literatura portuguesa cs5 - proead · 88 sead/uepb i literatura portuguesasead/uepb i literatura...

161

Upload: dinhhuong

Post on 06-Nov-2018

222 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é
Page 2: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Governo FederalDilma Vana Rousseff

Presidente

Ministério da EducaçãoFernando Haddad

Ministro

Secretaria de Educação a DistânciaCarlos Eduardo Bielschowsky

Secretário

Diretor do Departamento de Políticas em Educação a DistânciaHélio Chaves Filho

CAPESJorge Almeida Guimarães

Presidente

Diretor de Educação a DistânciaJoão Carlos Teatini de Souza Clímaco

Governo do EstadoRicardo Vieira Coutinho

Governador

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

Marlene Alves Sousa LunaReitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

Eli Brandão da SilvaPró-Reitor de Ensino de Graduação

Eliane de Moura SilvaCoordenação Institucional de Programas Especiais – CIPE

Secretaria de Educação a Distância – SEAD

Assessora de EADCecília Queiroz

Page 3: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa

Edson Tavares Costa

Campina Grande-PB2011

Page 4: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

869C837l Costa, Edson Tavares.

Licenciatura em Letras/Português: literatura portuguesa. /Edson Tavares Costa; UEPB / Coordenadoria Institucional de Programas Especiais, Secretaria de Educação a Distância._Campina Grande: EDUEPB, 2011. 161 p.: il.

1. Literatura Portuguesa. 2. Movimentos Literários. I. Título. II. EDUEPB / Coordenadoria Institucional de Programas Especiais.

21. ed.CDD

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB

Universidade Estadual da ParaíbaMarlene Alves Sousa LunaReitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEADEliane de Moura Silva

Cecília QueirozAssessora de EAD

Coordenador de TecnologiaÍtalo Brito Vilarim

Projeto Gráfi coArão de Azevêdo Souza

Revisora de Linguagem em EADRossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

Revisão LinguísticaMaria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB)

Diagramação Arão de Azevêdo SouzaGabriel Granja

Page 5: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Sumário

I UnidadeTrovadorismo: cantigas e novelas de cavalaria...............................................7

II UnidadeTrovadorismo: textos poéticos e em prosa ....................................................25

III UnidadeHumanismo: crônicas.................................................................................39

IV UnidadeClassicismo: a poesia épica de Camões ......................................................51

V UnidadeBarroco: Padre Vieira..................................................................................69

VI UnidadeArcadismo: Bocage.....................................................................................85

VII UnidadeRomantismo: Garrett e Herculano................................................................97

VIII UnidadeRealismo e Simbolismo: a Questão Coimbrã e a decadência......................113

IX UnidadeModernismo: a “literatura” Fernando Pessoa..............................................129

X UnidadeContemporaneidade: José Saramago e outros autores ..............................145

Page 6: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é
Page 7: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 7

Trovadorismo: cantigas e novelas de cavalaria

I UNIDADE

Page 8: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

8 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa 8 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Apresentação

O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é o rosto com que a Europa fita “o Ocidente, futuro do passa-do” (PESSOA, Fernando. Obra poética. Org. Int. e Notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 2001, p. 71). Nesta unidade, igual ao que Pessoa falou sobre o con-tinente europeu, posto nos co-tovelos, “de Oriente a Ociden-te” (idem), vamos nos debruçar

sobre Portugal, fitando com olhos de quem perscruta, de quem analisa, de quem investiga, a sua história, seu povo, sua cultura. E faremos isso através de sua literatura, de seus escritores, desde a origem à contemporaneidade.

É uma literatura rica, com nomes de peso no cânone universal, como Luís de Camões, Fernando Pessoa e, mais recentemente, José Saramago – único escritor de língua por-tuguesa a ser agraciado com o Prêmio Nobel.

Como afirma Nicola (NICOLA, José de. Literatura Por-tuguesa: da origem aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999, p. 28), “a literatura portuguesa, que já abrange oito séculos de produção, pode ser dividida em três longos es-paços de tempo, acompanhando as grandes transformações vividas pela Europa: Era Medieval, Era Clássica e Era Romântica ou Moderna. Essas três grandes eras apresentam-se subdivi-didas em fases menores, chamadas de escolas literárias ou estilos de época.”

Fonte da imagem: http://www.mapas-portugal.com/Satellite_Image_Photo_Iberian_Peninsula_2.htm. Crédito: Jacques Descloitres, MODIS Rapid Response Team, NASA/GSFC

Foto de satélite da Península Ibérica

Page 9: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 9 Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 9

Naturalmente, não teremos como ver toda essa literatu-ra, em 10 aulas, mas faremos uma seleção dos autores e obras mais marcantes, apresentaremos várias outras suges-tões, que podem (e devem) ser lidas, uma vez que a literatu-ra portuguesa é de uma importância singular para as artes brasileiras, não só pela condição de originária, mas pela inegável influência exercida sobre os escritores daqui.

Ao longo desses 800 anos de literatura, e a partir da divi-são em eras acima apresentada, observaremos que estas, de certa forma, coincidem com os grandes períodos da História universal. Veja: a Era Medieval vai até 1502, coincidindo com a Idade Média (até 1453); a Era Clássica (1527-1825) acontece ao longo da chamada Idade Moderna (1453-1789); e a Era Romântica (a partir de 1825) em paralelo com a Idade Contemporânea (a partir de 1789). Claro que essas “coincidências” acontecem porque “a produção cultu-ral de um povo está estreitamente relacionada ao momen-to histórico por ele vivido” (NICOLA, 1999, p. 29). E, se é verdade que a prática literária está intrinsecamente ligada a questões ideológicas (sociais, econômicas, políticas, acadê-micas, religiosas, científicas, entre outras tantas), o que se produziu, em termos de literatura, em Portugal, nesse perío-do, renderá riquíssimos momentos de discussão.

Como falamos, essas Eras Literárias estão subdividi-das em “escolas” ou “movimentos” literários, como sejam: na Era Medieval (séculos XIII a XV), temos o Trovadorismo (1189-1434) e o Humanismo (1434-1527); a Era Clássi-ca portuguesa compreende os séculos XVI a XVIII e divide-

Page 10: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

10 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

-se em Classicismo (1527-1580), Barroco (1580-1726) e Arcadismo (1726-1825); finalmente a Era Moderna vem do século XIX até nossos dias, e compreende o Romantis-mo (1825-1865), o Realismo (1865-1890), o Simbolismo (1890-1915) e o Modernismo (a partir de 1915).

Especificamente nesta unidade, trataremos das origens da literatura lusitana, um período conhecido como Trovado-rismo, que vai do final do século XII até os trinta primeiros anos do século XV.

Para um melhor aproveitamento dos estudos, sugerimos uma leitura atenciosa de cada texto, acompanhada com as devidas anotações daquilo que julgar importante; algo que não foi compreendido de imediato também deve ser anotado, para que as dúvidas sejam dirimidas na primeira oportunidade: com os colegas, com o professor, através dos fóruns e debates virtuais, de e-mails ou pesquisas direto na internet.

Vamos lá?!

ObjetivosÉ nosso desejo que, ao fi nal desta unidade, você consiga:

• Expor uma linha temporal contemplando a sociedade portugue-sa desde o final do século XII até o início do século XV;

• Perceber as transformações sociais ocorridas ao longo desse período, suas causas e consequências para o desenvolvimento nacional;

• Ter um primeiro contato com os escritores e obras mais impor-tantes do período assinalado, localizando-os no tempo e no espaço (tanto físico quanto social);

• Reconhecer esse período como o nascedouro da arte literária portuguesa.

Page 11: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 11

Texto 1

Iniciaremos nossa conversa com uma visão geral sobre a formação de Portugal, pois a literatura desse período está intrinsecamente ligada aos acontecimentos históricos.

Formação de PortugalPortugal é a parte mais ocidental da penínsu-

la mais ocidental da Europa: a Península Ibérica. Se voltarmos dez mil anos atrás, vamos encontrar essa região povoada por diferentes povos (celtas, iberos, fenícios, gregos, germânicos...), num ladri-lho diferenciado de culturas, que terminaram uni-ficadas pela ocupação romana, a partir de 219 a.C. Uma unificação forçada, imposta pelos do-minadores, que reduziram todas as manifestações culturais dos peninsulares a um denominador cul-tural comum.

Mas os romanos não se mantiveram perene-mente na península. No século V, diversos grupos guerreiros foram destruindo a hegemonia administrativa e política ro-mana. Eram denominados genericamente de “bárbaros” aqueles que viviam fora das fronteiras do Império e não falavam o latim. Entretanto, embora superiores na conquista bélica, os “bárbaros” não conseguiram destroçar a cultura estabelecida; ao contrário, sofreram um processo de “romanização” cultural, isto é, incorporaram a cultura dos romanos.

É nesse período que se estabelecem as três classes sociais que com-porão a sociedade ibérica: o clero, formado pelos sacerdotes da Igreja cristã, possuidora de riquezas e poder político; a nobreza, composta pelos proprietários de terras, que detinham um grande poder militar; e o povo, uma classe desprivilegiada, constituída principalmente de cam-poneses.

No século VIII, a península foi invadida pelos árabes (também de-nominados mouros ou muçulmanos), que a dominaram quase que por completo, ao longo de vários séculos. Não foi um domínio homogê-neo, como o romano; ao contrário, variava de intensidade, de região a região. No sul da península, por exemplo, a dominação foi maior; o norte, no entanto, jamais foi subjugado, servindo, assim, de refúgio aos ibéricos cristãos, que se preparavam para a reconquista dos terri--tórios tomados. Somente no século XV as lutas da Reconquista tiveram fim, com a retomada do último reduto mouro na Espanha, Granada,

Fonte: http://peninsulaiberica.blogs.sapo.pt/arquivo/ib_hond.jpg

Page 12: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

12 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

em 1492, quando os reis espanhóis Fernando de Aragão e Isabel de Castela entraram triunfantes na cidade antes sitiada pelos árabes.

Mas, antes desta cena final, é preciso que voltemos no tempo, para localizarmos a exata origem do reino português. À medida que a Re-conquista avançava, gradativamente, retomando as terras ibéricas, em direção ao sul da península, foram se configurando uma divisão terri-torial e uma estrutura de poder específicas. Os reinos do Norte (Leão, Castela e Aragão) foram avançando em direção ao Sul, tendo o reino de Leão um território que ia do rio Lima, ao norte, passando pelas ter-ras banhados pelo rio Douro, e indo até a região de Coimbra, ao sul. Esse território era conhecido como o Condado Portucalense. A origem de Portugal está ligada a esse condado e à história de dois casamentos.

Leiamos um trecho de José de Nicola, sobre esse momento histórico português. “No final do século XI, governava todo o norte da Península o rei Afonso VI, cujas ações centravamse na luta pela expulsão dos muçulmanos. Para guerrear contra os mouros, afluíram cavaleiros de toda a Europa cristã, dentre os quais Raimundo e seu primo Henrique, nobres do ducado de Borgonha (região francesa que sediava a famosa abadia de Cluny). Afonso VI promoveu o casamento de Raimundo com Urraca, sua filha e única herdeira, dando-lhe como dote o governo da Galiza (região da atual Espanha). Pouco depois casou Henrique com Teresa, uma filha bastarda, oferecendo-lhe como dote o Condado Por-tucalense. D. Henrique de Borgonha continuou a luta contra os mouros e anexou novos territórios ao seu condado, que foi ganhando, assim, os contornos territoriais do que hoje é Portugal.

Em 1128, Afonso Henriques – filho de D. Hen-rique de Borgonha e Teresa – proclamou a inde-pendência do Condado Portucalense, iniciando um longo período de lutas contra as forças do reino de Leão. Entretanto, foi somente em 1143, na Confe-rência de Samora, que Afonso VII, filho de D. Rai-mundo e Urraca e “imperador de toda a Espanha” desde 1135, concedeu a seu primo Afonso Henri-ques o título de Rei de Portugal.

Quando em 1185 morreu Afonso Henriques, os muçulmanos ainda dominavam o sul de Portu-gal. Os sucessores de Afonso Henriques persistiram na luta contra os mouros, até a conquista do Al-

garve (extremo sul de Portugal), em 1249. Dessa forma, consolidou-se a primeira dinastia portuguesa: a dinastia de Borgonha.” (NICOLA, José de. Literatura Portuguesa: da origem aos nossos dias. São Paulo: Scipio-ne, 1999, p. 16)

Fonte: http://www.vbruno.net/escola/Monarquia_Portuguesa/reis.h9.gif

D. Afonso Henriques(*)

Page 13: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 13

Atividade I

Depois da leitura deste texto informativo, em que foi focalizado o período de surgimento do reino de Portugal, naturalmente uma série de questões está pululando em sua cabeça, não é? Então, comecemos a discutir algumas delas.

a) Como você acha que os romanos conseguiram unifi car a cultura da península ibérica de tal forma que até mesmo os invasores que vieram depois foram “romanizados”?

b) Uma nação que nasce sob o signo da conquista e reconquista terá em sua literatura as marcas desses confl itos. Comente.

c) Veja o que Almada Negreiros fala sobre os países que formam a Península Ibérica: “Portugal e Espanha são dois opostos e não dois rivais. Os opostos são complementos iguais de um todo. Este todo está representado geografi camente pela Península Ibérica e em espírito pela civilização ibérica.” Com base nessa afi rmação do escritor português, analise a relação dos primos Afonso Henriques e Afonso VII, quando da criação do Reino de Portugal.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 14: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

14 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

SocializaçãoTransforme suas respostas desta Atividade em um texto corrido, fa-

zendo as devidas adequações, e poste-o no Ambiente Virtual de Apren-dizagem – AVA, para que, com a partilha de ideias entre os alunos, possamos nos preparar historicamente para entender os movimentos literários do período em estudo.

Texto 2

Agora que conhecemos a origem da nação portuguesa, iremos co-nhecer os seus primeiros movimentos literários, que se manifestaram através de uma poesia de forte cunho subjetivo.

A Poesia Medieval Portuguesa Inicialmente, com a palavra, a estudiosa

Nelly Novaes Coelho. “A poesia que se vol-ta para a emoção amorosa, para o mundo interior do homem, surge em meados do século XII, diferenciada em dois tipos bem definidos: a trovadoresca e o romance cor-tês, seguidos mais tarde pelas novelas de cavalaria.

Foi a Provença, pequena região situada ao sul da França, o local geográfico que serviu de ponto de partida ou de fulcro ge-rador das primeiras manifestações poéticas

da literatura ocidental, conhecidas hoje em dia como Poesia Trovadoresca.

[...] É com os trovadores provençais que renasce a poesia lírica, cuja última manifestação surgira entre os romanos. Novamente a Lite-ratura expressa as emoções interiores do homem, e especificamente a amorosa. Levada pelos trovadores, jograis ou menestréis, largamente protegidos pelas cortes, a poesia trovadoresca atravessa os Alpes e os Pireneus e vai provocar o nascimento da poesia nacional de Portugal, Espanha e Itália. É com ela que nasce a poesia portuguesa.” [CO-ELHO, Nelly N. Literatura e Linguagem. A obra literária e a expressão lingüística. 5. ed. reform. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993, p. 127-8]

A época do trovadorismo abrange as origens da Língua Portugue-sa, isto é, o português arcaico, que compreende o período de 1189 a 1418.

Os autores dessa época, geralmente poetas, eram chamados de

Fonte: http://mileumaletras4.zip.net/images/trovadores2.jpg

Page 15: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 15

trovadores. A palavra trovador vem do francês TROUVER que significa ACHAR, ENCONTRAR. Dizia-se que o poeta ACHAVA, ENCONTRAVA a música adequada ao poema [seu ou de outro] e o cantava acompa-nhado de instrumentos como a cítara, a viola, a lira ou a harpa.

A produção artística está impregnada, neste período, do espírito teocêntrico. As artes decorativas predominam, sempre deformando os elementos objetivos do mundo ou procurando simbolizar o universo es-piritual e sobrenatural através do qual o homem interpreta sua realida-de. O estilo gótico, com suas formas alongadas, ogivais e pontiagudas, parece expressar forte desejo humano de ascender a uma nova e eterna vida. A literatura, geralmente escrita em latim, não ultrapassa os limi-tes religiosos em sua temática: a vida dos santos, a liturgia dos rituais cristãos. Mas em torno dos castelos feudais desenvolve-se também uma arte leiga que, mesmo às vezes chegando ao profano, redimensiona a visão de mundo medieval e aponta novos caminhos. É a arte dos trova-dores e suas cantigas, das novelas de cavalaria.

Nelly N. Coelho traz mais algumas informações importantes. “Can-tada ao som de um instrumento, nas cortes ou nas praças públicas para o povo, a poesia trovadoresca desenvolvia-se com os mesmos clichês estilísticos: rimas assonantes, reiterações paralelísticas, exploração dos mesmos temas estereotipados (as queixas do amado saudoso à ‘muito fremosa senhor’ [senhora muito formosa], que se mantém distante, al-tiva e indiferente; ou então é a amada quem suspira pelo amado que está na guerra ou na viagem).

Essa padronização de temas é resultante do ideal do ‘amor cortês’ difundido nas cortes medievais, e entre cujas exigências destacamos:

1. A perfeição da mulher amada;

2. As duras provas a que deve o amor se submeter para vencer;

3. A devoção cavalheiresca;

4. A atitude servil frente à mulher;

5. O esforço interior do homem para dominar os instintos e tornar--se senhor de seus impulsos sensuais.

A existência do ‘amor cortês’, segundo estudiosos, liga-se ao pro-cesso de valorização da mulher, encetado pela Igreja, através do culto mariano, e que visava não só a elevação da mulher dentro da socieda-de, como, principalmente, a espiritualização do amor, liberando-o da sensualidade grosseira que caracterizava as relações Homem-Mulher, à época.

O Trovadorismo, em fins do século XIV, estava praticamente desa-parecido como instituição palaciana; a sua técnica passa por um gran-de refinamento. Predominam agora as rimas consoantes, os esquemas métricos regulares, amplia-se o vocabulário e os temas passam a ser os mais variados. É quando surge a Poesia Palaciana no século XV, pré-

Page 16: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

16 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

-renascentista, já bem mais artística que a inicial, e que está recolhida no Cancioneiro Geral, organizado por Garcia de Rezende.” (COELHO, Nelly N. Literatura e Linguagem. A obra literária e a expressão linguística. 5. ed. reform. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993, p. 128-9]

Em Portugal floresceram cantigas de tipos diversos quanto à temática:

Cantigas de Amor: Surgiram no sul da Fran-ça, na região de Provença. Expressam o senti--mento amoroso do trovador que se coloca a serviço da mulher amada. Aqui, o amor se torna tema central do texto poético, deixan-do de ser pretexto para a discussão de outros temas. Mas é um amor não realizado, não correspondido, que fica sempre num plano idealizado. E de outro modo não poderia ser, pois a mulher amada se encontra socialmente afastada do poeta: é a senhora, esposa do senhor feudal. São cantigas que espelham a vida na corte através de forte abstração e lin-guagem refinada.

Cantigas de Amigo: Nasceram no território português e constituem um vivo retrato da vida campestre e do cotidiano das aldeias medie-vais na região. Embora compostas por homens, procuram expressar o sentimento feminino através de pequenos dramas e situações da vida amorosa das donzelas, geralmente, as saudades do namorado que foi combater contra os mouros, a vigilância materna, as confissões às amigas. Há nessas cantigas uma forte presença da natureza, sua lin-guagem é simples e sua estrutura apropriada ao canto e à transmissão oral apresenta refrão e versos encadeados e repetidos ou ligeiramente modificados [paralelismo].

Cantigas de escárnio e de maldizer: Reúnem a produção satírica e mali-ciosa da época. Enquanto as de escárnio são críticas e suas ironias feitas de modo indireto, as de maldizer, utilizando linguagem mais vulgar, às vezes obscena, referem-se direta e nominalmente a suas personagens. Os temas centrais destas cantigas são as disputas políticas, as questões e ironias que os trovadores se lançam mutuamente e que nos lembram os desafios de nossa literatura de cordel, as intimidades de alcova, a covar-dia ou a falta de jeito de alguns cavaleiros, as mulheres feias.

Fonte: http://www.hs-augsburg.de/~harsch/lusitana/Cronologia/seculo14/Mendinho/men_jogr.jpg

Page 17: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 17

Atividade IIDiante do que você leu no texto acima, que opinião você forma em relação à relação que se estabelecia, literariamente, entre homens e mulheres? Haveria correspondência dessa relação na vida cotidiana? Elabore um pequeno texto defendendo seu ponto de vista.

Leitura na Internet

O texto a seguir traz uma abordagem interessante sobre essa rela-ção homem-mulher, numa perspectiva literária, mas também cotidiana. O texto integral está no site http://www.fi lologia.org.br/abf/vol4/num-04.htm

O mito do amor na literatura medieval portuguesaNadia Paulo Ferreira

(UERJ e Corpo Freudiano do Rio de Janeiro)

Trovadorismo

No século XII, a França não apresentava uma unidade linguística: a língua d’oil no norte e a língua d’oc no sul. Na região occitânica, terri-tório em que se falava o d’oc, floresce uma poesia, associada ao canto, que tem como tema o que se convencionou chamar de amor cortês.

Do final do século XII até a segunda metade do século XIV, em Por-tugal e na Galícia, surge uma poesia em galego-português que retoma o tema do amor, a partir de vários gêneros.

A famosa Cantiga da Guarvaia, de autoria de Paio Soares de Ta-veirós, é considerada por Carolina de Michaëlis o texto inaugural do trovadorismo galego-português. [...]

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 18: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

18 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Os textos manuscritos que reúnem o corpus poético dos trovadores galego-portugueses se encontram em códices apógrafos. Os principais e mais conhecidos desses códices são os seguintes manuscritos:

a) Cancioneiro da Ajuda, copiado em Portugal em fins do século XIII ou princípios do século XIV, encontra-se na biblioteca da Ajuda, em Lisboa. A maioria das cantigas são de amor.

b) Cancioneiro da Vaticana, copiado na Itália em fins do século XV ou princípios do século XVI. Encontram-se cantigas de todos os gêneros.

c) Cancioneiro da Biblioteca Nacional, antigo Colocci-Brancuti, co-piado na Itália em fins do século XV ou princípios do século XVI, encontra-se, desde 1924, na Biblioteca Nacional de Lisboa. Há composições de todos os gêneros.

d) Pergaminho Vindel: com as 7 cantigas de amigo de Martin Codax, entre outros textos.

e) As Cantigas de Santa Maria: constituída por 4 códices do século XIII sob o nome de Afonso X, é quase certo que todas as cantigas não sejam da autoria do rei. Entretanto, não há dúvida de que Afonso X coordenou pessoalmente a compilação destas cantigas.

f) Tavola Colocciana: uma lista com nomes dos poetas dos Cancio-neiros, organizada pelo humanista Angelo Colocci.

Amor-cortês e amor-paixão

Nas Cantigas de Amor, o sujeito do discurso é um homem e o tema é o amor impossível. Em galego-português, o sofrimento causado pela não correspondência amorosa é chamado de coita e o objeto amado – a Dama – é nomeado pela palavra Senhor. A maioria dos medievalistas concorda que essas cantigas retomam o lirismo occitânico, sofrendo influências diretas da poesia provençal.

Nas Cantigas de Amigo, em vez de um amor impossível, temos o testemunho de mulheres apaixonadas. O poeta – trovador, jogral ou menestrel –, se coloca do lado das mulheres, falando como se fosse uma delas. Em galego-português, amigo é sinônimo de namorado, amado.

No que diz respeito à origem dessas cantigas, vamos encontrar três versões diferentes:

1 - a poesia galego-portuguesa em seu conjunto é uma con-tinuidade do trovadorismo occitânico, tendo como principal influência a escola provençal;

2 - as cantigas de amigo são um fenômeno autóctone da cultura galego-portuguesa;

Page 19: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 19

3 - a poesia galego-portuguesa se inscreve na tradição trovadores-ca medieval, apresentando algumas características específicas, já que não se pode deixar de levar em consideração que a corte de Afonso X, o Sábio (avô de D. Dinis), era um importante centro cultural, frequentado por vários poetas occitânicos.

As Cantigas de Amor e de Amigo colocam em cena dois gêneros líricos e duas modalidades de amor. Nas cantigas de amor, o amante se situa como homem, colocando-se a serviço de uma Dama, que, ao mesmo tempo em que o aceita como vassalo, recusa-se a dar-lhe o seu amor. Nas cantigas de amigo, o amante se inscreve no lugar das mulheres e o objeto amado é quem tem as insígnias fálicas. As cantigas de Pero Meogo, em que a imagem dos cervos simboliza a virilidade masculina (Cf. AZEVEDO FILHO. As cantigas de Pero Meogo. Rio de Janeiro: Gernasa, 1974), ilustram as características básicas desse gê-nero, onde algumas personagens domésticas participam dos conflitos da donzela, quando ela recebe um bilhete do namorado, convidando--a para um encontro. Sempre que a figura materna aparece nessas cantigas é para alertar a filha dos perigos da paixão, e, às vezes, essas donzelas burlam a vigilância materna para atender ao chamado dos seus amados.

Nas Cantigas de Amor, a privação do objeto amado tem como efeito a inibição do sexual. Nas Cantigas de Amigo, a inclusão do se-xual está diretamente ligada a uma cena reincidente, onde a donzela apaixonada se entrega ao seu amado, engendrando uma versão que implica a conjunção entre amor e gozo e na colocação do amor como agente infrator de um código moral, como é o caso da poesia de Mar-tin Codax, provavelmente, um jogral galego-português que viveu na corte de Afonso III (1210 - 1279).

O preconceito fez com que alguns estudiosos do trovadorismo ga-lego-português, tais como D. Carolina de Michäelis de Vasconcelos, Aubrey Bell, Joaquim Nunes, Costa Pimpão e Rodrigues Lapa – só para citar alguns – identificassem certa “candura” nas cantigas de amigo. Ou seja: eles ignoraram a presença de um erotismo, onde o amor con-tracena com o gozo sexual para engendrar a promessa de Felicidade. Já as leituras das cantigas de amigo, feitas por Leodegário A. de Aze-vedo Filho (As Cantigas de Pero Meogo e O Poema Musical de Codax como Narrativa), por Celso Cunha (Amor e Ideologia na Lírica Trova-doresca) e por Romam Jakobson (A textura Poética de Martim Codax), entre outros, contribuíram para desmistificar o caráter angelical que até então era atribuído a essas cantigas.

[...]

É importante frisar a dicotomia entre o lugar e o tratamento que é dado à mulher na poesia e no social. Na Idade Média, as mulheres, reduzidas à função fálica, só tinham lugar no social como mães. Uma

Page 20: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

20 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

das soluções encontradas pelos homens em relação às mulheres foi ta-par as suas bocas. O depoimento do historiador Georges Duby, sobre as dificuldades encontradas por ele em sua pesquisa sobre as mulheres dessa época, ilustra bem esse fato:

Essa Idade Média é resolutamente masculina. Pois todos os relatos que chegam até mim e me informam vêm dos homens, convencidos da superioridade do seu sexo. Só as vozes deles chegam até mim. No en-tanto, eu os ouço falar antes de tudo de seu desejo e, consequentemen-te, das mulheres. Eles têm medo delas e, para se tranquilizarem, eles as desprezam. (DUBY, Georges. Idade média, idade dos homens: do amor e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.10)

Na segunda metade do século XII, período de florescimento do amor cortês, no sul da França, o poder da Igreja invadia a privacidade dos homens, criando leis que regulamentavam as relações íntimas entre os casais. Os padres alertavam os homens para terem muito cuidado com as mulheres. Elas poderiam ser consideradas, em relação à força física, mais frágeis do que os homens, mas, em relação ao espírito, deviam ser temidas porque usavam a sedução e a mentira como armas para conduzir o homem ao pecado, à destruição e à morte.

[...]

Enfim, criaturas demoníacas, perversas e devoradoras, incapazes de serem satisfeitas, eram as imagens que o cristianismo medieval cons-truiu sobre as mulheres, o que sem dúvida isentava e justificava os atos de violência contra elas. As leis dos homens tinham, nessa época, um efeito apaziguador, na medida em que colocavam no lugar do Outro sexo o signo da maternidade. O perigo só rondava as mulheres soli-tárias, ou seja, aquelas que não estavam sob o domínio dos homens. Então, a solução encontrada foi a criação de novos espaços para apri-sioná-las: os mosteiros, as comunidades beguinas e os bordéis. Sob a insígnia da proteção, os homens encontravam artifícios para se preve-nirem do insondável que vela o gozo feminino. Tratava-se, então, de uma estratégia para negar o ser sexuado dessas mulheres, cujo gozo suplementar não passa pelo corpo, mas sim pela fala. Uma idade dos homens é como o historiador George Duby se refere a essa época em um dos seus livros. Mas, se nessa época o valor social da mulher era índice da potência do homem a quem estava subjugada, desde o nas-cimento até a morte, este valor se transformava radicalmente, quando a mulher, sob a pena do poeta, transfigura-se na Dama, à qual ele iria dedicar seu amor em cantos, que são verdadeiros lamentos de dor.

[...]

Page 21: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 21

O morrer-de-amor dos trovadores não corresponde nem ao desejo de morte da tragédia helênica e nem ao masoquismo moral romântico. O sofrimento é efeito de uma relação amorosa simbolizada que visa à não satisfação. A Dama é colocada no lugar de objeto amado para que outra coisa, que está para além das mulheres, seja desejada.

As regras corteses tornam o amor impossível para que uma prática de escrita se transforme em metáfora do amor. O real como impossível não é recalcado, simplesmente se desloca para que amar se torne si-nônimo de renúncia e a insistência em continuar amando se transforme em mestria de um cantar com a função de sublimação.

Ao contrário do romantismo, o que comparece no lugar de um ide-al é o próprio amor e não o objeto. Na literatura romântica, o objeto feminino é investido de uma imagem que substancializa a figura da mulher angelical ou da mulher satânica. As cantigas de amor dessubs-tancializam o objeto feminino, transformando-o numa função simbóli-ca. A Dama, como portadora do agalma, é captada por um olhar, sem que haja qualquer particularidade que a singularize, quer do ponto de vista do amante, quer do ponto de vista de um estilo de época. A leitura das cantigas de amor provoca, inclusive, a sensação no leitor de que todas elas poderiam ter sido escritas para uma mesma mulher. A Dama é dessubjetivada para ser colocada aos olhos do amador como, inteira--mente, arbitrária e onipotente. Justamente por isto, Ela não mede as exigências que impõe àquele que está ao seu serviço.

[...] O trovador tem que passar [por estágios] para que a Dama aceite ser homenageada por ele, possibilitando assim que ele receba o grau de amador. Esses estágios são: 1- Aspirante (Fenhedor) – o que se consome em suspiros; 2- Suplicante (Precador) – o que ousa pedir; 3- Amador (Drut).

Cumpridos esses estágios, se o amador for aceito como vassalo, a Dama aceitará seu amor, sua devoção e sua fidelidade. No ritual pro-vençal, quando a Dama aceitava a corte do trovador, oferecia-lhe um anel de ouro e ordenava que se levantasse e lhe beijasse a fronte. Daí em diante os amantes estavam unidos pelas leis da cortesia: inibição do sexual, vassalagem e consagração do objeto amado.

[...]

O mito do amor, na literatura portuguesa, encontrará as suas ori-gens no entrecruzamento entre as cantigas galego-portuguesas de amor e de amigo. Nas cantigas de amigo, vamos encontrar um amor que justifica os desvios de virtude das donzelas apaixonadas. Mentir por amor, dissimular para a mãe e se entregar como prova de amor são os comportamentos descritos pelas donzelas nas Cantigas de Amigo, com bem demonstra Leodegário A. de Azevedo Filho, no seu livro As Canti-gas de Pero Meogo. Nessas cantigas, não há lugar para o morrer-de--amor das Cantigas de Amor. Nestas últimas, a dor de morrer-de-amor revela-se para o imaginário do trovador como gozo, que, ao contrário das cantigas de amigo, não se inscreve pela via do sexual.

Nas cantigas de amigo, o trovador, ao usar a máscara de uma don-zela apaixonada, não canta mais um amor impossível e sim as maravi-

Page 22: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

22 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

lhas do amor. São depoimentos líricos de “mulheres” que ora suspiram, ora se entregam ao amado como prova de amor. A conversão do amor impossível para o amor que se sustenta na Promessa de Felicidade é a primeira grande virada da concepção mítica do amor na literatura por-tuguesa. Lá, nas páginas das cantigas de amigo, amor e gozo sexual se deparam com duas faces de um sonho sonhado sem os escombros da morte.

Disponível em http://www.filologia.org.br/abf/vol4/num1-04.htm

Sugestões de fi lmes

a) Monty Python e o Cálice Sagrado (1975) – No ano de 932 D.C., o rei Arthur convence Sir Lancelot, Sir Galahad e Sir Robin a se juntarem à confraria da Távola Redonda. Depois de uma aparição divina, os bravos cavaleiros partem em busca do cálice sagrado, numa sucessão de trapa-lhadas e absurdos. Elenco: Graham Chap-man, John Cleese, Eric Idle, Terry Gilliam, Terry Jones, Michael Palin, Connie Booth,

Carol Cleveland, Neil Innes, Bee Duffell, John Young, Rita Davies, Avril Stewart, Sally Kinghorn, Mark Zycon. Direção: Terry Gilliam e Terry Jo-nes. Duração: 90 min.

b) O nome da rosa (1988) – Em 1327, um monge franciscano e um noviço que o acompanha chegam a um remoto mosteiro no norte da Itália a fim de par-ticipar de um conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas, mas a atenção é desviada por vários as-sassinatos que acontecem no mosteiro.

