um ato eminentemente
político.
Por causa da liderança e do engajamento político de Gramsci, sua obra reflete uma
preocupação com as tarefas, táticas e estratégicas, que visam a preparar o proletariado para
assumir o poder, ou seja, há claramente em Gramsci uma teoria revolucionária. Também
podemos, sob um outro olhar, observar uma visão revolucionária no pensamento de Paulo
Freire, ressalvando-se o fato de que sua matriz teórica não era puramente marxista, mas
mesclava este ideário com os ideais cristãos. Esta perspectiva teórica inspirou muitos
Movimentos sociais, políticos e, até religiosos, que tinham compromisso com as
transformações sociais profundas na América Latina, apoiando-se na teologia da
libertação, cuja visão política enfatiza a importância de uma luta contínua contra todas as
formas de opressão e injustiça social.
Por conseguinte, podemos afirmar que, para ambos os pensadores, a problemática
da transformação da realidade social perpassa suas linhas de reflexão. Outro ponto comum
entre ambos é o conceito de sociedade civil, sendo para Gramsci o verdadeiro espaço da
luta de classes, pois ela é constituída por elementos que são fundamentais para afirmação
de todo projeto hegemônico. São esses elementos que representam as trincheiras do
Estado, que desta forma estende seu alcance e sua capacidade de influência e ordenamento
119
sobre o todo social. Por outro lado, a sociedade civil é um terreno de luta, pois do mesmo
modo que ela consolida a hegemonia, ela pode ser o lócus de sua própria destruição – a
contra-hegemonia–, e a educação pode constituir-se num dos elementos que favoreçam
esta contra-hegemonia.
Enfocando mais a pedagogia, Freire também via a ação no interior do complexo
da sociedade civil como algo que servia tanto para consolidar relações de dominação
existentes, como para transformá-las. Criticava, sobretudo, as práticas pedagógicas
tradicionais que, para ele, estavam profundamente marcadas pelo autoritarismo, pela
relação de cima para baixo, ou seja, uma prática prescritiva que tinha na pedagogia
bancária o exemplo mais concreto.
Mais uma vez, podemos dizer que ambos vêem a educação no âmbito da
sociedade civil como algo essencial para a transformação das relações de poder existente.
Repudiam, por isso, a passividade das classes ou sujeitos oprimidos, atribuindo grande
valor à ação humana, tanto no plano individual quanto no coletivo, para mudar a realidade.
Este protagonismo humano pode ser mais claramente identificado em Gramsci pela análise
do papel dos intelectuais na organização da cultura pelo conceito de intelectual orgânico.
Em Freire, pode ser percebido pelo sujeito crítico e leitor do mundo, o que nos permite
afirmar que todo educador engajado na pedagogia libertadora é um intelectual orgânico,
porque seus laços com os oprimidos, inclusive os afetivos, levam-no a se comprometer
com a luta destes pela emancipação. Promovendo o resgate da auto-estima destes
segmentos sociais, estão, na verdade, construindo sujeitos, já não mais homens-massa,
como diria Gramsci.
Quando Freire vincula o ato de educar a um ato político, na verdade, quer dizer
que a prática educativa é prática política tanto quanto qualquer prática política é
pedagógica. Assim sendo, os educadores necessitam construir o conhecimento com seus
120
educandos em qualquer estágio ou segmento da educação, tendo como horizonte um
projeto político de sociedade.
Os educadores são, portanto, profissionais/intelectuais da pedagogia da política,
da pedagogia da esperança (do devir). Sua pedagogia tem sido conhecida como pedagogia
do oprimido, da liberdade e da esperança. Em seus trabalhos, Freire defendia a idéia de que
a educação não pode significar um depósito de informações do educador sobre o educando.
A “pedagogia bancária”, segundo ele, não leva em consideração os conhecimentos e a
cultura dos educandos. Respeitando-se a linguagem, a cultura e a história de vida dos
educandos, pode-se levá-los a tomar consciência da realidade que os cerca, discutindo-a
criticamente. Conteúdos, portanto, jamais poderão ser desvinculados da vida, o que torna
fundamental uma reflexão crítica e participativa sobre a construção dos currículos
escolares e outros elementos da educação. Ele cultiva o nexo escola-vida respeitando o
educando como sujeito da história. As pessoas podem não ser letradas, mas todas estão
imersas num dado universo cultural e quando o educador consegue fazer a ponte entre a
cultura dos educandos, se estabelece o diálogo necessário para que novos conhecimentos
sejam construídos. A base da pedagogia de Freire é o diálogo libertador e não o monólogo
opressivo do educador sobre o educando. Na relação dialógica estabelecida entre educador
e educando, torna-se possível que o educando aprenda a aprender. Freire afirma que a
leitura do mundo precede a leitura da palavra, com isto querendo dizer que a realidade
vivida é a base para qualquer construção de conhecimento. Cabe, pois, à escola, respeitar o
educando, não o excluindo de sua cultura, tampouco o relegando à condição de mero
depositário da cultura dominante.
Ao se descobrir como produtor de cultura, os homens se vêem com sujeitos e não
como objetos da aprendizagem. A partir da leitura de mundo de cada educando, elaborada
através de trocas dialógicas, constroem-se novos conhecimentos sobre a leitura, a escrita e
121
sobre o cálculo. E aqui o paralelo com Gramsci é direto, pois este processo é o que Freire
define como a passagem do senso comum ao conhecimento científico num contínuo
respeito. A educação, segundo Freire, tem como objetivo maior elucidar as relações
opressivas vividas pelos homens, transformando-os para que eles também transformem o
mundo. Freire, como Gramsci, era um educador com profunda consciência social. Mais do
que ler, escrever e contar, a escola tem tarefas mais sérias como revelar para os homens as
contradições da sociedade em que vivem.
Partimos da hipótese de que a escola unitária de Gramsci seja uma escola de
formação humanista247 ou de cultura geral, que tem como objetivo primordial a inserção
dos educandos na atividade social, após tê-los elevado a estágio da maturidade e
capacidade, à criação intelectual e prática e também a uma autonomia na orientação e na
iniciativa. Mesmo assim, fazemos aqui uma pequena mudança de rumos no que diz
respeito à abrangência da discussão educativa e pedagógica de Freire, que não se limita a
pensar num processo de escolarização meramente formal/institucional. Gramsci também
propôs uma transformação da atividade escolar que requer uma ampliação geralmente
imprevista da organização da prática da escola. Neste sentido, no conjunto do seu
pensamento sobre a escola strictu senso acabou recaindo na busca de uma reestruturação
da escola ainda muito presa à institucionalização e à formalização dos seus métodos e
procedimentos. Freire, muito embora tenha os mesmos fins de Gramsci, possibilita a
abertura de uma reflexão muita mais ampla e livre da vida escolar e do papel da escola,
bem como dos seus métodos e dos seus procedimentos.
Até mesmo quando Gramsci define o que é a escola criadora e o que é a escola
ativa, o caráter formal se faz presente de forma muito incisiva. Para ele, a escola ativa é
aquela em que há um processo de conformação dinâmica, destinada a disciplinar e nivelar 247 Cf. GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a organização da cultura, 3ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1985, p. 121.
122
para proporcionar uma coletivização do tipo social. A escola criadora é aquela em que
ocorre uma expansão da personalidade, tornada autônoma e responsável, mas com uma
consciência moral e social sólida e homogênea, indicando um método de investigação e de
aquisição de conhecimentos. Nesta fase, a aprendizagem ocorre, notadamente, graças a um
esforço espontâneo e autônomo dos educandos, sendo tarefa do educador “exercer apenas
uma função de guia amigável” 248. E Gramsci acrescenta ainda que esse processo de
descoberta por si mesmo de uma verdade, sem sugestões e ajudas exteriores é criação,
mesmo que essa verdade seja já conhecida, pois ele trata aqui do grau de aperfeiçoamento
da atividade intelectual através da escola e da educação pelo qual se pode descobrir novas
verdades. Por isso, mais uma vez ele afirma que nesta fase da educação é fundamental que
a atividade escolar se desenvolva nos seminários, nas bibliotecas, nos laboratórios
experimentais, sendo nela recolhidas as indicações orgânicas para a orientação
profissional. Por isso mesmo, a dimensão dialógica do pensamento gramsciano acerca das
tarefas da escola e da educação fogem à ambiência camponesa, a não ser que imaginemos a
agricultura totalmente transformada pela racionalidade capitalista.
Portanto, precisamos contar com Paulo Freire, pois a ênfase libertária de suas
concepções acerca da escola e da educação está muita mais apta a atender as necessidades
e as especificidades de um meio que comporta relações sociais e econômicas que podem
ser pré-capitalistas.
Uma pedagogia articulada com os interesses populares tem que valorizar a escola,
não podendo ficar indiferente ao que se passa no interior dela, empenhando-se para que ela
tenha um bom funcionamento, utilizando métodos de ensino que tenham eficácia. Estes
métodos de ensino devem ter como objetivo estimular a atividade e a iniciativa do
educador, favorecendo o diálogo com os educandos entre si e com ele próprio. No entanto,
248 Cf. GRAMSCI, op. cit, p. 124.
123
não se pode deixar de valorizar o diálogo também com a cultura acumulada historicamente.
A escola deve levar em conta os interesses dos educandos, os ritmos de aprendizagem, as
aptidões, o desenvolvimento psicológico sem, por um lado, perder de vista toda a
sistematização lógica dos conhecimentos, seu encadeamento e uma escala para o êxito do
processo de transmissão e assimilação dos conteúdos cognitivos, e por outro, abrir mão de
uma vinculação permanente com a sociedade.
Paulo Freire, neste sentido, aponta que o ponto de partida do ensino é, portanto, a
prática social, comum tanto a educadores como a educandos, muito embora tanto uns
quanto outros possam ter, é claro, um posicionamento diferente em relação a esta prática
social, até mesmo porque, do ponto de vista pedagógico, tanto educadores quanto
educandos podem estar em níveis diferentes de compreensão249 desta prática social.
Num segundo momento, cabe identificar os principais problemas postos pela
prática social, detectando quais questões precisam ser resolvidas e, em conseqüência disso,
que conhecimentos devem ser adquiridos.
Um terceiro momento é aquele em que é necessário se apropriar dos instrumentos
teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas detectados na prática
social. Como tais instrumentos são produzidos socialmente e preservados historicamente, a
sua apropriação pelos educandos depende de sua transmissão direta ou indireta por parte
do educador. No caso, quando se diz, direta ou indiretamente, é porque o educador pode
transmiti-los diretamente ou pode indicar os meios através dos quais a transmissão venha a
se efetivar. Para isso, é preciso que as camadas populares se apropriem das ferramentas
culturais necessárias à luta social que travam no seu cotidiano para se libertar das
condições de exploração em que vivem.
249 Conhecimento e experiência que ajudam a construir uma relação entre a teoria e a prática.
124
Um quarto momento é aquele em que se dá a incorporação efetiva dos
instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos da transformação social.
E o quinto e último momento é aquele da elevação dos educandos ao nível do educador
para compreender a especificidade da relação pedagógica. Em conseqüência, se manifesta
nos educandos a capacidade de expressarem uma compreensão prática em termos tão
elaborados quanto era possível antes somente ao educador. Por isso, a educação é uma
atividade que supõe uma heterogeneidade real e uma homogeneidade possível, e, por outro
lado, uma desigualdade do ponto de partida e uma igualdade do ponto de chegada. Por
todo esse processo, a compreensão da prática social passa por uma alteração qualitativa,
pois não é a mesma no ponto de partida e no ponto de chegada.
Cabe lembrar, porém, que esta alteração objetiva só pode se dar a partir da nossa
condição de agentes sociais ativos reais. A educação, portanto, não transforma de modo
direto e imediato e sim de modo indireto e mediato, isto é, agindo sobre os sujeitos da
prática. Assim Freire conceitua a educação como atividade mediadora no seio da prática
social. O peso e a duração de cada momento variam de acordo com as situações específicas
em que se desenvolve a prática pedagógica. Desta maneira, no início da escolarização, a
problematização é diretamente dependente da instrumentalização, uma vez que a própria
capacidade de problematizar depende da posse de certos instrumentos. A necessidade de
alfabetização, por exemplo, é um problema posto diretamente pela prática social não sendo
necessária a mediação da escola para identificá-lo. A instrumentalização no sentido de
passar da condição de analfabeto para alfabetizado se impõe, caracterizando o que Gramsci
chama de processo catártico, ou seja, “elaboração superior da estrutura em superestrutura
na consciência dos homens”, ou melhor, a assimilação subjetiva da estrutura objetiva da
língua. Então, o alfabetizado adquire condições de se expressar agora já não mais só
oralmente, mas também por escrito. Trata-se, portanto de um método de ensino que
125
articula educação e sociedade, e parte da consideração de que a sociedade em que vivemos
é dividida em classes com interesses opostos. Conseqüentemente, a pedagogia, que
sintetiza as concepções de Gramsci e Freire, se coloca a serviço dos interesses populares,
tendo contra si os interesses dominantes. Trata-se, portanto, de lutar também no campo
pedagógico para fazer prevalecer os interesses daqueles até então dominados para que
passem a dominantes. Para se chegar lá, porém, é necessário, através da prática social,
transformar as relações de produção que impedem a construção de uma sociedade
igualitária, como afirmam Gramsci e Freire. A verdadeira pedagogia é aquela empenhada
decididamente em colocar a educação a serviço da referida transformação das relações de
produção, ou seja, podemos chamá-la de pedagogia revolucionária.
Por fim, devemos fazer algumas considerações gerais sobre a educação de jovens
e adultos. Após analisarmos as possibilidades e potencialidade da escola, devemos também
ter em conta um outro aspecto fundamental que é o sujeito da aprendizagem e do processo
educativo, a saber: o educando. Sabemos que o melhor projeto político pedagógico, o
melhor planejamento, a melhor lei de diretrizes e bases da educação não terão a menor
eficácia se não mobilizarem outros elementos e outras esferas da sociedade, na tentativa de
ampliar ao máximo a divisão das tarefas ligadas à inclusão do educando. Em geral os
educandos vêm procurar a escola, muitas vezes acreditando que ela representa o resgate
por inteiro e não parte dele. Daí, a complexidade da missão daqueles que se colocam a
serviço de uma educação transformadora, e nisto consiste sua tarefa revolucionária:
receber, acolher, resgatar, coletivizar pessoas, em que a ausência de auto-estima, a falta de
amor próprio e autoconfiança formaram uma espécie de cadeado, que fecha todas as
passagens no coração humano para uma vida mais intensa e profundamente vivida na sua
dimensão humanista e filosófica. Curiosamente, esta prisão é bem diferente de todas
aquelas espalhadas pelas delegacias e presídios de nossas cidades e do nosso país, já que
126
não tem paredes. Suas grades formam a cela da exclusão social, da qual muitos são, por
diversos caminhos, vítimas e prisioneiros neste país.
Fazemos aqui uma referência a um pensamento de Paulo Freire no final da década de
1950, e que mais tarde veio a ser desenvolvido na pedagogia dos oprimidos, acerca do
problema do analfabetismo no Brasil. Dizia ele: “O analfabetismo no Brasil é um
problema. A alfabetização não é a sua solução”. Segundo Freire, esta questão deve ser
analisada sob dois aspectos. Primeiramente, o analfabetismo deve ser visto não como um
problema em si, mas sim, um sintoma de algo muito maior, cujas raízes se encontram na
própria exclusão social, portanto, combatê-lo deve significar combater os fatores
causadores da miséria e de outros problemas que afligem as camadas mais pobres da
sociedade brasileira, vítimas do analfabetismo e não simplesmente responsáveis por ele.
Por outro lado, Freire lembra que toda a trajetória de exclusão social e analfabetismo
geraram e continuam gerando mais miséria. Portanto, estando sua solução para além da
escola, toda tentativa de promover a inclusão cidadã partindo somente da alfabetização e
da educação se torna inócua, a menos que tais ações sejam encaradas como atos políticos,
comprometendo-se com mudanças mais profundas nas relações sociais vigentes. Daí, a
educação ser um ato político, ou seja, ter uma intencionalidade que tem, e tem que ter uma
dimensão politizante, que rompe com o caráter dual.
Por outro lado, como pensar em virar esta página da história da sociedade brasileira
sem que aqueles que são o sujeito da mudança venham a ser não só partícipes, mas,
sobretudo, sujeitos da mudança? E é aqui que insere a relevância do papel da educação de
jovens e adultos. Ela deve dar conta desta demanda e desta tarefa. Neste sentido, sim, ela
poder vir a se constituir num dos pilares de mudança, ajudando a construir uma sociedade
mais justa, mais democrática, onde os valores coletivos e o compromisso com a promoção
da cidadania alcancem a todos. Por isso, devemos ressignificar as funções da EJA
127
expressas no parecer 11/2000, a saber, reparadora, equalizadora e qualificadora250, tendo
em conta os conceitos de leitor do mundo freireano e do intelectual orgânico gramsciano.
A articulação de todos estes princípios pode fazer da EJA uma estratégia fundamental para
a legitimação de qualquer projeto de transformação social voltado para a emancipação das
massas populares. Para Gramsci é de fundamental importância que se promova uma
reforma intelectual e moral que eleve as classes subalternas do estado de atordoamento
frente ao caráter complexo e multifacetado da dominação e subordinação a que estão
submetidas. Deste modo, a reparação de uma grande dívida social em relação ao direito à
escola de qualidade não pode abrir mão da reparação deste indivíduo social, que isolado da
educação, também se viu trancado pelo lado de fora da sociedade e teve seu acesso negado
a tantas e tantas oportunidades.
A equalização compreende o dever de garantir não só o acesso às oportunidades de
inclusão social, como também a politização ao máximo, tendo em vista o horizonte da
igualdade de oportunidades para todos, sem distinções de qualquer espécie.
Por fim, a qualificação tem como objetivo produzir neste educando uma consciência
crítica, que o leve a ser capaz de fazer uma análise concreta de si mesmo, de sua história,
tornando-o sujeito de seu próprio viver. Ao mesmo tempo deve despertá-lo para a realidade
de que é um ator social, e que tem o compromisso de ajudar na construção de uma
sociedade mais justa, solidária, fraterna e democrática, onde a diversidade cultural torna a
vida mais rica de possibilidades, sem perder de vista o universalismo251. Por isso mesmo, o
educando não pode abrir mão de uma educação permanente e da formação continuada, pois
250 Cf. CURY, Carlos Roberto Jamil. PARECER CEB 11/2000: DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS para a educação de jovens a adultos. Conselho Nacional de Educação IN SOARES, Leôncio. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. Rio de Janeiro, DP&A editora, 2002. p 32-35.251 Cf. FRIGOTTO, Gaudêncio. Trabalho, Conhecimento, Consciência e a Educação do Trabalhador: Impasses Teóricos e Práticos IN Trabalho e Conhecimento: Dilemas na educação do Trabalhador, São Paulo, Cortez, 2002, p. 13-25.
128
não se trata de especializar ou tecnicizar, mas sim investigar, formular hipóteses, fazer
ciência, filosofar. Essa é a revolução cidadã de que tanto necessita o nosso país.
Sabendo da importância que ela tem, alguns Movimentos sociais no Brasil do tempo
presente já se deram conta de que não poderão abrir mão da discussão sobre projetos
educacionais que redefinam o papel da escola. Por isso mesmo discutem, constroem e
aperfeiçoam seus projetos de educação em todos os segmentos, incluindo a EJA, agora já
não mais com o intuito de fortalecer sua militância, mas, sobretudo, ampliar os limites e a
capacidade de seus atores na luta do dia-a-dia, na construção de alianças, na elaboração de
alternativas para os problemas que extrapolam seus interesses corporativos.
O papel da EJA não se esgota, pois ela representa, não meramente, o compromisso
de produzir alunos certificados, mas, sobretudo, cidadãos conscientes de que a educação é
um ato cotidiano. A produção do conhecimento e a partilha de saberes são ações que não
se encerram na sala de aula, mas, ao passar por ela tanto a produção como a partilha devem
sofrer uma dinamização impulsionadora, que tem outras etapas e deve ser
permanentemente estimulada e renovada. E esta descoberta envolve os próprios
profissionais de ensino a ela dedicados, pois é fundamental que se rompa com uma visão
mecanicista de educação, ligada ao ensino de conteúdos, na perspectiva de uma educação
bancária, passiva e apassivadora, que aliena ao invés de emancipar, que desumaniza ao
invés de humanizar252. Todos os aspectos até aqui abordados passam pela realidade do
verdadeiro educador freireano, ou seja, aquele educador que educando se educa, e,
portanto, também ele se torna, em última análise, um sujeito da educação. Já não mais atua
como professor que transmite verdades prontas e acabadas, mas, sim, como educador,
mediador, companheiro de luta, solidário com aqueles com os quais compartilha
experiências de vida. Na verdade, ele próprio também se nutre delas, renovando sua prática 252 Cf. DE VARGAS, Sônia Maria.; FAVERO, Osmar; RUMMERT, Sônia. Formação de profissionais para a educação de jovens a adultos a trabalhadores. Educação em Revista, nº 30, p 39-49, 1999.
129
didático-pedagógica, criticando-a e reavaliando-a, para assim mantê-la viva e fecunda,
constituindo-se em fonte inesgotável de ampliação do conhecimento que é um bem
coletivo.
Se no passado a papel da educação de jovens e adultos era essencialmente e
precariamente reparador, sem sequer dar conta da equalização, e menos ainda da
qualificação, urge, agora, consolidá-la como um segmento da educação, por quanto
podemos ver que sua relevância hoje faz com que se equipare a qualquer um dos outros
segmentos tradicionalmente já existentes. E este fato não se faz confirmar somente por
causa da realidade dos números e estatísticas da educação no país, mas, também, pelo fato
de que as novas fronteiras do mundo globalizado extrapolam as questões mais comuns do
dia-a-dia das pessoas, mexendo com antigos princípios e lógica que até então vinham
dando o tom e o ritmo da vida.
Novos recursos e tecnologias na área da informática e das telecomunicações, ao
mesmo tempo em que alargam os horizontes da vida humana, podem produzir e tem
produzindo um abismo entre os que têm e os que não têm acesso a estas ferramentas,
produzindo um novo e perigoso tipo de abismo social que é a exclusão digital.
Como segmento da educação, a EJA, com toda a sua especificidade, tem que chamar
para si a responsabilidade de avaliar não só a exclusão existente, mas, também, combater
sua reprodução, estimulando reflexões que valorizem o combate às diferenças sociais,
muitas vezes disfarçadas sob o véu da diversidade regional e multicultural. Seu caráter
singular é reforçado pela necessidade de universalizar as conquistas sociais, colocando-se
na contramão da construção de toda e qualquer forma de apartheid, seja ele social, étnico,
etc. E neste sentido, a EJA incorpora esta demanda, pois ela envolve não os educandos que
serão amanhã, mas aqueles que deveriam ter sido ontem e que devem ser hoje. É aqui que
ela se autonomiza, pois seu método e sua dinâmica própria lhe conferem a condição de
130
adquirir nos próximos anos uma dimensão capaz, inclusive, de propor respostas para os
atuais problemas enfrentados pela educação como um todo.
Nos assentamentos organizados pelo o MST, a inquietação com a educação tem
exigido muita atenção, porque a preocupação maior está no fato de que ela deve ir além da
alfabetização das crianças, jovens a adultos, pois para o MST, alfabetizar é uma tarefa
fundamental e obrigatória. O desejado, porém, é a educação do ser humano, incorporando
junto com O aprendizado alfabético a noção de todas as coisas que o rodeiam, provocando-
o para que crie e invente formas de transformar esta realidade, para que ela sirva melhor ao
desenvolvimento da vida humana. O desejado é desenvolver a educação com a
participação democrática dos alunos e dos assentados. A formação dos educandos deve
estar comprometida também com o desenvolvimento de um trabalho pedagógico que vise à
formação plena. A proposta pedagógica do MST não entende apenas como escola a sala de
aula, mas toda a realidade existente dentro e fora do assentamento, algo que já deveria ter
sido conquistado para que, segundo o Movimento, não houvesse mais a cerca da
propriedade limitando o desenvolvimento integral do ser humano e do espaço geográfico.
Assim, todos os conceitos até aqui refletidos servirão de suporte teórico para uma
ampla análise feita nos capítulos seguintes, tendo como objetivo unir as dimensões
conceituais do partido político que organiza e dirige a vontade coletiva de uma atuante
parcela do conjunto do campesinato brasileiro, herdeiro de uma longa tradição de lutas
sociais, políticas e econômicas. Neste sentido, será dado um enfoque aos avanços
organizativos alcançados com a fundamental contribuição de um setor educacional
orgânico e consistente na história do MST.
131
4. EDUCADORES E EDUCANDOS DO MST: INTELECTUAIS ORGÂNICOS DA
CONQUISTA DA ESCOLA NA LUTA PELA TERRA
O sentido fundamental da existência da escola na vida do MST é algo que está
relacionado à própria trajetória histórica do Movimento desde a sua fundação, marcada por
pelo menos dois aspectos importantes. O primeiro é a incorporação permanente e crescente
de novos sujeitos no meio rural brasileiro, vindo a constituir o complexo sujeito social
sem-terra253, um sujeito rural marcado por um habitus camponês254. E o segundo refere-se
aos traços que passam a constituir o jeito de ser deste sujeito. Crianças, jovens e adultos
que surgem no cenário da luta pela terra e pela reforma agrária no Brasil passam a fazer
parte do MST. Com os seus elementos identitários específicos, trazem para o cotidiano do
Movimento social uma heterogeneidade de questões relacionadas a gênero, faixas etárias,
valores culturais, hábitos, costumes e até formações profissionais que são incorporados
pelo Movimento social e suas formas de mobilização. Trazem, sobretudo, aspirações,
visões de mundo e leituras políticas da realidade. Com o tempo, se tornaram os sem-terra
do MST, um grupo social que faz parte de acampamentos e assentamentos, incluindo
educadores vinculados ao Movimento, o que aqui destacamos como uma realidade
inusitada.
Muito destes sem-terra se tornam estudantes porque o MST passa exigir tal tarefa
de sua militância. Esta relação com o estudo em muitos casos não é a motivação inicial
para que esses sujeitos se interessem pela educação, pois ao virem para o Movimento,
particularmente os jovens e os adultos, já tinham passado por alguma experiência
educativa. Mas, o sentido dado a ela é novo, pois agora o saber é intencionalmente
253 Cf. CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem-terra: escola é mais do que escola. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 15-18.254 Cf. QUEM SOMOS. Disponível em <http://www.mst.org.br/mst>. Acesso em 07 jun. 2006.
132
trabalhado na formação de novas gerações, seja nas escolas, seja em tantos outros espaços
onde a educação pode se desenvolver.
Os educadores ou educadoras também vieram para o MST, muitos através de
laços familiares e afetivos com trabalhadores rurais sem-terra, que criaram o Movimento
ou a ele se filiaram, trazendo, com o passar do tempo, suas preocupações de ofício para
dentro da luta política do Movimento. Foram pessoas importantes para que o Movimento
mudasse o seu olhar em relação às questões educacionais, especialmente para a luta pela
escola, passando posteriormente a lutar para que a educação ampliasse seu espaço na
agenda de discussões do Movimento, deixando de ser o último ponto da pauta. Neste
aspecto, muitas fontes históricas indicam que durante muito tempo esta foi uma
reclamação comum do setor de educação, em relação ao lugar que as suas questões
ocupavam na agenda dos estados, relegada a último plano, geralmente com pouco ou quase
nenhum tempo para discussão. O que, talvez, não fosse percebido era que isso era
conseqüência de uma tradição cultural e política da maioria daqueles atores sociais, em que
poucas vezes tinham sido convocados na vida a discutir problemas escolares. Boa parte
havia sido excluída do sistema educacional, perdendo a escolaridade básica. Sua
experiência em tomada de decisões, quando muito, era restrita à terra que possuíam, em
muitos casos jamais tendo entrado na escola onde os próprios filhos estudam255. Desta
forma, no começo de sua história, a escola no MST era vista como uma tarefa
predominantemente feminina, com clara conotação pejorativa para o adjetivo feminino, tal
como tradicionalmente era vista esta tarefa em outros lugares da sociedade. Por isso
mesmo, lamentavelmente não era dada a ela importância necessária para se tornar uma
questão digna de ocupar as lideranças dos sem–terra.
255 Cf. CALDART, Roseli Salete. Op. cit., 2000, p. 186.
133
Quando chegou o tempo na história do MST em que a educação passou a assumir
um status de questão social, que diz respeito ao conjunto da organização do Movimento,
abriu-se então um espaço diferente para a participação de educadores nas frentes de ação
do Movimento. As principais razões para que isto acontecesse advêm do fato de que as
famílias dos sem–terra se mobilizaram pelo direito à escola de qualidade para atender aos
seus filhos. A criação do setor educacional se formalizou pela mobilização destas famílias
e de educadores próximos que pressionaram as lideranças a organizar e articular por dentro
de sua organicidade do MST uma proposta pedagógica específica para as escolas formadas
ou construídas para servir aos assentamentos e acampamentos, algo que passou a fazer
parte do cotidiano das preocupações das comunidades assentadas. Tornou-se, então, uma
questão política, ou seja, algo que passou a fazer parte da estratégia de luta pela reforma
agrária, vinculado ao fortalecimento da formação de seus sujeitos coletivos. Era possível
perceber, nestes sujeitos, alguns traços produzidos ou mesmo influenciados pela sua
vivência em uma cultura escolarizada.
