o erro sobre os elementos normativos do tipo penal

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA FACULDADE DE DIREITO PROFESSOR JACY DE ASSIS DANIELA FERNANDES DE OLIVEIRA

O ERRO SOBRE OS ELEMENTOS NORMATIVOS DO TIPO PENAL

Bacharelado em Direito

Uberlndia 2009

2

DANIELA FERNANDES DE OLIVEIRA

O ERRO SOBRE OS ELEMENTOS NORMATIVOS DO TIPO PENAL

Monografia apresentada Faculdade de Direito Professor Jacy de Assis da Universidade Federal de Uberlndia, sob a orientao do Professor Dr. Fbio Guedes de Paula Machado, como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Direito.

Uberlndia 2009

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DANIELA FERNANDES DE OLIVEIRA

O ERRO SOBRE OS ELEMENTOS NORMATIVOS DO TIPO PENALOpinio do Professor-orientador e da banca examinadora quanto ao contedo do trabalho e sua destinao:

1. ( ) O trabalho no cumpriu os requisitos exigidos devendo o aluno ser reprovado. 2. ( ) O trabalho cumpriu os requisitos para aprovao do aluno. 3. ( ) O trabalho apresenta qualidades que recomendam sua colocao em biblioteca como

base para outros trabalhos a serem desenvolvidos. 4. ( ) O trabalho possui nvel de excelncia e recomendado para futura publicao na Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlndia.

Nota: ___________________

________________________________________ Fbio Guedes de Paula Machado Professor-orientador

_______________________________________

Banca examinadora

_______________________________________

Banca examinadora

4

RESUMO

O presente trabalho insere-se na discusso do erro sobre os elementos normativos do tipo. Para tanto, parte-se do estudo da teoria do tipo, sua evoluo dogmtico-histrica e seus elementos. Com a afirmao da existncia dos elementos normativos, verifica-se a necessidade de uma valorao para que possam ser compreendidos, no bastando a mera percepo sensorial. Constata-se ainda a tendncia diferena quantitativa entre elementos normativos e descritivos do tipo, e no mais qualitativa. Adentrando-se no campo da teoria do erro, verificam-se as peculiaridades do erro ao recair sobre elementos normativos, bem como a complexidade e dificuldade no tratamento deste tipo de erro. As teorias se divergem, salvo quando o erro sobre o elemento normativo est relacionado representao das circunstncias fticas. Os maiores estudos sobre o assunto encontram-se no direito alemo. No direito brasileiro so escassas as pesquisas sobre o tema, embora seja freqente a utilizao de elementos normativos pelo legislador, sendo a Lei de Crimes Ambientais Brasileira um dos maiores exemplos dessa afirmao.

Palavras-chaves: Tipo penal. Valorao. Elementos normativos. Erro de tipo. Erro de subsuno. Erro relevante. Erro irrelevante.

5

SUMRIOINTRODUO ..................................................................................................................... 7 CAPTULO I NOES PRELIMINARES DA TEORIA DO TIPO ................................... 9 1 Conceito e funo do tipo penal .................................................................................... 9 2 Evoluo histrica do tipo penal ................................................................................. 10 3 Elementos constitutivos do tipo .................................................................................. 13 CAPTULO II ELEMENTOS NORMATIVOS DO TIPO ................................................ 16 1 Introduo: o valor e os elementos normativos ........................................................... 16 2 Surgimento dos elementos normativos ........................................................................ 18 3 - Relao entre elementos normativos do tipo e elementos descritivos do tipo ............... 19 3.1 Distino entre elementos normativos e descritivos ............................................. 20 3.2 Negativa da distino entre elementos normativos e elementos descritivos do tipo ..................................................................................................................................... 24 3.3 Relativizao da distino entre elementos normativos e elementos descritivos do tipo ............................................................................................................................... 25 3.4 Distino entre elementos normativos e descritivos para a anlise do dolo ........... 27 4 Classificaes dos elementos normativos do tipo ........................................................ 28 4.1 Elementos normativos jurdicos e elementos normativos extrajurdicos ............... 28 4.2 Elementos normativos de sentido e elementos normativos de valor ...................... 29 4.3 Elementos normativos do tipo especfico (explcito ou escrito) e elementos normativos do tipo geral (implcito ou no escrito) ....................................................... 30 4.4 Elementos normativos do tipo objetivo e elementos normativos do tipo subjetivo 30 4.5 Elementos normativos do tipo positivo e elementos normativos do tipo negativo . 31 5 Elementos afins aos elementos normativos do tipo ..................................................... 32 5.1 Elementos cognitivos (tericos ou de juzo cognitivo).......................................... 32 5.2 Conceitos completos ............................................................................................ 33 5.3 Tipos abertos e elementos do dever jurdico ou elementos especiais da antijuridicidade ............................................................................................................ 34 5.4 Elementos de valorao global do fato ................................................................. 35 5.5 Leis penais em branco ......................................................................................... 36 6 Concluso Parcial ....................................................................................................... 37 CAPTULO III TEORIA DO ERRO ................................................................................. 39 1 Consideraes gerais .................................................................................................. 39 2 Teorias ....................................................................................................................... 40 2.1 Teorias do dolo .................................................................................................... 40 2.1.1 Teoria estrita ou extrema do dolo .................................................................. 40 2.1.2 Teoria limitada do dolo ................................................................................. 41 2.1.3 Teoria modificante do dolo ........................................................................... 41 2. 2 Teorias da culpabilidade ...................................................................................... 42 2.2.1 Teoria estrita ou extremada da culpabilidade ................................................. 42 2.2.2 Teoria limitada da culpabilidade ................................................................... 43 3 Tipos de erro ............................................................................................................... 44 3.1 Erro de tipo .......................................................................................................... 44 3.1.1 - Conceito ........................................................................................................ 44 3.1.2 - Efeitos ........................................................................................................... 45 3.1.3 Disposies legais ......................................................................................... 46

6

3.2 Erro de proibio ................................................................................................. 46 3.2.1 - Conceito ........................................................................................................ 46 3.2.2 - Efeitos ........................................................................................................... 47 3.2.3 Disposies legais ......................................................................................... 48 3.3 - Erro de subsuno ................................................................................................ 48 3.4 - Erro de tipo permissivo ........................................................................................ 49 3.5 - Erro ao inverso ..................................................................................................... 49 4 Concluso parcial ....................................................................................................... 50 CAPTULO IV O ERRO SOBRE OS ELEMENTOS NORMATIVOS DO TIPO ............. 52 1 Consideraes iniciais ................................................................................................ 52 2 Teorias a respeito do erro sobre os elementos normativos ........................................... 53 2.1 Distino entre erro de fato e erro de direito penal ou extrapenal ......................... 53 2.1.1 - Kuhlen........................................................................................................... 54 2.1.2 - Puppe ............................................................................................................ 57 2.3 Teoria da valorao paralela na esfera do profano ................................................ 61 2.3.1 Surgimento e fundamentos tericos ............................................................... 61 2.3.2 - Crticas .......................................................................................................... 68 2.4 Outras teorias ...................................................................................................... 69 2.4.1 - Kindhuser .................................................................................................... 69 2.4.2 Darnstdt ...................................................................................................... 73 2.4.3 Arthur Kaufmann .......................................................................................... 74 2.4.4 Schlchter ..................................................................................................... 77 2.4.5 - Suay Hernndez............................................................................................. 81 2.4.6 - Dopslaff ........................................................................................................ 86 2.4.7 Frisch............................................................................................................. 89 2.4.8 Miguel Daz y Garca Conlledo ..................................................................... 91 3 Jurisprudncias ........................................................................................................... 94 4 Concluso Parcial ....................................................................................................... 99 CAPTULO V A LEI 9605/98 E OS ELEMENTOS NORMATIVOS DO TIPO ............. 100 1 Consideraes iniciais .............................................................................................. 100 2 Elementos normativos dos tipos penais ambientais ................................................... 101 3 Erro sobre os elementos normativos dos tipos penais ambientais .............................. 108 CONCLUSO ................................................................................................................... 112 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................ 117

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INTRODUO

O presente trabalho tem como foco o estudo do erro sobre os elementos normativos do tipo penal, abordando suas caractersticas, modo de configurao, natureza jurdica e conseqncias que acarreta no ordenamento jurdico.

Com o descobrimento dos elementos normativos do tipo penal e a constatao de que o seu nmero era bem maior do que inicialmente pensado, foi-se tomando conscincia de suas conseqncias e particularidades problemticas, mormente no que se relaciona teoria do erro.

Os elementos normativos do tipo criaram para a teoria do erro umas das questes mais intrigadas da cincia do Direito Penal, pelo que o erro incidente sobre esses elementos atualmente um dos problemas menos resolvidos de toda a teoria do erro.

Os principais estudos sobre o tema encontram-se no direito estrangeiro, principalmente entre os autores alemes e espanhis. No Brasil, o tratamento doutrinal acerca do assunto escasso, no se encontrando livros dedicados especificamente a essa questo, havendo apenas algumas referncias em obras gerais de direito penal e em trabalhos dedicados ao erro.

Neste sentido, objetiva-se neste trabalho empreender uma pesquisa sobre as peculiaridades do tema, reunindo-se as caractersticas deste tipo de erro e os principais posicionamentos doutrinrios existentes.

De um modo geral, o trabalho ser dividido em quatro etapas. Na primeira, sero traadas as caractersticas principais do tipo penal, para posteriormente identificar a localizao dos elementos normativos dentro do tipo, estudando sua conceituao e evoluo histrica. Ser dado enfoque relao entre elementos normativos e descritivos do tipo,

8

mostrando a tendncia crescente de relativizao na distino entre esses dois elementos do tipo.

Posteriormente, a segunda etapa consistir na anlise da teoria do erro, no de modo exaustivo, mas abortando os pontos que sero fundamentais para posterior estudo do erro sobre os elementos normativos. Ser feita uma distino entre a teoria do dolo e teoria da culpabilidade, mostrando a menor ou maior importncia de cada uma delas para o estudo em questo e, ao final, sero expostas as espcies de erro existentes.

Na terceira etapa ser realizado o estudo especfico do erro em relao aos elementos normativos do tipo. Para tanto, sero expostas as principais teorias acerca do tema, destacando os pontos de concordncia e divergncia entre elas e o posicionamento hoje majoritrio. Essa etapa consistir ainda na exposio de exemplos de erros sobre os elementos normativos do tipo, tanto doutrinrios como jurisprudenciais.

Ao final, ser feito uma anlise separada da Lei de Crimes Ambientais Brasileira, que um dos dispositivos legais do nosso ordenamento que mais se vale de elementos normativos para a descrio legal das condutas tpicas.

