m08 - ficha de apoio 1

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Escola Secundária de D.Dinis – Santo Tirso Curso Profissional Técnico de Análise Laboratorial Disciplina: Análises Químicas Módulo 8: Volumetrias de complexação COMPLEXOS E VOLUMETRIAS DE COMPLEXAÇÃO INTRODUÇÃO: Uma volumetria de complexação é uma técnica de análise volumétrica na qual ocorre a formação de um complexo colorido solúvel e estável, entre o titulado e o titulante , que é usado para indicar o ponto final da titulação . Estas titulações são particularmente úteis para a determinação de diferentes iões metálicos em solução. Resta saber o que se entende por complexo. 1. COMPLEXOS Complexo é todo composto que tem na sua constituição pelo menos um ião complexo . Iões complexos são espécies constituídas por um catião metálico (átomo, por vezes), ligado a vários outros aniões ou moléculas, que se aglomeram à sua volta. Ao catião metálico (ou átomo) chama-se átomo central do complexo e aos aniões ou moléculas aglomerados à sua volta chamam-se ligandos . Do que se acaba de dizer, é fácil concluir que um composto complexo se distingue de qualquer outro tipo de composto, pelo tacto de tanto o ião central como os ligandos serem capazes de existência independente como espécies químicas estáveis. Como o átomo central e os ligandos são capazes de existir separadamente e são espécies estáveis, tal significa que entre ambos ou estabelecem ligações covalentes dativas, também denominadas ligações coordenadas, isto é, ligações químicas em que ocorre partilha de electrões que inicialmente pertenciam a uma só das espécies envolvidas na ligação ou ocorre mera atração eletrostática entre ião-dipolo. Admitindo que a ligação do átomo central ao ligando é covalente coordenada, ao número de pares de electrões aceites pelo ião central dá-se a designação de número de coordenação. Referem-se como exemplo de iões complexos o ião diaminoprata, [Ag(NH 3 ) 2 ] + , e o ião tetraidroxo plumbato (II), [Pb(HO) 4 ] 2- cujos números de coordenação são respetivamente 2 e 4. Os metais de transição têm grande tendência para formar complexos e funcionam como átomo central. QUALIFICAR É CRESCER

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Escola Secundária de D.Dinis – Santo Tirso

Curso Profissional Técnico de Análise LaboratorialDisciplina: Análises Químicas

Módulo 8: Volumetrias de complexação

COMPLEXOS E VOLUMETRIAS DE COMPLEXAÇÃO

INTRODUÇÃO:Uma volumetria de complexação é uma técnica de análise volumétrica na qual ocorre a formação de

um complexo colorido solúvel e estável, entre o titulado e o titulante, que é usado para indicar o ponto final

da titulação. Estas titulações são particularmente úteis para a determinação de diferentes iões metálicos em

solução. Resta saber o que se entende por complexo.

1. COMPLEXOS

Complexo é todo composto que tem na sua constituição pelo menos um ião complexo.

Iões complexos são espécies constituídas por um catião metálico (átomo, por vezes), ligado a vários outros

aniões ou moléculas, que se aglomeram à sua volta.

Ao catião metálico (ou átomo) chama-se átomo central do complexo e aos aniões ou moléculas

aglomerados à sua volta chamam-se ligandos.

Do que se acaba de dizer, é fácil concluir que um composto complexo se distingue de qualquer outro tipo de

composto, pelo tacto de tanto o ião central como os ligandos serem capazes de existência independente

como espécies químicas estáveis. Como o átomo central e os ligandos são capazes de existir separadamente e

são espécies estáveis, tal significa que entre ambos ou estabelecem ligações covalentes dativas, também

denominadas ligações coordenadas, isto é, ligações químicas em que ocorre partilha de electrões que

inicialmente pertenciam a uma só das espécies envolvidas na ligação ou ocorre mera atração eletrostática entre

ião-dipolo.

