a ação do movimento dos trabalhadores rurais sem terra

14
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 1262 A AÇÃO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) E A LUTA POR HEGEMONIA NA AMAZÔNIA: O CASO DO SUDESTE PARAENSE. Rogério Rego Miranda 1 Resumo: A ação do MST no sudeste paraense ajudou a redefinir a geografia deste território da Amazônia, visto que por meio de manifestações, acampamentos e ocupações vários assentamentos foram sendo criados, especialmente por meio de estratégias, que perpassam pelas alianças criadas com entidades, como CPT (Comissão Pastoral da Terra), e outros segmentos de luta social rurais e urbanos, além de proposição de um outro projeto hegemônico manifesto por uma produção agroecológica, cooperativa, diversificada e a educação do campo, ou seja, uma reforma agrária mais ampla do que a mera distribuição de terra. Palavras chave: MST, território, políticas públicas, assentamento. Abstract: The MST's action in southeast Pará helped redefine the geography of this area of the Amazon, as through demonstrations, camps and occupations several settlements have been created, especially through strategies that move through the alliances created with entities such as PLC (Pastoral Land Commission), and other segments of rural and urban social struggle, in addition to proposing another hegemonic project by a manifest agroecological production, cooperative, diverse and education field, namely a broader land reform than mere distribution of land. Key-words: MST, territory, public policy, settlement. 1 - Introdução No Sudeste Paraense diversos empreendimentos agropecuários e mineradores se instalaram concorrendo para a valorização e apropriação empresarial da terra e para uma forte migração, contribuindo para o aparecimento 1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de São Paulo. E-mail de contato: [email protected]

Upload: vucong

Post on 07-Jan-2017

217 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1262

A AÇÃO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM

TERRA (MST) E A LUTA POR HEGEMONIA NA AMAZÔNIA: O CASO

DO SUDESTE PARAENSE.

Rogério Rego Miranda1

Resumo: A ação do MST no sudeste paraense ajudou a redefinir a geografia deste

território da Amazônia, visto que por meio de manifestações, acampamentos e

ocupações vários assentamentos foram sendo criados, especialmente por meio de

estratégias, que perpassam pelas alianças criadas com entidades, como CPT

(Comissão Pastoral da Terra), e outros segmentos de luta social rurais e urbanos,

além de proposição de um outro projeto hegemônico manifesto por uma produção

agroecológica, cooperativa, diversificada e a educação do campo, ou seja, uma

reforma agrária mais ampla do que a mera distribuição de terra.

Palavras chave: MST, território, políticas públicas, assentamento.

Abstract: The MST's action in southeast Pará helped redefine the geography of this

area of the Amazon, as through demonstrations, camps and occupations several

settlements have been created, especially through strategies that move through the

alliances created with entities such as PLC (Pastoral Land Commission), and other

segments of rural and urban social struggle, in addition to proposing another

hegemonic project by a manifest agroecological production, cooperative, diverse and

education field, namely a broader land reform than mere distribution of land.

Key-words: MST, territory, public policy, settlement.

1 - Introdução

No Sudeste Paraense diversos empreendimentos agropecuários e

mineradores se instalaram concorrendo para a valorização e apropriação

empresarial da terra e para uma forte migração, contribuindo para o aparecimento

1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de São Paulo. E-mail de

contato: [email protected]

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1263

de uma grande massa de trabalhadores sem terra, que se organizam em

movimentos sociais, com destaque ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-