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CAPTULO I NOES PRELIMINARES DA TEORIA DO TIPO

1 Conceito e funo do tipo penal

O tipo penal a descrio abstrata de um crime contida numa lei, ou seja, a descrio de uma determinada forma de ofensa a um bem jurdico contemplada numa lei penal.

O tipo exerce uma funo limitadora e individualizadora das condutas. Cada tipo penal desempenha uma funo especfica, no podendo a ausncia de um tipo ser suprida por meio de analogia ou a da interpretao extensiva.

Segundo Juarez Cirino dos Santos, o tipo penal pode ser definido sob trs pontos de vista. Como tipo legal a descrio de um comportamento proibido, envolvendo as suas caractersticas subjetivas, objetivas, descritivas e normativas; como tipo de injusto a descrio da leso ao bem jurdico, incluindo os fundamentos positivos da tipicidade (descrio da conduta proibida) e os fundamentos negativos da antijuridicidade (ausncia de causa de justificao); e como tipo de garantia tem-se a sua funo poltico-criminal, diretamente relacionada ao princpio constitucional da legalidade 1.

Para Luiz Rgis Prado, o tipo possui vrias funes: (a) funo seletiva, indicando os comportamentos protegidos pela norma penal; (b) funo de garantia e determinao, relacionada ao cumprimento do princpio constitucional da legalidade; (c) fundamento da ilicitude, no sendo ilcita uma conduta atpica; (d) funo indiciria da ilicitude, consistindo a tipicidade em ratio cognoscendi da ilicitude; (e) criao do mandamento proibitivo, ou seja, da matria proibida; (f) delimitao do iter criminis, quer dizer, do incio e fim da execuo do crime 2.

1 2

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: ICPC e Lumen Iuris, 2006, p. 103. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 6. ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 1, p. 339.

10

2 Evoluo histrica do tipo penal

A noo de tipo fruto de uma longa evoluo histrica e dogmtica. O filsofo alemo Ernst Beling foi o primeiro a conferir um conceito dogmtico de delito, passando-o a ser visto como uma ao tpica, ilcita e culpvel. O conceito de tipo, segundo esse doutrinador, com base no modelo causal do sculo XIX, era objetivo e livre de valor, sendo objetivo porque os elementos subjetivos pertenciam culpabilidade e livre de valor em razo de toda a valorao pertencer antijuridicidade. O sentido de tipo se esgotava na descrio externa de uma ao qualquer 3.

A tipicidade exigia conduta, resultado naturalstico, nexo de causalidade e adequao tpica. Representava papel essencial no tipo o movimento do agente (realidade causal) e o resultado, ressaltando-se que o resultado deveria estar presente em todos os delitos. No havia crime sem resultado, isso tanto para os delitos materiais quanto para os delitos formais ou de mera conduta, sendo que os partidrios da teoria causal entendiam que o resultado nos crimes formais era a prpria conduta/atividade do agente.

O dolo e a culpa no pertenciam ao tipo, mas sim culpabilidade. Ademais, consideravam que o tipo, possuindo um papel descritivo e autnomo, em nada se relacionava com a antijuridicidade.

Com o neokantismo critica-se a concepo neutra da tipicidade, atribuindo-a um aspecto valorativo. O injusto passa a ser uma criao normativa, resultado de um juzo de valor, visando a proteo de bens jurdicos ou de qualquer outra situao estatal de convivncia. O objeto da norma incriminadora deixa de ser o resultado de dano ou de perigo, cuja constatao era comprovvel mediante um procedimento causal, e passa a ser a prpria conduta, desvinculada de seu substrato natural e sob um enfoque puramente normativo.

A concepo puramente descritiva e desvalorizada do tipo foi substituda em razo do descobrimento dos elementos normativos do tipo, elementos que necessitavam de valorao para que pudessem ser compreendidos, ao contrrio dos elementos puramente3

BELING, Ernst. Esquema de derecho penal. La doctrina del delito-tipo. Buenos Aires: Libreria El Foro, 2002, p. 86.

11

descritivos. Da mesma forma, o descobrimento de elementos do tipo subjetivos, anmicos, ps fim a essa noo exclusivamente objetiva e determinada por fatores do mundo exterior.

So expoentes neokantianos os pensadores Frank, Mayer, Radbruch, Sauer, Mezger, entre outros.

Com o advento do finalismo, o tipo passa a ser a descrio legal da conduta proibida e est condicionado ao modo de compreenso dessa conduta em sua fase antecedente, ou seja, como conduta final. A concepo de tipo finalista reflexo do conceito de ao finalista, entendida como exerccio de uma atividade finalista. Passou a ter grande relevncia o desvalor da conduta em detrimento do desvalor do resultado.

O dolo e a culpa so deslocados da culpabilidade e passam a pertencer tipicidade. Passa-se a entender que o dolo, juntamente com outros elementos subjetivos do injusto, deve pertencer ao tipo, j que a funo deste consiste em assinalar todos seus elementos do injusto essenciais para a punibilidade.

Formam-se trs tipos gerais de delito, quais sejam: dolosos, culposos e omissivos. Nos delitos dolosos, h a vontade de ao orientada realizao do tipo de um delito. Nestes, o tipo se desdobra em duas partes: tipo objetivo e tipo subjetivo. O tipo objetivo representa a manifestao exterior da vontade, enquanto que o tipo subjetivo compe-se do dolo, como elemento subjetivo geral, e dos elementos subjetivos especiais. Com relao aos delitos culposos, o tipo se refere a uma ao contrria ao dever de cuidado. uma ao no dolosa, j que a vontade de ao no est direcionada realizao do tipo de um delito. Por fim, os delitos omissivos derivam de uma norma de comando ou determinao, consistindo na infrao do dever de agir ou de impedir o resultado proibido.

Com relao teoria social da ao, os seus primeiros defensores adotavam a teoria causal quanto estrutura do tipo. Todavia, com Jescheck e Wessels, passa-se a defender o tipo como o conjunto de caractersticas que assinalam o contedo de injusto de determinado delito. A ao socialmente relevante apresenta-se como uma conduta dirigida ou dirigvel volitivamente a determinado objetivo, devendo o tipo ser segmentado em tipo objetivo e tipo subjetivo e, de acordo com a atividade, em tipo doloso, culposo ou omissivo.

12

O tipo representa a forma de expresso e caracterstica da antijuridicidade de cada delito, fundamentando o contedo do injusto, ou seja, o sentido da proibio da conduta tanto no aspecto da ao quanto do resultado. Para os defensores dessa teoria a tipicidade apenas um indcio da antijuridicidade.

Por fim temos o funcionalismo, tendo como seus principais expoentes Jakobs e Roxin. Para Roxin, o tipo possui uma funo sistemtica, uma funo dogmtica e uma funo poltico-criminal. Em sentido sistemtico, o tipo compreende o conjunto de elementos que permitem saber de que delito tipicamente se trata. Pelo sentido sistemtico assegura-se no conceito de delito a diferenciao de seus elementos, quais sejam, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Com relao funo poltico-criminal, refere-se funo de garantia que o tipo desempenha, respeitando o princpio da legalidade. Por fim, a funo dogmtica consiste em descrever os elementos cujo desconhecimento exclui o tipo; serve identificao do erro e seu efeito de eliminar o dolo 4.

com o funcionalismo de Roxin que o tipo penal passou a ter uma trplice dimenso, qual seja, objetiva, normativa e subjetiva. Segundo essa corrente, para a configurao do tipo no basta apenas a adequao tpica e a conduta dolosa ou culposa, sendo necessrio verificar ainda a dimenso normativa. Com o funcionalismo passa a fazer parte da dimenso normativa ou objetiva da teoria do tipo penal a imputao objetiva. Assim, a tipicidade penal passa a ser tipicidade formal + tipicidade material ou normativa (desvalorao da conduta e imputao objetiva) + tipicidade subjetiva (nos crimes dolosos).

De acordo com a imputao objetiva, s penalmente punvel a conduta que cria ou incrementa um risco proibido (juridicamente desaprovado) e s imputvel ao agente o resultado que decorrncia direta desse risco. Quem cria um risco permitido no realiza a conduta tpica, visto que falta a tipicidade normativa.

Ressalte-se ainda que, embora Roxin mantenha a diviso finalista em tipo subjetivo e tipo objetivo, entende que no existe no tipo elementos puramente objetivos ou subjetivos. Entende que essa diviso serve apenas para a ordem externa, devendo ser desconsiderada onde contrarie o sentido de um conceito.4

ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. Trad. DiegoManuel Luzn Pea. Madrid: Editorial Civitas, 1997, p. 279.

13

Para Jakobs, a realizao do tipo constitui uma etapa da imputao. O injusto deve ser compreendido pelo confronto entre tipicidade e antijuridicidade. O tipo de injusto visto como o conjunto de caracteres que assinalam legalmente a intolerncia social de uma conduta, que s pode ser desconsiderada com a incidncia de uma norma permissiva. Considera o tipo como indcio da antijuridicidade.

3 Elementos constitutivos do tipo

O tipo penal composto por elementos objetivos e elementos subjetivos. Os elementos objetivos so aqueles que no pertencem ao mundo anmico do agente, isto , sua inteno ou finalidade, so caracteres objetivos ou materiais do tipo legal. Os elementos subjetivos, por sua vez, so tudo aquilo que pertence ao mundo anmico do agente.

Como elementos objetivos, podemos falar nos elementos descritivos e nos elementos normativos, presentes tanto nos tipos dolosos com nos tipos culposos. Os elementos descritivos ou objetivos propriamente ditos so aqueles perceptveis pelos sentidos, exigindo simples verificao sensorial. J os elementos normativos so aqueles que exigem um juzo de valor para o seu conhecimento, dizem respeito a certo dado ou realidade da ordem jurdica ou extrajurdica. Contudo, desde j importante mencionar que no h um consenso quanto a essa distino e conceituao de elementos normativos e descritivos, o que ser detalhadamente objeto de estudo no captulo seguinte.

No tocante aos elementos subjetivos, pertencentes apenas aos tipos dolosos, temos o dolo e os elementos subjetivos especiais. O dolo o requisito subjetivo geral para todos os crimes dolosos. O dolo, segundo Welzel, composto por uma parte intelectual, que compreende o conhecimento atual de todas as circunstncias objetivas do fato tpico legal, e por uma parte volitiva, que a vontade incondicionada de realizar o tipo 5.

