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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MINAS GERAIS
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA
Av. Nicomedes Alves dos Santos, n. 1881, bairro Jardim Karaíba Uberlândia, MG, CEP: 38411-106 Tel: (034) 3218-6900 – [email protected]
O:\UDI\Gabinete3\JUDICIAL\CÍVEL\Iniciais\ACP\582-2009-28- retomada obras BR 365 perímetro urbano Uberlandia.doc
EXCELENTÍSSIMO JUIZ FEDERAL DA _____ VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO
JUDICIÁRIA DE UBERLÂNDIA, MG
Inquérito Civil n. 1.22.003.000582/2009-28
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do procurador da República
signatário, no exercício de suas funções institucionais, com fundamento no art. 129, II e III da
Constituição Federal, arts. 4º, IV e VIII, e 5º, I, da Lei n. 7.347/85, arts. 5º, III, “b” e 6º, VII,
“a” e “b” da Lei Complementar n. 75/93, e amparado nos elementos de prova obtidos no
procedimento em referência, vem propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedidos liminares
em face de
1. DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES
– DNIT, autarquia federal, inscrita no CNPJ sob o n. 04.892.707/0001-00, com endereço
local na Avenida Floriano Peixoto, nº 3.575, Bairro Brasil, CEP 38.400-704, Uberlândia, MG;
2. UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público, a ser citada por meio de sua
Procuradoria-Seccional, com endereço na Av. João Pessoa, nº 778, Bairro Martins,
Uberlândia, MG;
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3. MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA, pessoa jurídica de direito público, com sede na
Rua Anselmo Alves dos Santos, nº 600, Uberlândia/MG, a ser citado na pessoa do
Procurador-Geral do Município; e
4. ARAGUAIA ENGENHARIA LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no
CNPJ/MF sob o n. 19.465.574/0001-63, com sede na cidade de São Paulo, SP, na Av. São
Gualter, n. 1778, Bairro Alto de Pinheiros;
pelas razões adiante aduzidas.
I – OBJETO DA DEMANDA
1. Esta ação civil pública tem por finalidade compelir o DNIT e a UNIÃO à
retomada imediata das obras inacabadas de “melhoramentos para adequação de capacidade e
segurança na Rodovia BR 365/MG, na travessia urbana de Uberlândia, MG”, contratadas pelo
DNIT por meio do Processo Licitatório n. 50600.056229/2012-50, na modalidade Regime
Diferenciado de Contratações Públicas - RDC n. 393-2012-00.
2. A licitação teve como vencedora a empresa ARAGUAIA ENGENHARIA
LTDA., que apresentou proposta de R$45.675.524,00, tendo sido assinado o contrato em
06/11/2012 (Contrato n. TT-844/2012-00), com prazo de 630 dias, contados a partir da
autorização para o início da execução dos serviços, que se deu em 29/11/2012.
3. Entretanto, após sucessivas paralisações e a execução de apenas 10,30% dos
serviços, a ARAGUAIA abandonou as obras, sob a alegação de existência de problemas
técnicos que demandariam revisão dos projetos e aumento de quantitativos, culminando com a
rescisão do contrato em 14 de janeiro de 2015 (f. 202-203).
4. Diante disso, para execução dos serviços remanescentes, o DNIT convocou a
segunda colocada na licitação, CONSTRUTORA GOMES LOURENÇO S/A, tendo sido
celebrado, em 26/03/2015, o Contrato n. 92/2015, pelo valor de R$40.948.230,08 e prazo de
vigência até 15/12/2016 (f. 280-281).
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5. A ordem de início dos serviços estava prevista para ser emitida em 30/06/2015.
Todavia, até o momento os serviços não foram retomados, segundo o DNIT, em razão de
limitações orçamentárias impostas pela UNIÃO (f. 228-241).
6. Com isso, as obras encontram-se em total abandono, causando enormes
transtornos ao trânsito local e aos moradores da região, com graves riscos de acidentes,
conforme amplamente noticiado pela imprensa local.1 A situação é especialmente crítica no
trevo de acesso ao bairro Taiaman e nas avenidas Minervina Cândido de Oliveira e Paulo
Roberto Cunha Santos, marginais à rodovia BR-165, com apenas duas faixas estreitas, para
onde foi desviado todo o tráfego, em decorrência da interdição de um trecho de cerca de 2 km
entre a interseção da rodovia BR-165 com a rodovia BR-050 e a Avenida Cesário Crosara.
7. Em visita realizada no local por equipe do Ministério Público Federal no último
dia 25 de janeiro, constatou-se o alto risco de acidentes e a urgente necessidade de
instalação de placas sinalizadoras do limite de velocidade e de redutores de velocidade
(físicos ou eletrônicos), o que deverá ser providenciado, em caráter emergencial, pelo DNIT, a
UNIÃO e o MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA.
8. Todos esses graves transtornos decorrentes do atraso, da paralisação e do
abandono das obras geram inequívoco dano moral, de natureza difusa, a toda a coletividade,
devendo ser devidamente compensados, mediante condenação dos requeridos, solidariamente,
ao pagamento de indenização, destinada ao Fundo de Direitos Difusos.
9. Finalmente, em 14/01/2016, o Deputado Federal Weliton Fernandes Prado
apresentou ao MPF representação, na qual narra que “com a entrada do ano de 2016, o DNIT
continua sem respostas quanto à retomada das obras e a população está indignada com
tamanho atraso, sofrendo com o risco de acidentes e toda sorte de desconforto que uma obra
paralisada dessa relevância traz para a vida da comunidade” (f. 282-293). Assim, não resta
outra alternativa para solução do problema senão o ajuizamento da presente ação.
1 http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2013/11/obra-em-trincheira-no-bairro-taiaman-de-uberlandia-continua-paralisada.html http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2015/06/problema-com-travessia-de-moradores-em-bairro-de-uberlandia-persiste.html http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2015/08/moradores-manifestam-novamente-para-pedir-trincheira-em-uberlandia.html http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/desvio-nas-obras-sob-a-br-365-aumenta-trafego-e-gera-transtorno-na-minervina/ http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/obras-iniciadas-perimetro-urbano-da-br-365-continuam-paradas/ https://www.youtube.com/watch?v=rm0LQ6E8vn8 (BALANÇO GERAL - BR-365: obras paradas há três anos), de 24/11/15. https://www.youtube.com/watch?v=22oYsJqxHdk (BALANÇO GERAL - BR-365: obras paradas há três anos), de 5/1/16.
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II – OS FATOS
10. O Inquérito Civil nº 1.22.003.000582/2009-28, que subsidia a presente ação, foi
instaurado ainda em 2009, a partir de inúmeros relatos de acidentes automobilísticos ocorridos
no trecho urbano da rodovia BR 365/MG que corta a cidade de Uberlândia.
11. Em atendimento à requisição ministerial, foi elaborado, em março de 2010, por
professores da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Federal de Uberlândia, laudo
de avaliação técnica quanto à segurança na BR 365 entre os km 622,4 e 624 (f. 16-45). No
mencionado documento foram apontadas sugestões para melhoria do trecho, a saber: (a)
reforço da sinalização para que veículos de carga permaneçam à direita, trafegando pela via
marginal; (b) adequação de placas de difícil compreensão e suscetíveis de causarem dúvidas;
(c) instalação de placa de regulamentação da velocidade na via marginal (40 km/h); (d)
reformulação dos acostamentos; (e) instalação de defensas metálicas.
12. A Polícia Rodoviária Federal, por seu turno, apresentou dados estatísticos, que
demonstram a relevância da realização de obras de melhoria de infraestrutura da rodovia, com
vistas a propiciar aos usuários da via maior segurança.