Terra (MST), que associado aos sindicatos e posseiros que atuavam na região

desde a década de 1980, inaugura novas estratégias de territorialização, propondo

um projeto político-territorial mais amplo do que a luta pela terra, visto que hoje

existe também a luta pela permanência na mesma, devido a processos de

apropriação ilícita por parte de fazendeiros que realizam ameaças em relação aos

assentados; conversão de lotes rurais em chácaras; e pecuarização da produção

nos assentamentos, tornando os camponeses cada vez mais dependentes da lógica

do mercado. Com efeito, a luta pelo território não consiste apenas ao acesso a terra,

mas a uma reforma agrária mais abrangente, que inclui a questão da saúde do

trabalhador rural, da educação do campo, políticas públicas destinadas à produção

diversificada e agroecologica e formas de potencializar a comercialização dos

cultivos produzidos nos assentamentos, por exemplo, nas feiras. Esses elementos

que entram em debate nos assentamentos da realidade em relevo foram sendo

gradativamente incorporados por meio da ação do MST, mediante algumas

estratégias como reuniões em Núcleos de Base (NB’s), aproximação das

Universidades e Institutos tecnológicos, manifestações e ocupações de instituições e

de vias públicas para a viabilização de estradas, feiras e outras políticas públicas.

Isso em meio a uma realidade geográfica marcada por grandes projetos minerais,

com destaque a VALE, siderúrgicas, produção de eucalipto e fazendas de criação de

gado, o qual é vendido a conglomerados, como a JBS S.A., ou levados a leilão.

Assim, a pesquisa visa analisar a ação do MST no sudeste paraense, com o intuito

de observar as estratégias deste movimento social no sentido de construir um

projeto contra hegemônico, embora inacabado e realizado cotidianamente e em

meio às contradições da região e dos próprios assentamentos, especialmente 1º de

Março (São João do Araguaia), 26 de Março (Marabá) e Palmares II (Parauapebas),

selecionados para o estudo. Para alcançarmos os resultados da pesquisa em

andamento utilizamos como procedimentos metodológicos o levantamento de

material bibliográfico e documental; observação sistemática; registros fotográficos;

entrevistas semiestruturadas; e formulários.

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1264

2 – CONFLITOS TERRITORIAIS NO ESPAÇO AGRÁRIO DO SUDESTE PARAENSE

O território do sudeste paraense, na Amazônia brasileira, é disputado há

décadas entre indígenas, castanheiros, fazendeiros, grileiros, garimpeiros,

posseiros, empresas mineradoras, dentre outros, conferindo a sub-região a condição

de uma das áreas mais conflituosas do Brasil, devido à alta concentração de terras

na região.

De acordo com dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra) de 2014, os

conflitos por terra – compreendidos como despejos, expulsões, ameaças de

despejos e expulsões, bens destruídos e pistolagem – registrados no Brasil foram na

margem de 793 casos, envolvendo 89.289 famílias. Em termos regionais

observamos a seguinte distribuição: Norte com 266 (33,54 %) casos, envolvendo

29.437 (32,96%) famílias; Nordeste com 282 (35,56%) casos, envolvendo

34.976(39,17%) famílias; Centro-Oeste com 81(10,21%) casos, envolvendo

8.041(9%) famílias; Sudeste com 117 (14,75%) casos, envolvendo 9.902 (11,08%)

famílias; e Sul com 47 (5,92%) casos, envolvendo 6.933 (7,76%) famílias. Com base

nesses dados acima percebemos que o Norte e o Nordeste ainda permanecem

como as áreas de maiores conflitos no campo, totalizando juntos 69,10% dos

conflitos por terra no país.

Em relação à região norte visualizamos que os estados que se destacam em

número de conflitos, em ordem descrente, são: Amapá (74 casos, envolvendo 1.888

famílias), Pará (54 casos, envolvendo 7.006 famílias), Rondônia (51 casos,

envolvendo 2.805 famílias), Acre (46 casos, envolvendo 5.360 famílias), Tocantins

(21 casos, envolvendo 1.456 famílias), Amazonas (11 casos, envolvendo 2.087

famílias) e Roraima (9 casos, envolvendo 8.835 famílias).

No Pará, especificamente, as mesorregiões de maiores conflitos foram as do

sudeste paraense com 27 (50%) casos, envolvendo 4.013 (57,27%) famílias, Marajó

com 13 (24,07 %) casos, envolvendo 308 (4,39%) famílias, Baixo amazonas com 6

(11,11%) casos, envolvendo 517 (7,37% ) famílias, Sudoeste paraense com 4 (7,40

%) casos, envolvendo 1.746 (24,92%) famílias, e Nordeste paraense com 3 (5,55 %)

casos, envolvendo 300 (4,28%) famílias (CPT, 2014).