H vrias teorias sobre o dolo. Para a teoria da vontade, tendo Francesco Carrara como seu defensor, o dolo consiste na inteno mais ou menos perfeita de realizar um

5

WELZEL, Hans. Derecho penal alemn. Trad. Juan Bustos Ramrez e Srgio Yez Prez. Santiago: Editorial Jurdica do Chile, 1970, p. 96.

14

ato que se tem conhecimento de ser contrrio lei. J consoante a teoria da representao, tendo como um dos seus defensores Von Liszt, para a configurao do dolo necessria a representao subjetiva ou a previso do resultado como certo ou provvel. Temos, ainda, a teoria do consentimento, segundo a qual o dolo a vontade que, embora no dirigida diretamente ao resultado previsto como provvel ou possvel, consente na sua ocorrncia, assumindo o risco de produzi-lo.

Por fim, segundo o Cdigo Penal Brasileiro, em seu artigo 18, inciso I, o crime doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo6.

J os elementos subjetivos especiais so os demais requisitos de carter subjetivo para a realizao tpica dolosa. Os elementos subjetivos especiais do tipo especificam o dolo, sem necessidade de se concretizarem, sendo suficiente que existam no psiquismo do autor. Mezger classifica os elementos subjetivos do tipo em trs grupos7:

(a) Delitos de inteno. O autor busca um resultado compreendido no tipo, uma inteno de realizar atos posteriores. O autor faz algo como um meio de um atuar posterior. Como exemplo, a apropriao no furto (artigo 155 do Cdigo Penal Brasileiro), o dano sade no envenenamento (artigo 270 do Cdigo Penal Brasileiro), o engano do trfico jurdico na falsificao de documento (art. 297 do Cdigo Penal Brasileiro);

(b) Delitos de tendncia. Quando o tipo penal exige uma determinada tendncia subjetiva na realizao da conduta tpica. A tendncia subjetiva inerente a um elemento tpico ou co-determina o tipo. Como exemplo, propsito de ofender (artigo 138) e para conjuno carnal (art. 213), ambos os dispositivos do Cdigo Penal Brasileiro;

(c) Delitos de expresso. A ao se manifesta como uma expresso de um processo ou estado interno ou psquico do autor. H uma discordncia entre a declarao e o

6 7

BRASIL. Cdigo Penal. So Paulo: Saraiva, 2009. MEZGER, Edmund. Derecho Penal: libro de estudio. Trad. Conrado A. Finzi. 4 ed. Argentina: Ed. Bibliogrfica Argentina, 1958, p.136.

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que realmente o agente sabe, como o que ocorre, por exemplo, no delito de falso testemunho previsto no artigo 342 do Cdigo Penal Ptrio.

Para Roxin, nem todos os elementos subjetivos se enquadram nessa classificao, mas entende no valer a pena examinar essas situaes j que para ele tais distines carecem de importncia para a aplicao do Direito 8.

Por fim, como relao culpa, hoje se utiliza dois critrios principais para defini-la: (a) critrio fundado no dever objetivo de cuidado, prprio da posio dominante desde Welzel at Jescheck, definindo a culpa como leso do dever objetivo exigido; (b) critrio fundado no conceito de risco permitido, de acordo com a teoria da elevao do risco de Roxin, definindo a culpa como leso do risco permitido. Pelo Cdigo Penal Brasileiro, em seu artigo 18, II diz-se o crime (...) culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudncia, negligncia ou impercia. 9

8 9

ROXIN, Claus, Derecho penal, p. 318. BRASIL. Cdigo Penal. So Paulo: Saraiva, 2009.

16

CAPTULO II ELEMENTOS NORMATIVOS DO TIPO

1 Introduo: o valor e os elementos normativos

No possvel falar em elementos normativos sem vincul-los idia de valor e ato de valorao. Mas o que valor, o que valorao?

Segundo a filosofia, no h como trazer um conceito rigoroso do que seja valor, sendo plausvel apenas tentar uma clarificao do seu contedo. Neste sentido, considera o valor como algo que objeto de uma experincia, de uma vivncia. Todo valor dado pela nossa conscincia dos valores, na vivncia que deles temos 10.

O valor no algo em si mesmo existente, mas algo existente para algum. Assim, o valor a qualidade da coisa que s pode pertencer-lhe em razo do sujeito com conscincia capaz de registr-la. Isso no significa que o valor valha s para este ou aquele sujeito e no para os outros, devendo-se entender que o valor se acha referido quilo que h de comum em todos os homens.

Miguel Reale faz um estudo sobre as caractersticas do valor. Umas das caractersticas que apresenta a bipolaridade, ou seja, um valor sempre contrape um desvalor, no havendo como desvincular a idia de valor positivo em contraposio ao valor negativo. Alm disso, o valor implica em uma tomada de sentido e em preferibilidade, ou seja, o valor pressupe sempre uma tomada de posio do homem, bem como envolve uma idia de orientao para o fim a que se pretende. E, entre outras caractersticas, fala na historicidade dos valores, j que estes sofrem alteraes de acordo com as mudanas da sociedade, com as suas concepes morais, culturais, jurdicas, religiosas e outras. Entende ser o mundo histrico-cultural a projeo histrica dos valores11.

10

HESSE, Johannes. Filosofia dos valores. Trad. L. Cabral de Moncada. 4 ed. Coimbra: Armnio Amado Editor Sucessor, 1974, p. 39. 11 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 18 ed. So Paulo: Saraiva, 1998, p. 189/192.

17

No mesmo sentido, expe Paulo Dourado de Gusmo que os valores so modos de qualificar a vida, a sociedade, a famlia e o homem, variando os modos dos valores com as pessoas, com o tempo, com as culturas, enfim, com as sociedades12.

Assim, valores no so uma realidade ideal a ser contemplada pelo homem, mas so algo que o homem realiza em sua prpria experincia e que vai assumindo expresses diversas atravs do tempo.

E, atribuio de valor a algo que se chama de valorao. A valorao julga e aprecia o fato ou a coisa, emitindo um juzo de valor. Os grandes conceitos e institutos partem de uma valorao sobre normas dadas.

Por fim, clara a relao entre valor e elementos normativos. No possvel entender o significado dos elementos normativos do tipo penal sem que se parta da premissa de que o tipo portador de valores. Os elementos normativos esto estritamente relacionados a valores.

Para se conhecer um elemento normativo no se pode limitar a desenvolver uma atividade meramente cognitiva, subsumindo em conceitos um dado da realidade, ao contrrio, deve-se realizar uma atividade valorativa. necessrio recorrer a uma norma valorativa, que pode ser social, moral ou legal. Os elementos normativos exigem uma interpretao axiolgica, somente existente no mundo cultural. Como exemplo, o significado de documento pblico est vinculado a uma norma valorativa jurdica, assim como a compreenso de ato obsceno est relacionada a uma norma valorativa social.

E, da mesma forma que os valores mudam com o decorrer do tempo, tambm a compreenso dos elementos normativos sofre alteraes de acordo com a sociedade e com a poca, acompanhando as mudanas das normas jurdicas e sociais. Tal afirmao fica clara ao se falar em ato obsceno, por exemplo, pois um elemento que sofreu e vem sofrendo12

GUSMO, Paulo Dourado de. Filosofia do direito. 7 ed. Forense: Rio de Janeiro, 2004, p. 52.

18

alterao em sua compreenso ao longo do tempo, j que o que era considerado ato obsceno antigamente no mais o na sociedade moderna, bem como futuramente poder passar a se referir outras situaes que no as que hoje so abrangidas.

Importante ao fim mencionar que os elementos normativos do tipo no se confundem com os elementos normativos que condicionam a ilicitude. Os primeiros so constitutivos do tipo penal e os segundos, embora integrem a descrio tpica do crime, referem-se ilicitude. So expresses como indevidamente, sem justa causa, entre outras. Estes ltimos no so objeto de estudo deste trabalho.

2 Surgimento dos elementos normativos

Com o conceito clssico de delito de Beling, concebendo o tipo livre de qualquer valorao devido sua natureza exclusivamente descritiva, ainda no se falava em elementos normativos do tipo.

Os elementos normativos surgem em razo de transformaes na relao entre tipicidade e antijuridicidade e na teoria do delito, colocando-se em discusso o sistema de Liszt-Beling e substituindo-o por um sistema valorativo.

Segundo Maximilian Herberger, a origem dos elementos normativos somente se d nos idos de 1904, com Eduard Kohlrausch, que em um trabalho de inspirao neokantiana expe a diferena entre descries e valoraes, fazendo um dualismo metodolgico entre as cincias da natureza e as cincias do esprito 13.

Todavia, a Max Ernst Mayer, em 1915, que a doutrina majoritria atribui a descoberta dos elementos normativos do tipo penal. Mayer defendeu que os elementos normativos do tipo possuem um carter valorativo, distinto dos elementos descritivos, j que esses so apenas descries acessveis percepo sensorial, no possuindo valorao. Os

13

HERBERGER, Maximilian, Die deskriptiven und und Tatbestandsmerkmale, apud SUAY HERNNDEZ, Clia. Los elementos normativos y el error. Revista Peruana de Ciencias Penales, Lima, n. 5, p. 303.

19

elementos normativos do tipo seriam elementos inexistentes no mundo exterior, mas to somente no mundo jurdico, com conseqente carter valorativo.

De acordo com Mayer, quando uma circunstncia no indica a antijuridicidade, seno a fundamenta, passando a ser sua ratio essendi e no mais sua ratio cognoscendi, deve ser vista como parte essencial da antijuridicidade, particularidade que atribui aos elementos normativos14.

Para Mayer, os elementos normativos no contribuem com a funo indiciria, mas fundamentam a antijuridicidade. Diante disto, os elementos normativos so reais elementos da antijuridicidade e, portanto, elementos impuros do tipo.

Todavia, para este doutrinador, os elementos normativos so tambm simultaneamente elementos do tipo, e isso porque a lei os converte em objeto do dolo. Assim, os elementos normativos teriam uma dupla posio.

O descobrimento dos elementos normativos foi aceito rapidamente pela maioria dos autores, reconhecendo-se que o nmero dos elementos normativos era muito maior do que inicialmente se havia suposto. O ponto culminante desta evoluo se deu com Erik Wolf, defendendo que at elementos presumidamente descritivos puros, requeriam uma valorao orientada antijuridicidade.

3 - Relao entre elementos normativos do tipo e elementos descritivos do tipo

No h unanimidade quanto definio dos elementos normativos do tipo e sua relao com os elementos descritivos do tipo. Por um lado, h posicionamentos doutrinrios que defendem a distino entre elementos descritivos e normativos do tipo, valendo-se desta para conceitu-los; por outro lado, h aqueles que negam ou relativizam essa distino.14

MAYER, Max Ernst, Der Allgemeine Teil des Deutschen Strafrechts, apud JIMNEZ DE ASU, Luiz. Tratado de Derecho Penal. 3 ed. Buenos Aires: Losada, 1964, p. 901.

