marziale, nicole - intersecções entre a arte de performance e o marketing de guerrilha

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    Intersecções Entre a Arte de Performance e o Marketing de Guerrilha1 

    Nicole Palucci Marziale2 

    Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

    Resumo

    O estudo objetivou buscar intersecções entre a arte de  performance  e o marketing deguerrilha. Para tanto, realizou-se  a contextualização de ambos os movimentos e posterioranálise, por meio de dados da literatura, das relações entre os âmbitos da arte e da

     publicidade. Ainda, foram tomados como objeto dois casos, a  performance  TrouxasEnsanguentadas, de Artur Barrio, e a ação de guerrilha  Be a mom for a moment , realizada

     pela Unicef. Desse modo, foram traçados possíveis trânsitos entre esses dois movimentos.

    Palavras-chave: performance; marketing de guerrilha; arte e publicidade.

    IntroduçãoA relação entre arte e publicidade é um tema intrincado, que divide opiniões.

    De acordo com Santaella (2005), apenas a partir da instauração da comunicação de

    massas, no contexto da revolução industrial, foi possível encontrar convergência entre

    ambas. Antes disso, havia, desde o Renascimento, uma nítida divisão entre a cultura

    erudita, das belas letras e das belas artes, tida como superior, e que se limitava às

    classes economicamente dominantes, e a cultura popular, “produzida pelas classes

    subalternas responsáveis pela preservação ritualística da memória cultural de um

     povo” (SANTAELLA, 2005:10).

    Já Gibbons (2005) reconhece a publicidade como detentora de um  status 

    inferior, e afirma que, apesar disso, ou talvez até por causa de, a maioria das pessoas

    1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho COMUNICON GRADUAÇÃO, realizado nos dias 5, 6 e7 de outubro de 2015.2 Graduanda do oitavo semestre do curso de Publicidade e Propaganda da Escola Superior dePropaganda e Marketing de São Paulo (ESPM/SP). E-mail: [email protected] 

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    sente-se mais familiarizada com sua ideia, em detrimento da arte. Para muitos, a

     publicidade constitui uma categoria de representação mais facilmente compreensível e

    alcançável. Para Home (2005), apesar de a arte ser tida por muitos como uma

    “categoria universal”, tal afirmação não é verdadeira, pois todas as pesquisas de

    índice de visitação em museus e galerias demonstram que a “apreciação” da arte é

    algo ao qual quase exclusivamente indivíduos pertencentes a grupos de maior renda

    têm acesso. Tais observações colocam em dúvida a efetiva convergência entreâmbitos aparentemente distintos: arte e publicidade.

    Sendo assim, o presente artigo aborda tal controversa temática, por meio da

    comparação das linguagens e objetivos de dois movimentos distintos, a arte de

     performance  e o marketing de guerrilha. Em primeiro lugar, foi feita uma

    contextualização acerca dos dois movimentos e exposição de suas características

     principais, para posteriormente adentrar o referido debate, lançando mão também da

    análise de uma performance, Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e ação deguerrilha  Be a mom for a moment , do Fundo das Nações Unidas para a Infância –

    Unicef.

    Contextualização e Análise dos Movimentos

    O surgimento da  performance como movimento artístico independente data

    do início dos anos setenta, apesar de manifestações nesse sentido terem sido

    realizadas décadas antes (GOLDBERG, 2007). Desse modo, volta-se para os

    futuristas, cujas práticas mantêm alguns pontos de contato com o gênero.

    O Movimento Futurista surge por meio do manifesto publicado por Marinetti,

    em 20 de fevereiro de 1909, no jornal Le Figaro. De acordo com Glusberg (2013), os

    integrantes do movimento, poetas, pintores, dramaturgos e músicos, utilizavam a

     performance como modo de “romper com a arte tradicional e impor novas formas de

    arte” (GLUSBERG, 2013:12), bem como diminuir a distância entre a vida e a arte.

    Ademais, visavam “uma vasta abertura entre as formas de expressão artística”

    (GLUSBERG, 2013:12), além de envolver o público na execução dessas atividades.

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    O Manifesto Futurista teve influência em toda a Europa, e, em especial, na

    Rússia. A geração de artistas da época tinha a intenção de imprimir na arte um ponto

    de vista “novo e inteiramente russo”, por meio de “uma arte essencialmente nacional

    que seguisse os mesmos passos da vanguarda russa da década de 1880”

    (GOLDBERG, 2007:39-40).