Page 23: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 23

O caso se mostra bastante intrincando; além dos mais, religiosos acre-ditam que é obra do Demônio. O monge não partilha desta opinião, mas antes que ele conclua as investigações o Grão-Inquisidor chega no local e está pronto para torturar qualquer suspeito de heresia que tenha cometido assassinatos em nome do Diabo. Esta batalha, junto com uma guerra ideológica entre franciscanos e dominicanos, é travada enquanto o motivo dos assassinatos é lentamente solucionado. Elenco: Sean Connery, Christian Slater, Helmut Qualtinger, Elya Baskin. Direção: Jean-Jacques Annaud. Duração: 130 min.

Resumo

A Península Ibérica, a mais ocidental da Europa, começou a ser formada a partir da junção da vários povos, há mais de 10 mil anos; diferentes etnias e, consequentemente, diferentes culturas, foram uni-ficadas no século I a. C., com a invasão romana. Em seguida, povos bárbaros expulsaram os romanos, mas terminaram sendo “romaniza-dos” culturalmente, como também o foram os árabes, que invadiram a península no século VIII. O longo período de expulsão dos muçulmanos e retomada dos territórios pelos ibéricos denominou-se “Reconquista”, e tem a ver diretamente com a formação do reino de Portugal. É exa-tamente nesse período (entre os séculos VIII e XV) que se desenvolve o primeiro movimento literário português, o Trovadorismo. Falamos aqui sobre a poesia trovadoresca, composta pelas cantigas lírico-amorosas e satíricas, as quais serão desenvolvidas na próxima aula, juntamente com a prosa medieval portuguesa.

Page 24: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

24 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Autovaliação

Retomando os objetivos desta unidade, você pode, por si, aquilatar sua própria aprendizagem, a partir da auto-observação de questões como:

• Conseguiu situar, na linha do tempo, os fatos aqui comentados?

• Percebeu as transformações sociais e econômicas do período estudado, fazendo a devida ligação com a História?

• Compreendeu a relação da formação do reino português com o surgimento de sua literatura?

ReferênciasCOELHO, Nelly N.. Literatura e Linguagem. A obra literária e a expressão lingüística. 5. ed. reform. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993

NICOLA, José de. Literatura Portuguesa: da origem aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999

PESSOA, Fernando. Obra poética. Org. Int. e Notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001

Web:

http:// www.filologia.org.br/abf/vol4/num1-04.htm

Page 25: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 25

Trovadorismo: textos poéticos e em prosa

II UNIDADE

Page 26: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

26 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa222226666666 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Apresentação

Estudamos, na unidade passada, a origem do reino de Portugal e sua nascente literatura, o Trovadorismo poético. Lemos alguns textos históricos e teóricos, que nos ajudaram a situar adequadamente a literatura que passaremos a estu-dar com mais atenção a partir de agora. Vimos algumas re-ferências a respeito das cantigas lírico-amorosas e satíricas, bem como relacionadas ao tema destas, mas sem entrarmos em contato diretamente com elas.

O que faremos nesta unidade é estabelecer esse contato com as cantigas, classificadas pelos seus temas. “As primei-ras cantigas ou trovas medievais portuguesas são inspiradas nas cantigas que há muito tempo já eram feitas em Proven-ça, no sul da França; por isso, a Literatura Medieval Por-tuguesa também é chamada de LITERATURA PROVENÇAL. Apesar de oito séculos terem se passado, as cantigas con-tinuam existindo: basta ligarmos o rádio e ouviremos POE-MAS ORAIS (cantados) ACOMPANHADOS DE MÚSICA...” (http://rosabe.sites.uol.com.br/trovad.htm).

Fonte: http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/imagens/trovad06.jpg

Page 27: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 27Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 27

Num segundo momento, abordaremos a prosa medie-val portuguesa, composta pelas famosas “Novelas de Ca-valaria”, oportunidade em que analisaremos alguns trechos desses textos, “narrativas ficcionais de acontecimentos histó-ricos”, gerados a partir da “prosificação de poemas épicos e das canções de gesta (guerra) francesas e inglesas” (http://www.gargantadaserpente.com/historia/trovadorismo/prosa.shtml).

Será importante observar a estreita ligação estabelecida entre os textos estudados e o estilo de vida e comportamento social dos portugueses medievais, notadamente dos chama-dos trovadores.

Tanto as cantigas quanto as novelas foram escritas em galego-português, que é uma forma ainda bastante primitiva do idioma lusitano, o que poderia gerar alguns problemas na hora do entendimento e interpretação. Desta forma, ao lado do texto original, colocaremos a atualização linguística do texto.

Vamos lá?!

ObjetivosÉ nosso desejo que, ao fi nal desta unidade, você consiga:

• Identificar os diversos tipos de cantigas medievais, a partir da análise do contexto poético presente nelas;

• Reconhecer os acontecimentos sócio-culturais que influencia-ram a composição dos textos em prosa medievais;

• Observar as características formais e temáticas de um texto me-dieval;

Page 28: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

28 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 1

Inicialmente, vamos ler mais algu-mas informações sobre as cantigas líri-co-amorosas, e, em seguida, algumas dessas cantigas.

As cantigas lírico-amorosas assim se denominam por terem como tema predo-minante o amor, seja o amor de um ho-mem por uma mulher (Cantiga de Amor), seja o amor por um homem, composta

por um trovador, como se fosse uma mulher (Cantiga de Amigo).

Características gerais das cantigas de amor

• Os sentimentos eróticos que exprimem são os do homem, é o namorado que desfia as coisas de amor.

• Por influência do lirismo tradicional, algumas cantigas de amor estão dotadas de paralelismo (quando as estrofes da cantiga são construídas de forma parecida, dizendo praticamente a mesma coisa).

• Possuem variado e complicado formalismo estilístico.

• Estão repletas de simbologia amorosa bastante rica, por causa da teoria do amor cortês.

• Nota-se uma certa uniformidade na expressão e nos sentimen-tos, o que leva à monotonia temática.

Exemplos de cantigas de amor. A primeira é a Cantiga da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós; a segunda foi composta por D. Dinis, o chamado “Rei Trovador”:

Fonte: http://www.orizamartins.com/serenata-medieval.jpg

Fonte: http://perlbal.hi-pi.com/blog-images/395581/gd/1204519563/TROVADORISMO-cantiga-de-amor-de-Paio-Soares-de-Taveiros.jpg

Paio Soares de Taveirós – tro-vador de origem galega (séc. XII), autor de um dos mais antigos textos escritos em língua portuguesa.

D. Dinis – o chamado “Rei-Tro-vador”, foi um culto monar-ca português do século XIII, responsável por um grande avanço social, econômico e cultural de Portugal.Fontes: http://evunix.uevora.pt/~jbonito/images/ddinis.gif

Page 29: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 29

No mundo non me sei parelha,mentre me for’ como me vai,ca ja moiro por vós - e ai!mia senhor branca e vermelha,Queredes que vos retraiaquando vos eu vi em saia!Mao dia me levantei,que vos enton non vi fea!

E, mia senhor, des aquel di’, ai!me foi a mi muin mal,e vós, filha de don PaaiMoniz, e ben vos semelhad’haver eu por vós guarvaia,pois eu, mia senhor, d’alfaiaNunca de vós ouve nem eivalía d’ua correa.

[http://pt.wikipedia.org/wiki/Paio_Soares_de_Taveir%C3%B3s]

No mundo ninguém se assemelha a mimenquanto a vida continuar como vai,porque morro por vós, e aiminha senhora de pele alva e faces rosa-das,quereis que vos descreva (retrate)quando vos eu vi sem manto (saia: roupa íntima)Maldito dia! me levanteique não vos vi feia (ou seja, a viu mais bela)

E, mia senhora, desde aquele dia, ai!tudo me foi muito male vós, filha de don PaiMoniz, e bem vos parecede ter eu por vós guarvaia (guarvaia: roupa luxuosa)pois eu, minha senhora, como prova de amorde vós nunca recebialgo, mesmo que sem valor.

Quer’eu em maneira de proençalfazer agora un cantar d’amor,e querrei muit’i loar mia senhora que prez nen fremusura non fal,nen bondade; e mais vos direi en:tanto a fez Deus comprida de bemque mais que todas las do mundo val.

Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,quando a faz, que a fez sabedore todo ben e de mui gran valor,e con todo est’é mui comunalali u deve; er deu-lhi bon sen,e des i non lhi fez pouco de ben,quando non quis que lh’outra foss’igual.

Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal,mais pôs i prez e beldad’e loore falar mui ben, e riir melhorque outra molher; des i é lealmuit’, e por esto non sei oj’eu quenpossa compridamente no seu bemfalar, ca non á, tra-lo seu ben, al.

[http://pt.wikisource.org/wiki/Quer%27eu_em_maneira_de_proen%C3%A7al]

Quero, à maneira provençal,Fazer agora um cantar de amorE vou querer muito louvar minha senho-raA quem reputação e formosura não fal-ta,Nem bondade; e mais vos direi:Tanto a fez Deus muito boaQue vale mais que todas do mundo.

Pois, minha senhora, quis Deus fazer isso,Quando a fez, que a fez sabedorDe todo bem e de muito grande valor,E com tudo isso é muito comumAli onde deve; e deu-lhe bom senso,E desde aí, não lhe fez pouco boaQuando não quis que outra fosse igual.

Pois em minha senhora nunca Deus colo-cou maldadeColocou mais aí mérito, beleza e louvorE falar muito bem e rir melhorQue outras mulheres; desde aí é muito lealE por isso não sei hoje eu quemPossa em toda a extensão de sua bon-dadeFalar, pois não há outra que tenha sua bondade.

Page 30: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

30 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Atividade I

Depois da leitura destes dois textos medievais, conversemos um pouco sobre eles:

a) Uma das características marcantes desse período literário é a chamada “vassalagem amorosa”, ou seja, o eu-lírico se coloca como vassalo, escravo da mulher amada, derramando sobre ela os maiores elogios. Procure localizar essas passagens nos dois poemas, e comente-os.

b) Pesquise sobre como era a situação da mulher na Ideia Média, em relação ao homem, e responda: você acha que a forma como era tratada pelo homem, na sociedade, se parece com o jeito como ele a trata nas cantigas? O que você acha disso?

c) Esse período da História é considerado como Teocêntrico, ou seja, Deus era tido como o centro de todas as coisas. Podemos observar, principalmente no segundo texto, que a mulher, em todo seu esplendor e bondade, é obra de Deus. Por que a divindade aparece de forma tão decisiva na cantiga e que importância isso tem para os elogios que o eu-lírico faz à mulher?

Texto 2

Vamos conhecer, agora, mais duas cantigas lírico-amorosas, estas denominadas Cantigas de Amigo, uma vez que têm um eu-lírico feminino (ainda que escritas por um homem), e falam sobre um homem (amigo). São cantigas em que a mulher dialoga com a natureza, com a mãe ou amigas sobre o amado distante. Antes, vejamos algumas características desse tipo de cantiga:

• Ausência do amado – o eu-poético revela não saber seu para-deiro.

• Amor natural e espontâneo - algumas revelam que já foi realizado, e a moça espera pelo amigo para matar a saudade.

• Confi ssão dos sentimentos feito indiretamente ao amado – o eu-po-ético confessa seus sentimentos a outrem. É por isso que essas cantigas geralmente apresentam diálogos.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 31: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 31

• Mulher mais próxima da realidade, que sofre pressão social, sua mãe exerce esse poder.

• Patriarcalismo - comportamento vigiado ou tolhido.

• Eu-poético Feminino e Autor Masculino – canção colocada na boca de uma moça do povo que exprime seu amor pelo “amigo” (namorado).

• Estrutura de poesia folclórica, uso de elementos reiterativos, prin-cipalmente, paralelismo e refrão.

• Musicalidade: Paralelismo e refrão são recursos que dão mu-sicalidade, reforçam a idéia principal do texto e facilitam sua memorização.

• Origem Ibérica: é uma cantiga que nasceu no seio popular e, por esse motivo, sua ambientação é periférica.

A primeira das cantigas de amigo que veremos a seguir é de auto-ria de Martim de Guinzo1; a segunda é de autoria de João Garcia de Guilhade2.

Non poss’ eu, madre, ir a Santa Cecília ca me guardades a noit’ e o dia do meu amigo. Nom poss’ eu, madre, aver gasalhado, ca me non leixades fazer mandado do meu amigo. Ca me guardades a noit’ e o dia; morrer-vos-ei con aquesta perfia por meu amigo. Ca me non leixades fazer mandado, morrer-vos ei con aqueste cuidado por meu amigo. Morrer-vos ei con aquesta perfia, e, se me leixassedes ir, guarria con meu amigo. Morrer-vos ei con aqueste cuidado, e, se quiserdes, irei mui de grado con meu amigo.

http://www.filologia.org.br/pub_outras/sliit02/sliit02_99-109.html

Não posso eu, mãe, ir a Santa Cecíliapois me guardas noite e diado meu amigo.

Não posso eu, mãe, ter pazpois não me deixas fazer a vontade do meu amigo.

Porque me guardas noite e dia;morrerei com esta teimosiapor meu amigo.

Porque não me deixas fazer a vontade,morrerei com este cuidadopor meu amigo.

Morrerei com esta teimosia,e, se me deixasses ir, me salvariacom meu amigo.

Morrerei com este cuidado,e, se quiseres, irei de bom gradocom meu amigo.

2 João Garcia de Guilhade – trovador portu-guês, nascido em Barcelos, atuou no século XIII, e é con-siderado um dos mais notáveis autores de cantigas satíricas.

1 Martin de Guinzo – jogral galego do século XIII, autor de várias cantigas de amigo. Pou-co se sabe a seu respeito.

Page 32: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

32 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Quer’eu, amigas, o mundo loar por quanto bem mi Nostro Senhor fez: fez-me fremosa e de mui bom prez, ar faz-mi meu amigo muit’ amar: aqueste mundo x’est a melhor rem das que Deus fez a quem el i faz bem. O paraiso bõo x’ é de pran, ca o fez Deus, e non digu’eu de non, mai-los amigos, que no mundo som, e amigas muit’ ambos lezer ham: aqueste mundo x’est a melhor rem das que Deus fez a quem el i faz bem. Querriam’ eu o parais’ haver, des que morresse, bem come quem quer, mais, poi-la dona seu amig’ hoer e com el pode no mundo viver, aqueste mundo x’est a melhor rem das que Deus fez a quem el i faz bem. E quem aquesto non tever por bem já nunca lhi Deus dê em el REM

http://pt.wikisource.org/wiki/Quer%27eu,_amigas,_o_mundo_loar

Eu quero, amigas, louvar o mundo pelo bem que Nosso Senhor fez a mim:fez-me formosa e de muitos bons valo-res,também faz-me amar muito meu ami-go:este mundo se é a melhor coisa das que Deus fez a quem a ele faz bem.

O paraíso se é bom por certo,pois Deus o fez, e não digo eu que não,mas os amigos, que estão no mundo,e amigas ambos muito prazer terão:este mundo se é a melhor coisadas que Deus fez a quem a ele faz bem.

Queria ter meu paraíso,desde que morresse, bem como quem quer,mas, por a dona obter seu amigo e poder viver com ele no mundo,este mundo se é a melhor coisa das que Deus fez a quem a ele faz bem.

E quem não tiver isto como um bemJá nunca Deus lhe deu coisa alguma no mundo

Atividade II

a) Você percebe que os dois poemas têm mulheres como destinatários? O de Guinzo a mãe; o de Guilhade, as amigas. Por que, na sua opinião, isso acontece?

b) Na primeira cantiga, fi ca clara a situação da mulher vigiada pela mãe, principalmente em se tratando de coisas de amor. Comente isso.

c) Compare as duas mulheres que falam, no primeiro e no segundo poema, respectivamente.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 33: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 33

Texto 3

As Cantigas SatíricasA par das cantigas de amigo e das cantigas de amor, as cantigas

satíricas (de escárnio e maldizer) também estão presentes na literatura galego-portuguesa.

De acordo com a “Arte de Trovar” incluída no Cancioneiro da Bi-blioteca Nacional, Cantigas de Maldizer são aquelas que os trovadores fazem mais abertamente; falam mal e de forma chula; e Cantigas de Escárnio são aquelas que os trovadores fazem querendo dizer mal de alguém através delas e fazem isso através de palavras disfarçadas, de duplo sentido, para que não sejam entendidas de imediato... (CBN, Arte de Trovar, Tit. III, C.VI [linguagem atualizada]).

A alusão mais ou menos direta ao destinatário do ataque constitui, pois, o elemento que diferencia os dois tipos de cantiga, embora os próprios trovadores e compiladores dos cancioneiros tenham renun-ciado a efetuar rigorosamente a distinção entre cantiga de escárnio e cantiga de maldizer, vazando-as num grupo comum que acolhe qual-quer composição satírica. A intenção destas cantigas é satirizar certos aspectos da vida da corte, visando com frequência certas personagens como jograis, soldadeiras, clérigos, fidalgos, plebeus nobilitados. Ao mesmo tempo, as cantigas de escárnio e maldizer recriam situações anedóticas e picarescas e apresentam uma ridicularização do amor cortês. O repertório linguístico da sátira pessoal, social, moral, religiosa e política, surpreende pela sua amplitude e recorrente obscenidade, transmitindo involuntariamente informações ímpares sobre a mentali-dade e cultura laica medievais. (http://www.infopedia.pt/$cantiga-de--escarnio-e-maldizer)

Vamos conhecer, então, uma cantiga satírica, de autoria de D. Afon-so Mendes de Besteiros3...

Fonte: http://1.bp.blogspot.com/-b5ormQ1NrzA/TcVhCBHAuAI/AAAAAAAABS0/hDvV1Lvkdzc/s1600/Trovadores67894.jpg

3 D. Afonso Mendes de Besteiros – mais um dos muitos trovadores galego-portugueses do perío-do medieval (século XIII). Não se conhece muito sobre ele.

Page 34: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

34 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Don Foão, que eu sei que ha preço de livão, vedes que fez ena guerra (daques-to soo certão): sol que viu os genetes, come boi que fer tavão, sacudiu-se e revolveu-se, alçou rab’e foi sa vía a Portugal.

Don Foão, que eu sei que ha preço de ligeiro, vedes que fez ena guerra (da-questo son verdadeiro):sol que viu os genetes, come bezerro tenreiro, sacudiu-se e revolveu-se, al -çou rab’e foi sa vía a Portugal.

Don Foão, que eu sei que ha prez de liveldade, vedes que fez ena guerra (sabede-o por verdade): sol que viu os genetes, come can que sal de grade, sacudiu-se e revolveu-se, alçou rab’e foi sa vía a Portugal.

http://pt.wikisource.org/wiki/Don_Fo%C3%A3o,_que_eu_sei_que_ha_pre%C3%A7o_de_liv%C3%A3o

Dom Fulano, que eu sei que tem fama de covarde vejam o que fez durante a guerra (disto estou certo): logo que viu os mouros, como boi ferroado por mos-cão, sacudiu-se e remexeu-se, le vantou o rabo e fugiu para Portugal.

Dom Fulano, que eu sei que tem fama de leviano, vejam o que fez durante a guerra (disto estou certo): logo que viu os mouros, como um bezerro novo, sacudiu-se e remexeu-se, levantou o rabo e fugiu para Portugal.

Dom Fulano, que eu sei que tem fama de medroso vejam o que fez durante a guerra - saibam que é verdade: logo que viu os mouros, como um cão que sai da corrente, sacudiu-se e remexeu-se, le vantou o rabo e fugiu para Por-tugal.

Atividade III

a) Observe como o autor fala mal do personagem, a quem diz chamar-se Dom Fulano – ao mesmo tempo que diz que pertence à nobreza, não fala seu nome. Comente isso.

b) O tema da cantiga está diretamente ligado com que momento histórico português? Que parte da cantiga lhe informa isso?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Texto 4

Conheceremos, agora, um pouco da prosa medieval. “A maioria

Page 35: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 35

das novelas de cavalaria em língua portuguesa são traduções ou adap-tações de novelas francesas ou inglesas. Dependendo de quem é o herói principal da novela, ela faz parte de um dos seguintes ciclos: a) Ciclo clássico: conjunto de novelas de cavalaria que narram as façanhas de heróis da Antiguidade; b) Ciclo caro-língio ou francês: novelas cujo herói é Carlos Magno; c) Ciclo arturiano ou bretão: as novelas deste ciclo são as mais famosas, adaptadas e traduzi-das; o herói dessas novelas é o Rei Ar-tur, sempre acompanhado de seus cé-lebres cavaleiros da Távola Redonda.

Essa Matéria da Bretanha é uma das fontes que dão origem às novelas de cavalaria portuguesas: tanto que as novelas portuguesas mais impor-tantes pertencem ao Ciclo Arturiano ou Bretão, como “José de Arimatéia”, “História de Merlin” etc. As novelas mais marcantes, porém, são: a) A Demanda do Santo Graal: narra a busca do cálice sagrado pelo rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda; b) Amadis de Gaula, (...); c) Palmeirim de Inglaterra (...).

As novelas de cavalaria portuguesas também são inspiradas nas Canções de Gesta ou Matéria de França (cantigas que homenageavam os heróis e seus feitos). A prosa medieval portuguesa, como se pode concluir, é predominantemente do gênero épico.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Prosa_medieval)

Leremos um trecho da novela “A Demanda do Santo Graal”, mais especificamente o capítulo IV, Aparição do Santo Graal:

Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_G76NFNcUugU/SgUrjx351dI/AAAAAAAAN-8/O0qEFpFQLtk/s400/galahadhorse.gif

Page 36: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

36 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Grande foi a ledice e o prazer que os cavaleiros da Távola Redonda houverem aquele dia, quando se virom todos jun-tos. E sabede que, depois que a Tá-vola Redonda foi começada, que nunca todos assi forom reunidos; mas, aquele dia, sem falha, aveio que forom i todos, mas depois nunca i er forom.

Contra a noite, depois de vésperas, quando se assentarom às mesas, ou-virom vir um torvão, tão grande e tão espantoso, que lhe semelhou que todos o paço caía.

E logo depois que o torvão deu, en-trou uma tão grande claridade que fez o paço dois tanto mais claro ca era ante.

E quantos no paço estavam, logo todos foram compridos da graça do Espírito Santo e começarom-se a catar uns aos outros, e virom-se mui mais fremosos mui grã peça que soíam a ser, e maravi-lharom-se ende muito desto que aveio, e non houve i tal que pudesse falar por uma grã peça, ante estavam calados e catavam-se uns aos outros.

E eles assi sendo, entrou no paço o Santo Graal, coberto de um eixamete branco, mas nom houve i tal que visse quem no tragia. E, tanto entrou i, foi o paço todo comprido de bom odor, como se tôdalas espécies do mundo i fossem.

E ele foi por meio do paço de uma parte e da outra e arredor das mesas. E por u passava, logo tôdalas mesas eram compridas de manjar, qual em seu coraçom desejava cada um. E depois houve cada um o que houve mester a seu prazer.

Saiu-se o Santo Graal do paço, que nenhum nom soube que fora dele nem por qual porta saíra. E os que ante nom podiam falar falarom então. E derom graças a Nosso Senhor, que lhes fazia tão grande honra e que os assi conforta-ra e avondara da graça do Santo Vaso.

Mas sobre todos aqueles que ledos e-ram, mais o era o rei Artur, porque maior mercê lhe mostrara Nosso Senhor que a nenhum rei, que ante reinasse em Logres.

[http://pt.scribd.com/doc/5710150/FInf-LitPort-Textos-Medievais-Demanda-do-Graal]

Grande foi a alegria e o prazer que os cavaleiros da Távola Redonda ti-veram aquele dia, quando se viram todos juntos. E sabes que, depois que a Távola Redonda começou, nunca to-dos foram reunidos assim; mas aquele dia, sem falhar, aconteceu que foram todos, mas depois nunca mais foram de novo.

No início da noite, depois das seis horas, quando se assentaram ás me-sas, ouviram um grande trovão, tão grande e espantoso que pareceu a to-dos que o palácio caía.

E logo depois do trovão, entrou um claridade tão grande que fez o palácio duas vezes mais iluminado do que era antes.

E todos quantos estavam no palácio foram cobertos pela graça do Espírito Santo e começaram a buscar únicos aos outros, e viram-se muito mais for-mosos e de uma graça muito maior do que poderiam ser, e se maravilharam muito disto, e não houve aí ninguém que pudesse falar por um bom tempo, estavam todos calados e buscavam-se únicos aos outros.

E eles estando assim, entrou no palá--cio o Santo Graal, coberto por um tecido branco, mas ninguém viu quem o trazia. E, logo que entrou, foi o palá-cio todo preenchido de bom perfume, como se todas as espécies [aromáti-cas] do mundo aí estivessem.

E ele foi pelo meio do palácio, de uma parte a outra e ao redor das me-sas. E por onde passava, logo todas as mesas eram cobertas de manjar, de acordo com o que desejava o cora-ção de cada um. E depois teve cada um o que precisava para o seu prazer.

Saiu o Santo Graal do palácio que ninguém soube o que fora dele nem por qual porta saíra. E os que antes não podiam falar falaram então. E de-ram graças a Nosso Senhor, que lhes fazia tão grande honra e que assim os confortara e enchera da graça do San-to Vaso.

Mas, mais do que aqueles que esta-vam felizes, estava o rei Artur, porque Nosso Senhor lhe mostrara maior fa-vor que a nenhum outro rei que antes reinara em Logres.

Page 37: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 37

Atividade IV

Observe, no trecho acima, como a religiosidade está presente nos textos medievais em prosa. Compare esta narrativa com Atos dos Apóstolos, cap. 2, vers. 1-8. Escreva em seguida sua opinião sobre o assunto.

Resumo

Vimos nesta unidade alguns textos medievais. Percebemos que tanto as cantigas lírico-amorosas e satíricas, quanto as novelas de cavalaria são a expressão de sentimentos presentes no homem da Idade Média, em Portugal. Mas também expressam a forma de relacionamento so-cial, a posição da mulher na sociedade, além das crenças e conquistas guerreiras. As cantigas de amor falam de uma situação de conquista masculina: assim como o guerreiro conquistava novas terras, o trova-dor conquistava a dama, só que, para isso, ele se mostrava como seu vassalo, seu escravo – o que nem sempre correspondia à realidade. Nas cantigas de amigo (de autoria masculina), temos a voz feminina expressando seu sentimento de saudade do amado, mas sem se dirigir diretamente a ele, falando à natureza, à mãe ou às amigas. Nas canti-gas satíricas, o picaresco, o humorístico, o chulo são bem marcantes. E nas novelas de cavalaria, a forte presença da Reconquista e da religio-sidade, marcantes nesse período histórico português.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 38: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

38 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Autovaliação

Com o objetivo de se autoavaliar, no que se relaciona à presente aula, você pode observar se:

• conseguiu analisar adequadamente os textos apresentados.

• entendeu as diferenças formais e temáticas entre uma cantiga de amigo e uma cantiga de amor.

• percebeu como os poetas satíricos criticam através das cantigas de escárnio e de maldizer.

• compreendeu a forte presença da religiosidade e das lutas pela Reconquista do território português, a partir da leitura da novela de cavalaria.

ReferênciasInternet:

http://pt.scribd.com/doc/5710150/FInf-LitPort-Textos-Medievais-Demanda-do-Graal

http://pt.wikipedia.org/wiki/Paio_Soares_de_Taveir%C3%B3s

http://pt.wikisource.org/wiki/Quer%27eu_em_maneira_de_proen%C3%A7al

http://rosabe.sites.uol.com.br/trovad.htm

http://www.filologia.org.br/pub_outras/sliit02/sliit02_99-109.html

http://www.gargantadaserpente. com/historia/trovadorismo/prosa.shtml

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 39: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 39

Humanismo: crônicas

III UNIDADE

Page 40: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

40 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa4444440000000 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Torre do Tombo, em Portugal, é um arquivo nacionalFonte: http://1.bp.blogspot.com/-bX9XKDMrbqo/

TVk64-fGfVI/AAAAAAAABHM/Pt4OFOlHjbw/s1600/2005-02-03-419.jpg

Apresentação

Como afirma José de Nicola, “a Segunda Época Medie-val ou Humanismo corresponde ao período que vai desde a nomeação de Fernão Lopes para o cargo de cronista-mor da Torre do Tombo, em 1434, até o retorno de Sá de Miranda da Itália, no ano de 1527, quando introduziu em Portugal a estética clássica.

O Humanismo foi um período muito rico para o desen-volvimento da prosa, graças ao trabalho dos cronistas, no-tadamente de Fernão Lopes, considerado o iniciador da his-toriografia portuguesa. Outra manifestação importantíssima que se desenvolveu no Humanismo, já no início do século XVI, foi o teatro popular, com a produção de Gil Vicente. A poesia, por outro lado, conheceu um período de decadên-cia nos anos de 1400, estando toda a produção poética do período ligada ao Cancioneiro Geral, organizado por Gar-cia de Resende; essa poesia, por se desenvolver no ambiente palaciano, é conhecida como poesia palaciana.

Page 41: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 41Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 41

Tanto as crônicas históricas como o próprio teatro vi-centino estão intimamente relacionados com as profundas transformações políticas, econômicas e sociais verificadas em Portugal no final do século XIV e em todo o século XV.” (NICOLA, José de. Literatura Portuguesa – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999, p. 51).

É isso, então, que vamos estudar nesta unidade.

Vamos lá?!

Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga:

• compreender os aspectos que levaram a sociedade, e especial-mente a literatura, a assumir um caráter mais antropocêntrico, no século XV;

• identificar algumas das características estilísticas mais marcan-tes do cronista Fernão Lopes;

• perceber as implicações sociais e políticas das crônicas de Fer-não Lopes.

Page 42: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

42 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 1

Para iniciarmos, conheçamos um pouco do período histórico de transição, de um Portugal caracterizado por valores essencialmente me-dievais para uma nova realidade, marcada pelo mercantilismo e pela ascensão de ideais burgueses. Leremos dois textos, retirados da internet.

O homem em busca da liberdadeEste momento histórico-social é tido como um período

de transição. Marca a passagem do fim da Idade Média para a Idade Moderna.

Com o crescimento das cidades e do comércio, o re-gime feudal enfraqueceu. Os servos podiam vender sua colheita e conseguir dinheiro para pagar os serviços que deviam ao senhor feudal; podiam ir para a cidade ou co-nhecer novas terras. O desejo de liberdade se concretiza-va. Os senhores feudais, aos poucos, foram perdendo suas terras e seus servos. Neste momento, o rei, que era uma autoridade simbólica, fortalece-se, à medida que se aliava a uma classe social emergente, a burguesia, formada por artesãos e comerciantes, detentores do dinheiro, que vi-viam nas cidades.

No momento em que o rei consegue centralizar o poder, tendo como alicerce a teoria do direito divino, à igreja Ro-mana interessa defender a estrutura feudal, por possuir uma quantidade bastante grande de terras. Com isso, a igreja dei-xou de ser a única responsável pelo monopólio da cultura, formando-se bibliotecas fora dos mosteiros e dos conventos.

São também frutos dessa época os humanistas, ho-mens cultos e admiradores da cultura antiga. Eram indi-vidualistas, davam maior importância aos direitos de cada indivíduo do que à sociedade. Acreditavam no progresso, rejeitando a hierarquia feudal.

Através do contexto histórico, podemos perceber que o homem da época rompe com o sistema feudal e com a visão teocêntrica do mundo determinada pela igreja e vai em busca de si mesmo, de novas descobertas e novos valores. O homem começa a se valorizar, sem, contudo, abandonar por completo o temor a Deus e a submissão.

A literatura, como está intimamente engajada no mo-mento histórico-social, vai gerar produções literárias que re-fletem esse período conflitante no qual o homem do século XV viveu.

(http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/humanis-mo/humanismo-6.php)

Page 43: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 43

No final do século XV, a Europa passava por grandes mudanças, provocadas por invenções como a bússola, pela expansão marítima que incrementou a indústria naval e o desenvolvimento do comércio com a substituição da economia de subsistência, levando a agricultura a se tor-nar mais intensiva e regular. Deu-se o crescimento urbano, especialmente das cidades portuárias, o florescimento de pequenas indústrias e todas as demais mudanças econô-micas provenientes do Mercantilismo, inclusive o surgimen-to da burguesia.

Todas essas alterações foram agilizadas com o surgi-mento dos humanistas, estudiosos da cultura clássica anti-ga. Alguns eram ligados à Igreja; outros, artistas ou histo-riadores, independentes ou protegidos por mecenas. Esses estudiosos tiveram uma importância muito grande porque divulgaram, de forma mais sistemática, os novos conceitos, além de que identificaram e valorizaram direitos dos cida-dãos. Acabaram por situar o homem como senhor de seu próprio destino e elegeram-no como a razão de todo co-nhecimento, estabelecendo para ele um papel de destaque no processo universal e histórico.

Essas mudanças na consciência popular, aliadas ao fortalecimento da burguesia, graças à intensificação das atividades agrícolas, industriais e comerciais, foram, lenta e gradativamente, minando a estrutura e o espírito medie-vais.

Em Portugal, todas essas alterações se fizeram sentir, evidentemente, ainda que algumas pudessem chegar ali com menor força ou, talvez, difusas, sobretudo porque o impacto maior vivido pelos portugueses foi proporciona-do pela Revolução de Avis (1383-1385), na qual D. João, mestre de Avis, foi ungido rei, após liderar o povo contra injunções de Castela.