Mas, este processo não aconteceu sem tensões e conflitos de valores. Por um lado,
porque as lógicas do Movimento e da escola, a princípio, não são as mesmas, pois a
instituição escola é universalizada, com atores e sujeitos próprios, não necessariamente
vinculados aos projetos e à cultura organizativa de um determinado Movimento social. Por
outro lado, porque a visão do Movimento de que a questão educacional era estratégica não
podia ser generalizada para o seu conjunto, por outro, porque para as próprias famílias que
reivindicavam a escola, as pretensões da educação eram mais universais do que
organizativas.
Analisando a história da educação nos acampamentos e assentamentos, vê-se que
a relação entre os sem-terra e a escola é, ao mesmo tempo, geradora e produto do trabalho
do Movimento, realizado dentro do escopo da questão agrária no país, em particular na
134
região Sul onde surgiu o MST. Foi exatamente a existência desta relação já presente no
processo de formação do Movimento que acabou levando a sua organização coletiva a
abraçar a causa. Porém, se por um lado a educação se torna um fator utilizado pelo MST
como atrativo na sua estratégia de mobilização, por outro, à medida que se compromete em
garantir a escolarização de seus membros, ele acaba produzindo um outro tipo de relação
entre ambos. Talvez não fosse imaginado, na gênese do MST, o fato de a escolarização e
luta pela terra passarem a caminhar lado a lado, fundindo-se coisas diversas como a
história da relação de alguns sujeitos com a escola do MST e a própria a história do MST.
No surgimento do trabalho do MST com a educação escolar, há alguns fatores que podem
ser identificados como fatores responsáveis pelo seu advento. O primeiro diz respeito ao
contexto sócio-histórico do surgimento do MST, tendo como componente específico da
situação educacional brasileira, particularmente no meio rural.
Assim, como não é possível compreender o surgimento do MST fora da realidade
agrária do Brasil, também é preciso levar em consideração que a realidade educacional do
país para entender porque um Movimento social de luta pela terra acaba tendo que se
preocupar com a escolarização de seus integrantes.
O mesmo processo histórico que gerou os sem-terra também os excluiu de outros
direitos sociais, entre eles o de ter acesso à escola. A grande maioria dos sem-terra tinha e
ainda tem um baixo nível de escolaridade e uma experiência pessoal de escola que não
deseja para seus filhos256, tais como discriminação, falta de professores, ou mesmo a
presença de professores despreparados, reprovação e outras formas de exclusão que
resultam na evasão escolar257. O censo mais recente da reforma agrária feito pelo INCRA
em 2002 apontou um índice de apenas 22,5% de jovens e adultos analfabetos nos
256 O que, diga-se de passagem, não é exclusividade dos pobres do campo.257 Sobre os aspectos ligados aos elementos da educação como organização e estrutura do ensino, currículo, conteúdo, avaliação, etc. estaremos falando no próximo capítulo.
135
assentamentos, o que, porém, pode chegar a mais de 80% em algumas regiões, agravando-
se com uma escolaridade média não superior a quatro anos, sendo encontrado um índice
inferior a 5% de assentados com grau de escolaridade correspondente ao nível médio258.
Ou seja, de modo geral, a realidade dos sem-terra reproduz, quando não aprofunda, o
quadro de desigualdade social e baixos indicadores da educação no meio rural brasileiro,
isto se levando em conta mais de duas décadas de iniciativas como a do MST, que não são
as únicas, para promover a escolarização de sua base social, o que acabou, inclusive, a
criação de um conjunto multidisciplinar de discussões relacionadas à educação básica no
campo. Fica claro que o quadro encontrado pelo Movimento no início de sua trajetória
histórica resulta também da falta de políticas públicas no país verdadeiramente
direcionadas para uma educação pública de qualidade, quer no campo, quer na cidade. Por
isso, pode-se concluir que, se a educação no país fosse realmente uma prioridade,
principalmente no universo rural brasileiro, promovendo esses sujeitos sociais a sujeitos da
educação, provavelmente os Movimentos sociais não teriam que fazê-lo para garantir tal
direito aos seus militantes. Tampouco se envolveriam no terreno da pedagogia escolar, ou
pelo menos levariam mais tempo para perceber que de qualquer forma, em qualquer
conjuntura econômica e social, esta é uma tarefa que lhe diz respeito259.
O segundo fator é a preocupação das famílias sem-terra com a escolarização de
seus filhos, pois na base social que constituiu o Movimento havia muitas famílias que
tinham como legado uma cultura que valorizava a escola. Isto ocorre geralmente até por
uma visão mais idealista e menos concreta da realidade, manifestada por uma crença de
que a escola é o passaporte para um futuro necessariamente melhor, menos sofrido. A dura
experiência de quem foi excluído da escola reproduz um temor de que o mesmo aconteça
258 Cf. Censo da Reforma Agrária 2002. Disponível em < http://www.nadd.prp.usp.br/cis>. Acesso 27. Abr. 2007.259 Cf. CALDART, Roseli Salete. Por Uma Educação do Campo: traços de uma identidade em construção. In: Por Uma Educação do Campo: Identidade e Políticas Públicas. v. 4. Brasília, 2002, p. 25-36.
136
com os seus entes queridos. Entendem que se estudarem terão mais escolhas, horizontes
mais amplos, seja no meio rural, seja no meio urbano. Era comum aos assentados e
acampados, muitas vezes, terem de separar-se dos filhos ou de parte da família enquanto se
dedicam ao trabalho, pela carência de escolas determinadas localidades que levava os
jovens e adolescentes a terem que estudar na cidade. Esta necessidade se ampliou quando o
próprio MST passou a orientar e exigir das famílias iniciativas direcionadas à educação,
criando perspectivas para tal, quando a educação deixa de ser uma questão privada, de
cunho familiar, para ser uma questão ligada ao coletivo do Movimento. Esta mudança deu
impulso àqueles que no Movimento defendiam a escola e a educação como elementos a
serem incorporado ao programa da reforma agrária260.
O terceiro elemento diz respeito à preocupação e à iniciativa de mães, professoras
e em alguns casos de religiosas que viviam em acampamentos, em levar adiante esse
anseio de algumas famílias de sem-terra, fazendo interessantes e fecundos experimentos,
como a organização de tarefas educacionais, sobretudo com crianças acampadas,
realizando pequenas atividades pedagógicas. Estavam voltadas para uma adaptação das
mesmas às dificuldades e riscos que enfrentavam em face, muitas vezes, à violência e às
privações que cercavam suas vidas. Em alguns casos, pequenas brincadeiras que foram
aprimoradas acabaram tornando-se atividades culturais, onde animadores261 acabavam
construindo com seus educandos uma leitura de sua própria realidade social, algo que ia
cada vez mais sendo elaborado e reelaborado no fazer-se thompsoniano da luta pela terra.
O processo de alfabetização destas crianças surgia então de forma lúdica, muito
embora tão carente dos mais elementares recursos necessários ao processo educativo como
o lápis, o papel, o quadro e o giz. Nascia de uma forma de alfabetizar que respondia
260 Cf. CALAZANS, Maria Julieta Costa. Para compreender a educação do Estado no meio rural – traços de uma trajetória. In: THERRIEN, Jacques e DAMASCENO, Maria Nobre (coords). Educação e Escola no Campo. Campinas: Papirus, 1993, p. 15-40.261 Produtores culturais
137
dialeticamente às necessidades criadas em meio a condições específicas. Em outras
situações, professoras eram recrutadas dentro da localidade para virem ao assentamento, e
por ali acabavam ficando, comprometidas não só com o atendimento, mas também com a
própria causa do Movimento, por enxergarem de perto a precariedade e o abandono em
que se encontravam aquelas populações. Formavam equipes que mais tarde vieram a
integrar, pela troca de experiências, um conjunto de atividades que viriam fazer parte da
proposta pedagógica do MST.
No caso das professoras que já tinham experiência anterior com a educação, a
leitura crítica acerca da educação tradicional que traziam, não só da própria prática que
tinham, mas também da sua formação acadêmica que haviam recebido, possibilitou ensaios
com novas iniciativas. Propunham novos métodos, novas idéias e uma educação que tinha
pura e simplesmente o objetivo de ser diferente. Esta diferença assumiu diversos matizes,
de acordo com os anseios gerais do Movimento, dos pais, estando sujeita a uma
multiplicidade de fatores e propósitos. Aliás, este em si já é um diferencial, ou seja, a
própria definição dos objetivos da educação entre educadores e educandos, priorizando
aspectos como as características da realidade local no meio rural, e a diferenciação entre
aquele estilo de vida e o da vida urbana. Segundo muitas famílias acampadas ou
assentadas, era aí que crianças e adolescentes deveriam ser estimulados a descobrir de
maneira crítica os desafios que deveriam enfrentar mais tarde quando pudessem fazer a sua
própria escolha. Criava-se organicamente a noção de que a escola devia preparar os
educandos para enxergar a realidade. Para as famílias, ela deveria ter esta capacidade,
preparando os educandos para a vida, algo que representava ir mais além do que o simples
aprender a ler, escrever e fazer contas, ensinando coisas que tivessem ver com a vida262.
262 Cf. KOLLING, Edgar Jorge, CERIOLI, Paulo Ricardo e CALDART, Roseli Salete (orgs.). Por Uma Educação do Campo: Identidade e Políticas Públicas. v. 4. Brasília, 2002.
138
Assim, surgiram as professoras dos primeiros acampamentos e assentamentos do
MST, sejam aquelas que já tinham uma experiência anterior profissional na educação,
antes de fazer parte do Movimento, sejam as que pelo simples fato de estarem casadas com
sem-terra e pelo grau de escolaridade acima da média no local, se apresentavam para o
trabalho e assim se engajavam na educação.
O quarto elemento está relacionado às próprias características do MST, que
acabaram por produzir uma convergência entre as necessidades das famílias e as tarefas da
organização do Movimento. Entre estas características, podemos citar a mobilização
popular de massas do campo, trazendo famílias inteiras para o Movimento, o que acabou
trazendo crianças, jovens e educadores para os acampamentos. Cabe frisar que, aqui,
acampamento e assentamento se diferenciam na história da educação dentro do MST.
Inclusive, este foi um aspecto que deu um caráter peculiar à luta do Movimento pela
educação, devido à própria dinâmica das ocupações, os conflitos, as instabilidades e
incertezas que faziam parte daquele cotidiano, onde ainda não se tinha certeza em relação
ao resultado das ações políticas. Pelo contrário, a luta pela terra tinha na luta pela educação
um estímulo. Portanto, a forma organizativa criou uma demanda por um determinado perfil
de escola e de educação.
O quinto e último só veio a ser percebido mais tarde, mas certamente teve
bastante influência, que era o perfil das pessoas que ajudaram a organizar o Movimento, e
se tornariam posteriormente as principais lideranças à frente do mesmo. Para a maioria
destes sujeitos históricos e geográficos, o estudo sempre foi visto como um bem precioso a
ser agregado ao conjunto do Movimento, uma tarefa digna de ser destacada como um dos
princípios organizativos do MST. Este aspecto influenciou o Movimento tanto no sentido
da inclusão da luta pela escola como tarefa do Movimento, quanto no de romper com um
conceito mais tradicional de escola, buscando aproximá-la das discussões mais amplas do
139
Movimento sobre a formação humana, e especificamente sobre a formação dos membros
de uma organização de massas com princípios e objetivos como o MST.
Desta forma, nesta história da educação escolar no MST não só os aspectos da
organização do trabalho educativo no Movimento, mas também o processo de re-
conceituação e ressignificação da escola, marcaram as diferentes fases da vida do
Movimento. A primeira fase foi marcada pela decisão dos sem-terra de reagir às
condições sociais a que estavam submetidos, entrando na luta pela terra, construindo eles
próprios o modo pelo qual levariam adiante o objetivo, tendo a ocupação da terra como sua
estratégia principal. O trabalho com a educação escolar surgiu justamente no desenrolar
deste processo, portanto, acabou constituindo-se também numa iniciativa de ocupação da
escola, pois a ênfase do Movimento e da escola que então surgiam era a formação de
sujeitos sociais detentores de direitos, que viam na coletividade a força para conquistá-
los263. Dentre estes direitos destaca-se o próprio direito à escola, à escolarização e à
escolaridade, visto que havia já neste momento uma noção de que a luta pela terra
demandava a luta também pelas condições de manter posteriormente a sua conquista, ou
seja, a luta pela terra era parte de luta muito mais ampla264.
Nesta trajetória específica do trabalho com a educação escolar, a referência
cronológica estabelecida situa as primeiras preocupações educacionais realizadas nas
ocupações e nos acampamentos no início da década de 1980, no centro-sul do país.
Demarca-se, aqui, a passagem para o momento seguinte um fato histórico que consolidava
este processo de busca de uma escola e de educação voltada para as necessidades dos sem-
terra e do MST, então em pleno desenvolvimento, importante, sobretudo pelos seus
263 Cf. CRUZ, Nelson Ney Dantas & SANTOS, Rosselvelt José. OS SUJEITOS DA REFORMA AGRÁRIA E SUA CONCEITUAÇÃO In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.264 DAS ROS, César Augusto. O MST, os assentamentos e a construção de novas dinâmicas sociais no campo. CPDA Ruralidades, Rio de Janeiro, nº. 4, Outubro de 2002, pp. 1-50.
140
desdobramentos: o Primeiro Encontro Nacional de Professores de Assentamento, realizado
em Julho de 1987, no Espírito Santo, organizado pelo MST para começar a discutir a
articulação de um projeto nacional para este trabalho que já estava em curso, de forma
descentralizada em vários estados. Para compreender melhor a importância deste evento é
necessário apontar suas contribuições para as etapas seguintes da luta pela escola na luta
pela terra. A primeira delas é a própria decisão do MST de abraçar definitiva e
concretamente a luta pela educação. Atendendo a uma pressão cada vez mais forte vinda
de alguns acampamentos, o Movimento acabou resolvendo o problema da escola antes
mesmo de resolver o problema do acesso à terra. E isto se deu basicamente por duas
razões: a primeira porque esta circunstância acaba por firmar no desenvolvimento e a
consolidação do Movimento, fazendo parte de sua parte da identidade coletiva dos sujeitos
por ele organizados. A segunda razão está no fato de que tanto as lideranças quanto as
famílias sem-terra já no surgimento do Movimento tinham clara a idéia de que a luta do
MST não se resumia à luta pela terra.
Um segundo desdobramento diz respeito ao jeito de fazer a luta pela educação, que
parte da dimensão local e concreta para alcançar a dimensão política de gerar atos ou
solicitar audiências com os governos municipais e até estaduais, solicitando providências e
estabelecendo negociações políticas, que ampliam os horizontes da luta pela terra.
As famílias dos sem-terra começaram reivindicando escolas quer para os
acampamentos, quer para os assentamentos, muitas vezes se colocando como agentes deste
processo, começando o trabalho, fazendo os registros formais que eram obrigatórios para
constituir unidades escolares, para, posteriormente, forçar os órgãos públicos a tomar
providências com vistas a sua legalização. Tratava-se, literalmente, de ocupar a escola. E
no caso de demora na legalização, o MST tomava para si a tarefa de organizar marchas até
as secretarias de educação e se, necessário, também ocupá-las. A esta altura, podemos
141
perceber como a cultura política da luta pela terra se colocava a serviço, com sua
experiência e seu modo de fazer, da luta pela educação. Estas mobilizações de massas
reuniam as pessoas ligadas às escolas em questão, envolvendo toda a comunidade local, a
saber, as crianças, os pais, professoras, gerando fatos políticos e se mostrando como
sujeitos que pleiteiam cidadania porque sabem o que ela realmente significa. Ou seja, já
têm uma noção própria do que é ser cidadão, que não vem de fora de sua realidade, mas
nasce pelos problemas na sua própria trajetória histórica e os objetivos estabelecidos para
si. Esta prática se amplia não só para cada novo acampamento, mas também para cada
novo assentamento, em direção às diferentes fronteiras abertas pelo Movimento em todo o
país. Já com o aprendizado coletivo consolidado, esta estratégia surpreendentemente
acabou sendo usada a partir do final dos anos 1990 em outras frentes de luta voltadas para
outras demandas como a saúde, o lazer, habitação, o acesso à informação, à tecnologia,
etc265.
O terceiro desdobramento é o da constituição dos coletivos de educação. Desde o
início deste processo, o modo de organizar o trabalho de mobilização e de reflexão sobre a
escola junto às comunidades acampadas ou assentadas se deu através das chamadas
equipes de educação, geralmente composta por pessoas que tinham sensibilidade para com
a questão. Mais tarde, envolveu também os educandos, na sua maior parte, crianças,
adolescentes e jovens. Afinal, na origem há aqui um problema flagrante que se colocava
para o Movimento social, pois estes jovens estão também acampados ou assentados, e
sendo assim, saber o que fazer por eles era uma demanda que inquietava não só as famílias
como também a comunidade como um todo.
265 Cf. RAMIRO, Patrícia Alves. DO DIREITO À TERRA À TERRA DOS DIREITOS In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.
142
Não demorou muito inclusive para que surgissem equipes de articulação entre
acampamentos e assentamentos entre si, que mais tarde ajudaram a estruturar outras
esferas na organização coletiva, ampliando-se em direção às municipalidades e chegando
ao nível estadual. O coletivo de educação, em franco processo de estruturação e expansão,
alargava as fronteiras do Movimento, o que o levaria a um contanto inclusive com as
instituições tradicionais e formais de ensino em todos os níveis. Começa aí um diálogo
entre a escola e a educação do MST e as universidades, proporcionando no início, ainda
que de forma tímida, uma troca de experiências, que mais tarde se revelará para estas
últimas também um infindável campo de pesquisas voltadas para as mais diversas áreas e
segmentos da educação e da atividade acadêmica. Neste intercâmbio também houve uma
contrapartida, sobretudo das universidades e instituições de pesquisa no apoio ao
Movimento, que num segundo momento levou muitos profissionais ligados à pesquisa
científica a se tornarem defensores das causas do MST.
De modo geral, estes coletivos surgiram para dar conta de duas demandas: a de
garantir com mais eficiência a mobilização pelo direito à escola, já que ter um coletivo
ajuda a conquistar outras escolas; e a de trocar experiência sobre como desenvolver aquela
escola diferenciada a que nos referimos no início do capítulo, algo desejado, porém, ainda
não totalmente claro acerca do como fazer. À medida que o trabalho foi sendo ampliado, o
jeito de reunir os focos de reflexão pode ter mudado, mas a idéia de que a questão da
educação é algo a ser pensado e implementado através de coletivos tornou-se prática
comum e posteriormente princípio organizativo que permanece até os dias atuais.
A quarta e última contribuição é a abertura da discussão sobre que tipo de escola
interessa aos sem-terra. Esta discussão se iniciou com a preocupação do Movimento em
fazer uma escola diferente, voltada principalmente para as escolas de 1ª a 4ª séries em
assentamentos já conquistados e em acampamentos.
143
A reflexão acerca desse fazer uma escola girava em torno de duas preocupações
básicas: a primeira era a de considerar que as crianças sem terra tinham uma experiência
da vida diferenciada de outras crianças e isto deveria ser levado em conta quanto ao modo
de trabalhar com elas, e a segunda era de que a luta do Movimento pudesse de alguma
forma entrar nessa escola diferente de modo a ser lembrada e valorizada pelas novas
gerações. As razões para tais preocupações se encontravam em experiências distintas
relacionadas à educação vividas pelo Movimento. Uma delas diz respeito à iniciativa das
primeiras professoras que começaram a fazer experimentos na prática de ensino, buscando
interlocuções entre si e com outros profissionais da educação para tentar, de maneira mais
independente, realizar um jeito diferente de educar as crianças sem-terra.
Porém, não menos importante do que esta iniciativa foi a reação das famílias sem-
terra em relação às professoras designadas pelas secretarias estaduais e/ou municipais para
trabalhar em escolas de assentamentos, ou mesmo, aquelas que atendiam escolas próximas
aos acampamentos, que demonstravam ter ido parar ali por imposição e não por vontade
própria, revelando em alguns casos um visão bastante preconceituosa a até agressiva em
relação aos sem-terra, tal como demonstra Roseli Caldart no seguinte relato:
“(..) depoimento de Margerete Santin, uma das professoras que iniciou esta discussão nos
assentamentos de Santa Catarina: Em alguns dos casos de professores que iam de fora
questionavam e colocavam assim: ´olha se o seu pai for para ocupação, isso é crime; se o cara lá
tem terra é porque trabalhou para isso, ele é dono`, então criava um conflito assim muito forte na
cabeça das crianças; então começou toda essa discussão... que educação que nós queremos?
Vamos continuar reproduzindo que ocupar terra é crime..., vamos continuar dizendo para nossos
filhos que somos ladrões?”266
266 Cf. CALDART, Roseli Salete. Op. cit., 2000, p. 157.
144
Tal situação serve para demonstra as contradições que envolviam a prática
organizativa da escola e a do Movimento, permitindo ver como a tarefa de luta por
educação diferenciada era ao mesmo tempo necessária para o futuro das famílias sem-
terra, mas, sobretudo, crucial para a consolidação da própria luta pela terra. A questão
então era não só lutar pela existência da escola, mas, indo mais além, era preciso discutir
também que escola, e qual o seu papel, já que escola que tinham muitas vezes criticava e
combatia os próprios sem-terra. Uma conseqüência direta desta discussão é a questão
sobre quem deveria trabalhar nas escolas que serviam aos assentamentos, já que na prática
havia percebido que eram poucos os professores de fora dispostos a trabalhar em uma
rotina de conflitos como aquela.
Este desafio também incluía os acampamentos, na medida em que vislumbravam
a perspectiva de serem assentados, e a realidade educacional fazia parte de forma
significativa da estrutura com a que desejavam contar. Para o MST, tornava-se uma
questão fundamental, pois envolvia a manutenção da vinculação organizativa do
assentamento enquanto espaço permanente de atuação do Movimento.
Por outro lado, resolver o impasse criado não era tarefa simples de ser resolvida
porque as professoras de dentro também não tinham muitas vezes uma titulação adequada,
aceitando a tarefa muito mais pela pressão das famílias do que pelo seu próprio preparo. E
para tornar mais complexa a questão, a própria comunidade muitas vezes oscilava diante
de tal exigência, pois, no fundo, conviviam também com alguma insegurança em relação
ao fato de que despreparo de tais educadoras pudesse resultar em uma educação e de má
qualidade para os seus filhos.
Surge, então, uma bandeira de luta que se articula pelo interesse tanto das famílias
quanto da própria direção do Movimento que foi abraçar a formação de educadores pelo
próprio Movimento.
145
Foi assim que surgiu o curso de magistério do MST, iniciada, em janeiro de 1990,
no Município de Braga, no Rio Grande do Sul. Inicia-se, então, experiência não só de
caráter formativo no campo educacional como também de negociação do Movimento e das
famílias sem-terra com educadores de fora e de dentro do Movimento. As atividades neste
curso giravam em torno da elaboração de um projeto de educação que atendesse a todas as
partes envolvidas no processo, garantindo espaço plural de discussão, já que, a princípio,
tal curso não era fechado para os professores de fora. E, de fato, vários documentos sobre
educação produzidos pelo Movimento abordam fatos surpreendentes como a abertura de
espaço para tais educadores muitas vezes desenvolverem experiências, por vezes, mais
bem sucedidas e até mais militantes do que as dos professores de dentro.
Resolvidas, em parte, estas contradições, ficam, no entanto, algumas lições: ao
preocupar-se com a formação dos educadores da escola que deseja para sua base social,
acaba definindo sua opção pela formulação de todo um processo educacional para as suas
gerações futuras, pois não tinha sentido tamanho esforço aplicado às etapas iniciais de
educação, para depois entregar sua realização às outras iniciativas, de fora do Movimento.
E como algumas das experiências educacionais valorizadas na formação destes novos
educadores eram originárias ainda dos acampamentos, cabia também a tarefa desta
educação para a qual estavam sendo preparados para atuar em novos acampamentos, e
garantir o enraizamento de seus princípios nas escolas de assentamentos de modo a
enfrentar determinados vícios que traziam de uma representação de uma escola tradicional,
tanto eles próprios quanto às próprias famílias sem-terra.
Esta preocupação envolve uma preocupação da direção do MST, quando envolve
a transformação dos acampamentos em assentamentos, o que em linhas gerais já foi
discutida já foi discutida no capítulo 2, item 2.3. E tratando destes mesmos aspectos, é fato
que em muitas ações desenvolvidas pelo Movimento que resultaram em vitória no sentido
146
da conquista da terra foi coroada com a realização de outras tarefas. Em outras palavras,
nem sempre a territorialização foi seguida de uma espacialização bem sucedida, na questão
educacional, por exemplo, até mesmo porque estes dois processos são dinâmicos, e não
etapas mecanicamente hierarquizadas. São, muitas das vezes, concomitantes, exigindo
ações de continuidade. Um exemplo claro de sua limitação se faz perceber quando, na
questão educacional, por exemplo, a preocupação de que luta entre na escola dá lugar a
uma visão mais tradicional, onde os filhos do sem-terra têm que aprender o que as outras
escolas ensinam, porque senão vão prejudicar-se quando tiverem que estudar fora. O
problema aqui não está na afirmação, que tem sua lógica, mas no pressuposto de que o
estudar fora representa algo superior em termos de qualidade em relação ao que as escolas
do Movimento podem oferecer. Ainda mais porque se sabe que esta busca do estudar fora
sempre esteve muito mais ligada às impossibilidades de atendimento de demandas sociais
do campo brasileiro do que necessariamente a capacidade de encontrar fora as respostas a
tais anseios. E se as famílias sem-terra podiam pensar assim, afinal por que reivindicar e
se unir ao MST na luta por uma escola que seja um conquista deles? É no terreno desta
contradição que a escola do MST deveria dar respostas em qualquer nível educacional à
tarefa de mobilizar e organizar socialmente as massas.
Sem a escola do MST, as formas de mobilização popular do Movimento estariam
comprometidas assim como o seu próprio futuro. O desafio era transformar as relações
sociais no campo, e dentre seus principais elementos se encontrava a própria educação. Isto
exigia que o MST multiplicasse suas frentes de atuação. E estas realidades colaboraram
decisivamente para criação do setor educacional do MST, que segundo Roseli Caldart,
representa a culminância de um processo que começa nas bases do Movimento no Sul do
país, se estrutura no primeiro encontro nacional de educadores e educadoras do MST em
1987 e amadurece com o I Encontra Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma
147
Agrária – I ENERA em 1997. Na verdade, era síntese de todo o esforço dos sem-terra
desde a criação do MST por conciliar duas exigências: a de ampliar a capacidade
organizativa do Movimento, lutando por outras conquistas sociais além do acesso à terra
para os assentamentos e acampamentos, e a de aprimorar a formação destes novos atores
sociais inclusive das gerações futuras do Movimento.
Do ponto de vista da formação dos sem-terra, o fato de o MST unir a luta pela
terra à conquista da escola projeta um elemento muito importante da sua trajetória
histórica, pois, a partir de então, as crianças e jovens sem-terra também passam a ser
incluídas na categoria sem-terra. Daí, também se pode observar o início de uma
convergência entre as tarefas da educação e da formação da militância no Movimento. A
formação dos sujeitos sem-terra também poderia ser feita na escola, e a escola também
poderia ser lugar de formação para a continuidade do MST. Colocava-se em curso um
processo de (re)significação da escola e do próprio Movimento267.
A ênfase do setor educacional passava a ser articular-se as bases sociais e os
diversos setores do MST para a produção de uma proposta pedagógica ou proposta de
educação do Movimento, configurando a questão educacional como um simples direito
social, mas, sobretudo, como um objeto de conquista que passa a ser parte integrante da
identidade da luta dos sem-terra.
Essa tomada de decisão se desdobra em importantes iniciativas, tais como, a
construção da organicidade da educação a partir de um processo em que a luta pela escola
e a discussão quanto a sua forma de ser e de atuar são tomadas como responsabilidade
também da estrutura organizativa do MST. Torna-se, portanto, parte da própria
constituição do Movimento, enquanto tarefa de uma organização social de massas. Foi isto
267 Cf. CALDART, Roseli Salete. Op. cit., 2000, p. 160.
148
que levou a direção nacional a delegar ao setor educacional a tarefa de estabelecer uma
estruturação com elos desde as instâncias locais até as nacionais.
A principal função do setor educacional passa a ser, então, incentivar e articular as
lutas e as experiências educacionais já em curso, além de incentivar e desencadear a
organização do trabalho onde ele ainda não havia surgido espontaneamente, ou mesmo nos
novos acampamentos e assentamentos, que viessem a surgir a partir daquele momento.
