o diário do araguaia - maurício grabois

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  • 8/6/2019 O dirio do Araguaia - Maurcio Grabois

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    DE 1972 A 25 DE DEZEMBRO DE 1973

    30/4 Comeou a G.P. a 12/4. O inimigo, possivelmente informado por algumadenncia, atacou de surpresa o Peazo entre as 15 e as 16 horas daquele dia. Avisado com poucas horas (2) de antecedncia, pela massa, o D.A. retirou-se organizadamente para a

    mata. O G3 daquele D., que estava sediado no Peazo, dada a superioridade do adversriono ofereceu combate, mas salvou seus efetivos, se armamento e diversos materiais. Noentanto, muitas coisas foram deixadas no local, principalmente roupa e a oficina. O C doDA mandou avisar o G2 e o G1, ordenando-lhes que se retirassem para um ponto previamente estabelecido, onde se encontraria o DA A manobra realizou-se com plenoxito. Na manh do dia seguinte, 13 de abril. Juntavam-se o G3 e o G1. Trs dias depoischegava o G2, tendo realizado marcha difcil pelos caminhos e pela mata, enquanto no asobrevoavam helicpteros e nas estradas ouviam-se rajadas de metralhadoras. Os G1 e G2salvaram todo o seu equipamento, armas e todos os objetos de uso.

    Na manh do dia 13 foi enviado um mensageiro (Land) para apanhar o com. Cid erecolher informaes sobre o inimigo e o estado de esprito da massa.

    No dia 14, tambm pela manh, despachou-se o com. Nu. Para avisar o DB. E a 17,dois com. (Be e Pau) foram mandados atalhar o Jo. Que naquele dia dirigia-se ao Peazoque j estaria ocupado pelo Exrcito.

    O moral do DA bem elevado, no h sinal de temor e todos se mostram ansiososde enfrentar o inimigo. Embora a alimentao seja pouca, no h sinal de nenhumareclamao.

    A 17 regressa o com Nu. Informa que o DB est bem, retira-se salvando seus pertences e prepara-se para realizar uma operao ofensiva. Ao voltar, Nu. Encontra-se naestrada com Joaq. Que lhe informa que o PA do PP do DC fora atacado no dia 14 por maisou menos 15 homens. Trs co que se encontravam no PA conseguem fugir, mas deixamtudo no local, inclusive trs fo. e as mochilas. Dois outros co encontravam-se em pesquisana mata e podiam voltar ao PA a qualquer momento. Um co colocado no caminho paraatalhar os dois co. e impedir que voltassem ao PA. Joaq. Tambm comunica que Jo. Sair a16, para avisar o DA do ataque ao DC, dirigindo-se ao Peazo onde j se encontravamtropas do Exrcito. Nu, ao voltar de sua misso, passando prximo da Consolao ouveinmeros tiros de fuzil 45 e rajadas de metralhadora.

    No dia 18, regressam Be e Pau sem ter cumprido sua misso porque no encontramo caminho que leva estrada do Chefe. Mesmo que achassem, nada adiantaria uma vez quJo. Por l passou um dia antes.

    O DA desde o dia 12 at o dia 22 acampou em 4 lugares diferentes. Embora tenhacaado 2 tatus, 1 guariba, 1 macaco-prego, 6 jabutis e pescado alguns peixes, alimenta-sede suas reservas. A farinha est por acabar e necessrio conseguir provises com a massaAs dificuldades com alimentao so grandes. Foi feita uma reunio com todo o DA parainformar seus c sobre a situao. Outra reunio mais demorada foi feita a 21, ondedestacamos a importncia da nossa luta e a nova fase que se iniciava no movimento do povo brasileiro por sua emancipao. Sublinhamos a necessidade de se constituir uma foraguerrilheira combativa e chamamos a ateno de todos os co. Para a importncia dadisciplina militar. Ao fazer consideraes polticas procuramos dar uma perspectivaotimista, mostrando Ter sido um xito a retirada do D, sem perdas e com todo o materialAt agora mostrava-se justa a orientao militar do P. A tarefa do DA era desenvolver oauto-abastecimento, fazer propaganda revolucionria, ligar-se s massas para colher

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    informaes, obter alimentos e recrutar novos combatentes e realizar algumas aes pequenas contra o inimigo.

    No dia 22, chega o Land de sua misso. Atrasou-se porque houve desencontro sobreo ponto onde devia ser recolhido. Fizera boa viagem pela mata e pelos caminhos. No Localna Transamaznica, onde tinha de apanhar o Cid, estava sediado um posto do Exrcito. O

    nibus e demais veculos estavam sendo vistoriados. Cid e os que deviam vir com ele noapareceram. Dada a vigilncia do inimigo, Lan no repetiu o ponto a 1G como estavacombinado. Que ser feito do Cid? Far imensa falta. Talvez, daqui a algum tempo, consigaentrar na zona. Se no nos puder ajudar aqui ajudar o P. l fora e coordenar todo o apoio poltico GP. O Land trouxe informaes teis. A massa diz que 70 soldados atacaram oPeazo. O inimigo espalha que somos assaltantes de bancos, terroristas e difunde outrascalnias. Mas os camponeses no acreditam. Nos conhecem h muitos anos e sabem quesomos pessoas honestas, corretas, amigas do povo e que lhes prestaram muitos favores.Alguns se dispuseram a nos auxiliar. As perspectivas de ajuda da massa parecem boas. OLan defrontou-se com um bate-pau montado no PT (um dos burros do DA). Passou porelementos da massa. O Bate-pau, alm de dizer que ramos terroristas, acrescentou quetnhamos fabricado muitas armas, que estvamos armados at os dentes e que o inimigoestava nas bocainas para nos pegar quando sassemos da mata.

    No dia 22 saio com o Nu e o Ju para me encontrar com o C do DB e com o Pe. DaCM. A viagem apresenta algumas peripcias, pois os igaraps esto cheios e complicadoatravess-los. O helicptero continua voando. Chegado ao ponto, l encontro oscompanheiros. Tinham matado um porco, trazido bananas e mamo obtidos com a massa Na vinda, o Os, C do DB, fizera agitao em duas casas de camponeses e recebeu aaprovao das pessoas presentes. Informa que seu D est concentrado. Parece-me querecuou em demasia, no interpretando bem a ordem que lhe fora transmitida. O Pecomunica que DG retirou tudo do PA. Como fizeram fogo de dia, um avio sobrevoousobre eles. Completa a informao sobre o DC. Um elemento saiu para apanhar os conovos. Dois outros co foram, por sua vez, esper-los. E um quarto, depois do ataque, sada para avisar estes ltimos. A situao do DC delicada. Conhecem pouco a mata, pois sonovos em certa parte da zona, e os caminhos esto sendo vigiados pelo inimigo.Aguardamos mais informaes dos co que foram se ligar ao DC. Depois de fazer o balanoda situao, que julgamos favorvel, traamos algumas tarefas para os D A e B e tambm para a CM. O Pe informa que o Jo no chegou a ir ao Peazo. A massa contou-lhe o quocorria e ele voltou ao seu PA. Teve muita sorte.

    Dia 24 fazemos viagem pela mata em direo ao acampamento do DB. A 28 lchegamos. O estado de nimo dos co. bom. Discutimos com o comando e depois foi feituma reunio com todos os co. Levantamos a questo que j tnhamos apresentado no DA No acampamento a vida corria normalmente, quase como se fora um PA. Tambminsistimos para que os co. se ligassem mais s massas, colhessem informaes sobre oinimigo e realizassem uma ou mais operaes ofensivas. Com exceo do DC, do qualcarecemos de informaes, tudo parece ocorrer normalmente. No se nota sinal de fraquezem ningum. Todos querem combater. Muitos co. se destacam e os mais atrasados vo seadaptando nova vida. No DA, ZC mostra-se um C tranqilo e equilibrado. Tem sus co. namo, embora tenham surgido alguns probleminhas secundrios. Piau tambm um bomVC. Os CC de GG revelam-se bons, bem como seus substitutos eventuais, exceto Zezinhodevido sua doena.

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    No DB tambm o moral elevado. O Os um com C, acatado e respeitado. O Zecatambm vai bem, embora, como sempre, anda um pouco irritado. Para todos os co dosdiferentes DD, entrou-se em uma nova fase de luta. A inexperincia geral. Masacabaremos superando todos os obstculos e os co acabaro por dominar os mtodos da GPReagrupadas nossas foras, guardadas as coisas que atrapalham nossa movimentao

    poderemos nos propor a novas tarefas, tanto no que se refere ao auto-abastecimentoquando propaganda revolucionria, ligao com as massas e s aes contra o inimigo.1/5 Hoje, Dia Internacional do Trabalho, encontramo-nos na mata, eu, Pe e Ivo. O

    rdio anuncia que o governo elevou o salrio-mnimo para 268 cruzeiros na GB. Que pndegos esses gorilas da ditadura... Pode, por acaso, um trabalhador viver com umaquantia to irrisria? E, Garrastazu, cinicamente, ainda fala em distribuir o produto dodesenvolvimento com todos. Mas os que enriquecem cada vez mais so as empresasimperialistas, os grandes capitalistas e os latifundirios, enquanto o povo empobrece emescala crescente. A ditadura ultrapassa todos os limites do ridculo. O inefvel Jlio BarataMinistro do Trabalho, anuncia uma grande ddiva dos generais: a aposentadoria aohomem do campo. E, pomposamente, em Belo Horizonte, entrega a penso de meio salriomnimo a 9 lavradores de mais de 75 anos. Trata-se do maior acinte aos milhes decamponeses que vivem abandonados, na fome e na misria. A demagogia barata da ditadur jamais enganar as massas. Para compensar a verborragia ditatorial, que enjoa a qualqueum, noite ouvimos a Rdio da Albnia que nos relata as comemoraes da festa dostrabalhadores naquele pas e desmascara o governo dos generais.

    Tambm, a 1 de maio regressa o Ju, que fora buscar o Joaq, tarefa cumprida comxito. A CM est completa e rene-se. Incorporamos a ela o Ju. Este um revolucionrioexemplar. Alm de suas tarefas de mdico, est sempre disposto a realizar qualquer misso No dia seguinte, acompanhado do Ivo e de 2 co do DB, Zezinho e Peri, vai ao encontro doJo para transportar a carga da CM e do DG. Tambm leva a incumbncia de ir ao ponto deencontro de emergncia com o DC, uma vez que o Joaq informa no ter aparecido ningumdo DC no local combinado para o dia 21. Leva diretrizes concretas para o DC, de acordocom a situao em que se encontre. A falta de notcias do DC nos deixa apreensivos.

    A CM rene a 2/5 com o C do DB e reitera as diretrizes dadas anteriormente. O DBvai mudar de acampamento e guardar seus bagulhos. Osv apresentou um plano concreto detrabalho e de operaes. Embora modesto, se for executado dar um bom resultado polticoInsistimos sobre a linguagem a ser usada com a massa. O inimigo procura nos apresentarcomo marginais. Em nota fornecida pelas autoridades militares, divulgada pela rdio, diz-sconfusamente que ao sul da cidade de Marab, foram localizados malfeitores procurado pela Polcia Federal, quando as foras militares realizavam investigaes sobrecontrabando. Em seguida, diz que prosseguem os exerccios com a participao doExrcito, Marinha, Aeronutica e Polcia Militar. A reao procura evitar a repercusso danossa luta falando em contrabando e bandidos foragidos. Quer jogar terra nos olhos do povo. Que diabo de contrabando esse que mobiliza, em seu combate, as trs armas e aPolcia Militar do Par de contrapeso? A esta hora, Marab, So Joo do Araguaia, S.Domingos, Araguatins, Xambio, Imperatriz, Tocantinpolis, Porto Franco, Araguana emuitas outras cidades e corrutelas devem estar em polvorosa. Devemos repelir todas ascalnias e dizer claramente por que lutamos. Precisamos dar argumentos polticos deacordo com o nvel de compreenso da populao. necessrio difundir ao mximo oManifesto do Movimento de Libertao do Povo, no qual est includo o programa dereivindicaes locais por ns defendido. Somos defensores do povo, lutamos contra a

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    opresso e a explorao. O Par, bem como todo o Brasil, deve ser uma terra livre, semgrileiros e tubares, onde os pobres possam cuidar de suas terras sem nenhuma perseguioe com a ajuda de um governo verdadeiramente do povo. Somos inimigos irreconciliveis dditadura. Nossa poltica ampla. preciso se orientar pelo programa do MLP e falarlinguagem acessvel massa. Na propaganda revolucionria armada indispensvel ter

    iniciativa e esprito criador. As massas, se falarmos em linguagem a elas compreensvel,viro para o nosso lado. A ditadura com sua poltica infame s pode ser odiada pelo povoO importante esclarece-lo.

