mapeamento e memorização

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 35 MÚSI C A HOD IE 35 Resumo : O presente artigo é uma versão abreviada da dissertação de Mestrado em Música – Práticas Interpretativas, d e F rancisco K. Wildt, defendida em maio, 2004. O trabalho apresenta uma a plicação prática d o princípio de mapeam ento musical segund o Rebecca Pay ne Sh ockley (  Mappi ng Mu si c: fo r F ast e r Learni ng and S e cur e Me mo r y , 1997), procurando demonstrar a aplicabilidade do princípio na memorização de uma obra não tonal. O trabalho discute a importância da memorização n a execução pianística, bem como n o processo de aprendizado deste instrumento para então oferecer uma d emonstração d a aplicaçã o do princípio através de exemplos. Através de um a abordagem prática, o propósito é contribuir no que diz respeito ao desenvolvimento de processos sistemáticos de memorização na prática pianística. A peça escolhida para a aplicação é a  Sonat i na Nº 3 d e Juan Carlos Paz, composta em 1933. Palavras-chave: Memorizaçã o; Mapeamento; Execução pianística. The use of mapping for memorization in the All egr o M oder ato o f  S onati na N º 3 by Juan Carlos Paz: a practical approach Abstract:  T his stud y is a n a bbreviated version of the Master thesis in Piano Performance by Francisco K. Wildt, concluded in May, 2004. It presents a practical application of Rebecca Payne Shockley’s principle of mapping music (  Mappin g Musi c: fo r F ast e r Learni ng and Secure  Memo r y , 1997) in the memorization of a non-tonal work. The stud y d iscusses the importance of memorization in pian o performance and teaching the instrument, as w ell as a demonstration of the application of th is principle through examples. In this practical approach , the goal is to contribute to the development of systematic processes of memorization in pian o practice. The w ork chosen w as Son atina No. 3 by Juan C arlos Paz, composed in 1933. Keywords:  Memorizat ion; Mapping; Piano performance. Introdução Através da vivência nos meios em que se cultua e ensina a arte de tocar piano, chega-se à percepção de que o emprego de procedimentos O USO DE MAPEAMEN TO NA MEMORI ZAÇ ÃO DO ALLE GRO MODE RATO DA SONATIN A N º 3, DE  J UAN CARLOS PAZ: UMA ABORDAGEM PR ÁTIC A Francisco Koetz Wildt [email protected] Any Raquel Carvalho [email protected] Cristina Capparelli Gerling [email protected]

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 35MÚSICA HODIE 35

Resumo: O presente artigo é uma versão abreviada da dissertação de Mestrado em Música –Práticas In terpretativas, d e Francisco K. Wildt, d efend ida em ma io, 2004. O trab alho apresentauma a plicação prática d o princípio de mapeam ento musical segund o Rebecca Pay ne Sh ockley(Mapp in g Music: for Faster Learn in g and Secur e Memory , 1997), procurando demonstrar aaplicabilidade do princípio na memorização de uma obra não tonal. O trabalho discute aimportância da memorização n a execução pianística, bem como n o processo de aprendizadodeste instrumento para então oferecer uma d emonstração d a aplicaçã o do princípio através deexemplos. Através de um a a bordagem prática , o propósito é contribuir no q ue diz respeito ao

desenvolvimento de processos sistemáticos de memorização na prática pianística. A peçaescolhida para a aplicação é a Sonati na Nº 3 de Juan Carlos Paz, com posta em 1933.

Palavras-chave: Memorização; Mapeamento; Execução pianística.

The use of mapping for memorization in the Al l egro M odera to of Sonat i na N º 3 by JuanCarlos Paz: a practical approach

Abstract: This stud y is a n a bbreviated version of th e Master thesis in Pia no Performan ce byFrancisco K. Wildt, concluded in May, 2004. It presents a practical application of RebeccaPayn e Shockley’s principle of mapping music (Mappi ng Music: for Faster Learn in g and Secure 

Memory , 1997) in th e memorization of a n on-tona l w ork. The stud y d iscusses the importan ceof memorization in pian o performance and teaching the instrument, as w ell as a demonstrationof the application of th is principle through examples. In th is practical approach , the goal is tocontribute to th e development of systematic processes of memorization in pian o practice. Thew ork chosen w as Son atina No. 3 by Juan C arlos Paz, composed in 1933.

Keywords: Memorization; Mapping; Piano performance.

Introdução

Através da vivência nos meios em que se cultua e ensina a arte de

tocar piano, chega-se à percepção de que o emprego de procedimentos

O USO DE MAPEAMENTO NA MEMORIZAÇÃO DOALLEGRO MODERATO DA SONATINA Nº 3, DE

 J UAN CARLOS PAZ: UMA ABORDAGEM PRÁTICA

Francisco Koetz [email protected]

Any Raquel [email protected]

Cristina Capparelli [email protected]

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36 MÚSICA HODIE36 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

sistemáticos para a memorização musical aind a não é totalmente integrado ao

cotidiano dos pianistas. As atividades musicais envolvendo recitais públicos,

as quais normalmente dispensam o uso de partitura, conferem especial

relevância às discussões que tratam de aspectos relacionados à memória na

execução pianística. Mesmo que se possa contar com a opção de se tocar compartitura, a memorização musical é um elemento integrante da tradição de

apresentações públicas e, além disso, é parte essencial do processo de

aprendiza do e desenvolvimento musical. A opção pela memorização, n o que

tange às execuções em público, é feita espontaneamente por grande parte dos

intérpretes, mesmo qua ndo isto implica em um esforço maior de preparação.

Diversos fatores podem determinar esta escolha como, por exemplo, o aspecto

visual da execução, o qual pode ser favorecido pela ausência da partitura. A

liberdade corporal da q ual se pode usufruir ao longo de uma execução sem a

partitura é também um dos fatores que podem justificar a decisão, uma vez

que se considere a expressão corporal como um elemento importante na prática

musica l. Além disso, por exigir mais tempo de estudo, a memorização pode vir

a proporcionar um reforço da sensação de intimidade entre o intérprete e a

obra interpretada. Isto vem corroborar a percepção de que executante,

instrumento e música constituem uma unidade. Por outro lado, a possibilidade

de se utilizar a partitura dispensa a necessidade de percorrer todas as etapasenvolvidas na preparação de uma execução de memória. É, portanto, uma

solução na tural em determinada s circunstâncias, como quand o não se dispõe

do tempo necessário para que aquelas etapas sejam levadas a cabo.