Os encontros nacionais de professores de assentamentos acabaram se tornando
reuniões do coletivo nacional de educação do MST, órgão mais importante do setor
educacional. Desta forma, o trabalho educacional deixa de ser responsabilidade isolada das
famílias e dos professores e professoras do ponto de vista local, mas, sim, uma tarefa que
exerciam como partícipes da própria consolidação organizativa do Movimento nacional.
Na prática, esta iniciativa traduz-se pelo Movimento que as preocupações e os problemas
que surgem no nível local percorrem, atravessando os seus limites para chegar ao nível
nacional, envolvendo a pauta de discussão da direção nacional, e podendo também
percorrer o caminho de volta.
Isto quer dizer que as experiências passavam a ser elementos cujos desafios e
respostas faziam parte da construção de um conjunto da vida do próprio Movimento, da
dinâmica da territorialização e da espacialização na luta pela terra.
Uma segunda conseqüência foi a elaboração teórica e coletiva da proposta
pedagógica para as sua escolas, processo que tinha como objetivo fundamental produzir
discussões e materializá-las sob a forma de textos escritos, reunindo sínteses dos objetivos
e princípios da educação no MST. Na sua produção, foram privilegiadas três fontes
principais de consulta. A primeira foi a reunião de relatos de experiências e perguntas
apresentadas pelos atores mais diretamente ligados ao trabalho cotidiano com a educação
nos acampamentos e assentamentos, através de um processo de sistematização previamente
149
iniciado nos níveis local e estadual com mais tempo, para, no momento posterior entrar na
pauta dos debates a nível nacional. A segunda fonte foi a própria trajetória acumulada pelo
Movimento, tendo construído objetivos, princípios e aprendizados coletivos, pode
alimentar os debates feitos por outros setores do Movimento acerca das potencialidades da
escola e da educação para crescimento do Movimento, a ampliação de suas bases sociais
através da mobilização de massas nas áreas onde a luta pela terra avançava, além da noção
de que a luta pela escola deveria ser intensificada para educar as pessoas a darem valor do
MST, da importância da direção coletiva, do valor educativo do trabalho e do cultivo da
mística. Para isto, o setor educacional procurou ler e trazer reflexões de documentos
elaborados por outros setores do Movimento e relacionar o seu conteúdo com as discussões
que atravessam as escolas e os elementos da educação por elas trabalhados. A terceira
fonte está diretamente ligada às características da teoria pedagógica trazida na bagagem de
algumas professoras e pedagogas que também começavam atuar na sistematização da
proposta pedagógica. Destacam-se o pensamento de Paulo Freire, e os de alguns
pensadores latino-americanos como o cubano José Martí, mesclado com o pensamento
socialista. Estas duas últimas contribuições vinham do reconhecimento da influência que
tais leituras exerciam sobre outros setores do Movimento, que já as estudavam há mais
tempo.
Neste sentido, o desafio de elaborar uma proposta pedagógica era juntar estas
fontes, garantindo espaço para as mais diferentes influências que, a partir delas, pudessem
atuar sobre o processo. Um elemento que garantiu espaço para estas diferentes visões foi a
fixação do eixo da proposta na prática dos sujeitos sem-terra, desdobrada em questões do
cotidiano pedagógico, da escola e da vida do Movimento como um todo.
Em torno deste eixo, estabeleceram-se necessidades, sendo uma delas a de se
procurar ter mais clareza sobre o próprio sentido da escola nesta nova realidade, tais como
150
definir a diferenciação em relação às outras escolas e o que se queria alcançar com ela,
além de obter algumas orientações gerais sobre o que ensinar e como valorizar a
experiência de vida das crianças sem-terra e de suas famílias.
A partir de então, começavam nascer abordagens mais específicas sobre a
implementação dos princípios mais gerais, através do planejamento de forma coletiva,
incluindo, neste caso, os próprios familiares, como organizar o trabalho e as brincadeiras
das crianças, como alfabetizar usando elementos da própria realidade vivida com estímulo.
Posteriormente, a reflexão passa a vislumbrar novas frentes de atuação do setor
educacional, enfrentando outros desafios como a educação de jovens e adultos, a educação
pré-escolar ou infantil.
Ao mesmo tempo, o jeito de o Movimento situar cada objeto de reflexão
pedagógica vai envolvendo cada vez mais as discussões sobre escola, com as ênfases do
próprio processo de formação dos sem-terra. A origem de tudo, que era a escola diferente,
tornava-se agora uma expressão que já não mais era adequada para definir aquilo que
deveria ser o vínculo orgânico entre a escola e o Movimento. O termo ou expressão que
melhor definia este esforço de elaboração teórica era a escola de assentamento, o que
indica também a necessidade de criar argumentos políticos e pedagógicos para justificar
perante a sociedade a luta específica por escolas nas próprias áreas que eram objeto de
reforma agrária. Alguns fatores como, por exemplo, a distância entre as escolas municipais
e os assentamentos, poderiam criar obstáculo às estratégias da realização de uma proposta
pedagógica orgânica. Aqui, também, se revela uma preocupação em não criar rupturas
entre o ambiente escolar e o assentamento, no que diz respeito à territorialização. O
importante era evitar lidar com a dicotomia entre centro e periferia, o que poderia se
transformar em uma armadilha, pois a vida das pessoas e o cotidiano do assentamento
eram referenciais fundamentais para a construção de leitura de mundo daqueles educandos.
151
Era daquelas relações sociais que brotavam as formas de pensar, as escolhas de caminhos
para construção de conhecimentos e produção de novos saberes.
Em outras palavras, a escola de assentamento deveria ter em conta a cultura que
traziam aqueles sujeitos sociais sem-terra, transformando aquele espaço geográfico em
centro das atenções e das discussões políticas para compreender em que condições
históricas ele se torna periferia. Além disso, era possível partir deste referencial teórico-
prático para pensar na luta pela terra como uma ação que pode alargar as fronteiras da
sociedade em diversos aspectos, estendendo os limites do centro em direção à periferia.
Neste sentido, o Movimento entendia que esta escola de assentamento deveria ter uma
identidade fortemente ligada aos seus desafios naquele momento, onde as relações entre a
educação e a organização da produção, se cruzavam na implementação da proposta de
cooperação agrícola, em franca discussão no início dos anos 1990. Sem dúvida, para a
direção nacional esta questão era fundamental porque o desafio era manter mobilizadas as
famílias assentadas. Esta tarefa passava por um trabalho de convencimento que não era
meramente político, mas basicamente educativo, na medida em que aquela forma de
organização produtiva era desconhecida para muitos dos sem-terra, e por isso precisava ser
ensinada, pois desafiava o significado da experiência de reforma agrária que muitos
traziam do passado ou de que tinham ouvido falar.
Deste momento até criação a expressão escola do MST não foi longa a caminhada,
pois no processo de expansão da luta pela terra por todo o país e o desafio de respeitar a
realidade de cada assentamento com suas características locais pareciam cada vez mais
reforçar o papel e a importância do processo educativo nas ações do Movimento. Afinal,
estas experiências educativas também passavam a fazer parte da atividade de formação da
militância, e, por outro, lado a escola e educação passam a representar uma instância de
acumulação, preservação e sistematização das lutas e experiências vividas pelo MST,
152
muito embora esta não fosse, obviamente, a única esfera de influência do Movimento sobre
as famílias sem-terra assentadas. No entanto, a escola do MST pretendia inscrever-se na
discussão sobre a vinculação dos assentamentos com a luta maior do Movimento, sem a
qual as conquistas da reforma agrária estariam em jogo, pois a luta pela terra significava
também a construção de uma vida mais digna para os atores sociais nela envolvidos. Essa
pretensão podia ser notada por certos elementos simbólicos e politizantes valorizados na
proposta pedagógica que incluía a presença da bandeira do MST na escola, o tipo e o
conteúdo das canções que acompanham as brincadeiras e outras atividades lúdicas
desenvolvidas com as crianças, e, sobretudo, a preocupação com o cultivo da identidade
histórica do Movimento e de seus sujeitos.
A escola do MST assumiu, então, um compromisso significativo que é resgatar na
discussão de sua proposta pedagógica, numa perspectiva histórica, a experiência
educacional vivida nos acampamentos. Isso porque, a esta altura, havia sido deslocada do
foco principal, justamente ela que, como vimos anteriormente, deu o impulso inicial à
questão educacional na vida do Movimento. Se, por um lado, a educação nos
acampamentos era marcada pelo caráter precário e provisório provenientes do clima de
insegurança e de conflito, por outro, também havia contribuído para o adensamento da
vivencia pedagógica, pois incorporava as demandas, as expectativas e as incertezas que
faziam parte da dramaticidade do cotidiano daqueles sujeitos268. E esta memória não
poderia ser perdida na formação de identidade sem-terra, pois era visto como fonte de
lições muito fecundas para o trabalho no cotidiano de escolas mais regulares269.
268 CF. WEIDE, Darlan Faccin. Que fazer pedagógico em Acampamentos de Reforma Agrária no Rio Grande do Sul. Santa Maria (RS), 1998. Dissertação (mestrado em educação), Universidade Federal de Santa Maria.269 Por escolas mais regulares se entenda aquelas escolas públicas que hoje se situam em áreas de assentamentos de famílias sem-terra, segundo várias fontes consultadas nesta pesquisa, alvo de grande preocupação e intenso esforço organizativo por parte da direção nacional do Movimento.
153
Então, se as experiências dos acampamentos teriam que estar de alguma forma
presentes na maneira como lidar com educação nos assentamentos, esta prática
acumulativa também acabou não se limitando aos assentamentos, mas também abraçou
realidade da educação no campo como um todo, constituindo-se, por assim dizer, em uma
identidade partilhada pelas escolas do MST com as escolas do campo270. Tal fato projeta
um novo desafio para o Movimento, que é estabelecer novos vínculos e integrar outros
elementos na discussão pedagógica que era interna. O Movimento passa a entender que é
de tal esforço conjunto de elaboração que poderá sobrevir o fortalecimento das gerações
futuras do Movimento social rural brasileiro, no qual o MST é apenas um entre vários
outros protagonistas. Portanto, refletindo sobre uma pedagogia para os sem-terra e
resgatando contribuições oriundas de fases anteriores da sua própria atividade educacional,
o MST descobre, por outro lado, que o que está em jogo é a transformação social do meio
rural brasileiro, o que exige que sua proposta educacional não esteja restrita a pensar uma
educação somente para as suas bases sociais.
Outro aspecto a destacar em todo este processo de elaboração da proposta
pedagógica do MST é o seu vínculo direto também com os programas de formação dos
educadores e educadoras mantidos por ele. O setor educacional, como já foi mencionado
antes, nasceu intimamente ligado às práticas de formação de professores no cotidiano da
própria luta do Movimento. A passagem das atividades informais para aquelas mais
formais, como curso do magistério, se deu pela necessidade de qualificar professores que
eram já comprometidos com a causa do Movimento, e garantir a presença de professores
seus nos assentamentos com a devida titulação para tal exercício.
Mas, neste momento, surge um problema: diante de uma proposta pedagógica
ampliada para o conjunto da sociedade brasileira no campo, quais seriam os novos
270 Cf. CALDART, Roseli Salete. Op. cit., 2000, p. 170.
154
elementos a fazer parte da formação de um educador de assentamento, e como ter respostas
para esta indagação sem antes enfrentar outra questão: para que escola se dirige este
educador? Não havia como formular respostas para estas perguntas antes de se enfrentar o
problema na prática, ou seja, a experiência educacional tinha que estar aberta à diversidade
cultural, e com ela lidando, organizar esforços de síntese, baseados em trocas de
experiências e diálogo, de modo a posteriormente reproduzir sob novas bases aquela
prática corrente dos cursos de formação das turmas de magistério, chamadas de oficinas de
capacitação pedagógica271.
Não tardou a iniciativa de do MST de organizar, neste sentido, um curso superior
de pedagogia272, em parceria com algumas universidades. Até mesmo porque a
colaboração das universidades mostrava-se fundamental, sobretudo, na sistematização de
tantas experiências educativas, envolvendo a reflexão teórica e a produção de
conhecimento no campo da alfabetização e do desempenho do ensino nos níveis
fundamental e médio, cujos problemas como evasão, fracasso escolar, etc. assumem
proporções mais alarmantes no meio rural até hoje. Portanto, a busca de uma posposta
pedagógica leva à ampliação do conceito de escola em pelos menos dois sentidos. O
primeiro é o do aumento das frentes de ação do setor educacional, que passam a lidar com
mais demandas para além daquelas imaginadas na sua gênese. Um delas é a EJA –
Educação de jovens e adultos – cuja origem estava ligada ao grande número de analfabetos
existente nos assentamentos, um problema visível na prática corrente do dia-a-dia do
Movimento, quando mesmo entre os seus próprios membros e os assentados havia
dificuldade em encontrar quem pudesse ao menos redigir as atas das reuniões.
271 Ibid.272 Cf. Pela primeira vez, Sem-terra defende doutorado. Disponível em <http://www.mst.org.br/mst>. Acesso em 05 mai. 2006.
155
Na virada dos anos 1980 para 1990, um esforço do Coletivo Nacional de
Educação do Movimento iniciou uma discussão sobre a organização de uma campanha
nacional de alfabetização que deflagrou uma série de iniciativas neste sentido em vários
estados. Ao contrário das escolas organizadas nos assentamentos que tinham um trabalho
mais autônomo em relação à presença do Movimento, os projetos de EJA sofreram
problemas como a descontinuidade, até mesmo pela dependência que mantinham em
relação à organicidade do Movimento. Havia, ainda neste caso, uma questão cultural, pois
os sem-terra achavam natural lutar pela escola e por uma educação de qualidade para os
seus filhos e não para si próprios, como se já tivessem naturalizado273 as marcas da
exclusão social que carregavam com eles.
E este é mais desafio daquela discussão pedagógica: como fazer com que os
sujeitos da conquista da escola se enxergasse como sendo o próprio objeto da conquista.
Em relação à educação infantil, a experiência também foi marcada por iniciativas
do cotidiano das mães que organizavam locais improvisados em suas casas e rodízios para
cuidar de outras crianças além dos seus próprios filhos, liberando, assim, outras para
trabalhar juntos com o marido em processos alternativos de produção. Mais uma vez a
demanda que surgia na realidade local era rearticulada pelo Movimento para ser
transformada em tarefa das educadoras, despertando, nos cursos de formação, a discussão
acerca das necessidades presentes no atendimento pedagógico a estas crianças, tendo em
vista as especificidades da faixa etária pertencente ao segmento da educação infantil. Era
uma outra situação em que a presença de uma educação do Movimento e em Movimento
produzia excelentes resultados na medida em que trazia da experiência coletiva do MST, e
principalmente, das reflexões teóricas e conhecimentos oriundos de outros setores do
273 Ver nota 226 na página 107 desta tese. Trata-se da violência simbólica definida por Bourdieu. Cf. BOURDIEU, Pierre. Espíritos de Estado – gênese e estrutura do campo burocrático In Razões práticas sobre a teoria da ação. São Paulo, Papirus, 1996, p. 115.
156
Movimento a idéia de organizar, a partir da iniciativa cubana dos círculos infantis, as
cirandas infantis, voltadas de maneira lúdicas para o aprofundamento do sentido da
palavra ciranda, associado à igualdade, solidariedade, brincadeiras que valorizam a
importância da participação de outras crianças, além da necessidade de contrapor a alegria
ao legado de sofrimentos que muitos dos pais traziam com a própria história de luta pela
sobrevivência da família.
As mobilizações de jovens e adolescentes levaram, por sua vez, ao surgimento dos
sem terrinha, dando continuidade ao trabalho infantil, que nasceu quando o trabalho com a
educação começa, até por força da proposta pedagógica em andamento, a se preocupar
com formação das identidades relacionadas não só ao ser criança como ao ser sem-terra.
A ampliação em tantas frentes de atuação, além de lutar por um tipo de escola e
discutir uma proposta pedagógica, trouxe para o conjunto dos sem-terra e para direção
nacional do Movimento uma dimensão nova. A luta pela terra passa a ser entendida como
um esforço de uma magnitude muito maior do que a conquista de um bem imóvel, ou seja,
uma propriedade privada274. Ela amplia o conceito de escola para um sentido muito além
do lugar de aprender aquilo que é elementar que é o ler, escrever e fazer contas.
Por isso, a proposta pedagógica não poderia estar restrita só às questões ligadas ao
processo de ensino-aprendizagem, mas teria que ampliar seu alcance para envolver
também outras experiências educativas presentes no dia-a-dia, na própria cultura e na
história do MST, como maneira de organizar a luta, as formas de produção e suas
características, a mística do Movimento. Trata-se de uma formação dos sem-terra, não
como degredados, marginalizados do campo, mas como cidadãos, sujeitos militantes,
trabalhadores da terra num sentido mais amplo. Desta realidade, advém a possibilidade de
pensar a escola do MST como defensora de um projeto de formação dos sujeitos de um 274 Cf. COLTRO, Renata. Pedagogia além da reforma agrária. Disponível em <http://www.mst.org.br/mst>. Acesso em 10 jan. 2004.
157
projeto popular de educação e de país275. Por isso mesmo o MST não se furtou em abraçar
a discussão sobre uma educação básica no campo, produzindo com outros parceiros, em
julho de 1998, uma Conferência Nacional por uma educação básica no campo. Buscava
cultivar uma identidade cultural e política partilhada com outras entidades que não só
apoiaram como também participaram do evento, como a CNBB, a UNESCO, a UNICEF, a
Universidade de Brasília, etc. Esta conferência reuniu entidades e educadores que atuam na
educação básica no campo. O objetivo era promover intercâmbio de experiências e discutir
políticas públicas e projetos pedagógicos que pudessem garantir a implementação de
iniciativas para tal segmento educacional no meio rural, tendo em vista preocupações, tais
como as suas especificidades e os fatores implicados pela ausência de providências neste
terreno para a vida dos atores sociais no campo e para o país.
Na discussão por uma educação básica no campo, é claro que os sem-terra
largaram na frente, pois entre os protagonistas desta transformação, o MST era aquele que
mais havia amadurecido suas reflexões no terreno da educação. O Movimento sabia que a
possibilidade de intervenção cada vez mais qualificada em termos de análise da realidade e
dos passos a dar em cada conjuntura passava, dentre outros aspectos, pelo estudo e pela
qualificação dos seus militantes. Assim, justificava-se a sua nova lógica de participação no
debate mais amplo sobre a educação no Brasil. Isto quer dizer que a passagem do respeito
construído em torno de uma experiência educacional bem sucedida à interlocução das
discussões pedagógicas travadas na atualidade no país, vislumbrava a possibilidade de
participar inclusive da elaboração de políticas públicas para a própria educação. Trata-se a
esta altura de uma mudança do próprio olhar do MST sobre a sociedade brasileira. Nesta
questão, sem dúvida, a ação dos educadores e educadoras do MST, em todos os seus
275 Um projeto nacional-popular, como diria Gramsci.
158
níveis, marcou presença pela sua influência, sobretudo, porque a luta dos sem-terra sempre
foi pela presença das escolas públicas em suas áreas, mesmo as de acampamento.
Outro fator a destacar é que a conquista da escola levou a um gradual
deslocamento da própria escola como centro da proposta de educação do MST, ao mesmo
tempo acompanhado da busca de uma valorização maior do próprio Movimento. Um sinal
visível deste aspecto foi aumento do número de militantes que passaram a atuar nas
atividades educativas promovidas pelo Movimento, porém já não mais nas escolas formais,
e também pela multiplicação de iniciativas pedagógicas, que até possuem a escola como
referência, mas vão além dela.
Em outras palavras, o processo de ocupação da escola acabou implicando a
própria saída dela, não para desvalorizá-la, mas para melhor situar o seu lugar dentro do
conjunto de processos pedagógicos que aconteciam no interior do MST e da construção do
seu projeto histórico. Um dos fatores para esta iniciativa está no fato de que as cobranças
excessivas sobre as escolas poderiam levar a militância a determinados exageros na
cobrança aos professores de uma atuação mais decisiva na formação de militantes,
especialmente naqueles assentamentos onde o vínculo com a organização é mais frágil, tal
como sua própria sua existência. Afinal, a escola não pode ser o único lugar a participar da
formação dos sujeitos sem-terra e dos continuadores da luta do MST.
O sentido mais apropriado para a escola em relação a um Movimento social da
dimensão do MST, está ligado a sua integração em uma rede de convivências educativas,
que muito mais que a escola auto-suficiente, pode alimentar seus educandos com
indagações, propostas e, sobretudo, renovadas esperanças. Isto é o que faz dela, aí sim,
uma temporalidade e uma espacialidade fundamentais para a atual formação dos sem-terra.
Tem sido grande a pressão interna das famílias sem-terra, principalmente nos
assentamentos, pela continuidade dos estudos dos seus filhos, sobretudo, onde o número de
159
crianças, por exemplo, está abaixo da demanda que atenda as exigências locais para
implantação das séries, ou níveis do ensino básico. Isto pode fazer com que adolescentes e
jovens sem-terra ou parem de estudar, ou seja, enviados por seus pais à cidade mais
próxima para poder fazê-lo. Isto explica também porque na última década o próprio
Movimento vem intensificando uma de suas maiores iniciativas que é escola itinerante276,
voltada especialmente para suprir as demandas dos acampamentos por educação. Neles, a
incerteza das expectativas torna-se muito mais inibidora de conquistas sociais no campo
escolar, quer pela marginalização dos seus educandos nas escolas de fora, quer pelo clima
de insegurança que os ronda, o que faz como que muitas vezes acabem mesmo sem escola
alguma277.
Em relação aos assentamentos, o grande problema não está no fato de que o envio
de alguns adolescentes, para estudar na cidade, acaba levando-os a não querer mais
retornar ao campo, e o mais grave, seu novo tipo de sociabilidade por vezes os leva a
assumir valores contrários àqueles pelos quais suas famílias sem-terra vêm lutando a vida
inteira.
A alternativa encontrada tem sido a criação de escolas em conjunto com outros
assentamentos, construindo escolas regionais, mas quando isto se torna inviável, a saída, na
maioria das vezes, é abrir a escola do próprio assentamento para outros estudantes,
geralmente filhos de pequenos agricultores ou de trabalhadores do campo dos municípios
ou da região.
Tal realidade, no entanto, impõe um novo desafio para o Movimento. Se por um
lado, a idéia de uma escola regional implica pensar algo maior e possivelmente vinculado a
276 Cf. Escola Itinerante em acampamentos do MST In: Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, São Paulo, EDUSP, v.15, nº. 42, 2001.277 Cf. AUGUSTO. Danilo. Escolas Itinerantes do MST garantem educação aos acampados. Disponível em<http://www.brasildefato.com.br:8080/v01/agencia/nacional/nota.2006-12-20.3371541688>. Acesso 22 dez. 2006.
160
outras estratégias de articulação entre estes assentamentos e a região em que se situam, por
outro lado, torna-se necessário pensar sobre o que significa uma escola dos sem-terra
educando crianças, adolescentes e jovens que não sejam sem-terra.
Surge, então, uma série de questões que estão em curso no cotidiano do
Movimento nestas áreas, como por exemplo, o modo de tratar aquilo que é comum e, ao
mesmo tempo, respeitar diferentes experiências de mundo e histórias de vida, a dúvida
quanto ao fato de trabalhar ou não a temática da cooperação agrícola, a mística do MST,
algo que se tornou tão caro ao Movimento a ponto de ser incorporado a sua proposta
pedagógica. E em caso afirmativo, então, o desafio é saber como fazê-lo sem que se caia
no risco de parecer ou ter mesmo a intenção de impor isto aos estudantes que vêm de
outras realidades sociais, ou ainda, saber se é possível uma mística que unifique os sujeitos
de uma escola do campo.
Trata-se de uma nova demanda das famílias sem-terra, que acaba fazendo com
que o Movimento seja levado a se envolver em novas discussões e tarefas. A busca de
interlocução neste caso tem sido permanente. E, apesar não estar em contradição com o
programa de reforma agrária do MST, já que este não propõe uma estratégia para os
assentamentos isoladamente, mas para o campo como um todo, há necessidade de
consolidar alianças políticas com as outras partes envolvidas para sua realização tanto nos
aspectos gerais, como também nos específicos, como o da educação e da escola.
A pressão social externa, por sua vez, tem pelos menos duas origens. A primeira
delas é de âmbito localizado e restrito, porém, muito significativa na projeção de uma
tendência. Alguns municípios, especialmente através de suas secretarias de educação, têm
procurado o MST para discutir sua proposta pedagógica, e alguns mesmo, para realizar
atividades de informação de seus professores, porque entendem que a experiência
educacional do Movimento pode ajudar também na sua realidade específica, especialmente
161
quando se trata de municípios predominantemente rurais. O Movimento tem consciência
de que mais do que um mérito especial de suas propostas, o que está em jogo é, como já foi
dito anteriormente, a histórica ausência de políticas públicas e de discussões pedagógicas
que levem em conta esta realidade, caracterizada pelo abandono não somente em relação à
educação. Mesmo que às vezes não se considerem preparados para ajudar, os sem-terra
percebem que estas oportunidades não podem ser desconsideradas. De qualquer forma,
demandas deste tipo pressionam o MST a elaborar novas leituras sobre sua própria
experiência.
Outra pressão tem vindo de algumas entidades que acompanham e apóiam o
trabalho do Movimento. As que conhecem a realidade social em que se encontra o meio
rural, tanto em sua situação politicamente marginalizada , quanto em suas alternativas de
resistência a esta marginalização, passam a estimular o intercâmbio e a articulação também
organizativa entre os sujeitos das diversas experiências, como forma de aumentar a pressão
social em torno das transformações necessárias ao próprios cumprimento da constituição, e
dos compromissos que o país vem assumindo em fóruns nacionais e internacionais que
discutem a educação como um direito social para todos. A chegada do MST à Conferência
sobre educação básica do campo precisa ser vista neste contexto.
Uma tendência importante que pode ser identificada neste tipo de iniciativa é a de
projetar uma identidade na universalidade, quer dizer, passar a olhar para experiência
educacional do MST não como algo à parte, exótico, e que interessa apenas aos sem-terra,
mas sim como parte da história da educação do povo brasileiro.
O sentido fundamental da ocupação da escola nesta perspectiva de análise está em
sua participação na trajetória que desenhou a configuração atual dos sem-terra do MST.
Existem, aí, dois aspectos especialmente importantes, sendo o primeiro a emergência de
novos sujeitos ou novos estratos dentro da constituição do sujeito social sem-terra, e o
162
segundo refere-se a novos elementos ou traços que passam a constituir o jeito de ser deste
sujeito.
Em relação aos novos sujeitos, dois merecem destaque: as professoras e as
crianças sem-terra. Além de emergirem como novas personagens da luta pela terra e pela
reforma agrária no Brasil, passam a participar da constituição de identidade sem-terra
como um todo, com seus traços de identidade específicos, tais gênero, faixa etária, tipo de
ação e de atividades em que se envolvem, além dos estilos ou jeitos de participar do
Movimento. Os sem-terra do MST são, hoje, também as crianças e os adolescentes dos
acampamentos e dos assentamentos. São, também, as professoras e todos os educadores
que atuam vinculados ao Movimento278. Esta é uma análise que possivelmente também
caberia ser feita em relação a outras dimensões de atuação do MST, mas é preciso
reconhecer que talvez nem todas tragam à cena da luta personagens tão inusitadas.
Ao mesmo tempo, então, há a emergência de novos traços de identidade dos sem-
terra do MST. Destacam-se de novo dois deles: os sem-terra como sujeitos que estudam,
no sentido de que estudar passou a ser uma ação incorporada às características ou aos
princípios dos sem-terra que militam no MST; e os sem-terra como sujeito de sua própria
pedagogia, ou seja, como uma coletividade que já se sabe detentora de uma experiência de
vida fortemente educativa, e que busca intencionalmente trabalhá-la na formação das novas
gerações, seja nas escolas, seja em outros tantos espaços onde a educação pode acontecer,
no Movimento ou fora dele.
As professoras entraram na história do MST como esposas dos trabalhadores
rurais sem-terra que criaram o Movimento, trazendo para dentro da luta pela terra sua
preocupação de ofício, iniciando o trabalhão porque achavam importante a questão da
educação. Da mesma que foram personagens na pressão para que o MST passasse a lutar 278 A interação dos intelectuais orgânicos do Movimento subtraindo intelectuais orgânicos de outros estratos sociais subalternos ou dominantes, ou ainda intelectuais de ofício, constituindo-se em intelectuais por adesão.
163
por escolas, também continuam em cena até hoje, reivindicando mais espaço para a
educação na agenda dos sem-terra.