    Dia 3/5 rene-se a CM e troca idias sobre os seguintes assuntos: a) localizao efuncionamento do Comando; b) ligaes com o P; c) a ttica a seguir pelas forasguerrilheiras; d) a propaganda revolucionria a ser desenvolvida na regio. Algumasmedidas prticas so tomadas.

    O DB, antes de levantar acampamento deixou-nos alguns mantimentos que nos do para viver alguns dias.

    7/5 No dia 5/5 mudamos de acampamento. O local oferece relativa segurana eum pouco mais de conforto. No dia seguinte, Pe vai ao encontro com o Jo e com o Ju Ningum aparece. De regresso, traz um jabuti, o que melhora o nosso jantar. O Pe revela-seexcelente mateiro, dominando bem o terreno. Mostra capacidade militar e tudo indica quser um bom chefe. O Joaq traz uma lata de farinha que estava no ltimo acampamentoDefrontou-se com um bando de caititus. Mas estava sem espingarda, pois a carga era pesademais. Assim, ficamos sem reserva de carne. O Joaq comea a dominar o terreno. homem calmo, tranqilo e trabalhador. Muito promete como dirigente militar.

    Estamos com poucas notcias dos DD. Pensamos que breve as teremos. O que nos preocupa, no entanto, a falta de repercusso da nossa luta. H quase um ms que fomoatacados e nada se fala a respeito, nem no pas e nem no exterior. A Rdio da Albniacomenta a situao das massas no Cear, onde lavra a seca, faz comentrios de toda ordemsobre o Brasil, mas no diz uma palavra sobre o nosso Par e a mata em que nosencontramos. Ser que o P ainda no sabe de nada? Isto nos faz pensar sobre a sorte do CidAconteceu alguma coisa com ele? No acreditamos que tenha sido preso. suficientementvivo e esperto para deixar que o apanhassem. Precisamos dar repercusso nossa luta. Isso vital para ns. A extenso do nosso movimento, o nmero de co que envolve, a bandeirque levantamos, o tamanho da regio conflagrada, bem como a selva, junto Transamaznica, necessariamente chamaro a ateno sobre ns. indispensvel romper a barreira da censura ditatorial. A propaganda de nossa zona guerrilheira atrair milhares de jovens para a luta e aumentar o prestgio do P que tem, agora, grandes possibilidades decrescer. Temos urgentemente de nos ligar com o P. o que faremos na primeiraoportunidade.

    12/5 Faz, precisamente, um ms que a luta comeou. Embora poucas sejam asnotcias, tudo faz prever que a GP tende a se desenvolver. Ainda no temos elementossuficientes para fazer um balano. Este ser realizado logo que tenhamos novos dados.

    No dia 9, Pe saiu para tomar contato com o DA e, de volta, trar notcias quefornecero meios para melhor avaliarmos a situao. Aguardamos, pois, seu regresso.Tambm no h noivas informaes do DB. O Osv no tem aparecido no ponto, mas dentrode poucos dias entrar em ligao conosco. Joaq desde o dia 6 tem ido ao encontro de Jo edos 3 elementos do DB que esto com ele. Mas todos eles tm faltado. Ser que se perderam? Julgamos que, hoje, chegaro, uma vez que ontem ouvimos um tiro de 20 pertdo nosso acampamento. Tudo indica que sejam Jo e os demais co. No pode ser massa

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    porque no estamos em poca de marisco. O inimigo no sair por a a dar tiros, nemvimos nenhum sinal de sua presena. Estamos espera do Ju e do Ivo que foram encontrarse com elemento do DC. Se tudo correu bem, logo estaro aqui.

    15/5 A pacincia uma virtude essencial na guerrilha. Isto estamos aprendendo na prtica da vida diria. No dia 12 no apareceu ningum. Nem no dia 13. Ficamos, eu e Joa

    que nem piloto em dia sem teto e sem contar com instrumentos de vo (por coincidncia por cima de ns voa insistentemente um helicptero que chato!). Como poderiamdesaparecer ao mesmo tempo 6 co em duas misses diferentes? Estvamos muito preocupados. No dia 14 a coisa se esclareceu. Encontramos por acaso o Ju e o Z Bal(Ivo). Esperaram gente do DC at o dia 10. No apareceu viva alma. A 11 regressaram. Nocaminho o Ju foi atacado por violenta malria e obrigado a permanecer deitado a 12 e 13S a 14 pde reencetar a marcha. Seu ltimo acampamento estava situado bem perto donosso. Trouxe carne moqueada de caititu que tinham obtido no curso da viagem. Ju e Ivoderam notcias do Jo e dos outros. Tinham partido a 6. Estavam, portanto, atrasados de 7dias. Com certeza Zezinho, que era o guia, no acertara o lugar do encontro. Joaq e Ivoforam ao ponto de Jo e eu e Ju ficamos aguardando no lugar, onde acidentalmenteencontramos os dois. s 14 horas Joaq e Z Bali (Ivo) regressam sem nenhuma notcia doJo. Nessa hora, tambm ocasionalmente, surge do Flav, chefe do G do DB. Estava perdido e procurava o caminho para voltar ao seu acampamento. Indicamo-lhe o caminho. Por seuturno, ele nos informou que j cortaram 90 latas de castanha e que os seu co tm caado bastante. Est de barriga cheia. Mostra maior disposio e vigor fsico. Diz-nos tambmque o Ju encontra-se com ele. Chegou a 9 com os outros 3 combatentes. Confirma-se,assim, a previso de que o camponesinho no encontrara o ponto. O tiro que ouvimos a 11fora dado por Jo, que matara um gorgo. Flav informa igualmente que fizera junto comoutro co uma pesquisa entre a massa. Esta o recebeu muito bem. Aceitou com satisfao aidias expostas no programa do MLP. O elemento de massa comunicou-lhe que desceramde um helicptero em Santa Cruz 25 soldados. Estes eram todos curaus e nunca tinhamvisto mata. Vieram a p e no tiveram disposio de atravessar o Gamegia, que naqueledia estava cheio. S na manh seguinte se atreveram a faze-lo. Limitavam-se a queimar ascasas do PA e voltaram fagueiros. Estavam acompanhados do delegado do vilarejo. A masstambm d uma notcia bem triste para ns: fora visto amarrado a um jipe um jovem dechapu de couro quebrado, que estava armado de 38 e duas caixas de bala, faca e faco. S pode ser o Ger do DB que a 17 do ms passado sara para avisar o DC sobre o ataque doExrcito ao DA. Acrescenta que foram presos em S. Geraldo um preto e velho de bigodeS podem ser Z Fco e o Vict, que saram para pegar os co novos. uma grande perda parao DC. Z Fco passou quase 37 anos espera da LA, depois de participar, como marinheiroda insurreio de 35. Quando a GP se inicia, preso acidentalmente. Isso j azar demais preciso que os co lutem tambm por ele. A priso de Vict um grande desfalque ao D aque pertence.

    At a chega do Ju ficamos 4 dias nos alimentando base s de farinha e de algumascastanhas de Sapucaia. No por falta de caa. Mas a falta de sorte grande. No dia queouvimos o tiro, meia hora depois deste ter sido disparado, um veado passou tranqilamenta 10 metros do nosso acampamento. Joaq no atirou para no denunciar o lugar ondeestamos. Na noite do mesmo dia nos visitaram um tatu enorme, que fugiu lepidamenteaos golpes de faco do Joaq, e uma anta, que ao nos perceber fugiu, guinchando, como umtanque.

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    No dia 13, diante do acampamento, apareceu um bando de caititus. Joaq atingiu ummas ele conseguiu fugir. O jabuti ainda o nosso grande fornecedor de carne.

    16/5 A 15, de tarde, apareceu Osv, calmo e tranqilo como sempre. Traznovidades. O inimigo est fazendo da quinta de Felipe, perto do PA do Gamegia, umcampo de pouso para seus helicpteros. O Osv visitou 8 casas de camponeses e em toda

    elas foi muito bem recebido. Fez uma explanao muito eloqente e tambm convincentede nossa luta. A massa est indignada porque os soldados tocaram fogo em nossas casas. Hgrande pesar pela priso do Ger. Todos os elementos de massa, com quem conversou, prometem nos ajudar. Do notcias de Santa Cruz e de Xambio. Neste cidade foi presauma jovem professora que parece ser de esquerda ou revoltada com a situao em quevivem as massas da regio. Na casa de sua me, em Santa Cruz, morava o Am. Quando elfoi detida as freiras e o padre da localidade protestaram veementemente, dizendo que se elano fosse solta tambm queriam ser presos. Diante dos protestos, a Polcia Federal, ou oExrcito, foi obrigada a liberta-la. O fato deve ter repercutido na cidade. Outrasinformaes: a tropa que veio ao Castanhal era constituda de jovens, inclusive o tenenteque comandava. Estava doido para voltar para a sua base e no revelava nenhumavigilncia. Em Santa Cruz, bebiam cachaa e mantinham as armas ensarilhadas. Podiam tesido alvo fcil de uma emboscada. No Castanhal limitou-se a queimar as casas. E noGamegia, alm de incendiar as barracas cortou os mamoeiros e as plantaes de macaxeiradeixando as razes.

    Alguns elementos da massa fazem a defesa aberta de Osv e criticam o Exrcito. boa a nossa situao em relao aos camponeses.

    O Osv informou que ao se dirigir casa de um elemento da massa, foi parar inadvertidamente no caminho e deparou-se com um grupo de cinco elementos armadostendo uma metralhadora. Pareciam ser da Polcia Federal. Tinham subido a Gameleira demotor e se apresentavam como gelogos para enganar os camponeses. O Osv e oComprido, que o acompanhava, travaram tiroteio com eles. O da metralhadora foi morto eum policial foi ferido. O tropeiro que estava com eles, e mais um inimigo, saram emdesabalada carreira. Outro ficou de tocaia num muguio com a metralhadora e o revlvedo morto. Foi o primeiro choque do DB com o inimigo.

    Hoje, chegou o Jo, que, aps comer, logo regressou com o Osv para o acampamentodo G do Cast a fim de trazer duas latas de farinha. Amanh voltar.

    Nos ltimos dias nota-se febril atividade da aviao. Avies a jato cortam os aresduas, trs e at quatro vezes por dia. Tambm voam aparelhos a pisto. Os helicpterosmovimentam-se sem cessar e o dia todo. O que procura o inimigo? Julgamos que esttransportando tropas para esta rea. Ser que pretendem entrar na mata? Pior para eles. O Gdo DB, que est por aqui, vai sair da rea e ns iremos logo levantar acampamento.

    O Ju desde que chegou est na rede. A malria no o larga. Est quase sempre com39 de febre. Assim permanece h 5 dias. Emagreceu muito e est debilitado. Seu nimo, noentanto, elevado.