Não obstante, a opção pelo uso da partitura muita s vezes decorre

de desconhecimento da existência de processos que possam otimizar a

memorização ou da falta de confiança na capacidade de memorizar. Isto

concorre para que a tarefa da memorização seja real izada através deativida des repetitivas ao instrumento. Estudos ind icam, n o entanto, q ue a

segurança de um a execução de memória nem sempre é garantid a através

do processo da repetição pura e simples. Kaplan, por exemplo, considera

que a memória adq uirida através da mera repetição mecân ica é extremamente

frágil. Segund o este autor, “B asta u ma mud ança nas cond ições em que se

r e a l i z a a e x e c u ç ã o p a r a q u e a m e s m a f i q u e ‘ p e r t u r b a d a ’ c o m a s

conseqüências funestas q ue se conh ecem” (1987, p. 71). S egundo Williamon

)2002) a estratégia basead a em muitas h oras de prática repetitiva nem sempre

garante a execução sem falha s de memória. U ma vez que, à medid a q ue o

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 37MÚSICA HODIE 37

repertório se torna ma is complexo ao longo do processo de desenvolv imento

pianístico, a maneira de aprender baseada somente na memória auditiva

ou na repetição m ecânica torna-se cada vez menos eficaz, fa z-se necessário

que a memória seja treinada. Não apenas possibilitando a execução sem

partitura, mas também tornando o aprendizado mais rápido e eficaz, oreforço da habil idade de memorizar relaciona-se também com outras

ha bilidades musicais, tais como a leitura e a percepção.

Este artigo apresenta o relato de uma experiência pessoal, na qu al

foi realizada uma aplicação prática do processo de mapeamento proposto

por Rebecca Pay ne Sh ockley em seu livro Mapping Music: for Faster Learn ing 

and Secure Memory (1997). O processo proposto por S hockley foi ap licado

na memorização do primeiro movimento (Allegro Moderato ) da Sonatina 

no. 3 de Jua n Ca rlos Paz (1901–1972). Composi tor e teórico, Paz esteve entre

os primeiros a adotarem, na década de 1930, processos composicionais

ca lcados no emprego dos d oze son s (Tabor, 1988). Sua s obra s div idem-se

em qu atro fa ses distin tas: pós-romântica , neoclássica, serial e experimental

(Salgado, 2001. A Sonatina Nº 3 foi escrita em 1933 e antecede a adoção

sistemá tica d e procedimentos relaciona dos com a técnica d e doz e sons.

Sua próxima composição, intitulada Primera Composición Dodecafónica, é

de 1934. A linguagem da Sona tina Nº 3 contém referências tonais quepermitiram a uti l ização de um vocabulário advindo da teoria musical

tradicional n a elaboração deste roteiro de memorização.

1. Aprendizado e memória

O aprendizado, segundo Lundin (1967), é o processo através doq ua l se dá a aq uisição de novos comportamentos. Isto ocorre, por exemplo,

quando um ind iv íduo se propõe ao aprendizado de como tocar um

instrumento. Ou ainda, numa abordagem progressiva do aprendizado

pianís t ico, cada peça nova a ser aprendida representa uma sér ie de

comportamentos a serem a dq uiridos.

A memória, por outro lado, permite a repetição de determinados

comportamentos já adquiridos após a passagem de um dado período de

tempo. O ato de recordar é, portanto, um tipo de ação que começa num

da do in stan te e só se completa num tempo futu ro (Lun din , 1967). No campo

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38 MÚSICA HODIE38 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

da prática pianística, a memória propicia a repetição d os atos envolvidos

n a e x e c u ç ã o , t r a n s c o r r i d o a l g u m t e m p o e n t r e a a q u i s i ç ã o d e s t e s

comportamentos e sua repetição.

Gran de parte do aprendiza do d á-se de modo casua l, como quan do

se aprendem novas formas de falar ou q uan do comportamentos de outraspessoas são imitados, sem que se dê conta de estar fazendo isto. Outros

aspectos do aprendizad o são ma is complexos, como em um experimento

psicológico ou quando se aprende in tencionalmente como tocar um

instrumento musical (Lundin , 1967). O aprendizado envolv ido em

ativida des complexas como a execução instrumental normalmente requ er

mais d o q ue a simples repetição desatenta d e comportamentos. Shockley

aponta para o fato de qu e o aprendizad o musical não d eve se da r com base

na repetição desatenta . Para esta au tora, é imperativo o emprego de métodos

inteligentes e econômicos para aprender e memorizar música. Ela cita o

experimento de Rubin-Rabson (Shockley, 1997), o qual demonstra que

estudar uma peça antes de tocá-la através de diagramas visuais pode

ocasionar um aumento da taxa de retenção da s informa ções musica is. Neste

experimento, um grupo de pessoas aprendeu uma peça através do estudo

de um diagrama longe do instrumento, enquanto outro grupo teve de realizar

a mesma tarefa através da prática ao teclado. Após um período de duassemanas , os que hav iam es tudado o d iagrama demons traram maior

faci l idade e rapidez para reaprender a peça. Além da condensação e

organizaçã o da s informações proporcionad as pelo uso de diagrama s neste

experimento, o estud o prévio afa stad o do instrumento pod e ter contribuíd o

para a eliminaçã o de grand e parte do a utoma tismo e desatenção que fazem

parte da prática d e repetição d esatenta.