    Em 1916, o poeta alemão Hugo Ball e a cantora Emmy Hennings abrem, em

    Zurique, o Cabaret Voltaire, cujo programa incluía saraus,  performances musicais eexposições de pinturas. Além de Ball, colaboravam Tristan Tzara, Hans Harp e

    Richard Huelsenbeck, que, junto a Marcel Janko, fundaram o Dadá, cujas

     performances também influenciaram no surgimento da  performance  como

    movimento independente (GLUSBERG, 2013).

    O movimento foi definido como “rebelião frenética contra a insanidade da

    guerra e do genocídio, a lógica instrumental e a produção de armamento, a política

    nacionalista e a estreiteza de espírito pequeno-burguesa [...]”(SCHNECKENBURGER, 2012:458), e marcada pela “poesia sem sentido, leituras

    chocantes, música ruído, manifesto e trabalhos tipográficos caóticos e fotomontagens

    satíricas” (SCHNECKENBURGER, 2012:458).

     Na mesma época, são notáveis também os progressos alcançados pelo

    departamento de dança e teatro da Bauhaus, sob a direção de Oskar Schlemmer. O

    artista buscava integrar, em uma só linguagem, a música, o figurino e a dança.

    Trabalhos como  Figuras no Espaço  e  Dança no Espaço são tidos como precursores

    da arte da performance (GLUSBERG, 2013).

    Em 1933, com o nazismo, a escola é fechada, “praticamente encerrando com

    isto o capítulo europeu das  performances” (COHEN, 2013:43). Isso faz com que o

    eixo principal do movimento se desloque para a América, por meio da fundação da

    Black Mountain College, em 1936, na Carolina do Norte. O objetivo da instituição era

    o de “desenvolver a experimentação nas artes e de incorporar a experiência dos

    europeus” (COHEN, 2013:43).

     Nos anos 50, encontra-se mais um dos precursores da arte da performance, o

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    artista plástico estadunidense Jackson Pollock. Por meio de sua action painting , o

    artista transforma, como assinala Glusberg (2013:27), “o ato de pintar no tema  da

    obra, e o artista em ator ”. Sobre a arte de Pollock, o artista Allan Kaprow (2003)

    ainda comenta como esta tende a se libertar de amarras, romper bruscamente com a

    tradição de pintores, além de acrescentar um pouco de vida à arte.

    Já entre 1957 e 1958, Kaprow percebia a “necessidade de dar mais

    responsabilidade ao espectador” (KAPROW apud GLUSBERG, 2013:32), de modoque tal intenção vai culminar no surgimento do happening . Este é examinado pelo

    artista em seu livro de ensaios The Blurring of Art and Life (ARMAND, 2003).

    Armand (2003) nota como o happening   surgiu nos Estados Unidos em um

     período de instabilidade e incertezas, pós Segunda Guerra Mundial. No Japão, a partir

    de 1955, esteve presente nas das atividades do grupo Gutai, e na Alemanha, por meio

    do Fluxus, que emergiu do Dadaísmo e promoveu experimentação, além de possuir

    viés político e social.Em The  Blurring of Art and Life, Kaprow enumera algumas características

    essenciais do happening , sob a forma de regras. Entre elas estão: o limite entre o

    happening  e a vida cotidiana deve ser fluido e o mais indistinto possível; o happening  

    deve ser disperso através de localidades amplas, possivelmente cambiáveis; os

    happenings  devem ser realizados apenas por não profissionais, e não devem ser

    ensaiados; não deve haver um público para assistir a um happening : todos os

    envolvidos na ação tornam-se parte real e necessária do trabalho (KAPROW, 2003).

    De 1960 para 1970, observa-se a passagem do happening  para a performance 

    e sua consolidação como movimento artístico independente. As duas práticas,

    entretanto, ainda guardam diversos pontos comuns, e advêm de uma mesma raiz,

    conforme ressalta Cohen (2013). O autor nota como ambos são “movimentos de

    contestação tanto no sentido ideológico quanto formal”, apoiam-se na live art, “em

    detrimento da representação-repetição”, além de possuírem “uma tonicidade para o

    signo visual em detrimento da palavra” (COHEN, 2013:135).