Alguns fatores ligados a esse quadro histórico indicam sua influência no rumo que as manifestações artísticas to-maram em Portugal. São eles: as mudanças processadas no país pela Revolução de Avis; os efeitos mercantilistas; a conquista de Ceuta (1415), fato que daria início a um sé-culo de expansionismo lusitano; o envolvimento do homem comum com uma vida mais prática e com menos lirismo cortês; o interesse de novos nobres e reis por produções literárias diferentes do lirismo. Tudo isso explica a restrição do espaço para o exercício e a manifestação da imagi-nação poética, a marginalização da arte lírica e o fim do Trovadorismo. A partir daí, o ambiente se tornou mais pro-pício à crônica e à prosa histórica, ao menos nas primeiras décadas do período. http://www.profabeatriz.hpg.ig.com.br/literatura/hu-manismo.htm

Page 44: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

44 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Atividade I

Leia outra vez estes dois trechos de textos retirados da internet, acrescente outras leituras que você encontrar sobre o assunto, e comente as questões levantadas a seguir:

a) A luta do homem sempre foi a luta pela sua liberdade, seja em que contexto for. Até então, em Portugal, temos a época medieval, em que o homem era escravo de uma hierarquia social rígida e de conceitos religiosos bastante fortes. Comente a gradativa conquista da liberdade desse homem medieval, que terminou por fazer brotar e se consolidar o movimento humanista.

b) Alguns termos presentes no texto acima, por si, já explicam e situam de forma precisa o homem e a sociedade desse período. Pesquise seu signifi cado e procure comentar a importância desses termos na conjuntura humanista portuguesa:

a. Regime feudalb. Burguesiac. Mercantilismod. Mecenas e. Revolução de Avis

Em suma...O período que estamos estudando é de transição, entre a Idade

Média e a Idade Moderna. Mais que qualquer coisa, esse período sig-nifica uma transformação radical no modo de o homem pensar, nos seus valores, nas suas crenças. Há uma gradativa mudança no centro dos interesses, que passa da religiosidade à materialidade, da alma ao corpo, de Deus ao homem. Por isso, dizemos que o Humanismo é uma espécie de preparação para o momento literário seguinte, que é essen-cialmente antropocêntrico, ou seja, o homem é o centro de tudo. No Humanismo, há uma nítida opção pelo texto em prosa, notadamente a crônica, gênero textual que procura registrar os feitos e acontecimentos do reino. O primeiro grande cronista foi Fernão Lopes, razão por que costuma-se iniciar o Humanismo com sua nomeação para esse cargo.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 45: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 45

Texto 2

Vamos conhecer agora um pouco de Fernão Lopes, o primeiro grande cronista português.

Fernão lopesNão se sabe muita coisa da vida de

Fernão Lopes: apenas que foi funcioná-rio do palácio real e notário (espécie de tabelião), tendo sido nomeado cro-nista-mor do Reino por dom Duarte em 1434; escreveu as crônicas dos reis D. Pedro I, D. Fernando e a 1ª e 2ª partes da de D. João.

Na internet, podemos encontrar al-guns dados interessantes sobre Lopes:

Do ponto de vista da forma, o seu estilo representa uma literatura de ex-pressão oral e raiz popular. Ele próprio diz que nas suas páginas não se encon-tra a formosura das palavras, mas a nudez da verdade. Era um autodidata. Foi um dos legítimos representantes do saber popular, mas já no seu tempo um novo tipo de saber começava a surgir: de cunho erudito-acadêmico, humanis-ta, classicizante.

Ocupa, entre a série dos cronistas gerais do Reino, um lugar de destaque, quer como artista quer pela sua maneira de interpretar os fatos sociais. Fernão Lopes poderá ter nascido entre 1378 e 1390, aproximadamente, visto que em 1418 já ocupava funções públicas de responsabilidade (era Guardião-mor das escrituras da Torre do Tombo). (...)

Profissionalmente, Fernão Lopes era um tabelião (...). Foi empregado da família real e da corte, escrivão de D. Duarte, ainda infante, do rei D. João I, e do infante D. Fernando, em cuja casa ocupou o importante posto de «es-crivão da puridade», que correspondia ao cargo de maior confiança pessoal concedido pela alta nobreza. A partir de 1418 aparece a desempenhar as funções de Guarda-mor da Torre do Tombo, encarregado de guardar e conservar os arquivos do Estado, lugar de confiança da Corte. (...). Em 1454, foi reformado do cargo de Guarda-mor da Torre do Tombo devido à sua idade. Ainda vivia em 1459, segundo atesta um documento de transmissão de sua herança.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2f/Fernao_Lopes.jpg

Page 46: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

46 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Durante este longo período de atividade, Fernão Lopes atravessou os reinados de D. João I, D. Duarte, o governo de D. Pedro e parte do reinado de D. Afonso V. Conheceu muitas alterações políticas e sociais. Ao rei eleito e popular, D. João I, viu suceder um rei mais dominado pela aristo-cracia, D. Duarte; viu crescer o poder feudal dos filhos de D. João I, e com ele o predomínio da nobreza, que saíra gravemente abalada da crise da independência. Assistiu à guerra civil subsequente à morte de D. Duarte, à insurrei-ção de Lisboa contra a rainha viúva D. Leonor, e à eleição do infante D. Pedro por esta cidade, e em seguida pelas cortes, para o cargo de Defensor e Regedor do Reino, em circunstâncias muito parecidas com as que tinham levado o mestre de Avis ao mesmo cargo e seguidamente ao trono em 1383-1385. Assistiu depois à reação do partido da nobreza, à queda do infante D. Pedro, à sua morte na san-grenta batalha de Alfarrobeira, à perseguição e dispersão dos seus partidários, ao triunfo definitivo da nobreza, no reinado. Foi testemunha do início da expansão ultramarina (...).

Fernão Lopes viveu uma das épocas mais perturbadas da História de Portugal, cheia de ensinamentos para o his-toriador. A carreira de Fernão Lopes como historiador é provavelmente a mais longa do que há pouco se supôs, pois é provável que já em 1419 realizasse por encargo do então infante D. Duarte a compilação e redação de uma crônica geral do reino de Portugal. (...). Em 1449, pouco antes da batalha de Alfarrobeira, ainda recebe um paga-mento de D. Afonso V pelos seus trabalhos historiográfi-cos, mas já nessa época entrara em atividade um outro cronista, Gomes Eanes de Zurara. A última obra em que Fernão Lopes trabalhou, a “Crônica de D. João I”, embora monumental, ficou incompleta e foi continuada por Zurara (a Crônica estava dividida em 3 partes das quais Fernão Lopes só pode escrever as duas primeiras).

http://pt.wikipedia.org/wiki/Fern%C3%A3o_Lope

Uma crônica...Vamos conhecer um trecho de uma crônica escrita

por Fernão Lopes, enfocando um momento da vida de D. Pedro I. Como nos diz Moisés (2002, p. 47-8), “filho de Afonso IV, D. Pedro I reinou entre 1357 e 1367. Aos vinte anos, casou-se com D. Constança, filha do Infan-te João Manuel, regente de Castela. Entre as damas de

Page 47: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 47

companhia de D. Constança contava-se Inês de Castro, filha do fidalgo galego Pedro Fernandes de Castro, da qual D. Pedro logo se apaixonou. Mas seu pai, que então reinava, interpôs-se. Com o falecimento de D. Constança, em 1345, os enamorados passaram a entreter li-vremente os seus amores. Todavia, o rei se deixa convencer por seus conselheiros a permitir o assassínio de Inês, que se consumou a 7 de janeiro de 1355. Enfu-recido de dor e de indignação, D. Pedro, quando já erguido ao trono, conseguin-do aprisionar os matadores de Inês, or-denou que morressem com tal sadismo que ele acabou merecendo os epítetos de “O Cruel” e “O justiceiro”. Nem por isso amainaram as saudades de Inês: tor-turado pela ausência, passava noites e noites de horrores e pressentimentos, de que se julgava livrar saindo às ruas para dançar e confraternizar com o povo. É precisamente uma cena como essa que se vai ler a seguir:

Em três cousas, assinadamente, achamos, pela mor parte, que el-Rei D. Pedro de Portugal gastava seu tem-po. A saber: em fazer justiça e desembargos do Reino; em monte e caça, de que era mui querençoso; e em danças e festas segundo aquele tempo, em que tomava grande sa-bor, que adur é agora para ser crido. E estas danças eram a som de umas longas que então usavam, sem curando de outro instrumento, posto que o aí houvesse; e se alguma vez lho queriam tanger, logo se enfadava dele e dizia que o dessem ao demo, e que lhe chamassem os trombeiros.

Ora deixemos os jogos e festas que el-Rei ordenava por desenfadamento, nas quais, de dia e de noite, andava dançando por mui grande espaço; mas vede se era bem saboroso jogo. Vinha el Rei em batéis de Almada para Lis-boa, e saíam-no a receber os cidadãos, e todos os dos mesteres, com danças e trebelhos, segundo então usavam, e eis saia dos batéis, e metia-se na dança com eles, e as-sim até o paço.

Parai mentes se foi bom sabor: jazia el-Rei em Lisboa uma noite na cama, e não lhe vinha sono para dormir. E fez levantar os moços, e quantos dormiam no paço; e mandou chamar João Mateus e Lourenço Palos, que trouxessem as trombas de prata. E fez acender tochas, e meteu-se pela vila em dança com os outros.

assinadamente = notadamente;

pela mor parte = principalmente;

monte de caça = caça graúda, grande;

querençoso = apreciador;

tomava grande sabor = gostava muito;

adur = apenas;

longas = trombetas longas;

sem curando de = não usando;

batéis = barcos;

os dos mesteres = os trabalhadores;

trebelhos = jogos;

paço = palácio;

parai mentes se foi bom sabor = considerai se foi coisa agradável;

guisa = maneira;

ledo = alegre;

tornou-se = voltou.

Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_yelE-Rz9S9g/S6pWjn0-4tI/AAAAAAAAAFc/M8lhVhEYSrE/s1600/PEDRO_~1.JPG

Page 48: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

48 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

As gentes, que dormiam, saíam às janelas, a ver que festa era aquela, ou por que se fazia; e quando viram da-quela guisa el-Rei, tomaram prazer de o ver assim ledo. E andou el-Rei assim gram parte da noite, e tornou-se ao paço em dança, e pediu vinho e fruta, e lançou-se a dor-mir.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2002, p. 47-8

Atividade II

a) Costuma-se caracterizar as crônicas de Fernão Lopes como regiocêntricas (por centralizar-se nas ações do rei), políticas (por abordar a face política de algumas ocorrências) e psicológicas (por se preocupar com a sondagem do interior do monarca). Neste trecho, podemos perceber bem duas dessas características. Localize-as e as comente.

b) Como você vê a participação do povo na narrativa de Fernão Lopes?

c) Observe como o narrador é detalhista, ao contar os fatos. É como se ele estivesse com uma câmera, fi lmando tudo que acontece, relatando fi elmente o que vê. Comente isso.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 49: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 49

Sugestão de fi lme

Inês de Castro (1944) A lenda conta o des-

vario de um rei que es-quece o povo para se afundar nos olhos belos duma beleza galega, mas os amores de Pedro e Inês, tal como a histó-ria os refere, são uma teia de intrigas políticas em que a Castro serviu interesses estranhos, e os seus matadores, os sobe-

ranos desejos da Nação Portuguesa. Leitão de Barros decide por isso, apesar de colocar no seu filme todos os fatos históricos, dar maior relevo à lenda dos amores proibidos de Pedro e Inês. Por isso nunca se chega a definir bem o caráter do Senhor de Ferreira, Diogo Lopes Pacheco ou o de Álvaro Gonçalves, que umas vezes nos aparecem friamente como simples assassinos, e outras como homens honrados que só queriam o bem da nação. No entanto, apesar de tudo, é um filme cheio de momen-tos vibrantes, imponentes garantindo assim a plena aceitação do público e crítica. Elenco: Antonio Vilar, Alicia Palacios, Maria Dolores Pradera, João Vilarete, Erico Braga, Raul de Carvalho, Alfredo Ruas, Gregorio Beorlegui. Direção: José Leitão de Barros. Duração: 101 min.

ResumoPudemos observar, nesta unidade, o quanto a capacidade artístico-

literária de um escritor do nível de Fernão Lopes é capaz de produzir uma obra que ultrapassa os séculos, e nos chega como importante legado na construção da historiografia portuguesa, de quem o cronista é considerado o “pai”. Clichês à parte, vale a pena observar o estilo de Lopes, as inovações presentes em suas crônicas, a análise psicoló-gica que realiza, as preocupações político-sociais nas abordagens dos acontecimentos, a presença do povo como elemento também constru-tor dessa História, embora a regiocentricidade medieval ainda esteja muito presente em seus textos. Não podemos esquecer que este é um período de transição, trazendo, portanto, elementos medievais mescla-dos a novidades que se consolidarão no período seguinte.

Page 50: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

50 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

AutovaliaçãoChegamos, então, ao momento em que você mesmo pode aquilatar seus conhecimentos sobre os assuntos abordados nesta aula. Repare se você:

• Compreendeu os aspectos que levaram a sociedade, e especialmente a literatura, a assumir um caráter mais antropocêntrico, no século XV;

• Consegue identifi car algumas das características estilísticas mais marcantes do cronista Fernão Lopes;

• Percebeu as implicações sociais e políticas das crônicas de Fernão Lopes.

ReferênciasMOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2002

NICOLA, José de. Literatura Portuguesa – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999

Web:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Fern%C3%A3o_Lopes

http://www.profabeatriz.hpg.ig.com.br/literatura/humanismo.htm

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 51: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 51

Classicismo: a poesia épica de Camões

IV UNIDADE

Page 52: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

52 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa 52222222 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Apresentação

A Europa viveu um período característico, que efetivou a transição da Idade Média para a Idade Moderna. É o que se chamou de Re-nascimento, em função da redescoberta, da re-valorização de aspectos da antiguidade clássica, que direcionaram as mudanças desse perío-do para um ideal huma-nista e naturalista.

“O Renascimento cultural manifestou-se primeiro na região ita-liana da Toscana, tendo como principais centros as cidades de Florença e Siena, de onde se difundiu para o resto da península itálica e depois para praticamente todos os países da Europa Ocidental, impulsionado pelo desenvolvimento da imprensa de Johan-nes Gutemberg. A Itália permaneceu sempre como o local onde o movimento apresentou maior expressão (...)” (http:// pt.wikipedia.org/wiki/Renascimento), mas as ideias renas-centistas espalharam-se rapidamente.

Um poeta português chamado Francisco Sá de Miranda es-teve na Itália durante 8 anos, nessa época, e levou o movi-mento para Portugal, em 1527; aqui, chamou-se Classicis-mo, numa clara referência aos clássicos em que os autores iam beber para suas composições.

É nesse período que surge uma das mais importantes

Fonte: http://sp1.fotolog.com/photo/17/47/62/kincaid/1197052156_f.jpg

Sá de Miranda

Page 53: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 53Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 53

figuras da literatura portuguesa: Luís Vaz de Camões, poeta lírico, sonetista, mas principalmente épico, autor de “Os Lu-síadas”, a epopéia portuguesa de maior destaque.

Nesta unidade, nós nos ocuparemos desse poeta, abor-dando um pouco sua vida e a influência que seu jeito de viver teve no que compôs; e, claro, falando sobre sua obra-prima, que conta a História de Portugal, através do recurso narrativo da viagem de Vasco da Gama para as Índias.

Vamos lá?!

Objetivos

Ao final da unidade, esperamos que você consiga:

• Identificar as principais características da literatura produzida em Portugal na época do Renascimento europeu;

• Relacionar aspectos da vida de Camões à produção de sua obra;

• Analisar trechos do poema épico camoniano “Os Lusíadas”, bem como sonetos líricos deste poeta;

Page 54: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

54 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 1

Bem, para iniciarmos, vamos conhecer a vida de Luís de Camões.

Na verdade, a vida de Camões ainda representa uma incógnita em muitos aspectos. Nasceu pro-vavelmente em 1524 ou 1525, em Lisboa, Alen-quer, Coimbra ou Santa-rém – as quatro cidades reivindicam o nascimento do poeta. De família fi-dalga da Galiza (era filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá de Ma-cedo), é possível que na juventude tenha frequen-tado a Corte e talvez a Universidade de Coim-bra, mas não há registro de sua passagem nesta instituição. Nesse tempo, travaria contato com escri-tores antigos e modernos, como Homero, Virgílio, Ovídio, Petrarca, Boscán, Garcilaso e outros.

Segundo a Wikipedia, “vivia uma vida boêmia e turbulenta. (...) Os testemunhos dos seus contemporâneos descrevem-no como um homem de porte mediano, com um cabelo loiro arruivado, cego do olho direito, hábil em todos os exercícios físicos e com uma disposição temperamental, custando-lhe pouco engajar-se em brigas. Diz-se que tinha grande valor como soldado, exibindo coragem, combatividade, senso de honra e vontade de servir, bom companheiro nas horas de folga, liberal, alegre e espirituoso quando os golpes da fortuna não lhe abatiam o espírito e entristeciam. Tinha consciência do seu mérito como homem, como soldado e como poeta” (fonte: http:// pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_de_Cam%C3%B5es).

Afirma Moisés que, ”graças aos dotes pessoais, é de crer que hou-vesse motivado paixão em D. Maria, filha de d. Manuel e irmã de D. João III, e em Catarina de Ataíde (que aparece em sua poesia sob o anagrama de Natércia). Talvez por isso afasta-se do convívio palacia-no, até que segue para Ceuta, em 1549, como soldado. Perdendo um olho em batalha, regressa a Lisboa, e na procissão de Corpus Christi (1552), fere Gonçalo Borges, servidor do Paço. Escapando da prisão sob promessa de engajar-se no corpo de tropa sediado no Oriente, viaja para a Índia em 1553.” (MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2002, p. 81)

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f3/Cam%C3%B5es%2C_por_Fern%C3%A3o_Gomes.jpg

Page 55: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 55

Nicola diz que “teve início assim uma longa jornada de 17 anos, em que o poeta viveu nas colônias portuguesas da África e da Ásia, chegando a morar em Macau, colônia portuguesa na China. Foram anos de dificuldades e algumas passagens pela cadeia”. (NICOLA, José de. Literatura Portuguesa – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999, p. 77)

Moisés relata que, “em 1556, dá baixa e assume o cargo de ‘pro-vedor dos bens de defuntos e ausentes’ em Macau, onde teria compos-to parte dOs Lusíadas. Acusado de prevaricar, vai a Goa para defen-der-se, mas naufraga na foz do rio Mecon, ocasião em que, segundo a lenda, salvou ‘Os Lusíadas’ e perdeu Dinamene, sua companhei-ra. Em Goa, é preso e solto (1563). Em 1567 está em Moçambique, novamente encarcerado por dívidas. Liberto, vive miseravelmente, até que Diogo do Couto consegue propiciar-lhe condições de regresso à Pátria. Lá chega em 23 de abril de 1569; em 1572 dá a público Os Lusíadas, pelo que passa a fazer jus a uma pensão der 15.000 réis anu-ais” (MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2002, p. 81). Esse auxílio foi concedido pelo rei D. Manuel, a quem fora dedicado o poema, valor que não recebeu com regularidade. Camões morreu pobre e abandonado, em 10 de junho de 1580, sendo enterrado como indigente, em vala comum.

“Logo após a sua morte a sua obra lírica foi reunida na coletânea Rimas, tendo deixado também três obras de teatro cômico. Enquanto viveu queixou-se várias vezes de alegadas injustiças que sofrera, e da escassa atenção que a sua obra recebia, mas pouco depois de falecer a sua poesia começou a ser reconhecida como valiosa e de alto padrão estético por vários nomes importantes da literatura europeia, ganhando prestígio sempre crescente entre o público e os conhecedores e influen-ciando gerações de poetas em vários países. Camões foi um renovador da língua portuguesa e fixou-lhe um duradouro cânone; tornou-se um dos mais fortes símbolos de identidade da sua pátria e é uma referên-cia para toda a comunidade lusófona internacional. Hoje a sua fama está solidamente estabelecida e é considerado um dos grandes vultos literários da tradição ocidental, sendo traduzido para várias línguas e tornando-se objeto de uma vasta quantidade de estudos críticos.” (fon-te: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_de_Cam%C3%B5es)

Atividade Ia) De que forma você acha que essa vida atribulada de Luís de Camões

contribuiu para a excelência de sua poesia? Ou acha que nada tem a ver?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 56: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

56 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

b) Pode-se verifi car sua bravura como soldado ou sua frustração ao não ser reconhecido, em vários trechos de “Os Lusíadas”. O que você acha de o poeta transpor para sua obra características e pensamentos de si próprio?

“Os lusíadas”(...) Os Lusíadas, que narra a aventura marítima de Vasco da Gama,

é a grande epopéia do povo lusitano. Publicada em 1572, o poema é considerado o maior poema épico da língua portuguesa. Evidente-mente não por conter 8816 versos decassílabos distribuídos em 1102 estrofes de oito versos cada, mas pelo seu valor poético e histórico.

Para a melhor compreensão do poema, levantaremos a seguir al-guns dos seus aspectos fundamentais:

• Título – Camões foi buscar a palavra lusíadas numa epístola escrita por André de Resende, em 1531. A palavra significa ‘lu-sitanos’ e, como afirma Hernâni Cidade, é ‘um nome que logo nos anuncia a história heróica de todo um povo. Os Lusíadas são os próprios lusos, em sua alma como em sua ação.’

• Herói – O herói de Os Lusíadas não é apenas Vasco da Gama, como se poderia pensar numa leitura mais superficial, mas sim todo o povo português (do qual Vasco da Gama é digno repre-sentante). O próprio poeta afirma que vai cantar ‘as armas e os barões assinalados’ que ‘navegaram por mares nunca dantes navegados’. Ou seja, todo o povo lusitano navegador que en-frenta a morte pelos mares desconhecidos (lembre-se de que corriam várias lendas sobre o Mar Tenebroso). Mas consideran-do-se o papel desempenhado por Vasco da Gama no poema, poderíamos afirmar, sim, que ele é o herói de Os Lusíadas.

Fontes: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0d/

Os_Lus%C3%ADadas.jpg

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 57: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 57

Conciliando as duas ideias, podemos afirmar que o poema apresenta um herói coletivo, que é todo o povo português, in-dividualizado na figura de Vasco da Gama, que seria assim o herói individual.

• Tema – O poeta deixa expresso o tema da epopéia já nas duas primeiras estrofes: a glória do povo navegador português, isto é, os navegadores que conquistaram as Índias e edificaram o Império Português no Oriente (‘E entre gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram’), bem como as memórias dos reis portugueses que tentaram ampliar o império (‘E também as me-mórias gloriosas / Daqueles reis que foram dilatando / A Fé, o Império...’). Portanto, Camões cantará as conquistas de Portu-gal, as glórias dos navegadores, os reis do passado; em outras palavras, a história de Portugal. (NICOLA, José de. Literatura Portuguesa – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999, p. 82-3)

Vamos transcrever, aqui, um episódio de “Os Lusíadas”, que trata de algo que já foi mencionado na unidade passada, quando líamos a crônica de Fernão Lopes: a morte de Inês de Castro, a amante do rei D. Pedro I.

CANTO III

(...)

120

Estavas, linda Inês, posta em sossego,De teus anos colhendo doce fruto,

Naquele engano da alma, ledo e cego,Que a fortuna não deixa durar muito,Nos saudosos campos do Mondego,De teus fermosos olhos nunca enxuto,Aos montes ensinando e às ervinhasO nome que no peito escrito tinhas.

121

Do teu Príncipe ali te respondiamAs lembranças que na alma lhe mora-

vam,Que sempre ante seus olhos te traziam,

Quando dos teus fermosos se apartavam:De noite em doces sonhos, que mentiam,

De dia em pensamentos, que voavam.E quanto enfim cuidava, e quanto via,

Eram tudo memórias de alegria.

122

De outras belas senhoras e PrincesasOs desejados tálamos enjeita,

Que tudo enfim, tu, puro amor, despreza,Quando um gesto suave te sujeita.Vendo estas namoradas estranhezas

O velho pai sesudo, que respeitaO murmurar do povo, e a fantasiaDo filho, que casar-se não queria,

123

Tirar Inês ao mundo determina,Por lhe tirar o filho que tem preso,

Crendo co’o sangue só da morte indinaMatar do firme amor o fogo aceso.

Que furor consentiu que a espada fina,Que pôde sustentar o grande pesoDo furor Mauro, fosse alevantadaContra uma fraca dama delicada?

124

Traziam-na os horríficos algozesAnte o Rei, já movido a piedade:Mas o povo, com falsas e ferozesRazões, à morte crua o persuade.Ela com tristes o piedosas vozes,Saídas só da mágoa, e saudade

Do seu Príncipe, e filhos que deixava,Que mais que a própria morte a magoava,

Page 58: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

58 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

125

Para o Céu cristalino alevantandoCom lágrimas os olhos piedosos,

Os olhos, porque as mãos lhe estava atandoUm dos duros ministros rigorosos;E depois nos meninos atentando,

Que tão queridos tinha, e tão mimosos,Cuja orfandade como mãe temia,

Para o avô cruel assim dizia:

126

- Se já nas brutas feras, cuja menteNatura fez cruel de nascimento,

E nas aves agrestes, que somenteNas rapinas aéreas têm o intento,

Com pequenas crianças viu a genteTerem tão piedoso sentimento,

Como co’a mãe de Nino já mostraram,E colos irmãos que Roma edificaram;

127

- Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito (Se de humano é matar uma donzela Fraca e sem força, só por ter sujeito O coração a quem soube vencê-la)

A estas criancinhas tem respeito, Pois o não tens à morte escura dela;

Mova-te a piedade sua e minha,Pois te não move a culpa que não tinha.

128

- E se, vencendo a Maura resistência,A morte sabes dar com fogo e ferro,

Sabe também dar vida com clemênciaA quem para perdê-la não fez erro.

Mas se to assim merece esta inocência,Põe-me em perpétuo e mísero desterro,

Na Cítia fria, ou lá na Líbia ardente,Onde em lágrimas viva eternamente.

129

Põe-me onde se use toda a feridade,Entre leões e tigres, e verei

Se neles achar posso a piedadeQue entre peitos humanos não achei:Ali com o amor intrínseco e vontade

Naquele por quem morro, criareiEstas relíquias suas que aqui viste,Que refrigério sejam da mãe triste.

130

Queria perdoar-lhe o Rei benino,Movido das palavras que o magoam;

Mas o pertinaz povo, e seu destino(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.

Arrancam das espadas de aço finoOs que por bom tal feito ali apregoam.Contra uma dama, ó peitos carniceiros,

Feros vos amostrais, e cavaleiros?

131

Qual contra a linda moça Policena,Consolação extrema da mãe velha,

Porque a sombra de Aquiles a condena,Co’o ferro o duro Pirro se aparelha;

Mas ela os olhos com que o ar serena(Bem como paciente e mansa ovelha)

Na mísera mãe postos, que endoudece,Ao duro sacrifício se oferece:

132

Tais contra Inês os brutos matadoresNo colo de alabastro, que sustinhaAs obras com que Amor matou de

amoresAquele que depois a fez Rainha;

As espadas banhando, e as brancas flores,

Que ela dos olhos seus regadas tinha,Se encarniçavam, férvidos e irosos,

No futuro castigo não cuidosos.

133

Bem puderas, ó Sol, da vista destesTeus raios apartar aquele dia,

Como da seva mesa de Tiestes,Quando os filhos por mão de Atreu comia.

Vós, ó côncavos vales, que pudestesA voz extrema ouvir da boca fria,

O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,Por muito grande espaço repetisses!

134

Assim como a bonina, que cortadaAntes do tempo foi, cândida e bela,Sendo das mãos lascivas maltratadaDa menina que a trouxe na capela,

O cheiro traz perdido e a cor murchada:Tal está morta a pálida donzela,

Secas do rosto as rosas, e perdidaA branca e viva cor, co’a doce vida.

135

As filhas do Mondego a morte escuraLongo tempo chorando memoraram,E, por memória eterna, em fonte puraAs lágrimas choradas transformaram;O nome lhe puseram, que inda dura,Dos amores de Inês que ali passaram.Vede que fresca fonte rega as flores,Que lágrimas são a água, e o nome

amores.

CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 108-12)

Page 59: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 59

Atividade II

a) Procure atualizar a linguagem do poema, fazendo uma paráfrase do episódio, isto é, contando o acontecimento aqui narrado, com suas próprias palavras.

b) Analise o comportamento do rei, em relação a Inês, aos conselheiros, ao povo e ao fi lho.

Texto 2Encontramos na internet um texto que faz um comentário interes-

sante sobre este trecho de Os Lusíadas. Leia-o, compare com o episó-dio, e tire suas conclusões.

O episódio de Inês de CastroSandra Macedo Santos

Introdução

A história e o mito que envolvem os amores de D. Inês de Castro e D. Pedro têm servido como tema para várias obras literárias. Desde autores nacionais a estran-geiros; autores de séculos distantes a autores nossos contemporâneos, a verdade é que a morte de Inês de Castro tem servido de inspiração literária e, por tal, esta história de amor portuguesa superou a temporalidade.

É no século XVI que surgem as primeiras obras literá-rias, de que há registro, a fazer referência a este amor: Garcia de Resende em As Trovas à Morte de Inês de Castro, Luís de Camões no Canto III d’ Os Lusíadas e António Ferreira em A Castro (a primeira tragédia clás-sica portuguesa). Desde então, podemos constatar a presença desta temática em todos os séculos, tanto na literatura erudita, como na literatura popular.

Com este trabalho proponho tratar alguns dos temas responsáveis pela imortalização de Inês de Castro, tal como a repercus-são do tema inesiano em Os Lusíadas, de Luís de Camões.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Fontes: http://1.bp.blogspot.com/_xzPn9xWjS-k/S8ze9JVSslI/AAAAAAAAAew/qg1RKeluJ1s/s1600/ines_de_castro.jpg

Page 60: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

60 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

O amor-paixão e o inevitável fi m trágico

Poderíamos tentar encontrar várias respostas para esta perenida-de do tema inesiano, no entanto, acabaríamos por formar grupos de respostas subjetivas. São vários os subtemas e mitos por detrás dos amores de Inês e Pedro, cada um deles tem dado lugar a inúmeras interpretações. Embora as interpretações sejam subjetivas e diferentes entre si, a verdade é que todas elas têm algo em comum: o mito do amor-paixão, que desemboca irremediavelmente na morte. Este mito tem sido um dos preferidos ao longo dos tempos, é aquele que faz o homem sonhar, é aquele que causa uma certa compaixão e comoção. Tristão e Isolda; Romeu e Julieta; Teresa e Simão; são todos casais que têm como destino um fim trágico. Esse destino surge a partir do momento que decidem tentar alcançar o impossível. Todos estes casos caminharam para o abismo, abismo esse que em Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, vem bem retratado numa carta que Simão escreve a Teresa: Lembra-te de mim. Vive, para explicares ao mundo, com a tua lealdade a uma sombra, a razão por que me atraíste a um abismo. [CASTELO BRANCO, Camilo, Amor de Perdição, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1995, capítulo X, página 106]. No caso específico de Inês de Castro, esta desafia o poder do Estado, isto é, de-safia a vontade de Afonso IV, é esta a sua hybris. Por motivos de ordem política, Afonso IV não aceita Inês de Castro como esposa legítima de D. Pedro e, por tal, ela terá de morrer, pois escolheu entregar-se a este amor. O abismo é, então, a partir dessa escolha, inevitável.

No entanto, é o fim trágico (catástrofe) desta história de amor que a torna transcendente. Não houvesse nenhum obstáculo e nenhum de-safio, seria uma história de amor igual a tantas outras. O desespero e o sofrimento progressivo (pathos) de Inês de Castro são elementos que têm sido fortemente explorados por vários escritores. Luís de Ca-mões dedica dezenove estâncias d’Os Lusíadas ao episódio de Inês de Castro. Também aqui é explorado o caráter trágico do mito inesiano. O episódio foca o encontro de D. Inês com Afonso IV, os pedidos de clemência e a injustiça e ferocidade em redor da morte da amada de D. Pedro. O início da narração deixa antever o desfecho do mito, isto é, sabemos à partida que o desenlace é trágico, está indiciado:

O caso triste e digno de memória,Que do sepulcro os homens desenterra,Aconteceu da mísera e mesquinhaQue depois de morta foi rainha.

Camões aprofunda a dialética amor-paixão/fim trágico na estância 119, onde invoca através duma apóstrofe o puro Amor, atribuindo--lhe características dum deus despótico. Este Amor que surge com letra maiúscula poderá referir-se ao próprio Cupido (constituindo assim uma antonomásia), filho de Vênus, ou ao Amor puro, aquele amor-paixão que é avassalador (como já vimos). Analisemos a estância:

Page 61: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 61

Tu, só tu puro Amor, com força crua,Que os corações humanos tanto obrigaDeste causa à molesta morte sua,Como se fora pérfida inimiga.Se dizem, fero Amor, que a sede tuaNem com lágrimas tristes se mitiga,É porque queres, áspero e tiranoTuas aras banhar em sangue humano.

Há uma clara culpabilização do amor, são-lhe atribuidas caracterís-ticas humanas (animismo), mas não dum ser humano qualquer, trata-se dum ser inexorável, áspero e tirano que exige sacrifícios, faz vítimas. Todos os adjetivos presentes nesta estância têm uma conotação negati-va e as aliterações em “r”, “m” e “f” dão ênfase à ferocidade e barba-ridade com que este Amor trata as suas vítimas. Estas vítimas surgem, ainda, como inimigas, como se duma batalha se tratasse, esta batalha só acaba quando o Amor vê saciado o seu desejo: sangue humano, lágrimas não são o suficiente.

Bastaria olharmos para esta estância do Canto Terceiro d’Os Lusí-adas para compreendermos como o amor-paixão é algo tão intenso e arrebatador que poderá ter um fim tão violento como ele próprio é.

O “eu” versus a sociedade / o “outro”

A dicotomia “eu” / sociedade é uma dicotomia inexaurível. É no século XIX, com o Romantismo, que atinge o seu esplendor, o Homem é visto como um Bom Selvagem (ROUSSEAU) que é corrompido pela sociedade ou que nunca é aceito por esta. Por tal, é natural que os intelectuais românticos tenham visto em Inês de Castro a protagonista perfeita. O amor trágico de Inês e Pedro teve lugar na época medieval (época favorita dos românticos) e viu como seu opositor a sociedade, corporizada no Estado e em Afonso IV.