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3.1 Distino entre elementos normativos e descritivos

Vrios so os critrios de distino entre elementos normativos do tipo e elementos descritivos do tipo. Contudo, podemos falar em dois critrios principais utilizados pela doutrina para essa distino, quais sejam, a necessidade de um ato de valorao ou a remisso a uma norma.

Segundo o primeiro critrio, entende-se que a definio de elementos normativos e sua distino dos elementos descritivos se baseiam no processo de apreenso e entendimento dos mesmos. Assim, os elementos descritivos so aqueles compreensveis pela mera percepo sensorial, enquanto que os elementos normativos necessitam de um processo de compreenso intelectual, espiritual ou valorativo para serem entendidos.

Sob este sentido, Mezger defende que os elementos descritivos do tipo se referem a coisas e fatos externos, perceptveis pelos sentidos. Entende que podem existir as seguintes circunstancias descritivas do fato: (a) elementos tpicos objetivos do mundo sensvel externo, como coisa mvel, homem, mulher, entre outros e; (b) elementos tpicos subjetivos, que se referem a fatos psquicos que se realizam na alma do autor, como as intenes, a satisfao do instinto sexual, o fato de causar escndalo e outros.

J os elementos normativos do tipo, de acordo com Mezger, no esto relacionados simples descries que faz a lei, sendo necessrio um juzo ulterior conexo situao de fato. Deve-se distinguir entre: (a) elementos tpicos de juzo cognitivo, em que o magistrado deduz o juzo com base nos conhecimentos gerais que oferece a experincia como, por exemplo, para analisar o perigo de uma ao ou de um instrumento e; (b) elementos tpicos de juzo valorativo (sentimental), que exigem uma valorao em sentido estrito, como no caso de verificar se uma ao cruel, brutal, entre outros15.

Karl Engisch, por sua vez, utilizando do mesmo critrio, defende que, ao se falar em conceitos jurdicos normativos em oposio aos descritivos, est a se referir a algo especfico, diferente da simples pertinncia ao sistema das normas jurdicas ou s conotaes15

MEZGER, Edmund. Derecho Penal: libro de estudio. Trad. Conrado A. Finzi. 4 ed. Argentina: Ed. Bibliogrfica Argentina, 1958, p.146/147.

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das situaes hipotetizadas pelas mesmas. Os conceitos normativos seriam aqueles carecidos de um preenchimento valorativo, ou seja, o contedo normativo desses conceitos deve ser preenchido caso a caso por meio de atos de valorao16. Assim, por exemplo, para se resolver se um motivo vil ou um escrito pornogrfico, deve-se ter por base uma valorao, que vai alm dos dados descritivos suficientes compreenso dos elementos descritivos.

Por outro lado, consoante o segundo critrio, a distino entre elementos normativos e descritivos do tipo tem como base a conexo daqueles s normas. Os elementos normativos so aqueles que remetem ou pressupem uma norma, de modo que para entender o seu significado necessrio recorrer-se a essas disposies normativas. Assim, os elementos normativos, ao contrrio dos descritivos, visam dados que no so simplesmente perceptveis pelos sentidos, mas que s so compreensveis em contato com o mundo das normas. Neste sentido temos Schlchter, Frisch, Luzon Pea, Mir Puig, Jakobs, entre outros.

Sob este ponto de vista, para Ellen Schlchter, os elementos normativos so aqueles que remetem a outra norma, seja jurdica ou no. Os elementos normativos possuem uma dupla referncia, a primeira refere-se norma extrapenal a que remetem e a segunda a determinados estados de coisas que esto compreendidos nos conceitos da norma que o elemento normativo remeteu. Considera que entre elementos normativos e descritivos no h uma diferena qualitativa, pois ambos denotam um mbito de estado de coisas como extenso, havendo apenas uma diferena no nmero de operaes intermediadoras para se chegar a esse mbito.

De acordo com Jakobs, todos os elementos esto delimitados por uma norma. No tocante aos elementos normativos em sentido estrito, enquadram-se os elementos que so referidos a norma ou os que so completados normativamente. Com relao aos elementos referidos a norma, tem-se o grupo de conceitos que se refere determinada ordem social, ou seja, pressupem um catlogo de expectativas consolidadas na vida social e por isso pressupem normas sociais 17. Exemplifica esse grupo com os elementos associao, lesionar,

16

ENGISCH, Karl. Introduo ao pensamento jurdico. Trad. J. Baptista Machado. 7 ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1996, p. 213. 17 JAKOBS, Gnther. Derecho penal: parte general. Fundamentos y teoria de la imputacin. Trad. Joaquin Cuello Contreras e Jose Luis Serrano Gonzalez de Murillo. 2 ed. Madrid: Marcial Pons Ediciones Jurcias S.A, 1997, p. 352.

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destruir, escrito pornogrfico, entre outros. O dolo nesses elementos deve estender-se ao que h detrs do conceito, ou seja, ordem.

J em relao aos elementos completados normativamente, so elementos cujo contedo assume um mandato normativo, jurdico ou no. H elementos que tm por contedo a contraveno a uma norma extrajurdica. Por exemplo: maus tratos uma contraveno a normas do trato social; as injrias, tendo como base um conceito normativo de honra, se definem como contraveno do respeito devido; entre outros. E, h ainda elementos que tm por contedo a contraveno de uma designao jurdica. Sob este enfoque, tem-se o elemento alheio nos delitos contra a propriedade, que remete s normas sobre propriedade do Direito Civil e do Direito Administrativo, entre outros.

Neste pondo, cabe mencionar que, entre esses dois principais critrios doutrinrios mencionados de distino entre elementos normativos tipo e elementos descritivos do tipo, quais sejam, a necessidade de um ato de valorao ou de conexo a uma norma, no h uma distino drstica, sendo possvel encontrar as duas idias em uma mesma definio. Alm disso, a remisso a uma norma implica em uma valorao, assim como o ato de valorao implica na referncia a uma norma, de modo que os dois critrios no so totalmente desconexos.

Ressalte-se, ainda, que esses no so os nicos critrios utilizados para a definio e distino dos elementos normativos do tipo e dos elementos descritivos do tipo. Variveis dos posicionamentos anteriores tm-se, por exemplo, as construes doutrinrias de Darnstdt e de Kindhuser.

Darnstdt diferencia elementos descritivos de elementos normativos utilizandose da distino entre fatos naturais e fatos institucionais. Fatos naturais seriam aqueles que podem ser descritos com base em propriedades fsicas ou psquicas, enquanto que os fatos institucionais somente surgem ao se atribuir aos fatos naturais relevncia em sociedade, ou seja, para os membros de uma coletividade. Os fatos institucionais devem possuir no mnimo uma propriedade conferida socialmente, se constituindo atravs de uma conveno. Assim, os elementos descritivos esto correlacionados aos fatos naturais, enquanto que os elementos normativos esto correlacionados aos fatos institucionais.

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Neste sentido, tem-se tambm o posicionamento de Burkhardt, defendendo que os fatos naturais so aqueles que existem independentemente da presena do homem, enquanto que os fatos institucionais surgem somente no momento em que os membros da sociedade designam um significado s coisas naturais, o que ocorre mediante convenes ou estabelecimentos de regras, possuindo tais regras um carter constitutivo 18.

Por fim, Kindhuser, atribui aos elementos descritivos qualidades ou propriedades naturais e aos elementos normativos atribui qualidades ou propriedades convencionais. As qualidades naturais seriam aquelas que os objetos possuem assim como se apresentam ao mundo, enquanto que as qualidades convencionais seriam aquelas que surgem de uma interveno humana, das regras sociais 19.

Nos elementos descritivos, os objetos so designados por meio de juzos tericos, sendo que esses juzos implicam na constatao de um fato no bruto (factum brutum), expressando as qualidades que caracterizam o objeto no mundo. J nos elementos normativos, os objetos so designados por meio de juzos prticos. Os juzos prticos aludem como ho de serem realizadas as aes, expressam o que existe ou est em vigor, porm no dizem como so os objetos e como se identificam. So qualidades que s resultam das atitudes do homem com as coisas e com outros homens.

Assim, para Kindhuser, os elementos so valorativos, porm s so utilizados para comparar ou graduar. As valoraes no expressam sentimentos, apenas indicam o lugar que o objeto ocupa em uma escala. Exemplifica que ao se falar que um objeto documento, nada se est dizendo de positivo ou negativo, no se recomenda ou rechaa o objeto, e nem est sendo admirado ou condenado.

18

BURKHARDT, Bjrn, Rechtsirrtum und Wahndelikt Zugleich Anmerkung zum Beschlu, apud GRCIA Y CONLLEDO, El error sobre elementos normativos del tipo, p. 52. 19 KINDHUSER, Urs Konrad, Rohe Tatsache und normative Tatbestandsmerkmale, apud SUAY HERNNDEZ, Los elementos normativos y el error, p. 299.

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3.2 Negativa da distino entre elementos normativos e elementos descritivos do tipo

A distino entre elementos normativos e elementos descritivos do tipo no pacfica na doutrina, havendo doutrinadores que negam essa diferenciao, seja por defenderem que todos os elementos do tipo so normativos, seja por entenderem que todos so elementos descritivos, e havendo ainda aqueles que consideram que esta distino no relevante.

Erik Wolf nega a distino entre elementos normativos e elementos descritivos do tipo, sob o fundamento de que todos os elementos so normativos, mormente considerando que ao serem utilizados pelo Direito Penal na descrio tpica, automaticamente passam a ser vinculados a valores jurdico-penais. Sob este mesmo aspecto tem-se Bockelmann, defendo que pouco menos da totalidade dos elementos do tipo so normativos, sendo possvel a compreenso do significado desses elementos s pelo conhecimento do sentido normativo que possuem20.

Karl Heinz Kunert, por sua vez, entende que todos os elementos do tipo so descritivos. Leciona que a essncia do tipo consiste na descrio da matria de proibio, pelo que a valorao prvia em que descansa s pode produzir-se atravs do tipo em sua totalidade, ento cada elemento individual do tipo contemplado por si s unicamente pode ter carter descritivo21.

Para outros autores, como Dopslaff, a distino entre elementos normativos e descritivos irrelevante, no possuindo importncia no momento de analisar se um comportamento concreto se enquadra na tipificao penal, bem como para a configurao e funo do dolo.

