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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
LIBERDADE PROVISÓRIA FRENTE À
LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
LUIZ FERNANDO ALOVISI
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI do Centro de Educação de São José.
São José, 13 de junho de 2005.
Banca Examinadora
Prof.ª Msc. Ana Paula Kich Gontijo – Orientadora
Prof.º - Membro
Prof. º - Membro
DEDICATÓRIA
Dedico este texto:
Aos meus pais Nelson e Edi, com os quais sempre pude contar e que me deram forças para continuar perseverante em meus anseios.
À minha filha Luiza, a quem tenho tanto amor
e muito a compartilhar.
À orientadora Ana Paula, pela sua dedicação e motivação para a realização deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida;
Aos meus pais Nelson e Edi, pela vida e ensinamentos;
À minha filha Luiza, a quem tanto tenho a orgulhar;
À minha irmã Nelise, pelo apoio e incentivo;
À orientadora Ana Paula, pelo desafio assumido;
Aos professores, pelo magistério prestado;
Aos meus amigos Rogério e Kadó, com os quais tenho tantas afinidades;
Aos meus colegas de trabalho, pelas barras que enfrentamos;
A todas as amizades conquistadas no decorrer do curso;
Aos superiores, delegados de polícia Rudinei Charão Teixeira, Francisco Ari
Plantes dos Anjos, Airton José Stang e Rodrigo Falck Bortolini, pelos ensinamentos passados
e experiências compartilhadas.
A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para esta etapa da
minha vida.
Muito obrigado, e desculpem minhas faltas.
“Procure ser um homem de valor, em vez de ser um
homem de sucesso”.
Albert Einstein
SUMÁRIO
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI .....................................................1
RESUMO..............................................................................................................................7
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ..........................................................................8
INTRODUÇÃO....................................................................................................................9
1 ORDENAMENTO JURÍDICO ......................................................................................11
1.1 SISTEMA NORMATIVO..............................................................................................11
1.2 PRINCÍPIOS NO SISTEMA JURÍDICO PENAL ..........................................................11
1.2.1 Princípio do Devido Processo Legal ............................................................................12
1.2.2 Princípio da Presunção de Inocência ............................................................................14
1.2.3 Princípio da Ampla Defesa e Contraditório..................................................................16
1.2.4 Direito de Defesa.........................................................................................................18
1.2.5 Princípio da Tutela Social............................................................................................19
1.2.6 Princípio do Relaxamento de Prisão Ilegal...................................................................20
1.3 PRISÃO PENA ..............................................................................................................21
1.4 PRISÃO CAUTELAR....................................................................................................22
2 ASPECTOS RELEVANTES DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS ..........................24
2.1 CONCEITO DE CRIME HEDIONDO...........................................................................24
2.2 REFERÊNCIA CONSTITUCIONAL AO CRIME HEDIONDO....................................25
2.3 ORIGEM DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS...........................................................26
2.4 ANISTIA, GRAÇA E INDULTO...................................................................................27
2.5 CUMPRIMENTO INTEGRAL DA PENA EM REGIME FECHADO ...........................29
2.6 LIVRAMENTO CONDICIONAL E REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA............................30
2.7 DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE....................................................................32
2.8 PRISÃO TEMPORÁRIA ...............................................................................................33
3 INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO À LIBERDADE PROVISÓRIA .....35
NOS CRIMES HEDIONDOS............................................................................................35
3.1 LIBERDADE PROVISÓRIA .........................................................................................35
3.2 LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS..........................................39
3.3 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS NO SENTIDO DA
INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, II, 2ª PARTE, DA LEI Nº 8.072/90..............44
3.4 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS NO SENTIDO DA
CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, II, 2ª PARTE, DA LEI Nº 8.072/90..................46
CONCLUSÃO ....................................................................................................................48
REFERÊNCIAS.................................................................................................................50
ANEXO I ............................................................................................................................52
LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990........................................................................52
ANEXO II...........................................................................................................................55
JURISPRUDÊNCIAS PROL INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.2º, II,
SEGUNDA PARTE, DA LEI Nº 8.072/90 .........................................................................55
ANEXO III .........................................................................................................................56
JURISPRUDÊNCIAS CONTRA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.2º, II,
SEGUNDA PARTE, DA LEI Nº 8.072/90 .........................................................................56
ANEXO IV .........................................................................................................................57
SÚMULAS..........................................................................................................................57
RESUMO
Com o advento da promulgação da Constituição Federal de 1988, criou o legislador constituinte a expressão “crimes hediondos” e a eles equiparou a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e o terrorismo. Definiu o inciso XLIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, que os referidos crimes seriam insuscetíveis de fiança, graça e anistia. Entretanto, coube à Lei especial definir quais seriam os tipos penais que seriam rotulados como “hediondos”. Para tanto, foi promulgada a Lei nº 8.072 de 25 de julho de 1990, que elencou de forma taxativa os tipos penais que seriam submetidos às vedações. Ultrapassando sua competência e adentrando em matéria constitucional, o legislador ordinário ampliou as vedações previstas na Carta Magna, lhes impondo uma severidade ainda maior. Foram vedados os direitos ao indulto, a progressão de regime obrigando o condenado cumprir a pena integralmente em regime fechado, ampliação do prazo da prisão temporária para trinta dias, majoração de penas e a restrição à liberdade provisória, que é o tema principal a ser abordado neste trabalho. Ao impossibilitar a liberdade provisória ao acusado, a Lei não respeitou princípios constitucionais como da ampla defesa e contraditório, da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. Desta forma, tal dispositivo carece de validade por afrontar direitos e garantias fundamentais do indivíduo, estabelecidos na Lei Maior, imprescindindo de inconstitucionalidade.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CF – Constituição Federal
CP – Código Penal
CPP – Código de Processo Penal
Art. – Artigo
Arts. – Artigos
Inc – Incisos
TJ – Tribunal de Justiça
STJ – Superior Tribunal de Justiça
STF – Supremo Tribunal Federal
HC – Habeas Corpus
Rel. – Relator
Rec. – Recurso
DJU – Diário de Justiça da União
Ss – seguintes
p. – páginas
v. - volume
INTRODUÇÃO
Tema controvertido é o da Lei 8.072/90, que trata dos chamados crimes hediondos e
assemelhados. Esta lei ordinária surgiu logo após a promulgação da Constituição Federal de
1988, que suscitou a expressão “hediondo” pe la primeira vez em nosso ordenamento jurídico
penal.
Entretanto, quando do seu surgimento, em 1988, os “crimes hediondos” não
possuíam ainda uma definição, tipificação, ou qualquer delimitação quanto a parâmetros a
serem adotados para que pudessem efetivamente ser empregados no direito penal brasileiro.
Sabia-se à época, que a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, e o terrorismo, estavam equiparados aos crimes hediondos, tendo todos estes, as
mesmas restrições trazidas pela própria Constituição. Restrições estas que se resumiam na
vedação do instituto da fiança, da graça e da anistia.
Coube então ao legislador ordinário, elaborar uma lei que definisse quais seriam os
crimes hediondos ou os requisitos que levariam a sua identificação.
Desta feita, o Congresso Nacional, no início da década de 90, ao calor de uma onda
de seqüestros de pessoas com influências econômico-políticas no cenário nacional, que
estavam ocorrendo no Rio de Janeiro, agilizou a promulgação da Lei nº 8.072 de 25 de julho
de 1990, que passou a dispor sobre os crimes hediondos, nos termos do artigo 5º, inciso
XLIII, da Constituição Federal, e determinando outras providências. Esta lei de poucos artigos
trazia, além das vedações já expressas na Constituição, uma séria de outras restrições de
direitos e garantias fundamentais elencados na Carta Magna. Dispôs ainda sobre a majoração
e ampliação de preceitos já definidos constitucionalmente em matéria processual.
Foram rotulados por crimes hediondos, alguns tipos penais constantes do Código
Penal Brasileiro, que entendeu o legislador serem merecedores de tal denominação e aos quais
imputou grave rigidez, aumentando a cominação de suas penas e exigindo que o seu
cumprimento fosse em regime integralmente fechado.
Podemos citar ainda como exemplos da severidade que a lei foi dotada, a vedação ao
indulto, o aumento do prazo da prisão temporária que foi ampliado para trinta dias e a
restrição da liberdade provisória, que é o objeto de estudo do presente trabalho.
Para possibilitar uma melhor análise do tema escolhido, discorremos em primeiro
plano, sobre o sistema normativo que rege o ordenamento jurídico brasileiro, passando para
descrição de alguns princípios que têm influência no sistema jurídico penal e também ao tema
principal a ser abordado. Trataremos também acerca das espécies de prisão, quais sejam, a
prisão pena e a prisão cautelar ou processual, esta de maior importância neste trabalho e
estreita ligação com a liberdade provisória.