O grande passo agora é fazer com que ela deixe de ser o último ponto de pauta, ou
seja, aquele que já pode ser cogitado como tema na reunião das instâncias, mas que sempre
pode ficar para reunião seguinte, quando o tempo é curto para tantas questões e
encaminhamentos da luta e da organização como um todo. Também ficam sujeitas a serem
duramente criticadas, quando as escolas não correspondem às expectativas das famílias
sem-terra, tal como o discurso a seguir:
“(..) elas ensinam bem, mas não ensinam que nem o pessoal do Movimento, como deve
ser a educação no assentamento..Elas só dão aulas. Às vezes, o pessoal chama para a reunião, mas
elas não vão...” 279
Neste pequeno fragmento, quantos aspectos interessantes a destacar: o primeiro é
o papel de avaliador da qualidade do ensino; o segundo é a distinção entre uma educação
de boa qualidade, mas que não guarda na sua prática o compromisso com a proposta
pedagógica do Movimento; o terceiro, ainda mais interessante, é a idéia implícita de que o
educador do Movimento tem que estar organizado com ele, e, portanto, o fato de atuar na
educação pode não significar diretamente esta posição.
Professora sem-terra é um nome que pode ser dado à personagem do MST que
combina entre si componentes identitários diferenciados, cuja síntese acaba sendo a
novidade na conformação histórica do sujeito sem-terra. O primeiro componente é a
condição da mulher e de toda rede de significados que isto envolve do ponto de vista
humano, social, político e histórico. O segundo é ofício de educadora ou educador, e a sua
preocupação específica com a dimensão pedagógica das ações que desenvolve, seja com
279 Cf. relato de militantes e dirigentes locais do MST In CALDART, Roseli Salete. Op. cit, 2000, p. 186.
164
seus alunos, seus filhos ou qualquer ser humano com quem se relacione. O terceiro
componente desta identidade é a sua participação na luta pela terra e na organicidade do
MST, que produz novos sentidos tanto para a condição de mulher, quanto para o ofício de
educadora.
A propósito das mobilizações infantis, por sua vez, um novo desafio colocando
para o Movimento pelas suas crianças: como trabalhar sua organização específica? Os
coletivos infantis devem estar vinculados à escola? Como potencializar a participação das
crianças no processo de ocupação da escola, onde ele ainda não foi efetivado através da
professoras ou da comunidade? Como trabalhar intencionalmente a forma política e
organizativa das crianças sem deixar de considerar o tempo de vida em que se encontram?
Por fim, como continuar esta mobilização com os adolescentes e jovens sem-terra? Estas
são questões que, permanentemente, têm ocupado mentes e corações não só das crianças
sem-terra, mas também, dos educadores do MST que as têm acompanhado de perto, e que
há algum tempo já vêm olhando para elas como presente e futuro do Movimento, e do seu
projeto histórico.
Como parte do sujeito sem-terra, estas crianças, assim como as professoras sem-
terra, também são uma identidade produzida em um espaço conquistado na história do
MST. As características da luta pela terra em família proporcionaram as condições
objetivas, e o processo histórico da escola construiu o espaço de emergência dos sem
terrinha como um sujeito próprio, feminino ou masculino, e que junta entre si três
componentes identitários: sua condição infantil ou seu jeito criança de ser, as
características, interesses, desejos e sonhos típicos deste tempo de vida; sua condição de
estudante, porque foi assim que as crianças emergiram como sujeitos no Movimento, mas
que pode significar uma experiência, com uma identidade bem mais profunda do que
simplesmente estar na escola; e sua participação direta na organicidade e na história do
165
MST, que dá um tempero diferente à sua infância e em sua escola de vida. Neste sentido,
nem todas as crianças acampadas, assentadas ou filhas de militantes do Movimento são de
fato sem terrinha, embora seja esta condição que produza tal possibilidade.
Também, aqui, se trata de um processo de formação que é parte da formação dos
sem-terra do MST. É este processo que vem produzindo declarações como esta a seguir:
“(..) Somos filhos e filhas de uma história de lutas. Somos um pedaço da luta pela terra
e do MST. Estamos escrevendo esta carta para dizer não queremos ser apenas filhos de assentados
e acampados. Queremos ser Sem Terrinha, pra levar adiante a luta do MST...”280
Para as crianças, por sua vez, participar do MST tem representado a possibilidade
de viver a infância de um jeito diferente. Talvez mesmo de ajudar a construir uma nova
concepção do tempo da infância, que ao mesmo tempo recupera e recria elementos
culturais da infância no campo, praticamente ignorada nas discussões que a pedagogia
moderna tem feito sobre a infância, de maneira geral vista como uma personagem urbana
completamente subordinada aos processos escolares de socialização. Dar às crianças uma
alternativa, buscando compreender como constroem sua identidade participando de uma
coletividade em Movimento, e ajudando a produzir novas relações sociais e novas formas
de conceber a vida no campo, tem trazido elementos novos para a discussão sobre a
infância e seus espaços de educação. A presença do Movimento na vida das crianças pode
representar a possibilidade de afirmar que é próprio da infância vivenciar a totalidade das
dimensões que formam a vida humana, e, por conseguinte, participar da luta pela
recuperação de sua própria dignidade e de sua família é uma delas.
280 Cf. CALDART, Roseli Salete. Op. cit., 2000, p. 194. Trecho de uma carta que as crianças sem-terraescreveram à direção do MST no 3º Encontro Estadual dos Sem Terrinha do Rio Grande do Sul, em 12 de Outubro de 1999.
166
Além da emergência dos novos sujeitos, um dos aspectos que o processo de
ocupação da escola vem ajudando a consolidar na trajetória histórica da formação dos sem-
terra brasileiros é o que passa a caracterizá-los também como um sujeito que tem o direito
e o dever de estudar, dentro de um conjunto de possibilidades que vão muito além da
escola formal ou de um sistema oficial de ensino, mas não abrem mão deles. Neste traço
incorporado ao jeito de ser sem-terra do MST, e naquilo que ele projeta em relação com o
conjunto da sociedade, há pelo menos três recortes de sentido sociocultural a destacar.
O primeiro diz respeito à produção e à disseminação do que pode ser chamado de
uma cultura do direito à escola no campo e do campo. À medida que lutar por escolas nos
assentamentos e acampamentos passa a ser uma ação cotidiana da luta pela Reforma
Agrária e receber o apoio da sociedade281, o MST ajuda a criar um fato cultural novo com
pelos menos dois significados mais diretos: ajuda a disseminar o valor da escolarização em
locais onde ele ainda é muito frágil, e também contraria a tendência predominante, na
política educacional e na visão de muitas famílias do meio rural, de considerar que para
estudar é preciso sair do campo, especialmente quando se trata de buscar os níveis mais
elevados de escolarização. A experiência educacional dos sem-terra, embora
quantitativamente pequena, representa uma possibilidade concreta de reversão da
marginalidade, a que vem sendo submetida, há pelos menos quatro décadas, a educação do
campo no país. Trata-se de uma nova visão que pode ser e representar a escola para as
famílias de trabalhadores e trabalhadoras do campo, pois ela pode ajudar e muito a enraizar
as novas gerações na história e em um determinado projeto de futuro, à medida que as
velhas gerações se mantenham preocupadas e ocupadas com ela.
O segundo sentido é o da ressignificação do conceito de estudante, normalmente
associado àqueles que freqüentam uma escola formal. Neste caso, ser estudante é ser
281 Qual segmento social hoje não reconhece hoje que o acesso à escola é um direito de todos?
167
efetivamente uma pessoa que estuda, no sentido de fazer um esforço específico para
aumentar sua capacidade de compreensão e transformação da realidade, passando a ter
mais segurança para agir e maior autonomia para pensar. Em outras palavras, estudar
significa para o sem-terra hoje uma gama de possibilidades muito maiores de intervir,
atuar e ajudar a dirigir o Movimento dinâmico, complexo e multifacetado que formaram e
de qual fazem parte. Se este estudo acontece em alguma escola formal, traz junto o
componente do reconhecimento externo, vinculado ao valor social geralmente atribuído ao
nível de escolarização das pessoas. Porém, o reconhecimento interno à organização é mais
exigente, pois para a ação e intervenção na vida do Movimento, o diploma não é o
bastante. Mais vale, portanto, a demonstração concreta e prática dos resultados deste
estudo, o que o próprio Movimento, pela própria experiência histórica acumulada, sabe que
representa algo bem mais profundo do que a simples inovação de termos e conceitos na
prática discursiva.
Desta forma, os sem-terra do MST acabam participando, da sua maneira, de uma
das discussões mais caras à história da educação nos últimos tempos no país, e que no
Movimento desdobrou em uma reflexão específica sobre a pedagogia da práxis. A
dinâmica da luta social é por demais acelerada para permitir que qualquer tipo de
formação, seja ela escolar, acadêmica, ou mesmo autodidata, de caráter superficial e
periférico possa sustentar-se. Por isso, mesmo onde não está explicita como princípio
pedagógico, a relação teoria e prática é exigência da própria condição de ser sem-terra e
para além dela ser estudante, o que faz com as escolas do MST busquem transformar esta
realidade em ferramenta pedagógica.
168
O terceiro sentido se refere ao Movimento social, mas especificamente a um
Movimento social camponês282, como espaço de formação de seus próprios intelectuais
orgânicos. Assumindo-se como herdeiros dos aprendizados políticos e organizativos de
outros Movimentos em diferentes tempos e lugares da história, o MST desde o seu início
acreditou que seria possível formar seus próprios intelectuais – dirigentes e formadores – e
também aproximar organicamente alguns intelectuais de ofício, de modo que pudessem
ajudar nesta formação interna.
Com este princípio transformado em práticas de formação e escolarização dos
sem-terra, o MST vem conseguindo romper com a tese de que os grupos camponeses não
capazes de formar seus próprios intelectuais e, por isto, precisam ser, necessariamente,
dirigidos de fora. Não se trata de formar intelectuais naquele sentido específico de pessoas
que exercem socialmente a função de intelectuais283, mas muito mais do que multiplicar os
sem-terra que, em sua participação cotidiana no Movimento, tenham capacidade de análise
da realidade, de implementação criativa de princípios e linhas políticas, de proposição e
não apenas de execução de tarefas. Isso não exclui, todavia, o desafio de também aumentar
o número de sem-terra preparados para o exercício de funções técnicas especializadas, à
medida que estas demandas se multiplicam em cada da uma das áreas de atuação social do
Movimento.
Ser um sem-terra que estuda significa materializar a convicção de que todos os
sem-terra têm a possibilidade de exercitar, no Movimento, funções intelectuais, sem que
para isto necessitem tornar-se intelectuais de ofício. No caso do setor de educação, um
exemplo claro neste sentido é o de como seus membros participam coletivamente do
282 Cf. GOLDFARB, Yamila. O DESAFIO DA RECRIAÇÃO CAMPONESA ATRAVÉS DE UMA NOVA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE NAS COMUNAS DA TERRA In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.283 Cf. GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 3ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1985.
169
processo de produção dos textos e de outros materiais pedagógicos editados pelo
Movimento.
Outro aspecto da formação dos sem-terra a se registrar é o que o caracteriza
também como sujeito de sua própria pedagogia, que é a passagem do sujeito que estuda a
sujeito pedagogo entendido aqui em seu sentido historicamente construído de educador ou
formador que reflete teoricamente sobre esta sua ação de educar ou de formar. Hoje os
sem-terra do MST, além de serem sujeitos de uma experiência educacional, e de formação
humana, também se têm desafiado a ser sujeitos de uma reflexão teórica sobre a pedagogia
que experimentam. A própria criação dos setores de educação e de formação na estrutura
organizativa do MST indicou em sua história esta possibilidade. No início, constituíram-se
mais como espaço de articulação de atividades e ações, e de luta por este direito, interna e
externamente. Mas, logo, os contornos da própria luta que ajudaram a desencadear
exigiram que sua função fosse ampliada.
A cada curso alternativo que o MST se desafia a criar gera-se todo um processo
de reflexão e de elaboração pedagógica. A cada nova escola, a cada nova ação,
multiplicam-se as discussões e seus sujeitos.
Enfim, existe uma teoria pedagógica que vem sendo produzida desde a dinâmica
de um Movimento social e das lutas em que participa, em cada momento de sua trajetória
histórica. Tendo presente que a própria ocupação da escola foi e é um dos processos que
estão constituindo-o, torna-se importante estudar os elementos que fazem parte desta
pedagogia.
170
5. ESCOLARIZAÇÃO E GUERRA DE POSIÇÕES: A PEDAGOGIA DA
ALTERNÂNCIA E OS ELEMENTOS DA EDUCAÇÃO NA ESCOLA DO MST.
A discussão inicial da proposta de educação do MST estava centrada em questões
mais tradicionalmente escolares, ou seja, o que ensinar, como ensinar, onde ensinar. Neste
sentido, tanto num prédio escolar, quanto num barraco, ou debaixo de uma árvore, a sala
de aula era a grande referência ao pensar a educação. É interessante observar que, já neste
momento, embora a reflexão estivesse centrada na escola, a referência pedagógica era
buscada em outras experiências. Na discussão pedagógica que acontecia no Brasil dos anos
1980, uma questão que gerava polêmica era sobre a possibilidade ou não de fazer
educação popular na escola formal284, com uma forte tendência a considerar que havia
uma incompatibilidade entre ambas.
No entanto, no MST, esta discussão nunca foi uma questão considerada relevante.
Quando as primeiras professoras começaram a discutir sobre ensino-aprendizagem na
escola, exatamente a partir das experiências que várias delas tinham com os métodos de
educação popular, especialmente aqueles vivenciados nas comunidades eclesiais de bases.
O mote ver, julgar e agir, e depois prática, teoria e prática foram motivadores de
reflexões e de práticas pedagógicas que até hoje influenciam as escolas do MST.
Contudo, aos poucos, o eixo desta discussão foi-se deslocando de dentro para fora
da sala de aula, mesmo para fora da escola, passando a enfatizar os processos de gestão e
de relacionamentos entre o mundo da escola e as questões da realidade do assentamento ou
acampamento. A grande preocupação, a esta altura, era saber como o Movimento poderia
284 No capítulo três desta tese, quando fazíamos um comparação entre pensamento de Gramsci e Freire esta questão chega a ser abordada, tendo em vista as concepções de escola e de educação de ambos.
171
influenciar nas decisões sobre o que fazer dentro da sala de aula, tal como dizia o primeiro
caderno onde esta proposta foi sistematizada285:
“Escola e Assentamento devem estar ligados, igual aos namorados: são dois, mas tão agarradinhos,
que parecem um só!”
No momento seguinte,a discussão voltou novamente para o interior da escola,
mas, já a considerando um espaço pedagógico bem mais amplo do que a sala de aula
propriamente dita. Desta vez a valorização deste espaço educativo veio para enfatizar o
jeito de organizar o processo pedagógico, começando pela própria forma de funcionamento
da escola, de modo a ficar mais parecida com o próprio MST, e então, desenvolver um tipo
de educação voltada aos seus principais desafios daquele momento.
Nesta ênfase, aparecem as reflexões sobre escola cooperativa, ajudando na
implementação da cooperação agrícola nos assentamentos, sobre a necessidade do cultivo
da mística do MST, e dos professores a serem militantes, tudo isto, para fortalecer o
engajamento das novas gerações no Movimento, sobre a importância do planejamento
coletivo das aulas, do envolvimento dos estudantes em processos de trabalho produtivo286,
etc. As questões de sala de aula voltavam-se, então, para o desafio de juntar as diversas
experiências, consideradas educativas. Sendo assim, tratava-se de dar conta dos seguintes
aspectos: como trazer para dentro da aula as questões vivenciadas no trabalho? Seriam os
temas geradores287 a saída para discutir questões da realidade, sem cair no espontaneísmo
285 Cf. O que queremos com as escolas dos assentamentos. Caderno de formação nº. 18, São Paulo, MST, 1991.286 O que nada tem a ver com a prática educativa das tendências pedagógicas tecnicistas. Neste sentido, deve-se procurar relembrar a reflexão de Gramsci, no capítulo 3 desta tese, quando falamos da escola de Gramsci e, particularmente, do estudo do torno (Item 3.1, p 114). Paulo Freire também faz uma reflexão parecida quando fala da frase Vovô viu a uva, utilizada no processo de alfabetização.287 Cf. CESCON, Maria Inês & MOREIRA, Flávio. TEMA GERADOR E PEDAGOGIA DA ALTERNÂCIA: UMA ABORDAGEM SOCIO-HISTÓRICA In Anais do III Simpósio Nacional e II
172
dos interesses de cada aluno ou de cada Movimento? Como ensinar matemática a partir da
horta que as crianças estão cuidando? Estes são exemplos de questões discutidas
especialmente nos cursos de magistério e nas oficinas pedagógicas nos anos 1990.
O momento seguinte passa a ser marcado por um novo deslocamento do eixo
central da discussão pedagógica. As reflexões sobre o jeito de ser da escola começam a se
combinar com uma preocupação maior do MST em cultivar a identidade sem-terra, os
valores e a postura dos continuadores da luta, quando a ênfase passa da escola para os
sujeitos do processo pedagógico. Era preciso saber quem eram aqueles sujeitos, como
estavam sendo e como poderiam ser educados para levar adiante o projeto histórico do
Movimento.
No caso de se pensar no processo pedagógico que acontecia nas escolas, não se
tratava tanto de formular novas questões, mas, muito mais, de alterar as perspectivas do
olhar sobre elas, incluindo novas dimensões.
Pensar no jeito de ser da escola como ambiente educativo288, onde acontece a
formação humana, e então buscar organizá-lo de modo que ele ajude a produzir aquela
concepção de relações sociais que integra a cultura própria dos grupos sociais, que
assumem conscientemente sua condição de sujeitos históricos – uma cultura que ajuda a
formar estes sujeitos.
Estas reflexões, anteriormente citadas, ajudaram a organizar as principais matrizes
pedagógicas da escola de assentamento, no sentido de processos educativos básicos ou
potencialmente (con)formadores do ser humano, que o MST põe em Movimento no
processo de formação dos sem-terra.
Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.288 Cf. CALDART, Roseli Salete. O currículo das escolas do MST In Alfabetização e Cidadania – Revista de Educação de Jovens e Adultos, nº. 11, Abril de 2001, p. 34.
173
A primeira destas matrizes, a Pedagogia da luta social, que, em outras palavras,
pode ser entendida através da seguinte questão: como os sem-terra do MST se educam na
experiência de superar a visão de senso comum sobre a luta pela terra.
Esta, talvez, seja a matriz pedagógica mais intrinsecamente colada no Movimento
enquanto ingrediente capaz de mover e transformar a própria pedagogia. O Movimento é
constituído pela luta, e, ao mesmo tempo, a conforma. E isto é tanto mais forte, do ponto
de vista da formação humana, por se tratar de uma luta social de vida ou morte, de vida
inteira. Ser sem-terra, na visão do MST, quer dizer estar permanentemente em luta para
transformar o atual estado de coisas. Tal fato indica indica, então, que a luta está na base
da transformação do sem-terra, e é a vivência dela que constitui o próprio ser289 do MST,
tornando presente a própria possibilidade da vida em Movimento, onde o que hoje é de um
jeito, amanhã já pode ser diferente290.
Tudo se conquista com a luta e a luta educa as pessoas. Este é um dos
aprendizados herdados e construídos pela trajetória histórica do MST. Por isso, manter os
sem-terra em estado de luta permanente é uma das estratégias pedagógicas mais
contundentes produzidas pelo Movimento. E não estamos nos referindo apenas ao sentido
mais amplo da educação, que nasce da participação do sem-terra na luta pela terra no
Brasil. Para além da compreensão da educação na vida do Movimento, devemos
compreender a maneira esta grande luta se traduz nas pequenas coisas, quer dizer, como
em cada ação cotidiana está a marca da atitude de pressionar as circunstâncias para que
elas sejam diferentes do que são.
Neste sentido, superar a visão de senso comum sobre a luta pela terra está
radicalmente presente na ação de ocupar um latifúndio, além de tornar uma terra produtiva,
conquistar o apoio da sociedade para a causa da Reforma Agrária. Superar a visão de 289 Estar engajado no MST.290 Cf. CALDART, Roseli Salete. Op. cit, 2000, p. 209.
174
senso comum sobre a luta pela terra está, ainda, em demonstrar quando um saque de
alimentos pode não ser considerado um roubo.
Superar a visão de senso comum sobre a luta pela terra está, sobretudo, em
conseguir trazer a escola para o campo, em aprender a ler mesmo já tendo muita idade, em
manter-se como uma família nas diversas ações da luta pela terra, em enfrentar derrotas,
em manter o brio nas situações de dignidade.
Superar a visão de senso comum sobre a luta pela terra está também em
conquistar espaço no próprio Movimento, em modificar o jeito de ser, de se relacionar com
as pessoas, em aceitar transformar-se como ser humano, a cada dia, a durante toda a vida.
É, então, que a luta social maior articula e ressignifica os diversos sentidos de cada uma
destas pequenas lutas, que acontecem em seu cotidiano, e tempera tudo isto com
ingredientes históricos, políticos e culturais.
Outro aprendizado produzido pela pedagogia da luta é o da postura política e
cultural de contestação social, que é a tradução do principio da política, da possibilidade
da mudança para o jeito de olhar a sociedade como um todo. Ou seja, o agir permanente
na transformação de suas circunstâncias, e em busca de conquistar seus próprios direitos,
aos poucos vai desenvolvendo nos sem-terra uma postura de lutar também pelos direitos
de outros, especialmente, quando este direito tem a ver com a superação de situações de
injustiça. O sentimento de indignação diante das injustiças da sociedade não é inerente à
condição de oprimido, mas um aprendizado a ser construído, sendo a luta social um
ambiente bastante fecundo para que ele se produza.
Uma segunda matriz é a Pedagogia da organização coletiva que, em outras
palavras, pode ser entendida através da seguinte questão: de que os sem-terra do MST se
educam enraizando-se e fazendo-se em uma coletividade em Movimento?
175
O ser humano precisa de raízes, e somente consegue produzi-las quando participa
de uma coletividade. Através dela consegue manter vivos certos tesouros do passado, ao
mesmo tempo em que cultiva pressentimentos de futuro291. O MST se enraíza enraizando
os sem-terra em uma coletividade que eles mesmos constroem através de sua luta e
organização. Fazer parte da coletividade chamada MST é, sem dúvida, uma das
experiências decisivas na conformação humana do sujeito sem-terra. Portanto, na
experiência de formação dos sem-terra pelo Movimento, a organização coletiva também
figura como principio educativo.
A expressão organização coletiva traz certa redundância, pois, a princípio, não há
coletivo sem organização. Além disso, o processo organizativo geralmente visa à
constituição de um coletivo. Contudo, aqui, o seu uso permite chamar a atenção para um
duplo sentido através do qual é possível compreender sua dimensão educativa.
Organização remete ao ato ou ao processo de organizar-se em vista de realizar
coletivamente uma determinada ação. Porém, também, pode referir-se à coletividade
produzida através das ações organizadas. O MST organiza os sem-terra para a luta, mas,
também, é a organização ou a coletividade produzida pelos sem-terra em luta292. Neste
sentido, dizer que os sem-terra se educam através da organização se refere aos dois
significados combinados, ou seja, os sem-terra se educam à medida que se organizam para
lutar, e se educam também por tomar parte em uma organização que lhes é anterior,
quando considerados como indivíduo ou família específica.
A terceira matriz é a pedagogia da terra, que, em outras palavras, pode ser
entendida através da seguinte questão: como os sem-terra do MST se educam em sua
relação com a terra, o trabalho e a produção.
291 Cf. CALDART, Roseli Salete. Op. cit., 2000, p. 215.292 Ibid, p. 216.
176
Considerando-se que existe a hipótese uma identificação de origem entre a
produção agrícola, a cultura e a educação, todos vinculados à idéia de Movimento, ou de
processo de transformação, não parece difícil compreender que também existe uma relação
educativa entre os sem-terra e a própria terra. Neste caso, a terra é vista como terra de luta
e de produção, terra de Movimento e terra de sentimento.
Na verdade, esta é, talvez, a matriz educativa historicamente mais antiga que o
MST põe em Movimento na formação dos sem-terra, ou seja, aquela que mistura o cultivo
do ser humano com o cultivo da terra, com o trabalho e a produção. A terra de cultivo é
também terra que educa quem nela trabalha. O trabalho educa. A produção das condições
materiais de existência também educa. Estas lições são princípios de uma tradição
pedagógica já conhecida na história destes nossos últimos dois séculos. Todavia, como
matriz pedagógica é, portanto, mais recente, e vem sendo construída desde matizes
políticos, culturais e ideológicos de vários tipos, que acabam dando conformidade à
concepções também diferentes sobre o que é esta dimensão educativa do trabalho ou da
produção.
Como pedagogia do trabalho, está em Marx como esteve antes nas propostas de
escolas do trabalho da burguesia ascendente, com elementos comuns, mas também
contraditórios 293. De modo geral, foi o trabalho de feição urbana o que mais inspirou as
reflexões pedagógicas modernas. O MST acaba acrescentando alguns novos ingredientes e
temperos nesta matriz, à medida que traz a terra como inspiração, que teoricamente se
defronta com desafios próprios de seu tempo no campo da produção e também da
especificidade da luta que o construiu, e que tem sua conformação como Movimento sócio-
cultural e educativo.
293 Ibid, p. 222.
177
A questão de um novo modo camponês de produção, que ainda não se apresenta
exatamente nestes termos no Movimento, na verdade se insere no antigo desafio teórico e
político de compreender o lugar do campesinato no processo de transformação social.
Muitos trabalhos já foram escrito sobre isto, sendo esta polêmica bastante acirrada294,
especialmente, depois de Marx, e das experiências de revoluções socialistas. A partir da
experiência do MST e do retorno da questão agrária à agenda política brasileira, através da
pressão do Movimento, há novos recortes de reflexão que começam a ser produzidos por
pesquisadores de diversas áreas da ciência. Portanto, cabe à pedagogia ficar aberta a esta
discussão para que ela não pareça pouco importante, à medida que assuma mais
radicalmente o princípio de que é exatamente na dinâmica das práticas sociais onde, afinal,
a educação realmente acontece.
A quarta matriz é a pedagogia da cultura, que, em outras palavras, pode ser
entendida através da seguinte questão: como os sem-terra do MST se educam cultivando o
modo de vida produzido pelo Movimento. Esta é uma matriz pedagógica que se realiza
necessariamente misturada às demais. Há cultura na pedagogia da luta, na pedagogia da
organização coletiva, na pedagogia da terra e da produção, na pedagogia da história.
Porque a cultura, tal como está sendo entendida aqui, não é uma esfera especifica da vida
ou um tipo particular de ação. Pelo contrário, é o processo através do qual um conjunto de
práticas sociais e de experiências humanas, por vezes contraditórias e com pesos
pedagógicos diferentes entre si, aos poucos vão, lentamente, se constituindo em um modo
total de vida.
Este modo total de vida articula costumes, objetos, comportamentos, convicções,
valores, saberes, que, embora, díspares e, por vezes, até contraditórios entre si, possuem
294 Trataremos especificamente deste assunto no capítulo cinco, quando apresentaremos as principais leituras acerca desta questão, ao mesmo tempo em que estaremos situando a visão, por nós, privilegiada.
178
um eixo integrador ou uma base primária que não permite distinguir um modo de vida de
outro, uma cultura de outra.
Na matriz anterior, quando tratamos do ser ou não ser camponês, e dos laços entre
passado e futuro na formação dos sem-terra, estivemos refletindo sobre uma das
dimensões fundamentais deste processo, exatamente a que vincula cultura com produção
material da existência.
É assim que o MST, apesar de sua recentidade histórica, já consegue aparecer,
diante da sociedade, com algumas marcas culturais que o identificam, exatamente porque,
se ainda não consolidaram, pelo menos projetam um modo de vida. Este, talvez, seja o
legado mais precioso que o Movimento deixa para as futuras gerações.
A marca principal é, sem dúvida, a da própria luta e do jeito de fazê-la. Em
relação à luta pela terra propriamente dita, o MST herdou e consolidou a ocupação como
forma principal de luta. Do mesmo modo que fez do jeito de ocupar, a expressão de sua
identidade, o Movimento transformou a atitude de lutar pelos direitos numa ação a ser
valorizada e não reprimida pela sociedade.
A palavra currículo não é muito comum nas discussões dos educadores do
MST295. Talvez, porque seu uso tenha uma origem mais acadêmica ou oficial, ou ainda,
pelo antigo costume de associá-lo a procedimentos formais e redutores do processo
educativo. Neste sentido, cabe ressaltar que currículo, tal como grade curricular, são
expressões muito vinculadas à falta de liberdade pedagógica e, ao mesmo tempo, ao
desrespeito tanto a educadores quanto a educandos, como verdadeiros sujeitos do processo
educativo. Ou seja, currículo e grade curricular querem dizer, neste caso, lista de matérias
295 Segundo Roseli S. Caldart, esta palavra até aparece em alguns dos materiais de educação do MST, mas geralmente como objetivo de facilitar a associação entre as discussões dos educadores do Movimento e os documentos oficiais ou outros textos sobre o tema. Cf. CALDART, Roseli Salete. O currículo das escolas do MST In Alfabetização e Cidadania – Revista de Educação de Jovens e Adultos, nº. 11, Abril de 2001, p. 34.
179
e de conteúdos de ensino, respectivamente, constituindo-se em expressões frias, e
carregadas de um mecanicismo educacional.
