o encoberto & o descoberto

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o Encoberto & o Descoberto um lado ocidental como Estória um lado oriental que fez História Aspectos de Cartografia & Registos de Viagens Versão 01. 2010 &

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Tese de Alvor Silves sobre Descobrimentos- Navegações portuguesas cartografaram todo o globo até 1537.

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Page 1: o Encoberto & o Descoberto

o Encoberto

&

o Descoberto

um lado ocidental

como Estória

um lado oriental

que fez História

Aspectos de Cartografia

&

Registos de Viagens

Versão 01. 2010

&

Page 2: o Encoberto & o Descoberto

O Encoberto e o Descoberto Aspectos da História dos Descobrimentos

(versão de apresentação baseada na Tese de Alvor-Silves) [30 de Janeiro de 2010]

Introdução

Sempre me pareceram inverosímeis as descrições das navegações portuguesas com grandes

delongas, que mais demorariam a chegar ao ponto anterior de descoberta, do que a descobrir novas

terras. Todo esse processo é descrito de forma razoavelmente coerente, invocando medos, erros, e

tantos outros perigos que dificultariam a progressão das descobertas portuguesas, até 1495, ano da

morte de Dom João II. Depois, subitamente no reinado de D. Manuel, e num espaço de 3 anos, os

portugueses descobrem e cartografam paragens tão distintas quanto a Índia (1498), Brasil (1500) e

Gronelândia (1500).

Até aqui estamos apenas naquela suspeição subjacente, mas sem outros dados, apenas levamos

connosco a nossa dúvida sobre o conhecimento português no Tratado de Tordesilhas, sobre a

identidade de Colombo, etc. Porém, ao juntar diversas fontes será possível formar uma outra

estória igualmente, ou até mais coerente. Aquilo que D. Manuel fez poderá ter sido apenas a decisão

política de declarar explorações prévias, por todo o globo, reivindicando rapidamente o hemisfério

que lhe era atribuído pelo Tratado de Tordesilhas.

Aqui é apenas apresentada uma parte que concerna a cartografia e descrições de viagens.

Sobre este assunto, poderá enviar o seu comentário para o email:

[email protected]

Page 3: o Encoberto & o Descoberto

Encoberto "o Encoberto" enquanto oposto "ao Descoberto"

Colombo pôs a descoberto a América à Europa. No entanto, des-cobrir não teria o mesmo significado que lhe damos hoje. Quando Colombo chegou, foi por onde os portugueses tinham carreiras regulares... esse foi o perigo da sua viagem – efectuá-la sem ser Descoberto no caminho pelos Portugueses! Mesmo assim não conseguiu... as rotas estavam bem controladas!

1. Mapas - sem erros, mas com segredos

Examinando a Carta Portulana de Pedro Reinel de 1484-85, conforme figura em baixo,

imediatamente reconhecemos parte da Europa e África!

No entanto, ao rodar esse mapa, notamos outras semelhanças:

Carta "Pedro Reinel me fez" (1484)

(i) Detalhe da mesma Carta, depois de RODAR;

(ii) Costa do México (Google maps).

Page 4: o Encoberto & o Descoberto

Será coincidência esta semelhança com a costa mexicana que a linha artificial permite?

Pedro Nunes avisa-nos sobre outras informações nas cartas de marear:

"O outro género de informações é dos que notaram algumas alturas. Mas isto somente fizeram,

nos lugares que estavam num mesmo paralelo, e isto também aproveitava pouco. O terceiro

genero é o dos mareantes: os quais diz que não sabiam mais que as distâncias dos lugares, que a

eles lhes parecia estarem norte-sul donde partiam; e os que estavam leste-oeste sabiam muito

mal porque isto era outrossim muito incerto (...)"

Pedro Nunes - Tratado em Defensam da Carta de Marear (1537)

(publicado depois de Carlos V de Espanha mandar queimar todas as Cartas Náuticas)

A capacidade náutica portuguesa poderá ter sido menosprezada.

A coincidência da representação com a Costa Mexicana não significa nada por si só. Com a rotação

de norte-sul para leste-oeste, há coisas que parecem estar mal na coincidência com a costa

mexicana... mas, para melhorar teriamos que retirar a Península Ibérica, tirar o contorno de Tunis,

etc... e isso não faria sentido!

Assim, há bandeiras que podem servir para delimitar a zona de validade do contorno, para além

de permitir uma datação... a bandeira moura em Espanha permite datar o mapa como anterior a

1492 - seguramente, e até como anterior a 1485 - data da conquista de Marbella (1485 é aliás a

datação constante dos Arquivos de Bordéus, onde foi encontrada).

A múltipla informação nos mapas não deve ser encarada apenas como decorativa, ou fruto de erro,

deve ser compreendida. A informação nos mapas, não é apenas a que está a descoberto... há tanto,

ou muito mais que está encoberto, e que já na época era tomado por erro - é aliás isso que Pedro

Nunes tenta explicar!

Havendo tal secretismo, como foi possível a Pedro Nunes passar informação, sob olhares

inquisitores minuciosos? - Primeiro é notado que os textos mais sensíveis são em português, depois

Pedro Nunes tem a protecção do esclarecido Infante D. Luís, irmão de D. João III, mas mais tarde

acabará por ter mesmo que sair da Corte e de Lisboa! Regressa, num pequeno período áureo, sob

protecção de Dom Sebastião e, já velho, morre em 1578, logo após a partida de Dom Sebastião (ver

"Batalha de Alcazar na Barbária" denominação para a Batalha de Alcácer-Quibir, numa peça teatral

anónima inglesa, atribuída a George Peele).

Convém notar que o escrutínio inquisitório não seria necessariamente religioso, a maioria das

inquirições não proibiam textos com referências pagãs, como acontece nos Lusíadas, mas muito

mais procuravam evitar revelar informações de estado, em obras científicas ou artísticas.

Há outros mapas interessantes na Torre do Tombo. Por exemplo na Biblioteca Nacional Digital é

possível encontrar mapas do Livro de Marinharia, atribuídos a João de Lisboa, a quem são

reportadas viagens até 1506, e morte em 1525. Pelas designações constantes dos vários mapas, é de

colocar a hipótese desses mapas terem sido realizados entre 1520 e 1525.

Iremos analisar alguns desses mapas.

Page 5: o Encoberto & o Descoberto

(1) Representação polar semi-clássica

Livro de Marinharia - João de Lisboa (1520-25?)

Nesta representação planar do globo há um quadrante vazio, na parte superior... havendo claras

indicações para a união nos 270º restantes. Notamos que há nomes repetidos que coincidem de

ambos os lados (p.ex. Japão).

Ignorando o quadrante vazio, este globo é muito próximo do que conhecemos hoje!

Ora, de acordo com as datações oficiais, haverá uma inconsistência ou há uma nova coincidência.

