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Morfologia Categorial

Livy Maria Real Coelho

27 de novembro de 2006

Page 2: Morfologia Categorial

exp agradecidoscat N\Nreg R1

con

ÁlvaroBorgesLigiaLuis ArthurMazéTeresa

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1 Introdução

Dentre os estudos que buscam algo mais que descrever a língua, são mais comunsaqueles que procuram traçar regularidades. No entanto, muitas vezes o pesquisador seperde em meio aos dados e para ter sua hipótese validada, esconde ou submete o corpusa um tratamento não muito cientí�co.

�Esconder a sujeira para baixo do tapete� não é algo feito só por lingüistas ou só porcientistas. É tarefa também dos jardineiros de Carroll que, para não terem suas cabeçasdecepadas, pintam de vermelho todas as rosas brancas do jardim. Rosas que são brancas,mas que na visão da Rainha de Copas deveriam ser vermelhas.

Neste estudo, buscamos uma forma para tratar regularmente a morfologia e o léxico.Não diferentemente da Rainha, adoraríamos se estes fossem regulares. Porém, aqui ten-taremos nos manter o mais possível longe da tinta vermelha e de carrascos que trariamuma regularidade forçada aos nossos dados.

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2 Objetivos

Tendo em vista a questão da regularidade mencionada acima, podemos olhar para ostrabalhos de morfologia produzidos ainda atualmente. Se o �zermos, nos depararemoscom uma enorme quantidade de trabalhos descritivos que trazem listas de determinadaspartículas e suas funções. Di�cilmente encontramos qualquer trabalho disposto a buscaralguma regularização morfológica. Claro que entendemos serem relevantes as idiossincra-sias da língua, porém não há idiossincrasia sem que haja uma regularidade. Esta discussão� entre o estudo da diferença ou da regularidade � já está presente nas gramáticas dolatim e do grego.

Essa discussão consistia em decidir se a língua é um composto de regularidade comalgumas exceções ou um amontoado de formas nas quais a regularidade é algo trazidopelo olhar humano e que não dá conta da língua como um todo. Tal discussão �cou co-nhecida pela tradição como a disputa entre analogistas e anomalistas. Varrão exempli�carapidamente a questão: um analogista se perguntaria se podemos entender que um etíopeé branco por possuir apenas os dentes brancos, enquanto um anomalista perguntaria senão podemos dizer que usamos sapatos só porque eles não estão por todo corpo. Emboraa questão seja antiga está longe de ser resolvida. Podemos ainda hoje, ao olhar para ascorrentes em voga distinguir traços analogistas ou anomalistas. Gerativistas, por exemplo,buscam como os analogistas, a regularidade nas línguas.

Nós, aqui, também buscamos a regularidade. Abordamos, no entanto, não só a mor-fologia já citada, mas também a semântica. Aqui, procuramos uma forma de tratamentodo léxico que vise à regularização. Para muitos, o léxico é o lugar da irregularidade daslínguas, é o saco onde tudo o que não se encaixa em regras pré-concebidas é jogado,salvando assim qualquer modelo. Procuraremos então uma linha de regularidade no lé-xico e o limite até onde essa linha pode ser traçada. Para isso, entretanto, acreditamosque uma visão apenas sobre aspectos morfológicos já não faz sentido no atual contexto,pós-estruturalista. Abordaremos, então, também possíveis traços semânticos do léxico.Obviamente aqui elegeremos um único fato morfológico e o analisaremos dentro do modelo

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que propomos, já que encontramos no modelo a ser utilizado o verdadeiro foco deste tra-balho. Aqui, poderíamos usar qualquer fato morfológico de qualquer língua. Utilizaremoso português, obviamente, por ser esta nossa língua materna, a derivação su�xal porqueassim evitamos cair em discussões teóricas sobre os processo de �eao no PB são, se nãoinsolúveis, cansativas.

Tal qual Hoeksema (1985) elegemos trabalhar com a su�xação por ela reunir em umúnico processo morfológico vários aspectos interessentes ao nosso estudo: "are sensitiveto aspect, have a di�erent distribution and di�erent meanings."1 (Prefácio, III)

Elegemos então a su�xação nominal, mais precisamente, o su�xo -ura, formador desubstantivos. Para tal análise utilizaremos recursos da Gramática Categorial (GC). Éclaro que esta une facilmente aspectos semânticos e sintáticos, então, tentaremos aplicá-laà morfologia objetivando também uma união fácil e clara entre a sintaxe das partículaspresentes na formação de palavras e seus tipos semânticos. Também optamos pela GC,em razão da opção que ela nos dá de vermos no su�xo o elemento que funciona comofuntor das palavras formadas com ele, isto, é, seria o -ura que selecionaria as palavrascom as quais se uniria, e não o contrário, como são encarados normalmente os su�xos naliteratura a respeito. Também entendemos que boa parte da carga semântica da palavra�nal (assim chamaremos o resultado da palavra base mais o su�xo formador, no nosso caso,sempre o -ura) está contida no su�xo. Para isso � que, no momento, é pura especulação� parecer um tanto quanto mais real pode-se olhar para a categoria sintática de palavrasformadas por su�xos: é sempre o su�xo que traz a categoria sintática da palavra �nal;independente da categoria da palavra selecionada por -ura, o resultado é sempre umnome, independente da categoria da palavra base. Pretendemos com algum esforço naformalização destes processos de�nir até onde vai exatamente ao que chamamos de "boaparte da carga semântica"vinda do funtor (i.e. do su�xo), no entanto, esta de nossaspretensões, parece-nos a mais difícil de ser alcançada ainda nesse trabalho.

1"são sensíveis ao aspecto, tem distribuição e signi�cações diferentes."Tradução nossa.

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3 Justi�cativa

3.1 Morfologia

A falta de trabalhos dentro do nível morfológico é facilmente notável. Em 1974,Mattews já colocava em seu manual de morfologia que "El análisis de las palavras estema que momentáneamente está pasado de moda en la lingüística: pocos teóricos le handedicado libros recientemente."1 (Matthews,1974, p14)

Esse abandono da morfologia, campo que havia sido o foco de muitos estudos nosanos 60, se dá em razão do advento da Gramática Gerativa (GG) e seus posicionamen-tos quanto à sintaxe. Entende-se na GG, que a sintaxe é a unidade inicial da análiseda lingüística, então a morfologia tem na GG um papel, se não irrelevante, secundário."En la descripción que Chomsky hace del language, las relaciones sintácticas básicas (re-laciones de sujeto e objeto, de estructuras modi�cadas ou subordinadas a otros elementosdominantes, de oraciones simples y complejas, etc.) aparecen a un nivel <profundo> queresulta demasiado abstracto para que la palabra tenga alguna utilidad. 2(Matthews,1974,p17)

Teorias da GG quando olham para a morfologia aplicam a esse nível os mesmosmodelos que utilizavam na sintaxe. As palavras seriam organizações de elementos menoresa partir de determinadas regras gerativas. Isso é dizer que depois que se chega ao nível dapalavra na estrutura de árvore, canônica na GG, podemos para cada uma das palavras teruma nova árvore, descrevendo através das mesmas regras a estrutura da palavra, tendoassim sintaxe no nível da palavra.

Entendemos aqui que um trabalho que aproxima um modelo qualquer de análise1A análise das palavras é tema que momentaneamente passou de moda na lingüística: poucos teóricos

lhe têm dedicado livros recentemente"Tradução nossa2Na descrição que Chomsky faz da linguagem, as relações sintáticas básicas (relações de sujeito e

objeto, de estruturas modi�cadas ou subordinadas a outros elementos dominantes, de orações simples ecomplexas, etc.) aparecem a um nível <profundo> que resulta numa abstração grande demais para quea palavra tenha alguma utilidade."Tradução nossa.)

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sintática à morfologia é interessante. Por certo, seria mais do que curioso tentar postularum determinado modelo de análise e tentar aplicá-lo a todos os níveis da língua. Aregularidade que isso traria ao sistema aproximaria, ao nosso ver, consideravelmente omodelo de um possível processo cognitivo humano. Ao aproximar-mos somente estes doisníveis, sintático e morfológico, já temos uma certa regularidade e ainda deixamos de tera palavra como fronteira de níveis de análises lingüísticas. Fronteira essa enormementediscutível (ver Rosa, 2002, capítulo II) e que nos parece ainda resquício da GramáticaTradicional nos estudos lingüísticos.

Assim o modelo gerativo de forma alguma nos parece inútil, no entanto, sua utilizaçãomassiva fez com que nas últimas décadas poucos trabalhos de teoria morfológica surgissem.Os trabalhos feitos com base na GG acabam tendo um caráter puramente descritivo,embora esta não seja a proposta inicial da teoria.

Nosso trabalho propõe-se a estudar a morfologia com base na análise proposta pelaGramática Categorial (GC). Tal qual os morfologistas de base gerativa, estaremos tes-tando um modelo de análise sintática na morfologia. Logo, estamos como eles, propondoo rompimento da fronteira teórica morfologia-sintaxe e propondo que determinada teoriapode ter uma abrangência ainda maior do que a que ela se propõe. "Na GC as categoriasnão precisam ser arbitrariamente estipuladas, já que elas podem ser recursivamente de�-nidas a partir de algumas poucas categorias básicas." (Pagani, 2003, p385). Tal recursoformal tira, então, do lingüista a responsabilidade de postular arbitrariamente categoriasàs palavras. Ora, se já não é fácil atribuir categorias a palavras, o quanto não é maiscomplexo estipular categorias pra unidades mais abstratas, como os morfemas?

Há categorizações recorrentes no estruturalismo (ver, por exemplo, Elson e Pickett,1973) e nas gramáticas tradicionais (claro que nessas últimas com menor acuidade ecoerência). Estas categorizações, que separam os morfemas em radical, pre�xo, su�xos,etc, são extremamente reducionistas (cf. Rosa, 2002, capítulo 3.2). Tal classi�cação nãoconta com critérios coerentes e homogêneos, e.g, ora leva em conta o posicionamento domorfema, ora leva em conta sua recorrência nos grupos lexicais, etc.

