mapeamento e memorização
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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 35MÚSICA HODIE 35
Resumo: O presente artigo é uma versão abreviada da dissertação de Mestrado em Música –Práticas In terpretativas, d e Francisco K. Wildt, d efend ida em ma io, 2004. O trab alho apresentauma a plicação prática d o princípio de mapeam ento musical segund o Rebecca Pay ne Sh ockley(Mapp in g Music: for Faster Learn in g and Secur e Memory , 1997), procurando demonstrar aaplicabilidade do princípio na memorização de uma obra não tonal. O trabalho discute aimportância da memorização n a execução pianística, bem como n o processo de aprendizadodeste instrumento para então oferecer uma d emonstração d a aplicaçã o do princípio através deexemplos. Através de um a a bordagem prática , o propósito é contribuir no q ue diz respeito ao
desenvolvimento de processos sistemáticos de memorização na prática pianística. A peçaescolhida para a aplicação é a Sonati na Nº 3 de Juan Carlos Paz, com posta em 1933.
Palavras-chave: Memorização; Mapeamento; Execução pianística.
The use of mapping for memorization in the Al l egro M odera to of Sonat i na N º 3 by JuanCarlos Paz: a practical approach
Abstract: This stud y is a n a bbreviated version of th e Master thesis in Pia no Performan ce byFrancisco K. Wildt, concluded in May, 2004. It presents a practical application of RebeccaPayn e Shockley’s principle of mapping music (Mappi ng Music: for Faster Learn in g and Secure
Memory , 1997) in th e memorization of a n on-tona l w ork. The stud y d iscusses the importan ceof memorization in pian o performance and teaching the instrument, as w ell as a demonstrationof the application of th is principle through examples. In th is practical approach , the goal is tocontribute to th e development of systematic processes of memorization in pian o practice. Thew ork chosen w as Son atina No. 3 by Juan C arlos Paz, composed in 1933.
Keywords: Memorization; Mapping; Piano performance.
Introdução
Através da vivência nos meios em que se cultua e ensina a arte de
tocar piano, chega-se à percepção de que o emprego de procedimentos
O USO DE MAPEAMENTO NA MEMORIZAÇÃO DOALLEGRO MODERATO DA SONATINA Nº 3, DE
J UAN CARLOS PAZ: UMA ABORDAGEM PRÁTICA
Francisco Koetz [email protected]
Any Raquel [email protected]
Cristina Capparelli [email protected]
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sistemáticos para a memorização musical aind a não é totalmente integrado ao
cotidiano dos pianistas. As atividades musicais envolvendo recitais públicos,
as quais normalmente dispensam o uso de partitura, conferem especial
relevância às discussões que tratam de aspectos relacionados à memória na
execução pianística. Mesmo que se possa contar com a opção de se tocar compartitura, a memorização musical é um elemento integrante da tradição de
apresentações públicas e, além disso, é parte essencial do processo de
aprendiza do e desenvolvimento musical. A opção pela memorização, n o que
tange às execuções em público, é feita espontaneamente por grande parte dos
intérpretes, mesmo qua ndo isto implica em um esforço maior de preparação.
Diversos fatores podem determinar esta escolha como, por exemplo, o aspecto
visual da execução, o qual pode ser favorecido pela ausência da partitura. A
liberdade corporal da q ual se pode usufruir ao longo de uma execução sem a
partitura é também um dos fatores que podem justificar a decisão, uma vez
que se considere a expressão corporal como um elemento importante na prática
musica l. Além disso, por exigir mais tempo de estudo, a memorização pode vir
a proporcionar um reforço da sensação de intimidade entre o intérprete e a
obra interpretada. Isto vem corroborar a percepção de que executante,
instrumento e música constituem uma unidade. Por outro lado, a possibilidade
de se utilizar a partitura dispensa a necessidade de percorrer todas as etapasenvolvidas na preparação de uma execução de memória. É, portanto, uma
solução na tural em determinada s circunstâncias, como quand o não se dispõe
do tempo necessário para que aquelas etapas sejam levadas a cabo.
Não obstante, a opção pelo uso da partitura muita s vezes decorre
de desconhecimento da existência de processos que possam otimizar a
memorização ou da falta de confiança na capacidade de memorizar. Isto
concorre para que a tarefa da memorização seja real izada através deativida des repetitivas ao instrumento. Estudos ind icam, n o entanto, q ue a
segurança de um a execução de memória nem sempre é garantid a através
do processo da repetição pura e simples. Kaplan, por exemplo, considera
que a memória adq uirida através da mera repetição mecân ica é extremamente
frágil. Segund o este autor, “B asta u ma mud ança nas cond ições em que se
r e a l i z a a e x e c u ç ã o p a r a q u e a m e s m a f i q u e ‘ p e r t u r b a d a ’ c o m a s
conseqüências funestas q ue se conh ecem” (1987, p. 71). S egundo Williamon
)2002) a estratégia basead a em muitas h oras de prática repetitiva nem sempre
garante a execução sem falha s de memória. U ma vez que, à medid a q ue o
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repertório se torna ma is complexo ao longo do processo de desenvolv imento
pianístico, a maneira de aprender baseada somente na memória auditiva
ou na repetição m ecânica torna-se cada vez menos eficaz, fa z-se necessário
que a memória seja treinada. Não apenas possibilitando a execução sem
partitura, mas também tornando o aprendizado mais rápido e eficaz, oreforço da habil idade de memorizar relaciona-se também com outras
ha bilidades musicais, tais como a leitura e a percepção.