Se João de Lisboa morre em 1525, como o Japão só foi oficialmente descoberto em 1543, ou há um

bom palpite, um problema de datação do mapa e do autor, ou há um conhecimento prévio à

descoberta oficial. Não há apenas coincidência na representação do Japão, toda a costa americana

aparece bem definida, exceptuando as partes polares do Canadá e Alasca.

Fica por justificar o espaço em branco de 90º, que só torna mais difícil executar o mapa. Talvez esse

detalhe queira significar que ainda ficava por marcar no globo 1/4 do restante conhecimento...

E qual seria o conhecimento que já se tinha à época?

Deixamos Pedro Nunes falar por nós, pois não saberíamos fazer melhor.

Começa o Tratado em Defesa da Carta de Marear assim:

Eu fiz senhor tempo ha um pequeno tratado sobre certas dúvidas que trouxe Martim Afonso de Sousa,

quando veio do Brasil. (...)

Mas queira Deus suceder-me isto de sorte, que não seja necessário outro comento a este comento.

Não já para Vossa Alteza [Infante Luís] a quem é tudo claro e tão notório (...)

Não há dúvida que as navegações deste reino, de 100 anos a esta parte são as maiores, mais

maravilhosas, de mais altas e discretas conjecturas que as de nenhuma outra gente no mundo.

Os Portugueses ousaram cometer o grande mar Oceano. Entraram por ele sem nenhum receio.

Descobriram novas ilhas, novas terras, novos mares, novos povos e o que mais é novo céu e novas

estrelas.

E perderam-lhe tanto o medo que nem há grande quentura da torrada zona, nem o descompassado

frio da extrema parte do sul, com que os antigos escritores nos ameaçavam lhes poder estorvar, que,

perdendo a estrela norte e tornando-a a cobrar, descobrindo e passando o temeroso Cabo da Boa

Esperança, o mar de Ethiopia, de Arabia, de Persia, poderam chegar à India. Passaram o rio Ganges

tão nomeado, a grande Trapobana, e as ilhas mais orientais. Tiraram-nos muitas ignorâncias e

amostraram-nos ser a terra maior que o mar, e haver aí Antípodas, que até os Santos duvidaram, e não

Page 6: o Encoberto & o Descoberto

há região, que nem por quente nem por fria se deixe de habitar. E que num mesmo clima e igual

distância da equinocial: há homens brancos e pretos e de muitas diferentes qualidades.

E fizeram o mar tão chão que não há hoje quem ouse dizer que achasse novamente alguma pequena

ilha, alguns baixos, ou se quer algum penedo, que por nossas navegações não seja já descoberto.

Ora manifesto é que estes descobrimentos de coisas, não se fizeram indo acertar, mas partiam os

nossos mareantes muito ensinados e providos de instrumentos e regras de astrologia e geometria, que

são coisas que os cosmógrafos hão-de andar apercebidos, segundo diz Ptolomeu no primeiro livro da

sua Geografia. Levavam cartas mui particularmente rumadas e não já as que os antigos usavam, que

não tinham mais figurados que doze ventos e navegam sem agulha.

(in Tratado em Defensam da Carta de Marear, 1537)

... a transcrição foi baseada na Revista de Engenharia Militar – 1911 (F. M. Esteves Pereira)

Foram destacadas algumas passagens:

(i) Passados muitos anos... "Deus deu-nos a sorte" do comento ter resistido até hoje!

Mesmo assim note-se que Pedro Nunes não escreve livremente e, como já referimos, está

sob escrutínio inquisitório. O Infante Luís só o protegerá até onde possível, e será difícil

saber quem teria controlo sobre o problema... por um lado o Rei Dom João III, mas

também o imperador Carlos V, e toda uma política internacional

(ii) Dificilmente se poderá dizer que há um descompassado frio na extrema parte sul de

África, mas o mesmo não se poderá dizer da extrema parte sul da América... onde está o

Cabo Horn.

(iii) Depois, Pedro Nunes, em 1537, reclama um descobrimento absoluto... de toda a

Terra, antes desconhecida. Estamos em 1537... e de facto, não é fácil encontrar "grandes

descobridores" nomeados e honrados por isso no Séc. XVI. A questão colocou-se

principalmente depois... Os territórios não explicitamente declarados, seriam considerados

"encobertos", e assim poderiam ser "descobertos". Demorou algum tempo... Seguindo os

registos até Cook, no final do séc. XVIII ainda havia territórios por descobrir, e devemos

excluir as viagens polares, já no séc. XIX. Terá demorado 300 anos a declarar o que de

acordo com Pedro Nunes (... nem me atreveria a tanto!), teria sido explorado pelos

portugueses em 100 anos.

Não havendo razões para não acreditar em Pedro Nunes, essa memória essa perdeu-se...

e é preciso reencontrá-la, para definir novo caminho na História.

(iv) Finalmente, Pedro Nunes desmistifica a ideia propagandeada de que se descobriam

coisas acidentalmente. Não houve descobertas acidentais! Menciona mesmo cartas da

antiguidade que teriam ajudado na exploração dos novos territórios.

Estranhamente, este tratado nunca teve divulgação adequada.

Foi publicado oficialmente numa Revista Militar de 1911... mas até hoje não parece ter tido a

divulgação merecida, ao contrário da restante obra de Pedro Nunes. Para além disso, a figura de

Pedro Nunes não parece ter merecido o devido reconhecimento internacional.

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(2) Representação da América Central

Ainda, no Livro de Marinharia, encontramos outro mapa interessante.

Livro de Marinharia - mapa da América Central ( anterior a 1525)

Este mapa da América Central é antigo, ao ponto de assinalar possessões nacionais, com bandeiras

em castelos na Colômbia e no Perú, junto à zona atribuída ao Império Inca!

A marcação parece ainda mais estranha, pois não há qualquer registo de contactos com essas

civilizações.

No entanto, se acreditarmos na afirmação de Pedro Nunes – se em 1537 os portugueses tinham

descoberto todas as ilhas ou penedos na Terra – então seria natural existirem contactos muito

antigos com as civilizações incas, aztecas e maias.

Para dar crédito a esta Tese, teremos que admitir uma versão bastante diferente dos

descobrimentos portugueses. Para isso, começamos com uma referência que aponta para viagens

ainda anteriores, ainda antes da independência portuguesa.

Tratado da Ilhas Novas (Francisco de Souza, 1570)

Num pequeno tempo de luzes, sob reinado de D. Sebastião, apareceu um Tratado escrito por

Francisco de Souza, que pode ser encontrado aqui (foi publicado nos Açores, em 1877).