Admitindo que a ligação do átomo central ao ligando é covalente coordenada, ao número de pares de electrões

aceites pelo ião central dá-se a designação de número de coordenação.

Referem-se como exemplo de iões complexos o ião diaminoprata, [Ag(NH3)2]+, e o ião tetraidroxo plumbato (II),

[Pb(HO)4]2- cujos números de coordenação são respetivamente 2 e 4.

Os metais de transição têm grande tendência para formar complexos e funcionam como átomo central.

Ligandos que só estabelecem uma ligação com o átomo central, tal como acontece com o NH3, dizem-se

Ligandos Monodentados.

Vejamos como exemplo o ião complexo

hexaminoníquel (II), da figura ao lado, cujo número de

coordenação é 6, pois tem 6 ligando monodentados

(NH3), ligados ao átomo central , isto é, ao ião níquel

(II) (Ni2+)

QUALIFICAR É CRESCER

Page 2: M08 - Ficha de Apoio 1

QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

No entanto, se um mesmo ligando

estabelece mais do que uma ligação ao átomo

central diz-se ligando bidentado, polidentado

ou quelato (do grego kele, que significa

“garra”).

Na figura ao lado, podemos ver o ligando

EDTA e o complexo formado entre o EDTA e o

ião Mn2+.

O ligando EDTA estabelece 6 ligações com o átomo central (ião Mn2+), por isso o seu número de coordenação

é 6 e o o ligando EDTA é um quelato ou ligando polidentado.

Assim, não serão de considerar iões complexos as espécies que quase nunca se dissociam nos seus componentes, como, por exemplo,

NO3-, SO4

2-, PO43- e CN- — cada um destes mantém a sua individualidade e reage como unidade única e inalterada, em muitas das reações,

participando eles próprios como ligandos em iões complexos.

Além disso, os ligandos de um complexo podem ser removidos ou substituídos por outros, com facilidade.

Devido à sua estrutura eletrónica, os metais de transição originam um elevado número de compostos complexos.

Geralmente, num complexo, os ligandos “doam” electrões ao átomo central, que é vulgarmente a espécie

deficiente em electrões. A palavra “doar” tanto pode significar “partilha de electrões” (ligação covalente

coordenada) como mera atração eletrostática entre ião-dipolo.

1.1 Estereoquímica dos complexos

Designa-se por ESTEREOQUÍMICA DO COMPLEXO a geometria do ião central e seus ligandos.

Esta geometria está relacionada com o número de coordenação do ião central, conforme se ilustra no quadro abaixo.

Tipo de

comple

xo

Nº de

Coordenação

Geometria Exemplos

ML2 2

Linear

[Ag(NH3)2]+

ML4 4

Tetraédrica Quadrangular[Zn(NH3)4]2+

[Pt(NH3)4]2+

ML6 6

Octaédrica

[Ni(NH3)6]2+

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QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

1.2 Nomenclatura de complexos

A nomenclatura destes compostos é muito vasta e complexa não sendo, por isso, desejável introduzir, com

carácter obrigatório, o estudo sistemático das suas regras.

De seguida e com carácter meramente informativo, apresentam-se as regras mais gerais da IUPAC, que se

aplicam à maioria destes compostos.

Um sal complexo usado em estamparia têxtil e como fungicida é o sulfato de tetraminocobre(ll) monoidratado,

de uma bela cor azul-forte.

Para dar o nome a sais complexos, devem cumprir-se as seguintes regras:

1. O nome do anião é indicado antes do nome do catião, independentemente da carga do complexo.

Exemplo: [Cu(NH3)4]Cl2 - cloreto de tetraaminocobre (II)

2. O nome do ião complexo é formado referindo o nome dos ligandos por ordem alfabética e

posteriormente o nome do metal.

Exemplo: [Ni(NH3)2(H2O)3]2+ - ião triaminotriaquoníquel (II)

3. Se os ligandos tiverem carga negativa, os seus nomes terminam em o.

Exemplo: [Sn(HO)4]2- - ião tetraidroxoestanato (II)

Se os ligandos forem neutros tomam o nome da molécula correspondente, com algumas excepções,

tais como a água e o amoníaco.