Em seguida, trataremos de fazer um breve apanhado da Lei dos Crimes Hediondos,
destacando seus aspectos mais relevantes, contudo, sem a intenção de exaurir os pontos
conflitantes que fujam ao objetivo principal desta pesquisa.
Por fim, estudaremos especificamente no que diz respeito ao inciso II, 2ª parte, do
artigo 2° da Lei nº 8.072/90 , que dispõe sobre a vedação da liberdade provisória aos acusados
por crimes definidos nesta Lei.
Com isto, pretende-se demonstrar a afronta do dispositivo da lei ordinária que
conflita com a norma constitucional e não obedece aos princípios consagrados pelo
ordenamento jurídico, e aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo.
Outro ponto a ser suscitado, e que será merecedor de análise, funda-se quanto a
controvérsia existente na própria Lei dos Crimes Hediondos, quando restringe o direito de
liberdade provisória ao acusado, mas o beneficia com a possibilidade de apelar em liberdade
(Art. 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.072/90), indo de encontro à severidade apresentada pela Lei.
Para tanto, iremos buscar nas definições encontradas no próprio texto elaborado,
assim como de doutrinadores do assunto, jurisprudências diversas e todas outras formas
colaborativas, o esclarecimento necessário para a fundamentação do tema abordado.
1 ORDENAMENTO JURÍDICO
1.1 SISTEMA NORMATIVO
A Constituição Federal não é um documento fechado e inalterável. É sim, um
sistema normativo aberto e dinâmico. Este sistema é formado por normas e princípios. As
normas constitucionais são aquelas que têm elementos necessários para investir alguém da
qualidade de titular de um direito subjetivo. Já os princípios, não possuem esse aspecto
funcional, devido ao seu grau de abstração e de indeterminação das circunstâncias em que
devem ser aplicados.
Os princípios determinam as diretrizes fundamentais do Texto Constitucional. Neste
sentido, bem descreve Celso Ribeiro Bastos (2001, p. 158):
É por esta razão que os princípios ganham em abrangência, uma vez que irradiam por todas as demais normas que sejam meras regras do Texto Constitucional, influenciando em sua interpretação, na determinação de seu conteúdo e, até mesmo tornando inconstitucional as regras cujo teor pretenda impor comandos que conflitem com os princípios.
Assim, pode-se dizer, que os princípios compõem o alicerce de um sistema, dando-
lhe harmonia e definindo sua lógica e racionalidade. Trata-se do espírito do sistema
normativo.
Toda lei ordinária deve ajustar-se ao espírito da Constituição, como condição sine
qua non de validade. Toda disposição que interfira na abrangência e sentido dos princípios
constitucionais não serão recepcionados pela Carta Magna e estarão sujeitas a
inconstitucionalidade.
1.2 PRINCÍPIOS NO SISTEMA JURÍDICO PENAL
O ordenamento penal brasileiro está disciplinado na Constituição Federal, Código
Penal e Código de Processo Penal, além das inúmeras leis esparsas que formam sua legislação
complementar.
Entretanto, é na Constituição Federal, em seu Título I, Capítulo I que trata Dos
Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, que estão delineados os direitos e garantias
fundamentais no âmbito penal de modo geral.
Estes direitos trazidos na Constituição Federal fazem parte da própria condição
humana. Tais direitos e garantias não podem jamais ser alterados ou abolidos.
Esclarece Railda Saraiva (1992, p. 1):
[...] traz a Constituição numerosos institutos e dispositivos de direito penal (substantivo e adjetivo), exatamente por incidir o direito penal diretamente na órbita da liberdade individual, na medida em que proíbe certas condutas e se vincula aos valores constitucionalmente consagrados, punindo sua violação.
Portanto, a Constituição Federal regula o poder do Estado quanto a liberdade do
indivíduo, estabelecendo princípios norteadores a serem observados pelo direito penal e
vinculados a sua validade.
Cabe ao doutrinador refletir e interpretar a lei regulamentadora da relação entre
autoridade e liberdade, direitos fundamentais e poder estatal, se mais democrático ou
autoritário, se mais liberal ou conservador.
Desta forma, fica evidenciada a intenção do legislador constituinte, em definir regras
para evitar abusos contra a liberdade individual, assegurando a defesa do indivíduo face ao
aparelho repressor estatal, subordinando todo o ordenamento jurídico penal aos direitos e
garantias individuais elencadas na Constituição Federal.
1.2.1 Princípio do Devido Processo Legal
O processo é o suporte onde devem se desenvolver de forma equilibrada as
atividades do Estado (jurisdição) e das partes (autor e réu).
O direito processual tem por base, as normas constitucionais a serem analisadas
primeiramente, no âmbito do instituto do processo.
O fenômeno processual penal, garante ao réu uma condição jurídica de sujeito dotado
de direitos processuais.
Neste âmbito, bem descreve Celso de Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (1989,
v.2, p. 260):
O processo, no mundo moderno, é a manifestação de um direito da pessoa humana. Por esta razão, as Constituições se interessam por discipliná-lo, a fim de impedir que leis mal elaboradas possam levar à sua desnaturação, com o conseqüente prejuízo dos direitos subjetivos que deve amparar (1989, p. 260)
Para evitar tal desnaturação, a Constituição Federal de 1988 incorporou o princípio
do devido processo legal, que passou a ter importância vital no direito processual penal
brasileiro e assim foi descrito:
Art 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Esta regra genérica insere o devido processo legal no direito penal, que deve ser
observado no desenvolvimento do processo.
Observa Alexandre de Moraes (2000, p. 116):
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).
Assim, este princípio visa proteger a pessoa contra a ação arbitrária do Estado e
quase que se confundindo com o Estado de Direito devido a sua larga abrangência. Com ele
são invocados outros direitos e garantias que fazem do processo um procedimento
previamente instituído e que determina igualdade entre as partes e harmonia com o Estado.
Railda Saraiva defende ainda que (1992, p. 65):
O Princípio do Devido Processo Legal deve ser completado, na prática, com a exigência da “razoabilidade das leis”, para que possa assegurar, efetivamente, o respeito aos direitos e liberdades individuais, operando como eficaz antídoto contra o arbítrio.
Qualquer lei que venha de encontro com este propósito de um processo regular,
anteriormente delimitado e seguindo todos os preceitos legalmente instituídos é
inconstitucional.
Esta previsão constitucional tem enorme importância, na medida que têm permitido o
desenvolvimento de toda uma construção doutrinária e jurisprudencial, que vem garantindo ao
réu sua manifestação dentro do processo, em uma posição de igualdade com o Poder Estatal e
o autor.
Em análise histórica sobre o princípio do devido processo legal doutrina Railda
Saraiva (1992, p. 62):
Em sua longa trajetória, o instituto atravessou os séculos e impôs sua presença no direito contemporâneo com renovado vigor, evoluindo de garantia simplesmente processual, destinada na origem a assegurar a regularidade do processo penal, estendida após ao processo civil e administrativo, em particular no concernente ao princípio do contraditório, para um postulado de caráter substantivo (substantive due process), capaz de condicionar, no mérito, a validade das leis e da generalidade das ações do poder público.
Assim, verificada a importância do devido processo legal, este passou a fazer parte
também dos processos civil e administrativo, dando uma maior amplitude na defesa dos
direitos dos indivíduos.
Além de ser uma garantia subjetiva do indivíduo, o devido processo legal é uma
tutela do próprio processo. Os interesses unilaterais das partes cedem ao interesse maior, que
é o da tutela do próprio processo.
A este respeito, muito bem expõe Ada Pellegrini Grinover (apud, Celso Ribeiro
Bastos, 2001, p. 264):
Desse modo, as garantias constitucionais do devido processo legal convertem-se, de garantias exclusivas das partes, em garantias da jurisdição e transformam o procedimento em um processo jurisdicional de estrutura cooperatória, em que a garantia de imparcialidade da jurisdição brota da colaboração entre partes e juiz. A participação dos sujeitos no processo não possibilita apenas a cada qual aumentar as possibilidades de obter uma decisão favorável, mas significa cooperação no exercício da jurisdição. Para cima e para além das intenções egoísticas das partes, a estrutura dialética do processo existe para reverter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material subjacente.
Desta forma, o devido processo legal trás não somente uma garantia para as partes,
mas uma harmonia entre elas e a jurisdição, auxiliando numa boa prestação jurisdicional e
facilitando a confecção de uma sentença em conformidade com o processo. É com a
observação e respeito aos regramentos estabelecidos que o processo flui naturalmente em
busca do seu almejado desfecho.
1.2.2 Princípio da Presunção de Inocência
A presunção de inocência é provavelmente o instituto mais óbvio e importante do
processo penal. Isto porque ninguém poderá ser considerado culpado sem que antes se tenha
uma sentença judicial transitada em julgado e instruída por um processo legal, reconhecendo a
materialidade do delito, a autoria e a culpabilidade do réu.
