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MOTORISTA PROFISSIONAL ASPECTOS CRÍTICOS À LEI N. 13.103/2015; ANÁLISE DO NOVO REFERENCIAL NORMATIVO, COM REMISSÕES À LEI N. 12.619/2012

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MOTORISTA PROFISSIONAL ASPecTOS cRíTIcOS à LeI N. 13.103/2015; ANáLISe dO NOvO

ReFeReNcIAL NORMATIvO, cOM ReMISSõeS à LeI N. 12.619/2012

colaboradores

Alexandre Simões Lindoso — Advogado pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado pela Faculdade de Direito do Centro Universitário de Brasília — UniCeub. Ex-assessor de Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. É sócio do escritório De Negri, Lindoso e Advogados.

Almir Antonio Fabricio de carvalho — Advogado trabalhista; especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Escola da Associação dos Magistrados do Paraná — EMATRA IX; Especialista em relações do trabalho pela Universidade de Castilla-La Mancha/Espanha; sócio do escritório Passos & Lunard advogados associados; e-mail: [email protected].

André Franco de Oliveira Passos — Presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/PR; Advogado Fundador do Escritório Passos & Lunard — Advogados Associados — Defesa de Trabalhadores; formado pela Faculdade de Direito da UFPR em 1999; Vereador de Curitiba, de 2001 a 2008.

célio Pereira Oliveira Neto — Advogado, Doutorando, Mestre e Especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor nos cursos de Pós-Graduação da Ematra IX — Escola da Magistratura do Trabalho da Nona Região, PUC/PR — Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Universidade Positivo; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ).

césar Kato — Bacharel em direito pela PUC-PR em 1996, advogado militante, especializado em direito previdenciário. Coautor do artigo “Direito constitucional à prova e a perícia médica previdenciária no Juizado Especial”, in Curso de Perícia Judicial Previdenciária: Noções elementares para a comunidade médico-jurídica, Coordenação Dr. José António Savaris, São Paulo, Conceito Editorial, 2011.

daniel dias de Moura — Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/Minas, Professor de Direito Individual e Coletivo do Trabalho, Advogado especialista em Direito Coletivo do Trabalho e Sindical, Conselheiro da Ordem dos Advogados Seção Minas Gerais, Diretor do Sindicato dos Advogados do Estado de Minas Gerais — Sinad-MG.

denise vieira de castro — Advogada trabalhista; pós-graduanda em direito e processo do trabalho pela Universidade Positivo; sócia do escritório Passos & Lunard advogados associados; e-mail: [email protected].

edésio Franco Passos — Advogado trabalhista, foi Deputado Federal na legislatura 91-94; atualmente, exerce o cargo de diretor administrativo da Itaipu Binacional; é autor de diversos artigos e obras na área de Direito do Trabalho.

Fabio Augusto Mello Peres — Advogado trabalhista formado pela UFPR em 2004; com pós-graduação em Relações Internacionais pela mesma instituição (2006); e-mail: [email protected].

Giovani Soares do Nascimento — Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná; foi membro do Programa de Iniciação à Docência na disciplina de Direito do Trabalho na UFPR; pesquisador de Direito Coletivo do Trabalho junto ao escritório Passos & Lunard Advogados Associados.

Gláucio Araújo de Oliveira — Procurador do Trabalho, lotado na PRT da 9ª Região, mestre em direito pela PUC-PR e doutor em direito do trabalho e seguridade social da universidade de Barcelona. Professor de pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho na PUC/PR e Unicuritiba.

João Guilherme Walski de Almeida — Advogado trabalhista; pós-graduando em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar; bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná; e-mail: [email protected].

Paulo douglas Almeida de Moraes — Procurador do Trabalho da 24ª Região; ex-Juiz do Trabalho da 15ª Região; ex--Auditor Fiscal do Trabalho. Presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho — IPEATRA. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, pós-graduado em Administração de Sistemas e de Informações Gerenciais. Coautor da ação civil pública que deu origem ao debate que redundou na edição da Lei n. 12.619/2012.

Paulo Ricardo Pozzolo — Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR e Professor de Direito.

Sandro Lunard Nicoladeli — Advogado trabalhista; consultor de entidades sindicais de trabalhadores rodoviários; membro da Comissão de Direito Sindical da OAB/PR; doutorando em Direito/UFPR; professor de prática trabalhista e Direito Sindical na UFPR; especialista em normas internacionais pela OIT e em relações de trabalho pela Universidade Castilla-La Mancha/Espanha.

Tatyana Scheila Friedrich — Doutora, Professora de Direito Internacional Privado da UFPR, autora de diversos artigos e obras jurídicas na área de Direito Internacional.

MOTORISTA PROFISSIONAL ASPecTOS cRíTIcOS à LeI N. 13.103/2015; ANáLISe dO NOvO

ReFeReNcIAL NORMATIvO, cOM ReMISSõeS à LeI N. 12.619/2012

2ª edIçãO

edéSIO PASSOSANdRé FRANcO de OLIveIRA PASSOS

SANdRO LuNARd NIcOLAdeLI

organizadores

R

edITORA LTdA. Todos os direitos reservados

Índice para catálogo sistemático:

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.brOutubro, 2015

Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: RLUXProjeto de capa: FáBIO GIGLIOImpressão: PAYM

Versão impressa — LTr 5375.2 — ISBN 978-85-361-8627-6Versão digital — LTr 8815.5 — ISBN 978-85-361-8618-4

Motorista profissional / Edésio Passos, André Franco de Oliveira Passos, Sandro Lunard Nicoladeli, organizadores. — 2. ed. — São Paulo : LTr, 2015.

Vários autores.Bibliografia.

1. Direito do trabalho 2. Direito do trabalho — Legislação — Brasil 3. Motoristas profissionais — Leis e legislação — Brasil 4. Trânsito — Leis e legislação — Brasil I. Passos, Edésio. II. Passos, André Franco de Oliveira. III. Nicoladeli, Sandro Lunard.

15-08462 CDU-34:331

1. Motoristas profissionais : Leis trabalhistas : Direito do trabalho 34:331

5

Nota dos organizadores ............................................................................................................................................ 11

Apresentação ............................................................................................................................................................... 13Edésio Passos

Prefácio ......................................................................................................................................................................... 15Luiz Eduardo Gunther

I) Normatização do ato de dirigir por trabalhador subordinado ...................................................................... 19Edésio PassosAndré PassosSandro Lunard NicoladeliGiovani Nascimento

1. Introdução ................................................................................................................................................................ 19

1.1. Aspectos histórico-jurídicos do ato de dirigir e transportar ...................................................................... 20

1.2. Elementos pretéritos à normatização do motorista profissional: aspectos legislativos e jurispruden-ciais ..................................................................................................................................................................... 21

2. Aspectos da normatização do ato de dirigir por trabalhador subordinado — Leis ns. 12.619/2012, 13.103/2015 e 13.154/2015 ....................................................................................................................................... 25

2.1. A violência intolerável aos limites da jornada dos motoristas e sua judicialização ............................... 26

2.2. A iniciativa legislativa para regulação estatal da atividade de motorista ............................................... 26

2.3. A Lei n. 13.154, de 30 de julho de 2015 .......................................................................................................... 28

3. Ampliação do alcance subjetivo da Lei n. 13.103/2015: contornos da representação sindical (art. 1º, parágrafo único, Lei n. 13.103/2015) ..................................................................................................................... 28

4. Direitos do motorista profissional — empregados e autônomos (art. 2º, caput, e art. 3º, Lei n. 13.103/2015) .............................................................................................................................................................. 32

4.1. Acesso a programas de formação profissional (art. 2º, inc. I, Lei n. 13.103/2015) ................................... 33

4.2. Atendimento profilático, terapêutico e reabilitador junto ao SUS (art. 2º, inc. II, Lei n. 13.103/2015) . 34

4.3. Política pública de segurança especializada contra ações criminosas (art. 2º, inc. III, Lei n. 13.103/2015) . 35

4.4. Serviços especializados de medicina ocupacional (art. 2º, inc. IV, Lei n. 13.103/2015) .......................... 35

4.5. Atendimento pelo SUS a dependentes de substâncias psicoativas (art. 3º, Lei n. 13.103/2015) ............ 36

4.6. Condições de segurança, sanitárias e de conforto nos locais de parada (arts. 9º a 11, Lei n. 13.103/2015) ... 37

5. Direitos dos motoristas profissionais empregados (art. 2º, inc. V, Lei n. 13.103/2015) ................................. 41

5.1. Isenção de responsabilidade perante o empregador por prejuízo patrimonial (art. 2º, inc. V, alínea a, Lei n. 13.103/2015) ........................................................................................................................................ 41

5.2. Controle de jornada de trabalho (art. 2º, V, alínea b, Lei n. 13.103/2015) ................................................. 43

5.3. Seguro obrigatório (art. 2º, inc. V, alínea c, Lei n. 13.103/2015) ................................................................. 46

Sumário

6

6. Alterações promovidas no texto da Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei n. 13.103/2015 .............. 47

6.1. Fracionamento do intervalo intrajornada (§ 5º, art. 71, CLT) .................................................................... 47

6.2. Exame toxicológico (arts. 168 e 235-B, CLT) ................................................................................................. 49

6.3. Alcance subjetivo das disposições da CLT (art. 235-A, CLT) ..................................................................... 55

6.4. Deveres gerais do motorista profissional empregado (art. 235-B, CLT) .................................................. 55

6.5. Regras gerais acerca da jornada de trabalho do motorista profissional — tempo de jornada, interva-los e espera (art. 235-C e § 1º, CLT) ................................................................................................................ 59

6.6. Intervalos (art. 235-C, §§ 2º e 3º, CLT) ........................................................................................................... 63

6.7. Viagens de longa distância (art. 235-C, § 4º; art. 235-D, CLT) ................................................................... 66

6.8. Remuneração das horas extraordinárias e compensação de jornada (art. 235-C, § 5º, CLT) ................ 71

6.9. Trabalho noturno (art. 235-C, § 6º, CLT) ....................................................................................................... 73

6.10. Tempo de espera (art. 235-C, §§ 8º a 12, CLT) ............................................................................................ 74

6.11. Inexistência de horário fixo de trabalho (art. 235-C, § 13, CLT) .............................................................. 80