    17/5 Os helicpteros continuam a voar e o Ju ainda est nas garras da malria. Afebre, contudo, baixou para 37,5. Preparamo-nos para levantar acampamento amanh.

    20/5 Finalmente o Ju ficou bom da febre e somente ontem que pudemostransferir o acampamento. O lugar parece ser bom e livre dos rastros deixados pelo DBquando acampou por aqui. Tambm o ltimo G do DB saiu da rea. Ainda noesclarecemos o mistrio do tiro disparado a 11. No foi o Jo. Talvez algum daquele G.

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    Quando Joaq, o Jo e o Ivo partiram para buscar o que restava no acampamentoabandonado depararam com um respeitvel veado. Jo o acertou com a 20 e o Ivo terminoude liquid-lo com um tiro de revlver. noite tivemos churrasco de veado e sarapatel demidos. Melhorou nossa reserva de carne. Infelizmente a malria atacou o Joaq, que juntamente com o Ivo tinham de atender o ponto do DC. Hoje est melhor e s amanh

    partir. O impaludismo est nos castigando.Desde o dia 16 desapareceu a atividade area do inimigo. Esporadicamente ouve-seo barulho de avio ou helicptero.

    Ontem noite a Rdio Tirana deu uma breve notcia de nossa luta. Rompeu-se acortina de silncio que se estendia sobre os nossos combatentes. Temos a impresso que anotcia no foi enviada pelo P, mas que se filtrou atravs de uma agncia telegrficaestrangeira. O noticirio tinha pouco contedo poltico e apresentava o movimento quasecomo espontneo e ao lado de lutas de menor importncia como a de S. Domingos doCapim e outras. Contudo, a notcia tem importncia, pois muitos brasileiros ficam sabendoque no Brasil existe um movimento guerrilheiro de certa envergadura e que se subsiste hquase 40 dias. necessrio destacar o fato de que a guerrilha desperta grande simpatiaentre as massas e a grande mobilizao de tropas na Transamaznica e no Araguaia. Isso aRdio Tirana assinalou. Estamos certos de que o noticirio dessa Rdio melhorar namedida em que o tempo correr e ns ampliarmos nossas aes.

    urgente o contato com o exterior. Estamos somente aguardando a volta do Pe paradecidirmos o que fazer a respeito.

    O Ju e o Ivo acabaram de sair para apanhar o resto dos bagulhos que ficaram noltimo acampamento, e o Jo tambm partiu para buscar uma rede para o Ju e outras coisaque aqui esto faltando.

    21/5 A Rdio Tirana voltou ontem a abordar a nossa luta. Difundiu uma nota sobrea ao das Foras Armadas no Norte do pas. Deu destaque merecido ao assunto e o tratoude maneira poltica. Nota-se, agora, que os dados foram fornecidos por quem conhece os problemas daqui. Isso nos faz crer que o Cid conseguiu se safar, colheu informaes e pdetransmiti-las aos amigos da Albnia. Para ns, o Cid em liberdade um alvio.Alimentamos esperana de t-lo breve em nosso meio. Confirma-se nossa previso de que Rdio Tirana, com o correr do tempo, melhorar seu noticirio sobre a luta guerrilheira naselvas do Araguaia. Com certeza irradiar o manifesto do MLP em Defesa do Povo e peloProgresso do Interior.

    Aqui, temos que intensificar a propaganda revolucionria, recrutar novos co para asForas Guerrilheiras e amigos para a nossa causa. E isso no difcil de realizar. Ascondies parecem favorveis. Na prxima reunio da CM discutiremos esse problema.

    A bia entre ns vem sendo farta de carne, castanha e farinha. noite nos damosao luxo de um caf. Hoje, saram Joaq e Ivo para reatar a ligao com o DC. Temos, porm poucas esperanas de concretiza-la. Esperemos. Agora mesmo o Ju tambm partiu par pegar o Pe que deve trazer muitas novidades do DA. Falando deste D, queremos assinalaque a Rdio Tirana s falou da sua rea, sem mencionar nada sobre a rea dos outros DD. Aatividade do DA est repercutindo mais ou a concentrao do inimigo maior sobre ele.

    necessrio reproduzir o manifesto do MLP e trabalhar mais com ele.22/5 O Ju no regressou do ponto do com o Pe, o qual est a mais ou menos duas

    horas do nosso acampamento. Isso nos deixou bastante preocupados. s 17 horas voltou oJo, que trazia uma tona e um jabuti. Este ficou para o quebra e aquela foi devorada no jantar. A tona um pssaro excelente. Talvez melhor que o peru. Hoje de manh o Ju

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    apareceu. Perdera-se na mata e no chegou a encontrar o local onde deveria estar o Pe. Aexperincia revela que na mata ningum bom. Os melhores mateiros costumam se perdecom freqncia. Acompanhado do Jo, Ju saiu agora mesmo para apanhar o Pe.

    A Rdio Tirana voltou a repetir a notcia da nossa luta. Precisamos enviar-lheinformaes para alimentar o noticirio sobre a guerra de guerrilha no Araguaia. Logo qu

    tivermos portador assim o faremos.24/5 Chegou o Pe, que se encontrava no local desde o dia 21. Fez uma viagemrpida. Informou que no dia 10, no local combinado, juntou-se ao ZC, que estavaacompanhado da AL. Est grandemente entusiasmado com as notcias do DA. O pessoadeste D est bem, embora existam dificuldades de pouca importncia. Resolveu em parte o problema de alimentao. Matou dois veados, dois jacars, um caititu e apanhou muito jabutis. Altamente positiva a informao sobre a massa. Uma equipe chefiada por Piau ecomposta de Be, Land e Su visitaram cinco casas e conversaram com diferentes pessoas. Arecepo foi a melhor possvel. Acima de qualquer expectativa. Todos nos apoiaram, prestaram valiosas informaes e se dispuseram a nos ajudar de diferentes formas. Issomostra que os nossos co so bastante queridos pelos camponeses e que estes so receptvei nossa orientao. Confirma-se a justeza da nossa linha militar. A mata nos abriga e o povonos ajuda. Com as informaes do Piau elevou-se o moral do D. A massa tambm revelouque o Exrcito tambm se retirara da rea e se encontrava nas corrutelas. Deixou de policiaa Transamaznica, estabelecendo somente um posto de controle prximo de S. Domingos eoutro em frente da estrada de S. Felix. Em seu lugar ficaram alguns grupos da PolciaMilitar. O Exrcito tambm bateu em nossa beira e l prendeu um elemento de massaque tomava conta da quitanda, levando-o para Braslia. A mulher e os 10 filhos desseelemento de massa ficaram ao desamparo. preciso ajuda-los. Correm as mais pitorescalendas a respeito dos companheiros do DA, sempre revelando simpatia. Sobre a Tia, dizemque foi surpreendida num carro, mas no foi presa porque virou fumacinha. Afirmam queela cientista (feiticeira). Elementos da massa informam que foi preso, prximo a SDomingos, um jovem parecido com o Lu. Talvez se trate do Nilo, que liberamos por nodesejar participar da luta. Ele sabe pouca coisa a nosso respeito.

    O DA elaborou todo um plano de trabalho de massa e de propaganda revolucionriaPensa em se reabastecer atravs dos camponeses. Duas equipes foram organizadas. Umacomandada por ZC (com 8 co) e outra chefiada por Piau (com 6 co). Acreditamos quetero xito.

    Hoje a Rdio Tirana tratou novamente da nossa luta. Deu-lhe importncia, mas noforneceu novos dados. Temos que enviar ao P informaes, a fim de dar maior repercusso luta na regio do Araguaia.

    urgente fazer um balano da situao. Analisar nossa atividade poltica e militar, ocomportamento da massa e a ttica do inimigo. Precisamos delinear com clareza as perspectivas da luta e elaborar um plano de trabalho. Na prxima reunio da CM nosorientaremos nesse sentido.

    At agora no temos tido dificuldades com a alimentao.26/6 Ontem reunimos a CM para dar um balano da situao e traar algumas

    tarefas concretas. Nessa reunio examinou-se a ttica at agora empregada pelo inimigo, aatitude da massa diante da nossa luta, a poltica que devemos aplicar na regio e a ttica quedevemos pr em prtica. No que se refere primeira questo, constatamos que o Exrcitoembora tivesse ocupado algumas cidades e estabelecido postos na Transamaznica, noenviou grandes contingentes contra os nossos PPAA. Suas tropas de ataque variavam entre

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    20 e 25 homens (a informao de que contra o Peazo foram mandados 70 soldados no eracorreta). Acresce que vinham cansados (foram obrigados a caminhar longas distncias a pe mesmo temerosos. Tivssemos ns um melhor servio de informaes e experinciamilitar, poderamos assestar no inimigo rudes golpes nas reas de todos os DD. Os soldadoqueimaram os nossos PPAA e, aps pequena permanncia naqueles locais, retiraram-se.

    Pelo visto, a ttica das Foras Armadas tem em vista dar a menor repercusso poltica nossa luta. Dizem que somos criminosos e estabeleceram frrea censura sobre tudo o que srefere s guerrilhas do Araguaia. Tambm retiraram o aparato militar para evitarcomentrios do povo e impedir ao mximo que diferentes regies do pas se apercebam oque se passa aqui. Parece que pretendem dar a impresso que se trata de uma operao de polcia. possvel, igualmente, que o inimigo fosse obrigado a se retirar da zona porquecom nosso recuo para as matas, no tinham a quem combater e ficava atoa estacionado nonossos PPAA ou em seus postos. Suas dificuldades de transporte e abastecimento pareceter-se agravado. A zona bem hostil para ele. mais confortvel acantonar em Marab,Araguatins e outras cidades. No entanto, a retirada do inimigo parece ser momentnea. Estdeve estar se preparando melhor (parece que no tinham idia do vulto da luta). Comcerteza esto organizando novos contingentes militares mais treinados e fazendolevantamento topogrfico da regio (isso explica o continuado movimento de avies ehelicpteros). O Exrcito, sem dvida, diante da nossa atividade, enviar numerosas fora para a regio e para essa eventualidade devemos estar preparados. Mas, seja qual for amobilizao, o inimigo se deparar com um inimigo esquivo, com uma selva hostil e comuma populao que simpatiza com os revolucionrios. Se soubermos aplicar corretamentenossa concepo de GP, qualquer ttica dos soldados da ditadura fracassar.

    Sobre a atitude da massa, podemos afirmar que de profunda simpatia em relao nossa luta e de condenao s foras da represso. O comportamento das massas superou anossas expectativas. As visitas feitas nas reas dos DD A e B revelam que os camponesetendem a nos ajudar com informaes, alimentos e combatentes. Seu apoio poltico aosguerrilheiros manifestar-se- cada vez mais. Eles so receptveis nossa propaganda,expressam-se contra o governo, desinformam o inimigo e so contra os poderosos. Nossainfluncia tende a se alastrar entre o povo pobre da regio. Acreditamos tambm que a pequena burguesia das cidades prximas e das corrutelas simpatizam conosco. Mesmoalguns elementos abastados, descontentes com a ditadura, daro seu apoio luta. Tudo isso um fator bastante promissor e da maior importncia para a sobrevivncia das ForasGuerrilheiras. Parece que neste primeiro embate pela conquista das massas a reao foiderrotada. Esperamos que assim continue no futuro.

    Quanto poltica a aplicar na regio, ela deve ser a mais ampla possvel. Nossaorientao est expressa no manifesto do Movimento de Libertao do Povo. Precisamosfalar a linguagem mais simples possvel e traduzir com cores locais a linha poltica quedefendemos. No devemos aparecer unicamente como vtimas da ditadura, mas comodefensores do povo explorado e oprimido, como inimigos irreconciliveis dos poderosos da ditadura. Concitar as massas unio e luta. Respeitar a propriedade, principalmentedas massas. Atacar somente as propriedades dos que efetivamente nos combaterem. Dizeque somos contra este governo que defende os grileiros, esfomeia o povo e deixa a populao abandonada, sem escolas e assistncia mdica, sem qualquer ajuda. Os nosso propagandistas tm se sado bem na tarefa de falas s massas.

