morfologia 1

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Handout Spencer, Andrew (1991) Morphological Theory (An Introduction to Word Structure in Generative Grammar). Blackwell. Capítulo 1 – O domínio da Morfologia 1.1 Estrutura da palavra Objetivo da Linguística Teórica: fornecer a caracterização explícita e precisa do que o falante sabe da língua. Conhecimento que qualquer falante deve possuir a fim de ser olhado como falante da língua. Essa noção pressupõe um conhecimento anterior ao que é proposto por um dicionário, por exemplo. Isso sugere que o falante possui conhecimento sobre a língua, mesmo que nunca tenha tido contato com o dicionário. Desconhecer a maior palavra do dicionário de português não torna alguém menos falante da língua. Então, como decompor as palavras? Todos sabem fazer isso, inclusive os analfabetos, se lhes forem feitas as perguntas certas. Sabem julgar quais são as palavras não possíveis do Português, a partir do conhecimento da estrutura da palavra. Se um falante nativo de português fosse questionado sobre a existência de mentoconstitucionalanti, alconstituimento ou dadeconstitucionalde, certamente a resposta seria “de jeito nenhum” ou “nem pensar”. Essas simplesmente não são palavras possíveis no português. Mais do que isso: qualquer falante nativo de português pode julgar esses dados se você perguntar do jeito certo. É uma parte daquilo que nós sabemos quando somos falantes nativos de uma língua natural, como o português; e por essa razão é parte daquele conhecimento da linguagem que os linguistas caracterizam como propriamente linguístico. Portanto, ele é algo que a teoria linguística tem

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Handout com noções básicas de Morfologia

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HandoutSpencer, Andrew (1991) Morphological Theory (An Introduction toWord Structure in Generative Grammar). Blackwell.

Captulo 1 O domnio da Morfologia1.1 Estrutura da palavraObjetivo da Lingustica Terica: fornecer a caracterizao explcita e precisa do que o falante sabe da lngua. Conhecimento que qualquer falante deve possuir a fim de ser olhado como falante da lngua.Essa noo pressupe um conhecimento anterior ao que proposto por um dicionrio, por exemplo. Isso sugere que o falante possui conhecimento sobre a lngua, mesmo que nunca tenha tido contato com o dicionrio. Desconhecer a maior palavra do dicionrio de portugus no torna algum menos falante da lngua. Ento, como decompor as palavras? Todos sabem fazer isso, inclusive os analfabetos, se lhes forem feitas as perguntas certas. Sabem julgar quais so as palavras no possveis do Portugus, a partir do conhecimento da estrutura da palavra.Se um falante nativo de portugus fosse questionado sobre a existncia de mentoconstitucionalanti, alconstituimento ou dadeconstitucionalde, certamente a resposta seria de jeito nenhum ou nem pensar. Essas simplesmente no so palavras possveis no portugus. Mais do que isso: qualquer falante nativo de portugus pode julgar esses dados se voc perguntar do jeito certo.

uma parte daquilo que ns sabemos quando somos falantes nativos de uma lngua natural, como o portugus; e por essa razo parte daquele conhecimento da linguagem que os linguistas caracterizam como propriamente lingustico. Portanto, ele algo que a teoria lingustica tem que explicar, do mesmo modo que tem que explicar o conhecimento dos padres fonolgicos ou das estruturas sentenciais de uma lngua. O ramo da lingustica que trata das questes relativas ao conhecimento da estrutura da palavra nas lnguas a morfologia. (SPENCER, 1991, p.2)

1.2 Morfemas, morfes e alomorfia

Morfema: menor unidade significativa. Conceito de Bloomfield (1933).Certamente, alguns morfemas da lngua, como contra, podem ser usados como palavras e provavelmente so palavras (alm de serem morfemas). A palavra luz tambm um morfema (alm de ser uma palavra). No se trata de decompor em slabas ou fonemas, mas sim em menores unidades de significao e sentido. Morfemas livres: contra, extra, sobre. Podem ser um morfema e uma palavra, sem fazer ligao com um radical. Morfemas presos: dent + uo, ded +al, bol + eto;- ismo, -mente, -izar. Ligam-se a um radical, exercendo uma funo. No se caracteriza como palavra.

