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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO O DIREITO DE RECUSA DO PACIENTE A TRATAMENTO MÉDICO À LUZ DA BIOÉTICA E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS VIVIAN LETÍCIA ACHAR Biguaçu 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO

O DIREITO DE RECUSA DO PACIENTE A TRATAMENTO MÉDICO

À LUZ DA BIOÉTICA E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

CONSTITUCIONAIS

VIVIAN LETÍCIA ACHAR

Biguaçu 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO

O DIREITO DE RECUSA DO PACIENTE A TRATAMENTO MÉDICO

À LUZ DA BIOÉTICA E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

CONSTITUCIONAIS

VIVIAN LETÍCIA ACHAR

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Dr. Marcos Leite Garcia

Biguaçu 2008

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AGRADECIMENTOS

Acima de tudo ao meu Deus, responsável por

minha vida, motivação, coragem e força.

Ao meu orientador, Professor Marcos Leite

Garcia, pelo admirável conhecimento, paciência e

apoio prestados.

Às minhas primas Luciana e Soraia, pela corrida à

biblioteca em busca de livros e mais livros.

Às minhas amigas, Raphaela e Priscila pelo

companheirismo e ajuda que fizeram os últimos

cinco anos ainda melhores.

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DEDICATÓRIA

Pai, Mãe, Irmãzinhas e Cunhado, pelo simples

fato de existirem e fazerem justificável também a

minha existência.

Bruno, que mesmo a 1.100km de distância motiva

meu amor e alegria.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, novembro de 2008.

Vivian Letícia Achar

Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Vivian Letícia Achar, sob o título

“O direito de recusa do paciente a tratamento médico à luz da bioética e dos

direitos fundamentais constitucionais”, foi submetida, em 13 de novembro de

2008, à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Dr. Marcos

Leite Garcia, Dra. Maria da Graça dos Santos Dias, Carlos Alberto Gonçalves

Luz, e aprovada.

Biguaçu, novembro de 2008.

Professor Dr. Marcos Leite Garcia

Orientador e Presidente da Banca

Professora Dra. Maria da Graça dos Santos Dias

Membro da Banca Examinadora

Professor Carlos Alberto Gonçalves Luz

Membro da Banca Examinadora

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... III

ABSTRACT .......................................................................................IV

INTRODUÇÃO.................................................................................... 5

CAPÍTULO 1....................................................................................... 7

DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS EM FACE À NOVA ERA DE DIREITOS ..................................................................................... 7

1.1 CONCEITO E FINALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .................... 7 1.1.1 PROBLEMÁTICA CONCEITUAL ............................................................................ 7 1.1.2 FINDALIDADE ................................................................................................... 8 1.1.3 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS ............................................................................ 10

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................... 11 1.2.1 PRECEDENTES PRÉ-HISTÓRICOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ......................... 11 1.2.2 ANTECEDENTES DAS DECLARAÇÕES DE DIREITOS ............................................. 14 1.2.3 DAS DECLARAÇÕES E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE DIREITOS.............................. 15 1.2.4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .............. 17 1.2.4.1 Acensões e retrocessos no constitucionalizar pátrio......................... 17 1.2.4.2 Os Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988.............. 20

1.3 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB A METÓDICA DIMENSIONAL .................................................................................................... 23 1.3.1 CRÍTICAS À SUBDIVISÃO GERACIONAL DE DIREITOS ........................................... 24 1.3.2 GERAÇÕES DE DIREITOS ................................................................................. 26

CAPÍTULO 2..................................................................................... 31

OS DIREITOS DO PACIENTE À LUZ DA BIOÉTICA ...................... 31

2.1 BIOÉTICA: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PERSPECTIVAS ........................... 31 2.1.1 OS DIREITOS DO PACIENTE .............................................................................. 36

2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA BIOÉTICA............................................. 38 2.2.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA ............................................................................... 39 2.2.2 PRINCÍPIOS DA BENEFICÊNCIA E DA NÃO-MALEFICÊNCIA .................................... 49 2.2.3 PRINCÍPIO DA JUSTIÇA .................................................................................... 57

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CAPÍTULO 3..................................................................................... 59

OS DIREITOS DO PACIENTE E A ESCOLHA DE TRATAMENTO MÉDICO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL............................. 59

3.1 DIREITO À LIBERDADE INDIVIDUAL .......................................................... 59 3.1.1 LIBERDADE E LEGALIDADE .............................................................................. 61 3.1.2 LIBERDADE RELIGIOSA.................................................................................... 64

3.2 DIREITO À VIDA............................................................................................ 68 3.2.1 O DIREITO À VIDA: SOB O ENFOQUE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ............. 69 3.2.2 O DIREITO À VIDA PRIVADA .............................................................................. 74 3.2.3 O DIREITO À VIDA E À RECUSA ESCLARECIDA: NÃO APOLOGIA AO DIREITO DE MORRER ................................................................................................................ 75

3.3 PROTEÇÃO À INCOLUMIDADE DA CLASSE MÉDICA.............................. 77

3.4 POSSÍVEL CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS............................. 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 84

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS........................................ 87

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar os Direitos do

Paciente em recusar determinados tratamentos médicos que impute

inconvenientes, quer à sua saúde física quer ao seu bem estar moral. Tal questão

imprescinde a análise em especial de dois direitos fundamentais diretamente

envolvidos: a vida e a liberdade. Outrossim, a aniquilação da situação conflituosa

que se instaura nesta relação entre médicos e pacientes conta hoje ainda com

outra disciplina, a Bioética, empenhada em regular as situações éticas envoltas às

ciências médicas e jurídica. Para tal, o trabalho foi elaborado sob o método

dedutivo de pesquisa e divide-se em três capítulos: o primeiro analisa a

generalidade e evolução dos direitos fundamentais até que se chegue aos direitos

do paciente com os quais se preocupa a Bioética. O segundo destina-se a

aprofundar o estudo sobre o direito de recusa com base nos princípios bioéticos

e, ainda, avaliar se há possibilidade deste direito do paciente ser suprimido. O

terceiro, por fim, pretende demonstrar se à luz dos direitos fundamentais

constitucionais, teria o paciente direito de exercer sua recusa.

Palavras-chaves: direitos do paciente, bioética, direitos

fundamentais.

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ABSTRACT

The present study has as objective to analyze the rights of

the patient in refusing some medical treatments that impute inconveniences to the

patient’s health, desires or well-being. The analysis of two basic rights involved in

such question is essential: the right to life and the right to freedom. Likewise, the

bioethics is still another discipline engaged in alleviating the discordant situation

that arises between doctors and patients; it is interested in regulating the ethical

situations in which both, medical and legal sciences, are involved. For such, the

work was elaborated under the deductive method of researching and it is divided

into three chapters: the first one analyzes the generality and the evolution of the

basic rights until it arrives as the rights of the patient, which is one of the main

concerns of bioethics. The second one intends to scrutinize the refusal right on the

basis of bioethics’ principles, and if exists the possibility of suppressing patient’s

rights. Third, it intends to demonstrate, on the light of the basic constitutional

rights, if it is possible for the patient to exert its right to refusal a medical treatment.

Key words: patients’ rights, bioethics, fundamental rights.

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INTRODUÇÃO

Freqüentemente, a classe médica depara-se com situações

em que pacientes, veementemente e por diferentes – porém importantes –

razões, opõem-se a determinadas intervenções médicas.

É, pois, a este delicado tema que se dedica a presente obra

de conclusão de Curso, à medida que se pretende analisar juridicamente os

direitos dos enfermos em recusarem certas terapêuticas que julguem

inconvenientes, quer física, quer moralmente.

Para tal, serão verificados os direitos fundamentais de modo

geral – dos quais originam-se os direitos do enfermo –, bem como princípios da

Bioética, disciplina ocupada com os conflitos éticos da vida humana, tanto mais

quando em questão as ciências médica e jurídica.

Assim, no Capítulo Primeiro, abordar-se-á a origem e o

processo evolutivo a que foram submetidos os direitos fundamentais, analisando-

se inclusive a existência de uma provável quarta geração de direitos de onde

emerge a Bioética e, conseqüentemente, as questões envoltas aos direitos do

enfermo.

É, pois, à Bioética, que se dedica o Segundo Capítulo,

analisando-se à luz de seus princípios – principalmente de autonomia e

beneficência – se teria o paciente o direito de recusar determinadas terapias

médicas às quais não deseja se submeter.

Por fim, preocupa-se o Terceiro e último Capítulo em

desvendar se os direitos fundamentais do homem, à vida e à liberdade, conferem-

lhe o direito de objeção, tanto mais quando aparentemente conflitam estes dois

direitos.

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Destaca-se, por oportuno, que o presente estudo analisa tão

somente o direito de pessoas maiores, não adentrando ao cerne da questão

pessoas menores e outros legalmente incapazes.

Finalizando a exposição, têm-se as considerações finais,

onde se esboçam as conclusões desta pesquisa e a pugna para que, cada vez

menos, tenham os pacientes seus direitos suprimidos quando em questão tão

preciosos valores como sua vida física e sua dignidade como expressão de sua

consciência.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que foi

utilizado o método dedutivo.

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CAPÍTULO 1

DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS EM FACE À NOVA ERA

DE DIREITOS

Dado que a matéria objeto de análise deste estudo – os

Direitos do Paciente – relaciona-se diretamente com os Direitos Fundamentais,

haja vista serem mero reflexo deles e se inserirem, atualmente, no contexto dos

“novos direitos”, faz-se prudente buscar, num primeiro momento, importantes

pontos que permeiam os Direitos Fundamentais do Homem, a saber: sua origem,

evolução, constitucionalização e perspectivas sob a nova era de direitos.

É, pois, o que se pretenderá doravante.

1.1 CONCEITO E FINALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1.1 Problemática Conceitual

Acerca das dificuldades envolvidas em limitar os direitos

fundamentais a uma simplista definição que provavelmente não os exprimiria em

sua completude, declara Alexandre de Moraes:

inúmeros e diferenciados são os conceitos de direitos humanos

fundamentais, no que concordamos com Tupinambá Nascimento,

que, ao analisar esse conceito, afirma que não é fácil a definição

de direitos humanos, concluindo que qualquer tentativa pode

significar resultado insatisfatório e não traduzir para o leitor, à

exatidão, a especificidade de conteúdo e a abrangência (2007, p.

21).

Acerca do tema, José Afonso da Silva acrescenta que

a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem

no envolver histórico dificulta definir-lhes um conceito sintético e

preciso. Aumenta essa dificuldade a circunstância de se

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empregarem várias expressões para designá-los, tais como:

direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos

individuais, direitos públicos, subjetivos, liberdades fundamentais,

liberdades públicas e direitos fundamentais do homem1 (2001, p.

179).

É, contudo, à expressão direitos fundamentais do homem,

que confere o jurista maior adequação, porquanto “reservada para designar, no

nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em

garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas” (SILVA,

2001, p. 182).

Tratam-se, portanto, de um

conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano

que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio

de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o

estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento

da personalidade humana (MORAES, 2007, p. 20).

1.1.2 Finalidade

Não obstante as inúmeras definições existentes na tentativa

de melhor representar os direitos fundamentais, aufere-se que, direta ou

indiretamente, visam eles proteger a pessoa humana, conferindo-lhe, assim, a

consagração de sua dignidade perante os poderes estatais. Assumem, por tal

entendimento, caráter de direitos de defesa, sob os quais o cidadão à medida que

exerce sua liberdade, impõe ao poder público a proibição de censura

(CANOTILHO, 2003, p. 408).

Porém, não só à limitação da potestade estatal prestam-se

os direitos fundamentais, uma vez que, não raro, clamam eles pelo agir

1 Ingo Wolfgang Sarlet sustenta prudente, ainda que por meras questões didáticas, a diferenciação dos termos direitos fundamentais, direitos humanos, e direitos do homem, comumente utilizados como sinônimos. Alega, entretanto, tratarem-se, os primeiros, dos direitos do ser humano positivamos no âmbito do direito constitucional de cada Estado; os segundos, de direitos que emergem do direito internacional, e os terceiros, por fim, de direitos naturais ainda não positivados (2006, p. 35-36).

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governamental, tal qual é o caso dos direitos de prestação, em que o indivíduo

reclama à direção pública providências positivas no respeitante à saúde, à

educação e à segurança social.

Salienta-se, outrossim, que dentre as garantias individuais

que pugnam o agir do Estado encontram-se ainda os direitos de proteção perante

terceiros que atribuem ao ente público “o dever de proteger o direito à vida [de

seus cidadãos] perante eventuais agressões de outros indivíduos” (CANOTILHO,

2003, p. 409).

Ao melhor exprimir esta função, sustenta J. J. Gomes

Canotilho:

[...] da garantia constitucional de um direito resulta o dever do

Estado adoptar medidas positivas destinadas a proteger o

exercício dos direitos fundamentais perante actividades

perturbadoras ou lesivas dos mesmos praticadas por terceiros.

Daí o falar-se da função de proteção perante terceiros.

Diferente do que acontece com a função de prestação, o esquema

relacional não se estabelece aqui entre o titular do direito

fundamental e o Estado [...] mas entre o indivíduo e outros

indivíduos (2003, p. 409).

Se assim não o bastasse, vai além a doutrina, mormente a

norte americana, ao conferir serventia às garantias fundamentais, quando a elas

atribui também a função de não discriminação, produto do princípio da igualdade,

cujo objetivo é

que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos

fundamentalmente iguais. Esta função de não discriminação

abrange todos os direitos. Tanto se aplica aos direitos, liberdades

e garantias pessoais (ex: não discriminação em virtude de religião)

[...]. É ainda com uma acentuação-radicalização da função

antidiscriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos

minoritários defendem a efectivação plena da igualdade de

direitos numa sociedade multicultural e hiperinclusiva (“direitos

dos homossexuais”, “direitos das mães solteiras” “direitos das

pessoas portadoras de HIV”). (CANOTILHO, 2003, p. 410).

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Ressalta-se, todavia, que os sobrepujantes encargos aos

direitos fundamentais atribuídos não lhes ofusca seu âmago existencial, qual seja:

“a defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os poderes do Estado (e

de outros esquemas políticos coactivos)” (CANOTILHO, 2003, p. 407), fim a que

indubitavelmente destinam-se todos os direitos do homem, como melhor se verá à

frente.

1.1.3 Características Essenciais

Em abordagem aos direitos fundamentais, José Afonso da

Silva traz à tona importantes características que os permeiam e são responsáveis

por distingui-los das demais classes de direitos. Detalhadamente, enuncia-os

(2001, p. 185) como direitos imprescritíveis, porquanto não se perdem pelo

decurso do tempo; irrenunciáveis, já que não passíveis de renúncia - e aí se

entende o porquê, por exemplo, de serem inadmissíveis o aborto e a eutanásia; e

inalienáveis, haja vista a completa impossibilidade de serem transferidos a

outrem, quer a título gratuito, quer oneroso.

Acrescentam-se, a estas, no entendimento de Moraes: a

inviolabilidade, por não tolerarem desrespeito advindo de determinações

infraconstitucionais; a universalidade, porque destinados a todos os indivíduos,

sem quaisquer exceções; interdependência, uma vez que não obstante

autônomos, convergem às mesmas finalidades; e, por fim, complementaridade,

no sentido de que devem ser interpretados conjuntamente (2007, p. 22).

Importa esclarecer, no entanto, tratar-se de rol meramente

exemplificativo, porque demasiadamente simplístico a caracterizar direitos que,

não bastasse de imensurável significância a seus titulares, encontram-se sob

constantes variações e melhoramentos que, diretamente ou não, podem afetar

suas peculiares especificações.

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1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.2.1 Precedentes pré-históricos dos Direitos Fundamentais

Ao nortear no tempo o momento inicial da doutrina dos

direitos humanos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho a define como “nada mais [...]

do que uma versão da doutrina do direito natural2 que já desponta da

Antiguidade” (2008, p. 9).

Neste passo, visando melhor precisar o momento inicial dos

direitos fundamentais, a doutrina jusnaturalista

fundamenta os direitos humanos em uma ordem superior

universal, imutável e inderrogável. Por essa teoria, os direitos

humanos fundamentais não são criação dos legisladores, tribunais

ou juristas, e, conseqüentemente, não podem desaparecer da

consciência dos homens (MORAES, 2007, p. 15)

Certo é, no entanto, que o propósito de atribuir a um Ser

Superior ou à natureza a procedência dos direitos do homem nem a todos

contenta, tal qual é o caso, a título exemplificativo, de Renan Lotufo, para quem

“os direitos [fundamentais] da personalidade têm natureza de direito positivo3”

(2003 apud BORGES, 2005, p. 23).

Sob idêntico pensar, Pontes de Miranda afirma que os

direitos fundamentais da personalidade

“não são impostos por ordem sobrenatural, ou natural, aos

sistemas jurídicos; são efeitos de fatos jurídicos, que só se

produziram nos sistemas jurídicos, quando, a certo grau evolução,

a pressão política fez os sistemas jurídicos darem entrada aos

2 Ao passo que para alguns os direitos fundamentais originam-se do Direito Natural porque estabelecidos pela vontade Divina; para outros, este principiar justifica-se pela simples razão de pertencer o homem à natureza, o que, conseqüentemente, o submete às leis naturais que dela emanam (BORGES, 2005, p. 22). 3 Os positivistas, de sua parte, fundamentam a existência dos direitos humanos na ordem normativa, enquanto legítima manifestação da soberania popular. Desta forma, somente seriam direitos humanos fundamentais aqueles expressamente previstos no ordenamento jurídico positivado (MORAES, 2007, p. 15). Esta última concepção trata-se, à bem da verdade, de “uma noção estadista de direito, que [o reduz] ao fenômeno estatal legislativo” (BORGES, 2005, p.23).

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suportes fáticos que antes ficavam de fora, na dimensão moral ou

na dimensão religiosa” (MIRANDA apud BORGES, 2005, p. 24)

Todavia, não obstante preserve o jurista a origem positivista

das mais importantes garantias fundamentais, confessa ele a existência de

“‘princípios superiores que têm de ser atendidos pelos legisladores estatais’”

(MIRANDA apud BORGES, 2005, p.24), entendimento este, bem se sabe,

compatível àquele esboçado pelos defensores do direito natural.

Em apoio à teoria naturalista do direito e em alusão ao

ensinamento de Carlos Alberto Bittar, Roxana C. B. Borges aduz que

os direitos [fundamentais] da personalidade são direitos inatos,

“cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los, o que

não significa que os direitos de personalidade sejam apenas

aqueles reconhecidos pelo ordenamento. Para Bittar, os direitos

de personalidade antecedem o direito positivo e dele independem,

embora sua positivação possibilite uma tutela mais específica e

eficaz. Entende que não é o Estado que cria os direitos, mas que

estes existem na consciência popular e no direito natural, devendo

o Estado reconhecê-los (2005, p. 23).

Alexandre de Moraes, por sua vez e em visível admirar a

ambas as teorias, sustenta inadmissível outorgar-se exclusivamente a uma delas

o principiar de tão imprescindíveis direitos.

Para tal, afirma o jurista:

A incomparável importância dos direitos humanos fundamentais

não consegue ser explicada por qualquer das teorias existentes.

Na realidade, as teorias se completam, devendo coexistirem, pois

somente a partir da formação de uma consciência social (teoria de

Perelman4), baseada principalmente em valores fixados na crença

de uma ordem superior, universal e imutável (teoria jusnaturalista,

é que o legislador ou os tribunais [...] encontram substrato político

e social para reconhecerem a existência de determinados direitos

humanos fundamentais como integrantes do ordenamento jurídico

(teoria positivista) (2007, p. 17).