Desta forma ninguém será tido por culpado antes de sentença condenatória
irrecorrível, como garante a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVII: “ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Entretanto, o conteúdo desta garantia torna-se de difícil determinação.
Conforme entendimento de Canotilho apud Celso Ribeiro Bastos (1989, v. 2, p. 277):
Canotilho chama a atenção para o fato de que o rigorismo de interpretação levaria à conclusão da própria inviabilidade da antecipação de medidas de investigação e cautelares (inconstitucionalizando a instrução criminal) e, a proibição de suspeitas sobre a culpabilidade.
Portanto, extrair-se de tal princípio a impossibilidade de prisão antes da condenação,
seria uma interpretação equivocada, por prever a Constituição modalidades de prisões
cautelares, quando definido em lei e atendendo requisitos como o fumus boni iuris e o
periculum in mora.
A interpretação do princípio da inocência não deve ser rigorosa, pois invalidaria
qualquer medida cautelar, tal qual uma prisão no decorrer do processo. Entretanto devem ser
excepcionais e atendendo rigorosamente os requisitos impostos pela lei, a serem analisados
mais adiante.
Assim, com a ocorrência do fato criminoso, por vezes, surgem suspeitos, que podem
ou não virem a ser indiciados, onde passará a direcionar a investigação criminal.
Porém, tal fato, não abala a presunção de inocência, de forma que, o suspeito não
pode reclamar medida judicial, com fundamento na presunção de inocência, que impeça a
tarefa investigatória – ofício do poder público – qual seja de investigar, elucidar o ocorrido,
identificar o culpado e formalizar a acusação. Isto porque na fase do inquérito policial não há
as mesmas garantias e características da ação penal, como o princípio da inocência,
contraditório e ampla defesa, uma vez que não há acusados. É somente na ação penal que o
indiciado, como é chamado na fase do inquérito policial poderá passar a figurar como acusado
e estar sujeito a tais princípios.
Discorre, Railda Saraiva (1992, p. 77/78), sobre três pontos norteadores da presunção
de inocência, quais sejam:
a) Não pode haver inversão do ônus da prova. A prova cabe a quem alega e se ao Poder Público compete formular a denúncia, também lhe compete produzir as provas necessárias à exata comprovação da imputação formulada assegurados o contraditório e a ampla defesa; b) só pode ser imposta condenação ao acusado se inequivocamente comprovada sua culpa. Se a prova apresentada pela acusação não é de molde a comprovar indubitavelmente a culpa do acusado, impõe-se a sua absolvição, não cabendo discutir se a prova da defesa foi insatisfatória para comprovação de inocência; c) a sentença de absolvição deve ter preferência sobre o mero arquivamento do processo, que não deve ser confundido com arquivamento do inquérito.
Nota-se, portanto, que a presunção de inocência trás consigo requisitos que devem
ser observados, como a impossibilidade de inversão do ônus da prova, o que significa que a
alegação feita pela acusação deve por ela mesma ser comprovada, que a condenação seja
inequívoca, ou seja, que haja provas cabais da autoria e da existência do delito, e que a
sentença de absolvição tenha preferência ao arquivamento do processo, fazendo coisa julgada
material. Tais preceitos delimitam a presunção de inocência, evitando interpretações que
fujam da sua real finalidade, qual seja, de ter o indivíduo como inocente até que seja provada
a sua culpa por quem o acusa e não que ele prove sua inocência com relação à acusação, não
restringindo sua ampla defesa.
O princípio da presunção da inocência já estava incorporado implicitamente antes da
Constituição Federal de 1988, com similar no artigo 386, VI do Código de Processo Penal,
que determina o juiz absolver o réu quando não houver prova suficiente para a condenação.
Em verdade não é o réu que deve provar sua inocência, mas o Estado provar a culpa do
acusado.
Bem observa Alexandre de Moraes (2000, p. 154) sobre as prisões provisórias:
A consagração do princípio da inocência, porém, não afeta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. Desta forma, permanecem válidas as prisões temporárias, em flagrante, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsitos em julgado.
Conclui-se com isto, que as prisões provisórias podem afetar o status libertatis do
indivíduo, uma vez que estão legalmente instituídas e apresentam sua finalidade de acautelar a
ação penal, devendo ser utilizadas quando realmente forem necessárias ao caso concreto.
A doutrina não se mostra pacífica quanto a real extensão da incidência da presunção
de inocência, garantia constitucional estendida a todos os cidadãos. A elaboração da
legislação penal sofre com impulsos emocionais ou interesses decorrentes de ações criminosas
mais violentas ou organizadas. Neste sentido, merece ser lembrado as palavras de Railda
Saraiva:
[...] esse equilíbrio entre resguardo da segurança social e o respeito aos direitos do acusado é objetivo que deve orientar os rumos da política criminal, evitando excessos numa ou noutra direção, sempre danosos ao direito (1992, p. 82).
Portanto, a utilização do princípio da presunção de inocência, depende da sua
interpretação, devendo existir um equilíbrio entre a segurança da sociedade como vítima e os
direitos do acusado. A emoção após fatos criminosos mais relevantes ou violentos acaba por
trazer alterações legislativas com o espírito de punir o fato consumado e não as ações em
abstrato, prejudicando os direitos dos indivíduos.
1.2.3 Princípio da Ampla Defesa e Contraditório
Também se extraem da Constituição Federal, inerente ao processo penal, os
princípios da ampla defesa e do contraditório.
Dispõe o artigo 5º da Constituição Federal em seu inciso LV: “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Por ampla defesa, entende-se a garantia que o acusado tem de levar ao processo todas
as provas em direito admitidas, com o intuito de provar suas alegações.
Segundo Railda Saraiva (1992, p. 71), “a concepção de ampla defesa deve
compreender o direito de ser informado dos atos processuais, bilateralidade da audiência
(contraditoriedade) e direito à prova legitimamente obtida ou produzida”.
A ampla defesa esta ligada diretamente ao contraditório. A este respeito descreve
Celso Ribeiro Bastos (1989, v. 2, p. 266):
É por isto que a defesa ganha um caráter necessariamente contraditório. É pela afirmação e negação sucessivas que a verdade irá exsurgindo nos autos. Nada poderá ter valor inquestionável ou irrebatível. A tudo terá de ser assegurado o direito do réu de contraditar, contradizer, contraproduzir e até mesmo de contra-agir processualmente.
Pode-se traduzir o contraditório de forma que cada vez que o réu utiliza-se do
princípio da ampla defesa, indubitavelmente estará contraditando no processo. O réu terá a
seu favor, o direito de defender-se e contraproduzir contra as acusações, uma vez que nada em
direito tem valor inquestionável.
O contraditório nada mais é que a oportunidade de conhecer e possibilidade de
contrariar os termos do processo, assegurando assim, a igualdade entre as partes e a ampla
defesa.
Esclarece Railda Saraiva (1992, p. 72):
O contraditório estabelece a igualdade das partes em juízo, no tocante às afirmações, alegações e provas que produzidas por uma parte hão de necessariamente ser submetidas à apreciação da outra, para que lhes contraponha o que entender conveniente, vedado ao juiz sonegar a qualquer das partes oportunidade de manifestar-se sobre tudo que ocorre no processo.
Terá, portanto, o indivíduo, oportunidade de conhecer e contraditar as provas
produzidas pela outra parte, em estado de igualdade, manifestando-se sobre tudo que achar
conveniente sobre o que ocorre no processo.
Quanto à ampla defesa e o contraditório na fase de inquérito policial, que é um
processo investigatório e preparatório da acusação, não há que se observar tais princípios, vez
que não ocorre acusação em sede de inquérito policial. A pessoa objeto das investigações no
inquérito policial é chamada de indiciado e não de acusado ou réu. Estes só passam a existir
na fase judicial. No inquérito policial ocorre a investigação onde se busca a autoria e
existência do delito.
Desta forma, não havendo acusação não há porque estarem presentes os princípios da
ampla defesa e contraditório na fase investigatória do inquérito policial, que surgem apenas
em fase judicial com a acusação formalizada pelo Ministério Público.
Em síntese, a ampla defesa é um instituto de garantia processual destinado ao
acusado para que produza e leve ao processo todas as provas que achar necessárias para
fundamentar sua defesa e confirmar suas alegações. Já o princípio do contraditório se
entrelaça com o da ampla defesa, sendo também uma garantia processual, tendo por definição
a oportunidade que o acusado aproveita sobre a possibilidade de analisar e se manifestar sobre
todos os atos do processo. A ampla defesa e o contraditório trazem a igualdade entre as partes
no processo.