    Quanto às suas diferenças, a principal característica dessa transição é o

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    “aumento da esteticidade” (COHEN, 2013:134). Ainda, para o autor, “isso decorre

    tanto da necessidade de passar signos mais elaborados que demandam um maior rigor

    formal, quanto do desejo dos artistas de produzir uma obra mais delineada, menos

     bruta” (COHEN, 2013:134).

    De modo geral, para Glusberg (2013:46), “a arte da performance é o resultado

    final de uma longa batalha para liberar as artes do ilusionismo e do artificialismo”.

    Mais à frente, em torno de 1979, nota-se que a  performance aproxima-se dacultura popular, em um contexto no qual “despontava uma atmosfera muito diferente,

    caracterizada por pragmatismo, espírito empresarial e profissionalismo, elementos

     profundamente alheios à história da vanguarda” (GOLDBERG, 2007:239).

    Um exemplo dessa aproximação é o da artista Laurie Anderson, cuja obra

    United States cruzou a fronteira entre a “arte erudita” e a “arte popular”. Tratava-se de

    uma “composição musical com oito horas de duração e formada por canções,

    narrativas e estratagemas visuais apresentada na Brooklyn Academy of Music emfevereiro de 1983” (GOLDBERG, 2007:241). Com tal  performance,  Anderson

    conseguiu alcançar vastos segmentos de público e, inclusive, assinou um contrato

    com a Warner Brothers em 1981, o que Goldberg assinala como o “‘nascimento’ da

     performance para a cultura de massas” (2007:241).

    Em meados da década de 80, dá-se a “completa aceitação da performance

    como ‘entretenimento de vanguarda’ moderno e divertido”, conforme assinala

    Goldberg (2007:247). Segundo a referida autora, isso ocorreu devido à uma virada da

     performance  para o espetáculo, “e sua atenção para o cenário, os figurinos e a

    iluminação, além da aproximação com os meios de expressão mais tradicionais e

    conhecidos como o cabaré, o teatro de variedades, o teatro tradicional e a ópera”

    (GOLDBERG, 2007:247).

    Diante disso, criou-se um novo híbrido, entre as belas-artes, de um lado, e os

    recursos do teatro tradicional, de outro. (GOLDBERG, 2007). Desse modo, ainda

    segundo a autora, “a linha divisória entre o teatro tradicional e a performance tornou-

    se assim indistinta” (GOLDBERG, 2007:251).

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    Sendo assim, quanto às manifestações da performance, pode-se concluir:

    A expressão “arte da  performance” tornou-se um signo abrangente quedesigna todo o tipo de apresentações ao vivo – desde instalações interativasem museus a desfiles de moda altamente criativos ou apresentações de DJ’sem clubes noturnos – obrigando o público e os críticos a deslindar asrespectivas estratégias conceituais, verificando se estas se enquadram melhornos estudos da performance ou numa análise mais convencional da cultura

     popular (GOLDBERG, 2007:281).

    O conceito de marketing de guerrilha, por sua vez é definido por Nufer

    (2013:1) como:

    [...] uma abordagem de marketing alternativa e holística. O conceito designa aseleção de atividades de marketing atípicas e não-dogmáticas que visamatingir o maior impacto possível com o mínimo de investimento. O marketingde guerrilha se tornou uma estratégia básica prevalecendo sobre o marketingmix, uma atitude básica de política de marketing para desenvolvimento deMercado que vai além das estratégias habituais para conscientemente buscar

     possibilidades não convencionais, desconsideradas e possivelmente malrecebidas para a implementação de ferramentas. (tradução livre nossa)3 

    A passagem de Levinson (2010:35) facilita o entendimento do “espírito” do

    conceito e quanto ao uso de suas ferramentas:

    O marketing de guerrilha exige que você compreenda todas as facetas do

    marketing, teste muitas delas, descarte as perdedoras, dobre as vencedoras e,então, adote as táticas que se mostrem eficientes para você no campo de batalha da vida real.