Este artigo apresenta o relato de uma experiência pessoal, na qu al
foi realizada uma aplicação prática do processo de mapeamento proposto
por Rebecca Pay ne Sh ockley em seu livro Mapping Music: for Faster Learn ing
and Secure Memory (1997). O processo proposto por S hockley foi ap licado
na memorização do primeiro movimento (Allegro Moderato ) da Sonatina
no. 3 de Jua n Ca rlos Paz (1901–1972). Composi tor e teórico, Paz esteve entre
os primeiros a adotarem, na década de 1930, processos composicionais
ca lcados no emprego dos d oze son s (Tabor, 1988). Sua s obra s div idem-se
em qu atro fa ses distin tas: pós-romântica , neoclássica, serial e experimental
(Salgado, 2001. A Sonatina Nº 3 foi escrita em 1933 e antecede a adoção
sistemá tica d e procedimentos relaciona dos com a técnica d e doz e sons.
Sua próxima composição, intitulada Primera Composición Dodecafónica, é
de 1934. A linguagem da Sona tina Nº 3 contém referências tonais quepermitiram a uti l ização de um vocabulário advindo da teoria musical
tradicional n a elaboração deste roteiro de memorização.
1. Aprendizado e memória
O aprendizado, segundo Lundin (1967), é o processo através doq ua l se dá a aq uisição de novos comportamentos. Isto ocorre, por exemplo,
quando um ind iv íduo se propõe ao aprendizado de como tocar um
instrumento. Ou ainda, numa abordagem progressiva do aprendizado
pianís t ico, cada peça nova a ser aprendida representa uma sér ie de
comportamentos a serem a dq uiridos.
A memória, por outro lado, permite a repetição de determinados
comportamentos já adquiridos após a passagem de um dado período de
tempo. O ato de recordar é, portanto, um tipo de ação que começa num
da do in stan te e só se completa num tempo futu ro (Lun din , 1967). No campo
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da prática pianística, a memória propicia a repetição d os atos envolvidos
n a e x e c u ç ã o , t r a n s c o r r i d o a l g u m t e m p o e n t r e a a q u i s i ç ã o d e s t e s
comportamentos e sua repetição.
Gran de parte do aprendiza do d á-se de modo casua l, como quan do
se aprendem novas formas de falar ou q uan do comportamentos de outraspessoas são imitados, sem que se dê conta de estar fazendo isto. Outros
aspectos do aprendizad o são ma is complexos, como em um experimento
psicológico ou quando se aprende in tencionalmente como tocar um
instrumento musical (Lundin , 1967). O aprendizado envolv ido em
ativida des complexas como a execução instrumental normalmente requ er
mais d o q ue a simples repetição desatenta d e comportamentos. Shockley
aponta para o fato de qu e o aprendizad o musical não d eve se da r com base
na repetição desatenta . Para esta au tora, é imperativo o emprego de métodos
inteligentes e econômicos para aprender e memorizar música. Ela cita o
experimento de Rubin-Rabson (Shockley, 1997), o qual demonstra que
estudar uma peça antes de tocá-la através de diagramas visuais pode
ocasionar um aumento da taxa de retenção da s informa ções musica is. Neste
experimento, um grupo de pessoas aprendeu uma peça através do estudo
de um diagrama longe do instrumento, enquanto outro grupo teve de realizar
a mesma tarefa através da prática ao teclado. Após um período de duassemanas , os que hav iam es tudado o d iagrama demons traram maior
faci l idade e rapidez para reaprender a peça. Além da condensação e
organizaçã o da s informações proporcionad as pelo uso de diagrama s neste
experimento, o estud o prévio afa stad o do instrumento pod e ter contribuíd o
para a eliminaçã o de grand e parte do a utoma tismo e desatenção que fazem
parte da prática d e repetição d esatenta.
No qu e se refere ao a utom atism o na prática do p ian o, TobiasMattha y, pedagogo inglês renom ad o, afirma ser este um elemento necessário
em certas instância s, como, por exemplo, em passagens que exigem destreza
e rapid ez d e movim entos (1913). Neste caso, é necessário q ue o corpo esteja
apto de antemão a executar tais passagens, o que deve ficar a cargo da
memória cinestésica, responsável pela coordenação do movimento. Ainda
assim, Matthay considera, apesar de necessário, que o automatismo não
deve ser prioritário no estudo d o instrumento, pod endo este faz er com q ue
a prática se torne puram ente física e d eixe de contar com a participação d a
atenção mental.
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A existência de uma relação de reciprocidade no que se refere às
funções do a prend izad o e da memória nos leva a crer que a importância d a
capa cidad e de memorizar não se limita a o momento da execução em si. O
processo de aquisição das habilidades exigidas na execução pianística
também envolvem a memória, sendo que cada vivência de aprendizadopode ter influência sobre a forma com que novos conhecimentos serão
ad qu iridos no futuro. Desenvolver a memória é, portanto, uma da s man eiras
de se assegurar a construção de bases sólidas para o aperfeiçoamento das
aptidões musicais. Shockley a firma, neste sentido, q ue habilida des musicais
tais como leitura à primeira vista, tocar de ouvido e a improvisação, as
qua is são por e la denominadas habi l idades func iona is 1 , podem ser
desenvolvidas através do conhecimento prévio de pa drões musicais e do
estabelecimento d e relações entre os elementos musica is. A ha bilida de da
leitura à primeira vista, por exemplo, pode ser beneficiada pelo exercício
de harmonizar e t ranspor , o que desenvolve a le i tura in tervalar e a
consciência dos pa drões básicos em tod as a s tona lida des (1997).