Page 8: o Encoberto & o Descoberto

Coloco aqui um extracto do texto de 1570 (com alguns sublinhados):

No tempo que se perderam as Espanhas, que reinava El-Rei Dom Rodrigo, que vai para quatro centos

annos[1] que com as sêcas se despovoaram as gentes, e pereceram com a grande esterilidade e da

entrada dos Mouros, como mais largamente se trata nas Escripturas antigas, por a qual causa do Porto

de Portugal os mareantes e homens Fidalgos tendo noticia que para o Ponente havia terra que até

então não fora descoberta, sómente pelas informações dos antigos e dos Espiritos tinham d'ella

informação, determinarão de se embarcarem em sete náos com toda sua familia, e de hirem

correndo ao Ponente confiados na misericordia de Nosso Senhor navegarão; e pela altura do Porto

que está em 41 gráos correrão tanto que forão por barla-vento das Ilhas dos Açores, que inda não

erão descobertas, e forão aportar na Ilha de S. Francisco que está pela dita altura, onde dizem as

informações que tenho, que foram n'ella dar: e eu por rasão da nevegação acho ser sua derrota

assim; queira Nosso Senhor permittir se descubra esta Ilha como atraz fica dito onde ella demora; e por

irem em sete náos disem as informações que cada capitão com sua náo, tanto que aportarão, se

repartirão cada um em sua parte da Ilha, e os antigos lhe chamão a esta Ilha as sete Cidades; mas

outros por via de França lhe chamão a Ilha de S. Francisco, o qual, por quem é, queira rogar a nosso

Senhor dêmos com ella para valermos á salvação da gente que n'ella está, pois procede de Christãos:

e achei mais que é terra de boa habitação por ser grande e de muito proveito; e por rasão da virtude

dos climas acho está situada no 5.o clima, que dado que seja mais frio que as Ilhas dos Açores não o é

tanto como França, Inglaterra, porque é Ilha do mar a que o mar aquenta, e mais, que nas faces do

sul é habitavel os dois terços d'ella debaixo de boas zonas.

[1] - Nota: Há um aparente erro na datação da invasão árabe, mas que é reforçada pela citação do Rei Visigodo D. Rodrigo,

e é aparente pois annos (escrito com dois "n") pode referir 2 anos.

Este extracto do texto revela-nos um relato quinhentista da ida, no séc VIII, de

Portugueses/Galegos para o Canadá... até mesmo antes da invasão moura (ou seja, uma migração

sueva/visigoda antes de 711). Essa população foi depois reencontrada, no tempo da expansão

portuguesa e depois voltou a ser abandonada por causa dos tratados internacionais e da nova

ordem mundial. O pedido feito a Dom Sebastião é de reencontrar esta gente, que estaria para ficar

sob domínio francês ou inglês... de facto, o rei reclama o território, e provavelmente granjeia novas

inimizades (Jacques Cartier já havia desembarcado no Canadá em 1534, e os franceses reclamaram esse território... os

ingleses haviam aportado simbolicamente em 1498, no Labrador, com G. Cabotto).

A denominada Ilha de S. Francisco, ou das Sete Cidades, poderia ser a Ilha da Terra Nova. Essa

terra seria habitada por cristãos. Este segredo ficou por isso durante gerações e gerações, tal como

provavelmente já poderia acontecer antes (antes... no período obscuro do Reino Suevo, mesmo antes no tempo

dos romanos, no tempo do porto cale do rio d’ouro).

Observação: Convém notar que este texto tem outras menções que se podem considerar hoje em dia bizarras, como a

presença de uma “Ilha de Santa Cruz dos Reis Magos” a 65 ou 70 léguas a oeste da Madeira. Há menções a Santa Cruz

noutros mapas, onde pode associar-se a uma possível referência ao Brasil, conforme veremos na carta “Pedro Reinel a fez”.

Assim, o registo de navegações atlânticas na antiguidade, mencionado por vezes nas navegações

fenícias de Hanno, pela rota do cabo Arsinário (arsinário ~ de cor dourada, cabo identificado ao

actual Cabo Verde), é verosímel, bem como navegações costeiras que não se resumiam a contornar

a Europa. Mais facilmente, as navegações costeiras acompanhariam a costa africana, e não serão de

estranhar as referências que Duarte Pacheco Pereira faz (no Esmeraldo de Situ Orbis) a essas

navegações de contorno da costa africana, atribuídas ao fenício Hanno e ao grego Eudoxo.

Page 9: o Encoberto & o Descoberto

São Jorge da Mina

Encontram-se dois registos para a Mina.

Por um lado temos o Castelo de São Jorge da Mina, e por outro lado temos a Fortaleza da Mina.

A Fortaleza da Mina seria em África, mas poderia servir de entreposto, para um correspondente

comercial na América, na Colômbia, à mesma latitude. Seria aí o Castelo de São Jorge da Mina,

assinalado no mapa do Livro de Marinharia?

Esta hipótese poderá parecer estranha, mas a sua negação também tem alguns problemas.

Para além de múltiplas interrogações, que parecem tornar pouco consistente a chegada do ouro por

comércio em África, a que se torna mais evidente é a decadência desse abastecimento aurífero, após

o reinado de D. Manuel. O início do período de ouro espanhol é quase simultâneo com o fim do

período de ouro português, quando aparentemente as descobertas declaradas teriam sido disjuntas.

Coloca-se uma hipótese do Tratado de Tordesilhas ter uma cláusula de transição, que só favoreceu

Dom Manuel, até 1520... Nesta hipótese os portugueses abandonariam as suas possessões no

hemisfério ocidental aos espanhóis, já preparados para reivindicar os territórios nessa data. Todo

este secretismo ibérico e quebra de anteriores acordos secretos europeus acabaria por legitimar as

figuras de corsários de outras potências europeias (por exemplo, ingleses e franceses).

Nota sobre a Carta de Reinel

É ainda importante notar que na Carta “Pedro Reinel me fez”, a linha artificial, que foi usada para

mostrar a semelhança com a Costa Mexicana, permite também fazer um prolongamento da Costa

Africana, começando na Feitoria da Mina e terminando no Rio Zaire. É esse prolongamento por

simples translação que associa a carta às descobertas de Diogo Cão, até ao Congo, ficando bem

situada na datação 1484-85. No entanto, essa associação parece perder também algum sentido ao

colocar bandeiras “mouras” em território próximo do Congo.

Convém referir que é possível fazer muitas associações com simples pedaços de curvas. Por isso,

não deixo de referir uma outra reconstrução, usando o contorno delimitado pelas bandeiras que vão

de Ceuta a Tunis.

Semelhança do contorno africano até ao Rio do Infante, usando prolongamentos.

Page 10: o Encoberto & o Descoberto

Com isto, não se pretende mostrar que Pedro Reinel pretenderia usar as semelhanças de contorno

até à exaustão. Não deixa de ser notável a semelhança neste caso.

Muito pelo contrário, o excesso destas coincidências, e possíveis associações, permite não só a

especulação num sentido, mas torna mais fácil usar especulação como argumento no sentido

conservador. Por isso, o foco da semelhança de contornos foi primeiramente restrito à associação

de rodar o mapa, já que tal é mencionado por Pedro Nunes, no seu Tratado (ou até na obra

setecentista de António José da Silva, “Guerras de Alecrim e Manjerona”).