    Entre as abordagens não convencionais utilizadas pelo marketing de guerrilha,

     para o propósito deste artigo, foram consideradas práticas específicas, conforme

    3 Guerrilla marketing is as an alternative, holistic marketing approach. The concept designates theselection of atypical and non-dogmatic marketing activities that aim to achieve the greatest possibleimpact with a minimum investment. Guerrilla marketing has developed into a basic strategy

    overarching the marketing mix, a basic marketing policy attitude for market development that goes offthe beaten track to consciously seek new, unconventional, previously disregarded, possibly evenfrown-upon possibilities for the deployment of tools.

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    teorizadas por Annalisa Cattani: “trata-se de campanhas não-tradicionais que tomam

    forma de cenas ou eventos públicos realizados de forma teatral, geralmente realizados

    sem permissão de órgãos municipais” (CATTANI, 2010).

     Nesse contexto, a autora aproxima as ações de marketing de guerrilha à arte

     pública, na qual destaca a presença dos happenings  e da  performance. Entre suas

    similaridades, a autora alude à importância de sua realização no espaço público, e a

     possibilidade de criarem um estranhamento no cotidiano, à medida que se dão deforma repentina e são orientadas para os indivíduos presentes (CATTANI, 2010).

    Entretanto, a autora destaca como o marketing de guerrilha tem um objetivo

    claro e direcionado ao público, seja o de vender um produto ou anunciar um filme.

    Por esse motivo, a artista questiona se práticas como o marketing de guerrilha

    colocariam em questão o poder criativo da arte contemporânea (CATTANI, 2010).

    O discurso de Levinson (2010:21) segue o mesmo sentido, quando o autor se

    refere ao marketing como “a forma de arte mais eclética que existe”, já que “escrever,desenhar, fotografar, dançar, fazer música, publicar e representar, todas são tipos de

    arte”, e, entretanto, faz uma ressalva: “Mas, por enquanto, deixe de lado essas ideias

    de que o marketing é uma ciência e uma arte.  Martele na sua cabeça a ideia de que,

    no fundo, o marketing é um negócio. E o objetivo de qualquer negócio é dar lucro”

    (LEVINSON, 2010:21).

    Arte e Publicidade: relações em debate

    Diante das observações descritas é possível adentrar a discussão inicialmente

     proposta sobre a interação entre arte e publicidade. Assim, Tosin (2006) evidencia os

    debates mais recorrentes em tal contexto: de um lado, o que questiona a publicidade

    como manifestação artística, e por outro, quanto às transformações sofridas pelo

    conceito de arte ao longo do século XX. O autor inicia, então, um diálogo sobre o

    hibridismo entre esses dois universos, baseado em contrastes e semelhanças, e nota

    que arte e publicidade atuam lado a lado, junto à vida cotidiana dos indivíduos:

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    Arte e publicidade, nas últimas décadas, juntaram-se à vida cotidiana atravésdos processos de espetacularização da cultura, permeando as subjetividadesdos indivíduos, e passando a manifestar suas influências nas ações eideologias que transcendem as instâncias do consumo, infiltrando-se em todosos setores da vida pública e privada (TOSIN, 2006:3).

    Para entender as transformações sofridas pelo conceito de arte ao longo de

    século XX, às quais Tosin se refere, vale notar que Lorenzo Mammì destaca o

    declínio da era dos manifestos na década de 1960, momento em que “a arte deixa de

    se impor limites”, de modo que “qualquer objeto visual poder se tornar obra”

    (MAMMÌ, 2012:20). Diante disso, aquela “adquire uma liberdade muito maior que no

     passado” (MAMMÌ, 2012:20). Tal entendimento revela uma maior flexibilidade no

    conceito de arte, o que facilitaria o hibridismo entre os dois universos aqui estudados.

    Adorno, por outro lado, estabelece uma rígida divisão entre eles, de acordo

    com sua teoria da indústria cultural, na qual a publicidade estaria inserida. Para o

    autor, o sentido de existência da arte é o de proporcionar prazer. Contudo, esse

    ressalta a diferença entre tal prazer e a diversão fornecida pela indústria cultural, feita

     para o consumidor que, física e psiquicamente desgastado, “precisa de estímulos

    sensíveis que o façam recobrar a satisfação por sua identidade” (FREITAS, 2003:28).

