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MONOGRAFIA
CURSO DE DIREITO – UniFMU
RESPONSABILIDADE MÉDICA NO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO
CONSUMIDOR
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SÃO PAULOSÃO PAULOSÃO PAULOSÃO PAULO
2005200520052005
CURSO DE DIREITO – UniFMU
RESPONSABILIDADE MÉDICA NO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E
DEFESA DO CONSUMIDOR
Patricia Alvares Dias
RA:4628096 TURMA: 3209D
Prof. Orientador: Carlos Rosseto Jr
Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Direito da Uni-FMU como
requisito parcial para obtenção do grau de Bachael em Direito, sob a orientação
do Prof° Carlos Rosseto Junior
SÃO PAULOSÃO PAULOSÃO PAULOSÃO PAULO
2005200520052005
Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que me auxiliaram neste trabalho principalmenteao professor Carlos Rosseto Jr. pelas orientações, sem as quais
não seria possível esta realização
Dedico este trabalho aos meus pais, que sempre incentivaram os meus estudos,
ao meu irmão e aos meuscolegas e amigos de trabalho que sempre me apoiaram
e muito me ensinaram
SUMÁRIO
SINOPSE .........................................................................................................................1
INTRODUÇÃO.................................................................................................................7
1. RESPONSABILIDADE CIVIL ...................................................................................9
1.1. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA......................................11
2. SERVIÇOS MÉDICOS............................................................................................14
3. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR.......17
4. DIREITOS DOS PACIENTES .................................................................................23
5. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO NO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E
DEFESA DO CONSUMIDOR .................................................................................25
5.1. TIPOS DE DANOS ................................................................................................30
6. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL..................................................................33
7. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE MÉDICA .................................................36
8. CARACTERISTICA DO PROCESSO.....................................................................40
8.1. INVERSÃO E ÔNUS DA PROVA...........................................................................42
9. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL................................................................46
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................51
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................53
SINOPSE
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor é visto como um diploma
moderno, que veio revolucionar enfoques tradicionais na esfera da responsabilidade
civil. Assim, a prestação de serviço médico, ao ser ofertada no mercado de consumo
pode ser regulada pela lei consumerista.
Sob a ótica do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o hospital, bem
como profissional liberal da área médica, enquadram-se entre os fornecedores de
serviços, porém, a responsabilidade deste é subjetiva, verifica-se a existência de culpa,
enquanto a responsabilidade daquele independentemente da existência de culpa, haja
vista ser a sua responsabilidade objetiva.
A maior inovação que nos trouxe o diploma em comento, foi à possibilidade
de inversão do ônus da prova, onde diante de fatos verossímeis, ou quando o
consumidor for hipossuficiente, a produção de provas caberá a parte contrária a que
alega, visto que o objetivo desta inversão é equilibrar as partes na demanda judicial.
INTRODUÇÃO
Por meio deste trabalho procurou-se estudar a responsabilidade do prestador
de serviço na área médica sob a ótica da relação de consumo.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, desde o seu surgimento,
vem sendo cada vez mais utilizado e aplicado nas relações jurídicas e nos trouxe, sem
dúvidas, inovações significativas e modernidade ao direito brasileiro.
Em face da sua abrangência, pode-se dizer que essa lei fez uma verdadeira
revolução em nosso direito obrigacional. Não seria exagerado dizer que depois do
Código de Proteção e Defesa do Consumidor podemos dividir a responsabilidade civil
em duas grandes áreas: a responsabilidade tradicional, disciplinada pelo Código Civil,
fundada no artigo 186 e Leis Especiais, e a responsabilidade nas relações de consumo,
fundada no Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Hoje, antes de decidir qualquer questão envolvendo responsabilidade civil,
terá o juiz de verificar se está ou não em face de uma relação de consumo.
Caracterizada a relação de consumo, terá de aplicar a disciplina da Lei Consumerista,
mesmo porque as suas normas são de ordem pública, vale dizer, de aplicação
necessária, conforme texto expresso do seu primeiro artigo.
No campo da prestação de serviço médico, apesar de inaceitável, ocorrem
danos causados aos consumidores em razão de defeitos relativos ao serviço prestado.
Não desejo atribuir única e exclusivamente a culpa ao prestação de serviço médico, ao
contrário, tentamos esclarecer fatos e analisar as implicações decorrentes deles.
Outrossim, apesar disso, não exime o prestador de serviço de conceder, ao
consumidor, as informações necessárias e adequadas sobre a sua atividade, bem
como garantir-lhe que o serviço prestado atenderá às expectativas de segurança que
legitimamente se espera.
Analisemos pois, com detalhes a relação estabelecida entre o prestador de
serviço médico e o consumidor, os tipos de danos ocasionados em razão do serviço
prestado, a forma de responsabilização, tanto do profissional liberal quanto dos
estabelecimentos hospitalares e similares, sempre respeitando os direitos básicos do
consumidor.
Diversos posicionamentos, ainda que divergentes de meu entendimento,
foram destacados, com o simples objetivo de realizar contrapontos, buscando assim
harmonizar o interesse das partes respeitando o direito de cada uma delas.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL
Responsabilidade, palavra derivada da expressão latina spondeo que,
segundo José de Aguiar Dias, significava no Direito Romano forma pela qual o devedor
se ligava solenemente a um contrato verbal; tem sentido de obrigação, garantia, ou até
mesmo uma sanção civil, ligada à idéia de reparação, como bem ressaltam alguns.
Hoje, é de grande importância a responsabilidade civil, por se dirigir à
restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e à redistribuição da riqueza
de conformidade com os ditames da justiça, tutelando a pertinência de um bem, com
todas as suas utilidades, presentes e futuras, a um sujeito determinado, pois, o
problema da responsabilidade é o próprio problema do direito, visto que “todo o direito
assenta nas idéias da ação, seguida da reação, de restabelecimento de uma harmonia
quebrada onde o interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo dano é a fonte
geradora da responsabilidade civil1 ”.
O termo responsabilidade, embora com sentidos próximos e semelhantes, é
utilizado para designar várias situações no campo jurídico. A responsabilidade, em
sentido amplo, encerra a noção em virtude da qual se atribui a um sujeito o dever de
assumir as conseqüências de um evento ou de uma ação. É o fato ou ato punível ou
moralmente reprovável, com violação de um direito, o que acaba acarretando reflexos
jurídicos.
Neste sentido, acaba-se avaliando, em matéria de responsabilidade, a
conduta do agente, isto é, um encadeamento ou série de atos e fatos, que acabam
gerando por si só o dever de indenizar.
Na responsabilidade civil é a perda ou a diminuição verificadas no patrimônio
do lesado ou o dano moral que geram a reação legal, movida pela ilicitude da ação do
autor da lesão ou do risco. Porém, a idéia de reparação é mais ampla do que a de ato
ilícito, vez que há hipóteses em que o dano é reparável sem o fundamento da culpa,
baseando-se no risco objetivamente considerado. Portanto, cinge-se à reparação do
1 Nogueira., José Antônio, As Novas Diretrizes do Direito. Revista do Direito., p. 15 , 1994, apud Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p 5.
dano causado a outrem, desfazendo tanto quanto possível seus efeitos, restituindo o
prejudicado ao statu quo ante.
O princípio que domina a responsabilidade civil é o da restitutio in integrum,
ou seja, da reposição completa da vítima à situação anterior à lesão, por meio de uma
reconstituição natural, de recurso a uma situação material correspondente ou de
indenização que represente do modo mais exato possível o valor do prejuízo no
momento de seu ressarcimento.
Infere-se daí que a responsabilidade aparece como uma sanção, que nas
palavras de Goffredo Teles Jr, �é vista como uma medida legal que poderá vir a ser
imposta por quem foi lesado pela violação da norma jurídica, a fim de fazer cumprir a
norma violada, de fazer reparar o dano causado ou de infundir respeito à ordem
jurídica’2 . É, desse modo, a conseqüência que o agente, em virtude de violação de
dever, sofre pela prática de seus atos. Portanto, dupla é a função da responsabilidade:
a) Garantir o direito do lesado à segurança;
b) Servir como sanção civil, de natureza compensatória, mediante a
reparação do dano causado à vitima;
2 Jr., Goffredo Teles. O direito quântico.São Paulo: Max Limonad, 1980, apud Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 8.
1.1. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA
Segundo a teoria subjetivista, prevista no Código Civil, em seus artigos 186 e
927, incumbe à vítima provar o dolo ou culpa stricto sensu do agente para obter a
reparação do dano.
Entretanto, essa prova muitas vezes se torna difícil, então, admite-se em
hipóteses específicas a obrigação de reparação de danos sem a necessidade de se
provar a culpa do agente, são os casos de responsabilidade objetiva, ou
responsabilidade sem culpa.
Silvio Rodrigues afirma que tais conceitos, a rigor, não são espécies diversas
de responsabilidade, mas sim maneiras diferentes de encarar a obrigação de reparar o
dano3.
O artigo 186 do Código Civil estabelece, em sede de indenização por ato
ilícito, a base da responsabilidade subjetiva, in verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.
Verifica-se, neste dispositivo, a presença dos requisitos para a configuração
do dever de indenizar: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo
causal, dano e finalmente, a culpa.
Analisando especificamente a culpa, verificaremos a tendência
jurisprudencial cada vez mais marcante de alargar seu conceito. Os tribunais, com
relação a culpa, tem ampliado a sua interpretação, adotando- se a denominada culpa
presumida, sob o prisma do dever genérico de não prejudicar. Esse fundamento fez
surgir a responsabilidade objetiva, presente na lei em várias oportunidades, que
desconsidera a culpabilidade. A insuficiência da fundamentação da teoria da
culpabilidade levou a criação da teoria do risco, com vários matizes, que sustenta ser o
3 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil :Responsabilidade Civil. São Paulo:Saraiva, p. 12.
sujeito responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque
toda a diligência para evitar o dano.
