neres - o grupo maranhense

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO ESTUDOS LITERÁRIOS MARANHENSES O GRUPO MARANHENSE José Neres Não é nenhum exagero afirmar que até a terceira década do século XIX não se pode falar em literatura maranhense, embora haja registros históricos de produção poética no Maranhão, principalmente em São Luís. Tudo, porém, feito de forma assistemática, sem o mínimo interesse de atingir as demais regiões brasileiras. Data de 1832 o poema que oficialmente dá início ao “boom” da literatura maranhense. Trata-se de “Hino à Tarde”, de autoria de Odorico Mendes. Sílvio Romero, declara sobre tal poema que nunca o pôde “ler sem boa e saudosa emoção”. A partir daí, o Maranhão, que era aparentemente uma terra sáfara para as letras começa a produzir uma boa quantidade de escritores de grande talento, chegando sua capital a receber o honroso epíteto de Atenas Brasileira, em homenagem à quantidade e à diversidade de valores intelectuais surgidos em tão pouco tempo. Tão importante é a produção literária do Romantismo maranhense na vida literária brasileira que José Veríssimo, um dos mais exigentes críticos da literatura nacional, dedica todo o décimo primeiro capítulo de seu mais importante livro ao estudo dos valores artísticos do Maranhão, tecendo elogiosos comentários às publicações de Gonçalves Dias, João Lisboa, Sotero dos Reis, Odorico Mendes, Lisboa Serra e Franco de Sá. O título do referido capítulo não poderia ser mais sugestivo: “Gonçalves Dias e o Grupo Maranhense”. Na mesma época, Sílvio Romero, em sua História da Literatura Brasileira, não poupa páginas ao escrever sobre os românticos maranhenses, tratando de forma especial a produção de Joaquim Serra, Trajano Galvão, Gentil Braga e Sousândrade, além de também estudar os nomes já assinalados por José Veríssimo. O ilustre crítico sergipano chama mesmo a afirmar que “ o Maranhão é uma de nossas províncias onde o espírito popular é mais vivaz”, mas reconhecendo também a diversidade cultural e intelectual da província, já que os escritores eram tão diferentes que “o laço que os prende é terem nascido na mesma terra e vivido quase todos no mesmo tempo”. Mas não foram apenas os escritores citados acima que mereceram destaque dentre os tantos que participaram do Grupo Romântico Maranhense. Merecem citação também Maria Firmina dos Reis, nossa primeira escritora, autora do, infelizmente, quase desconhecido romance Úrsula; Antônio Henriques Leal, brilhante biógrafo, a quem se deve farto material sobre a vida e a obra dos principais intelectuais do século XIX; José Cândido de Morais, o Farol, combativo jornalista que, dono de um estilo vibrante, desafiou os poderosos da época; Joaquim Gomes de Sousa, um dos maiores matemáticos do Brasil; Belarmino de Matos, o famoso tipógrafo que imprimiu grande parte das obras de seus contemporâneos; e tantos outros

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Literatura maranhense

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO

ESTUDOS LITERRIOS MARANHENSES

O GRUPO MARANHENSE

Jos Neres

No nenhum exagero afirmar que at a terceira dcada do sculo XIX no se pode falar em literatura maranhense, embora haja registros histricos de produo potica no Maranho, principalmente em So Lus. Tudo, porm, feito de forma assistemtica, sem o mnimo interesse de atingir as demais regies brasileiras.

Data de 1832 o poema que oficialmente d incio ao boom da literatura maranhense. Trata-se de Hino Tarde, de autoria de Odorico Mendes. Slvio Romero, declara sobre tal poema que nunca o pde ler sem boa e saudosa emoo. A partir da, o Maranho, que era aparentemente uma terra sfara para as letras comea a produzir uma boa quantidade de escritores de grande talento, chegando sua capital a receber o honroso epteto de Atenas Brasileira, em homenagem quantidade e diversidade de valores intelectuais surgidos em to pouco tempo.

To importante a produo literria do Romantismo maranhense na vida literria brasileira que Jos Verssimo, um dos mais exigentes crticos da literatura nacional, dedica todo o dcimo primeiro captulo de seu mais importante livro ao estudo dos valores artsticos do Maranho, tecendo elogiosos comentrios s publicaes de Gonalves Dias, Joo Lisboa, Sotero dos Reis, Odorico Mendes, Lisboa Serra e Franco de S. O ttulo do referido captulo no poderia ser mais sugestivo: Gonalves Dias e o Grupo Maranhense.