No entanto, já no século XVI se registrou um interesse por esta temá-tica. Garcia de Resende escreveu as Trovas à Morte de Inês de Castro no Cancioneiro Geral de 1516; António Ferreira explorou esta temática em A Castro; e Luís de Camões concentrou o seu episódio lírico de Os Lusíadas nesta problemática.

Inês de Castro constituía um obstáculo e um problema para Afonso IV, mais concretamente para os interesses do Estado. Havia o perigo de Inês vir a ser rainha e tal era considerado arriscado porque Inês era filha de galegos e, uma vez rainha, a independência de Portugal poderia estar ameaçada. Havia também receio de que os filhos de Inês de Castro e Dom Pedro pudessem vir a lutar contra os filhos de Dona Constança e Dom Pedro pelo trono. Não nos podemos esquecer de que esta história se desenrola em pleno século XIV, uma época de diferenciação cultural e afirmação política das nacionalidades. Muitas batalhas haviam sido travadas para alcançar independência, o medo

Page 62: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

62 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

de perder tudo aquilo pelo qual se tinha lutado (e ainda se estava a lutar) era bem visível. Assim, torna-se claro como o casamento de Inês e de Pedro não era politicamente favorável aos interesses do Estado. Cabia a Dom Afonso IV agir de acordo com os interesses nacionais, mesmo que isso significasse matar uma inocente e fazer sofrer o seu próprio filho.

Todo o episódio dedicado a Inês de Castro n’Os Lusíadas foca este dilema. Afonso IV, juntamente com os seus conselheiros, vai ao encon-tro de Inês para a tirar ao mundo. No entanto, a dada altura, Afonso IV fica comovido com os pedidos de clemência de Inês e, se não fosse a pressão do povo, teria voltado atrás na sua decisão. Vejamos em pormenor a estância 130:

Queria perdoar-lhe o Rei benigno,Movido das palavras que o magoam;Mas o pertinaz povo e seu destino(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.Arrancam das espadas de aço finoOs que por bom tal feito ali apregoam.Contra ua dama, ó peitos carniceiros,Feros vos amostrais e cavaleiros?

Podemos constatar que a vontade do Rei nesta fase era a de poupar Inês, sendo, até, apelidado de Rei benigno. No entanto, a conjunção adversativa “mas” coloca o povo e o destino contra Inês e contra, inclu-sive, a vontade de Afonso IV. As razões do povo já conhecemos, dizem respeito ao interesse nacional. Afonso IV como representante do povo teria que responder aos seus pedidos, e caso voltasse atrás haveria também a hipótese de lhe serem postos em questão a sua bravura e absolutismo. Quanto ao destino como opositor, é um elemento que se encontra sempre presente nas tragédias, Camões dá assim ênfase a este elemento trágico.

É importante também salientar a interrogação retórica presente no final desta estância. Luís de Camões faz uma espécie de denúncia e deixa no ar a verdadeira natureza destes homens que mostram a sua valentia atacando uma dama indefesa.

Contudo, como já foi dito, caso não houvesse um interesse nacio-nal em oposição aos amores de Pedro e Inês, esta tragédia nunca teria acontecido. Não é possível compreender inteiramente a situação e o destino de Inês sem que se considere a própria situação de Afonso IV (situação essa que analisamos nos parágrafos anteriores). Assim, Inês e Afonso IV são uma espécie de Antígona e Creonte. Ambos têm alguns traços em comum, são fiéis às suas posições e vontades e, por tal, so-frem as consequências. Tal como Antígona, a figura de Inês não teria força e expressão se não houvesse um rei a fazer-lhe oposição.

Page 63: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 63

Lirismo e simbolismos presentes no episódio de Inês de Castro de Luís de Camões

É do conhecimento de todos que Os Lusíadas é uma obra de ca-riz épico onde o universo masculino é o predominante. Assim, todo o episódio de Inês de Castro entra em perfeito contraste com a restante obra. Neste episódio, a personagem central é feminina e o lirismo pre-sente nos sonetos camonianos é transposto para estas estâncias. Luís de Camões consegue estabelecer com o leitor um contato inquestionavel-mente emotivo. O leitor, além de emocionar-se com os versos, jamais conseguirá esquecê-los. O desespero que Camões coloca nas falas de Inês (inventadas por si) faz com que um universo de terror progrida e “arraste” consigo o próprio leitor. Existem momentos em que o leitor é levado a sentir compaixão e levado também a partilhar o sofrimento das personagens da tragédia, a piedade perante tal destino trágico instala-se dando assim origem à Catarse.

Os argumentos de Inês estão carregados de alusões à mitologia pagã (tipicamente Clássico), como são os casos das referências à deu-sa Natura, a Rômulo e a Remo. Estas referências são simbólicas, pois colocam os animais ferozes e irracionais em contraste com Afonso IV. A amante de Dom Pedro chama a atenção do rei para a piedade que é possível encontrar-se nas feras, piedade essa que não estava a conse-guir obter do soberano.

Ao ver que não está a conseguir demover o rei da sua decisão, Inês apela a este que pense nos filhos que ficarão órfãos, filhos estes que são netos de Afonso IV (estância 127).

Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito(Se de humano é matar ua donzela,Fraca e sem força, só por ter sujeitoO coração a quem soube vencê-la),A estas criancinhas tem respeito,Pois o não tens à morte escura dela;Mova-te a piedade sua e minha,Pois te não move a culpa que não tinha.

Nesta estância o rei cruel contrasta com a mulher frágil e inocente, a oração parentética (introduzida habilmente por Camões) questiona a natureza deste soberano. Inês é caracterizada como sendo fraca e sem força (pleonasmo), portanto está à mercê de Dom Afonso IV. Qual-quer ser humano ficaria comovido perante tal cenário e, ao matar uma dama indefesa e sem culpa, Afonso IV revela-se como mais selvagem que todos os animais ferozes.

Inês é assassinada e todos os elementos da Natureza refletem esta morte (típico das produções líricas renascentistas): o sol esconde-se; os vales reproduziram em eco o último sopro de vida de Inês que continha o nome do seu amado; e as ninfas do Mondego choraram durante muito tempo e estas lágrimas perpetuaram-se na Fonte da Lágrimas

Page 64: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

64 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

(na Quinta das Lágrimas, em Coimbra). O episódio termina com a referência a esta fonte mágica, dando um aspecto ainda mais lendário a esta história de amor.

As filhas do Mondego a morte escuraLongo tempo chorando memoraram,E, por memória eterna, em fonte puraAs lágrimas choradas transformaramO nome lhe puseram, que inda dura,Dos amores de Inês, que ali passaram.Vede que fresca fonte rega as flores,Que lágrimas são a água e o nome Amores.

As ninfas do Mondego haviam testemunhado esta linda história de amor, pois foi nos saudosos campos do Mondego que Inês e Pedro se terão visto pela primeira vez; e nos arvoredos da Fonte dos Amores que terão tido os seus encontros secretos. Reza também a lenda que o sangue que a amada de Dom Pedro derramou está, ainda hoje, gravado numa rocha. Todavia, de acordo com os especialistas, a cor avermelhada que podemos constatar na rocha deve-se à presença de uma alga, a Hildenbranthiarosea. No entanto, muitos preferem ignorar a explicação científica para que o mito não perca o seu fantástico e maravilhoso.

Muito se tem escrito e dito sobre a história trágica de Inês de Cas-tro e Dom Pedro. A História reproduz os fatos, mas a Literatura tem mistificado estes fatos, transformando esta história de amor numa das mais belas histórias de amor a nível mundial. São muitos os turistas que visitam os túmulos e muitos aqueles que querem passear pelos jardins, outrora secretos, de Pedro e Inês.

Existem vários aspectos da lenda que a His-tória não consegue comprovar [É o caso de do-cumentos a comprovarem o casamento de Pedro e Inês e da coroação de Inês depois de morta]. Contudo, quem conhece esta história de amor prefere acreditar em toda a magia que a envol-ve, tudo aquilo que a transformou numa parte da nossa tradição, tradição de há já seiscentos e cin-quenta anos. Tradição que irá continuar a apai-xonar as futuras gerações. (Fonte: http://www.notapositiva.com/trab_professores/textos_apoio/portugues/Ines_de_Castro.htm)

Fonte: http://inesdecastroesspc.files.wordpress.com/2010/02/327529286_c90da75b85.jpg

Page 65: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 65

Referências

AAVV, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Mem Martins, Ed. Verbo, 1976

CAMÕES, Luís de Vaz, Os Lusíadas, 2. ed. Porto: Livraria Figueirinhas, 1999

FRANCO, António, Memória de Inês de Castro. Mem Martins: Edições Europa-América, 1990

LOPES, Óscar e SARAIVA, António José, História da Literatura Portuguesa. 17. ed. Porto: Porto Editora, 1996

SOUSA, Maria Leonor de, Inês de Castro – Um Tema Português na Europa. Lisboa: Edições 70, 1987

WebBiblioteca Virtual: http://www.portalcen.org/bv/estudante/inesdecastro.pdfSILVA, Fernando Correia; http://www.vidaslusofonas.pt/inesdecastro.htm

http://www.notapositiva.com/trab_professores/textos_apoio/portugues/Ines_de_Castro.htm

O sonetista camõesO SONETO é uma típica composição renascentista. A admiração pela

antiguidade clássica levava os classicistas a imitar-lhe inclusive o deta-lhismo com que eram compostos os poemas e as demais manifestações artísticas greco-romanas. Introduzido em Portugal por Sá de Miranda, quando de sua volta da Itália, em 1527, o soneto é uma forma fixa de poema, composto por 14 versos, distribuídos em duas quadras (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (estrofe de três versos), todos rimando entre si, e com uma chave de ouro ao final.

Luis de Camões foi um excelente sonetista, como comprovam al-guns de suas criações, que colocaremos a seguir:

Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade,

se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Page 66: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

66 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Atividade III

a) Temos aqui quatro sonetos de Camões abordando o mesmo tema: o amor. Leia cada um deles e procure escrever algo sobre o tipo de amor que cada um aborda.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida descontente, Repousa lá no Céu eternamente,

E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste, Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou, Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Quão cedo de meus olhos te levou.

Sete anos de pastor Jacó servia Labão, pai de Raquel serrana bela, Mas não servia ao pai, servia a ela, Que a ela só por prêmio pertendia.

Os dias na esperança de um só dia Passava, contentando-se com vê-la:

Porém o pai usando de cautela, Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos Assim lhe era negada a sua pastora,

Como se a não tivera merecida,

Começou a servir outros sete anos, Dizendo: Mais servira, se não fora

Para tão longo amor tão curta a vida.

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,

Sem falta lhe terá bem merecidoQue lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce e é piedoso;Quem o contrário diz não seja crido:

Seja por cego e apaixonado tido,E aos homens e inda aos deuses odioso.

Se males faz Amor, em mi se vêem;Em mim mostrando todo o seu rigor,

Ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de amor;Todos estes seus males são um bem,

Que eu por todo outro bem não trocaria.

(Fonte: http://fredb.sites.uol.com.br/lusdecam.htm)

Page 67: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 67

Resumo

O Classicismo em Portugal não diferiu muito do Renascimento eu-ropeu, embora tenha sido menos efervescente do que na Itália, onde nasceu o movimento. As características são comuns, dizem respeito à admiração pela antiguidade clássica e a busca da imitação dessa an-tiguidade. O resultado são textos extremamente bem cuidados, com constantes referências à mitologia greco-romana. O maior nome desse movimento, em Portugal, foi, inegavelmente, Luis de Camões, poeta épico, autor de “Os Lusíadas” (poema que identifica Portugal enquanto nação desbravadora dos mares “nunca dantes navegados”). Apesar da vida atribulada que teve, um pouco por isso também, é reverenciado como um dos nomes mais importantes da literatura portuguesa.

Autovaliação

Com o objetivo de se autoavaliar, no que se relaciona à presente unidade, você pode observar se conseguiu:

• Identifi car as principais características da literatura produzida em Portugal na época do Renascimento europeu;

• Relacionar aspectos da vida de Camões à produção de sua obra;

• Analisar com desenvoltura os trechos apresentados do poema épico camoniano “Os Lusíadas”, bem como sonetos líricos aqui postos;

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 68: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

68 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

ReferênciasCAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. São Paulo: Martin Claret, 2002.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2002

NICOLA, José de. Literatura Portuguesa – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999

Web:http:// pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_de_Cam%C3%B5eshttp:// pt.wikipedia.org/wiki/Renascimentohttp://fredb.sites.uol.com.br/lusdecam.htmhttp://www.notapositiva.com/trab_professores/textos_apoio/portugues/Ines_de_Castro.htm

Page 69: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 69

Barroco: Padre Vieira

V UNIDADE

Page 70: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

70 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa 700000000 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Apresentação

Em alguns trechos de “Os Lusíadas”, Camões já chamava a atenção para a forma equivoca-da como governo e so-ciedade portugueses se comportavam a partir das grandes conquistas ultramarinas realizadas no final do século XV e início do XVI, entre elas a colonização do Brasil. A falta de investimento sério e planejado, a for-ma luxuosa e comple-tamente relaxada que passou a ser o cotidiano da nação agora rica e poderosa funcionaram como ingredientes fatais para sua derrocada. O poeta não estava errado: no ano de sua morte, 1580, Portugal caiu sob o domínio espanhol, de certa maneira concretizando a nefasta previ--são do autor de “Os Lusíadas”, que afirmara que, mais do que morrer em Portugal, morreria com Portugal.

Um rei megalomaníaco, Dom Sebastião, jovem e sem descendentes diretos, achou que poderia transformar Portugal no Quinto Império (os outros quatro grandes impérios teriam sido o assírio, o persa, o grego e o romano). Para isso, se embrenhou numa guerra desigual e desastro-sa, tendo sofrido clamorosa derrota em Alcácer-Quibir, na África, tendo seu próprio corpo desaparecido.

A guerra pela sucessão do trono, que durou dois anos, terminou com a subida de seu primo dom Felipe, então rei da Espanha, que ane-xou Portugal ao seu reino, dominando por mais de meio século toda a península ibérica.

A Espanha, como se sabe, é berço de uma das mais conservadoras igrejas de então, tendo, aliás, materializado esse conservadorismo atra-vés da Companhia de Jesus, que se empenhou duramente no combate aos chamados hereges da reforma protestante, num movimento que se chamou Contra-Reforma, cuja violência em combater os “inimigos da

Fonte: http://portugalsecreto.no.sapo.pt/sebastianismo/sab40a.jpgDom Sebastião

Page 71: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 71 Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 71

fé” foi notória. O nome institucional dessa perseguição era “Tribunal da Santa Inquisição”.

O lado artístico desse movimento é o Barroco, marcado por con-tradições, preciosismos e tentativas de conciliação entre o lado divino, que a Igreja obrigava a evidenciar, e o lado humano, que a natureza e os dois movimentos anteriores insistiam por se fazer presente.

O principal nome dessa escola, em Portugal, já evidencia essa du-alidade: é um padre, Antonio Vieira. Outro nome também marcante é uma freira: Mariana Alcoforado. Em sua obra, misturam-se elementos religiosos e profanos, numa proporção praticamente equivalente.

É essa literatura que pretendemos estudar nesta unidade.

Vamos lá?!

ObjetivosÉ nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga:

• identificar os principais acontecimentos políticos e sociais, que determinaram a instalação e consolidação do Barroco na lite-ratura;

• observar a importância da influência espanhola na formação do barroco literário português;

• identificar, através de alguns de seus sermões, a posição política e social do Padre Antonio Vieira;

Page 72: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

72 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 1Inicialmente, conheceremos alguns aspectos teóricos a respeito do

Barroco, que muito nos auxiliarão na leitura e análise de alguns textos desse período.

O barrocoNelly Novaes Coelho

Depois de um primeiro período luminoso e sereno (normalmente conhecido como Renascimento e Classicismo) a Era Clássica vai sofrer uma transformação. Altera-se a clareza, a objetividade e serenidade que lhe eram peculiares.

Donde espumoso el mar sicilianoel pie argentea de plata al Lilibeo

(bóveda de las fraguas de Vulcano,o tumba de los huesos de Tifeo)pálidas señas cenizoso un llano,cuando no del sacrílego deseo

del duro oficio da. Allí una alta rocamordaza es a una gruta de su boca.

Guarnición tosca de este escollo durotroncos robustos son, a cuya greñamenos luz debe, menos aire puro

la caverna profunda, que a la peña;caliginoso lecho, el seno oscuro

ser de la negra noche nos lo enseñainfame turba de nocturnas aves,

gimiendo tristes y volando graves.

(GÓNGORA, Fábula de Galatea y Polifemo)

Onde o espumoso mar sicilianoprateia de prata ao pé do Lilibeo

(abóboda das fornalhas de Vulcanoou tumba dos ossos de Tifeo)

pálidos sinais cinzentos um plano,quando não do sacrílego desejo

do duro oficio dá. Ali, uma alta rochaé mordaça a uma gruta de sua boca.

Guarnição tosca deste penhasco durotroncos robustos são, a cujo

emaranhadomenos luz deve, menos ar puro

a caverna profunda, que à penha;sombrio leito, o seio escuro

ser da noite negra nos ensinainfame turba de noturnas aves,

gemendo tristes e voando graves.

(Onde o mar siciliano prateia de prata o pé de Lilibeo [cidade fun-dada pelos cartagineses] (abóboda das fráguas de Vulcão [deus roma-no do fogo] ou tumba dos ossos de Tifeo [gigante rebelde, confinado por Zeus]) uma faixa cinzenta dá pálidos sinais no duro ofício, quando não do sacrílego desejo. Ali uma alta rocha é mordaça à gruta de sua boca. Troncos robustos são a guarnição tosca desse escolho duro; a cuja grenha a caverna profunda deve menos luz e menos ar puro que ao penhasco; o seio escuro da noite nos ensina ser o caliginoso leito de infame turba de noturnas aves, gemendo tristes e voando graves).

É fácil verificar em Góngora, a mais alta voz poética daquele ins-tante, a profunda transformação que sofreu a poesia: violenta inversão dos termos do discurso, dificultando a compreensão; os tons escuros e agressivos da paisagem (= cromatismo que vai do “prata” ao “cinza” e deste ao “negro”); atmosfera pesada e lúgubre. O equilíbrio rompera-se.

Page 73: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 73

(...)

O Classicismo inicial esforçou-se – como vimos – por estabelecer uma ordem racional não apenas no pensamento, mas também na so-ciedade, nos costumes, na vida enfim. A Arte também tende a ser a mais alta de expressão de um universo penetrado de inteligência, de uma consciência lúcida e de uma sociedade perfeitamente hierarqui-zada. A certa altura, no entanto, dá-se como que uma explosão das linhas equilibradas: a Arte é invadida por formas conflituosas em que os contornos deixam de ser nítidos e a luminosidade aberta passa aos tons sombrios e dramáticos do claro-escuro. É o período barroco que começa, nos rastros do violento período da Contra-Reforma (com o recrudescimento da ação punitiva do Tribunal da Inquisição, que havia sido fundado na Espanha pelos reis católicos, em 1340, em Portugal é instalado em 1536, a pedido de Dom João III, funcionando até 1732). Surgindo, pois, da intensa reação que se seguiu ao movimento refor-mista do Renascimento, o barroco inicia-se em cada país em datas diferentes. O seu primeiro núcleo foi a Espanha do reinado dos Reis Católicos, Isabel e Fernando I. Embora tenha sido um fenômeno euro-peu, não resta dúvida de que foi aí, no império espanhol, que atingiu a sua maior amplitude, riqueza e significação. Período em que a Pintura e a Arquitetura criaram verdadeiras obras-primas, ele foi muito pobre, porém, na área poética, onde as forças criadoras do pensamento so-freram intensa repressão. O estilo barroco resultou, pois,

de uma nova maneira de ver o mundo e de sentir as realidades físicas e metafísicas que nos envol-vem. (...) O homem barroco quebrou as barreiras da ponderação clássica. Já não é um homem feliz. Perdeu o leme da harmonia, do sossego. A época que lhe cabe viver é turva. Os cimentos sociais e políticos sobre os quais se estruturou o mundo ime-diatamente anterior se esfacelaram. As instituições

Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_98Lp2dvqd9U/TBE12ts6_jI/AAAAAAAAA9w/1Sf5kcikyM4/s1600/0008+-+SANTA+INQUISI%C3%87%C3%83O.jpg

Sessão de tortura promovida pela Inquisição, para fazer os hereges confessa-rem suas faltas.

Page 74: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

74 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

perderam o vigor. A política corrompe-se. Estabele-ce-se um desequilíbrio poderoso entre a realidade e o desejo. (...) A naturalidade, a unidade, a sim-plicidade, a alegria, a confiança do mundo renas-centista, foi-se transformando em pânico. Porque o barroco é a crise vertical dos valores clássicos. (JULIO GARCÍA MOREJÓN)

Se por um lado o equilíbrio clássico se desfaz e a racionalidade que dava todas as respostas foi posta em questão, por outro, no que se refere às coordenadas formais da estética clássica, nada foi alterado. Continu-am vigentes, pois, no período barroco, os rígidos preceitos teóricos que alicerçavam o Renascimento e o Classicismo: “imitação da natureza” e “imitação dos antigos”, com todas as exigências destas duas últimas atitudes. Continuam atuantes as fórmulas criadas pelos poetas renascen-tistas: vocabulário, estruturas rítmicas, tipos de imagens etc.

A Paisagem – Ela continua a ser, na poesia barroca, a mesma que se alimenta do bucolismo greco-latino e que os renascentistas enriquece-ram e fixaram em tipos. Assim, sobre a paisagem real vista pelo poeta barroco, sobrepõe-se a paisagem estética criada pela palavra da tradi-ção. A principal diferença entre as duas (= a renascentista e a barroca) é mais de atmosfera (= cor e movimento) que de essência. A verdade é que a paisagem barroca perdeu a serenidade que caracterizava a pai-sagem renascentista. Agita-se uma efervescência contida que perturba a placidez das formas. Propiciam essa alteração sensível de atmosfera principalmente três elementos linguísticos: o cromatismo vocabular, o dinamismo agressivo dos verbos e a impetuosidade dos substantivos, adjetivos (ou sintagmas deles resultantes).

a) O Cromatismo Vocabular. Além dos termos herdados do período renascentista (= prata, branco, luzente, luminoso, níveo, fulvo, linho, lí-rio, pérolas, neve, cisnes) aparece uma intensificação profunda das co-res, principalmente do vermelho e do negro. A escala cromática basea-da no primeiro é bastante rica: púrpura, rubi, granada (pedra vermelha escura), carmesim, escarlate, coral, cravo, rosa, sangue. A que parte do segundo, salvo raras exceções, representa o elemento discordante dentro da harmonia do mundo, pois, via de regra, é a representação da dor: escuro, turvo, cinzento, cinza, negro, abóbodas de sombras, treva, escura, noturno canto.

b) O dinamismo agressivo dos verbos infiltra uma força inquietante e ameaçadora na poesia: fulminar, condenar, arrebatar, arquear, mor-dendo, pesar, se abatem, sepultam, atiram, se lança, cometendo a vio-lência, aprisionar, vomitar ondas e açoitar areias...

c) A impetuosidade dos vocábulos perturbam a paisagem: rude har-monia, areia ardente, membros em cinza desatados, sagrado vulcão de errante fogo, carroça ardente, duros anos, estrondos, ferro agudo.

Apesar dessa flagrante diferença de atmosfera, contudo, a poesia bar-roca não pode ser considerada como fora dos quadros da estética clássi-ca, uma vez que ela não inovou nada com relação às soluções formais. O poeta barroco continuou a ter por mestres incontestes os grandes poetas

Page 75: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 75

que o antecederam, e deles recebeu todas as já citadas soluções formais que, exteriormen-te, aparecem modificadas. A essência de uma arte corresponde a uma determinada estrutura formal. Como no período barroco não hou-ve alteração dessa estrutura, também a sua essência continua a ser a mesma conquistada pelo Renascimento. Embora em crise, os valo-res filosóficos, éticos e estéticos instaurados no século XVI continuam vigentes.

A Mulher – O retrato da mulher na poe-sia barroca continua a ser traçado com os mesmos sintagmas estereotipados: “cabelos de ouro”, “voz plácida e doce”, “colo de ala-bastro”, “face de neve” etc. Mas outros ele-mentos lhe são acrescentados:” a pequenez dos dentes”, “a brevidade dos pés”, “a testa de cristal”, “os olhos pardos” (castanhos), “os cabelos negros”, “o rosto redondo”, “os olhos rasgados” e “as meninas negras”. Das mãos não importa mais “o meneio” (que na poesia anterior denota certa compostura da mulher), mas sim a cor: “alvas, brancas”. “Ainda que continue triunfando o tipo petrarquista da mulher de cabelos loiros e olhos verdes, ao seu lado se vai perfilando a de olhos e cabelos negros. (A. MONTES). “A beleza barroca tem que ser morena e de olhos negros, em contraste com a renascentista, que tinha de ser loira e de olhos claros. (CASALDUERO, apud Spina/Santilli).

As estruturas rítmicas – Persistem as criadas pelo Renascimento: can-ção, soneto, odes, tercetos, oitava-rima, redondilhas, romance etc., o uso dos decassílabos e dos versos curtos, redondilhas. Os esquemas de rimas sonantes ou assonantes ricas ou pobres.

Os Processos Estilísticos – Seguem iguais aos renascentistas, ou seja, uso abundante de mitologia clássica, jogos de palavras, antíteses, os paradoxos (com enorme exagero em todos eles). Desaparece o equi-líbrio antigo e esses processos como que transbordam de seus limites.

A Temática – Com a exclusão de grande parte da poesia de um Góngora e de certos altos momentos de um Marini ou Gregório de Matos, a poesia barroca – via de regra – não vale pelo contexto que encerra ou pela cosmovisão que possa oferecer.

Poesia de entretenimento no mais das vezes, ati-vidade lúdica do espírito, ela nos dá imediata im-pressão de completo divórcio com os grandes e tradicionais problemas da vida. (...) Tendendo à abstração, numa ânsia contínua de ilusão da rea-lidade, podemos falar num niilismo temático dessa poesia que, para atingir o reino da pura imagina-ção, qualquer objeto (um papagaio, um lampadá-rio de cristal, uma rosa, um mosquito, um pé) pode servir de ponto de partida. (SPINA/SANTILLI)

Fonte: http://artmight.com/albums/classic-j/Jacopo-Robusti-Tintoretto-1518-1594/Tintoretto-Leda-and-the-swan.jpg

Page 76: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

76 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Assim, ao lado de uma poesia de angustiados conflitos religiosos, existe uma outra em que sobressai a engenhosidade dos conceitos, os malabarismos verbais e a vacuidade de pensamento; uma poesia en-comiástica e também hermética, que se expressa em metáforas muitas vezes obscuras, e que denunciam o enfraquecimento ou a sufocação do poder criador. (...)

COELHO, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem. A obra literária e a expressão linguística. 5. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994, p. 149-153

Atividade Ia) A partir das considerações de Nelly Coelho, podemos entender claramente

por que o Barroco está incluído na Era Clássica. Salvo algumas poucas alterações, há uma espécie de continuação do movimento anterior. Releia o texto de Coelho, e veja quais os pontos de identifi cação mais fortes com o Classicismo, que ela aponta no Barroco. Comente-os.

b) Você concorda com a ideia do “niilismo poético” do barroco, ou seja, que a poesia barroca não tem muita coisa nova a oferecer? Comente.

Texto 2

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 77: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 77

Padre Antonio VieiraNasceu em Lisboa, numa casa humilde da Rua do

Cônego, perto da sé. Foi o primeiro dos quatro filhos de Cristóvão Vieira Ravasco, um alentejano neto de uma mu-lata ou africana, e casado com a lisboeta Maria Azevedo.

Antonio veio com a família para o Brasil, pois seu pai era escrivão, e aqui assumiu um posto no Tribunal de Re-lação da Bahia. Em Salvador, Antonio ingressou na ordem jesuíta (1614), tendo muitas dificuldades de aprendiza-gem, a princípio, mas depois sobressaindo-se brilhante-mente. Foi ordenado em 1634, época em que já era co-nhecido pelos seus primeiros sermões, obtendo fama de pregador notável. Em 1641, retornou a Lisboa, iniciando uma conturbada e bem sucedida carreira diplomática, so-bressaindo-se pela oratória; conquistou a confiança de D. João IV de Portugal, que o nomeou embaixador e depois pregador régio.

Viajou muito entre Portugal e Brasil, tendo também passado um tempo em Roma. Por conta de suas posições fortes, foi várias vezes alvo de processos da Inquisição, dos quais se defendia pessoalmente. “Politicamente, Vieira tinha contra si a pequena burguesia cristã, por defender os capitalismo judaico e os cristãos-novos; os pequenos comerciantes, por defender um monopólio comercial; os administradores e colonos, por defender os índios.” (NICO-LA, José de. Literatura Portuguesa – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999, p. 98).

O Padre Antonio Vieira faleceu em 1697, no Colégio da Bahia, onde foi sepultado.

Autor de uma fertilidade criativa impressionante, deixou quase 200 sermões, cerca de 500 cartas, além de três profecias (História do futuro, Esperanças de Portugal e Clavis prophetarum – em que se percebe o se-bastianismo (crença defendida por Vieira, segundo a qual Dom Sebastião voltaria e implantaria o Quinto Império)). Tal fato estaria profetizado na Bíblia, o que demonstra o caráter alegórico de sua interpretação da Escri-tura Sagrada, ou seja, através de um nacionalismo exagerado (como foi o de Sebastião) e uma servidão incomum, característica própria dos jesuítas.

Sermão da sexagésima(Fragmento)

Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o entendimento,

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/28/Padre_Ant%C3%B3nio_Vieira.jpg

Page 78: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

78 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um ho-mem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espe-lho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, e necessária luz e em necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhe-cimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?

Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta pro-posição é de fé, definida no Concílio Tridentino, e no nosso Evangelho a temos. Do trigo que deitou à terra o semeador, uma parte se logrou e três se perderam. E por que se perderam estas três? – A primeira perdeu-se, porque a afogaram os espinhos; a segunda, porque a secaram as pedras; a terceira, porque a pisaram os homens e a comeram as aves. Isto é o que diz Cristo; mas notai o que não diz. Não diz que parte alguma daquele trigo se perdesse por causa do sol ou da chuva. A causa por que ordinaria-mente se perdem as sementeiras, é pela desigualdade e pela intemperança dos tempos, ou porque falta ou sobeja a chuva, ou porque falta ou sobeja o sol. Pois porque não introduz Cristo na parábola do Evangelho algum trigo que se perdesse por causa do sol ou da chuva? – Porque o sol e a chuva são as afluências da parte do Céu, e deixar de frutificar a semente da palavra de Deus, nunca é por falta do Céu, sempre é por culpa nossa. Deixará de frutificar a sementeira, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou pelos descaminhos dos caminhos; mas por falta das influências do Céu, isso nunca é nem pode ser. Sempre Deus está pronto da sua parte, com o sol para aquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar e com a chuva para amolecer, se os nossos corações quiserem. Se Deus dá o seu sol e a sua chuva aos bons e aos maus; aos maus que se quiserem fazer bons, como a negará? Este ponto é tão claro que não há para que nos determos em mais prova.

Sendo, pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus, segue-se que ou é por falta do pregador ou por falta dos ouvin-tes. Por qual será? Os pregadores deitam a culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.

Os ouvintes ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus; se são maus, inda que não faça neles fruto, faz efeito. No Evangelho o temos. O trigo que caiu nos espinhos nasceu, mas afogara--no. O trigo que caiu nas pedras nasceu também, mas secou-se. O trigo que caiu na terra boa nasceu e frutificou com grande multiplicação. De maneira que o trigo que caiu na boa terra nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão funda, que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas

Page 79: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 79

nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus são as pedras e os espinhos. E por quê? – Os espinhos por agudos, as pedras por duras. Ouvintes de entendimentos agudos e ouvintes de vontades endurecidas são os piores que há. Os ouvintes de entendimentos agudos são maus ouvintes, porque vêm só a ouvir sutilezas, a esperar galantarias, a avaliar pensamentos, e às vezes também a picar a quem os não pica. O trigo não picou os espinhos, antes os espinhos o picaram a ele; e o mesmo sucede cá. Cuidais que o sermão vos picou e vós, e não é assim; vós sois os que picais o sermão. Por isto são maus ouvintes os de entendimentos agudos. Mas os de vontades endurecidas ainda são piores, porque um entendi-mento agudo pode ferir pelos mesmos fios, e vencer-se uma agudeza com outra maior; mas contra vontades endurecidas nenhuma coisa aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto as setas são mais agudas, tanto mais facilmente se despontam na pedra. Oh! Deus nos livre de vontades endurecidas, que ainda são piores que as pedras! A vara de Moisés abran-dou as pedras, e não pôde abrandar uma vontade endurecida. E com os ouvintes de entendimentos agudos e os ouvintes de vontades endurecidas serem os mais rebeldes, é tanta a força da divina palavra, que, apesar da agudeza, nasce nos espinhos, e apesar da dureza nasce nas pedras.

Pudéramos arguir ao lavrador do Evangelho de não cortar os espinhos e de não arrancar as pedras antes de semear, mas de indústria deixou no campo as pedras e os espinhos, para que se visse a força do que semeava. É tanta a força da divina palavra, que, sem cortar nem despontar espinhos, nasce entre espinhos. É tanta a força da divina palavra, que, sem arrancar nem abrandar pedras, nasce nas pedras. Corações embaraçados como espinhos corações secos e duros como pedras, ouvi a palavra de Deus e tende confiança! Tomai exemplo nessas mesmas pedras e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao semeador do Céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses mesmos es-pinhos o coroem.