    No que diz respeito ttica militar a seguir, devemos ser bem flexveis. A vidaconfirmou a justeza da nossa concepo de luta armada e comprovou que fomos capazes d

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    estabelecer uma justa relao entre o fator topografia do terreno e a importncia dasmassas. As selvas nos abrigam das investidas do inimigo e as massas camponesas nosajudaram a sobreviver e a crescer. Tivssemos comeado a luta em regio sem mata, comterreno desfavorvel, j teramos sido liquidados, mesmo contando com a simpatia dasmassas. Agora, para ns fica patente a diferena radical entre a nossa teoria de GP e a

    concepo foquista. O fato de o inimigo ter tomado a iniciativa quando ainda notnhamos ultimado nossos preparativos, determinou que sofrssemos um golpe com a priso de alguns co quando em misso em cidades ou estradas. Mas resguardamos o grossde nossas foras, o que constitui um xito. A nossa inexperincia militar impediu que, noincio, golpessemos o inimigo, tanto no DA como no DB. Mas os fatos indicam que odesenvolvimento da luta nos favorvel e ser, no futuro, ainda mais favorvel. certo qua cortina de silncio que a ditadura baixou sobre nossa luta nos desfavorvel. Temos queromper essa cortina, pois se as massas tomam conhecimento da guerrilha, sua repercussoser imensa em todo o pas. Nossa ttica deve consistir em: 1) realizar intensa propagandarevolucionria armada; 2) garantir o auto-abastecimento; 3) levar a cabo aes armadascontra o inimigo, de maior ou menor envergadura. Este tipo de ao ou a ocupao de pequena cidade ou lugarejo ser sempre um meio de propaganda e uma forma de cresce(conseguir armas, equipamentos, recrutar elementos da massa, etc). Precisamos aproveitar orecuo temporrio do inimigo para enviar nossos propagandistas armados a todos os recantoda regio, a todas as casas de camponeses.

    Depois de discutir a situao, fazendo um balano da atividade de quase um ms emeio. Tomamos as seguintes decises:desenvolver o sistema de depsitos de abastecimento e criar, apoiado nas massas, uma redede fornecedores;organizar o servio de informaes apoiado nas massas;organizar a propaganda revolucionria armada. Fazer planos concretos: constituir equipesdeterminar reas e os nomes dos moradores a serem visitados, tendo sempre em conta adefesa contra o inimigo;]sempre que possvel realizar recrutamento de novos co entre a massa e procurar organizaros camponeses; preparar, base de informaes, aes contra o inimigo (emboscada, assalto, fustigamento)Programar a ocupao de alguns vilarejos ou pequenas cidadesrestabelecer o contato com o DC com a participao de uma equipe do DB (o Ju comoresponsvel);estabelecer, com a maior urgncia, a ligao com o P;continuar na pesquisa do terreno e prosseguir na elaborao dos croquis. Fazer planosconcretos de DD;imprimir o manifesto do MLP;aumentar a guarda e estabelecer normas para o acampamento da CM;emitir um comunicado.Ontem a Rdio Tirana deu excelente notcia sobre a nossa luta. Nota-se que ela foi redigida por quem est por dentro da situao e conhece nossa preparao. Deve ser o Cid, queimpedido de aqui chegar est nos ajudando de fora.Foi desvendado o mistrio do tiro do dia 11, desfechado prximo ao nosso acampamentoJo acabou se lembrando de que quando se encontrava com o DB, fora ele, perdido na mataquem dera um tiro de 20 num coxia (um macaco de carne muito boa).

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    30/5 No dia 28/5 Ju e Ivo partiram para tomar contato com o acampamento daretaguarda do DA. O Ju foi examinar o Paulo que, segundo informou o Pe, caiu da rede edizia estar com as pernas paralisadas. Aquele co tem dado trabalho ao D. Pouco ou quasenada colabora no trabalho de abastecimento e tem assumido atitudes nada condizentes comas de um revolucionrio. Os bulas do D acham que a paralisao das pernas simulao

    embora possa no ser consciente. O Ju foi ver do que se trata a fim de evitar qualquerinjustia. Em exame anterior, ele constatou no Paulo um desvio acentuado de coluna,embora no determinasse nenhuma limitao fsica. A queda da rede pode ter agravo seuestado e ocasionado uma paralisia temporria ou definitiva. Vejamos o que o Ju vai dizer.Ele estar aqui de volta at o dia 3/6. Seja qual for a situao do Paulo, ele constitui umsrio problema para o D.

    Ontem sobre o nosso acampamento sobrevoou um teco. Como antes chovera, ele passou bastante baixo. Parecia estar em viagem normal e no em pesquisa de terreno oulocalizao de guerrilheiros. A atividade area do inimigo continua permanente.

    No temos tido dificuldade de bia. Quase todos os dias conseguimos dois ou trs jabutis. Alguns so jabutis, outros carumbs. A jabota, quando ovada, merece um poemaQuase todas as noites faz-se substanciosa sopa com os ovos, a madre e o fgado, a qual seacrescenta um palmito de babau, castanha de sapucaia e inhame que se consegue nascapoeiras. Leva tambm um pouco de farinha. um prato suculento. O Ju no se cansa dentoar loas jabota ovada. Salve a jabota! Merece um monumento. E certamente o ter.

    Amanh o Pe vai sair para pegar o Osv. Logo teremos novas notcias do DB.Falaremos com o C do DB sobre as diretrizes tomadas pela CM. O Jo elabora o plano doDG e pensa tambm em procurar alguns elementos da massa para assegurar oabastecimento. Breve mudaremos de acampamento para uma rea nova.

    Rdio Tirana continua a insistir na nossa luta, mas se observa que carece de notcias.Estava preocupado com alguns problemas internos do D, mas sem maior importnciaDiscutimos com ele as diretrizes da CM, com as quais concordou plenamente. Ir tomar providncias para entrega ao Ju parte do G do Cast a fim de incursionar na rea do DC como objetivo de restabelecer a ligao com aquele D. Informa o Osv que na beira do Araguaia No trecho da Cachoeira, desceram cerca de 90 soldados do Exrcito, comandados por ummajor. Destes, metade ocupou os portos e a outra metade entrou pelos caminho at CoutoDantas. A massa foi retirada do local e enviada para a beira do rio. Esta providncia depoifoi relaxada, segundo outras informaes. Dias depois a tropa retirou-se e no sabemos seregressou ou se foi substituda. Os soldados s avanam pelos caminhos da mata com acobertura de pequenos avies e helicpteros. Estes costumam, em tais ocasies, metralhar mata que margeia as estradas (caminhos). No dia 4, Osv voltou ao seu D acompanhado doPe, tendo em vista planificar a atividade do D em nova rea, que seja mais povoada.

    O Ju que, acompanhado do Ivo fora ao DA para examinar a situao de sade doPaulo, regressou a 2. Desviou-se do rumo e foi bater na porteira do Mano. Por isso atrasouse e no foi nem ao ponto. Perder-se na mata fato normal. Pena que no trouxeinformaes do DA.

    Mudamos novamente de acampamento. um local que apresenta um certo confortoe menos exposto que o anterior. A vida nos acampamentos vem se tornando rotina. Naltima semana intensificou-se novamente a atividade da aviao do inimigo. Quase todo odia helicptero e pequeno avio pesquisam ponto por ponto da mata. Qual a finalidadedessa atividade? Inquietao? Mapeamento? Cobertura de tropa? Localizao deguerrilheiros? Quem sabe?

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    Continuamos sem problemas de alimentao. Dois a trs jabutis por dia e de vez emquando um macaco ou um caititu.

    Ju e Jo foram buscar alguns bagulhos nos depsitos da CM. Traro o aparelho de presso. Ser bom para ns que, h mais de ms e meio no controlamos a presso arterial.

    Parece que o vero chegou em definitivo. No chove mais. Isso um bem e um mal.

    No mais ficamos encharcados e nem as coisas se molham, o que nos causava grandestranstornos. Os mosquitos e outros insetos tendem a sumir. Mas, por outro lado, a guacomea a escassear. No podemos acampar junto aos grandes igaraps, uma vez que oinimigo poder nos localizar. Teremos que recorrer aos olhos dgua, as cacimbas e aos poos. Tambm possvel que diminuam as borboletas. Estas nos do maravilhosoespetculo. Mirades destes insetos, de todas as cores e tamanhos fazem evoluo deverdadeiro bal. So numerosas, pequenas, brancas e difanas, que, como se fossem um bando de mooilas, voam em todas as direes, movimentado-se garridamente. Recordamnos a leveza das bailarinas do Bolshoi. Lago dos Cisnes. Mas so estas que imitam as borboletas. Outras vezes, surge solitria, grande e vistosa, exibindo um azulado fulgurantenum esvoaar elegante e tranqilo, borboleta que se assemelha mulher bonita a expor seucharme a enfeitiados admiradores. Tambm freqente encontrar borboletasmulticoloridas e dos mais diferentes recortes de asas, que se assemelham a balzaquianas deesplndidos vestidos a despertar sentimentos reprimidos em guerrilheiros jejunos. A matarevela, assim, seus encantos e nos distrai num mundo de dificuldades e preocupaes.

    Amanh partiro Joaq e Jo para se ligar com o DA e o Zezinho para importantemisso. Aqui ficamos torcendo para que este alcance xito integral.

    8/6 Foi entregue aos DD para ser divulgado entre as massas e enviado ao P a fimde que o distribua no pas e no exterior o nosso primeiro comunicado. o seguinte o seuteor:MOVIMENTO DE LIBERTAO DO POVO (MLP)FORAS GUERRILHEIRAS DO ARAGUAIACOMUNICADO N 1

    Aos posseiros, trabalhadores do campo e a todas as pessoas progressistas do Sul doPar, Oeste do Maranho e Norte de Gois.

    Aos moradores dos municpios de Marab, S. Joo do Araguaia, Conceio doAraguaia, Araguatins, Xambio, Tocantinpolis, Porto Franco e Araguana.

    Ao Povo Brasileiro No passado ms de abril tropas do Exrcito, em operaes conjuntas com a

    Aeronutica, Marinha e Polcia Militar do Par, atacaram de surpresa antigos moradoresdas margens do rio Araguaia e de diversos locais situados entre S. Domingos das Latas e SGeraldo, prendendo e espancando diversas pessoas, queimando casas, destruindo depsitode arroz e outros cereais e danificando plantaes. Este traioeiro ato de violncia, praticado contra honestos trabalhadores do campo mais um dos inmeros crimes que aditadura militar vem cometendo em todo o pas contra os camponeses, operrios,estudantes, democratas e patriotas.

    O governo dos generais procura difamar as vtimas de suas arbitrariedades,espalhando que se trata de ao realizada contra marginais, contrabandistas e assaltantes d banco. Mas a populao da regio no acredita em tais mentiras. Conhece, h muitos anosos perseguidos, todas pessoas corretas, dedicadas ao trabalho e amigos da pobreza, sempr prestativos e solidrios com o povo, em particular com os que so espoliados pelos grileiroe alvo das injustias da polcia. Os soldados as agrediram porque elas no querem viver

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    como escravos sob o chicote dos militares que, acabando por completo com as liberdadesoprimem impiedosamente os brasileiros e enxovalham a Nao.