Na mesma poca, Slvio Romero, em sua Histria da Literatura Brasileira, no poupa pginas ao escrever sobre os romnticos maranhenses, tratando de forma especial a produo de Joaquim Serra, Trajano Galvo, Gentil Braga e Sousndrade, alm de tambm estudar os nomes j assinalados por Jos Verssimo. O ilustre crtico sergipano chama mesmo a afirmar que o Maranho uma de nossas provncias onde o esprito popular mais vivaz, mas reconhecendo tambm a diversidade cultural e intelectual da provncia, j que os escritores eram to diferentes que o lao que os prende terem nascido na mesma terra e vivido quase todos no mesmo tempo.

Mas no foram apenas os escritores citados acima que mereceram destaque dentre os tantos que participaram do Grupo Romntico Maranhense. Merecem citao tambm Maria Firmina dos Reis, nossa primeira escritora, autora do, infelizmente, quase desconhecido romance rsula; Antnio Henriques Leal, brilhante bigrafo, a quem se deve farto material sobre a vida e a obra dos principais intelectuais do sculo XIX; Jos Cndido de Morais, o Farol, combativo jornalista que, dono de um estilo vibrante, desafiou os poderosos da poca; Joaquim Gomes de Sousa, um dos maiores matemticos do Brasil; Belarmino de Matos, o famoso tipgrafo que imprimiu grande parte das obras de seus contemporneos; e tantos outros intelectuais, que no se limitavam arte literria, mas sim compunham um verdadeiro quadro cultural de mltipla abrangncia.

Desse belo momento da histria literria do Maranho no restaram apenas saudades, mas tambm inmeras obras que continuam despertando o interesse tanto dos que lem por diverso como dos que pesquisam as letras nacionais. Alm dos Cantos de Gonalves Dias, do Guesa (de Sousndrade), do Pantheon Maranhense (de Henriques Leal), do Jornal de Timon (de Joo Lisboa) e das eruditas tradues de Odorico Mendes, muitas outras obras merecem leituras e estudos. o caso de, por exemplo, de A Casca da Caneleira, novela organizada por Joaquim Serra, mas que foi escrita a 22 mos, contando com captulos escritos por Gentil Braga, Raimundo Filgueiras, Marques Rodrigues, Trajano Galvo, Sotero dos Reis, Henriques Leal, Dias Carneiro, Sabbas da Costa, Caetano Cantanhede, e Sousndrade, alm do organizador do volume; do romance rsula, que marca um novo modo de abordar o negro na fico e dos poemas sertanejistas de Trajano Galvo e Gentil Braga.

Tambm devem ser lidas as peas teatrais de Gonalves Dias, principalmente Leonor de Mendona, reconhecida por Dcio de Almeida Prado como uma das melhores produes da dramaturgia nacional.

Aquele ureo perodo no mais voltar. Vale a pena, porm, como resgate do momento ureo do Maranho, reproduzir algumas das palavras de Jos Verssimo, ao comparar os poetas maranhenses do Romantismo com os fluminenses do mesmo perodo literrio. O crtico paraense, aps enumerar os cinqenta e dois membros do nosso Grupo Romntico diz:O que o situa e o distingue na nossa literatura e o sobreleva a essa mesma gerao a sua mais clara inteligncia literria, a sua maior largueza espiritual. Os maranhenses no tm os blocos devotos, a ostentao patritica, a afetao moralizante do grupo fluminense, e geralmente escrevem melhor que estes. (O Estado do Maranho. 18 de abril de 1999. Pgina 05)UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO

DEPARTAMENTO DE LETRAS

ESTUDOS LITERRIOS MARANHENSES

MANUEL ODORICO MENDES

(1799-1864)

HINO TARDE

Que amvel hora! Expiram os favnios;

Transmonta o Sol; o rio se espreguia;

E, a cinzenta alcatifa desdobrando

Pelas azuis difanas campinas,

Na carroa de chumbo assoma a tarde...

Salve, moa to meiga e sossegada;

Salve, formosa virgem pudibunda,

Que insinuas cos olhos doce afeto,

No criminosa abrasadora chama!