4 Teoria menos difundida, que justifica a origem dos direitos fundamentais na experiência e consciência moral de um determinado povo (MORAES, 2007, p. 16).

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A despeito de inúmeros escritos atuais pretenderem conferir

aos direitos fundamentais um longínquo princípio – datando-os inclusive como

antecedentes à Era Cristã –, verdade é que esta concepção não logra êxito em

explicar a origem destes direitos em sua completude, como bem sustenta Sarlet:

Ainda que consagrada a concepção de que não foi na antiguidade

que surgiram os primeiros direitos fundamentais, não menos

verdadeira é a constatação de que o mundo antigo, por meio da

religião e da filosofia, nos legou algumas das ideais chaves que,

posteriormente, vieram a influenciar diretamente o pensamento

jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano, pelo

simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e

inalienáveis, de tal sorte que esta fase costuma também ser

denominadas, consoante já ressalvado, de “pré-história” dos

direitos fundamentais (2006, p. 45).

Dentre os remotos ancestrais da doutrina dos direitos

fundamentais citam-se a codificação de Hammurabi, por volta de 1.690 a.C

(MORAES, 2007, p. 6); os Dez Mandamentos, ditados por Deus a Moisés no

Monte Sinai no século XII a.C (BESTER, p. 572), e, também, o Direito Romano,

que almejando limitar o poderio governamental, “criou um complexo mecanismo

de interditos visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios

estatais” (MORAES, 2007, p. 6), sendo a Lei das Doze Tábuas o marco desta

assertiva.

Igualmente, há de se fazer referência aos estudos difundidos

na Grécia sobre a lei da natureza humana e o dever de observância a ela – já que

superior àquela escrita por homens –, idéia esboçada, por exemplo, na obra

Antígona, do dramaturgo grego Sófocles, em que ele defende existirem normas

não escritas e imutáveis, superiores aos direitos escritos pelo homem, justificativa

pela qual a protagonista opõe-se à ordem Real por respeito à suprema lei divina.

Não se pode estabelecer aqui, contudo, a idéia de direitos

fundamentais tal qual hoje se apregoa, pela simples razão de que

o ponto de vista tradicional tinha por efeito a atribuição aos

indivíduos não de direitos, mas sobretudo de obrigações, a

começar pela obrigação da obediência às leis, isto é, às ordens do

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soberano. Os códigos morais e jurídicos foram, ao longo dos

séculos, desde os Dez Mandamentos até as Doze Tábuas,

conjuntos de regras imperativas que estabelecem obrigações para

os indivíduos, não direitos (BOBBIO, 1992, p. 100-101).

Tratavam-se, outrossim, de Direitos – ou meramente

obrigações como pretende Bobbio – caracterizados pela vontade divina e

independentes da vontade humana, que assim permaneceram por longos

séculos.

1.2.2 Antecedentes das Declarações de Direitos

Em estudo destinado aos Direitos Fundamentais, José

Afonso da Silva afirma que foi no bojo da Idade Média que surgiram os

antecedentes mais diretos das declarações de direitos (2001, p. 155). Destaca-se,

neste contexto, a Carta Magna de 1215, que, em que pese tutora unicamente dos

interesses dos barões e homens livres ingleses, em nada se preocupando com os

não-livres, tornou-se um símbolo das liberdades públicas, vez que nela

consubstanciaram-se o desenvolvimento democrático e constitucional inglês

(SILVA, 2001, p. 156).

Escritos posteriores, como a Petition of Rights, de 1628, o

Habeas Corpus Act, de 1679, a Bill of Rights, de 1689, e o Act of Settlement, de

1701, propuseram-se a reafirmar os direitos esboçados na Carta Magna inglesa,

“inclusive com a definição de garantias específicas em caso de violação dos

mesmos” (FERREIRA FILHO, 2008, p. 12).

É, pois, a partir daí, momento transitório entre as Idades

Média e Moderna – especialmente entrementes os séculos XVI, XVII e XVIII – que

se passa a uma nova concepção de Direito Natural, não mais sob a influência

teológica no qual se explicava, mas sim fundado na razão (SARLET, 2006, p. 46):

o Direito Natural Racionalista.

Neste período, “com as mudanças que se darão no trânsito

à modernidade, a pessoa reclamará sua liberdade religiosa, intelectual, política e

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econômica, na passagem progressiva desde uma sociedade teocêntrica e

estamental a uma sociedade antropocêntrica e individualista” (GARCIA, on line),

formando-se, pois, a verdadeira idéia de direitos fundamentais, tal qual defendido

por Gregório Peces-Barba:

No se puede hablar propiamente de derechos fundamentales

hasta la modernidad. Cuando afirmamos que se trata de un

concepto histórico propio del mundo moderno, queremos decir

que las ideas que subyacen em su raiz, la dignidad humana, la

libertad o la igualdad por ejemplo, sólo se empiazan a plantear

desde los derechos en un momento determinado de la cultura

política y jurídica. Antes existía una idea de la dignidad, de la

libertad o de la igualdad, que encontramos en autores clásicos

como Platón, Aristoteles o Santo Tomás, pero éstas no se

unificaban em ese concepto.

[...]

Esas características identificadoras del paso de la Edad Media a

la Moderna no surgen de la noche a la mañana, sino que son la

consecuencia de um largo proceso de evolución que as veses

dura varios siglos (1995, p. 113-115)5.

Chegava-se, assim, ao ponto alto do processo evolutivo de

formação dos Direitos Fundamentais: as Declarações e Constitucionalizações de

tão imprescindíveis direitos.

1.2.3 Das Declarações e Constitucionalização de Direitos

Cita-se, dentre as primeiras Declarações e

Constitucionalizações a Declaração de Direitos de Virginia, de 1776, declarante

dos imperiosos direitos à vida, à liberdade, legalidade, [...]; a Declaração da

5 Em tradução livre: “Não se pode falar propriamente de direitos fundamentais até a modernidade. Quando afirmamos que se trata de um conceito histórico próprio do mundo moderno, queremos dizer que as idéias que subjazem em sua raiz, a dignidade humana, a liberdade ou a igualdade, por exemplo, só se começam a plantar desde os direitos em um momento determinado da cultura política e jurídica. Antes existia uma idéia da dignidade, da liberdade ou da igualdade, encontrada em autores clássicos como Platão, Aristóteles ou Santo Tomás, porém estes não se unificavam nesse conceito. [...] Essas características identificadoras do passo da Idade Média até à Moderna não surgem da noite para o dia, senão que são conseqüências de um longo processo de evolução que as vezes leva vários séculos para acontecer”.

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Independência dos Estados Unidos da América, de idêntica datação, que “teve

como tônica preponderante a limitação do poder estatal” (MORAES, 2007, p. 9);

e, por fim, a Constituição dos Estados Unidos da América6 (1789), cujas tratativas

visavam restringir a autoridade do Estado mediante a separação de poderes, ao

passo que se promulgavam garantias fundamentais como a liberdade religiosa, o

devido processo legal, a ampla defesa, a inviolabilidade de domicílio, dentre

outras.

É, contudo, à publicação da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão (1789), de cunho mais universalizante, que se confere

transcendental importância, haja vista que consagrou a normatização dos direitos

humanos fundamentais, que foram confirmados, posteriormente, pelas

Constituições francesas de 1791 e 1793, esta última cujo preâmbulo a eles aludia

como sagrados e inalienáveis, e, acima de tudo, invocava aos cidadãos a

necessidade de jamais se deixarem oprimir ou aviltar pela tirania, aconselhando-

os a terem “sempre perante os olhos as bases de sua liberdade e de sua

felicidade” (MORAES, 2007, p. 10).

A expressiva evolução dos direitos fundamentais humanos

mostrou-se ainda mais significativa quando do adentrar ao século XIX, à medida

que os textos constitucionais destinavam títulos inteiros às garantias essenciais.

Encontra-se, neste ínterim, a Constituição Portuguesa de

1822, que,

qual grande marco de proclamação dos direitos individuais,

estabelecia já em seu Titulo I, Capítulo único, os direitos

individuais dos portugueses, consagrando, dentre outros, os

seguintes direitos: igualdade, liberdade, segurança, propriedade,

desapropriação somente mediante prévia e justa indenização,

inviolabilidade de domicilio, livre comunicação de pensamentos,

proibição de penas cruéis ou infamantes, livre acesso aos cargos

6 Ressalta-se, aqui, que o texto constitucional norte americano de 1787 não continha, originalmente, a previsão de direitos fundamentais humanos, que nele foram incluídos unicamente por força das circunstâncias, já que sua entrada em vigor dependia da ratificação dos Estados Independentes, que condicionaram sua adesão à inclusão dum rol de direitos fundamentais na Carta Americana, o que efetivamente ocorreu por meio de dez emendas aprovadas em 15 de setembro de 1789 (BREGA FILHO, 2002, p. 10).

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públicos, inviolabilidade da comunicação e correspondência

(MORAES, 2007, p. 10)

Ocorre que o simples garantir de direitos fundamentais por

meio de sua Constitucionalização não mais se mostrava suficiente, como bem

exprimem as palavras de Vladimir Brega Filho:

No início do século XX percebeu-se que a garantia dos direitos

individuais não bastava, havia necessidade de garantir também o

seu exercício. [...] Percebeu-se que a consagração formal dos

direitos não garantia seu gozo. Havia necessidade de uma

evolução dos direitos do homem e alguns fatores essa evolução.

O fator social foi um dos mais importantes [...] (2002, p. 12-13).

Frente a esta verdade, as Cartas legislativas do século XX

principiaram a incutir nos direitos individuais até então consagrados, “fortes

tendências sociais, como, por exemplo, direitos trabalhistas, [... e] efetivação da

educação” (MORAES, 2007, p. 11), a fim de a eles conferir maior abrangência e

aplicabilidade.

E assim verifica-se ocorrido na Constituição Alemã de

Weimar (1919), produto do movimento constitucionalista que instigou a ascensão

do Estado Social e dedicou às garantias fundamentais cinco sessões que não se

restringiram exclusivamente aos direitos individuais tradicionais, mas também

“reconheceram vários direitos sociais, econômicos e culturais” (BREGA FILHO,

2002, p. 14).

O reconhecimento dos direitos fundamentais não se limitou,

contudo, aos ditos países desenvolvidos, sendo igualmente recepcionado pela

legislação brasileira desde sua primogênita constituição, ainda que singelamente.

1.2.4 Os Direitos Fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro

1.2.4.1 Ascensões e retrocessos no constitucionalizar pátrio

Outorgada em 1824, a Constituição Política do Império

expressou reconhecer garantias individuais a seus nacionais e estrangeiros

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residentes no país quando a eles dedicou um extenso rol de direitos previstos nos

trinta e cinco incisos do artigo 179, abarcados sob o título Das disposições gerais,

e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros.

Atribuindo à Constituição do Império significativa importância

na efetivação dos Direitos Fundamentais Humanos, José Afonso da Silva

sustenta que

“a primeira constituição, no mundo, a subjetivar e positivar os

direitos do homem, dando-lhes concreção jurídica efetiva, foi a do

Império do Brasil, de 1824, anterior, portanto, à da Bélgica, de

1831, a quem se tem dado tal primazia” (SILVA, 2001, p. 174).

Dela colhe-se, igualmente, o reconhecimento de direitos

sociais, que nas demais positivações constitucionais fizeram-se presentes tão

somente ao final do século XIX.

Suas apreciáveis inovações nos direitos do homem,

entretanto, viram-se limitadas pelo absolutismo governamental por ela também

instituído quando da criação do Poder Moderador7, que ao passo que conferia ao

monarca poderes absolutos, restringia as garantias individuais de seus cidadãos.

Já a 1ª Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de

1891, além dos tradicionais direitos e garantias individuais já consagrados pela

Constituição anterior, estabeleceu tanto novos direitos, como também meios para

garanti-los – dentre quais se destaca o Habeas Corpus -; estendendo-os, ainda,

aos estrangeiros, até então não compreendidos pelos direitos individuais

constantes do ordenamento brasileiro.

Repetindo o rol de direitos individuais já estabelecidos pelas

antecedentes Constituições, a Carta de 1934 inovou ao criar “um instituto

desconhecido de defesa dos direitos da pessoa humana: o mandado de

segurança, a ser ministrado toda vez que houvesse direito ‘certo e incontestável,

7 Poder privativo do Imperador, hierarquicamente acima dos demais poderes do Estado (Wikipedia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Poder_Moderador>. Acessado em 10 setembro 2008).

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ameaçado ou violado por ato manifestadamente inconstitucional ou ilegal de

qualquer autoridade’” (BONAVIDES apud BREGA FILHO, 2002, p. 34-35).

Se assim não o bastasse, apresentou manifesto progresso

também no âmbito dos direitos sociais, ao instituí-los sob o título Da ordem

Econômica e Social.

O retrocesso de direitos manifestou-se, todavia, na Carta

Constitucional de 19378, representação vívida do totalitarismo de Getúlio Vargas,

que

“restringiu direitos e garantias individuais, abolindo o mandado de

segurança e alijando os princípios da legalidade e irretroatividade

da lei, instituiu a censura prévia e a pena de morte em casos

expressamente especificados, inclusive para a subversão da

ordem política e social por meios violentos e para o homicídio

cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade”

(GUIMARÃRES, apud, BREGA FILHO, 2002, p. 36).

Situação diversa se observa quando da Constituição de

1946, em que “ressurgiram e revigoraram-se os direitos fundamentais do homem”

(BREGA FILHO, 2002, p. 37), tais quais as liberdades individuais que não

poderiam ser suprimidas por autoritarismo estatal, razão pela qual se restauraram

importantes institutos protetivos, como o habeas corpus, o mandado de

segurança, e a ação popular.

Além dos tradicionais direitos individuas já previstos nos

anteriores corpos constitucionais, a Carta de 1946 conferiu destaque tanto aos

direitos sociais - especialmente no respeitante às relações de emprego, visando

tutelar o trabalhador dos arbítrios patronais -, como também ao âmbito político, ao

prever a livre organização partidária.

Mesmo sob as constantes compressões dos Atos

Institucionais editados à época do Golpe Militar de 1964, mantidas foram as

declarações dos direitos do homem da Constituição de 1946, até o momento em

8 Popularmente denominada A Polaca, em alusão à sua inspiração na Constituição polonesa, influenciada pelos ideais fascistas e totalitaristas (BREGA FILHO, 2002, p. 36).

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que fora elaborada a Constituição de 1967 – posteriormente modificada pela

Emenda Constitucional nº 1 de 1969 -, que, por sua vez, “não trouxe nenhuma

substancial alteração formal na enumeração dos direitos humanos fundamentais”

(MORAES, 2007, p. 15).

1.2.4.2 Os Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988

Inobstante os direitos já enunciados nas predecessoras

Cartas Constitucionais, a atual institucionalização dos direitos fundamentais

destaca-se por perceptíveis inovações do legislador constituinte.

Sarlet, em apreciação à matéria, atribui à aplicabilidade dos

direitos fundamentais o mais expressivo progresso do ordenamento jurídico

pátrio, ao assegurar que

talvez a inovação mais significativa tenha sido a do art. 5º, §1º, da

CF, de acordo com o qual as normas definidoras dos direitos e

garantias fundamentais possuem aplicabilidade imediata,

excluindo, em princípio, o cunho programático9 destes preceitos,

conquanto não exista consenso a respeito do alcance deste

dispositivo (2002, p. 79).

Significaria dizer, por lógico, que as normas definidoras de

direitos fundamentais, uma vez constitucionalizadas, imporiam aos particulares

automaticamente submissão e cumprimento, ao passo que ao Estado cominar-se-

ia a incumbência de revesti-las de efetividade jurídica (NOVELINO, 2008, p. 255).

Contudo, em aprofundado estudo, pondera Sarlet que

[...] por mais sedutora que nos pareça a tese dos que propugnam,

em última análise, a inexistência de normas programáticas na

Constituição, com base numa exegese que integra o princípio da

aplicabilidade direta dos direitos fundamentais, [...], entendemos

não corresponder ela ao nosso sistema constitucional vigente. Em

primeiro lugar, há de se ter em mente a circunstância, embasada

na paradigmática lição de Gomes Canotilho, de que a nossa

9 Têm-se por normas programáticas aquelas cuja concretização e aplicabilidade dependam de intervenção do legislador, uma vez que, por atributos próprios, não possuem normatividade suficiente que lhes dote de imediata eficácia (SARLET, 2002, p. 275)

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Constituição (assim como as Constituições em geral) pode ser

considerada como um sistema aberto de regras e princípios.

Ainda que se queira negar – e não sem certa razão a utilização da

expressão “normas programáticas”, isto em nada altera o fato da

existência, também na nossa Constituição vigente – em escala

sem precedentes no constitucionalismo pretérito -, de normas que,

em virtude de sua natureza (forma de positivação, função e

finalidade), reclama uma atuação concretizadora dos órgãos

estatais, especialmente do legislador, sem que, a evidência, esteja

a se negar eficácia e aplicabilidade (inclusive imediata) a estas

normas (2002, p. 277).

À pequenas particularidades também reservou o legislador

consideráveis alterações.

Cita-se, por exemplo, o simples posicionar dos direitos

fundamentais logo ao início do corpo constitucional – antecedidos unicamente do

preâmbulo e dos princípios constitucionais -, que, conquanto aparentemente

insignificante, denota que a eles conferiu-se “parâmetro hermenêutico e valores

superiores de toda a ordem constitucional e jurídica” (SARLET, 2002, p. 79),

situação bastante diversa das anteriores Constituições que “procuravam ofuscar-

lhes a importância” (FAGUNDES JÚNIOR, 2001, p. 273).

Igualmente relevante apresenta-se o postar dos direitos

sociais em capítulo próprio no catálogo dos direitos fundamentais, porque ao

inseri-los constitucionalmente nesta categoria de direitos, assegurou-os o

legislador maior eficácia e proteção estatal, tanto mais quando observado o fato

de estarem, sem quaisquer exceções, sob o protetivo rol constitucional de

cláusulas pétreas do artigo 60, §4º da CRFB/88, que lhes resguarda de quaisquer

supressões advindas do poder Constituinte derivado.

Considerada símbolo da redemocratização do Estado

brasileiro intensamente assolado por décadas de assombroso autoritarismo

militar, a promulgação da Constituição Federal em 1988 aspirava, ao fim e em sua

totalidade, restaurar a liberdade e dignidade humana esmaecidas à época

ditatorial.

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Por esta razão e sob forte influência democrática, dedica aos

direitos fundamentais a inteireza de seu Título II, composto por sete artigos, seis

parágrafos e cento e nove incisos – sem aqui se contabilizarem, ainda, os

diversos direitos fundamentais esparsos pelo corpo constitucional -, subdivididos

em direitos individuais e coletivos (Capítulo I), sociais (Capítulo II), de

nacionalidade (Capítulo III) e políticos (Capítulo IV).

Instituiu-se, por intermédio deles, a autonomia e proteção à

liberdade individual; o direito de exercício da liberdade de expressar-se, à reserva

da intimidade, ao tratamento isonômico, à crença e a preservação da consciência,

à participação política; o dever de garantir ao trabalhador aprazíveis condições

empregatícias, bem como resguardá-los das arbitrariedades patronais [...].

Ainda que inumeráveis, são, em suas diversas

manifestações, explicitações vívidas do Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana, fundamento da República Federativa Nacional, tal qual enfatiza a

doutrina:

[...] o princípio da dignidade da pessoa humana vem sendo

considerado fundamento de todo o sistema dos direitos

fundamentais, no sentido de que estes constituem exigências,

concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa

humana e que cm base nesta devem ser interpretados. Entre nós,

sustentou-se recentemente que o princípio da dignidade da

pessoa humana exerce papel de fonte jurídico-positiva dos direitos

fundamentais, dando-lhes unidade e coerência.