1.2.4 Direito de Defesa
Como reflexo do princípio da ampla defesa tem-se a necessidade do direito de defesa
técnica durante todo o processo. Esta defesa técnica é indeclinável, plena e efetiva, de forma
que o assistido não pode abrir mão de tal artifício. Por sua vez, o Estado para garantir a defesa
técnica aos acusados que não tenham condições financeiras, criou o instituto da defesa dativa,
consubstanciado no inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal: “o Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Portanto, àqueles que não têm condições de arcar com as despesas processuais e
honorários advocatícios sem prejuízo próprio ou do sustento da família, terá nomeado um
advogado dativo, custeado pelo próprio Estado.
Neste sentido, define o artigo 134, caput, da Constituição Federal, que o Estado
deverá instituir a Defensoria Pública, essencial a sua função jurisdicional, cabendo-lhe a
orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, fazendo remissão ao artigo
5º, inciso LXXIV da Constituição “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita
aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
No caso de o acusado não ter condições de arcar com o pagamento de um
profissional que lhe preste assistência judiciária, tem o Estado o dever de proporcionar, de
forma gratuita, um defensor.
Este princípio tem por objetivo, assegurar a igualdade entre a acusação e a defesa,
dando aos acusados tratamentos isonômico.
O direito de defesa atinge todos os réus, inclusive o revel. Assim, o processo que
venha a se desenvolver sem defensor ao réu, seja por este não ter contratado, seja porque o
juiz não tenha lhe nomeado, será nulo (art. 564, III, c), vez que afronta dispositivo
constitucional.
Em síntese, não pode de forma alguma o acusado participar de processo sem que
tenha um profissional habilitado que lhe realize a defesa. Isto com o fundamento maior da
igualdade entre as partes e a importância de defesa técnica para a boa relação jurisdicional.
1.2.5 Princípio da Tutela Social
Para a decretação de qualquer das modalidades de prisões cautelares devem estar
presentes os pressupostos do fumus boni iuris e o periculum in mora, previstos no artigo 312
do Código de Processo Penal. No primeiro deve-se observar a existência do crime e sua
autoria. No segundo, o risco que com a demora no julgamento, possa o acusado, solto impedir
a correta solução da causa ou a aplicação da sanção punitiva.
Então, para a decretação de prisão cautelar, deve estar vislumbrado um dos
fundamentos do periculum in mora, quais sejam: para garantia da ordem pública; da ordem
econômica; por conveniência da instrução criminal; ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Assim, pode fundamentar a prisão processual, a necessidade de evitar que o acusado
pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, assegurando a ordem pública,
quer por ser ele propenso a prática delituosa, quer porque, em liberdade encontrará os mesmos
estímulos relacionados com a infração cometida.
Mas o conceito de ordem pública tem por finalidade também acautelar o meio social
e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão.
A prisão para garantir a ordem econômica apenas pode se aplicado na prática de
crime que possa causar perturbação da ordem econômica, citando-se especificamente, os
definidos na Lei nº 8.137/90 que disciplina os Crimes Contra a Ordem Tributária, entre os
quais o de “elevar sem justa causa o preço de bem ou serviço, valendo -se de posição
dominante no mercado (art. 4º, VII), na Lei nº 7.492/86, que define os crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional e dá outras providências e na Lei nº 1.521/52, que prevê os
crimes contra a economia popular.
Também pode ser decretada a prisão cautelar por conveniência da instrução criminal,
de modo a assegurar a prova processual contra a ação do acusado, que pode fazer desaparecer
provas do crime, apagando vestígios, subornando, aliciando ou ameaçando testemunhas etc.
Pode ainda sustentar a decretação da prisão processual como meio de garantir da
aplicação da lei penal, ou seja, a execução da pena. Impede-se assim o desaparecimento do
autor da infração que pretende fugir de eventual condenação. O acusado que não tenha
residência no município do domicílio, não possui endereço conhecido, não tenha profissão
definida ou outro que dificulte a sua localização pode ter sua prisão decretada para assegurar o
bom desenvolvimento do processo e evitando uma fuga.
Estes fundamentos que compõem o periculum in mora e que devem ser observados
para a decretação das prisões processuais formam o princípio da tutela social, no qual, não são
observados apenas aspectos formais do delito e sim os objetivos sociais relacionados à boa
prestação jurisdicional, tanto em relação à eficácia da justiça passando à segurança da própria
vítima, quanto à sociedade.
1.2.6 Princípio do Relaxamento de Prisão Ilegal
Cabe ao juiz, determinar o relaxamento da prisão do acusado ilegalmente preso. Este
relaxamento cabe tanto para a reclusão, quanto à detenção. Prevê a Constituição Federal, em
seu artigo 5º e inciso LXV: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade
judiciária”.
A partir de tal dispositivo, é considerada ilegal a prisão, quando efetuada sem a
observância das formalidades exigidas no caso da prisão em flagrante, ou em virtude de
decisão que decretou a prisão preventiva apresentar-se nula.
Pelo texto constitucional, o juiz, logo que verificar a ilegalidade, deve relaxar a
prisão imediatamente. Não deve aguardar a postulação do preso. Inclusive o Ministério
Público, que deve ser informado das prisões, na qualidade de fiscal da lei, deve também, ante
a verificação da ilegalidade, pedir o relaxamento.
São formalidades da prisão, as quais devem ser obedecidas sob pena de incorrer em
prisão ilegal, a comunicação imediata da prisão ao juiz e à família do preso e o local onde ele
se encontre, conforme previsão do inciso LXII do artigo 5º da Constituição Federal.
A comunicação deve ocorrer independente se a prisão for em flagrante ou mediante
ordem judicial. O local onde se encontre é importante, para observação da legalidade da
prisão, ou se for preso provisório, terá direito a permanecer recolhido em cadeia pública, ou
ainda para a assistência da família e de advogado a ser constituído para sua defesa.
Outra formalidade a ser observada, é a informação dos direitos ao preso, previsto no
inciso LXIII do artigo 5º da Constituição. Conforme este dispositivo o preso deve ser
informado dos seus direitos, como de permanecer calado, e de receber assistência da família e
de advogado.
Garante ainda o inciso LXIV do artigo 5º da Constituição, o direito do preso de saber
de quem é a responsabilidade pela sua prisão ou pelo seu interrogatório, até para que possa
viabilizar a sua defesa.
Caso tais procedimentos não sejam verificados quando da perpetuação da prisão, esta
deve ser relaxada de imediato pela autoridade judiciária.
1.3 PRISÃO PENA
A prisão pena é relativamente nova, ao contrário do que se pensa. Antes das reformas
penais no período iluminista, lideradas por Beccaria dentre outros, as penas tinham caráter
quase que exclusivamente cautelar, pois tendiam a ser sanções corporais ou patrimoniais,
como execuções, mutilações, banimentos e confiscos.
Hodiernamente, a prisão pena é a base da repressão criminal, embora de eficácia
duvidosa, especialmente no que se refere aos delitos de menor gravidade, uma vez que o
cárcere excepcionalmente recupera ou melhora o comportamento do indivíduo.
Disciplina a Constituição Federal o princípio da presunção de inocência (art. 5º,
LVII) sob o qual ninguém será preso, senão em virtude de sentença penal condenatória
irrecorrível. Torna assim, a prisão pena, a forma legal de privação de liberdade do acusado
que foi considerado culpado, imputando-lhe uma pena.
É o com o trânsito em julgado da sentença condenatória que o acusado passa a
condição de culpado, e por assim o ser, deverá cumprir a pena imposta.
Toda prisão ocorrida antes de sentença condenatória transitada em julgada nunca terá
por fim o cumprimento de uma pena, pois até então o acusado ainda é considerado inocente.
Com isto, entende-se por prisão pena, o resultado de um processo penal com
sentença condenatória transitada em julgado, no qual o acusado passa a ser definido como
culpado sofrendo uma coerção por parte do Estado que lhe impõe uma pena.
1.4 PRISÃO CAUTELAR
Entre o surgimento da relação jurídica processual e a obtenção do provimento final,
podem existir fatos que tragam riscos a atuação jurisdicional, comprometendo-a. Daí surge a
necessidade de providências que amenizem tal perigo, como as prisões cautelares. Tais
providências servem para garantir o efetivo direito da parte, atingindo uma prestação
jurisdicional justa.
De modo geral, indica a doutrina a necessidade de dois pressupostos para que se
invoque a prisão cautelar: o periculum in mora e o fumus boni iuris.
Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho (1996, p. 347), “Somente a sentença que
põe fim ao processo é fonte legítima para restringir a liberdade pessoal a título de pena”.
Neste caso, somente com uma sentença condenatória com trânsito em julgado é que
o acusado poderia ter sua liberdade privada.
Entretanto, Tourinho (1996, p. 347) pondera:
Por outro lado, às vezes, atendendo aos fins do processo, o encarceramento se da antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. [...] Parece claro, pois, que toda e qualquer prisão que antecede a um decreto condenatório definitivo deve estar limitado ao estritamente necessário.