A associação habitual, prolongando só o contorno para completar a costa africana da Mina até ao

Congo, parece também arbitrária, ainda que ela faça todo o sentido.

2. Os paralelos como referência

Havendo todo este secretismo nacional, o que serviria de referência para diferenciar Descobertas

vs. Encobertas?... Normalmente, nas descrições de Gomes Eanes de Zurara e de Duarte Pacheco

Pereira, podem ser os paralelos, entre África e a América, da seguinte forma:

Resumo do possível paralelismo nas descrições de Duarte Pacheco e Zurara.

Ou seja, a cada descrição em África, corresponderia uma descrição na América, podendo haver

sobreposições. Há até uma subida de latitude (que pode ir até 6º) nas cartas de marear, a que

Pedro Nunes se refere:

(...) convém a saber Roma, que está a 41 e meio, fica na carta a 46, e Veneza que está em

45 fica na carta a 50. Rodes que está em 36 fica em 42 (...)

Com este pressuposto, é possível seguir as descrições dos autores, sem preconceitos, e sem pré-

julgamentos, de localização geográfica. Percebe-se que pode haver algo diferente que os autores nos

queriam transmitir, de forma encriptada. A organização é de tal forma complexa, que D. Afonso V

achou bem oferecer uma cópia das Crónicas da Guiné de Zurara, ao Rei de Nápoles, seu familiar.

Duarte Pacheco Pereira, é mais explícito... mas igualmente intrincado, já que a certa altura é mais

difícil perceber quando fala de África ou da América.

Alguns nomes vão mudando... uma designação para Zurara, não é necessariamente a mesma de

Pacheco Pereira, pois o nome já é outro. É preciso abstrairmo-nos de preconceitos, pegar num

Page 11: o Encoberto & o Descoberto

mapa, e ir descendo a Costa Americana, de acordo com as latitudes. Não é assim um exercício tão

difícil, e é surpreendente!

A propósito da Crónica de Zurara, o Visconde de Sacavém relata que Frei Luis de Sousa (na sua

História de S. Domingos) teria visto a divisa do Infante num “livro que o Infante mandara escrever

do sucesso destes descobrimentos, em que usava com a mesma letra diferente corpo de empresa,

mas muito avantajado em agudeza de significação e graça”. Ou seja, também Frei Luís de Sousa

invocava essa dupla interpretação.

2.1. Cabo Bojador

Começamos pelo Cabo Bojador. Qualquer cabo só constituiria uma dificuldade a navegações mais

primitivas, onde seria necessário seguir a linha costeira para orientação. A partir do momento em

que se fazem (oficialmente) carreiras frequentes com a Ilha da Madeira (desde 1419), ou com os

Açores (desde 1432), em alto mar, não há qualquer razão para uma dificuldade em ultrapassar um

cabo costeiro. Muito menos que tal tenha tomado 12 anos de tentativas infrutíferas, até 1434,

conforme se lamentava o Infante D. Henrique (na Crónica de Zurara)!

Esses 12 anos simbolizam algo diferente, e o cabo a ultrapassar não seria uma dificuldade de

navegação costeira, mas mais naturalmente, uma dificuldade de navegação política.

Assim, podemos conjecturar que "dobrar este cabo de trabalhos", o Bojador, começa depois de Gil

Eanes ter coordenado uma grande expedição - exploratória da América - até 1434.

Quando os portugueses perceberam que passar o continente não era possível, dentro de latitudes

razoáveis, o Infante Dom Henrique terá tido luz verde para avançar com outro projecto, o projecto

Oriental, com consentimento do seu irmão, o Rei D. Duarte. O cabo Bojador estava dobrado!

Dito doutra forma, uma vez passado o Cabo Bojador, em 1434, que sentido faria parar as

navegações e atacar Tanger de seguida, em 1437?

- Apesar de Tanger ser costeira, a invasão vai ser por terra, partindo de Ceuta. Porquê?

Qual a razão desta estratégia do Infante Dom Henrique?

D. Manuel, sucessor político do Infante D. Henrique, insistiu sempre num ataque à península arábica, no sentido de

terminar com o poder islâmico e recuperar Jerusalém. Seguiria assim um velho ideal templário, herdado desde a fundação

da nacionalidade, e acentuado com o estabelecimento da Ordem de Cristo. Uma possível motivação para o desenvolvimento

das navegações no seio das ordens, seria um plano militar de Cruzada, contornando o continente africano, e surpreendendo

os mamelucos do Cairo com um desembarque, colocando bases europeias no Mar Vermelho, no sentido de recuperar

Jerusalém. Com D. Manuel, o centro de poder passou para Istambul, mas a ideia manteve-se, e levou à conquista de algumas

praças na península arábica. No entanto, no tempo de D. Manuel, há duas (ou mesmo três) perspectivas distintas. Por um

lado, mantem-se essa perspectiva de Cruzada, que D. Manuel preconiza, mas por outro lado há uma perspectiva mais

comercial, que favorece o comércio com os novos territórios, e que é seguida por uma boa parte dos Vice-Reis da Índia

(Afonso de Albuquerque será talvez a maior excepção). A este propósito citamos o Cardeal Saraiva:

He portanto fora de duvida, que o sábio Infante levou na gloriosa empreza de seus descobrimentos hum fim

mais alto e mais importante do que a mesquinha idéa de colher os Mouros pela retaguarda, idéa da qual se não

diz uma só palavra na vida do Infante, nem de seu augusto pai, nem tão pouco em historia alguma dos

descobrimentos Portuguezes. (Cardeal Saraiva, Obras Completas, 1875)

Assim, a ideia do Infante D. Henrique poderá ter sido usar Tanger como simulação para mostrar

que seria perfeitamente possível, a partir de um ponto terrestre marchar por um terreno difícil, e

atingir Jerusalém. Precisava do apoio dos aliados europeus... e assim julgaria convencê-los.

Acaba por não conseguir, sendo derrotado!... Tem apenas uma escapatória, o apoio por mar do irmão Fernando, que escolhe

como refém, e será esse “Infante Santo” sacrificado para manter Ceuta. Há um claro trauma nacional, durante o cativeiro do

Page 12: o Encoberto & o Descoberto

Infante Santo, e faz-se ainda uma tentativa armada de resgate... mas sem sucesso. Pouco depois D. Duarte morre e há um

problema na regência, pela menoridade de D. Afonso V, a mãe aragonesa é rapidamente exilada (havia demasiados segredos

em jogo, para qualquer conhecimento de Aragão)! É nessa altura que se definem três irmãos nos vértices do triângulo

político nos descobrimentos:

- Infante D. Henrique, pelo projecto oriental de cruzada;

- Infante D. Pedro, pelo projecto ocidental de colonização e comércio;

- D. Afonso, Duque de Bragança, por um projecto político ibérico.

O Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra, assume a regência em 1439, e é o primeiro período de

ouro, que marcará os desenvolvimentos seguintes. Inicialmente há uma colaboração com o irmão

Henrique, nesta nova empresa. É literalmente o primeiro período de ouro, já iniciado no reinado de

D. Duarte. É o tempo das caravelas... rápidas na ligação com a América.

Se as expedições de Gil Eanes se teriam preocupado com a passagem ocidental, sem entrar no

continente, navegando pela costa, a partir daí vão começar os contactos comerciais.

Logo de início, antes de 1440, há expedições por Gil Eanes e Afonso Baldaia - os registos começam

aí com Zurara (que escreve "sob orientação científica do Infante Dom Henrique", já depois do

Infante Dom Pedro morrer). Observa-se uma sucessão de nomes em África, de locais desérticos que

nenhuma importância aí parecem ter, mas que se percebe terem importância - à mesma latitude -

na América, por exemplo - o Rio do Ouro (pequeno rio, em África), poderá ser associado ao Rio

Bravo. A costa vai descendo, Arguim, Tider, Ergim, invocando povos em ilhas que não passam de

bancos de areia... em África. Do outro lado, na América, é só difícil saber exactamente que ilhas se

tratam.

É aqui que se começa a atribuir a chegada do ouro a "mercadores do deserto"... é a necessidade de

fazer uma Feitoria em Arguim. Há contactos com Azenagues, de língua desconhecida. Mas... onde

se passará tudo isto?

Porque não do outro lado, no mesmo paralelo, no México, com os Aztecas?

O Infante Dom Pedro pode ter sido um excelente governante (a nível interno e externo), mas

também poderá ter beneficiado desse proveitoso comércio aurífero!

2.2. Cabo Verde e Antilhas

Seguimos a descida da costa usando a descrição de Duarte Pacheco Pereira, e chegamos ao Cabo

Verde (actualmente em Dakar).

Essa pequena península do Cabo Verde, será associada por distorção (que se vê nos vários mapas) à

grande península do Iucatão. Qual seria a razão para essa escolha? À mesma latitude, a Costa

Africana continua a descer, mas a Costa Americana tem essa enorme península do Iucatão, que será

diminuida (e assim seriam também ignorados os contactos com os Maias...).

As ilhas de Cabo Verde seriam associadas a Grandes Antilhas, enquanto ilhas que surgem dessa

grande península do Iucatão. Assim, poderá corresponder São Tiago a Cuba (essa designação

consta ainda do mapa de João de Lisboa).

Com maiores dúvidas, surgem os nomes de outras ilhas. Essa diferença de designações pode ainda

ser vista nos mapas constantes do Livro de Marinharia e do Planisfério de Jorge Reinel (figuras

seguintes). Há algumas curiosidades, talvez a mais interessante é a actual ilha Mayaguana nas

Bahamas (que foi ilha de piratas) ser anteriormente designada Triamgo. Inagua mantém o nome,

mas a ilha adjacente perdeu o nome anterior Sabaio. No mapa de Jorge Reinel usa-se a designação

Hispaniola, mas no Livro de Marinharia aparece como S. Domingos (em Duarte Pacheco Pereira

poderia ser designada Santo Antão). Há uma sucessiva confusão de nomes, invocando nuns casos

Page 13: o Encoberto & o Descoberto

nomes de ilhas cabo-verdianas (como Ilha de Mayo em Reinel, e Santa Luzia ou São Vicente no

Livro de Marinharia), e só em poucos casos mantendo designações: Guadalupe, Antigua, etc.

Todas estas ilhas e zona tropical paradisíaca poderia ser aquilo que Camões designava como Jardim

das Hespérides.

Antilhas: Livro de Marinharia (à esquerda), Planisfério de Jorge Reinel - 1519 (à direita)

A península do Iucatão (cujo nome poderá advir da confusão colombiana de Cipango|Japão com

Cuba e dessa terra com Cathay|China), surge assim com um correspondente Cabo Verde africano,

exagerado nos mapas da época e associado a um zénite polar, para justificar a distorção.

É ainda aqui que Pacheco Pereira faz a distinção entre Etiópia Superior e Etiópia Inferior... e

havendo ainda uma outra, a Etiópia Sob-Egipto.

Esta confusão de etiópias, pode ser justificada ainda na perspectiva do paralelismo. De facto, não

havendo o continente americano, uma circum-navegação por paralelos nas latitudes superiores da

costa brasileira, faria prever encontrar do outro lado a Etiópia no continente africano. Ou seja, esta

confusão que Colombo terá cometido, e que levou à designação de Índias Ocidentais, pode ter

estado presente previamente, nas primeiras navegações portuguesas, onde foi encontrado o pau

Brasil (que é até referido por Chaucer nos Contos de Canterbury, 1387).

2.3. Nicarágua e Canágua

A próxima latitude, compatível com outras latitudes no continente africano, é já localizada nas

Honduras, na "Etiópia Inferior". Teremos aí outros pontos de referência, já que há rios com

características semelhantes às descrições, por exemplo o Rio Patuca ou o Coco. No entanto, o nome

mais importante em África é o Rio Canágua... que depois é renomeado convenientemente:

Canágua >> Çanaga >> Senegal

conforme vai constando nas cartas, e temos ainda o Rio Gambea.

Do outro lado a nessa latitude temos, exactamente a Nicarágua. O nome aparentemente deriva da

designação do chefe Nicarao... e da palavra água, mas não deixamos de notar que Canágua está

também foneticamente muito próximo da capital Manágua.

Para além disso, na descrição desta região Duarte Pacheco Pereira fala de uma lagoa com "32 por 12

léguas", falamos de aproximadamente 188Km por 72Km... dimensões que se ajustam ao Lago da

Nicarágua. Não encontramos nada semelhante a isso na costa ocidental africana (o lago Guier é

muito mais pequeno). Convém ainda notar que na zona Honduras/Nicarágua a resistência à

Page 14: o Encoberto & o Descoberto

colonização espanhola foi muito prolongada, e por isso não terá sido possível uma imediata

renomeação.

Comércio na Gambea: Sobre o comércio de escravos tido perto do Rio Gambea, Duarte Pacheco

Pereira faz a seguinte descrição do comércio que os mandiguas faziam:

(...) todo aquele que quer vender escravo ou outra cousa se vai a um lugar certo para isto ordenado

& ata o dito escravo a uma arvore & faz uma cova na terra daquela cantidade que lhe bem parece &

isto feito arreda-se fora um bom pedaço & então vem o rosto de cam & se é contente de encher a

dita cova d’ouro enche-a & se não tapa-a com a terra & faz outra mais pequena & arreda-se a fora &

como isto é acabado vêem seu dono do escravo & vê aquela cova que fez o rosto de cam & se é

contente aparta-se outra vez fora & tornado o rosto de cam ali enche a cova de ouro & este modo

tem em seu comercio & assim nos escravos como nas outras mercadorias & eu falei com homens

que isto viram (...)