Carlos Roberto Gonçalves4, esclarece em sua obra que, a responsabilidade
objetiva, não exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano:
ou a culpa é presumida pela lei ou simplesmente se dispensa sua comprovação. Em
síntese, cuida-se da responsabilidade sem culpa em inúmeras situações nas quais sua
comprovação inviabilizaria a indenização para a parte presumivelmente mais
vulnerável. Assim, sendo a culpa presumida, inverte-se o ônus da prova. Caberá ao
autor provar tão só a ação ou omissão do réu e o resultado danoso, posto que a culpa
já se presume.
O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil é inovador neste sentido
onde a responsabilidade civil objetiva aplica-se, além dos casos descritos em lei,
também “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem”
Entretanto, a regra geral é a responsabilidade subjetiva, isto é, a com culpa,
cuja previsão esta no caput do artigo 927 do Código Civil. A responsabilidade objetiva,
ou responsabilidade sem culpa, apenas poderá ser aplicada com expressa previsão
legal (grifamos). Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato
ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro.
Todavia, no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, na maioria das
situações, adotou a responsabilidade objetiva, haja vista que a sociedade civil, cada vez
mais reivindicante reclamava mecanismos normativos capazes de assegurar o
ressarcimento dos danos, se necessário fosse, mediante sacrifício do pressuposto da
culpa. A obrigação de indenizar sem culpa surgiu no bojo dessas idéias renovadoras
por duas razões:
1. A consideração de que certas atividades do homem criam um risco
especial para os outros homens;
2. O exercício de determinados direitos deve implicar ressarcimento dos
danos causados;
4 Gonçalves, Carlos Roberto, Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p.25.
A dificuldade de demonstração da culpa, atribuindo o encargo de prová-la à
vítima, como ocorre na responsabilidade subjetiva, foi outro motivo da adoção da teoria
objetiva, uma vez que, muitas vezes, a prova se apresenta tão dificil, que a pretensão
da vitima de ser indenizada, na prática, se torna inatingível.
Como bem salientou Silvio Rodrigues em sua obra, exigir que a vítima prove
a culpa do agente causador do dano, é a mesma coisa que deixá-la irressarcida, tal a
dificuldade de produzir essa evidência. Daí o recurso a muitos procedimentos para
atenuar o ônus probatório, até a medida extrema, representada pela adoção da teoria
do risco, ou da adoção da responsabilidade objetiva 5.
5 RODRIGUES, Silvio. Op. cit., p. 17.
2. SERVIÇOS MÉDICOS
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, desde o seu surgimento,
vem sendo cada vez mais utilizado e aplicado nas relações jurídicas, dentre elas, estão
os serviços médicos.
O serviço médico, frente a lei consumerista, é considerado prestação de
serviço, vez que figuram nesta relação o médico, como fornecedor, e o paciente, como
consumidor.
Sem dúvida, é uma atividade oferecida por um prestador de serviço,
entretanto, não se compara a demais, vez que há a participação e atuação do próprio
paciente no que tange ao sucesso ou insucesso do tratamento, ou ainda pelo caráter,
não exato da ciência médica, que se mostra limitada ao âmbito do conhecimento, ou,
pela própria peculiaridade e resposta diversa apresentada por cada organismo humano,
ainda que empregados tratamentos uniformes.
Discutiasse muito qual seria a natureza do serviço médico: se contratual ou
extracontratual; se obrigação de meio ou de resultado. Porém, após o Código de
Proteção e Defesa do Consumidor estes pontos perderam relevância. Hoje, a prestação
de serviços médicos devem ser analisados sobre dois ângulos distintos: a prestação de
serviço médico decorrente da prestação direta e pessoal do médico como profissional
liberal; e a prestação do serviço médico de forma empresarial aí incluídos hospitais,
casas de saúde, clínicas, laboratórios médicos etc.
Entretanto, o serviço médico por mais competente que seja, não tem como
assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo. Por maior que seja o
desenvolvimento da ciência médica, os serviços médicos encontram limitações.
Nesta perspectiva, o serviço médico deve, dentro de sua própria natureza,
estar em consonância com a expectativa legítima do consumidor, expectativa de
segurança que legitimamente se espera.
Verifica-se que a posição do consumidor ao procurar um serviço médico é de
total vulnerabilidade, até por que em razão de uma possivel debilidade da sua saúde o
faz procurar cuidados especiais.
Esta vulnerabilidade é ainda mais acentuada nas situações em que o médico
emprega novas técnicas, que nem sempre por ele é plenamente dominada.
Assim, não advindo o resultado esperado, quebra-se a confiança que até então existia,
acarretando, além de uma reação de revolta e desespero, uma sensação de impotência
diante do desconhecido ou das perspectivas.
Diante desta situação a hipossuficiência se faz presente, visto que não
conhecendo os passos técnicos tomados, o paciente-consumidor se vê a mercê de um
profissional inabilitado e sem qualquer condição de provar esta situação.
Visando exatamente defender o consumidor desta sensação de insegurança,
o Código de Defesa do Consumidor colocou-o numa posição mais favorável,
oferecendo meios e princípios que protegem os seus direitos diante desta situação
desconfortante.
Hoje, o que se percebe é o mercantilismo desvairado e selvagem dos
serviços médicos, onde os médicos ou as empresas de saúde visam, prioritariamente, o
lucro, adotando como consequência uma política de redução de gastos a qualquer
custo e em prejuízo do paciente-consumidor.
Neste meio tempo, o paciente fica sujeito a ser atendido por um profissional
sobrecarregado, por exemplo, um plantonista de emergência, que devido as condições
relatadas oferece um serviço de qualidade limitada, ou quando não, deixa passar
alguns detalhes importantes que poderiam contribuir na busca da solução à
problemática apresentada pelo paciente. Por certo, assim agindo, pode vir a causar
danos a este paciente, em algumas vezes, irreversíveis.
Todavia, importante destacarmos, em relação a prestação de serviço, em
especial a prestação de serviços médicos, a lição do jurista Antônio Hermen de
Vasconcellos e Benjamim6 sobre a periculosidade inerente e a periculosidade adquirida.
A periculosidade inerente ou perigosamente latente, é o intrínsico atado à
própria natureza ou qualidade da coisa, ou mesmo o modo de seu funcionamento
como, por exemplo, medicamentos contra-indicação, agrotóxicos, uma faca etc. Mesmo
que se mostrem capaz de causar acidentes, a periculosidade desses produtos ou
6 BENJAMIN, Antônio Hermen de Vasconcellos, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. Saraiva, 1991, p. 47
serviços é normal e conhecida, previsível em decorrência de sua própria natureza, não
contrariando assim a expectativa legítima do consumidor. Em contrapartida, a
periculosidade adquirida diz respeito aos serviços que tornam-se perigosos em
decorrência de um defeito, sendo que sem os mesmos não haveria perigo a saúde e a
segurança do ser humano.
Ressalta-se que na periculosidade adquirida há uma imprevisibilidade e
anormalidade como caracteristica do serviço colocado no mercado de consumo, o que
contraria a legítima expectativa do consumidor. Enquanto que na periculosidade
inerente há um previsível risco do serviço, cabendo, apenas, ao fornecedor informar ao
consumidor a respeito desse perigo ou risco inevitável, caso não cumpra com esse
dever poderá ser responsabilizado, pois configurará defeito de informação.
No caso dos serviços médicos, os danos decorrentes da periculosidade
inerente, desde que informados ao paciente, não dão ensejo ao dever de indenizar, até
porque a atividade por si só implica riscos, veja o caso dos procedimentos cirurgicos.
Entretanto, médico e hospital serão responsabilizados pelos danos ocasionados ao
pacientes, em razão dos riscos adquiridos dos serviços prestados, face os danos
ocasionados.
Antônio Hermen de Vasconcellos e Benjamin afirma que:
"Em matéria de proteção da saúde e segurança dos consumidores vige a noção geral da expectativa legítima. Isto é, a idéia de que os serviços colocados no mercado como, por exemplo, os serviços médicos, devem atender às expectativas de segurança que deles legitimamente se espera. As expectativas são legítimas quando, confrontadas com o estágio técnico e as condições econômicas da época, mostram-se plausíveis, justificadas e reais. É basicamente o desvio deste parâmetro que transforma a periculosidade inerente de um produto ou serviço em periculosidade adquirida7 ".
7 BENJAMIN, Antônio Hermen de Vasconcellos. Op. cit., p. 48.
3. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO
CONSUMIDOR
O Código do Consumidor veio para cumprir uma missão constitucional -
promover a defesa do consumidor -, conforme expressamente estabelecido no artigo 5º,
inciso XXXII da Constituição da República Federativa do Brasil.
Pela primeira vez em nossa história constitucional a defesa do consumidor foi
incluída entre os direitos e garantias individuais e os princípios da ordem econômica --
artigo 170, inciso V, da Constituição Federal --, no mesmo status dos princípios da
soberania nacional, da propriedade privada e da livre concorrência. Finalmente, no
artigo 48 do Ato das Disposições Transitórias ficou estabelecido o prazo de 120 (cento
e vinte) dias, a contar da promulgação da Constituição, para que o Congresso Nacional
elaborasse o Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Neste sentido, a Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1.990, criou o Código de
Proteção e Defesa do Consumidor, e para cumprir a sua vocação constitucional
implantou uma política nacional de consumo que tem como objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a
proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem
como a transparência e harmonia das relações de consumo (art. 4º).
O Código introduziu regras que, pela sua natureza, são de ordem pública e
de interesse social, e por isso abrangem a sociedade como um todo, vez que tem como
destino à defesa da pessoa que adquire ou utiliza produto ou serviço, consubstanciado
numa relação de consumo.