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1265

Como podermos perceber o sudeste paraense se sobressai sobre as demais

mesorregiões em termos de casos de conflitos por terra, fato que se repetiu em anos

anteriores, por exemplo, no período de 2006 a 2011, o Pará apresentou 606 áreas

em conflito, envolvendo 77.028 famílias, ocupando uma área de 6.982.002 hectares.

Quase metade desse número de conflitos está localizada no sudeste paraense, o

qual concentra 284 casos de conflitos (46,86% de todo o estado do Pará),

envolvendo 43.933 famílias (57,03%) e ocupando uma área de 2.743.867 hectares

(39,29%).

Nessa porção do território, ao visualizarmos o quadro 1 abaixo, identificamos

que os sujeitos sociais envolvidos são diversos (quilombolas, posseiros,

trabalhadores rurais, sem terra, assentados e indígenas) e que entram em choque

principalmente com fazendeiros e empresas mineradoras como a VALE. Os

municípios com maior quantidade de conflitos são Abel Figueiredo (4 registros), Bom

Jesus do Tocantins (4 registros), Marabá (4 registros) e São Felix do Xingu (4

registros), em quase sua totalidade envolvendo sem terras que ocuparam fazendas

com o intuito de pressionar o governo pela reforma agrária, com exceção do primeiro

município onde se observa também 650 quilombolas.

Mesorregião Municípios Nº. de conflitos

N.º de famílias envolvidas no conflito

Sudeste Paraense

Abel Figueiredo 4 Aprox. 116 sem-terra e 650 quilombolas

Bom Jesus do Tocantins 4 430 sem terra

Canaã dos Carajás 1 60 posseiros

Conceição do Araguaia/Floresta do Araguaia

1 30 trabalhadores Rurais

Cumaru do Norte/Tucumã 1 30 indígenas

Curionópolis/Marabá/Parauapebas 1 200 sem terra

Marabá 4 1300 sem terra

Nova Ipixuna 1 400 assentados

Ourilândia do Norte 2 250 sem terra

Rio Maria 2 30 sem terra

Santana do Araguaia 1 1 posseiro

São Domingos do Araguaia/São Geraldo do Araguaia

1 66 indígenas

São Félix do Xingu 4 450 sem terra

Total 27 4.013

Quadro 1: Conflitos por terra no sudeste paraense no ano de 2014. Fonte: CPT, 2014 / Org. Miranda, Rogério Rego.

Nesses conflitos participam diversos movimentos sociais, mas iremos

destacar nesse estudo a ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST), cujos sujeitos uma vez desterritorializados, devido à expropriação de suas

terras, almejam uma reterritorialização mais inclusiva, ou seja, a reforma agrária,

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1266

visto que eles não possuem no presente momento o direito de dispor de um pedaço

de chão para se reproduzirem em suas mais variadas formas.

O movimento em relevo e sua territorialidade se expressa por meio, por

exemplo, das ocupações de terras, acampamentos e assentamentos, apresentando

articulações com outros segmentos de luta social, como a Comissão Pastoral da

Terra (CPT), a Via Campesina, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), a

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará (Fetagri -PA),

dentre outros. Assim, torna-se importante a discussão da construção do território do

MST, com destaque a sua configuração no sudeste paraense, processo que advém

desde o início da década de 1990.