Assim, esclarece o doutrinador, que em casos específicos, pode ser o acusado preso,
quando realmente necessário para o bom desenvolvimento do processo.
A Constituição Federal traz vários dispositivos que tratam da prisão cautelar.
Importante salientar o inciso LXI do artigo 5º: “ninguém será preso senão em flagrante delito
ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definido em lei”.
Desta forma, não há prisão decretada por autoridade administrativa, além do que,
qualquer prisão só pode ser determinada pelo juiz, através de decisão fundamentada.
Conforme Fernandes (2000, p. 288), “Outro princípio relevante para o estudo da
prisão cautelar é o da presunção de inocência, [...] estabelecido no art. 5º, inc. LVII[...]”
princípio este já estudado anteriormente.
Discorre Fernandes (2000, p. 289), esclarecendo sobre os dois pressupostos da prisão
cautelar:
- o fumus bonis iuris, ou fumaça do bom direito, [...] se concretiza no processo penal condenatório pela verificação da presença de elementos indicadores de existência do crime e da autoria; - o periculum in mora, ou periculum libertatis, ou seja, o risco de que, com a demora no julgamento, possa o acusado, solto, impedir a correta solução da causa ou a aplicação da sanção punitiva.
Portanto, devem estar presentes, para a decretação de qualquer prisão cautelar, a
fumaça do bom direito traduzidos na convicção da existência e autoria do crime e o periculum
in mora ou periculum libertatis, quando a demora para o julgamento ou então a liberdade do
acusado possam influenciar ou prejudicar o bom andamento do processo.
A prisão cautelar deverá ser decretada para a preservação da instrução criminal ou
garantia de execução da pena. Estes são os direitos a tutelar em qualquer prisão preventiva.
Além disto, prevê a Constituição Federal uma série de garantias, exigindo que: a
prisão ilegal seja imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (art. 5º, LXV), ao preso
seja assegurado o direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu
interrogatório policial (art. 5º, LXIV), a sua prisão e o local onde se encontre seja comunicado
de imediato ao juiz e a pessoa por aquele indicada (art. 5º LXII); o preso seja informado de
seus direitos, como de permanecer calado e ter assistência da família e advogado (art. 5º,
LXIII).
Existem em nosso ordenamento, cinco modalidades de prisão cautelar, quais sejam:
prisão temporária, prisão em flagrante delito, prisão preventiva, prisão resultante de pronúncia
e prisão resultante de sentença condenatória recorrível.
Em todas elas, devem estar presentes os pressupostos de admissibilidade de
concessão da prisão cautelar, quais sejam o fumus boni iuris e o periculum in mora ou o
periculum libertatis, ficando evidentemente demonstrada a necessidade para o regular
andamento do processo.
2 ASPECTOS RELEVANTES DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
2.1 CONCEITO DE CRIME HEDIONDO
Aurélio informa em seu dicionário, que o vocábulo “hediondo” tem origem do
espanhol, significando “repelente, repulsivo, horrendo”. Pode ser ainda aquele que manifesta
extrema abjeção ou depravação nos seus atos.
O termo “hediondo” teve origem na Constituição Federal de 198 8 em seu artigo 5º,
inciso XLIII, sendo que até então não fazia parte do ordenamento jurídico penal. Entretanto, a
Constituição criou o termo, mas deixou a cargo de Lei especial defini-los.
A Lei adotou, para a definição dos crimes hediondos o sistema legal, ou seja,
enumerou-os de forma taxativa e exaustiva.
Não foram criados, tanto pela Constituição como pela lei especial, novos tipos penais
ou regras para delimitação do caráter de hediondez, para que assim o fosse considerado.
Coube a Lei apenas descrever quais os tipos penais já existentes no ordenamento seriam
rotulados como hediondos. Assim, crime hediondo é aquele que independentemente das
características de seu cometimento, da brutalidade do agente, ou do bem jurídico ofendido,
estiver definido no artigo 1º da Lei nº 8.072/90.
Preferiu o legislador não buscar critérios para qualificação de hediondez, mas tão
somente elencar os tipos penais que imaginou serem mais graves definindo os crimes
hediondos. Não traçou parâmetros definidores da conduta criminosa, limitando-se a rotulação
de tipos preexistentes, cabendo ao juiz uma tarefa de simples constatação, qual seja, a de
verificar se o crime praticado pelo agente está ou não inserido no rol legal.
São vários os crimes definidos como hediondos pelo artigo 1º da Lei nº 8.072/90,
sendo um tipificado em Lei especial (Lei nº 2.889/56 que dispõe acerca do genocídio) e os
demais no Código Penal. São eles: homicídio, simples quando praticado em atividade típica
de grupo de extermínio e qualificado, de roubo qualificado pela morte; de extorsão
qualificada pela morte, de extorsão mediante seqüestro e de sua forma qualificada, de estupro
simples e qualificado, atentado violento ao pudor, de epidemia com resultado morte e
envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela
morte e o genocídio.
Estes crimes não sofreram qualquer alteração nas suas estruturas típicas. A Lei dos
Crimes Hediondos apenas majorou o mínimo legal das penas a ele cominadas e lhes deu um
tratamento punitivo acentuadamente mais grave, declarando-os, assim como a tortura, o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, insuscetíveis de graça, anistia e
indulto, e que as penas fossem cumpridas em regime integralmente fechado, ressalvado o
direito ao livramento condicional, após o cumprimento de dois terços da pena, com exceção
aos reincidentes.
O legislador constituinte, mesmo sem ter uma definição de “crimes hediondos”,
equiparou-os ao terrorismo, à prática de tortura e ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins. São, portanto, estes tipos penais assemelhados aos crimes hediondos, também por força
do artigo 2º, caput, da Lei 8.072/90, tendo as mesmas restrições e tratamento processual
impostos aos crimes hediondos propriamente ditos.
2.2 REFERÊNCIA CONSTITUCIONAL AO CRIME HEDIONDO
A expressão “crime hediondo” foi criada pela Constituição Federal de 1988, no
artigo 5º, inciso XLIII, estando voltada ao ordenamento jurídico penal. Esta terminologia não
correspondia a nenhuma expressão utilizada em direito penal, até então.
O texto constitucional trouxe a previsão de restrição de alguns direitos e garantias
previstos no artigo 5º da Carta Magna. A principal restrição dessa tipologia de delito se funda
na exclusão da garantia processual da fiança e a proibição do reconhecimento de determinadas
causas extintivas de punibilidade como a anistia e a fiança.
Dispõe o artigo 5º, inciso XLIII da Constituição:
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
Desta forma, o legislador constituinte proibiu a fiança, graça e anistia aos crimes de
terrorismo, tortura e o tráfico ilícito de entorpecentes e de drogas afins, além dos crimes
hediondos. O terrorismo ainda não foi tipificado, já a tortura pode ser verificada na Lei nº
9.455/97, e o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, embora não tenha expressa
denominação jurídica, pode ser vislumbrada na Lei nº 6.368/76. O legislador ainda equiparou
aos crimes hediondos, neste inciso, os crimes de tortura, tráfico de entorpecentes e drogas
afins e terrorismo, lhes impondo as mesmas restrições.
A regra constitucional define ainda que respondem os mandantes, os executores e “os
que podendo evitá-los, se omitirem”. Quanto aos mandantes e aos executores, ocorre um
reforço a legislação penal existente, pois tanto os autores, co-autores e partícipes responderão
penalmente pela conduta criminosa. Entretanto, a omissão também deve ser punida, devendo
ter relevância penal, quando “o omitente devia e podia agir para evitar o resultado” como
dispõe o artigo 13, parágrafo 2º do Código Penal.
Em suma, o legislador constitucional criou restrições processuais a três modalidades
criminosas equiparando-as aos “crimes hediondos” os quais tiveram sua definição por meio
de Lei especial.
2.3 ORIGEM DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
O que teria levado o legislador constituinte criar a figura dos “crimes hediondos?”
Este questionamento é muito divergente e trás amplos debates.
Talvez seja a necessidade de uma sociedade que evolua dia-a-dia e que tem um
Código Penal promulgado em 1940, muito provavelmente atrasado e alheio as mudanças de
uma nação que se desenvolveu econômica, cultural, política e infelizmente, criminalmente.
Os tempos de hoje são outros. A realidade criminal mudou muito no transcorrer
destes anos. Entretanto, a legislação penal não se aperfeiçoou na mesma proporção do
desenvolvimento de uma criminalidade que passou a ser chamada de “organizada”.
Esta criminalidade organizada e violenta passou a ter um momento histórico de
grande desenvolvimento, utilizando-se de uma legislação ultrapassada, liberal, não
ressocializadora, com caráter unicamente punitivo e uma justiça extremamente morosa.