Com relação aos serviços médicos, o primeiro questionamento que se faz é
se a relação médico-paciente pode ser caracterizado como uma relação de consumo e
assim, estar sujeito à aplicação das regras contidas no Código de Proteção e Defesa do
Consumidor. Para tanto, necessário conhecer quais as definições legais para
consumidor, fornecedor e serviço, consolidado no ordenamento do Código.
A lei consumerista define como consumidor toda pessoa física ou jurídica
que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (art.2º), enquanto que,
fornecedor é definido, in verbis:
Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.
A definição apresentada, ainda que genérica busca englobar qualquer
pessoa, física ou jurídica, que possa ser capaz de exercer atividade econômica, ainda
que seja esta atípica.
Com relação a prestação de serviço, os serviços médicos podem ser
enquadrados com o disposto no artigo 3º, parágrafo 2º do CDC, onde prevê que serviço
é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista.
O médico põe à disposição da sociedade o nobre serviço da medicina e,
nessa qualidade, enquadra-se perfeitamente no dispositivo do Código de Defesa do
Consumidor, apresentando-se assim como um fornecedor de serviços.
O paciente, por seu turno, é consumidor, posto que contrata o médico para
obter desde um diagnóstico até ser tratado ou mesmo submeter-se a uma cirurgia,
adquirindo, em qualquer hipótese, o serviço posto à disposição pelo médico e, sem
dúvida, na condição de destinatário final.
Nos parece claro que o paciente, ao contratar a execução de um serviço
médico, desde uma simples consulta a um procedimento cirúrgico, será considerado um
consumidor dos serviços oferecidos por este profissional. Em contrapartida, este último,
ao oferecer seus conhecimentos de forma remunerada, seja esta direta ou indireta, a
uma variada gama de consumidores, se enquadra na definição de fornecedor contida
no Código de Defesa do Consumidor.
Por certo, existem posições contrárias, resistentes à idéia de que há
intrínseca relação de consumo na prestação de serviços médicos. São
posicionamentos, de alguns autores que, de variadas formas tentam demonstrar a
inadequada aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação médico/ paciente.
Mesmo demonstrado as inovações da lei consumerista sobre o assunto, os
autores Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza concluem que:
�a relação médico/paciente não pode ser considerada mera relação de consumo. É preciso que se faça uma reflexão de transcedental importância de que o serviço de saúde é sui generis, posto que possui uma função social ímpar, incomparável com qualquer outra. A vida e a saúde não são bens de consumo, não podendo ser comparadas a um produto qualquer. Também não podem ser vistas como serviços prestados oriundos da relação médico/paciente, até porque desta relação não são oferecidos bens de consumo’ 8.
O que se verifica é que há uma distorção de conceitos, utilizados com a
finalidade de justificar a posição adotada. O foco da questão não é a vida ou a saúde, e
sim a relação estabelecida entre as partes.
Não obstante, parece-nos claro que o paciente ao contratar um serviço
médico, seja encarado como um consumidor deste trabalho oferecido pelo profissional.
Da mesma forma, o profissional médico, ao ofertar a prestação de um serviços ao
mercado consumidor, enquadra-se claramente no conceito de fornecedor.
Seguindo este raciocínio, note-se que, quando o Código de Defesa do
Consumidor se refere ao serviço, depreende-se que trata-se de qualquer (grifamos)
atividade fornecida ou oferecida ao mercado consumidor.
Neste sentido, o serviço médico também é alcançado por outros deveres
consagrados no Código de Defesa do Consumidor, dentre eles, o dever de informar.
8Improcedência no Suposto Erro Médico, 2002, p.40-43, apud Eduardo Vasconcelos dos Santos Dantas. O exercício
da medicina e o Código de Defesa do Consumidor: Aspectos atuais do direito brasileiro e espanhol, retirado do site
http//www.consultorjuridico.com.br.
Este dever é também correlato ao direito à informação previsto entre os direitos
fundamentais da Constituição Federal.
A essência do dever de informar é proporcionar ao consumidor a verdade
sobre todo e qualquer procedimento médico, visando assim, um consentimento mais
refletido e consciente; consentimento este que pressupõe o conhecimento real e efetivo
do paciente sobre o ato a ser realizado. Não basta revelar ao paciente as informações,
é preciso que o médico assegure-se de que o mesmo compreendeu as explicações que
lhe foram dadas.
Diante disto, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 31 dispõe, in
verbis:
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar
informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa
sobre suas caracteristicas, qualidade, quantidade, composição, preço,
garantia, prazo de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os
riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Considerando-se o disposto, a lei consumerista enxerga o
consumidor/paciente como verdadeiro sujeito, e não mero objeto da atuação médica,
pois exige-se do fornecedor de serviço médico uma nova postura, fazendo com que o
consumidor conheça e compreenda os dados do seu problema de saúde para, a partir
daí, decidir em conjunto com o médico sobre o tratamento que será ou não efetivado.
Entre os elementos de validade do consentimento informado talvez a
informação seja um dos mais importantes, motivo pela qual deve ser clara, objetiva e
em linguagem compatível com a do consumidor.
Cabe frisar que o direito à informação também é considerado pela lei
consumerista um direito básico do consumidor, pois prevê no seu artigo 6º, inciso III, a
informação de forma adequada, clara e específica quanto às características e os riscos
envolvidos.
O paciente, todavia, pode até renunciar à informação, reservando-se o direito
de não ser informado de suas reais condições se esta for a sua vontade expressa
(grifamos). Entretanto, são pré-requisitos para o exercício válido desse direito: a clara
compreensão, pelo paciente, do dever médico de informar e de seu direito moral e legal
de tomar decisões sobre seu próprio tratamento; o entendimento da necessidade de
sua autorização para que os profissionais médicos possam iniciar procedimentos, salvo
iminente perigo de vida; e, finalmente, o conhecimento de que seu poder de decisão
inclui o direito de consentir ou recusar determinados tratamentos9.
A falta de informação prévia ou a informação defeituosa podem provocar
danos, que em muitos casos, são irreparáveis, o que futuramente poderá incidir em
pagamento de indenização pelo médico, haja vista sero mesmo fornecedor de serviços.
Ainda, a ausência de informação ou a informação defeituosa, por culpa do
médico, são tidas como suficientes para gerar a responsabilidade civil, vez que parte-se
do pressuposto de que o paciente, se devidamente informado (grifamos), não teria se
submetido ao tratamento, ou teria tomado as precauções devidas, e o dano não teria se
produzido.
Cumpre-se, nesse ponto, recordar que nas ações indenizatórias fundadas na
responsabilidade subjetiva, o ônus da prova da culpa é, via de regra, do paciente vez
que o mesmo está na qualidade de autor do feito. Assim, a demonstração da culpa do
profissional dá-se conjuntamente à demonstração do dano, quando se avalia a conduta
do médico, verificando se o mesmo agiu de forma prudente, diligente e com a perícia
exigível.
Essa avaliação do desempenho do profissional, se dá dentro de parâmetros
concretos, em que se analisa se o médico desprezou ou ignorou algum de seus
deveres básicos, dentre eles o previsto no artigo 46 do Código de Ética Médica, que
dispõe, in verbis:
É vedado ao médico:
Art. 46: Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o
consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo
iminente perigo de vida.
9 SOTTO, Debora, “O dever de informar do médico e o consentimento informado do paciente, Medidas preventivas à
responsabilização pela falta ou deficiência de informação” , retirado do site http// www.consultorjuridico.com.br.
Entretanto, se verossímeis as alegações do autor/paciente, ou se
demonstrada a sua hipossuficiência, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo
artigo 6º, inciso VIII, prevê ao juizo a possibilidade de inversão do ônus da prova no
caso concreto, atribuindo-o ao profissional médico. Nesse caso, caberá ao mesmo
provar a inexistência (grifamos) do inadimplemento contratual e da culpa.
Ora, como a prova do descumprimento do dever de informar é especialmente
difícil para o paciente e considerando-se que, no que pertine ao conhecimento das
enfermidades e ao domínio das técnicas de tratamento, este é efetivamente
hipossuficiente perante o médico, a inversão do ônus da prova não é apenas possível
como também extremamente provável.
4. DIREITOS DOS PACIENTES
Hoje, há um descompasso na ciência médica entre seu avanço tecnológico e
o humanismo, isto é, o respeito pela pessoa humana. Mais e mais sofrem os pacientes
dessa despersonalização, todos nós, pacientes reais e potenciais de um médico ou de
uma prestadora de serviços dessa natureza.
À medida que a Medicina se vale progressivamente de aparelhos cada vez
mais sofisticados e não da intuição do médico, a pessoa humana passa a ser objeto de
uma ciência e não mais personagem de uma arte.
Infelizmente, os problemas enfrentados são reflexos de uma medicina de
massa. Nesse contexto, não há como pretender que os médicos fiquem fora dela. Com
isso, a massa da população vê-se lançada a um sistema de prestação de serviço
médico social absolutamente ineficaz.
A discussão dos Direitos do Paciente abre uma nova área no setor de saúde.
O Código de Ética Média, em vigor desde 1.988, assegura uma série de direitos aos
pacientes, dentre eles estão o acesso ao prontuário, ficha ou registro médico, e todas
as informações que dizem respeito à saúde do paciente, inclusive numa linguagem fácil
de entender e compreender, além de receita em letra legível. Todavia, o acesso a
informações do paciente poderia ser obtido pelo Habeas Data previsto no artigo 5º,
inciso LXXII, alínea “a” da Constituição Federal do Brasil.
Cabe frisar que, a lei consumerista garante ao consumidor o acesso às
informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo
arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes (art. 43 caput).