O Sudeste Paraense, de acordo com Souza (2002), apresenta três

importantes períodos de reordenação espacial. O primeiro na década de 1970,

mediante a política de distribuição de lotes, provocando um forte movimento

migratório para a região. E nesse contexto algumas famílias permaneceram; outras

foram obrigadas a abandonarem seus estabelecimentos e se dedicarem a atividades

não agrícolas; e muitas procuraram diferentes frentes de trabalho. O segundo

momento, refere-se à ocupação da área pela atividade agropecuária com fortes

incentivos estatais ao capital privado nacional e internacional; além da exploração

mineral, estimulando uma nova leva de força de trabalho, para atuar nas obras de

infraestrutura, acirrando os conflitos sociais, especialmente aqueles ligados a posse

da terra. Também se evidencia o garimpo, a exemplo de Serra Pelada. Por fim, no

terceiro momento, observa-se uma redução do incremento populacional; o

fechamento de garimpos; e a ausência de uma política pública que realizasse de

fato a reforma agrária, favorecendo o aparecimento de uma grande massa de

sujeitos desterritorializados, que passam a lutar pela permanência no território e a

pressionar o Estado para atingir esse fim.

A Amazônia no contexto supracitado recebe inúmeros incentivos ficais e

creditícios, porém esses foram direcionados aos empresários nacionais e

estrangeiros e aos grandes projetos agrominerais, que concorreram para o aumento

da concentração de terras, especialmente na mesorregião em relevo, provocando,

ao contrário do que o governo militar propagandeava, um desenvolvimento da

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1267

miséria e da pobreza, principalmente em função da diminuição dos postos de

trabalho oferecidos inicialmente; da expulsão dos índios de suas reservas; do

remanejamento de ribeirinhos, em decorrência do represamento do rio,

proporcionado pela construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHT); da retirada

violenta dos posseiros existentes na área pela ação de grileiros e empresários.

Com a desterritorialização desses diversos grupos sociais e a entrada de

muitos migrantes que vão para o Sudeste Paraense e lá se territorializam

precariamente, trabalhando como agricultores, peões, rendeiros e garimpeiros,

embora igualmente destituídos da terra, entraram igualmente para movimentos

sociais como uma alternativa de realizar o desejo de acesso à terra (SOUZA, 2002).

O MST nasce exatamente em meio ao enfrentamento e a resistência contra

esse modelo desenvolvimentista instaurado durante o regime militar, e tem como

fundamento a luta contra a expropriação e exploração existente no processo de

reprodução do capitalismo. E a sua construção está assentada no bojo das

discussões sobre democracia, em que a classe trabalhadora conquista novos

espaços no campo e na cidade. Momento em que surgem diversos movimentos

sociais. Logo, o MST inicia sua gestação em meio a uma série de experiências de

lutas populares enquanto estratégia político-cultural estabelecida no seio destes

sujeitos sociais, que iniciam ocupações de terra em vários estados. Essas lutas mais

localizadas ganham repercussão no país por meio da igreja e em menor parte pela

mídia, mas foi pela troca de experiências que a articulação em nível nacional desses

movimentos se estruturou, objetivando a superação do isolamento e a autonomia

política. Nesse contexto foram realizados encontros maiores reunindo lideranças

estaduais por intermédio da CPT, especialmente no Centro-Sul, e dessas iniciativas

se fundou e organizou um movimento dos camponeses sem-terra nacional, que

lutaria por reforma agrária, originando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (FERNANDES, 1999).

No Sudeste Paraense o MST surge com o intento de organizar os

camponeses, em sua grande maioria migrantes oriundos de outras regiões, que

haviam sido expulsos ou mesmo expropriados de suas terras. Mas igualmente

resulta de movimentos locais que se formam, por exemplo, a partir de organizações

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1268

sociais impulsionadas pela igreja, mediante as Comunidades Eclesiais de Base

(CEB`s) em Marabá, que fomentaram a criação de Sindicatos de Trabalhadores

Rurais (STR`s). Além de partidos políticos ditos de esquerda (Partido Comunista do

Brasil – PC do B – e Partido dos Trabalhadores – PT) e clandestinos que vão incitar

tal processo (ALMEIDA, 2006).