Ao adotar uma análise sintática para o nível morfológico, algumas indagações simplesparecem surgir, por exemplo, qual seria o morfema que carrega a identidade sintáticada palavra? E ao postular-se qual seria o detentor da função sintática, o que traria ooutro morfema? Sua categoria sintática seria nula? Em uma palavra como fritura, -uratraria a categoria nominal, enquanto que em fritar, -ar traria a categorial verbal? frit-não possuiria categoria, apenas conteúdo semântico? E, ao postularmos que frit- traz

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o conteúdo semântico, os su�xos trariam somente o conteúdo sintático? Porque, então,fritura, fritado e frito não têm exatamente o mesmo signi�cado?

Tais problemas não parecem ser muito bem resolvidos pela abordagem gerativa, queainda traz consigo a idéia de estrutura profunda, elemento que não é tão facilmente aplicá-vel no nível da palavra, em especial, pensando em noções como c-comando, hierarquizaçãoda aplicação de regras e outras postulações transformacionais. Entendemos que os proble-mas da análise gerativa podem ser resolvidos ao utilizarmos uma abordagem categorial.

Na GC, não é necessário postular-se categorias, já que, como dissemos, existe a pos-sibilidade, de, a partir de algumas categorias básicas, chegar a todas as outras. O meca-nismo de hierarquia de aplicação de regras também não é necessário na GC, a�nal, seumecanismo lógico-formal nos possibilita chegar sempre ao mesmo resultado �nal indepen-dentemente da ordem de aplicação das regras. Também não há na GC o problema daestrutura profunda, já que esta também não é usada pela teoria.

Entendemos, no entanto, que um dos grandes acréscimos da GC ao estudo morfoló-gico dá-se quanto à possibilidade de olhar para o léxico composicionalmente, o que paraum estudo que busca regularidades nesse nível de análise é extremamente interessante.Vejamos os resultados disso na categorização sintática dos elementos formadores de pa-lavras. Temos, por exemplo, na GG, um su�xo como -ura (de altura) entendido comode categoria nominal, pois, tem-se em vista, para determinar a categoria do morfema, acategoria da palavra �nal � o que é consistente dentro do modelo, a�nal a GG partesempre das estruturas complexas chegando nos elementos mínimos. Com um modelo deanálise como o gerativo não há diferença tão explícita, e.g., entre um su�xo que nomi-naliza verbos e um que nominaliza adjetivos como há neste modelo. Na GG, ambos sãosu�xos de categoria sintática nominal, pode-se no máximo explicitar que tipo de categoriaos su�xos nominalizam, mas isto nem sempre é relevante dentro da teoria.

Dentro da GC, a visualização composicional das estruturas complexas, sejam elassintagmas, frases ou palavras, é sempre relevante e clara, pois parte-se dos elementosmínimos para se constituir o complexo. Assim, dentro desse modelo, entenderíamos osu�xo - ura como sendo uma partícula que faz de um adjetivo um nome e teríamos emsua representação formal algo como (N\N)\N, i.e., um adjetivo (N\N) selecionado porum elemento a sua direita, resultando em uma expressão do tipo nominal.

2Na GC categorias básicas sintáticas são representadas por letras, N representa nome, assim N\N éa categoria sintática de uma expressão que toma um nome formando um outro, como são os adjetivos:bonita (N\N) seleciona um nome menina (N) resultando em menina bonita (N ) que é uma expressãotambém de valor nominal. As categorias sintáticas funcionam como multiplicações de frações N\N . N= N.

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Diferente de outros modelos, entendemos o su�xos como o funtor, ou seja, o elementoque traz a forma lógica e busca nos argumentos o preenchimento das variáveis3.�Thecategory of an a�x is completely determined by the categories of the bases it attaches toand the derived words it creates�. (Hoeksema, 1985, Prefácio)4

Concordamos que é o su�xo que determina a categoria sintática da palavra �nal,mas não que ele o faz sem olhar para a categoria sintática da base selecionada. E esteproblema a GC resolve muito bem: ao livrar-se da necessidade de postular arbitrariamentecategorias às expressões, vê-se obrigada a explicitar na categoria do funtor as categoriasdo argumento e do resultado. Ao postular, por exemplo, para o funtor -ura a categoria(N\N)\ N estamos dizendo que ele resulta em um N e que esse processo depende daseleção de um N\N antes para acontecer.

Entendemos que essa análise categorial nos proporcionará também uma boa interfacecom a semântica, já que é esta a principal vantagem que o modelo traz para a análisesintática. Ao contrário dos modelos morfológicos criticados por Hoeksema (1985)1 quebuscam unir a morfologia apenas à fonologia, uma análise com bases categoriais uniriavários níveis lingüísticos, inclusive o semântico. No entanto, infelizmente, não será possívelentrarmos nesse aspecto ainda neste estudo.

3.2 Léxico

Poderíamos ser questionados se de fato é razoável estudar o léxico. A essa perguntaresponderíamos: depende. Depende do que se entende por léxico.

Dentro da literatura, a expressão léxico abrange diferentes conceitos e alguns delesnão são passíveis de estudo, e.g, a concepção bloom�eldiana de léxico "The lexicon isreally an appendix of the grammar, a list of basic irregularities" 5 (Bloom�eld, 1933, apudHoeksema, 1985, p2). Entendemos que não é possível o estudo sistemático da "lata delixo"(junk yard) da linguagem, porque �for a theory, one needs at least some regularities.�(Hoeksema, 1985, p2). Entendemos também que postular a existência em um modelo

de um lugar onde paire a irregularidade é uma saída ad hoc que salva qualquer outro tipo3Tem-se já alguma literatura que trata os a�xos como os detentores da categoria sintática �nal da

palavra (Mioto, a sair).4�A categoria de um a�xo é completamente determinada pelas categorias da base a que ele se prende

e da palavra derivada que ele cria�.Tradução nossa.5O léxico é, em verdade, um apêndice da gramática, uma lista de irregularidades básicas."Tradução

Nossa.5�Para uma teoria, precisa-se ao menos de algumas regularidades�. Tradução nossa

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de regularização em outros níveis.

Para Elson & Picket (1973, p11), o léxico é "certas seqüências de sons, associadasa signi�cações.". A busca pelos padrões lingüísticos é de responsabilidade da gramáticae não da lexicogra�a."O lexicógrafo está interessado em achar todas as unidades de sig-ni�cado de uma língua, descobrindo a gama de signi�cados associada a cada unidade, earranjá-la sistematicamente com a �nalidade de possibilitar referência acessível, como nosdicionários".(p11) Para o casal estruturalista, o léxico é uma lista organizada de entradaslexicais. Nesse sentido, o estudo de como elas se arranjam teria sentido, apesar de não sertarefa da lexicrogra�a. Como, no entanto, essa não é a nossa concepção de léxico, pois oconcebemos como algo mais complexo que uma lista, não seguiremos essa abordagem.

A abordagem lexicalista da GG entende o léxico como parte autônoma da gramáticado falante que traz o vocabulário e as regras de formação de palavras. Essa concepção deléxico já é mais próxima da que usaremos, no entanto, a rejeitaremos por propor o léxicocomo parte autônoma na linguagem. Também achamos problemático o uso lexicalista daexpressão léxico pela falta de discussão sobre quais seriam as diferenças, se elas existissem,de um estudo lexical para um estudo morfológico. A abordagem lexicalista, por ser umalinha da GG, não deixa de aplicar regras sintáticas ao léxico e nesse sentido, não enten-demos o porque de assumir que o léxico seja autônomo. Claro que alguma autonomia elepossui, e.g., parece normalmente ser hierarquicamente anterior numa escala temporal paraa formação de estruturas. No entanto, mesmo essa distinção não funciona sempre: temos,por exemplo, formação de palavras em um nível já sintagmático 6, e.g., guarda-chuva,pôr-do-sol, etc. Tais palavras são formadas exatamente pelas mesmas regras sintáticas, emais, com os mesmo elementos que uma estrutura sintática pediria. Assim podemos nosquestionar não só se as regras seriam as mesmas na análise morfológica e na análise sintá-tica, mas também até onde vai a linha que de�ne quais os elementos básicos da formaçãode palavras.

Outra distinção no nível lexical trazida pela GG � por sua distinção de competênciae desempenho � e usada largamente pela psicolingüística, diz respeito ao léxico mental.Diferente do que pode-se chamar de léxico lingüístico, o léxico mental traz não só oléxico realizado, mas também o léxicopossível, i.e, todas as possibilidades que as regrasde formação de palavras e seus elementos mínimos pode criar. Para tal teoria, o léxicoseria tudo que fosse produzível e as regras que selecionam o que falamos estaria em outronível, pragmático, por exemplo.

6Usamos aqui sintagmático como sinônimo para phrasal e sem qualquer relação com o nível sintagmá-tico saussuriano.

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No entanto, para nós esta distinção entre os dois tipos de léxico não é tão clara,achamos difícil traçar uma linha segura para as regularidades do léxico possível, já que nãotemos acesso a ele. Vejamos: quantos exemplos de regularidades no léxico realizado seriamsu�cientes para postular determinada regra - um su�xo nominalizador, por exemplo- noléxico possível? E qual seria o máximo de contra-exemplos que poderíamos ter? E aindase é o léxico possível o objeto do estudo, perde-se a de�nição de produtividade e torna-seainda mais intraçável uma linha que separe diacronia e sincronia, já que poderia postular-se que formas que existiram e formaram palavras do léxico realizado, ainda existem noléxico possível.