Data do relatório PRF Período compreendido Número de acidentes
Outubro de 2012 (f. 72-84) Ago/09 - Ago/12 165 Outubro de 2013 (f. 121-127) Jan/12 - Set/13 140 Janeiro de 2015 (f. 161-170) Jan/13 - Dez/14 692
13. Ciente da urgência na realização de obras de melhoria da segurança no referido
trecho, o DNIT realizou licitação, na modalidade Regime Diferenciado de Contratações
Públicas - RDC nº 393-2012-00, Processo Licitatório nº 50600.056229/2012-50, pelo critério
de julgamento menor preço, visando “à contratação de empresa para execução das obras de
duplicação da Rodovia BR-365/MG, incluindo melhoramentos para adequação de capacidade
e segurança – remanescentes do Lote 1.0 (travessia urbana de Uberlândia)”, no regime de
empreitada por preço global. O orçamento estimado pelo DNIT para o RDC totalizou
R$62.554.212,55, a preços de janeiro de 2012 (f. 89 e 97).
2 A redução verificada no número de acidentes está relacionada à instalação de redutores eletrônicos de velocidade e lombadas eletrônicas em parte do trecho urbano da BR-365 (KM 68+680m e KM 69+140m) (f. 145), mas a situação continua preocupante.
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14. O objeto contratual abrangia a execução de oito grandes obras de arte especiais
(O.A.E.), a saber: 3
(a) Passagem inferior tipo trincheira (P.I.), na Avenida Afonso Pena;
(b) P.I. na Avenida Amazonas;
(c) P.I. na Rua Alagoas;
(d) P.I. na Rua Claudemiro José de Souza;
(e) Reforma do viaduto da Rua Rio Grande do Sul
(f) Reforma do Viaduto da Av. Monsenhor Eduardo (Viaduto Francisco Paulo
dos Santos);
(g) Execução de interseção no atual trevo do Osvaldo de Oliveira;
(h) Trincheira no trevo do Taiaman.
3 Para melhor compreensão das obras em questão, sugere-se assistir à reportagem disponível em . https://www.youtube.com/watch?v=22oYsJqxHdk (BALANÇO GERAL - BR-365: obras paradas há três anos), de 5/1/16.
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15. Após a licitação, foi contratada a empresa ARAGUAIA ENGENHARIA LTDA.,
que apresentou proposta de R$45.675.524,00, tendo sido assinado o contrato em 06/11/2012
(Contrato n. TT-844/2012-00), com prazo de 630 dias, contados a partir da autorização para o
início da execução dos serviços, que se deu em 29/11/2012.
16. Contudo, apenas dois meses após a ordem de início, os serviços foram
paralisados,4 “haja vista as interferências da rede elétrica, tanto externamente como
subterraneamente, impossibilitando qualquer atividade nos locais da obra”, segundo
justificativa apresentada pelo Supervisor Substituto do DNIT em Uberlândia. Os serviços só
foram retomados em 01/07/2013.5
17. Apesar de reiniciados os serviços, a ARAGUAIA apresentou baixíssimo ritmo de
execução. Notificada pelo DNIT (f. 187), a contratada alegou a existência de problemas
técnicos, como a necessidade de revisão/atualização dos projetos e a deficiência de
quantitativos, principalmente no item “terra armada”, bem como na execução das fundações
das estruturas, onde teriam sido detectados níveis de água do solo acima do que fora
apresentado em projeto, o que levou à execução de novas sondagens nas diversas PI’s, sendo
necessária a elevação dos grades originais, visando à adaptação às vias urbanas adjacentes.
Por fim, a ARAGUAIA apresentou um novo cronograma das obras para o biênio 2014/2015,
prevendo que no mês de maio/2014 seria concluída a PI da Av. Afonso Pena e iniciados os
trabalhos das PI’s das ruas Alagoas e Claudemiro José de Souza e em junho/2014 seriam
iniciados os trabalhos no trevo Osvaldo Oliveira (expediente s/nº, de 29/04/2014, f. 176-179).
18. Na realidade, como bem ressaltado em relatório da Controlaria Geral da União (f.
255-279), ainda que houvesse algumas falhas no projeto executivo, ensejando a necessidade
de revisão e consequente alteração do cronograma das obras, a empresa não tinha justificativa
para paralisar todas as frentes de trabalho, tendo em vista que “existiam O.A.E. que não
necessitavam de revisão do projeto, estando aptas a serem construídas, a saber: PIs da Rua
Alagoas e Rua Claudemiro José de Souza; viaduto da Rua Rio Grande do Sul; viaduto da Av.
Monsenhor Eduardo e execução de interseção no atual trevo do Osvaldo de Oliveira.”
4 Em 11/03/2013, foi celebrado o 1º Termo Aditivo ao Contrato nº TT-844/2012-00, suspendendo o prazo de vigência do mesmo a partir de 29/01/2013. Dessa forma, para o término da vigência contratual, inicialmente previsto para 20/08/2014, restou um saldo de 569 dias. O extrato do termo aditivo foi publicado no Diário Oficial da União em 21/03/2013. 5 Em 04/10/2013, foi celebrado o 2º Termo Aditivo ao Contrato nº TT-844/2012-00, restituindo ao mesmo o prazo de 569 dias, a partir de 01/07/2013, data da autorização para reinício da execução dos serviços. Dessa forma, o término da vigência contratual ficou redefinido para 20/01/2015. O extrato do termo aditivo foi publicado no Diário Oficial da União em 11/10/2013.
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19. Mesmo após a proposta de reprogramação do cronograma apresentada pela
ARAGUAIA, os serviços continuaram em ritmo lento e com sucessivas paralisações, por falta
de materiais, insumos e equipamentos, bem como greve de funcionários, por atraso no
pagamento de salários, culminando na completa desmobilização do canteiro de obra, em
agosto de 2014, conforme comprovam os documentos emitidos pela unidade local do DNIT e
pela empresa encarregada da supervisão das obras (f. 180-184, 189-192).
20. Em setembro de 2014, a ARAGUAIA propôs o distrato (f. 194-197), mas o DNIT
acabou deliberando pela rescisão unilateral, com fulcro nos art. 55, XIII, 58, II, 78, I e II e art.
79, I, da Lei 8.666/93, conforme termo de rescisão firmado em 14/01/2015 (f. 202v-203).
21. Até esse momento, foram executados apenas 10,30% dos serviços contratados
(R$4.717.976,84). Conforme comprova o relatório da empresa encarregada da supervisão das
obras (f. 180-183) e o relatório da CGU (f. 255-279), das oito obras de arte especiais
previstas, somente a passagem inferior da avenida Afonso Pena foi concluída.
22. Além disso, houve uma pequena intervenção relativa a serviços de terraplenagem,
com remoção da camada granular (cascalho) e do revestimento asfáltico, para as obras da PI
da Rua Alagoas e da PI da Rua Claudemiro José de Souza, em um trecho de cerca de 500 m.
Mas com o abandono da obra, essa intervenção inconclusa vem causando sérios
transtornos e prejuízos aos moradores e comerciantes do local (barulho, poeira, risco de
acidentes, rachaduras nas casas, redução do número de clientes), em razão da necessidade de
desvio de todo o tráfego, inclusive caminhões e carretas pesadas, para as duas faixas das
avenidas marginais Minervina Cândido de Oliveira e Paulo Roberto Cunha Santos.
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23. Esse desvio do tráfego pesado da pista central da rodovia para as duas faixas
estreitas das avenidas marginais – cujo pavimento, inclusive, não está preparado para o fluxo
de tamanha quantidade de veículos pesados – se estende por um trecho de cerca de 2 km,
entre a interseção com a rodovia BR-050 e a Avenida Cesário Crosara.
24. Em vistoria realizada por equipe do Ministério Público Federal, no último dia 25
de janeiro, verificou-se que, nesse trecho de cerca de 2 km de desvio, inexiste sinalização
sobre limite de velocidade ou, ainda, quaisquer redutores de velocidade, sejam físicos
(quebra-molas e lombadas) ou eletrônicos (radares).