Com o intuito de combater a estrutura fundiária concentrada e empreender

esforços pela reforma agraria o MST instaura uma dinâmica de luta e uso de

estratégias. A saber, ocupações de terra, que correspondem a “ações coletivas das

famílias sem terra que, por meio da entrada em imóveis rurais, reivindicam terras

que não cumprem a função social” (CPT, 2009, p.11). Nesse sentido, a partir de

dados da CPT (2011) observou-se que no Pará houve cerca de 342 ocupações

registradas entre os anos de 1999 e 2009, com aproximadamente 47.178 famílias

envolvidas. Desse total o Sudeste Paraense apresentou 270 ocupações computadas

(78,94%), com 31.852 famílias (67,51%).

Uma outra estratégia desenvolvida são os acampamentos; que, segundo a

CPT (2009, p.11), são “espaços de luta e formação, fruto de ações coletivas,

localizados no campo ou na cidade, onde as famílias sem terra organizadas,

reivindicam assentamentos”.

No Pará, de um total de 83 acampamentos desencadeados entre os anos de

2002 e 2011, envolvendo 16.632 famílias, 68 localizaram-se no Sudeste Paraense

(76,92%), compreendendo 11.672 famílias nessa situação. Essas ações dos

movimentos sociais buscam a implementação dos Projetos de Assentamentos

(PA`s) que no Sudeste Paraense perfazem um total de 502, com uma área de

4.628.312,8184 hectares, contendo 91.839 famílias assentadas (SIPRA/INCRA-

SR/27, 2014).

Em outros termos, os movimentos sociais redefiniram a geografia regional,

visto que os assentamentos compõem uma parte significativa do território, conforme

podemos observar no quadro 2 abaixo.

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1269

Microrregiões do Sudeste Paraense

Número de Assentamentos

Território dos assentamentos (Km²)

Território total da microrregião (Km²)

% do território dos assentamentos em relação a microrregião (Km²)

Araguaia 86 8.414,67 31.195,54 26,97

Marabá 109 5.215,52 20.073,61 25,98

Parauapebas 48 2006,4599 22.472,05 8,92

Redenção 76 2055,7235 21.168,43 9,71

São Félix do Xingu 29 9.405,97 121.178,10 7,76

Tucuruí 99 10829,5425 32.879,45 32,93

Araguaia 86 8.414,67 31.195,54 26,97

Quadro 2: Número de assentamentos por microrregião do sudeste paraense e percentual que ocupam do território em 2014. Fonte: SIPRA SR-27, 2014; IBGE, 2014 / Org. Miranda, Rogério Rego.

O quadro acima revela que os assentamentos representam no mínimo um

terço da área total de microrregiões importantes do ponto de vista agromineral, a

exemplo de Marabá (25,98%), que possui diversas fazendas, empreendimentos

hidrelétricos (Usina Hidrelétrica de Marabá, que está em desenvolvimento), grupos

fortes do agronegócio como JBS S.A, e empresas siderúrgicas (SINOBRAS); ou no

campo oposto, embora não passem de 10% em determinadas microrregiões,

ocupam espaços considerados estratégicos para o capital, com destaque a

microrregião de Parauapebas que apresenta diversos projetos minerais da VALE

(Serra de Carajás, S11D, entre outros).

Nessas relações de força que redefinem o território, o MST foi responsável

pela organização e construção de oito assentamentos no sudeste paraense, os

quais estão dispostos no quadro 3 abaixo.

Assentamento N. de Famílias

Área Ano de ocupação

Ano de Criação

Fazenda Município

PA 1º de Março

350 10960,8292 1996 1998 Fazenda São Tomé (Pastoriza)