A expressão ambiente educativo é usada no MST para indicar a preocupação
pedagógica com o conjunto das dimensões da formação a ser trabalhado com os educandos
sem-terra, e a forma de organização das relações sociais, dos tempos, espaços e conteúdos
educativos da escola.
Por ambiente educativo entenda-se tudo o que acontece na vida da escola, dentro e
fora dela, com uma determinada intencionalidade educativa. Não é apenas aquilo que é
dito, mas também o que é visto, vivido, sentido, produzido e partilhado, e todas estas ações
tomadas no seu conjunto, parecem responder às perguntas elaboradas por Roseli Caldart:
“Neste relato, aproximo os dois conceitos: ambiente educativo e currículo. Tento responder a duas
questões que me parecem especialmente importantes nesta reflexão, até porque indicam já uma determinada
concepção de educação, de escola e de currículo: que dimensões da formação humana são consideradas
fundamentais no trabalho pedagógico desenvolvido pelas escolas do MST? Quais práticas do cotidiano
escolar ajudam a garantir que estas dimensões sejam trabalhadas de modo mais adequado?”296
Deste diálogo entre as práticas do Movimento e as reflexões construídas ao longo
da história da humanidade sobre a formação humana, um primeiro produto diz respeito à
própria concepção de educação. Quando tratamos de práticas de humanização dos
trabalhadores do campo como uma obra educativa, estamos, na verdade, recuperando um
vínculo essencial para o trabalho em educação:
“(...) educar é humanizar. Não nascemos humanos, nos fazemos. Aprendemos a ser... Em todos os
tempos e lugares, lutar pela humanização, fazer-nos humanos é a grande tarefa da humanidade”
296 Cf. CALDART, Roseli Salete. Op. cit., 2001, p. 34.
180
A partir desta concepção de educação, há lições de pedagogia que o MST tem
conseguido extrair neste contraponto reflexivo entre o cotidiano do Movimento, as diversas
teorias e práticas sobre a formação humana, e as preocupações de como fazer a educação
dos sem-terra. São estas lições que ajudam os educadores do Movimento a pensar e
repensar o currículo da escola. As pessoas se educam nas ações porque é o Movimento das
ações que vai conformando o jeito de ser humano. As ações produzem e são produzidas
por meio de relações sociais, ou seja, elas põem em Movimento um outro elemento
pedagógico fundamental que é o convívio entre as pessoas, a interação efetiva que se
realiza entre elas, mediada pelas ferramentas herdadas de quem já produziu outras ações
antes, através da cultura.
Nestas relações, as pessoas se expõem como são, e ao mesmo tempo vão
construindo e revisando suas identidades, seu jeito de ser. Não estamos falando de
qualquer ação, ou do agir pelo agir, sem nenhuma intencionalidade. Falamos, aqui, de
ações que produzem obras – materiais ou simbólicas – que se tornam um espelho para
onde as pessoas podem olhar para o que são, ou ainda, para o que querem ser, incluindo,
também, o trabalho e a produção material como valores de uma existência, pois não há
verdadeira educação sem ações, sem trabalho e sem obras coletivas. Deste modo, ao
assumir a identidade social e coletiva somos sem-terra, somos do MST, as pessoas, aos
poucos, vão descobrindo outras dimensões de sua identidade pessoal e coletiva297, tais
como: ser mulher, ser negra, ser jovem, ser educadora, etc. São novos sujeitos que se
formam e que passam a exigir seu lugar no mundo e na história298. Há aqui uma
convergência entre os elementos de uma teoria de currículo crítica e a pós-crítica. Mas,
297 Cf. DA SILVA, Tomaz Tadeu. O currículo como construção social: a nova sociologia da educação IN Documentos de identidade – uma introdução às teorias de currículo, p. 69.298 Sujeitos geográficos e históricos.
181
como a dimensão coletiva é mais enfatizada, podemos dizer que, neste sentido, a teoria de
currículo do MST pode ser chamada de uma teoria de currículo crítica ampliada.
Um dos grandes desafios pedagógicos do MST tem sido justamente ajudar as
pessoas a fazer uma nova síntese cultural, que junte seu passado, presente e futuro numa
nova e enraizada identidade coletiva e pessoal. Seguindo o mote viver como se luta e lutar
como se vive299, os sem-terra têm vivido esta coerência, como necessária aos objetivos de
transformação social do Movimento, assim como também em seus conflitos e desafios
permanentes. Memória, mística, discussão de valores, crítica e autocrítica, estudo da
história300 são algumas ferramentas culturais que o MST vem utilizando nesta construção.
Podemos refletir, então, que educar é partilhar significados e ferramentas de
cultura301, ou seja, é ajudar as pessoas no aprendizado de significar e ressignificar suas
ações, de maneira a transformá-las em valores, comportamentos, convicções, costumes,
gestos, símbolos, arte, ou seja, em um modo de vida escolhido e refletido pela coletividade
de quem faz parte302.
Nas ações de uma luta social também se aprendem e se produzem conhecimentos
e eles são uma dimensão muito importante da estratégia de humanização das pessoas.
Contudo, uma das lições pedagógicas que o MST tem extraído do dia-a-dia do Movimento
é que o processo de produção do conhecimento que efetivamente ajuda na formação das
pessoas é aquele que se vincula com as pequenas e grandes questões da vida303. Quando
299 Frase que faz parte da mística do MST.300 Cf. FRIGOTTO, Gaudêncio. Trabalho, Conhecimento, Consciência e a Educação do Trabalhador: Impasses Teóricos e Práticos IN Trabalho e Conhecimento: Dilemas na educação do Trabalhador, São Paulo, Cortez, 2002, p. 13-25.301 Cf. ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre. Petrópolis, Vozes, 2000, p. 53-240 Coleção para soletrar liberdade. Nossos valores. MST, Junho de 2000.302 Cf. SILVA, Patrícia de Lima & BARONE, Luis Antônio. A EDUCAÇÃO E AS ASPIRAÇÕES DE JOVENS ASSENTADOS – NOTAS DE UMA PESQUISA EM ANDAMENTO In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.303Cf. FIORINI, Marina Célia & DALVI, Solange. REALIDADE AGRÍCOLA, AGRÁRIA E EDUCACIONAL COMO FUNDAMENTOS PARA O CADERNO DA REALIDADE UTILIZADO NA
182
um sem-terra precisa conhecer cálculos de área para saber medir a área de terra onde será
feita a agrovila de seu assentamento, certamente este conhecimento terá mais densidade
humana e social para ele.
Educar é socializar conhecimentos e ferramentas de como se produz
conhecimentos que afetam a vida das pessoas, em suas diversas dimensões, de identidade e
de universalidade. Conhecer para resolver significa entender o conhecimento como
compreensão da realidade para transformá-la, ou melhor, compreensão da condição
humana, para torná-la mais plena.
Como o MST é uma coletividade, nela, os sem-terra aprendem que o coletivo é o
grande sujeito da luta pela terra e também o seu grande educador304. Ninguém conquista a
terra sozinho e, neste sentido, cabe lembrar, que as ocupações, os acampamentos e os
assentamentos são obras coletivas. A força de cada pessoa está na raiz, que é a sua
participação numa coletividade com memória e projeto no futuro. É fazendo parte do
coletivo e de suas obras que as pessoas se educam, e não sozinhas, pois na interação de
umas com as outras, elas potencializam o seu próprio ser pessoa, singular, único.
Educar é ajudar a enraizar as pessoas em coletividades fortes. É, também,
potencializar o convívio social e humano na construção de identidades, de valores, de
conhecimentos e de sentimentos305. Um ambiente educativo é fundamentalmente uma
coletividade educadora, acionada ou planejada pelos educadores de ofício, porém,
compartilhada por todos os seus membros.
Os sujeitos não se formam só na escola. Há outras vivências que produzem
aprendizados até mais fortes. A pedagogia do MST não cabe na escola, porque o próprio
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.304 Ver a matriz pedagógica relativa à Pedagogia da organização coletiva.305 Cf. PALADIM Jr., Heitor Antônio. "CAMPESINIA” E ENSINO DE GEOGRAFIA: A “ETNOGEOGRAFIA” DA QUESTÃO In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.
183
Movimento não cabe na escola, e também porque a formação humana não cabe nela.
Contudo, a escola cabe no Movimento e em sua pedagogia, a tal ponto que, historicamente,
o MST vem lutando com muita ênfase no direito à escola para os sem-terra. A escola que
cabe na pedagogia do Movimento é aquela que reassume sua tarefa de ordem que é
participar ativamente no processo de formação humana.
Portanto, pensar na escola como uma oficina de formação humana306 quer dizer
pensá-la como um lugar onde o processo educativo ou o processo de desenvolvimento
humano acontece de modo intencionalmente planejado, conduzido e refletido para isso.
Este processo se orienta por um projeto de sociedade e de ser humano, e se sustenta pela
presença de pessoas com saberes próprios do ofício de educar, pela cooperação sincera de
todas as pessoas que ali estão para aprender e ensinar, e pelo vínculo permanente com
outras práticas sociais – seja para estar em sintonia ou em contradição com elas – que
começaram e continuam esta tarefa.
A expressão também nos ajuda a repensar o método pedagógico da escola. Isso
quer dizer que a escola não é apenas lugar de ensino, e que método de educação não é
igual a método de ensino. É preciso planejar estratégias pedagógicas diversas, em vista dos
diferentes processos que compõem o complexo processo de formação humana.
Das lições de pedagogia chegamos, então, à reflexão específica sobre que
dimensões devem compor a intencionalidade da escola que quer ser, na perspectiva do
MST, uma oficina de formação humana. Estas dimensões são o que Miguel Arroyo chama
de conteúdos de nossa humana docência, que não são apenas os ditos conteúdos de ensino
– geralmente entendidos como lista de conhecimentos a serem trabalhados –, mas, sim, os
conteúdos do processo educativo como um todo.
306 Cf. CALDART, Roseli Salete. Op. cit., 2001, p.38.
184
As dimensões que são indicadas pelos educadores do MST, certamente, não
esgotam todo o processo de formação humana e nem acontecem de forma isolada. Como
se trata de um Movimento educativo, sempre aparecerão dimensões novas, ou exigências
de maior ênfase em algumas delas, e necessariamente sua prática será entrelaçada. Esta
observação tem em vista alertar os educadores a planejar a estratégia pedagógica do
Movimento.
A formação de valores e a educação para a sensibilidade são aspectos que têm
ocupado pouco espaço na agenda pedagógica das escolas. Ambas costumam fazer parte do
chamado currículo oculto, geralmente programado pela formação das relações sociais e
humanas, hegemônicas na sociedade atual.
Numa escola pensada como lugar de formação humana, os valores passam a ter
lugar central. São valores que movem nossas práticas, nossa vida, nosso ser humano. E a
associação entre valores e educação da sensibilidade não é arbitrária. Os sentimentos são a
terra de cultivo dos valores307.
O MST valoriza em suas escolas a ajuda na educação da sensibilidade de seus
educandos para a dimensão dos valores, que trabalha as relações sociais e afetivas entre as
pessoas nesta perspectiva. Neste sentido, importa que em seu dia-a-dia, educandos e
educadores recuperem e cultivem valores humanos como a solidariedade, a lealdade, o
companheirismo, o espírito de sacrifício pelo bem do coletivo, a liberdade, a sobriedade, a
beleza, a disciplina, a indignação diante das injustiças, o compromisso com a vida, com a
terra e com a identidade sem-terra308.
O cultivo da memória e o aprendizado da história são outros aspectos a destacar.
Tal como diz uma das canções que fazem parte da mística do MST, a terra guarda raiz. A
307 Uma metáfora onde a terra é os sentimentos e o valores são as sementes.308 Cf. PINHEIRO, Paulo Sérgio. O MST é uma ameaça à democracia? Não – A doce Paz dos campos In OPINIÃO – Tendências e Debates, São Paulo, 12 jul. 2003, mimeo, 1p.
185
escola também pode guardar raiz do Movimento, ajudando no cultivo da memória e na
formação de uma consciência histórica das camadas sociais populares. Foi aprendendo
com o passado que o MST se constituiu na organização que é hoje, ou seja, aprendendo
com aqueles que vieram antes, cultivando a memória de sua própria caminhada. A história
se faz projetando o futuro a partir das lições do passado cultivadas no presente. Desta
maneira, o MST procura criar meios para que suas escolas ajudem a cultivar suas
memórias e que também se responsabilizem pela continuidade da formação da identidade
Sem Terra, ajudando as novas gerações neste cultivo, e na sensibilização para que este jeito
de ser humano que o Movimento projeta. Também espera que as escolas encontrem
métodos adequados de fazer o estudo da história, de modo que ele passe a ser uma
necessidade e um prazer, e que o próprio dia-a-dia da escola seja uma oficina de fazer e
aprender história.
Outra relevante dimensão da escola é a produção de conhecimentos humanamente
significativos. O estudo é um dos princípios organizativos do MST. E é exatamente o
princípio que reforça a importância do conhecimento. Quem não conhece a realidade não
consegue participar como sujeito de sua transformação. Mas, cabe lembrar, aqui, que não
se trata de qualquer conhecimento, tampouco do conhecimento pelo conhecimento.
Nas escolas do MST, o esperado é que se desenvolva em seus educadores e
educandos, o valor da produção e da apropriação de conhecimentos, e também que
reconheçam e desenvolvam os diversos tipos de conhecimento. Outro desafio é fazer das
questões da realidade, no sentido mais amplo possível deste termo, a base da produção
destes conhecimentos, e que o critério usado por educadores e educandos para a escolha
destas questões levem em conta os seus significados no conjunto de aprendizados de que
necessitam os educandos, como seres humanos, e como lutadores de uma camada social
popular em formação. Por fim, o Movimento espera que os educadores saibam construir,
186
coletivamente, métodos de ensino que garantam o aprendizado não apenas dos
conhecimentos em si mesmos, mas do modo de produzi-los e o modo capaz de aprender a
complexidade cada vez maior das questões da realidade em que vivemos.
A formação para o trabalho é outra importante dimensão educacional nas escolas
do MST. Os sem-terra se educam tentando construir um novo sentido para o trabalho do
campo, novas relações de produção e de apropriação dos resultados do trabalho. Esta é
uma experiência que no Movimento pode ser experimentada, ainda, no acampamento, e
continua depois em cada assentamento conquistado.
Segundo o MST, suas escolas têm que se ocupar seriamente também destas
dimensões – educando para o trabalho e pelo trabalho –, incluindo as questões do mundo
da produção com conteúdos de seus tempos e práticas. Também têm que desenvolver
conhecimentos, habilidades e posturas necessárias aos processos de trabalho que vêm
sendo produzidos na luta pela reforma agrária. As escolas do MST devem cultivar o
trabalho como um valor humano, fazendo dele um dos seus métodos para educar seres
humanos.
A formação organizativa é uma dimensão que se constitui numa das chaves da
existência do MST até hoje, que integra a pedagogia do Movimento. É por meio da sua
participação na organização do MST e da vivência na materialidade de suas relações
sociais que essa pedagogia constitui uma coletividade forte, que os sem-terra voltam a ter
raiz, ou seja, memória e projeto.
Para o MST, suas escolas devem procurar uma intencionalidade pedagógica
específica nesta dimensão, que ajude no enraizamento dos educandos em diferentes
coletividades. Que elas proporcionem, ainda, práticas onde o objetivo seja desenvolver a
consciência organizativa dos educandos e também dos educadores. Para isto, em vez de
apenas inventar artifícios didáticos, é preciso fazer da escola uma coletividade, onde os
187
tipos de relações sociais e as diversas situações-problema sejam um permanente convite à
organização e à ação coletiva.
A formação econômica revela-se uma das dimensões da luta do MST, na medida
em que é uma inserção das famílias dos trabalhadores sem-terra em novos processos
econômicos, ou novas relações sociais de produção, distribuição a apropriação de bens e
serviços necessários ao desenvolvimento humano. O Movimento de construção coletiva
destes processos econômicos, que começa no acampamento e se aprofunda no desafio de
viabilização dos assentamentos, sendo umas das pedagogias da formação dos sem-terra,
que ao mesmo tempo se produz como demanda de formação especifica a ser trabalhada nas
atividades de educação do Movimento309.
Quanto à dimensão escolar ligada à formação política, o MST tem um objetivo
bem definido, que é ajudar construir um Brasil sem latifúndio, No formato estrutural do
capitalismo brasileiro, este aspecto tem significado por ser um Movimento de luta social
que se prepara para ser duradouro e desenvolver fortes enfrentamentos. Por isso mesmo, a
formação dos sem-terra precisa reforçar ainda mais o que já é um aprendizado histórico
das classes trabalhadoras, ou seja, a dimensão política da educação de seres humanos. A
consciência política é aquela que exige a participação das lutas sociais por um mundo
melhor, que desafia as pessoas a relacionar as ações do dia-a-dia com esta participação e
com um projeto político que a sustenta e constrói.
O MST tem como expectativa a ajuda de suas escolas na politização do cotidiano
das comunidades sem-terra, para que consigam fazer de suas ações e questões do dia-a-dia,
práticas que se somem na luta maior, no projeto maior. Politizar o cotidiano quer dizer
309 Cf. RESSUREIÇÃO, , Telma Regina B. N. PRONERA – SOBRE A (IM) POSSÍVEL E/OU (IN) DISPENSÁVEL INTERFACE ENTRE EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira.
188
aprender a correlacionar uma ação com a outra, em cada atividade, realizar projeto, a
utopia em que o movimenta afirma acreditar, e que move sem-terra310.
As práticas do ambiente educativo da escola se constituem numa dimensão
escolar. A partir das lições de pedagogia do Movimento e da reflexão sobre as dimensões
principais do trabalho educativo da escola, podemos compreender a centralidade do
currículo, ou do ambiente educativo de uma escola, que está nas práticas – e nas relações
sociais que as constituem – de que se preocupam seus educando e educadores. Em outras
palavras, pensar o currículo ou o ambiente educativo dentro de uma escola do MST quer
dizer, olhar para essa escola, ou pensar o planejamento pedagógico dessa escola, como um
lugar de práticas, de atividades capazes de dar conta da complexidade do processo de
formação humana.
O critério para a escolha das práticas, neste raciocínio, é justamente o da sua
potencialidade pedagógica em relação às dimensões da formação humana apontadas. Não
se trata de escolher uma prática para cada dimensão, o que seria simplista, redutor de
processos educativos, sempre complexos. Trata-se de pensar em um conjunto de práticas
entrelaçadas que podem mais facilmente garantir esta formação multidimensional
pretendida. E esta não é uma escolha que pode ser feita em definitivo, pois cada escolha
tem sempre um caráter provisório. Este processo de escolha é ele mesmo um dos
elementos fundamentais do movimento pedagógico da escola, que precisa estar em sintonia
permanente com o movimento da realidade e do processo de formação de seus sujeitos.
Quanto às aulas, esta é a prática que costuma caracterizar de forma quase
exclusiva o tempo da escola. A escola do MST considera sua importância especial, mas,
não, absoluta. Elas têm maior valor pedagógico se combinadas com outras práticas
310 Cf. NUNES, Carla Cristiane & AFFONSO, Elen Pinheiro & ALMEIDA, Valdirene Maria de. QUEM É O DONO DA TERRA? QUESTÃO FUNDIÁRIA E MST SOB A ÓTICA DO ENSINO MÉDIO In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.
189
educativas, de onde pode extrair sua própria matéria-prima. Na escola, as aulas são o
tempo especifico para o estudo. No entanto, elas não acontecem somente dentro da sala de
aula. Podem acontecer como práticas entrelaçadas às demais, e em atividades especificas
de leitura, passeios de observação, projetos de pesquisas, seminários de discussão,
trabalhos em grupos, e também por meio das consagradas aulas expositivas, feitas pelo
professor, por representantes da comunidade, ou por meio do estudo de bons textos.
Uma outra prática fundamental desenvolvida nas escolas do MST são as oficinas,
que podem atravessar ou complementar o tempo das aulas. O importante é prestar a
atenção em sua lógica pedagógica diversa. Oficinas são tempos e espaços voltados para a
capacitação, ou seja, são atividades centradas no aprendizado de habilidades – o aprender a
fazer – construídas pela prática direta dos próprios educandos, orientada ou monitorada por
mestres daquelas habilidades em questão. São atividades que geralmente envolvem
habilidades ligadas à produção, à gestão e às expressões culturais e artísticas diversas.
Neste sentido trabalho e produção são praticamente temas transversais nos
processos educativos construídos pelas escolas do MST. São eles próprios tempos e
espaços para participação dos educandos e educadores na realização de tarefas ligadas ao
funcionamento e manutenção material da escola, e, quando possível, na criação e execução
de unidades de produção mais complexas, que, por sua vez, possibilitam aprendizados
mais complexos no campo da formação organizativa e econômica, bem como na
capacitação técnica em determinados tipos de trabalho.
O tipo de trabalho e de processo produtivo depende das condições objetivas de
cada local, da idade e as experiências anteriores dos educandos envolvidos, e também da
criatividade do conjunto da coletividade escolar. Em algumas escolas do MST, isto quer
dizer, por exemplo, que são as crianças as responsáveis pela construção e manutenção do
190
parque de brinquedos da escola, ou do acampamento, assentamentos, assim como em
outras escolas, tem sido o cuidado com a horta, etc311.
Uma outra prática diferente daquilo que normalmente estamos acostumados a ver
nas escolas em geral, e que educadores e educandos sem-terra desenvolvem em suas
escolas, é a prática da gestão coletiva. São práticas ligadas à participação da comunidade
escolar na estrutura orgânica da escola, ajudando a tomar decisões, a administrar e
comandar a execução de tarefas sob sua responsabilidade, a avaliar o desempenho da cada
pessoas e do coletivo na conjunto dos tempos e espaços educativos da escola. São também
práticas de auto-organização dos educandos em vista de sua coletividade específica, e para
viabilizar suas iniciativas de turma ou grupo de educandos. Em termos de quantidade e
caracterização dos tempos, depende muito do nível de participação dos educandos, de sua
idade, condições objetivas de cada escola, envolvimento da comunidade. Essas práticas
envolvem tempo específico de reuniões em grupos menores, plenárias de turmas,
assembléias da escola. Envolvem ainda tempos conjuntos com a comunidade, que também
participa destes processos de gestão312.
As atividades artísticas e lúdicas também são motivo de muito cuidado e atenção
no seu planejamento e elaboração nas práticas educativa nas escolas do MST. São práticas
que combinam desenvolvimento cultural e lúdico, em nosso caso, geralmente misturado à
pedagogia do símbolo, do gesto, da mística do Movimento, com o cultivo da necessária
alegria de viver e de celebrar pequenas vitórias diante de conjunturas políticas
311 Sobre este aspecto da atividade escolar, ver, por exemplo, no capítulo 2, item 2.3, como iniciativas como estas ajudam o MST a lidar com a problemática da evasão de jovens no campo em busca de melhores oportunidades até de mesmo de estudo nas cidades.312 Cf. CRUZ, Nelbi Alves da. PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA: (RE)SIGNIFICANDO A RELAÇÃO PAIS-MONITORES NO COTIDIANO DA ESCOLA COMUNITÁRIA RURAL MUNICIPAL DE JAGUARÉ – ES In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária –Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.
191
desfavoráveis. São práticas, em sua maioria, celebrativas, que podem acontecer permeando
outras práticas, outros tempos, ou ter momentos específicos para que aconteçam.313
Pode-se dizer que outra prática educativa fundamental para o MST também é a
participação em ações do Movimento fora da escola, sobretudo, porque já sabemos que não
é apenas dentro da escola que se aprende. Neste caso, os próprios sem-terra costumam
dizer que o Movimento é sua escola maior. Por isso mesmo, a própria escola pode
provocar e organizar a participação de educandos e educadores em ações do Movimento
em torno da luta maior. Pode integrar-se diretamente a algumas atividades de jornadas de
lutas, participando de marchas, atos públicos, ocupações, etc. Pode, ainda, ajudar a
organizar, no próprio acampamento, campanhas ou comemorações promovidas pelo MST,
ou mesmo, fazer visitas de solidariedade em acampamentos ou em locais de pobreza das
cidades.
Uma outra prática que merece destaque nas escolas do MST é a própria
sistematização das práticas. Registrar e refletir sobre as demais práticas é também uma
prática que ajuda a garantir a qualidade do processo pedagógico. Em algumas das escolas
do MST isto pode ser percebido a partir de atividades como a organização de um tempo
diário específico, chamado de reflexão escrita, até o desfio da elaboração sistemática de
textos sobre o cotidiano da escola, e a realização de pesquisas que resgatem a memória e
façam análises mais rigorosas do processo educativo vivido na escola, ou fora dela. Em
todos os lugares, no entanto, o maior desafio é fazer desta prática um bom hábito dos
educadores, de modo que a compreendam como parte de sua formação pedagógica. Tal
iniciativa pode constituir-se em inclusive num caminho para a prática avaliativa,
313 Cf. Nas classes itinerantes do MST, as crianças aprendem a ser cidadãs e estudam até a ALCA. Mas quando vão continuar os estudos nas escolas das cidades, sofrem um terrível choque de pensamento único, mimeo, 2p.
192
diagnóstica e qualitativa314, quando bem planejada, podendo fornecer caminhos para
aprimorar não só as próprias práticas educativas escolares, mas, também, e, sobretudo, as
práticas militantes num sentido mais amplo.
E assim, neste Movimento de práticas, o MST vai prosseguindo na construção de
suas oficinas de formação humana, de educandos e educadores comprometidos com causas
sociais e humanas, que valem a vida do próprio Movimento.
Em relação àquilo que é transversal em todas estas experiências e práticas
educativas, cabe destacar também a busca do MST pela motivação como elemento
fundamental do processo educativo e formativo em suas escolas. Neste sentido, não se
pode deixar de abordar uma questão que foi mencionada no início deste capítulo, e que
retomamos, agora, já com um outro olhar, vislumbrando mais interpretações quanto ao seu
alcance e sentido: trata-se da utilização dos temas geradores. A nosso ver, são justamente
eles que estão organizando filosófica, política e culturalmente todas estas práticas e
iniciativas, abordadas anteriormente.
Para Paulo Freire, a tematização da realidade é base para uma educação crítica,
dialógica, que propõe ações coletivas como fomentadoras das mudanças sociais,
econômicas e políticas do meio. A partir desta tematização, teoria e prática não se separam,
pois se busca através dela uma formação integral, humana e politicamente compromissada
com os excluídos315. Assim, a tematização não é um apriori, pronto e acabado, mas, sim, o
resultado de uma pesquisa participativa realizadas, por aqueles que fazem e constituem a
educação.
No que se refere à pedagogia da alternância, ela tem como princípio básico o
desenvolvimento de uma ação educativa integrada e reflexiva entre pais, alunos,
314 Cf. LUCKESI, Carlos Cipriano. Avaliação da Aprendizagem escolar. 17ª ed., São Paulo, Cortez, 2005. 315 Cf. FREIRE, Paulo. A pedagogia da autonomia: saberes práticos à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 2000.
193
comunidades onde atua, sobretudo, no meio rural, que é o objeto desta pesquisa.
Alternando teoria e prática, daí o seu nome, por meio de instrumentos pedagógicos, entre
eles o tema gerador, ela vem se constituindo num método de ensino/aprendizagem
construído cotidianamente316.
A pedagogia da alternância, em sua práxis, pretende-se uma educação libertadora.
Isso ocorre, entre outros momentos, quando o instrumento do diálogo é intencionalmente
utilizado para a construção de novos conhecimentos, de uma nova realidade na qual os
educadores não são os detentores do saber. Neste processo educacional, há um processo de
investigação continuada, compartilhando com o educando. Os temas geradores são o elo
para a prática desse diálogo. Na verdade, são eles que irão conduzir, de forma
emancipatória, o processo de construção de conhecimentos dos educandos e das
educandas, uma vez que é por meio dos temas que se inicia a investigação da realidade e a
ela retorna na busca da superação de situações de opressão.
Na década de 1960, estão as origens desta pedagogia no Brasil, mais
especificamente, através das experiências de Paulo Freire, preocupado em estudar formas
para uma pedagogia de libertação e de esperança. Se, nesse período, a educação brasileira
era marcada por um extremo elitismo, conservador e fomentador de valores herdados do
período colonial, essa também foi uma época da efervescência de Movimentos culturais e
sociais. Por isso, também, foi um período de grande perseguição para as grandes
organizações sociais, sobretudo, aquelas voltadas peara o campesinato e para os estudantes.
Em 1962, Paulo Freire iniciou no Nordeste brasileiro um Movimento de
alfabetização de adultos, em que se discutiam temas globais. Era uma educação voltada
para as camadas populares mais oprimidas, em que o homem era visto como ser humano,
politizado e crítico. A preocupação de Freire era não só ensinar o conteúdo, mas também
316 Cf. CESCON, Maria Inês & MOREIRA, Flávio, Op. cit., 2005.
194
levar aqueles educandos a superarem a falta de consciência política e seu desconhecimento
quanto ao que vem a ser o conceito de democracia. Freire chamava seu método de
educação das palavras, pois, segundo ele, a criticidade era indispensável para a construção
da democracia.