6.12. Permanência no veículo para usufruir de intervalo para repouso (art. 235-D, § 4º, CLT) .................. 82

6.13. Revezamento de motoristas (art. 235-D, § 5º, CLT) ................................................................................... 83

6.14. Força maior (art. 235-D, § 6º, CLT) .............................................................................................................. 85

6.15. Meios de controle de jornada (art. 235-C, §§ 14 e 15, CLT) ...................................................................... 87

6.16. Ajudante (art. 235-C, § 16, CLT) ................................................................................................................... 89

6.17. Operadores de veículos utilizados na construção pesada, civil, na movimentação de maquinaria e na agricultura (art. 235-C, § 17, CLT) ........................................................................................................... 89

6.18. Acompanhamento do veículo em transporte (art. 235-D, § 7º, CLT) ...................................................... 92

6.19. Transporte de cargas vivas, perecíveis e especiais em viagens de longa distância ou no estrangeiro (art. 235-D, § 8º, CLT) ..................................................................................................................................... 93

6.20. Transporte de passageiros (art. 235-E, CLT) .............................................................................................. 94

6.21. Jornada 12 X 36 (art. 235-F, CLT) ................................................................................................................. 96

6.22. Remuneração adicional condicionada — comissionamento ou vantagem salarial (art. 235-G, CLT) ... 96

6.23. Demais condições de trabalho (art. 235-H, CLT) ....................................................................................... 98

7. Homologação de trechos (arts. 11 e 12, Lei n. 13.103/2015) .............................................................................. 98

8. Jornada e meio ambiente de trabalho — reflexões críticas ............................................................................... 100

9. Conclusão ................................................................................................................................................................. 104

Referências bibliográficas ........................................................................................................................................... 106

Quadro comparativo — Leis ns. 12.619/2012, 13.103/2015 e 13.154/2015 ........................................................... 110

II) Impactos da Lei n. 13.103/2015 sobre a proteção jurídica ao motorista profissional ................................ 124Paulo Douglas Almeida de Moraes

Capítulo I — Notas Introdutórias ............................................................................................................................. 124

Capítulo II — A destruição dos pilares de proteção ao motorista ....................................................................... 126

Seção I — Impactos sobre o primeiro pilar protetivo: a limitação e o controle da jornada de trabalho ........ 126

1. Ampliação da jornada diária para até doze horas .............................................................................................. 128

2. Jornada 12 X 36 ........................................................................................................................................................ 129

7

3. Redução dos períodos dos descansos obrigatórios ........................................................................................... 131

4. Hipóteses de ausência de qualquer limite de jornada ....................................................................................... 132

4.1. Tempo de espera ilimitado ............................................................................................................................. 133

5. Inviabilização do controle de jornada e do tempo de direção .......................................................................... 135

5.1. Indeterminação da jornada: dificuldade de controle e violência à saúde do motorista ........................ 135

5.2. Homologação estatal de trechos de rodovia: insegurança jurídica .......................................................... 136

5.3. Instrumento eletrônico de controle: a solução ............................................................................................. 137

Seção II — Impacto sobre o segundo pilar protetivo: repúdio ao pagamento por comissão .......................... 138

Seção III — Impactos sobre o terceiro pilar protetivo: patamar digno de remuneração .................................. 139

Capítulo III — Repercussões do novo modelo sobre os objetivos almejados pela sociedade ......................... 140

Seção I — Repressão ao uso de drogas: hipocrisia jurídica .................................................................................. 140

Seção II — Segurança viária: mais uma garantia constitucional violada ........................................................... 142

Seção III — Vedação ao retrocesso social ................................................................................................................. 143

Capítulo IV — Considerações conclusivas .............................................................................................................. 145

Referências bibliográficas ........................................................................................................................................... 147

III) Comentários sobre a Lei n. 13.103/2015 — Motorista profissional ............................................................ 148Célio Pereira Oliveira Neto

Objetivo ........................................................................................................................................................................ 148

Introdução .................................................................................................................................................................... 148

1. Autônomos e empregados ..................................................................................................................................... 149

1.1. Proibição de premiação ................................................................................................................................... 149

2. Motoristas empregados .......................................................................................................................................... 149

2.1. Direitos .............................................................................................................................................................. 149

2.2. Deveres .............................................................................................................................................................. 150

2.3. Exames toxicológicos ....................................................................................................................................... 150

2.4. Jornada de trabalho.......................................................................................................................................... 151

2.5. Jornada 12 X 36 ................................................................................................................................................. 151

2.6. Prorrogação da jornada ................................................................................................................................... 152

2.7. Pagamento/compensação ................................................................................................................................ 152

2.8. Intervalo intrajornada ...................................................................................................................................... 152

2.9. Intervalo interjornada ...................................................................................................................................... 154

2.10. Tempo de espera ............................................................................................................................................ 154

2.11. Transporte de passageiros ............................................................................................................................ 155

2.12. Viagens de longa distância ........................................................................................................................... 155

2.12.1. Repouso semanal e Cumulação ....................................................................................................... 156

2.12.2. Descanso ............................................................................................................................................. 157

8

2.12.3. Intervalos de repouso ........................................................................................................................ 157

2.12.4. Tempo de espera ................................................................................................................................. 157

2.12.5. Tempo de reserva ............................................................................................................................... 157

2.12.6. Jornada ................................................................................................................................................. 158

2.12.7. Cargas vivas, perecíveis e especiais ................................................................................................. 158

2.12.8. Ajudante empregado ......................................................................................................................... 158

3. Código de Trânsito Brasileiro ................................................................................................................................ 158

3.1. Direção ininterrupta ........................................................................................................................................ 159

3.2. Intervalo interjornadas .................................................................................................................................... 159

3.3. Tempo de direção ............................................................................................................................................. 160

3.4. Descanso antes do início da viagem .............................................................................................................. 160

3.5. Controle da jornada pelo motorista............................................................................................................... 160

3.6. Locais de repouso e descanso ......................................................................................................................... 161

4. Lei n. 1.442 — TAC .................................................................................................................................................. 162

4.1. Nova figura — TAC Auxiliar .......................................................................................................................... 162

4.2. Outras disposições ........................................................................................................................................... 162

5. Benefícios adicionais ............................................................................................................................................... 163

5.1. Lei n. 7.408 ......................................................................................................................................................... 163

5.2. Sanções ............................................................................................................................................................... 163

6. Conclusão ................................................................................................................................................................. 163

Iv) enquadramento sindical dos motoristas (antes, durante e depois das Leis ns. 12.619/12 e 13.103/15) .... 164Paulo Pozzolo

Introdução .................................................................................................................................................................... 164

1. Enquadramento sindical ........................................................................................................................................ 164

1.1. Conceito e previsão legal ................................................................................................................................ 164

1.2. Princípio da unicidade sindical e o enquadramento previsto nos arts. 511 e 570 a 577 da CLT .......... 166

1.3. Categorias e enquadramento sindical ........................................................................................................... 168

2. Destinatários das Leis ns. 12.619/12 e 13.103/2015 ............................................................................................. 177

2.1. Abrangência das Leis ns. 12.619/12 e 13.103/2015 ....................................................................................... 177

2.2. O motorista profissional empregado: uma categoria diferenciada .......................................................... 183

2.3. O enquadramento dos motoristas profissionais que trabalham em área rural ...................................... 187

Referências bibliográficas ........................................................................................................................................... 192

v) Intervalo intrajornada dos motoristas e cobradores previsto na Lei n. 13.103/2015: o limite da negociação coletiva .................................................................................................................................................... 194Daniel Dias de Moura

1. Introdução ................................................................................................................................................................ 194

9

2. O transporte coletivo urbano de passageiros e as condições de trabalho dos operadores .......................... 195

3. Breves considerações acerca da normatização do intervalo intrajornada ..................................................... 197

4. O papel e os limites da negociação coletiva diante da Lei n. 13.103/2015 ...................................................... 200

5. Conclusão ................................................................................................................................................................. 202

Referências bibliográficas ........................................................................................................................................... 203

vI) Aposentadoria e os caminhoneiros .................................................................................................................. 204César Kato

1. Introdução ................................................................................................................................................................ 204

2. Aposentadoria especial .......................................................................................................................................... 204

3. Aposentadoria especial do autônomo .................................................................................................................. 206

4. Conversão de tempo especial em tempo comum ............................................................................................... 207

5. Riscos laborais no setor de transportes ................................................................................................................ 207

6. Jornada de trabalho e o estatuto dos caminhoneiros ......................................................................................... 210

7. Conclusão ................................................................................................................................................................. 212

Referências bibliográficas ........................................................................................................................................... 213

VII) Controle da jornada de trabalho e tempo de direção dos motoristas profissionais. A realidade vivenciada justificadora da adoção de medidas urgentes .................................................................................. 214Gláucio Araújo de Oliveira

1. Considerações iniciais ............................................................................................................................................ 214

2. Da atuação do MPT Projeto Jornada Legal ........................................................................................................ 215

3. Do papel das transportadoras e motoristas profissionais empregados .......................................................... 215

4. Os profissionais autônomos .................................................................................................................................. 216

5. Os embarcadores ou contratantes dos serviços de transportes ........................................................................ 216

6. Dos resultados preliminares .................................................................................................................................. 217

7. Dos meios de controle ............................................................................................................................................ 217

8. Considerações finais ............................................................................................................................................... 218

vIII) Glossário — lei do motorista ......................................................................................................................... 219Almir Antonio Fabricio de CarvalhoDenise Vieira de CastroFabio Augusto Mello PeresJoão Guilherme Walski de Almeida

Anexos .......................................................................................................................................................................... 224

Anexo I — Lei n. 12.619/2012 .................................................................................................................................... 224

Anexo II — Lei n. 13.103/2015 ................................................................................................................................... 228

Anexo III — Petição inicial da ADIn n. 5.322, ajuizada pela CNTTT .................................................................. 237

Anexo IV — Amicus curiae apresentado pela FETROPAR nos autos da ADIn n. 5322 .................................... 267Alexandre Simões Lindoso

10

Anexo V — Convenção n. 153 da OIT sobre horas de trabalho e períodos de descanso (transporte rodoviário), 1979 ......................................................................................................................................................... 301

Anexo VI — Recomendação n. 161 da OIT — Sobre duração do trabalho e períodos de descanso (Transportes por Rodovias), 1979 ............................................................................................................................. 307