No qu e se refere ao a utom atism o na prática do p ian o, TobiasMattha y, pedagogo inglês renom ad o, afirma ser este um elemento necessário

em certas instância s, como, por exemplo, em passagens que exigem destreza

e rapid ez d e movim entos (1913). Neste caso, é necessário q ue o corpo esteja

apto de antemão a executar tais passagens, o que deve ficar a cargo da

memória cinestésica, responsável pela coordenação do movimento. Ainda

assim, Matthay considera, apesar de necessário, que o automatismo não

deve ser prioritário no estudo d o instrumento, pod endo este faz er com q ue

a prática se torne puram ente física e d eixe de contar com a participação d a

atenção mental.

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 39MÚSICA HODIE 39

A existência de uma relação de reciprocidade no que se refere às

funções do a prend izad o e da memória nos leva a crer que a importância d a

capa cidad e de memorizar não se limita a o momento da execução em si. O

processo de aquisição das habilidades exigidas na execução pianística

também envolvem a memória, sendo que cada vivência de aprendizadopode ter influência sobre a forma com que novos conhecimentos serão

ad qu iridos no futuro. Desenvolver a memória é, portanto, uma da s man eiras

de se assegurar a construção de bases sólidas para o aperfeiçoamento das

aptidões musicais. Shockley a firma, neste sentido, q ue habilida des musicais

tais como leitura à primeira vista, tocar de ouvido e a improvisação, as

qua is são por e la denominadas habi l idades func iona is 1 , podem ser

desenvolvidas através do conhecimento prévio de pa drões musicais e do

estabelecimento d e relações entre os elementos musica is. A ha bilida de da

leitura à primeira vista, por exemplo, pode ser beneficiada pelo exercício

de harmonizar e t ranspor , o que desenvolve a le i tura in tervalar e a

consciência dos pa drões básicos em tod as a s tona lida des (1997).

2. Tipos de memória

Edw in Hughes e Tobias Matth ay destaca m-se entre os primeiros

mú sicos/peda gogos a escreverem especificam ente sobre as ma neiras com

q ue a m emorizaçã o mu sical é realizad a (Williamon , 2002). Para Hughes, o

instrumentista pode optar entre três formas de memorizar uma obra m usical:

através das m emórias aud itiva, visual e cinestésica. A memória au ditiva é

aquela pela qual ouvimos mentalmente uma composição, antecipando

eventos da pa rtitura duran te a execução. Relacion a-se com a sucessão dossons no fluxo do tempo, ond e um da do evento sonoro traz à tona a m emória

do próximo e assim por dia nte. A memória visua l, por sua v ez, pode grav ar

a ima gem da pa rtitura impressa, com detalhes tais como o número da página

em que está um determinado trecho ou a sua localização exata na folha.

Além disso, este tipo de memória pode proporcionar a visualização de

acordes no teclado ou d a posição d as mã os e dos dedos ao toca r. A memória

cinestésica, conforme Hughes (Williamon , 2002, é a memória dos dedos e

dos músculos, ou seja, a memória tácti l . No caso do instrumentista ,

relacion a-se com a a utom atiz açã o dos movimentos necessários à execução.

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40 MÚSICA HODIE40 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

Em contraste a esta definição, a qual envolve não só os músculos como

também o ta to, Kaplan afirma q ue a memória cinestésica é a memória do

mov imen to, estreitamente ligad a à s sensa ções próprio-ceptiva s (1987). Ele

refere-se a este tipo de memória como a qu e diz respeito ao mov imento e à

açã o muscular envolvida na sua coordenaçã o.A execução d e memória é uma ativida de complexa, a qu al requer o

estabelecimento de conexões não apenas visuais e intelectuais, como

também emocionais e de ordem motora (Lundin, 1967). Cada uma das

categorias acima descritas pode estar mais ou menos presente em uma

execução, d ependendo da aborda gem utilizad a n o processo de memorização

musica l. Esta ênfase pode ocorrer inconscientemente, de acordo com um a

predisposição natural do indivíduo, mas pode também ser voluntária, sendo

uti l izada como um modo de reforçar a memória. Shockley enfatiza a

importân cia de se desenvolver cad a forma d e memória ind epend entemente

– como a h abilidad e de ouvir ou can tar a melodia sem tocá-la – para u ma

maior segurança (1997).

Além da s três categorias de memória acim a d escritas, con sidera-se

que há u ma via intelectual de aprendizad o e memorizaçã o musical, a qua l

se origina por meio do estudo da partitura dissociado d a prática física a o

instrumento. Através de um estudo enfoca nd o diferentes aspectos da obramusical como harmonia, contraponto e demais parâmetros, é possível

também alcançar o aperfe içoamento da capacidade de memorização.

Matth ay e Hughes (Williamon, 2002) não trata ram o enfoque ana lítico como

um t ipo de me mór i a por s i , i s o l ado dos de mai s . Ao in v é s d i s s o ,

consideraram-no como um elemento d e apoio aos d emais tipos de memória.

No entanto, executantes e pedagogos posteriores a estes autores já se

referiram explicitamente à memóri a conceitual, como sendo uma outracategoria de memória, oriunda de aborda gens racionais sobre a partitura e

propiciadora de uma maior segurança na execução. Kaplan denomina de

memóri a lógica aquela “em que, por um esforço voluntário, os fatos são

f ixados , e v ocados ou re con h e c idos . I n te rv e m aq u i a compre e n s ão

inteligente, a crítica e a escolha dos da dos” (1987, p. 69).

Neste sent ido, Shockley propõe que se invis ta na apl icação

sistemá tica do conh ecimento de pad rões musica is (1997) e, através de um

princípio que envolve o uso de an otações e imagens gráficas, a au tora elabora

um roteiro de memorização destinado a pianistas e professores que se

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 41MÚSICA HODIE 41

fundamenta essencia lmente na v ia concei tual de memorização. Es te

princípio denomina-se mapeamento musical e é derivado de técnicas

desenvolvidas d entro do ca mpo d e aperfeiçoamento da memória.

3. Mapeamento Musical segundo Rebecca Payne Shockley

A técnica de mapeamento proposta por Shockley é baseada em

princípios de organização da memória e utiliza-se da associação entre

imagens gráficas e estruturas m usicais. Tais imagens, organ izada s em forma

de ma pas, constituem esquemas d e memorizaçã o, tornand o este processo

ma is rápido e eficiente. A técnica visa au xiliar n a retenção e fixação da s

informações contidas n a pa rtitura, através da organizaçã o efetiva d o ma terial

e do uso d e imagens visuais2 .