Exemplo: [Ag(NH3)2]2+ - ião diaminoprata

Exemplo: [Cr(H2O)6]3+ - ião hexaaquocrómio (III)

NOME DE ALGUNS LIGANDOS

LIGANDO NOME DO LIGANDO NO IÃO COMPLEXO

Água (H2O) Aquo

Amoníaco (NH3) Amino

Monóxido de carbono (CO) Carbonilo

Brometo (Br-) Bromo

Cianeto (CN-) Ciano

Cloreto (Cl-) Cloro

Hidróxido (HO-) Hidroxo

Nitrato (NO3-) Nitro

Óxido (O2-) Oxo

4. Quando o complexo contém vários ligandos iguais utilizam-se os prefixos habituais di, tri, tetra, penta, … para os nomear.

5. A carga do ião metálico ( número de oxidação) é escrita em numeração romana entre parêntesis curvos, a seguir ao nome do metal.

6. Se o ião complexo tem carga negativa, o nome do metal é designado de acordo com a seguinte tabela:

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Estrutura do complexo

metal - etilenodiamina

QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

TERMINAÇÃO DO NOME DE ALGUNS METAIS EM IÕES COMPLEXOS DE CARGA NEGATIVA

METAL NOME DO METAL NO IÃO COMPLEXO (ANIÃO)

alumínio aluminato

chumbo plumbato

cobalto cobaltato

cobre cuprato

estanho estanato

ferro ferrato

níquel niquelato

prata argentato

zinco zincato

A Química dos compostos de coordenação (sais complexos) tem uma grande importância na indústria química,

pois muitos deles têm propriedades catalíticas. Têm, igualmente, muito interesse nas reacções bioquímicas; a

clorofila é um complexo que tem magnésio como catião metálico; a hemoglobina é um complexo que contém ferro

como catião metálico.

Em Química Analítica, também são importantes os compostos de coordenação porque permitem realizar

análises qualitativas e quantitativas. Recentemente (1948) foram descobertos ligandos com a capacidade de

estabelecerem mais do que uma ligação com o catião metálico central. Estes ligandos polidentados são

conhecidos por agentes quelantes, devido à sua capacidade de se ligarem ao catião metálico como uma pinça.

O exemplo mais conhecido do agente quelante é a ião etilenodiaminotetracetata (EDTA) utilizado no tratamento de

intoxicações por metais e na determinação da dureza da água (quantidade de iões Mg2+ e Ca2+ existentes numa

água).

Uma das propriedades mais interessantes dos complexos é a cor que exibem, tal como podem verificar com

atividades experimentais das fichas de trabalho nº 1 e nº 2, do módulo 8.

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QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

2. Dureza da água: origem e consequências a nível industrial e doméstico

A dureza é a característica da água relacionada com a presença de iões cálcio, Ca2+, e magnésio, Mg2+. Quando

a concentração de sais de cálcio e/ou magnésio é elevada a água diz-se dura. Se a concentração for reduzida a

água diz-se macia, ou mole. Embora existam outros catiões, como os de ferro ou manganês, que influenciam a

dureza da água, na prática esse contributo não é considerado. As águas duras podem causar vários problemas,

como descreveremos mais à frente.

Dureza da água: característica relacionada com a presença de iões cálcio, Ca2+, e magnésio, Mg2+.

A dureza devida à presença de hidrogenocarbonatos (de cálcio e magnésio) é conhecida por dureza

temporária. Chama-se assim porque pode ser eliminada por ebulição da água. Tal acontece porque o

aquecimento da água provoca a libertação de dióxido de carbono e a precipitação de carbonato de cálcio:

Ca(HCO3)2 (aq) --> CO2 (g) + CaCO3 (s) + H2O (l)

A dureza permanente é devida à presença de sulfatos, cloretos ou outros sais (de cálcio e magnésio) que

não se decompõem por aquecimento.