25. Assim, com a paralisação e abandono das obras, o resultado é que as avenidas
marginais à rodovia, destinadas originalmente ao tráfego local, e junto às quais se encontram
diversos imóveis residenciais e comerciais e calçadas para trânsito de pedestres, se tornaram
vias expressas, aumentando significativamente o risco de acidentes. Basta imaginar o perigo
que os usuários correm quando, estando à frente de uma carreta pesada, precisam reduzir
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bruscamente a velocidade para entrar na garagem de suas casas ou mesmo fazer uma
conversão à direita para entrar no bairro. A chance de colisão traseira, com risco de lesões
corporais e mesmo morte dos ocupantes dos veículos, é altíssima, como inclusive relatou um
dos moradores entrevistados durante a diligência do MPF (vide mídia constante do ICP).
26. Para dar prosseguimento à execução dos serviços remanescentes, o DNIT optou
pela convocação da segunda colocada na licitação, CONSTRUTORA GOMES LOURENÇO
S/A, nos moldes previstos no art. 24, XI da Lei 8666/1993, informando que as obras deveriam
ser retomadas em março de 2015 (f. 175).
27. Assim, em 26/03/2015, foi celebrado o Contrato n. 92/2015 entre o DNIT e a
CONSTRUTORA GOMES LOURENÇO, pelo valor de R$40.948.230,08 e prazo de vigência
até 15/12/2016, tendo sido indicados, para tanto, como fonte de custeio, recursos próprios do
DNIT alocados no seguinte código orçamentário: 2678220751K230031, empenho n.
2015NE800314, de 06/03/2015, no valor de R$5.000.000,00 (f. 280-281).
28. A previsão da ordem de início dos serviços foi postergada para 30/06/2015, “por
depender da verificação dos serviços remanescentes por parte da contratada, visando oferecer
o Plano de Ataque e o Cronograma” (f. 220v-222). Contudo, em seguida, o DNIT informou
que houve a suspensão, por prazo indeterminado, da emissão da ordem de início dos
serviços, por insuficiência de aporte financeiro para suportar as despesas. Veja-se: 16.1. “Todavia, quanto ao início dos serviços, insta esclarecer que na Portaria nº 340, de 3 de junho de 2015 do Ministério da Fazenda e no Decreto nº 8.456, de 22 de maio de 2015, foram fixados limites de pagamento relativos ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. A par disso, por meio do Ofício nº 285/2015-CGFC/SPO/SE/MT foi fixado a esta autarquia, o valor de R$ 7,5 bilhões como limite financeiro anual, devendo-se ainda subtrair dessa quantia o valor de R$ 916.730.986,35, referente a ordens bancárias emitidas em 2014, pagas no exercício financeiro de 2015. Assim, devido a situação financeira apresentada, estamos envidando esforços para adequar a execução do contrato aos valores disponíveis, para só então expedirmos a ordem de início dos serviços, que permitirá à contratada elaborar o cronograma estimado para conclusão das obras.” (memorando elaborado pelo Coordenador de Obras e Construção Substituto às f. 228-229)
29. Todavia, como restará amplamente demonstrado, a mora do DNIT na emissão da
ordem de início dos serviços, em decorrência de supostas restrições orçamentárias impostas
pela UNIÃO, configura verdadeira afronta à efetivação de direitos constitucionalmente
previstos, bem como ilegalidade no cumprimento de seus misteres institucionais.
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30. Em que pese a alegada escassez de recursos públicos, no procedimento que
precedeu a contratação, constava Declaração do Diretor Executivo do DNIT, tal como exigido
pela Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 15 a 17), de que existia dotação necessária para o
empreendimento, no montante de R$88.000.000,00, conforme Lei Orçamentária Anual,
e que o empreendimento constava do Plano Plurianual de 2012-2015. Além disso, a partir da
análise das LOAs de 2015 e 2016, verifica-se que, para a ação de adequação do trecho
rodoviário em questão na BR-365/MG (código 1K23), havia dotação orçamentária, em
2015, de R$27.000.000,00 e, em 2016, há dotação orçamentária de R$7.300.000,00, sem
prejuízo de novos remanejamentos no orçamento.
31. Assim, existindo previsão orçamentária para as obras em questão, na aplicação
dos recursos financeiros disponíveis ao DNIT, deve ser dada a devida prioridade à
retomada imediata das obras de melhoramentos para adequação de capacidade e
segurança na Rodovia BR 365/MG, na travessia urbana de Uberlândia, MG, uma vez
que a falta de condições viárias seguras no trecho, aliada ao abandono das obras inconclusas,
causam graves transtornos e oferecem fundados riscos à incolumidade física dos moradores
do perímetro urbano e usuários da via, além de prejuízo ao patrimônio público e social.
32. Além disso, até que as obras sejam retomadas e concluídas, é absolutamente
urgente e necessária a adoção de medidas emergenciais, tais como a instalação de placas
de sinalização de velocidade e redutores de velocidade, físicos (quebra-molas e lombadas)
e eletrônicos (radares), a fim de mitigar os riscos de acidentes no local. Tais medidas devem
ser imediatamente implementadas, em cooperação, pela UNIÃO, DNIT e MUNICÍPIO DE
UBERLÂNDIA, tendo em vista que, embora a rodovia BR-365 seja bem sob gestão federal,
há nítido interesse local quanto à segurança viária no trecho urbano que perpassa a cidade de
Uberlândia (art. 30 c/c art. 144, §10, II da Constituição da República de 1988).
33. Diante da absoluta desídia da administração pública no cumprimento de suas
atribuições, não resta outra alternativa senão a obtenção de provimento jurisdicional que lhes
obrigue a tanto, mediante fixação de prazo certo e cominação de sanção aos gestores públicos.
34. Ainda, considerando todos os transtornos causados à população, espera-se que os
requeridos sejam solidariamente condenados ao pagamento de indenização por dano moral
coletivo, sem prejuízo de futura responsabilização por dano ao erário, após conclusão de
investigação em curso sobre irregularidades nos projetos e na contratação.
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III – FUNDAMENTOS JURÍDICOS
III.1 – Preliminarmente: a legitimidade das partes e a competência do juízo
35. Segundo os art. 127 e 129, III da Constituição Federal, dentre as funções
institucionais do Ministério Público destaca-se a promoção da ação civil pública para tutela do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Além
disso, há normas infraconstitucionais que repisam tais atribuições, enfatizando as finalidades
precípuas da instituição na defesa do patrimônio público, consoante se vê da lei da ação civil
pública - Lei 7.347/85. Ademais, prescreve a lei complementar n. 75/93, artigo 6º, incisos VII,
alíneas “a” e “d”, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério
Público da União, que compete a essa instituição promover o inquérito civil público e a ação
civil pública para a defesa: a) dos direitos constitucionais; b) e de outros interesses individuais
indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.
36. Assim, não resta dúvida sobre a legitimidade do Ministério Público Federal
para manejar a presente ação civil pública.
37. Já a legitimidade dos requeridos decorre das imputações de ilicitude e
ineficiência que lhe são dirigidas, razão jurídica suficiente para a inserção das pessoas
jurídicas referenciadas no polo passivo da demanda.
38. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT é
autarquia federal vinculada ao Ministério dos Transportes, que, nos termos do art. 82, IV, da
Lei 10.233/01, possui entre suas atribuições “administrar (...) os programas de operação,
manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias (...) de domínio da União.”
Ademais, de acordo com a Lei Orçamentária Anual, o DNIT é o responsável pela execução da
ação orçamentária 1K23 (“adequação de trecho rodoviário – entroncamento BR-050 -
entroncamento BR-153 – na BR-365/MG”) e, por consequência, pela contratação dos serviços
remanescentes das obras de melhoramentos para adequação de capacidade e segurança na
Rodovia BR 365/MG, na travessia urbana de Uberlândia, MG.
39. Por sua vez, a União Federal, por meio dos Ministérios da Fazenda e do
Planejamento, é a responsável pela liberação de recursos ao DNIT para que possa executar as
ações previstas no orçamento federal, entre as quais a retomada das referidas obras.