Os mapas mentais (mind maps ), q ue constituem a base do roteiro

proposto por Sh ockley, foram inicia lmente desenvolvid os como uma técnica

para aperfeiçoar a com preensão e retenção de informações ao se tomar notas

em palestras (Shockley, 1997). Estes mapas enfatizam a concisão e a

organ izaçã o, sendo q ue imagens gráficas são utilizad as para se fazer ligações

entre idéias e ressaltar pala vras-cha ves.O processo de memorização proposto por Shockley envolve

basicamente dua s atividad es: o estudo da partitura longe do instrumento e a

confecção d e mapas q ue destaq uem os elementos mais importantes da peça.

Ao propor o estudo prévio da partitura dissociado da execução, a

abordagem de Shockley diferencia-se da prática dos que se dedicam ao

aprendizad o de uma nova peça pela repetição mecânica a o piano até que a

sua execução se dê de uma forma automática. Autores como Leimer,Gieseking e Kaplan enfatizam a importância de exercitar a memorização

através da reflexão, isto é, memorizar as peças antes de tocá-las. Kaplan

afirma q ue “ter uma imagem mental clara do que irá ser realizado é cond ição

básica para a execução” (Kaplan, 1987, p. 83).

Diferentes aspectos da pa rtitura podem ser enfocad os na confecção

dos m apa s. Por exemplo, se houver necessidade de nota s de referência pa ra

a m emorizaçã o da melodia num da do trecho, tal será o elemento principal

da representa ção gráfica . Em d etermina dos ca sos, representar a p rogressão

ha rmônica pode ser mais eficaz. Dificulda des específicas de m emorizaçã o,

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42 MÚSICA HODIE42 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

impostas pela obra estudada, também poderão conduzir o processo de

mapeamento, de modo q ue as peculiaridades de cada obra ou trecho musical

serão d etermina ntes na man eira d e se ma pear.

Sh ockley afirma q ue

[...] psicólogos e educa dores têm enfatiza do o va lor de fazer com qu eos aprendizes organizem material novo à sua própria maneira e orelacionem com a quilo q ue já conh ecem. Ao se tomar n otas em umapalestra ou em um livro, por exemplo, parafrasear e condensar asidéias-cha ve pode ser bem ma is útil do qu e simplesmente copiar tudointegralmente. De fato, as pessoas geralmente lembram mais quandotomam notas do q ue qua ndo n ão o fazem, até mesmo se não recorrema elas. Isto porqu e o simples ato de toma r notas exige que se selecione,organize e processe material em u m n ível mais profund o do q ue aosimp lesment e ouv ir ou ler (1997, p. 4).

O p r o c e s s o d e c o n f e c ç ã o d o s m a p a s é c a r a c t e r i z a d o p e l a

flexibilida de, pois não se dá através da formulaçã o d e uma séria de regras

rígidas. Para a autora, nã o há ma neiras certas ou errada s de ma pear – o q ue

func ionar é vá lido (1997, p. xiii). Os recursos gráficos a serem ut ilizad os na

confecção dos mapas compreendem símbolos representando os diversos

even tos mus ica i s da par t i tura , os qua is devem ser de pre ferênc ia

apresenta dos de ma neira clara e sucinta . Os símbolos devem, portanto, servistos não como uma substituição da notação tradicional, mas como uma

ferramenta de organiza ção d as informações de modo eficiente no q ue diz

respeito à memorizaçã o. A escolha dos elementos a serem representa dos e

a forma com q ue são simbolizad os depend e mais de significados pessoais

estabelecidos por cad a ind ivíduo do q ue de regras preestabelecida s.

Sh ockley sugere o uso de alguns símbolos bá sicos:

• Uma reta horizontal é usada para a representação da linha dotempo, sendo que pequenos traços perpendiculares a esta reta

servem para indicar a divisão da peça em compassos. Cada

subdivisão pode incluir um ou m ais compassos sendo qu e, em

determinad os casos, representar m ais d e um compasso em ca da

divisão da reta pode ser uma ma neira ad equad a de condensar as

informações musicais;

• Nomes de notas ind icam re ferênc ias de in íc io ou f im de

movimentos melódicos;

• Símbolos para acordes e para intervalos;

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 43MÚSICA HODIE 43

• Linhas em diferentes direções para indica r os contornos melódicos;

• Indicações de dedilhad os e dinâ micas;

• Abreviaturas;

• Sina is de repetição q uan do pertinente.

Diferentes etapas consti tuem o processo de mapeamento: (a)

examinar a par t i tura iden t i f i cando padrões , se jam e les melódicos ,

harmônicos, rítmicos, etc., (b) representar estes padrões ou elementos

musicais através de símbolos em uma folha d e papel, e (c) ao pia no, tenta r

relembrar de pequenos trechos de cad a vez, de memória. Sh ockley sugere,

além d isso, que se realizem exercícios de improvisaçã o sobre as estruturas

e os padrões representados no mapa e até de transposição do material. A

extensão de um trecho a ser mapeado d e cada vez depend erá d a peça e da

necessida de individu al d e quem realiza o estudo. A ordem exata em que

essas etapa s são percorridas pode va riar conforme as características da peça

e as necessida des individua is, mas Shockley enfatiza a importân cia de q ue

o mapeamento e a memoriza ção sejam feitos longe do instrum ento. Para a

autora, m apear a peça an tes de tocá-la é a melhor man eira d e aperfeiçoar a

con sciência dos pa drões (1997).

4. Aplicação

A s s e g u i n t e s a b r e v i a ç õ e s s ã o u t i l i z a d a s n a d e s c r i ç ã o d o

procedimento empregado na memorização do primeiro movimento da

Sonatina no. 3 de Juan Carlos Paz – All egro Moderato : c. para compasso;

m.d. e m.e. para mão direita e mão esquerda respectivamente, e t. paraindicar o tempo do compa sso. Para a num eraçã o referente às a lturas, o DÓ

ma is grave do pia no recebe a d esigna ção de DÓ-1, estabelecendo o princípio

de numeração d as alturas segundo sua posição no teclado.