Tambm Tonio Walter rejeita essa distino, alegando que ao se atribuir aos elementos descritivos a caracterstica de descrio de objetos do mundo real e aos elementos normativos a de relao com os pressupostos lgicos de uma norma, atende o primeiro caso 20

BOCKELMANN, Paul, Strafrecht Algemeiner, apud GARCA Y CONLLEDO, El error sobre elementos normativos del tipo, p. 54. 21 KUNERT, Karl Heinz, Die Unterscheidung Von vorsatzaussschlieendem und nichtvorsatzaussschilieendem Irrtum apud GARCA Y CONLLEDO, El error sobre elementos normativos del tipo, p. 55.

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funo e o segundo caso origem, pelo que a distino suprflua, no sendo possvel nenhum dos pontos de vista22.

3.3 Relativizao da distino entre elementos normativos e elementos descritivos do tipo

A defesa de relativizao da distino entre elementos normativos e elementos descritivos do tipo penal o atual posicionamento da doutrina majoritria, e isto por considerarem que os elementos tpicos em sua maioria so em parte descritivos e em parte normativos. Como exemplo dessa afirmao cita-se com freqncia o elemento pessoa, presente em algumas descries tpicas. Este elemento do tipo pode ser considerado descritivo, j que perceptvel sensorialmente, no sendo necessrio se valer de uma norma jurdica para a sua compreenso. Todavia, pode tambm ser considerado um elemento normativo j que necessria uma valorao para se compreender quando ocorre o incio e fim da vida humana, questo de fundamental importncia, por exemplo, para o crime de aborto, previsto na legislao brasileira nos artigos 124 a 126 do Cdigo Penal.

Sob este aspecto, entre tantos outros, tem-se o posicionamento de Tischler. Para este autor, assim como os elementos normativos contm certos momentos de realidade sensorial, tambm os elementos descritivos possuem contedos que vo alm da mera cognio sensorial. Desta forma, o critrio de distino entre elementos normativos e descritivos seria mais quantitativo do que qualitativo, ou seja, certos elementos tpicos possuem uma maior carga descritiva do que outros, enquanto que outros elementos possuem uma carga de valor (normativa) maior do que a carga descritiva.

Defendendo ainda essa relativizao, podemos citar Hans-Heinrich Jescheck. Para Jescheck, os elementos descritivos do tipo so aqueles suscetveis de uma constatao ftica, enquanto que os elementos normativos do tipo s podem ser pensados com o22

WALTER, Tonio, Der Kern des Strafrechts, apud GARCA Y CONLLEDO, El error sobre elementos normativos del tipo, p. 57.

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pressuposto lgico de uma norma. Contudo, no absoluta essa distino, j que tambm nos elementos normativos do tipo h, em geral, algo de realidade apreensvel pelos sentidos, contendo uma relao com o mundo dos fatos, assim como os elementos descritivos podem fazer referncia a uma norma para uma melhor consistncia de seu contedo 23.

Por fim, importante mencionar o pensamento de Roxin. Expe que tradicionalmente compreendem-se os elementos descritivos como os que reproduzem dados ou processos corporais anmicos e que so verificados de modo cognoscitivo, enquanto que os elementos normativos so aqueles que pressupem uma valorao. Entre os elementos normativos podem-se fazer distines: (a) elementos com valorao jurdica: alheio, funcionrio, documento pblico, entre outros; (b) elementos com valorao cultural: ato libidinoso, decoro, etc. Pode-se ainda diferenciar segundo o conceito deixe ao juiz uma margem de valorao ampla ou a valorao j venha preestabelecida ao juiz 24.

Todavia, defende Roxin que inclusive elementos que a primeira vista so descritivos, devem ser interpretados conforme o fim de proteo do correspondente preceito penal, logo, conforme critrios normativos. De outro lado, entende que tambm poucos elementos normativos so puras valoraes, seno que possuem um substrato descritivo. Por exemplo: o elemento documento no existe s por seu contedo jurdico, tendo tambm uma base material perceptvel pelos sentidos; o elemento injria no reconhecido apenas pela reproduo de um juzo de valor social, necessitando tambm de um processo acstico ou de sua fixao em um objeto.

H ainda outros expoentes da relativizao da distino entre elementos descritivos e normativos do tipo, como Arthur Kaufmann, Schmidhuser e outros.

Ao final, cabe uma ltima observao. Embora muitos autores defendam a relativizao da distino entre elementos descritivos e normativos do tipo, continuam, para fins didticos, mantendo-se uma distino entre esses elementos.

23

JESCHECK, Hans-Heinrich. Derecho penal:. parte general. Trad. Dr. Jos Luiz Manzaneres Samaniego. 4 ed. Granada: Comaris Editorial, 1993, p. 244. 24 ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 306.

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3.4 Distino entre elementos normativos e descritivos para a anlise do dolo

Tem se tornado mais freqente a idia de que o importante no decidir que tipo de elemento , seno decidir o que deve ser abarcado pelo dolo do elemento tpico, qual a natureza de eventual erro incidente.

Para Jakobs, no cabe resolver as dvidas sobre a distino entre elementos normativos e descritivos do tipo por meio de um conceito de normativo em si, mas por meio das conseqncias que gera para a teoria do tipo e para o dolo.

Para Blei, a distino no possui relevncia, pois no guarda relao com a questo de quais requisitos devem estar presentes no dolo, sendo que para esse s vezes basta o mero conhecimento de fatos do elemento tpico concreto e outras vezes necessria uma valorao paralela na esfera do profano.

Segundo Darnstdt, a caracterizao dos elementos descritivos em fatos naturais e dos elementos normativos em fatos institucionais permite precisar o objeto do dolo nos elementos normativos, o qual deve abarcar tambm a propriedade conferida socialmente.

Kindhuser, embora adote a distino entre elementos normativos e descritivos, defende que essa estrutura no repercute no problema do dolo. Para ele, por exemplo, existem elementos puramente descritivos que no so apreensveis unicamente por observao, sendo necessrio conhecer regras convencionais.

Herberger defende a substituio da distino entre elementos normativos e descritivos pelas expresses descritivas e valorativas, sendo valorativas as que possuem junto ao componente descritivo um componente emotivo. Por meio dos componentes emotivos se expressa a valorao do objeto.

Puppe acredita que, com relao a essa distino entre elementos descritivos e normativos, muitas vezes discutvel se um elemento tpico realmente possui um componente valorativo. Para essa doutrinadora, o essencial para resolver o problema do erro na verdade a distino entre fatos institucionais jurdicos e predicados de valor.

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De acordo com Zielinski, a distino entre elementos normativos e descritivos arbitraria, desviando da questo principal que saber o quanto de contedo de valor deve ser abarcado pelo dolo. Aduz que o problema dos elementos normativos do tipo no um problema do dolo, seno uma questo de interpretao do tipo.

4 Classificaes dos elementos normativos do tipo

Neste ponto, cabe mencionar classificaes trazidas por alguns autores quanto aos elementos normativos do tipo. Todavia, importante deixar claro desde j que algumas das classificaes no trazem distines absolutas, bem como no so aceitas pacificamente por toda a doutrina.

4.1 Elementos normativos jurdicos e elementos normativos extrajurdicos

A principal classificao dos elementos normativos, e tambm a mais aceita, a que distingue em elementos normativos do tipo jurdicos ou extrajurdicos. Elementos normativos jurdicos so aqueles que guardam relao com normas jurdicas. So expresses para cuja compreenso o julgador se vale de concepes prprias do domnio do Direito. Subdividem-se em: elementos normativos jurdicos penais e elementos normativos jurdicos extrapenais.

Elementos normativos jurdicos penais so aqueles que guardam relao com normas penais. Como exemplo, temos os tipos que fazem referncia a um delito, o que ocorre na calnia (artigo 138 do Cdigo Penal), e ainda o elemento territrio nacional presente no artigo 207 do Cdigo Penal (aliciamento de trabalhadores de um local para outro do territrio nacional), e que vem definido por este mesmo dispositivo em seu artigo 5, 1.

J os elementos normativos jurdicos extrapenais so os que guardam relao tambm com normas jurdicas, mas de ramos diferentes do Direito Penal. Exemplos:

29

documento (artigo 297 do Cdigo Penal falsificao de documento pblico) e casamento (artigo 232 do Cdigo Penal - bigamia), ambos relacionados ao direito civil, funcionrio pblico (artigo 312 do Cdigo Penal), referente ao direito administrativo, imposto (artigo 334 do Cdigo Penal contrabando ou descaminho), relacionado ao direito tributrio, entre outros.

Por sua vez, os elementos normativos extrajurdicos so juzos de valor fundados em outros dados que no jurdicos, como em normas sociais, morais, culturais e religiosas. Neste sentido temos: ato obsceno (artigo 233 do Cdigo Penal), decoro (artigo 140 do Cdigo Penal - injria), bens de produo (artigo 4, IV da Lei 8137/90 - Lei dos Crimes contra a Ordem Tributria), e outros.

Podemos considerar adepto a essa classificao Roxin, usando, todavia, a denominao elementos normativos com valorao jurdica e elementos normativos com valorao cultural.

4.2 Elementos normativos de sentido e elementos normativos de valor

Os elementos normativos de valor so aqueles que implicam em uma valorao, normalmente negativa. Nesse sentido, temos o elemento ato obsceno (artigo 233 do Cdigo Penal), perigo moral (artigo 245 do Cdigo Penal entrega de filho menor a pessoa inidnea), e outros.

Os elementos normativos de sentido, por sua vez, so aqueles em que as normas de referencia fazem compreensvel o seu sentido. Por exemplo: funcionrio (artigo 312, do Cdigo Penal - peculato), alheia (artigo 155 do Cdigo Penal - furto).

Ressalte-se que h divergncias quanto a esta classificao, j que h autores que entendem que deve ser aplicada apenas aos elementos normativos extrajurdicos, como Jescheck, enquanto que outros doutrinadores defendem que esta classificao aplica-se a todos os elementos normativos, sendo este o posicionamento Mir Puig.

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4.3 Elementos normativos do tipo especfico (explcito ou escrito) e elementos normativos do tipo geral (implcito ou no escrito)

Miguel Daz y Garca Conlledo traz a distino entre elementos normativos do tipo especficos e elementos normativos do tipo gerais. Segundo o doutrinador, os elementos normativos especficos so aqueles peculiares de um tipo penal, diferenciando-o dos demais tipos, ou seja, no sendo um elemento geral a todos os tipos. Todavia, defende que isso no impede que o mesmo elemento seja utilizado especificadamente em mais de tipo penal. Traz como exemplos: funcionrio pblico, alheia, dignidade, tributo, paz pblica, entre tantos outros.