    Diante do criminoso ataque das foras armadas governamentais, muitos habitantesda zona de S., Domingos das Latas, Brejo grande, Araguatins, Palestina, Itamirim, SantaIsabel, Santa Cruz e S. Geraldo resolveram no se entregar, armar-se com o que puderam e

    enfrentar corajosamente o arbtrio e a prepotncia do Exrcito e da polcia. Com talobjetivo, internaram-se nas matas do Par, Gois e Maranho, para resistir com xito aoinimigo, muito mais numeroso e melhor armado. A fim de desbaratar as operaes militareda ditadura, defender suas vidas e desenvolver sua luta pela posse da terra, a liberdade euma existncia melhor para toda a populao, decidiram formar destacamentos armadoscriaram as Foras Guerrilheiras do Araguaia. Tomara, tambm, a iniciativa de fundar umaampla frente popular para mobilizar e organizar os que almejam o progresso e o bem-estaros que no se conformam com a fome e a misria, com o abandono e a opresso.

    Deste modo surgiu o Movimento de Libertao do Povo (MLP), onde podemingressar os moradores da regio e de outros Estados, muitos dos quais vm tendo suasterras roubadas por gananciosos grileiros e so perseguidos, presos e espancados pelosagentes da ditadura. Nele h lugar no s para os pobres como tambm para todo patriotaseja qual for a sua condio social, que deseja por abaixo a ditadura e instaurar no Brasium regime verdadeiramente democrtico.

    Este movimento lanou manifesto em defesa do povo pobre e pelo progresso dointerior, refletindo as mais profundas aspiraes populares por uma vida digna, livre e feliz No documento esto includas as reivindicaes mais sentidas da populao local, queconstituem o programa do MLP, a bandeira de luta da pobreza e de todos os elementossensveis ao desenvolvimento efetivo das regies atacadas.

    Por sua vez, as Foras Guerrilheiras do Araguaia, mostraram-se firmementedispostas a combater os soldados da ditadura. Na zona prxima a Santa Cruz, algunscombatentes dessas foras defrontaram-se com inimigo superior em nmero, matando umferindo outro e dispersando os demais. As tropas do Exrcito, depois de cometer inmerasarbitrariedades contra os moradores da regio, sem revelar at agora disposio de luta namatas, retiraram-se, temporariamente, das zonas onde atuam os destacamentos do povo econcentram-se em cidades, povoados e corrutelas. No valeram os grandes e aparatososefetivos militares, os helicpteros e avies, os lutadores do povo, de armas nas mos,usando a ttica de guerrilha, realizam a propaganda das idias e do programa do MLP entreos moradores, que os apoiam com entusiasmo e repelem as calnias difundidas peladitadura contra os revolucionrios.

    A luta armada que se desenvolve no Sul do Par e em outros lugares vem contandocom a simpatia de amplos setores da populao, no s do campo como tambm deimportantes cidades situadas em torno da regio rebelada. Isto porque a luta ora iniciada de todos os oprimidos, de todos os que no aceitam o cativeiro e anseiam derrubar o regime poltico tirnico imposto pelos militares. No por acaso os generais escondem os motivode suas criminosas investidas. Teme que o exemplo dos habitantes do Araguaia seja seguido por todo o povo brasileiro.

    O Movimento de Libertao do Povo (MLP) e as Foras Guerrilheiras do Araguaiaapelam para os moradores da regio a fim de que engrossem a resistncia odiosa ditaduramilitar, aos grandes magnatas, aos grileiros e aos gringos norte-americanos que, no Norte e Nordeste do pas, j se apoderaram de imensas extenses de terra e das ricas minas de ferroda Serra Norte, perto de Marab. A todos conclamam a se estruturar nos comits do MLP

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    ou em outras formas de organizao. No h outro caminho para o povo seno combatervalentemente os opressores. Cada lavrador, cada posseiro, cada trabalhador de fazenda oucastanhal, cada injustiado, cada patriota, deve ajudar, de todos os meios, os que enfrentamsem temor as tropas do governo de traio nacional.

    O povo unido e armado derrotar os inimigos.

    Abaixo a grilagem!Viva a liberdade!Morra a ditadura militar!Por um Brasil livre e independente!

    Em algum lugar da Amaznia, 25 de maio de 1972O Movimento de Libertao do Povo (MLP)O comando das Foras Guerrilheiras do Araguaia.

    9/6 Ontem partiam Joaq, Jo e Zezinho e amanh segue o Ju para realizar suamisso junto ao DC. Iremos, juntamente com o Ivo, ao encontro do Pe, que nos darnotcias do DB.

    H alguns dias a Rdio Tirana no se refere nossa luta. Deve ser por falta deinformaes. A censura da ditadura e o cerco do inimigo em nossa regio impedem, emgrande medida, que as notcias cheguem ao P, ao povo e aos nossos amigos do exteriorMas isso temporrio. Com nossa atividade, acabaremos rompendo a pesada cortina dosilncio que os generais estenderam sobre ns. A reao, que tanto estardalhao faz aqualquer ao dos foquistas, no d um pio sobre os guerrilheiros do Araguaia. o pavoque o exemplo destes guerrilheiros e a revolta se generalize pelo pas inteiro.

    Falando sobre propaganda, no sabemos porque a Rdio Pequim ainda nada dissesobre as guerrilhas de nossa regio. Certamente, melhor informada dar cobertura novafrente de luta criada no Brasil. Tambm a Rdio Havana cala. Mas, esse silncio diferenteTem outras causas. Fidel nunca nos deu e nem dar colher de ch. Continua em posiorevisionista, na qual se atola cada vez mais. O noticirio cubano sobre sua transcendentalvisita aos chamados pases socialistas causa enjo. Castro no se cansa de fazer rasgadoselogios a consagrados oportunistas como Zhivkov da Bulgria, Kadar, da Hungria e Gierekda Polnia. Na capital hngara superou-se no palavreado inconseqente, derramou emgrande estilo sua verborragia. Recebeu dos revisionistas magiares a miniatura de um tanquee outros presentes. Atacado de calculada amnsia, esqueceu-se das indignadas palavras dGuevara, em seu dirio na Bolvia, sobre os dirigentes da Hungria, ao comentar nota de um jornal oficial daquele pas que chamava Che e seus companheiros de aventureiros e pespegava-lhes outros eptetos. Guevara causticou severamente os oportunistas deBudapeste e Fidel agora os enaltece. Por estranha ironia, o chefe do governo cubano visitocom grande pompa uma escola com o nome do conhecido combatente antiimperialistamorto em terras bolivianas. Entre os revisionistas, a falta de coerncia, e tambm devergonha, geral. lamentvel que uma revoluo to importante como a revoluocubana tenha sido truncada e mesmo trada. A prxima visita de Fidel a Moscou onde odirigentes social-imperialistas soviticos recepcionaram festivamente o arqui-criminoso Nixon e com ele concertaram inmeros acordos deixar, mais uma vez, bem claro, que orevolucionrio castrista no passa das palavras, dos discursos grandiloqentes e vazios. Oauto-intitulado chefe da revoluo continental, em cada pas visitado, arranca a mscararevela-se um demagogo vulgar e se desmoraliza em escala sempre maior. E isto bom parao movimento revolucionrio da Amrica Latina .

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    13/6 Ontem completou dois meses do incio da luta. Mas continuamos sem novasnotcias. Infelizmente no encontramos o Pe, pois o Ivo, que era o guia, perdeu o rumoDepois de vagar trs dias na mata, regressamos, a duras penas, ao acampamento. Comcerteza o Pe deve estar bastante preocupado. Agora nada podemos fazer seno aguardar o prximo contato.

    A Rdio Tirana continua sem informaes a nosso respeito. No dia 12, irradiouartigo publicado no Bandeira Vermelha, rgo do PC da Polnia (M-L), sobre o 50aniversrio e 10 da reorganizao do PC do Brasil. Muito bom o seu contedo. Lembramonos do simptico e combativo secretrio do partido marxista-leninista polons queconhecemos na Albnia. O artigo afirma que o exemplo dos comunistas brasileiros estimula luta dos trabalhadores poloneses contra a ditadura revisionista. uma lio deinternacionalismo proletrio e nos ajuda em nosso esforo para libertar o Brasil dosgenerais e do imperialismo norte-americano.

    Aqui, no acampamento, como em toda a mata, temos como inimigos trs figuras bastante incmodas: o carrapato, o pium e a mosca varejeira. Com a chega da estao secaos carrapatos proliferam de maneira quase infinita. So de vrios tipos, mas h os queinfernizam com maior freqncia a vida de todos. Quando no o mucuim (ou micuim) carrapato de fogo. A este no existe quem possa resistir. Toda pessoa que ele ataca obrigado a ca-lo imediatamente. Tira a camisa, a cala, o calo e tudo o mais. Quanto aomucuim, de tamanho diminuto, representa inimigo invisvel que se localiza nos lugaresmais indiscretos. necessrio agenta-los pacientemente.

    No que diz respeito ao pium, trata-se pequeno monstro. Parece-se com uma pequenaformiga, que anda com rapidez e instantaneamente ala vo que nem helicptero (por sinaacaba de passar um avio por cima do acampamento). Quando ferroa para valer. Chupa osangue, o local da mordida arde e fica marca acentuada. Dizem que o transmissor dolecho (leishmaniose). Ainda bem que no vero comea a rarear.

    J a mosca varejeira, a maior chata deste planeta, tem o azul brilhante, dourado da bolha de sabo. A vareja surge como que por encanto logo que se expe carne ou roupsuja e quando estamos molhados de suor. Comea imediatamente a zunir e a pr ovos. necessrio ter o mximo cuidado com a caa, seno a mosca estraga tudo. A vareja insistente e nunca perdoa. Penetra em toda a parte. s vezes resolve por seus ovos nosouvidos ou no nariz da pessoa. Enfim, temos, igualmente, de atura-la. Nosso consolo quos soldados da reao tambm so obrigados a enfrentar tais perigos. E eles so menosresistentes a eles que nossos guerrilheiros.

    16/6 Samos a 14 com o Ivo em misso de pesquisa. Andamos das 8 s 17 horas.Fomos at a confluncia de uma grota relativamente grande com um igarap maior. O locaapresenta belo panorama. Pudemos, ento, enxergar uma nesga de cu, que no vamos hdois meses. Exploramos mais uma hora, igarap abaixo. De regresso, Ivo trazia umcarumb e um jacu, os quais nos garantiram a bia do dia 15. Ave vistosa, o jacu, quando bem cozido por demais gostoso. No se compara, no entanto, ao mutum, que rivaliza como peru. O peito do mutum nada fica a dever a este. H dois tipos de mutum: o peniche e ocastanheira. O ltimo, o maior, satisfaz plenamente a cinco ou seis pessoas. Para nsconstitui uma festa caar mutum. E isto freqente.

    Ontem a Rdio Tirana tratou da espoliao da Amaznia. Matria otimamentelanada. Soube ligar a situao desta regio com a luta que travamos aqui. Embora notrouxesse novas informaes a nosso respeito, o autor mostra que a libertao da Amaznis pode ser conseguida pela luta armada, e nos apresentou como exemplo. Com novos

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    dados, aquela emissora far excelente propagada da luta que ora se desenvolve nas matado Araguaia.

    Desde o dia 10, eu (de agora em diante falarei na primeira pessoa do singular,acabarei com a frescura do ns) eu e o Ivo estamos ss. No acampamento, a vida montona e, naturalmente, leva meditao. Fico a pensar nos camaradas da cidade a quem

    me ligam slidos laos de amizade forjados em longos e longos anos de militncia partidria. Aguardo com ansiedade notcias suas e tambm maior solidariedade e ajudaconcreta por parte deles nossa luta. Lembro-me do pessoal de casa. Que estaro fazendoAl e Vic? Neste ms, o Marcelo, meu neto, faz seis anos. Estou me tornando um ancioOra bolas! No me rendo, continuarei a ser sempre jovem, um revolucionrio, um marxistaleninista. No por acaso o comunismo a juventude do mundo. Confio, com o mesmoardor de moo, na vitria da revoluo no Brasil.