A apl icação do princípio foi real izada a través dos seguintes

passos3 :

a ) O All egro Moderato foi dividido em um total de vinte e um

trechos, os quais foram agrupados, em um nível estrutural de

maior amplitude, em três segmentos. O primeiro segmento

compreende c inco trechos e os segmentos 2 e 3 contém,

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44 MÚSICA HODIE44 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

respectivamente, oito trechos. A extensão d e cada trecho va ria

entre dois e se is compassos . A apl icação do processo de

ma peamento se deu tendo em vista um a ab ordagem partind o de

pequenos trechos para então chegar à totalidad e do movimento4 .

b) Elaboração de um ma pa para cad a um dos trechos definidos.c) Prática da memorizaçã o prévia de cad a trecho, isto é, o exercício

da evocaçã o mental dissociada d a execução ao instrumento.

d) Após ter real izado a confecção de mapas para cada um d os

segmentos completos, passou-se à execução de memória dos

trechos correspondentes ao pia no. Neste exercício, cad a um d os

trechos foi executado separad amente, sem a presença da pa rtitura

e sem os mapas. Gradua lmente, um trecho foi conectad o ao outro

até completar-se um segmento. A repetição d e cad a trecho se deu

de mãos separadas e também de mãos juntas, em anda mento lento.

e) Um a vez concluídas as etapas acima d escritas em cad a segmento

completo, os mapas foram revisados, tendo em vista a busca

pela ma neira ma is eficaz e concisa de representar os principais

e l e m e n t o s a i n d a n ã o c o m p l e t a m e n t e m e m o r i z a d o s . F o i

ad icionad o, por exemplo, um sinal pa ra representar as alterações

dos c. 6-7 (trecho 2, m.d.) com relação ao LÁ-5 e Láb-5 parareforçar a memorizaçã o da ordem em ocorrem estas dua s alturas.

O mesmo ocorreu no c. 14 (trecho 4) pa ra o S I e SIb.

f) Os mapas passaram então a ser utilizados para a evocação de cada

trecho da obra. A evocaçã o, segun do Kapla n (1987), con stitui o

exercício de trazer novamente à tona o material já fixado na

mem ória. Trat a-se, portan to, de relembra r-se period ica men te

dos trechos que já tenha m sido fixados, visan do a m anu tençãoda memorização. Este estágio é essencial , uma vez que as

informações podem ser apagadas caso não seja evocadas com

freqüência.

No que se refere aos símbolos adotados para o mapeamento nesta

aplicação, alguns d os sinais utilizad os são semelhan tes àqu eles sugeridos

por Sh ockley em seu livro e outros diferem d a simb ologia apresenta da pela

autora. Os principais símbolos utilizad os no processo de ma peamento do

Allegro Moderato da Sona tina Nº 3 de Paz são relacionad os abaixo:

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 45MÚSICA HODIE 45

• Uma reta horizontal representa a linha do tempo. É cortada

perpendicularmente por pequenos traços que simbolizam as

barras de compa sso.

• Nomes de notas são utilizad os para indicar as alturas, enqua nto

cifras representam formações triádicas5

ou conjuntos de nota squ e pertença m a um d eterminad o campo h armônico. Cifras em

letra minúscula representam tríades menores, enquanto as

ma iúsculas ind icam as ma iores.

• Linhas em diversas direções são empregadas para representar

contornos melódicos por graus conjuntos (movimento escalar

ascendente ou descend ente, bordadura superior ou inferior, etc).

• Setas representam saltos.

• Sinais de ligadura, stacatto e stacat to secco, para quando as

art iculações foram consideradas elementos de referência à

memorização d e dad os trechos.

• Abreviatura para ostinato (ost.).

• Abrev ia tura para recorrênc ias do mot ivo operac iona l de

memorização: M. Op.6

A divisão do All egro Moderato se deu de acordo com o quadroabaixo:

Quad ro 1: Divisões e subdivisões do primeiro moviment o – All egro Moderato .

Para evitar um número demasiado de informações nos mapas, a

dinâ mica nã o foi representad a nos ma pas. Ao invés disso, foi memoriza da

juntamente com os outros parâmetros musicais durante o exercício de

execução ao piano, estabelecendo-se relações entre as dinâmicas e as

direções melódicas de modo que estes dois elementos pudessem ser

memorizados em um a estrutura única. NesteAllegro Moderato 

, a ma ior parte

da s indica ções de din âm ica a parece de forma a estabelecer relações lógicas

com os movimentos melódicos. Como exemplo disto, pode ser citada a

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46 MÚSICA HODIE46 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

passagem dos c. 19-20 (trecho 5), onde ambas as mãos realizam um

movimento ascendente com um crescendo que culmina com o fortissimo (c.

20). Outro caso ilustrat ivo é o movimento d escend ente compreend endo os

c. 54-56 (trecho 12), q ue é acompan ha do d e um d ecréscimo d a in tensida de.

A seguir, no trecho 13, a ascensão coincide com um sinal de crescendo (juntam ente com um ri tardando, lento e a seguir, no c. 59 – iníc io do trecho

14 -, a tempo ).

A seguir, a aplicação é demonstrada do mapeamento através da

seleção de algun s dos trechos do Allegro Moderato da Sonatina Nº 3 de Paz .

Segmento 1

Trecho 1: c. 1-4

Como n os exemplos oferecidos por Sh ockley, uma linha horizon tal

representa o eixo do tempo, assim como a divisão entre mão esquerda e

mão direita. Para a mão esquerda n os dois primeiros compassos foi utilizad a

a a breviatura para ostinato – ost7 . Neste caso, não foi necessário relacionar

os nomes das notas do ostinato , uma vez que as n otas puderam ser facilmente

memorizadas.

Figura 1: c. 1-4 e respectivo ma pa.