A proposta de Freire era difundir uma educação que não reproduzisse a ideologia
autoritária e dominante. Ele procurava, então, trabalhar com temas geradores, que são
situações de desafio apresentadas aos educandos sobre a realidade em que estão inseridos.
Geralmente, estes temas levavam à análise de problemas nacionais ou regionais e, a partir
desses temas, eram selecionadas as palavras geradoras, sempre levando em consideração
o nível maior de compromisso social, cultural e político dessas palavras, sempre visando às
mudanças. Para Freire:
“(...) procurar um Tema Gerador é procurar o pensamento do homem sobre a realidade e sua ação
sobre essa realidade que está em sua práxis. Na medida em que o homem toma atitude na exploração de suas
temáticas, nessa medida sua consciência crítica da realidade se aprofunda e anuncia essas temáticas da
realidade.”317
Pois bem, é exatamente esta idéia de tema gerador318 que se pratica na pedagogia
da alternância desenvolvida nas escolas do MST. Alguns exemplos destes temas geradores
são as culturas, os avanços tecnológicos, a economia doméstica, sementes, artesanato,
violência, formação de pequenas e grandes empresas, culturas diversificadas, alcoolismo,
drogas, respeito, convívio em grupo, educação sexual, diálogo, agrotóxicos, meio ambiente
e política319. Ou seja, o tema gerador está intrinsecamente ligado à práxis da pedagogia da
317 Cf. FREIRE, Paulo. Op. cit., 2000, p. 32.318 Um instrumento historicamente chamado de Plano de Estudos.319 Estes não são os únicos, mas estão entre os mais selecionados pelos próprios educandos das escolas do MST.
195
alternância. Nas escolas do MST, esta metodologia utiliza diversos instrumentos que
contribuem para alcançar o êxito de seus objetivos, sendo eles: a Ficha de Pesquisa, a
Visita de Estudo, o Caderno de Acompanhamento, Atividade de Retorno, Cursinhos e os
Cadernos da Realidade.
O Caderno da Realidade é um registro que os educandos fazem de sua vida
cotidiana que é utilizado em diversas atividades desenvolvidas pelas escolas do MST,
desde a própria prática da escrita e da produção textual até a leitura e interpretação dos
seus conteúdos320. Trata-se de um instrumento importante para a tomada de consciência da
realidade, pois provoca a aprendizagem, contribui para o desenvolvimento completo do
homem, favorecendo o amadurecimento intelectual e psíquico do aluno. Isto porque este
instrumento possibilita aos estudantes passarem pelas diferentes fases da consciência:
mágica, ingênua, fanatizada e crítica, apesar de nem todos alcançarem este resultado.
Ao passar pelo amadurecimento das fases de consciência, o ser humano torna-se
crítico. A consciência crítica permite interpretar a realidade, tornando-se um ser
participante do processo histórico e não mais apenas expectador, procurando libertar-se de
todas as formas de pressão321. Assim, cabe ao estudo da pedagogia da Alternância
propiciar ao jovem sentir-se sujeito ativo perante a sociedade, ajudando-o a despertar a sua
consciência crítica.
Dentro da Pedagogia da Alternância há uma forte ligação do pensamento de
Freire, sobretudo no modelo de Educação Popular diferenciado das escolas regulares, ditas
tradicionais, pois, por meio da alternância busca-se uma interação entre casa/escola onde o
educando possa desenvolver a sua aprendizagem. A alternância permite ao jovem viver
reflexivamente em comunidade, uma vez que busca a promoção do homem do campo,
320 Cf. FIORINI, Marina Célia & DALVI, Solange. Op. cit., 2005.321 Cf. OLIVEIRA, Ednardo Serafim de. Estágio da consciência segundo Paulo Freire. São Paulo, Interação, 1986.
196
sobretudo do camponês, por meio do desenvolvimento e da defesa de práticas agrícolas
que possibilitam ao agricultor conviver de forma harmônica com a natureza, tendo em vista
a preservação dos recursos naturais e a preocupação com a segurança alimentar. Portanto, a
alternância defende uma agricultura que não seja baseada no aumento de produção, mas,
sim, na defesa da agregação de valor aos produtos colhidos pelas famílias.
Estes são elementos da educação do MST, que mostram como suas escolas
enfrentam os desafios do cotidiano escolar com dois objetivos principais: dotar os
educandos de uma consciência crítica a respeito de sua condição como sujeito sem-terra, e
aprofundar o sentido coletivo da existência humana desenvolvendo atividades lúdicas que
possibilitem aprofundar os vínculos destes atores sociais com o próprio Movimento do
qual fazem parte.
Portanto, ao mostrar a complexidade da realidade educacional dentro do MST,
estamos, ao mesmo tempo, mostrando que a força que ele tem. A nosso ver, esta força está
ligada a sua leitura de mundo projetada sobre a realidade nacional e internacional através
de uma grande metáfora que é a luta pela terra.
197
6. O MODERNO PRÍNCIPE EDUCATIVO - UMA ALTERNATIVA CONTRA-
HEGEMÔNICA AO MODELO DE DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NO
BRASIL DO TEMPO PRESENTE
Tendo em vista os diversos argumentos desenvolvidos ao longo dos capítulos
anteriores, neste capítulo, trataremos de juntar as diversas problemáticas discutidas até
aqui, construindo o nexo existente entre elas, de modo a explicitarmos o argumento que
sustenta a tese levantada no título desta pesquisa, ou seja, o MST é na história do Brasil do
tempo presente o Moderno Príncipe educativo.
Para isto, vamos retornar ao pensamento de Gramsci, tecendo alguns comentários
sobre sua produção teórica acerca do Moderno Príncipe. Como foi visto no capítulo 1,
temos que situar que partido, para Gramsci, é algo que nada tem a ver necessariamente
com o partido político convencional. Trata-se, na verdade, de todo e qualquer aparelho
privado de hegemonia que organize um grupo, construindo o que Gramsci chama de
vontade coletiva organizada. Por isso, a imprensa, uma agremiação, uma associação, um
Movimento social, etc. podem assumir o papel de partidos. Esta idéia está diretamente
relacionada ao conceito de Moderno Príncipe322 como um viveiro de organizadores
selecionados de um conjunto de intelectuais enquanto persuasores permanentes, por seu
papel politicamente indissociável de organização e de instrumento de elevação moral das
massas, isto é, de uma tomada de consciência crítica, que só pode ser viável através da
cultura comum. Isto é o que Gramsci apreende a partir da noção de catarsis323. Vejamos
como ele define o que vem a ser o momento catártico:
322 Cf. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. 4ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980, p 6.323 Cf. GRAMSCI, Antonio. A concepção dialética da História, 2ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, p. 53.
198
“Pode-se empregar a expressão catarsis para indicar a passagem do momento
puramente econômico (ou egoísta passional) ao momento ético-político, isto é, a elaboração
superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens. Isso significa também a
passagem do objetivo ao subjetivo e da necessidade à liberdade. A estrutura da força exterior que
subjuga o homem, assimilando-o e o tornando-o passivo, transforma-se em meio de liberdade, em
instrumento para criar uma nova forma ético-política, em fonte de novas iniciativas. A fixação do
momento catártico torna-se assim, creio, o ponto de partida de toda a filosofia da práxis; o
processo catártico coincide com a cadeia de sínteses que resultam do desenvolvimento
dialético”.324
A elaboração superior remete à uma idéia que é central em todo o pensamento de
Gramsci, para quem a cultura nada tem a ver com o saber enciclopédico, erudito, pois, para
ele, todo homem é um intelectual, ainda que não viva disso como profissão. A cultura é, na
verdade, a conquista de uma consciência superior, capaz de permitir ao homem
compreender seu valor histórico, seus direitos e seus deveres.
O próprio intelectual deve tomar consciência de sua constituição sociológica – sua
inserção concreta nas relações sociais – que é sempre contraditória, superando seu
isolamento, ligar-se às massas, unificando, através de sua prática, o que toda sociedade de
classes separa, que é a política e a cultura325, como mostra Gramsci:
“A filosofia da práxis não busca manter os simplórios na sua filosofia primitiva do senso
comum, mas busca, ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a
exigência do contato entre os intelectuais e os simplórios não é para limitar a atividade científica e
para manter uma unidade no nível inferior das massas, mas justamente para formar um bloco
intelectual-moral, que torne politicamente possível um progresso intelectual da massa e não
apenas de um pequeno grupo de intelectuais.”
324 Os grifos são nossos.325 Cf. GRAMSCI, Antonio. Op. cit., 1978, p. 20. Os grifos são nossos.
199
Sobre essa ligação dos intelectuais às massas vejamos o que diz Gramsci:
“O elemento popular sente, mas nem sempre compreende ou sabe; o elemento intelectual
sabe, mas nem sempre compreende e, muito menos sente (...) O erro do intelectual consiste em
acreditar que se possa saber sem compreender e, principalmente, sem sentir ou estar apaixonado
(não só pelo saber em si, mas também pelo objeto do saber), isto é, acreditar que o intelectual
possa ser um intelectual (e não um mero pedante) mesmo quando distinto destacado do povo-
nação, ou seja, sem sentir as paixões elementares do povo, compreendendo-as e, assim explicando-
as e justificando-as em determinada situação histórica, bem como relacionando-as dialéticamente
às leis da história a uma concepção do mundo superior, científica e coerentemente elaborada, que é
o saber; não se faz política-história sem essa paixão, isto é sem essa conexão sentimental entre
intelectuais e povo-nação. Na ausência deste nexo, as relações do intelectual com o povo-nação
são, ou se reduzem, a relações de natureza puramente burocrática e formal: os intelectuais se
tornam uma casta ou sacerdócio (o chamado centralismo orgânico).”326
A leitura de Gramsci traz, portanto, em si, a adoção do ponto de vista da luta de
classes na política. O Moderno Príncipe é um organismo ou elemento complexo da
sociedade onde haja vontade coletiva organizada na ação327. Seu fim é fundar um novo
estado. Ele é, portanto, o partido revolucionário, segundo as palavras de Gramsci:
“Para se traduzir em linguagem moderna a noção de príncipe, da forma como ela se
apresenta no livro de Maquiavel, seria necessário fazer um série de distinções: Príncipe poderia
ser um chefe de Estado, um chefe de governo, mas também um líder político que pretende
conquistar um Estado ou fundar um novo tipo de Estado; neste sentido, em linguagem moderna,
poderia ser partido político. Na realidade de todos os Estados, o chefe do Estado, isto é, o
equilibrador dos diversos interesses em luta contra o interesse predominante, mas não exclusivo
326 Cf. GRAMSCI, Antonio. Op. cit., 1978, p. 138-139. Os grifos são nossos.327 Cf. GRAMSCI, Antonio. Op. cit., 1980, p 102. Os grifos são nossos.
200
num sentido absoluto, é exatamente o partido político; ele, porém, ao contrário do que se verifica
no direito constitucional tradicional, nem reina nem governa juridicamente: tem o poder de fato,
exerce a função hegemônica e, portanto, equilibradora de interesses diversos na sociedade civil;
mas de tal modo se entrelaça com a sociedade política, que todos os cidadãos sentem que ele reina
e governa. Sobre esta realidade, que se movimenta continuamente, não se pode criar um direito
constitucional do tipo tradicional, mas um só sistema de princípios que afirma como objetivo do
Estado o seu próprio.fim, o seu desaparecimento, a reabsorção da sociedade política pela civil.”
Acerca da relação entre os intelectuais e o partido, cabe destacar a seguinte
passagem:
“O que é que um partido se torna em relação ao problema dos intelectuais? È necessário
fazer algumas distinções: 1) para alguns grupos sociais o partido não é senão o próprio modo de
elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos (que se formam assim, e não podem deixar de se
formar, dadas as características gerais e condições de formação, de vida e de desenvolvimento do
grupo social dado) diretamente no campo político e filosófico, e já não mais no campo da técnica
produtiva; 2) o partido político para todos os grupos, é precisamente o mecanismo que representa
na sociedade civil a mesma função desempenhada pelo Estado, de um modo mais vasto e mais
sintético, na sociedade política, ou seja, proporciona a fusão entre os intelectuais orgânicos de um
dado grupo – o grupo dominante – e os intelectuais tradicionais; e esta função é desempenhada
pelo partido precisamente em dependência de sua função fundamental, é a de elaborar os seus
próprios componentes, elementos de um grupo social nascido e desenvolvido como econômico, até
transformá-los em intelectuais políticos qualificados, dirigentes, organizadores de todas as
atividades e funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma sociedade integral, civil e
política. ”328
328 Cf. GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 3ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1985, p. 14. Os grifos são nossos.
201
Sobre a relação entre o Moderno Príncipe e suas tarefas no processo
revolucionário329, Gramsci afirma:
“Seria possível estudar concretamente a formação de um Movimento histórico coletivo,
analisando-o em todas as suas fases moleculares (...). Trata-se de um processo molecular
miudíssimo, de análise extrema, capilar, cuja documentação é constituída por uma quantidade
incrível de livros, opúsculos, artigos de revistas e de jornais, de conversações e debates verbais que
se repetem infinitas vezes e que no seu conjunto gigantesco representam este trabalho do qual
nasce uma vontade coletiva com um determinado grau de homogeneidade, grau que é necessário e
suficiente para determinar uma ação coordenada e simultânea no tempo e no espaço geográfico em
que o fato histórico se verifica.”
Como no capítulo 1, Gramsci, se preocupa em ressaltar o caráter pedagógico da
aliança entre a classe operária, o sujeito revolucionário, naquelas condições históricas, e as
outras classes ou estrato sociais, também subalternos na sociedade capitalista, como no
caso italiano, o campesinato.
Neste capítulo, buscamos, portanto, entender de que forma o MST vem exercendo
na conjuntura política brasileira da virada do milênio, o papel do Moderno Príncipe,
resgatando, na análise de sua trajetória histórica, todos os elementos do pensamento
gramsciano destacados nos parágrafos anteriores.
Isto significa que, segundo nosso entendimento, o MST é um partido político, e
mais, exerce a função do partido revolucionário, que organiza determinadas classes sociais,
e, ao mesmo tempo, se constitui numa alternativa para outras classes também socialmente
excluídas pelo modelo de desenvolvimento capitalista dominante no país.
329 Cf. GRAMSCI, Antonio. Op. cit., 1980, p 90.
202
Esta alternativa não é outra coisa senão a busca de caminhos para a superação dos
processos de expropriação, espoliação e exploração que marcam, na verdade, a sociedade
brasileira como todo. Os caminhos para a superação desta ordem não se encontram só no
meio urbano, mas, também, e, principalmente, no campo, na medida em que é justamente
no meio rural que vêm surgindo, no país, movimentos sociais de maior expressividade, que
têm questionado a lógica da reprodução espacial330, a partir das reivindicações do campo,
como o acesso à terra, o fim dos latifúndios e a realização da reforma agrária. A questão é
que os Movimentos sociais do campo vêm conseguindo tais resultados por compreenderem
que existe a necessidade de questionar o próprio modelo de desenvolvimento econômico
do país, o que faz com que sua proposta se constitua, na verdade, numa alternativa para as
populações subalternas. Estas propostas vão muito além de utopias da forma espacial ou
aparente solução de demandas imediatas. São projetos de sociedade, de novas
subjetividades, de novas relações com o trabalho e de novos modelos econômicos. Uma
dessas propostas, a nosso ver, é um novo modelo de assentamento rural elaborado pelo
MST, chamado de Comunas da Terra. Não é apenas seu significado para o Movimento e a
implementação em si da proposta, mas toda a discussão que, a partir dela, podemos realizar
tanto no que se refere à superação para além do campo das estratégias de luta do
Movimento. Referimo-nos, mais precisamente, aos desafios que esse novo projeto enfrenta
enquanto aposta na recampesinização e na construção de novas relações campo-cidade,
que são o foco desta proposta. Cremos que, ao trazer estas novas categorias conceituais, já
bastante difundidas no campo da geografia agrária, para a discussão historiográfica
marxista, poderemos avançar no sentido de compreender melhor os movimentos sociais
rurais no Brasil contemporâneo. Mas, poderemos, sobretudo, dar conta de uma realidade
330 Cf. GOLDFARB, Yamila. O DESAFIO DA RECRIAÇÃO CAMPONESA ATRAVÉS DE UMA NOVA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE NAS COMUNAS DA TERRA In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.
203
desafiadora em termos da apreensão teórica para o campo marxista, que é perceber como
estes sujeitos coletivos, não necessariamente assalariados, não enquadrados na categorial
social do proletariado industrial urbano, organizam hoje um novo bloco histórico em torno
de uma proposta política que enfrenta os dilemas do capitalismo brasileiro. Desta forma,
apontam caminhos para a elaboração de um modelo alternativo contra-hegemônico à
ordem sócio-econômico vigente no país. Isso porque as Comunas da Terra trazem como
principal característica o desafio de serem assentamentos formados por populações vindas
essencialmente dos grandes centros urbanos e localizarem-se próximas aos mesmos.
Até o início dos anos 1990, a questão da reforma agrária girava em torno do
debate acerca do que eram terras produtivas, improdutivas, desapropriações, pois era
entendida como necessária à eliminação dos latifundiários enquanto classe e enquanto
divisão das terras que eles controlavam. O problema é que neste período o agronegócio
tornou-se a base de sustentação da política econômica do governo, baseada na obtenção de
superávits primários a partir principalmente da exportação de gêneros agrícolas, o que
garantia saldos positivos na balança comercial, mantendo a política econômica que
primava por honrar os compromissos com o capital financeiro331. Esta foi a válvula de
escape para os latifúndios improdutivos, de maneira rentável, saírem de tal classificação,
fazendo, inclusive, com que vários setores da sociedade brasileira chegassem a desprezar a
importância da reforma agrária não só como política econômica, mas, sobretudo, como
política social.
Neste momento, solidifica-se uma aliança política entre o governo, o setor
financeiro e a grande mídia, todos a favor do papel fundamental do agronegócio e de sua
eficiência para a economia do país. Para alguns autores que estudam a questão agrária do
331 Cf. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Os mitos sobre o agro-negócio - Artigo extraído de documento apresentado no XII Encontro Nacional do MST, em São Miguel do Iguaçu, PR, de 19 a 24 de jan. de 2004, Revista Sem-terra Ano VI, nº. 24, Maio/Jun. 2004.
204
período, a reforma agrária deixar de ser fundamental até mesmo para a burguesia nacional,
pois o modelo econômico neoliberal havia feito a mágica de fazer o Brasil passar do pré-
capitalismo ao capitalismo332.
Neste contexto, surge, então, a proposta do MST, que revela pelos menos duas
facetas do Movimento: a primeira delas diz respeito à necessidade de sustentar sozinho a
luta pela reforma agrária333; e a outra, que assume ainda maior destaque para os fins desta
tese, é a iniciativa de buscar novos interessados334 pela mesma. Por isso mesmo, vem a
aproximação com Movimentos sociais do meio urbano, como expressa este pequeno trecho
de uma entrevista dada por João Pedro Stédile à revista Carta Capital335:
“.. A nossa sorte é que nós, ao longo destes anos, construímos um projeto ideológico. Não
fica só na luta corporativa de quero terra. E isso permite ter consciência suficiente de perceber que
a própria reforma agrária não tem viabilidade se não se der dentro de um novo projeto. O qual
impõe a aliança com os Movimentos sociais da cidade. Parte da nossa energia se destina a
construir essa unidade com os outros. Na nossa avaliação, hoje o alvo principal é a juventude das
grandes cidades. Não mais o operariado industrial, que está debilitado e destruído política e
ideologicamente...”
Analisando este fragmento do discurso da liderança do MST, quantos aspectos
interessantes podemos destacar: o primeiro deles é a avaliação quanto ao que já foi tratado
no capítulo acerca da diferença entre questão agrária e reforma agrária no Brasil, quando
uma coisa não quer dizer necessariamente a outra; um segundo aspecto é a avaliação da
332 Cf. GEMER, Claus. O desenvolvimento do capitalismo no campo e a Reforma Agrária In: STÉDILE, João Pedro (org.). A questão Agrária na década de 90. EdUFRGS, Porto Alegre, 1994.333 Diga-se de passagem, um projeto de reforma agrária, visto como estratagema de uma política social que fazia parte de uma luta mais ampla terra e por direitos sociais para os atores sociais do campo, que, como vimos no capítulo 2, têm sido historicamente marginalizados pela sociedade e excluídos das políticas públicas.334 Novas alianças políticas.335 Entrevista concedida em 21 de setembro de 2005.
205
necessidade de uma aliança entre setores do campesinato336 brasileiro e setores populares
do meio urbano, ou seja, alguns estratos do proletariado urbano, que no seu conjunto está
em crise; um terceiro aspecto é a constatação de que há um caminho alternativo para a
juventude urbana em relação à proletarização, dentro de um projeto voltado para as
massas populares337.
Neste momento, há outras iniciativas que demonstram a tentativa de união entre
os diversos movimentos sociais rurais e urbanos no país. Primeiramente, a constituição da
CMS – Coodernação dos Movimentos Sociais, que, segundo Stédile, tratava-se de um
novo movimento que articula desde as pastorais sociais até a CUT, formando um grande
mutirão plural, frente à identificação de que o problema fundamental da população
brasileira, assim como a causa da pobreza, era a falta de emprego e trabalho. O segundo
fato foi a constituição em 1997 do MTD338 – Movimento dos Trabalhadores
Desempregados – durante o seminário Consulta Popular. O MTD tem como objetivo
mobilizar e articular os trabalhadores desempregados do país. Segundo o integrante da
coordenação nacional do Movimento e um de seus fundadores, Mauro Cruz, o MTD
nasceu da necessidade de se criar um Movimento urbano de massas para mobilizar o povo
da cidade na busca de moradia, emprego e que também pudesse dialogar com os
movimentos do campo. Para Mauro, justamente nas cidades, onde se concentraram as
massas, os movimentos organizados não davam conta de um projeto articulado com as
336 Ainda que o conceito de campesinato aqui possa ser questionado, pois ainda não chegamos ao ponto de abordar a questão onde defendemos sua atualidade como base social do MST, esgotando a discussão conceitual para fins de conclusão desta tese em páginas mais adiante.337 Quase um mês após esta entrevista, Stédile expôs em debate sua insatisfação com os partidos políticos de esquerda, pela falta de mobilização da juventude urbana, o que, a seu ver, decorria da falta de projeto de nação e de futuro, de um modelo econômico socialmente inclusivo da parte dos mesmos. Comunicado pessoal ao autor em 15 out. 2005 durante a Conferência Internacional Pensamento e Movimentos Sociais ma América Latina e Caribe – imperialismo e resistência, realizado de 13 a 16 de Outubro de 2005, organizada pelos programas de pós-graduação em História e Geografia da Universidade Federal Fluminense com apoio do CNPq e da decania de Extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).338Disponível em <http://br.geocities.com/mtdorg/>. Acesso em 23 nov. 2006.
206
áreas rurais. Por isso, decidiu-se organizar-se um Movimento urbano de massas que já
nascia articulado com os movimentos do campo339.
Esse é o quadro em que emergem as proposta do MST em torno das Comunas da
Terra, num quadro de unificação e experimentação de novas formas de luta. Cabe destacar,
no entanto, que este projeto aposta consciente ou inconscientemente na campesinidade e na
possibilidade de campesinização e recampesinização, isto é, na criação e recriação
camponesa através da luta enquanto proposta política340.
“A campesinidade corresponde a uma qualidade encontrada em diferentes tempos e lugares,
que expressa a importância de valores da ética camponesa para indivíduos ou grupos específicos.
Estes podem apresentar um maior ou menor grau de campesinidade segundo a trajetória de vida de
cada um e sua forma de integração à sociedade moderna capitalista.”
Segundo o MST as Comunas da Terra têm a missão de absorver o proletariado
expropriado, tendo como objetivo a recampesinização. No entanto, cabe esclarecer que
este processo vem-se realizando numa concepção diversa da tradicional, ligada ao campo
nostálgico, o que frisamos no capítulo 2, quando discutimos a historicidade dos sujeitos
coletivos na história do capitalismo, noção esta aplicada, particularmente, ao campesinato.
Trata-se de um novo campo, redefinido por uma relação mais interativa com a cidade,
inclusive na questão cultural e simbólica.
Trata-se, por isso, de uma síntese inovadora que surge como resultado de
processos desenvolvidos tanto no campo como na cidade, representando possivelmente
339 Quanto à historicidade de tal processo, comparar com KAUTSKY, Karl Socialização da agricultura: prólogo à primeira edição IN A Questão Agrária. São Paulo, Brasiliense, 1981, pp. 127-132.340 Cf. MARQUES, Marta Inês Medeiros. A relação campo-cidade: em questão a subordinação do campo pela cidade. Trabalho apresentado no XII Encontro da AGB. Goiânia, 2003.
207
uma resposta ao contínuo processo de expropriação espacial em que está baseada a
reprodução social, sobretudo no meio urbano brasileiro.
A Comuna da Terra vem, portanto, acompanhada de novos aspectos como a
modernização das técnicas e a melhoria das habitações, que ampliam a infra-estrutura dos
assentamentos, misturando componentes culturais tradicionais do campo com elementos da
cultura urbana. É, pode-se dizer, um novo campo, no qual a modernização e libertação
popular caminham juntas341.
Além de ser uma alternativa para a viabilidade econômica de assentamento
pautados nos modelos convencionais, este novo projeto de assentamento rural, resultado e
resposta à crise das cidades, traz novas questões para a reflexão acerca da relação campo-
cidade, avançando sobre a dicotomia entre ambos, tanto do ponto de vista espacial quanto
do cultural. Contudo, não implica desconsiderar as diferenças entre campo e cidade. Pelo
contrário, se por um lado diminui a distância entre espaços rurais e urbanos ao mesmo
tempo em que é síntese de ambos, por outro lado, reafirma a defesa de um modo de vida
camponês, sem negar o modo de vida urbano. Desta forma, defende o espaço rural e a
natureza, ainda que introduza elementos urbanos nessa paisagem agrária como, por
exemplo, vias de circulação, saneamento básico, luz, sistemas de comunicação, incluindo
telecentros, quadras de esporte, anfiteatros para eventos culturais e encontros da própria
comunidade, etc342. Assim, a própria cidade, seus espaços e sua população estão sendo
incorporados na luta pela reforma agrária, conforme afirma Ariovaldo Umbelino:
“A cidade é hoje palco e lugar das lutas rurais/urbanas e/ou urbanas/rurais. O que significa
dizer que a compreensão dos processos que atuam na cosntrução/expansão da cidade passa pela
341 Cf. HARVEY, David. Espaços da Esperança. São Paulo, Loyola, 2005.342 Cabe lembrar das discussões que estiveram e ainda estão em pauta na construção de uma proposta pedagógica para as escolas de assentamento, no âmbito na elaboração de um projeto de educação básica para o campo, cujas problemáticas em questão discutimos exaustivamente no capítulo 4 desta tese.
208
igualmente necessária compreensão dos processos que atuam no campo (...) A cidade e o campo
estão unidos dialeticamente, quer no processo produtivo, quer no processo de luta.”343
A proposta das Comunas da Terra é resultado também do amadurecimento das
discussões acerca de novas formas de assentamento344, e isso é demonstrado pelo simples
fato de o termo ter sido utilizado por se tratar de uma proposta e não um modelo. Em cada
região, tal idéia pode ganhar formas distintas, já que ela se baseia em princípios e não em
formas espaciais ou organizações sociais fechadas. Por isso mesmo, não é um modelo que
se presta a ser deslocado de uma região para outra, mas, sim, uma série de diretrizes que
podem ser combinadas de diferentes formas, de acordo inclusive, com as especificidades e
exigências locais345.
A proposta consiste em criar comunidades de economia camponesa próximas aos
grandes centros urbanos. Para tanto, elas se organizam em lotes pequenos, de dois a cinco
hectares por família, cuja situação jurídica com relação à terra será de concessão ou
permissão de uso, coletivo ou familiar. O projeto visa a voltar sua produção para a
segurança alimentar das famílias e para o abastecimento das cidades vizinhas com produtos
hortifrutigranjeiros, também para a oferta de outros serviços como o lazer, através do
turismo rural, ou ensino, através de sua constituição enquanto espaço de formação. A
produção não agrícola também é outro elemento importante desta proposta, incorporando
atividades como a marcenaria, o artesanato, o paisagismo, etc. como possibilidades de
absorção de uma população jovem, que não tem mais interesse nas atividades agrícolas
tradicionais.
343 Cf. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. O campo brasileiro no final dos anos 80 In STÉDILE, João Pedro. A questão agrária na década de 90 (org.). . EdUFRGS, Porto Alegre, 1994.344 Onde mais uma vez a discussão pedagógica analisada nos capítulos 4 esteve presente.345 Destacamos aqui mais uma vez a pedagogia política do MST, que apesar de lidar como tantas dissidências ao longo de sua trajetória, procura apontar diretrizes ao invés de determinações programáticas. Por um lado, a influência das questões educacionais está em jogo, por outro lado, a preocupação com os Movimentos moleculares determinando certo grau de homogeneidade, como disse Gramsci, também deixa sua marca.