No entanto,"a good knowledge of the actual lexicon [léxico realizado] is a prerequisitefor an accurate reconstrucition of the potential lexicon [léxico possível] ." 7 (Hoeksema,1985, p5) Assim, precisamos do léxico realizado para chegarmos ao léxico possível e háainda regras de uma outra instância que determinam porque determinados elementosdo léxico possível mão são usados. Tais regras vêm da comparação dos dois léxicos, noentanto, um surgiu do outro, i.e., sugerir tais regras seria descrever o mesmo fenômenosó que de um outro ponto de partida. Assim, teríamos que acessar o léxico realizado eusar a noção de produtividade, inexistente para o léxico possível, para de�nir as regrasque bloqueiam o uso de inúmeras expressões potenciais. Logo, partiríamos de um objetoempírico para dele chegarmos a objetos abstratos (as regras de bloqueio, as regras deformação e o léxico possível) que se relacionam entre si. E tais relações também seriamobserváveis apenas na realização do léxico realizado. Entendemos que é possível sim,imaginar um léxico possível e até mesmo traçar algumas regras de bloqueio (cf. AssisRocha) no entanto não como elemento anterior ao léxico realizado. Do mesmo objetoempírico tem-se tanto a sua origem, quanto seus resultados e normas. Acreditamos queé ilógico pensar assim, a�nal traçar regras de bloqueio entre um objeto empírico e umabstrato postulado a partir deste mesmo não faz sentido.

Claro que para um estudo que busque a compreensão da competência do falante é oléxico possível que merece ser observado, no entanto, cairíamos eternamente no questi-onamento de como chegar a competência do falante se não através de seu desempenho,objeto ao qual temos acesso. Por isso este também não é o recorte que adotamos.

Nossa abordagem é próxima a de Ajdukiewicz (apud Hoekseman, 1985, p12) "lexiconis a data structure in which words are tisted in an unorered way, and where, each word,is represented by a scpeci�cation of its relevante features: its phonological shape, its ca-

7�Um bom conhecimento do léxico realizado é pré-requisito para uma reconstrução acurada do léxicopossível.� Tradução nossa.

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tegories and its meaning. In addition of this data sctructure, there is a set of operationsde�ned on this data structure, consisting of word-formation rules and morphophonemicrules. The data structure and the set of operation together form the lexicon." . Para nós,no entanto, as regras de formação de palavra não estão no léxico e sim pairam sobre váriosníveis da linguagem, a�nal, propomos nesse trabalho o uso das mesmas regras para aná-lises de sintagmas e de palavras. Entendemos como os elementos do léxico não a palavramas o morfema (intermináveis discussões sobre isso in Rosa, 2002) e seu agrupamentocomo um conjunto e não como uma lista: "We may view the data structure as a set oflexical entries. (So it di�ers from an ordinary dictionary in that it is a set and not a list.)8(Hoeksema, 1985, p12)

Então entendemos o léxico como o conjunto de entradas lexicais diferenciadas poraspectos fonológicos, sintáticos e semânticos. As regras de interação entre as entradasseriam o que a lingüística e a GT chama de morfologia, porém, aqui já dissemos o quantoe o porque a distinção sintaxe-morfologia foi por nós abandonada.

7�Léxico é uma estrutura de dados onde palavras são listadas desordenadamente e onde cada palavraé representada pela especi�cação desses aspectos relevantes: conteúdo fonológico, sintático e semântico.Além dessa estrutura, há um conjunto de operações de�nidas nela mesma, as regras morfofonêmicas e asde formação de palavra. A estrutura de dados e o conjunto de operações juntos são o léxico."TraduçãoNossa

8�Nós vemos a estrutura de dados como um conjunto de entradas lexicais. (Logo, é diferente de umdicionário ordinário, já que isso é um conjunto e não uma lista.� Tradução Nossa

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4 Metodologia

4.1 Nível Morfológico

Como embasamento teórico para este trabalho, consultamos principalmente Assis Ro-cha (1998). Visto que trabalharemos com morfologia � e ainda, com uma nova propostade análise para este nível � achamos pertinente delimitar alguns conceitos. Trabalhare-mos, para exempli�car nossa proposta, com o su�xo -ura que promove a derivação su�xal,i.e., um �tipo de derivação [mecanismo de formação de novas palavras] que consiste naanexação de um su�xo a uma base.� (Assis Rocha, 1998, p106)

Caímos agora na necessidade de de�nir o que é base e su�xo. Sabemos que há na mor-fologia conceitos razoavelmente prontos para estes termos, no entanto, os delimitaremosem função de pequenas nunces de signi�cado que poderiam comprometer nosso trabalho.Por exemplo, tomamos por base, neste trabalho, �a sequência fônica recorrente a partirda qual se forma uma nova palavra, ou através da qual se constata que uma palavra émorfologicamente complexa.� (Assis Rocha, 1998, p100), i.e., a base está necessariamenteligada ao processo de formação de palavras e não a processos �exionais. Para estes temoso conceito de radical � �parte da palavra que está presente em todas as formas de umamesma palavra.� (Assis Rocha, 1998, p103) Aqui não usaremos o conceito de radical, atéporque não trabalhamos com �exão, apenas exempli�camô-lo por ser recorrente a con-fusão entre base e radical. Tal confusão para Spencer (apud Assis Rocha, 1998, p105) écausada pela não padronização dos termos, ``o que não se constitui uma susrpresa, umavez que nem todos os lingüistas admitem a distinção entre �exão e dericação.� Falta-nos,ainda, de�nir um su�xo: morfema necessariamente preso, que, no processo de derivaçãoprende-se à direita de uma base.

Como corpus de nosso trabalho, utilizamos o Programa Listas - IEL/UNICAMP. Esseprograma permite a busca rápida de palavras com determinadas características fonéticas,morfológicas ou sintáticas em todo o dicionário Aurélio. Acreditamos assim trabalharmoscom um corpus bastante considerável do português brasileiro. Ainda usamos algumas

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palavras que não estavam no corpus e que foram relevantes o su�ciente para que nos dés-semos conta de sua falta, como belezura, tecitura, tecedura, corredura, feitura, laqueadurae ranhura. Embora não aparecessem no Aurélio, estas palavras estão dicionarizadas ouno Dicionário UNESP do Português Contemporâneo ou no Dicionário Etimológico NovaFronteira ou no Houaiss. Entendemos que ao selecionar tais dicionários, com princípios deorganização tão distintos, estamos contribuindo para a abrangência deste trabalho. Por�m, listamos 210 palavras cuja gra�a terminasse em -ura.

Nessa listagem inicial observamos no corpus palavras que apesar de terminarem com aseqüência fonológica -ura, não são compostas do morfema com que estamos trabalhando.Nesta primeira revisão saíram 19 palavras, como aura, caradura, cenoura, cura, dura, la-voura, manicura, mangedoura, mesura, nunciatura 1, pleura, púrpura, rasoura, salmoura,saracura, tanajura, vassoura, ventura, viatura. Algumas das palavras restantes não tra-ziam uma base clara, como punctura, vilegiatura e miniatura, e por essa razão buscamosa etimologia dessas palavras, visando um tratamento mais preciso.

Claro que nesse trabalho não buscamos um modelo diacrônico para tratar o léxico.Entendemos, no entanto, que é o léxico o nível lingüístico onde a história da língua se fazmais presente e ignorar esse fato nos parece um tanto quanto reducionista. Assim, nosdamos o direito de, nessa fase preliminar do trabalho, olhar para o percurso das palavraspara poder delimitar com mais precisão exatamente onde é o su�xo, p -ura do PortuguêsBrasileiro que está atuando. Desse modo, algumas palavras aparentemente teriam expli-cação diacrônica. Assim, saíram da listagem mais 17 palavras: aventura (fr.aventure),brochura (fr.brochure), (lat. clausura), fervura (lat. fervura), �gura (fr. �gure), gra-vura (fr. gravure), leitura (lat. lectum) magistratura (fr. magistrature)2, musculatura(fr. musculature), nomemclatura (lat. nomenclatura), ossatura (fr. ossature) pintura(lat. pictura), prefeitura (lat. praefectura), primogenitura (lat. primogenito), puntura(lat. punctura), ranhura (fr. ranhure), vilegiatura (it.villegiatura).

Ainda retiramos palavras que de alguma forma já haviam sido contabilizadas, e.g.,as formas compostas da palavra cultura: agricultura, apicultura, avicultura, cacaicultura,cafeicultura, agricultura, escultura, �oricultura, horticultura, psicultura, pomilcultura, se-ricultura, sivicultura, suinocultura, triticultura, vinicultura, viticultura, e ainda, compos-tura, conjuntura3, descompostura, desembocadura, desenvoltura, desventura, impostura,

1Tiramos nunciatura do corpus por não encontrarmos bases como nunciado ou nunciato2Para magistratura, o dicionário Nova Fronteira aponta a etimologia francesa adota acima, o Houaiss,

contudo, assume o radical latino magistrat-.3Entendemos que ao analisar juntura, analisamos o mesmo processo que ocorre em conjuntura, assim

como em postura e compostura, etc.

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fotogravura, incultura, infra-estrutura, padre-cura, pirogravura, porventura, reabertura,sobrecostura, xilogravura e zincogravura. Então retiramos ainda as palavras que são for-madas a partir do morfema retroativo, ou ainda regressivo, como procura, que surge deprocurar. São essas: captura, censura, costura, estrutura, jura, manufatura, procura,rasura, satura, usura, comissura. Tiramos também palavras que precisariam de formasverbais postuladas para que pudessem ser formadas através de um processo sincrônico:quadratura, ranhadura

Já com essa nova lista composta de 124 palavras, procuramos qual seria a categoriasintática da base da palavra �nal. Inicialmente pensamos que o -ura tomava palavras decategorias verbais e nominais, como fritar>fritura e gordo>gordura. Analisamos entãoque tipo de relação tinha a palavra �nal com a palavra base. Quando a palavra base eraum nome a relação era a de propriedade: gordura é a propriedade do gordo. Já quandoas bases eram verbais, as relações poderiam ser de resultado, processo ou de instrumento,como em arranhar>arranhadura, varrer>varredura e armar>armadura, respectivamente.Haveria, ainda, palavras que traziam mais de um desses sentidos, como assinatura eassadura.