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40. A legitimidade do Município de Uberlândia decorre do evidente interesse local
existente na questão sub judice, tendo em vista que, embora a rodovia BR-365 seja bem sob
gestão federal, a segurança viária no trecho que perpassa a cidade de Uberlândia também
compete ao Município, nos termos do art. 30 c/c art. 144, §10, II da Constituição da
República de 1988. Assim, deve ele também responder pela implementação das medidas
destinadas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu
patrimônio, no trecho urbano da rodovia.
41. Finalmente, a Araguaia Engenharia Ltda foi a empresa contratada para
execução das obras na Rodovia BR 365/MG, na travessia urbana de Uberlândia, MG, e que,
em razão dos sucessivos atrasos, paralisações e abandono das obras, concorreu para os
transtornos sofridos pela população.
42. Quanto à competência da Justiça Federal, seu fundamento é o art. 109, I, da
Constituição Federal e decorre da natureza das pessoas que litigam – critério intuitu personae.
Logo, tratando-se de demanda movida em desfavor de entidade autárquica federal, pessoa
jurídica de direito público interno, e da própria União, exsurge a competência da Justiça
Federal para o processo e o julgamento da demanda.
43. Além do mais, a só presença do Ministério Público Federal no polo ativo, quando
adequadamente legitimado para atuar na hipótese, é causa bastante para atrair a competência
da Justiça Federal, conforme sedimentada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
III.2 – Os direitos fundamentais violados (segurança viária, mobilidade urbana eficiente,
livre locomoção, vida, integridade física, propriedade, segurança e transporte)
44. Nos termos do art. 144, §10 da CRFB de 1988, a segurança viária, como
desdobramento do direito à segurança pública, é um dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e de seu patrimônio nas vias públicas, compreendendo todas as atividades que
assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente.
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45. Por um lado, tais direitos estão intrinsecamente ligados à liberdade de locomoção
(art. 5º, XV), direito de primeira geração, de caráter negativo, que impede o Estado de criar
obstruções ao trânsito de pessoas dentro de seu território sem justo motivo.
46. Por outro lado, a segurança viária e a mobilidade urbana também estão
diretamente relacionados aos direitos à vida, à integridade física, à propriedade, à
segurança e ao transporte (art. 5º e 6º, caput da CRFB 1988), que exigem do Poder Público
uma atuação comissiva, no sentido de estabelecer, aperfeiçoar e conservar uma infraestrutura
pública adequada para viabilizar a locomoção das pessoas.
47. No caso concreto, a inércia da administração diante da premente necessidade
conclusão das obras de reforma e adequação das condições viárias do trecho urbano da BR
365 em Uberlândia afigura-se verdadeira ilegalidade, uma vez que o risco ao qual são
expostos os usuários da via e moradores da região inviabiliza o pleno exercício daqueles
direitos fundamentais.
48. Essa situação está evidenciada pelo grande número de acidentes no trecho,
conforme indicado nos relatórios da Polícia Rodoviária Federal (f. 72-84, 121-127, 161-170).
49. Além disso, a necessidade das obras, que compunham o Programa de Aceleração
do Crescimento – PAC e eram consideradas prioritárias, foi demonstrada na justificativa
apresentada no projeto básico que precedeu a contratação e que merece ser transcrito.
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50. Por fim, vale destacar que o abandono das obras inconclusas acabou por aumentar
o risco de acidentes, em razão do desvio de todo o tráfego, inclusive caminhões e carretas
pesadas, para as duas faixas estreitas das avenidas marginais à rodovia, destinadas
originalmente ao tráfego local, e junto às quais se encontram diversos imóveis residenciais e
comerciais e calçadas para trânsito de pedestres. Nesse trecho de desvio, de cerca de 2km, não
há sinalização sobre limite de velocidade ou, ainda, quaisquer redutores de velocidade,
aumentando significativamente o perigo de acidentes.
III.3 – Obras inacabadas devem ter prioridade máxima na alocação de recursos
51. A Lei de Responsabilidade Fiscal tem como objetivo o ajuste fiscal de longo
prazo. Se os gestores puderem iniciar obras e paralisar e iniciar outras, não haverá ajuste
fiscal. Por isso, o art. 45 da Lei Complementar n. 101 estabelece o seguinte:
Art. 45. Observado o disposto no § 5º do art. 5º, a lei orçamentária e as de créditos adicionais só incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os em andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.
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52. Ao prever a necessidade de priorização dos projetos em andamento, o art. 45 da
LRF, em conjunto com o art. 42, concretiza o princípio constitucional do planejamento e da
programação dentro de um sistema integrado (compatibilidade e continuidade), enfatizando
dois princípios capitais para a administração eficiente: continuidade e economicidade.
53. O princípio da continuidade do serviço é norma assente aos contratos
administrativos, não sendo permitido ao contratado a interrupção dos seus serviços
fortuitamente. A esse respeito, Mário Masagão explica que “(...) a 'continuidade' significa que
as necessidades públicas, a cuja satisfação se destina o serviço, não devem ser atendidas
esporadicamente, mas de forma ininterrupta e constante."
54. Já a economicidade é traduzida na relação custo/benefício, sendo preconizado
pelo art. 3º, da Lei nº 8.666/93 que a licitação se destina "a selecionar a proposta mais
vantajosa para a Administração".
55. Discorrendo sobre o art. 45 da LRF, Emerson Garcia aduz o seguinte: “ Especificamente em relação a lei orçamentária anual, merece realce o disposto no art.45, “caput”, da LRF, segundo o qual, “observado o disposto no §5º do art.5º, a lei orçamentária e os créditos adicionais só incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os em andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias”, devendo o Poder Executivo encaminhar ao Legislativo as informações necessárias ao cumprimento de tal disposição.
Ao priorizar os projetos em andamento, a LRF buscou conter a conhecida descontinuidade na execução de projetos de longo prazo, prática que era facilmente visualizada por ocasião da renovação dos quadros da administração, já que o novo administrador, sempre relegando a plano secundário o princípio da impessoalidade, nunca possuía interesse em ultimar os projetos iniciados em gestões anteriores, pois ele não seriam vinculados à sua imagem, o que terminaria por divulgar as realizações alheias.
Com a LRF, o administrador que, verbi gratia, abandone as obras inacabadas e priorize seus projetos pessoais, será responsabilizado pela infração à lei e pela depreciação do patrimônio público”. (Garcia, Emerson e Pacheco Alves, Rogério; Improbidade Administrativa; 3ª edição rev. e ampl., Editora Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2006)
56. Portanto, havendo a devida dotação orçamentária para os projetos em andamento,
vedada estará a abertura de procedimentos visando a realização de novos projetos, sem que
estejam devidamente concluídos os anteriormente existentes e atendidas as despesas inerentes
à conservação do patrimônio público.
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57. Essa determinação da LRF é consentânea também com o princípio da
indisponibilidade dos bens e serviços públicos. De fato, não cabe ao gestor público paralisar
obra quando bem entenda; se realizou licitação e celebrou contrato para execução de
determinada obra, o Estado demonstrou à coletividade a necessidade de sua realização,
devendo, portanto, fazer a obra, nos termos do contrato celebrado.
58. Além disso, a conclusão das obras públicas já iniciadas se impõe por força dos
princípios da moralidade administrativa e da eficiência do serviço público, contemplados
no art. 37 da Constituição da República de 1988.
59. Em última análise, o abandono das obras públicas iniciadas pode até mesmo
caracterizar ato de improbidade administrativa, capitulado no art.10 ou 11 da Lei 8.429/92,
em razão de dano ao erário e ofensa a princípios da Administração.
III.4 – Dever-poder de agir do Estado com observância aos princípios da
discricionariedade mínima e da eficiência
60. Ao se tratar da inércia estatal, obrigatoriamente adentra-se no âmbito do
dever-poder de administrar. Os deveres-poderes do administrador público são expressos em
lei, impostos pela moral administrativa e exigidos pelos interesses da coletividade.