Assim, caso lhe seja negado o direito de acesso pelo prestador de serviços, tal como o
médico ou profissional de saúde, o mesmo estará sujeito as penas de detenção de 6
(seis) meses a 1 (um) ano ou multa, prevista no artigo 72 do Código de Defesa do
Consumidor.
Além dos deveres de cuidado e sigilo, deve ainda o médico prestar ao
paciente todas as informações necessárias sobre a terapêutica ou cirurgia indicada
para o caso, seus riscos e possíveis resultados, dele obtendo o indispensável
consentimento (ou do responsável). Referido procedimento é de extrema relevância,
haja vista ser a informação um direito básico do consumidor, para que entre as partes
haja harmonia e transparência na relação de consumo estabelecida.
��da vez que houver algum risco a correr, é preciso contar com o
consentimento esclarecido do paciente, só dispensável em situação emergencial que
não possa ser superada, ou de atuação compulsória. Cabe unicamente ao paciente
decidir sobre a sua saúde, avaliar o risco a que estará submetido com o tratamento ou
a cirurgia, e aceitar ou não a solução preconizada pelo médico10.
10 Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr., RT 718/36.
5. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO NO CÓDIGO DE
PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR
A Responsabilidade Civil dos Profissionais liberais, reguladas pelo Código de
Proteção e Defesa do Consumidor, encontra-se regida por todas as regulamentações
referentes à reparação do dano, uma vez que o profissional liberal é considerado um
prestador de serviço, e, portanto, um fornecedor. Contudo, o legislador abriu uma
exceção acerca de sua responsabilidade, exceção essa que se encontra disposta no
artigo 14, parágrafo 4°, in verbis:
Art. 14 (...)
§4º A responsabilidade pessoal do profissionais liberais será apurada
mediante a verificação de culpa.
A responsabilidade do médico se enquadra na responsabilidade do
profissional liberal, estando disposta na Seção II do Código, que trata da
“Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço”.
Mas, a regra geral dispõe que, o fornecedor estará obrigado a reparar os
danos advindos da sua prestação de serviço, independente da existência de culpa,
quando este apresentar-se defeituoso ou não oferecer a segurança a qual o
consumidor espera, ou ainda quando o fornecedor prestar informações insuficientes ou
inadequadas sobre a fruição e riscos do serviço.
Neste sentido, numa relação consumerista, verificamos verdadeiras injustiças
serem praticadas, acarretando inúmeros prejuízos à parte vulnerável da relação de
consumo.
Os julgados refletem o baixo índice de ressarcimento, principalmente pelos
serviços prestados pelos profissionais da área médica, em que o consumidor depara-se
com a necessidade de constituir provas a fim de ser ressarcido.
Segundo o Código, em razão dos bens jurídicos envolvidos, todo o
consumidor, independentemente de quem esteja prestando o serviço, possui direito à
proteção à vida, saúde e segurança. A intenção dessa disposição é proteger o
consumidor contra práticas de fornecimento de serviços que, por serem perigosos,
coloquem-no em situação de risco. Quando, por exemplo, o médico atende um
paciente, é a vida e a saúde deste que está em jogo, é um serviço de risco, que pode
vir a prejudicar o ser humano de uma forma irretratável, daí a importância da aplicação
desse direito a que faz menção o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em seu
artigo 6º, inciso I, in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I- a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por
práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou
nocivos;
No entanto, esse entendimento não é unânime. Uma parte da doutrina vem
posicionando-se em sentido contrário, aplicando este princípio apenas a
responsabilidade objetiva, prevista no caput do artigo 14 do Códigodo Consumidor.
O fundamento utilizado é o de que, caso o princípio fosse também aplicado à
responsabilidade subjetiva, se estaria abolindo a caracteristica mais marcante desse
tipo de responsabilidade; a prévia demonstração da culpa, que, com a inversão do ônus
da prova, seria desnecessária.
Todavia, devemos ter em vista que o princípio abrigado pelo inciso VIII do
artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor tem como propósito maior à facilitação
da defesa dos direitos do consumidor (grifamos). De sorte que, de um modo geral, o juiz
deve se empenhar para que não permaneça a proteção do interesse do consumidor
apenas na letra da lei.
Como consequência lógica deste entendimento, devemos, também,
considerar o disposto no artigo 4º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, que
visa o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, a
partir do preceito constitucional que impõe a observação, na ordem econômica, do
princípio de defesa do consumidor (artigo 170, inciso V, da Constituição Federal do
Brasil), caso contrário, a sua não aplicação estaria ferindo todos os preceitos básicos
presentes na lei.
Ocorre que a não aplicação da responsabilidade objetiva vem causando
alguns transtornos às vítimas e protegendo, indiretamente, certos profissionais, como,
por exemplo, o médico. Isso porque, com a teoria subjetiva, a vítima fica com o encargo
de provar antecipadamente a culpa do profissional que lhe causou o dano, o que não é
nada fácil.
Devido às dificuldades geradas pela teoria subjetivas com a antecipação da
produção de provas, vem sendo aplicada, para maior facilitação da defesa do
consumidor, a teoria do resultado. Assim, a obrigação assumida pelo médico seria
classificada em obrigação de meio e obrigação de resultado, mantendo a teoria
subjetiva na primeira e aplicando a teoria objetiva na segunda. Com isso, a
responsabilidade do profissional ficou a mercê da obrigação assumida, podendo fugir à
regra imposta pelo parágrafo 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.
A distinção entre esses dois tipos de obrigações assumidas é atribuída à
doutrina de Demongue, que a formulou na busca de repartir o ônus da prova em
matéria de obrigações contratuais e delituais. Assim, aplicar-se-á a responsabilidade
subjetiva, constante no parágrafo 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor,
quando o consumidor se vir diante de uma obrigação de meio, não sendo possível
exigir do médico contratado o resultado por si desejado. Nesse caso, haverá de provar
a culpa do mesmo para que seja ressarcido. Contrariamente, quando estiver diante de
uma obrigação de resultado, será aplicada a responsabilidade objetiva, sem a
necessidade de a vítima provar a culpa do profissional, mesma fórmula utilizada com os
demais fornecedores regidos pelo Código.
A doutrina vem aplicando a teoria do resultado aos casos de
responsabilidade dos profissionais liberais, dentre eles os médicos, talvez como forma
de tentar amenizar a imposição do legislador da teoria subjetiva, posto que já se
constatou não ter sido essa a solução para as vítimas.
Interessante é que, quase todos os julgados que utilizam o critério de
classificação das obrigações como de meio ou de resultado, ventilam questões surgidas
nas prestações de serviços na área médica, destacando-se a àrea das cirurgias
plásticas.
Mas, inumeras críticas são feitas à utilização da distinção – obrigação de
meios e de resultado --, chegando-se a conclusão de que, no lugar de resolver a
questão do dano, torna-a, ainda, mais complicada, haja vista que, a reparação
absolutamente devida continua sendo inviabilizada pela dificuldade das vítimas em
produzir provas do dano sofrido.
Ante esta insatisfação, uma parcela considerável de lítigios siquer é levada
aos tribunais face as dificuldade de obter a reparação.
Assim, parte da doutrina sustenta a aplicação do princípio da inversão do ônus da prova
em qualquer caso, e outra parte prefere aplicá-lo somente aos casos de
responsabilidade objetiva.
Essa proposta, a princípio, poderia parecer um tanto quanto injusta aos prestadores de
serviços médicos, pois não podemos deixar de reconhecer que o serviço por eles
prestados, muitas vezes, foge ao seu controle. Contudo, esse carater de injustiça é
afastada se levarmos em consideração que a responsabilidade objetiva, disposta no
Código, é uma responsabilidade especial, por admitir prova em contrário, com aplicação
do princípio da inversão do ônus da prova.
Assim, na realidade, a responsabilidade delineada no Código de Defesa do
Consumidor, e imposta ao profissional liberal, é a responsabilidade com presunção juris
tantum, admitindo assim prova em contrário. Portanto, nada justifica o privilégio da
responsabilidade subjetiva nesta lei.
A inversão do ônus da prova é um princípio geral do Código de Defesa do
Consumidor, e como tal deve ser aplicado a todos os casos de ressarcimento de danos,
inclusive onde impera a teoria subjetiva. As regras insertas nesta lei são de ordem
pública e interesse social, não devendo ser modificadas de acordo com o interesse de
cada um. São, portanto, normas indisponiveis, cujo intuito é de igualar materialmente as
partes.
Por se tratar de uma norma cogente, o juiz deve aplicá-la sempre que
preenchidos os pressupostos da verossimilhança das alegações e da hipossuficiencia
do consumidor. Portanto, seja na responsabilidade subjetiva ou na objetiva, haverá
sempre a possibilidade da inversão do ônus da prova em favor do consumidor, cabendo
somente a este provar a existência de um fato, um dano e seu nexo causal.
Analisando os termos empregados pelo artigo 14, parágrafo 4º, do Código de
Defesa do Consumidor chega-se a conclusão que, quanto à disposição “será apurada
mediante a verificação de culpa”, não diz se em nemhum momento que quem deverá
prová-la é quem alega o defeito do serviço; apenas dispõe que, não poderá ser
responsabilizado se a culpa não for verificada em juízo, (grifamos) porque o profissional
conseguiu contraprová-la. Repita-se: é inquestionável a compatibilidade desse preceito
com o art. 6º, VIII da lei consumerista, que impõe como direito básico do consumidor a
inversão do ônus da prova11.
Portanto, nada mais justo o médico provar que não agiu com culpa, em face
da hipossuficiência do consumidor em provar houve domínio técnico da arte médica
durante o procedimento clínico.
11Revista de Direito do Consumidor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor:Revista dos Tribunais n.º 26, p.165.