Contudo, seria realmente a falta de modernização da legislação penal que fez o
legislador tornar um rol de crimes já anteriormente tipificados, em “hediondos” e restringir -
lhes certos direitos e garantias? É aumentando as penas e privando benefícios que os índices
de incidência destes crimes irão reduzir?
A prática demonstrou que não é criando uma Lei severa com o fim de deixar tanto o
acusado como o condenado maior tempo preso e sem a possibilidade de ser beneficiado com
institutos consagrados pela Constituição, como graça, anistia, indulto e liberdade provisória,
que os índices dos crimes a ela vinculados irão reduzir.
Entretanto, talvez a realidade seja outra. Doutrina Leal (1996, p. 17):
Caso não fosse o episódio do grande número de seqüestros, que gerou pânico na população dos grandes centros urbanos e, se não fosse também a manipulação político-ideológica de tal fenômeno, dificilmente as correntes conservadoras teriam conseguido reunir maioria parlamentar necessária para aprovação desta lei, que endureceu significativa e inutilmente o sistema punitivo brasileiro.
Desta forma, pode-se atentar ao fato de que uma pressão manipulada da mídia
formadora de idéias introduziu na mente da população que para a manutenção da lei e da
ordem, seria necessário uma legislação penal mais severa e rígida, que punisse
exemplarmente os criminosos, mesmo que para isso fossem suprimidos direitos e garantias
individuais.
Outro fator responsável que teria levado a criação dos crimes hediondos seria para
dar um tratamento mais rigoroso aos acusados por tráfico de entorpecentes, dando uma
resposta à sociedade, ante a sua intensificação nos grandes centros e ainda a onda de
seqüestros que assolou o país no fim da década de 80, tendo como vítimas grandes
personalidades do mundo empresarial e sócio-econômico.
Contudo, seja qual for o fator que levou o legislador a criar medidas tão rígidas para
determinados crimes, o fato é que pouco resultou em matéria de redução na incidência destes
delitos. Talvez a solução para redução da criminalidade, passe não somente por promulgação
de leis que atendam interesses políticos e econômicos, mas uma reforma criminal integral
desde o inquérito policial até o sistema penitenciário e que traga consigo uma justiça rápida e
eficiente, tirando do cidadão a sensação de impunidade que hoje é predominante.
2.4 ANISTIA, GRAÇA E INDULTO
A Constituição Federal prevê que os crimes hediondos e assemelhados sejam
insuscetíveis de anistia, graça e fiança. A Lei dos Crimes Hediondos estende ainda a vedação
à causa extintiva de punibilidade do indulto, conforme artigo 2º, inciso I.
Define o Código Penal, que a graça, o indulto e o indulto, são causas extintivas de
punibilidade, conforme artigo 107, inciso II.
Considera-se graça o perdão individual provocado, ou seja, deve ser requerido, não
podendo ser requerido de ofício. É recomendada em casos de ato de heroísmo, por serviço de
alto valor, pela necessidade de amparar a família do condenado, por alguma razão de Estado e
outros motivos de grande valor social.
Este instituto dificilmente é concedido e há doutrinadores que afirmam que a Lei de
Execução Penal absorveu tal instituto por meio do indulto individual. Entretanto, o instituto
da graça não desapareceu e continua sendo previsto no artigo 107, II do CP e artigos 734 a
742 do CPP. Seu processo corre no Ministério da Justiça e após sobe ao Presidente da
República, concedida através de decreto, e passando ao o juiz da execução que declarará
extinta a punibilidade.
Por sua vez, o indulto é um perdão coletivo concedido independente de provocação
em ocasiões festivas, principalmente no Natal. Não há necessidade de audiência de órgãos
técnicos a respeito dos beneficiários. Pode ser total, abrangendo todas as penas; parcial,
quando exclui determinadas penas; e condicional, quando estabelece condições para sua
obtenção, o que sempre ocorre.
Assim, depois de estabelecidas as condições a serem observadas e definidas no
decreto, cabe ao juiz da execução declarar a extinção da pena total ou parcialmente.
Pode ocorrer ainda o indulto individual, que se confunde com a graça, podendo ser
provocado mediante petição do condenado, após encaminhado à parecer prévio e submetido a
despacho do Presidente da República.
Já a anistia é um ato de caráter geral, através do qual o Estado deixa de punir certos
crimes, mormente políticos. Deve ser concedida pelo Congresso Nacional através de lei. Pode
ser concedida antes ou depois do processo ou após a condenação transitada em julgado. A
anistia pode ser geral, beneficiando todas as pessoas que participaram do crime; parcial,
excluindo alguns implicados do benefício; ampla ou plena, quando apaga por completo a
memória do fato e extingue todos os efeitos; condicional, quando deixa perdurar alguns
efeitos; irrestrita, quando inclui todos os crimes relacionados com o principal; e, restrita,
quando são excluídas algumas infrações.
Não obstante, a Constituição Federal vedar apenas a fiança, graça e anistia, a Lei nº
8.072/90 ao ampliar as vedações ao indulto e a concessão de liberdade provisória, causou uma
discussão doutrinária e jurisprudencial. Uns afirmavam que tais vedações impostas pela Lei
especial são inconstitucionais, uma vez que a Constituição já definira quais as restrições que
deveriam ser impostas, enquanto para outros, não haviam problemas na complementação feita
pela lei especial, sendo absolutamente legal tal ampliação do texto constitucional pela Lei
ordinária.
Defende a inconstitucionalidade quanto à inclusão da vedação ao indulto, o
doutrinador Vicente Amêndola Neto (Crimes Hediondos, 1997, p. 49):
Se as causas extintivas de punibilidade excluídas no texto constitucional eram duas, não poderia a lei infraconstitucional estatuir uma terceira limitação. Depois, porque se a própria Constituição Federal incluiu a concessão de indulto e a comutação de penas entre as atribuições privativas do Presidente da República (CF, art. 84, XII), não poderia o legislador ordinário limitá-lo no exercício dessa atribuição.
Assim, Amêndola justifica seu posicionamento quanto à inconstitucionalidade do
indulto definido pela Lei especial em desconformidade e não observando as vedações já
elencadas taxativamente pela Constituição Federal. Como a Constituição somente restringiu
os dois institutos excludentes de punibilidade para os crimes hediondos e assemelhados, não
pode a Lei especial ampliá-los.
De modo contrário, doutrina Victor Eduardo Rios Gonçalves (2002, p. 10):
Essa tese, contudo, foi amplamente rechaçada pela doutrina e jurisprudência, que nada encontraram de inconstitucional no texto legal. Com efeito, haveria tal vício se a lei possibilitasse, p. ex., a concessão de fiança a alguns dos crimes, o que não foi feito. A simples restrição de benefícios não abordados na Carta Magna nada tem de inconstitucional.
Não há, para Gonçalves, inconstitucionalidade na Lei dos Crimes Hediondos, de
forma que a Constituição não foi taxativa quanto às restrições a serem impostas, podendo a
Lei especial determinar, como o fez, a vedação do indulto e da fiança.
A Lei nº 9.455/97, que dispõe sobre os crimes de tortura, em seu artigo 1º, parágrafo
6º, vedou somente a concessão de anistia, graça e fiança. Por ser Lei especial que
regulamentou o tema sobre a tortura, ficou revogado então a vedação ao indulto e à liberdade
provisória para esse delito.
Contudo, nenhuma destas vedações impostas aos crimes hediondos e assemelhados
impede o relaxamento de prisão ilegal previsto no artigo 5º, LXV da Constituição. Este vício
pode ser reconhecido a qualquer tempo pelo juiz quando for constatado excesso de prazo da
prisão processual, quando não confirmada a situação de flagrância, quando reconhecida
nulidade na lavratura do auto de prisão etc.
2.5 CUMPRIMENTO INTEGRAL DA PENA EM REGIME FECHADO
Determina o parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90 que a pena aplicada a ser
cumprida pela prática dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de
drogas afins e terrorismo, deverá ser cumprida integralmente em regime fechado.
Este dispositivo restringe a possibilidade de progressão de regime no cumprimento
de pena por crimes hediondos e assemelhados, impossibilitando a transferência para regime
menos rigoroso, a ser verificado pelo juiz e após cumprimento de pelo menos um sexto da
pena e quando não se tenha aparente periculosidade para tanto, como define o artigo 112 da
Lei nº 7.210/84 que regula a execução penal.
Contudo, esta rigidez é amenizada pelo artigo 5º do mesmo diploma legal, que
possibilita a concessão do livramento condicional, quando cumpridos dois terços da pena,
desde que não seja reincidente específico.
Assim, o detento não terá direito a progressão de regime no transcurso do
cumprimento de sua pena, tendo apenas a possibilidade do livramento após dois terços da
pena.