[...]

Neste sentido, há que se compartilhar o ponto de vista de que os

direitos e garantias fundamentais (ao menos a maior parte deles)

constituem garantias específicas da dignidade da pessoa humana,

da qual são – em certo sentido – mero desdobramento. Em

relação aos direitos fundamentais, a posição do princípio da

dignidade da pessoa humana assume a feição de lex generalis, já

que, quando suficiente o recurso a determinado direito

fundamental (por sua vez impregnado de dignidade), inexiste

razão para invocar-se autonomamente o principio da dignidade da

pessoa humana, que não pode propriamente ser considerado de

aplicação meramente subsidiária, até esmo pelo fato de que uma

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agressão a determinado direito fundamental simultaneamente

pode constituir ofensa ao seu conteúdo de dignidade (SARLET,

2002, p. 127-128).

O atrelar dos direitos fundamentais como um todo a um bem

jurídico maior e inquantificável: a dignidade humana, também confere à Carta

Constitucional atual considerável destaque, pois, pela primeira vez, outorgou aos

direitos fundamentais a merecida relevância e reconhecimento, até então não

obtidos ao longo de toda a evolução constitucional pátria, ainda que constassem

nas anteriores Constituições singelas previsões de direitos essenciais (SARLET,

2006, p. 75).

Distingue-se, ainda, a nova ordem Constitucional, por

corporificar direitos fundamentais emergidos de toda a tríade geracional – direitos

individuais, coletivos e de solidariedade -, como bem se verá.

1.3 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB A METÓDICA

DIMENSIONAL

Uma vez reconhecidos nas primeiras Cartas Constitucionais

ao longo de sua evolução, tanto na esfera internacional quanto no ordenamento

jurídico interno, os direitos fundamentais submeteram-se a diversas mutações

históricas que influenciavam sua formação e os moldavam aos pensamentos

filosóficos da época (SARLET, 2006, p. 54).

Não emergem de um único momento histórico, tal qual

defende Bobbio ao argumentar que

[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são

direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias,

caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra

velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma

vez e nem de uma vez por todas (1992, p. 5).

Suas constantes transformações os levaram a ser

classificados por considerável parte da doutrina em consonância às dimensões do

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momento em que surgiam, razão pela qual são comumente classificados em

direitos de primeira, segunda, terceira e, ainda para alguns, de quarta geração.

1.3.1 Críticas à subdivisão geracional de direitos

Inúmeros juristas, dentre os quais Aldir Guedes Soriano,

insurgem-se, todavia, face à divisibilidade acima proposta, contestando-a por

apregoar que

[...] conforme acentua Carlos Weis, não há uma sucessão de

direitos, erroneamente induzida pela idéia de gerações de direitos.

Destarte, essa classificação, segundo as gerações de direitos,

encontra-se, atualmente, superada pela doutrina, pois não

corresponde à realidade, à ordem em que surgiram tais direitos; e,

tampouco, os direitos mais recentes sucedem os mais antigos

(2002, p. 6).

O postar de renomados doutrinadores neste entendimento

justifica-se no fato de que o critério divisional dos direitos em gerações temporais

não logra êxito em explicar plena e satisfatoriamente o surgimento e evolução

deles, porquanto os limita a uma sucessão cronológica histórica que “sugere a

perda de relevância e até a substituição dos direitos das primeiras gerações”

(CANOTILHO, 2003, p. 386).

Sarlet, por sua vez, em que pese compartilhador do ideal de

desvincular a origem dos direitos fundamentais de características peculiares de

certas épocas, confere às gerações de direitos importante função, uma vez que

“marcam a evolução do processo de reconhecimento e afirmação dos direitos

fundamentais [e] revelam que estes constituem categoria materialmente aberta e

mutável” (2006, p. 62).

Prudente esclarecer, entretanto e em resguardo à

sistematização dos direitos fundamentais em dimensões históricas como a aqui

proposta, que os direitos constantes das gerações que emergiam – e, ressalta-se,

ainda emergem, porquanto não estagnadas no tempo – não substituem seus

antecedentes, de modo que são direitos que convivem entre si, consoante leciona

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Paulo Bonavides ao exprimir que “os direitos fundamentais passaram na ordem

institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem

dúvida um processo cumulativo quantitativo (BONAVIDES, 2007, p. 563).

E assim também professa Flávia Piovesan, ao aduzir que

“partindo-se do critério metodológico, que classifica os direitos

humanos em gerações, adota-se o entendimento de que uma

geração de direitos não substitui outra, mas com ela interage. Isto

e, afasta-se a idéia de sucessão ‘geracional’ de direitos, na

medida em que se acolhe a idéia de expansão, cumulação e

fortalecimento dos direitos humanos consagrados, todos

essencialmente complementares e em constante dinâmica de

interação” (apud BREGA FILHO, 2002, p. 26).

Salienta-se, deste modo, que as diferentes gerações que se

manifestavam ao longo dos anos pretendiam, aos olhos da realidade, não apenas

criar novos direitos, mas sim discernir nos já existentes novas perspectivas

funcionais. Diz-se, por esta razão, que inobstante a classificação que se lhes

atribui - se de primeira, segunda, ou inumerável geração -, e, ainda, em favor de

quem são eles destinados; verdade é que acima de quaisquer outros objetivos,

visam eles “sempre a proteção da vida, da liberdade, da igualdade e da dignidade

da pessoa humana” (SARLET, 2006, p. 64).

Vladimir Brega Filho, ao passo que reconhece a deficiência

e incompletude da teoria geracional de direitos, defende-a sob o argumento de

que

a classificação histórica dos direitos fundamentais demonstra

como foi difícil a conquista desses direitos. Os direitos

fundamentais foram e ainda são muito desrespeitados e talvez a

lembrança dessa história os valorize mais.

Por fim, conclui:

[...] embora critiquem a referência às gerações, todos os autores

brasileiros e estrangeiros fazem referência a esta classificação

histórica, numa demonstração inequívoca de sua importância.

[...]

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Assim, mesmo sendo razoáveis as críticas à expressão gerações,

não há porque não classificarmos os direitos fundamentais a partir

de seu aspecto histórico.

1.3.2 Gerações de Direitos

Doutrinária e consensualmente subdividos em três gerações

de direitos, derivam, os de primeira dimensão, do pensamento liberal-burguês do

século XVIII, e relacionam-se à esfera pessoal do indivíduo e à busca da

liberdade. São também denominados direitos de defesa e direitos públicos

(BREGA FILHO, 2002, p. 22), cujo propósito concentra-se na limitação do poder

estatal, e, por esta razão, vigoram quais direitos de oposição ao Estado

(BONAVIDES, 2007, p. 563).

Em memorável definição, Sarlet os apresenta

[...] como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a

uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos

poderes públicos, sendo, neste sentido, “direitos de resistência ou

oposição perante o Estado”. Assumem particular relevo no rol

destes direitos, especialmente pela sua notória inspiração

jusnaturalista, os direito à vida, à liberdade, à propriedade e à

igualdade perante a lei. São, posteriormente, complementados por

um leque de liberdades, incluindo as assim denominadas

liberdades de expressão coletiva [...] e pelos direitos de

participação política.

[...] Em suma, como relembra P. Bonavides, cuida-se dos assim

chamados direitos civis e políticos, que, em sua maioria,

corresponde à fase inicial do constitucionalismo ocidental, mas

que continuam a integrar os catálogos das Constituições no limiar

do terceiro milênio [...]. (SARLET, 2006, p. 56).

Bem se sabe, entretanto, que a mera previsão de direitos

fundamentais, ainda que acompanhada da constitucionalização destes, em nada

se mostraria eficaz se não fossem criados meios garantidores de seu exercício,

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necessidade esta ainda mais percebida frente aos abalos sociais e econômicos

que acompanhavam os movimentos impulsores do desenvolvimento industrial do

século XIX, donde emergiam lutas reivindicatórias pelo reconhecimento e

efetivação dos direitos do homem, criando-se, enfim, a “dimensão da igualdade”

(PEREIRA E SILVA, 2003, p. 21).

Eis aí o porquê, como bem apregoa parte da doutrina,

“foram definidos e assegurados os direitos sociais, econômicos e culturais”

(BREGA FILHO, 2002, p. 22) - ditos direitos fundamentais de segunda geração -,

a fim de se

garantir condições razoáveis a todos os homens para o exercícios

dos direitos individuais. Haveria uma complementação entre as

liberdades públicas e os direitos sociais, “pois estes últimos

buscavam assegurar as condições para o pleno exercício dos

primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno

uso das capacidades humanas” (BREGA FILHO, 2002, p. 23)

O ponto distintivo entre ambas as gerações de direitos

reside, basicamente, na dimensão positiva dos últimos, haja vista que ao passo

que os direitos de primeira geração clamam um não agir Estatal, para que não

interfira ele nas prerrogativas individuais de seus cidadãos, os de segunda

dimensão pugnam por uma ação positiva do Estado, para que outorgue ao

indivíduo direitos a prestações sociais (WOLKMER, 2003, p. 8) e à igualdade.

Em abordagem aos direitos de segunda geração,

distinguindo-os em relação aos de primeira, Sarlet alega não mais se tratarem “de

liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado”

(2006, p. 57).

Cumpre afirmar, contudo, errônea a tentativa de vincular à

segunda geração tão somente direitos de cunho positivo prestacional, porquanto

engloba ela ampla gama de direitos que transpassam a obrigação provisional do

Estado para com os seus. Somam-se a essa classe de direitos, neste sentido, as

ditas liberdades sociais, que conferem ao homem o reconhecimento de garantias

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fundamentais relacionados ao trabalho, como o direito à greve, sindicalização,

remuneração, limitação de jornada, dentre outros.

As duas primeiras dimensões de direitos, a despeito das

inúmeras e significativas diferenças que as acompanham, conservam em si

idêntica destinação, a saber: a pessoa individual humana, aspecto este que, não

obstante ponto unificador da primeira e segunda dimensão de direitos, as aparta

da terceira, reconhecida pelos direitos de solidariedade que transcendem a esfera

individual do homem, “destinando-se à proteção de grupos-humanos” (SARLET,

2006, p. 58).

São estes últimos, a bem da verdade, direitos

metaindividuais10, coletivos e difusos, destinados à proteção de grupos de

pessoas (famílias, povos e nações), em que pese também regularem relações

entre indivíduos e Estado (WOLKMER, 2003, p. 8).

Consoante Brega Filho, neles se incluem “o direito à paz, o

direito ao desenvolvimento, o direito ao meio ambiente equilibrado, o direito ao

patrimônio comum da humanidade e o direito à autodeterminação dos povos”

(2002, p. 23).

Propugna parte da doutrina, ainda, adentrarem à terceira

esfera de direitos os concernentes aos direitos do paciente, às manipulações

genéticas, à modificação de sexo, à garantia de morrer dignamente; tratativas

essas que, para outros, ocupam o rol de direitos de quarta dimensão, tal qual

defende Antônio Carlos Wolkmer, que nesta alicerça o principiar dos novos

direitos, “referentes a biotecnologia, à bioética e à regulação da engenharia

genética” que “têm vinculação direta com a vida humana” (2003, p. 12).

10 Caracterizados pela indeterminação do número de titulares dos interesses, os direitos

metaindividuais dividem-se em direitos difusos e coletivos. Os primeiros, “baseiam-se exclusivamente sobre dados de fato, genéricos e contingentes, acidentais e mutáveis, como habitar a mesma região, consumir iguais produtos, sujeitar-se a determinadas circunstâncias sócio-econômicas [...]. A indeterminação [...], aqui, é muito grande e, por isso, os interesses espalham-se por tudo um grupo social. [...] Enquanto em relação aos direitos difusos é difícil estabelecer a titularidade, no caso dos direitos coletivos tal determinação é mais fácil: é o caso dos interesses comuns no seio de entidades profissionais, de sindicatos [...]” (SAUWEN; HRYNIEWICZ, 2008, p. 66).

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É, pois, aos ditos novos direitos11 de quarta geração12, que

presta este estudo maior atenção, vez que abarcam, dentre tantas outras

temáticas, também os conflitos que despontam entre a medicina e o direito,

acerca das mais íntimas questões atreladas ao ser humano: a vida e a morte.

Ao passo que traz à baila discussões sobre o aborto, a troca

de sexo, a recusa de tratamentos médicos, dentre outros; a quarta geração de

direitos, pretendendo salvaguardar a dignidade da pessoa humana, tem por

amparo, hodiernamente, a Bioética, mecanismo interdisciplinar que visa “fazer

entender os valores éticos, na medida em que questiona o respeito à dignidade

humana, em meio ao progresso das ciências” (HRYNIEWICS; SAUWEN; 2008, p.8).

Propõem-se, à Bioética, temas como

a reprodução humana, a engenharia genética, a contracepção, os

transplantes, as cirurgias intra-uterinas, a eutanásia, o transplante

de órgãos, o transexualismo, o aborto, além de outros, como a

relação médico-paciente, a regulamentação sobre pesquisas com

seres humanos (HRYNIEWICS; SAUWEN; 2008, p.10-11).

Ocupa-se, portanto, com questões constantemente

debatidas no âmbito dos tribunais: desde celeumas sobre o princípio e o fim da

vida e pesquisas científicas com seres-humanos, como também questões

cotidiandas da prática médica afetas ao relacionamento entre médicos e

pacientes, que a despeito de aparentemente simplistas, ocultam em si acalorados

conflitos que põem sob ameaça os Direitos do Paciente, à cuja proteção destina-

se também a bioética e aos quais dedica este estudo maior consideração.

Dentre as relações entre médicos e pacientes, destaca-se,

por demasiadamente conflituosa, a insurgência de pacientes contra determinadas

11 É de se esclarecer, por oportuno, que a admissão de uma nova era de direitos - quarta geração -

no presente estudo não pretende degradar ou desprestigiar a fundamentalidade dos direitos, risco contra o que adverte Perez Luño (SARLET, 2006, p. 63). 12 Em que pese a não unanimidade doutrinária quanto à que classe de direitos – se terceira ou quarta geração - pertenceriam aqueles relativos à bioética, serão eles aqui abordados como direitos de quarta geração, haja vista sua direta vinculação à ética e à vida humana, conforme sugere Antônio Carlos Wolkmer (2003, p. 12).

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terapias, muitas vezes acompanha de opções por tratamentos diversos daquele a

ele ofertado.

Proposição em muito controvertida no âmbito dos tribunais,

o direito de opção do paciente carece minuciosa análise de princípios norteadores

da bioética, ainda não positivados, e que não obstante suscitada nos pólos de

discussões dos ditos novos direitos, imprescinde especialmente a consideração

de direitos fundamentais das primeiras gerações, a saber: a vida, a liberdade.

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CAPÍTULO 2

OS DIREITOS DO PACIENTE À LUZ DA BIOÉTICA

2.1 BIOÉTICA: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PERSPECTIVAS

As atrocidades há seis décadas praticadas por médicos

nazistas em experiências desumanas que marcaram o mal e desastroso uso da

Medicina e da biociência; as experiências realizadas por japoneses com seus

prisioneiros de guerra, e ainda outras barbáries, evidenciavam que arraigadas à

evolução médico-científica encontravam-se constantes violações aos direitos

fundamentais do homem.

Tais abusos alertavam a humanidade acerca da

necessidade de construção de parâmetros éticos que vinculassem o

desenvolvimento científico à proteção do homem, tal qual pretendia o Código de

Nuremberg13, considerado “o primeiro indicador de cunho universal da

necessidade de aliar a pesquisa cientifica ao respeito pelo ser humano”

(SAUWEN; HRYNIWICZ, 2008, p. 24).

Paralelamente, as reivindicações de pacientes que

buscavam o porquê dos procedimentos terapêuticos a que eram submetidos e

pugnavam por autonomia ao passo que se insurgiam contra o paternalismo

médico (BARRETTO, 2003, p. 398) proposto antes da Era Cristã por Hipócrates14

– que argumentava prescindível o consentimento do paciente acerca das

13 Documento divulgado em 19 de agosto de 1947, juntamente às sentenças dos médicos nazistas, estabeleceu diretrizes éticas a serem observadas em pesquisas com seres humanos. Revisto em 1964 pela Organização Mundial da Saúde, deu origem à Declaração de Helsinque, que incorporou diversos elementos daquele Código. 14 Considerado o Pai da Medicina, viveu entre 460-370 a.C e tornou-se muito conhecido por seu Juramento, que firmava o compromisso da Medicina com a Vida e permaneceu como “canônico” até a Idade Média, sendo ainda hoje referência para a ciência médica. (SGRECCIA, 1996, p. 36-37). Convém salientar que o juramento hipocrático, em que pese considerado por muitos a primeira formulação de um sistema normativo entre a prática médica e o respeito à vida humana (BARRETTO, 2003, p. 391), tinha ideais paternalistas por conferir ao médico amplos poderes em razão de seu conhecimento, desprezando o consentimento ou não do paciente.

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prescrições médicas em razão de agir o médico sempre para o bem -, traziam à

tona profundas mudanças nas relações médico-pacientes, e a necessidade de

conferir aos últimos direitos de participação na tomada de decisões sobre seu

próprio bem estar.

Tratavam-se, pois, de aspectos éticos, e, assim sendo, de

maior complexidade quando comparados aos problemas técnicos normalmente

existentes.

Surgia, neste ínterim, frente à “necessidade da reatualização

da ética da vida humana” (PEREIRA SILVA, 2003, p. 295), a bioética15,

considerada por Regina F. Sauwen e Severo Hryniewicz como um “elo entre a

ética e o direito” (2008, p. 37), passível de inúmeras definições, como as

propostas pelos mesmos juristas em alusão a renomados autores:

a) “Eu proponho o termo bioética como forma de enfatizar os dois

componentes mais importantes para se atingir uma nova

sabedoria, que é tão desesperadamente necessária:

conhecimento biológico e valores humanos” (Potter, Van

Rensselaer. Bioethics: bridge to the future, 1971).

b) Bioética é o estudo sistemático da conduta humana na área

das ciências da vida e a atenção à saúde, enquanto que esta

conduta é examinada a luz dos princípios e valores morais

(Reich, W. T. Encyclopedia of Bioethics, 1978).

c) [...]

d) “A Bioética é a pesquisa de soluções para os conflitos de

valores no mundo da intervenção biomédica (Durant, G. A

bioética: natureza, princípios, objetivos, 1995).

e) [...]

15 Não obstante seus ideais datarem à época de elaboração do Código de Nuremberg, o termo bioética foi utilizado pela primeira vez tão somente a partir de 1970, nas obras The science of survival e Bioethics: bridge to the future, escritas pelo oncólogo Van Rensselaer Potter (SGRECCIA, 1996, p. 23). O emprego do termo à época, contudo, tratava-se de uma abordagem ao respeito à pessoa humana numa perspectiva ecológica. Inobstante ser a ecologia também temática abrangida pela bioética, foi o sentido à ela atribuído por Andre Hellegers que a aproximou do ideal atual: a bioética como ética da vida, sobretudo a vida humana (SAUWEN; HRYNIEWICZ, 2008, p. 9).

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f) Bioética é a nova ciência ética que combina humildade,

responsabilidade e uma competência interdisciplinar,

intercultural e que potencializa o senso de humildade (Potter,

IV Congresso Mundial de Bioética, 1998) (2008, p. 10).