5.1. TIPOS DE DANOS
A Constituição Federal do Brasil, assegura em seu artigo 5º, inciso X, o
direito a indenização pelo dano material ou moral sofrido decorrente de violação. Neste
mesmo sentido bem se percebe que devidamente albergada na legislação inferior, é
também amparado referidos direitos. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
em seu artigo 6º relaciona os direitos básicos do consumidor, e dentre eles há, no inciso
VI, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais.
O consumidor, uma vez lesado devido a um defeito na prestação serviço
médico, sofre com um dano pessoal, que aponta para duas categorias jurídicas: o dano
patrimonial ou econômico e o dano extrapatrimonial ou não econômico.
O primeiro, também denominado dano material, envolve uma projeção direta
e imediata nos interesses econômicos, materiais, da vítima de dano, e por isso
facilmente referenciáveis em termos pecuniários. Dentre os exemplos, encontram-se as
despesas médico-hospitalares, a impossibilidade temporária de trabalhar, as seqüelas
resultando da incapacidade permanente para o trabalho (dano laboral). Todas essas
hipóteses são suscetíveis de estimativa pecuniária.
O segundo, denominado dano moral indica aquelas hipóteses que jogam
com prejuízos vividos, sentidos, pelo consumidor, mas que não implicam em uma perda
econômico-pecuniária. É o caso das injúrias que ofendem a dignidade e a honra das
pessoas, a sua reputação; é o sofrimento físico experimentado por causa de ferimentos
e seqüêlas ocasionados em razão de tratamentos a dor física.
Vale dizer que o fato danoso, causador de prejuízos extrapatrimoniais, quais
sejam, aqueles que extrapolam a esfera facilmente quantificável dos danos materiais,
com conseqüências sobre a moral, a auto-estima do ofendido, deve ser aferido e, na
medida do possível, reparado, através de uma condenação pecuniária.
Ao se cuidar de dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se
deslocado para a convergência de duas forças: “caráter punitivo“ para que o causador
do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o
“caráter compensatório” para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione
prazeres como contrapartida do mal sofrido.
Contudo, há entendimento que, apenas caberá reparação moral quando
houver um dano material. Porém, quem sustenta que o dano moral é indenizável
somente quando e na medida em que atinge o patrimônio, está, em verdade, recusando
a indenização do dano moral.
O consumidor, vítima de um defeito na prestação de serviço médico, tem o
direito, inclusive amparado pelo Código de ser ressarcido por todos os prejuízos
sofridos, seja ele material e ou moral. Se o prestador de serviço, seja o médico
profissional liberal, ou o hospital ou clínica, procederem em termos contrários ao direito
do consumidor, desferem o primeiro impulso no rumo do estabelecimento do dever de
reparar, que poderá ser excepcionalmente ilidido, mas que, em princípio, constitui o
primeiro momento da satisfação de perdas e interesses.
Além do dano material e moral, o consumidor está também exposto ao dano
estético, tão crescente em razão das inúmeras cirurgias plásticas realizadas.
Hoje, o que se percebe é o mercado das cirurgias, cujo referido
procedimento, devido à má prestação de serviço médico, ocasiona prejuízos
incálculáveis ao consumidor.
O consumidor busca na cirurgia plástica melhorar a aparência, corrigir
alguma imperfeição física, ficar mais jovem, mais bonito ou, pelo menos, menos feio. O
médico, por sua vez compromete-se a proporcionar ao consumidor o resultado
pretendido, porém nem sempre isso ocorre.
Em muitos casos, o procedimento cirurgico além de não ser satisfatório, piora
aquilo que o prestador de serviço se comprometeu em melhorar, restando-lhe apenas
provar que o insucesso - total ou parcial da cirurgia - deveu-se a fatores imponderáveis,
caso contrário ficará obrigado a indenizar o consumidor pelo dano sofrido.
Não se pode negar que ninguém se submete aos riscos de uma cirurgia,
nem se dispõe a fazer elevados gastos, para ficar mais feio do que já era, ou com a
mesma aparência. O resultado que se quer é claro e preciso, de sorte que, se não for
possível alcançá-lo deverá o prestador de serviço, desde logo, alertar ao consumidor e
se negar a realizar a cirurgia.
Segundo Miguel Kfouri Neto12 em matéria de prejuízo estético, como prejuízo
moral, não se pode falar em reparação natural, nem em indenização propriamente dita,
visto que, nesses casos, não há ressarcimento e sim compensação ou beneficio de
ordem material, que permite ao lesado obter confrontos e distrações que, de algum
modo, atenuam a dor.
O que se tem verificado, com o dano estético, é a lesão à beleza física, a
harmonia das formas externas do consumidor, representando, como o dano moral, uma
ofensa a um direito da personalidade.
12 NETO, Miguel Kfouri:Responsabilidade Civil do Médico. rev. atual. e amp:Revista dos Tribunais,1998, p.93.
6. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL
A Responsabilidade Médica não é atribuída apenas por fato próprio, mas
também por fato de terceiro. Os médicos agem como empregados ou preposto de
hospitais, clinícas, casas de saúde e associações ou nos chamados convênios. Essas
entidades, prestadoras de serviços, se qualificam como fornecedores, na dicção do
artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor. No âmbito do Código Civil, em seu
artigo 932, inciso III, essas pessoas, ainda que com personificação incompleta, são
também responsáveis por ato de seus prepostos.
A lei de consumo torna, no entanto, mais nitida e cristalina essa
responsabilização, vez que, em relação ao paciente, todos os membros da equipe
médica são igualmente responsáveis pela má prestação de serviço, bem como pelo
dano ocasionado.
Há, todavia, situações específicas que na prática podem dificultar a
pretensão indenizatória. Ocorre com frequência que médicos utilizam de nosocômio
sem manter vínculo com o mesmo. A situação é de preposição, mas que não afasta a
responsabilidade do hospital, salvo se formalizado contrato nesse sentido com o
paciente, com ressalva expressa.
Quando o paciente é atendido por um convênio ou entidade de assistência
médica, estes respondem objetivamente pelos danos ocasionados ao lesado, no caso
ao consumidor, sendo, portanto, dispensada a prova da culpa do fornecedor, nos
termos da lei protetiva do consumidor.
Desse modo, ao consumidor será conveniente acionar as pessoas jurídicas
responsáveis pela contratação e serviço prestado pelo médico, haja vista ser objetiva a
responsabilidade destas entidades. Todavia, por absorver a atividade do médico, e este
vier a causar um dano ao paciente, terá a instituição direito de ingressar com ação
regressiva contra o profissional, de acordo com o artigo 934 do Código Civil.
A responsabilidade hospitalar tem por fundamento ou fato gerador, o
concurso de três fatores: defeito do serviço, evento danoso e relação de causalidade
entre o defeito do serviço e o dano.
Verifica-se que o serviço será fornecido ao consumidor sem defeito, de sorte
que, ocorrido o dano, não será discutida a culpa; o hospital irá responder objetivamente
pelos danos pois, simplesmente lançou no mercado de consumo, um serviço com
defeito. Sendo, portanto, irrelevante saber se o hospital tinha ou não conhecimento do
defeito, bem como se esse defeito era previsível ou evitável.
Colocando-se no mercado de consumo um serviço defeituoso, o hospital
provoca uma desconformidade com a expectativa legítima do consumidor, em relação
ao serviço médico por ele oferecido, podendo ocasionar um possível acidente de
consumo.
Dentro dessa linha, o parágrafo 1º do artigo 14 do Código de Defesa do
Consumidor pauta, também, critérios para aferição do vício de qualidade do serviço
prestado, sendo que o ítem mais importante, neste particular, é a segurança do
consumidor, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o
modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam
e a época em que foi fornecido.
Por sua vez, hospital poderá excluir a sua responsabilidade se provar – ônus
seu – que o defeito inexiste, vale dizer que o acidente não teve por causa um defeito do
serviço, ou o ocorrido se deu em razão de culpa exclusiva do consumidor ou de
terceiro, isto porque o próprio Código trabalha com a presunção de defeito, portanto,
cabe ao fornecedor de serviço médico provar o contrário.
Apesar de não se poder exigir total segurança no serviço hospitalar
oferecido, o jurista Hermen Benjamin dispõe, em verbis:
“O Código não determinou um sistema de segurança absoluta para serviços. O que se quer é uma segurança dos padrões da expectativa legítima dos consumidores. E esta não é aquela do consumidor-vítima, até porque o padrão não é estabelecido tendo por base a concepção individual do consumidor, mas, muito do contrário, a concepção coletiva da sociedade de consumo.” 13
13 Ob. Cit., p.60.
O hospital, como fornecedor de serviços ao prestá-los aos pacientes ali
atendidos, na qualidade de destinatários finais, portanto, consumidores, sem nenhuma
dúvida pratica relação jurídica de natureza consumerista. Nestas condições é
indiscutível a incidência das regras e princípios insertos no seu Código de regência,
dentre eles, os aqui aplicáveis: concernentes a responsabilidade de repara danos
causados aos consumidores, independentemente de culpa, devido a defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre
sua fruição e riscos.
Como é cediço, o Código de Defesa do Consumidor adotou o Princípio da
Responsabilidade Civil Objetiva, calcada na teoria do risco da atividade. Basta ser
fornecedor e ter inserido no Mercado de consumo um serviço que tenha causado
danos, para ser responsabilizado pelos mesmos.
Desta forma, havendo dano causado ao consumidor, não há verificação da
conduta do fornecedor, isto é, não se perquire se o hospital agiu com dolo ou culpa.
Não há que se falar em conduta como elemento discriminador do dever de indenizar,
vez que é absolutamente irrelevante para a configuração da responsabilidade hospitalar
pelos danos causados ao consumidor.