A dureza total considera o efeito conjunto de todos os sais de magnésio e cálcio.

A dureza exprime-se em mg/L de CaCO3, isto é, contabiliza-se a dureza que é provocada por vários sais numa

água como se ela resultasse apenas da presença de CaCO3. Uma dureza de 100 mg/L de CaCO3 significa que a

água possui diversos sais dissolvidos que lhe conferem uma dureza equivalente à que teria um litro de solução

aquosa onde existissem 100 mg de CaCO3.

A dureza da água pode ser expressa em várias unidades, conforme se mostra na tabela abaixo.

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Page 6: M08 - Ficha de Apoio 1

QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

Embora a classificação da água em diferentes graus de

dureza seja arbitrária, é comum dividi-la em quatro

patamares.

O mapa da figura seguinte mostra a distribuição

geográfica da dureza da água, de acordo com esta

classificação.

A principal causa da dureza da água resulta do contacto com terrenos calcários, pelo que as águas duras

também são chamadas águas calcárias. Os terrenos calcários são constituídos por vários minerais de carbonato

de cálcio e magnésio, conforme se ilustra na tabela abaixo.

Estes minerais são todos sais pouco solúveis ou medianamente solúveis. Isto significa que, embora contribuam

para a dureza da água, esse contributo é reduzido, já que são diminutas as concentrações dos iões em equilíbrio

com o sólido.

CaSO4 (s) --> Ca2+ (aq) + SO42- (aq) Ks = 4,93 × 105, a 25 ºC

CaCO3 (s) --> Ca2+ (aq) + CO32- (aq) Ks = 4,50 × 109, a 25 ºC

A presença de dióxido de carbono e de outras espécies dissolvidas na água aumenta a dissolução de tais sais, o

que justifica que a dureza das águas seja, em geral, maior do que a que resultaria do simples equilíbrio com sais

pouco solúveis.

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Page 7: M08 - Ficha de Apoio 1

QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

A dureza pode ter ainda origem artificial. Águas para consumo humano e industrial requerem, por vezes, o ajuste

do pH. Esse ajuste é feito nas Estações de Tratamento de Águas (ETA), onde a água tem de passar por um leito

de pedra calcária. Este tratamento reduz o CO2 (aq), responsável pela acidez da água, de acordo com:

CaCO3 (s) + CO2 (aq) + H2O (l) --> Ca2+ (aq) + 2 HCO3- (aq)

Utiliza-se também hidróxido de cálcio ou óxido de cálcio:

Ca(OH)2 (aq) + 2 CO2 (aq) --> Ca2+ (aq) + 2 HCO3- (aq)

CaO (aq) + 2 CO2 (aq) + H2O (l) --> Ca2+ (aq) + 2 HCO3- (aq)

Verifica-se facilmente que este tratamento contribui para aumentar a dureza temporária da água.

Não está provado que a ingestão de águas duras apresente riscos ou vantagens. Alguns estudos evidenciaram

uma relação entre a ingestão frequente e continuada de águas muito duras e a formação de cálculos renais.

Contudo, outros estudos não confirmaram tais resultados.

Há ainda outros estudos, também não confirmados, que sustentam haver menos incidência de doenças

cardiovasculares nas populações que ingerem águas duras. Sabe-se que a água dura pode ser fonte de magnésio,

elemento essencial na formação e conservação dos ossos e dentes.

Por outro lado, há indicações de que águas muito macias possam ter um efeito adverso no balanço mineral do

organismo. Águas com dureza abaixo de 100 mg/L são mais corrosivas para as canalizações, o que pode resultar

na contaminação da água.

São reconhecidas ainda outras vantagens às águas duras, como por exemplo o facto de beneficiarem as

culturas quando são utilizadas na rega.

A necessidade de classificar as águas em duras ou macias está sobretudo relacionada com algumas

manifestações indesejáveis, a nível doméstico e industrial. Tais problemas prendem-se com a precipitação dos

sabões e com a formação de incrustações calcárias.