J ao falar em elementos normativos do tipo gerais, menciona aqueles que so comuns de um modo geral a todos os tipos, derivados de construes dogmticas ou preceitos pertencentes parte geral. Como exemplo, cita: a imputao objetiva do resultado ao do sujeito nos delitos de resultado, as formas de participao no delito, as fases prvias consumao no iter criminis, entre outros.

4.4 Elementos normativos do tipo objetivo e elementos normativos do tipo subjetivo

Ainda o autor Miguel Daz y Grcia Conlledo traz a classificao de elementos normativos do tipo objetivo e do tipo subjetivo. Entende que os elementos normativos do tipo objetivo so aqueles que pertencem parte objetiva do tipo. Como exemplo traz os elementos que normalmente so citados ao se falar em elementos normativos, como documento pblico, decoro, tributo, ato obsceno e outros.

J os elementos normativos do tipo subjetivo, segundo este lecionista, so os que pertencem parte subjetiva, ou seja, o dolo e a culpa para aqueles autores que entendem que estes elementos pertencem ao tipo e no culpabilidade. Cita ainda o nimo injuriante que deve estar presente no crime de injria, possuindo carter normativo por fazer referencia a normas sociais.

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Todavia, tal distino no ser considerada neste trabalho, principalmente por no se considerar o dolo como elemento normativo. Ademais, mesmo que se considerasse dolo e culpa como elementos normativos, sendo o erro de tipo o desconhecimento de elementos objetivos do tipo e estando o erro de proibio relacionado ao conhecimento da antijuridicidade, ambos no podem ser aplicados a elementos do tipo subjetivo.

4.5 Elementos normativos do tipo positivo e elementos normativos do tipo negativo

Esta mais uma classificao mencionada por Miguel Daz y Grcia Conlledo. Explica que essa distino possvel para aqueles que adotam a teoria do tipo global do injusto, que dizer, para os autores que defendem a presena de elementos negativos e positivos no tipo penal. De acordo com essa teoria do tipo global do injusto, em todo o tipo est implcito o pressuposto de ausncia da concorrncia de causas de justificao, constituindo elemento negativo do tipo.

Assim, os elementos normativos positivos so aqueles que pertencem parte positiva do tipo, valendo como exemplo todos os elementos j citados ao se falar em elementos normativos explcitos.

J, segundo Mguel Daz, os elementos normativos do tipo negativo so aqueles elementos normativos que aparecem nas causas de justificao. Com exemplo cita, com base no Cdigo Penal Espanhol, a referncias a direitos, morada ou suas dependncias presentes na legtima defesa, e com relao ao estado de necessidade fala nos termos mau e bem jurdico como elementos normativos.

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5 Elementos afins aos elementos normativos do tipo

5.1 Elementos cognitivos (tericos ou de juzo cognitivo)

Elementos cognitivos so elementos que no fazem referncia a uma norma, bem como no so compreensveis unicamente pela percepo sensorial, necessitando de regras da experincia e os conhecimentos que desta derivam para o seu entendimento.

Exemplo comum e bastante citado deste tipo de elemento a existncia de perigo ou periculosidade mencionada em muitos tipos penais. No Cdigo Penal ptrio, podemos trazer como exemplo o artigo 129, 1, II (leso corporal de natureza grave se resulta perigo de vida), o artigo 132 (perigo para a vida ou sade de outrem), o artigo 136 (maus-tratos), entre tantos outros.

Nesses casos, no possvel comprovar o perigo pela mera percepo sensorial, devendo-se recorrer s regras de experincia, at mesmo necessitando, em muitas das vezes, da interveno de expertos e do trabalho de peritos. Mezger inclui os elementos cognitivos, a que chama de elementos tpicos de juzo cognitivo, dentro da categoria dos elementos normativos. Como j foi dito, Mezger distingue os elementos normativos em elementos tpicos de juzo cognitivo e elementos tpicos de juzo valorativo. Leciona que nos elementos tpicos de juzo cognitivo, o juiz deduz esse juzo com base nos conhecimentos gerais que oferece a experincia 25. Esse seria o caso da verdade ou no verdade objetiva de um caso e de toda espcie de periculosidade do instrumento ou de uma ao.

Todavia, no h unanimidade na doutrina com relao aos juzos cognitivos. Alguns doutrinadores defendem que devem ser includos nos elementos descritivos, outros25

MEZGER, Derecho Penal: libro de estudio, p. 147

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nos elementos normativos e havendo ainda aqueles que entendem ser uma categoria distinta ou intermediria dos elementos normativos e dos elementos descritivos.

5.2 Conceitos completos

Os conceitos completos, segundo Weber, coincidiriam com os elementos normativos por terem por contedo um estado de coisas valorado. Todavia, deles se distinguem j que, pelos conceitos completos estarem compostos de determinado estados de coisas, a sua presena no caso concreto depende da constatao desses estados de coisas e no apenas de uma valorao 26. Weber traz como exemplo os termos documento, dever de prestar socorro em casos de perigo, a competncia de funcionrio nos tipos de perjrio e de falsa promessa, documento nos crimes de falsidade documental, entre outros.

De acordo com esse doutrinador, nos elementos normativos necessrio para o dolo o conhecimento do estado de coisas e o conhecimento do significado (valorao), enquanto nos conceitos completos bastaria o conhecimento do estado de coisas para o dolo, ou seja, o conhecimento dos elementos e circunstncias que integram o conceito completo. Assim um erro sobre o estado de coisas excluiria o dolo tanto com relao aos elementos normativos quanto com relao aos conceitos completos, enquanto que um erro sobre a valorao, sobre o significado, excluiria o dolo apenas quando referente aos elementos normativos, sendo um erro de subsuno em relao aos conceitos completos.

Essa teoria dos conceitos completos, todavia, rechaada pela doutrina majoritria, como, por exemplo, por Kunert, Roxin, Kuhlen, entre outros. A principal crtica falta de distino clara entre elementos normativos e conceitos completos, no se conseguindo delimitar de forma clara e convincente o mbito dos conceitos completos.

26

WEBER, Ulrich, Vom Subsumtionsirrtum, apud GRCIA Y CONLLEDO, El error sobre elementos normativos del tipo, p. 101.

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5.3 Tipos abertos e elementos do dever jurdico ou elementos especiais da antijuridicidade

Segundo

Welzel,

em regra,

o tipo

descreve

todos os

elementos

fundamentadores do injusto, de modo que no marco da antijuridicidade s resta examinar a ausncia de causas de justificao. Todavia, nem todos os tipos satisfazem esse ideal de exaustiva descrio ou de tipos fechados, havendo os chamados tipos abertos. Nos tipos abertos no se descreve exaustivamente todos os aspectos do objeto de proibio 27.

Ao contrrio da maioria dos tipos que supem um indcio de injusto que s a presena de causas de justificao contradita, os tipos abertos contm determinados elementos do dever jurdico (ou elementos especiais da antijuridicidade), que exigem expressamente a antijuridicidade da conduta. Ou seja, no so descries da ao tpica, mas referncias expressas antijuridicidade. O injusto s poder se comprovar mediante a verificao desses elementos especiais da antijuridicidade.

Sob este enfoque, os tipos abertos seriam tipos incompletos no sentido de que no indicam o injusto da conduta, nem mesmo quando no h causas de justificao. Seriam autnticos tipos neutros, sem contedo de valor.

O principal exemplo que Welzel apresenta o da coao. Para Welzel, quem motiva o outro a realizar uma conduta por meio de ameaas est sempre realizando o tipo das coaes. Mas a reprovao da coao deve ser considerada como uma questo de antijuridicidade, assim, o tipo no descreve de modo completo os elementos fundamentadores do injusto. S com a verificao da reprovao que se fundamentar/afirmar o injusto.

Todavia, a teoria dos tipos abertos no aceita pela doutrina majoritria, como por Engisch, Roxin, Haft, Schlchter, Tischler, Suay Hernndez, entre outros. Roxin entende que no pode haver tipos abertos, pois se o tipo considerado como um tipo (uma classe) de

27

WEZEL, Derecho Penal Alemn, p. 75.

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delito, como juzo provisrio de desvalor, ento no pode ser valorativamente neutro a respeito do injusto28.

Roxin rebate o exemplo apresentado por Wezel da coao. Se neste caso o injusto s se fundamenta positivamente quando se considerar reprovvel a ameaa de mal para o fim perseguido, ento todas as circunstncias que fundamentam esse juzo de reprovao devem ser vistas como circunstncias do fato. O fato de essas circunstncias terem de ser elaboradas pela jurisprudncia ou pela doutrina, por meio do critrio normativo da reprovao, no as torna elementos da antijuridicidade. Desde Mayer, segundo Roxin, sabe-se que as circunstncias normativas, em que pese o seu juzo de desvalor, so elementos do tipo.

5.4 Elementos de valorao global do fato

Em contraposio idia de tipos abertos de Welzel, Roxin defende que h alguns tipos que possuem elementos de valorao global do fato, ou seja, elementos que alm de conter os pressupostos ou circunstncias objetivas ou materiais fundamentadoras da antijuridicidade, possuem tambm em si o juzo de antijuridicidade, de modo que: os pressupostos de valorao global e as circunstncias objetivas fundamentadoras do juzo de antijuridicidade pertenceriam ao tipo, enquanto que a prpria valorao global corresponderia antijuridicidade.

Exemplifica com a conduta tipificada no Direito Alemo de matar um animal vertebrado sem motivo razovel. O elemento sem motivo razovel um elemento de valorao global do fato. Todos os motivos razoveis excluem o tipo, e neles se incluem as causas de justificao. Em conseqncia, as circunstncias que fundamentam a no razoabilidade so elementos do tipo, j o prprio juzo de no razoabilidade idntico valorao do injusto, sendo assim uma questo de antijuridicidade.

Os elementos de valorao global do fato que pertencem ao tipo englobam tanto aspectos positivos quanto aspectos negativos da antijuridicidade (ausncia de causas de justificao). Diante disto, entende Roxin que os preceitos com elementos de valorao global28

ROXIN, Claus, Derecho Penal, p.298/299.

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do fato no so tipos abertos, como leciona Welzel, mas tipos mais fechados que se podem conceber.

Ressalte-se, por fim, que no h que se confundir os elementos de valorao global com os casos em que o tipo faz referncia expressa a ausncia de uma causa de justificao. Nesse ltimo caso o que h apenas uma referncia exceo da antijuricidade e no tambm um fundamento positivo da mesma por remisso ao conjunto do ordenamento. Um erro sobre esses elementos nada mais do que um erro sobre uma causa de justificao.