61. O poder de agir se converte no dever de agir, para que a Administração Pública o
exerça em benefício da coletividade. Logo, se no direito privado o poder de agir é uma
faculdade, no direito público é uma imposição, um dever infligido ao agente público, pois não
se admite a omissão da autoridade diante de situações que exijam a sua atuação.
62. Ao lado do dever-poder de administrar está o dever de eficiência, que impõe a
todo agente público realizar suas competências com presteza, perfeição e rendimento
funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser
desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e
satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e dos seus membros.
Semanticamente, eficiência significa a ação que produz efeito, que dá bom resultado.
Juridicamente, a eficiência impõe ao administrador estatal que atue as suas funções com
presteza, perfeição e rendimento apropriado.
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63. Por tudo isso, as medidas pretendidas com a propositura da presente ação devem
ser acolhidas integralmente, vez que não se inserem no âmbito do poder discricionário dos
demandados, cuja observância estaria jungida a critérios de conveniência e oportunidade.
Antes, constituem imposições normativas, deveres inafastáveis, previstos pela Constituição
Federal e legislação infraconstitucional, como, há algum tempo, já vem ressaltando a melhor
jurisprudência pátria.
64. Verdadeiramente, as normas constitucionais de 2ª geração impõem ao Estado o
dever de mecanismos de proteção e efetivo exercício dos direitos econômicos, sociais e
culturais, engendrando correlatamente para o cidadão o direito a prestações, que se
concretizam por meio de políticas públicas. No âmbito constitucional, que também se
imbrica com renovação das práticas políticas, o administrador público está vinculado às
políticas públicas. A sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de
discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.
65. Conclui-se, pois, que hoje impera o princípio da discricionariedade mínima da
Administração Pública na estruturação e funcionamento das políticas públicas constitucionais,
o que, destarte, acha-se longe da conduta omissiva dos réus, em afronta à legalidade e
eficiência administrativas.
66. No caso concreto, não podem a UNIÃO e o DNIT eximir-se da responsabilidade
de execução das obras no trecho urbano de Uberlândia na rodovia BR-365, antes devem
adotar medidas efetivas para a proteção do patrimônio público e garantia dos direitos ao
transporte, segurança e vida, em observância aos princípios que regem a atuação do
Administrador, principalmente quanto ao princípio da legalidade.
67. Cumpre ainda aduzir que cabe ao gestor público, no exercício da
discricionariedade administrativa, ante a elevado número de demandas a serem executadas em
favor da sociedade e os limitados recursos do Estado, optar, com base na legalidade, dentre as
ações estatais necessárias, as prioridades a serem atendidas. Neste sentido, é notório que
quanto à realização das obras de melhoramentos no trecho urbano de Uberlândia da rodovia
BR-365, o administrador já exerceu sua discricionariedade, declarando a necessidade e
urgência da obra, ao realizar licitação e contratar empresa para execução desses serviços.
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III.5 – Não configuração de invasão do mérito de atos discricionários da Administração
Pública pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário
68. Ad cautelam, este órgão ministerial considera pertinente esclarecer que a causa de
pedir trazida a lume nesta ação, bem como os seus pedidos, não ensejarão interferência
indevida do Ministério Público e do Poder Judiciário sobre competências exclusivas dos
Poderes Legislativo e Executivo.
69. Com efeito, mesmo diante da independência e harmonia dos poderes esses não
estão livres de todos os modos de controle, ao lume da Carta da República (art. 2º e 127).
Assim, o controle da atividade da Administração Pública é tema versado em qualquer
compêndio de Direito Administrativo, sendo amplamente debatido em decisões judiciais e
exercido por todos os Poderes e pelo Ministério Público no desempenho das respectivas
competências constitucionais.
70. Hoje em dia está superada a ideia de que os atos discricionários não podem ser
objeto de controle judicial, máxime diante de um Estado que se pretende Democrático, que
rechaça a existência de “redutos estatais” imunes ao controle social e institucional previsto
constitucionalmente.
71. De outro giro, certo é que o “poder” (competência) discricionário submete-se ao
princípio da juridicidade. Vale dizer, não há discricionariedade que não seja regrada pelo
direito (máxime pela Constituição), e se o direito, vulgarmente, é regramento de condutas, a
conduta dita discricionária a ele se submete. Fato é que, jamais, valendo-se do manto da
discricionariedade, pode-se justificar a violação à legalidade, seja por ação ou omissão. O
“mérito” administrativo pode ser aferido e controlado, mormente quando se converte em
instrumento de toda sorte de ilegalidades.
72. De todo modo, discute-se na presente ação a inobservância de comportamentos
vinculados, pois que previsto às expressas nos atos normativos supra explicitados. Não há,
portanto, que se falar em discricionariedade. Sendo assim, se o Poder Executivo queda-se
inerte, em desatendimento aos imperativos legais e constitucionais, será sempre legítimo o
Judiciário intervir. E essa resposta judicial decorre da própria noção moderna de Direito
Administrativo Constitucional.
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73. De fato, não existe discricionariedade quanto à observância da lei, e é disso que
cuida estes autos: de exigir o cumprimento da lei. Dito de outro modo: o administrador não
tem opção de escolha entre cumprir ou não cumprir a lei. Com efeito, a leitura tradicional do
princípio da separação dos poderes preceitua que cada um dos Poderes é independente, em
princípio, nos seus processos decisórios, mas acha-se sujeito à interferência dos outros
Poderes nas situações expressamente previstas em lei e no texto constitucional.
74. Em relação à execução de políticas públicas constitucionais, hoje se impõe o
princípio da discricionariedade mínima da Administração Pública. A esse respeito, vale
observar o conteúdo veiculado no informativo nº 345 do STF, que trouxe à discussão a
intervenção do Poder Judiciário em tema de concretização de políticas públicas. Naquele
caso, conclui o relator, Ministro Celso de Mello, pela inoponibilidade do arbítrio estatal à
efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais.6
75. A possibilidade de intervenção do Judiciário em razão do inadimplemento estatal
na implementação de políticas públicas, com previsão constitucional, para concretização de
direitos fundamentais, tem sido reiteradamente admitida pelo Supremo Tribunal Federal, em
diversos precedentes, a saber: direitos de pessoas com deficiência (ARE-AgR 860979), direito
à educação (ARE-AgR 769977, ARE-AgR 639337), direito à assistência judiciária aos
necessitados (AI-ED 598212 e RE-AgR 763667), direito à saúde (ARE-AgR 740800, RE-
AgR 642536), direito à segurança pública (RE-AgR 367432).
76. O mesmo caminho é apontado pela doutrina: “A constituição confere ao legislador uma margem substancial de
autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado 'livre espaço de conformação' (...). Num sistema político pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversas concretizações, consoante as alternativas periodicamente escolhidas pelo eleitorado. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos.
6 “EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”
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Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional.
No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.
A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios condição da justiça social.
Entretanto, a negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como consequência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais.7
77. Dessa forma, não há possibilidade de se exercer qualquer juízo de oportunidade
ou de conveniência relativamente à concretização de políticas públicas imprescindíveis à
realização os direitos fundamentais.
78. Além disso, a indispensabilidade da intervenção judicial nessas hipóteses decorre
diretamente do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, em estrita consonância
com a ideia de força normativa da Constituição. Vale destacar que a moderna concepção do
direito fundamental à inafastabilidade da jurisdição, sufragado pela Carta Constitucional,
(artigo 5º, inciso XXXV), assegura não só o acesso à Justiça, mas o direito a uma tutela
jurisdicional efetiva e adequada.
79. A primazia que ocupa o cumprimento às políticas públicas de índole
constitucional, em cotejo com a urgência que o caso requer, justifica a intervenção do Estado-
Jurisdição na espécie, para efetivação dos direitos fundamentais em questão, diante da
ausência ou falha de atuação pelo Estado-Administração.