209
Outro elemento interessante das Comunas de Terra é o fato de visarem à inclusão
de segmentos da população marginal das cidades, o que significa que não engloba apenas
camponeses expropriados da terra, mas também pessoas que não têm uma história recente,
diretamente ligada ao campo. Compõem esses assentamentos e acampamentos camponeses
que tiveram que deixar o campo, bóias-frias que foram às cidades em busca de melhores
oportunidades, ex-presidiários, ex-prostitutas, ex-moradores de albergues, ex-trabalhadores
moradores de rua, desempregados e subempregados346. Segundo o MST, trata-se do
proletariado expropriado que, em grande parte dos casos, também foi camponês
expropriado e migrou para as cidades, mas manteve o vínculo com o campo, por exemplo,
através de familiares347. Isso explica, em grande parte, a presença e permanência de
princípios e valores que remetem a uma moral e uma lógica tradicionalmente
camponesas348.
Com relação à propriedade privada da terra, o MST tem a preocupação de que ela
seja um bem comum e não uma propriedade privada. Para tanto, o seu uso pode ser
exercido de forma familiar, associativa, cooperativista349, por empresa comunitária ou por
empresa pública, de acordo com as necessidades de cada região, mas sem a permissão de
ou direito à venda ou arrendamento. Discute-se hoje a possibilidade de tornar a posse desta
terra coletiva, em nome de uma instituição jurídica representativa das famílias e não em
346 Aquelas populações que podem ser identificadas como parte do lúmpen proletariado. Aqui frisamos podem porque há controvérsias neste caso, já que a origem marxista do termo atribui a estes segmentos a ausência da consciência de classes e desorganização social, que por vezes fez deles um segmento social reacionário, como foi destacado por Karl Marx na obra O 18 Brumário de Louis Bonarparte, Cap. VII. Disponível em <http://www.marxists.org/portugues/marx/1852/03/18brumario/cap07.htm#topp>. Acesso em 23 nov. 2006.347 Cf. CHELLOTTI, Marcelo Cervo & PESSOA, Vera Lúcia Salazar. UNIDADE NA DIVERSIDADE: AS MÚLTIPLAS IDENTIDADES ENCONTRADAS EM ASSENTAMENTOS RURAIS In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.348 Cf. MARQUES, Marta Inês Medeiros. Op. cit., 2003.349 Voltando aos capítulos 2 e 4 desta tese, podemos observar duas questões: primeiramente, a forma alternativa de propriedade em relação à propriedade privada (burguesa), e a segunda é a questão da forma de produção baseada na cooperação, tema transversal na discussão sobre as escolas de assentamento.
210
nome de pessoas físicas. E que ela permaneça enquanto seção de uso, sem se tornar um
título de propriedade.
Mas a esta altura, se já temos elementos para caracterizar o programa de reforma
agrária do MST, como um programa contra-hegemônico ao modelo de desenvolvimento
capitalista no Brasil, resta, ainda, uma questão crucial para pensarmos em termos
revolucionários: quem são afinal os sujeitos deste Movimento? Qual é o perfil da sua base
social? Por que o Movimento aposta na forma de um novo campesinato? E por fim, como
este Movimento pode representar uma vontade coletiva nacional-popular? Estas, sem
dúvida, são questões que têm despertado muitas discussões quanto à capacidade ou não de
os MST vir a sustentar esta condição de partido revolucionário. Até mesmo porque ainda
prevalece no campo das esquerdas uma desconfiança muito grande em relação ao papel
histórico desse novo campesinato, como identidade coletiva de um ator social tão
complexo, tal como o campesinato vem se constituindo através dos diversos movimentos
sociais rurais que atuam hoje no Brasil. Se tomarmos como ponto de reflexão o conceito de
espacialização, veremos que todas estas experiências até agora discutidas nesta tese, desde
o âmbito educacional até as questões ligadas à economia, passam a fazer parte da cultura
política350 do Movimento. Portanto, estas experiências passam a estar presentes onde quer
que ele atue, seja através da territorialização, seja através da elaboração de alianças com
outros setores sociais em torno da discussão de pontos comuns num programa político
comum. Neste sentido, cabe então fazer a seguinte pergunta: o MST é um partido
camponês? E sendo um projeto camponês, até que ponto ele pode unificar a luta das
classes sociais excluídas pelo modelo de desenvolvimento econômico brasileiro? Em
outras palavras, se camponês faz revolução, que tipo de revolução será capaz de fazer? Na
atualidade, há muitas controvérsias em torno destas questões.
350 A cultura comum a que Gramsci se refere.
211
Quanto à participação do estado e demais entidades no processo de consolidação
dos assentamentos, estes não têm proporcionado a incorporação de tecnologias nos
processos produtivos dos agricultores assentados, nem os têm enquadrado em uma classe
ou grupo social de relevante expressão política, fatores estes que têm conduzido as famílias
assentadas à marginalização social. Desta maneira, com o processo de reforma agrária,
segundo alguns autores351, tem emergido um grupo de agricultores com características
próprias, cujo perfil não se identifica com a tipologia de camponês ou de agricultor
familiar. Para estes autores, o não pertencimento a estas categorias tem gerado uma crise
de identidade, que nada tem contribuído para o fortalecimento de uma rede de agricultores
organizados em trono de um mesmo interesse. A falta de expressão política, o modo de
vida alternativo, bem como a ausência de um conceito adequado aos sujeitos da reforma
agrária, são questões que devem ser enfrentadas. Segundo alguns autores, o conceito de
camponês352 está relacionado ao uso do trabalho limitado pelo objetivo fundamental de
satisfazer as necessidades familiares, sendo o que define a existência camponesa resumida
pela expressão balanço entre trabalho e consumo353. Um outro conceito utilizado por
outros autores é o de agricultor familiar, que também é largamente adotado para denominar
os sujeitos da reforma agrária354. Inclusive, este conceito é divulgado nos discursos
governamentais e nos seus programas direcionados á reforma agrária. O conceito de
agricultura familiar tem sido especialmente disseminado por pesquisadores do NEAD –
Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural355. Quando o governo considera os
351 Cf. CRUZ, Nelson Ney Dantas & SANTOS, Rosselvelt José. OS SUJEITOS DA REFORMA AGRÁRIA E SUA CONCEITUAÇÃO. ES In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.352 Cf. ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. 2ª ed, Campinas, HUCITEC, 1998, p. 61.353 Cf. CHAYANOV, Alexander V. Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas IN A Questão Agrária. São Paulo, Brasiliense, 1981, pp. 133-164.354 Cf. MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1983.355 Este núcleo é parte integrante do Ministério de Assuntos Fundiários e suas pesquisas orientam as políticas públicas de desenvolvimento agrário.
212
assentados com agricultores familiares, ele pode estar caracterizando-os sob o aspecto
integrante e inclusivo, que esta classificação confere aos pequenos agricultores dos países
desenvolvidos. Isso não ocorre com a categoria de agricultores da reforma agrária no
Brasil. Distribuir terra sem políticas eficientes de inclusão não significa integrar o pequeno
produtor assentado ao mercado ou a benefícios que garantam o seu desenvolvimento no
campo. Atribuí-lhe o título de agricultor familiar, com imitação à tipologia dos pequenos
produtores rurais de países desenvolvidos, apresenta fortes contradições. A Agricultura
familiar dos países centrais apresenta dinamismo econômico e inovação tecnológica.
Um outro aspecto a destacar nas análises que problematizam a questão da
identidade destes novos sujeitos sociais rurais no Brasil é que a redistribuição de terras pela
reforma agrária vem atraindo para o campo, um contingente de trabalhadores com
experiências profissionais nos mais diversos ramos de atividades. Dentre os trabalhadores
que estão tendo acesso à terra, como proprietários, não há somente aqueles que tiveram
experiência no campo como trabalhadores rurais. É nesse sentido que a reforma agrária não
tem beneficiado somente trabalhadores rurais sem-terra. Isto porque os benefícios
oferecidos pela redistribuição de terras têm atraído outros grupos marginalizados, que
vivem nas periferias das cidades. A possibilidade de construir a casa própria, um lote para
morar e ali desenvolver a própria vida, são atrativos interessantes ao morador urbano que
ainda não obteve tal conquista. Além disso, ser proprietário de um pedaço de terra significa
para estas pessoas uma ocupação capaz de gerar alguma renda. Este contexto revela que os
assentamentos rurais não atraem somente trabalhadores rurais sem-terra, demonstrando
que em seu território existem famílias com pouca habilidade para lidar com a terra, cuja
experiência de vida não lhe conferiu tais qualidades. Desta forma, a cultura dos
213
trabalhadores rurais sem-terra e trabalhadores de fora do meio rural conjugam-se em um
mesmo espaço, manifestando modos de vida divergentes356.
Dentre as profissões exercidas anteriormente pelos assentados nestas condições,
há uma predominância quanto a empregos temporários como lavrador, bóia-fria,
empregadas domésticas e pedreiros. Para estas famílias, o acesso à propriedade da terra
tornou-se uma oportunidade de possuir casa própria e superar as dificuldades impostas pelo
desemprego. Estes são alguns dos atrativos que motivam o processo de deslocamento de
trabalhadores da cidade em direção os assentamentos da reforma agrária. Explicar este
processo de deslocamento somente pelo aspecto produtivo da terra poderia nos induzir a
erros. Isto porque, as experiências de vida da cada família assentada demonstram que nem
todas possuem habilidades para lidar com a terra, e desta maneira, o exercício da profissão
de agricultores não se caracteriza como o motivo principal da migração. Segundo tais
análises, alguns assentados continuam exercendo as profissões que anteriormente
desenvolviam na cidade, pois dependem deste trabalho para complementar a renda
familiar. As condições estruturais a que as famílias estão submetidas limitam sua produção
agrícola e interferem diretamente nos seus modos de vida. Uma das causas deste processo
tem suas raízes nas políticas de reforma agrária executadas pelo Governo. Os
assentamentos estão sendo implantados e consolidados como condições mínimas de infra-
estrutura, impondo a seus beneficiários certas dificuldades principalmente em relação a
assistência técnica e crédito rural357. Tal situação justifica a necessidade de alguns
assentados obterem renda através do trabalho exercido fora do lote.
356 Para tais autores esta situação torna-se um obstáculo à formação de uma vontade coletiva357 Paulo Alentejano aponta que neste caso a luta pela terra vem se revelando muito mais uma estratégia para aprofundar a desmobilização dos trabalhadores rurais e urbanos no seu conjunto do que um avanço na organização dos sujeitos sociais do campo, que desta forma acabam aprofundando a precarização do trabalho e seu estado de subordinação aos interesses capitalistas no meio rural. Cf. ALENTEJANO, Paulo Roberto. A questão Agrária no Brasil, mimeo, 8p.
214
As definições de camponeses ou agricultores assentados estão presentes em
diversas pesquisas acadêmicas que tratam do assunto reforma agrária. Deste modo, tem
ocorrido uma generalização dos assentados, às vezes, tratados como camponeses, outras
vezes, tratados como agricultores familiares. Este procedimento é visto com muitas
reservas pelas leituras em torno da questão agrária no Brasil a que nos referimos no
parágrafo anterior. Nesse caso, o fato de possuir uma pequena propriedade rural com
utilização da mão-de-obra familiar não nos autoriza a denominá-los nem uma coisa nem
outra. Há, na verdade, um outro sujeito sendo gestado nos assentados cuja conceituação
foge ao alcance de ambas as definições anteriormente citadas. O estudo do conceito de
agricultura familiar é analisado como totalmente integrado ao mercado e ao
desenvolvimento capitalista, modelo próprio dos países desenvolvidos, em que o Estado é
o órgão regulador dos níveis de ofertas agrícolas, segundo Ricardo Abramovay:
“(...) coube às políticas públicas garantir esta atomização na oferta, imprimir estabilidade de
preços, de maneira a manter a renda do setor num patamar cada vez mais institucionalmente
definido e seguro e no mínimo suficiente para assegurar produção abundante.”358
Desta maneira, a produção dos agricultores familiares tem efetiva intervenção
do Estado através de políticas agrícolas eficientes. Para que haja produção abundante e
suficiente para abastecer a população, de acordo com as determinações do Estado, é
necessário que haja disponibilidade de tecnologias em auxílio à agricultura familiar. Neste
contexto, um outro elemento, apontado por Ricardo Abramovay, como essencial ao
desenvolvimento da agricultura familiar nos países desenvolvidos, é a inovação
358 Cf. ABRAMOVAY, Ricardo. Op. cit., 1998, p. 21-22.
215
tecnológica, cujo aparecimento também se deve à participação estatal, que assim regula
esta forma de agricultura, como afirma:
“(...) o peso do estado na consolidação da agricultura familiar como a base social do
dinamismo do setor é fundamental: interferência nas estruturas agrárias, na polítca de preços,
determinação estrita da renda agrícola e até do processo de inovação técnica(...)” 359
O desenvolvimento de altas tecnologias na agricultura familiar tem sido
importante para integração dos agricultores ao mercado capitalista. A capacidade de
fornecerem alimentos em abundância é fundamental, pois contribui enormemente para
novos padrões de consumo característicos da expansão capitalista. É nesse ponto que a
agricultura familiar se torna parte complementar e fundamental ao sistema capitalista, já
que ela proporciona o desenvolvimento de outros setores de sua economia. A preocupação
presente nesta unidade familiar não passa pela questão de subsistência nem pelo comércio
restrito aos excedentes produzidos. O que está posto é a dependência e submissão à
estrutura econômica do capitalismo e às formas capitalistas de produção.
Tais leituras apontam que, no Brasil, a pequena propriedade rural está longe de ser
caracterizada como agricultura familiar, principalmente as pequenas unidades de produção
dos assentamentos rurais. A política agrícola do Governo brasileiro não tem sido capaz de
fornecer aos produtores rurais da reforma agrária as mesmas condições de produção nos
patamares daqueles desenvolvidos nos países desenvolvidos. O que tem ocorrido com estes
sujeitos é justamente o processo inverso, em que a sua condição de vida e reprodução da
terra tem-se realizado à margem do sistema capitalista, com predomínio de formas não-
capitalistas de produção360. A única semelhança entre a categoria de agricultores
359 Cf. ABRAMOVAY, Ricardo. Op. cit., 1998, p. 22.360 Cf. CRUZ, Nelson Ney Dantas & SANTOS, Rosselvelt José. Op. cit., 2005.
216
familiares e agricultores assentados é que em ambos os casos há o predomínio da mão-de-
obra familiar na organização do trabalho, aspecto ainda insuficiente para aproximar uma
caracterização da outra.
O mesmo ocorre quando estas leituras analisam o conceito de camponês. Segundo
estes autores, as características desta conceituação, não são suficientes para aplicá-la aos
agricultores assentados. De acordo com esta visão, o camponês brasileiro não é descrito no
processo histórico como uma figura importante. Segundo José de Souza Martins, era,
portanto, duplamente excluído “(...) da condição de proprietário de terras e da condição de
escravo (..)”361, mas desenvolvia seu trabalho e sua produção dentro da grande propriedade
rural, no espaço de terras que lhe era concedido entre as grandes lavouras. O campesinato
de que trata Martins tinha sua organização dispersa e submetida às ordens dos
latifundiários, para quem estes camponeses trabalhavam. A experiência das Ligas
Camponesas, surgida em meados dos anos 1950, no Nordeste brasileiro, contava com a
participação de foreiros de terras de engenhos e camponeses em vias de se converterem em
assalariados. Segundo Martins, é neste contexto que se dá o aparecimento do legítimo
camponês rural brasileiro: a condição da posse da terra. Portanto, o camponês é ,na
verdade, posseiro. Se ele deixa de ter a posse da terra, ele adquire outra condição, a de
assalariado, pois dependerá de vender sua força de trabalho para sobreviver. Ainda de
acordo com Martins:
“O trabalhador só pode se converter em empregado, em assalariado, quando é expropriado,
quando deixa de ter a propriedade dos instrumentos de trabalho. Não ser proprietário da terra, das
ferramentas, das sementes, dos adubos, é condição básica para que o agricultor se converta em
empregado.”362
361 Cf. MARTINS, José de Souza. Op. cit, 1983, p. 38.362 Ibid, p. 141.
217
Por um lado, apropriar-se da terra obtendo a sua posse, como tem corrido através
da reforma agrária, não significa tornar-se camponês. Isto porque ser camponês depende de
fatores históricos e culturais do indivíduo e das condições estruturais a que ele é
submetido, pois estes fatores podem determinar sua reprodução e sobrevivência na terra.
No caso do camponês, ele mesmo determinaria sua existência e sua trajetória, como é
abordado na obra de Ricardo Abramovay363.
Quando este autor analisa este aspecto pelo trabalho familiar desenvolvido nas
unidades de produção dos assentados, fica claro que o atendimento às necessidades básicas
não tem dependido do próprio trabalho, mas de outros fatores. São eles: a assistência
técnica à produção, a conscientização ambiental, a infra-estrutura de abastecimento de
água e energia elétrica, as condições adequadas de transporte para a cidade, em suma,
aquelas condições mínimas para que os próprios agricultores fortaleçam seus vínculos com
a terra.
Um outro fator que impede de qualificá-los como camponeses está na condição
histórico-cultural de cada assentado. A massa de trabalhadores beneficiada pela
distribuição de terras é composta por uma camada de ex-assalariados urbanos com poucas
habilidades para cultivar a terra. Outra parte dos assentados é constituída por ex-
trabalhadores rurais, que viveram a experiência da divisa social do trabalho no campo, em
que aprenderam a dominar apenas uma parte do processo produtivo. Nesse sentido, o
quadro da reforma agrária revelaria a construção de um novo sujeito, categoria que
permanece indefinida.
Apesar de abordarem aspectos culturais ligados aos conceitos de camponês e/ou
agricultor familiar, estes autores, em geral, acabam por desconsiderar iniciativas dos
Movimentos sociais rurais no sentido de qualificar estes sujeitos, organizando-os
363 Cf. ABRAMOVAY, Ricardo. Op. cit., 1998, p 60-61.
218
politicamente de modo a suprir tais deficiências e superar algumas das dificuldades
apontadas. Tais autores acabam fazendo uma análise sociológica excessivamente presa aos
aspectos econômicos, desconsiderando ações destes sujeitos coletivos no campo da ação
política e cultural.
Nesta tese, porém, além da análise feita nos capítulos 3, 4 e 5, acerca dos aspectos
educacionais envolvidos na formação e consolidações dos movimentos sociais rurais,
especialmente em relação ao MST, procuramos valorizar aspectos ligados às iniciativas.
Algumas delas, como já vimos, são inusitadas, como a proposta das Comunas da Terra, e
sua abordagem valoriza alguns aspectos da subjetividade destes sujeitos coletivos que vão
de encontro aos argumentos sustentados por análises economicistas. Fazemos aqui um
paralelo semelhante ao que Gramsci fez quando escreveu a Revolução contra o capital, ao
resgatarmos um outro lado da questão que envolve a consciência de classes desse novo
campesinato brasileiro364.
A formação do campesinato brasileiro é marcada pela mobilidade espacial365, isto
é, por intenso caráter migratório. Desse modo, admitindo que ele continue existindo, é um
campesinato que historicamente teve bloqueado o acesso à terra, portanto, sua luta para
entrar na terra tem sido a marca de sua diferenciação em relação ao tradicional
campesinato de origem feudal, presente da história européia366. Deste modo, falarmos em
herança da terra parece anacrônico se analisarmos a atual situação em que o campesinato
se encontra, ainda lutando pela terra.
Entretanto, se pensarmos a herança da terra como sendo muito mais que a
transmissão do patrimônio, na verdade, como um habitus, ou seja, um conhecimento
364 Há análises que usam o conceito de neocampesinato. 365 E talvez até social também.366 Conforme foi visto no capítulo 2 desta tese.
219
adquirido e também um haver367. Logo, a discussão do habitus passa a ser, a nosso ver, a
chave que permite entendermos a permanência da classe social a que chamamos de
campesinato.
O habitus de classe camponesa como uma disposição adquirida aparece em
muitos relatos de camponeses, por exemplo, quando observamos na fala dos pais a
disposição dada ao filho para conquistar outro lote de terra, seja via casamento,
acampamento ou simplesmente a compra.
Deste modo, a herança da terra não como patrimônio, mas como habitus, pode ser
apreendida no trabalho com fontes orais, em que a oralidade dos sem-terra revela muito
mais que o desejo por um pedaço de terra. Na verdade, são disposições adquiridas que
permanecem nos corpos, na linguagem, na postura, mesmo quando a terra como
propriedade familiar camponesa há muito foi perdida368.
Por sua vez, este comportamento pode ser considerado o meio encontrado pelos
pobres da terra para prosseguir como camponeses e se desviar daquilo que Ariovaldo
Umbelino já havia advertido:
“Mas o capital – talvez mais sabiamente – expropria as possibilidades de os filhos dos
camponeses possuírem terra para continuar camponeses.”369
Deste modo, falar em classe camponesa é admitir o não desaparecimento do
campesinato e, em alguns casos como o brasileiro, recamponezação370 do sem-terra. Neste
367 Cf BOURDIEU, Pierre. poder Simbólico. 3ª ed., Rio de Janeiro, Bertrand do Brasil, 2000. p. 61.368 Cf. ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. AS CONTRIBUIÇÕES DO CONCEITO DE HABITUS PARA O DEBATE DA CLASSE CAMPONESA In Anais do III Simpósio Nacional e II Simpósio Internacional de Geografia Agrária – Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Presidente Prudente, UNESP, 2005.369Cf. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Barbárie e Modernidade: as transformações no campo e o agronegócio no Brasil. Texto, 2004, p. 40.370 Lembrar dos conceitos de campesinização e recampesinização abordados neste capítulo, quando falamos do projeto das Comunas da Terra, como conceitos politicamente elaborados para dar conta desse novo modo de ser camponês, o que é diferente da recamponezação aqui entendida como preservação de um habitus
220
sentido, alguns autores destacam o campesinato não só como uma incógnita no sentido de
sua permanência em cena, como também pela sua decisiva participação nas revoluções que
marcaram a história do século XX. São elas: a Revolução Mexicana, em 1910; o Ensaio
Geral, em 1905; a Revolução Russa, em 1917; a Revolução Chinesa, em 1949; a
Revolução Cubana, em 1959; e, ainda, os processos de descolonização na África e na Ásia,
com destaque, por exemplo, para Revolução Argelina, em 1954; e para o processo de
independência da Indochina e a Guerra do Vietnã, ocorridos entre 1961 e 1975371. A
estranheza torna-se ainda maior se considerarmos que comumente ao camponês são
atribuídas características tais como ser um trabalhador solitário, conservador e isolado.
Diante de tais argumentos como explicar a permanência e a resistência do
campesinato na história do tempo presente? Alguns autores apontam, como o combustível
que impele o campesinato às rebeliões, a iminente ameaça de perda da sua condição
camponesa. Portanto, paradoxalmente, segundo tais leituras, é a própria tentativa de manter
a condição camponesa que torna o camponês um revolucionário. Portanto, a permanência
camponesa é explicada por meio da existência de um habitus camponês que se preserva
mesmo quando o indivíduo social camponês está vivendo na cidade.
Em relação às classes fundamentais do capitalismo – a burguesia e o proletariado
– cabe destacar que a classe camponesa possui uma especificidade, que reside no fato de o
campesinato não constituir uma classe pura do modo capitalista de produção, já que é, ao
mesmo tempo, proprietário de terra e trabalhador ao mesmo tempo. Junta-se a este aspecto,
o fato de que a organização do campesinato se funda numa relação não capitalista372.
através da preservação da identidade de classe na identidade de outros atores sociais. No entanto, ao falarmos do papel da pedagogia e da educação na história do MST, a finalidade das mesmas é a de fazer com que esta recamponezação se torne uma ação politicamente consciente, fazendo parte de um projeto político de campesinização ou recampesinização.371 Cf. WOLF, Eric R. Revoluções Sociais no campo In: SZMRECSÁNYI, Támas & QUEDA, Oriowaldo.(orgs.). Vida rural e mudança social, 3ª ed., São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1979, p 94-102.372 Cf. ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. Op. cit, 2005.
221
Aceitar tal afirmação implica trabalhar com a noção de formação econômico social na
concepção marxista, que a emprega para explicar a totalidade do processo do capital, cujo
núcleo é seu desenvolvimento desigual. Portanto, apesar de o campesinato ser uma relação
não capitalista, sua reprodução deve ser entendida a partir das diversas contradições do
desenvolvimento desigual do capital e, por isso, trata-se de um contradição e não de uma
articulação de modos de produção.
Por outro lado, dizer que o campesinato é uma relação não capitalista significa
avançar na tese de Chayanov, ou melhor, acrescentar à lógica camponesa por ele
desvendada o lugar a ela reservado na dinâmica de produção do capital. Em outras
palavras, resolver o eterno problema de como os camponeses se relacionam com a
sociedade circundante, a que tanto se dedicou o autor373.
Neste sentido, a fim de esclarecer o lugar do campesinato no capitalismo, cabe
destacar a seguinte afirmação de Ariovaldo Umbelino:
“(...) o desenvolvimento do capitalismo tem que ser entendido como processo
(contraditório) de reprodução capitalista ampliada do capital. E esta como reprodução de formas
sociais não-capitalistas, embora a lógica, a dinâmica, seja plenamente capitalista; neste sentido o
capitalismo se nutre de realidades não-capitalistas, e estas desigualdades não aparecem como
incapacidades históricas de superação, mas mostram as condições recriadas pelo Movimento
capitalista. Em outras palavras, a expansão do modo capitalista de produção (na sua reprodução
capitalista ampliada do capital), além de redefinir antigas relações subordinado-as à sua produção,
engendra relações não capitalistas iguais e contraditoramente necessárias à sua reprodução (...).”374
Reforçam este argumento as discussões acerca da renda da terra. Assim, da
mesma forma que o capitalismo removeu a irracionalidade que a terra representava à
373 Cf. CHAYANOV, Alexander V. Op. cit., 1981.374 Cf. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Agricultura e indústria no Brasil. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, nº. 58, set. 1981.
222
expansão do capital por meio da transformação da renda pré-capitalista em renda
capitalizada, também (re)criou relações de trabalho e produção não-capitalistas, seja como
contradição ou funcionalidade, porque poderia indicar um determinismo do capital375.
Portanto, é preciso considerar a luta dos pobres do campo como parte da (re)crição
cotidiana do habitus da classe camponesa.
Neste sentido, é preciso entender que o conceito de habitus é muito mais
profundo do que o de tradições familiares, uma vez que estas são prisioneiras, para sua
permanência, da invariabilidade e da rigidez376. Por outro lado, a palavra hábito (entendida
como transferência) também não consegue pôr em evidência a capacidade criadora do
habitus e do agente, por isso, a necessidade da contraposição e elaboração de um novo
conceito com vista a dar ao habitus uma forma dinâmica e não uma forma estática de
dominação do presente pelo passado.
“Uma das preocupações fundamentais de Bourdieu é a construção de uma teoria da prática
e, para tanto o autor resgata a idéia (oriunda da escolástica) do habitus, que valoriza a dimensão de
um aprendizado passado. Só que, diferentemente daquela, que via o hábito como disposição para
agir sempre numa dada direção, pela via da repetição, em Bourdieu a noção é reinterpretada,
colocada no seio do embate objetivismo/fenomenologia, isto é, como sistema de disposições
duráveis, estruturas/estruradas, porém aptas a funcionarem como estrutura/estrurantes, ou seja,
algo que gera as práticas e as representações , passíveis de apreensão objetiva, porém não
necessariamente frutos de regras. Logo, o habitus orienta a ação, mas como é fruto das relações
sociais, ele garante a reprodução dessas mesmas relações que engendraram (ainda que o agente
social não saiba que o porta). A interiorização dos valores, normas, princípios sociais pelos
agentes assegura a adequação entre ações do sujeito e a realidade objetiva da sociedade. Esse é o
meio termo. Claro está que o habitus se aplica não só aos valores e normas interiorizados, mas
375 Cf. MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1983.376 Cf. BOURDIEU, Pierre, Op. cit., 2000.
223
também aos sistemas de classificação que pré-existem às representações sociais. A própria luta de
classes, pode ser vista a partir do estilo de vida das diferentes classes ou grupos sociais.
Assim se vê que o habitus é simultaneamente social e individual, referido a um grupo ou a
um indivíduo. A razoável homogeneidade dos habitus subjetivos (de grupos ou classes) é
assegurada uma vez que os indivíduos internalizam representações objetivas, de acordo com as
posições sociais que ocupam.”377
Portanto, tendo encontrado a mediação entre indivíduo e sociedade, Bourdieu
apresenta o conceito de habitus como um entendimento que alia memória coletiva (práticas
herdadas) e capacidade criadora do indivíduo.
Entretanto, ao compreendermos que o habitus é a repetição das experiências
concretas vivenciadas ao longo do tempo pelos sujeitos de uma mesma classe, que vão-se
estruturando em práticas e representações, não estaríamos caindo em um imobilismo de
classes? Pior ainda, não seria esta teoria meramente reprodutivista?