Quando o semeador do Céu deixou o campo, saindo deste Mundo, as pedras se quebraram para lhe fazerem aclamações, e os espinhos se teceram para lhe fazerem coroa. E se a palavra de Deus até dos espinhos e das pedras triunfa; se a palavra de Deus até nas pedras, até nos espinhos nasce; não triunfar dos alvedrios hoje a palavra de Deus, nem nascer nos corações, não é por culpa, nem por indisposição dos ouvintes.

Supostas estas duas demonstrações; suposto que o fruto e efeitos da palavra de Deus, não fica, nem por parte de Deus, nem por parte dos ou-vintes, segue-se por consequência clara, que fica por parte do pregador. E assim é. Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus? — Por culpa nossa.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2002, p. 170-1

Page 80: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

80 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Atividade II

“Pregado na Capela Real (Lisboa) , em março de 1655, o Sermão da Sexagésima abre a série de quinze volumes que enfeixam as peças oratórias do Padre Antonio Vieira, e serve-lhes de prólogo, ao mesmo tempo em que encerra uma teoria da arte de pregar, inspirada em mol-des conceptistas (jogo de ideias). O tema do sermão é extraído, como de regra, duma passagem bíblica escolhida para a ocasião (...): A semente é a palavra de Deus. O pregador transforma em indagação o tema da peça: “Se a palavra de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus?” Segue-se o intróito, em que expõe o plano que pretende executar na discussão do tema. O trecho que le-mos (correspondente ao terceiro tópico em que o sermão está dividido), abrange o final do intróito (que termina em “Provo”) e princípio do de-senvolvimento (ou argumentação), em que o pregador comenta os vários aspectos da propositura inicial e fundamenta suas opiniões com os textos evangélicos.” (MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2002, p. 169-70)

a) Você observou que o sermão de Vieira é bastante didático, como se ele estivesse dando uma aula? Recolha alguns trechos em que você percebe algumas técnicas pedagógicas, e comente-os.

b) Outra coisa que podemos perceber é que o Padre Vieira é doutor em argumentação, pois ele consegue cercar todas as possibilidades de questionamento do ouvinte, para convencê-lo. O que você acha disso? Localize exemplo disso no sermão e comente.

Sugestão de fi lmedica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 81: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 81

Palavra e Utopia (2000)

Em 1663, quando o padre Vieira é convoca-do a comparecer diante da terrível Inquisição portu-guesa, ele precisa explicar as idéias que defende, ao questionar a escravidão, a situação dos índios e a relações império-colônia. Intrigas na corte e um pe-queno mal-entendido en-

fraquecem o poder do jesuíta, que chegou a ser amigo íntimo do rei Dom João IV. Perante os juízes o sacerdote passa a limpo seu passado: a juventude vivida no Brasil e os anos de noviciado na Bahia, seu envolvi-mento na causa dos índios e o primeiro sucesso no púlpito. Proibido pela Inquisição de falar em público, ele se refugia em Roma, onde conquista enorme reputação e sucesso. A rainha Cristina da Suécia, que vivia em Roma desde sua abdicação, manteve Vieira na Corte e insistiu para que ele se tornasse seu confessor. Com saudades de Portugal, o padre re-torna a seu país. Entretanto, a frieza com que é recebido pelo novo rei, Dom Pedro, força sua volta ao Brasil, onde passa os últimos anos de sua vida. Elenco: Lima Duarte, Luis Miguel Cintra, Ricardo Trêpa, Miguel Gui-lherme, Leonor Silveira, Renato De Carmine, Diogo Dória, Paulo Matos, Canto e Castro, Duarte de Almeida, Rogério Vieira, Luís Lima Barreto. Direção: Manoel de Oliveira. Duração: 133 minutos.

Para relaxar... Esta brincadeira é bastante conhecida. Ao mesmo tempo em que se

diverte você pode fixar algumas ideias que estudamos nesta unidade. Vamos lá, então? Funciona assim: temos abaixo trechos do Sermão de Santo Antonio aos Peixes, que o Pe. Vieira pregou em São Luís do Ma-ranhão, em 1654; utilizando a alegoria de falar aos peixes, recrimina com contundência a má vida dos ouvintes. Faltam algumas palavras desses trechos. Localize-as no quadro e complete as frases. Em segui-da, comente tais frases com colegas.

a) “Não só vos comei uns aos outros, senão que ________________.”

b) “(...) e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abomi-nável é, quero que o vejais _______________.”

Page 82: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

82 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

c) “Morreu algum deles, vereis logo tantos ________________ a despe-daçá-lo e comê-lo.”

d) “São piores os homens que ____________.”

e) “(...) e assim como o pão se come com tudo, assim com tudo e em tudo são comidos os ___________________.”

Q G J R K T A E Y Q K J L M N C T I D E V Z X R

O S G R A N D E S C O M E M O S P E Q U E N O S

A S L A I R N T E C T Y A N S Q A B T R Y E Z S

E M I L I A M L O B N A T O H T I A R U T B O A

U Q T B O S C O R V O S L S O A B T R G N J U I

G O O C S U T E O D V D E E M H D U M A P R A R

A B R A I S T I E L O R E A E T R U T R A A T O

X E R U A Q X U O E L R X I N A T C N O A M D E

Z A U I L N E D I A U G V M S A U M I A X S U E

P O E S P R A O N S P P H E T I L T S I T N R H

R C U A T M I S E R A V E I S P E Q U E N O S A

E O S M C E A C A I O M O E T S A S O I O N C H

U E Z U I C N H H U T O P A E T D S E U I A X E

R C O A L R A L E H I N O F T I O A D E O S D S

D E A N I T C R O O S M O D E E G O M S I T M O

S O B R E O M I S E R A V E L D E E C H D U E M

J R K T A E F A U G O X I O A T C D E T E G N U

As respostas estão no final da unidade.

Page 83: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 83

ResumoVimos, na unidade de hoje, que o Barroco em Portugal, como no

restante na Europa, não diferiu muito do movimento anterior, o Classi-cismo. As mudanças mais fortes aconteceram mais no campo político que mesmo artístico. A dominação espanhola sobre Portugal, depois da morte de D. Sebastião, e a presença intensa da Inquisição, dão as cores do novo momento literário português. O Padre Antonio Vieira é o principal nome desse período, cujos sermões, proferidos em Portugal e no Brasil, aliados a sua rara capacidade retórica e diplomática, fez dele um personagem muito importante do barroco luso-brasileiro.

AutovaliaçãoCom o objetivo de se autoavaliar, no que se relaciona à presente unidade, você pode observar se:

• identifi cou os principais acontecimentos políticos e sociais, que determinaram a instalação e consolidação do Barroco na literatura;

• conseguiu observar a importância da infl uência espanhola na formação do barroco literário português;

• identifi cou, através de alguns de seus sermões, a posição política e social do Padre Antonio Vieira.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 84: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

84 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Referências

COELHO, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem. A obra literária e a expressão linguística. 5. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2002

NICOLA, José de. Literatura Portuguesa – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999

Resposta do caça-palavras

Q G J R K T A E Y Q K J L M N C T I D E V Z X R

O S G R A N D E S C O M E M O S P E Q U E N O S

A S L A I R N T E C T Y A N S Q A B T R Y E Z S

E M I L I A M L O B N A T O H T I A R U T B O A

U Q T B O S C O R V O S L S O A B T R G N J U I

G O O C S U T E O D V D E E M H D U M A P R A R

A B R A I S T I E L O R E A E T R U T R A A T O

X E R U A Q X U O E L R X I N A T C N O A M D E

Z A U I L N E D I A U G V M S A U M I A X S U E

P O E S P R A O N S P P H E T I L T S I T N R H

R C U A T M I S E R A V E I S P E Q U E N O S A

E O S M C E A C A I O M O E T S A S O I O N C H

U E Z U I C N H H U T O P A E T D S E U I A X E

R C O A L R A L E H I N O F T I O A D E O S D S

D E A N I T C R O O S M O D E E G O M S I T M O

S O B R E O M I S E R A V E L D E E C H D U E M

J R K T A E F A U G O X I O A T C D E T E G N U

Page 85: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 85

Arcadismo: Bocage

VI UNIDADE

Page 86: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

86 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa8888886666666 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Apresentação

O século XVIII ficou conhecido como o “Século das Lu-zes”, por ter sido o momento que ocorreu um dos movimen-tos mais fortes, em se tratando de conhecimento, de valori-zação do saber: o Iluminismo.

Tudo, nesse período, estará voltado para essa questão, inclusive – e principalmente – a estética.

A ascensão da classe burguesa, que, pela sua racionali-dade e clareza, inviabilizou os pensamentos dominantes no barroco, inspirados pela religiosidade, e, por isso mesmo, nebulosos, foi fundamental para o surgimento de um outro jeito de pensar o mundo e a vida.

Quando se fala em racionalidade, mais uma vez vem à baila a ideia clássica do homem como centro de todas as coisas, e, tal como aconteceu no Classicismo, a Antiguidade Greco-Romana volta a ser a referência artística da vez.

Por isso, o movimento que vamos estudar agora se cha-ma Arcadismo (o termo se reporta a Arcádia, uma região do Peloponeso, na Grécia), e é também conhecido como Neoclassicismo. Eram chamadas de “Arcádias” as academias em que se reuniam os artistas e intelectuais, para aprimora-mento mútuo.

Em Portugal, especificamente, essa escola teve início em 1756, quando foi fundada a Arcádia Lusitana (também co-nhecido como Olissiponense (de Ulisses, referindo-se a Lis-boa, que teria sido fundada por esse personagem clássico)), pelos poetas Cruz e Silva, Esteves Negrão, Teotônio Gomes de Carvalho e Correia Garção. Desenvolveu-se até 1825, quando o poeta Almeida Garrett publicou o poema “Ca-mões”, começando, então, o Romantismo lusitano.

Mas, a figura de maior expressão do Arcadismo portu-guês, e que será o foco de nosso estudo nesta unidade é Manuel Maria L’Hedoux Barbosa Du Bocage.

Vamos lá?!

Page 87: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 87Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 87

Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga:

• observar o Arcadismo como uma reação dialética ao Barroco decadente;

• perceber a influência do racionalismo clássico e clas-sicista na poesia árcade;

• analisar a poesia de Bocage, no contexto português árcade.

Page 88: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

88 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 1

Arcadismo Nelly Novaes Coelho

Ao lermos hoje a produção poética que se seguiu ao período bar-roco temos a impressão de que, conforme garante o ditado popular, depois da tempestade veio a bonança. É como se surgisse um total repúdio às formas conturbadas ou preciosistas que imperaram durante quase um século de literatura. A serenidade e a simplicidade das linhas, cores, vocabulário e ideias volta a predominar, já com uma aproxima-ção muito maior entre o mundo ideal da arte e o real. O que a poesia revela nesse momento (...) é o ideal de uma vida real, comum e sim-ples, de um amor tranquilo, sem conflitos e realizado no plano terreno; de um trabalho intelectual e construtivo, daquele que vai consolidar a civilização burguesa durante todo o século XIX que se aproxima.

Período da chamada “aurea mediocritas”, o Neoclassicismo repre-senta na literatura a calmaria que precede as tempestades... Iniciado na Itália, com a fundação da Arcádia (= academia literária cujo pro-grama era combater o mau gosto na arte), o movimento – chamado de início arcádico – propunha uma severa reação contra a gratuidade, preciosismo, vacuidade e extravagância verbal em que havia caído a poesia seiscentista.

A Arcádia dava continuidade, com a convencional ficção da vida de seus pastores, à mítica Arcádia helênica, criada pela poesia de Teócrito, imitada por Virgílio e herdada pelos bucolistas do Renas-cimento. A mesma transposição da realidade para

Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_2opzisu9iLE/TKTREZGcAaI/AAAAAAAAAB4/StwnxVdTOG0/s1600/arcadismo+exercicio.jpg

Page 89: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 89

a ficção da ideal existência pastoril em que, nas almas como na natureza, tudo era cristalino e har-monioso, circunscrevendo os aspectos sombrios da vida, predominantemente, aos rigores da amada e às coitas de amor.Os pastores – de nomes semelhantes aos das éclo-gas clássicas – recitavam uns aos outros as suas composições em verso ou prosa, e era preceituado que fosse a crítica severamente justa, para estímulo de progressiva perfeição. “Inutilia trunca” (= corta as coisas inúteis) era o lema a seguir na elabo--ração poética – e eis assomando, em tal preceito, o espírito da medida clássica, em reação contra a exuberância das formas plásticas ou ornatos ver-bais que caracterizam o Barroco. Era a subordi-nação do engenho ao juízo, prescrita por Verney, e o regresso aos grandes mestres da Antiguidade que melhor o tinham exemplificado, segundo ainda ensinava Boileau e o mesmo barbadinho (Verney), e ainda quantos no Século das Luzes teorizavam sobre Literatura.Simplicidade e ordem racional, implícita na pró-pria separação dos gêneros (que se mantinham os mesmos na Antiguidade Clássica e regidos pelos mesmos cânones) que, expostos por Aristóteles, Longino e Horácio, eram reproduzidos em perfeito e brilhante decalque por Boileau. (Hernani Cidade)

O neoclassicismo, portanto, voltava a reviver as premissas estéticas que haviam sido instituídas pelo Renascimento no século XVI: “imitação da natureza” e “imitação dos antigos”. Contrastando com a complexi-dade verbal e temática da poesia barroca, a neoclássica vai primar pela simplicidade de pensamentos, aspirações e linguagem: procura o áureo meio termo que evita as paixões inquietantes e destruidoras do equilíbrio.

Volta aos padrões poéticos da Antiguidade Clássica através da imi-tação direta dos clássicos latinos (Horácio, Virgílio, Obídio), dos gregos (Amacreonte, Píndaro, Teócrito), ou da transfiguração que havia sido realizada pelos quinhentistas (= poetas do século XVI: Sá de Miranda, Camões, Garcilaso, Antonio Ferreira).

Sinceridade e verdade devem orientar o poeta na escolha de temas de seu canto. É a imitação da sua realidade o que lhe é agora pedido e permitido. Nessa “imitação”, entretanto, ele deve obedecer estrita-mente aos mesmos ditames que refiram à “imitação” no início da Era Clássica: “a imitação da natureza” não deve ser servil, isto é, o real não deve ser expresso em bruto, mas sim pela seleção indicada pela Razão e pela Verdade. Assim, os pastores e as suas amadas pastoras (= ficção obrigatória na poesia neoclássica) só manifestavam ideias, sentimentos e atitudes próprios de sua classe social. Às suas imaginações não eram permitidos os largos voos individualistas (porém como ao mesmo tem-po lhes exigiam Verdade de sentimentos, o caminho já fica aberto para o nascimento para o espírito individualista romântico).

Page 90: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

90 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

A poesia devia revelar a Bondade, a Beleza e a Verdade que, segun-do o senso comum, existem no mundo natural e na natureza humana. Daí a constante presença do “locus amoenus”; o campo e as serenas paisagens pastoris, a apologia do homem simples, sem grandes ambi-ções (a não ser as intelectuais), sem paixões e sem excessos – o homem da “aurea mediocritas” horaciana.

À exigência do espontâneo, do natural e do simples no mundo ob-jetivo, corresponde uma linguagem e uma composição poética também simples: vocabulário ingênuo, versos redondilhos, estrofação livre, verso branco, predileção pela comparação na criação das imagens etc.

Apesar de todo esse esforço para a renovação da poesia, o perío-do neoclássico, porém, foi pobre em criação poética. A verdade é que ele lança as suas raízes num húmus já desvitalizado por duzentos anos de desgaste, ou seja, a grande criação poética do século XVI. Assim, aquilo que havia sido inicialmente uma forma criadora (= um processo estilístico que expressava uma nova filosofia de vida) nessa metade do século XVIII transformara-se em uma simples fórmula: uma imitação da “imitação”. As exigências da vida e do homem daquele momento já não podiam ser expressas com as formas que corresponderam às exigências vitais e sociais de dois séculos anteriores. No entanto, a essa precarie-dade criadora poética correspondeu uma grande atividade teorizada e crítica – a prosa racionalista (filosófica, doutrinadora, cívica, didática, crítica), criada pelo Movimento Iluminista, que influiu diretamente na fer-mentação ideológica culminada com a Revolução Francesa, em 1789.

Poetas representativos do período Neoclássico em Portugal: Nico-lau Tolentino (1740-1811), Filinto Elísio (1734-1819), Marquesa de Alorna (1750-1839) e Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805).

COELHO, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem. A obra literária e a expressão linguística. 5. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994, p. 156-8

Atividade Ia) Veja, a seguir, alguns dos lemas divulgados e vivenciados pelo Arcadismo.

São expressões latinas, que falam sobre ou direcionam o comportamento poético dos árcades. Procure traduzi-las e comente-as:

a. Aurea mediocritasb. Inutilia truncatc. Carpe diemd. Fugere urbeme. Locus amoenusdica. utilize o bloco

de anotações para responder as atividades!

Page 91: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 91

b) Procure estabelecer relações entre a poesia árcade e elementos da Antiguidade greco-romana.

c) Que pode ter a ver o Iluminismo, enquanto movimento que evidenciava o racionalismo, e o tipo de poesia realizada no Arcadismo.

d) O Arcadismo aparece como uma negação ao movimento barroco. Demonstre isso através de alguns fatos que comprovam essa negação.

Bocage Conheçamos um pouco sobre a vida de Bo-

cage, uma vez que sua obra está impregnada de elementos que tiveram origem em sua vida conturbada. Utilizaremos, para isso, os dados constantes em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ma-nuel_Maria_Barbosa_du_Bocage:

Nascido em Setúbal, às três horas da tarde de 15 de setembro de 1765, falecido em Lis-boa, na manhã de 21 de dezembro de 1805, era filho do bacharel José Luís Soares de Bar-bosa, juiz de fora, ouvidor, depois advogado, e de D. Mariana Joaquina Xavier l’Hedois Lustoff du Bocage, cujo pai era francês. Teve cinco ir-mãos.

A sua mãe era segunda sobrinha da célebre poetisa francesa, madame Anne-Marie Le Page du Bocage, tradutora do “Paraíso” de Milton, imitadora da “Morte de Abel”, de Gessner, e autora da tragédia “As Amazonas” e do poema épico em dez cantos “A Columbiada”, que lhe mereceu a coroa de lou-ros de Voltaire e o primeiro prêmio da academia de Rouen.

Apesar das numerosas biografias publicadas após a sua morte, boa parte da vida de Bocage permanece um mistério. Não se sabe que estudos fez, embora se deduza da sua obra que estudou os clássicos e as mitologias grega e latina, que estudou francês e também latim. A identificação das mulheres que amou é duvidosa e discutível.

A sua infância foi infeliz. O pai foi preso , quando ele tinha seis anos e permaneceu na cadeia seis anos. A sua mãe faleceu quando tinha dez anos. Possivelmente ferido por um amor não correspondi-do, assentou praça como voluntário em 22 de setembro de 1781 e permaneceu no Exército até 15 de setembro de 1783. Nessa data, foi admitido na Escola da Marinha Real, onde fez estudos regulares para

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f6/Manuel_Maria_Barbosa_du_Bocage.jpg

Page 92: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

92 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

guarda-marinha. No final do curso desertou, mas, ainda assim, surge nomeado guarda-marinha por D. Maria I.

Nessa altura, já a sua fama de poeta e versejador corria por Lisboa.

Em 14 de abril de 1786, embarcou como oficial de marinha para a Índia, na nau “Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena”, que chegou ao Rio de Janeiro em finais de junho.

Na cidade, viveu na atual Rua Teófilo Otoni, e diz o “Dicionário de Curiosidades do Rio de Janeiro” de A. Campos da Costa e Silva, pag. 48, que “gostou tanto da cidade que, pretendendo permanecer definiti-vamente, dedicou ao vice-rei algumas poesias-canção cheias de baju-lações, visando atingir seus objetivos. Sendo, porém, o vice-rei avesso a elogios, e admoestado com algumas rimas de baixo calão (...), fê-lo prosseguir viagem para as Índias”. Fez escala na Ilha de Moçambique e chegou à Índia em 28 de outubro de 1786. Em Pangim, frequentou de novo estudos regulares de oficial de marinha. Foi depois colocado em Damão, mas desertou em 1789, embarcando para Macau.

Foi preso pela Inquisição, e na cadeia traduziu poetas franceses e latinos.

A década seguinte é a da sua maior produção literária e também o período de maior boemia e vida de aventuras.

Ainda em 1790 foi convidado e aderiu à Academia das Belas Letras ou Nova Arcádia, onde adotou o pseudônimo Elmano Sadino [Elmano = anagrama de Manuel, seu primeiro nome; Sadino = refe-rência ao rio Sado, que banha sua terra natal]. Mas passado pouco tempo escrevia já ferozes sátiras contra os confrades.

Dominava então Lisboa o Intendente da Polícia Pina Manique, que decidiu pôr ordem na cidade, tendo em 7 de Agosto de 1797 dado ordem de prisão a Bocage por ser “desordenado nos costumes”. Ficou preso no Limoeiro até 14 de Novembro desse ano, tendo depois dado entrada no calabouço da Inquisição, no Rossio. Aí ficou até 17 de Fevereiro de 1798, tendo ido depois para o Real Hospício das Necessidades, dirigido pelos Padres Oratianos de São Felipe Neri, depois de uma breve passagem pelo Convento dos Beneditinos. Durante este longo período de detenção, Boca-ge mudou o seu comportamento e começou a trabalhar seriamente como redator e tradutor. Só saiu em liberdade no último dia de 1798.

De 1799 a 1801, trabalhou sobretudo com Frei José Mariano da Conceição Veloso, um frade brasileiro, politicamente bem situado e nas boas graças de Pina Manique, que lhe deu muitos trabalhos para traduzir.

A partir de 1801, até a morte por aneurisma, viveu em casa por ele arrendada no Bairro Alto, naquela que é hoje o nº 25 da travessa André Valente.

Assim se descreveu, poeticamente:Magro, de olhos azuis, carão moreno,Bem servido de pés, meão na altura,Triste de facha, o mesmo de figura,Nariz alto no meio, e não pequeno;

Page 93: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 93

Incapaz de assistir num só terreno,Mais propenso ao furor do que à ternura;

Bebendo em níveas mãos, por taça escura,De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades(Digo, de moças mil) num só momento,E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage, em quem luz algum talento;Saíram dele mesmo estas verdades,

Num dia em que se achou mais pachorrento.

Atividade IIa) Reúna as informações sobre a vida de Bocage e compare com o soneto em

que ele próprio se descreveu e procure elaborar um comentário a respeito desse poeta.

b) Percebeu que a vida de Bocage tem muitos episódios parecidos com a de Camões? Faça uma comparação entre os dois e elabore um texto, levando em conta também este poema, que o árcade fez:

Camões, grande Camões, quão semelhanteAcho teu fado ao meu, quando os cotejo!

Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,Arrostar co’o sacrílego gigante.

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,Da penúria cruel no horror me vejo.

Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte duraMeu fim demando ao Céu, pela certeza

De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...Se te imito nos transes da Ventura,

Não te imito nos dons da Natureza.

http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200808310012[Edição: deixar 12 linhas para a elaboração do texto]

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 94: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

94 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Proposta de discussão

Aproveite a oportunidade que o Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA lhe proporciona de maior interação com outros alunos, e, conse-quentemente, a possibilidade de aprender mais, e discuta a seguinte questão:

Nicola (NICOLA, José de. Literatura Portuguesa – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999, p. 115) afirma que na poesia lírica de Bocage, “a influência do Arcadismo limita-se aos aspectos mais formais, pois, do ponto de vista temático, o poeta foi um pré-ro-mântico.” Analise este soneto e observe a questão aqui levantada:

Sobre estas duras, cavernosas fragas,Que o marinho furor vai carcomendo,

Me estão negras paixões n’alma fervendoComo fervem no pego as crespas vagas:

Razão feroz, o coração me indagas,De meus erros a sombra esclarecendo,

E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendoDe agudas ânsias venenosas chagas:

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,Mil objetos de horror co’a idéia eu corro,

Solto gemidos, lágrimas derramo:

Razão, de que me serve o teu socorro?Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;

Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.

http://www.antigo.turnodanoite.com/poesia/bocage.html

Page 95: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 95

Sugestão de fi lmeBocage, o triunfo do amor (1997)

Inspirado na vida, obra e lenda do poeta português Manoel Maria Barbosa du Bocage, símbolo libertário da sexualidade dos países de língua portuguesa, este filme se desenvolve em um painel que abrange poemas de todos os gêneros. Abre com o episódio baseado no poe-ma que conta a história da bela e requintada cortesã Manteigui, que, ao apaixonar-se pelo poeta indomável, acaba redimindo-se no amor. Também é narrado o episódio baseado na poesia que conta a história de duas amigas, Olinda e Alzira, seduzidas e enganadas por Bocage disfarçado. Há o episódio da morte de Josimo, fiel amigo de Bocage, no qual o poeta canta a saudade, sentimento maior da lírica da língua portuguesa. Elenco: Victor Wagner, Francisco Farinelli, Vietia Rocha, Linneu Dias, Eugénia Melo e Castro e Cristina Marinho. Direção: Djalma Limongi Batista. Duração: 84 min.

Resumo

Observamos, neste período da literatura portuguesa, uma revita-lização dos valores clássicos, provocada pelos exageros poéticos do barroco. Mas não só por isso: o mundo mudava e se iluminava, elegen-do o conhecimento como prioridade, em detrimento da religiosidade obscura. A burguesia, enquanto classe social e economicamente pre-dominante, passou a ditar as normas sociais baseadas na subjetividade e valorização do raciocínio. As artes voltavam-se mais uma vez para a antiguidade clássica greco-romana, razão por que esse movimento ficou conhecido como neoclassicismo. Em Portugal, o Arcadismo tem um nome de destaque: o poeta Bocage representa, na verdade, uma já transição entre esse movimento e o romantismo que viria a seguir.

Page 96: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

96 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

AutovaliaçãoObserve se:

• percebeu o Arcadismo como uma reação dialética ao Barroco decadente;

• notou a infl uência do racionalismo clássico e classicista na poesia árcade;

• conseguiu analisar a poesia de Bocage, no contexto português árcade.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Referências

COELHO, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem. A obra literária e a expressão linguística. 5. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994

NICOLA, José de. Literatura Portuguesa – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999

Web:http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Maria_Barbosa_du_Bocage

http://www.antigo.turnodanoite.com/poesia/bocage.html

http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200808310012

Page 97: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 97

Romantismo: Garrett e Herculano

VII UNIDADE

Page 98: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

98 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa 988888888 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

ApresentaçãoA partir da Revolução France-

sa, de 1789, protagonizada prin-cipalmente pelas classes burgue-sas, o mundo cultural e artístico começa a respirar outros ares. Rejeita-se o materialismo clássico e assume-se de vez uma atitude essencialmente subjetiva, indivi-dualista, em que os sentimentos passam a ser o referencial mais importante do ser humano.

A Alemanha já mostrara, em 1774, de que se comporia a lite-ratura que se iniciava, através da publicação de Werther, obra de Goethe que é considerada o iní-cio do novo movimento literário. Sete anos mais tarde, outro germa-no, Schiller, lança Os Salteadores, e, em seguida, Guilher-me Tell, transformando seu personagem em herói na luta pela independência nacional.

Enquanto isso, a Inglaterra produz dois escritores cujas obras definirão basicamente os rumos da nova escola lite-rária: Lord Byron, com sua poesia ultra-sentimentalista, e Walter Scott, com sua prosa de ficção histórica.

Entretanto, é na França que o novo movimento toma cor-po e ganha a Europa.

Estamos falando sobre o Romantismo, um período tão marcante que inicia e dá nome a uma era literária.

Em Portugal, temos o registro da primeira manifestação

Fontes: http://www.aletria.com.br/UserFiles/Image/Werther.jpg

Page 99: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 99Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 99

romântica com a publicação, em 1825, do poema Camões, de Almeida Garrett; quarenta anos depois, essa escola cede lugar ao Realismo, que surge no rastro da conturbada Ques-tão Coimbrã.

Além de Garrett, com sua poesia lírica, enfocaremos nes-ta unidade a literatura ficcional histórica de Alexandre Her-culano, considerado o pai do romance histórico português.

Vamos lá?

Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga:

• identificar o momento histórico e os acontecimentos que in-fluenciaram e determinaram o movimento romântico português;

• observar as características da poesia lírica romântica de Garrett e do romance histórico de Herculano;

• perceber a atuação ativa dos dois maiores nomes do romantis-mo português, Garrett e Herculano, nas lutas civis em Portugal.

Page 100: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

100 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 1Antes de qualquer coisa, um movimento literário é o resultado de

acontecimentos históricos e sociais, que atingem, de uma forma ou de outra, escritores e leitores de uma determinada época. Daí a impor-tância de conhecermos o contexto histórico-social em que se deu o período literário em foco.

Contexto histórico do período romântico

Durante os quarenta anos que durou o Romantismo em Portugal, como afirma Moisés, “três são as configurações assumidas pela esté-tica romântica: a primeira, em que ainda permanecem atuantes alguns valores neoclássicos, é representado por Garrett, Herculano e Castilho, e transcorre mais ou menos entre 1825 e 1838; a segunda, em que se aglutina o chamado Ultra-Roman-tismo, é representada especialmente por Soares de Passos e Camilo Cas-telo Branco, e vigora entre 1838 e 1860; a terceira, em que se opera a transição para o Realismo, é repre-sentada sobretudo por João de Deus e Júlio Dinis, e ocupa a década de 60. O Romantismo português acom-panha as linhas gerais do movimento europeu, mas adaptando-o à conjun-tura sócio-econômico-cultural (...)” de Portugal do século XIX. [MOISÉS,

Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 28. ed. São Paulo: Cultrix,

2002, p. 251].

Por outro lado, Falbel anuncia que “um dos mais autorizados es-tudiosos da história europeia contemporânea, ao traçar o plano de sua obra sobre a época do Romantismo, escreve ‘serem poucos os períodos da história, como os anos entre 1815 e 1848, que realçam com tanta evidência o fato de cada período não ser mais do que uma etapa no processo histórico’ [TALMON, J. L. Romantismo e Revolta. Eu-ropa 1815-1848. Lisboa: Verbo, 1967, p. 7]. Na verdade, o exame do período não permite ao historiador fixar balizas cronológicas nítidas

Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_ZIugouQ8Eog/TDu91ziQu6I/AAAAAAAAAtk/CpRnIvm3rn0/s1600/06_french_revolution_345133928_std.jpg

Revolução Francesa

Page 101: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 101

entre causas e efeitos e nem tampouco determinar uniformemente o início e o fim do grande movimento espiritual que tão profundas raízes deixou no Ocidente.

Pré-Romantismo e Romantismo nascem do mesmo movimento his-tórico e o seu início coincidente em vários lugares, com diversos grupos que então se desconhecem uns aos outros, mostram o quanto tentaram resolver os mesmos problemas humanos nas circunstâncias que favore-cem a ruptura com o passado próximo, ou com o mundo ‘ordenado’ Da Idade Média, permitindo uma nova transmutação de valores.

O período do Romantismo é fruto de dois grandes acontecimen-tos na história da humanidade, ou seja, a Revolução Francesa e suas derivações, e a Revolução Industrial. As duas revoluções provocaram e geraram novos processos, desencadeando forças que resultaram na formação da sociedade moderna, moldando em grande parte dos seus ideais (sociais). As instituições políticas tradicionais sofreram fortes aba-los e as fronteiras entre os povos foram modificadas criando novo equi-líbrio entre as nações. O nacionalismo nesse tempo irrompe impetuo-samente em cena, arrastando consigo boa parte dos povos europeus em direção às suas aspirações políticas e sociais. Novas ideologias e teorias acerca do Estado acompanham as mudanças rápidas inerentes a tal processo. As ciências se ampliam em um vasto número de novas áreas do conhecimento humano, que se abrem para a investigação e o estudo. As artes recebem os novos elementos gerados em tais cir-cunstâncias, incorporando-os em suas várias formas de expressão, já anteriormente preparados com a revolução intelectual dos séculos XVII e XVIII.

(...) A ‘idade do absolutismo’ [BELOEF, Max. The Age of Absolutism, 1660-1815. Nova York: Harperíodo Torchbooks, 1962], que se esten-de de 1660 a 1815, caracteriza-se pelo estabelecimento de governos fortes, assentados sob o absolutismo monárquico, é justamente contra o princípio político absolutista que vão atuar as ideias e os programas políticos dos revolucionários do século XVIII, os quais fazem do ideal democrático sua bandeira de luta, de forma que a história da humani-dade caminha cada vez mais nesse rumo e as massas populares partici-pam mais e mais das decisões políticas ligadas ao seu próprio destino. Sob esse aspecto, o Ancien Régime era na verdade fundamentado so-bre classes ou grupos privilegiados, limitados a certas oligarquias rurais e urbanas concentradas tão-somente em seus próprios interesses. Tal situação, que cingia a uma pequena minoria as conquistas culturais e científicas da civilização, era o ideal para represar descontentamento e revolta que iriam eclodir com violência a partir da segunda metade do século XVIII. O desenvolvimento de novas forças sociais e de novos credos políticos e filosóficos se conjugaram no assalto às velhas institui-ções que já apresentavam sinais de fissura e anacronismo.”

FALBEL, Nachman. Os fundamentos históricos do Romantismo. In: GUINSBURG, J. (org.) O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 23-4

Page 102: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

102 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 2

Conheçamos, agora, aquele que é considerado o introdutor do Romantismo em Portugal, graças à publicação de seu poema em ho-menagem a Camões.