7 KRELL, ANDREAS JOACHIM. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha, p. 22-23, 2002, Fabris.
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III.6 – A inaplicabilidade da “reserva do possível”
80. Em síntese, preceitua a denominada “reserva do possível” que a Administração
Pública, haja vista as suas limitações (principalmente orçamentárias), supostamente não
poderia ser obrigada a atender todas as necessidades públicas (que são infinitas).
81. A alegação ora referida, em verdade, atende a situações excepcionais, não sendo
permitido invocá-la, de maneira genérica, para justificar a omissão ilícita, a morosidade ou a
ineficiência da Administração Pública, para afastar-se de suas obrigações, todas elas previstas
em atos normativos que lhe impõem comportamentos vinculados.
82. Ademais, a arguição deve ser contrastada com o princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana e com a eficácia dos direitos fundamentais. Afinal, conforme já
reconhecido pelo STF, a dita “reserva do possível” não pode encetar o menoscabo de direitos
fundamentais, relegando-os a meras “promessas constitucionais vazias”.
83. Lado outro, a partir da dimensão positiva da separação dos poderes, há de ser
reconhecida a possibilidade do Judiciário, para tutelar interesses legítimos, conceder o
provimento necessário para a fruição do direito violado. O que se pretende é a adoção de uma
postura (ativa) em defesa do interesse público, para que seja adotada uma solução mais
consentânea com os interesses em jogo. Aliás, não se pode ignorar que esta indicação judicial
de soluções configura, sim, uma interferência. Porém, não se trata de interferência ilegítima.
Caso contrário, qual seria, então, a alternativa? Deixar as coisas como estão?
84. No atual contexto de disputas alocativas e crise econômica, destaca-se a
importância de uma ingerência judicial na priorização de demandas. Assim, o argumento da
reserva do possível não pode ser adotado como forma de justificar a inadimplência da
Administração Pública no cumprimento de seus deveres institucionais, mormente diante
reiteradas violações a direitos fundamentais.
85. Ante os fatos enunciados na presente, evidente que tal opção não convém mais ao
interesse público. Daí porque a solução encaminhada judicialmente é a melhor em relação ao
estado atual das coisas, além de consubstanciar uma tentativa (válida) de reconduzir a
administração pública aos trilhos da legalidade, com o escopo de salvaguardar o interesse
público.
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III.7 – A responsabilidade civil do Estado
86. O Estado tem o dever de reparar danos causados a terceiros por seus atos e,
segundo o disposto no art. 37, §6º, da CRFB 1988, a responsabilidade civil do Estado é
objetiva, ou seja, independe da demonstração de culpa do ente estatal, bastando comprovar-se
o dano e o nexo de causalidade do dano com o ato estatal, seja este ato comissivo ou
omissivo, com base na denominada teoria do risco administrativo: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
87. Na presente demanda, resta demonstrado que o Estado brasileiro, representado
pela União e DNIT, já reconheceu a patente necessidade de realizar obras de melhorias para
adequação de capacidade e segurança na Rodovia BR 365/MG, na travessia urbana de
Uberlândia, MG, que não apresenta segurança aos seus usuários, gerando um elevado número
de acidentes com pessoas gravemente feridas e mortas.
88. É dever do Estado, conforme também demonstrado, garantir o direito ao
transporte, à vida, à segurança e ao trânsito seguro. Assim, a omissão e o retardo injustificado
da conclusão das referidas obras é conduta estatal que vem gerando danos aos usuários que
são vítimas de acidentes automobilísticos que poderiam ser evitados caso o Estado tivesse
agido de acordo com o ordenamento jurídico e realizado as devidas obras na via, dando
concretude aos direitos citados.
89. Desse modo, é patente que a cada acidente com pessoa gravemente ferida ou
morte temos um dano e o nexo de causalidade entre este dano e a conduta estatal omissiva de
não realizar as obras necessárias à segurança da via, ou de realizá-las a destempo.
90. Cumpre observar que o texto constitucional não diferencia a conduta estatal
comissiva ou omissiva quando dispõe a respeito da responsabilidade objetiva do Estado, de
modo que tanto o fazer quanto o não fazer (no caso a mora na execução das obras na BR-365)
geram o dever de indenizar o dano causado por acidente na via, independente da
demonstração de culpa do Estado, que, no caso, se encontra indubitavelmente presente, mas
apenas será objeto de apreciação em eventual ação de regresso contra o agente público
responsável pela omissão.
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91. A União e o DNIT têm o dever de garantir os direitos ao transporte, à segurança, à
vida e ao trânsito seguro aos usuários da BR-365, e a atuação estatal requerida é possível.
Assim, ante a conduta omissiva do Poder Público, no caso de dano aos administrados
(acidente), impõe-se a responsabilidade civil do Estado.
92. Desse modo, o Ministério Público Federal pede que, caso ocorra, no trecho objeto
da presente demanda, após a propositura desta ação, acidente automobilístico do qual resulte
morte ou ferimento grave, e que laudo pericial demonstre que o acidente teria grande
probabilidade de ser evitado caso as obras na rodovia já estivessem concluídas, sejam a União
e o DNIT condenados a indenizar a vítima, no caso de ferimento grave, no montante de, no
mínimo, R$100.000,00 (cem mil reais), e a família da vítima, no caso de morte, no montante
de, no mínimo, R$300.000,00 (trezentos mil reais). Em caso de procedência desse pedido, sua
liquidação e execução ocorreriam na forma do art. 97 e seg. da Lei 8078/1990.
III.8 – O dano moral coletivo
93. Segundo Carlos Alberto Bittar: “o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova de culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa)”.(RT, 12/44, p. 55/59).
94. Neste caso concreto, os sucessivos atrasos e paralisações nas obras e, por fim, o
completo abandono do campo de trabalho pela ARAGUAIA, aliados à omissão dos entes
públicos na retomada dos serviços na rodovia BR-365 e adoção de medidas emergenciais,
causaram e vêm ainda causando danos diretos à coletividade, uma vez que a falta de
adequação da rodovia coloca em risco todos os usuários, conforme se infere do elevado
número de acidentes no trecho.
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95. A situação é especialmente grave no trevo do bairro Taiaman, conforme relatado
na representação do Deputado Federal Weliton Fernandes Prado (f. 282-293) e evidenciado
em diversas reportagens na imprensa, tendo sido, inclusive, alvo de manifestações dos
moradores da região. 8
96. Outro ponto crítico é no trecho de cerca de 2 km, entre a interseção com a rodovia
BR-050 e a Avenida Cesário Crosara, no qual a pista central encontra-se interditada e todo o
tráfego, inclusive caminhões e carretas pesadas, foram desviados para as duas faixas estreitas
das avenidas marginais Minervina Cândido de Oliveira e Paulo Roberto Cunha Santos. Esse
desvio vem causando sérios transtornos e prejuízos aos moradores e comerciantes do local
(barulho, poeira, risco de acidentes, rachaduras nas casas, redução do número de clientes),
conforme constatado pelo Ministério Público Federal em vistoria realizada no último dia 25
de janeiro e em reportagens divulgadas na imprensa. 9
97. A ordem de início dos serviços foi assinada em 10/12/2012, com toda pompa e
circunstância, em concorrida cerimônia em Uberlândia, à qual estavam presentes o então
Deputado Federal Gilmar Machado, prefeito recém eleito à época, e o Ministro dos
Transportes, o qual anunciou que as obras seriam finalizadas em até um ano e oito meses (ou
seja, agosto de 2014). 10
98. Já se passaram três anos desde essa ocasião, com todos os transtornos inerentes a
uma obra em curso, e apenas 10% do total de serviços foi executado. A previsão é de a
conclusão dos serviços se estenda por mais 630 dias, a partir da ordem de retomada das
atividades. Na melhor das hipóteses, se as obras fossem retomadas imediatamente e tudo der
certo, elas estariam concluídas somente em 2018. Até lá, certamente ocorrerão inúmeros
novos acidentes, que poderiam ser evitados se as obras já estivessem prontas, sem falar nos
diversos transtornos sofridos pelos moradores, comerciantes e usuários da via.