Nos dois compassos seguintes (c. 3-4), o fragmento melódico da

mão esquerda apresenta a s mesmas figuras rítmicas, qua l seja uma seqüência

de colcheias, a m odificação ocorrend o qu anto a os intervalos. Para a indicar

a mud ança d e direção do ostinato, (c. 3, m.e.) foram utiliza da s dua s setas.

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 47MÚSICA HODIE 47

Ao compara r os c. 1-2 com os c. 3-4, nota-se que a mã o esquerda , q ue executa

um ostinato entre du as nota s por grau con jun to, passa a realiza r um a rpejo

em movimento contrário em relação à mão direita. A mão direita inicia

com o M. Op., seguido de interva los d isjun tos em colcheias (c. 3-4).

Trecho 3: c. 9-11

Na mã o direita, o movimento de terças consecutivas preench e um

intervalo de oitava (FÁ4, c. 9, t.1 ao FÁ5, c. 11, t1), utilizando notas

pertencentes à escala de Réb ma ior. O ma pa deste trecho, para a m ão d ireita,

conta com três elementos básicos de memorização: o âmbito percorrido, o

desenho de terças consecutiva s e a identida de tona l da escala d e Réb maior.

Além d estas características principais há tam bém: a “pa rada ” n o SIb m.d.

com SI  m.e. (c. 10, t.1) e o salto descendente seguido d e borda du ra in ferior

sobre FÁ (c. 11, m.d .). A ind icação da recorrência d o mot ivo inic ial (c. 9-10

m.e.) ressalta apena s a primeira n ota (SI), em uma referência à inversão do

intervalo (SI-DÓ em oposiçã o ao DÓ-SI d o c.1).

Figura 3: c. 9-11 e respectivo ma pa.

3.1.5 Trecho 5: c. 17-20

O c. 17 caracteriza-se pelas sextas em am bas as vozes por movimento

contrá rio e polirritmia d e três (m.e.) contra qu atro (m.d .). Na mão d ireita a s

sextas começam com SOL e na esquerda com LÁ. Há uso de imitação, a

qual foi indicada no mapa através da denominação stretto – a partir do

DÓ# (c. 18, m.d , t .1). A imita ção ocorre a um intervalo de um tom

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48 MÚSICA HODIE48 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

descenden te (m.e. inicia em SI, c. 18, t. 2). Segue um a rpejo ascend ente em

amb as as voz es, em polirritmia, culmina nd o em fortissimo (c. 19-20).

Figura 5: c. 5-20 e respectivo ma pa.

Segmento 2

Trecho 6: c . 21-26

O M. Op. retorna invertido e sincopado (c. 21, m.d.). Nos três

compassos seguintes há uma movimentação em semicolcheias, as quaistêm sempre como ponto de chegada o DÓ (c. 22-25, m.d.). Os c. 25-26

repetem o motivo in icial inv ertido em (com a s nota s DÓ-RÉb-DÓ ind icad as

no m apa ). Na mã o esquerda ocorre o uso de ostinato , com exceção d os c. 24

e c. 26. O ostinato do c . 21 (m.e.) equiva le a um a som a d os c. 1 e 2, uma v ez

que sua fórmu la d e compasso é 4/4.

Figura 6: c. 21-26 e respectivo ma pa.

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 49MÚSICA HODIE 49

As diferenças ocorrem quanto à dinâmica, o uso de staccatto no

lugar do staccatto secco e a substituição da última nota do grupo por uma

pausa. Nos c. 22-23 o ostinato ocorre com o intervalo de sétima e uma

alteração sobre da mesma nota (MI e MIb, em oitavas diferentes). No

compasso seguinte a mão esquerda percorre um movimento escalardescendente, o q ual opõe-se às semicolcheias d a mão d ireita com defasagem

rítmica de uma semicolcheia. A alteração sobre o RÉ (c. 24, t. 1) gera uma

relação d e semitom entre as dua s vozes, no ponto inicial d e cada grupo de

notas e recebe um acento q ue enfatiza a sensaçã o de d efasagem. As alturas

dos c. 25-26, agrupadas em uma mesma oitava, constituem uma sucessão

cromática: DÓ, DÓ# (ou RÉb, m.d ) e RÉ.

Trecho 8: c . 32-36

O desenh o apresentado nos c. 27 (m.e.) e 29 (m.d .) reapa rece nos c.

32 e 34 na mão d ireita. No c. 32, a primeira n ota d esdobra-se numa oitav a e

é imediata mente seguida de um sa lto e uma borda dura inferior acentua da

(m. d .) sobre o FÁ. A mão esquerda , no c. 36, inclui a bordadura com acento,

ma s o salto é d iminuído em extensão e ritmicamente ma is complexo. Como

acompa nha mento, há oitavas ascend entes na mão direita.

Figura 8: c. 32-36 e respectivo ma pa.

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50 MÚSICA HODIE50 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

Os trechos 7 e 8 podem ser relacion ad os entre si tendo como ba se

um fragmento melódico aq ui considerad o pad rão, tanto q uan to seu desvio.

Uma vez estabelecido que o formato padrão é uma escala ascendente

culmin an do em b ordadu ra inferior/salto/borda du ra, a tribuí um a lógica q ue

encadeia os eventos musica is dos trechos 7 e 8 da seguin te man eira: o trecho7 apresenta o forma to pad rão na mã o esquerda e nos c. 29-31 é apresentad o

o seu d esvio (m.d .). O trecho 8 apresenta o formato pa drã o na mã o direita

(c. 32-33), seguido de um desvio deste padrão nos c. 34-36 (m.e.).

Trecho 10: c . 42-46

A cifra ind ica a forma ção triád ica (Mib menor, m.d.). Consta como

elemento im portan te neste mapa o FÁ da mã o d ireita (c. 42), por ser uma

nota estranha à esta tríad e. No início do c. 43, o S I é natural e nã o bemol

como no compasso anterior. O desenho descendente com quartas justas

aparece duas vezes, primeiro na mão esquerda (c. 43) e então nas duas

mã os (c.46).