Anexo VII — Classificação Brasileira de Ocupações/CBO .................................................................................... 308

Anexo VIII — Petição inicial da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho postulando o controle de jornada para motoristas ..................................................................................................................... 309

Anexo IX — Resolução n. 405 de 12 de junho de 2012 do CONTRAN ............................................................... 329

Anexo X — Portaria n. 944/2015 do Ministério do Trabalho e Emprego sobre condições dos locais de parada .......................................................................................................................................................................... 331

Anexo XI — Repertório de recomendações práticas sobre a proteção dos dados pessoais dos trabalhadores (Conferência da OIT, 1997)......................................................................................................................................... 333

Anexo XII — Formulários de constatação de infração lavrados pela Polícia Rodoviária Federal .................. 337

Anexo XIII — Questionário padrão apresentado aos motoristas ........................................................................ 338

Anexo XIV — Portaria n. 326, de 2013. Edição n. 47 de 11.03.2013, p. 95 — Do Ministério do Trabalho e Emprego ....................................................................................................................................................................... 340

Diretoria da CNTTT — Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres ................... 351

Diretoria da FETROPAR — Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Paraná ........................................................................................................................................................................... 352

11

NOTA dOS ORGANIZAdOReS

A presente obra nasce da necessidade de atualização do livro Motorista profissional: aspectos da Lei n. 12.619/2012 — Elementos da legislação trabalhista e de trânsito, publicado em 2012, e tem por objetivo promover a necessária atualização doutrinária em virtude do advento da Lei n. 13.103/2015, a qual revogou, alterou e, na maior parte das vezes, precarizou as condições de trabalho dos motoristas profissionais.

Assim, optamos pelo título no livro “manual” em razão dos estudos que inovam e aprofundam os aspectos doutrinários desenvolvidos no livro anterior. Prova disso é o aumento quantitativo e qualitativo do conteúdo elaborado pelos autores, com vasto material de apoio nos anexos.

O presente trabalho, para além de uma consolidação de visões doutrinárias e institucionais, contou com a firme colaboração de Giovani Soares do Nascimento, o qual se dedicou nesta jornada de atualização. Igualmente é digna de registro, pelo crivo técnico, a colaboração da Professora Dra. Tatyana Scheila Friedrich na revisão científica deste estudo.

Para além de uma reflexão sobre um texto normativo, o resultado deste estudo não seria possível sem o firme e decisivo apoio da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres — CNTTT, presidida pelo Sr. Omar José Gomes, e da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Paraná — FETROPAR, presidida pelo Sr. João Batista da Silva.

Curitiba, inverno de 2015.

Os organizadores

13

dAR A cAdA uM O Que NeceSSITA

Edésio Passos

“O Direito, que, na fase de predomínio do liberal individualismo, subordinava a ordem jurídica exclusivamente na tutela do patrimônio, garantindo a cada um o que lhe pertencia, passou a ter

como fundamento correlato o trabalho. E intervindo nas relações de trabalho, ao estatuir normas de caráter cogente, procura evitar que da desigualdade econômica dos contratantes resulte um estado

de exploração do mais fraco pelo mais poderoso. Por isto mesmo, tendo como escopo a Justiça Social, deve a Lei assegurar o direito de viver com dignidade, não se limitando a ‘dar a cada um o que lhe

pertença’, mas, na medida em que a ordem social permitir, a ‘dar a cada um o que necessita’

(Arnaldo Süssekind, “Comentários à CLT”, agosto de 1959).

Evaristo de Moraes Filho ensina que a origem da palavra trabalho “é assunto discutido e obscuro até hoje”. Indica algumas origens etimológicas, das quais prefere “tripaliare-trapaliare” (torturar com tripalium, máquina de três pontas), a concepção de trabalho ligada a um esforço, cansaço, pena. Desta origem, condicionando o trabalho a um castigo e uma submissão do fraco ao forte, o homem buscou o trabalho livre, criativo, atividade humana de transformação social e espiritual.

As leis que protegem o trabalho têm esse sentido. As mudanças ocorridas nos sistemas produtivos apontam para uma grande contradição: enquanto o homem consegue o domínio da técnica e da natureza para poder produzir em larga escala e libertar-se do trabalho como castigo, a apropriação da riqueza produzida e dos meios de produzi-la por grupos oligopolizados ocasionou fenômeno inverso, ou seja, uma utilização cada vez em maior escala do trabalho degradado ou da subutilização do trabalho humano, substituído pela máquina, informática, telecomunicação e microeletrônica.

Gradativamente, o mundo se inclina entre os que trabalham sob os mais variados modos e meios e são remunerados em maior ou menor escala, e os que trabalham eventualmente, ou sequer trabalham, e se colocam dentro do mapa da exclusão, fome e desesperança, pavimentando o caminho da barbárie.

O Direito do Trabalho nasce e evolui dentro dessa realidade e seu caráter historicamente tutelar quer a garantia do trabalho livre. Trata, com suas normas, de atender às novas realidades.

Por isso, a Lei n. 12.619/2012 é, ao mesmo tempo, fim e começo. Fim porque significou a vitória dos trabalhadores, especialmente dos rodoviários, em conseguir fixar normas protetivas de largo alcance. Começo porque indica a necessidade de persistir a luta para interpretar e aplicar a norma e avançar ainda mais, principalmente após a desconstrução promovida pela reforma flexibilizadora provocada pela Lei n. 13.103/2015.

Quando a Consolidação das Leis do Trabalho completa seus setenta anos de difícil e acidentada caminhada, a Lei n. 12.619/2012 veio confirmar o conceito fundamental do estatuto celetista: proteger--disciplinando, libertar-limitando. Com a Lei n. 13.103/2015, todavia, a história da CLT é deixada de lado, numa contradição com a natureza tutelar do Direito do Trabalho.

APReSeNTAçãO

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A legislação do motorista profissional é ao mesmo tempo simples e complexa. Simples, porque atinge o centro da controvérsia do trabalho do rodoviário: o controle e a proteção de sua jornada. Complexa, porque esmiúça importantes aspectos da expressão laborativa. Mais do que isso, é precarizante, pois o retrocesso por ela trazido expressa o poder econômico, aumentando jornadas de trabalho e diminuindo a remuneração.

Assim, no livro procuram-se cercar — com nomes de referência jurídica expressiva nos campos da Advocacia, da Magistratura e do Ministério Público — todas as possíveis questões interpretativas, as nascidas da realidade do dia a dia, as que se fixam nos Juízos Monocráticos e Tribunais, as que se projetam no poder de fiscalização das Promotorias Públicas, até mesmo aquelas que habitam os debates dos empregados e empregadores nas questões coletivas.

É um trabalho inicial de doutrina, de conjugação teórico-prática, de explicitação jurisprudencial, de vertentes possíveis que possam abrir caminhos para se tentar atingir o que desejava Süssekind — “permitir a dar a cada um o que necessita”. Mas, em verdade, procura apenas rascunhar o que possa contribuir para o entendimento e a aplicação da Lei em destinação à nossa sociedade plural, na certeza de que muitos outros agregarão melhores e mais profundos estudos.

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PReFácIO

Cabe-me o privilégio de prefaciar a segunda edição do livro sobre o Motorista Profissional, organizado pelos Ilustres Advogados André Passos, Edésio Passos e Sandro Lunard Nicoladeli.

Na primeira edição, afirmei, quanto à Lei n. 12.619/2012, que embora fosse grande conquista, não era suficiente para melhorar as condições de transporte no Brasil. Disse que, entre tantas coisas importantes, a sociedade precisava mobilizar-se para elencar, entre as prioridades do País, a melhoria das rodovias.

Deparamo-nos, em 2015, com três acontecimentos de impacto quanto ao trabalho do motorista. Em primeiro lugar, a Lei n. 13.103, de 30 de julho de 2015, que alterou aspectos importantes da Lei n. 12.619 de 2012. Em segundo lugar, a Lei n. 13.154, de 30.07.2015, que alterou a Lei n. 9.503, de 23.09.1997 (Código de Trânsito Brasileiro), e acrescentou o §17 ao art. 235-C da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em terceiro lugar, a promulgação da Emenda Constitucional n. 90, de 15 de setembro de 2015, que incluiu o transporte como direito social em nossa Carta Magna.

Quanto à Lei n. 13.103/2015, tramita perante o Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.322. Essa ADIn, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTT), questiona a retirada de direitos dos trabalhadores previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e na Lei n. 12.619/2012. Para o Presidente da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Paraná, João Batista da Silva, as novas regras prejudicam a categoria, pois “precarizam as condições de trabalho e retiram direitos básicos, como dormir e se alimentar de forma digna”(1). Segundo essa visão dos sindicalistas, o art. 4º da nova lei modifica a CLT (§ 5º do art. 71), reduzindo os horários de descanso e alimentação intrajornada do trabalhador, afrontando o inciso XXII do art. 7º da Constituição de 1988. Questionam, também, a exigência dos exames toxicológicos periódicos dos motoristas profissionais nomomento da habilitação e da renovação da carteira nacional de habilitação e quando da admissão ao emprego e do eventual desligamento. Essa obrigatoriedade do exame, discriminatório, atentaria contra os princípios da isonomia e da igualdade previstos no caput do art. 5º da CF/88(2).

A Lei n. 13.154/2015, entende, por sua vez, que a jornada diária de oito horas deve ser estendida e possibilitada sua prorrogação (na forma da redação do caput do art. 235-C) aos operadores de automotores destinados a puxar ou arrastar maquinaria de qualquer natureza ou a executar trabalhos de construção ou pavimentação e aos operadores de tratores, colheitadeiras, autopropelidos e demais aparelhos automotores destinados a puxar ou a arrastar maquinaria agrícola ou a executar trabalhos agrícolas(3).

Quanto à nova mudança constitucional, que consagra o transporte como direito social, parece boa nova. O direito ao transporte passa a integrar o artigo 6º da Constituição Federal, como direito humano fundamental social, junto a todos os outros lá previstos como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e

(1)Fetropar apoia ADI contra lei dos caminhoneiros. Revista Direção Certa. Edição 79, Curitiba, maio e junho de 2015. p. 8.(2) Idem e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Adin n. 5.322. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=292212>. Acesso em: 21 set. 2015.(3) BRASIL. Lei n. 13.154, de 30 de julho de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13154.htm>. Acesso em: 21 set 2015.