2. Tipos de memória
Edw in Hughes e Tobias Matth ay destaca m-se entre os primeiros
mú sicos/peda gogos a escreverem especificam ente sobre as ma neiras com
q ue a m emorizaçã o mu sical é realizad a (Williamon , 2002). Para Hughes, o
instrumentista pode optar entre três formas de memorizar uma obra m usical:
através das m emórias aud itiva, visual e cinestésica. A memória au ditiva é
aquela pela qual ouvimos mentalmente uma composição, antecipando
eventos da pa rtitura duran te a execução. Relacion a-se com a sucessão dossons no fluxo do tempo, ond e um da do evento sonoro traz à tona a m emória
do próximo e assim por dia nte. A memória visua l, por sua v ez, pode grav ar
a ima gem da pa rtitura impressa, com detalhes tais como o número da página
em que está um determinado trecho ou a sua localização exata na folha.
Além disso, este tipo de memória pode proporcionar a visualização de
acordes no teclado ou d a posição d as mã os e dos dedos ao toca r. A memória
cinestésica, conforme Hughes (Williamon , 2002, é a memória dos dedos e
dos músculos, ou seja, a memória tácti l . No caso do instrumentista ,
relacion a-se com a a utom atiz açã o dos movimentos necessários à execução.
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Em contraste a esta definição, a qual envolve não só os músculos como
também o ta to, Kaplan afirma q ue a memória cinestésica é a memória do
mov imen to, estreitamente ligad a à s sensa ções próprio-ceptiva s (1987). Ele
refere-se a este tipo de memória como a qu e diz respeito ao mov imento e à
açã o muscular envolvida na sua coordenaçã o.A execução d e memória é uma ativida de complexa, a qu al requer o
estabelecimento de conexões não apenas visuais e intelectuais, como
também emocionais e de ordem motora (Lundin, 1967). Cada uma das
categorias acima descritas pode estar mais ou menos presente em uma
execução, d ependendo da aborda gem utilizad a n o processo de memorização
musica l. Esta ênfase pode ocorrer inconscientemente, de acordo com um a
predisposição natural do indivíduo, mas pode também ser voluntária, sendo
uti l izada como um modo de reforçar a memória. Shockley enfatiza a
importân cia de se desenvolver cad a forma d e memória ind epend entemente
– como a h abilidad e de ouvir ou can tar a melodia sem tocá-la – para u ma
maior segurança (1997).
Além da s três categorias de memória acim a d escritas, con sidera-se
que há u ma via intelectual de aprendizad o e memorizaçã o musical, a qua l
se origina por meio do estudo da partitura dissociado d a prática física a o
instrumento. Através de um estudo enfoca nd o diferentes aspectos da obramusical como harmonia, contraponto e demais parâmetros, é possível
também alcançar o aperfe içoamento da capacidade de memorização.
Matth ay e Hughes (Williamon, 2002) não trata ram o enfoque ana lítico como
um t ipo de me mór i a por s i , i s o l ado dos de mai s . Ao in v é s d i s s o ,
consideraram-no como um elemento d e apoio aos d emais tipos de memória.
No entanto, executantes e pedagogos posteriores a estes autores já se
referiram explicitamente à memóri a conceitual, como sendo uma outracategoria de memória, oriunda de aborda gens racionais sobre a partitura e
propiciadora de uma maior segurança na execução. Kaplan denomina de
memóri a lógica aquela “em que, por um esforço voluntário, os fatos são
f ixados , e v ocados ou re con h e c idos . I n te rv e m aq u i a compre e n s ão
inteligente, a crítica e a escolha dos da dos” (1987, p. 69).
Neste sent ido, Shockley propõe que se invis ta na apl icação
sistemá tica do conh ecimento de pad rões musica is (1997) e, através de um
princípio que envolve o uso de an otações e imagens gráficas, a au tora elabora
um roteiro de memorização destinado a pianistas e professores que se
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fundamenta essencia lmente na v ia concei tual de memorização. Es te
princípio denomina-se mapeamento musical e é derivado de técnicas
desenvolvidas d entro do ca mpo d e aperfeiçoamento da memória.
3. Mapeamento Musical segundo Rebecca Payne Shockley
A técnica de mapeamento proposta por Shockley é baseada em
princípios de organização da memória e utiliza-se da associação entre
imagens gráficas e estruturas m usicais. Tais imagens, organ izada s em forma
de ma pas, constituem esquemas d e memorizaçã o, tornand o este processo
ma is rápido e eficiente. A técnica visa au xiliar n a retenção e fixação da s
informações contidas n a pa rtitura, através da organizaçã o efetiva d o ma terial
e do uso d e imagens visuais2 .
Os mapas mentais (mind maps ), q ue constituem a base do roteiro
proposto por Sh ockley, foram inicia lmente desenvolvid os como uma técnica
para aperfeiçoar a com preensão e retenção de informações ao se tomar notas
em palestras (Shockley, 1997). Estes mapas enfatizam a concisão e a
organ izaçã o, sendo q ue imagens gráficas são utilizad as para se fazer ligações
entre idéias e ressaltar pala vras-cha ves.O processo de memorização proposto por Shockley envolve
basicamente dua s atividad es: o estudo da partitura longe do instrumento e a
confecção d e mapas q ue destaq uem os elementos mais importantes da peça.
Ao propor o estudo prévio da partitura dissociado da execução, a
abordagem de Shockley diferencia-se da prática dos que se dedicam ao
aprendizad o de uma nova peça pela repetição mecânica a o piano até que a
sua execução se dê de uma forma automática. Autores como Leimer,Gieseking e Kaplan enfatizam a importância de exercitar a memorização
através da reflexão, isto é, memorizar as peças antes de tocá-las. Kaplan
afirma q ue “ter uma imagem mental clara do que irá ser realizado é cond ição
básica para a execução” (Kaplan, 1987, p. 83).