Almeida garrettJoão Batista da Silva Leitão

de Almeida Garrett, o iniciador do romantismo português, nas-ceu no Porto (1799) e faleceu em Lisboa (1854); foi um dos mais radicais componentes da primeira geração romântica. Suas produções literárias re-velaram, na forma e no con-teúdo, as contradições ideoló-gicas em que ele se debateu: era de personalidade conser-vadora e, ao mesmo tempo, um defensor das ideias liberais – pelas quais foi exilado duas vezes de Portugal.

Garrett formou-se dentro do Arcadismo, identificando--se com as ideias iluministas e com a poética defendida por seu mestre neoclássico, Filinto Elíseo. Suas primeiras obras – Lírica de João Mínimo e Retrato de Vênus – atestam essa filiação ao Arcadismo. Cursou Direito na Universida-

de de Coimbra, formando-se em 1821, nesse tempo já aderira ao liberalismo, tendo defendido ardente-mente os liberais da Revolução do Porto de 1820.

A publicação do poema Retrato de Vênus no mesmo ano de sua for-matura trouxe-lhe notoriedade, embora proveniente de um escândalo. Setores reacionários, ligados à igreja, acusaram Garrett de materialista e de obsceno e levaram-no a um julgamento, no qual foi absolvido. Pouco antes desse acontecimento, encenou a tragédia Catão, com al-gumas menções ao movimento revolucionário liberal português. Foram

Fonte: http://www.jornaltv.info/photos/almeida_garrett.jpg

Page 103: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 103

acontecimentos que precipitaram a decisão governamental de exilar o poeta, por razões políticas, após o golpe de Estado de 1822, que baniu o liberalismo de Portugal.

Em 1823, junto com sua esposa, Luísa Midosi, esteve exilado na Inglaterra. Lá, ele tomou contato com as tendências do romantismo in-glês – principalmente com a obra de Walter Scott, o autor medievalista de Ivanhoé. Também leu muito Shakespeare, o dramaturgo mais presti-giado pelos românticos. Em 1824, esteve na França, vivendo no Havre e escrevendo dois livros, Camões, com base na vida do mais célebre poeta português, e Dona Branca, em torno de uma figura medieval do século XIII.

Quando regressou a Portugal, os seus dois livros Camões e Dona Branca já haviam sido publicados (em 1825 e 1826 respectivamente). Entretanto, novo exílio obrigou Garrett a voltar à Inglaterra: as forças absolutistas de D. Miguel tinham vencido a luta pelo trono português. Passou o ano de 1828 em terra inglesa, depois transferiu-se para a Fran-ça, e de lá para o norte da África, onde engajou-se no exército de D. Pedro IV (ou D. Pedro I do Brasil). Em meio a essa vida aventuresca e complicada, produziu as obras que haveriam de consagrá-lo como um escritor em definitivo. Em 1832, participou do cerco à cidade do Porto – um empreendimento dos liberais –, e enquanto isso escreveu O Arco de Santana, um romance histórico. Dois anos depois, quando o país já esta-va em situação menos caótica e sob o domínio liberal, Garrett retornou a Lisboa. Separou-se da esposa e assumiu a tarefa de fundar o teatro nacional, empreendimento que seria dos mais importantes de sua vida. A primeira peça romântica é de sua autoria: Um auto de Gil Vicente. A mais importante também leva a assinatura de Garrett: Frei Luís de Sousa.

Em 1841, uniu-se a Adelaide Deville, que lhe deu uma filha. Dois anos depois, iniciou a publicação de Viagens na minha terra, um re-trato-reportagem. Novos amores, entretanto, ocuparam-lhe a imagi-nação. O falecimento precoce de Adelaide foi logo esquecido quando aconteceu a paixão pela Viscondessa da Luz, Maria Rosa de Montúfar, a quem dedicou uma de suas obras primas, o livro Folhas Caídas, de 1853. Faleceu em 1854.

CAMPEDELLI, Samira Youssef. Literatura História e Texto 2. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 22-4

Atividade IA partir da comparação dos textos acima, estabeleça uma ligação entre a situação histórica europeia e a vida de Almeida Garrett. Em que pontos poderiam se encontrar?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 104: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

104 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Poemas de almeida garrett

Este inferno de amar

Este inferno de amar — como eu amo! Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?

Esta chama que alenta e consome, Que é a vida — e que a vida destrói —

Como é que se veio a atear, Quando — ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra; o passado, A outra vida que dantes vivi

Era um sonho talvez… — foi um sonho — Em que paz tão serena a dormi!

Oh! que doce era aquele sonhar… Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra que um dia formoso Eu passei… dava o Sol tanta luz!

E os meus olhos, que vagos giravam, Que fez ela? Eu que fiz? — Não no sei

Mas nessa hora a viver comecei…

http://www.poemas-de-amor.net/este_inferno_de_amar_almeida_garrett

Não te amo

Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma. E eu n’alma – tenho a calma,

A calma – do jazigo. Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida. E a vida – nem sentida A trago eu já comigo. Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero De um querer bruto e fero Que o sangue me devora, Não chega ao coração.

Page 105: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 105

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. Quem ama a aziaga estrela

Que lhe luz na má hora Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado, De mau feitiço azado

Este indigno furor. Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto Que de mim tenho espanto,

De ti medo e terror... Mas amar!... não te amo, não.

http://pensartransgredir.blogspot.com/2008/04/poesia-no-te-amo-almeida-garret.html

Atividade II

Podemos observar, nos dois poemas citados, claras características românticas, como o sentimentalismo, o egocentrismo, as contradições provocadas pelos sentimentos. Localize esses pontos e comente-os.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 106: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

106 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 3Para saber um pouco sobre o escritor que é considerado o funda-

dor do romance histórico português, Alexandre Herculano, vamos nos utilizar de dois textos. Um extraído da web (http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_Herculano), e outro de Samira Campedelli.

Alexandre HerculanoAlexandre Herculano de Carvalho e Araújo

nasceu no Pátio do Gil, na Rua de São Bento, em 28 de março de 1810, numa modesta família de origem popular; a mãe, Maria do Carmo de São Boaventura, filha e neta de pedreiros da Casa Real; o pai, Teodoro Cândido de Araújo, era funcionário da Junta dos Juros (Junta do Crédito Público). Na sua infância e adolescência, não pode ter deixado de ser profundamente marcado pelos dramáticos acontecimentos da sua época: as invasões france-sas, o domínio inglês e o influxo das ideias libe-rais, vindas sobretudo da França, que conduziriam à Revolução de 1820. Até aos 15 anos frequentou o Colégio dos Padres Oratorianos de S. Filipe de Néry, então instalados no Convento das Necessi-dades em Lisboa, onde recebeu uma formação de índole essencialmente clássica, mas aberta às no-vas ideias científicas. Impedido de prosseguir estu-dos universitários (o pai cegou em 1827, ficando impossibilitado de prover ao sustento da família) adquiriu uma sólida formação literária, que passou pelo estudo de inglês, francês, italiano e alemão,

línguas que foram decisivas para a sua obra literária. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_Herculano)

Assim como Garrett, seu companheiro de geração, também foi exi-lado, por acreditar no liberalismo. Em 1831, esteve na França, onde passou o tempo a ler. Em 1832, incorporado ao exército liberal, ajudou o cerco do Porto.

Em 1833, quando os ânimos políticos pareciam estar apaziguados, Herculano começou a exercer o cargo de segundo bibliotecário na Bi-blioteca Nacional do Porto, cargo que ocupou até 1836, quando se demitiu a iniciou a publicação de A voz do profeta. Em seguida, dirigiu a revista O Panorama, até 1844, onde publicou algumas de suas obras de ficção, frutos de intensa pesquisa histórica: Lendas e narrativas; O bobo; O monge de Cister; Eurico, o Presbítero.

Fontes: http://www.superdownloads.com.br/imagens/telas/aboboda-alexandre-herculano-136245,1.jpg

Page 107: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 107

A década de 1850 foi para Alexandre Herculano particularmen-te especial. Trata-se da fase mais intensa da sua atividade literária e política em face das ideias liberais. Rediscutiu alguns fatos da história de Portugal e acabou provocando enérgica reação do clero, que não aceitou algumas de suas reinterpretações sobre fatos que envolviam uma dessacralização da Igreja Católica. As polêmicas entre o autor e a Igreja foram registradas na obra Eu e o Clero. Outras questões políticas no cenário lisboeta levaram o historiador a sair da cena urbana para a quinta de Val-de-Lobos.

A saída para o campo, no refúgio de Val-de-Lobos, foi muito im-portante para o desenvolvimento de um antigo projeto do historiador: terminar os seus dias dedicando-se à história de seu país. A obra gi-gantesca, Portugalie Monumenta Historica foi fruto desse isolamento. Casou-se em 1866, e sua última aparição pública aconteceu em 1871. Faleceu em 1877.

CAMPEDELLI, Samira Youssef. Literatura História e Texto 2. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 31-2

Trecho de eurico, o presbítero[Sinopse do romance: No tempo em que a Península Ibérica foi in-

vadida pelos mouros, em 711, um presbítero chamado Eurico era muito prestigiado pelas canções e pelos poemas que escrevia; abraçara o sa-cerdócio sem vocação, e era diretamente inspirado pelo amor que sentia por Hermengarda, cujo pai impedira o casamento dos namorados.

Eurico entra para o convento no ano da avassaladora invasão ára-be; quando a luta entre árabes e visigodos se torna acirrada, o monge, que era godo, abandona o hábito e pega em armas para defender as terras da Espanha, transformando-se, então, no Cavaleiro Negro, e os seus feitos passam a correr de boca em boca.

Enquanto Pelágio prepara a defesa das Astúrias, sua irmã Hermen-garda é raptada e é o próprio Eurico quem salvará a amada, tirando-a das mãos dos sarracenos e levando-a para a Gruta de Covadonga, onde renasce o antigo amor, que agora esbarra num obstáculo intrans-ponível: o voto celibatário de Eurico.

Os amantes resolvem separar-se. O cavaleiro se lança em sucessi-vas investidas contra os árabes, em atitude suicida, que o leva à morte. Hermengarda, inconformada com a perda, enlouquece.]

Capítulo I – Os Visigodos

A raça dos Visigodos conquistadora das Espanhas subjugara toda a Península havia mais de um século. Nenhuma das tribos germânicas que, dividindo entre si as províncias do império dos césares, tinham tentado vestir sua bárbara nudez com os trajos despedaçados, mas

Page 108: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

108 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

esplêndidos, da civilização romana soubera como os Godos ajuntar esses fragmentos de púrpura e ouro para se compor a exemplo de povo civilizado. Leovigildo expulsara da Espanha quase que os derradeiros soldados dos imperadores gregos, reprimira a audácia dos Francos, que em suas correrias assolavam as províncias visigóticas de além dos Pireneus, acabara com a espécie de monarquia que os Suevos tinham instituído na Galícia e expirara em Toletum, depois de ter estabelecido leis políticas e civis e a paz e ordem públicas nos seus vastos domínios, que se estendiam de mar a mar e, ainda, transpondo as montanhas da Vascónia, abrangiam grande porção da antiga Gália Narbonense.

Desde essa época, a distinção das duas raças, a conquistadora ou goda e a romana ou conquistada, quase desaparecera, e os homens do Norte haviam-se confundido juridicamente com os do Meio-Dia em uma só nação, para cuja grandeza contribuíra aquela com as virtudes ásperas da Germânia, esta com as tradições da cultura e polícia roma-nas. As leis dos césares, pelas quais se regiam os vencidos, misturaram--se com as singelas e rudes instituições visigóticas, e já um código único, escrito na língua latina, regulava os direitos e deveres comuns quando o arianismo, que os Godos tinham abraçado abraçando o Evangelho, se declarou vencido pelo catolicismo, a que pertencia a raça romana. Esta conversão dos vencedores à crença dos subjugados foi o complemento da fusão social dos dois povos. A civilização, porém, que suavizou a rudeza dos bárbaros era uma civilização velha e corrupta. Por alguns bens que produziu para aqueles homens primitivos, trouxe-lhes o pior dos males, a perversão moral. A monarquia visigótica procurou imitar o luxo do império que morrera e que ela substituíra. Toletum quis ser a imagem de Roma ou de Constantinopla. Esta causa principal, ajudada por muitas outras, nascidas em grande parte da mesma origem, gerou a dissolução política por via da dissolução moral.

Debalde muitos homens de gênio revestidos da autoridade suprema tentaram evitar a ruína que viam no futuro: debalde o clero espanhol, incomparavelmente o mais alumiado da Europa naquelas eras tenebro-sas e cuja influência nos negócios públicos era maior que a de todas as outras classes juntas, procurou nas severas leis dos concílios, que eram ao mesmo tempo verdadeiros parlamentos políticos, reter a nação que se despenhava. A podridão tinha chegado ao âmago da árvore, e ela devia secar. O próprio clero se corrompeu por fim. O vício e a dege-neração corriam soltamente, rota a última barreira. Foi então que o célebre Roderico se apossou da coroa. Os filhos do seu predecessor Vitiza, os mancebos Sisebuto e Ebas, disputaram-lha largo tempo; mas, segundo parece dos escassos monumentos históricos dessa escura épo-ca, cederam por fim, não à usurpação, porque o trono gótico não era legalmente hereditário, mas à fortuna e ousadia do ambicioso soldado, que os deixou viver em paz na própria corte e os revestiu de dignidades militares. Daí, se dermos crédito a antigos historiadores, lhe veio a úl-tima ruína na batalha do rio Chrysus ou Guadalete, em que o império gótico foi aniquilado.

(...)http://www.virtualbooks.com.br/v2/ebooks/?idioma=Portugu%EAs&id=00696

Page 109: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 109

Atividade IIINo capítulo inicial do romance, Herculano demonstra seus talentos de historiador, ao situar historicamente os visigodos, povo ao qual pertence o protagonista do romance. Entretanto, pode-se perceber que, em vários momentos, a opinião do autor se sobressai à própria narrativa histórica, quando ele expõe claramente seus pontos de vista. Localize alguns desses trechos e os comente.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Sugestão de fi lmes

Frei Luis de Sousa (1950)

Adaptação cinematográ-fica da mais famosa peça de teatro do romantismo portu-guês: Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett. Após sete anos de buscas pelo mari-do, D. João de Portugal, que partiu com D. Sebastião para a Batalha de Alcácer-Quibir,

D. Madalena de Vilhena casa-se com o cavaleiro D. Manuel de Sousa Coutinho, e tem uma filha, D. Maria de Noronha, que sofre de tubercu-lose. Só o aio Telmo Pais conserva a esperança de D. João de Portugal estar vivo, presságio que se confirmará vinte anos mais tarde, na figura de um romeiro. Elenco: Maria Sampaio, Barreto Poeira, Raul de Carva-lho, Tomás de Macedo, João Villaret, José Amaro, Maria Dulce. Direção: Antonio Lopes Ribeiro. Duração: 117 min.

Page 110: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

110 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Quem és tu? (2000)

Este filme foi realizado a par-tir de uma adaptação da obra de Almeida Garrett, denominada Frei Luís de Sousa, que retrata a épo-ca sebastianista, por volta do ano 1578, altura do desaparecimento do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir. Dado que não existiam herdeiros, desenvolveu-

-se um longo conflito pela sucessão. Entre os candidatos ao trono, Filipe, rei de Espanha, ligou Portugal ao seu império em 1580. Foi assim, que nasceu a crença popular do sebastianismo, a partir do qual D. Sebastião regressaria para reconquistar o império português. Entre os ilustres desa-parecidos estava D. João de Portugal, primeiro marido de D. Madalena de Vilhena. Esta tendo acreditado durante sete anos no seu regresso, casou pela segunda vez com D. Manuel de Sousa Coutinho, tendo sido este casamento previamente aprovado pelos pais de D. João de Portu-gal. Esta situação manteve-se durante vinte anos, ao fim dos quais D. João reapareceu embora ocultando a sua verdadeira identidade, através da personagem de um romeiro. Elenco: Patrícia Guerreiro, Suzana Bor-ges, Rui Morrisson, Rogério Samora, José Pinto, Francisco D’Orey, Bruno Martelo. Direção: João Botelho. Duração: 112 min.

Resumo

Os primeiros anos do Romantismo português coincidiram com as lutas civis entre liberais e conservadores, acirradas com a renúncia de D. Pedro ao trono brasileiro e seu engajamento na luta pelo trono de Portugal, ao lado dos liberais. Portugal vive então uma guerra civil que se estende por dois anos (1832-34). Somente em 1836, com os liberais já no poder, é que o país retorna a uma certa tranquilidade, sintonizado com as maiores potências europeias. Participaram ativamente dessas lutas, como soldados, os dois maiores nomes do movimento romântico português: Almeida Garrett e Alexandre Herculano. Garrett é conside-rado o iniciador do Romantismo em Portugal, com a publicação, em 1825, de obra Camões, enquanto Herculano é tido como um excelente romancista histórico – sua obra mais conhecida é Eurico, o Presbítero.

Page 111: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 111

Autovaliação

Observe se:

• conseguiu identifi car o momento histórico e os acontecimentos que infl uenciaram e determinaram o movimento romântico português;

• pôde observar as características da poesia lírica romântica de Garrett e do romance histórico de Herculano;

• percebeu a atuação ativa dos dois maiores nomes do romantismo português, Garrett e Herculano, nas lutas civis em Portugal, e a infl uência dessa participação em sua obra.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 112: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

112 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Referências

CAMPEDELLI, Samira Youssef. Literatura História e Texto 2. São Paulo: Saraiva, 1994

FALBEL, Nachman. Os fundamentos históricos do Romantismo. In:

GUINSBURG, J. (org.) O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 23-50.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2002

Web:

http://www.poemas-de-amor.net/este_inferno_de_amar_almeida_garrett

http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_Herculano

http://www.virtualbooks.com.br/v2/ebooks/?idioma=Portugu%EAs&id=00696

http://pensartransgredir.blogspot.com/2008/04/poesia-no-te-amo-almeida-garret.html

Page 113: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 113

Realismo e Simbolismo: a Questão Coimbrã e a

decadência

VIII UNIDADE

Page 114: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

114 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa111141414141414 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Apresentação

A Questão Coimbrã foi um aconteci-mento literário português que teve desdobra mentos definitivos para a literatura lusa.

O mundo parecia estar cansado do sen-timentalismo romântico, e a dura realidade batia à porta. Influenciado fortemente por te-orias cientificistas que começavam a se fazer presentes no mundo, o homem passa a se interessar mais por essa realidade, e a lite-ratura acompanha essa tendência, tornando seus temas mais materialistas, mais voltados para o cotidiano, deixando o Romantismo para trás.

Na França, surge aquele que é conside-rado o primeiro romance realista, Madame

Bovary, de Gustave Flaubert, refletindo essas ideias cientifi-cistas da época.

Em Portugal, aparecem, neste momento, em Portugal, nomes como Eça de Queirós e Antero de Quental, respecti-vamente na prosa e na poesia. Portugal vive um forte senti-mento anticlerical e antimonárquico. Juntam-se a esses dois sentimentos, a preocupação em fazer uma literatura do seu tempo, tendo como características: “o objetivismo, que é a negação do subjetivismo romântico; a valorização do não--eu, do que está fora do indivíduo; o universalismo, que subs-titui o personalismo romântico; e o materialismo, que leva à negação do sentimentalismo e da metafísica.” (NICOLA, José de. Literatura Portuguesa: da origem aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999, p. 154)

Mas, com o passar do tempo, e a aproximação do final do século XIX, as lutas sociais pelas quais se bateram os re-alistas mostraram-se ineficientes e incapazes de transformar

Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_oC0aHCGS9Ko/S_U8soRi3OI/AAAAAAAAJI4/q1uE5-5Zdok/s1600/Clepsidra+1.jpg

Page 115: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 115 Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 115

o mundo como desejavam... Daí a crise existencial, a de-pressão e a volta ao sentimento de misticismo como busca de respostas para suas angústias. É o Simbolismo que surge, com a publicação de Oaristos, de Eugênio de Castro, e se estende até 1915, quando aparece o fenômeno Fernando Pessoa, inaugurando o Modernismo português.

Nesta unidade, trataremos destas duas escolas: o Realis-mo e o Simbolismo, com os três nomes aqui citados: Eça, Quental e Eugênio de Castro.

Vamos lá?

Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga:

• identificar os acontecimentos sociais e científicos que origina-ram o Realismo;

• perceber a importância da Questão Coimbrã na implantação de um novo movimento literário em Portugal, voltado para a realidade;

• localizar nas obras de Eça de Queirós e de Antero de Quental influências do Realismo;

• entender as frustrações dos realistas, que terminaram desembo-cando no Simbolismo.

Page 116: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

116 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 1Inicialmente, vamos ter uma ideia geral sobre o que foi a Questão

Coimbrã, através da leitura do texto seguinte, extraído da internet.

A questão coimbrãTambém conhecida como a

Questão do Bom Senso e Bom Gosto, foi uma das mais im-portantes polêmicas literárias portuguesas e a maior em todo o século XIX que, como explica Margarida Vieira Mendes, “alas-trou de forma explosiva, de no-vembro de 1865 a julho do ano seguinte, em cartas, crônicas e artigos de imprensa, opúsculos, folhetins, poesias e textos satíri-cos, alusões em conferências (...) ou mesmo discursos parlamenta-res” (in Dicionário do Romantis-mo Literário Português, Editorial Caminho, 1997).

Foi desencadeada em Coim-bra por um grupo de jovens inte-

lectuais que vinham reagindo contra a degenerescência romântica e o atraso cultural do país.

A polêmica começou em Outubro de 1865, quando António Feli-ciano de Castilho aludiu, na carta-posfácio ao Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, à moderna escola de Coimbra e à sua poesia ininteli-gível, ridicularizando o aparato filosófico e os novos modelos literários de que ela se nutria (“temporal desfeito de obras, de encômios, de sátiras, de plásticas, de estéticas, de filosofias e de transcendências”), numa referência provável às teorias filosóficas e poéticas expostas nos prefácios a Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras (ambas de 1864), de Teófilo Braga, e na nota posfacial das Odes Modernas, de Antero de Quental (de Julho de 1865). Para além disso, António Feliciano de Castilho fez elogios rasgados a Pinheiro Chagas, chegando ao ponto de propor o jovem poeta para reger a cadeira de Literatura no Curso Superior de Letras.

Sentindo-se visado, Antero de Quental respondeu com o panfleto Bom Senso e Bom Gosto, carta ao Ex.mo. Sr. António Feliciano de Cas-tilho, em que definiu “a bela, a imensa missão do escritor” como “um sacerdócio, um ofício público e religioso de guarda incorruptível das ideias, dos sentimentos, dos costumes, das obras e das palavras”, que

Fonte: http://purl.pt/93/1/contextos/res4193g/res4193g-rosto_03.jpg

Fontes: http://www.baixaki.com.br/imagens/wpapers/BXK8813_universidade_de_coimbra800.jpg

Universidade de Coimbra

Page 117: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 117

exige, por um lado, uma alta posição ética, por outro lado, uma total independência de pensamento e de caráter. Como consequência, e numa clara alusão a Castilho, Antero repudiava a poesia que cultiva a “palavra” em vez da “ideia”; a poesia decorativa dos “enfeitadores das ninharias luzidias”; a poesia conservadora dos que “preferem imitar a inventar; e a imitar preferem ainda traduzir”; em suma, a poesia que “soa bem, mas não ensina nem eleva”.

Estavam marcadas as posições: de um lado os intelectuais conser-vadores; do outro a nova geração, aberta às recentes correntes euro-peias. Seguiram-se “Bom Senso e Bom Gosto, folhetim a propósito da carta...”, de Pinheiro Chagas, que acorreu em defesa de Castilho, e, do lado dos coimbrões, os folhetos Teocracias Literárias, de Teófilo Braga, e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, de Antero. Neste tex-to, Antero repudiava uma vez mais “as literaturas oficiais, governamen-tais, subsidiadas, pensionadas, rendosas, para quem o pensamento é um ínfimo meio e não um fim grande e exclusivo” e preconizava uma literatura que “se dirige ao coração, à inteligência, à imaginação e até aos sentidos, toma o homem por todos os lados; toca por isso em todos os interesses, todas as ideias, todos os sentimentos; influi no indivíduo como na sociedade, na família como na praça pública; dispõe os espí-ritos; determina certas correntes de opinião; combate ou abre caminho a certas tendências; e não é muito dizer que é ela quem prepara o berço onde se há de receber esse misterioso filho do tempo - o futuro”.

Embora de origem literária, a questão alargou-se a outras áreas como a cultura, a política e a filosofia. Esta refrega durou mais de um ano e envolveu nomes que já eram ilustres, como Ramalho Ortigão e Camilo C. Branco.

Os artigos, folhetins e opúsculos em apoio de uma e de outra parte multiplicaram-se, até que, a partir de Março de 1866, a polêmica co-meçou a declinar em quantidade e qualidade.

No entanto, a rotura provocada pela Questão Coimbrã iria abalar irreversivelmente as estruturas socioculturais do país, lançando as se-mentes para o debate de ideias e o projecto de reforma das mentalida-des que norteariam a intervenção da que viria a ser a Geração de 70. Aquela que constituiu a polêmica mais importante da nossa história li-terária, pois nela participou, em uma ou outra frente, praticamente toda a intelligentsia da época, fez emergir uma geração nova, protagonista de uma revolução cultural e literária cuja amplitude ultrapassaria até a do próprio Romantismo.

Questão Coimbrã. In Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-01-31]. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$questao-coimbra>

Page 118: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

118 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Atividade I

a) Uma das razões pelas quais os poetas coimbrãos atacavam os românticos era que estes dispunham de infl uência e relações que lhes permitiam facilitar a vida literária a muitos estreantes, serviço que os novatos lhes pagavam em elogios. Qual sua posição em relação a essa questão?

b) Os românticos acusavam os realistas de exibicionismo, de obscuridade proposita-da e de tratarem temas que nada tinham a ver com a poesia. Você acha que a poesia só deveria tratar de temas sentimentais? Comente.

c) Veja o que Antero de Quental escreveu, na carta-folheto Bom Gosto e Bom Senso, referindo-se a Antonio Feliciano de Castilho: “Levanto-me quando os cabelos brancos de V. Exª. passam diante de mim. Mas o travesso cérebro que está debaixo e as garridas e pequeninas coisas que saem dele, confesso, não me merecem nem admiração nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança. V.Exa. precisa menos cinquenta anos de idade, ou então mais cinquenta de refl exão.” (http://www.progressao.com/arquivos/gilmar44.pdf) Qual a sua opinião sobre esse desabafo de Quental?

d) Veja, neste soneto, como Antero de Quental vê a função do poeta e da poesia:

Tu que dormes, espírito sereno,Posto à sombra dos cedros seculares,Como um levita à sombra dos altares,

Longe da luta e do fragor terreno.

Acorda! É tempo! O sol, já alto e plenoAfugentou as larvas tumulares...Para surgir do seio desses mares

Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! É a grande voz das multidões!São teus irmãos, que se erguem! São canções...

Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,E dos raios de luz do sonho puro,

Sonhador, faze espada de combate!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 119: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 119

http://pt.poesia.wikia.com/wiki/A_um_poeta_%28Antero_de_Quental%29

Faça uma análise do texto de Antero de Quental; em seguida, emita sua opinião sobre o que ele defende.

e) Leia este trecho do último capítulo de O Crime do padre Amaro, de Eça de Queirós.

Amaro voltou para a porta da Carlota, esperou sentado numa pedra, com o seu cavalo pela rédea. Mas aquela casa fechada e muda aterrava-o. Foi pôr o ouvido à fechadura, na esperança de ouvir um choro, uma rabugem de crian-ça. Dentro pesava um silêncio de caverna abandonada. Mas tranquilizava-o a idéia que a Carlota teria levado a criança consigo, para a Micaela. Devia realmente ter perguntado à mulher na taberna, se a Carlota trazia uma criança ao colo... E olhava a casa bem caiada, com a sua janela em cima que tinha uma cortininha de cassa, um luxo tão raro naquelas freguesias pobres; recordava a boa ordem, o escarolado da louça da cozinha... Decerto, o pequerrucho devia ter também um berço asseado...

Ah, estava doido decerto na véspera, quando pusera ali, na mesa da cozinha, quatro libras de ouro, preço adiantado dum ano de criação, e dissera cruelmente ao anão: “Conto consigo!” Pobre pequerruchinho!... Mas a Carlota compre-endera bem, à noite na Ricoça, que ele agora queria-o vivo, o seu filho, e criado com mimo!... Todavia não o deixaria ali, não, sob o olho raiado de sangue do anão... Levá-lo-ia nessa noite à Joana Carreira dos Poiais...

Que as sinistras histórias da Dionísia, a tecedeira de an-jos, eram uma legenda insensata. A criança estava muito re-galada em casa da Micaela, chupando aquele bom peito de quarentona sã... E vinha-lhe então o mesmo desejo de deixar Leiria, ir enterrar-se em Feirão, levar consigo a Escolástica, educar lá a criança como sobrinho, revivendo nele larga-mente todas as emoções daquele romance de dois anos; e ali passaria numa paz triste, na saudade de Amélia, até ir como o seu antecessor, o abade Gustavo que também criara um sobrinho em Feirão, repousar para sempre no pequeno cemitério, de Verão sob as flores silvestres, de Inverno sob a neve branca.

Então a Carlota apareceu; e ficou atônita ao reconhecer Amaro, sem passar da cancela, com a testa franzida, a sua bela face muito grave.

– A criança? exclamou Amaro.

Depois dum momento, ela respondeu, sem perturbação:dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 120: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

120 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

– Nem me fale nisso, que me tem dado um desgosto... Ontem mesmo, duas horas depois de ter chegado... O pobre anjinho começa a fazer-se roxo, e ali me morreu debaixo dos olhos...

– Mente! gritou Amaro. Quero ver.

– Entre, senhor, se quer ver.

– Mas que lhe disse eu ontem, mulher?

– Que quer, senhor? Morreu. Veja...

Tinha aberto a porta, muito simplesmente, sem cólera nem receio. Amaro entreviu num relance, ao pé da chaminé, um berço coberto com um saiote escarlate.

Sem uma palavra voltou as costas, atirou-se para cima do cavalo. Mas a mulher, muito loquaz subitamente, rompeu a dizer que tinha ido justamente à aldeia para encomendar um caixãozinho decente... Como vira que era filho de pessoa de bem, não o quisera enterrar embrulhado num trapo. Mas enfim, como o senhor ali estava, parecia-lhe razoável que desse algum dinheiro para a despesa... Uns dois mil-réis que fossem.

Amaro considerou-a um momento com um desejo brutal de a esganar; por fim meteu-lhe o dinheiro na mão. E ia trotando no carreiro, quando a sentiu ainda correndo, gri-tando pst! pst! A Carlota queria-lhe restituir o capote que ele emprestara na véspera: tinha feito muito bom serviço, que a criança chegara quente como um rojãozinho... Infelizmente...

Amaro já a não escutava, esporeando furiosamente a ilharga da cavalgadura.

QUEIRÓS, Eça de. O crime do padre Amaro. São Paulo: Moderna, 1998, p. 211-2

O fi nal que o autor deu ao romance foi alterado duas vezes, ao longo das três versões da obra (uma de 1871, outra de 1876, e a defi nitiva de 1878-80 – que é a que vemos aqui). Vale a pena lermos, sobre isso, uma crítica de José-Augusto França:

“Quanto ao clímax do drama, este conhece uma solução mais ou menos terrível, isto é, mais ou menos romântica: nas duas primeiras versões, o padre amaro mata o filho que acaba de nascer; na versão de 1878-80 deixa-o matar (...). A falta cometida por um padre assumia, no quadro polêmico da época, uma importância enorme. O padre Amaro tinha-se ligado a Amélia, a filha da sua hospedeira, que era, por seu lado, amante dum velho cônego; faz-lhe um filho, ela morrerá no parto. É uma história triste e sórdida – mas bem natural. O jovem padre cometeu uma falta grave, de consequências desastrosas, é certo, mas era um ato humano. Uma falta não é um crime. Amaro teria portanto que cometer um, matando o filho. Mas, na terceira versão, o padre não mata a criança, pretende mesmo retomá-la duma ama especial que

Page 121: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 121

devia fazê-la morrer discretamente. Repare-se que, apesar da ausência do crime, o título do romance se manteve; é preciso determo-nos sobre este fato. Se a falta de Amaro continua a ser considerada um crime, não existindo este, é porque o conceito de crime se desloca, passando do nível individual para o nível social – e tal é a lição, a moral desta his-tória que, ao contrário daquelas que os romances nacionais contavam então, pretendia ‘estudar’ e ‘explicar’ um problema.”

FRANÇA, José-Augusto. O Romantismo em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1975, v. 6

Releia o fi nal do romance, e, com base na crítica colocada acima, produza um texto emitindo sua opinião, concordando ou não com José-Augusto França.

Texto 2Vamos, agora, procurar entender o surgimento do Simbolismo por-

tuguês, num cenário que tinha sido tão propício à morte do Roman-tismo, através da ênfase à realidade dada pelo movimento realista. Leiamos este texto de José de Nicola.

SimbolismoO Simbolismo representa, na Europa, a estética literária do final do

século XIX, que se opõe às propostas do Realismo.

De fato, nas duas últimas décadas do século XIX, já se percebe, em boa parte dos autores realistas, uma postura de desilusão, e mesmo de frustração, em consequência das infrutíferas tentativas de transformar a sociedade burguesa industrial. O crítico Alfredo Bosi sintetiza esse clima:

Do âmago da inteligência europeia surge uma oposição vigorosa ao triunfo da coisa e do fato so-bre o sujeito – aquele sujeito a quem o otimismo do século prometera o paraíso mas não dera senão um purgatório de contrastes e frustrações.