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assistência aos desamparados. Embora apresentada em 2011, essa proposta só adquiriu força após as manifestações populares que ocorreram no Brasil em junho de 2013. Os protestos, à época, direcionaram-se à melhoria do transporte público e seu menor custo para a população. Possibilita-se, agora, a proposição de outras leis que destinem recursos ao setor de transportes, como já ocorre com a saúde e a educação, que possuem recursos vinculados ao orçamento. Uma vez reconhecido constitucionalmente como direito social, o Estado é obrigado a garanti-lo, através de política pública, assegurando-o a todos os cidadãos (no caso, o transporte nas esferas federal, estadual e municipal). O direito ao transporte, estabelecido agora pela Emenda Constitucional, além do conforto e segurança em veículos, ruas e estradas, deveria também propiciar a convivência em uma sociedade fraterna, como previsto no preâmbulo da Constituição em vigor. Na verdade, sem transporte, não existe educação, saúde, trabalho, alimentação ou lazer. É público e notório que milhões de pessoas no Brasil passam mais tempo no transporte coletivo do que no próprio trabalho.

Sobre o chamado “Estatuto do Caminhoneiro”, quando ainda Projeto de Lei, a Federação Patronal de Curitiba considerava que a medida deveria tornar mais simples “o transporte de cargas agropecuárias, trazer equilíbrio para a aplicação da legislação e reduzir os custos do frete”(4).

Os Coordenadores da obra, André Passos, Edésio Passos e Sandro Lunard, apresentam amplo texto denominado “Normatização do ato de dirigir por trabalhador subordinado”, analisando e comparando as Leis 12.619/2012 e 13.103/2015 quanto às normas a respeito do ato de dirigir por trabalhador subordinado, seu alcance subjetivo, os contornos da representação sindical, os direitos do motorista profissional, as alterações promovidas na CLT e a homologação de trechos, jornada e meio ambiente de trabalho. Salientam, de forma enfática, que, em muitos aspectos, os institutos normatizados pelo novo marco regulatório confrontam os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como aqueles que tratam do tempo de espera, revezamento em dupla de motoristas e jornada móvel variável, apresentando-se, assim, “indiscutivelmente, como agressivos à dignidade da pessoa humana e ao respeito ao meio ambiente laboral”.

O Advogado e Professor Célio Pereira Oliveira Neto, em densos comentários sobre a nova lei, afirma que esta “chega a diminuir direitos instituídos pela Lei 12.619 em favor dos empregados”. Diante da complexidade do texto, afirma a necessidade de que os aplicadores do direito tenham prudência na aplicação da nova lei, uma vez que há necessidade de tempo para maturação dos entendimentos. Ressalta o papel sindical, “na medida em que importantes matérias (talvez as essenciais) ficaram atreladas à negociação coletiva”. Destaca três aspectos quanto a isso: a) possibilidade de redução do intervalo intrajornada; b) fixação da jornada 12x36 (doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso); e c) e a prorrogação da jornada até o máximo de 4 horas extraordinárias.

O Desembargador do Trabalho e Professor Paulo Ricardo Pozzolo trata do enquadramento sindical dos motoristas, antes, durante e depois das Leis 12.619/12 e 13.103/15. Segundo esse autor, inúmeras são as ocupações compreendidas nesses textos legislativos, não se destinando apenas aos motoristas empregados, mas igualmente àqueles que trabalham na condição de autônomos ou sob qualquer outra espécie de relação jurídica. Mesmo em relação aos empregados domésticos contratados para laborar como motoristas, deve-se observar as disposições incluídas no Código de Trânsito Brasileiro, dentre as quais o controle do tempo de direção, tempo ininterrupto de direção e intervalos de descanso. Registra que, tratando-se de norma de ordem pública e imperativa, “a interpretação de seus destinatários é seguramente extensiva”. Constituindo categoria profissional diferenciada, as leis mencionadas alcançam todo e qualquer motorista empregado, independentemente da atividade econômica de seus empregados. Em conclusão, o articulista afirma que “os motoristas urbanos e rurais constituem categoria profissional diferenciada antes, durante e depois das Leis ns. 12.619/12 e 13.103/15”.

O Advogado César Kato trata da “Aposentadoria e os caminhoneiros”. Em seu instigante texto afirma que “o INSS deve reconhecer que se o Estado é incapaz de proteger o motorista profissional da

(4) Boletim Informativo do Sistema FAEP, n. 1262. Semana de 09 a 15 de junho de 2014. Curitiba, p. 25.

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exigência de jornada estafante, devendo, ao menos, reconhecer o direito à aposentadoria especial”. Esclarece que, “além dos tradicionais riscos físicos, químicos e biológicos, as condições do trabalho são imposições do empresário empregador ou contratante de caminhoneiro supostamente autônomo”.

Apresenta a obra um interessante e oportuno glossário sobre a lei do motorista, explicando o significado de vários vocábulos, como “alojamento externo”, “anfetaminas”, “cargas vivas”, “cargas perecíveis”, “cavalinho” etc. Esse trabalho é de autoria dos advogados Almir Antonio Fabricio de Carvalho, Denise Vieira de Castro, Fábio Augusto Mello Peres e João Guilherme Walski de Almeida.

O Procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes trata dos impactos da Lei n. 13.103/2015 sobre a proteção jurídica ao motorista profissional. Em sua ótica, a simples leitura da Lei n. 13.103/2015 induz à conclusão de que “o mais básico princípio da convivência humana foi ignorado: o princípio da razoabilidade”. Cotejando o tipo do art. 149 do Código Penal com as novas regras, considera que a nova lei “torna legal a redução dos motoristas profissionais à condição análoga a de escravo, na medida em que autoriza expressamente a realização de jornadas exaustivas e ilimitadas”. Explicita não ser razoável exigir que um motorista: trabalhe até doze horas por dia; dirija ininterruptamente até cinco horas e mais; durma em caminhões em movimento; fique em filas de até vinte e quatro horas; seja banido do mercado de trabalho porque usa as drogas que o sistema lhe obriga. A regulamentação do trabalho do motorista deixou de ser norma que protege para “passar a ser regra que desprotege esse trabalhador e a sociedade”. De forma mais incisiva, afirma que a nova lei “traduz-se numa sentença de morte para milhares de motoristas e demais usuários das rodovias brasileiras”. É favorável à declaração de inconstitucionalidade da lei, tal como requerida na ADIn n. 5.322 pela Confederação Nacional aos Trabalhadores no Transporte Terrestre — CNTTT.

Daniel Dias Moura apresenta o texto denominado “Intervalo intrajornada dos motoristas e cobradores previsto na Lei 13.103/2015: o limite da negociação coletiva”. Segundo esse autor, a nova redação do § 5º, do art. 71 da CLT, prestigiou a negociação coletiva apenas em virtude da natureza do serviço e das condições especiais do trabalho. Retirou, no entanto, os elementos destinados a gerar a garantia mínima visando a preservar a higidez física e mental do trabalhador. Dessa forma, segundo afirma, “feria de morte o preceito constitucional fundamental voltado para a consagração da dignidade humana”. Em sua ótica, a melhor solução, em razão da natureza do serviço e das condições de trabalho a que são submetidos os motoristas, cobradores, fiscais de campo e afins nos serviços de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de passageiros, é “a redução da jornada diária de trabalho para seis horas, com quinze minutos de intervalo intrajornada”.

As análises e as objeções críticas ao novo marco legal não podem deixar de lado o aspecto positivo trazido com a Emenda Constitucional, que reconhece o direito fundamental ao transporte. A partir desse princípio constitucional é que todo o sistema de trabalho dos motoristas deve ser considerado. Se o transporte é um direito fundamental, o motorista, que o executa, deve, também, ter garantias fundamentais. A boa nova deve prevalecer sobre as más notícias. Entre a lei que prejudica e a regra constitucional que favorece, esta deve prevalecer.

Caso concreto recentemente julgado encaminha-se nessa direção. Tratava-se de motorista carreteiro que cumpria jornada diária de 15 horas, sete dias na semana, com apenas duas folgas mensais. Reconheceu o Tribunal o direito do trabalhador a rescindir indiretamente seu contrato de trabalho, condenando os responsáveis por sua contratação ao pagamento também de indenização por dano moral. O Desembargador do Trabalho João Batista Martins Cesar reconheceu três motivos para a rescisão indireta: a) serviços superiores às forças do contratado, defesos por lei; b) exposição a perigo manifesto de mal considerável; c) descumprimento de obrigações pelo empregador. Na ementa do acórdão, o Relator afirmou que “a limitação da jornada de trabalho, duramente conquistada pelos movimentos operários dos séculos XVIII e XIX — e que, inclusive, impulsionaram a própria criação de regramentos trabalhistas por todo o mundo — tem como objetivo precípuo preservar a saúde do trabalhador, cumprindo inegável função social”. Registrou, também, o julgado que, tendo em vista a função realizada pelo autor, de motorista carreteiro, “sujeito a toda sorte de

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acontecimentos nas desvigiadas e mal conservadas estradas brasileiras, limitar a jornada de trabalho é, ao mesmo tempo, preservar a vida do trabalhador”. Relativamente à indenização por dano moral, esclareceu que, desde a função realizada, a limitação da jornada também se direciona “à proteção dos cidadãos genericamente considerados”, pois “por estafa e fadiga sujeitam-se, naturalmente, a um maior risco de sofrer acidentes”. Ponderou, igualmente, que numa escala de vulnerabilidade, os caminhões (como o do autor da ação) “apresentam-se como poderosas armas contra os veículos de pequeno porte, motocicletas, bicicletas e pedestres”. Asseverou o julgado não se poder admitir, em pleno século XXI, sob qualquer hipótese ou fundamento, que “trabalhadores sejam submetidos a uma jornada de 15 horas durante 7 dias por semana, com apenas duas folgas mensais”. Ressaltou, por fim, que a jornada excessiva “afasta o trabalhador do convívio social, desestrutura sua família, acarreta doenças e, por outro lado, presta-se a um aumento tresloucado do lucro que raramente é repassado aos empregados”(5).