Diferentes aspectos da pa rtitura podem ser enfocad os na confecção
dos m apa s. Por exemplo, se houver necessidade de nota s de referência pa ra
a m emorizaçã o da melodia num da do trecho, tal será o elemento principal
da representa ção gráfica . Em d etermina dos ca sos, representar a p rogressão
ha rmônica pode ser mais eficaz. Dificulda des específicas de m emorizaçã o,
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impostas pela obra estudada, também poderão conduzir o processo de
mapeamento, de modo q ue as peculiaridades de cada obra ou trecho musical
serão d etermina ntes na man eira d e se ma pear.
Sh ockley afirma q ue
[...] psicólogos e educa dores têm enfatiza do o va lor de fazer com qu eos aprendizes organizem material novo à sua própria maneira e orelacionem com a quilo q ue já conh ecem. Ao se tomar n otas em umapalestra ou em um livro, por exemplo, parafrasear e condensar asidéias-cha ve pode ser bem ma is útil do qu e simplesmente copiar tudointegralmente. De fato, as pessoas geralmente lembram mais quandotomam notas do q ue qua ndo n ão o fazem, até mesmo se não recorrema elas. Isto porqu e o simples ato de toma r notas exige que se selecione,organize e processe material em u m n ível mais profund o do q ue aosimp lesment e ouv ir ou ler (1997, p. 4).
O p r o c e s s o d e c o n f e c ç ã o d o s m a p a s é c a r a c t e r i z a d o p e l a
flexibilida de, pois não se dá através da formulaçã o d e uma séria de regras
rígidas. Para a autora, nã o há ma neiras certas ou errada s de ma pear – o q ue
func ionar é vá lido (1997, p. xiii). Os recursos gráficos a serem ut ilizad os na
confecção dos mapas compreendem símbolos representando os diversos
even tos mus ica i s da par t i tura , os qua is devem ser de pre ferênc ia
apresenta dos de ma neira clara e sucinta . Os símbolos devem, portanto, servistos não como uma substituição da notação tradicional, mas como uma
ferramenta de organiza ção d as informações de modo eficiente no q ue diz
respeito à memorizaçã o. A escolha dos elementos a serem representa dos e
a forma com q ue são simbolizad os depend e mais de significados pessoais
estabelecidos por cad a ind ivíduo do q ue de regras preestabelecida s.
Sh ockley sugere o uso de alguns símbolos bá sicos:
• Uma reta horizontal é usada para a representação da linha dotempo, sendo que pequenos traços perpendiculares a esta reta
servem para indicar a divisão da peça em compassos. Cada
subdivisão pode incluir um ou m ais compassos sendo qu e, em
determinad os casos, representar m ais d e um compasso em ca da
divisão da reta pode ser uma ma neira ad equad a de condensar as
informações musicais;
• Nomes de notas ind icam re ferênc ias de in íc io ou f im de
movimentos melódicos;
• Símbolos para acordes e para intervalos;
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• Linhas em diferentes direções para indica r os contornos melódicos;
• Indicações de dedilhad os e dinâ micas;
• Abreviaturas;
• Sina is de repetição q uan do pertinente.
Diferentes etapas consti tuem o processo de mapeamento: (a)
examinar a par t i tura iden t i f i cando padrões , se jam e les melódicos ,
harmônicos, rítmicos, etc., (b) representar estes padrões ou elementos
musicais através de símbolos em uma folha d e papel, e (c) ao pia no, tenta r
relembrar de pequenos trechos de cad a vez, de memória. Sh ockley sugere,
além d isso, que se realizem exercícios de improvisaçã o sobre as estruturas
e os padrões representados no mapa e até de transposição do material. A
extensão de um trecho a ser mapeado d e cada vez depend erá d a peça e da
necessida de individu al d e quem realiza o estudo. A ordem exata em que
essas etapa s são percorridas pode va riar conforme as características da peça
e as necessida des individua is, mas Shockley enfatiza a importân cia de q ue
o mapeamento e a memoriza ção sejam feitos longe do instrum ento. Para a
autora, m apear a peça an tes de tocá-la é a melhor man eira d e aperfeiçoar a
con sciência dos pa drões (1997).
4. Aplicação
A s s e g u i n t e s a b r e v i a ç õ e s s ã o u t i l i z a d a s n a d e s c r i ç ã o d o
procedimento empregado na memorização do primeiro movimento da
Sonatina no. 3 de Juan Carlos Paz – All egro Moderato : c. para compasso;
m.d. e m.e. para mão direita e mão esquerda respectivamente, e t. paraindicar o tempo do compa sso. Para a num eraçã o referente às a lturas, o DÓ
ma is grave do pia no recebe a d esigna ção de DÓ-1, estabelecendo o princípio
de numeração d as alturas segundo sua posição no teclado.
A apl icação do princípio foi real izada a través dos seguintes
passos3 :
a ) O All egro Moderato foi dividido em um total de vinte e um
trechos, os quais foram agrupados, em um nível estrutural de
maior amplitude, em três segmentos. O primeiro segmento
compreende c inco trechos e os segmentos 2 e 3 contém,
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respectivamente, oito trechos. A extensão d e cada trecho va ria
entre dois e se is compassos . A apl icação do processo de
ma peamento se deu tendo em vista um a ab ordagem partind o de
pequenos trechos para então chegar à totalidad e do movimento4 .
b) Elaboração de um ma pa para cad a um dos trechos definidos.c) Prática da memorizaçã o prévia de cad a trecho, isto é, o exercício
da evocaçã o mental dissociada d a execução ao instrumento.
d) Após ter real izado a confecção de mapas para cada um d os
segmentos completos, passou-se à execução de memória dos
trechos correspondentes ao pia no. Neste exercício, cad a um d os
trechos foi executado separad amente, sem a presença da pa rtitura
e sem os mapas. Gradua lmente, um trecho foi conectad o ao outro
até completar-se um segmento. A repetição d e cad a trecho se deu
de mãos separadas e também de mãos juntas, em anda mento lento.
e) Um a vez concluídas as etapas acima d escritas em cad a segmento
completo, os mapas foram revisados, tendo em vista a busca
pela ma neira ma is eficaz e concisa de representar os principais
e l e m e n t o s a i n d a n ã o c o m p l e t a m e n t e m e m o r i z a d o s . F o i
ad icionad o, por exemplo, um sinal pa ra representar as alterações
dos c. 6-7 (trecho 2, m.d.) com relação ao LÁ-5 e Láb-5 parareforçar a memorizaçã o da ordem em ocorrem estas dua s alturas.