Duarte Pacheco Pereira in Esmeraldo de Situ Orbis (1506-09).

Para além da curiosidade trágica, o ponto em trazer aqui esta descrição será salientar que não havia

apenas uma compra de escravos pelos portugueses. Desta transcrição, concluímos que os escravos

eram vendidos em troca de ouro. Ou seja, transportando esta descrição, tida em África, para a

América Central, isto poderá sustentar a hipótese de que os portugueses levariam escravos

africanos para trocar por ouro com as culturas da América. A este propósito, Duarte Pacheco

Pereira refere que Gambea tem nome Guabú na língua mandígua, e o fonema “gua” é comum na

toponímica da América Central.

2.4. Panamá e Sagres

À mesma latitude da cadeia montanhosa do Panamá, que liga a América do Sul à do Norte,

encontra-se a Serra Leoa, em África. Essas montanhas são o obstáculo natural que impede a

passagem para o Oceano Pacífico, só contornado no século passado com a abertura do Canal do

Panamá. Mais uma vez a Costa volta a subir, e o contorno americano não acompanha o africano... é

aqui que encontramos um Cabo Sagre no Panamá, conforme o mapa do Livro de Marinharia.

Cabo Sagre no mapa do Livro de Marinharia (assinalado no quadrado verde).

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Haveria assim 3 cabos Sagres em 3 continentes distintos (um em Portugal; outro, menos conhecido,

em África, na Guiné-Conacri; e finalmente este no Panamá, que foi renomeado Nõbre de Dios, e

actualmente é denominado Graças a Dios). É interessante notar (ver figura do paralelismo) que:

(i) os cabos americano e africano estão ~ sobre o mesmo paralelo;

(ii) os cabos português e africano estão ~ sobre o mesmo meridiano;

(iii) aí terminam as "navegações" atribuídas ao Infante D. Henrique.

2.5. Colômbia e o Castelo da Mina

A Mina está normalmente associada à fortaleza existente em Elmina, no Gana. Mais longe, mas

ainda no Gana, após a cidade de Acra, encontra-se a foz do Rio Volta.

Toda a descrição feita por Duarte Pacheco Pereira envolve um largo rio navegável, cuja descrição se

pode assemelhar também ao Rio Atrato, na Colômbia. A foz destes rios está aproximadamente no

mesmo paralelo (a foz do Atrato a 8ºN e a foz do Volta a 5ºN), correm ambos na direcção norte-sul,

ainda que o sentido do rio Atrato seja sul-norte.

A ligação Atlântico-Pacífico através do Rio Atrato chegou a ser considerada como alternativa ao

Canal do Panamá. A navegabilidade do conjunto dos rios Atrato e San Juan (o Rio de São João, que

desagua em Buenaventura, está assinalado no Livro de Marinharia) passa por uma pequena cidade

chamada Istmina (próximo de Quibdó).

No lado africano, no Gana, temos a cidade de Elmina, por outro lado na Colômbia temos Istmina.

A diferença principal é que não há nenhum rio próximo de Elmina que corresponda à descrição

feita por Duarte Pacheco Pereira. A melhor hipótese seria o Rio Volta, que está bastante afastado de

Elmina, e até mesmo de Acra.

Encontramos finalmente uma possível justificação para os castelos com bandeira portuguesa na

Colômbia... seria talvez aí o Castelo de S. Jorge da Mina.

Há ainda coincidências menores. O navegador português Pêro Escobar esteve associado às navegações da Mina, e à

descoberta de São Tomé, sob serviço do comerciante lisboeta Fernão Gomes. Esse serviço requeria efectivamente muita mão

de obra, de origem africana. Para além de Escobar ser um nome comum na Colômbia, este é também o país hispânico do

continente americano que tem mais população de origem africana. Uma hipótese é que essa mão de obra seria usada no

serviço da Mina. Quando Portugal abandonou esses locais para a Espanha, os escravos ficaram e só mais pontualmente

foram usados pelos espanhóis noutros locais. Algumas das ilhas das Antilhas, como é mais evidente no Haiti, têm também

uma grande população de origem africana, provavelmente devido a esse uso de mão de obra em plantações. Essas

populações podem assim também ter resultado de um cruzamento de população africana e portuguesa, que posteriormente

foi abandonada, em consequência da evolução política internacional.

Page 16: o Encoberto & o Descoberto

3. Cartas de Marear

Para além da Carta de 1485 (já mostrada), na Biblioteca de Munique está a Carta “Pedro Reinel a

fez”, com data atribuída de 1504, que apresentamos conjuntamente com a cópia de Cantino, um

mapa cuja data é confirmadamente 1502.

Carta "Pedro Reinel a fez" (1504?)

Cópia de Alberto Cantino (1502) - espião do Duque de Ferrara

- O que faria Reinel dois anos depois publicar uma Carta de inferior qualidade?... se não houvesse

segredos no seu mapa?

- Na Carta de Reinel é ignorada a Gronelândia, onde teria havido expedições conjuntas em 1472

com os Dinamarqueses, no reinado de Afonso V, que se podem ter estendido à Passagem Norte,

pelo Canadá, conforme a tese de Sofus Larsen (apresentada em 1925).

No mapa do espião Cantino, e depois de novas viagens pelos irmãos Corte-Real em 1500, temos

este contorno para a Gronelândia:

Page 17: o Encoberto & o Descoberto

Detalhe da Gronelândia, no mapa de Cantino e no Google...

Não parece fazer sentido Reinel piorar a sua carta do "Atlântico Norte" em 1504, havendo essa

informação mais detalhada em 1502.

Ora, uma possível hipótese é que a carta "Pedro Reinel a fez" tenha sido a "carta de trabalho" para o

Tratado das Tordesilhas... toda a ênfase está colocada no(s) meridiano(s), e assim a datação 1494 é

a mais provável. Este formato de Reinel parece ter feito escola, havendo uma repetição posterior

de Lopo Homem em 1550, que deverá já incluir um maior conhecimento, por exemplo, na extensão

escandinava (antes omitida).

Sendo uma carta referente a 1493-94, como explicar a bandeira adicional em Melilla?

Poderá ter sido uma cópia do próprio Reinel, posterior a 1497 (data de conquista espanhola de

Melilla). Por isso Reinel escreve "a fez" (passado) e não "me fez" (presente).

Eventualmente o original teria sido escondido... nem o próprio D. Manuel saberia onde estava, e terá pedido então a nova cópia,

provavelmente em 1497-98, ou talvez mesmo em 1504... mas a carta não se reportará a essas datas.

3.1. “Pedro Reinel a fez”

A Carta de Reinel levanta ainda outras questões:

- Como vimos, começa pela datação: 1504... mas aparece uma Ilha Brasil. Que sentido faria isso?