Para perceber melhor o efeito das águas duras sobre os sabões é importante compreender melhor o modo como

eles atuam. Os sabões são sais solúveis nos quais o catião sódio se liga a um anião de cadeia longa. Este anião

tem uma extremidade com afinidade para a água (hidrofílica) e uma extremidade com afinidade para a sujidade

(hidrofóbica). Os aniões do sabão possuem uma ação detergente pois conseguem formar agregados (chamados

micelas) que removem a sujidade das superfícies, mantendo-a em solução, como se exemplifica na figura

seguinte.

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Page 8: M08 - Ficha de Apoio 1

QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

Uma das manifestações mais indesejáveis da dureza da água relaciona-se com o facto de impedir a formação

de espuma e a ação detergente das soluções de sabão. Isto sucede porque as águas duras formam compostos

insolúveis com o sabão a vulgar escuma que se deposita no fundo da banheira ou do tanque onde se faz a

lavagem.

A espuma é o precipitado (sal pouco solúvel) formado por combinação entre os iões

Ca2+ e Mg2+ e os aniões provenientes do sabão:

Esta reacção reduz o sabão disponível para a ação detergente e para a formação de espuma.

A espuma, por ser insolúvel e pegajosa, agrega-se às fibras dos tecidos, tornando a roupa áspera. Depois do

banho, a escuma permanece na pele, alterando o seu pH, o que pode causar irritações e infeções. Agarra-se

também ao cabelo, tirando-lhe o brilho e tornando-o difícil de pentear. Os depósitos de escuma formam auréolas

de sujidade e manchas em banheiras, lavatórios e torneiras.

As águas duras provocam a formação de incrustações calcárias sobretudo carbonato de cálcio em

equipamentos domésticos e industriais (ferros de engomar, máquinas de lavar, esquentadores, caldeiras e

radiadores). Estas incrustações revestem as superfícies dos sistemas de aquecimento, dificultando as

transferências de calor e deteriorando os equipamentos.

Devido às incrustações, a transferência de energia para a água não é suficientemente rápida, o que origina

sobreaquecimento das partes metálicas do sistema de aquecimento. As incrustações podem também estalar e,

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QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

nesse caso, a água entra em contacto com as paredes metálicas da caldeira, que está a uma temperatura muito

maior. A violenta vaporização da água que então ocorre pode provocar uma explosão.

As manchas na loiça lavada à máquina são também uma manifestação da deposição de sais dissolvidos

resultante das águas duras.

Estes fenómenos de incrustação e deposição calcária são mais acentuados se a dureza for temporária, já que o

simples aquecimento da água provoca a precipitação de carbonato de cálcio:

Ca(HCO3)2 (aq) --> CO2 (g) + CaCO3 (s) + H2O (l)

As águas macias também têm efeitos indesejáveis. São mais corrosivas para a canalização do que as águas

duras e dissolvem mais facilmente metais pesados, como o chumbo (ainda utilizado em algumas canalizações

mais antigas) ou o cádmio, que são venenosos. Tal pode contribuir para uma maior contaminação das águas.

2.1 Redução da dureza da água

A redução da dureza da água é essencial para determinados usos. Uma das formas de minimizar a dureza da

água consiste simplesmente em fervê-la. Contudo, esta não é uma forma muito económica nem totalmente eficaz,

pelo que não tem interesse prático. Habitualmente, o amaciamento (redução da dureza) faz-se por três processos:

precipitação, complexação ou troca iónica. Abordaremos a seguir cada um destes processos.

Redução da dureza por precipitação

A minimização da dureza da água pode fazer-se por adição de substâncias que formam sais pouco solúveis de

cálcio e magnésio. Algumas das substâncias mais utilizadas no tratamento de águas para consumo são o

carbonato de cálcio e o hidróxido de cálcio. Os fosfatos são muito utilizados em detergentes e nas Estações de

Tratamento de Águas Residuais (ETAR), para reduzir a dureza da água.