Sob o título “Transporte agora é um direito”, Raquel Rolnik assevera, em artigo do jornal Folha de São Paulo, que “sem possibilidade de se deslocar, não se tem acesso à saúde, à educação, à alimentação, ao lazer”. Reconhece a articulista o importante avanço conceitual que representa a inclusão do transporte como direito. Afirma que consagra, esse novo paradigma, “uma noção muito diferente da que tradicionalmente vem definindo as políticas de transporte em nosso país”. Parece um sonho, mas também “o transporte público precisa ser oferecido para todos, independentemente das condições socioeconômicas de quem dele necessita”(6).

O debate apresentado pelos autores quanto a nova regulamentação que modificou a Lei n. 12.619/2012, adaptando-a, bem como a novel Emenda Constitucional que considera o transporte como direito fundamental certamente trarão aspectos importantes para a análise do trabalho do motorista.

Espera-se que nessa caminhada sejam preservadas a dignidade do motorista em seu trabalho de transportar e a vida de terceiros que trafegam em nossas rodovias, infelizmente, ainda inadequadas para a mobilidade dos seres humanos.

Curitiba, setembro de 2015.

Luiz Eduardo GuntherDesembargador do Trabalho do TRT da 9ª Região, Professor do

UNICURITIBA, Doutor em Direito pela UFPR, Membro na Academia Nacional de Direito do Trabalho e do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e Coordenador do Grupo de Pesquisa que edita a Revista Eletrônica do TRT9 (<http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/>)

(5) CAMPINAS. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Consagrando aspectos sociais e humanitários, 11ª Câmara reconhece rescisão indireta e indenização a caminhoneiro que cumpria jornada exaustiva de trabalho. Disponível em: <http://portal.trt15.jus.br/noticias/-/asset_publisher/Ny36/content/consagrando-aspectos-sociais-e-humanitarios-11%C2%AA-camara-reconhece-rescisao-indireta-e-indenizacao-a-caminhoneiro-que-cumpria-jornada-exaustiva-de-traba;jsessionid=2B3DEE88A6105B9BCE46D4E576EEDD46.lr2>. Acesso em: 21 set. 2015.(6)ROLNIK, Raquel. Transporte agora é um direito. Folha de São Paulo. Caderno Cotidiano. 21.09.2015. p.B6.

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I NORMATIZAçãO dO ATO de dIRIGIR POR

TRABALHAdOR SuBORdINAdO

Edésio Passos(*)

André Passos(**)

Sandro Lunard Nicoladeli(***)

Giovani Nascimento(****)

1. INTROduçãO

O objetivo do presente trabalho é analisar aspectos político-jurídicos inseridos na nova dinâmica das relações de trabalho instituída pela legislação atinente ao motorista profissional, destacando as leis que normatizaram essa atividade: Leis ns. 12.619, de 2012, e 13.103, de 2015.

Para tanto, os capítulos foram organizados de forma a apresentar o surgimento da atividade profissional expressa no ato de transportar cargas e pessoas, executada, até os dias atuais, numa lógica sonegadora e precarizante de direitos.

Os elementos normativos do ato de dirigir por trabalhador subordinado serão tratados partindo-se dos fatos histórico que antecederam ambas as leis, para, posteriormente, serem avaliados os elementos e institutos jurídicos criados para a tutela do trabalho do motorista profissional, destacando-se o que há de fundamental no espírito dessa regulação legal: controle da jornada, tempo de direção e descanso do motorista, inclusive nas viagens de longa distância.

A partir da edição da Lei n. 12.619/2012 (ANEXO I), o Estado brasileiro disciplinou e normatizou o trabalho do motorista profissional, introduzindo importantes modificações na Consolidação das Leis do Trabalho, visando regular a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional, dentre outras definições de políticas públicas, além de alterações no Código de Trânsito Brasileiro.

A Lei n. 13.103/2015 (ANEXO II), por sua vez, veio alterar profundamente o trabalho do motorista profissional, mas num sentido contrário à diretriz da normação de 2012, pois reduziu direitos e garantias, ampliando a jornada de trabalho e flexibilizando diversas normas jurídicas (antes) protetivas.

Enfim, o texto normativo busca albergar todos aqueles que executam tarefas na condução de veículos, seja na qualidade de empregados subordinados, seja na condição de trabalhadores autônomos.

(*) Advogado trabalhista, foi Deputado Federal na legislatura 91-94; atualmente, exerce o cargo de diretor administrativo da Itaipu Binacional; é autor de diversos artigos e obras na área de Direito do Trabalho.(**) Presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/PR; Advogado Fundador do Escritório Passos & Lunard — Advogados Associados — Defesa de Trabalhadores; formado pela Faculdade de Direito da UFPR em 1999; Vereador de Curitiba, de 2001 a 2008.(***) Advogado trabalhista; consultor de entidades sindicais de trabalhadores rodoviários; membro da Comissão de Direito Sindical da OAB/PR; doutorando em Direito/UFPR; professor de prática trabalhista e Direito Sindical na UFPR; especialista em normas internacionais pela OIT e em relações de trabalho pela Universidade Castilla-La Mancha/Espanha.(****) Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná; foi membro do Programa de Iniciação à Docência na disciplina de Direito do Trabalho na UFPR; pesquisador de Direito Coletivo do Trabalho junto ao escritório Passos & Lunard Advogados Associados.

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1.1. Aspectos histórico-jurídicos do ato de dirigir e transportar

No Brasil, dada a sua peculiar forma de desenvolvimento socioeconômico,(1) o surgimento e o progresso da atividade de transporte de cargas e pessoas foi realizado, inicialmente, pelo trabalho de escravos; posteriormente, pelo trabalho dos tropeiros.

No século XX, ou seja, no desenvolvimento mais tardio do capitalismo brasileiro, implementou--se (a partir do crescente processo de urbanização) o transporte urbano e interurbano de forma mais organizada e articulada.

Dessa maneira, o processo de transporte executado, inicialmente, por tração humana (escravo), paulatinamente é substituído por carroças com tração animal. Assim, há um processo de atenuação dessa forma de execução da atividade e, até, a completa extinção da utilização do trabalho escravo nesse setor.(2)

Como registro histórico, as primeiras experiências de transporte no Brasil eram realizadas por meio da chamada serpentina, “meio de transporte de famílias abastadas do princípio do século XIX”,(3) mas que foram precedidas pela forma mais rudimentar, no caso, o transporte em redes, retratado, sobretudo, na imortalizada gravura de JEAN BAPTISTE DEBRET:(4)

O desenvolvimento das atividades de transporte, notadamente no espaço urbano, ocorre de forma concentrada na capital do Império, a cidade do Rio de Janeiro, decorrente da vinda da Corte Imperial, em 1808.(5)

(1) Colônia de Portugal e recebendo contingentes de escravos para a exploração econômica, notadamente com a transferência da nobreza portuguesa.(2) FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado e desenvolvimento do urbano. 16. ed. São Paulo: Global, 2006. p. 622.(3) TRANSPORTE no Brasil. Museu virtual do transporte urbano. Disponível em: <http://www.museudantu.org.br/QBrasil.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.(4) O transporte. Terra brasileira. Disponível em: <http://www.terrabrasileira.com.br/folclore3/q00-trnsp.html>. Acesso em: 1º jul. 2015.(5) TRANSPORTE no Brasil. Museu virtual do transporte urbano. Disponível em: <http://www.museudantu.org.br/QBrasil.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.

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Posteriormente, a cidade de São Paulo, em função do seu rápido e incisivo desenvolvimento econômico, comportou intensiva construção de malha viária, a partir da segunda metade do século XIX, processo este aprofundado a partir do início do século XX.(6)

Por conseguinte, estruturados os dois grandes centros urbanos brasileiros — Rio de Janeiro e São Paulo —, necessitava-se de investimento para implementação dos sistemas viários de transporte coletivo. Surgiram, então, as primeiras linhas de bondes na cidade do Rio de Janeiro (1838), partindo do Centro para Botafogo, Engenho Velho e São Cristóvão, então sucedidas pelas “Gôndolas Fluminenses”.(7) A partir do início do século XX (décadas de 20 e 30), emerge a atividade do condutor de veículos especializada, introduzida pela novidade dos serviços de bondes elétricos nas referidas cidades.

Não obstante a articulação urbana do transporte relatada até agora, o adensamento urbano, resultado do crescimento populacional, resultou na criação das primeiras rotas urbanas e interurbanas, que utilizaram os primeiros ônibus movidos a combustível.

Do ponto de vista do marco legislativo, somente em 1910 — Decreto n. 8.324 — torna-se realidade a primeira regulação do setor de transporte, autorizadora do regulamento para o serviço subvencionado de transporte de passageiros ou mercadorias, executado por meio de automóveis industriais.

Sucederam-se o Decreto n. 18.323/1928, criador da “Polícia de Estradas” e definidor das regras de trânsito rodoviário, e o Decreto n. 19.038/1929, promulgador da convenção internacional (Paris/1926) relativa à circulação de automóveis.

Somente em 1941, com o Decreto-Lei n. 2.994, é instituído o primeiro Código Nacional de Trânsito, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n. 3.651.

Essa codificação foi superada pela Lei n. 5.108/66. Por fim, mais recentemente, o Código de Trânsito Brasileiro/CTB — Lei n. 9.503/97 — estabeleceu as premissas para o acesso à habilitação ao exercício da profissão de motorista (arts. 145 e 146 do CTB).(8)

Com o advento da legislação específica (Leis ns. 12.619/2012 e 13.103/2015), os motoristas profissionais têm direitos garantidos da mesma forma que os demais trabalhadores em transportes, a exemplo dos ferroviários (art. 236 e ss. da CLT), aquaviários (art. 248 e ss. da CLT e Lei n. 9.537/97) e aeronautas (Lei n. 7.183/84), contando com regulamento profissional específico.

1.2. Elementos pretéritos à normatização do motorista profissional: aspectos legislativos e jurisprudenciais

No ramo específico dos trabalhadores em transporte rodoviário, a normatização da atividade profissional foi promovida, inicialmente, a partir da definição da atividade do Transportador Autônomo de Cargas (TAC).