- Depois há pormenores minuciosos correctos simultaneamente com erros grosseiros, na Europa e

não só, mesmo na zona do Labrador! Na Europa é talvez mais “escandalosa” a representação da

península dinamarquesa enquanto ilha. Pedro Reinel foi considerado o maior cosmógrafo do seu

tempo, recebeu uma proposta milionária de Carlos V, e portanto estes “erros” não devem ser

considerados como tal.

- Há dois meridianos, que sugerem uma tentativa de deformação para uma projecção Mercator,

mas que não é acompanhada pelas linhas paralelas constantes do mapa.

- Múltiplos sinais de "ilhas artificiais" e "pontilhados artificiais"... que permanecem noutras cartas

posteriores (e não se referem necessariamente a baixios ou recifes). Vemos nomes inscritos para

leitura norte-sul, mas também sul-norte, etc...

- Há um aparente detalhe do Labrador, mas porquê saltar a Terra Nova, por onde se deveria passar

ao largo antes de chegar ao Labrador? Conforme vimos no Tratado da Ilhas Novas, de 1570, a Terra

Nova seria habitada por descendentes portugueses e como tal foi omitida.

As "terras verdes" junto ao Labrador, no canto superior ocidental, cumpriam outro propósito!

Page 18: o Encoberto & o Descoberto

De facto, rodando a carta, obtemos como detalhe (a parte norte aparece agora a sul):

Detalhe da Carta de Reinel, após inversão e rotação, comparação com detalhe no Mapa de Cantino.

(Zona da Bacia Amazónica, assinalada de forma semelhante - baía com ilhas internas)

Ou seja, é preciso inverter o mapa, para ver o Brasil, e não falo da Ilha Brasil... O importante em

discussão no Tratado de Tordesilhas seria ver que terras seriam cortadas pelo meridiano. Na

imagem no quadrado (à direita) vemos parte do Brasil no mapa de Cantino, e comparamos com

uma parte da “terra verde” inclusa no quadrado preto. A semelhança geométrica do contorno

poderia ser perfeitamente acidental, mas a isso acrescenta-se em ambos os casos uma enseada com

várias ilhas, e um Meridiano de Tordesilhas (que ao longo dos anos foi sendo reajustado). Isto serve

apenas para levantar a hipótese de que terá sido uma carta semelhante que o copista do mapa

Cantino viu.

Assinalada num losango verde, está uma outra perspectiva do mapa, com base no outro meridiano

mais pequeno... esse meridiano tem no topo uma "Ilha Santa Cruz" (conforme referido no Tratado

das Ilhas Novas) que assim só existirá para designar as Terras de Santa Cruz, ou seja, a América do

Sul.

A outra ilha mítica, a "Ilha Verde", designaria (em posição correcta, face à América) o Cabo Verde:

Após rotação do mapa de Reinel (norte-sul acertando o meridiano de Tordesilhas):

à esquerda: inclinação das "Antilhas" em ambos os mapas, Cantino e Reinel;

à direita: posição relativa de Cabo Verde no mapa Google, face à ilha Verde de Reinel.

Ou seja, as Ilhas Míticas - nunca encontradas, poderiam não passar de marcações em mapas!

Há mais detalhes, mas bastará notar que as Antilhas apresentam na cópia de Cantino uma

inclinação próxima à que encontramos em Reinel, se considerarmos que Reinel coloca as Antilhas

coladas ao "Labrador".

A escolha do meridiano torna-se mais evidente com os Açores. Aí não faz sentido considerar o

meridiano principal, já que algumas ilhas apareceriam sob território espanhol... No mapa de

Page 19: o Encoberto & o Descoberto

Cantino isso está já corrigido, e um "Labrador artificial" e toda a Gronelândia aparecem do lado

Português, conforme conviria às pretensões portuguesas!

Pedro Nunes explica melhor os problemas e vantagens das cartas de marear:

(...) a carta não é nenhum planisfério; que nos faça quanto a vista aquela imagem e semelhança do mundo, que fazem os de

Ptolomeu e outros que aí há, nos quais há somente paralelos e meridianos. Porque se bem olharmos, que releva a quem navega

para saber por onde andou, ou onde está, que uma ilha ou terra firme esteja pintada mais larga do que é, se os graus forem tantos

quantos devem ser de leste a oeste. Porque a mim, que faço a conta, me fica resguardado : saber que esses graus são na verdade

menores do que a carta por ser quadrada amostra, e ver quanto menos léguas contém, e isto por tábuas de números ou

instrumento, como é o quadrante que para isto costumo fazer. De forma que quero concluir: que mais proveito temos da

carta por serem os rumos equidistantes, do que prejuízo, porque sendo assim fique quadrada, e quem por isto a repreende não

sabe o que diz (...)

3.2. Ilha Brasil

Falta explicar a razão de uma Ilha Brasil junto à Irlanda, e também das Ilhas Maydas... começamos

por apresentar uma Carta Catalã (da "escola judaica" de Maiorca) de 1439:

Carta catalã de Gabriel Valseca (1439), colocando ênfase na rotação de um círculo com a Eurásia –África (castanho-branco).

Isto serve apenas para enfatizar que já nessa "escola judaica", de onde Cresques é suposto ter

chegado a Portugal no final do Séc. XIV, haveria uma ideia de esconder informação numa carta,

através das suas várias possibilidades de rotação, conforme parece ser explícito na Carta de Valseca.

Ou seja, em grande medida só algumas coisas na Carta de Marear serão uma originalidade

portuguesa, como aliás Pedro Nunes reconhece.

Neste mapa de Valseca aparece também a Ilha Brasil - um círculo junto à Irlanda. Vejamos o que

acontece com o Portulano de Pizigano, 1424 (1ª figura seguinte), quando consideramos essa ilha

como uma marcação para centros de onde partem meridianos locais. Para o caso da ilha Brasil há

um centro que permite projectar essa localização para uma zona próxima da bacia amazónica

(conforme vemos na 2ª figura seguinte), através da linha cor-de-rosa. Situação semelhante para o

caso da outra ilha assinalada como uma lua, no prolongamento azul na direcção da península maia.

Page 20: o Encoberto & o Descoberto

Para o caso dos agrupamentos de ilhas, assinalados no mapa a azul escuro (Satanazes) e a vermelho

(Antilhas), se usarmos o centro colocado no interior da península ibérica, obtemos direcções que

nos levam à zona das ilhas da Terra Nova e Nova Escócia (delimitada a azul, conforme 2ª figura), e

por outro lado à zona das Antilhas (delimitada a cor-de-laranja, conforme 2ª figura).

Portulano português, feito por Pizzigano (1424) ao serviço do Infante D. Henrique.

As nossas linhas artificiais são colocadas também no mapa seguinte.

As inclusões dos pontos de referência no Google Maps, mostram as

direcções correspondentes no continente americano.

A escolha do centro não é a priori justificável... mas é interessante um centro corresponder a

Madrid (o que se verifica pelas posições relativas face à Costa da Gasconha e posição das Ilhas

Baleares). Ainda que aqui a coincidência seja essencialmente geográfica...