O mesmo ocorreu no c. 14 (trecho 4) pa ra o S I e SIb.
f) Os mapas passaram então a ser utilizados para a evocação de cada
trecho da obra. A evocaçã o, segun do Kapla n (1987), con stitui o
exercício de trazer novamente à tona o material já fixado na
mem ória. Trat a-se, portan to, de relembra r-se period ica men te
dos trechos que já tenha m sido fixados, visan do a m anu tençãoda memorização. Este estágio é essencial , uma vez que as
informações podem ser apagadas caso não seja evocadas com
freqüência.
No que se refere aos símbolos adotados para o mapeamento nesta
aplicação, alguns d os sinais utilizad os são semelhan tes àqu eles sugeridos
por Sh ockley em seu livro e outros diferem d a simb ologia apresenta da pela
autora. Os principais símbolos utilizad os no processo de ma peamento do
Allegro Moderato da Sona tina Nº 3 de Paz são relacionad os abaixo:
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• Uma reta horizontal representa a linha do tempo. É cortada
perpendicularmente por pequenos traços que simbolizam as
barras de compa sso.
• Nomes de notas são utilizad os para indicar as alturas, enqua nto
cifras representam formações triádicas5
ou conjuntos de nota squ e pertença m a um d eterminad o campo h armônico. Cifras em
letra minúscula representam tríades menores, enquanto as
ma iúsculas ind icam as ma iores.
• Linhas em diversas direções são empregadas para representar
contornos melódicos por graus conjuntos (movimento escalar
ascendente ou descend ente, bordadura superior ou inferior, etc).
• Setas representam saltos.
• Sinais de ligadura, stacatto e stacat to secco, para quando as
art iculações foram consideradas elementos de referência à
memorização d e dad os trechos.
• Abreviatura para ostinato (ost.).
• Abrev ia tura para recorrênc ias do mot ivo operac iona l de
memorização: M. Op.6
A divisão do All egro Moderato se deu de acordo com o quadroabaixo:
Quad ro 1: Divisões e subdivisões do primeiro moviment o – All egro Moderato .
Para evitar um número demasiado de informações nos mapas, a
dinâ mica nã o foi representad a nos ma pas. Ao invés disso, foi memoriza da
juntamente com os outros parâmetros musicais durante o exercício de
execução ao piano, estabelecendo-se relações entre as dinâmicas e as
direções melódicas de modo que estes dois elementos pudessem ser
memorizados em um a estrutura única. NesteAllegro Moderato
, a ma ior parte
da s indica ções de din âm ica a parece de forma a estabelecer relações lógicas
com os movimentos melódicos. Como exemplo disto, pode ser citada a
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passagem dos c. 19-20 (trecho 5), onde ambas as mãos realizam um
movimento ascendente com um crescendo que culmina com o fortissimo (c.
20). Outro caso ilustrat ivo é o movimento d escend ente compreend endo os
c. 54-56 (trecho 12), q ue é acompan ha do d e um d ecréscimo d a in tensida de.
A seguir, no trecho 13, a ascensão coincide com um sinal de crescendo (juntam ente com um ri tardando, lento e a seguir, no c. 59 – iníc io do trecho
14 -, a tempo ).
A seguir, a aplicação é demonstrada do mapeamento através da
seleção de algun s dos trechos do Allegro Moderato da Sonatina Nº 3 de Paz .
Segmento 1
Trecho 1: c. 1-4
Como n os exemplos oferecidos por Sh ockley, uma linha horizon tal
representa o eixo do tempo, assim como a divisão entre mão esquerda e
mão direita. Para a mão esquerda n os dois primeiros compassos foi utilizad a
a a breviatura para ostinato – ost7 . Neste caso, não foi necessário relacionar
os nomes das notas do ostinato , uma vez que as n otas puderam ser facilmente
memorizadas.
Figura 1: c. 1-4 e respectivo ma pa.
Nos dois compassos seguintes (c. 3-4), o fragmento melódico da
mão esquerda apresenta a s mesmas figuras rítmicas, qua l seja uma seqüência
de colcheias, a m odificação ocorrend o qu anto a os intervalos. Para a indicar
a mud ança d e direção do ostinato, (c. 3, m.e.) foram utiliza da s dua s setas.
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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 47MÚSICA HODIE 47
Ao compara r os c. 1-2 com os c. 3-4, nota-se que a mã o esquerda , q ue executa
um ostinato entre du as nota s por grau con jun to, passa a realiza r um a rpejo
em movimento contrário em relação à mão direita. A mão direita inicia
com o M. Op., seguido de interva los d isjun tos em colcheias (c. 3-4).
Trecho 3: c. 9-11
Na mã o direita, o movimento de terças consecutivas preench e um
intervalo de oitava (FÁ4, c. 9, t.1 ao FÁ5, c. 11, t1), utilizando notas
pertencentes à escala de Réb ma ior. O ma pa deste trecho, para a m ão d ireita,
conta com três elementos básicos de memorização: o âmbito percorrido, o
desenho de terças consecutiva s e a identida de tona l da escala d e Réb maior.