    19/6 Tornei a sair ontem em tarefa de explorao com o Ivo (este, no dia anterior,abatera dois jacus e comemos at nos fartar). Desta vez subimos o igarap maior e logoencontramos enorme castanheira. O cho estava coalhado de ourios e recolhemos cerca dduas latas de castanhas, aumentando, assim, a nossa reserva de alimentos. Foi o Ivo queagentou todo o peso durante mais de 3 horas de andanas. A viagem de regresso,deparamo-nos com um carumb e jabota. Estava assegurado o boio de hoje e amanh. No acampamento, como em toda a mata, apareceu outra personagem incmoda: a mutucaParece que com o calor ela prolifera. Atazana a nossa vida. Trata-se de uma mosca grandemunida de uma tromba, verdadeira seringa hipodrmica. Sua ferroada bem dolorosa e seuzunido de tirar a pacincia de qualquer um. Quando pousa sobre a pessoa, fica imveltalvez inebriada pelo gosto do sangue. Ento, fcil mata-la.

    Ouvi novas reportagens sobre a transcendental visita de Fidel. Agora est naAlemanha Oriental. Continua a vender seu peixe podre, a fazer demagogia vulgar e a apoiacom entusiasmo os revisionistas. Est muito feliz com a triste figura que vem fazendo e seafunda mais e mais no lodaal do oportunismo.

    22/6 Esquisito vem sendo o clima nesta segunda quinzena do ms de junho.Parece at que estamos na estao das guas. Vem chovendo com freqncia e alguns diasse apresentam nublados como o de hoje. Ontem mesmo choveu noite e na manh de 19caiu pesado tor. Tudo isso nos causa embaraos. Mas no tem grande importncia. Logoo sol brilhar intensamente, e seus raios se infiltraro entre as rvores e seu calor animar ohabitante da selva.

    No dia 20 no apareceram o Joaq e o Jo, como estava combinado. Penso que eracedo para chegarem. Aguardo ansioso a sua presena, pois trazem novidades do DA. Aquestaro a 25.

    Hoje de manh sa com o Ivo. Ele abateu um mutum e uma cotia. Assim, livrar-nos-emos da dieta da polenta no leite da castanha de ontem e de hoje de manh (durante o dino se cozinha). A propsito da castanha do Par, preciso assinalar que, comendo-adiariamente, como fizemos, ela determina uma diarria constante. Deve ser o seu leo.Precisamos ser mais moderados na castanha, embora seu teor nutritivo seja elevado.

    O Ivo acaba de ter uma manifestao de malria. Tomou quinino e est de rede. Seno ficar logo bom ser um espeto. Agora s conto com ele para atender os pontos, caar erealizar outros misteres de que no tenho condies de fazer.23/6 O dia comeou com intensa atividade area do inimigo. Alm do rudo dohelicptero que ouvimos permanentemente, j passaram sobre nosso acampamento mais d

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    5 avies, entre os quais um jato. Isto em apenas duas horas. Que ser? Espero o regresso dJoaq e do Pe para saber o que h. Talvez eles saibam alguma coisa.

    Como agora estou livre, aproveito o tempo para recordar fatos que antecederam oataque das foras reacionria aos nossos PP AA. Havia muitos indcios de que essa agressologo se verificaria. A 17 ou 18 de maro, encontrava-se num dos PP AA do DC quando Pe

    apareceu inesperadamente e comunicou que chegara um portador de Plo, avisando que umelemento que fugira daquele D fora preso. Era uma notcia grave. O desertor poderia nosdenunciar. Mas o aviso tambm informava que ele, at ento, nada dissera. Isto serviu paraque afrouxssemos a vigilncia. Medias concretas foram, no entanto, tomadas. Decidisuspender a minha programao no DC. Este destacamento foi posto em estado deemergncia e ordens expressas foram dadas para reforar a segurana. Os demais DD jtinham sido avisados. Mas, apesar disso, no nos preocupamos suficientemente paraenfrentar uma surpresa e responder altura a um ataque inimigo. Regressei ao PA do DGonde funcionava a CM. Esta reuniu imediatamente e tomou uma srie de outras providncias. Chegavam notcias de que em S. Geraldo estava estacionada pequena tropado Exrcito, mas que l se encontrava apenas em funo da represso caa e pescailegais. Acreditamos em tal conversa. Companheiros nossos estiveram no vilarejo e nadaviram de anormal.

    Como se aproximava o dia da chegada do Cid, parti, a 9 de abril, juntamente com oJu, para o Peazo, de onde saram os companheiros que iriam trazer aquele camarada. Bem prximo do nosso destino, ao passar pela casa do ltimo morador, notei que este e maisoutro campons nos olhavam admirados, dando a impresso de que queriam avisarqualquer coisa. Como no desejasse que conhecessem o Ju, no parei e continuei meucaminho. No Peazo tomei conhecimento de conversas estranhas de alguns camponesesamigos. Falavam de revoluo e criticavam o governo. Um chegou a perguntar pelo nossofuzilo e outro nos aplaudiu por armazenarmos sal. Tambm o Nu e o Nel encontraramcamponeses da regio de onde foram obrigados a sair. Eles diziam claramente que sabiamos motivos de sua sada brusca e comprometiam-se a no falar com ningum. Praticamenteo nosso segredo estava rompido. Na manh seguinte, quando o Ju j partira para atender alguns doentes do G2, chegou oSand, informando que ele e o Lu encontraram um cidado de S. Domingos e este perguntara se eram mineiros. Diante da resposta negativa, comunicou que soubera emMarab que um tenente, dispondo de um croquis que assinalava S. Jos e Bom Jesus(ambas corrutelas colocadas nos dois caminhos que levam ao Peazo), vinham juntar unmineiros, entre os quais havia um velho com duas filhas, conhecido de um coronel, quese achava naquela cidade. Dizia conhece-lo (no sei se do rio Araguaia se do Rio deJaneiro). No demos a necessria importncia comunicao porque o informante pareciasuspeito pelos seus antecedentes. Assim mesmo, tomaram-se algumas medidas. Decidiu-sedormir fora de casa e despachar o Piau para S. Domingos para averiguar o que acontecia.Ao meio-dia de 12 de abril apareceram dois camponeses com a informao de dois tiposestranhos, com aspecto de investigadores, estavam investigando o caminho do PeazoUtilizando um elemento da massa chegara at o entroncamento do caminho do Peazo coma estrada do Mano. Estava para ns bastante claro qual o seu objetivo. Quando nosdispnhamos a tomar as providncias exigidas, chegou a notcia de que soldados seaproximavam e estavam a uma distncia que duraria duas ou trs horas para percorrerAssim, o G3 do DA se mobilizou e retirou-se, carregando o que podia. Foram feitas trs

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    viagens do Peazo ao Peazinho. Mas a bagulheira era grande e muita coisa til ficou noPA5 (Peazo).Voltando situao presente: prossegue a atividade area do inimigo. At a tarde muitosavies cruzaram os ares.24/6 Novamente eu e o Ivo samos para uma explorao. Mal andamos uma hora, Ivo

    abateu um veado (uma fmea) de regular tamanho. Temos, assim, carne para vrios diasMeu companheiro de acampamento vem se revelando um bom caador.Apareceram em meu corpo algumas corubas. No sei se so frias comuns ou lecho. Ofato que elas aborrecem um bocado. Espero a chega do Ju para saber do que se trata. noite, por sinal vspera de S. Joo, passamos todo o tempo ao lado do fogo, umrespeitvel fogaru, moqueando a carne do veado. Tudo saiu bem.26/6 Passou o dia 25 e o Joaq no apareceu. J est atrasado e tal atraso complica ascoisas, pois h pontos a atender e s disponho do Ivo. Enfim, espero que o Joaq e o Jocheguem at 30. Amanh, juntamente com o Ivo, vou ao encontro do Pe. Penso que teremais sorte. Se ele vier, terei mais um elemento para trabalhar e notcias frescas., Nosso estoque de comida est quase reduzido a nada. Acabou-se a farinha, o milho (do quase faz fub) e o arroz. Dispomos unicamente de carne para alguns dias, trs latas pequenade leite em p e dois pacotes de maizena. Se o Osv, do DB, acompanhar o Pe, poder nosarranjar farinha e safaremos a ona.A Rdio Tirana, que h muitos dias no falava da nossa luta, noticiou ontem que oLHumanit Rouge, rgo do PC (ML) da Frana, publicou nota referente aosacontecimentos verificados aqui no Par. Como introduo, fez um comentrio sobre onosso Partido, apresentando-o como defensor da luta armada para derrubar a ditadura. ARdio Tirana continua sem notcias a nosso respeito. Por que os camaradas da cidade no aenviam? Se no sabem de nada, devem agitar, de qualquer maneira, o assunto. O inimigonada dir, por enquanto, sobre ns. Se ele no propala que nos derrotou, indcio claro insofismvel de que prosseguimos na luta. Por que no se publica o Manifesto deLibertao do Povo? Por que no se faz uma srie de reportagens sobre a regio? Por que aorganizaes de massa, como a UNE, no nos apoia? Por que no se fala de algumasfiguras populares, como o Preto, o Ju, a Preta e outros, que se encontram entre ns? Porque todo esse silncio? Francamente, no compreendo. Ser que a reao deu algum golpena direo? No creio.28/6 No local combinado, apareceu o Pe acompanhado de dois co do DB. Trouxealgumas notcias. O DB mudou sua zona de operao para uma rea mais povoada. Foi um providncia acertada e que dar bons resultados. Osv, com assistncia da CM, elaborou um plano de visitas massa, incluindo vinte famlias. Por ora s visitou duas casas. Oscamponeses esto temerosos diante das ameaas da reao. Mas nem por isso deixam deajudar nossos co das mais diferentes formas. Segundo as informaes, os soldados enchemos povoados, corrutelas e mesmo cidades. Palestina e Brejo Grande esto repletos de tropado Exrcito. O mesmo acontece com Araguatins. A, os Oficiais prendem e espancam pessoas suspeitas de amizade com os co. Tambm fazem demagogia. Prometem ttulo de posse de terra aos lavradores, detm alguns exploradores da economia do povo, como umtal Granjeiro, fiscal da prefeitura de S. Joo do Araguaia que extorquia dinheiro e produtosdos camponeses. Mas a massa os olha com desconfiana. S os mais odiados bate-pausapoiam as foras repressoras. Enfim, a mobilizao militar grande. Estamos dandotrabalho ditadura.