Ainda que relevantes as diversas concepções destinadas à

Bioética, pode ela ser definida sucintamente como

um estudo interdisciplinar16, ligado à ética, que investiga, na área

das ciências da vida e da saúde, a totalidade das condições

necessárias a uma administração responsável da vida humana em

geral e da pessoa humana em particular (SAUWEN;

HRYNIEWICZ, 2008, p. 13).

A multidisciplinaridade que alcança denota, por óbvio, seu

amplo campo de atuação, dentro do qual Adela Cortina destaca:

Si quisiérmos exponer um elenco de las reinvindicaciones que

diferentes grupos han presentado [...], tendríamos que mencionar,

al menos, las siguientes:

1) En el âmbito de la ecologia, los derechos de las futuras

generaciones a nascer em um médio ambiente mejor [...];

2) En el campo de la ingeniería genética [...];

3) En lo que respecto a las técnicas de reproducición asistida [...];

4) [...] en relación com el aborti, la eutanásia, el suicidio [...];

5) [...] derecho el de recibir órganos mediante transplante, que

sustituyan a los dañados, cuando com ello es posible salvar la

vida;

6) [...] en la relación personal sanitário-paciente es ya

mundialmente aceptado el derecho del paciente a ser

informado de cualquier tipo de experimentación que con él se

quiera practicar, de cualquier tratamiento que suponga

sérios riesgos para la vida o para la calidad da misma, y

por supuesto a no ser interenido si no es tras haber dado

16

Justifica-se tamanha interdisciplinaridade por tratar-se de campo de estudo diretamente ligado à inúmeras e distintas ciências, como a teologia, a sociologia, a filosofia, a medicina, a biologia, ao direito [...], dos quais imprescinde amplo diálogo e conexão (SAUWEN; HRYNIEWICZ, 2008, p. 12).

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su consentimiento por escrito o ante testigos. El

consentimiento informado es uma de las vertientes

médicas del principio de autonomia;

7) [...] [paciente] puede <<tener derecho>> a la verdad em caso

de enfermedad irreversible;

8) [...] el possible derecho a recibir cuidados em caso de

enfermedad irreversible cuando, no siendo posible la curación,

si lo es cuidado y la mitigación del dolor. (1994, p. 436, [Grifou-

se.])17.

São, pois, questões que transpõem laboratórios científicos e

centros médicos e enfatizam a necessidade de que a ciência – em quaisquer de

suas vertentes -, respeite ao homem, protegendo-o da reificação promovida pelo

insaciável progresso do saber humano e pela desumanização da prática médica.

Nesta perspectiva, advertem Regina F. Sauwen e Severo

Hryniewicz que

[...] respeitar a pessoa humana implica também combater toda

prática que a diminua. A pessoa humana, em sua totalidade, é

muito mais que um simples corpo [...].

A pessoa é também um mundo de valores e de relações: é um fim

em si mesma, um centro de liberdade e complexidade que é

único, indivisível e não intercambiável. Por isso a pessoa aqui

possui dignidade (2008, p. 60).

Bem se sabe, contudo, que a reflexão ética da vida

pretendida pela Bioética depara-se, em não raras vezes, com lacunas legislativas

17 Em tradução livre da autora: “Se quisermos expor uma relação das reivindicações que diferentes grupos têm apresentado, teríamos que mencionar, pelo menos, as seguintes: 1) No âmbito da ecologia, o direito das futuras gerações a nascer num ambiente melhor [...]; 2) No campo da engenharia genética [...]; 3)No que diz respeito às técnicas de reprodução assistida [...]; 4)[...] em relação ao aborto, à eutanásia, ao suicídio [...]; 5) [...] o direito de receber órgãos mediante transplante, que substituam os danificados, quando for possível salvar a vida; 6) [...] na relação pessoal médico-paciente já é mundialmente aceitado o direito do paciente de ser informado de qualquer tipo de experiência se que queira praticar com ele e de qualquer tratamento que represente sérios riscos à vida ou à qualidade da mesma, e, certamente, a não ser operado se não houver dado seu consentimento por escrito ou na presença de testemunhas. O consentimento informado é uma das vertentes médicas do princípio da autonomia.; 7) [...] [o paciente] pode ter direito à verdade em caso de doença irreversível; 8) [...] o possível direito de receber atendimento em caso de doença irreversível quando, não sendo possível a cura, for tratável o alívio da dor”.

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tanto em relação aos fatos novos oriundos da revolução biomédica, como à

discussões clínicas cotidianas tais quais a relação médico-paciente e os direitos e

deveres de ambas as classes, cujas tratativas limitam-se, muitas vezes, aos

Códigos Deontológicos (de ética profissional).

Eis o porquê da importância do principiar do Biodireito, que

dentre os direitos de quarta geração (COAN, 2001, p. 248) se caracteriza pelo

encontro da bioética com as ciências jurídicas (PIÑEIRO; SOARES, 2002, p. 7), e

é por Reinaldo Pereira e Silva definido como “a compreensão do fenômeno

jurídico enquanto conhecimento prático visceralmente empenhado na promoção

da vida humana” (2003, p. 31), tendo por escopo pensar tanto nas normas quanto

nos critérios de decisão acerca dos conflitos advindos da vasta reflexão bioética,

conservando, sempre, o valor da vida e da dignidade da pessoa.

Elida Séguin, relacionando bioética e biodireito, explica o

nascer do último no exato momento em que a primeira, transpondo aos meros

ideais de valores sob revestimento principiológico, passa a ser positivada (2005,

p. 35).

Ao explanar acerca da imprescindibilidade de criação de

uma nova área nas ciências jurídicas, Ivo Dantas ressalta o ensinamento de

Roque Junges, para quem a eficácia da Bioética sobre a vida humana encontra-

se atrelada à construção de um Biodireito, ainda que a formulação de leis

envoltas aos conflitos com os quais se ocupa aquela seja de alta complexidade

(on line, p. 20).

Justifica, o jurista, a deficiência legal, “na própria dificuldade

de definir vida, dignidade humana, pessoa humana que são questões

metajurídicas de opção antropológica e ética”, razão pela qual as ordenações da

bioética e do biodireito restringem-se, basicamente, em “grandes declarações

internacionais sobre os direitos humanos” que, não obstante importantes, “são

vagas e podem apenas servir de fundamentação ética, não tendo força legal”.

Alega, por fim, que “a bioética necessita de formulações jurídicas mais claras e

concretas” (on line, p. 20).

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Salienta-se, no entanto, que a carência legislativa que

permeia a bioética não a aparta de alcançar o alvo ao qual se propõe:

salvaguardar a dignidade da pessoa humana frente às inúmeras situações

conflituosas que advém tanto do avançar científico quanto das relações médicos-

pacientes, que vez por outra intimidam os direitos dos enfermos.

É, todavia, à relação médico-paciente e às altercações que

dela exsurgem que propõe este estudo maior atenção, mormente às situações em

que a classe médica depara-se com a recusa do enfermo em sujeitar-se a

determinada terapia prescrita.

Aparentemente pouco significativas quando comparadas às

grandes polêmicas afetas à bioética, as reivindicações de pacientes em serem

informados e consentir (ou não) com o tratamento médico ofertado é hoje alvo de

inúmeros estudos no campo da bioética, haja vista que ao tempo que para alguns

a desconsideração da vontade do paciente – prática constante nos centros

clínicos -, implicaria direta violação da autonomia que lhes é de direito e,

conseqüentemente, em seu direito fundamental à liberdade, para outros, trata-se

de mera formalidade dispensável, por ser dever médico a proteção da vida

humana, como há muito já juramentado por Hipócrates.

Faz-se mister, contudo, aquilatar se o posicionamento

contrário de pacientes frente a certas terapias médicas lhes seria, ou não,

efetivamente de direito.

O deslinde da questão há de ser precedido de breve reflexão

sobre os direitos do paciente e a garantia dos mesmos por intermédio da Bioética

e o Biodireito.

2.1.1 Os Direitos do Paciente

Suscitados entrementes o lançar da Declaração dos Direitos

Humanos de 1948 – precursora de inúmeros outros movimentos tais como os em

prol do reconhecimento de direitos dos deficientes físicos e mentais, pacientes

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psiquiátricos, idosos, dentre outros grupos relacionadas à área da saúde -, os

direitos do paciente surgiram quando “indivíduos, familiares e comunidade

começaram a se questionar quanto ao seu papel como pacientes” (GAUDERER,

1998, p. 69).

Contrário ao que ocorrido em terras norte americanas, raiz

da temática, as reivindicações dos direitos do paciente foram aventadas no Brasil

por iniciativa da classe médica quando da edição da Proposta do Grupo de

Brasília, definida por Gauderer como possivelmente “a mais completa e

abrangente proposta quanto aos direitos do paciente, servindo de base para o

Novo Código de Ética Médica” (1998, p. 69), posteriormente votado e aprovado

em novembro de 1987, no I Congresso Nacional de Ética Médica.

Em consonância à redemocratização nacional da época, o

singelo surgir dos direitos dos cidadãos frente à medicina visava à construção,

entre médicos e pacientes, de uma “relação de igualdade, autonomia, liberdade,

[e], conseqüentemente, de prazer” (GAUDERER, 1998, p. 71), garantindo aos

últimos não só o direito ao atendimento, mas a efetividade de seus direitos

fundamentais na afirmação de sua dignidade.

A incessante luta pela substituição da forma paternalista que

imperava nas relações médico-paciente por um método transparente e

responsável trouxe à tona os direitos dos enfermos no acompanhamento de sua

enfermidade e nas tomadas de decisões relativas a seu corpo.

Gauderer, ao declarar os direitos do paciente, incluiu dentre

os mesmos

o direito a um prontuário, ficha ou registro médico e o acesso a

todas as informações que digam respeito nossa saúde, que

devem ser redigidas em linguagem que possamos compreender,

além de receita em letra legível; à cópia do nosso material médico,

inclusive exames laboratoriais; [...] gravar ou filmar uma

consulta; [...] a ouvir outras opiniões profissionais e também

solicitar uma conferência médica; [...]a uma morte digna, ou

seja, escolher como e onde morrer; [...] a recusar certos

tratamentos, medicamentos, intervenções cirúrgicas ou

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internações; [...] de visitar nosso filho ou cônjuge quando

pudermos; [....] o direito de ter um acompanhante durante um

exame ou hospitalização [...] (GAUDERER, 1998, p. 22-23,

[Grifos no original.]).

Ocorre que, inobstante enunciada qual direito, a eventual

recusa do paciente frente a determinado tratamento - desde a simples ingestão

medicativa à intervenções cirúrgicas ou internações -, tal qual proposto por

Gauderer, continua a sofrer constantes objeções no âmbito médico e judicial.

Trata-se, pois, de causa demasiadamente delicada, porque

atinente ao (des)respeito à vontade do paciente, e, assim sendo, com diretos

reflexos em sua dignidade – ponto focal a que convergem a Bioética e o Direitos

Fundamentais como um todo, uma vez que de nada valeria a vida e os demais

direitos que delam emanam, se isenta de dignidade.

Por esta razão se faz prudente a análise de princípios que

permeiam a Bioética e o Biodireito, e promovem, dentro do possível, soluções

pacíficas aos conflitos havidos entre médicos e pacientes no respeitante à vida, à

ética, e à dignificação do homem.

2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA BIOÉTICA

Atrozes e escandalosos casos de pesquisas desumanas

ocorridos entrementes as décadas de sessenta e sessenta nos Estados Unidos

impeliram o governo norte-americano a constituir, em 1974, a Comissão Nacional

para a Proteção dos Seres Humanos na Pesquisa Biomédica e Comportamental,

cuja atribuição cingia-se à instituição de parâmetros éticos que norteassem

experimentações com seres humanos.

Passados quatro anos, publicou-se, por fim, o Relatório de

Belmonte, edificado sobre três - não taxativos - princípios fundamentais:

autonomia, beneficência e justiça, que se aplicariam tão somente “às questões

éticas suscitadas pela pesquisa com seres humanos” (PESSINI;

BARCHIFONAINE, 2005, p. 58).

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Ampliando a aplicabilidade do sistema de princípios

estabelecido, Beauchamp e Childress, em 1978, mediante a obra Principles of

Biomedical Ethics, empregaram-nos também ao campo da prática clínica

assistencial, acrescentando à tríade ainda outro norteador: o princípio da não-

maleficência.

Ainda que não constituidores de um complexo de ética

normativa, impossibilidade clara que advém do caráter não impositivo que lhes é

característico, o sistema principiológico da bioética orienta médicos e pacientes

ao exercício de uma relação sob mútuo respeito, de modo que se mostram

extraordinariamente eficazes na dissipação de conflitos, como por exemplo,

aqueles que se instauram quando pacientes recusam tratamento médico.

Os direitos de recusa do paciente pugnam, no entanto,

minucioso e individual estudo dos princípios bioéticos, tal qual o disposto a seguir.

2.2.1 Princípio da autonomia

O direito do paciente em optar, aceitar e, inclusive, não

acatar prescrição médica que impute inconveniente tem por base, frente à

bioética e ao biodireito, o princípio da autonomia, que, arraigado ao ideal de

respeito à pessoa, refere-se ao direito individual de autodeterminação do

paciente, que o exerce na constância de seus valores morais, sendo, portanto,

corolário do direito fundamental à liberdade.

É por Marco Segre definido como

[...] a capacidade de auto-governo, uma qualidade inerente a

seres racionais que lhes permite escolher e atuar de forma

pensada, partindo de uma apreciação pessoal das futuras

possibilidades, avaliadas em função de seus próprios sistemas de

valores. “Sob este ponto de vista, a autonomia é uma qualidade

que emana da capacidade dos seres humanos de pensar, sentir e

emitir juízos sobre o que considera bom” (1991, p. 1).

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Prudente mencionar, contudo, que o mero reconhecimento

de um ser humano como autônomo não significa assegurar-lhe o direito de agir

em conformidade a seus padrões morais, fim unicamente atingível quando, mais

que simplesmente reconhecida, sua autonomia for respeitada, como bem

sustentam Tom L. Beauchamp e James Childress:

Ser autônomo não é a mesma coisa que ser respeitado como um

agente autônomo. Respeitar um agente autônomo é, no mínimo,

reconhecer o direito dessa pessoa de ter suas opiniões, fazer

suas escolhas e agir com base em valores e crenças pessoais.

Esse respeito envolve ação respeitosa, e não meramente uma

atitude respeitosa. [...] Nessa concepção, o respeito pela

autonomia implica tratar as pessoas de forma a capacitá-las a

agir autonomamente, enquanto o desrespeito envolve atitudes e

ações que ignoram, insultam ou degradam a autonomia dos

outros e, portanto, negam uma igualdade mínima entre as

pessoas (2002, p. 142-143).

O respeito à autonomia do paciente mostra-se

especialmente necessário quando em situações conflituosas, tal qual a negativa

do doente em submeter-se a determinada prescrição médica. Isto porque não

obstante faça o enfermo constar sua recusa, ao fim e em razão de sua

hipossuficiência, é ao profissional da saúde que caberá a proteção, ou não, da

vontade manifestada, que só será honrada pelo médico – ainda que dela não

compartilhe -, se, juntamente ao reconhecimento da autonomia, demonstrar

profundo respeito por ela, não impedindo, tampouco desconsiderando, a tomada

de decisão do paciente.

E deste modo lecionam Diana Serrano LaVertu e Ana María

Linares:

[...] una cosa es ser autónomo como persona y outra ser respetado

como tal. Muchos de los problemas éticos que surgen en la

práctica tienen por origen una falta de respecto por esa autonomía,

ya sea porque no se obtiene el consentimiento libre y con

conocimiento de causa, porque se produce una intromición

indebida en la vida del sujeto o porque se viola el carácter privado

de la información médica relativa a este. Respetar la autonomia de

un individuo es reconecer sus capacidades y perspectivas,

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incluindo su derecho a tener determinadas ideas y a tomar

determinadas decisiones. Es, además, no obstaculizar sus

acciones y decisiones, a menos que atenten claramente contra

otras personas (1990, p. 110 [Grifou-se.])18.

Complementa José Roberto Goldim:

Uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de deliberar sobre

seus objetivos pessoais e de agir na direção desta deliberação.

Respeitar a autonomia é valorizar a consideração sobre as

opiniões e escolhas, evitando, da mesma forma, a obstrução de

suas ações, a menos que elas sejam claramente prejudiciais para

outras pessoas. Demonstrar falta de respeito para com um agente

autônomo é desconsiderar seus julgamentos, negar ao indivíduo a

liberdade de agir com base em seus julgamentos, ou omitir

informações necessárias para que possa ser feito um julgamento,

quando não há razões convincentes para fazer isto (on line, 2004).

Ao destacar o porquê de respeitar uma decisão autônoma

dos enfermos, Paulo Antonio de Carvalho Fortes argumenta que “o corpo, a dor, o

sofrimento, a doença, são da própria pessoa e que violar a autonomia significa

tratar as pessoas como meio e não como fim em si mesmas” (1998, p. 40),

infligindo-as além do mal físico, o sofrimento moral da incapacidade e do

desrespeito.

O respeito à autonomia do paciente significa, num primeiro

momento, que a administração de qualquer procedimento [médico] sobre ele deva

vir, impreterivelmente, precedida da solicitação de seu consentimento – ou não

consentimento –, o qual, ainda que divergente da orientação médica, deve ser

acatado e mantido incólume de quaisquer possíveis coações, dentre as quais o

paternalismo médico.

18 Na tradução livre da autora: “uma coisa é ser autônomo como pessoa, outra é ser respeitado como tal. Muitos dos problemas éticos que surgem na prática têm por origem uma falta de respeito por essa autonomia, seja porque não se obtém o consentimento livre e com conhecimento de causa, seja porque se produz uma intromissão indevida na vida da pessoa, ou porque se viola o caráter privado da informação médica relativa ao mesmo. Respeitar a autonomia do indivíduo PE reconhecer suas capacidades e perspectivas, incluindo seu direito a ter determinadas ideais e tomar determinadas decisões. É, além disso, não obstaculizar suas ações e decisões, a menos que atentem claramente contra outras pessoas.

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Há de se destacar, por oportuno, não se tratar de autonomia

desmedida e inconseqüente. Ela tem por pressuposto de validade que o

consentimento (ou não consentimento) ofertado pelo paciente seja antecedido de

ampla informação acerca da terapêutica, que o habilite tecnicamente a exarar sua

decisão ciente das conseqüências que dela advirão.

Trata-se, pois, de requisito indissociável da autonomia, que

só poderá ser exercida e, porventura, validamente respeitada, quando

acompanhada de esclarecimento suficiente a orientar o paciente na tomada de

decisões.

Tem-se, portanto, o conhecido por (não)consentimento

esclarecido, entendido como o direito do paciente decidir

após ter recebido a informação do médico e ter esclarecidas as

perspectivas da terapia [...]. Estas informações devem ser prévias,

completas e em linguagem acessível, ou seja, em termos que

sejam compreensíveis para o paciente, sobre o tratamento, a

terapia empregada, os resultados esperados, o risco e o

sofrimento a que possa se submeter o paciente [...] (BORGES,

2001, p. 294)

Ressalta-se, ainda, o entendimento de Silvio Romero Beltrão,

que associando à autonomia o dever de prestar esclarecimento, leciona:

O propósito da obrigação de prestar informações e esclarecer o

paciente é dotá-lo de autonomia para poder tomar decisões com

relação aos assuntos de saúde e seu tratamento de forma

consciente. Assim, para que o consentimento e a recusa sejam

válidos, ele deve ser baseado na compreensão da situação que se

apresenta e deve ser voluntário, pois esse direito está baseado no

princípio do respeito à autonomia (2005, p. 115).