Por muito tempo trabalhamos com essa hipótese. Além de listar todas as possíveisbases, analisamos os verbos que serviriam de palavras bases quanto a seus comportamen-tos sintático e semântico, como tentativa de de�nir o que exatamente traz os diferentessigni�cados para a palavra �nal, i.e., porque e como bases verbais davam resultados se-mânticos diferentes. Analisamos a transitividade do verbo e as propriedades aspectuais.Para os testes de telicidade usamos o teste conhecido por paradoxo do imperfectivo. Esteconsiste na leve correspondência entre os tempos perfeito e o progressivo, e.g, é inferívelde �Ele está correndo.� a idéia presente em �Ele correu.�. No entanto, essa relação nãoocorre com verbos que já trazem a necessidade de um ponto �nal, como assar ou cons-truir. De �Ele está assando um bolo.� não se pode dizer que �Ele assou um bolo.�, já quenesta última sentença, a idéia de que ele assou o bolo até o �m não está posta e o verboassar para se concretizar precisa dessa culminância.

Apesar de a grande maioria dos verbos ser transitiva e a maioria das palavras �naisconter, entre outras, a idéia de processo, não conseguimos destacar nenhuma característicadas bases que parecesse ser relevante para as palavras �nais. Muitas palavras como frituraaparecem com idéia de processo e idéia de resultado. Analisamos isto como um fenômenopolissêmico que ocorre depois da formação da palavra �nal: um único morfema resultaem uma única palavra, mas esta assume diferentes signi�cados a depender do contexto

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em que aparece, conforme já discutido.

Claro que outras soluções poderiam ser pensadas, como assumir que temos vários -ura formando, a partir da mesma base, palavras diferentes. Não adotamos essa soluçãopor entendermos que os sentidos assumidos pelas palavras �nais são muitos próximos efacilmente relacionáveis não sendo necessário criar um novo morfema para dar conta detodas as acepções que as palavras �nais podem tomar. Pensamos também que criar umnovo morfema a cada sentido que encontrássemos para uma palavra �nal incharia o sistemamais que dobrando o número de partículas a serem memorizadas. Acreditamos tambémque os possíveis resultados do -ura estão intrinsecamente relacionados com a distribuiçãode outras partículas do léxico. Reparamos durante a classi�cação que o -ura quando nãoassume determinados sentidos, não o faz por bloqueio paradigmático (cf. Assim Rocha,1998, p141), i.e., há já um outro morfema fazendo as vezes desse sentido. Exempli�camos:em formatura há apenas o sentido chamado por nós de resultado, formatura é o que surgedo ato contínuo de formar, o -ura nesse caso aparentemente não aparece como processoporque já há formação fazendo esse papel. No entanto, para podermos falar com maisclareza sobre a equivalência do -ura com outros morfemas do português brasileiro, e aindamais, dessa provável distribuição complementar que geraria tais sentidos possíveis e nãorealizados, teríamos que aprofundar essa questão, que não é o foco deste trabalho.4

Já com a lista pronta e esses testes feitos, percebemos que uma generalização maiorpoderia ser feita, se assumíssemos que as palavras bases seriam na verdade as formas par-ticipiais dos verbos: andadura viria de andado e não de andar, feitura de feito, fritura defrito, catadura de catado. Essa hipótese pareceu-nos melhor por dois motivos i. unir duascategorias que a gramática tradicional trata por coisas distintas, particípios e adjetivos,mas que podem ser analisadas sob um mesmo rótulo 5 ii. dar conta do porque vogaistemáticas permanecem em algumas palavras �nais e em outras não, e.g., em andadura

4Entretanto, já adiantamos que essa questão não parece ser tão facilmente resolvível ou que istopode ser apenas mais uma questão de especialização de uso ao longo do tempo, fenômeno que contribuilargamente para a irregularidade do léxico. Uma palavra como criatura, que classi�camos apenas comoresultado, tem sua contraparte que signi�ca processo no su�xo -ão, em criação, no entanto, criação podetambém ser resultado. Criação e criatura, ambas com o sentido de resultado, parecem estar tambémem distribuição complementar, porém em um outro nível: criatura é usada para resultados animados ecriação para inanimados.

5Dionísio da Trácia, o primeiro gramático tradicional da cultura ocidental, já assumia que era oparticípio a forma que participava mutuamente da classe dos verbos e da classe dos adjetivos. �O partícipioé uma palavra que participa da propriedade dos verbos e da dos nomes.' ' (Chapanski, 2003, p34) A GCresolve o problema de categorização supracitado porque neste modelo ambos (adjetivos e particípios) têma mesma categoria. Como tanto particípios como adjetivos funcionam sintaticamente da mesma forma,unem-se a uma expressão nominal formando outra mais complexa, e.g., bolo assado ou bolo bonito, ambasas classes de palavras têm a mesma categoria N\N. Dessa forma, são expressões que aliando-se a um nome(N) formam outro.

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a vogal permanece, diferentemente de fritura, que tem a vogal temática perdida, a�nalandadura viria de uma base já com a presença da vogal temática (andando), enquantofritura, por não vir de fritado, não guardadria essa mesma vogal.

Para não abandonarmos nossa antiga teoria, tentamos dar conta desse fato fonolo-gicamente6, procurando ambientes que proporcionariam a permanência ou não da vogaltemática. No entanto parecia não haver um condicionante para a permanência ou nãoda vogal temática, e conseqüente inserção da consoante que poderia ser d/t.Temos comorealização fonética do que chamamos neste trabalho de su�xo -ura três formas: -ura (comoem fritura), -dura (como em andadura) e -tura (como em assinatura). Postulamos entãoque um único su�xo, a�nal tem sempre o mesmo comportamento, mas que conta comtrês formas fonológicas, formas essas extremamente parecidas. Aqui, caímos no mesmoproblema que estruturalistas e gerativas caem ao postular formas subjacentes, no entantoacreditamos que temos motivos para considerarmos o -ura uma única entrada lexical: seussentidos são radicalmente poximos, sua realização fônica é muito similar. Enquanto Ho-eksema postula que uma entrada lexical tem q ter identidade fonológica, aqui acreditamosser essa identidade algo �exível.

Aparentemente estamos caminho aposto ao de Halle:� `A economia nas regras fonoló-gicas tem precedência sobre a economia das regras de estrutura de morfema e dicionário(Halle apud Harms 1973: 441)' A assunção que subjaz a este princípio de Halle que Harmsadota é que é mais fácil haver irregularidades verdadeiras no léxico do que na fonologia.�(Borges, 2004, p146) Acreditamos que essa a�rmação é consistente e que nosso trabalhonão vai exatamente à contramão do que ela postula. A irregularidade está no léxico, a�nalsão as entradas lexicais que produzem arbitrariamente as várias formas fonológicas que omorfema -ura pode assumir, porém essas iuferentes formas, até por serem extremamentepróximas, são facilmente identi�cadas como sendo um morfema só, mas com diferentespossibilidades de realização fonológica.

Não encontramos condicionantes para a seleção de d ou t. Nota-se, por exemplo, queem abreviatura e abotoadura, temos o mesmo contexto fonológico e o mesmo contextofonético. Temos, inclusive, ao considerarmos a hipótese da palavra base participial, pala-vras bases terminando em -ado e diferindo quanto à sonoridade da última consoante domesmo modo, e.g., assinado>assinatura.

Diante de tal fato, assumimos como arbitrária a escolha entre t e d. As grandes seme-6Como o defendido por Lakatos (apud Borges, 2004, p142): inserimos, para corrobora nossa teoria,

explicações secundárias que abrangem também os possíveis contra-exemplos ao que postulamos, a �m deproteger �o núcleo� da hipótese.

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lhanças entre esses sons e sua distribuição complementar em outros casos do PortuguêsBrasileiro (como em quantidade, quantitativo, etc), bem como a di�culdade de diferenciaresses sons durante a aquisição de escrita e fala, suportam nossa análise. No entanto, re-conhecemos que parte do nosso intuito nesse trabalho, buscar a regularização do léxico,já não poderá compreender todos os fenômenos com os quais nos deparamos, pois, comoos cientistas que recriminamos, estamos jogando no saco do léxico alguns dos problemasque encontramos.

Podemos, ao menos, caso adotarmos a segunda hipótese levantada, dar conta doporque essa consoante, ora realizada como t ora como d, em muitos casos, não aparece.Assumindo que as palavras vêm do particípio, poderemos dar conta, através dos particípiosreduzidos, como frito, leso e posto, da falta da vogal.