Os sais de banho são cristais de carbonato de sódio, geralmente corados, adicionados à água para permitir a

formação de espuma em banhos de imersão, como se pode ver na figura.

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QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

Os processos referidos têm o inconveniente de provocar a formação de depósitos dos sais precipitados, o que

obriga a decantação e/ou filtração antes da utilização. É o que sucede nas Estações de Tratamento de Águas

(ETA), onde a água para consumo humano é sujeita a tratamento para diminuir a dureza.

Redução da dureza por complexação

Na redução da dureza podem utilizar-se substâncias que originam complexos estáveis com os iões Ca2+ e Mg2+,

mantendo-os em solução. Estes ficam «sequestrados» e impedidos de reagir com o sabão e detergentes. Tais

substâncias, ao reduzirem a concentração de Ca2+ e Mg2+ impedem a ocorrência de incrustações e depósitos

calcários.

Certos complexos têm ligandos que podem associar-se por várias ligações ao ião central. Estes ligandos dizem-

se polidentados, como é o caso do EDTA. Os ligandos polidentados são agentes complexantes poderosos

(agentes «sequestrantes»), já que os complexos por eles formados são muito estáveis.

Os agentes complexantes são imprescindíveis na preparação de detergentes de máquinas de lavar, onde a

deposição de precipitados seria particularmente inconveniente. Além de serem incluídos nos detergentes, estas

substâncias são a base dos produtos anticalcário usados nas máquinas de lavar.

A tabela seguinte apresenta algumas substâncias sequestrantes amplamente utilizadas na formulação de

detergentes e anticalcários.

Observando a tabela é possível verificar que a reacção química entre os diversos agentes complexantes e os iões

cálcio e magnésio resulta sempre na formação de iões complexos. Estes, como são iões, permanecem em

solução, evitando-se assim deposições indesejáveis de compostos de cálcio e magnésio.

Redução da dureza por troca iónica

Alguns sistemas domésticos e industriais de abastecimento de água recorrem a equipamentos que usam resinas

de troca iónica para remover a dureza da água.

A resina possui iões Na+ na sua estrutura que são trocados por iões Ca2+ e Mg2+ existentes na água. A

regeneração da resina é feita à custa de uma solução concentrada de NaCl que repõe os iões Na+ na resina,

removendo os iões Ca2+ e Mg2+ para a solução regenerante.

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QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

3.VOLUMETRIA DE COMPLEXAÇÃO

3.1 PRINCÍPIO DA VOLUMETRIA DE COMPLEXAÇÃO

Tal como o nome indica, uma volumetria de complexação é aquela em que durante a adição de titulante à

solução a titular se forma um complexo solúvel e estável. Terá então que existir em solução um agente

complexante (ligando) o qual se irá ligar à espécie a dosear (catião metálico).

Representando por M+ o catião metálico ou átomo central e por L um ligando, pode-se representar a

reacção de complexação pela seguinte equação:

Mn+ (aq) + L (aq) [ML]n+ (aq)

A estabilidade deste complexo depende do valor da respectiva constante de equilíbrio, a qual pode ser expressa

por:

K=C[ML ]n+

CM n+C L

No entanto, as reações de complexação não se dão numa só etapa, mas sim em tantas quantas as

necessárias para satisfazer o número de coordenação do catião metálico (número de coordenação é o número de

átomos diretamente ligados ao catião metálico). Além disso, a formação de um complexo isolado nem sempre é

suficientemente completa para ser utilizada numa volumetria; teoricamente isto só acontece quando a respetiva

constante de equilíbrio for da ordem de grandeza de 108 a 1010, o que na prática raramente se consegue.

Por outro lado, as constantes de equilíbrio das várias etapas são relativamente próximas, o que impede uma

titulação por fases.