São João do Araguaia

PA 26 de Março

206 9774,0405 1999 2008 Cabaceiras Marabá

PA 17 de Abril 690 18089,7346 1995 1997 Complexo Macacheira

Eldorado do Carajás

PA Cabanos 85 3426,0499 1998 2003 Fazenda Volta do rio Eldorado do Carajás

PA Canudos 62 2836,7248 1999 2004 Fazenda São José do Refugio

Eldorado do Carajás

PA Palmares II 517 14921,8902 1994 1996 Fazendas Reunidas Rio Branco

Parauapebas

PA Onalício Barros

68 1770,00 1998 2000 Fazenda Goiás II Parauapebas

PA Nega Madalena

39 1.350,0000 -------- 2011 Fazenda Nega Madalena

Tucumã

Quadro 3: Projetos de Assentamentos implementados a partir da organização do MST, 2014. Fonte: Secretaria Estadual do MST-PA/2015; SIPRA, 2014; Trabalho de campo, 2015 Org. Miranda, Rogério Rego.

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1270

Embora numericamente a ação do MST pareça não ser significativamente

expressiva se observamos o total de assentamentos existentes no sudeste do Pará,

segundo Ondetti et all (2010), esse movimento foi o principal responsável por

mobilizar e organizar as ações de ocupação de terras no sudeste paraense,

inovando em termos de táticas de ocupação e auxiliando inclusive os STR`s

(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) locais, apesar de muitas divergências e

conflitos.

Atualmente um debate que se desenvolve se refere a permanência nos

assentamentos, especialmente em um contexto de forte pressão de fazendeiros e de

empresas mineradoras.

3 – A LUTA PELA PERMANÊNCIA TERRITORIAL E CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO CONTRA

HEGEMÔNICO

Os assentamentos construídos a partir de vários anos de ocupação e de

manifestações hoje sofrem um grande processo de desmobilização da luta social e

da organicidade2, embora isso não ocorra com a mesma intensidade em todos os

P.A.’s (Projetos de Assentamento).

Para fins de estudo, pesquisamos três assentamentos, quais sejam: 1º de

Março (São João do Araguaia), 26 de Março (Marabá) e Palmares II (Parauapebas).

Como fora discutido anteriomente o MST inicia a sua atuação no sudeste

paraense por volta de 1991 e se articula com outras entidades locais, especialmente

os STR`s, com o intuito de começar os trabalhos de base, os quais começaram em

Marabá, mediante ao cadastramento de três mil famílias (GOMES, 2009). E uma das

primeiras ocupações foi de uma área denominada de “cinturão verde” em

Parauapebas no dia 26 de Junho de 1994, com cerca de 1.500 famílias, mas que

logo são despejadas. A área em questão havia sido cedida pelo governo federal à

Companhia Vale do Rio Doce, que na época ainda era estatal, e para provocar

pressão sobre o governo as famílias acamparam em frente ao INCRA (Instituto

2 “A expressão organicidade indica no Movimento o processo através do qual uma determinada ideia ou tomada

de decisão consegue percorrer de forma ágil e sincronizada o conjunto das instâncias que constituem a organização, desde o núcleo de base de cada acampamento e assentamento até a direção nacional do MST, em uma combinação permanente de movimentos ascendentes e descendentes capazes de garantir a participação efetiva de todos na condução da luta em suas diversas dimensões”. (CALDART, 2000, p. 162)

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1271

Nacional de Colonização e Reforma Agrária), em Marabá, durante cinco meses, e

embora não tenham conseguido a terra no local supracitado a luta dos militantes

possibilitou a desapropriação da fazenda Rio Branco (GOMES, 2009), que originou

três assentamentos, a saber, P.A. Rio Branco, P.A. Palmares Sul (conhecida como

Palmares I) e P.A. Palmares (popularmente denominada de Palmares II).

A partir desse momento diversas ocupações foram sendo realizadas e outros

assentamentos são organizados com base na logica do MST, a exemplo do P.A. 26

de Março que resultou da ocupação da fazenda Cabaceira de propriedade da família

Mutran, iniciando com 950 famílias e findando com 400, embora apenas 206 tenham

sido assentadas.