Portugal nos oferece vários e significativos exemplos. Um deles nos é dado por Antero de Quental, que, em meio a profundas crises exis-tenciais, acabou por se suicidar. Curiosa também foi a trajetória de Oli-veira Martins, exato contemporâneo de Antero de Quental e militante

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 122: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

122 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

socialista na década de 1870, que em uma de suas últimas páginas, pouco antes de sua morte (1894), escreveu:

Quem nos diz a nós que, apesar de toda a vaidade que pomos na descoberta de molas e mecanismos novos para agenciar a vida, não estejamos prepa-rando o descalabro final de um mundo desquicia-do e o prólogo da catástrofe inevitável que para além vemos lugubremente, quando o nosso plane-ta girar nu e frio na noite eterna do espaço?

Outro exemplo interessante é a sociedade Vencidos da Vida, for-mada por alguns “ex-realistas” (Eça, Ramalho Ortigão, Guerra Jun-queiro, Oliveira Martins) que se reuniam frequentemente em jantares. Esses intelectuais, antes defensores dos ideais realistas, defendem ago-ra (1888-89) a família, a propriedade, a Monarquia e um nacionalista ufanista.

Na Europa, as origens do Simbolismo devem ser buscadas na Fran-ça, com a publicação de As flores do Mal, de Baudelaire, em 1857. (...)

O marco inicial do Simbolismo português é a publicação, em 1890, de Oaristos, livro de poemas de Eugênio de Castro, cujo prefácio cons-titui um verdadeiro programa da estética simbolista. Entretanto, já em 1889 circulava em Coimbra duas revistas acadêmicas que seguiam as orientações do Simbolismo francês – Os insubmissos e Boêmia nova –, e que contavam, entre seus colaboradores, com Eugênio de Castro e Antonio Nobre.

O Simbolismo português prolonga-se até a proclamação da repú-blica, em 1910, quando a nova realidade política favorecerá o surgi-mento de várias revistas de forte coloração nacionalista. Mas a data considerada como o início do Modernismo português é o ano de 1915, quando, já em meio à I Guerra Mundial, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro lançam a revista Orpheu.

(...)

Em Portugal, o Simbolismo está diretamente ligado a um profundo estado depressivo, que dominava a sociedade lusitana em consequên-cia de três fatos capitais que marcaram os últimos anos do século XIX:

• A crise da Monarquia – A partir de 1870, surgiram em Portugal vários agrupamentos socialistas, responsáveis pelas primeiras greves operárias) e republicanos (organizados institucionalmen-te pelo Partido Republicano, que se tornava cada vez mais forte).

• O ultimato inglês – A partir de 1870, a Inglaterra deu início a um ousado plano expansionista, que incluía, entre outras medidas, mo domínio total da África (seu lema era “um domínio inglês do Cabo ao Cairo”, ou seja, do extremo sul ao extremo norte). Na mesma época, Portugal tentava ampliar seus territórios afri-canos e dominar a longa faixa de terra que ia de Angola (costa

Charles Baudelaire

Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_ZUo1lXCdT3k/TSDyblMnrsI/AAAAAAAAAOc/pJycKXTNwaE/s1600/Baudelaire1.jpg

Page 123: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 123

atlântica) a Moçambique (costa índica), o que implicaria dividir a África ao meio. Diante disso, a Inglaterra mandou um ultima-to a Portugal, exigindo a retirada das tropas portuguesas dos territórios situados entre Angola e Moçambique, e ameaçando recorrer à força, caso fosse preciso. Acuado, o governo portu-guês teve que ceder às pressões inglesas e abandonar os territó-rios. Esse acontecimento gerou um clima de profunda irritação popular contra o governo e contra os ingleses; alguns tumultos e uma revolta de caráter republicano foram registrados, mas, na prática, restou apenas uma frustração generalizada.

• A crise econômica e fi nanceira – Essa crise afetou toda a Europa nos anos 1890-91. Em Portugal, houve a depreciação da mo-eda nacional, o fechamento de alguns bancos e o aumento da dívida pública.

O simbolismo começa por repudiar o Realismo e suas manifesta-ções. De fato, a nova estética rejeita o cientificismo, o materialismo, o racionalismo, valorizando, em contrapartida, as manifestações metafísi-cas e espirituais, o que equivale a dizer que ela corresponde à negação do Realismo/Naturalismo.

A realidade objetiva não interessa mais; o homem volta-se para uma realidade subjetiva, retomando um aspecto abandonado desde o Romantismo. O “eu” passa a ser o universo, mas não o “eu” superfi-cial, sentimentalóide e piegas do Romantismo: os simbolistas vão em busca da essência do ser humano, do que ele tem de mais profundo e universal – a alma. Daí a sublimação, tão procurada pelos simbolistas: o domínio do espírito sobre a matéria, a purificação, por meio da qual o espírito atinge as regiões etéreas, o espaço infinito. Nesse embate entre corpo e alma, a morte representa a máxima libertação da alma, quando se rompem as correntes que a aprisionavam ao corpo.

Em consequência desse subjetivismo, dessa valorização do incons-ciente e do subconsciente, dos estados d’alma, do vago, do diáfano, do sonho e da loucura, o Simbolismo desenvolveu uma linguagem carrega-da de símbolos (o tropos, isto é, o “desvio”, a mudança de significado de uma palavra ou expressão), em clara oposição a uma linguagem literária mais seca e impessoal.

No Simbolismo, tudo é sugestão. “Sugerir, eis o sonho” – era a pa-lavra-de-ordem de Stéphane Mallarmé (1842-1898), poeta simbolista francês. O Simbolismo usa a linguagem simbólica: as palavras transcen-dem seu significado mais comum, adquirindo outros sentidos. Ao mes-mo tempo, essa linguagem é rica em sinestesias [figura de estilo que explora a relação entre duas ou mais sensações físicas: “Avista-se o grito das araras”] e aliterações [repetição de fonemas para sugerir um som], que são recursos estilísticos usados para atrair a totalidade da nossa percepção, ou seja, para envolver todos os nossos sentidos.

A musicalidade é outra forte característica da estética simbolista. Paul Verlaine, um dos mestres do Simbolismo francês, em seu poema “Art Poétique” ensinava: “De la musique avant chose...” (“A música aci-ma de tudo...”).

Page 124: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

124 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

NICOLA, José de. Literatura Portuguesa: da origem aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999, p. 172-7

Atividade III

a) Há quem afi rme que todo fi nal de século traz consigo uma natural volta do ser humano para o metafísico, para o espiritual. Você concorda com essa afi rmação ou acha que esse traço simbolista tem a ver tão somente com as razões de aversão ao materialismo realista? Justifi que.

b) Você vai conhecer agora um poema simbolista português, “Um Sonho”, de Eugênio de Castro. Após a leitura, elabore um texto analisando-o.

Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...O sol, celestial girassol, esmorece...

E as cantilenas de serenos sons amenosFogem fluidas, fluindo a fina flor dos fenos...

As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros...

Cornamusas e crotalos,Cítolas,cítaras,sistros,

Soam suaves, sonolentos,Sonolentos e suaves,

Em Suaves,Suaves, lentos lamentos

De acentosGraves

Suaves...

Flor! enquanto na messe estremece a quermesseE o sol,o celestial girassol,esmorece,

Deixemos estes sons tão serenos e amenos,Fujamos,Flor!à flor destes floridos fenos...

Soam vesperais as Vésperas...Uns com brilhos de alabastros,Outros louros como nêsperas,

No céu pardo ardem os astros...

Como aqui se está bem!Além freme a quermesse...Não sentes um gemer dolente que esmorece?

São os amantes delirantes que em amenos

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 125: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 125

Beijos se beijam,Flor!à flor dos frescos fenos...

As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros...

Cornamusas e crotalos,Cítolas,cítaras,sistros,

Soam suaves, sonolentos,Sonolentos e suaves,

Em Suaves,Suaves, lentos lamentos

De acentosGraves,Suaves...

Esmaece na messe o rumor da quermesse...Não ouves este ai que esmaece e esmorece?

É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,E chora a sua morta,absorto,à flor dos fenos...

Soam vesperais as Vésperas...Uns com brilhos de alabastros,Outros louros como nêsperas,

No céu pardo ardem os astros...

Penumbra de veludo . Esmorece a quermesse...Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece...

Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos,Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos...

As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros...

Cornamusas e crotalos ,Cítolas,cítaras,sistros ,

Soam suaves, sonolentos ,Sonolentos e suaves ,

Em Suaves,Suaves, lentos lamentos

De acentosGraves,Suaves...

Tus lábios de cinábrio,entreabre-os!Da quermesseO rumor amolece,esmaiece,esmorece...

Dê-me que eu beije os teus morenos e amenosPeitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos...

Soam vesperais as Vésperas...Uns com brilhos de alabastros,Outros louros como nêsperas,

No céu pardo ardem os astros...

Page 126: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

126 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Ah! não resista mais a meus ais!Da quermesseO atroador clangor, o rumor esmorece...

Rolemos, ó morena! em contactos amenos!Vibram três tiros à florida flor dos fenos...

As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros...

Cornamusas e crotalos,Cítolas,cítaras,sistros,

Soam suaves, sonolentos,Sonolentos e suaves,

Em Suaves,Suaves, lentos lamentos

De acentosGraves,Suaves...

Três da manhã. Desperto incerto...E essa quermesse?E a Flor que sonho? e o sonho? Ah!tudo isso esmorece!

No meu quarto uma luz, luz com lumes amenos,Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...

http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/o/oaristos

Sugestões de fi lmes

Um dia, um gato (1963) Os moradores de um vila-

rejo assistem ao espetáculo de um mágico e seu gato, que usa óculos e, quando os tira, tem o poder de mudar a cor das pes-soas à sua volta de acordo com o caráter delas. O fato assusta os adultos do lugar, que vêem o animal como uma ameaça,

mas, ao mesmo tempo, atrai todas as crianças da vila. Elenco: Václav Babka, Jirina Bohdalová, Pavel Brodsky, Vlastimil Brodský, Vlasta Chra-mostová, Dana Dubanska, Karel Effa, Ladislav Fialka, Tonda Krcmar, Alena Kreuzmannová. Direção: Vojtech Jasny. Duração: 91 min.

Page 127: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 127

Hedd Wyn - O Poeta do Armagedon (1992)

Filho de fazendeiros, romântico e sensível, Ellis Evans mostra seu talento poético utilizando o pseudônimo Hedd Wyn. Mas chega à idade adulta em meio ao trágico evento que dizimou uma geração: a Primeira Grande Guerra. Filme passado no País de Gales e falado em gaélico. Elenco: Huw Garmon, Catrin Fychan, Ceri Cunnington, Llio Silyn, Grey Evans, Gwen Ellis, Emma Kelly, Sioned Jones Williams, Llyr Joshua, An-gharad Roberts, Geraint Roberts, Emlyn Gomer, Guto Roberts, Manon Prysor, Aled Gruffudd. Direção: Paul Turner. Duração: 123 min.

ResumoO Realismo e o Simbolismo representam a ascensão e queda dos

sonhos de racionalidade e materialismo. Os jovens que desbancaram o subjetivismo romântico, elegendo a literária como uma forte arma contra a ganância e o sentimentalismo burgueses, foram os mesmos jovens que, anos mais tarde, se desencantaram com seus próprios so-nhos, mergulharam em crises existenciais profundas, gerando uma arte também metafísica. Retoma o subjetivismo, mas não mais o romântico; agora há um mergulho bem mais profundo, até a alma. Essas duas tendências literárias ocuparam toda a segunda metade do século XIX.

AutovaliaçãoObserve se:

• identifi cou os acontecimentos sociais e científi cos que originaram o Realismo;

• percebeu a importância da Questão Coimbrã na implantação de um novo movimento literário em Portugal, voltado para a realidade;

• localizou nos textos aqui apresentados características do Realismo e do Simbolismo respectivamente;

• entendeu as frustrações dos realistas, que terminaram desembocando no Simbolismo.

Page 128: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

128 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

ReferênciasFRANÇA, José-Augusto. O Romantismo em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1975, v. 6

NICOLA, José de. Literatura Portuguesa: da origem aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1999

QUEIRÓS, Eça de. O crime do padre Amaro. São Paulo: Moderna, 1998

Web:

http://pt.poesia.wikia.com/wiki/A_um_poeta_%28Antero_de_Quental%29

http://www.infopedia.pt/$questao-coimbra

http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/o/oaristos

http://www.progressao.com/arquivos/gilmar44.pdf

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 129: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 129

Modernismo: a “literatura” Fernando Pessoa

IX UNIDADE

Page 130: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

130 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa1303030303030303 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_8yYvO4ngc0w/S_lz1Qq3RTI/AAAAAAAAFVk/V1GyPjX3fx8/s1600/Pessoa.jpg

Apresentação Todo o século XX e a própria literatura portuguesa se

curvam diante de seu poeta maior, aquele que não foi um só, antes foi toda uma “literatura”: Fernando Antonio No-gueira Pessoa. Ele próprio se confunde com o Modernismo português, que teve início em 1915, com a publicação da revista Orpheu, por Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e o brasileiro Ronald de Carvalho.

A Europa estava mergulhada em plena Guerra Mundial, iniciada um ano antes; os artistas publicavam manifestos vanguardistas, acenando para novas perspectivas de arte, diferente de tudo que já se experimentara antes; a república portuguesa fora proclamada em 1910, e estava, portanto, experimentando seus primeiros passos, com toda a insegu-rança e turbulências próprias de um período assim, sobres-saindo-se um nacionalismo profundo. É num quadro como este que surge um fenômeno literário chamado Fernando Pessoa, com seus famosos heterônimos, dos quais os mais conhecidos são Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares.

Então, nesta unidade, deter-nos-emos sobre esse poeta – diria melhor, “esses poetas”, já que cada um parece ter vida própria, tanto literária quanto ideologicamente falando.

Vamos lá?

Page 131: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 131 Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 131

Objetivos

É nosso desejo que, ao final desta unidade, você consiga:

• entender o surgimento e solidificação do movimento modernis-ta português;

• perceber a importância do poeta Fernando Pessoa e de seus he-terônimos, na construção de uma obra modernista em Portugal;

• diferenciar os diferentes estilos da poesia dos heterônimos e do ortônimo pessoanos.

Page 132: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

132 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 1

Fernando pessoa

Fernando Antonio Nogueira Pessoa nasceu em 13 de junho de 1888, em Lisboa. Era filho de Joa-quim Seabra Pessoa — falecido, aos 43 anos, quan-do o poeta tinha cinco anos — e Maria Madalena Nogueira Pessoa, que se casou dois anos depois com o Comandante João Miguel Rosa, indo todos morar em Durban, na África do Sul, onde Fernando teve sua formação básica. De temperamento introspectivo, sempre solitário, demonstrara desde cedo uma ten-dência à dramaticidade, tendo ficado famoso o seu processo de criação heteronímica, através do qual dá vida a inúmeros seres que existiram de fato apenas em sua imaginação, e dos quais se destacam Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

O poeta não era muito dado a relacionamentos. Em toda a sua vida, tem-se notícia de apenas um caso amoroso, com a jovem Ofélia Queiroz, a quem conhecera em 1920, e cujo romance foi ameaçado pelo ciúme homossexual de Álvaro de Campos, que via naquela relação um possível afastamento de Pes-soa da poesia. O ortônimo termina por desistir. Mor-reu solteiro.

Com evidentes inclinações místicas, era admi-rador de seitas esotéricas; horoscopista – chegou a elaborar a carta astrológica dos seus heterônimos mais famosos – fazia-se escravo do zodíaco: conta--se que, certa vez, cancelou um encontro com a poe-tisa brasileira Cecília Meireles simplesmente porque o seu horóscopo não lhe aconselhava sair naquele dia. Escreveu bastante, sobre os mais diversos assuntos: estética, filosofia, comércio, política e, naturalmente, literatura. Participou ativamente do movimento mo-dernista português, colaborando na publicação de várias revistas – das quais a mais importante é “Or-pheu”, apesar de apenas dois números terem sido publicados – além de vários artigos em jornais e pe-riódicos literários. Produziu em inglês, língua em que foi educado, e em português, sendo considerado, ao

lado de Camões, um dos maiores poetas da literatura lusa. A maior parte de sua obra foi publicada postumamente e ainda existem textos inéditos, principalmente em termos de estudo. Faleceu no dia 30 de novembro de 1935, de cirrose hepática.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/42/216_2310-Fernando-Pessoa.jpg

http://4.bp.blogspot.com/_KeQHSTA2PXk/TLTV7Yx8trI/AAAAAAAACYo/2UP6nUUZ99E/s400/Fernando+P..jpg

Page 133: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 133

Assim alinhavadas as breves informações biográficas de Fernando Pessoa, não se consegue, naturalmente, ter uma idéia da importância artística desse fenômeno literário, que, ainda hoje, intriga estudiosos de todo o mundo, não obstante o muito que já se tem pesquisado sobre ele. Sua obra já foi de inúmeras formas dissecada, sob vários pontos de vista analisada, e ainda assim guarda um considerável filão a ser explorado.

(...)

Pessoa nos mostra a chave para que o crítico literário possa pene-trar em sua personalidade artística. Trata-se da compreensão de que ele é, antes de tudo, um poeta dramático. Todo o estudo pessoano deve advir dessa premissa. Também grande parte dos escritos de Fer-nando Pessoa gira em torno do binômio “sentir” x “pensar”, estando presente de maneira muito marcante não apenas na obra heteroními-ca, mas na sua própria visão de mundo. Desde a afirmação enfática de que “Sentir é criar”, passando por “O que sente em mim está pen-sando” até o categórico “Sentir? Sinta quem lê!”, percebemos o quanto esse conflito está presente no interior do poeta português. Desde o uso generoso que faz da imaginação, enquanto artista, passando pelo aprofundamento intelectual do ortônimo e de alguns heterônimos, até à mais completa aversão ao ato de pensar e, consequentemente, à eleição do sentir como verdade única e bastante da vida, em Alberto Caeiro, podemos identificar em Pessoa, através desse movimento dialé-tico constante, um pensador dividido – ou melhor, buscando a unidade – entre esses dois campos.

Refletir sobre o que é verdadeiro e falso, quando se discute Fernando Pessoa, é penetrar em um terreno um tanto arenoso, como observaremos adiante. A respeito do assunto, Peirce [apud PIGNATARI, Décio. Semiótica e Literatura. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 55] afirma que “nada é mais verdadeiro do que a verdadeira poesia”; e que “os artistas são observa-dores muito mais finos e precisos” do que os cientistas, excetuando-se o universo específico que compõe o objeto de investigação de cada um.

Já Alberto Caeiro [um dos heterônimos pessoanos] põe em xeque o poder da palavra enquanto instrumento de aproximação com o real, julgando que a visão das coisas a partir da utilização da palavra é dis-torcida. Estaria, então, Caeiro, sendo verdadeiro (como afirma Peirce) nessa assertiva? Verdadeiro enquanto portador da verdade de Fernando Pessoa ou da dele próprio, enquanto mestre sensacionista e pagão, que pensa as coisas do mundo ciclicamente, isto é, a partir delas mesmas e para chegar a elas próprias? Mas o próprio Pessoa, ao mesmo tempo em que se confessa uma “metamorfose ambulante” (para usar as palavras de controvertida figura artística brasileira), reconhece na poesia de Caei-ro um maior grau de sinceridade. Por outro lado, quando um fingidor confesso diz que está sendo sincero, devemos acreditar ou não? Não seria, talvez, um mero recurso literário?

TAVARES, Edson. “Nítido como um girassol”. Metamorfoses do olhar em Alberto Caeiro. João Pessoa-PB: Ideia, 2003, p. 51-4

Fontes: http://3.bp.blogspot.com/_WGeVQDbGvNg/THQmkAR8lcI/AAAAAAAABjQ/ua2AWiJv3Ec/s1600/desenho-de-fernando-pessoa-por-almada.jpg

Page 134: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

134 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Atividade I

a) Procure responder às duas questões que fi nalizam o texto acima: “quando um fi ngidor confesso diz que está sendo sincero, devemos acreditar ou não? Não seria, talvez, um mero recurso literário?”. Argumente.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Texto 2

A heteronímia e a“ânsia de ser plural”

Já observamos que a “tendência orgânica e constante [de Fernando Pessoa] para a despersonalização e para a simulação”, como o poeta de-fende, poderia ser a origem “psíquica” dos heterônimos. Entretanto, ao lado deste, apresenta-se um outro motivo para o surgimento e atuação dessas diversas personalidades. É por uma razão crítico-literária que se dá o surgimento dos heterônimos. Na realidade, estava brotando uma poesia nova em Portugal. Tão nova e tão original que o próprio Pessoa questionava se os críticos convencionais teriam competência e conheci-mento bastantes para aquilatar-lhe o valor, sem cair no erro de comparar o que surgia de novo com o estabelecido canonicamente. Daí os pri-meiros críticos dos heterônimos terem sido eles mesmos, todos de uma “integridade artística indiscutível” [NUNES, Benedito. O dorso do tigre. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 229]: Álvaro de Campos escreveu as notas introdutórias à poesia de Ricardo Reis, bem como notas sobre seu relacionamento com Alberto Caeiro; e Ricardo Reis prefaciou a obra de Álvaro de Campos e a de Caeiro. No rascunho da carta a Casais Monteiro, o criador dos heterônimos deixa bem claro que ele (Pessoa) é

Page 135: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 135

o “ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha”.

Na verdade, a heteronímia não é uma novidade com Fernando Pessoa; já se utilizaram desse recurso Kierkegaard - que criou Cons-tantin Contantio, Johannes de Silentio, Victor Eremita Victor - e Antonio Machado, idealizador de Abel Martins e Juan de Mairena. O que temos aqui é um mundo multifacetado, abrindo-se em infinitas possibilidades perceptivas, forçando no poeta a necessidade de abarcar o mais possí-vel do que se expunha ao seu olhar. Essa infinitude exigia mais que um observar único, limitado a apenas um ponto de vista. Era preciso tam-bém se multiplicar em personalidades várias, em perspectivas diversas, no vão afã de pelo menos competir, com alguma chance, com as varia-das formas que a realidade se lhe apresentava. Assim, o fenômeno da heteronímia aparece como uma possibilidade viável de se experimentar essa viagem cognitiva múltipla.

No entanto, nenhum desses heterônimos alcançou a independên-cia intelectual e criativa que os de Pessoa, o que leva Octavio Paz a identificar aqueles como apenas pseudônimos [apud GAMA, Rinaldo. O Guardador de Signos. Caeiro em pessoa. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 24-5]. O próprio Pessoa resiste em considerar Bernardo Soares, au-tor do “Livro do Desassossego”, como um heterônimo, já que o estilo deste guardava tal identidade com o seu que não deveria passar de um semi-heterônimo. E justificava essa ausência de independência de Soares em relação ao criador: “Em prosa é mais difícil de se outrar”. Naturalmente, a modéstia ditou esta afirmação, uma vez que os textos em prosa dos heterônimos são de uma autonomia teórica e estilística ímpares.

Estava sendo sincero Fernando Pessoa quando se “outrava” em per-sonalidades tão díspares entre si e em relação a ele próprio? O poeta afirma que “se há parte de minha obra que tenha um ‘cunho de since-ridade’, essa parte é a obra do Caeiro”, embora deixe claro que todos os heterônimos se distinguem dele e que ninguém deve buscá-lo nas idéias deles, mas lê-los como eles são. A respeito da não-sinceridade, a concepção de Fernando Pessoa é muito clara:

O que eu chamo de literatura insincera não é aquela análoga à do Alberto Caeiro, do Ricardo Reis ou do Álvaro de Campos (...). Isso é escrito na pessoa de outro; é escrito dramaticamente, mas é sincero (...). Chamo de insinceras às coisas feitas para fazer pasmar, e às coisas, também — repare nisto, que é importante — que não contêm uma fundamental idéia metafísica, isto é, por onde não passa, ainda que como um vento, uma noção da gravidade e do mistério da vida.

E, de mais a mais, a emoção presente em cada um dos heterônimos é mentira na inteligência, como afirma Pessoa, porque a emoção não se dá na inteligência, que, quando busca exprimir uma emoção está sendo falsa. “Exprimir-se é dizer o que se não sente”.

Page 136: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

136 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Ricardo Reis: tranquilidade e conformismo

Por volta de 1912, uma idéia de escrever versos de “índole pagã” faz Fernando Pessoa esboçar o que será, dois anos mais tarde, o po-eta Ricardo Reis. Este apareceria logo após o surgimento de Alberto Caeiro, como uma necessidade de inventar discípulos para o mestre que acabara de surgir. Logo, Ricardo Reis nasce para sistematizar o Neopaganismo, graças a sua formação clássica, a sua rigidez e pre-ciosismo na organização teórica. Além disso, a contenção e a sensa-tez peculiares garantem-lhe uma poesia um pouco melhor trabalhada que a de Caeiro – do ponto de vista formal – e mais sóbria do que a barulheira emotiva de Álvaro de Campos. Reis teria sido encarregado pela família de Caeiro, após a morte deste, de cuidar da publicação de suas obras, com o devido comentário crítico.

Enquanto Álvaro de Campos, em sua sede incessante na busca de algo que não conseguia sequer vislumbrar, prostra-se em permanen-tes insatisfação e cansaço, Reis se contrapõe a esse cansaço como um estóico, renovando o pacto firmado pelo epicurismo, de viver com intensidade o momento presente.

Tanto o epicurismo quanto o estoicismo buscavam a tranquilidade: o primeiro neutralizando a dor, e a isso chamava de prazer, e o segundo resguardan-do a inteligência racional dos reclamos do desejo e do desvario da vontade, e a isso chamava de virtude. [NUNES, 1976, p. 225]

Assim, como pagão histórico, Reis reconhece as verdades experimen-tadas por Campos, mas não se debate quixotescamente contra a reali-dade. Antes, contenta-se em contemplar o tempo presente, que passa inexoravelmente, num típico Carpe diem horaciano. Isso o aproxima de Caeiro, ideologicamente, como podemos perceber nos trechos a seguir:

O tempo passa,Não nos diz nada.

Envelhecemos.Saibamos, quase

Maliciosos,Sentir-nos ir.

Só esta liberdade nos concedemOs deuses: submetermo-nos

Ao seu domínio por vontade nossa.Mais vale assim fazermos

Porque só na ilusão da liberdadeA liberdade existe.

Deixai-me a realidade do momentoE os meus deuses tranqüilos e imediatos

Que não moram no VagoMas nos campos e rios.

Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/creis.gif

Page 137: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 137

A obsessão pelo presente, ante o qual, entretanto, se mantém passi-vo, é a tônica da poesia de Ricardo Reis. “O tempo não nos diz nada”, apenas passa, porque, como afirmaria Caeiro, se o tempo dissesse al-guma coisa, não seria tempo, seria gente. Diante, então, desse silêncio, restam o envelhecimento e a sabedoria de sentir, de experimentar todas as sensações que esse passar do tempo proporciona.

A relação de Reis com os deuses, confirmando sua formação clás-sica, é da mais completa apatia, de ambos os lados: dos deuses em relação a ele por não considerarem o homem algo que mereça qual-quer satisfação ou consideração; dele, em relação aos deuses, por se achar consciente disso. A vontade do homem é presa, por natureza, à vontade dos deuses e, por mais que a ele pareça ser livre, a liberdade é apenas uma ilusão, corda a mais dada pelos manipuladores divinos a suas marionetes humanas.

Caeirianamente, Ricardo Reis clama pela única realidade possível, o momento imediato, aos seus deuses “que não moram no vago”, mas, como defende o mestre, distribuem-se entre campos e rios. É em nome dessa tranquilidade que Reis esconde-se em sua impermeável capa po-ética contra a mediaticidade, direcionando todas as suas energias para o tempo presente, a vida presente, como deseja Carlos Drummond de Andrade, em “Mãos Dadas”. Para o mais clássico dos heterônimos pes-soanos, a realidade faz-se do imediato que lhe permitem as sensações. Caeirianamente, reforcemos.

Álvaro de Campos: o verdadeiro ortônimo?

Álvaro de Campos é o último dos três famosos heterônimos cria-dos por Fernando Pessoa, surgido a partir de uma derivação oposta a Ricardo Reis. O quanto este tem de contido e severo, Campos tem de barulhento, emotivo, “histericamente histérico”. Homem dividido, em busca raivosa de conciliar suas contradições interiores, produz versos ríspidos, que escancaram a verdade de forma crua, arrojando ao leitor toda a fúria com que encara as convencionalidades:

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo,

.......................................................................................

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.Fontes: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/des1.gif

Page 138: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

138 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Futurista confesso, deslocado social e intelectualmente do presente (um dos fatores que lhe confirmam a oposição a Reis), é um dos mais ativos heterônimos no modernismo português. É em seu nome que apa-recem poemas em revistas do movimento, artigos analisando estetica-mente alguns aspectos modernistas, cartas a outros teóricos e poetas, reportagens – como a entrevista em que fala sobre a situação da Eu-ropa, especificamente da Inglaterra e de Portugal, em pontos de vista interessantíssimos. Sua poesia, entretanto – e quem diz isso é Ricardo Reis –, não se faz em versos; em função do desleixo formal provocado pela forte emotividade com que produz seus textos, poder-se-á mais acertadamente considerar sua obra como uma produção em prosa rit-mada. Não nos esqueçamos, no entanto, de que este é o ponto de vista de um classicista.

Sua relação com Alberto Caeiro é a de um discípulo que ama o mestre, mantendo com ele interessantes discussões filosóficas, em que muitas vezes contesta a passividade do guardador de rebanhos. Boa parte dessas discussões estão registradas nas “Notas para a Recorda-ção do meu Mestre Caeiro”. Também aí se evidencia a forma carinhosa com que Campos o trata. Talvez seja, emotivamente falando, o mais próximo dos discípulos, mais próximo mesmo que o próprio Fernando Pessoa. Sobre a influência caeiriana, Campos afirma: “Caeiro me ensi-nou (...) a ter clareza, equilíbrio, organismo no delírio e no desvairamen-to, e também (...) a não procurar filosofia nenhuma ”.

É tão forte este heterônimo, e com ele Fernando Pessoa atinge tal grau de requinte em sua proposital despersonalização, que Massaud Moisés [A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1990, p. 245] chega a sugerir o inusitado: Álvaro de Campos seria o ortônimo, o único dos poetas que é real, o verdadeiro fisicamente, a matriz da qual saíram os demais, inclusive Fernando Pessoa, sendo este apenas mais um hete-rônimo.

Tal observação é pertinente, se observarmos a semelhança das ati-tudes inconformistas nos versos de Campos, com os hábitos do homem Fernando Pessoa, de ordinário avessos ao convencionalismo social. Por sua vez, comparando alguns dos textos em prosa, acerca de Portugal, por exemplo, veremos algumas discrepâncias ideológicas e sentimen-tais em relação à nostalgia patriótica inflamada de seus versos ortôni-mos.

TAVARES, Edson. “Nítido como um girassol”. Metamorfoses do olhar em Alberto Caeiro. João Pessoa-PB: Ideia, 2003, p. 66-72

Page 139: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 139

Alberto Caeiro, por Fernando Pessoa

Em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma cômoda alta, e, to-mando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o ab-surdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernan-do Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a rea-ção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.

Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganis-mo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.

Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ri-cardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.

(...)

Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. (...). era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil quanto era. (...) louro sem cor, olhos azuis (...).

Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma – só instrução primária; morreram-lhe cedo e pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. (...).

(...) Como escrevo em nome desses três?... Caeiro por pura e ines-perada inspiracão, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ri-cardo Reis, depois de uma deliberacão abstrata que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. O meu semi-heterônimo Bernardo Soares

Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/caeiro.htm

Page 140: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

140 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterônimo porque, não sendo a per-sonalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mu-tilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afetividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de “tênue” à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer “eu próprio” em vez de “eu mesmo” etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado.

PESSOA, Fernando. Obra em prosa. Sel., org. e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998, p. 96-8

Atividade II

a) Depois de ler essa fantástica abordagem da forma de Fernando Pessoa fazer literatura, da criação dos heterônimos, o que você acha disso tudo? É um devaneio, uma loucura ou algo completamente novo e inusitado na literatura universal? Argumente.

b) Observando as características do mundo moderno, multifacetado, complexo, contraditório, e vendo Fernando Pessoa como o iniciador do Modernismo português, seria uma explicação para esse esfacelamento também do poeta em vários outros poetas? O que você acha disso?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 141: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 141

Texto 3Poemas

O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas

Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo comigo

Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do mundo...

Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender...

O mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos)

Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência, E a única inocência é não pensar... (Alberto Caeiro)

PESSOA, Fernando. Obra poética. Sel., org. e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001, p. 204-5

IIDia após dia a mesma vida é a mesma.

O que decorre, Lídia, No que nós somos como em que não somos

Igualmente decorre.

Colhido, o fruto deperece; e cai Nunca sendo colhido.

Igual é o fado, quer o procuremos, Quer o ‘speremos.

Sorte Hoje, Destino sempre, e nesta ou nessa

Forma alheio e invencível. (Ricardo Reis)PESSOA, Fernando. Obra poética. Sel., org. e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001, p. 275

Page 142: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

142 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

IIITodas as cartas de amor são

Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras, Ridículas.

As cartas de amor, se há amor, Têm de ser Ridículas.

Mas, afinal, Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor É que são Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor

Ridículas. A verdade é que hoje As minhas memórias

Dessas cartas de amor É que são Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente Ridículas.) (Álvaro de Campos)

PESSOA, Fernando. Obra poética. Sel., org. e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001, p. 399-400

Atividade III

Veja como são diferentes os estilos dos poemas acima. Parecem escritos realmente por pessoas diferentes. Procure estabelecer as principais diferenças que você encontra entre eles, e produza um texto, que poderá ser partilhado com os colegas.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 143: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 143

Sugestão de fi lme

Réquiem – um encontro com Fernando Pessoa (1998)

Num escaldante dia de verão, Paul, o narrador, tem um encontro marcado com um convidado que não é outro senão o fantasma do grande escritor Fernando Pessoa. Paul chega em Lisboa ao meio-dia e se dá conta de que os fantasmas só apare-

cem à meia-noite. Entre meio-dia e meia-noite, numa série de casua-lidades e ao reconstituir seu passado, Paul encontra diversos persona-gens, pessoas vivas e mortas cujos caminhos se cruzam num mesmo momento de um tempo descontínuo. Elenco: Francis Frappat, André Marcon, Canto e Castro, Zita Duarte, Alexandre Zloto, Márcia Breia, Cecile Tanner. Direção: Alain Tanner. Duração: 100 min.