Os ideais de autonomia são hoje fortificados por

significativas Declarações Internacionais, que, contribuindo para uma melhor e

aperfeiçoada prática médica, instam não só a grupos de pesquisas, mas também

à classe médica assistencial, a necessidade de se auferir o consentimento do

paciente, que inobstante fisicamente enfermo, mantém-se qual titular de seu

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direito de manifestar seus mais íntimos valores e sentimentos éticos e neles

basear a gerência de sua existência (SÁ, 1999, p. 203).

Sob este pensar, a Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura – UNESCO (2005, online), ao regular questões

éticas suscitadas pela Medicina, aclamou frente à comunidade internacional a

Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, que, dentre outros

objetivos, visa “contribuir para o respeito pela dignidade humana e proteger os

direitos humanos, garantindo respeito pela vida dos seres humanos e as

liberdades fundamentais [...]” (artigo 2º, alínea c).

Prosseguindo, ao fixar princípios a serem respeitados

quando da adoção de quaisquer práticas relativas ao paciente, consolidou:

Artigo 5º. Autonomia e responsabilidade individual:

A autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões,

desde que assumam a respectiva responsabilidade e respeitem a

autonomia dos outros, deve ser respeitada. No caso de pessoas

incapazes de exercer a sua autonomia, devem ser tomadas

medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses.

A possibilidade de insurgência a tratamentos médicos,

atendida a exigência de que o (não)consentimento esteja fundado em adequado

esclarecimento, é também destaque da Carta dos Direitos dos Usuários da

Saúde, editada pelo Ministério da Saúde:

O QUARTO PRINCÍPIO assegura ao cidadão o atendimento que

respeite os valores e direitos do paciente, visando a preservar sua

cidadania durante o tratamento.

O respeito à cidadania no Sistema de Saúde deve ainda observar

os seguintes direitos:

[...]

V. Consentimento ou recusa de forma livre, voluntária e

esclarecida, depois de adequada informação, a quaisquer

procedimentos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos, salvo se

isso acarretar risco à saúde pública. O consentimento ou a recusa

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dados anteriormente poderão ser revogados a qualquer instante,

por decisão livre e esclarecida, sem que lhe sejam imputadas

sanções morais, administrativas ou legais.

Verifica-se, em primeira conclusão, que uma vez maior,

capaz, em estado de lucidez e ciente dos malefícios e benefícios conseqüentes

da terapia proposta, caberá unicamente ao enfermo decidir se irá submeter-se ao

tratamento, ou, se já iniciado o procedimento, se continuará com ele (BORGES,

2001, p. 294), inexistindo qualquer legitimidade de médicos, parentes e inclusive

do Poder Judiciário para questionar-lhe sua volição.

Contudo, a regra da obrigatoriedade de se buscar o

consentimento do paciente, projeção da autonomia que lhe pertence, mostra-se

em determinadas situações de impossível alcance. É o caso de quando ele, ao

adentrar à unidade médica, se apresenta em estado de inconsciência, sem

condições de se manifestar.

A incapacidade temporária do paciente que em estado

inconsciente não se mostra apto à tomada de decisão gera imensa contrariedade

no âmbito médico e jurídico, pois, ao passo que parcela da doutrina defende que

neste caso estaria isento o médico de tomar qualquer consentimento, e, portanto,

autorizado a proceder à intervenção terapêutica – justificativa fundada na não

configuração de constrangimento ilegal, consoante artigo 146, §1º, I, do Código

Penal; outra parcela alega que, sob estas circunstâncias, prudente seria que “um

substituto legal escolhe[sse] o que o paciente elegeria se fosse competente e

estivesse a par das opções médicas, de sua situação clínica real e, inclusive, que

estaria incompetente” (KIPPER apud DEL CLARO; ANDRADE, 1999, p. 20).

Acerca da celeuma, Genival Veloso de França sustenta que

“se o paciente não pode falar por si ou é incapaz de entender o ato que se

pretende executar, estará o médico na obrigação de conseguir o consentimento

de seus representantes legais” (2000, p. 77).

É, contudo, em muito temerária a escolha de procurador que

responda em sua completude pela volição do enfermo, pelo simples fato de que

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às vezes ele pode não representar os melhores interesses do inconsciente,

manifestando vontade diversa da que este faria se em sã consciência se

encontrasse.

Visando abrandar possíveis discordâncias neste sentido,

Marco Segre defende prudente a portabilidade, por parte do doente, de

documento que ateste o (não)consentimento prévio do indivíduo, circunstância em

que, mesmo momentaneamente incapacitado de manifestar-se, teria o enfermo

direito de preservar sua vontade.

Leciona referido autor:

Mesmo em caso de choque, coma, ou outro impedimento à

expressão da vontade do paciente, desde que esta (vontade)

tenha sido anteriormente documentada, somos da opinião de que

o médico não deve afrontá-la ainda que o Código de Ética Médica

vigente lhe propicie a faculdade de intervir, em situações de

iminente perigo de vida (1991, p. 2).

É também o que propõem Tom L. Beauchamp e James

Childress:

Num procedimento cada vez mais popular, fundamentado mais na

autonomia que na não-maleficência, uma pessoa, enquanto

capaz, escreve instruções para os profissionais de saúde ou

escolhe um responsável para tomar decisões sobre tratamentos

de suporte de vida durante períodos de incapacidade. As suas

ações são exercícios apropriados de autonomia. (2002, p. 269-

270).

Têm-se, sob tal perspectiva, duas alternativas para que o

paciente resguarde ao máximo a expressão de sua vontade, especialmente para

quando atingido por temporária incapacidade: os chamados living wills, diretrizes

específicas sobre alguns tratamentos médicos que devem ser ministrados ou

omitidos frente a determinadas situações; e, também, as durable power of

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attorney – DPA, procurações duráveis19 em que o paciente elege um procurador

legal de sua confiança, que estará legitimado à tomada de decisões.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em pronunciamento

acerca da validade de manifestação volitiva prévia do paciente, sustenta que

todo ser humano tem o direito fundamental de aceitar ou não um

tratamento ou ato médico. É o que longamente já se demonstrou.

Essa manifestação de vontade pode ter lugar no momento em

que o ato ou tratamento lhe é receitado, ou previamente por meio

de documento que preencha os requisitos da lei civil para a

validade dos atos jurídicos em geral [...] (1994, p. 27).

Não se olvida que a existência de diretrizes antecipadas por

parte do enfermo nem sempre se mostra satisfatória, tanto mais quando

genericamente preenchidas ou não constantemente atualizadas, razões pela

quais não raramente têm seu conteúdo questionado. Todavia, ainda mostram-se

a mais segura via de aproximação do que pretenderia o paciente se consciente

estivesse, motivo suficiente para que, se existentes, sejam observadas o mais

estritamente possível.

Inexistindo, porém, diretrizes antecipadas, faz-se mister a

nomeação de decisor substituto, pessoa preferencialmente íntima do enfermo e

que, dentre outras qualidades, seja hábil a julgamentos sensatos; possua

esclarecimentos suficientes sobre a saúde do incapaz, bem como a respeito das

terapêuticas de provável cabimento; encontre-se emocionalmente estável e,

acima de quaisquer outras prerrogativas, que caminhe em defesa dos melhores

interesses do paciente.

É nesta última categoria de exigibilidade que reside,

indubitavelmente, a maior discordância quanto a quem estaria legitimado a

resguardar os interesses do incapaz. Isto porque, ainda que dentre a classe de

decisores substitutos Tom Beauchamp e J. Childress enunciem familiares,

médicos, comitês institucionais e tribunais (2002, p. 273), bem se sabe estarem

19

Assim denominadas porque, “diferentemente do poder usual conferido ao procurador, neste caso ele continua em vigor caso o signatários do documento se torne incapaz” (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002, p. 270).

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os três últimos apartados das reais convicções de foro íntimo do incapaz, de

modo que a destreza da decisão exarada estaria adstrita unicamente aos

aspectos técnicos e físicos da questão, que, não obstante de suma importância,

não se mostram únicos a expressar quais os reais interesses do enfermo,

tampouco necessariamente guardariam relação à resolução que teria ele

preferido.

Quanto ao dito, Maria Theresa de Medeiros Pacheco, em

comentários a caso clínico encaminhado pelo Conselho Federal de Medicina à

seção para análise, defende que

as decisões de tratamento de saúde envolvem muito mais do que

preocupações meramente médicas. Quanto a decisões sobre o

que deve ser feito com referência ao corpo de uma pessoa, é o

paciente, e não a opinião pública, a classe médica, ou algum juiz,

que deve tomar a decisão altamente subjetiva, baseada em

valores morais, sobre qual a forma de tratamento "melhor" ou

"certa". Ao tomar decisões sobre tratamentos de saúde, não deve

haver dúvida de que são os valores do paciente que devem

determinar quais os riscos e benefícios que valem a pena ser

tomados (on line).

Infere-se, pois, que os valores morais do paciente que o

conduziriam à manifestação volitiva se cônscio estivesse, devem igualmente

pautar a decisória adotada por quem o substitui, o que será de mais fácil alcance

quando este for pessoa próxima do enfermo, hábil em discernir e exprimir os

mais íntimos valores dele.

Não se pode esquecer que o “direito básico à autonomia

sobre o próprio corpo não se evapora com a perda da consciência do paciente”,

de modo que não perde ele, sob tais circunstâncias, o direito de “determinar o

curso de seu tratamento médico, conforme seus valores e objetivos [...] se

previamente indicou, na posse de suas faculdades mentais, o tratamento

desejado”, ou se há dentre os prováveis decisores substitutos, pessoa cujas

escolhas transpareçam o desejo do enfermo (DEL CLARO; ANDRADE, 1999, p.

18-19).

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O princípio da autonomia e a imprescindibilidade de

obtenção do consentimento do paciente têm por amparo frente à legislação pátria

o disposto no artigo 15, do Código Civil de 2002, que prevê:

Artigo 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com

risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Verifica-se, portanto, ser de pleno direito do enfermo opor-se

a qualquer procedimento médico, especialmente quando, junto aos possíveis

benefícios, possa a intervenção causar-lhe prejuízo.

Também em aproximação ao reconhecimento da autonomia

do paciente, o atual Código de Ética Médica, ao longo de seus 145 artigos, deixa

assente o dever de respeito à individualidade do paciente.

Contudo e a despeito do ideal autonomista, apresenta em

alguns de seus dispositivos concessões em que o médico, ao deparar-se com

caso em que o paciente esteja em iminente risco de vida, poderá submetê-lo às

terapias que julgue necessárias à salvação, sendo prescindível, in casu, a

obtenção de consentimento do enfermo.

São, a exemplo, ditames do Código de Ética Médica:

É vedado ao médico:

Artigo 46. Efetuar qualquer procedimento médico sem o

esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu

responsável legal, salvo em iminente perigo de vida;

[...]

Artigo 56. Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente

sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo

em iminente perigo de vida [Grifou-se.].

Trata-se de momento, nas palavras de Paulo Antonio de

Carvalho Fortes, em que “contrapondo-se à autonomia do indivíduo, os

profissionais da saúde são guiados pelos princípios éticos da beneficência e da

não-maleficência” (2000, p. 43), a seguir definidos.

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2.2.2 Princípios da Beneficência e Não-maleficência

Alicerces ao exercício da Medicina, o princípio da

beneficência impõe à classe médica o dever de agir em favor do bem-estar e

benefício do paciente, ao passo que a não-maleficência “é o princípio segundo o

qual não devemos infligir mal ou dano a outros” (BEAUCHAMP, 2002, p. 45).

É sob tais perspectivas que se justifica, à luz do Código de

Ética Médica, a intervenção terapêutica ainda que sem autorização do paciente,

quando sob iminente risco de vida estiver ele, nos termos dos já citados artigos 46

e 56 do Código de Ética Médica e, ainda, do artigo 146, §1º, I do Código Penal.

Há, todavia, ponderações a serem tecidas, sobretudo no

respeitante à legalidade das supracitadas disposições dentológicas.

Em análise minuciosa às concessões aduzidas pelo Código

de Ética Médica, especialmente àquela constante em seu artigo 46, Marco Segre

sustenta que elas “não deve[m] ser interpretada[s] como recomendação ao

médico para que intervenha sobre o paciente, contrariamente à sua vontade,

conforme muitos profissionais querem crer” (1991, p. 2).

Trata-se, a bem da verdade, de abertura do código médico a

ser interpretada restritiva e sensatamente. E assim se afirma, pois, não obstante

permitido esteja o profissional da saúde a proceder ao tratamento sem perquirir o

consentimento do enfermo, não está ele autorizado a contrariar a vontade do

paciente se este, mesmo não indagado, porém consciente, manifesta-se

contrariamente à terapia, momento em que não mais se configura o dito

consentimento presumido20.

Igualmente desconfigurada estaria a presunção de

consentimento se o enfermo, ainda que inconsciente e sob estado emergencial de

perigo de vida, tivesse procedido à feitura de documento de diretrizes antecipadas

20 Aquele pelo qual “supõe-se que a pessoa, se estivesse de posse de sua real autonomia e

capacidade, se manifestaria favorável às tentativas de resolver causas e/ou conseqüências de suas condições de saúde” (FORTES, 1998, p. 54).

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enquanto consciente, no qual exarasse, prévia e validamente, sua volição, que,

sob estas circunstâncias, deverá ser respeitada.

Vai além Celso Ribeiro Bastos quando, em comentários aos

artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica que sobrepõem aos direitos do

paciente as obrigações médicas, sustenta que

a interpretação conferida comumente aos casos de risco de vida

está equivocada e fere [...] os princípios constitucionais básicos.

Não há amparo legal ou constitucional para impor-se a alguém

(capaz e consciente) determinado tratamento médico (2000, p.

29).

Idêntico entendimento é o esboçado por Manoel Gonçalves

Ferreira Filho:

É verdade que o art. 46 parece permitir ao médico desobedecer à

vontade do paciente ou de seu representante legal, quando

ocorrer “perigo de vida”.

[...]

Assim, numa interpretação literal, havendo perigo de vida –

apreciação subjetiva do médico -, este poderia fazer com o

paciente e para o paciente o que bem lhe parecesse. O que

equivaleria a dizer que, em face do perigo de vida, o paciente

perde o direito fundamentai à liberdade [...] para se tornar um

escravo do médico.

Evidentemente, essa interpretação literal é absurda. E

juridicamente é inconstitucional o preceito que enuncia, na medida

em que contraria os direitos fundamentais consagrados na Carta

de 1988 no art. 5.º [...]. Portanto, é ele nulo e de nenhum valor.

(1994, p. 25-26, [Grifos no original.]).

Ressalta-se, pois, que ainda que sob real iminente perigo de

vida estivesse o paciente, tal situação não se mostraria suficiente a apartá-lo do

exercício de sua autonomia, uma vez que “estar doente não é obrigatoriamente

sinônimo de ser incapaz”, de modo que “não tem o médico, em nome da

obediência ao tratamento, o direito de tirar do doente sua autonomia de vontade”

(SÁ, 1999, p. 95-96).

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Corrobora, a título exemplificativo, a Lei n. 9.434 de 1997,

que ao regular a utilização de órgãos e partes do corpo humano para fins de

transplantes, determinou indispensável a aquiescência do receptor para

realização do procedimento (artigo 10º), não preterindo o consentir do paciente

ainda que sob risco estivesse sua vida, situação bastaste usual quando em

questão órgãos de incomparável vitalidade. Vê-se, sob este dispositivo,

verdadeira deferência à autonomia do enfermo, pois lhe confere o direito de

decisão estando sob risco de vida ou não.

Ora, não bastasse a ilegalidade constante dos artigos 46 e

56 do Código Médico Deontológico preconizada por Celso Ribeiro Bastos e

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, há ainda outros motivos que demonstram o

porquê da excessiva temeridade de se autorizar intervenções médicas

desacompanhadas de consentimento do enfermo.

Em não raras vezes, a dispensa de consentimento em razão

da circunstância de risco a que provavelmente encontra-se o paciente – análise

subjetiva do profissional de saúde, como bem destacado por Manoel Gonçalves

Ferreira Filho – visa à manutenção da conduta paternalista introduzida por

Hipócrates.

Isto porque a abertura de precedente tal quais os constantes

nos artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica permitem que a alegação de

“iminente perigo de vida” – ainda que constitucionalmente não justificável para

invalidar a liberdade do enfermo, como no próximo capítulo se verá –, seja

utilizada por muitos profissionais como subterfúgio à livre iniciativa médica, de

modo a afastar qualquer insurgência ou pleito informacional por parte do enfermo.

Valer-se desta abertura legal, cumpre salientar, mostra-se

reprovável pelo próprio Código de Ética Médica que, em seu artigo 48, veda ao

médico o exercício de sua autoridade de maneira a limitar o poder decisório do

enfermo.

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Ademais, o que efetivamente configura o quadro clínico de

iminente perigo de vida, capaz de, nos termos do Código de Ética Médica,

invalidar manifestação volitiva do enfermo?

Em não raros momentos, a dita situação de urgência

aventada resume-se a quadro clínico superável, comumente passível de

diferentes alternativas terapêuticas às quais talvez não se opusesse o enfermo.

Contudo e como já explanado por Manoel Gonçalves

Ferreira Filho, trata-se de proposição de extrema subjetividade, bastando que o

médico a alegue para que, por fim, tenha sob seu controle toda e qualquer

decisão inerente ao enfermo e à terapêutica, razão pela qual determinados

quadros clínicos, ainda que não tão graves, passam a ser qualificados como de

alto risco.

A inexistência de padrões confiáveis acerca de como e

quando estaria o paciente sob iminente perigo de vida é facilmente verificável

quando observadas as divergentes opiniões manifestadas por membros da

própria classe médica quanto ao que configuraria, ou não, risco de vida em

determinadas situações.

Tome-se, a título exemplificativo, a objeção de pacientes

Testemunhas de Jeová no respeitante à terapia transfusional de sangue.

Constantemente, são eles submetidos a transfusões

sanguíneas contrariamente à sua manifestação volitiva, sob o argumento de

estarem sob iminente risco de vida.

Contudo, a falta de cientificidade que permeia tratamentos a

base de hemoderivados torna de difícil constatação o que realmente configuraria

risco de vida que justificasse transfundir o paciente sem seu consentimento, nos

moldes dos artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica. Isto porque os próprios

profissionais da saúde mostram-se discordantes quando em questão indicações

transfusionais, uma vez que “o que para um determinado médico haveria uma

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indicação precisa e única de reposição sanguínea pode não ser a opinião de um

outro” (2000, Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba).

Por exemplo: enquanto para alguns médicos, pacientes com

hemoglobina em níveis de 10g/dL21 estariam sob iminente risco de vida, sendo

imprescindível a adoção de terapia transfusional; para outros, o risco de vida e a

indicativa do procedimento dar-se-ia tão somente quando a concentração

hemoglobínica atingisse valores inferiores a 7g/dL (FERREIRA; FERREIRA;

PELANDRÉ, 2005, online), desconfigurando o risco suscitado pelos primeiros.

Deste modo, um paciente Testemunha de Jeová sob os

cuidados de um profissional que considerasse o primeiro índice de hemoglobina

citado – 10g/dL – como mínimo, poderia ter sua autonomia e vontade

desrespeitadas sem que sequer existisse o dito iminente risco de vida.