Tal hipótese traz algumas soluções e regularidade ao sistema, mas como não poderiadeixar de ser, nos gera problemas nos casos i. onde um único verbo tem um particípioreduzido e um normal: como envolver> envolvido / envolto, gerando envoltura, apenasdo particípio reduzido, e ainda: fritura (de frito e não de fritado), juntura (de junto enão de juntado, forma também encontrada), secura (de seco e não de secado), soltura (desolto e não de soltado), untura (de unto, e não de untado) ii. nos casos onde a palavra�nal parece vir de uma possível, porém não realizada, forma de particípio reduzido, comopintura, cintura, fervura e tintura, ou ainda, de possíveis verbos como ratar (ratadura)e escravar (escravatura) iii. no caso de palavras que mesmo com o particípio existindoinsistem em vir do radical in�nitivo, como arquitetura (e não arquitetad-ura), candidatura(e não canditadadura), varredura, corredura, benzedura, mordedura, cozedura, roedura,tremura. 7

Quanto ao problema ii., optamos simplesmente por excluir tais palavras do trabalho.7Aqui iniciamos um número razoável de explicações, secundárias, que, em princípio, fazem com que

nossa hipótese não caia. Fazemo-lo porque nenhuma das hipóteses parece ser consideravelmente melhorque a outra. Entendemos que �o programa [de investigação cientí�ca] avança pela elaboração de umasérie de teorias, todas compartilhando o mesmo núcleo [no nosso caso, a análise "categorial"da su�xa-ção], mas cada uma delas contradizendo suas predecessoras. Na maior parte dos casos, as teorias secontradizem porque assumem hipóteses auxiliares diferentes [como as nossas explicações, ora fonológicas,ora diacrônicas).� (Borges, 2004, p143). Ainda nos corrobora o princípio de tenacidade de Lakatos(1970 apud Borges, 2004) que ``signi�ca que o cientista não abandona uma teoria porque se encontra-ram contra-exemplos a ela (foi falseada), mas ao contrário, faz o possível para mantê-la, desconhecendoos contra-exemplos ou reanalizando-os, com vistas de torná-los outras tantas evidências corroboradas.' '(Borges, 2004, p.142) Dentro da ciência muitas coisas que parecem sem sentido tornam-se razoáveis e atépreferíveis quando formalizadas e expostas sob forma lógica (vide Lingüística e a história da ciência: oCaso do Nupe, Borges, 2004) Neste trabalho entendemos que não precisamos dispor nossos argumentosem forma lógica porque nos parece muito evidente que para explicar um pedacinho mínimo de um sistematão complexo como a língua é absolutamente normal - a até preferível � que se tomem n teorias de apoioque tocam em outros níveis da linguagem.)

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Embora seja possível através de formas subjacentes, pertencentes ao já citado léxico pos-sível, abranger tais dados, optamos por trabalhar apenas com o léxico realizado, o queexclui verbos não realizados das entradas lexicais passíveis de servirem como elemento naformação de novas palavras.

Notamos, depois de muitos de testes, que se entendêssemos que o -ura adota sempreparticípios, e em existindo particípios reduzidos, o su�xo os preferiria, daríamos conta deum bom número de dados, como os do problema i. Percebemos também que as palavrasdo problema iii., poderiam ser divididas sob dois rótulos a. palavras com um vasto númerode sílabas seguidas cuja consoante é uma oclusiva alveolar (surda ou sonora) b. palavrasque tem por base verbos de segunda conjugação.

Quanto a a. podemos admitir que o falante por economia lingüística opta por contrairuma das oclusivas, embora isso vá contra Halle (supracitado), voltaremos mais tardea essa questão, já que argumentos de economia lingüítica, em geral, são discutíveis..Quanto a b., buscamos, no latim, a etimologia dessas palavras, nos radicais de infectume particípio, e não encontramos nada que condicionasse diacronicamente o uso da vogalbaixa em detrimento da alta. Por exemplo: morder em latim émordeo (primeira pessoa dosingular do presente do indicativo), mordere (in�nitivo), morsum(particípio), seu radicalde infectum é mord(e)-8e o de particípio, onde esparávamos encontrar uma solução, émors-. Ao contrário de pungo, pungere, punctum e pingo, pingere, pictum - que trazemjá no particípio latino a forma tomada pelo su�xo em português, explicando, assim, asformas pintura e punctura - a forma latina de morder não explica a presença do e emmordedura.

Poderíamos, então, propor uma regra de ablaut entre e/i para verbos de segundaconjugação, até porque para falantes de português brasileiro, essa alternância é aindamais recorrente do que a alternância por nós assumida anteriormente entre t/d. Noentanto, se assumíssemos que a palavra vem do radical do in�nitivo e não do particípio,como era nossa primeira hipótese, esses casos �cariam explicados. O problema aqui nãoé assumir o ablaut ou não, mas sim ignorar que a forma em e é na verdade a forma dein�nitivo.

Tais verbos nos �zeram oscilar entre as duas hipóteses: claro que a regularização dahipótese tardia é extremamente interessante para um estudo lexical. No entanto, nosquestionamos sobre os dados que, não sendo contemplados, parecem invalidar, ou, ao

8(e) é o que a GT chama de vogal temática, entretanto, nessa conjugação, a vogal está presente emtodas as formas da palavra, podendo ser analisada como parte do radical.

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menos, enfraquecer nossa análise. Entendemos que para se abster da contemplação deum dado, i.e., para podermos retirá-lo do corpus e dizer que esse dado, apesar de nãoabrangido pela nossa hipótese, não a invalida, existem duas razões: uma quantitativa euma qualitativa.9

A primeira se dá quando poucos dados não são contemplados em comparação ao nú-mero dos que são. Por exemplo, temos em português, apenas quatro palavras formadasclaramente a partir de substantivos e o su�xo -ura, são elas: musculatura, nervura, os-satura e dentadura. Todas são formadas por palavras que remetem a partes do corpo eainda, na história dessas palavras, notamos que musculatura e ossatura vem do francêsmusculature e ossature, e até que elas entraram no português no mesmo ano, 1873.10

Entendemos que apenas esses quatro dados gerados a partir de substantivos não são su-�cientes para postularmos ainda mais uma regra para o funcionamento do su�xo com oqual trabalhamos. Assim, por uma razão quantitativa, podemos assumir que essas pala-vras já não fazem parte do nosso objeto de estudo, estando assim, incapazes de invalidarnossa hipótese.

A segunda razão, a qualitativa, de certa forma também se aplica aos dados acimacomentados. Isso porque havia em todos os dados que retiramos do corpus, um únicoprincípio que parecia agir sobre os processos realizados: o fato de todos representarempartes do corpo. Quando parece haver um só fator para as palavras se portarem demaneira irregular, podemos entender que tal fator está aquém das intenções � ou seformos sinceros, das possibilidades � de explicações do nosso estudo. Isto é dizer: existemformas regulares e vamos tratá-las, as que se portam de forma irregular são regidas por umfator X que não é abordado. Poderíamos, por exemplo, dizer que tais palavras, por viremvia empréstimo, não entrariam em nosso estudo. Isso até é muito coerente dentro destetrabalho, já que inicialmente retiramos do corpus palavras que vinham para o portuguêsvia empréstimo, e.g., villegiatura. É, no entanto, importante ressaltar tal fator (o darazão qualitativa) e que ele seja explicável lingüisticamente, por exemplo, não poderíamos

9�Dentro de uma programa de investigação, uma teoria será, normalmente, eliminada, por uma teoriamelhor. Uma teoria é melhor que outra se apresentar conteúdo excedente ou se tiver (prometer) maiorpoder heurístico (p. ex., uma teoria sintática X é melhor que uma teoria sintática Y se explicar mais fatosque Y ou se permitir mais facilmente, digamos, uma semântica.� (Borges, 2004, p144) Essas duas razõesde Borges para a escolha de uma teoria se aproximam bastante com as que explanaremos, embora, nossadiscussão aqui seja sobre a relevância de dados. Como ele, postulamos o fator numérico e o fator heurísticonegativo de Lakatos, �princípios metodológicos com duas funções: proteger o núcleo de refutações (i.e. aheurística negativa induz a modi�cações nas hipóteses auxiliares e não no núcleo) e impedir tentativasde explicações de tipos radicalmente diferentes (p. ex., o uso de explicações mentalistas no programa deinstigação do behaviorismo clássico).� (Borges, 2004, p142).

10Coincidentemente, ou não, as outras duas palavras, nervura e dentadura, também entraram no mesmoano no português, 1844 (cf. Dicionário Etimológico Nova Fronteira).

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retirar os dados com ablaut e nem os com alternância d/t assumindo ou uma forma ououtra porque estas distinções não são su�cientes para tal, ou seja, porque existem teorias -que nesse trabalho servem de teorias secundárias � que sustentam no sistema lingüístico,essa alternância.

Caímos, então, no conceito de su�ciente para ser retirado de um corpus ou não.Gostaríamos de indicar uma bibliogra�a e ir adiante sem mais comentários, mas issonão será possível em razão da nossa ignorância sobre a possível referência. Entendemosque para o intuito deste trabalho qualidades su�cientes para retirar dados do corpus sãoaquelas que ou estão ligadas à história da palavra (vilegiatura), a diacronia, ou ainda estãoligadas a um uso muito diferente da hipótese postulada (moldura)11. Caso chegarmosao �m deste trabalho e concluirmos que retiramos tantos dados que nossa hipótese seinvalidou, teremosque buscar uma nova possível explicação para o funcionamento do -ura e testá-la novamente nos dados. No entanto, o importante é tomar uma hipótese econsiderar todas as suas possibilidades.

Em lingüística, é comumente visto que para tentar salvar um modelo, tomam-se saí-das ad hoc: jogam-se problemas para outros níveis, que se diz não pretender estudar;postulam-se como reais estruturas que não necessariamente estão claras, nem para oleigo, nem para o lingüista12 etc. Imaginemos agora a grande quantidade de soluçõesdesse tipo a que teremos que chegar neste trabalho, em especial por tratarmos do léxico� possivelmente o nível mais irregular de todos, onde �cam evidentes empréstimos entrelínguas, suas evoluções, muitas das possíveis alternâncias fonológicas 13, etc. É entãopara fugirmos dessas soluções que estabelecemos esses dois critérios que tiram palavrasdo corpus. Preferimos antes não abranger todos os dados - explicitando-os, obviamente -mas ter uma hipótese consistente para todos os que conseguirmos contemplar e ainda, sempostular um sem número de regras que dão conta de um fator não observável largamentena língua.

Toda essa discussão foi trazida pelos casos de palavras �nais com a alternância e/iem relação aos particípios. Vejamos: o que há de qualitativamente igual em todos essescasos? Todas as palavras surgem de verbos de segunda conjugação. Este de�nitivamente

11Moldura sai do trabalho tanto por não vir de moldado � a forma seria *moldadura � quanto poraparentemente vir de um substantivo molde. Veremos a frente que a hipótese de que esta palavra venhade *moldo um possível particípio reduzido de moldar não é tão absurda.