Para Alberto Silva Franco (2000, p. 199), esta rigidez do parágrafo 1º do art. 2º da
Lei dos Crimes Hediondos se mostra prejudicial, assim doutrinando:
O dispositivo legal em exame, além de representar um desestímulo ao processo ressocializador do condenado (e isto se opõe aos fins da pena especificados no Código Penal e na Lei de Execução Penal), contribui também para diminuir a rotatividade dos presos recolhidos nos equipamentos penitenciários que já se encontram, no presente momento, em fase máxima de saturação.
Entende Franco, que além de ir contra o caráter ressocializador que a pena deve ter, o
referido dispositivo ainda prejudica o sistema carcerário auxiliando para sua superlotação.
Desta forma, o condenado por crimes hediondos ou assemelhados terão que cumprir
sua pena em regime integralmente fechado, uma vez que as penas a eles cominadas, assim
impõem, restando apenas a possibilidade do livramento condicional.
2.6 LIVRAMENTO CONDICIONAL E REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA
Trata o livramento condicional, de um instituto a ser concedido ao réu, de forma que
ele poderá, mediante o cumprimento de algumas exigências e existência de determinados
pressupostos, cumprir o restante da pena em liberdade. É uma antecipação provisória da
liberdade do preso, após preenchimento de todos os requisitos legais, tornando-se assim um
direito subjetivo.
A Lei dos Crimes Hediondos alterou significativamente o instituto do livramento
condicional, uma vez que seu artigo 5º, inclui ao artigo 83 do Código Penal, o inciso V, com a
seguinte redação:
Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a dois anos, desde que: V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. (negrito nosso)
São pressupostos objetivos do livramento condicional a condenação à pena privativa
de liberdade igual ou superior a dois anos, conforme dispõe o caput do artigo 83 do CP. Outro
pressuposto é que o condenado para ser beneficiado com o instituto deva ter cumprido parte
da pena imposta, como elencado nas hipóteses dos incisos do artigo 83 do CP.
Dentro destes pressupostos objetivos, o inciso V do artigo 83 do CP, inserido pela
Lei dos Crimes dos Crimes Hediondos, exige que para os crimes hediondos e assemelhados,
sejam cumpridos dois terços da pena se o condenado não for reincidente específico em delitos
desta natureza, para a concessão do livramento condicional, sendo assim, verifica-se que a Lei
fez referência a reincidência específica.
O dispositivo “reincidência específica” já a muito abolido do ordenamento jurídico
penal, foi então reintroduzido, tendo a doutrina lhe definido como sendo a reincidência
verificada nos crimes de mesma natureza. São de mesma natureza, neste caso, os crimes
hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo.
Assim, é reincidente específico àquele que já condenado por um dos crimes ali referidos, vier
a praticar outro crime também ali previsto, independente da natureza do primeiro ou do
segundo.
O terceiro pressuposto objetivo, está definido no inciso IV do artigo 83 do CP, sendo
que o réu deve ter reparado o dano causado pelo crime, ou demonstrar efetivamente a
impossibilidade de fazê-lo. Entretanto, esta exigência de reparação civil do dano causado da
prática criminosa tem sido muito relevada na prática.
Além dos pressupostos objetivos, exige a lei alguns pressupostos subjetivos a serem
analisados antes da concessão do livramento condicional.
Assim, dispõe a redação da 2ª parte do inciso I, do artigo 83, do CP, que o réu tenha
bons antecedentes, isto entendido por não ter outras condenações.
Outro requisito subjetivo se refere ao bom comportamento do preso durante o seu
cárcere e bom desempenho no trabalho a que por ventura lhe tenha sido atribuído. Estas duas
exigências têm o fim de avaliar a capacidade do preso se adaptar à nova realidade social, caso
seja concedido o livramento condicional.
Quanto ao livramento condicional nos crimes hediondos, não há maiores
controvérsias. Apenas o emprego da expressão “reincidência específica” já não mais utilizada
no direito penal é que pareceu estranho aos operadores do direito. Caso o réu não atenda aos
pressupostos necessários para a concessão da liberdade, deverá cumprir a pena integralmente
recluso, observando-se sempre o inciso V do artigo 83 do Código Penal, com referência
específica aos crimes hediondos.
2.7 DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE
Define o parágrafo 2º, do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, que o juiz deverá
decidir fundamentadamente, se o réu pode apelar em liberdade caso sobrevenha uma sentença
condenatória.
Entende-se por apelação, um recurso de decisões definitivas ou com força de
definitivas proferidas em 1ª instância, quando não há outro recurso previsto ao caso, de
decisões do Tribunal do júri, hipóteses previstas no artigo 593 do Código de Processo Penal.
Conforme entendimento do Prof. Damásio de Jesus (1999) sobre o direito de apelar
em liberdade, o réu poderá encontrar-se preso provisoriamente ou solto, no momento da
expedição de sentença condenatória. Caso esteja preso, entende o doutrinador, não poderá
apelar em liberdade, utilizando-se do mesmo entendimento que os Tribunais têm adotado a
respeito da aplicação do artigo 594 do CPP. Não seria sensato o réu permanecer preso
provisoriamente no transcurso do processo e solto após ser sentenciado. Estando solto o
acusado, poderá ele apelar em liberdade.
Observa-se que o parágrafo 2º, artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, não exige ao
contrário do artigo 594 do CPP, que o réu tenha bons antecedentes e não seja reincidente.
Assim, para Damásio (1999), mesmo que o acusado tenha maus antecedentes, têm o
direito de apelar em liberdade, uma vez que o juiz não pode se utilizar do artigo 594 do CPP,
prejudicando o acusado e ampliando a abrangência da lei. Este entendimento, porém, não é
pacífico.
Na visão de Antônio Lopes Monteiro (1999, p. 140 e ss), mesmo com a omissão do
legislador, devem ser observados alguns parâmetros para a possibilidade de apelo em
liberdade. Como a Lei dos Crimes Hediondos, trouxe vedações aos institutos do indulto, graça
e anistia, proibiu a liberdade provisória com ou sem fiança, determinou o cumprimento
integral da pena em regime fechado, ampliou o prazo da prisão temporária para trinta dias,
não pode o juiz determinar que o condenado permaneça em liberdade para apelar, se
estiverem presentes os pressupostos para a decretação da prisão preventiva, ou se ele tiver
maus antecedentes ou for reincidente.
Contudo, fica em aberto a discussão quanto à possibilidade de apelar em liberdade ao
sentenciado por crimes hediondos. O legislador foi infeliz na redação do parágrafo 2º, do
artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, dando margem a entendimento totalmente contrário
ao espírito da lei, que é extremamente severo ao acusado. Assim, seu entendimento pode
trazer uma interpretação mais benéfica ao sentenciado, se comparado ao artigo 594 do CPP,
que exige pressupostos como primariedade e bons antecedentes. Pode também, ser
interpretado de forma mais rigorosa, traduzindo a “decisão fundamentada” que o juiz deve
emanar, de maneira que exija a necessidade de seguir parâmetros implícitos como os do artigo
594 do CPP e a não existência de fatos que fundamentam a prisão preventiva, por exemplo.
2.8 PRISÃO TEMPORÁRIA
Foi estabelecido no parágrafo 3º, do artigo 2º da Lei 8.072/90, em trinta dias,
prorrogáveis por igual período, o prazo para prisão temporária, nos crimes hediondos, de
tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e de terrorismo.
A prisão temporária foi criada pela Lei nº 7.960/89, e constitui uma modalidade de
prisão provisória, assim como a prisão preventiva, em flagrante delito, por pronúncia e por
sentença condenatória recorrível.
Esta modalidade de prisão pode ser decretada desde que comprovada a necessidade
(artigo 1º, I e II, da Lei nº 7.960/89) para o bom andamento das investigações e elaboração do
inquérito policial, devendo estarem presentes o fumus boni iuris, traduzidos na presunção de
autoria ou participação do acusado e o periculum in mora entendido como medida
imprescindível para o bom andamento do inquérito, ou quando o acusado não possuir
residência fixa ou não apresentar elementos necessários para sua identificação.
A prisão temporária atende as exigências de uma investigação rápida e eficaz,
beneficiando o trabalho da polícia judiciária. Entretanto, o ministério Público deve ser ouvido
e o Poder Judiciário é quem tem competência para decretá-la.
A Lei nº 7.960/89 trás de forma taxativa os tipos penais em que a prisão temporária é
cabível, conforme artigo 1º, inciso III. O juiz somente pode decretá-la mediante representação
da Autoridade Policial ou requerimento do Ministério Público, devendo fundamentar sua
decisão. Não é uma obrigação, e sim uma faculdade.