Complementando o quadro de incertezas, se não bastasse a

inexistência de padrões científicos no tocante a estar ou não o paciente sob

estado de risco que justifique a dispensabilidade de seu consentimento, a

literatura médica mostra-se dúbia inclusive quanto à própria prescrição da terapia

transfusional, porquanto reflexo mais da prática médica consuetudinária do que

de dados científicos.

Ao sustentar incerta e desmedida a medicina transfusional,

leciona Pedrazza:

Normalmente no hay ninguna razón identificable para la

transfusión. Pero la mayoría actúa con la premisa “en caso de

duda, transfundamos”.

[...] Pero hay muchas UCIs en que las enfermeras sacan sangre

solamente porque es fácil hacerlo (2004, p. 29)22.

A este respeito, informou o Conselho Federal de Medicina

que

21 Dez gramas de hemoglobina por decilitro - um décimo de um litro - de sangue. 22 Em tradução livre: Normalmente, não há nenhuma razão clara para a transfusão. Mas a maioria atua com a premissa “em caso de dúvidas, transfundimos”. [...] Porém, existem muitas UTIs nas quais as enfermeiras tiram sangue só porque é um procedimento fácil.

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“[...] o uso de hemoderivados difundiu-se de forma espetacular, a

tal ponto que hoje existem estudos comprovando que cerca de

50% das transfusões realizadas são de indicação duvidosa e

desnecessária. Dentre as possíveis explicações para tão elevada

incidência de transfusões com indicação incorreta encontra-se a

deficiência de conhecimento técnico sobre o assunto e a facilidade

e aparente inocuidade do processo” (1989, online).

O exemplo analisado denuncia que inúmeras prescrições

médicas, dentre as quais as transfusões sanguíneas, são impostas ao enfermo

independentemente de seu consentimento e contra sua vontade, mesmo que não

comprovadas a ocorrência de iminente perigo de vida – situação a que alude o

Código de Ética Médica -, nem tampouco a cientificidade da prescrição

terapêutica; tolhendo-se a autonomia do paciente quando, a bem da verdade, seu

real quadro clínico o permitiria exercê-la.

Há de se fazer citar, ainda, que muitas vezes as

intervenções médicas impostas ao enfermo mostram-se de igual - senão quando

maior - risco às outras terapêuticas substitutas, ou, inclusive, ao não tratamento,

situação em que sequer o argumento de atuação atrelada ao princípio da

beneficência mostrar-se-ia plausível.

Faz-se de prudente análise, novamente para exemplo, os

casos envoltos às transfusões sanguíneas.

Inobstante carecedoras de cientificidade, como acima

postado, são tidas em grande estima pela classe médica, que as prescreve sob

veemente alegação de inexistirem outros meios23 tão eficientes quanto este à

salvaguardar a vida do paciente.

23 Consigna Celso Ribeiro Bastos: “A transfusão de sangue não é o único meio de que pode se valer o médico para salvar a vida ou a saúde de um adulto ou de uma criança. Há sim outros tratamentos alternativos – desenvolvidos e utilizados por médicos alopatas, e não por sectários de uma religião específica – que atingem o meso resultado. São eles: s expansores de volume do plasma, os fatores de crescimento hematopoiéticos, a recuperação intra-operatória do sangue no campo cirúrgico, a hemostasia meticulosa, etc. O fato de se ter mais de um tratamento em substituição à transfusão de sangue já nos leva a concluir que este procedimento não é o único modo de salvar a vida do paciente. Pode-se, portanto, prescindir dele por outras foras alternativas de tratamento” (2000, p. 5, nota).

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Ocorre que, repleta de riscos, a terapia transfusional pode

apresentar drásticas complicações a se manifestarem não só imediatamente após

a inserção sanguínea - bastante comum nos casos de incompatibilidade de grupo

-, como também tardar meses ou anos para se manifestarem, tal qual ocorre com

as infecções virais e bacterianas.

Somam-se a estes males o dano pulmonar agudo, o choque

anafilático (VILLARROEL, 2004, p. 9-15) e, ainda, o fato de que “as pessoas que

recebem transfusões sanguíneas têm mais probabilidade de sofrer um derrame

cerebral e um ataque cardíaco” (ESTADÃO, 2007, online).

Em estudo comparativo realizado no Hospital Universitário

da Universidade Federal de Santa Catarina, concluiu-se que pacientes não

transfundidos contam com menor índice de mortalidade quando comparados aos

transfundidos, demonstrando, assim, que a submissão forçada de pacientes a

tratamento hemoterapico, não bastasse contrário à sua vontade, o impõe ainda

maior risco de vida:

Baixos níveis de hemoglobina foram responsáveis pela maioria de

[concentrado de hemácias] transfundidas (58%).

[...]

[Entretanto], houve maior percentual de mortalidade entre os

pacientes transfundidos (38%), quando comparados aos não

transfundidos (24%)” (FERREIRA; FERREIRA; PELANDRÉ, 2005,

online).

Verifica-se, assim, que este divulgado procedimento médico

não possui o caráter salvatério que lhe é habitualmente atribuído e que faz com

que, mesmo à revelia do paciente, seja empregado indiscriminadamente.

Ora, uma vez existindo riscos – quer ínfimos quer

expressivos quando comparados à probabilidade de sucesso -, na intervenção

pretendida pela classe médica, é impreterível que a par dos mesmos esteja o

enfermo, cabendo exclusivamente a ele decidir submeter-se, ou não, à

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terapêutica médica, sendo inquestionavelmente válida a recusa, pelo motivo a

seguir enunciado por Donald T. Ridley:

[...] a questão não é que riscos devem ser escolhidos, mas quem

deve fazer a escolha do risco. Quem deve dizer o que é certo ou é

o melhor para determinado paciente quando há riscos, não

importa que escolha seja feita?

[...]

Num assunto tão subjetivo e de tanto valor como é a escolha de

tratamento médico, são os valores e as preferências da família ou

o paciente individual, e não os de algum médico, hospital, ou Juiz,

que devem prevalecer (1990, p. 4).

É especialmente a estas circunstâncias que se presta o

Código Civil em seu artigo 15º, que determina que, uma vez presentes riscos

também na terapia que se pretende aplicar ao paciente, é imprescindível que a

escolha de submeter-se ou não a ela seja unicamente do enfermo.

A inexatidão do alegado iminente perigo de vida

constantemente verificado quando da prescrição de transfusões sanguíneas faz-

se também presente frente à inúmeras outras enfermidades, de modo que a

dispensa de consentimento do paciente sob esta afirmativa não há de ser

interpretada em sua literalidade, por três principais razões já vistas: em razão da

inconstitucionalidade que a permeia, tal qual defendido por Ferreira Filho e Celso

Ribeiro Bastos; porque propícia a ensejar o uso indiscriminado da expressão com

objetivo único de aniquilar a tomada de consentimento do paciente, subentendo-o

forçosamente à terapias às quais não consente, e, ainda, porque tais terapêuticas

podem lhe ofertar ainda maior risco, tal qual no exemplo consignado.

Posicionamentos contrários ao poder decisório de pacientes

informados e aptos a consentir e tentativas descabidas de lhes tolher a autonomia

significam, a bem da verdade, desrespeitar sua alteridade, não o reconhecendo

como livre pelo simples fato de que suas decisões são consideradas por maior

parte da classe médica como erradas e irracionais (ENGELHARDT, 1996, p. 369).

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Há de se ter mente, contudo, que o ideal de beneficência em

que pretendem muitos justificar a dispensabilidade de condescendência do

paciente, à luz da realidade, transpõe a promoção do bem físico do indivíduo, haja

vista tratar-se da “obrigação de ajudar outras pessoas promovendo seus

interesses legítimos e importantes” (BEAUCHAMP, 2002, p. 282), dentre os quais

se incluem valores morais e espirituais que, ao enfermo, não raramente se

igualam ou superam, em significância, sua existência biológica.

2.2.3 Princípio da Justiça

Correlato ao ideal de igualdade, tem por pressuposto “trata[r]

todas as pessoas como iguais no que diz respeito à sua essência como pessoas,

mas diferentes quando se consideram as circunstâncias em que estas se

encontram, os seus méritos, as condições existenciais [...]” (SAUWEN;

HRYNIEWICZ, 2008, p. 18).

Uma vez evidente que não só a vida em sua acepção

biológica há de ser resguardada, por nem sempre exclusivamente a ela se

restringirem os mais importantes interesses do homem - questão a ser

futuramente abordada; urge reconhecer que mais do que empenhar-se em

promover a beneficência - pela simples razão de que a ação benéfica de um não

necessariamente correlacionar-se-á com o bem esperado por outrem -, mostra-se

prudente a adoção de ações que mantenham incólume não só a vida física do

indivíduo, mas também seus valores intrínsecos que a tornam una.

O princípio da justiça, ponto de comedimento entre

constantes confrontos entre o direito à autonomia e o dever do médico de prestar

assistência, torna manifesta a urgência de que normas jurídicas no âmbito do

biodireito sejam produzidas, evitando-se tanto excessos liberais quanto arbitrárias

e invasivas intervenções médicas.

Outrossim, não se pretende mediante os princípios alistados

obrigar que médicos adotem condutas de respeitoso acato à vontade do enfermo,

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até porque irreal mostrar-se-ia esta pretensão, haja vista a inexistência de caráter

impositivo do conteúdo principiológico.

Os direitos do paciente, contudo, superam os limites da

bioética e são, acima de quaisquer outros, valores de ordem fundamental da vida

humana. São, em toda sua essência, amparados por princípios e direitos

constitucionais que os resguardam sob o mais protetivo rol de direitos: os

fundamentais da pessoa humana.

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59

CAPÍTULO 3

OS DIREITOS DO PACIENTE E A ESCOLHA DE TRATAMENTO

MÉDICO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Os direitos do paciente em recusar ou simplesmente optar

por tratamentos distintos daqueles a ele comumente ofertados invocam a análise

dos mais importantes direitos humanos fundamentais: liberdade, e, acima de tudo,

o direito à vida.

As incessantes polemizações envoltas às recusas

terapêuticas as taxam de ações impensadas e em não raras vezes são

entendidas como desprezo ao supremo e inviolável direito à vida frente à

liberdade individual de autodeterminação.

Ignora-se, contudo, que a temática em muito transcende o

duo vida e liberdade em seus sentidos estritos, fazendo-se mister que se tragam à

baila outros aspectos acerca destes direitos que, inobstante de maior

profundidade, são vilipendiados e tomados a parte do bem maior que lhes é

comum: a dignidade da pessoa humana.

O direito de recusa a procedimentos médicos determinados

é garantia Constitucional, em toda sua esfera dimensional, tal qual se

demonstrará.

3.1 DIREITO À LIBERDADE INDIVIDUAL

A liberdade humana, direito fundamental assentado logo ao

caput do artigo 5º da Carta Constitucional, guarda em si as mais amplas acepções

e vertentes, mostrando-se, sem embargos, o mais abrangente e polêmico direito

constitucional.

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A despeito das inúmeras definições propostas, o direito à

liberdade é por José Afonso da Silva delineado como “um poder de atuação do

homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade”, haja vista

consistir “na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à

realização da felicidade pessoal” (2000, p. 237).

Expressão vívida do Estado democrático de direito, é dele

que advém a autonomia da vontade – direito de autodeterminação – a cada um

assegurada, no qual se consubstancia o direito do paciente em, ponderando o

que lhe é propício à efetivação de sua felicidade, decidir per se os procedimentos

terapêuticos que aceita, ou não.

Conferindo à liberdade significativa importância, sobretudo

no respeitante à autonomia dela resultante, Luciano Parejo Alfonso sustenta que

La clave reside, pues, en la liberdade del hombre, que le permite

justamente [...] decidir, controlar su voluntad (a partir de una

inclinación a la moralidade que le es inata) (1994, p. 295)24.

É ela, pois, a exteriorização máxima das mais intrínsecas

crenças do homem, razão pela qual é por Celso Ribeiro Bastos considerada um

“valor superior do ordenamento jurídico” (2000, p. 20).

Por idêntica deferência, Pimenta Bueno sustentava que

a liberdade não é pois exceção, é sim a regra geral, o princípio

absoluto, o Direito positivo; a proibição, a restrição, isso sim é que

são as exceções, e que por isso mesmo precisam ser provadas,

achar-se expressamente pronunciadas pela lei, e não de modo

duvidoso , sim formal, positivo; tudo o mais é sofisma (apud

SILVA, 2000, p. 239).

Percebe-se, de plano, que não obstante elevada ao status

de regra pelo ilustre jurista, não se trata a liberdade de direito absoluto, do que se

infere não poder o homem dela valer-se indiscriminadamente como justificativa,

24 Em tradução livre: “O segredo está, pois, na liberdade do homem, que lhe permite justamente [...] decidir, controlar sua vontade (a partir de uma inclinação à moralidade que lhe é inata”.

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por exemplo, à prática de ilicitudes, ou, ainda, à interferência na autonomia de

outrem.

Em especial por esta razão, intimamente ligada ao ideal de

liberdade, encontra-se o Princípio da Legalidade.

3.1.1 Liberdade e Legalidade

Ao preconizar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar

de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5º, II, da Constituição da

República Federativa do Brasil), expõe o dispositivo Constitucional duas

importantes garantias: a liberdade de ação do indivíduo, que poderá exercê-la em

consonância aos seus ideais e, ainda, a correlação de liberdade e legalidade, da

qual se extrai que as únicas limitações àquela serão as definidas em lei.

Não era outro o sentido dado à idéia de legalidade esboçada

pela Declaração dos Direitos do Homem de 1789:

Artigo 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não

prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais do

homem não tem limites senão os que asseguram aos demais

membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses limites

apenas podem ser determinados pela Lei.

As supracitadas disposições evidenciam, pois, que

[...] a autonomia privada não é absoluta. Em primeiro lugar, tem de

ser conciliada com o direito das outras pessoas a uma idêntica

quota de liberdade, e, além disso, com outros valores igualmente

caros ao Estado Democrático de Direito, como a autonomia

pública (democracia), a igualdade, a solidariedade, a segurança.

[...] Portanto, é inevitável que o Estado intervenha em certos

casos, restringindo a autonomia individual, seja para proteger a

liberdade dos outros, de acordo com uma “lei geral de liberdade”,

como diria Kant, seja para favorecer o bem comum e proteger a

paz jurídica da sociedade (SARMENTO,2006, p. 231).

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Inobstante a possibilidade de vedações legais ao exercício

do direito de liberdade do homem – quer no sentido de obrigá-lo à determinada

prática, quer no de impor-lhe uma vedação –, preocupou-se o constituinte em

obstar a banalização de restrições, razão pela qual determinou que estas, quando

necessárias, devem impreterivelmente ser precedidas de lei, como bem adverte

José Afonso da Silva:

[...] a liberdade, e, qualquer de suas formas, só pode sofrer

restrições por normas jurídicas perceptivas (que impõem uma

conduta positiva) ou proibitivas (que impõem uma abstenção)

provenientes do Poder Legislativo e elaboradas segundo o

procedimento estabelecido na Constituição. Quer dizer: a

liberdade só pode ser condicionada por um sistema de legalidade

legítima (2000, p. 239).

É desta análise, pois, que se infere ter o paciente plenos

direitos de, sob suas convicções pessoais e em exercício de seu direito à

liberdade, opor-se a qualquer terapia médica que impute inconveniente, tanto

mais quando observado inexistir na legislação pátria restrições a esta autonomia

que lhe imponham o dever de submissão a determinados tratamentos médicos ou

lhe proíbam de exercício de recusa.

Ademais e como já dito, prováveis restrições impostas

mostram-se válidas tão somente quando instituídas por Lei pelo Poder Legislativo,

depois de percorridos todos os caminhos constitucionalmente imprescindíveis à

formulação normativa.

Eis o porquê Manoel Gonçalves Ferreira Filho qualifica nulos

e de nenhum valor (1994, p. 26) os artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica,

que restringem o direito à liberdade de manifestação volitiva do paciente aos

casos em que estiver ele sob iminente perigo de vida. São, pois, duas as razões:

primeiramente, advém a limitação de legislação promulgada pela própria

instituição médica, cujas elaborações normativas não se submetem ao crivo do

Poder Legislativo e, portanto, não são normas legítimas e de eficácia suficiente à

restringir direitos fundamentais (SILVA, p. 239); e, em segundo, a argumentativa

esboçada não coaduna àquelas justificáveis a limitar a liberdade individuais, quais

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sejam: a proteção da liberdade individual de outrem, ou, então, a proteção da paz

jurídica da sociedade (SARMENTO, 2006, p. 231).

Não se olvida, contudo, não estar adstrita ao Código de

Ética Médica a autorização para que médicos, ultrapassando a liberdade

individual do paciente, submetam-no mesmo sem seu consentimento a tratamento

médico que não queira. É o caso, por exemplo, da autorização constante do artigo

146 do Código Penal Brasileiro, in verbis:

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave

ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro

meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite,

ou a fazer o que ela não manda:

[...]

§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:

I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do

paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente

perigo de vida;

[...]

Ocorre que este preceito, ainda que instituído mediante

legítimo processo legislativo – o que, teoricamente, o tornaria eficaz a limitar a

liberdade individual do paciente –, também é por muitos reputado inconstitucional,

por desconsiderar o poder sobrepujante da Constituição Federal, tal qual

defendem José Claudio Del Claro e Miguel G. C. de Andrade:

É lógico e jurídico o corolário de que [os] direitos garantidos

constitucionalmente não podem estar subordinados a nenhuma

outra normal legal. Uma vez que o Poder Legislativo é produto da

Constituição, que o Código Penal é uma promulgação do Poder

Legislativo, logo os dispositivos do Código Penal têm de ser

inferiores às garantias da Constituição. Quando há qualquer

incoerência entre os direitos fundamentais garantidos pela

Constituição e os deveres ou obrigações criados pela legislação

comum, tais como o Código Penal, os mesmos (a legislação

comum) deve curvar-se perante a maior (a Constituição).

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[...] Assim, em vista das garantias constitucionais de liberdade [...],

não se pode sustentar que as obrigações alegadamente impostas

aos médicos pelo art. 135 (e abrangidas pela exceção da

emergência médica do art. 146, §3º) do Código Penal [...] passem

por cima dos direitos constitucionais do paciente adulto” (1999, p.

15).

Frente à seara Constitucional é, pois, indubitável tanto a

possibilidade de o paciente insurgir-se contra determina terapia médica em justa

manifestação de sua liberdade e autonomia privada, quanto a ineficácia dos

preceitos normativos do Código de Ética Médica que pretendem, sem legitimidade

para tal, restringir a liberdade individual do enfermo, tolhendo-o o direito de

gerenciamento próprio.

Em que pese evidente o direito do paciente em não se

submeter forçadamente à terapêutica que não queira, a objeção de enfermos a

determinados tratamentos médicos torna-se ainda mais contundente quando

motivada por convicção religiosa do enfermo.

É este o caso, a título exemplificativo, de pacientes

Testemunhas de Jeová que, ao passo que se insurgem contra terapias

hemotransfusionais pugnam por tratamentos substitutivos isentos de sangue já

disponíveis na medicina, e, também, de pacientes mulçumanos que recusam

transplantes de órgãos e tecidos suínos, como, por exemplo, válvulas cardíacas,

ainda que sejam estas as únicas disponíveis para transplantação e,

conseqüentemente, para salvaguardar sua vida. Sob este enfoque, seria a recusa

igualmente válida?

3.1.2 Liberdade Religiosa

O direito à liberdade religiosa encontra-se inserido

juntamente aos demais direitos fundamentais no protetivo rol do artigo 5º da

CRFB/88, in verbis:

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

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estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,

à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

[...]