12Exemplos disso são a postulação do morfema zero estruturalista ou ainda do arquifonema nasal deMattoso Camara (1972, p.49)

13Aqui não assumimos que todas as alternâncias fonológicas possam ser vistas no nível morfológicopensando em casos como a alternância s/z em [casaz.amarelas] e [casas.pretas] que se dá no nível sintático.No entanto são quase todas explicitadas no nível morfo-lexical.

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é um único fator que une todas as palavras que dão errado sob um único rótulo, tal qualo caso das palavras que vem de partes do corpo. No entanto, este fator, a conjugação,é lingüisticamente irrelevante? De forma alguma. Não poderíamos nunca tirar dadosdo nosso corpus por estes serem de segunda conjugação 14 ; poderíamos claro, assumirque verbos de segunda conjugação sofrem ablaut. 15 Isso sim pareceu-nos uma melhorsolução, estamos usando uma ferramenta já aceita pelos lingüistas (a alternância e/i)e ainda conseguimos traçar um padrão de regularidade onde ela atuaria, traço que nãoconseguimos encontrar na relação d/t.

Antes, porém, de assumirmos o ablaut, procuramos todas as palavras �nais que vieramde segunda conjugação, a�nal antes estávamos olhando do problema para a origem dapalavra, e agora, observando se o mesmo problema se veri�ca em todas as palavras comessa origem poderemos, talvez, listar alguma regularidade. Encontramos então feiturae escritura, dos particípios reduzidos feito e escrito. Ora, já havíamos percebido queem verbos detentores de mais de um particípio, era sempre o particípio reduzido a baseselecionada, o que mostra uma certa hierarquização na hora de selecionar a base. Olhandoentão para estes dados, é visível que verbos de segunda conjugação que possuem particípiosreduzidos (como escrever e fazer) funcionam como todas as outras formas da língua.

Então, observamos os verbos de outras conjugações: por que não haveria ablaut entree/i em verbos de terceira conjugação, por exemplo? Porque nunca encontramos algo como*partetura de partido, se encontramos varredura de varrido? Mais uma vez buscamos asrespostas nas diferentes formas que os verbos assumem a depender de sua conjugação:partir>partido>partitura, assar>assado>assadura, mas não correr>corrido>*corridura.Ao irmos além do radical de particípio, e notarmos também o radical de in�nitivo, pareceque encontramos uma possível solução para o problema: na seleção de bases o -ura tomariasempre a forma participial, quando esta existisse em sua forma reduzida, como frito. Noentanto, em não existindo tal forma, seria acionado o radical do in�nitivo como base:como em benzedura e varredura. Tal hipótese, por mais abstrata que pareça, abrangetodos os nossos dados deverbais, inclusive os verbos de primeiras e terceiras conjugaçõese os casos de arquitetura e candidatura, que antes tinham sido tratados de forma bempouco cientí�ca.

Claro que �zemos um longo caminho até essa possível solução, e que, sendo muitorealistas, não postulamos dois su�xos, mas postulamos uma regra de ordem hierarquização

14Claro que se estivéssemos fazendo um trabalho de nível fonético/fonológico poderíamos fazê-lo, emrazão da diferença das vogais temáticas e as possíveis implicações disso no sistema.

15sso é a utilização de teorias auxiliares (permitidas pela heurística positiva, cf. Lakatos) que têm afunção de proteger o núcleo.

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quanto à escolha da base. Traçamos todo esse caminho para dar conta de oito dados, oque, quantitativamente, é pouco, mas que qualitativamente fazia toda diferença, a�nalsomente os particípios de verbos de 2a conjugação têm a altura de sua vogal mudada, logoeram exatamente por esses casos que teríamos que nos guiar para testar a hipótese.

Agora então temos formadas duas hipóteses: i. o -ura toma bases nominais ou verbais,ii. o -ura toma bases adjetivas, participais (e quando não as encontra toma bases verbaisque teriam formado os adjetivos). Ambas as hipóteses abrangem os mesmo dados (aprimeira hipótese contempla 136 dados e a segunda 124, isso porque a primeira nãoabrange os dados belezura, canelura, cintura, escravatura, levedura, moldura, musculatura,nervura, ossatura e moldura 16.A segunda hipótese se presta a uma maior regularização nosdados, mas não abrange o mesmo número de dados. A primeira é mais abrangente, mastemos o -ura tomando por base mais de uma categoria sintática, além de não termos nessahipótese a distinção adjetivo/substantivo, a qual prezaríamos bastante, por pretendermosuma análise categorial dos dados, onde tal distinção está na base da teoria e é demonstrávelformalmente. Na primeira análise também teríamos que assumir um ablaut ou uma vogal[a] presente em ossatura e escravatura. Neste caso, assumir tal mudança nos parece umtanto mais complicado, pois dessa vez trata-se do surgimento de um som onde ele nãoera necessário, enquanto nos outros casos tratava-se de uma alternância vista também emoutras formas da língua.

Antes de elegermos por �m uma ou outra, pensemos mais uma vez na nossa catego-rização de palavras �nais quanto ao seu signi�cado. Tínhamos separado-as em processos(cavalgadura), instrumento (abotoadura), resultado (criatura) e propriedade (brancura).Olhemos agora para essas distinções com a intenção de localizar algum tipo de regula-ridade em relação às palavras base. Encontramos algum nível de regularidade sim nahipótese ii.: bases vindas de adjetivos puros resultam em propriedade e bases participi-ais resultam em qualquer uma das outras categorias. Assim, nos pareceu interessante arelação traçada entre semântica e sintaxe.

Quando a hipótese i., uma regularização só é traçável se dissermos que bases verbaisresultam em instrumento, resultado ou processo e que bases nominais, além de resultaremem propriedade, resultam também em substantivos de massa, (como musculatura, ossa-tura), ou ainda em novos substantivos, porém sem uma característica semântica de�nida(como canela>canelura e molde>moldura). Se assumíssemos tal hipótese, teríamos ainda

16Algumas dessas palavras, como moldura, cintura, escravatura, musculatura, nervura, ossatura seriamexplicadas mesmo pela segunda hipótese, se assumíssemos entradas lexicais subjacentes, porém não ofazemos, como já discutido.

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novas categorias semânticas para as palavras �nais que ainda não tínhamos notado, eestas seriam, ainda, confusas e nada delimitadas.

Assim, tanto pela traçável relação semântica base-palavra �nal, quanto pela regula-ridade que a hipótese ii. traz, optamos neste trabalho trabalhar com ela. Temos emvista, sim, todas as suas falhas, mas para o nosso propósito � a regularização a partirdo menor número de regras e postulações possíveis � esta nos parece melhor por hora.Queremos ressaltar que trabalhar com a hipótese ii. não signi�ca que a primeira sejafalsa, �o falseamento e o abandono de teorias são processos independentes. O verdadeiroteste de uma teoria, então, está na capacidade de prever fatos novos. Se o faz, refutaçõese anomalias podem ser ignoradas.� (Borges, 2004, p.144) Se pensarmos nessa capacidadede prever fatos novos, citada por Borges, ainda temos mais um ponto a favor da teoria ii.,alguns substantivos formados pelo -ura a partir de um radical de in�nitivo, começam aaparecer, já em textos escritos, formados pelos particípios: como varredura e varridura17

Entretanto, independente do quanto pensemos nas teorias que encontramos e do quantogostemos delas (ou não), provavelmente existem ainda outras hipóteses que poderiam serlevantadas e das quais nem nos aproximamos: cést la science!

4.2 Nível Formal

Para este trabalho, inicialmente, propusemo-nos a formalizar os dados, além de buscaruma representação grá�ca do novo modelo que propomos: o su�xo como elemento queseleciona a base e traz um conjunto de características relevantes para a palavra �nal. Maisuma vez a escolha da GC proporcionaria a formalização mais facilmente do que outrosmodelos, já que, como dissemos, explicita em suas categorizações o que é o funtor e o queé tomado.

Pensamos também em utilizar as representações grá�cas através da estrutura de carac-terísticas (Pensamos também em utilizar as representações grá�cas através da estruturade características (EC) defendida por Pagani (2003). A EC oferece �uma relação transpa-

17Buscamos, no google.com, a ocorrência de alguns pares de palavras, claro que esta ferramenta nãoé absolutamente con�ável e que muitas entradas são contadas mais de uma vez, mas acreditamos quea simples ocorrência da forma não canônica em textos escrito já demonstra uma possível mudança noprocesso de seleção do -ura, encontramos: 704.000 para varredura e 8 para varridura; 377.700 paramordedura e 88 para mordidura, 160 palavras para roedura e 1 para roidura. Tais palavras parecemindicar que o -ura, numa tentativa de regularidade, começa a tomar sempre particípios, independentede estes serem mínimos ou não. Encontramos, também, na fala oral expressões como benzidura, e nãobenzedura, como o dicionarizado. É possível que essas formas populares também corroborem a hipótesede que, hoje, o -ura toma especialmente particípios como argumentos.

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rente entre as operações sintáticas e suas respectivas interpretações semânticas.� (Pagani,2003, p385) Neste trabalho, não entraremos nas relações semânticas, no entanto, é essatransparência das relações entre níveis que buscamos. �As EC poderiam facilmente serexpandidas para incluírem informações sobre os níveis fonéticos, morfológicos e mesmopragmáticos; e cada um desses níveis ainda poderiam ser expandidos em quantos subní-veis fossem necessários�. (Pagani, 2003, p.406). Veremos a diante como Pustejovsky aopostular dentro da estrutura qualia, quatro aspectos, faz um bom uso da EC e de seusrecursos. ) defendida por Pagani (2003). A EC oferece �uma relação transparente entre asoperações sintáticas e suas respectivas interpretações semânticas.� (Pagani, 2003, p385)Neste trabalho, não entraremos nas relações semânticas, no entanto, é essa transparên-cia das relações entre níveis que buscamos. �As EC poderiam facilmente ser expandidaspara incluírem informações sobre os níveis fonéticos, morfológicos e mesmo pragmáticos;e cada um desses níveis ainda poderiam ser expandidos em quantos subníveis fossem ne-cessários�. (Pagani, 2003, p.406). Veremos a diante como Pustejovsky ao postular dentroda estrutura qualia, quatro aspectos, faz um bom uso da EC e de seus recursos.