Resumo

Fernando Pessoa e o Modernismo português se confundem, não só porque o poeta foi seu iniciador, através da revista Orpheu, mas pelas próprias características essencialmente modernistas do autor, que fize-ram dele uma referência única na literatura lusa. Tanto que chegou a fazer sombra aos demais autores do período. O fenômeno literário da heteronímia, desenvolvido por Pessoa, é responsável por um dos mais intrincados – e apaixonantes – mistérios da poesia portuguesa. Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, além de Bernardo Soares e do ortônimo Fernando Pessoa (ele mesmo), compõem toda uma litera-tura, com todas as nuanças de estilo diferenciadas entre si e do criador, numa projeção do complexo multifacetamento do mundo moderno, em que estão inseridos os poetas.

Page 144: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

144 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Autovaliação

Observe se:

• entendeu o surgimento e solidifi cação do movimento modernista português;

• percebeu a importância do poeta Fernando Pessoa e de seus heterônimos, na construção de uma obra modernista em Portugal;

• conseguiu distinguir os diferentes estilos da poesia dos heterônimos e do ortônimo pessoanos.

Referências

PESSOA, Fernando. Obra em prosa. Sel., org. e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.

PESSOA, Fernando. Obra poética. Sel., org. e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001

TAVARES, Edson. “Nítido como um girassol”. Metamorfoses do olhar em Alberto Caeiro. João Pessoa-PB: Ideia, 2003

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 145: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 145

Contemporaneidade: José Saramago e outros autores

X UNIDADE

Page 146: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

146 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa11111146464646446 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Apresentação

A literatura portuguesa hoje não tem o reconhecimen-to dos séculos anteriores, mundo afora. Mesmo no Brasil, ignora-se o que se está produzindo em Portugal, na contem-poraneidade.

Claro que todo mundo já ouviu falar do literato luso mais famoso da atualidade – José Saramago, recentemente fa-lecido – principalmente em função de ter sido o primeiro escritor de língua portuguesa a ser agraciado com Prêmio Nobel de Literatura em 1998.

Existe uma razão para o apagamento da literatura produ-zida em Portugal ao longo do século XX: nada é mais dano-so à cultura de um povo que uma ditadura militar. Portugal esteve mergulhada no regime salazarista de 1932 a 1974. Basicamente, então, o que conhecemos do Portugal literário do século XX resume-se a Fernando Pessoa e os ”orphistas” (Sá-Carneiro, Almada Negreiros) e os presencistas (capita-neados por José Régio); segue-se, então, um grande hiato,

5: http://3.bp.blogspot.com/-sniaT5OlFr4/TdWXw5FReeI/AAAAAAAABTk/0tGD5gxiZW8/s1600/SaramagoMemorial-do-Convento.jpg

1: http://1.bp.blogspot.com/_LbCsR6WCEZI/SrcoosHtCLI/AAAAAAAAAAw/1zN_BAZou9g/s1600-h/Teolinda+Gers%C3%83%C2%A3o.jpg

2: http://www.cm-pvarzim.pt/groups/staff/conteudo/imagens-gerais/cultura/correntes-d-escritas-2007/fotos-dos-escritores/ines-pedrosa.jpg

3: http://manuelcarvalho.8m.com/filipafoto.jpg

4: http://3.bp.blogspot.com/_d3EW59RNZW0/SRV4q58cIeI/AAAAAAAACwA/jMH_IkToF7Q/s400/rui_zink%5B1%5D.jpg

Teolinda Gersão

Inês Pedrosa

Filipa Melo

Rui Zink

Agustina Bessa-Luís

fonte das imagens

1

24

3

5

Page 147: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 147Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 147

só encontrando outro nome de realce em Saramago. Mas, como ressalta Rodrigo Augusto Fiedler do Prado, em artigo que reproduziremos a seguir, há outros nomes de projeção local, e que já começam a ser conhecidos na Europa, como os que ilustram esta página.

Conheceremos, nesta que é a última unidade desta dis-ciplina, um pouco do que se produz na atualidade, em Por-tugal.

Naturalmente, teremos um espaço maior ao autor de Memorial do convento, mas também conheceremos outros nomes.

Vamos lá?

Objetivos

Objetivamos, com esta unidade:

• conhecer alguns autores que estão fazendo literatura na atuali-dade, em Portugal;

• conhecer um pouco da obra literária de José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura;

• compreender os aspectos que fazem da atual literatura portu-guesa ainda pouco conhecida para além das fronteiras lusas.

Page 148: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

148 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Texto 1Inicialmente, conheceremos um pouco da vida e da obra de José

Saramago, em texto extraído da internet.

José saramagoJosé de Sousa Sarama-

go foi escritor, argumentista, jornalista, dramaturgo, con-tista, romancista e poeta. Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou o Prêmio Camões, o mais importante prêmio lite-rário da língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pelo efetivo re-conhecimento internacional da prosa em língua portu-guesa.

O seu livro Ensaio So-bre a Cegueira foi adapta-do para o cinema e lançado em 2008, produzido no Japão, Brasil, Uruguai e Canadá, dirigido por Fernando Meirelles. Em 2010, o realizador português António Ferreira adapta um conto retirado do livro Objecto Quase, conto esse que viria dar nome ao filme Embargo, uma produção portuguesa em co-produ-ção com o Brasil e Espanha.

Saramago nasceu no distrito de Santarém, na província geográfica do Ribatejo, no dia 16 de Novembro de 1922, de uma família de pais e avós agricultores. A sua vida é passada em grande parte em Lisboa, para onde a família se muda em 1924. Dificuldades econômicas impedem-no de entrar na universidade. Demonstra desde cedo interesse pelos estudos e pela cultura, curiosidade perante o Mundo que o acompanhou até à morte. Formou-se numa escola técnica. O seu primeiro emprego foi de serralheiro mecânico. Fascinado pelos livros, visitava, à noite, com gran-de frequência, a Biblioteca Municipal Central — Palácio Galveias.

Aos 25 anos, publica o primeiro romance, Terra do Pecado (1947), no mesmo ano de nascimento da sua filha, Violante, fruto do primeiro casamento com Ilda Reis – com quem se casou em 1944 e com quem permaneceu até 1970. Nessa época, Saramago era funcionário públi-co. Em 1988, casar-se-ia com a jornalista e tradutora espanhola María del Pilar del Río Sánchez, que conheceu em 1986 e ao lado da qual viveu até a morte. Em 1955 e para aumentar os rendimentos, começou

Fonte: http://embaixada-portugal-brasil.blogspot.com/2010/09/jose-saramago-integra-lista-de.html

Page 149: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 149

a fazer traduções de Hegel, Tolstoi e Baudelaire, entre outros.

Conhecido pelo seu ateísmo e iberismo, foi membro do Partido Co-munista Português e diretor-adjunto do Diário de Notícias. Juntamente com Luiz Francisco Rebello, Armindo Magalhães, Manuel da Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues, foi, em 1992, um dos fundadores da Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC).

Três décadas depois de publicado Terra do Pecado, Saramago re-tornou ao mundo da prosa ficcional com Manual de Pintura e Caligra-fia. Mas ainda não foi aí que o autor definiu o seu estilo. As marcas características do estilo Saramaguiano só apareceriam com Levanta--do do Chão (1980), livro no qual o autor retrata a vida de privações da população pobre do Alentejo.

Dois anos depois de Levantado do Chão (1982), surge o romance Memorial do Convento, livro que conquista definitivamente a atenção de leitores e críticos. Nele, Saramago misturou fatos reais com perso-nagens inventados: o rei D. João V e Bartolomeu de Gusmão, com a misteriosa Blimunda e o operário Baltazar, por exemplo. O contraste entre a opulenta aristocracia ociosa e o povo trabalhador e construtor da história servem de metáfora à medida da luta de classes marxista. A crítica brutal a uma Igreja ao serviço dos opressores inicia a exposição de uma tentativa de destruição do fenômeno religioso como devaneio humano construtor de guerras.

De 1980 a 1991, o autor trouxe a lume mais quatro romances que remetem a fatos da realidade material, problematizando a interpretação da “história” oficial: O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984) - sobre as andanças do heterônimo de Fernando Pessoa por Lisboa; A Jangada de Pedra (1986) - em que se questiona o papel Ibérico na então CEE [Comunidade Econômica Europeia] através da metáfora da Península Ibérica soltando-se da Europa e encontrando o seu lugar entre a velha Europa e a nova América; História do Cerco de Lisboa (1989) - onde um revisor é tentado a introduzir um “não” no texto histórico que corrige, mudando-lhe o sentido; e O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991) - onde Saramago reescreve o livro sagrado sob a ótica de um Cristo que não é Deus e se revolta contra o seu destino e onde, a fundo, questiona o lugar de Deus, do cristianismo, do sofrimento e da morte.

Nos anos seguintes, entre 1995 e 2005, Saramago publicou mais seis romances, dando início a uma nova fase em que os enredos não se desenrolam mais em locais ou épocas determinados e personagens dos anais da história se ausentam: Ensaio Sobre a Cegueira (1995); Todos os Nomes (1997); A Caverna (2001); O Homem Duplicado (2002); Ensaio Sobre a Lucidez (2004); e As Intermitências da Morte (2005). Nessa fase, Saramago penetrou de maneira mais investigadora os ca-minhos da sociedade contemporânea, questionando a sociedade capi-talista e o papel da existência humana condenada à morte.

Vítima de leucemia crônica, Saramago faleceu no dia 18 de Junho de 2010, aos 87 anos de idade, na sua casa em Lanzarote onde residia. O escritor estava doente havia algum tempo e o seu estado de saúde agravou-se na sua última semana de vida. O seu funeral teve honras de

Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_ZBf37Nu78aM/StYXS4SxJlI/AAAAAAAAAZ8/fZ1QKSEkUJg/s1600-h/Agustina%2520Bessa%2520Lu%25C3%25ADs.jpg

Page 150: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

150 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Estado, tendo o seu corpo sido cremado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

José Saramago foi conhecido por utilizar um estilo oral, dos contos de tradição oral populares em que a vivacidade da comuni-cação é mais importante do que a correção de uma linguagem escrita. Todas as caracte-rísticas de uma linguagem oral, predominan-temente usada na oratória, na dialética, na retórica e que servem sobremaneira o seu es-tilo interventivo e persuasivo estão presentes. Assim, utiliza frases e períodos compridos, usando a pontuação de uma maneira não convencional. Os diálogos das personagens são inseridos nos próprios parágrafos que os

antecedem, de forma que não existem travessões nos seus livros. Este tipo de marcação das falas propicia uma forte sensação de fluxo de consciên-cia, a ponto de o leitor chegar a confundir-se se um certo diálogo foi real ou apenas um pensamento. Muitas das suas frases (orações) ocupam mais de uma página, usando vírgulas onde a maioria dos escritores usa-ria pontos finais. Da mesma forma, muitos dos seus parágrafos ocupa-riam capítulos inteiros de outros autores. Por isso, se o leitor se habituar ao seu estilo, a sua leitura é muito agradável, pois o seu ritmo está muito próximo da eloquência oral do povo português.

Estas características tornam o estilo de Saramago único na literatu-ra contemporânea, sendo considerado por muitos críticos um mestre no tratamento da língua portuguesa. Em 2003, o crítico norte-americano Harold Bloom, no seu livro Genius: A Mosaic of One Hundred Exem-plary Creative Minds (“Génio: Um Mosaico de Cem Exemplares Mentes Criativas”), considerou José Saramago “o mais talentoso romancista vivo nos dias de hoje”, referindo-se a ele como “o Mestre”. http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Saramago

Texto 2Vamos ler um trecho do Ensaio sobre a cegueira, sucesso literário

que se transfor-mou também em grande sucesso de cinema.

Trecho de Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago

O disco amarelo iluminou-se. Dois dos automóveis da frente acele-raram antes que o sinal vermelho aparecesse. Na passadeira de peões surgiu o desenho do homem verde. A gente que esperava começou a atravessar a rua pisando as faixas brancas pintadas na capa negra

Fonte: http://img.video.globo.com/320x240/1285385.jpg

Page 151: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 151

do asfalto, não há nada que menos se pareça com uma zebra, porém assim lhe chamam. Os automobilistas, impacientes, com o pé no pedal da embraiagem, mantinham em tensão os carros, avançando, recuan-do, como cavalos nervosos que sentissem vir no ar a chibata. Os peões já acabaram de passar, mas o sinal de caminho livre para os carros vai tardar ainda alguns segundos, há quem sustente que esta demora, aparentemente tão insignificante, se a multiplicarmos pelos milhares de semáforos existentes na cidade e pelas mudanças sucessivas das três cores de cada um, é uma das causas mais consideráveis dos engorgi-tamentos da circulação automóvel, ou engarrafamentos, se quisermos usar o termo corrente.

O sinal verde acendeu-se enfim, bruscamente os carros arranca-ram, mas logo se notou que não tinham arrancado todos por igual. O primeiro da fila do meio está parado, deve haver ali um problema mecânico qualquer, o acelerador solto, a alavanca da caixa de velo-cidades que se encravou, ou uma avaria do sistema hidráulico, bloca-gem dos travões, falha do circuito eléctrico, se é que não se lhe acabou simplesmente a gasolina, não seria a primeira vez que se dava o caso. O novo ajuntamento de peões que está a formar-se nos passeios vê o condutor do automóvel imobilizado a esbracejar por trás do pára-bri-sas, enquanto os carros atrás dele buzinam frenéticos. Alguns conduto-res já saltaram para a rua, dispostos a empurrar o automóvel empana-do para onde não fique a estorvar o trânsito, batem furiosamente nos vidros fechados, o homem que está lá dentro vira a cabeça para eles, a um lado, a outro, vê-se que grita qualquer coisa, pelos movimentos da boca percebe-se que repete uma palavra, uma não, duas, assim é realmente, consoante se vai ficar a saber quando alguém, enfim, con-seguir abrir uma porta, Estou cego.

Ninguém o diria. Apreciados como neste momento é possível, ape-nas de relance, os olhos do homem parecem sãos, a íris apresenta-se nítida, luminosa, a esclerótica branca, compacta como porcelana. As pálpebras arregaladas, a pele crispada da cara, as sobrance-lhas de repente revoltas, tudo isso, qualquer o pode verificar, é que se des-compôs pela angústia. Num movimento rápido, o que estava à vista desapareceu atrás dos punhos fechados do homem, como se ele ainda quisesse reter no interior do cérebro a última imagem recolhida, uma luz vermelha, redonda, num semáforo. Estou cego, estou cego, repetia com desespero enquanto o ajudavam a sair do carro, e as lágrimas, rompendo, tomaram mais brilhantes os olhos que ele dizia estarem mortos. Isso passa, vai ver que isso passa, às vezes são nervos, disse uma mulher. O semáforo já tinha mudado de cor, alguns transeuntes curiosos aproximavam-se do grupo, e os condutores lá de trás, que não sabiam o que estava a acontecer, protestavam contra o que julgavam ser um acidente de trânsito vulgar, farol partido, guarda-lamas amol-gado, nada que justificasse a confusão, Chamem a polícia, gritavam, tirem daí essa lata. O cego implorava, Por favor, alguém que me leve a casa. A mulher que falara de nervos foi de opinião que se devia chamar uma ambulância, transportar o pobrezinho ao hospital, mas o cego disse que isso não, não queria tanto, só pedia que o encaminhassem até à porta do prédio onde morava, Fica aqui muito perto, seria um

Page 152: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

152 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

grande favor que me faziam. E o carro, perguntou uma voz. Outra voz respondeu, A chave está no sítio, põe-se em cima do passeio. Não é preciso, interveio uma terceira voz, eu tomo conta do carro e acompa-nho este senhor a casa. Ouviram-se murmúrios de aprovação. O cego sentiu que o tomavam pelo braço, Venha, venha comigo, dizia-lhe a mesma voz. Ajudaram-no a sentar-se no lugar ao lado do condutor, puseram-lhe o cinto de segurança, Não vejo, não vejo, murmurava entre o choro, Diga-me onde mora, pediu o outro. Pelas janelas do carro espreitavam caras vorazes, gulosas da novidade. O cego ergueu as mãos diante dos olhos, moveu-as, Nada, é como se estivesse no meio de um nevoeiro, é como se tivesse caído num mar de leite, Mas a cegueira não é assim, disse o outro, a cegueira dizem que é negra, Pois eu vejo tudo branco, Se calhar a mulherzinha tinha razão, pode ser coisa de nervos, os nervos são o diabo, Eu bem sei o que é, uma des-graça, sim, uma desgraça, Diga-me onde mora, por favor, ao mesmo tempo ouviu-se o arranque do motor. Balbuciando, como se a falta de visão lhe tivesse enfraquecido a memória, o cego deu uma direcção, depois disse, Não sei como lhe hei-de agradecer, e o outro respondeu, Ora, não tem importância, hoje por si, amanhã por mim, não sabemos para o que estamos guardados, Tem razão, quem me diria, quando saí de casa esta manhã, que estava para me acontecer uma fatalidade como esta. Estranhou que continuassem parados, Por que é que não andamos, perguntou, O sinal está no vermelho, respondeu o outro, Ah, fez o cego, e pôs-se a chorar outra vez. A partir de agora deixara de poder saber quando o sinal estava vermelho.

http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/trechos/ensaio-sobre-a-cegueira.html

Atividade Ia) Você percebeu, no trecho acima transcrito, alguns aspectos do estilo de

Saramago, apontados no texto anterior? Identifi que-os e comente-os.

b) Opine sobre a presença das cores no trecho do romance de José Saramago.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 153: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 153

Texto 3Vamos conhecer agora, algo sobre o que está acontecendo na con-

temporaneidade, em Portugal, em termos de literatura, para além de Saramago, através de um artigo de Rodrigo Prado, extraído do site “Recanto das Letras” – o qual, aliás, sugerimos como leitura comple-mentar, pela excelência do que é lá publicado.

A literatura portuguesa contemporânea

Rodrigo Augusto Fiedler do PradoPortugal, o berço de nossa língua e cultura, sempre, ao longo dos

tempos (precisamente desde o século XII, com o advento de nossa lite-ratura – com os cancioneiros populares trovadorescos), nos presenteou com grandes artistas das letras. Donos de uma literatura rica e sem par, os escritores portugueses se fizeram, entre os falantes de línguas latinas, um marco único e singular.

Camões, Eça de Queiroz, Teófilo Braga, Bocage, Garret, Feliciano de Castilho, Herculano e Pessoa (e seus heterônimos) nos tornam isso bastante claro. Mas não é só do passado que vive a Literatura Lusa. Menos produtivo e menos divulgado, o século XX tem também seus íco-nes. Infelizmente escritores e obras impressionantes foram sucumbidas ao regime ditatorial de Salazar, que além de afundar Portugal numa crise econômica e social gravíssima, cerceou sua cultura a um espaço e a uma forma muito intrínseca à própria regionalidade portuguesa. Diferente das naus lusitanas do século XVI, a literatura lusa do século XX não desbravou cercanias do além mar.

Mas este espectro não foi perene. Nas últimas décadas do século passado, na fase pós-ditadura, houve um readvento cultural em Portu-gal. É fato que o intercâmbio cultural com o Brasil e com as outras ex--colônias, principalmente as ilhas e Angola, enriqueceram o ambiente cultural luso, até então tão atrasado. Autores como Jorge Amado, Érico Veríssimo e Drummond passaram a ser lidos com avidez, músicos como Chico Buarque, Caetano Velo-so e Djavan passaram a ser adorados naquele país. Artistas angolanos do mesmo quilate passaram a fazer parte da cultura cotidiana portuguesa e, com isso, Portugal se indepen-deu definitivamente das marcas deixadas pelo Salazarismo, readquiriu personalidade própria e conseguiu, pela primeira vez na história da humanidade, trazer um prêmio Nobel de Literatura para um escritor de língua portuguesa: José Saramago.

Page 154: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

154 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Este feito, de certa forma, funcionou como uma “faca de dois gu-mes”. Gerou uma dicotomia interessante no aspecto literário portu-guês: de um lado Saramago, ostentado, visionado e bem posicionado frente à mídia, e de outro, uma gama tão interessante quanto de au-tores, que ficaram apagados pelo próprio sucesso do autor de “Ensaio sobre a cegueira” e que não foram por sua vez, aclamados pela crítica internacional.

Autores com estilos e formas incomparáveis, de literatura belíssima e riqueza gramatical; do mesmo nível (ou até superiores) que o próprio Saramago e outros autores contemporâneos (como Salmman Rushdie, Ernest Hemmingway, Paul Auster, Isabel Allende, Antonio Skármeta, Jorge Luiz Borges e Garcia Marques), surgiram e estão até os tempos atuais em produção brilhante em Portugal; mas o problema é que a mídia, assim como cobriu este ícones todos, só o fez para Saramago.

Este quase preconceito ocorre, talvez, pela literatura lusitana ser bem artística e às vezes complexa; talvez pelo não formato de “Best-Seller” que possuem as obras; talvez – e o que seria lamentável – pela língua. É sabida nos anais editoriais a dificuldade de transferir e traduzir a questão semântica luso-brasileira para outras línguas, assim como a questão gramatical, restando ao espanhol – língua que muito se asse-melha à nossa – uma opção de divulgação evidente. Mas o “plus” do mercado editorial não é em Madri, nem tampouco em Buenos Aires, quiçá na cidade do México. É obviamente em Nova Iorque, Frankfurt e Paris.

Para que possamos tomar conhecimento da pluralidade literária portuguesa contemporânea, algumas editoras (em especial a Editora Planeta, do Brasil), optou pela publicação de obras portuguesas recen-tes, escolhendo autores de consagração local e de já algum impacto na Europa e nos EUA.

São eles, Inês Pedrosa, Filipa Melo, Rui Zink, Teolinda Gersão e Agustina Bessa-Luís, entre outros, sendo a primeira e a terceira escrito-ras, respectivamente, as mais lidas atualmente naquele país, a última (Agustina) a ganhadora do prêmio Camões 2004, e Rui Zink um autor já com um público leitor bem definido e professor universitário.

Os temas, ligeiramente abordando o fantástico e o impossível, fler-tam com o metafísico, mas não fogem do lugar-comum das banali-dades do cotidiano, são textos que não têm nada de filosóficos e nos ensinam uma nova maneira de ler. Uma leitura onde, passo-a-passo, vamos interiorizando o contexto do livro e, de repente, nos percebemos parte dele.

Em Fazes-me falta (Pedrosa, Inês – Editora Planeta), por exemplo, o leitor se depara com um dispositivo narrativo de extrema simplicidade: duas vozes apenas, que, ao longo de cinquenta blocos textuais, a que, pela sua episódica brevidade, não chegaremos a chamar capítulos, se cruzam numa espécie de diálogo espectral. Uma dessas vozes é feminina, e é a ela que cabe a iniciativa de convocar os temas. A outra voz, que viremos a saber que é mais velha, pertence a um homem. Po-deríamos pensar, segundo as convenções de leitura para que estamos

Page 155: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 155

preparados, que entre estas duas personagens existe sobretudo uma relação passional. Mas aquilo que as une é de uma outra ordem – e de certo modo o livro não faz mais do que ir à procura do nome exato para essa ordem, o nome apropriado para esse tecido de palavras que une, enreda, compromete, envolve estas duas vozes. De um modo es-quemático, dir-se-ia, como a própria Inês sugere, que se trata de uma relação de amizade. E de que o que Inês Pedrosa pretende é relançar a energia ficcional da amizade, habitualmente relegada, no campo dos afetos romanescos, para um lugar secundário.

Inês Pedrosa é portuguesa, mas sua obra não – é universal, diga-mos inclusive, transcendental . Apesar de apresentar personagens por-tugueses, envoltos na cultura lusa, Fazes-me falta é dos romances mais originais dos últimos tempos. Amantes que mantém sua chama acesa após a morte da mulher e fatos da vida apresentados aleatória e poeti-camente. Impecável escrita, envolvimento certeiro. Leia ou te fará falta.

Podemos, através do texto de Marcelo Pen, crítico literário da Folha de São Paulo, tornarmo-nos mais esclarecidos quanto à ambientação literária portuguesa:

...Nem Saramago nem Lobo Antunes. Os novos autores portugue-ses não estão interessados nas questões coloniais ou pós-coloniais nem em pregar contra a globalização. Pelo menos a julgar pelo que dizem os escritores Filipa Melo, 31, e Rui Zink, 42, que lançam seus livros pela nova coleção “Tanto Mar”, da editora Planeta, na Bienal do Livro de São Paulo.

Seus romances tratam de futebol, mídia, cultura pop e morte. Além disso, os dois querem mais do que se filiar à literatura portuguesa. Eles querem o mundo.

A morte é o tema que une os dois romances. Em Este É o Meu Corpo, de Filipa, o encontro de um cadáver desfigurado de mulher é o ponto de partida para investigar o ser humano.

O livro tem longas cenas de dissecação, prática médica que exigiu da autora uma intensa pesquisa. “A imagem de um corpo voltado pelo avesso”, afirma, “relaciona-se com minha idéia de que a morte é um momento de renascimento”. Ela explica que, “quando alguém morre, começa uma nova vida, feita de memória”.

Em O Reserva, de Zink, um locutor esportivo distraído atropela e mata um garoto de quatro anos. A tragédia permite ao autor, por meio de um punhado de personagens, examinar diversos setores da socie-dade portuguesa.

“A morte é um pretexto para falar da vida. Quero acompanhar a re-ação das personagens implicadas – o atropelador, a mulher e a amante dele; o pai, a mãe e o avô da criança – e também da sociedade e da lei. O leitor vai reconhecer-se nalguma daquelas boas pessoas. Os grandes crimes são cometidos por boas pessoas.”

O livro de Zink, que é professor da Universidade Livre de Lisboa e doutorando em HQs, foi adaptado para a edição brasileira. A começar pela troca do título lusitano, “O Suplente”, que para nós parece ter

Page 156: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

156 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

conotação política.

Melo e Zink citam sem pestanejar alguns nomes da literatura bra-sileira contemporânea, como Adriana Lisboa, Bernardo Carvalho, Marilene Felinto. Também mostram admiração por Rubem Fonseca: “Pode-se dizer que é um mestre que influenciou a escrita portuguesa”, comenta Zink.

Mas não conhecem os autores da chamada Geração 90 (Marçal de Aquino e Nelson de Oliveira, para citar dois). Do outro lado da balança, os brasileiros ignoram boa parte do que se passa no atual cenário literário português. Como acabar com essa ignorância?

Filipa Melo tem uma resposta na ponta da língua: a responsabilida-de cabe à imprensa especializada. “Em Portugal se fala muito de uma irmandade com o Brasil; o que falta é existir essa irmandade. Os jor-nalistas de cultura têm um papel crucial nas pontes que se estabelecem entre as propostas literárias dos dois países.”

Melo e Zink não gostam de ser etiquetados como “nova geração”. Para Zink, “a cultura da novidade é perigosa. As alianças entre autores criam-se pela estética; o que se dá independentemente de geração ou nacionalida-de”.

Para Melo, “catalogar está fora de moda; é preciso tirar as etique-tas. É óbvio que meu romance é português, mas pode se passar em qualquer outro local”. Zink também almeja um alcance maior: “Quero um leitor que viaje com o livro. As palavras são postas como pedrinhas escondidas sob a água, por cima das quais ele deve caminhar nesse maravilhoso oceano que é a inteligência do mundo”.

Mas, voltando à importância de o leitor brasileiro vir a interessar--se pela ficção da “terrinha”, Zink brinca: “Olha, nós temos o Deco (o jogador brasileiro Anderson Luís de Sousa), naturalizado português, temos uma moeda forte, o euro. Acho que está mais do que na hora de os brasileiros começarem a “amar” a nossa literatura!”.

Para enriquecer ainda a gama de autores lusos contemporâneos, escritoras como Teolinda Gersão, fazem a diferença no cenário.

Teolinda Gersão nasceu em Coimbra, estudou Germanística e An-glística nas Universidades de Coimbra, Tuebingen e Berlim, foi Leitora de Português na Universidade Técnica de Berlim, docente na Faculdade de Letras de Lisboa e posteriormente professora catedrática da Uni-versidade Nova de Lisboa, onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada até 1995. A partir dessa data passou a dedicar-se exclusi-vamente à literatura.

Além da permanência de três anos na Alemanha, viveu dois anos em São Paulo, Brasil (reflexos dessa estada surgem em alguns textos de Os guarda-chuvas Cintilantes, 1984), e conheceu Moçambique, cuja capital, então Lourenço Marques, é o lugar onde decorre o romance de 1997, A Árvore das Palavras, mais uma publicação Planeta aqui no Brasil.

Fica então claro que a literatura portuguesa de hoje transcende Sa-

Page 157: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 157

ramago, transcen-de os profundos flertes com a filosofia e, mesmo go-zando da despretensão de tratar do cotidiano, atinge o sublime através de “penas” menos ortodoxas das veias mais abertas da literatura – o retrato e a recriação do próprio homem.

Atinge a qualidade e o belo do simples, através de entretenimento, qualidade e muita, mas muita arte.

http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/1062563

Atividade II

a) O que você acha da ação da mídia e dos interesses mercadológicos a defi nir a penetração da literatura? Discuta isso.

b) Comente esse fenômeno que é um grande escritor fazer sombra a outros escritores contemporâneos, como aconteceu com Fernando Pessoa e José Saramago.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 158: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

158 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Sugestão de fi lmes

Ensaio sobre a cegueira (2008)

Conta a história de uma inédita epidemia de cegueira, inexplicável, que se abate so-bre uma cidade não identifica-da. Tal “cegueira branca” - as-sim chamada, pois as pessoas infectadas passam a ver ape-nas uma superfície leitosa - manifesta-se primeiramente

em um homem no trânsito e, lentamente, espalha-se pelo país. Aos poucos, todos acabam cegos e reduzidos a meros seres lutando por suas necessidades básicas, expondo seus instintos primários. O foco do filme, no entanto, não é desvendar a causa da doença ou sua cura, mas mostrar o desmoronar completo da sociedade que, perde tudo aquilo que considera civilizado. Ao mesmo tempo em que vemos o colapso da civilização, um grupo de internos tenta reencontrar a hu-manidade perdida. O brilho branco da cegueira ilumina as percepções das personagens principais, e a história torna-se não só um registro da sobrevivência física das multidões cegas, mas, também, dos seus mundos emocionais e da dignidade que tentam manter. Mais do que olhar, importa reparar no outro. Só dessa forma o homem se humaniza novamente. Elenco: Julianne Moore, Danny Glover, Alice Braga, Mark Ruffalo, Gael García Bernal, Don McKellar, Maury Chaykin, Martha Burns. Direção: Fernando Meirelles. Duração: 120 min.

Embargo (2010)

Nuno é um homem que traba-lha numa roulotte de bifanas, mas que inventou uma máquina que promete revolucionar a indústria do calçado – um digitalizador de pés. No meio de um embargo pe-trolífero e deparando-se com uma estranha dificuldade, Nuno tenta obstinadamente vender a máqui-

na, obcecado por um sucesso que o fará descurar algumas das coisas essenciais da sua vida. Quando Nuno fica estranhamente enclausurado no seu próprio carro e perde uma oportunidade única de finalmente pro-duzir o seu invento, vê subitamente a sua vida embargada… Elenco: Filipe Costa, Cláudia Carvalho, Pedro Diogo, Fernando Taborda, José Raposo, Miguel Lança, Eloy Monteiro. Direção: Antonio Ferreira. Duração: 83 min.

Page 159: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 159

Resumo

Pudemos observar que, na atualidade, a literatura portuguesa do século XX, apesar de sua aparição tímida na mídia, guarda bons escri-tores, que não apenas Fernando Pessoa e José Saramago. A ditadura de Oliveira Salazar, por mais de quatro décadas, foi uma das responsá-veis pelo obscurantismo em que mergulhou a arte literária lusa, somen-te alçada novamente às luzes midiáticas em 1998, quando Saramago transformou-se no primeiro escritor de língua portuguesa a receber o Nobel de Literatura. No percurso que procuramos realizar, ao longo destas dez unidades, percebemos que, desde as primeiras manifesta-ções trovadorescas, no século XII, até as mais recentes, o nacionalismo português tem lugar de destaque. Claro está que não falamos sobre todos os escritores lusos – o que seria impossível em espaço tão breve. Ausências importantes serão apontadas, naturalmente. Resta, então, a você, aluno, que se interessar pela rica historiografia literária portu-guesa, e pela própria literatura lusa, pesquisar, seja em livros, seja na internet, e mergulhar nesse universo fabuloso.

AutovaliaçãoObserve se:

• compreendeu a situação literária de alguns autores que estão fazendo literatura na atualidade, em Portugal;

• identifi cou características próprias da obra literária de José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura;

• compreendeu os aspectos que fazem da atual literatura portuguesa ainda pouco conhecida para além das fronteiras lusas

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Page 160: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

160 SEAD/UEPB I Literatura Portuguesa

Referências

Web:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Saramago

http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/1062563

http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/trechos/ensaio-sobre-a-cegueira.html

Page 161: Literatura Portuguesa cs5 - PROEAD · 88 SEAD/UEPB I Literatura PortuguesaSEAD/UEPB I Literatura Portuguesa Apresentação O grande poeta Fernando Pessoa escreveu que Portugal é

Literatura Portuguesa I SEAD/UEPB 161