(6) REIS, Nestor Goulart. Memória do transporte rodoviário. São Paulo: CPA, 1997. (7) TRANSPORTE no Brasil. Museu virtual do transporte urbano. Disponível em: <http://www.museudantu.org.br/QBrasil.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.(8) “Art. 145. Para habilitar-se nas categorias D e E ou para conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, de esco-lares, de emergência ou de produto perigoso, o candidato deverá preencher os seguintes requisitos: I — ser maior de vinte e um anos; II — estar habilitado: a) no mínimo há dois anos na categoria B, ou no mínimo há um ano na categoria C, quando pretender habilitar-se na categoria D; e b) no mínimo há um ano na categoria C, quando pretender habilitar-se na categoria E; III — não ter cometido nenhuma infração grave ou gravíssima ou ser reincidente em infrações médias durante os últimos doze meses; IV — ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do CONTRAN. Art. 146. Para conduzir veículos de outra categoria o condutor deverá realizar exames complementares exigidos para habilitação na categoria pretendida.” BRASIL. Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. código de trânsito brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm>. Acesso em: 3 jul. 2015.

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O trabalhador rodoviário autônomo presta serviços na modalidade de contrato de prestação de serviços de natureza comercial, junto a Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas (ETC), nos termos da Lei n. 11.442/2007:

Art. 2º A atividade econômica de que trata o art. 1º desta Lei é de natureza comercial, exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concorrência, e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas — RNTR-C da Agência Nacional de Transportes Terrestres — ANTT, nas seguintes categorias: I — Transportador Autônomo de cargas — TAc, pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional; II — empresa de Transporte Rodoviário de cargas — ETC, pessoa jurídica constituída por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal.(9)

Trata-se de iniciativa legislativa de prestação de serviços, porém sinalizadora de caráter nitidamente protetivo aos interesses empresariais, ou seja, busca conferir suposta segurança jurídica ao tomador de serviços que se utiliza de trabalhadores autônomos, com o fim de afastar qualquer possibilidade de serem enquadrados nos contornos da relação de emprego.

Já os trabalhadores motociclistas conquistaram sua regulação normativa com a edição da Lei n. 12.009/2009:

Art. 1º Esta Lei regulamenta o exercício das atividades dos profissionais em transportes de passageiros, “mototaxista”, em entrega de mercadorias e em serviço comunitário de rua, e “motoboy”, com o uso de motocicleta, dispõe sobre regras de segurança dos serviços de transporte remunerado de mercadorias em motocicletas e motonetas — moto-frete —, estabelece regras gerais para a regulação deste serviço e dá outras providências.(10)

Definitivamente, somente no ano de 2012 os condutores de veículos rodoviários típicos (ônibus, caminhões e demais veículos) conquistaram sua regulamentação profissional, por meio da Lei n. 12.619/2012.

Essa lei trouxe alguns avanços, sobretudo estabelecendo o controle e o regulamento da jornada do motorista, seguindo o espírito tutelar do Direito do Trabalho. Mesmo com curto tempo de vigência, referida lei teve grande rejeição por parte dos embarcadores (clientes dos empregadores) e dos produtores rurais (contratantes sazonais do serviço de transporte), ambos (diga-se de passagem) sujeitos estranhos à relação de emprego, pois são demandantes dos serviços de transporte, não possuindo qualquer vinculação direta com os motoristas empregados, o que ocorre via transportadoras, efetivos empregadores dos motoristas na área de carga.

Esses dois segmentos empresariais possuem grande influência no processo político e, por con-seguinte, seus interesses ficam expressos no Poder Legislativo — vide bancada ruralista. Sancionada a Lei n. 12.619/2012, imediatamente os interesses econômicos se rearticularam, propondo-se novo texto de lei, materializado, inicialmente, no PL n. 4.246/12, que teve diversas alterações, emendas e apensamentos de outros projetos acerca do mesmo tema.

Contudo, o fator decisivo a acelerar o processo legislativo e determinar a sanção pelo Poder Executivo foi a paralisação dos caminhoneiros autônomos, que reivindicavam alterações no valor do frete, dos pedágios e perdão de multas de trânsito, demonstrando, em realidade, o interesse do patronato rodoviário, consistente na flexibilização e supressão das conquistas obtidas com a Lei n. 12.619/2012.

Tal conjunção de interesses se expressou na reunião final que determina o fim do movimento de paralisação dos caminhoneiros, ocorrida no âmbito da Secretaria Geral da Presidência da República, a qual contou com as seguintes representações sindicais, majoritariamente de autônomos:

Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA); Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sinditac) RMC; Sinditac SJC; Sinditac Goiás; Sinditac Goiânia e Região;

(9) BRASIL. Lei n. 11.442, de 5 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11442.htm>. Acesso em: 3 jul. 2015. (Destacou-se) (10) BRASIL. Lei n. 12.009, de 29 de julho de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12009.htm>. Acesso em: 3 jul. 2015. (Destacou-se)

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Sinditac SJP-PR; Sinditac Ponta Grossa-PR; Sindicato Nacional dos Cegonheiros; Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL-CUT), que representa trabalhadores de transportes rodoviário, marítimo, portuário, fluvial, ferroviário, metroviário, aéreo e sistema viário; Sindicato das Empresas e Transportadores de Combustível e Derivados de Petróleo do Estado de São Paulo (Sindtanque-SP).(11)

Muito embora por motivações distintas, a paralisação nacional ocorrida no mês de fevereiro de 2015 culminou com a aprovação sem vetos pela Presidência do projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados, em caráter terminativo, “coincidentemente” ultimado no dia 11 de fevereiro.(12)

O resultado desse processo foram a profunda alteração da Lei n. 12.619/2012 e a substituição de boa parte da sua normação pelas regras da Lei n. 13.103/2015, traduzida em grande retrocesso e precarização.

A alteração legislativa expressada pela Lei n. 13.103/2015 afronta os parâmetros e limites estabelecidos internacionalmente para a execução da tarefa de condutor de veículos (caminhões e ônibus), pois, no âmbito do Direito Internacional, muito embora ainda não ratificada pelo Brasil, a Convenção n. 153 da Organização Internacional do Trabalho (ANEXO V), complementada pela Recomendação n. 161 da mesma organização (ANEXO VI), autoriza traçar comparações quanto à eficácia, à pertinência e à adequação da Lei n. 13.103/2015, aproveitando-se o necessário paralelismo aos critérios estabelecidos internacionalmente para o exercício da profissão.

A Classificação Brasileira de Ocupações (ANEXO VII), organizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, define, para fins de detalhamento da profissão, o motorista carreteiro e de caminhão no transporte de carga como sendo aqueles que “Transportam, coletam e entregam cargas em geral; guincham [...] movimentam cargas volumosas e pesadas [...] definem rotas e asseguram a regularidade do transporte”.(13)

No caso do motorista de ônibus urbano e rodoviário no transporte de passageiros, esta é a definição de suas atividades profissionais: “Conduzem e vistoriam ônibus e trólebus de transporte coletivo de passageiros urbanos, metropolitanos e ônibus rodoviários de longas distâncias; [...] controlam o embarque e desembarque de passageiros e os orientam quanto a tarifas, itinerários”.(14)

Ocorre que, particularmente no exercício das tarefas de condução de veículos em rotas urbanas, inter-regionais ou interestaduais, conduzindo veículos que transportem passageiros ou cargas, aprofundaram-se os prejuízos nas condições de trabalho. A Lei n. 13.103/2015, de notória antijuridicidade e flagrante inconstitucionalidade (conforme será esclarecido no decorrer desta obra), normatizou condições de trabalho anteriormente rejeitadas pela ordem jurídica vigente, pois são violadoras da ordem pública e da saúde dos trabalhadores. Consagra-se, em 2015, ambiente de trabalho hostil, desgastante e desarrazoado, permitindo, inclusive, converter, pela nova lei, as jornadas excessivas(15) (uma aberração jurídica!) em atividade legitimada por lei ordinária.

(11) GOVERNO e caminhoneiros chegam a acordo para fim de paralisação. Folha de S. Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/02/1594965-governo-e-caminhoneiros-chegam-a-acordo-para-fim-de-paralisacao.shtml>. Acesso em: 3 jul. 2015.(12) PRESIDENTA Dilma cumpre promessa e sanciona Lei dos Caminhoneiros sem vetos. Blog do planalto: Presidência da República. Disponível em: <http://blog.planalto.gov.br/presidenta-dilma-cumpre-promessa-e-sanciona-lei-dos-caminho-neiros-sem-vetos/>. Acesso em: 3 jul. 2015.(13) BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação brasileira de ocupações. Disponível em: <http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf>. Acesso em: 24. nov. 2012.(14) BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação brasileira de ocupações. Disponível em <http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf>. Acesso em: 24 nov. 2012.(15) “A médica do trabalho da Fundacentro da Bahia, Cristiane Maria Galvão Barbosa colocou durante a realização do evento O TRABALHO SEGURO: CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS RODOVIáRIOS DA BAHIA que jornadas excessivas e falta de repouso são as principais causas de adoecimento entre rodoviários.” JORNADA excessiva é uma das principais causas de adoecimento entre rodoviários, diz médica. Ministério do Trabalho e Emprego — FUNDACENTRO. Disponível em: <http://www.fundacentro.gov.br/noticias/detalhe-da-noticia/2015/4/jornada-excessiva-e-uma-das-principais-causas-de-adoecimento-entre-rodoviarios-diz-medica>. Acesso em: 4 ago. 2015.

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É fato notório que, dependendo das rotas, a execução de atividades de transporte de cargas e de passageiros interurbano e interestadual, caracteriza-se pela intensa, prolongada e exaustiva exploração do trabalho humano. Conforme afirma André Proner, o trabalho exaustivo pode ser considerado como condição análoga à de escravo,(16) assim caracterizado aquele desenvolvido em tempo de direção com jornadas de 12, 14 e até 24 horas consecutivas.

Não são incomuns relatos de trabalhadores com jornada de até 36 horas de boleia, sendo que, nessas situações, há o inevitável uso de estimulantes, anfetaminas e, até, cocaína, para resistir à excessiva extensão do lapso temporal de trabalho, cumulado com a necessária diligência e atenção na condução do veículo.

Assim, quando o empregador enquadrava o contrato de emprego desse trabalhador naquelas condições excepcionadas do controle de jornada, previstas no art. 62, I, da CLT,(17) acabava por violar, dolosamente, direito humano fundamental à higidez corpórea, via limitação da jornada e de descanso, protegido pela Constituição Federal (art. 7º, XIII e XV, e pela CLT, nos arts. 58, 66 e 71).