Além d estas características principais há tam bém: a “pa rada ” n o SIb m.d.
com SI m.e. (c. 10, t.1) e o salto descendente seguido d e borda du ra in ferior
sobre FÁ (c. 11, m.d .). A ind icação da recorrência d o mot ivo inic ial (c. 9-10
m.e.) ressalta apena s a primeira n ota (SI), em uma referência à inversão do
intervalo (SI-DÓ em oposiçã o ao DÓ-SI d o c.1).
Figura 3: c. 9-11 e respectivo ma pa.
3.1.5 Trecho 5: c. 17-20
O c. 17 caracteriza-se pelas sextas em am bas as vozes por movimento
contrá rio e polirritmia d e três (m.e.) contra qu atro (m.d .). Na mão d ireita a s
sextas começam com SOL e na esquerda com LÁ. Há uso de imitação, a
qual foi indicada no mapa através da denominação stretto – a partir do
DÓ# (c. 18, m.d , t .1). A imita ção ocorre a um intervalo de um tom
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48 MÚSICA HODIE48 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)
descenden te (m.e. inicia em SI, c. 18, t. 2). Segue um a rpejo ascend ente em
amb as as voz es, em polirritmia, culmina nd o em fortissimo (c. 19-20).
Figura 5: c. 5-20 e respectivo ma pa.
Segmento 2
Trecho 6: c . 21-26
O M. Op. retorna invertido e sincopado (c. 21, m.d.). Nos três
compassos seguintes há uma movimentação em semicolcheias, as quaistêm sempre como ponto de chegada o DÓ (c. 22-25, m.d.). Os c. 25-26
repetem o motivo in icial inv ertido em (com a s nota s DÓ-RÉb-DÓ ind icad as
no m apa ). Na mã o esquerda ocorre o uso de ostinato , com exceção d os c. 24
e c. 26. O ostinato do c . 21 (m.e.) equiva le a um a som a d os c. 1 e 2, uma v ez
que sua fórmu la d e compasso é 4/4.
Figura 6: c. 21-26 e respectivo ma pa.
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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 49MÚSICA HODIE 49
As diferenças ocorrem quanto à dinâmica, o uso de staccatto no
lugar do staccatto secco e a substituição da última nota do grupo por uma
pausa. Nos c. 22-23 o ostinato ocorre com o intervalo de sétima e uma
alteração sobre da mesma nota (MI e MIb, em oitavas diferentes). No
compasso seguinte a mão esquerda percorre um movimento escalardescendente, o q ual opõe-se às semicolcheias d a mão d ireita com defasagem
rítmica de uma semicolcheia. A alteração sobre o RÉ (c. 24, t. 1) gera uma
relação d e semitom entre as dua s vozes, no ponto inicial d e cada grupo de
notas e recebe um acento q ue enfatiza a sensaçã o de d efasagem. As alturas
dos c. 25-26, agrupadas em uma mesma oitava, constituem uma sucessão
cromática: DÓ, DÓ# (ou RÉb, m.d ) e RÉ.
Trecho 8: c . 32-36
O desenh o apresentado nos c. 27 (m.e.) e 29 (m.d .) reapa rece nos c.
32 e 34 na mão d ireita. No c. 32, a primeira n ota d esdobra-se numa oitav a e
é imediata mente seguida de um sa lto e uma borda dura inferior acentua da
(m. d .) sobre o FÁ. A mão esquerda , no c. 36, inclui a bordadura com acento,
ma s o salto é d iminuído em extensão e ritmicamente ma is complexo. Como
acompa nha mento, há oitavas ascend entes na mão direita.
Figura 8: c. 32-36 e respectivo ma pa.
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50 MÚSICA HODIE50 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)
Os trechos 7 e 8 podem ser relacion ad os entre si tendo como ba se
um fragmento melódico aq ui considerad o pad rão, tanto q uan to seu desvio.
Uma vez estabelecido que o formato padrão é uma escala ascendente
culmin an do em b ordadu ra inferior/salto/borda du ra, a tribuí um a lógica q ue
encadeia os eventos musica is dos trechos 7 e 8 da seguin te man eira: o trecho7 apresenta o forma to pad rão na mã o esquerda e nos c. 29-31 é apresentad o
o seu d esvio (m.d .). O trecho 8 apresenta o formato pa drã o na mã o direita
(c. 32-33), seguido de um desvio deste padrão nos c. 34-36 (m.e.).
Trecho 10: c . 42-46
A cifra ind ica a forma ção triád ica (Mib menor, m.d.). Consta como
elemento im portan te neste mapa o FÁ da mã o d ireita (c. 42), por ser uma
nota estranha à esta tríad e. No início do c. 43, o S I é natural e nã o bemol
como no compasso anterior. O desenho descendente com quartas justas
aparece duas vezes, primeiro na mão esquerda (c. 43) e então nas duas
mã os (c.46).
Figura 10: c. 47-51 e respectivo m apa .
Trecho 12: c . 52-56
A mão esquerda realiza um m ovimento cromático, o q ue pode ser
observado dentro do â mbito d e uma oitava: MIb, MI, FÁ, FÁ# e SOL. Nos
c. 52-53 (m.d .), h á um arpejo a scendente com posto d e duas terças ma iores
e uma qu arta justa. No c. 54 tem início uma descida por q uartas justas q ue
abrange uma extensão envolvendo as duas mãos . Es te movimento
descendente foi associado a uma re ta em direção obl íqua e sent ido
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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 51MÚSICA HODIE 51
descendente q ue parte do SOLb5 (m.d .) e tem com o ponto de chegad a o RÉ2
(m.e.). A descida é precedida por uma anacruse, indicada no mapa pela
pequena seta curva (c. 53).