Assim, por exemplo, ao complexar o zinco (II) com uma solução de amoníaco a reacção processa-se nas

seguintes etapas:

Zn2+ + NH3 [Zn(NH3)]2+ K1 = 1,9 x 102

[Zn(NH3)]2+ + NH3 [Zn(NH3)2]2+ K2 = 2,1 x 102

[Zn(NH3)2]2+ + NH3 [Zn(NH3)3]2+ K3 = 2,5 x 102

[Zn(NH3)3]2+ + NH3 [Zn(NH3)4]2+ K3 = 1,1 x 102

o que dá para a reacção global:

Zn2+ + 4NH3 [Zn(NH3)4]2+ Kf= K1 x K2 x K3 x K4 = 10,9x 108

Ao analisar esta última equação e respetiva constante pode-se ser levado a pensar que o complexo

[Zn(NH3)4]2+ é suficientemente estável.

No entanto, cálculos baseados nessa conclusão não seriam válidos, pois, no caso considerado, o ião zinco

encontra-se em solução em cinco espécies diferentes:

Zn2+, +, [Zn(NH3)]2+, [Zn(NH3)2]2+, [Zn(NH3)3]2+ e [Zn(NH3)4]2+

Isto constitui um impedimento sério à utilização de reações de complexação em volumetrias, o que leva a

utilizá-las apenas em casos particulares.

Referiu-se até agora a formação de complexos a partir de ligandos que se unem por uma única ligação

coordenada (covalente dativa) ao átomo central — ligandos unidentados.

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Page 12: M08 - Ficha de Apoio 1

QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação Existem, no entanto, ligandos que se unem ao átomo central por mais que uma ligação coordenada —

ligandos polidentados, os quais rodeiam aquele, formando cadeias cíclicas.

Aos complexos, de ligandos polidentados dá-se o nome de quelatos; como facilmente se compreende, estes

formam-se em menos etapas que os complexos de ligandos unidentados.

Além disto, os quelatos são normalmente mais estáveis que os complexos comuns, verificando-se um

aumento de estabilidade quando se substituem n ligandos unidentados por um ligando n-dentado. A este aumento

de estabilidade dá-se o nome de efeito de quelatação, o qual tem o seu valor máximo quando as cadeias cíclicas

formadas têm 5 ou 6 átomos.

Hoje em dia conhecem-se bastantes reagentes orgânicos capazes de formarem quelatos suficientemente

estáveis para poderem ser utilizados em volumetria.

Entre estes reagentes convém salientar o ácido etilenodiaminotetracético, vulgarmente designado por

E.D.T.A.

3.2 UTILIZAÇÃO DO E.D.T.A. EM VOLUMETRIAS DE COMPLEXAÇÃO

Em 3.1 já foram referidas as limitações ao uso de reações de complexação em volumetrias. No entanto,

entre os reagentes orgânicos que formam complexos, destaca-se o ácido etilenodiaminotetracético, vulgarmente

designado por E.D.T.A, pela sua aplicabilidade em volumetrias de complexação.

Na realidade, o E.D.T.A. forma complexos, sempre na proporção 1:1, com grande número de catiões, por

exemplo com Ca2+, Mg2+, Ba2+, Cu2+, Zn2+, Ni2+, Co2+ e com outros catiões polivalentes, ou mesmo com alguns

monovalentes.

Além disto, os complexos de E.D.T.A. têm ainda a vantagem de serem estáveis, solúveis e se formarem

rapidamente. A utilização do E.D.T.A. é bastante simples pois, como se verá adiante, podem-se obter soluções

padrão a partir do respetivo sal dissódico, que é uma substância primária.

A utilização de um só complexante para muitos catiões pode dar ideia que não existe seletividade, mas esta

pode ser conseguida, desde que se controle o pH, visto as constantes de estabilidade dos complexos formados

dependerem da acidez do meio. Sendo conhecida essa dependência podem titular-se catiões na presença de

outros, sem que estes interfiram.

3.2.1 REAÇÕES DO E.D.T.A. COM OS IÕES METÁLICOS

O E.D.T.A. é um ácido tetraprótico, cuja fórmula de estrutura é:

Este ácido é relativamente forte nas 2 primeiras protólises e muito fraco nas 2 últimas.