Entretanto a ocupação que mais ganhou repercussão nacionalmente foi a do

Complexo Macaxeira, que teve por consequência o “Massacre de Eldorado de

Carajás” (área em questão fazia parte do polígono dos castanhais, que sediava o

processo produtivo da castanha-do-pará, baseado principalmente na mão de obra

escrava. No local, após o referido período, houve o investimento na criação de

animais de grande porte e na venda ilegal de madeira) (GOMES, 2009), cujo conflito

com a Polícia Militar gerou 19 mortes de sem terra, culminando com a criação do

P.A. 17 de Abril em homenagem aos que faleceram nesse dia no ano de 1996.

Entretanto, devido à pressão dos movimentos sociais e de organizações

internacionais, outros assentamentos foram criados, a exemplo do P.A. 1º de Março.

Com relação aos primeiros assentamentos resultantes da desapropriação da

fazenda Rio Branco, Palmares II foi o único no qual o MST permaneceu

desenvolvendo atividades de luta social e este apresenta uma forte

representatividade territorial por se localizar no seio da mineração desenvolvida em

Parauapebas pela VALE, sendo seu território cortado pela Estrada de Ferro Carajás

(EFC), cuja circulação diária do trem já provocou a morte por atropelamento de dois

assentados e de animais, além do ruído e da trepidação causar poluição sonora e

rachadura nas casas (ver foto 01). Fato que provocou diversas manifestações para a

construção de tuneis para evitar que outros acidentes ocorressem. Nesse

assentamento ainda é possível observar uma grande mobilização social devido a

permanência da organicidade do movimento, muito embora com mudanças, visto

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1272

que os núcleos de base foram substituídos pelos setores (educação, saúde,

associação, igreja etc.), dos quais lideranças ou não participam de grandes

assembleias aonde se deliberam manifestações, ocupações e outras ações coletivas

(ver foto 02), que inclusive possibilitaram a criação de outros assentamentos devido

ao apoio logístico e de pessoas envolvidas na luta pela terra.

Foto 01: EFC entrecortando o P.A. Palmares II

Foto 02: Manifestação por emprego realizada pelos

jovens na Palmares II.

O assentamento igualmente apresenta um forte debate sobre educação, com

escolas do pré-escolar ao ensino médio, no qual são discutidos os princípios do

movimento, a importância da reforma agraria e da luta e organização coletiva.

Também houve a implementação de iniciativas de produção agroecológica e

coletiva, que apesar de não terem surtido o efeito desejado, deixou os fundamentos

agroecológicos como elementos importantes de serem desenvolvidos.

Essas ações buscam construir um projeto aberto e dialético de hegemonia3, o

qual se apresenta ainda como uma “semente”, mas que histórica e geograficamente

está sendo germinada no cotidiano dos assentamentos, embora neles diversas

contradições existem, por exemplo na Palmares II há um processo de compra e

venda de lotes ou fragmentação deles para a criação de chácaras que servem como

locais de lazer aquelas pessoas que residem em Parauapebas.

No P.A. 1º de Março existe igualmente a venda de lotes, sendo hoje a área

ocupada mais por novos moradores do que propriamente por aqueles que

empreenderam luta pela conquista da terra. Nesta realidade os lotes são negociados

em virtude do envelhecimento dos assentados, cujos filhos não moram mais no

local, sendo empregados em Marabá e cidades próximas, ou a venda ocorre por

3 A hegemonia, no sentido gramsciano, correspo

nde à direção política, mas igualmente moral, cultural e ideológica. Mas deve-se considerar a situação concreta, analisada a sob a ótica das suas especificidades históricas (GRUPPI, 1978).

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1273

meio de ameaças desenvolvidas por médios fazendeiros e comerciantes mais

capitalizados. Apesar dessa contradição alguns elementos da organicidade são

implementados por meio de muitas disputas nas escolas e associações, o que

resulta em ações coletivas, ainda que esporádica, em prol das melhorias das

condições infraestruturais e regularização fundiária devido à possibilidade de

construção da Usina Hidrelétrica de Marabá que irá impactá-los diretamente, desta

feita, reivindicam os títulos de suas terras para poderem negociar seus direitos, caso

o projeto se efetive (ver fotos 03 e 04).