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    Apesar de haver alguns probleminhas no DB, seu moral bom. A malria est atacando oco, que procuram corta-la com os remdios de que dispem.Dois co do DB dormiram ao lado, bem perto mesmo, de um acampamento de uma fora dExrcito. Observaram-na atentamente. Era composta de 35 homens armados de FAL emetralhadoras. Estavam muito bem vestidos, usavam boina, mantinham atitude displicente

    e pouco vigilante. O desperdcio de munio grande. Atravs de tiro seus comandantedo ordens. Quando pretendem reunir a tropa atiram; quando ordenam o incio da marchaouve-se o detonar das armas e assim por diante. Parece que querem se acostumar com ostiros. possvel que estejam assobiando no escuro por temor de algum fantasma... Parecque o inimigo vai concentrar mais tropas na regio. Algumas patrulhas fazem incurso namata, de maior ou menor durao. Corre o boato de que o Exrcito est custeando algunsmateiros mercenrios para localizar os rastros de nossos DD, a fim de, senhor de sualocalizao, ataca-los de surpresa em seus acampamento. Precisamos redobrar a vigilnciadar um corretivo a tais mateiros.29/6 Somente hoje de manh o Ivo regressou do ponto que iria ter com os dois co do DBque acompanharam o Pe. Levava remdio contra a malria para aquele D e receberia umlata de querosene de farinha. Mas eles no apareceram. Como o Ivo no poderia voltar denovo ao local do encontro, pois tinha que atender a um ponto com o Ju, o Pe saiu em seulugar. Ambos s voltaro tardinha. Estou sozinho no acampamento. H dois dias amainoua atividade area do inimigo. O silncio grande. S uma infinidade de mutucas mechateiam com ferroadas e um zunido insuportvel. Em compensao liquido-as em massa.Pe voltou trs horas depois de ter partido. O percurso em que costumamos gastar quatrohoras, ele fez em sessenta minutos. Orienta-se muito bem na selva e corta caminho. Em pouco tempo tornou-se excelente mateiro. Anda nesse labirinto, que a mata, como seestivesse em casa. Trouxe uma lata de farinha e um quilo de sal e entregou o remdio contra malria. O Ivo regressou ao entardecer sem ter encontrado o Ju, o que era previsto.A Rdio Tirana voltou a abordar a nossa luta. Divulgou tima reportagem enviada doBrasil, dando um quadro correto da situao, com informaes precisas e encarando o que muito importante o aspecto poltico das guerrilhas do Araguaia de maneira acertadaSituou a resistncia armada no Sul do Par dentro da luta geral do povo brasileiro contra aditadura. Deixou de lado a posio anterior de apresentar os fatos ocorridos na regio comomovimento exclusivamente campons, minimizando-o ao coloca-lo no mesmo nvel daslutas espontneas que se verificaram em S. Domingos do Capim e em outros lugares. /demaneira hbil e nada sectria, mostrou que os levantes armados ocorridos em Marab e SGeraldo so um exemplo capaz de estimular a revolta geral dos brasileiros. Enfim, areportagem ajuda nossa luta e esclarece a opinio pblica do pas sobre o que acontecenesta parte da Amaznia. Espero que os camaradas da cidade enviem novas matrias Rdio Tirana, dem publicidade ao manifesto do MLP e faam adequada cobertura polticada ao revolucionria que aqui se verifica.

    30/6 No apareceu o Joaq, o que me deixa seriamente preocupado. O que teriaacontecido?4/7 No dia 1 saiu o Ivo para atender ao encontro com o Zezinho e passar na referncia doJoaq. O primeiro no apareceu, como eu esperava, mas em compensao voltou com oltimo, acompanhado do Ari, novo co do DG que veio transferido do DA. Foi umaagradvel surpresa, Joaq traz boas notcias e carne de veado. No DA tudo corre bem, apesada malria que ataca muitos co. Em boa parte, os co resolveram o problema doabastecimento. Armazenaram alimentos para alguns meses e conseguiram comida para se

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    sustentar at agora. Realizando propaganda revolucionria armada, duas equipes do Dcomandadas, respectivamente, por ZC e Piau, atingiram mais de 170 pessoas. A equipe dZC fez uma incurso mais extensa, ao longo do beirado do Araguaia, e falou a 70 pessoasenquanto o Piau percorreu o centro, entrando em contato com 90. A So, uma das bulasdo DA, que integrava esta ltima equipe, deu consultas a cerca de 20 mulheres. Ambas

    equipes conseguiram informaes teis e algum alimento. Todos voltaram gordos e bemdispostos. Foram recebidos com simpatia pela massa e a maior parte dela nos apoiou. Un poucos, muito poucos mesmo, elementos da massa, talvez por temor ao inimigo, tem posio ruim, embora no se manifestem diante de nossos co. Um deles, talvez seja oEduardo, que voltou de Belm, onde se encontrava preso, tomando atitude nada boa. Parecque foi comprado pelos militares. Trata-se de um tipo interesseiro, que em poca de paz, semanifestou como nosso maior amigo para receber favores. Agora, apossou-se dasmercadorias da quitanda da beira e parece fugir ao contato com os nossos co. Mas, de outra parte, elementos com os quais no mantnhamos qualquer vnculo nos aplaudem emostram-se dispostos a nos ajudar. Os co do DA foram informados de que o Exrcitoassassinou o Nilo, aplicando-lhe as mais atrozes torturas. E ele no queria combater. Istomanifestou desde que chegou aqui e por isso foi liberado da tarefa de guerrear. Deixamo-loir embora. Pouco conhecia a nossa organizao. Mas a reao no o perdoou. Travamosluta de vida e morte. No podemos ter qualquer iluso. Enfrentamos um governo de bandidos. Outra informao que nos foi transmitida esclarece que dois policiais, oumilitares, chegaram beira do DA dizendo-se amigos dos paulistas, no dia 2 de maroe que, mais ou menos a 6 Eduardo era detido. E ns s soubemos da ao do inimigo dia12, poucas horas antes do ataque ao Peazo. De certo modo falhou o nosso sistema deinformaes. Tivssemos sabido o que ocorrera na beira, poderamos ter evitado algumaquedas em outros DD e tomado providncias mais eficazes. Aproveitamos a experincia.Com a incurso do DA ao longo do Araguaia, o inimigo se mobilizou em grande estiloTransformou a beira do DA (PA1) em base de helicpteros e de soldados. Intensificou-seo patrulhamento. Cavou trincheiras na Transamaznica. Mas grande a sua falta devigilncia. Companheiros nossos tm controlado os movimentos de suas patrulhas e s norealizaram ao contra elas por falta de co que, em sua maioria, estavam em tarefas de propaganda revolucionria armada. Dois co surpreenderam dois soldados tomando banhocom uma sentinela displicente. S no os fustigaram porque, no momento, no eraconveniente. Breve o DA realizar aes mais positivas contra o inimigo.A Rdio Tirana, no dia 2, irradiou artigo do Cid, tendo como centro os acontecimentosocorridos no Sul do Par. Matria curta e muito boa. um chamamento luta. Encarou osfatos com grande amplitude e mostrou o sentido poltico de nossa resistncia armada. Na primeira oportunidade discutiremos esse artigo em todos os DD. Tambm ficamossatisfeitos por estar o Cid so e salvo. A 3, a mesma rdio transmitiu a reportagem arespeito do relatrio do Bispo de Marab sobre os maus tratos ao padre Roberto e IrmMaria das Graas. Matria excelente. O relatrio, indiretamente, projeta a nossa lutanacionalmente e fora de nossa fronteira. A resistncia armada, aqui no Araguaia, aguacontradies entre a ditadura militar e a Igreja Catlica. Corajosa a atitude do Bispo. Esteem seu relatrio, fala de guerrilheiros das regies de S. Domingos e S. Geraldo e informaque um tal major Odon afirmara que o tenente Alfredo , que torturou os religiosos, estavanervoso e cansado por ter passado uma semana na mata. Ficar mais nervoso ainda porqueter que enfrentar por muito tempo os guerrilheiros na selva... Fao idia da repercusso dofato na regio Palestina, Araguatins, Marab, Imperatriz e outras cidades e vilarejos -

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    Afinal, a pesar da ditadura impor severa censura sobre a nossa guerrilha, esta acaba setornando conhecida de vastos setores da populao.Hoje, saram rumo ao DA, o Pe e o Ari. O primeiro dar uma grande ajuda aos co daquelD.Segundo a informao do Joaq, a priso do Paulo bastante ruim. A tal paralisia nas perna

    era simulao. Que farsante! Agora, pede transferncia de D ou que o mandem para outratarefa do P. Est visivelmente acovardado. A CM no aceita seu pedido. Trata-se deelemento preguioso e intil. Aguardemos sua atitude no futuro. O Regulamento Militar para ser aplicado, indistintamente, a todos os co.8/7 Acaba de sair o Ivo para encontrar o Ju, que no pde vir com o Joaq por estaratacado de malria (uma ter maligna) e ficou no DA. Jo estar acompanhado de Ari queviajou com o Pe at o ponto com o DA.Terminou a farinha. O que salva a situao a carne do veado abatido por Ivo no dia 6.Tambm foram mortos dois jacus. Dois jabutis esto de reserva, pendurados em umarvore.9/7 Inesperadamente regressaram ao acampamento o Pe e o Ari. Encontraram-se com ZCe Piau que informaram estar o Jo bastante doente, atacado agora de pneumonia, e por issono pde regressar imediatamente. Temos que esperar 20 a 30 dias. Est sendo transportadode rede e faz suas necessidades com a ajuda de outros co. Como tudo corria normalmenteno DA e seus componentes estavam se dedicando tarefa de abastecimento, e tambm porque o Ari no sabia voltar sozinho, Pe decidiu voltar do local do encontro. Ele inteirouse de novos dados sobre o trabalho de massa do DA, o qual tem as melhores perspectivasCresce o nmero de nossos amigos e aumenta a ajuda do povo.Pe trouxe notcias ruins do DC, do qual estamos desligados. Durante a sua viagem de idatendo, inadvertidamente, se aproximado de um pequeno caminho de castanheiro, deparouse com um elemento de massa. Este, a princpio assustando, tranqilizou-se depois erevelou sua simpatia conosco. Conhecia Jo e Ivo aos quais elogiou. Informou, ento, que nzona de Esperancinha, onde existiu um PA do DC, h 3 semanas, haviam sido assassinados3 combatentes nossos, entre eles uma mulher. Isso aconteceu na casa de um morador que secomprometera vender-lhe alguns produtos. O patife marcou o dia da entrega dos mesmos efoi avisar a polcia. Quando nossos companheiros chegaram para apanhar a mercadoriaforam tocaiados pelos soldados escondidos no telhado da casa. A jovem morreu com umtiro na cabea. Outro co, tendo corrido, foi metralhado na barriga e caiu morto um poucomais longe do local. A reao trouxe o Geraldo para reconhecer os corpos. O lavradorinformou igualmente que um dos mortos era doutor, o que me deixou apreensivo sobre asorte do Ju, que na ocasio deveria ter passado por aquela zona procura de contato com oDC. Mas pouco provvel que seja o nosso esculpio. Pela segurana do informante, anotcia parece ser verdadeira. O campons deu outra informao, menos precisa, de que aforas repressivas tinham efetuado um ataque nos Perdidos rea de trabalho de massa doDC tendo matado ou prendido uma moa e um rapaz. Aguardo novas informaes do DC para analisar estes acontecimentos. O Ju e seu grupo esto para chegar estes dias e poderoesclarecer o que houve. Se se confirmar a informao do elemento de massa, o DC sofreuum duro golpe, que tambm se refletir no conjunto de nossas foras.Hoje, mudamos de acampamento. Apesar de l estarmos somente h uns poucos dias, no poderamos ali permanecer porque o terreno era um vasto formigueiro. Agora estamoslivres das formigas e vivemos em lugar mais escondido e de maior comodidade.