Conclui-se que, todos os fornecedores de serviços médicos, devem
assegurar ao consumidor serviços adequados, eficientes e que não ofereçam qualquer
risco a saúde e a segurança, sob pena de ser responsabilizado, independentemente de
culpa, pelo simples fato de ter colocado no mercado de consumo serviço que ameace
ou lese efetivamente um direito do consumidor.
7. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE MÉDICA
Muitos doutrinadores recusam a idéia de aplicação do Código de Proteção e
Defesa do Consumidor sobre os serviços médicos, por entender não ser possível
responsabilizá-los, vez que é inerente à atividade os riscos que representam. Porém,
não há como negar a aplicação de uma lei cujas normas são de ordem pública e
interesse social, vale dizer, de aplicação necessária, como dispõe o próprio artigo 1º do
Código de Defesa do Consumidor.
Diante disto, não há como deixar de enquadrar os serviços médicos como
fornecedores de serviços.
Apesar dos riscos a que estão submetidos, os médicos e os
estabelecimentos hospitalares, apesar da responsabilidade objetiva destes e subjetivas
daqueles, apenas serão responsabilizados quando ocorrer um evento, cujo dano seja
decorrente de defeito do serviço.
Entretanto, no caso de fornecedor de serviço (hospitais, convênios, clínicas),
cuja responsabilidade é objetiva, indispensável se faz o nexo de causalidade entre a
conduta e o resultado do dano. Destarte, ainda que tenha havido insucesso na cirurgia
ou em outro procedimento clínico, e não foi resultado de defeito no serviço prestado,
não haverá que se falar em responsabilidade do fornecedor.
Muito embora tenha acolhido os postulados da responsabilidade objetiva,
que desconsideram os aspectos subjetivos da conduta do fornecedor, o Código de
Defesa do Consumidor não deixou de estabelecer um elenco de hipóteses que mitigam
aquela responsabilidade, denominadas “causas excludentes”. No seu artigo 14,
parágrafo 3º, incisos I e II, são elencadas as causas que excluem a responsabilidade do
fornecedor, in verbis:
Art. 14. (…)
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro;
A existência de defeito na prestação de serviço, é o pressuposto para a
responsabilização do fornecedor pelos danos ocasionados ao consumidor. Todavia, a
inexistência de defeito rompe com a relação causal que determina o dano, ficando
afastada a responsabilidade do fornecedor.
Como milita em prol do consumidor a presunção de defeito do serviço,
incumbe ao fornecedor produzir inequívoca prova liberatória de que não há qualquer
defeito na prestação de serviço.
Assim, nos serviços médicos prestados, para afastar a responsabilidade,
bastará que o fornecedor prove que o evento não decorreu de defeito do serviço, mas
sim das condições próprias do paciente ou de outros fatores imponderáveis, como, por
exemplo, cirurgia efetuada com todos os cuidados em paciente idoso e de péssimas
condições gerais de saúde.
Assim, se o serviço não é defeituoso, e o ônus dessa prova é do fonecedor,
não haverá também relação de causalidade entre o dano e a atividade do fornecedor. O
dano terá decorrido de outra causa não imputável ao prestador de serviço.
O Código de Defesa do Consumidor também coloca como excludente de
responsabilidade a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, onde segundo o
Desembargador Sérgio Carvalieri Filho14 “é uma injustificável erronia terminologia falar
em culpa, onde na responsabilidade objetiva tudo é resolvido no plano do nexo de
causalidade, não se chegando a cuidar da culpa.”
Entretanto, a investigação da conduta culposa do consumidor ou de terceiro
somente é admissível para demonstrar a sua exclusiva culpa. Em decorrência do
princípio da inversão do ônus da prova, previsto no artigo 6º, inciso VIII do Código de
Defesa do Consumidor, cabe ao fornecedor demonstrá-la.
Fala-se em culpa exclusiva da vítima quando a sua conduta se constitui em
causa direta e determinante do evento, de modo a não ser possível apontar qualquer
defeito no serviço como fato ensejador da sua ocorrência. Se o comportamento do
14 ”A Responsabilidade Médico-Hospitalar à luz do Código do Consumidor”, retirado do site http// www.forense.com.br.
consumidor é a única causa do dano, não há como responsabilizar o prestador de
serviço por ausência de nexo de causalidade entre a sua atividade e o dano.
Ressalta-se que, a culpa exclusiva é inconfundível com a culpa concorrente,
vez que no primeiro caso desaparece a relação de causalidade entre defeito do serviço
e o evento danoso, dissolvendo-se a própria relação de responsabilidade, enquanto que
no segundo caso, a responsabilidade se atenua em razão da concorrência de culpa e
os aplicadores da norma costumam condenar o agente causador do dano a reparar
pela metade o prejuízo, cabendo à vítima arcar com a outra metade.
Mas, a doutrina, sem vozes discordantes, tem sustentado o entendimento de
que a lei pode eleger a culpa exclusiva como única excludente de responsabilidade,
como fez o próprio diploma legal. Caracterizada, portanto, a concorrência de culpa,
subsiste a responsabilidade integral do fornecedor de serviço, pela reparação dos
danos.
Com relação ao terceiro, cuja culpa exclusiva também é atribuída, é
considerado como qualquer pessoa que não se identifique com os partícipes da relação
de consumo estabelecida no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Assim,
será preciso que o fornecedor prove que o dano não decorreu de nenhum defeito do
serviço e sim de conduta exclusiva sua. Neste caso faz desaparecer a relação de
causalidade entre o defeito do serviço e o evento danoso, erigindo-se em causa
superveniente que por si só produz o resultado.
Concluí-se que, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, como causa
de exclusão da responsabilidade do fornecedor, a rigor nos remete a inexistência de
defeito do serviço, como argutamente observa Arruda Alvim (1998) havendo culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiro, por óbvio, não há defeito no produto.
Cabe frisar que, tais causas não são excludentes da responsabilidade, mas,
sim, excludentes do nexo de causalidade entre o fato e o dano, daí não ensejar o dever
do fornecedor de indenizar o consumidor. Havendo a inexistência de relação de causa
e efeito, ocorre a exoneração da responsabilidade do prestador de serviço médico.
Com relação ao médico, que exerce a prestação de serviço como profissional
liberal, a exclusão da sua responsabilidade, em regra, ocorre quando o consumidor não
consegue provar que houve defeito na prestação de serviço.
Mas, apesar do disposito do Código atribuir ao profissional liberal a
responsabilidade subjetiva, não aboliu a aplicação do princípio da inversão do ônus da
prova, princípio este basilar do Código de Defesa do Consumidor. Neste diapasão,
incumbe ao profissional provar, em juízo, que não laborou em equívoco, nem agiu com
imprudência ou negligência no desempenhou de suas atividades, para poder assim
excluir a sua responsabilidade de eventual dano ocasionado ao consumidor, porém por
fatores alheios a prestação de serviço.
8. CARACTERÍSTICA DO PROCESSO
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, é uma lei multidisciplinar
que abrange diversos aspectos no contexto geral das chamadas relações de consumo.
Neste contexto, o Código se adequou à realidade social e apresenta um novo perfil do
processo civil.
O ilustre professor Luiz Antônio Rizzatto Nunes15 pontifica que a Lei n. 8.078
“é uma norma de ordem pública e de interesse social, geral e principiológica, o que
significa dizer que é prevalente sobre todas as demais normas específicas anteriores
que com ela colidirem”.
Todavia, o Código de Defesa do Consumidor determina em seu artigo 90 a
aplicação subsidiaria do Código de Processo Civil e da Lei da Ação Civil Pública naquilo
que não contrariar as suas disposições. Mas, é interessante salientar que, o Código do
Consumidor e o Código de Processo Civil interagem e se complementam mutuamente,
visto que o sistema legal estabelece interligação entre as leis que protegem os
interesses metaindividuais.
A produção das provas em casos que envolvam as relações de consumo,
além de aplicar as regras pertinentes do Código de Processo Civil, pressupõem a
observância de todos os princípios e normas que norteiam o estatuto legal do
consumidor, entre eles os princípios da vulnerabilidade do consumidor, sua
hipossuficiência, como também as regras de responsabilização do fornecedor.
Segundo Rizzatto a produção da prova necessária se fará pelas regras do
Código de Processo Civil, a partir dos princípios e regras do Código do Consumidor, e
que toda e qualquer prova que tiver de ser produzida deverá guiar-se pelo que está
estabelecido no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Contudo, o procedimento propriamente dito, deve ter sua aplicação através
da razoabilidade e sensibilidade jurídica que guiará o interprete no trabalho de interação
15 NUNES, Antônio Rizzato.Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo:Saraiva, 2000, p.72.
entre o de Defesa do Consumidor e o Código de Processo Civil, face as limitações na
parte processual da legislação consumerista.
8.1. INVERSÃO E ÔNUS DA PROVA
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, introduzido no sistema
legislativo brasileiro pela Lei 8.078, de 11.09.1990, trouxe algumas disposições de
ordem processual, mormente (grifamos) no que diz respeito à prova.
Assim, acompanhado do princípio constitucional da inafastabilidade do
controle jurisdicional, isto é, da garantia ao acesso da justiça, previsto no artigo 5º,
inciso XXXV, da Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor trouxe
dispositivos processuais para a tutela dos interesses e direitos individuais dos
consumidores, como também, os difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Consignou-se, expressamente, a possibilidades de o juiz inverter o ônus da
prova a favor do consumidor, quando ocorrer a verossimilhança das alegações ou a
hipossuficiência, conforme disposição expressa do artigo 6º, inciso VIII da Lei
Consumerista.