    Sendo assim, o prazer que emana da arte só é passível de ser experimentado caso “não

    estejamos totalmente inseridos nessa máquina capitalista de gerar riquezas e também

    tenhamos um ego forte, que não necessite das bajulações narcisistas da cultura de

    massa” (FREITAS: 2003:29).Para complementar a discussão, vale notar a opinião de outros autores e

     publicitários, conforme elencado por Tosin (2006). Sendo assim, para Jorge

    Maranhão, a publicidade não perderia seu caráter artístico por ser publicitária. Já para

    o poeta, artista gráfico e ex-publicitário Sebastião Nunes, a atividade é vista como

    “uma técnica de comunicação a serviço das ideologias econômicas, sem nenhum

    envolvimento com o mundo que retrata, onde o único compromisso é com a caixa

    registradora” (TOSIN, 2006:4). A visão de Nunes se aproxima, inclusive, da jácomentada teoria da indústria cultural de Adorno, já que, de acordo com ela:

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    As mercadorias culturais da indústria se orientam, como dissertam Brecht e

    Suhrkamp há já trinta anos, segundo o princípio de sua comercialização e não

    segundo o seu próprio conteúdo e sua figuração adequada. Toda a práxis da

    indústria cultural transfere, sem mais, a motivação do lucro às criações

    espirituais (ADORNO, 1977:289).

    Tosin (2006), por outro lado, defende o caráter artístico da publicidade, de

    modo que identifica como algumas linguagens da comunicação, nas quais ela está

    inserida, foram “contaminadas pela estética”, de modo que passaram a se manifestar

    artisticamente. Ainda, “a hibridização com as artes se deu com tal intensidade que, em

    alguns casos, é impossível defini-las isoladamente” (TOSIN, 2006:6). O referido autor

    destaca, inclusive, mudanças no próprio modo modus operandi publicitário:

    A forma da propaganda, que tradicionalmente era voltada à referencialidade,a representar seus referentes de forma objetiva, visando convencer alguém emrelação a algo, ao hibridizar-se com o pensamento artístico contemporâneo,

     passou a concentrar se não mais na representação do objeto (produto), masnos efeitos que a marca pode causar à subjetividade, como conexão simbólicaentre diferentes instâncias (PEREZ apud  TOSIN, 2006:7).

    Diante disso, a publicidade assumiria uma via de expressão artística, inclusive

     podendo instigar a participação do receptor. Tal fusão da publicidade com outras

    linguagens contemporâneas se enquadra, ainda, no conceito de sincretismo, que,

    segundo Canevacci “são os trânsitos entre elementos culturais alheios, que levam a

    modificações, justaposições e reinterpretações, que a cada vez podem gerar

    contradições, ambiguidades e paradoxos”. Estes consistiriam, pois, em

    transformações dos modos tradicionais de produção de cultura, consumo e

    comunicação, por meio de “contaminações mútuas entre diferentes manifestações das

    sociedades pós industrializadas” (CANEVACCI apud TOSIN 2006:9).

    Tais teorias em direção à um movimento de hibridização entre os universos da

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    arte e da publicidade, bem como de trânsito entre diferentes linguagens e modos de

     produção de cultura se fazem relevantes ao objetivo do artigo, já que permitem

    vislumbrar possíveis trocas e influências entre ações de  performance e de marketing

    de guerrilha.

     Nesse âmbito, Santaella (2005) critica a identificação, por muitos, da

    comunicação como restrita à comunicação de massas, e das artes como restritas ao

    universo das “belas artes”, o que, segundo a autora, dificulta a visualização de possíveis convergências entre ambas. Sendo assim:

    Alimentar o separatismo conduz a severas perdas tanto para o lado da arte

    quanto para o da comunicação. Por que perde a arte? Porque fica limitada

     pelo olhar conservador que leva em consideração exclusivamente a tradição

    de sua face artesanal. Por que perde a comunicação? Porque fica confinada

    aos estereótipos da comunicação de massa ( SANTAELLA, 2005: p.6-7).

    Desse modo, para a referida autora, não seria produtiva a separação rígida

    entre as culturas erudita, popular e de massas:

    a cultura de massas provocou profundas mudanças nas antigas polaridadesentre a cultura erudita e a popular, produzindo novas apropriações eintersecções, absorvendo-as para dentro de suas malhas. Em síntese, acomunicação massiva deu início a um processo que estava destinado a setornar cada vez mais absorvente: a hibridização das formas de comunicação ecultura ( SANTAELLA, 2005:11). 