Por conta dessa conduta do empregador, então protegida sob o manto de uma suposta segurança jurídica (no sentido de que atividade externa é incompatível com controle), ele agia, em verdade, em total abuso de direito e flagrante má-fé, pois obrigava o empregado a exercer seu ofício em condições rotineiramente desumanas.

Esse modus operandi resultou em mortes ou afastamentos da vida profissional, além de deformações físicas e/ou psíquicas. Efetivamente, o efeito mais nefasto está representado nos altíssimos índices de desagregação dos núcleos familiares por conta do extenso absenteísmo familiar desse trabalhador, em virtude das rotas longas, que acarretam longínquos períodos afastados do convívio familiar.

Todo esse cenário é resultado colateral e negativo da atividade econômica do empregador que acaba, por fim, “partilhando solidariamente” com a sociedade brasileira os seguintes elementos: paralisação das vias em razão de acidentes, gastos com a seguridade social, via previdência, com o afastamento do empregado e, também, a saúde pública, por conta dos atendimentos decorrentes dos acidentados atendidos nos hospitais públicos.

Chegamos, portanto, a uma situação surreal de exigência de jornadas exaustivas, chanceladas, inclusive, judicialmente, sob o manto de uma suposta incompatibilidade entre o trabalho executado externamente e seu controle (art. 62, I, da CLT). Nesse sentido, veja-se a seguinte decisão do TRT da 14ª Região:

32006315 — MOTORISTA de cAMINHãO. AuSÊNcIA de cONTROLe de JORNAdA. HORAS eXTRAS INdevIdAS. Remanescendo demonstrado nos autos que o trabalhador exercia atividade externa incompatível com o controle de jornada, aplica-se a exceção do art. 62, I, da CLT, sendo indevido o pagamento de horas suplementares. Dano moral. Motorista de caminhão. Uso de anfetamina. “rebite”. Não comprovação de ato ilícito do empregador. Ausência de dever de indenizar. Não havendo provas cabais de que o empregador tenha forçado o reclamante. Motorista de caminhão. A tomar anfetaminas, vulgo “rebite”, para a consecução do labor, não resta configurado ato ilícito do patrão e nem lhe pode ser imputada a prática de ato passível de gerar indenização por dano moral ao empregado. Recurso desprovido. (TRT 14ª R.; RO 00905.2009.004.14.00-5; Segunda Turma; Relª desª Socorro Miranda; dJeRO 7.12.2009; p. 7) (Destacou-se)

Noutro sentido, indica-se o julgado, já sob a égide da Lei n. 12.619/2012, proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, que classifica, objetivamente, a responsabilidade do empregador, ante a sua prática omissiva no dever de zelar pela saúde do seu empregado:

eMeNTA: dANO MORAL. MOTORISTAS. PRáTIcA de ‘ReBITeS’. Comprovado nos autos que o empregador, ainda que não incentive de forma direta, fecha os olhos para a prática de utilização de remédios para que seus motoristas se mantenham acordados (o que se denomina em jargão popular ‘rebite’) ao invés de implementar medidas simples de

(16) PRONER, André Luiz. Neoescravismo: análise jurídica das relações de trabalho. Curitiba: Juruá, 2010. p. 79-81.(17) “Art. 62. Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: I — os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;” BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 3 jul. 2015.

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segurança com vistas à saúde de seus empregados e também à segurança dos clientes que fazem uso do serviço por ela prestado, impõe-se a condenação por danos morais. Recurso a que se nega provimento.” (TRT 1ª ReGIãO. PROceSSO: 0126800-77.2008.5.01.0022 — Recurso Ordinário. data de publicação: 2012-09-12. Órgão julgador: Nona Turma. Relator: claudia de Souza Gomes Freire.) (Destacou-se)

Vólia Bomfim Cassar, por exemplo, comentando os reflexos da Lei n. 12.619/2012, espanca qualquer raciocínio renitente quanto à inaplicabilidade do art. 62, I, da CLT, aduzindo que: “Desta forma, os motoristas, embora externos, estão excluídos da hipótese prevista no art. 62, I, da CLT”.(18)

Já sob a égide da Lei n. 13.103/2015, destaca-se a seguinte decisão:TRT-PR-15-05-2015 MOTORISTA. TRABALHO eXTeRNO. eXceçãO dO ART. 62, I, cLT. POSSIBILIdAde de cONTROLe. INAPLIcABILIdAde. Para o enquadramento na exceção do art. 62, I, da CLT, não basta o simples labor externo e a ausência de controle formal da jornada. A atividade externamente realizada deve, também, ser incompatível com a fixação de horário de trabalho, o que não se verificou no caso, considerando a necessidade de registros das partidas e chegadas com o veículo, bem como pela necessidade de retorno a local fixo para deixar o veículo, além da existência de central de monitoramento que entrava em contato, na ausência de registro do horário previsto para chegada. Sentença que se mantém. (TRT-PR-01335-2014-072-09-00-3-AcO-14103-2015 — 6ª Turma; Relator: Francisco Roberto ermel; Publicado no deJT em 15.5.2015)

Por óbvio, a pressão pela melhoria da renda do trabalho leva o empregado desse ramo, segundo Paulo Douglas, a “fazer de tudo para aumentar o salário — aí entram as drogas e os acidentes”.(19) Esse cenário, anteriormente à vigência da Lei n. 12.619/2012, era, por vezes, chancelado por parte da jurisprudência trabalhista. Essa oscilação jurisprudencial que, muitas vezes, reconhecia sobrejornada e, em outras, a rejeitava, acabou consolidando uma cultura empresarial de desrespeito à legislação protetiva e, consequentemente, de sonegação de direitos; pior que isso, numa desumana exploração do trabalho sem limites de jornada e violação da saúde dos trabalhadores pelo uso excessivo de estimulantes e drogas.

O referido autor pontua que a atividade empresarial de transporte está alicerçada na sonegação de direitos, mas que carrega uma mistura explosiva: baixa remuneração + remuneração por comissionamento (condicionada à quilometragem rodada), tendo como resultante a superexploração do trabalho do motorista. Importante destacar que esses componentes desumanizadores da atividade profissional são elementos na composição do custo do frete ou da tarifa de transporte.(20)

Enfim, esse panorama se constituía, e, ainda, de certa forma, se constitui como o pano de fundo das relações de trabalho no contexto anterior à aprovação do texto normativo de 2012. Com a Lei n. 13.103/2015, o panorama anteriormente verificado emerge com mais violência, porquanto agora está legitimada a superexploração do trabalho dos motoristas.

2. ASPecTOS dA NORMATIZAçãO dO ATO de dIRIGIR POR TRABALHAdOR SuBORdINAdO — LeIS NS. 12.619/2012, 13.103/2015 e 13.154/2015

Historicamente, o movimento sindical representativo dos trabalhadores rodoviários sempre denunciou e lutou por formas de controle e regulação da jornada de trabalho dos motoristas.

A reação à conduta patronal, quando ocorria, se expressava de forma atomizada nas ações trabalhistas ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, submetida ao crivo das tendências judiciais reconhecedoras ou não do direito a remuneração por trabalho em sobrejornada.

(18) CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p. 668.(19) PROCURADOR do trabalho do MS, Dr. Paulo Douglas fala sobre a regulamentação. Federação dos trabalhadores rodoviários do estado do Paraná. Disponível em <http://www.fetropar.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10857:procurador-do-trabalho-do-ms-dr-paulo-douglas-fala-sobre-a-regulamentacao-no-x-seminario-juridico-da-fetropar&catid=50&Itemid=135>. Acesso em: 10 ago. 2015.(20) O procurador Paulo Douglas de Moraes fala sobre a Lei n. 12.619. FETROPAR — Federação dos trabalhadores rodoviários do Estado do Paraná. Disponível em <http://www.fetropar.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11193:o-procurador-paulo-douglas-de-moraes-fala-sobre-a-lei-12619&catid=335:regulamentacao-na-imprensa&Itemid=100210>. Acesso em: 10 ago. 2015.

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Somente a partir de 2005 iniciativas de natureza legislativa intentaram regulamentar a atividade do motorista. Entretanto, o deslinde final apenas sucede com a aprovação da Lei n. 12.619/2012. O processo legislativo consolida-se a partir de dois movimentos, que, apesar de independentes, estão correlacionados.

2.1. A violência intolerável aos limites da jornada dos motoristas e sua judicialização

Na perspectiva do enfrentamento dessa intolerável violência aos limites da jornada dos motoristas, ajuizou-se, no ano de 2007, a Ação Civil Pública n. 1372/2007.021.23.00-3 (ANEXO VIII), de autoria do Ministério Público do Trabalho, em face do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de Mato Grosso (SINDIMAT), da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), aforada perante a 1ª Vara do Trabalho de Rondonópolis.(21)

No despacho liminar, dentre outros elementos, obteve-se o seguinte provimento mandamental:Todas as empresas transportadoras representadas pelo primeiro e segundo réus deverão, no prazo de quinze dias contados da notificação desta liminar aos réus, elaborar e manter o controle de jornada dos motoristas, mediante utilização de ficha ou papeleta de controle de horário externo, conforme previsão contida no § 3º do art. 74 da CLT. (Destacou-se)

Após o deferimento da liminar, seguiram-se audiências públicas no âmbito do MPT, visando dar fiel cumprimento ao despacho. Todavia, a despeito da iniciativa de solução dialogada, nesse ínterim, o patronato ajuíza medida de exceção de incompetência, decretando-se a incompetência daquele Juízo.

Os autos foram redistribuídos para a 14ª Vara do Trabalho de Brasília (ACP n. 1121/2008.014.1010.00.4) em 2008.(22) Assim, foi fixada a competência definitiva. Após longo processo de debate e de negociações, o MPT e os atores sociais construíram saída negocial que envolveria não só a solução judicial do conflito, mas resolveria toda a problemática do controle de jornada dos motoristas, pela via legislativa.

Por fim, após diversas audiências públicas e debates, os atores sociais chegaram a um acordo mediado pelo MPT. Dessa maneira, os sujeitos processuais compuseram o litígio envolvendo a desistência do feito, condicionando tal desistência a aprovação de projeto de lei.