A inversão do ônus da prova se faz presente pois, o texto constitucional, no
caput do artigo 5º, bem como no inciso I preceituam o princípio da isonomia – ou da
igualdade – o qual estabelece que todos são iguais perante a lei. Entretanto, a
efetivação de tal princípio, somente é possivel conferindo-se tratamento desigual aos
manifestamente desiguais, na exata medida de suas desigualdades. Na tentativa de
atender o princípio da isonomia o Código do Consumidor adotou mecanismos
destinados a colocar o consumidor em posição de igualdade com o fornecedor, uma
igualdade real e não só formal.
Nesta perspectiva, o Código estatuiu, como um dos direitos básicos do
consumidor, o direito à facilitação da defesa, sendo assim, possibilitou a inversão do
ônus da prova como forma mais viável de atingir essa facilitação.
Como o consumidor precisava de um tratamento desigual ante o fornecedor,
adotou-se, como regra, a vulnerabilidade daquele, até porque, quem detém os meios e
técnicas de produção, tendo, conseqüentemente, acesso aos elementos de provas
relativas à demanda é o fornecedor, tendo, inclusive, as melhores condições de realizar
a prova de fato ligada diretamente à sua atividade.
É interessante comentar as diferenças dos institutos da inversão do ônus da
prova: ope judicis e ope legis16. A inversão opes judicis dá-se por critério do juiz,
utilizando-se das regras comuns de experiência, este verificará os requisitos exigidos
em lei, verossimilhança das alegações do consumidor ou a hipossuficiência e, só em
seguida poderá decretar a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, e ainda
assim só se persistir dúvidas em seu convencimento.
Todavia, o ope legis está legalmente prevista e independe de qualquer
atividade jurisdicional. Neste caso, o ato de inverter o ônus da prova é totalmente
vinculado, pois não é dado ao juiz perquirir conceitos jurídicos não determinados, deve
aplicar o que a lei dispõem, conforme o previsto no artigo 38 do Código de Defesa do
Consumidor.
Já, a regra do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor
mitiga a regra processual, pois ela poderá ou não ser aplicada, por isso é opes judicis.
Portanto, a não aplicação do instituto da inversão, se deve ao fato de não estar
presente um de seus requisitos legais, assim, deverá ser observada a regra de
distribuição do ônus da prova, constante do artigo 333 do Código de Processo Civil.
A jurisprudência apóia a posição da doutrina a qual atribui ao juiz o poder de
inverter ou não o ônus da prova, e inclusive, ressalta que a parte não precisa requerê-
la, pois será determinada ex officio. Mas para que isso ocorra é necessário a presença
de uma das situações, verossimilhança ou hipossuficiência.
Contudo, a doutrina e a jurisprudência não chegaram a um consenso no que
tange ao conceito de hipossuficiência do consumidor. Muitos defendem a tese de que
se trata de hipossuficiência econômica e, outros, que se trata de hipossuficiência
técnica. Porém, a lei consumerista não menciona ou mesmo faz qualquer referência,
sobre o aspecto econômico do consumidor como fator indispensável para a sua
caracterização.
O Código de Defesa do Consumidor visa justamente estabelecer um
equilíbrio contratual e não econômico entre as partes, até por que o consumidor não
tem, na maioria dos casos, condições de produzir provas que comprovem o seu direito.
16 Revista de Direito do Consumidor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor:Revista dos Tribunais,
Conclui-se, portanto, que a hipossuficiência muito tem a ver com a
impossibilidade de o consumidor provar algo a seu favor; ou por não dispor do
conhecimento técnico necessário para a produção de tal prova, ou por não encontrar e
deter os meios para melhor demonstrá-la.
No entanto, a inversão, não configura ônus excessivo ao fornecedor,
justamente porque, se ela for decretada, significa ser o consumidor hipossuficiente e,
por outro lado, ser o fornecedor capaz de produzir as provas, se elas existirem,
beneficiando-se do seu próprio conhecimento técnico e utilizando os meios que usa na
sua atividade profissional.
Outro ponto polêmico, cuja jurisprudência e a doutrina não são pacificas, é
com relação ao momento em que deve ser realizada a inversão do ônus da prova.
Doutrinadores, como Kazuo Watanabe e Nelson Nery Junior, entendem que a inversão
do ônus da prova deve ocorrer no julgamento da causa. Já o insigne Antonio Rizzatto
Nunes, entende que o momento adequado é o do recebimento da inicial até o despacho
saneador17.
Entretanto, em se tratando de serviços médicos, o fornecedor terá como
única forma de defesa alegar e provar uma das excludentes do nexo de causalidade,
previstas no artigo 14, parágrafo 3º, incisos I e II Código de Defesa do Consumidor.
Assim, é possivel a manifestação do juiz acerca da aplicação ou não do disposto no
artigo 6º, inciso VIII da do diploma Consumerista, no momento da sentença.
A Lei Consumerista possibilitou, no campo processual, a facilitação da
defesa dos direitos dos consumidores, ao proporcionar no caso de verossimilhança ou
hipossuficiência, a isenção do consumidor em comprovar o nexo de causalidade entre o
fato danoso e o dano, bastanto, tão somente, comprovar o dano.
Com relação à verossimilhança, o termo gera uma conotação imprecisa, vez
que acaba sendo uma análise subjetiva do magistrado. Trata-se na verdade de um
juízo de presunção, calcado nas experiências do juiz e com base na observação do que
habitualmente ocorre.
n.º 40, p.131-140. 17 Revista de Direito do Consumidor do Instituto Brasileiro de Proteção do Consumidor: Revista dos Tribunais, n.º 47, p.276-279.
A verossimilhança, não se trata de uma demonstração probatória, mas sim
uma forma de indagação se aquele fato alegado pelo consumidor tem alguma
probabilidade de ter ocorrido, se aquilo é crível ou aceitável em face de uma realidade
fática.
O que se tem visto com relação aos serviços médicos, é uma tímida
mudança quanto à aplicação da inversão do ônus da prova. São poucos os magistrados
que aplicam os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, em mesmo havendo
relação de consumo e a caracterização da verossimilhança das alegações do paciente-
consumidor, ou mesmo a demonstração da sua hipossuficiência técnica, que em muitas
situações ficam ainda mais evidentes.
O consumidor muitas vezes, perde-se diante dos termos técnicos utilizados
pelos médicos, deixando de compreender o significado exato de muitos procedimentos.
Isso, sem dúvida, gera a dificuldades para obter e organizar o material probatório num
possível processo judicial.
A inversão do ônus probatório, indiretamente, deixa ao encargo do
profissional a inclusão de muitos documentos que serão juntados aos autos, haja vista
que ele próprio (no caso de se aplicar a inversão) terá que comprovar a ausência de
negligência, imprudência ou imperícia, ou uma das situações de excludentes de nexo
de causalidade.
9. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
Nas últimas décadas do século XX, foi sendo lapidado o entendimento de
que, a atividade médica pode ser considerada uma relação de consumo, e como tal,
adstrita aos preceitos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Neste sentido, coube aos tribunais brasileiros dar contornos práticos as
discussões doutrinárias então existentes, estabelecendo, através de seus julgados,
parâmetros e paradigma construídos de acordo com os casos concretos que lhes eram
apresentados.
Entretanto, pelo número de acidentes de consumo envolvendo a prestação
de serviço médico, ainda é tímida esta mudança do conceito de responsabilidade
médica, que até então, é também, disciplinada pelas regras do Código Civil em seus
artigos 186 e 927.
Dentre os casos julgados com base no Código de Proteção e Defesa do
Consumidor, significativo é o julgado da 43ª Vara Cível18 do Rio de Janeiro, onde o
médico foi condenado a indenizar por danos morais e materiais um paciente, pois não
lhe foi dado informação. A paciente era possuidora de glaucoma congênito, o que lhe
ocasionava uma deficiência visual, e, por conta disso buscava tratamento oftalmológico.
Após realização do primeiro exame, constatou-se que seria mais indicado a
retirada do referido órgão, com o que não concordou a paciente. Procedido um exame
mais minucioso, foi revelada a existência de capacidade visual. Diante de tal quadro, já
em nova consulta, foi a paciente informada de que seria possível realizar uma cirurgia
visando, em outro momento, a reaquisição de capacidade visual. Tratava-se de cirurgia
fistulizante, como forma de reduzir a pressão, e, em segundo momento, tentar um
transplante de córnea.
Contudo, a paciente teve nova crise, fazendo com que procurasse seu
médico. Neste momento foi indicada a cirurgia, que pensava a paciente ser a
fistualizante, quando, em realidade, era a de retirar do órgão visual. Procedida a
intervenção, conhecida como enucleação, muito embora bem sucedida, motivou
18 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico, rev. atual.e ampl.: Revista dos Tribunais, 1998, p. 363.
ingresso da paciente a justiça. A ação foi julgada procedente, vez que o médico
descumpriu dever inerente à sua profissão, de bem informar e obter o consentimento do
paciente, segundo disposição expressa do artigo 6º, inciso III e artigo 31, ambos do
Código de Defesa do Consumidor.
Outra decisão que envolve ponto polêmico, a inversão do ônus da prova na
responsabilidade pessoal do médico, prevista no artigo 14, parágrafo 4º, do Código de
Defesa do Consumidor, é o julgado, in verbis
“CIRURGIA ESTÉTICA OU PLÁSTICA – OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
(RESPONSABILIDADE OBJETIVA) – INDENIZAÇÃO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
CONTRATADA A REALIZAÇÃO DA CIRURGIA ESTÉTICA ASSUME OBRIGAÇÃO DE
RESULTADO, DEVENDO INDENIZAR PELO NÃO CUMPRIMENTO DA MESMA,
DECORRENTE DE EVENTUAL DEFORMIDADE. CABÍVEL A INVERSÃO DO ÔNUS DA
PROVA.