    Análise da obra de Artur Barrio, Trouxas Ensanguentadas, e da ação de

    guerrilha Be a mom for a moment , da Unicef

    A fim de localizar possíveis intersecções entre os movimentos estudados,

    analisamos a obra de Artur Barrio, Trouxas Ensanguentadas, realizada nas cidades de

    Rio de Janeiro e Belo Horizonte, entre 1969 e 1970, e a ação de guerrilha  Be a mom

     for a moment , da Unicef, que aconteceu em 14 cidades da Finlândia, em 2009.

    Para Arthur Freitas (2013:115-116), é na verdade difícil definir se Trouxas

    Ensanguentadas se trata de “uma única obra ou várias, se um grupo de eventos ou de

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    objetos, se um projeto conceitual ou um único, intervalado e extenso happening ”. O

    autor opta por, a princípio, denominá-lo como obra. Esta consistiu na soma de pelo

    menos duas ações, uma ocorrida no Salão da Bússola, no Museu de Arte Moderna do

    Rio de Janeiro, em 1969, e a outra como parte da mostra Do corpo à Terra, em 1970.

    Tais “trouxas” eram, como define o referido autor, “sacos de abjeções” (FREITAS,

    2013:115) e continham detritos, sobras, “[...] carne e sangue, resquícios da vida, da

    indústria, jornais e espumas, papéis velhos, sacos e panos – o lixo, afinal, a sujeira domundo como matéria-prima, tudo à disposição do artista [...]” (FREITAS, 2013:115).

    A primeira ação, ou, como denominada por Barrio, Situação, dotada de

     propósitos anti-institucionais, aconteceu no Salão da Bússola, no Museu de Arte

    Moderna do Rio de Janeiro, mostra que durou de 5 de novembro a 5 de dezembro de

    1969. O artista então inscreveu dois objetos-trouxas na “categoria etc.”, e despertou

    controvérsia entre os jurados. Quanto à reação do público, tem-se que, “ao longo de

    um mês de exposição, a participação dos espectadores se deu quando os visitantes dosalão, num misto de insubordinação e ironia, espalharam ainda mais lixo na sala do

    museu e escreveram palavrões nos objetos-trouxa” (FREITAS, 2013:147).

    Para Barrio, tais reações apresentavam, ao mesmo tempo, “agressividade e

    apoio por parte dos espectadores” (FREITAS, 2013:147). Se, por um lado, o público

    se somava à obra “na condenação da assepsia museológica”, por outro, discordava da

    “arbitrária aceitação de sacos de lixo num salão de arte. (FREITAS, 2013:147)

    A segunda ação, nomeada Situação T/T,1 (1970), foi realizada nos dias 19 e

    20 de abril, como parte do evento Do Corpo à Terra, organizado por Frederico

    Morais. Ali, Artur Barrio preparou quatorze trouxas e as lançou no riacho do Parque

    Municipal da cidade, “atraindo a atenção da polícia, do corpo de bombeiros, e de uma

    multidão de pessoas” (FREITAS, 2013:141). Para Freitas, dessa vez, a experiência

    reaparecia ainda mais potente do que a realizada no Salão da Bússola, já que:

    [...] Agora, descolados de salões ou museus e potencializados nas ruas da

    capital mineira, os objetos surgiam imersos – literalmente – em novo meio,este ainda mais abjeto, o esgoto, e dialogavam não mais com visitantes de

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    exposições, mas com o sujeito anônimo e ocasional da cidade [...] (FREITAS,2013:160) .

    Sendo assim, em plena ditadura militar, a Situação T/T, 1 visava evidenciar as

    “práticas assassinas do terrorismo de Estado, clandestino ou encoberto”, invocando a

     popular “desova”, de modo que “provocou uma encenação pública, criando assim um

    happening  coletivo em que os passantes reagiam ao saldo macabro, inconstitucional e

    contrarrevolucionário dos grupos de extermínio” (FREITAS, 2013:161).

    Seguindo a proposta deste artigo, vale contemplar um caso de marketing de

    guerrilha, a fim de que suas características sejam analisadas. O caso escolhido para

    estudo foi a ação da Unicef na Finlândia, Be a mom for a moment , realizado em 2009.