5.5 Leis penais em branco

Leis penais em branco so aquelas em que a descrio da conduta punvel se mostra incompleta ou lacunosa, necessitando de outro dispositivo legal para a sua integrao ou complementao. So tipos penais com sano penal determinada, mas com preceito incompleto, pendente de complementao.

Mezger distingue as leis penais em branco em: leis penais em branco em sentido amplo e leis penais em branco em sentido estrito. Nas leis penais em branco em sentido amplo, o complemento est contido na mesma lei ou em outra lei emanada da mesma autoridade legislativa. Por sua vez, na lei penal em branco em sentido estrito, o complemento est contido em uma lei emanada de outra autoridade legislativa 29.

Segundo Juarez Cirino, a leis penais em branco exprimem uma tendncia de administrativizao do Direito Penal, com os seguintes problemas: (a) a transferncia da competncia legislativa para definir a conduta proibida para o Poder Executivo ou para nveis inferiores de atos legislativos infringe o princpio da legalidade; (b) saber se o complemento posterior favorvel ao autor ser retroativo ao fato realizado na vigncia de complemento anterior que era prejudicial ao autor30. Esta questo hoje resolvida pela retroatividade da lei benigna.

29 30

MEZGER, Derecho Penal: libro de estudio, P. 154. SANTOS, Direito Penal, p. 51.

37

A distino entre as leis penais em branco e os elementos normativos do tipo no de fcil soluo. Podemos citar a distino trazida por Garca Arn, o qual expe que nas normas penais em branco o legislador deixa competncia de outra instncia o estabelecimento do elemento tpico, o que no ocorre quando a norma extrapenal (ou de outra natureza) somente invocada para interpretar o estabelecido pelo legislador, sendo este o caso dos elementos normativos31. As leis penais em branco supem uma infrao da norma de remisso, como pressuposto para que se configure o tipo penal.

O elemento normativo por bvio uma elementar do tipo, e para sua compreenso plena necessrio dar uma interpretao palavra e muitos vezes valendo-se do conceito que dado por outra lei ou normatizao. A lei penal em branco uma norma que no esgota toda a sua proibio. Quando esto presentes ambos os institutos, metodologicamente, antes de se falar em lei penal em branco deve-se verificar se a palavra um elemento do tipo e, no caso, normativo. Alm disso, pode ser que em um tipo haja um elemento normativo e no seja uma norma penal em branco, e isto, por exemplo, quando essa prpria norma vem a trazer o significado da palavra que um elemento normativo.

Por fim, as leis penais em branco e os elementos de valorao global do fato no se confundem. As leis penais em branco remetem a normas concretas, enquanto que os elementos de valorao global do fato remetem totalidade do ordenamento jurdico. Ademais, os elementos de valorao global do fato contm tambm os pressupostos negativos do juzo da antijuridicidade, o que no ocorre nas leis penais em branco.

6 Concluso Parcial

Pelo o exposto o que se pode perceber que so vrios os problemas que surgem em torno dos elementos normativos, no havendo unanimidade na doutrina nem mesmo quanto sua conceituao e as suas caractersticas.

31

GARCA-ARN, Mercedes, Remisiones normativas, leyes penales em Blanco y estructura de la norma penal, apud GARCIA Y CONLLEDO, El error sobre elementos normativos del tipo, p.130.

38

O que vem cada vez mais prevalecendo, todavia, uma relativizao na distino entre elementos normativos do tipo e elementos descritivos do tipo. A razo para tal relativizao por se verificar que os elementos do tipo em sua maioria so em parte descritivos e em parte normativos, sendo que o que ocorre que em alguns a carga normativa maior enquanto que em outros a carga descritiva se destaca.

Desta feita, no mais se pode afirmar uma distino absoluta entre elementos normativos e elementos descritivos do tipo, no havendo elementos totalmente perceptveis pelo sentido e elementos puramente valorativos, sem nenhum dado sensorial.

39

CAPTULO III TEORIA DO ERRO

1 Consideraes gerais

Antes de adentrar no captulo especfico do erro sobre os elementos normativos do tipo, importante tecer algumas consideraes sobre a teoria do erro, contudo, sem a pretenso de esgotar o assunto.

Podemos entender o erro como uma falsa representao da realidade ou um falso ou equivocado conhecimento de um objeto. J a ignorncia a falta de representao da realidade ou o desconhecimento total do injusto. Assim, o erro um estado positivo e a ignorncia um estado negativo 32. Ressalte-se, todavia, que em nosso ordenamento jurdico predomina a tese unificadora, no se fazendo distino entre o erro e a ignorncia.

Desta feita, de modo geral, podemos dizer que ocorre o erro quando o conhecimento do sujeito e a realidade no coincidem, sendo essa discrepncia devida ao fato do sujeito no ter representao alguma da realidade ou ter uma falsa representao da realidade.

Em nosso ordenamento jurdico, o erro vem regulamentado nos artigos 20 e 21 da parte geral do Cdigo Penal, valendo-se da distino entre erro de tipo e erro de proibio. Considera erro de tipo o erro sobre elementos constitutivos do tipo, excluindo-se o dolo, todavia permitindo a punio por crime culposo. J o erro de proibio o erro sobre a ilicitude do fato, isentando de pena se inevitvel ou diminuindo a pena de um sexto a um tero se evitvel.

32

GOMES, Luiz Flvio Gomes. Direito Penal: parte geral. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 384.

40

2 Teorias

2.1 Teorias do dolo

As teorias do dolo tm origem no sistema causal. Surgem da idia do dolo como dolus malus (dolo normativo), no qual no se exige do agente apenas a conscincia e a vontade de realizar os elementos integrantes do tipo, mas tambm a conscincia atual do injusto, ou seja, a conscincia do significado ilcito do fato.

A conscincia atual da ilicitude faz parte do dolo e esse, por sua vez, faz parte da culpabilidade. Quem atua sem a conscincia atual da ilicitude incide em erro, excluindo o dolo se o erro era inevitvel e, punindo-se por crime culposo se o erro era evitvel, claro que quando h previso legal de punio por culpa.

No fazem distino entre o erro de tipo e o erro de proibio, sendo que tanto o erro que recai sobre os elementos do tipo quanto o erro que recai sobre a ilicitude da conduta afetam o dolo, uma vez que, como j dito, a conscincia do ilcito faz parte do dolo.

Essas teorias remontam a Carmigani, Carrara e Romagnosi. Entre os autores brasileiros que a adotaram temos Nlson Hungria, Anbal Bruno, Magalhes Noronha, entre outros.

2.1.1 Teoria estrita ou extrema do dolo

Essa teoria se baseia na doutrina de Binding. So partidrios dessa teoria Baumann, Langhinrichsen, Schrfider, entre outros. Defende exatamente o exposto anteriormente, ou seja, o erro sobre os elementos do tipo bem como o erro sobre a conscincia da ilicitude exclui o dolo, podendo excluir tambm a culpa se o erro era inevitvel, do contrrio, responde por crime culposo em havendo previso legal. Faz uma equiparao entre o erro de tipo e o erro de proibio, sendo ambos excludentes do dolo.

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Importante ressaltar que essa teoria exige o conhecimento atual e concreto do injusto pelo agente para que se possa afirmar o dolo, do contrrio verifica-se a ocorrncia do erro.

Na doutrina brasileira adotam essa teoria Paulo Jos da Costa Jnior e Grson dos Santos, entre outros.

2.1.2 Teoria limitada do dolo

A teoria limitada do dolo surge como uma limitao teoria anterior, tendo como um dos seus expoentes o doutrinador Mezger. Exige para o dolo apenas o conhecimento potencial do injusto, no necessitando ser o conhecimento atual e concreto.

Mezger permite a equiparao ao dolo do estado de indiferena ou de inimizade do autor para com o Direito, ou seja, quando o autor atua sem conscincia da ilicitude em razo de cegueira do Direito ou inimizade ou hostilidade ao Direito. Entende que a forma bsica jurdico-penal da culpabilidade exige, com respeito s circunstncias de fato, o dolo; j com relao antijuridicidade do fato, exige-se o dolo ou uma atitude do autor incompatvel com uma s conscincia do que o direito e o injusto 33.

Para alguns autores, como Munhoz Neto, essa teoria permite uma concepo autoritria do Direito, introduzindo Mezger no Direito Penal a possibilidade de se condenar o agente no pelo o que ele fez, mas pelo o que ele , derivando deste entendimento o direito penal do autor.

2.1.3 Teoria modificante do dolo

Para a teoria modificada do dolo, a conscincia da ilicitude faz parte do dolo. Assim, o erro inevitvel exclui a conscincia de ilicitude e em conseqncia o dolo, mas,33

MEZGER, Derecho Penal: libro de estudio, p. 254/255.

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como o dolo pertence culpabilidade, essa tambm ser excluda. Por outro lado, o erro evitvel no exclui o dolo, sendo o autor punido por crime doloso, todavia, com pena atenuada, sendo esse o diferencial das demais teorias 34.

2. 2 Teorias da culpabilidade

As teorias da culpabilidade tm como base o sistema finalista. O dolo passa a ser visto como dolo natural ou dolo de fato, sendo a conscincia e vontade de realizao do tipo. A conscincia da ilicitude entendida como integrante da culpabilidade, no mais pertencente ao dolo.

O erro sobre os elementos constitutivos do tipo passa a ser conhecido como erro de tipo, provocando a excluso do dolo. J o erro sobre a conscincia da ilicitude recebe o nome de erro de proibio, estando relacionado culpabilidade, que poder ser excluda ou no.

O Cdigo Penal Brasileiro parecer ter adotado a teoria da culpabilidade e no a teoria do dolo, e isto porque em seu artigo 18, I, no faz qualquer referncia a respeito da conscincia da ilicitude no conceito do dolo. Alm disso, a leitura dos artigos 20 e 21 deste mesmo diploma normativo nos leva a entender que o dolo faz parte do tipo e a conscincia da ilicitude faz parte da culpabilidade, salvo melhor juzo.

2.2.1 Teoria estrita ou extremada da culpabilidade

A teoria estrita da culpabilidade principalmente representada pelos finalistas, Wezel, Maurach, Armin Kaufmann, entre outros.

Segundo essa teoria, que parte de uma concepo de dolo como dolo natural ou neutro (no portador da conscincia de ilicitude), todo o erro que recai sobre a antijuridicidade34

GOMES, Erro de tipo e erro de proibio, p. 67.

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deve ser visto como erro de proibio, com a conseqncia de excluir ou atenuar a culpabilidade, sem afetar o dolo. Se inevitvel haver a excluso da culpabilidade e se evitvel o agente ser punido por crime doloso, podendo ter a pena atenuada. Assim, o erro sobre a ilicitude gera duas conseqncias de caractersticas extremas: ou no h a punio por ter havido a excluso da culpabilidade ou h a punio por crime doloso, no havendo assim a possibilidade de um meio termo, qual seja, a punio do agente por crime culposo.