Page 21: o Encoberto & o Descoberto

Neste caso há menos informação neste portulano, poderá ser mais fácil interpretar esta Carta mais

antiga... conforme refere Pedro Nunes, o que interessava aos navegadores era saber a direcção a

tomar, e depois definir o rumo até encontrar terra!

Isto coloca a datação para a descoberta portuguesa destes territórios americanos, pelo menos antes

de 1424... Mas, conforme o Tratado das Ilhas Novas, será mesmo anterior às invasões mouras. No

entanto, só depois, após Gil Eanes, e com o Infante Dom Pedro, houve uma boa cartografia, um

comércio regular com este novo mundo, usando as rápidas caravelas, o que levou a um efectivo

desenvolvimento português no quadro europeu.

4. Hespera Mundi

As armas, as divisas, os motos, procuraram resumir os grandes objectivos perseguidos pelos seus

detentores. Desde o “por bem” de D. João I, seguiram-se várias divisas que têm algum relevo na

história seguinte.

4.1. Talant de bien faire

O Infante D. Henrique usava esta frase como divisa (antes de Tanger, terá usado IDA... iniciais de

Infante Dom Anrique, pela sua vontade de conquistar - Tanger... ou melhor, Jerusalém?).

Divisa do Infante D. Henrique

Frei Luís de Sousa (séc. XVII) classificou os símbolos como "duas pirâmides dos antigos reis do

Egipto", e encontram-se no livro perdido de Zurara (só recuperado no séc. XIX, em França...).

Talant de bien faire, significaria vontade de bem fazer, mas o "e" falta em talent. Há de facto dois

hemisférios... poderá ver-se uma pirâmide em cada um deles. Considerando as inscrições como

anagramas (o que não era invulgar):

TALANT >> ATLANT || FAI'RE >>AFRI'E

Num hemisfério, uma pirâmide atlântica, no outro uma africana. Mas, para o Infante Dom

Henrique, o bien era simbolizado pela opção Oriental, pelo lado da Cruzada, contornando África.

4.2. Désir

O irmão, Infante Dom Pedro, grande promotor das Ordenações Afonsinas, durante a sua regência

(1439-1449), deixou-nos como divisa uma Balança, equilibrada... e um desejo - DÉSIR...

Page 22: o Encoberto & o Descoberto

Havia uma motivação ambivalente entre um projecto oriental, de cruzada, e um projecto ocidental,

mais evangelizador. Portugal dividia-se entre estas opções no seu tempo. Os feitos orientais

seguiram o seu rumo, mas os prováveis grandes feito ocidentais foram encobertos.

O Infante Dom Pedro é motivado por um sonho ocidental, “americano”, colonizador... tendo

deixado esse nostálgico sentimento, que o povo foi cantando ou mantendo em tradições (tão

antigas como a tradição da espiga). Tradições que se vão perdendo, alienando património

importante de forma quase irremediável. Teria existido uma fonte com o seu nome em Coimbra,

pelos amores que lhe tem, conforme dirá Camões, que a isso adicionou ninfas do Mondego;

Moto do Infante Dom Pedro, com a balança.

4.3. Pro Lege, Pro Grege

D. João II tentou seguir o projecto do seu avô, o Infante D. Pedro, procurando algum equilíbrio. De

um lado, para equilibrar a balança estaria o seu sangue de Pelicano, que retira do corpo, para

alimentar os seus filhos, a grei, o povo... o seu moto será “Pro Lege, Pro Grege”, pelas leis, pelo

povo. Ao seu sucessor D. Manuel irá legar uma divisa com duas esferas armilares, uma com a

inscrição Mundi, virada a ocidente, e outra com a inscrição Spera (já usada por D. Manuel, antes de

ser rei), virada a oriente:

Divisa que D. João legou a D. Manuel, com as duas esferas

armilares, das quais apenas se manteve a virada a Oriente.

Também aqui se invoca um equilíbrio, mas para que esse equilíbrio seja reposto a nomeação Mundi

Spera, antes proposta, deveria passar a Hespera Mundi. De facto, o que nos foi mostrado foi o lado

oriental, onde uma estória ocidental terá ficado oculta. Apesar de múltiplos sinais, temos sido

incapazes de ver o lado ocidental, do Jardim das Hespérides, conforme designa Camões. Por isso

mais que uma Espera, o désir do Infante D. Pedro deveria transformar-se numa Hespera.

4.4. Serena Celsa Favent

Serena ~ tranquilidade/esclarecimento, Celsa ~ grandeza, Favent ~ favorável

Moto d’el rey Dom Sebastião

Page 23: o Encoberto & o Descoberto

Camões, nuns tercetos incluídos no livro de Pêro de Magalhães de Gandavo invoca o mítico

espartano rei Leónidas. Aparentemente são dirigidos a Lionis Pereira, pela sua vitória em Malaca

contra o Rei do Achém, mas seria mais adequado a Dom Sebastião, que tal como Leónidas, terá

lutado contra um adversário incomensuravelmente superior:

Vos Ninfas da Gangética espessura, Cantai suavemente em voz sonora Hum grande Capitam, que a roxa Aurora Dos filhos defendeo da noite escura. Ajuntou-se a caterva negra & dura, Que na Aurea Chersoneso afouta mora, Pera lançar do caro ninho fora Aquelles que mais podem que a Ventura. Mas hum forte Lião com pouca gente, A multidam tam fera como necia, Distruindo castiga, & torna fraca. Pois ô Ninfas cantay que claramente Mais do que fez Leonidas em Grecia O nobre Lionis fez em Malaca.

Neste breve apontamento, de uma Estória maior, "o Encoberto" contrário "do Descoberto", é ainda

a mensagem que fica presa a um nevoeiro, de onde só nos chegam pequenos sinais...

Há só uma História?.. ou há apenas a Estória que deixa e apaga registos.

São pontas soltas, até que apareça alguém a assinalar, depois voltando-se tudo a colar, durante

mais alguns séculos. Neste momento, será importante reenquadrar a História, colando as

coincidências de forma mais verosímel.

Referências Bibliográficas Adicionais:

• Duarte Pacheco Pereira, Esmeraldo de Situ Orbi, Imprensa Nacional, 1892 o http://books.google.pt/books?id=cCoNAQAAIAAJ

• Francisco de Souza, Tratado das Ilhas Novas, Guttenberg Project, 1877 o http://www.gutenberg.org/files/21011/21011-h/21011-h.htm

• Gomes Eanes de Zurara, Crónica dos Feitos da Guiné, Guttenberg Project o http://books.google.pt/books?id=Nr4NAAAAQAAJ

• Pero Magalhães de Gândavo, História da Província de Santa Cruz, BND o http://purl.pt/121

• Pedro Nunes, Tratado em Defensam da Carta de Marear, BND o http://purl.pt/14480 (Revista de Engenharia Militar, 1911)