    O objetivo da organização era gerar conscientização acerca dos direitos infantis e

    angariar fundos com o mínimo custo possível, além de reafirmar sua posição como

    organização dedicada exclusivamente ao bem-estar infantil.

    Para provocar e gerar discussão, carrinhos de bebê equipados com som foram

    abandonados pelas ruas de 14 diferentes cidades. Dentro do carrinho havia um bilhete

    com a mensagem: “Obrigada por se importar, nós esperamos que existam mais

     pessoas como você. Unicef - Seja uma mãe por um momento”.

    De acordo com a organização, a ação provocou grande repercussão entre o

     público, e o estimado alcance de mídia (televisão, rádio e notícias na internet) foi de

    80% sobre a população finlandesa, após dois dias.

    Diante do exposto, e com base nos casos citados, é possível estabelecer

    relações entre a performance e o marketing de guerrilha. Como foi possível observar

     por meio da contextualização das propostas da arte de performance e dos movimentos

    que contribuíram para sua consolidação, é notável a intenção destes de promover uma

    diminuição da distância entre a vida e a arte, ao diluir os limites entre a performance e

    a vida cotidiana e envolver o público na realização das atividades.

    Tais elementos são notáveis nas Situações de Artur Barrio, principalmente e

    Situação T/T,1, à medida que a obra se confunde com “o corpo social da vida na

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    urbe” (FREITAS, 2013:160), uma vez que ocorre em espaço público, urbano, e

    envolve os passantes na ação.

    Do mesmo modo, a ação  Be a mom for a moment   da Unicef, consiste na

    inserção de um elemento incomum ao espaço urbano e ao cotidiano do público, de

    modo a despertar seu interesse e integrá-lo à ação, como participante.

    Uma vez que o espaço público é parte essencial das duas propostas, vale

    considerar que, para Campolo (2013), a cidade confere um alto potencial devisibilidade, graças à sua predisposição natural para exibir.

    Conclusão

    Sendo assim, buscou-se uma aproximação entre movimentos a princípio tidos

    como distantes, arte de performance e marketing de guerrilha, inseridos nos universos

    da arte e da publicidade, respectivamente. Estes, por sua vez, aparentemente se

    opõem, devido às suas supostas motivações: de caráter crítico e revolucionário nocaso da arte, e pecuniário, no caso da publicidade. Diante do exposto, foi possível

    notar intersecções entre tais esferas, graças aos processos de hibridização das formas

    de comunicação e cultura, com o advento da cultura de massas. Desse modo, a

     publicidade se viu contaminada pela estética, e a arte pôde se apropriar de novas formas

    de linguagem.

    A fim de evidenciar exemplos dessa aproximação, tomamos como objeto de

    comparação casos da arte de  performance  e do marketing de guerrilha, sendo que

    enfatizamos, dentre suas diversas ferramentas, as ações realizadas em espaços urbanos e que

    visavam chamar a atenção do público. De saída, foi possível notar duas intersecções, a

    aproximação com o cotidiano, e a intenção de envolver o público nas atividades, em ambos as

    ações. Posteriormente, pudemos notar que, além dos dois elementos já citados, ambas a

     performance “Trouxas”, e a ação “ Be a mother ”, usaram da inserção de um elemento estranho

    ao cotidiano, de modo a despertar curiosidade e gerar comoção por parte do público, que

    acabou por se tornar participante.

    Vale ressaltar que o intuito do artigo não é mapear ao certo apropriações de um

    movimento pelo outro, mas sim estabelecer possíveis conexões, tanto que, nesse caso, foram

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    abordados objetos temporal e geograficamente distantes. Além disso, ambas as propostas em

    muito diferem, já que “Trouxas” é uma “obra de arte” que tem uma motivação política em um

    contexto de repressão das liberdades individuais, enquanto “ Be a mom” é uma ação

    encabeçada por uma organização, que, apesar de pretender atrair atenção para uma causa,

    objetiva um retorno de mídia e responde a um planejamento de marketing e comunicação.

    Contudo, espera-se, por fim, revelar a possibilidade de hibridização entre esses âmbitos

    aparentemente distantes e distintos, de modo a desconstruir paradigmas anacrônicos que

     pregam a separação entre as diferentes formas de produção de cultura.

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