Figura 12: c. 52-56 e respectivo m apa .
Segmento 3
Trecho 14: c . 59-60
O primeiro trecho d o último segmento traz uma reapresenta ção d oM. Op. (m.e.). Assim como na primeira vez em que aparece (c. 1), sua
extensão é de dois compassos e ocorre contra um ostinato com a s notas RÉb
e MIb (neste caso, n a m.d .).
Figura 14: c. 59-60 e respectivo m apa .
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52 MÚSICA HODIE52 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)
As diferenças entre este trecho e a abertura do movimento são a
dinâmica e articulação d o ostinato (staccatto ao invés do staccatto secco ) e
o uso de contraponto invertido – nos dois primeiros compassos deste
movimento o M. Op. foi apresentad o na mão direita, sendo q ue neste caso
ocorre o inverso.
Trecho 15: c . 61-64
Mais uma vez o M. Op. muda d e voz, passand o agora para a mão
direita. A escala usada no movimento descendente é a mesma, apenas
iniciando e finalizando um grau acima.
Figura 15: c. 61-64 e respectivo m apa .
Nos compassos seguintes a cifra indica a forma ção triád ica d e Láb
ma ior (c. 63-64, m.d .). Na mã o esq uerda, a muda nça de oitava na primeira
nota do ostinato é também aponta da , através do número 8.
Trecho 18: 72-76
O movimento de semicolcheias da mão dire i ta a l terna graus
conjuntos e saltos. No mapa para a mão d ireita d este trecho indica m-se as
nota s de chegada no a gudo (c. 73, 74 e 76). Cad a uma destas n otas é ma is
alta q ue a an terior em m edida de um semitom (FÁ-FÁ# -SOL). O FÁ e o
FÁ# são enfatizad os por borda duras inferiores.
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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 53MÚSICA HODIE 53
Figura 18: c. 72-76 e respectivo m apa .
A mão esquerda , por sua vez, apresenta uma escala descend ente
(c. 72), um ostina to e uma escala ascend ente com borda du ra no c. 75. Um
arpejo em tercina s (c. 76, m.e.) con ecta este trecho a o próxim o.
Trecho 19: c . 77-79
A recorrência d o M. Op. (c. 77-78, m.d .) é ind icada jun to com um
sinal de bequadro, em referência à primeira nota (RÉ). O intervalo é de
nona maior, e não uma nona bemol. O movimento descendente ocorre
usando a mesma escala do c. 62 (trecho 15). A mão esquerda utiliza a
figuração d e graus conjuntos com borda dura seguida d e saltos de quintas
justas descendentes (SIb-MIb-LÁb-RÉb). O c. 79 (m.e.) é uma repetição do
c. 77, com a rticulações diferentes e com o deslocam ento do RÉb para u ma
oitava abaixo.
Ex. 19: c. 77-79 e respectivo mapa.
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54 MÚSICA HODIE54 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)
Trecho 21: c . 85-89
Como elementos principais a serem indica dos n este mapa , foram
considerados a relaçã o bemol/bequad ro entre as duas vozes e o arpejo em
stacatto secco (c.86, m.d .). É significa tivo q ue o m ovimento seja conclu ído
com LÁ (m.e.) e LÁb (m.d.), pois isto reafirma a presença de relações desemitom neste al legro moderato .
Figura 21: Ma pa dos c. 85-89.
Conclusão
Os exemplos apresentados por Shockley em seu livro constituem-se,
na sua maioria parte, no processo de grafar estruturas que se salientam na
leitura da partitura. No caso da Sonatina Nº 3 , os elementos de referência tonal
permitiram que tal roteiro tenha sido elaborado através de conhecimentos de
teoria musical tradicional, aind a q ue se tratasse de uma composição do séculoXX. Através da aplicação do princípio de mapeamento musical, pode-se relatar
as seguintes observações realizadas no decorrer do processo que poderão
contribuir na utilização d este como ferramenta prática de memorização:
• O mapeamento musical demonstrou ser aplicável tendo em vista
sua fun ção específica como ferramenta ind ividual d e estudo e
memoriza ção. Deve-se salienta r, no entan to, que o mapeam ento
se destina a uma organizaçã o pessoal d as informações a serem
memorizada s. A elaboração dos ma pas ocorre, portanto, a partir
de decisões individuais no que diz respeito à abordagem da
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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 55MÚSICA HODIE 55
partitura. Logo, ao mapear-se um trecho ou obra musical é
importante que se decida o qu e é necessário à organiza ção d as
informações tendo em vista a m emorizaçã o.
• Os mapa s devem a presenta r organizaçã o e concisão, sendo qu e
o mapeamento ocorre de ma neira ma is eficaz qu an do os mapa sresumem as informações, com pontos de apoio para a memória
ao in vés de representações muito detalha da s. Após um primeiro
contato com a a plicação do processo, muda nças pod em ocorrer
nos mapas no sentido de apurar a sua concisão e organização.
No trecho 5 (c.17-20) o emprego de duas seta s defasa da s entre si
com a indicação stretto bastou para representar todo conjunto
de notas, em estilo imitativo, tornando o mapa mais claro e
organizad o. Se o contorno melódico da pa ssagem que denomino
stretto (c. 18-19) fosse min uciosam ente representad o a trav és de
linhas ou de nomes de notas, o mapa perderia em concisão,
traz endo um núm ero excessivo de informa ções. Tal opção foi
feita levando-se em conta que o contorno melódico em si não
constituiu, neste caso, uma d ificulda de de memorização.