VI. é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo

assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na

forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Considerada uma especialização, ou, ainda, concretização

do direito de livre manifestação de pensamento, esculpido no artigo 5º da Carta

Constitucional, em seu inciso IV (BASTOS, 2000, p. 10), a liberdade religiosa é

definida por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em termos bastantes resumitivos,

como “o direito de cada ser humano ter sua religião, por livre escolha, segui-la

livremente nos seus mandamentos, prestar, segundo estes, o seu culto à

divindade, sem ingerência, mas com apoio do Estado” (1994, p. 18).

É, ainda, ao entender de Aldir Guedes Soriano, um direito

composto, “com possibilidade de decomposição em quatro vertentes [...], a saber,

vertentes da liberdade de consciência, da liberdade de crença, da liberdade de

culto e da liberdade de organização religiosa” (2002, p. 10).

A liberdade de crença, prossegue o jurista, coaduna-se com

a faculdade de escolher ou de unir-se a uma religião (2002, p. 12), enquanto a

liberdade de consciência diz respeito à adesão de valores morais e espirituais que

podem ou não ser reflexo dum sistema religioso (BASTOS, 2000, p. 12).

É, contudo, na liberdade de culto, que busca a liberdade

religiosa sua exteriorização, tal qual sugere Celso Ribeiro Bastos:

Poder-se-ia inserir, dentro da liberdade de culto, todas as práticas

que envolvessem qualquer opção religiosa do indivíduo. Assim, as

restrições decorrentes da invocação religiosa estariam,

igualmente, albergadas sob este título, sendo certo que, não há

verdadeira liberdade de religião se não se reconhece o direito de

livremente orientar-se de acordo com as posições religiosas

estabelecidas (2000, p. 14).

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Ora, uma vez garantindo o Constituinte que adentram à

liberdade religiosa não somente a crença em sua acepção espiritual, mas também

as ações e manifestações que dela decorrem, certo é ser ela justificativa válida à

objeção do paciente frente a determinados tratamentos médicos quando estes

ferem suas mais profundas convicções. Tanto porque, ao opor-se ao tratamento

por motivação religiosa está exercendo sua liberdade de culto, que significa pôr

em prática em sua vida diária os ensinamentos de sua fé.

Ademais, tendo-se que a liberdade religiosa é uma das

formas pela qual se explicita a liberdade em sentido amplo, frui ela das mesmas

prerrogativas conferidas à última. De modo que, se pode a pessoa valer-se de

sua liberdade [ampla] para objetar intervenção médica que não pretenda, não há

porque imaginar que em nome de uma de suas vertentes [religiosa] não poderia

fazê-lo.

Sob esta orientação, assevera Manoel Gonçalves Ferreira

Filho:

Basta a invocação do direito fundamental á liberdade – que é o

direito a autodeterminação pessoal – para justificar a recusa de

qualquer tratamento [...]. Mas ela ganha força especial quando

apoiada pela liberdade religiosa (1994, p. 24, [Grifou-se.]).

Por certo, a recusa cuja razão atrela-se à crença espiritual

do indivíduo carece ainda maior necessidade de acato, haja vista que “a opção

religiosa está tão incorporada ao substrato de ser humano que seu desrespeito

provoca idêntico desacato à dignidade da pessoa”, princípio supremo de toda a

ordem Constitucional ao qual aflui a integralidade dos direitos fundamentais

(SILVA NETO, 2008, p. 114).

Pondera ainda o jurista que submeter o enfermo à terapia

por ele recusada, forçadamente e em desconsideração a seus valores espirituais,

“poderia [...] se converter em gravame tão considerável que a própria existência

se tornaria, para el[e], absolutamente insuportável [...], ou seja, se traduziria, para

o crente, em vida sem dignidade” (2008, p. 115).

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Corroboram Zelita da Silva Souza e Maria Isabel Dias Miorim

de Moraes:

Wreen propôs que as razões religiosas para a recusa de

tratamento são "especiais" e devem ser consideradas de modo

diferente de outras razões oferecidas por pacientes. Em harmonia

com Wreen, Orr e Genesen escrevem que o que torna especiais

os valores religiosos "é não somente o fato de que eles são

partilhados por uma comunidade, mas, o que é mais importante,

que eles são incorporados pelo indivíduo na sua pessoa. Os

valores religiosos, portanto, são mais intrínsecos do que outros

valores partilhados, porque eles tratam do próprio significado da

vida" (online).

Desta forma, mostra-se prudente a adoção do seguinte

raciocínio quando em questão, além da questão terapêutica, a consciência do

paciente:

Não se pode pensar apenas na consciência do médico. Que dizer

da do paciente? [...] Caso um médico violasse paternalisticamente

[as] convicções religiosas profundas, bem antigas, do paciente, o

resultado poderia ser trágico. O Papa João Paulo II tem

comentado que obrigar alguém a violar sua consciência “é o golpe

mais doloroso infligido à dignidade humana. Em certo sentido, é

pior do que infligir a morte física, ou matar” (Despertai!, 1989, p.

26-27).

Em se tratando de elementos morais e espirituais inerentes

à pessoa, descabe à classe médica ou ao Poder Judiciário questionar e julgar se

corretas ou não as convicções religiosas a que se atém o paciente, devendo tão

somente respeitá-las para que, por fim, não tenha ele sua dignidade vilipendiada.

É de se ressaltar, por oportuno, que a sustentação de ser a

recusa fundada em convicção religiosa uma razão ainda maior para que seja

acatada a vontade do enfermo – haja vista as íntimas valorações espirituais que a

agregam –, não visa invalidar as demais motivações de recusa.

E assim se afirma pois o direito à liberdade de consciência,

ainda que corolário ao direito à liberdade religiosa, não guarda com esta

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necessária relação, de modo que pode o descrente invocá-la em razão de

motivações não religiosas mas que atinentes à sua consciência e os valores que

a permeiam. Basta, portanto, que a terapêutica ofertada lhe imponha prejuízo à

consciência – religiosa ou não –, para que sua insurgência mostre-se válida.

Ocorre que, o direito do paciente em opor-se a determinas

terapias em exercício ao seu direito de liberdade é, por muitos, tido como

atentatório à vida humana. Alegam, estes, a existência de conflito entre os

fundamentais direitos à liberdade e à vida, e, se assim não o bastasse, afirmam

que defender a autonomia do paciente bem como seu direito de recusar certas

intervenções médicas significa apologizar ideais de suicídio e eutanásia. Faz-se,

portanto, necessário o deslinde de tais assertivas.

3.2 DIREITO À VIDA

Direito pressuposto a todos os demais, razão pela qual

provavelmente o Constituinte a ele reservou a primeira posição do rol de direitos

fundamentais (artigo 5º, caput, CRFB/88), o direito a vida é, sem quaisquer

dúvidas, um dos bens jurídicos de maior grandeza de todo o ordenamento pátrio,

e, uma vez reconhecida sua superioridade (BESTER, 1999, p. 20), mostram-se

necessárias a adoção de medidas para pô-lo a salvo de possíveis violabilidades.

Não se pode olvidar, contudo, que a vida, tal como

consagrada no texto constitucional, não se restringe ao seu sentido biológico, mas

inclui também elementos psíquicos e espirituais que, tanto quanto os aspectos

físicos devem ser tomados em conta em situações de contenda e complexidade,

a exemplo da recusa de tratamentos médicos por parte de pacientes, em nome de

sua autodeterminação.

Ao destacar as incontáveis peculiaridades que compõe o

direito à vida, José Afonso da Silva sustenta que “a vida humana não é apenas

um conjunto de elementos materiais. Integram-na, outrossim, valores imateriais,

como os morais” (2000, p. 202), motivo porque a proteção constitucional

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“compreend[ida] neste direito engloba não só o direito de permanecer vivo, mas,

sobretudo, a uma existência digna” (NOVELINO, 263). Daí se entende que o

direito à vida Constitucionalmente instituído deve ser interpretado em consonância

com o princípio da dignidade da pessoa humana.

3.2.1 O Direito à Vida: sob o enfoque da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana, positivação

recente do ordenamento jurídico pátrio – ainda que a tempos remotos possam ser

suas origens reconduzidas (SARLET, 2006, p. 113) – encontra-se reconhecido

como fundamento da República Federativa Nacional, como bem se infere da

seguinte disposição Constitucional:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,

constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

Pilar de toda a ordem Constitucional, a dignidade da pessoa

humana pode ser definida como

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser

humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração

por parte do Estado e da comunidade , implicando, neste sentido,

um de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa

tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e

desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais

mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover

sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria

existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos

(2008, SARLET, p. 63).

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É, pois, sob o enfoque da dignidade da pessoa humana que

se confere ao direito à vida maior amplitude que a mera existência biológica,

integrando neste direito valores superiores sem os quais a própria vida em seu

sentido material restaria imprestimosa.

Entender a vida em consonância ao seu ideal de dignidade

significa reconhecer que “el derecho a la vida meramente biológica de los

humanos cede ante el derecho a la buena vida, a una vida de calidad, a una vida

de bienestar profundo y duraderas satisfacciones” (GUISÁN, 1994, p. 446)25.

Mostram-se insensatas as tentativas de resguardar a vida

humana tão somente em seu aspecto físico, como se unicamente a ele se

restringisse este multifacetado direito.

Faz-se mister a contínua lembrança de que a vida tão

somente será boa na medida em que tiver valor para quem a possui (GUISÁN,

1994, p. 449), de modo que qualquer ingerência sobre a vida alheia se mostrará

legítima apenas se em consonância aos valores pessoais de seu titular. Por não

outro motivo é que à idéia de dignidade da pessoa, Hofmann acrescenta a

necessidade de se respeitar a alteridade dos outros, tratando-os conforme suas

próprias peculiaridades. Caso contrário, implantar-se-ia no âmbito médico e

jurídico não o respeito à vida digna do paciente baseado nas crenças pessoais

dele, mas sim a prevalência de certos padrões julgados morais e dignos sob o

pensar da Classe Médica ou Judiciária (FIGUEIREDO, 2007, p. 50-51).

De grande valia se mostram ainda as palavras de Simone T.

A. Nogueira, para quem a preservação à vida deve coadunar também os valores

íntimos da pessoa:

Existem, dentro do corpo de crenças e da inviolabilidade da

dignidade dos indivíduos, valores que - para certas pessoas – são

tão ou mais importantes que a própria vida. Em outros termos,

para tais pessoas provavelmente não vale a pena viver com a

ruptura de algum padrão, ou em desconformidade com um tipo de

25 Em tradução livre: “O direito à vida puramente biológica dos seres humanos cede frente ao direito à uma vida boa, a uma vida com qualidade, a uma vida de bem estar profundo e duradouras satisfações”.

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crença, fundamental e transcendental. E a ninguém é dado

atropelar o livre arbítrio de outrem (evidentemente, sempre que

esse livre arbítrio exista e tenha sido desimpedidamente

enunciado, sem qualquer tipo de coação indevida), por mais

elevados que sejam seus propósitos, ou por maiores que sejam os

benefícios literais que se pretenda garantir à pessoa cuja vontade

esteja sendo desconsiderada (online).

Deste modo, uma vez em questão duas facetas da vida do

indivíduo, a saber, biológica e imaterial, não deve uma prevalecer à outra, pois

possuem idêntica proteção Constitucional e, dissociadas, não se mostram de

qualquer valor.

Em não raras vezes e em manifesta desconsideração à

dignidade do indivíduo no que atine ao aspecto imaterial de sua vida, a classe

médica, frente à recusa de pacientes em se submeterem a certas terapias,

recorre ao Poder Judiciário em busca de decisões judiciais que a autorizem a

proceder à intervenção, sob o argumento de ser necessária à proteção da vida –

e aqui ressalta-se: unicamente biológica – do paciente.

Quanto a estas comuns situações Celso Ribeiro Bastos

adverte que

qualquer intervenção estatal nesta seara – por exemplo, mandado

judicial requerido pelos médicos para transfundir sangue em

adultos, contra seu desejo, ou em filhos de testemunhas de Jeová

contra o consentimento de seus pais – deverá ser submetida a

cuidadoso escrutínio, sob pena se estar-se violando frontalmente

a dignidade da pessoa humana (2000, p. 8).

Em atenção à admoestação do jurista, mostrou-se sensato o

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais quando, em cautelosa análise à

pretensão do órgão Ministerial que visava autorização judicial para que fosse um

paciente submetido à determinada intervenção médica contrária a sua vontade,

ponderou:

“[...] É inegável que o objeto da irresignação recursal envolve

valores constitucionais que necessitam de avaliação prudente, sob

pena de institucionalizar-se uma relação ditatorial entre o Estado e

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o cidadão que titulariza uma série de prerrogativas consideradas

fundamentais pela Constituição da República.

A preservação do direito à vida, por conseguinte, compõe critério

orientador do sistema normativo, e, na espécie em exame, não se

pode assumir postura radical na tutela de quaisquer destes

valores postos em discussão.

Com efeito, a vida humana é um bem jurídico que não pode ser

desprezado e é tratado como direito fundamental, mesmo porque

precede o exercício de quaisquer outros direitos, haja vista a

tutela recebida no âmbito penal.

Não há como deixar de reconhecer, em princípio, que associado a

este bem, dele deflui a dignidade da pessoa humana, um dos

valores que orientam a República (art. 1º, III).

[...]

Dentro deste contexto, é preciso considerar que a recusa do

agravante em submeter-se à transfusão de sangue é providência

legítima desde que não esteja inconsciente e possua condições

de externar juízo de valor sobre os procedimentos necessários à

conservação de sua vida.

[...]

Aparentemente, a direito à vida não se exaure somente na mera

existência biológica, sendo certo que a regra constitucional da

dignidade da pessoa humana deve ser ajustada ao aludido

preceito fundamental para encontrar-se convivência que pacifique

os interesses das partes. Resguardar o direito à vida implica,

também, em preservar os valores morais, espirituais e

psicológicos que se lhe agregam.

[...]

É necessário, portanto, que se encontre uma solução que sopese

o direito à vida e à autodeterminação que, no caso em julgamento,

abrange o direito do agravante de buscar a concretização de sua

convicção religiosa, desde que se encontre em estado de lucidez

que autorize concluir que sua recusa é legítima.

Sim, porque não há regra legal alguma que ordene à pessoa

natural a obrigação de submeter-se a tratamento clínico de

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qualquer natureza; a opção de tratar-se com especialista

objetivando a cura ou o controle de determinada doença é ato

voluntário de quem é dela portador, sendo certo que, atualmente,

o recorrente encontra-se em alta hospitalar e não há preceito

normativo algum que o obrigue a retornar ao tratamento

quimioterápico se houver a perspectiva de ocorrer a transfusão

sangüínea.

É conveniente deixar claro que as Testemunhas de Jeová não se

recusam a submeter a todo e qualquer outro tratamento clínico,

desde que não envolva a aludida transfusão; dessa forma,

tratando-se de pessoa que tem condições de discernir os efeitos

da sua conduta, não se lhe pode obrigar a receber a transfusão,

especialmente quando existem outras formas alternativas de

tratamento clínico, como exposto na petição recursal.

[...]

O tratamento dado pela lei em situação deste já - e que se

aproxima do regramento existente no art. 15, CC - é similar à

situação vivenciada pelo agravante, cuja crença contempla o

dogma a ser vivido de forma concreta em sua religião.

Fundado nestas considerações, dou provimento ao agravo para

indeferir a tutela antecipada” (Agravo de Instrumento n.

1.0701.07.191519-6/001. 1ª Câmara Cível de Tribunal de Justiça

de Minas Gerais. Relator: Des. Alberto Vilas Boas. Julgado em 14-

8-2007).

Por derradeiro e ao contrário do que alegam os que julgam

inadmissível a objeção de pacientes frente a determinadas intervenções médicas,

não só o direito à liberdade, mas também o próprio direito à vida assegura à

pessoa a possibilidade de insurgir-se contra tratamento que considere

inconveniente, porquanto neste aspecto se protege a vida em sua mais ampla

acepção: de garantir à pessoa vida correlata à sua dignidade, sem a qual

provavelmente perderia o porquê de sua existência. Trata-se, pois, de aspecto

imaterial da vida do paciente a ser igualmente resguardado, sob pena de atentar-

se contra sua vida privada, direito fundamental a ele também garantido.

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3.2.2 O Direito à Vida Privada

A proteção à vida privada do indivíduo é garantia expressa

da Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 5º, inciso X, prevê:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a

imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo

dano material ou moral decorrente de sua violação;

O Direito à Vida Privada é por Celso Ribeiro Bastos definido

como “a faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos

na sua vida privada e familiar” (2000, p. 17). Complementando, Manoel Gonçalves

Ferreira Filho afirma que “dela decorre que cada ser humano tem o direito de

conduzir a própria vida como entender – fora dos olhos da curiosidade e da

indiscrição alheias – desde que não fira o direito de outrem” (1994, p. 6).

Tem, ele, duas básicas acepções, quais sejam: a de evitar a

divulgação de aspectos pessoais do indivíduo, e, ainda, de se conferir a ele

independência na tomada de decisões importantes (FERREIRA FILHO, 1994, p.

6); justificando-se nesta última o direito do paciente em reclamar a não-

interferência – quer médica, quer jurisdicional – sobre seu corpo, quando esta,

ainda que sob a argumentação de medicinalmente benéfica, violentar algum

aspecto de sua intimidade.

Celso Ribeiros Bastos, novamente explanando acerca de

decisões judiciais que autorizam intervenções médicas sobre pacientes que as

tenham recusado, alerta que quando o Estado determina a realização de

procedimento médico mesmo à revelia da volição do enfermo

[...] fica claro que violenta a vida privada e a intimidade das

pessoas no plano da liberdade individual. Mascara-se, contudo, a

intervenção indevida, com o manto da atividade terapêutica

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benéfica ao cidadão atingido pela decisão. Paradoxalmente, há

também o recurso argumentativo aos “motivos humanitários” da

prática, quando na realidade mutila-se a liberdade individual de

cada ser , sob múltiplos aspectos. (BASTOS, 2000, p. 19)

Convém salientar, não entanto, que comumente muitos

alegam não respeitar a recusa do paciente porque se assim o fizessem, estariam,

a bem da verdade, apoiando a atitude suicida ou eutanásica do mesmo, o que

certamente os sujeitaria a incorrer na prática de induzimento ao suicídio (artigo

122 do Código Penal), ou, ainda, em omissão de socorro (artigo 135 do Código

Penal), razão pela qual, diante destas possibilidades, preferem violar a

privacidade e liberdade do indivíduo.

Verifica-se nessas assertivas, contudo, grande e grave

equívoco, como bem se verá.

3.2.3 Direito à vida e à recusa esclarecida: não apologia ao direito de morrer

Há de ser ter em mente, primariamente, que ao insurgir-se

contra determinado tratamento não necessariamente pretende o enfermo a

própria morte, haja vista que para tal bastaria que não procurasse ajuda médica.

É, aliás, a estes casos – de não recusa meramente displicente que visem à morte

– que destina este estudo atenção.

Isto porque, defende-se aqui o direito de o paciente insurgir-

se contra terapêuticas que, por alguma razão – convicções religiosas, traumas,

não suportabilidade dos efeitos advindos da intervenção, dentre outros – lhe

seriam mais prejudiciais física ou emocionalmente do que conviver com a

moléstia sofrida, sem que pretenda ele, com a recusa, promover a própria morte.

Diferente situação verifica-se no paciente que ao recusar

tratamento, o faz com a intenção de buscar voluntária e conscientemente a morte

pois deseja abreviar sua vida, quer por razões de fundo emocionais – suicídio –,

quer por razões de sofrível estado de vegetatividade clínica sem esperança de

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recuperação – eutanásia (GAUDERER, 1998, p. 150), situação em nada correlata

à aqui abordada.