Em solução aquosa ioniza-se e o seu anião forma quelatos de grande estabilidade, pois, devido à sua

estrutura, consegue-se obter um efeito de quelatação máximo.

Por razões de simplicidade, nas equações químicas, o E.D.T.A. representa-se, normalmente, por H4Y, sendo

o seu anião representado por Y-.

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Page 13: M08 - Ficha de Apoio 1

QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação Este anião tem 6 átomos com electrões disponíveis, os quais podem formar outras tantas ligações

coordenadas com os catiões metálicos.

Atendendo à estrutura do Y—:

verifica-se que os átomos que se podem ligar ao metal são os 2 átomos de azoto e os 4 átomos de oxigénio onde

está localizada a carga.

Assim, este anião rodeia totalmente o catião a que se liga, formando 6 ligações coordenadas, isto é, originando

quelatos com número de coordenação 6. A fórmula de estrutura do quelato é então:

em que M representa um catião metálico.

Em solução aquosa, o ião predominante é H2Y2—, em virtude de, como já foi referido, o ácido ser muito fraco

nas 2 últimas protólises.

O sal dissódico de E.D.T.A., cujo nome vulgar é versanato de sódio, é representado abreviadamente por

Na2H2Y. 2H20, sendo a sua dissociação representada por:

Na2H2Y. 2 H20 2 Na+ + H2Y2— + 2 H20

Como se conclui, em solução aquosa, quer o ácido, quer o sal originam o mesmo ião — H2Y2— podem-se então

preparar soluções padrão de E.D.T.A. a partir do respetivo sal.

É o ião H2Y2— que vai reagir com o catião a dosear, originando o complexo respetivo; a reacção pode

representar-se genericamente pela equação:

Mn+ + H2Y2— [MY]n-4 + 2 H+

A constante desta reacção é então dada por:

a qual evidencia a dependência do pH.

Nas volumetrias de complexação, os indicadores utilizados, na deteção do ponto final, são reagentes orgânicos

que originam com o ião metálico a dosear compostos de cores características. Estas cores diferem bastante da cor

própria do indicador. A cor da solução titulada muda (o indicador volta à cor original) perto do ponto

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QUALIFICAR É CRESCERMódulo 8: Volumetrias de complexação

de equivalência, quando quase todos os catiões que estão a ser doseados são complexados pelo titulante, isto

é, quando a concentração dos iões metálicos em solução diminui bastante.

Estes indicadores, a que se dá o nome de metalocrómicos, têm a propriedade de, em muitos casos, serem

também indicadores ácido-base. Esta característica pode exigir a fixação do valor do pH das soluções, o que

também já era exigido pela constante de estabilidade,

Um indicador metalocrómico muito utilizado é o Negro Eriocrómio T, designado abreviadamente por Erio T,

cuja fórmula é:

O grupo —S03H está sempre ionizado, o que permite representar o indicador por H2Ind- Sendo um ácido

diprótico, ele pode perder os 2 átomos de hidrogénio dos grupos —OH, dependendo a sua cor do ião

predominante em solução.

Pode representar-se esquematicamente a dissociação do indicador por:

H2Ind- HInd2- Ind3-

Para pH inferior a 6,3 predomina a espécie H2Ind-, de cor vinosa. Para pH compreendido entre 6,3 e

11,5 predomina a espécie H2Ind2- de cor azul e para pH superior a 11,5 a solução toma a cor laranja da

espécie Ind3-.

Como normalmente este indicador forma quelatos de cor vinosa com muitos catiões, convém fixar o

pH entre 6,3 e 11,5 para que a cor do indicador seja diferente da do quelato; normalmente utiliza-se pH

= 10.

Consegue-se manter o pH neste valor adicionando à solução titulada uma solução tampão formada

pelo par conjugado NH4+/NH3.

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vermelho vinoso azul laranja