Foto 03: Manifestação na Transamazônica em prol

de melhorias na infraestrutura do P.A. 1º de Março.

Foto 04: Manifestação na Transamazônica em prol

da regularização fundiária dos lotes do P.A. 1º de Março.

Por fim, no P.A. 26 de Março observamos um grande incremento da pecuária

(ver fotos 05 e 06) devido a existência de frigoríficos e do grupo JBS S.A em Marabá

ou mesmo devido a venda do leite neste mesmo município, corroborando para

aumento de financiamentos direcionados ao gado, por meio do Pronaf (Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e desenvolvendo forte vínculos

de dependência do assentado em relação ao mercado, concorrendo para a sujeição

da sua renda da terra.

Por outro lado, por meio da ação coletiva dos assentados deste P.A. foi

conquistado a implantação do Instituto Federal Rural de Marabá (IFPA- Rural) em

sua área, e por este motivo os cursos são hoje voltados para povos e comunidades

tradicionais, como educação indígena, cursos técnicos de agrônomos baseados em

uma produção agroecológica etc.

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1274

Foto 05: Entrada do P.A. 26 de Março.

Foto 06: Criação bovina no P.A. 26 de Março.

Como podemos perceber, mesmo em meio as contradições, os

assentamentos além de redefinirem a geografia do sudeste paraense também

possibilitam a criação de condições de um outro projeto de hegemonia, ainda que

esse, em meio as relações de poder assimétricas com fazendeiros e empresas

mineradoras, se mostre incipiente, aberto e ainda em “gestação”.

CONCLUSÕES

De uma maneira geral, no sudeste paraense existiu uma forte territorialização

de agentes econômicos, a exemplo dos castanheiros e comerciantes no inicio do

século XX e, mais recentemente, de empresas mineradoras, agropecuárias e

fazendeiros, que expropriaram povos e comunidades tradicionais,

desterritorializando-os. Em determinadas condições esses agentes hegemônicos

desenvolvam a territorialização do capital (Oliveira, 2002), entrando em consórcio

com os pequenos produtores e/ou assentados, subjugando-lhes a sua renda da

terra.

Esse processo, no entanto, não deve obscurecer a ação concreta dos

movimentos sociais que se territorializam e apresentam formas outras de

(re)produção, a exemplo do MST que representa uma outra proposta de

desenvolvimento territorial.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Rogério Henriquez. Territorialização camponesa no Sudeste do Pará. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) - Universidade Federal do Pará, 2006. CPT. Conflitos no campo do Brasil. São Paulo: Expressão Popular, vários anos. CALDART, R.S. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais que escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. GOMES, Maria Suely Ferreira. A construção da organicidade no MST: A experiência do assentamento 26 de Março-PA. Paraíba, 2009. Dissertação

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1275

(Mestrado em Geografia Humana) – Centro de Humanidades , Universidade Federal de Campina Grande, 2009 GRUPPI, Luciano. O conceito de Hegemonia em Gramsci. RJ: Edições Graal, 1978. FERNANDES, Bernardo Mançano. MST: formação e territorialização. São Paulo: Hucitec, 1999. ONDETTI, Gabriel; WAMBERGUE, Emmanuel; AFONSO, José Batista g. De posseiro a sem-terra: o impacto da luta pela terra do MST no Pará. In: CARTER, Miguel (org.). Combatendo a Desigualdade Social: O MST e a Reforma Agrária no Brasil. UNESP: SP-Presidente Prudente, 2010, p. 257-284. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A geografia agrária e as transformações territoriais recentes no campo brasileiro. In: CARLOS, A. F. A (org.). Novos caminhos da geografia. São Paulo: Contexto, 2002. SOUZA, Carlos Henrique Lopes de. A Trajetória da Força de Trabalho no Sudeste Paraense: de agricultores migrantes a garimpeiros, de garimpeiros a posseiros, a excluídos, a Sem Terra. In: XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.