Figura 10: c. 47-51 e respectivo m apa .

Trecho 12: c . 52-56

A mão esquerda realiza um m ovimento cromático, o q ue pode ser

observado dentro do â mbito d e uma oitava: MIb, MI, FÁ, FÁ# e SOL. Nos

c. 52-53 (m.d .), h á um arpejo a scendente com posto d e duas terças ma iores

e uma qu arta justa. No c. 54 tem início uma descida por q uartas justas q ue

abrange uma extensão envolvendo as duas mãos . Es te movimento

descendente foi associado a uma re ta em direção obl íqua e sent ido

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 51MÚSICA HODIE 51

descendente q ue parte do SOLb5 (m.d .) e tem com o ponto de chegad a o RÉ2

(m.e.). A descida é precedida por uma anacruse, indicada no mapa pela

pequena seta curva (c. 53).

Figura 12: c. 52-56 e respectivo m apa .

Segmento 3

Trecho 14: c . 59-60

O primeiro trecho d o último segmento traz uma reapresenta ção d oM. Op. (m.e.). Assim como na primeira vez em que aparece (c. 1), sua

extensão é de dois compassos e ocorre contra um ostinato com a s notas RÉb

e MIb (neste caso, n a m.d .).

Figura 14: c. 59-60 e respectivo m apa .

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52 MÚSICA HODIE52 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

As diferenças entre este trecho e a abertura do movimento são a

dinâmica e articulação d o ostinato (staccatto ao invés do staccatto secco ) e

o uso de contraponto invertido – nos dois primeiros compassos deste

movimento o M. Op. foi apresentad o na mão direita, sendo q ue neste caso

ocorre o inverso.

Trecho 15: c . 61-64

Mais uma vez o M. Op. muda d e voz, passand o agora para a mão

direita. A escala usada no movimento descendente é a mesma, apenas

iniciando e finalizando um grau acima.

Figura 15: c. 61-64 e respectivo m apa .

Nos compassos seguintes a cifra indica a forma ção triád ica d e Láb

ma ior (c. 63-64, m.d .). Na mã o esq uerda, a muda nça de oitava na primeira

nota do ostinato é também aponta da , através do número 8.

Trecho 18: 72-76

O movimento de semicolcheias da mão dire i ta a l terna graus

conjuntos e saltos. No mapa para a mão d ireita d este trecho indica m-se as

nota s de chegada no a gudo (c. 73, 74 e 76). Cad a uma destas n otas é ma is

alta q ue a an terior em m edida de um semitom (FÁ-FÁ# -SOL). O FÁ e o

FÁ# são enfatizad os por borda duras inferiores.

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 53MÚSICA HODIE 53

Figura 18: c. 72-76 e respectivo m apa .

A mão esquerda , por sua vez, apresenta uma escala descend ente

(c. 72), um ostina to e uma escala ascend ente com borda du ra no c. 75. Um

arpejo em tercina s (c. 76, m.e.) con ecta este trecho a o próxim o.

Trecho 19: c . 77-79

A recorrência d o M. Op. (c. 77-78, m.d .) é ind icada jun to com um

sinal de bequadro, em referência à primeira nota (RÉ). O intervalo é de

nona maior, e não uma nona bemol. O movimento descendente ocorre

usando a mesma escala do c. 62 (trecho 15). A mão esquerda utiliza a

figuração d e graus conjuntos com borda dura seguida d e saltos de quintas

justas descendentes (SIb-MIb-LÁb-RÉb). O c. 79 (m.e.) é uma repetição do

c. 77, com a rticulações diferentes e com o deslocam ento do RÉb para u ma

oitava abaixo.

Ex. 19: c. 77-79 e respectivo mapa.

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54 MÚSICA HODIE54 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

Trecho 21: c . 85-89

Como elementos principais a serem indica dos n este mapa , foram

considerados a relaçã o bemol/bequad ro entre as duas vozes e o arpejo em

stacatto secco (c.86, m.d .). É significa tivo q ue o m ovimento seja conclu ído

com LÁ (m.e.) e LÁb (m.d.), pois isto reafirma a presença de relações desemitom neste al legro moderato .

Figura 21: Ma pa dos c. 85-89.

Conclusão

Os exemplos apresentados por Shockley em seu livro constituem-se,

na sua maioria parte, no processo de grafar estruturas que se salientam na

leitura da partitura. No caso da Sonatina Nº 3 , os elementos de referência tonal

permitiram que tal roteiro tenha sido elaborado através de conhecimentos de

teoria musical tradicional, aind a q ue se tratasse de uma composição do séculoXX. Através da aplicação do princípio de mapeamento musical, pode-se relatar

as seguintes observações realizadas no decorrer do processo que poderão

contribuir na utilização d este como ferramenta prática de memorização:

• O mapeamento musical demonstrou ser aplicável tendo em vista

sua fun ção específica como ferramenta ind ividual d e estudo e

memoriza ção. Deve-se salienta r, no entan to, que o mapeam ento

se destina a uma organizaçã o pessoal d as informações a serem

memorizada s. A elaboração dos ma pas ocorre, portanto, a partir

de decisões individuais no que diz respeito à abordagem da

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 55MÚSICA HODIE 55

partitura. Logo, ao mapear-se um trecho ou obra musical é

importante que se decida o qu e é necessário à organiza ção d as

informações tendo em vista a m emorizaçã o.

• Os mapa s devem a presenta r organizaçã o e concisão, sendo qu e

o mapeamento ocorre de ma neira ma is eficaz qu an do os mapa sresumem as informações, com pontos de apoio para a memória

ao in vés de representações muito detalha da s. Após um primeiro

contato com a a plicação do processo, muda nças pod em ocorrer

nos mapas no sentido de apurar a sua concisão e organização.

No trecho 5 (c.17-20) o emprego de duas seta s defasa da s entre si

com a indicação stretto bastou para representar todo conjunto

de notas, em estilo imitativo, tornando o mapa mais claro e

organizad o. Se o contorno melódico da pa ssagem que denomino

stretto (c. 18-19) fosse min uciosam ente representad o a trav és de

linhas ou de nomes de notas, o mapa perderia em concisão,

traz endo um núm ero excessivo de informa ções. Tal opção foi

feita levando-se em conta que o contorno melódico em si não

constituiu, neste caso, uma d ificulda de de memorização.