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    10/7 Ao anoitecer, chegou o Joaq depois de atender a dois encontros. No pareceram omensageiros do DB e nem o Zezinho. Este comea a atrasar.12/7 Faz trs meses que foi acesa a chama da guerra popular. um grande xito do nosso povo na luta contra a ditadura. At hoje, depois do golpe de abril de 1964, nenhuma for poltica conseguia tanto tempo no combate ao regime tirnico dos generais. Grandes fora

    militares das trs armas foram mobilizadas, provocando alvoroo na regio. A resistnciaarmada ao governo se consolida e ganha apoio popular. A nossa perspectiva de cresciment boa. Se no cometermos erros graves no seremos derrotados e avanaremos na guerra ditadura. Nossos co vo se adaptando vida na selva, se ligando s massas e aprendendo acombater. Na prxima reunio da CM farei um balano multilateral dos acontecimentos queocorrem no Araguaia e analisarei a repercusso da nossa guerrilha no pas. Aguardoansiosamente a volta do Ju e do Zezinho para ter um quadro completo da situao.Acabou-se tudo que tnhamos para nos alimentar. Comemos, agora, somente palmito de babau. Hoje, Joaq e Ivo partiram cata de farinha. Foram pesquisar um dos depsitos doDB que o Joaq talvez conhea. Fao votos que tenham sucesso, para o bem da barriga dtodos os que aqui se encontram. Felizmente o Ari, pouco depois da partida daqueles comatou um mutum, estando garantida a bia de amanh. O almoo de hoje palmitoralado com leite de coco de babau que o Ari e o Pe esto quebrando. E o jantar ser canjde mutum ao palmito. Assim comemoraremos os trs meses de luta armada.13/7 Ontem s 18 horas chegaram o Joaq e o Ivo, acompanhados do Zezinho.Encontraram-se, por acaso, perto do ponto marcado para 15. Dois problemas foramresolvidos. Ele sabia onde era o depsito do DB e no era mais necessrio mobilizarcompanheiros para ir ao seu encontro. Joaq e Zezinho foram buscar no deposito duas latasde querosene de farinha que, juntamente com a puba trazida pelo ltimo, garante o amido por mais de duas semanas. Hoje, o Ivo, quando foi ao ponto do Ju que no apareceu matou um casal de mutuns e o Ari abateu um tatu de tamanho mdio. noite comemoscarne at fartar e amanh, no quebra, acontecer o mesmo. A famlia est quase completaS faltam o Jo e o Ju.Zezinho fez uma viagem cheia de peripcias, atravessando, inclusive, o Araguaia, a nadoMas alcanou seu destino. Isto mostra que se pode entrar e sair na regio, iludindo avigilncia inimiga. Que possvel montar um aparelho de ligao com o exterior parareceber correspondncia, materiais e gente. Zezinho comprou botinas para ele e para o Joum pouco de caf, acar e leite. Infelizmente no realizou a tarefa fundamental:estabelecer contato com o P. no encontrou a pessoa que faria tal contato. Faltaram-lheaudcia e esprito de iniciativa. Mas um bom companheiro, valente e corajoso. Realizou a parte mais difcil, mas fracassou no detalhe. Faremos nova tentativa de ligao com oscamaradas da cidade. Trata-se de questo vital para ns.A Rdio Tirana deu rpida informao sobre a nossa luta, dizendo que causamos baixas aoinimigo e fizemos prisioneiros. A notcia boa, mas a captura de soldados, ao que eu saibano verdadeira. Aquela Rdio vem sempre abordando os acontecimentos do Sul do Par(pela terceira vez irradiou o artigo do Cid) e nos ajudando grandemente. Seremos sempregratos aos amigos albaneses.15/7 Ao meio-dia de ontem partiram o Joaq e o Zezinho ao encontro do Osv ou Zeca, doDB, que devero estar no local hoje. A 16, eu e o Pe nos juntaremos a eles para combinaalgumas coisas e dar um balano da atividade do DB.Ari acaba de abater um veado bem prximo do acampamento. Eu e o Pe j temos carne para levar.

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    19/7 Nem o Osv nem o Zeca apareceram. Joaq e Zezinho esperaram quase 4 dias. Eu e oPe tambm os aguardamos em vo. Que teria acontecido com o DB para no vir ningumao encontro? Algo de grave ter ocorrido ou o D estaria envolvido em atividades que no permitiram a sada de seu C ou de seu VC. Espero que na referncia talvez surja algummensageiro daquele D.

    O Ju tambm no veio ao ponto do dia 18. Ele tem prazo mais demorado para chegar. Maa notcia que o Pe trouxe sobre os acontecimentos de Esperancinha me deixa preocupadoem relao sorte do nosso bula-chefe.20/7 Ivo e Ari partiram de manh levando mensagem ao DA. Confio que faam boaviagem. Eles entregaro ao ZC a seguinte carta a ser encaminhada ao Bispo de Marab:Exmo Sr Bispo de MarabD. Estevo Cardoso de Avelar Tomamos conhecimento, atravs de estaes rdio-emissoras do estrangeiro, de sua atitudecorajosa no triste e vergonhoso episdio dos maus tratos e torturas infligidos ao padreRoberto e Irm Maria das Graas por tropas do governo. O relatrio apresentado por VExcia Conferncia Nacional dos Bispos, dando verso real, precisa e minuciosa sobre oocorrido com aqueles religiosos revela uma personalidade independente que no seatemoriza diante da fora bruta, nem se deixa abalar por presses polticas.Por esta razo, e por considera-lo um homem de bem, atrevemo-nos a escrever-lhe a fim deque V Excia avalie, com iseno de nimo, os motivos da luta em que estamos envolvidosCom esta carta no objetivamos pedir-lhe apoio e, muito menos, fazer proselitismos. Masesperamos compreenso e justia em relao nossa resistncia aos desmandos earbitrariedades de um regime autoritrio, imposto pela violncia Nao pelo golpe militade abril de 1964. Passemos, pois, aos fatos para que se configure o quadro verdadeiro dasituao.Como sabido, no curso do ms de abril deste ano, contingentes do Exrcito, apoiados pelMarinha, Aeronutica e Polcia Militar do Par, numa aparatosa operao de guerra,atacaram, inesperada e brutalmente, inmeros moradores do Araguaia que se localizavamem reas compreendidas entre S. Domingos das Latas e So Geraldo. Os agredidos viviamh muito tempo em roas e stios, tendo alguns deles mais de 4 anos de residncia nomesmo local, a exemplo de nossa famlia, que mantinha pequeno comrcio s margens doAraguaia, na propriedade chamada Faveira. Naquele lugar ramos teis populao, tanto do Par como de Gois, na sua quasetotalidade como V Excia sabe pobre e desprotegida. Comprvamos os produtos da terracom mnima margem de lucro e vendamos mercadorias mais indispensveis vida do povo a preo baixo. Alm disso, comercivamos com remdios, tambm a preo baixo, eduas pessoas, enfermeiras de profisso, receitavam, faziam partos e realizavam pequenasintervenes cirrgicas. Tudo gratuitamente. ramos, assim, estimados por centenas defamlias de lavradores e por inmeros moradores de Marab, S. Domingos das Latas eAraguatins. Jamais tivemos desavena com qualquer habitante da regio, no molestamos nem prejudicamos ningum. testemunha de nossa atividade laboriosa e prestativa um domais ativos e conhecidos sacerdotes de sua Prelazia, Frei Gil, que mais de uma vez esteveconosco, quando realizava desobrigas pelo beirado do Araguaia.Ultimamente, com a construo da Transamaznica. Apareceram vorazes grileiros quetentavam expulsar de seus locais, com a ajuda da polcia e de pistoleiros, velhos e novosmoradores. No podamos deixar de ficar ao lado das vtimas e dos perseguidos.Condenamos com energia os ladres de terra. No concordamos com o esbulho de honesto

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    lavradores que desbravam matas e criam riqueza na regio. Tambm no nos conformamocom os pesados tributos cobrados ilegalmente pelo INCRA. Camponeses que vivemabandonados e na misria so obrigados a pagar, a ttulo de taxas, quantias elevadas, muitoacima de suas possibilidades, sem nada receberem em troca. Igualmente, sempreestigmatizamos a explorao e opresso a que esto sujeitos os castanheiros, os

    trabalhadores das companhias de extrao de madeira e os pees das grandes fazendas, cujsituao pode ser considerada dos parias e dos escravos. Nosso inconformismo deve ter chegado aos ouvidos das autoridades ditatoriais. Por

    isso, tais autoridades voltaram-se furiosamente contra ns. Agrediram-nos brutalmentequeimaram casas, danificaram plantaes, apoderaram-se indevidamente de bens e objetode uso pessoal. Mas resolvemos reagir e resistir por todos os meios ao governo dspota eantipopular. Decidimos enfrentar a ditadura com a fora, embrenhando-nos nas matas earmando-nos com o que podamos. Inspira-nos a idia de emancipar o Brasil do oprbriodo regime ditatorial ou morrer lutando pela liberdade e felicidade de nosso povo. Noqueremos ser cmplices, pela omisso de um governo que escraviza a Nao, entrega asriquezas do pas aos trustes estrangeiros, prende, espanca, tortura e assassina patriotas detodas as condies sociais, de todas as convices polticas, religiosas e filosficas.Assim articulamo-nos com outros elementos descontentes da regio para defender nossavidas, acabar com a grilagem, lutar pela democracia, por uma Nao livre e independenteDiante de tal atitude, o governo dos generais, o governo mais tirnico que o Brasil j teve propala cinicamente que somos marginais, contrabandistas, assassinos e assaltantes de bancos. Mas todos devem saber que isso no passa de grosseira calnia. Inmeras pessoaque nos conhecem esto inteiradas de que no cometemos nenhum crime, nem fizemosqualquer mal. A ditadura tambm espalha que somos terroristas, outra mentira. Jamaisrecorremos ao terrorismo, mtodo de luta que condenamos, embora reconheamos como patriotas e democratas os inmeros jovens brasileiros que so compelidos a apelar para tamtodo a fim de combater o terror negro implantado pelos militares em todo o pas.Muitos dos que esto de armas nas mos tm instruo superior ou so universitrios eestudantes secundrios. Ao nosso lado esto operrios e camponeses esclarecidos. H pessoas de diferentes matizes polticos e religiosos, inclusive catlicos. Todos eles poderiam viver comodamente, desfrutar a paz, o conforto e o bem-estar em seus laresFiis, porm sua conscincia, escolheram o caminho da luta, preferiram morar na selva passar fome, dormir ao relento e, se necessrio, sacrificar a vida, a se calar diante de umregime que infelicita o pas h mais de 8 anos. Os que se portam desse modo agem comomilhares e milhares de brasileiros entre os quais se incluem muitos padres catlicos -que, nas cidades, combatem o jugo dos generais e de um punhado de ricaos nacionais eestrangeiros. Vo ao encontro dos mais legtimos anseios do nosso povo que aspira liberdade e no quer viver sufocado sob o taco da ditadura.Com este pensamento, os combatentes que empunham armas na selva amaznicaorganizaram um movimento para dirigir a resistncia armada contra a ditadura e paraconquistar um governo verdadeiramente popular, autenticamente democrtico e livre datutela dos monoplios internacionais, principalmente o norte-americano. Fundaram oMovimento de Libertao do Povo, cujo programa a sua bandeira de luta. Permitimo-nosExmo Sr Bispo, enviar-lhe o Manifesto que lana esse Movimento para que V Excia seinteire plenamente de nossos objetivos ao enfrentarmos, com deciso e coragem, as forasrepressivas do governo.

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    Estamos convencidos de que a nossa causa justa e certos de que a simpatia da esmagadormaioria da populao est do nosso lado. No ocasional o fato de a ditadura baixar pesadcortina de silncio, atravs de frrea censura imprensa, ao rdio e televiso, sobre osacontecimentos que ora se verificam no Sul do Par. o temor de que o exemplo frutifique Nada, porm, poder deter a avalanche da revolta popular contra a tirania. A chama da

    rebelio para pr abaixo a ditadura foi acesa no Araguaia e, com o decorrer do tempo,alastrar-se- por todo o Brasil.Sejam quais forem as vicissitudes que teremos que passar a fome e o cansao, osferimentos, as doenas e a morte, a priso e a tortura no arriaremos nossa bandeiralibertria e de redeno nacional. Ningum poder abafar as profundas e arraigadasaspiraes de liberdade do povo brasileiro, do qual somos legtimos representantes. Ondeh opresso sempre h de existir resistncia e luta. As causas justas, mais dia menos diatriunfam. Hoje, em nosso pas, combate-se e morre-se pela liberdade. Por tudo isso, noser em vo o sacrifcio e o sangue derramado por milhares de jovens desprendidos eabnegados para conquistar a democracia e para instaurar um regime que ampare todos o brasileiros.Queira aceitar as nossas mais respeitosas saudaes.De algum lugar das matas amaznicas, 20 de julho de 1972.Jos Carlos, Joa, Alice, Beto e Luiz, moradores do stio Faveira, s margens do Araguaia.Ontem, mudamos de acampamento. A gua estava insuportvel e causando desinteria. Nnovo lug