Os termos do projeto de lei foram construídos sob a mediação do MPT, contando com a participação patronal/CNT (Confederação Nacional do Transporte) e dos trabalhadores via CNTTT (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres); para tanto, como forma de solução do conflito, apresentou-se substitutivo ao PLC n. 319/2009.

2.2. A iniciativa legislativa para regulação estatal da atividade de motorista

Superado o processo de negociação do texto legislativo na esfera administrativa/judicial, destravou-se o processo legislativo no Senado Federal, com a aprovação do substitutivo PLC n. 319/2009, em dezembro de 2011, de autoria do Senador Paulo Paim. O PLC n. 319/2009 foi remetido à Câmara dos Deputados, convertendo-se no PL n. 99/2007, que teve tramitação ágil, tendo sido aprovado em 3 de abril de 2012.

Há que se destacar o paralelismo entre os movimentos de judicialização e, posteriormente, de conversão em matéria legiferante, pois, apesar de desencadeados em tempos e arquiteturas estatais distintas, acabaram, por fim, ratificados pelo Poder Executivo, pela via da regulação estatal do trabalho rodoviário.

(21) BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região. Processo n. 0137200-78.2007.5.23.0021. Disponível em: <http://portal.trt23.jus.br/ecmdemo/public/trt23/Consulta/processos>. Acesso em: 1º dez. 2012.(22) BRASIL. 14ª Vara do Trabalho de Brasília-DF. Ação civil pública. n. 01121-2008-014-10-00-2. Disponível em: <http://www.trt10.jus.br/index.php>. Acesso em: 1º dez. 2012.

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Fundamentalmente, tais movimentos — judicial/legislativo — desaguaram na normatização do trabalho em condução de veículos, prevista na Lei n. 12.619/2012, publicada no DOU de 30 de abril de 2012.

Posteriormente, em virtude da melhoria na condição de trabalho dos motoristas e elevação do patamar remuneratório desses obreiros, o Poder Legislativo, por interesses do agronegócio,(23) aprovou nova legislação, em 2015, após um movimento de paralisação nas vias pelos profissionais autônomos.

A nova regulamentação foi oriunda dos Projetos de Lei ns. 4.246/12 e 5.943/13, sancionada no dia 2 de março de 2015, dando origem à Lei n. 13.103/2015,(24) cujos retrocessos serão analisados no decorrer deste texto. A regulamentação dessa lei ocorreu em 16 de abril, com o Decreto n. 8.433, cujas disposições atinentes ao empregado são irrelevantes.

Também merece referência a normativa do CONTRAN, levada a efeito por meio das Resoluções ns. 405, 408 e 525.

Em suma, a legislação, para além do ofício de transportar cargas ou pessoas, objeto de estudo de sua regulação, encontra-se, ainda, recoberta por um vasto feixe de normatizações transversais e incidentes. Vale dizer que nessa operação logística há, inclusive, o contrato de seguro do transporte,(25) como também a legislação de trânsito.

A distribuição de corresponsabilidades no trato com o tempo de direção do motorista vem corroborada, especialmente, na disposição do art. 4º da Resolução n. 405 do CONTRAN (ANEXO IX),(26) que estende, expressamente, aos transportadores, embarcadores, consignatários, agentes e operadores de terminais de carga a responsabilidade compartilhada e solidária de observância e fiscalização do tempo de direção e descanso dos motoristas.

Conforme ALAIN SUPIOT, a originalidade do contrato de trabalho consiste na entrega do produto ou resultado deste contrato, que é o tempo que o empregado dispõe-se a laborar subordinadamente ao seu empregador.(27) A grande virtude da Lei n. 12.619/2012 foi definir, detalhada e objetivamente, o tempo de trabalho do motorista, melhor explicitando o conteúdo do contrato de trabalho do obreiro subordinado condutor de veículos.

Partindo-se da análise de SUPIOT, constata-se que, no caso brasileiro, há uma profunda antinomia entre o tempo de trabalho e o tempo remunerado dos motoristas; isso se comprova quando,

(23) “Levantamento feito pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) mostra que a maior parte das cargas transportadas no Brasil está relacionada ao agronegócio. Segundo a pesquisa, 39,7% é classificada como granel sólido, o que engloba cereais, fertilizantes, além de produtos britados ou em pó. A carga fracionada — mercadorias variadas de diferentes clientes — ocupa a segunda colocação com 35,3% do total transportado no País [...].” AGRONEGÓCIO representa maior parte da carga transportada no país, diz CNT. em.com.br. Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2015/07/24/internas_economia,671842/agronegocio-representa-maior-parte-da-carga-transportada-no-pais-diz-cnt.shtml>. Acesso em: 3. ago. 2015. (24) Tendo em vista que a Lei n. 13.103/2015 não trouxe a previsão de sua data inicial de vigência, aplica-se o disposto no art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que prevê o começo de vigência quarenta e cinco dias depois de a lei ser publicada. Assim, a Lei n. 13.103/2015, que foi publicada no Diário Oficial da União em 03 de março de 2015, começou a viger em 17 de abril do mesmo ano.(25) Noticia o boletim do sindicato patronal: “As empresas seguradoras do veículo e da carga, investigarão, em caso de sinistro, o cumprimento da nova lei do motorista, sob pena de negativa de reconhecimento do sinistro pela seguradora, em caso de descumprimento do tempo de jornada, direção e repouso fixados pela Lei 12.619/2012”. NOTÍCIAS. SeTcePAR. Disponível em: <http://www.setcepar.com.br/noticias/listagem>. Acesso em: 29 nov. 2012.(26) “Art. 4º Nenhum transportador de cargas ou de passageiros, embarcador, consignatário de cargas, operador de terminais de carga, operador de transporte multimodal de cargas ou agente de cargas permitirá ou ordenará a qualquer motorista a seu serviço, ainda que subcontratado, que conduza veículo sem observar as regras de tempo de direção e descanso contidos nesta resolução.” BRASIL. Resolução n. 405 do Conselho Nacional de Trânsito. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/(Resolu%C3%A7%C3%A3o%20405.2012).pdf>. Acesso em: 3 jul. 2015.(27) Conf. SUPIOT, Alain. El derecho del trabajo. Buenos Aires: Heliasta, 2008. p. 105.

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inicialmente, antes da vigência da Lei n. 12.619/2012, havia enorme controvérsia na jurisprudência acerca da prática gerencial de jornada externa sem controle pelo empregador (art. 62, I, CLT). Agora, com a edição da Lei n. 13.103/2015, exemplificativamente na hipótese normativa do tempo de espera, renova-se a assombrosa experiência verificada nas relações de trabalho desse segmento, qual seja o tempo do empregado subordinado aos interesses do empregador, mas sem a respectiva remuneração.

Dessa forma, a legislação estabelecia novo patamar civilizatório, passaporte para o ingresso dos motoristas profissionais a condições laborativas dignas. Tal avanço sofreu duro revés com a edição da Lei n. 13.103/2015, acarretando grave retrocesso social, jurídico e político para os trabalhadores desse segmento.

Cabe lembrar, como já destacado, que referida lei encontra sub judice em razão de ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5322 (Anexo III),(28) tendo como Relator o Ministro Teori Albino Zavaski, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres — CNTTT, pleiteando a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 13.103/2015 em sua integralidade, mas que, em verdade, em última análise, busca, para além da adequação dos dispositivos legais aos ditames constitucionais, constituir-se num front de resistência à desregulamentação operada e também a delimitação do gravíssimo retrocesso social trazido pelo novo texto normativo.(29)

2.3. A Lei n. 13.154, de 30 de julho de 2015

Pouco tempo depois da aprovação da Lei n. 13.103/2015, a Presidência da República editou a Medida Provisória n. 673, de 31 de março de 2015, alterando dispositivos do CTB e acrescentando o § 17 ao art. 235-C da CLT, este incluído pela Lei n. 13.103/2015, para estender a aplicação do caput do art. 235-C a determinados profissionais operadores de veículos e máquinas utilizados na indústria da construção pesada, civil, na movimentação de maquinaria e na agricultura. Em 30 de julho de 2015, referida Medida Provisória foi convertida em texto legal, sendo promulgada a Lei n. 13.154, de 2015.

3. AMPLIAçãO dO ALcANce SuBJeTIvO dA LeI N. 13.103/2015: cONTORNOS dA RePReSeNTAçãO SINdIcAL (ART. 1º, PARáGRAFO úNIcO, LeI N. 13.103/2015)

A Lei n. 13.103/2015 destina-se à normatização do exercício da atividade de motorista profissional, como se depreende de seu art. 1º:

Lei n. 13.103/2015

Art. 1º É livre o exercício da profissão de motorista profissional, atendidas as condições e qualificações profissionais estabelecidas nesta Lei.

(28) O trâmite da referida ação pode ser consultado por meio do seguinte endereço eletrônico: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4778925. Acesso em: 3 ago. 2015.(29) Com efeito, a Lei n. 13.103/2015, ao legalizar a excessiva quantidade de tempo em que o motorista profissional deve permanecer em seu ambiente de trabalho, tende a aumentar muito a quantidade de acidentes nas vias. A esse respeito, ADEMAR FRAGOSO JÚNIOR explica que “A ocupação de motorista de caminhão é a que apresentou maior número de acidentes fatais do trabalho no Brasil no período 2005-2008 (1.452, 17,5% do total) e 2011-2012 (836, 18,2% do total), segundo dados da Previdência Social. Dentre os fatores apontados como os mais relevantes nas pesquisas científicas como predisponentes aos Acidentes de Trabalho (AT) no Transporte Rodoviário de Carga (TRC), encontram-se os tempos de direção e de descanso dos motoristas”. FRAGOSO JÚNIOR, Ademar. A atuação da fiscalização do trabalho no Brasil frente às peculiaridades da organização do transporte rodoviário de carga. 178 fl. Dissertação (Mestrado) — Programa de Pós-Graduação em Trabalho, Saúde e Ambiente, Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho — FUNDACENTRO, São Paulo. 2013. p. 7. Disponível em: <http://www.fundacentro.gov.br/biblioteca/biblioteca-digital/acervodigital/detalhe/2015/5/a-atuacao-da-fiscalizacao-do-trabalho-no-brasil-frente-as-peculiaridades-da-organizacao-do>. Acesso em: 4 ago. 2015.