Em ti repousa a triste humana prole

Do trabalho do dia, nem j lavra

Juiz severo a brbara sentena,

Que h de a fraqueza conduzir ao tmulo.

Lasso o colono, mal avista ao longe

A irm da noite coa-lhe nos membros

Plcido alvio: posta a dura enxada,

Limpa o suor que em bagas vai caindo..

Que ventura! A mulher o espera ansiosa

Cos filhinhos em brao, e j deslembra

O homem dos campos a diurna lida;

Com entranhas de pai ledo abenoa

A prognie gentil que a olho pula.

No vs como o fantasma do silncio

Erra, e pra o bulcio dos viventes?

S quebra esta mudez o pastor simples,

Que, trazendo o rebanho dos pastios,

Coa suspirosa frauta ameiga os bosques...

Feliz! que nunca o rudo dos banquetes

Do estrangeiro escutou, nem alta noite

Foi porta bater de alheio alvergue.

Acha no humilde colmo os seus penates,

Como acha o grande em soberbes palcios.

Ali tambm no ouvido lhe estremecem

De me, de amigo os maviosos nomes;

Conviva dos festins da natureza,

V perfazerem-se as funes mais altas:

O homem nascer, morrer, e deixar prantos...

Agora ia entre prados, aps Laura,

O ardido vate magoando as cordas;

E a selvtica virgem, recolhendo

A grave dor crist, que a assoberbava

Do mancebo cedia paixo nobre,

Grande e sublime, como os troncos do ermo...

Ai! msera Atal!... mas rasga o fogo,

E o sino soa pelas brenhas broncas.

Tarde, serena e pura, que lembranas

No nos vens despertar no seio d'alma?

Amiga terna, diz-me, onde colhes

O blsamo que esparges nas feridas

Do corao? Que apenas ds rebate,

Cala-se a dor; s geras no imo peito

Mansa melancolia, qual ressumbra

Em quem sob os seus ps tem visto as flores

Irem murchando, e a treva do infortnio

Ante os olhos medonha condensar-se.

Longe dos ptrios lares, quem no sente

Os arrebis da tarde contemplando

Um sbito alvoroo? Ento pendamos

Dos contos arroubados que verteram

Propcios deuses nos maternos lbios;

E branda mo apercebia o bero

Em que ternos vagidos

Infausto anncio de vindouras penas.

Sobre o poial sentada a fiel serva

Que vezes atentei chamando ao pouso

A ave to til que arrebanha os filhos,

E adeja e canta, e pressurosa acode!

Coa turba de inocentes companheiros,

Agora sobre a encosta da colina,

A casta Lua como me saudvamos,

E suplicando que nos fosse amparo,

Em jubilosa grita o ar rompamos.

Mas da puercia o gnio prazenteiro

J transps a montanha; e com seus risos

Recentes geraes vai bafejando.

A quem ficou a angstia que moderas,

compassiva tarde? Olha-te o escravo,

Sopeia em si os agros pesadumes:

Ao som dos ferros o instrumento rude

Tange, bem como em frica adorada,

Quando (to livre) o filho do deserto

L te aguardava; e o eco da floresta,

Da ave o gorjeio, o trpido regato,

Zunindo os ventos, murmurando as sombras,

Tudo, em cadncia harmnica, lhe rouba

A alma em mgico sonho embevecida.

No mais, musa, basta; que da noite

Os pardos horizontes se tingiram,

E me pesa e carrega a escuridade.

Oh! venha a feliz era que da ptria

Nessas fecundas, dilatadas veigas

Tu mais suave a lira me temperes

Da singela Eponina acompanhado

Na escura gruta que nos cava o tempo

Hei de ao vale ensinar canes melfluas

Nos lindos olhos, nos mimosos beios,

Nos alvos pomos, no adem altivo

Irei tomar as cores que retratem

Da natureza os ntimos segredos.

Do ardor da esposa; do sorrir da filha;

Do rio que espontneo se oferece

Da terra que d fruto sem o arado

Da rvore agreste que na densa grenha

Abriga da pendente tempestade

A sobreolhar aprenderei haveres,

A fazer boa sombra ao peregrino,

A dar quartel a errado viandante

L estendendo pelos livres ares

Longas vistas, nas dobras do futuro,

Entreverei o derradeiro dia...

Venha; que acha os despojos do homem justo

esperana, toma-me em teus braos;

Com a imagem da ptria me consola!