“Enfim, o habitus é matriz de percepções, apreciações e ações, que se realiza em
determinadas condições sociais. Disso decorre para Bourdieu uma definição de prática como fruto
da relação dialética entre uma situação e um habitus, gerando uma teoria da prática que considera
quer as necessidades dos agentes, quer a objetividade da sociedade. Mas qual é o lugar onde as
posições dos agentes estão fixadas a priori?
Este lugar é, para o autor, o campo, seu segundo e mais importante conceito. Campo é o
espaço onde se trava uma luta concorrencial entre atores em função de interesses específicos à área
em questão (ex: campo artístico, campo intelectual, campo científico, etc.). Claro que na busca do
meio termo acima referido, o conceito de campo permite adequar objetividade e subjetividade, já
que todo ator social está no seio de um campo socialmente predeterminado, o que não é o mesmo
que o campo seja produto só das ações individuais dos agentes. Dentro de um campo é possível
estudar as relações aí existentes – sempre de força – bem como as estratégias usadas pelos agentes
377 Cf. MENDONÇA, Sônia Regina de. Pierre Bourdieu – algumas questões. mimeo, 2p. Os grifos são nossos.
224
que o compõem, possibilitando assim sua conservação ou mudança (ex.; ortodoxia, heterodoxia,
etc.) (...).”378
Assim, podemos afirmar que o habitus permite, ao mesmo tempo, a reprodução
das relações sociais e a criação do novo. Conseqüentemente, toda vez que as condições
objetivas da situação não permitem a realização do habitus, este dá lugar a forças
explosivas que tanto podem ser de mudança ou de acomodação. Portanto, a mesma lógica
que reproduz também dá lugar à transformação. Assim, quais são os fatores que interferem
na definição final desta lógica? A nosso ver, é a prática na medida em que é ela a
responsável pela atualização do habitus.
Cabe, ainda, destacar que o sentido de classe que Bourdieu deu à discussão do
habitus379. Para o autor, embora o indivíduo possa ocupar posições diferenciadas nos
diversos campos, do todo social e suas ações sejam reflexo deste espaço
multidimensional, há a possibilidade de existência da classe social. Conseqüentemente,
esta posição de classe é fruto da mediação do habitus, porque é ele que fundamenta as
formas de agir e pensar nos sujeitos nos variados campos, dando-lhes unidade ou habitus
de classe. Assim, independente da diversidade de habitus específicos existiram disposições
gerais, uma história incorporada a produzir habitus de classe, dando identidade a estes
grupos. Enfim, para além da distinção, que não é nada mais que a continuidade física e
psíquica do indivíduo, haveria a possibilidade da identidade de classe.
Portanto, é o habitus de classe que dá unidade, que organiza o agir e o pensar do
sujeito nos diversos campos, que cria a liberdade, que possibilita a leitura relacional entre
os campos, criando a classe provável, aquela que possui a maior condição de se organizar.
378 Ibidem. Os grifos são nossos. Ortodoxia e heterodoxia guardam, a nosso ver, algo de similar com a hegemonia e contra-hegemonia.379 Cf. BOURDIEU, Pierre. Op. cit., 2000.
225
Ou seja, existe uma história incorporada que permite uma identificação mútua, mesmo que
o sujeito ocupe posições diferentes nos campos380.
Desta forma, a discussão do habitus se torna o elo essencial para compreendermos
o processo de (re)criação do campesinato. Por sua vez as condições de permanência e
mudança do habitus se fazem a partir de uma posição de classe, logo, não existe
contradição entre habitus e classe, existindo, na verdade, um habitus do campesinato.
Ao dizermos que o campesinato brasileiro possui um habitus a gerar uma
identidade tanto fora, nos acampamentos, quanto dentro da terra, nos assentamentos, não
significa dizer que os camponeses são uma classe homogênea, apagando assim as
diferenças. Pelo contrário, significa que o sentido de classe, ainda que ambíguo, é
responsável pelo deslocamento das diferenças, na busca cotidiana pela recriação do modo
de vida camponês, pela conquista da terra enquanto lugar onde se vive. Ser camponês,
portanto, é ser uma pessoa por inteiro e única no acampamento/assentamento, é ser
reconhecido pelo nome, pelo apelido, pelo habitus, não como tradição, mas enquanto
manutenção, renovação e inovação.
Portanto, a luta pela terra, empreendida pela classe camponesa, não conhece
apenas uma única tática. Na luta por um pedaço de chão, eles podem cortar cercas, ocupar
terras, acampar, marchar pelas estradas, enquanto outros esperam cultivando o sonho terra.
No entanto, todos eles são guiados pelo habitus de classe camponesa na beira das estradas,
na cozinha do fazendeiro, ns fileiras de sindicatos, nas diversas parcerias na terra do outro,
enfim, fora e dentro da terra, a luta corre na direção da terra de trabalho381.
Por sua vez, a teoria do habitus elaborada por Bourdieu permite entendermos a
luta pela terra, portanto, a permanência camponesa como um aprendizado do passado,
380 Cf. ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. Op. cit, 2005.381 A função social da terra.
226
como herança, porém, dotada de criatividade que permite ao sujeito inovar, transformar
sua prática social na busca de sua realização como agente criativo.
Na prática, percebemos que o habitus não anula a história, já que, como herança,
abre possibilidades para mudanças no todo social, podendo gerar sublevações. Basta
pensarmos na luta pelo direito costumeiro que tem colocado os camponeses em uma
situação de conflito, desde os quilombos até o MST no Brasil do tempo presente.
Assim, cabe lembrar os conceitos de campesinização e recampesinização
abordados neste capítulo, quando falamos do projeto das Comunas da Terra, como
conceitos politicamente elaborados para dar conta desse novo modo de ser camponês, em
parte, podem ser diferentes da recamponezação, entendida aqui como preservação de um
habitus através da preservação da identidade de classe na identidade de outros atores
sociais. No entanto, ao falarmos do papel da proposta pedagógica para as escolas de
assentamento e da educação na história do MST, tendo em vista a dinâmica e a
complexidade do sujeito social sem-terra, tanto campesinização quanto a
recampesinização são vistas como possibilidades agregar novas práticas sociais à
recamponezação através de uma ação politicamente consciente. Nesta ação, o resgate dos
elementos que constituem este habitus camponês poderá estar combinado a elementos
constituintes de outros sujeitos coletivos como aqueles do próprio proletariado urbano.
Por isso, pode-se dizer que a frente de luta que atualmente tem conquistado maior
espaço nas discussões sobre a reforma agrária e a luta pela terra, segundo muitos autores
especialmente aqueles ligados à geografia agrária, tem sido o MST, constituindo-se como o
protagonista dessa luta, que se destaca por basear sua linha de ação em três eixos: a
ocupação, o acampamento e o assentamento rural.
Foi através da espacialização da luta camponesa no Brasil que o MST articulou
sua participação na possibilidade de construção de um Movimento camponês mundial,
227
concretizada através da Via Campesina382. Além disso, dentro do próprio Brasil se tornou o
Movimento mais atuante em relação ao número de ocupações e número de famílias
mobilizadas, atuando em conjunto com outras organizações que mantêm sua autonomia,
porém, apesar de não lutarem da mesma forma, constituem uma luta como um sentido
unificado. Neste sentido, podemos dizer que o MST, por exemplo, está presente em todas
as regiões onda há concentrações de acampamentos, questionando através dos elementos
abordados nesta tese as formas propriedades da terra como relação à produtividade, dando
início a uma discussão sobre a função social da terra, baseado no artigo 186 da constituição
federal, que compreende três requisitos para seu cumprimento: a utilização adequada dos
recursos naturais e preservação do meio ambiente, a observância das disposições
trabalhistas e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.
Como se pode ver é uma guerra de trincheiras, que avança, molecularmente, em
diferentes domínios como a educação, a organização política, a legalidade. Mas, sobretudo,
desenvolvendo suas estratégias da territorialização e espacialização, num Movimento
molecular. Para isto, ao longo de quase duas décadas e meia formou uma imprensa atuante,
fomentou uma produção bibliográfica, cultural e acadêmica fecunda. Desde então, vem
difundindo suas idéias e suas ações aos quatro cantos deste país, reparando, equalizando e
qualificando intelectuais orgânicos organizadores da luta dos pobres do campo pela terra,
em que, segundo o mote criado pelo próprio MST, esta terra passa a ser muito mais do
que terra.
382 Cf. SOUZA, J. C. Lima de. VIA CAMPESINA In: MOTTA, Márcia (org.). Dicionário da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, p. 492-496.
228
7. CONCLUSÃO
Para chegarmos a descortinar novos horizontes para as esquerdas no Brasil e no
mundo, sobretudo após o desmoronamento da URSS, é de fundamental importância
resgatar a história dos Movimentos sociais que vêm atuando, principalmente, nos terrenos
das lutas de resistência à mundialização da economia.
Em geral, não são partidos políticos organizados formalmente, mas suas formas
de atuação e mobilização têm surpreendido a muitos daqueles que apostavam na tese do
fim da história, e se filiavam teoricamente ao chamado pensamento único. Desenvolvendo
frentes de luta populares, diversificando as ações e criando a sua própria mística383, estes
Movimentos vêm sendo responsáveis por uma alternativa direta e frontal ao capitalismo
globalizado, constituindo-se numa opção para outros setores sociais, que vêm sendo
arrastados pela avalanche provocada pelo darwinismo social, e pela crise das utopias, e
mais diretamente do socialismo.
Espalhados pelo mundo, estes movimentos sociais têm atuado de maneira criativa,
combatendo e, ao mesmo tempo, denunciando a pobreza, a exclusão social e às imposições
da nova ordem mundial, não só com a ajuda material, mas, também, e especialmente,
através da interlocução com estas massas populares, real ou virtualmente marginalizadas.
Neste sentido, na América Latina, e mais particularmente, no Brasil, têm sido
extremamente ricas e desafiadoras as questões sociais levantadas pelos movimentos sociais
rurais384. Destacamos, neste contexto, a leitura da realidade brasileira proposta pelo MST –
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – que a constrói partindo da questão
383 Conjunto de valores que compõe a simbologia do Movimento, reproduzindo sua ideologia ao mesmo tempo em que reforça a identidade dos sujeitos, de suas lutas, vitórias e conquistas.384 Cf. LÖWY, Michael (org.). O marxismo na América Latina. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 1999., p. 512-513.
229
agrária. Ela pode proporcionar-nos caminhos para uma franca reflexão sobre como
reorganizar as forças sociais de esquerda, reconstruindo um novo bloco histórico no país.
Gostaríamos de frisar, aqui, que a palavra novo não está empregada no seu sentido
restrito somente à originalidade385, mas, também, no intuito de ampliar as possibilidades de
compreensão deste conceito, visto que, nas formulações clássicas do marxismo, o bloco
histórico era, fundamentalmente, um conceito que dava conta da aliança operário-
camponesa.
Em outras palavras, tratava-se de reunir em torno do proletariado urbano um leque
de forças sociais interessadas na derrubada do capitalismo, e, por conseguinte, na
revolução socialista. Entre estas forças, sempre estiveram presentes, o campesinato, que
era visto como uma massa disforme, sem iniciativa e dotada de poucas possibilidades de
compreensão de um mundo que lhe era exterior, a saber, o meio urbano. Os prognósticos
mais otimistas acerca dos atores sociais do campo não viam futuro para sua existência. Por
isso, cabia ao único sujeito revolucionário, o proletariado urbano, apontar para o
campesinato as duas alternativas que para ele se colocavam: ou sucumbir ao capitalismo e
caminhar rapidamente em direção à expropriação e à proletarização, ou aderir ao programa
socialista, abrindo mão de toda e qualquer forma de propriedade, já que atender esta
exigência era inviável, na medida em que se constituía na defesa aberta de um dos pilares
da sociedade capitalista, ou seja, a propriedade privada. Em outros casos, o caminho para a
revolução socialista era fazer o capitalismo avançar para o campo liberando as forças
sociais produtivas do campo, o que, no fim, fortaleceria a posição política do proletariado
industrial frente ao bloco capitalista.
Pois bem, quem poderia imaginar tal mudança de posição dentro da correlação
política entre proletários urbanos e camponeses? É claro, que muito poucos teóricos e
385 Tampouco do sentido de pura e simplesmente fazer de novo, realizar uma nova tentativa.
230
militantes do campo marxista no século XIX consideravam concreta a possibilidade
contrária, ou seja, a transformação do proletariado urbano num sujeito coletivo
fragmentado e debilitado politicamente diante das investidas das forças do capital.
Tampouco poderiam supor que fosse possível ver os atores sociais do campo organizados,
de forma estruturada em termos políticos e ideológicos, com um conteúdo programático
anticapitalista e contra-hegemônico.
A presente pesquisa procurou inserir-se nesta discussão, não para tentar explicar
porque ocorreu esta mudança de posições, pois neste caso teríamos que trazer para o
âmbito desta pesquisa a análise dos fatores que levaram o proletariado a um estado coletivo
politicamente catatônico, tal como se encontram suas organizações. O objetivo desta tese é
resgatar, na história dos movimentos sociais rurais, os elementos de uma trajetória de lutas
e a criação de uma dinâmica interna, que os levaram a se constituir, a nosso ver, como
organizações coletivas de massa com alto grau de organicidade.
É, justamente, sobre este segundo aspecto que a presente tese discorre. Ou seja,
se, por um lado, tentamos mostrar que as previsões marxistas a respeito do campesinato
não se confirmaram, por outro, por mais contraditório que possa parecer, mostramos que os
elementos da própria teoria marxista são ainda capazes de explicar estes imprevistos e,
portanto, inesperados acontecimentos. Deste modo, esta pesquisa procurou mostrar, com
todo esforço teórico, que é a dinâmica das classes sociais no capitalismo que tem uma
historicidade.
Na atualidade, temos uma farta produção teórica que trilhou o caminho da
pesquisa e compreensão sobre os mais diversos campos do conhecimento, tratando da
surpreendente superação das diversas contradições e crises do capitalismo, procurando
explicar a permanência das leis de mercado como relação social. Cabe, pois, agora,
231
mudando o enfoque, investir mais em pesquisar a resistência daqueles que, emudecidos,
insistem em querer ter voz.
Os emudecidos talvez não tenham sido calados somente pelas suas forças
oponentes, mas, também, por antigos aliados, que, amarrados a modelos de revoluções,
baseados no velho economicismo, se esqueceram de olhar para a realidade dos que
estavam à sua volta. Agora, somos obrigados a voltar aos clássicos e fazer uma releitura
que cumpra melhor este papel.
No nosso caso, na história do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra – mais que resgatar as problemáticas anteriormente enunciadas, cabe também
observar que, superando o pessimismo da razão com o otimismo da vontade, mais uma
vez, citando Gramsci, há elementos que ganham ainda mais força para caracterizar as duas
grandes qualidades do Príncipe de Maquiavel: a virtù e a fortuna.
Como vimos em diversos capítulos e seções desta tese, tal como o proletariado
urbano, os Movimentos sociais do campo também possuem uma longa história de lutas, até
certo ponto mal compreendidas, que lhe constituíram a fortuna. Já a virtù, tratamos de
privilegiar nesta análise, quando privilegiamos o tema da educação na vida do MST.
Neste sentido, esta tese deu destaque o processo de formação dos educadores e
educadoras do MST, como uma ação que em muito contribuiu para a consolidação do
Movimento, sobretudo pela formação dos intelectuais orgânicos de um campesinato atual,
agora já não mais um grupo social hermético às interações com a sociedade capitalista, que
lhe era exterior. Ou seja, uma classe social em vias de desaparecer pelos já citados,
isolamento político e incapacidade organizativa.
Tratando-se de um campesinato novo, que se diferencia tanto do campesinato
oriundo do feudalismo, quanto do bonapartismo, e ainda, do populismo, que marcaram a
232
inserção social do campesinato tradicional na ordem capitalista do século XIX até meados
do século XX.
Mas, a esta altura, perguntamos: será que por não se tratar do proletariado como
sujeito da ação contestatória e como vanguarda política, estaria o marxismo,
impossibilitado de compreender o campesinato atual? Será que é o caso de tachar este
campesinato como Movimento social periférico, voluntarista, fadado pelo capitalismo, ao
seu desaparecimento?
Cabe, pois, aos marxistas, renovar o marxismo, adequando conceitos e
construindo novas possibilidades da análise da história a partir da teoria crítica social,
sobretudo, recontextualizado o conceito do materialismo histórico, dentro da lógica do
pensamento do próprio Karl Marx, quando disse que a história humana, até os nossos dias,
tem sido a história da luta de classes, analisando a trajetórias das sociedades humanas até o
advento do capitalismo.
Deste modo, uma das contribuições mais fecundas no campo da teoria marxista
vem, a nosso ver, do pensamento de Gramsci, por tudo que foi apontado nos capítulos
anteriores, como a luta dos subalternos, por exemplo. Esta luta dos subalternos organiza-se
a partir de uma consciência orgânica de classe, para si, para outras classes subalternas,
incluindo estratos das classes sociais dominantes. Este movimento político oscila entre o
coletivo e o individual, num dinamismo permanentemente renovado pela intensa e
constante troca de experiências e conhecimento, sob uma base comum, que é o consenso
entre dominantes e dominados.
A organização da consciência de classe é, então, tão mais favorecida quanto for
fértil a formação dos intelectuais orgânicos da classe, elaboradores de uma leitura política e
identificação dos interesses, valores e visão de mundo, próprios da classe porque foram
socialmente construídos.
233
Neste processo, há, também, uma interação com outros intelectuais orgânicos,
mesmo aqueles oriundos das classes dominantes, numa contínua formação de alianças e
adesões mútuas, que em certas conjunturas políticas podem favorecer o centralismo
orgânico, para além do centralismo democrático.
A história do MST, revisitada, nos mostra a ascensão de novos sujeitos sociais
rurais no campo, onde o conceito de campesinato dá um caráter coletivo a um meio social
marcado pela diversidade, que, todavia, tem a exclusão social e a marginalidade como
marca comum. Mesmo no conjunto das classes subalternas ao capitalismo brasileiro, o
campesinato sempre foi periférico, embora sempre fossem ativos na luta pela terra. É
camponês porque tem na produção familiar, mesmo cooperada, uma forma de reprodução,
colocando-se em contradição com o mercado por razões diferentes daquelas do meio
urbano.
A questão educacional, além de ter um caráter organizativo, também está ligada à
luta pela ampliação do estado de direito ao universo rural brasileiro. A educação do MST
também é a forma de superar o caráter dual da educação pública386 no Brasil. O Moderno
Príncipe educativo fez com que a educação, enquanto um ato político387, assumisse o
compromisso político de dar voz a quem não tem voz. Tal fato fez do MST o interlocutor
de outros movimentos sociais, de origem local e/ou regional, estabelecendo diretrizes
nacionais, que lhe permitiram criar uma unidade na diversidade que assola o grande sertão
brasileiro. A educação universalizada, para estes sujeitos que sempre estiveram à margem
dos movimentos urbanos, mas mesmo assim, resistiram à ordem social estabelecida pelo
capital, vem proporcionando uma preciosa interlocução do MST com os movimentos
sociais urbanos, o que favorece o debate a nível nacional.
386 Ensinar os filhos dos subordinados a se subordinarem e os filhos das classes dominantes a mandarem.387 Paulo Freire foi enfático nesta questão.
234
Nos anos 1990, por causa do avanço do debate educacional entre os diversos
Movimentos sociais, o modelo neoliberal não poderia ficar sem dar uma reposta. Então, a
política do Estado mínimo, mesmo mantendo cortes orçamentais, principalmente sobre os
investimentos nas áreas sociais, paradoxalmente, levou para dentro das escolas brasileiras
97% de nossas crianças. A ênfase desta educação era, sem dúvida, a quantidade e não a
qualidade, pois se fazia necessário obstar um grande processo de unificação de
movimentos sociais e entidades representativas dos setores populares da sociedade
brasileira, em torno de uma educação comprometida com o fortalecimento destes atores
sociais, como sujeitos críticos ao modelo econômico que está posto para o país.
No que tange ao MST, mais que a luta pela terra e o projeto de reforma agrária
como política social associado a uma proposta de desenvolvimento, foi a luta pela escola e
por um projeto de educação que forjaram o caráter nacional-popular do Movimento.
Na temática da educação, como vimos nos capítulos três, quatro e, sobretudo, no
capítulo 5, as contribuições teóricas e práticas se multiplicam quando vemos uma
experiência que se pauta por aliança entre educadores e educandos como sujeitos da
conquista da escola. Aí, temos uma leitura diferente daquelas que são mostradas pela
educação pública no Brasil. Temos leis, resoluções, portarias, etc. que chegam a defender a
idéia de que o educando é sujeito do processo de ensino-aprendizagem, mas não chegam a
supor que ele possa ser sujeito de sua própria pedagogia. Voltando à aliança fundamental
para o caminhar na educação, se ambos, educadores e educandos, descobrirem que a escola
é objeto de conquista, aí, sim, serão verdadeiramente autônomos para fazer a escola que
quiserem, ou seja, realmente centrada nos seus interesses e necessidades. A esta altura,
cabe perguntar: como fazer da escola um objeto de conquista? Nos capítulos anteriores,
vimos que, primeiramente, deve-se procurar saber que potencial a escola tem, o que ele
pode e é capaz de dar, compreendendo como ela, por um lado, tem limites, mas, por outro
235
lado, é imprescindível porque constitui relações sociais baseadas na prática dialógica, que
são fundamentais para a formação de um sentido coletivo para as ações humanas.
Como relação social, a escola estabelece teias de interação entre atores sociais que
buscam uma sociabilidade que se forma em torno da construção do conhecimento.
Portanto, a escola também é um lócus da produção de conhecimento e não, meramente, de
transmissão e reprodução. A escolarização, portanto, não é simplesmente o ato de
freqüentar a escola e ultrapassar níveis ou ciclos de aprendizagem, previstos ou pré-
estabelecidos. Escolarização é, pelo contrário, o ato permanente de conquistar a escola, e
esta é a ponte para a compreensão acerca do que vem a ser a formação continuada.
Lembramos, aqui, aquela citação de Paulo Freire388, sobre o discurso de um sem-terra,
mencionado a fato de as cercas de arame farpado da ignorância serem muito mais difíceis
de serem derrubadas do que as do latifúndio. Neste caso, na verdade, uma face da
dominação é fundamental para que a outra se estabeleça, e é esta, em suma, a grande lição
que a pedagogia da alternância pode deixar-nos.
Ao desenvolver esta pesquisa, também procuramos pensar e repensar a nossa
prática de educador de jovens a adultos. Vimos que o MST transformou a luta pela terra
numa grande metáfora, e passou a fazer uma leitura do Brasil e do mundo através dela.
Como professor de História e Geografia da EJA, vemos como nossos jovens e adultos
valorizam a educação, brigando por ela como um direito e um dever fundamentais, pois
querem assumir os rumos de suas próprias vidas e escrever sua própria história de vida. O
estudo da história da educação do MST mostra uma grande lição para nós, educadores, que
é a necessidade de construirmos outras grandes metáforas, possivelmente comuns aos
amplos extratos sociais oprimidos da sociedade brasileira, transformados em educandos, de
388 Cf FREIRE, Paulo apud CALDART, Roseli Salete. Op. cit, 2000, p. 172.
236
modo que cada um deles possa, junto com seus educadores, ler o mundo através de suas
próprias metáforas.
A reflexão anterior nos leva também a outra preocupação, relacionada aos
desafios atuais do marxismo frente às identidades dos sujeitos sociais. É um desafio crucial
para este campo teórico lidar com alguns temas, como a questão ecológica, as diferenças
de gênero, étnicas e religiosas, dentre outras, cuja discussão tem sido privilegiada pelas
teorias pós-modernas. Sua incorporação ao legado marxista precisa ser levada em conta,
pois tal como era esperada esta ascensão camponesa, também por experiências históricas
datadas, o lumpen proletariado acabou sendo deixado de lado. No passado, o lumpen
proletariado era visto, politicamente, com reservas, por sua inserção conservadora, e
economicamente, como parte do exército reserva de mão-de-obra, segundo a visão
proletária urbana. Hoje, há que se repensar importante contribuição destes segmentos
sociais, engrossando as fileiras do grande bloco de deserdados contra o poder.
Trata-se de um desafio para aqueles que querem avançar na elaboração de um
projeto social, pautado sob valores que se apóiam na diversidade, que contemple as várias
culturas, éticas e valores humanos, e não na desigualdade, tal como acontece no
capitalismo.
Vista por este aspecto, esta pesquisa poderá oferecer alternativas para a
compreensão dos Movimentos sociais como o MAS na Bolívia, e o zapatismo no México,
falando apenas de América Latina.
Não incorporar tais questões acerca destes novos sujeitos coletivos é abrir espaço
para à fenomenologia, abrindo mão também de uma racionalidade que resgate o nexo entre
a teoria crítica social, baseada na filosofia da práxis e as novas formas de organização e
luta contra o capitalismo. Gramsci fez isto com grande perspicácia ao analisar o problema
da revolução no ocidente.
237
Para aqueles que queiram caminhar nesta direção, da política, dos Movimentos
sociais de esquerda e da educação, dentro da própria história do MST, há perspectivas de
pesquisa para todos os gostos, desde as ciências políticas e as novas formas de
enfrentamento do capitalismo autoritário389, cujo poder se faz conhecer através dos
organismos multilaterais como o FMI, o BID, a OMC e a própria ONU. Se a modernização
agrícola implantada pelo capitalismo pretendia consolidar um modelo de exploração do
trabalho, e de fato o fez, não conseguiu fazê-lo por completo.
Também a sociologia política tem pela frente o desafio de estudar e compreender
como as organizações camponesas390 vêm protagonizando os movimentos de resistência à
globalização neoliberal.
Para os historiadores, o estudo dos movimentos sociais rurais e a questão agrária
derrubam de vez a tese do fim da história, que no Brasil cai, literalmente por terra, pois o
meio rural no país vem expondo diversas contradições do capitalismo e os limites da
democracia liberal.
Esta situação fica clara, à medida que vemos como o poder judiciário e os
aparelhos ideológicos de estado atuam no sentido de preservar não só o princípio da
propriedade privada, particularmente, ampliando a concentração fundiária, mas, também,
legitimando a expropriação e a expulsão dos trabalhadores rurais e posseiros da terra,
chegando ao ponto de cunhar-se um neologismo na língua portuguesa: o sem-terra391. Tal
fato torna evidente para os pensadores de esquerda, o quanto é limitada a idéia de
democracia como valor universal.
389 Conceito desenvolvido por José Saramago para criticar a tese de que o Estado mínimo é a máxima expressão da democracia. Segundo o escritor português os Estados Nacionais, onde teoricamente estão colocadas as chances de debate e opções por projetos políticos encontram-se amarrados às instâncias que estão fora do jogo democrático. E acrescenta ele: “quem elege os membros do parlamento europeu?”. No entanto, as decisões deste fórum se impõem tanto a governos de esquerda quanto de direita, criando amarras político-ideológicas como, por exemplo, o conceito de governabilidade.390 Muito diferente daquela sociologia política dos partidos de Robert Michels.391 Cf. CALDART, Roseli Salete. Op. cit., 2000, p. 17.
238
E, por último, para os socialistas, fica a certeza de que os erros e desvio de
percurso, ao longo de século XX, não tiraram deste campo político e filosófico a condição
de teoria crítica insuperável do capitalismo392. A prova disto está na pluralidade de idéias
compartilhadas por instâncias representativas do MST, que fazem da luta pela terra não
uma mera ação local, mas um movimento contínuo, onde o processo de formação de
sujeitos desta luta parte da consciência da realidade em que vivem393.
Após ter apresentado este leque de questões a partir das leituras indicadas e
documentação selecionada, acreditamos ter justificado, no presente trabalho a escolha do
tema e do objeto de estudos pesquisados, a saber: O MST como um movimento social rural
e relação entre política e educação, respectivamente.
Por fim, cabe ressaltar as incongruências que teoricamente poderiam inviabilizar
o desenvolvimento desta tese, já que, na condição de militante de esquerda e socialista,
também alimentamos durante algum tempo a idéia de que a luta pela terra era uma questão
menor, por entender que ela se desenvolvia nos marcos da filosofia do direito burguês.
Também sempre fomos devotados à forma partido stricto sensu como instrumento mais
avançado para organizar e dirigir as massas subalternas rumo a sua emancipação política e
econômica. Contudo, a história é dialética, e neste sentido, a crise do socialismo e das
esquerdas vem suscitando a busca de alternativas. Como nós mesmos, muitos
companheiros vêm descobrindo nos novos sujeitos políticos a saída que parecia perdida.
Por isso mesmo, estamos certos de que nos próximos anos a questão agrária ainda trará
contribuições para a rearticulação de um novo pensamento de esquerda no Brasil.
392 O que segundo Jean Paul Sartre, permite afirmar que enquanto houver capitalismo sempre o socialismo será atual.393 Cf. BOGO, Ademar. Op. cit., 1999, p. 148.
239
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