Pustejovsky e Boguraev trabalham com tentativas de regularizar o léxico, no entanto,apesar de resultados interessantes, essas tentativa não nos parecem ainda atingir o quequeremos. Os russos postulam que o conteúdo semântico das entradas lexicais podemser analisados através de quatro estruturas: argumentativa, eventiva, qualia e de herançalexical. Quanto às duas primeiras estruturas de�nidas não temos ressalvas: a argumen-tativa relaciona a sintaxe e a semântica, indicando quais os tipos de argumentos que aentrada lexical seleciona, e a estrutura eventiva identi�ca o tipo de evento que a entradalexical traz estado, processo ou transição.

Entretanto, temos algumas ressalvas quanto à de�nição de estrutura qualia apresen-tada em 1993 �Qualia structure de�nes the essential atributes of objects, events, andrelations, associated with a lexical item.� (p203)18 Assim, separam em quatro aspectos aestrutura qualia: constitutivo (onde informações a respeito da composição da entrada sãoguardadas), formal (�that which distinguishes it within a larger domain� 19 télico (quede�ne a função da entrada lexical) e agentivo (que abrange fatores envolvidos na origemdo que a entrada lexical representa). Um item como livro teria sua estrutura qualia algocomo a descrição abaixo:

18�A estrutura qualia de�ne os atributos essencias de objetos, eventos e relações assoiados a um itemlexical.�

19�que distingue [a entrada lexical] em um domínio amplo�. Pustejovsky e Boguraev, 1993, p204,Tradução nossa.

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constitutivo papel, capa, capítulo, letras...

formal objeto(x

)

télico ler(P, y, x

)

agentivo escrever(T,w,x

)

Descrição de Wachowicz, 2006 20

Todos esses aspectos levantados por Pustejovsky e Boguraev nos parecem relevantespara dar conta de todas as interpretações semânticas que uma mesma entrada pode ter.Com essa análise alguns problemas são resolvidos, como por exemplo, a relação entreentradas lexicais em casos de anáforas indiretas. Vejamos:

> O papel é pesado (constitutivo)

> Eu perdi o objeto. (formal)

> João leu tudo.(télico)

> Demorou 12 meses para escrever tudo. (agentivo)

Cada uma das expressões grifadas acima retoma a entrada lexical livro através de umdos quatro aspectos constituintes da semântica da própria entrada lexical livro. Assim,para alguns problemas, como a ambigüidade, a interpretação de Pustejovsky e Boguraevparece-nos boa. No entanto, acreditamos que para dar conta de uma semântica lexicalprecisaríamos encontrar características básicas que aparecessem em todas as entradas. En-quanto a estrutura eventiva parece não abranger nomes, a estrutura qualia aparentementenão abrange verbos e se o faz não utiliza todo os quatro aspectos que a constituem.

Abaixo a descrição proposta por Wachowicz para escrever:20Na descrição da característica télico entende-se �alguém (y) lê (ler) um livro (x) em um processo

(P)�, enquanto na característica agentivo entende-se � alguém (x) escreve (escrever) um livro (x) em umatransição�.

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Event.str

E1 = processoE2 = resultado

T(empo

)

Head = E1

Arg.str

Arg [1]: animado

Arg [2]: produto(material

)

Arg [3]: default

Qualia

Formal exist

(E2, [2]

)

Agentivo cria(E1, [1], [3]

)

Herança lexical

A estrutura qualia nos parece, em verdade, uma das já comentadas soluções ad hocem uma teoria. Algumas relações traçáveis, a princípio empiricamente, são postuladasdentro dessa estrutura que parece conter um conjunto imenso de relações que não neces-sariamente aparecem e que aparentemente estão desordenadas. O aspecto agentivo pareceser uma característica onde n traços podem entrar, a depender da vontade do teórico. Nadescrição de livro, e.g., o aspecto agentivo poderia ser representado pela ação de escrever,encadernar, xerocar, imprimir, etc.

Já o aspecto télico parece expressar a mesma relação que a estrutura argumentativaidenti�ca, só que em outra via. Enquanto na estrutura argumentativa de livro aparece umverbo transitivo, como ler, em seu aspecto télico dentro da estrutura qualia, esta mesmarelação é colocada, porém inversamente.

Podemos ainda comentar o quão vasto e inde�nido é o aspecto formal. Pustejovskye Boguraev postulam que este é um aspecto que delimita grandes domínios, mas nãoidenti�cam quais. Também nos parece um tanto quanto irrelevante postular grandesdomínios para resolver ambigüidades locais. De�nindo tais domínios é possível agruparsob um rótulo bastante largo, algumas entradas lexicais, porém não é possível diferenciá-las, e entendemos que isto é mais interessante a uma dada teoria, i.e., diferenciar xícarae copo e não casado e sofá. Sob esta perspectiva o aspecto formal pareceria inútil, já queessa idéia de domínio estaria implícita em outros aspectos como o télico e o agentivo.

Olhando ainda para a proposta de Pustejovsky e Boguraev, ao observamos a chamadaherança lexical, vemos uma tentativa de tentar traçar ainda outros caminhos possíveis de

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relações entre as entradas lexicais. �Lexical inheritance sctructure determines the ways inwhich a word is related to other words in the lexicon. In addition to providing informationabout the organization of a lexical knowledge base, this level of word meaning provides anexplicit link to generalworld (commonsense) knowledge.� (p203) 21Para analisar maisconsistentemente a herança lexical, bem como toda a proposta de Pustejovsky, seriamnecessárias outras leituras. No entanto, agora já notamos a semelhança da estruturalexical com os aspectos agentivo e constitutivo da estrutura qualia. Notamos também afalta de de�nição desses �caminhos� traçáveis entre as entradas lexicais.

Usaremos, como Pustejovsky e Boguraev, a representação através da estrutura decaracterísticas, mas não adotaremos todas as estruturas postuladas por eles. Como Hoek-sema (1985) entenderemos a entrada com conteúdos semânticos, sintáticos e fonológicos,porém, por falta de uma boa teoria para basear nosso estudo semântico, no absteremos,por enquanto, desta parte do estudo. Para nós é muito claro poder-se traçar relaçõessemânticas sintagmáticas entre entradas lexicais menores que palavras (como, por exem-plo, a relação presente na derivação de uma palavra) e também paradigmáticas entre asentradas (como por exemplo as relações de distribuição entre -ção, -mento e talvez -ura).

Quando olhamos para os itens lexicais e vemos essas relações traçáveis em muitasvias diferentes, não nos sentimos, ainda, confortáveis em adotar uma posição quanto àorganização do léxico. Enquanto alguns, como Bloom�eld (cf. Hoekesema, 1985, p.2)não vêem possibilidade na organização lexical, outros,como Pustejovsky, apostam emcaminhos traçáveis dentro do léxico. Por enquanto, não discutimos a organização doléxico e suas características semânticas.

No início deste trabalho, procuramos ingenuamente na semântica composicional, ele-mentos básicos para de�nir o léxico. Visitamos Pustejovsky e Jackendo� (1975), porémnão encontramos traços que de�niriam o léxico, assim como traços que de�nem a fonologia.

Acreditamos que um estudo do léxico componencial é viável e interessante. Ao olhar-mos todas as entradas lexicais podemos notar grandes domínios, como no aspecto daforma da estrutura qualia de Pustejovsky e Boguraev, como abstrato, concreto, animado,etc. Acreditamos que para uma análise componencial do léxico temos que assumir que oléxico é um conjunto de possibilidades, que cada entrada lexical tem sim uma forma se-mântica só sua e traços só seus, mas não que todos os itens partilham dos mesmos traços.

21�A estrutura de herança lexical determina os caminhos onde cada palavra é relacionada a outraspalavras no léxico. Além de prover informações sobre a organização da base do conhecimento lexical, estenível do signi�cado da palavra explicita uma ligação com o conhecimento do senso comum.� Traduçãonossa.

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Acreditamos que é viável entender cada um desses grandes domínios como uma chave queaciona novas possibilidades de signi�cação. Assim quando acionamos para determinadoitem, e.g. livro, um grande domínio, como concreto estamos selecionando diversas possi-bilidades de signi�cação que o item pode assumir e estamos descartando muitas outras.Assumiríamos então que dentro do conjunto de itens concretos, livro se encaixe no con-junto inanimados. Essas distinções o distinguiriam já de cachorro e amor, porém aindanão de cadeira. Entendemos assim que para se chegar no signi�cado total de cada itemlexical, precisaríamos ir descendo nos níveis de signi�cação até algo muito especí�co quepudesse diferenciar livro e revista. É possível que tal nível só exista na especi�cação destaspalavras, e nesse sentido, não sabemos o quanto esse modelo é bom e aplicável, mas nosparece interessante pensar a semântica do léxico como um leque de possibilidades que sefecha conforme se seleciona determinadas características. No entanto, caso essa análiseseja possível, seria ainda interessante notar a relevância de cada entrada lexical em cadaum dos níveis semânticas que é selecionado. Por exemplo, a existência do su�xo -ura emcriatura já impede que essa entrada lexical esteja no conjunto inanimado. Se for possíveltal análise, teremos não só uma organização para o léxico (uma entre outras possíveis)mas também a identi�cação da semântica de cada um dos constituintes de uma palavra.

Para este trabalho tínhamos a opção de trabalhar com uma semântica muito básicaque distinguisse apenas eventos, processos, propriedades, en�m, características que o -ura,su�xo por nós explorado, traz muito claramente. Porém optamos por não fazê-lo, já quenão temos claro ainda como seria possível um estudo semântico componencial do léxico.