Em seu voto, o Relator reportou-se a precedente de sua lavra – Recurso
Especial nº 10.536 - RJ – no plano do direito material pode-se ter como certo que a
obrigação do cirurgião plástico é apenas de utilizar-se da melhor técnica, mas isso não
afasta que, no plano do direito processual, seja lícito atribuir-lhe o ônus de provar que
assim procedeu. O que se pretende obter com a cirurgia estética é algo que se pode
dispensar e certamente se dispensará se os riscos forem grandes. Se o profissional
dispõe-se a efetuá-la é porque os avaliou e concluiu que não o são Verificando-se a
deformação, em lugar do embelezamente, goza de verossimilhança a assertativa de
que a melhor técnica não terá sido seguida, ensejando a aplicação do artigo 6º, inciso
VIII do Código de Defesa do Consumidor. Nem haverá qualquer desatenção ao que
estabelece o artigo 14, parágrafo 4º, do mesmo Código. A responsabilidade depende da
culpa, mas o ônus da prova se inverte, em princípio, caberia à outra parte. (Recurso
Especial n.º 81.101/PR, 3ª Turma, Relator o Ministro Waldemar Zveiter.)
Enfatize-se, que os profissionais liberais, como prestadores de serviços que
são, não estão fora da disciplina do Código do Consumidor. A única exceção que se lhe
abriu foi quanto à responsabilidade objetiva. E se foi preciso estabelecer essa exceção
é porque estão subordinados aos demais princípios do Código de Defesa do
Consumidor – informação, transparência, boa-fé, inversão de prova etc.
Embora lentamente, a jurisprudência dos nossos tribunais tem se libertado
do artigo 186 e 927 do Código Civil – tão arraigados em nossa consciência jurídica – e
começa a enquadrar a responsabilidade médica/hospitalar no Código de Proteção e
Defesa do Consumidor, na medida em que toma conhecimento da sua nova disciplina.
Na Apelação Cível 6.200/94, da qual foi Relator o Desembargador Marcus
Faver, a 5º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu, in verbis:
RESPONSABILIDADE CIVIL HOSPITALAR – PACIENTE COM INSUFICIÊNCIA RENAL
GRAVE – HEMODIÁLISE – CONTAMINAÇÃO POR VÍRUS DA HEPATITE B – NEXO DE
CAUSALIDADE DEMONSTRADO -RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL. A CONTAMINAÇÃO
OU INFECÇÃO EM SERVIÇOS DE HEMODIÁLISE CARACTERIZA-SE COMO FALHA DO
SERVIÇO E LEVA A INDENIZAÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DE CULPA. APLICAÇÃO, NA
HIPÓTESE, DO ARTIGO 14 “CAPUT” DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO
CONSUMIDOR.
No corpo do acórdão, o seu eminente relator fez as seguintes judiciosas
considerações:
“Em realidade, estamos diante da responsabilidade pela prestação de um serviço defeituoso, onde o fornecedor do serviço, no caso o hospital, responde pela reparação do dano, independentemente da existência de culpa, à luz da regra estabelecida no artigo 14 Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Os laboratórios de análises clínicas, bancos de sangue, centros de exames radiológicos e outros de altíssima precisão, além de assumirem obrigação de resultado, são também prestadores de serviços”.
Outro julgado na qual houve a responsabilização médica segundo os
preceitos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor é a Apelação Cível 112.588-
4/9, de 04/09/2001, Tribunal de Justiça de São Paulo, 2º Câmara de Direito Privado –
Relator Cezar Peluso, in verbis:
RESPONSABILIDADE CIVIL – RELAÇÃO DE CONSUMO – INTERNAÇÃO HOSPITALAR DE
CRIANÇA COM GASTRIOENTEROCOLITE E DESIDRATAÇÃO LEVE – MORTE DO
PACIENTE – HEMORRAGIA AGUDA CAUSADA EM PUNÇÃO VENOSA DURANTE
MANOBRA DE RESSUSCITAÇÃO – FALHA DO SERVIÇO – RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO HOSPITAL – VERBA DEVIDA – CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO
CONSUMIDOR.
O hospital, que não prova a culpa de 3º no evento, responde, objetivamente,
pela morte de criança.
Outro caso, apreciado desta vez pelo Superior Tribunal de Justiça, cujo
Relator é o Ministro Waldemar Zveiter, tratava da responsabilidade civil, tanto do
médico quanto do centro hospitalar, em virtude de infecção que resultou em amputação
da ponta de um dedo, tendo sido assim relatado em voto unânime:
"Dentro desse contexto probatório deve ser encontrado o elemento definidor da existência ou não da culpa dos réus, sendo esta ensejadora, o fato gerador, do dever de indenizar e, tratando-se a controvérsia de uma relação de consumo posto que o autor é um usuário do serviço médico e os réus, prestadores de tal serviço, resulta cabível a inversão do ônus da prova, como promana do art. 6ª, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, já que verossímil alegação do autor, e, se assim não fosse, com certeza hipossuficiente, segundo as regras da experiência, pois encontra-se o autor em patamar de inferioridade em relação ao médico e ao hospital para discutir a qualidade do atendimento prestado." (Recurso Especial 171.988/RS, julgado em 24/05/1999, pela 3ª Turma do STJ ).
Neste mesmo sentido, verificamos outro julgado a qual confirma o
entendimento de que a atividade médica esta sujeita aos princípios e regras
estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - SERVIÇO MÉDICO - CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR - ÔNUS DA PROVA.
Segundo o disposto no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do
Consumidor o fornecedor é que terá de provar que a alegação do consumidor não é
verdadeira, quando, a critério do órgão julgador, os fatos alegados pelo mesmo forem
verossímeis ou quando for hipossuficiente.
Embora a avaliação dos danos morais para fins indenizatórios seja das
tarefas mais difíceis impostas ao magistrado, cumpre-lhe atentar, em cada caso, para
as condições da vítima e do ofensor, o grau de dolo ou culpa presente na espécie, bem
como os prejuízos morais sofridos pela vítima, tendo em conta a dupla finalidade da
condenação, qual seja a de punir o causador do dano, de forma a desestimulá-lo à
prática futura de atos semelhantes, e a de compensar o ofendido pelo constrangimento
e dor que indevidamente lhe foram impostos, evitando, sempre, que o ressarcimento se
transforme numa fonte de enriquecimento injustificado ou que seja inexpressivo ao
ponto de não retribuir o mal causado pela ofensa. (TAMG - Ap 0257472-3 - 3ª C.Cív. -
Relª Juíza Jurema Brasil Marins - J. 01.07.1998)
É unânime o entendimento do Tribunal de Minas Gerais com relação a
responsabilidade do hospital, como fornecedor de serviço, pelo defeito do serviço, nos
termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS -
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - MÉDICO - CULPA - PROVA - INSTITUIÇÃO HOSPITALAR -
RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
A relação entre hospital e paciente caracteriza-se como de consumo,
qualificando-se o hospital como autêntico prestador de serviços, nos termos dos artigos.
2º e 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 8.078/90, respondendo objetivamente pelos danos
causados ao paciente ou sua família. A responsabilidade civil do médico não é
presumível, de forma que, se não restar comprovada sua culpa, não deve haver
condenação na obrigação de indenizar. (TAMG - AC 272.125-5 - 2ª C.Cív. - Rel. Juiz
Batista Franco - DJMG 23.10.1999 p.12).
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, a defesa do consumidor desenvolveu-se muito nas últimas
décadas, de forma a tornar-se um ramo autônomo do direito, ao mesmo tempo que
evoluíu os conceitos que norteam a responsabilidade médica.
Hoje, para responsabilizar um prestador de serviço médico, devemos verificar se
estamos diante de uma relação de consumo ou não, haja vista a possível aplicação do
Código Civil ou do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
A partir deste novos fatores a serem considerados, houveram modificações de
conceitos, que os tribunais brasileiros, aos poucos, vem se adaptando e aplicando aos
casos que tem surgido. Todavia, a doutrina contribuiu e muito para esta nova visão da
responsabilidade do prestador de serviço médico, o que de certa forma tem
impulsionado o aperfeiçoamento destes novos regramentos.
Em princípio, é compreensível a aversão de alguns setores à mudança. Não se
pode negar, todavia, que ela é positiva para quem mais importa: o consumidor da
prestação de serviço médico. E o mais importante é que, ao tornar clara as regras entre
as partes, só existem benefícios aos bons prestadores de serviços, àqueles que
efetivamente se preocupam com sua atividade e com o consumidor.
É inegável a completa e perfeita aplicabilidade do diploma consumerista à
atividade médica e consequentemente a responsabilidade por defeito na sua prestação
de serviço.
A tendência a aplicar o Código de Defesa do Consumidor à prestação de serviço
médico se mostra irreversível, e a obrigação dos fornecedores é buscar meios de trazer
segurança ao consumidor e a sua própria atividade, haja vista a busca pela harmonia
nas relações de consumo, bem como a boa-fé e o equilíbrio entre as partes.
Apesar de toda a polêmica, importante destacarmos a inversão do ônus, como
mais uma arma que assegure e defenda os direitos do consumidor hipossuficiente,
frente a responsabilidade subjetiva do profissional liberal prestador de serviço médico.
A exigência da lei em verificar a existencia de culpa do profissional para a sua
responsabilização, em nada atenua ou exime uma possivel atribuição do defeito no
serviço por ele prestado, haja vista que com a possibilidade de inversão do ônus da
prova, poderá o médico se ver com a incumbência de provar, em juízo, que não agiu
com culpa, ou mesmo que ocorreu uma das excludentes de responsabilidade.
É de extrema importância, dentro de uma relação de consumo, que os direitos
básicos dos consumidores sejam assegurados e respeitados pelos prestadores de
serviços médicos, e que busque a efetiva responsabilização destes em face da
atividade eventualmente causadora de danos, para que haja o efetivo equilibrio entre
as partes, bem como a harmonização de interesse.
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