Dentre os doutrinadores brasileiros que adotam essa teoria, fala-se em Munhoz Neto, Heitor Costa Jnior, Heleno Fragoso, e outros.

2.2.2 Teoria limitada da culpabilidade

O diferencial entre a teoria estrita da culpabilidade e a teoria limitada da culpabilidade o tratamento do erro sobre as causas de justificao. Para a teoria limitada da culpabilidade, deve-se fazer uma diferenciao do erro incidente sobre as causas de justificao:

(a) Erro sobre os limites ou existncia de uma causa de justificao: trata-se de erro de proibio, excluindo a culpabilidade quando o erro for inevitvel e atenuando-se a pena quando o erro for evitvel;

(b) Erro sobre os pressupostos fticos de uma causa de justificao: erro de tipo ou deve ser tratado como se erro de tipo fosse, excluindo o dolo quando o erro for escusvel e punindo-se por crime culposo quando o erro for inescusvel. Para os autores que adotam a teoria negativa do tipo, esse erro efetivamente um erro de tipo, e no tratado como se fosse.

Com relao ao erro sobre os pressupostos fticos de uma causa de justificao, sustentam que um verdadeiro erro de tipo os autores adeptos teoria dos elementos negativos do tipo. E isto porque consideram que a ausncia de causas de justificao um elemento negativo do tipo, sendo conseqncia lgica que o erro sobre os pressupostos de uma causa de justificao um erro de tipo.

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J os doutrinadores que no so adeptos da teoria dos elementos negativos do tipo defendem que o erro sobre os pressupostos fticos de uma causa de justificao no um erro de tipo. Mas, tendo em vista que estes erros so estruturalmente anlogos, merecem o mesmo tratamento, pelo que o erro sobre os pressupostos fticos de uma causa dever ser tratado como se erro de tipo fosse.

So seguidores dessa teoria Lucio Herrera, Stratenwerth, Klaus Tiedemann, Roxin, entre outros. So adeptos a essa teoria no Brasil, dentre outros, os doutrinadores Francisco Toledo, Juarez Tavares e Antnio Luiz Chaves Camargos.

3 Tipos de erro

O nosso Cdigo Penal Ptrio de 1984 adotava a teoria unitria, entendendo que todo o erro estava relacionado culpabilidade. Baseava no entendimento de que o dolo pertencia culpabilidade, e que a conscincia da ilicitude, que fazia parte do dolo, tambm integrava a culpabilidade.

Com o desenvolvimento dos estudos doutrinrios, deixando o dolo de pertencer culpabilidade e a conscincia da ilicitude de pertencer ao dolo, o nosso atual Cdigo Penal passou a adotar a diferenciao entre erro de tipo e erro de proibio, cada um gerando conseqncias jurdicas distintas.

3.1 Erro de tipo

3.1.1 - Conceito

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O erro de tipo o erro incidente sobre os elementos do tipo objetivo, ou seja, o erro sobre os pressupostos fticos do tipo. o erro que recai sobre os elementos constitutivos do tipo essenciais, sem os quais o tipo no existiria.

No erro de tipo o agente no tem conscincia, plena ou parcial, de sua ao; no tem conscincia dos requisitos objetivos do tipo. Ressalte-se que o erro de tipo no recai sobre os requisitos subjetivos do tipo, quais sejam, dolo e elementos subjetivos especiais.

3.1.2 - Efeitos

Restando configurado o erro de tipo, haver a excluso do dolo, mormente porque no h como haver a vontade da realizao dos elementos do tipo quando incidente erro sobre esses mesmos elementos. O dolo requer o conhecimento da concorrncia de todos os elementos tpicos.

A culpa, por sua vez, poder vir a ser excluda ou no, segundo a vencibilidade do erro. O critrio para medir a vencibilidade ou no do erro deve ser objetivo. Deve-se atentar para as possibilidades do erro ter sido evitado de acordo com os padres do homem mdio e com a posio do autor e seus conhecimentos, ou seja, verifica-se como teria agido o homem ideal se colocado nas circunstncias pessoais do autor.

Tratando-se de erro de tipo invencvel, diga-se objetivamente invencvel, haver tanto a excluso do dolo quanto a excluso da culpa. Considera-se erro invencvel (inevitvel ou escusvel) o erro que no pode ser superado pelo agente, mesmo tomando todas as precaues exigveis.

J se o erro de tipo vencvel (evitvel, inescusvel), subsiste a responsabilidade por culpa. Considera-se erro vencvel aquele que poderia ter sido evitado com a devida ateno do autor do fato tpico, pela maior diligncia do agente. Ressalte-se, todavia, que nesses casos s haver punio por crime culposo quando houver previso legal, ou seja, quando no diploma normativo houver a tipificao do delito em sua modalidade culposa e no apenas dolosa.

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3.1.3 Disposies legais

A regulamentao do erro do tipo no direito brasileiro encontra-se no Cdigo Penal, artigo 20, caput, dispondo que o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punio por crime culposo, se previsto em lei. 35

3.2 Erro de proibio

3.2.1 - Conceito

O erro de proibio o erro incidente sobre a conscincia da ilicitude do fato. O autor do fato sabe o que faz tipicamente, mas supe erroneamente que sua conduta permitida, ou seja, o agente sabe o que faz e acredita que lcito o que est fazendo, quando na verdade no o .

A doutrina majoritria entende que o autor do fato deve saber que a sua conduta proibida sob a perspectiva da totalidade do ordenamento, e no simplesmente ignorar o seu carter delitivo (antijuridicidade penal). Ou seja, no incide em erro de proibio aquele que embora desconhecesse que a conduta era penalmente proibida, era consciente da sua ilicitude geral frente ao ordenamento como um tudo.

A doutrina minoritria, por outro lado, defende que h erro de proibio quando o autor do fato desconhece que este constitui uma infrao penal, pois o conhecimento que se exige para que no incida em erro o conhecimento da antijuridicidade penal.

Roxin defende que se exige muito pouco quando se considera suficiente para a conscincia da antijuridicidade a conscincia da danosidade e da imoralidade, j que nem35

BRASIL. Cdigo Penal. 11 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

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todas as aes desvaloradas esto proibidas, bem como pelo fato de que as valoraes sociais e morais so bastante mutveis na sociedade, pelo que o Direito no pode exigir orientao incondicional por elas, seno que s pode formular a reprovao quando o sujeito desatende conscientemente proibies e mandatos jurdicos36.

Por fim, divide-se o erro de proibio em erro de proibio direto e erro de proibio indireto (permissivo). Erro de proibio direto ocorre quando o agente atua com a convico de que a sua conduta no est proibida pelo ordenamento jurdico; um erro sobre a existncia da norma e sua abrangncia. Erro de proibio indireto, por sua vez, aquele que incide sobre a existncia ou limites de uma causa de justificao.

3.2.2 - Efeitos

O erro de proibio no afeta o dolo ou a imprudncia, mas sim afeta a culpabilidade, excluindo-a ou atenuando-a, a depender se o erro vencvel (inescusvel) ou invencvel (escusvel), isso de acordo com a teoria da culpabilidade, hoje majoritria.

Tendo em vista que o erro de proibio est relacionado culpabilidade, a vencibilidade ou no do erro no ser medida por critrios objetivos ou gerais, uma vez que se deve ter em ateno o sujeito concreto. Assim, o parmetro a ser utilizado ser subjetivo, individual.

Segundo Roxin, a vencibilidade ou invencibilidade depender de trs requisitos :37

(a) Que o sujeito tenha um motivo para refletir sobre o possvel carter antijurdico de sua conduta e informa-se a respeito, o que ocorrer quando ao sujeito surgiram dvidas, ou mesmo que ainda no tenham surgido dvidas o sujeito sabe que opera em um setor sujeito a uma regulao especfica, e ainda quando o sujeito consciente de que sua conduta prejudica a particulares ou coletividade. Se no h motivo, o erro invencvel.

36 37

ROXIN, Derecho Penal, p. 866. ROXIN, Derecho Penal, p. 885-893.

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(b) Existindo o citado motivo, o cidado com escassa instruo jurdica deve consultar a um conhecedor do direito; (c) Ainda existindo motivo e no realizando suficientes esforos para se informar, o erro continuar sendo invencvel se comprovado que ao sujeito foi afirmada a conformidade de sua conduta ao Direito.

Enfim, sendo o erro de proibio invencvel, a culpabilidade ser excluda. Por outro lado, sendo vencvel o erro, no haver a excluso da culpabilidade, sendo apenas atenuada.

3.2.3 Disposies legais

A regulamentao do erro de proibio no direito ptrio encontra-se no artigo 21 do Cdigo Penal Brasileiro, dispondo que o erro sobre a ilicitude do fato, se inevitvel, isenta de pena; e se evitvel, poder diminu-la de um sexto a um tero.38

3.3 - Erro de subsuno

Ocorre o chamado erro de subsuno quando o erro do agente recai sobre conceitos jurdicos, ou seja, sobre o sentido jurdico de um requisito previsto no tipo legal. Neste tipo de erro h uma apenas interpretao jurdica equivocada e no uma valorao errnea.

Assim, ocorre o erro de subsuno quando o autor, com total conhecimento dos fatos e de seu significado social, interpreta erroneamente a seu favor o correspondente elemento tpico normativo 39.

Todavia, as definies e caracterizaes do erro de subsuno so diversas e s vezes no coincidentes. Pela doutrina majoritria, o erro de subsuno considerado um erro38 39

BRASIL. Cdigo Penal. 11 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. SUAY HERNNDEZ, Clia, Los elementos normativos y el error, p. 313.

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irrelevante, no gerando conseqncias jurdicas, podendo, contudo, em algumas situaes dar origem a um ulterior erro de proibio. J segundo a doutrina minoritria, o erro de subsuno poder tambm dar origem a um erro de tipo. Neste sentido temos o posicionamento de Roxin. Entende que no erro de subsuno o sujeito interpreta equivocadamente um elemento tpico de modo que chega a uma concluso de que no se realizar mediante a sua conduta40. E tal erro poder ser um erro de tipo, um erro de proibio ou somente um erro irrelevante, de acordo com que oculte ao sujeito o contedo do significado social de um elemento ou a proibio especfica do tipo ou apenas a punibilidade de sua conduta.

3.4 - Erro de tipo permissivo

Erro de tipo permissivo , segundo alguns doutrinadores, o erro que