8 http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2013/11/obra-em-trincheira-no-bairro-taiaman-de-uberlandia-continua-paralisada.html http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2015/06/problema-com-travessia-de-moradores-em-bairro-de-uberlandia-persiste.html http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2015/08/moradores-manifestam-novamente-para-pedir-trincheira-em-uberlandia.html http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/obras-iniciadas-perimetro-urbano-da-br-365-continuam-paradas/ https://www.youtube.com/watch?v=rm0LQ6E8vn8 (BALANÇO GERAL - BR-365: obras paradas há três anos), de 24/11/15. https://www.youtube.com/watch?v=22oYsJqxHdk (BALANÇO GERAL - BR-365: obras paradas há três anos), de 5/1/16. 9 http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/desvio-nas-obras-sob-a-br-365-aumenta-trafego-e-gera-transtorno-na-minervina/ http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/obras-iniciadas-perimetro-urbano-da-br-365-continuam-paradas/ 10 http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/uberlandia-recebe-verba-para-construcao-de-duas-trincheiras-na-br-365/
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99. Portanto, a conduta ilícita dos requeridos gera dano moral à coletividade e deve
ser devidamente reparada, com fundamento nos arts. 5º, V e X, e 37, §6º, da CRFB 1988, art.
186 e 927, caput e §único, e art. 3º da Lei 7347/1985, mediante sua condenação ao pagamento
de indenização, não inferior a R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais), considerando a
gravidade, extensão e tempo de duração do dano.
IV – PEDIDOS LIMINARES
100. O objetivo principal da presente demanda é obter a condenação dos réus em
obrigação de fazer consistente em promover a imediata retomada das obras de melhorias
viárias na rodovia BR-365, no trecho urbano do Município de Uberlândia, que se encontram
paralisadas, bem como implementar medidas emergenciais destinadas a mitigar os riscos de
acidentes até a conclusão daquelas obras.
101. A garantia constitucional do acesso à justiça, entendida como acesso à ordem
jurídica justa, envolve o correto manejo de figuras de apoio a sua efetivação. Dentre estes
institutos que visam amplificar a prestação jurisdicional encontra-se o mecanismo processual
da tutela de urgência, que nada mais é senão um instrumento de aceleração do provimento
jurisdicional, considerada a forma como a demanda se apresenta. De nada adiantariam
garantias formais sem os mecanismos necessários para determinar a concretude dos direitos.
102. Assim, em prol da realização do direito material objeto desta demanda, vislumbra-
se a possibilidade da antecipação liminar da tutela jurisdicional, com supedâneo no art. 12 da
Lei 7347/85, combinado com o art. 273 do Código de Processo Civil, e, ainda, com o art. 84,
§3º da Lei 8078/1990, aplicável por força do disposto no art. 21 da Lei 7347/1985, tendo em
vista a existência de prova inequívoca a demonstrar a verossimilhança das alegações
(relevância do fundamento da demanda) e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação
(receio de ineficácia do provimento final).
103. No caso, restou demonstrada, à exaustão, a ilicitude da conduta dos réus, que
resultaram em atrasos, paralisações e, finamente, no abandono das obras de melhorias viárias
na rodovia BR-365, no trecho urbano de Uberlândia.
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104. Além disso, diante desse cenário, os entes públicos requeridos vêm se omitindo de
cumprir seu dever legal de promover a imediata retomada de tais obras, bem como de
implementar medidas para mitigar o risco de acidentes até a conclusão dos serviços.
105. Por sua vez, o risco de dano irreparável ou de difícil reparação consiste na
violação permanente de direitos fundamentais da coletividade (segurança viária, mobilidade
urbana eficiente, livre locomoção, vida, integridade física, propriedade, segurança e
transporte), em razão da ausência de condições adequadas para tráfego no trecho urbano de
Uberlândia da rodovia BR-365.
106. Caso se tenha que aguardar a conclusão desta demanda para, em caso de
procedência, só então se exigir a retomada das obras e a implementação das medidas
emergenciais mitigadoras, muitas outras vidas serão perdidas em razão dos acidentes no
trecho, além de todos os outros transtornos que vêm sendo suportados pelos usuários da via,
moradores e comerciantes do local (barulho, poeira, risco de acidentes, rachaduras nas casas,
redução do número de clientes, etc).
107. No caso, vale ressaltar, que, segundo o DNIT, embora já tenha sido contratada a
nova empresa para execução dos serviços remanescentes (Contrato n. 92/2015, celebrado, em
26/03/2015, com a CONSTRUTORA GOMES LOURENÇO S/A, no valor de
R$40.948.230,08 e prazo de vigência até 15/12/2016, f. 280-281), não há nenhuma
perspectiva de prazo para emissão da ordem de início dos serviços. Ora, a manutenção da
situação atual, por tempo indefinido, só tende a agravar os riscos ora apontados.
108. Por outro lado, para que o provimento jurisdicional tenha êxito, é fundamental que
a obrigação imposta aos gestores públicos competentes seja acompanhada da fixação de prazo
certo e cominação de sanção para o caso de descumprimento.
109. Em relação à cominação de sanção para o caso de descumprimento, com base no
art. 461, caput e §§4º e 5º do CPC, deve ser fixada multa diária, em desfavor,
solidariamente, dos entes públicos requeridos e das pessoas dos gestores públicos
responsáveis pelo cumprimento da ordem judicial.
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110. A Administração Pública, no atual modelo de Estado Democrático de Direito,
deve zelar pelo pronto cumprimento das ordens judiciais. A autoridade administrativa tem que
obedecer o comando judicial tão logo seja intimada a tanto, não podendo, ela mesma, opor-se
à voz do Estado-juiz. Afinal, ordem judicial é para ser cumprida; eventual suspensão da
ordem só pode ser buscada no próprio Judiciário. A conduta do agente público que retarda,
propositadamente ou por desleixo, o cumprimento de uma ordem judicial pode configurar ato
de improbidade administrativa, além de responsabilização nas esferas criminal, cível e
administrativa.
111. Apesar disso, como forma de estimular o cumprimento da obrigação de fazer, é
admitida a fixação de astreintes contra a Fazenda Pública. Porém, neste caso, se a sanção for
fixada exclusivamente em face dos entes públicos requeridos, o único prejudicado será o
cidadão-contribuinte, que, ao contrário, deve ser o beneficiário da tutela. Tal medida não terá
o condão de constranger as autoridades públicas desidiosas a cumprir, efetiva e
definitivamente, a obrigação.
112. O constrangimento provocado pela cominação de multa depende do temor do
responsável em ter seu patrimônio desfalcado em razão do descumprimento das medidas
fixadas pelo juiz. No caso das pessoas jurídicas de direito público, como o patrimônio
atingido pela multa pertence a toda a coletividade, a astreinte fixada exclusivamente contra a
Fazenda Pública, sem alcançar os gestores responsáveis pela implementação da medida,
torna-se inóqua e ineficaz, não alcançando a finalidade almejada.
113. Segundo MARCELO LIMA GUERRA, "é muito remota a possibilidade de uma
medida coercitiva como a multa diária exercer uma efetiva pressão psicológica contra a
vontade do exato agente administrativo responsável pelo cumprimento da decisão judicial".
Como se sabe, a ação de regresso mostra-se praticamente inservível para esse fim, em virtude
das conhecidas distorções administrativas a que se sujeita. Para contornar essa ausência de
pressão psicológica exercida pela multa sobre pessoa jurídica de direito público, o autor
sugere "a aplicação da multa diária contra o próprio agente administrativo responsável pelo
cumprimento da obrigação a ser satisfeita in executivis".11
11 Execução Contra o Poder Público. Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n. 100, ano 25, p. 77-78, out.⁄dez. 2000.