Palavras polimrficas: morfologicamente complexas, com um morfema central que contribui para o sentido bsico e uma coleo de outros morfemas modificando esse sentido de vrias maneiras. Ex.: desinteressados (des+interess+a+d+o+s).

AfixosOs afixos so morfemas gramaticais que se acrescentam ao radical ou palavra, atribuindo-lhe uma ideia acessria ou modificando o sentido. Tipos:

Sufixos: direita do radical, -idade, -eza, -dor, -eiro, -ada, -ista, -agem;

Prefixos: esquerda, pre-, re-, in-, des-;

Infixos: Um infixo um afixo que colocado dentro de um outro morfema (e noao lado de um morfema ou entre morfemas). Ex.: Qualquer Quaisquer.

Circunfixos: a adjuno simultnea de um prefixo e de um sufixo a um radical, de forma que a excluso de um ou de outro resulta numa forma no aceitvel na lngua. Ex.: Enlouquecer, aclarar.

Alomorfia: Os morfes sibilante surda /s/ e sibilante sonora /z/ so alomorfes de s indicativo de plural. Apresenta alomorfia condicionada pela fonologia (som). Ex.: capas, capas feias, capas velhas, capas amarelas. Logo, o morfema de plural do portugus apresenta alomorfia.

Reduplicao: uma forma de afixao em que alguma parte da base repetida, ou para a esquerda, ou para a direita, ou s vezes no meio. Tagalog uma fonte rica desse tipo de morfologia: raiz sulat,, futuro: susulat.

Outros exemplos de alomorfiaAlomorfia na raiz: olho, olhos; povo, povosAlomorfia nos sufixos: possvel , possibilidade; estvel, estabilidade.

Alomorfia sem relao fonolgicaSupleo: verbos irregulares, ser , fui, serSupleo parcial: povo, popularSupleo total: ensinar ensinador* professor.Dirigir dirigidor motorista.

Operaes morfolgicas

Flexo: Uma nica palavra que assume vrias formas. Ex: Do nome em russo, koka, um gato, e que ela assume vrias formas: koki, koke, koku, e a prpria palavra koka. A flexo da palavra no contempla a mudana da categoria sinttica. Os processos flexionais atuam sobre radicais ou sobre temas, e tm por funo manifestar relaes gramaticais, de tempo, modo, nmero, pessoa, nunca alterando a classe sinttica da unidade a que se acoplam (negociar, negociamos, negociou, negociava, negociar, que partilham o tema verbal [negocia].

DerivaoOs morfemas derivacionais apresentam-se de maneira irregular e assistemtica na lngua. A esse propsito, so interessantes as palavras de Cmara (1970):

As palavras derivadas, com efeito, no obedecem a uma pauta sistemtica e obrigatria para toda uma classe homognea do lxico. Uma derivao pode aparecer para um dado vocbulo congnere. De cantar, por exemplo, deriva-se cantarolar, mas no h derivaes analgicas para falar a gritar, outros dois tipos de atividade da voz humana. Os morfemas gramaticais de derivao no constituem, assim, um quadro regular, coerente e preciso.

Processos flexionais no so responsveis por mudanas de categoria lexical, ao contrrio dos derivacionais, que podem promover alteraes dessa natureza. Responsvel por mudanas de classe. Por exemplo, -o e ada formam substantivos a partir de verbos ("canalizao", "esticada"). importante lembrar que bastante difcil traar uma linha divisria entre a flexo e a derivao de tal modo que a distino seja vlida para todas as lnguas naturais.

Referncias

ROCHA, Luiz Carlos. Flexo e Derivao no Portugus. Cadernos de Pesquisa. Belo Horizonte: UFMG, 1995.

SPENCER, Andrew. Morphological Theory (An Introduction toWord Structure in Generative Grammar), 1991.