Dentro da GC, é possível não entrarmos em toda essa discussão de característicase traços, optando apenas por utilizar as formas lógicas das entradas lexicais. Não con-seguimos, no entanto, traçar todas as formas lógicas e nem resolver algumas questõestrazidas pelo su�xo que escolhemos utilizar. Por exemplo, o -ura toma algo eventivo etransforma em um ente, quanto este assume o signi�cado de resultado, e.g., criatura. Nãoencontramos qualquer bibliogra�a que tratasse do problema e por enquanto não sabemosformalizar essa passagem, embora haja meio formais para tal.

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5 Dados

Dessa forma, em nosso corpus restaram 103 dados. Listamo-los abaixo. UtilizaremosPR(opriedade), R(esultado), I(nstrumento) e P(rocesso).

Expressão Base Palavra FinalABERTURA ABERTO R/P

ABOTOADURA ABOTOADO P/IABREVIATURA ABREVIADO P/R/I

ALTURA ALTO PRAMARGURA AMARGO PR

AMASSADURA AMASSADO P/RANDADURA ANDANDO PAPERTURA APERT- R/PARMADURA ARMADO I

ARQUITETURA ARQUITET- P/RARRANHADURA ARRANHADO R

ASSADURA ASSADO P/RASSINATURA ASSINADO P/R/IATADURA ATADO I/P/R

BENZEDURA BENZ- PBRANCURA BRANCO PRBRANDURA BRANDO PRCANDURA CÂNDIDO PRCATADURA CATADO P/R

CAVALGADURA CAVALGADO P/R/ICERCADURA CERCADO P

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Expressão Base Palavra FinalCERZIDURA CERZIDO P/R

CHANFRATURA CHANFRADO PCOBERTURA COBERTO P/R/ICORDURA CORDO PR

CORREDURA CORRE- PCOSEDURA COSE- P/RCRIATURA CRIADO RCULTURA CULTO PR

CURVATURA CURVADO RDIABRURA DIABRIL PRDIREITURA DIREITO PRDITADURA DITADO P/RDOÇURA DOCE PR

DOIRADURA DOIRADO PDOURADORA DOURADO PEMBOCADURA EMBOCADO P/RENVOLTURA ENVOLTO P/R

ENVERGADURA ENVERGADO P/PRESCRITURA ESCRITO P/RESFOLADURA ESFOLADO P/RESPESSURA ESPESSO PRESTATURA ESTARO PRFARTURA FARTO PR

FECHADURA FECHADO I/P/RFEITURA FEITO PFRITURA FRITO P/R

FERRADURA FERRADO I/P/RFERVURA VERV- PFINURA FINO PR

FORMATURA FORMADO P/RFORMOSURA FORMOSO PRGORDURA GORDO PRFRESCURA FRESCO PR

INVESTIDURA INVETIDO P/RJUDICATURA JUDICADO PJUNTURA JUNTO P/R

Page 32: Morfologia Categorial

Expressão Base Palavra FinalLAQUEADURA LAQUEADO P/R

LARGURA LARGO PRLAVADURA LAVADO PLAVRATURA LAVRADO P/RLEGISLATURA LEGISLADO P/R

LESURA LESO PRLICENCIATURA LICENCIADO P/I/R

LIGADURA LIGADO P/R/ILONJURA LONGE PRLOUCURA LOUCO PR

MACHUCADURA MACHUCADO P/RMORDEDURA MORDE- P/RNEGRURA NEGRO PRPARTITURA PARTIDO iPISADURA PISADO P/RPOSTURA POSTO P/PR

QUEIMADURA QUEIMADO R/PQUENTURA QUENTE PRRACHADURA RACHADO RRAPADURA RAPADO R/PROÇADURA ROÇADO PROEDURA ROED- P/R/

RONCADURA RONCADO P/RROTURA ROTO PRSECURA SECO PR/R

SEMEADURA SEMEADO P/RSEPULTURA SEPULTO I/RSOLDADURA SOLDADO P/RSOLTURA SOLTO PRTECEDURA TECE- P/RTECITURA TEDICO P/R

TEMPERATURA TEMPERADO P/PRTERNURA TERNO PRTEXTURA TEXTIL PRTINTURA TINTO P/R/ITONSURA TONSO PR

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Expressão Base Palavra FinalTONTURA TONTO PR

TRAVESSURA TRAVESSO PRTREMURA TREM- P/RVERDURA VERDE PRVESTIDURA VESTIDO P

De acordo com o modelo proposto, entendemos então o su�xo -ura com a seguinte estru-tura sintática:

exp ura

cat(N\N

)\N

reg lex

Usamos a mesma notação de Pagani (2004), onde exp é a expressão, cat a categoriasintática, reg a regra de formação da expressão. Pagani ainda propõe a característica denque seria a denotação formal da estrutura e con a constituição da entrada lexical.

Em exp, entra a realização da entrada lexical1, em reg lex signi�ca que a entrada élexicalizada, a cat de -ura seria (N\N)\N , i.e., um funtor que toma um N\N 2 a esquerdaformando um outro N.

Representamos, abaixo, de acordo com o modelo proposto algumas das palavras docorpus. Para assadura, teríamos a seguinte EC:

1Não representamos aqui o nível fonológico, onde entrariam as três possíveis realizações do -ura (-dura,-tura, -ura) e sim a entrada lexical que postulamos ser uma só.

2Aqui assumimos que o -ura toma sempre N\N� em função da discussão acima que se resolve quandoassumimos que as palavras selecionadas são adjetivos ou particípios. Em um próximo trabalho, talvezessa de�nição se torne reducionista em função das diferentes formalizações que precisaremos ter.

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exp assaduracat Nreg R1

con

exp assadocat N\Nreg R1

con

exp assarcat N\S/Nreg lex

exp ado

cat(N\S/N

)(N\N

)

reg lex

exp ura

cat N\(N\N

)

reg lex

Assadura, então, é uma expressão que é um N, formada pela aplicação da regra 1 entreas expressões assado e -ura. Na característica con de assadura, temos para expressar ovalor da característica uma nova EC �As características são sempre representadas porsímbolos atômicos, mas os valores podem ser representados por um símbolo atômico oupor outra EC.� Pagani, 2003, p394.

Ainda como representação do modelo temos abaixo alvura, formado de adjetivo puro:

exp alvuracat Nreg R1

con

exp alvocat N\Nreg lex

exp ura

cat N\(N\N

)

reg lex

Aqui, o valor de con é menos complexo, já que alvo não tem constituintes. 3

3Aqui não caíremos na discussão de alvo é formado por alv- e -o e se é apenas alv - o formador dealvura, já que queremos exempli�car a exposição do modelo sem cair em detalhes empíricos.

Page 35: Morfologia Categorial

6 Conclusão

A partir do levantamento de dados e das representações que �zemos, acreditamosque esteja claro o quanto a análise categorial pode ser poderosa na morfologia. Inúmerasquestões teóricas são resolvidas ao se trabalhar com essa hipótese e os resultados sãoabrangentes e elegantes. Acreditamos, porém, que o maior ganho deste trabalha é aexposição clara dos processos de formação de palavra, bem como das funções exercidaspor cada uma dos elementos que participam desse processo.

Infelizmente não pudemos entrar no campo da formalização semântica dos dados, maispor desconhecimento dos possíveis tratamentos lógico-formais para os dados do que porqualquer motivo de extensão e tempo para a realização desta monogra�a.

Nossos problemas s concentram mais em como transforma formalmente tipos lógicosem outros. Sabemos que logicamente é possível, mas, por enquanto, ainda não podemosdemonstrá-lo.

Para servir de passo inicial para alguém que continue esta teoria ou para registrar jáaqui o que temos pensado sobre o assunto, abordaremos rapidamente o que o compor-tamento do su�xo -ura parece nos mostrar. Adotamos, como já dito, que -ura é umaúnica entrada lexical e que suas variações de comportamento são trazidos pelo ambientede ocorrência ou ainda por bloqueios de outras ordens, como a pragmática. No entantonotamos que toda vez que o su�xo seleciona um argumento de base adjetiva pura, a pala-vra �nal traz a idéia de propriedade, traz a idéia da coisa que o argumento tem: alto temaltura, por exemplo. Quando a base é participial, a palavra �nal assume três possíveissigni�cados: processo, resultado e instrumento.

Tais signi�cados parecem ser de fatos resolvidos apenas quando isso é levado paradentro de um contexto. Em �Minha cavalgadura é lenta�. uma palavra que a princípioparece assumir apenas o signi�cado de processo é usada como instrumento e a frase con-tinua com sentido. Tem-se ainda �Sua cavalgura é esperada por todos.� onde cavalgaduraé o resultado da ação de cavalgar. Logo, nos parece que todos os eventivos são ambíguos.

Page 36: Morfologia Categorial

Entendemos então que são próximos demais estes usos e que provavelmente teremosa mesma forma lógica para todos eles, ou teremos, no mínimo, uma forma lógica básicaque mudará levemente a depender do signi�cado selecionado. Assim a base eventiva trazclaramente um comportamento lógico diferente para a palavra �nal. Aqui é importantenotarmos que toda a vez que uma base adjetiva pura é selecionada tem-se um ente comosigni�cado da palavra �nal e que na maioria das vezes, se não em todas, que seleciona-seo outro tipo de base a palavra �nal também pode assumir o signi�cado de resultado, quenão deixa de representar, formalmente, um ente.

Não sabemos, no entanto, como resolver essas questões e para isso algum tempo maisde estudo será necessário. Acreditamos, porém, que a questão sintática em nosso trabalho�cou bem resolvida e que isso é um indício forte de que estamos em uma linha produtivapara se pensar essa questão.

Page 37: Morfologia Categorial

Referências

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