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114. LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA, também com base no princípio da
efetividade, concorda que “para conferir efetividade ao comando judicial, cabe a fixação de
multa, com esteio no § 4º do art. 461 do CPC, a ser exigida do agente público responsável,
além de se exigir da própria pessoa jurídica de direito público".12 No mesmo sentido
EDUARDO TALAMINI, segundo o qual "cabe ainda considerar a possibilidade de a multa
ser cominada diretamente contra a pessoa do agente público, e não contra o ente público que
ele 'presenta' - a fim de a medida funcionar mais eficientemente como instrumento de pressão
psicológica".13 CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO também abona esse posicionamento: 14
O poder das astreintes é grande porque incomoda o patrimônio do obrigado, onerando-o dia-a-dia de modo crescente. É autêntico meio de pressão psicológica ou de 'execução imprópria', como se diz em doutrina (v., por todos, CHIOVENDA, CARNELUTTI E LIEBMAN). Fala BARBOSA MOREIRA em sucedâneo da execução. A eficiência das multas diárias, que constituem criação pretoriana francesa do mais absoluto sucesso, levou o legislador brasileiro a consagrá-las em normas expressas, o que fez editar os arts. 644-645 do Código de Processo Civil (agora renovados para maior agilidade) e, bem recentemente, ao inseri-las entre as medidas a serem aplicadas já no processo de conhecimento. O § 4º do art. 461, que as contempla, tem a força de autorizar pressões psicológicas sem a necessidade de instaurar processo executivo, de modo que o próprio juiz emissor de um mandamento possa cuidar de dar efetividade ao mandamento que emitiu. É de plena legitimidade a imposição das multas diárias ao Banco Central ou ao Tesouro Nacional, entidades representadas pelos funcionários impetrados, e também a estes, separadamente e em nome pessoal, para que cumpram. A multa deverá ter valor significativo (percentual sobre o valor devido), sob pena de não exercer sobre os espíritos dos recalcitrantes a desejada motivação a obedecer. É prudente que se conceda aos destinatários dessa sanção um prazo razoável para cumprir, incidindo a multa a partir do dia seguinte ao do escoamento do prazo.
115. A aplicação de astreintes aos agentes estatais responsáveis pelo cumprimento de
obrigações de fazer impostas pelo Poder Judiciário é medida que também vem sendo admitida
pela jurisprudência brasileira, como exemplifica o seguinte julgado do Egrégio STJ: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER. ASTREINTES. VALOR. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. FIXAÇÃO CONTRA AGENTE PÚBLICO. VIABILIDADE. ART. 11 DA LEI Nº 7.347/85. A cominação de astreintes prevista no art. 11 da Lei nº 7.347/85 pode ser direcionada não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes responsáveis pelo cumprimento das determinações judiciais. (REsp 1111562 / RN, Rel. Min. Castro Meira, 2a T., DJe 18/09/2009)
12 Algumas Questões sobre as Astreintes (Multa Cominatória). Revista Dialética de Direito Processual, SP, n. 15, p. 104.. 13 Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer. São Paulo: Editora RT, 2ª ed., p. 247 14 Parecer "Execução de Liminar em Mandado de Segurança - Desobediência - Meios de Efetivação da Liminar". Revista de Direito Administrativo, n. 200, p. 321, junho de 1995
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116. Assim, presentes os requisitos necessários à concessão da tutela antecipada, o
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer seja determinado, em caráter liminar:
(a) que, no prazo de 15 dias, o DNIT e o MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA
elaborem e apresentem em juízo um plano de medidas emergenciais, a
serem implementadas em até 30 dias, para mitigar os riscos à
segurança viária no trecho urbano de Uberlândia da rodovia BR-365,
bem como reduzir os prejuízos de moradores e comerciantes do local,
até a conclusão das obras abrangidas pelo RDC n. 393-2012-00.
As medidas emergenciais deverão incluir, ao menos, a instalação de placas
de sinalização de velocidade e redutores de velocidade (físicos e
eletrônicos) no trecho em questão, especialmente no trevo de acesso ao
bairro Taiaman e nas avenidas Minervina Cândido de Oliveira e Paulo
Roberto Cunha Santos, marginais à rodovia BR-165, com apenas duas
faixas estreitas, para onde foi desviado todo o tráfego, em decorrência da
interdição de um trecho de cerca de 2 km entre a interseção da rodovia
BR-165 com a rodovia BR-050 e a Avenida Cesário Crosara;
(b) que a UNIÃO e o DNIT adotem todas as medidas necessárias
(suplementação orçamentária, repasses financeiros, emissão de ordem
de início dos serviços, etc) para que, no prazo de 30 dias, ocorra a
retomada das obras remanescentes de melhorias viárias na rodovia
BR-365, no trecho urbano do Município de Uberlândia, abrangidas
pelo RDC n. 393-2012-00;
(c) que, a cada 90 dias, os entes públicos réus realizem um evento público,
acessível à população, com ampla divulgação prévia, destinado a prestar
informações e responder questionamentos sobre o andamento das obras
remanescentes de melhorias viárias na rodovia BR-365, no trecho urbano
do Município de Uberlândia, abrangidas pelo RDC n. 393-2012-00, bem
como sobre a implementação das supracitadas medidas emergenciais, até a
conclusão das referidas obras.
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117. Para o caso de descumprimento da ordem judicial, requer-se a cominação de
multa diária, em valor a ser estipulado por esse juízo – mas não inferior a R$50.000,00
(cinquenta mil reais), incidente a cada dia de descumprimento –, em desfavor, solidariamente,
dos entes públicos requeridos e das pessoas dos gestores públicos responsáveis pelo
cumprimento da ordem judicial, a saber, o Ministro dos Transportes, o Superintendente do
DNIT no Estado de Minas Gerais e o Prefeito Municipal de Uberlândia, que deverão ser
pessoalmente intimados da ordem, sem prejuízo da responsabilização dos agentes públicos
por improbidade administrativa e por crimes de desobediência e/ou prevaricação.
118. Na hipótese de descumprimento da ordem judicial, requer-se, ainda, o seqüestro
judicial de recursos orçamentários específicos dos entes públicos requeridos, necessários à
implementação das medidas emergenciais e à retomada das obras remanescentes de melhorias
viárias na rodovia BR-365, no trecho urbano do Município de Uberlândia, abrangidas pelo
RDC n. 393-2012-00.
IV – PEDIDOS FINAIS
119. Após a apreciação dos pedidos liminares, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
requer a citação dos réus, na forma da lei, e, ao final, a procedência dos seguintes pedidos:
(a) a confirmação, em sentença, dos pedidos liminares;
(b) a condenação da UNIÃO e do DNIT, solidariamente, à obrigação de
indenizar as pessoas que ficarem gravemente feridas ou as famílias
das pessoas que vierem a falecer, em decorrência de acidente
automobilístico ocorrido na rodovia BR-365, no trecho urbano do
Município de Uberlândia, a partir da data do ajuizamento da presente
demanda, sempre que perícia técnica comprovar que o acidente teria
grandes chances de ter sido evitado caso as obras abrangidas pelo RDC n.
393-2012-00 já estivessem concluídas, devendo o valor da indenização não
ser inferior a R$100.000,00 (cem mil reais), no caso de ferimento grave, e
R$300.000,00 (trezentos mil reais), no caso de morte;
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(c) a condenação da UNIÃO, DNIT, MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA e
ARAGUAIA ENGENHARIA LTDA, solidariamente, à obrigação de
indenizar o dano moral coletivo causado à sociedade, em valor não
inferior a R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais), considerando a
gravidade, extensão e tempo de duração do dano.
120. Embora o Ministério Público Federal já tenha apresentado prova pré-constituída
dos fatos, constante do anexo Inquérito Civil n. 1.22.003.000582/2009-28, protesta provar o
alegado por todos os meios de provas judicialmente permitidos, especialmente pela produção
de prova documental, testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, enfim, tudo que
se fizer necessário ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no curso do contraditório.
121. Dá-se à causa o valor de R$70.000.000,00 (setenta milhões de reais).
Uberlândia, 29 de janeiro de 2015.
LEONARDO ANDRADE MACEDO
Procurador da República