• É importante qu e, após a memorização e execução ao pian o de
cad a trecho, seja realizad o o exercício da evoca ção m ental pa rasua ma nutenção. Kapla n (1987) enfatiz a o va lor deste exercício
e cita q ue a memorização envolve estágios distintos ao longo
do seu processo. Tais etapa s incluem: a q uisição , fixaçã o ou
retenção e evocação. Na aquisição ocorre o primeiro contato
com a in formação. A f ixação pressupõe a compreensão e
organização do material , o qual será fixado na memória em
forma de im agens. Neste estágio in clui-se a repetição, isto é, aprática , o qu e irá consolidar a retenção das imagens formada s a
partir da organ ização de informa ções. A evocação é o ato de traz er
à tona informações anteriormente fixadas, constituindo um
importa nte exercício para se evitar que conteúd os memorizad os
sejam apagados. Se durante o exercício da evocação mental
surgirem dúvidas, deve-se recorrer à partitura para evitar que
qu alq uer informação errônea seja in devidam ente memorizada .
No caso de se consultar a partitura, pode-se fazê-lo longe do
instrumento pa ra reforçar o há bito da prática silenciosa.
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56 MÚSICA HODIE56 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)
• A prát ica da memorização mental longe do piano é par te
funda mental do processo de aprendiza do por mim experimentad o,
mas o aspecto relaciona do a o movimento e à a ção física sobre o
instrumento não deve ser negligenciad o. Aind a q ue tal aspecto
não tenha sido abordado neste trabalho, sua importância nãodeve ser diminu ída dentro da prática pianística, ha ja visto que a
execução em tempo real envolve dificulda des que nem sempre
podem ser sanad as a través do exercício puram ente mental.
• O ma peamento pode ser feito para san ar d ificuldades pontuais
dentro de uma obra, pod endo ser aplicado a penas para trechos
específicos. Nem sempre é necessário q ue a ob ra estudad a seja
integralmente mapeada .
A experiência com a aplicação do princípio de ma peamento revelou
que, como ferram enta d idática , este procedimento pod e proporcionar u ma
ampliaçã o d e recursos utilizad os na preparaçã o d e execuções, atribuindo
ao enfoque racional dos elementos musicais uma fun ção prática voltad a à
execução. Como afirma Shockley, “Como qualquer outro processo, [o
ma peamento] pode ser aperfeiçoad o com a prática ” (1997, p. 1). Através de
sua prática e aperfeiçoamento, este princípio tem muito a contribuir nabusca por soluções eficazes no que se refere à questão de como estudar
pian o. Toma do com o princípio aberto a ser desenvolvid o individ ua lmente
com a prática e não como um método fechado, o mapeamento musical
aponta caminhos que certamente conduzem a v ivências e fe t ivas de
aprendizado. Contando com elementos importantes à e laboração de
ma neiras eficientes de se estudar pia no, este princípio é merecedor d e uma
atençã o especial por pa rte de pianista s e professores de pian o.
Notas
1 Functional ski ll s , no original.2 A a b ord a gem p io nei ra d e mapas conceitua is (conceptual maps ) foi desenvolv ida
primeiramen te nos ca mpos d a ed uca ção e psicologia p or Joseph D. NOVAK, apartir d a Teoria da Aprend iza gem Significa tiva ou Teoria da Assimila ção d e
Dav id AU SU BEL (1963, 1968, 1978), d a á rea d e psicologia edu cacion al e q uet ra ta da representação do conhecimento na forma grá f ica (Novak, 2002 eAusu beL, 1963).
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Vol. 5 - Nº 1 - 2005 57MÚSICA HODIE 57
3 Apesar de ter sido interpretado com partitura, o All egro Moderato da Sonati na Nº 3
foi posteriormente memoriza do seguind o os mesmos passos sugeridos por Sh ockley.4 Leimer e Gieseking aconselham o estudo de pequenos trechos de cada vez, de
modo q ue se possa “ em pouco tempo, tocar melhor os pequenos trechos d e umafrase, e assim estuda -la n a ín tegra, com m ais perfeição” (1949, p. 37).
5 A presença de t ríades no All egro Moderato da Sonatina Nº 3 nã o estabelece relações
de funciona lidad e tonal. Por esta raz ão, utilizo o termo formação triádica.6 Trecho melódico associado à frase inicial do movimento (mão d ireita c. 1-2) e suas
recorrências. Será dorava nte ind icado pela sigla M. Op.7 S erá u ti li zada a des ignação ostinato sempre que houver um padrão repetitivo,
mesmo que de curta du ração.
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Francisco Koetz Wildt – Mestre em música pela U niversida de Federal do Rio Grand e do Su l, ondeobteve orientação pian ística de Cristina Ca pparelli Gerling. Elaborou sua dissertação sob orientaçã ode Any Raq uel Carvalho e com co-orientaçã o de Cristina Ca pparelli Gerling.
Any Raquel Carvalho– Doutora em mú sica pela U niversity of Georgia (US A) é professora de órgão,contraponto e fu ga no Departamento de Música e professora/orientad ora d e mestrado e d outoradono Programa d e Pós-Grad uaçã o em Música do Instituo de Artes da UFRGS. Atua como organista econferencista n o Brasil e no exterior. Como pesquisadora do CNPq tem publicado tra balhos na áreade contrapon to (dois livros), fuga, a nálise musical e mú sica brasileira pa ra órgão.
Cristina Capparelli Gerling – Doutora em música Cristina Capparelli Gerling, mestre em música
pelo New England Conservatory e doutor em m úsica pela B oston Un iversity, é professora titular depiano no Departamento de Música e orientadora de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Grad uaçã o em Música d o Instituto de Artes da UFRGS. Apresenta-se freqü entemente como pian ista,camerista e solista e pub lica sobre aná lise musical e repertório pianístico latino-americano.