Ora, uma vez desconfigurada tanto a eutanásia, quando o

suicídio, não há porque temer o profissional da saúde ser responsabilizado por

tais práticas.

Salienta-se, ademais, que na grande maioria dos casos de

recusa de pacientes – em que não se pretende a morte – a objeção dá-se

unicamente contra específicos tratamentos, propondo-se o enfermo a sujeitar-se a

outros substitutos.

É o caso, por exemplo, dos pacientes Testemunhas de

Jeová que, ao passo que se opõem à terapias hemotransfusionais, procuram

tratamentos isentos sem o gerenciamento de sangue alogênico – em grande

número já disponíveis no âmbito médico –, e, ainda, pacientes oncológicos, que

não obstante às vezes se insurjam contra a prática cirúrgica, aceitam submeter-se

a outras alternativas, tais como quimio e radioterapias.

Em referência à recusa de pacientes Testemunhas de

Jeová, destaca Soriano:

“Não obstante, os que professam a orientação das Testemunhas

de Jeová não pretendem renunciar à vida, porquanto almejam

continuar vivos. Assim sendo não recusam tratamento médico.

Argumentam, entretanto, que se poderiam utilizar tratamentos

alternativos para se evitarem as transfusões sangüíneas, que, por

sinal podem acarretar inúmeras infecções, inclusive a temível

AIDS” (2002, p. 118).

Em especial nestes casos, em que a recusa reveste-se, a

bem da verdade, de caráter de escolha por um tratamento diverso do comumente

ofertado, é que o respeito e o acato à vontade do paciente deveriam se fazer, sem

quaisquer sombra de dúvidas, presentes.

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3.3 PROTEÇÃO À INCOLUMIDADE DA CLASSE MÉDICA

Não se ignora ser compromisso dos profissionais da saúde

salvaguardar a vida. Contudo, não deve esse objetivo ser elevado a tão elevado

grau a ponto de invalidar o direito do paciente de fazer suas próprias escolhas

como ser autônomo, ainda que elas contrariem o entendimento médico.

É por esta razão que José Cláudio Del Claro e Miguel

Grimaldi Cabral de Andrade sustentam que “quando surge um conflito entre

paciente e médico, os deveres do médico devem estar subordinados aos direitos

do paciente” (1999, p. 16).

Justificando o porquê deste entendimento, Manoel

Gonçalves Ferreira filho explica que

[...] deve-se registrar uma hierarquia. O dever médico é de fonte

legal, o direito do paciente de aceitar, ou não, um tratamento, ou

um ato médico, é expressão de sua liberdade – direitos seu de

ordem fundamental, declarado e garantido pela Constituição

(1994, p. 24).

Ademais,

[...] a integridade ética da classe médica, ao passo que é

importante, não pode sobrepor-se aos direitos individuais

fundamentais aqui garantidos. São as necessidades e os desejos

do indivíduo, e não os requisitos da instituição, que são supremos

(Despertai!, 1989, p. 26).

Destaca-se, ainda, que ao respeitar à vontade de objeção do

paciente não incorre o médico na tipificação do crime de omissão de socorro, pelo

Código Penal Brasileiro definido como:

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo

sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à

pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente

perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade

pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

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Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão

resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a

morte.

Da análise do dispositivo depreende-se que o crime só

restará configurado se o médico recusar-se a tratar o paciente, não o prestando

qualquer assistência. Tal assertiva não guarda qualquer relação com a situação

em que o enfermo – e não o médico – é responsável pela negativa de socorro,

como bem esclarecem Celso, Roberto, e Fábio Delmanto ao afirmarem que o

delito não restará configurado “na hipótese de a vítima recusar o socorro

oferecido, ainda que deixe de comunicar o fato à autoridade” (2000, p. 268).

Outrossim, comenta Guilherme Souza Nucci:

Não se compreende esteja configurado o delito em toda em

qualquer hipótese sob o pretexto de ser a “solidariedade humana”

algo irrenunciável. [...] Portanto, se a situação configurar hipótese

de vítima consciente e lúcida que, pretendendo buscar socorro

sozinha, recusar o auxílio oferecido por terceiros, não se pode

admitir a configuração do tipo penal. Seria por demais esdrúxulo

fazer com que alguém constranja fisicamente uma pessoa ferida,

por exemplo, a permitir que seja socorrida, podendo daí resultar

maior lesões e conseqüências. Entretanto, se um ferido morrendo

balbucia que não deseja ser socorrido porque deseja morrer, é

obrigação de quem poder ele passar prestar-lhe auxílio [...] (2006,

p.586 [Grifou-se.]).

Verifica-se, assim, que a omissão restaria caracterizada tão

somente quando deixado de se prestar o atendimento a pessoa que recusa a

ajuda por desejar morrer, ou seja, situações compatíveis ao suicídio ou a

eutanásia, que como já dito, em nada se assemelham aos casos em análise.

Faz-se prudente constar o entendimento de Manoel

Gonçalves Ferreira Filho:

Com efeito, do ângulo penal, inexiste crime sem culpa. Ora, na

hipótese de recusa de tratamento, não haverá culpa por parte do

médico em não ser este prestado. Não terá havido omissão de

responsabilidade do médico, mas recusa de tratamento específico

por parte do paciente (1994, p. 28).

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Ademais, não pode o profissional da saúde sofrer quaisquer

penalizações quando, respeitando a vontade do paciente, deixa de aplicar-lhe

determinada terapia, uma vez que “o dever do médico de cuidar do paciente

termina quando este, após ter recebido todas as informações, opõe-se ao

tratamento”, de modo que a obrigação do médico em tratar “encontra seu limite no

não-consentimento do paciente em relação ao tratamento” (BORGES, 2005, p.

207).

3.4 POSSÍVEL CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Em casos cotidianos, não raras vezes acontece a dita

Colisão de Direitos Fundamentais, situação que se configura quando “dois ou

mais direitos abstratamente válidos entram em conflito diante de um caso

concreto, hipótese na qual as soluções serão divergentes de acordo com o direito

aplicado” (NOVELINO, 2008, p. 241).

É o que afirma ocorrer grande parte da literatura jurídica e

médica quando um paciente recusa alguma intervenção médica. Suscitam, neste

momento, conflito de dois importantes direitos: a vida e a liberdade.

Todavia, e como exaustivamente já analisado, o agir do

paciente no sentido de opor-se a certa terapia não necessariamente atenta contra

sua vida, sendo que às vezes, a bem da verdade, tem por objetivo preservá-la em

seu importante aspecto imaterial, em que se fazem presentes as mais íntimas

razões da existência humana. Seria, pois, demasiadamente superficial o aventar

de conflito de direitos tendo-se por base a vida unicamente em seu aspecto

biológico.

Cumpre aquilatar, desta maneira, se a espécie de recusa –

aquelas realizadas de modo não displicente – em que se concentra este estudo

provocaria, ou não, uma contenda de direitos constitucionalmente garantidos.

Para tal, propõem-se alguns casos práticos.

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Numa primeira hipótese, tem-se situação em que ao

enfermo – quer sob iminente perigo ou não – é ofertada terapia que, ainda que

ínfimo, possa lhe causar algum risco.

Ora, inexistiria, nestas circunstâncias, qualquer conflito de

direitos, porque dum modo ou de outro, estaria sua vida sob risco, e, neste caso,

cabe unicamente ao doente decidir a qual risco prefere submeter-se.

É o que preconiza, de forma bastante sensata, o artigo 15 do

Código Civil Brasileiro ao afirmar que, uma vez passível de risco – em qualquer

grau – o tratamento, não estará o paciente obrigado a aceitá-lo.

Numa segunda suposição, verifica-se a circunstância em

que o paciente recusa uma intervenção, à medida que pugna por uma terapia

substitutiva. Surgem nesta hipótese duas interessantes observações.

Primeira: supõe-se que não obstante exista a alternativa

requerida, não está ela disponível no centro clínico em que se encontra o

enfermo. Configuraria, o caso, não um conflito entre direitos fundamentais do

próprio paciente, porque em nenhum momento deixa ele de pugnar por

tratamento, demonstrando imenso desejo de manter-se vivo. Há, sim, conflito

entre o dever Estatal em prover ao paciente os meios por ele aceitáveis de

tratamento, e o direito do paciente em preservar sua vida de acordo com sua

liberdade individual, situação por Mariana Figueiredo descrita como um “problema

da efetividade dos direitos sociais” (2007, p. 203), pela qual não pode ser o

enfermo responsabilizado.

Em similar situação, decidiu o Tribunal de Justiça do Mato

Grosso:

TESTEMUNHA DE JEOVÁ – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO

COM POSSIBILIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE –

EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA – TRATAMENTO

FORA DO DOMICÍLIO – RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA – DIREITO À SAÚDE – DEVERDO ESTADO –

RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA – PRINCÍPIO DA

ISONOMIA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – LIMINAR CONCEDIDA

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– RECURSO PROVIDO (Agravo de Instrumento n. 22395/2006.

Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Relator: Des.

Sebastião de Arruma Almeida. Julgado em 31-5-2006).

Verifica-se, deste modo, que a não disponibilidade da

terapêutica pretendida pelo paciente em nada se assemelha a não existência

desta, sendo, pois, dever estatal provê-la. E assim se afirma, pois o direito à

saúde não se reveste exclusivamente das terapias disponibilizadas pelo poder

público nos centros médicos, mas sim de todas aquelas ofertadas e já colocadas

em mercado pela ciência.

Segunda circunstância: tem-se que o paciente, exercendo

sua liberdade, recusa-se a procedimento médico de potencial salvamento,

aceitando, contudo, submeter-se a outro procedimento, não tão efetivo.

Neste momento, observa-se existente certo conflito, pois não

obstante escolha o paciente outro procedimento, este não se mostra tão eficaz à

manutenção de sua vida. Deve-se lembrar, no entanto e como já explanado, não

restringir-se a vida do indivíduo ao seu aspecto biológico. Assim sendo, não

devem ser desconsideradas as motivações íntimas que o levam a não querer

submeter-se à terapêutica mais indicada.

Ora, em se tratando de dois direitos fundamentais

constitucionais com mesma hierarquia, não há como entre elas estabelecer

preferência de um sobre o outro, de modo que o conflito há de ser abrandado em

análise ao caso concreto, aplicando-se a técnica da ponderação de cada um dos

direitos conflitantes (BARROSO, 2006, p. 260).

Faz-se necessário, sob esta perspectiva, a resolução do

conflito instaurado com base na lei de colisão proposta do Robert Alexy:, de que

“o ‘conflito’ deve [...] ser resolvido ‘por meio de sopesamento entre os interesses

conflitantes’ (ALEXY, 2008, p. 95).

Para tal, deve, inicialmente,

ser feita uma identificação das normas referentes ao caso e seu

agrupamento de acordo com a direção para a qual apontam; em

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seguida, devem ser analisadas as circunstâncias do caso concreto

e suas repercussões para, finalmente, ser feita a ponderação,

consistente em atribuir o peso relativo aos elementos e

estabelecer a intensidade da referência de cada grupo de normas

(NOVELINO, 2008, p. 245).

Há de sempre se ter em mente, tal qual é o objetivo do

sopesamento dos direitos conflitantes, a tentativa de não nulificar qualquer dos

valores em jogo, razão pela qual a resolução da problemática imprescinde análise

minuciosa do caso específico, que não restrita a um único ponto de vista (ALEXY,

p. 121).

In casu, ainda que a terapia aceita pelo paciente não se

mostre tão eficaz quanto à proposta pelo médico, deveria ser ela aplicada porque,

ao tempo que se conferiria ao enfermo ao menos uma melhora relativa a sua

saúde – não se invalidando o direito à vida –, permitir-se-ia que também não

fosse aviltada sua consciência e seus mais profundos valores morais,

provenientes de sua liberdade. Deste modo, e em sopesamento dos valores

envolvidos – tanto sob a perspectiva médica quando sob a dos valores morais do

paciente – não se aniquilaria completamente nenhum dos direitos colidentes.

Caso contrário, uma vez desconsiderada a vontade do

paciente e as razões íntimas de onde advém, ter-se-ia não um equilíbrio dos

direitos envolvidos, mas unicamente a prevalência de parte de um deles – a vida

biológica –, situação em muito desconforme àquela pretendida por quaisquer das

técnicas de resolução de conflitos.

Vai além Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao dizer que

Num conflito, por exemplo, entre o direito à vida e o direito à

liberdade o titular de ambos é que há de escolher o que há de

prevalecer. E este registro não teoriza senão o que na história é

freqüente: para manter a liberdade o indivíduo corre o risco

inexorável de morrer. Não renegue isto quem não estiver disposto

a, para ser coerente, lutar para que se retire, das ruas as estátuas

de incontáveis heróis, dos altares da Igreja Católica numerosos

santos. Nem se alegue que este argumento levaria à admissão do

suicídio. Não, porque não há o direito à morte, embora haja o de

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preferir, por paradoxal que seja para alguns, a morte à perda da

liberdade (1994, p. 21).

Vale relembrar, ademais, que considerar a volição do

paciente na tomada de decisões significa respeitá-lo como pessoa autônoma, o

que envolve, segundo Paulo Antônio de Carvalho Fortes

[...] reconhecer que cada pessoa possui pontos de vista e

expectativas próprias quanto a seu destino, e que é ela quem

deve deliberar e tomar decisões seguindo seu próprio plano de

vida e ação, embasada em crenças, aspirações e valores

próprios, mesmo quando estes divirjam dos valores dos

profissionais de saúde ou dos dominantes da sociedade (p. 39-

40).

Desta feita, as recusas de doentes frente a determinadas

terapias, não obstante aparentemente insensatas, guardam em si, na grande

maioria das vezes, motivos arraigados a tão importantes valores do enfermo que

desrespeitá-las poderia significar-lhe gravame ainda maior que a própria moléstia

sofrida, de modo que não estão o Poder Estatal e a classe médica legitimados a

desacatá-las.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo evolutivo dos direitos fundamentais há séculos

instaurado revela o constante empenho humano por seu mais abrangente direito:

a liberdade.

Frente à liberdade em contínua conquista e à necessidade de

gerenciamento responsável sobre a vida humana é que florescem os mais novos

direitos de quarta geração [ou terceira para quem assim prefira], que, acima de

quaisquer outros objetivos, pugnam pela proteção humana em seu mais

intrínseco sentido: da dignidade que lhe é inerente.

É, pois, sob esta perspectiva dos novos direitos em emergência

que medram os Direitos do Paciente, não adstritos ao atendimento médico, ao

acompanhamento em consultas, à prestação gratuita de saúde; mas, também, ao

direito do enfermo em agir autonomamente quando em questão seu bem-estar

físico e interior, decidindo por si as ingerências que permitirá ou não sobre seu

corpo.

Em não raras vezes, contudo, o direito de decisão autônoma do

indivíduo lhe é tolhido, ou sem quaisquer justificativas, ou pela simplista alegação

de estar sob iminente risco de vida, como se sob esta circunstância cessassem

seus direitos e poder decisório, tornando-se ele, em razão de sua enfermidade,

um sujeito incapaz desprovido de fundamentais direitos.

Ademais, não bastasse a inconstitucionalidade dos

preceitos legais que apoderam a classe médica de autorização interventiva

mesmo à revelia do enfermo – o que se afirma tendo em vista que restrições aos

direitos fundamentais imprescidem formulação legal sob crivo do poder

Legislativo, exigência inobserada pelas disposições assentadas nos Código de

Ética Médica – , a inexistência de parâmetros caracterizadores do dito iminente

risco no qual se legitima a intervenção médica permite que, freqüentemente, seja

tal justificativa utilizada sem que exista quadro clínico compatível com o risco

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suscitado, coibindo-se a volição do paciente quando em perfeitas condições

encontrava-se ele para exercê-la.

Dispensar o imprescindível consentimento do enfermo, bem

como sobre ele implementar terapêuticas que lhe sejam de repúdio mostram-se

um crasso vilipêndio à sua vontade, porque inobstante visem salvaguardar sua

mantença física, promovem-na às custas de seus valores pessoais nos quais se

consubstanciam as razões de sua existência.

E quem poderia imputar desimportantes as crenças

pessoais de outrem, a ponto de, desconsiderando-as, forçar-lhe terapêutica

veementemente recusada? À que base moral devem atrelar-se os íntimos

pensamentos humanos, senão cada um à sua própria?

Em situações de conflitos, especialmente em que valores

morais se lançam em jogo, alerta Kelsen que

em vista, porém, da diversidade daquilo que os homens

efetivamente consideram como bom e mau, justo e injusto, em

diferentes épocas e nos diferentes lugares, não se pode

determinar qualquer elemento comum aos conteúdos das

diferentes ordens morais. Tem-se afirmado que uma exigência

comum a todos os sistemas de moral seria: conservar a paz, não

exercer a violência sobre ninguém (1999, 73).

Respeitar a escolha do enfermo unicamente quando

compatível àquela esboçada pelo profissional da saúde ou outra autoridade pelo

caso responsável significaria dizer, como há muito já advertido por M. J. Wreen

que “o paciente é livre para decidir e que sua decisão será honrada, mas tão

somente enquanto ele decidir de certa maneira”, razão pela qual, “o valor desta

liberdade e autonomia seria zero”26 (1991, p. 126, online, tradução livre).

Não se olvida, tampouco se menospreza, o valor

imensurável a ser atribuído à vida em seu sentido biológico, porém verifica-se

insensato exclusivamente a ela apegar-se como único direito a ser preservado, à

26 No original: “That’s equivalent to saying that the patient is free to decide, and his decision will be honored – but only as long as he decides a certain way. The cash value of such freedom and autonomy is zero”.

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medida que se relega à completa insignificância inúmeros outros direitos, como a

própria liberdade, a vida privada, e, em especial, o direito do indivíduo em dirigir

sua vida sob seus moldes de justeza e moralidade, que a compõem em sua mais

ampla acepção.

Outrossim, os tratamentos médicos à que vez ou outra são

alguns pacientes forçados – como intervenções cirúrgicas para retiradas tumorais,

amputações de membros, transfusões sanguíneas, transplantações de órgãos –,

não se mostram em nada superiores a determinados cuidados cotidianos a que

devam outros pacientes submeter-se, tais quais a não ingestão excessiva de sal

ou açúcar, respectivamente, por pacientes hipertensos ou diabéticos sob alto

risco; abstenção ao fumo àqueles atingidos por moléstias pulmonares, bem como

ao consumo desmedido de bebidas alcoólicas por parte de cirróticos; situações

estas em que, não obstante esteja o portador sob diário iminente perigo de vida,

não é ele obrigado à adoção das indicações médicas, ficando a seu critério

submeter-se ou não às recomendações terapêuticas, ainda que risco advenha à

sua vida.

Desatender os valores pessoais que motivam a recusa de

pacientes é, a bem da verdade, atribuir-lhes menoridade, à medida que se

reconhecem como válidas e sensatas exclusivamente as decisões compatíveis às

nossas, como se justas e moralmente parametrizantes fossem.

Faz-se mister uma mudança, que substitua a paternalidade

médica autoritária pela arte de tratar dignamente o enfermo nos moldes de suas

íntimas convicções, que lhe preserve não meramente a vida biológica, mas

também todos os atributos imateriais que a compõe e a fazem, em seu mais pleno

sentido, ser uma vida digna de ser vivida.

E é o que se espera das reformulações em andamento do

Código de Ética Médica; bem como desta e das futuras gerações.

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