• É importante qu e, após a memorização e execução ao pian o de

cad a trecho, seja realizad o o exercício da evoca ção m ental pa rasua ma nutenção. Kapla n (1987) enfatiz a o va lor deste exercício

e cita q ue a memorização envolve estágios distintos ao longo

do seu processo. Tais etapa s incluem: a q uisição , fixaçã o ou

retenção e evocação. Na aquisição ocorre o primeiro contato

com a in formação. A f ixação pressupõe a compreensão e

organização do material , o qual será fixado na memória em

forma de im agens. Neste estágio in clui-se a repetição, isto é, aprática , o qu e irá consolidar a retenção das imagens formada s a

partir da organ ização de informa ções. A evocação é o ato de traz er

à tona informações anteriormente fixadas, constituindo um

importa nte exercício para se evitar que conteúd os memorizad os

sejam apagados. Se durante o exercício da evocação mental

surgirem dúvidas, deve-se recorrer à partitura para evitar que

qu alq uer informação errônea seja in devidam ente memorizada .

No caso de se consultar a partitura, pode-se fazê-lo longe do

instrumento pa ra reforçar o há bito da prática silenciosa.

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56 MÚSICA HODIE56 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)

• A prát ica da memorização mental longe do piano é par te

funda mental do processo de aprendiza do por mim experimentad o,

mas o aspecto relaciona do a o movimento e à a ção física sobre o

instrumento não deve ser negligenciad o. Aind a q ue tal aspecto

não tenha sido abordado neste trabalho, sua importância nãodeve ser diminu ída dentro da prática pianística, ha ja visto que a

execução em tempo real envolve dificulda des que nem sempre

podem ser sanad as a través do exercício puram ente mental.

• O ma peamento pode ser feito para san ar d ificuldades pontuais

dentro de uma obra, pod endo ser aplicado a penas para trechos

específicos. Nem sempre é necessário q ue a ob ra estudad a seja

integralmente mapeada .

A experiência com a aplicação do princípio de ma peamento revelou

que, como ferram enta d idática , este procedimento pod e proporcionar u ma

ampliaçã o d e recursos utilizad os na preparaçã o d e execuções, atribuindo

ao enfoque racional dos elementos musicais uma fun ção prática voltad a à

execução. Como afirma Shockley, “Como qualquer outro processo, [o

ma peamento] pode ser aperfeiçoad o com a prática ” (1997, p. 1). Através de

sua prática e aperfeiçoamento, este princípio tem muito a contribuir nabusca por soluções eficazes no que se refere à questão de como estudar

pian o. Toma do com o princípio aberto a ser desenvolvid o individ ua lmente

com a prática e não como um método fechado, o mapeamento musical

aponta caminhos que certamente conduzem a v ivências e fe t ivas de

aprendizado. Contando com elementos importantes à e laboração de

ma neiras eficientes de se estudar pia no, este princípio é merecedor d e uma

atençã o especial por pa rte de pianista s e professores de pian o.

Notas

1 Functional ski ll s , no original.2 A a b ord a gem p io nei ra d e mapas conceitua is (conceptual maps ) foi desenvolv ida

primeiramen te nos ca mpos d a ed uca ção e psicologia p or Joseph D. NOVAK, apartir d a Teoria da Aprend iza gem Significa tiva ou Teoria da Assimila ção d e

Dav id AU SU BEL (1963, 1968, 1978), d a á rea d e psicologia edu cacion al e q uet ra ta da representação do conhecimento na forma grá f ica (Novak, 2002 eAusu beL, 1963).

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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 57MÚSICA HODIE 57

3 Apesar de ter sido interpretado com partitura, o All egro Moderato da Sonati na Nº 3 

foi posteriormente memoriza do seguind o os mesmos passos sugeridos por Sh ockley.4 Leimer e Gieseking aconselham o estudo de pequenos trechos de cada vez, de

modo q ue se possa “ em pouco tempo, tocar melhor os pequenos trechos d e umafrase, e assim estuda -la n a ín tegra, com m ais perfeição” (1949, p. 37).

5 A presença de t ríades no All egro Moderato da Sonatina  Nº 3 nã o estabelece relações

de funciona lidad e tonal. Por esta raz ão, utilizo o termo formação triádica.6 Trecho melódico associado à frase inicial do movimento (mão d ireita c. 1-2) e suas

recorrências. Será dorava nte ind icado pela sigla M. Op.7 S erá u ti li zada a des ignação ostinato sempre que houver um padrão repetitivo,

mesmo que de curta du ração.

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Francisco Koetz Wildt – Mestre em música pela U niversida de Federal do Rio Grand e do Su l, ondeobteve orientação pian ística de Cristina Ca pparelli Gerling. Elaborou sua dissertação sob orientaçã ode Any Raq uel Carvalho e com co-orientaçã o de Cristina Ca pparelli Gerling.

Any Raquel Carvalho– Doutora em mú sica pela U niversity of Georgia (US A) é professora de órgão,contraponto e fu ga no Departamento de Música e professora/orientad ora d e mestrado e d outoradono Programa d e Pós-Grad uaçã o em Música do Instituo de Artes da UFRGS. Atua como organista econferencista n o Brasil e no exterior. Como pesquisadora do CNPq tem publicado tra balhos na áreade contrapon to (dois livros), fuga, a nálise musical e mú sica brasileira pa ra órgão.

Cristina Capparelli Gerling – Doutora em música Cristina Capparelli Gerling, mestre em música

pelo New England Conservatory e doutor em m úsica pela B oston Un iversity, é professora titular depiano no Departamento de Música e orientadora de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Grad uaçã o em Música d o Instituto de Artes da UFRGS. Apresenta-se freqü entemente como pian ista,camerista e solista e pub lica sobre aná lise musical e repertório pianístico latino-americano.