Ponto que merece destaque é a ampliação do prazo original da prisão temporária que
é de cinco dias prorrogáveis por igual período na Lei 7.960/89, para trinta dias na Lei dos
Crimes Hediondos. Preferiu o legislador ampliar o prazo, mesmo que os crimes elencados na
Lei nº 7.960/89, sejam em sua maioria os mesmos atingidos pela Lei dos Crimes Hediondos.
Há entendimento, como do doutrinador Antônio Lopes Monteiro (1999), de que o
prazo para a conclusão do inquérito policial em caso de indiciado preso por prisão temporária
em crimes hediondos, não mais será de dez dias e sim de trinta ou até sessenta dias,
contrariando a regra geral do artigo 10 do CPP, e aplicando-se a norma especial.
Desta feita, conclui-se que a prisão temporária nos crimes hediondos e assemelhados,
obedece aos mesmos requisitos, exigências e formalidades, tanto para a admissibilidade
quanto para a decretação e prorrogação, definidas pela Lei nº 7.960/89, apenas tendo seu
prazo ampliado para trinta dias, prorrogáveis por igual período.
3 INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO À LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS
3.1 LIBERDADE PROVISÓRIA
Determina a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVII, que ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Entretanto, há
casos de prisão no decorrer do processo (prisão cautelar), de pessoa considerada
constitucionalmente inocente. Dispõe a Constituição no inciso LXI do mesmo artigo 5º, que
poderá ocorrer prisão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente. Fica assim reconhecida a prisão provisória, decretada em caso de
absoluta necessidade e obedecendo aos termos da lei.
Em princípio, o desenvolvimento do processo penal deverá transcorrer com a
presença do acusado em liberdade, sendo a prisão provisória uma exceção à regra e ocorrendo
somente quando necessário. Entretanto, criou a Constituição o instituto da liberdade
provisória, estabelecida no artigo 5º, inciso LXVI: “Ninguém será levado à prisão ou nela
mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.
A liberdade provisória com fiança já foi vista como uma contracautela em relação à
prisão provisória. A prisão em flagrante representava uma cautela ao processo, e a fiança a
contracautela necessária para a liberdade do indivíduo. Hodiernamente, isto não é mais
necessário, uma vez que nosso ordenamento acolhe o princípio da inocência durante o
processo penal e os casos de prisão anterior à condenação são exceções que devem ser
adotadas somente quando comprovada necessidade.
Para Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (1989, v. 3, p. 303);
[...] a liberdade provisória do acusado é uma garantia constitucional a proteger o seu status libertatis. Em termos práticos, ela se traduz na faculdade de o acusado permanecer solto durante o transcurso do seu julgamento. Mesmo que no correr deste sobrevenha uma condenação, o imputado, nada obstante isso, tem o direito de permanecer solto, uma vez que dessa decisão ainda caberá alguma sorte de recurso.
Assim, é direito constitucional do acusado responder ao processo em liberdade
mesmo que surja uma sentença condenatória, pois neste caso, poderá ainda interpelar recurso.
Pode-se também determinar a liberdade provisória como uma medida cautelar que
substitui a prisão em flagrante delito, a prisão resultante de pronúncia e a decorrente de
sentença condenatória recorrível, geralmente sob determinadas condições legais, as quais
limitam o seu gozo pelo imputado.
Contudo, a liberdade provisória não se confunde com o relaxamento da prisão ilegal,
prevista no artigo 5º, inciso LXV da Constituição. Aquela ocorre quando permitida por lei
(art. 310 do CPP) ou por conveniência (art. 310, parágrafo único do CPP).
Esclarece Paulo Lúcio Nogueira (2000, p. 321) que: “No relaxamento da prisão não
há deveres ou obrigações para o acusado, ao passo que na liberdade provisória o favorecido
está sujeito a sanções pelo não-cumprimento dos deveres que lhe são impostos (art. 327 e
328)”.
Desta forma, o acusado não cumprindo as determinações referentes a liberdade
provisória, poderá ter sua prisão decretada novamente, de modo diverso, o relaxamento da
prisão ilegal uma vez aproveitado ao indivíduo não mais será revertido.
Doutrina Paulo Lúcio Nogueira (2000, p. 326):
A liberdade provisória existe para evitar que o simplesmente acusado fique preso durante a instrução, aguardando julgamento e, até mesmo, possível condenação para ser colocado em liberdade, com o sursis, ou mesmo em regime aberto, o que não deixa de ser um contra-senso.
Garante, desta forma, a liberdade provisória, que o acusado responda ao processo em
liberdade, pois mesmo que seja condenado, o acusado pode ser beneficiado pelo sursis ou
pelo regime aberto. Uma prisão nestes casos poderia ser irreparavelmente prejudicial ao
acusado.
Definiu o legislador no artigo 5º, inciso LXVI da Constituição, que “ninguém será
levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem
fiança (grifo nosso)” tornando a fiança um meio de garantir a liberdade provisória. A fiança
traduz um direito subjetivo do acusado, que lhe garante, mediante caução e cumprimento de
certas obrigações, conservar sua liberdade até a sentença condenatória transitada em julgado.
Visa a fiança, assegurar a presença do acusado no transcorrer do processo, de forma
que quando intimado deverá sempre comparecer. Ela é prestada, em regra, na fase policial,
nas prisões em flagrante. Pode ser arbitrada pela autoridade policial nos crimes punidos com
detenção ou prisão simples, ou pelo juiz nos casos de reclusão, decidindo dentro de 48 horas.
Ocorrem duas hipóteses de fiança: por depósito, que consiste no depósito de
dinheiro, pedras, objetos, metais preciosos, títulos da dívida pública; e por hipoteca inscrita
em primeiro lugar (artigo 330 CPP).
Pode ainda a fiança passar pelas seguintes vicissitudes: reforço, cassação,
quebramento, reintegração, restituição e perda total.
O reforço acontece nos casos de fiança insuficiente ou inovação da classificação do
delito (artigo 340 do CPP).
A cassação ocorre quando a fiança é concedida erroneamente, ou se houver alteração
da classificação original para crime inafiançável (artigo 338 e 339 do CPP).
No quebramento, o afiançado descumpre as condições impostas, quais sejam, de
deixar de comparecer perante a autoridade para os atos do inquérito e da instrução criminal e
para o julgamento, quando muda de residência ou dela se ausenta por mais de oito dias sem
prévia comunicação ao juízo, ou, na vigência do benefício, pratica outra infração penal
(artigos, 327, 328 e 341, in fine). Neste caso há perda da metade do valor, que será recolhido
ao Tesouro Nacional (artigo 346 do CPP).
A reintegração ocorre quando a decisão é reformada por instância superior,
restabelecendo a liberdade do acusado (artigo 342 do CPP).
A restituição se dá quando o objeto da fiança é restituído ao fiador, caso seja
proferida sentença absolutória ao acusado (artigo 337 do CPP) ou quando a fiança é declarada
sem efeito por não ter sido reforçada (artigo 340, parágrafo único do CPP), ou quando for
declarada extinta a ação penal (artigo 337 do CPP).
A perda total acontece no caso de sentença condenatória com pena privativa à
liberdade e o afiançado não se apresenta à prisão (artigo 344 do CPP).
A liberdade provisória pode ser definida em obrigatória, permitida e vedada.
Há liberdade provisória obrigatória que ocorre independente de fiança, quando a
infração a que não for cominada pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou
alternativamente, e quando o máximo da pena privativa de liberdade (isolada, cumulativa ou
alternativamente) cominada não exceder de três meses (art. 321, I e II do CPP). É um direito
do acusado e a autoridade não pode negá-la.
Entretanto, pode ocorrer ainda mediante fiança, nos crimes em que a pena mínima
cominada não for superior a dois anos, sendo que, nos casos de detenção ou prisão simples,
será concedida pela autoridade policial e, nos crimes de reclusão, pelo juiz (art. 322, parágrafo
único, do CPP).
Já na liberdade provisória permitida, pode o juiz determinar sobre a concessão ou
recusa da liberdade provisória, podendo ocorrer em três casos:
a) quando o juiz verificar que o acusado praticou o fato em legítima defesa, estado
de necessidade, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de
direito (art. 310 do CPP), mediante termo de comparecimento a todos os atos do
processo, sob pena de revogação.
b) quando ausentes os requisitos que autorizam a prisão preventiva (art. 310,
parágrafo único).
c) quando couber fiança, mas o juiz verificar que o acusado não possui condições
financeiras de prestá-la, poderá ser concedida mediante o cumprimento das
obrigações previstas nos artigo 327 e 328 do CPP.
Com o avento da Lei nº 9.099/95, que criou o Juizado Especial Criminal nas
infrações de menor potencial ofensivo, que foram definidas como sendo as contravenções e
crimes punidos com a pena máxima não superior a um ano, e depois ampliadas pela Lei nº
10.259/2001 para os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos ou
multa, possibilitou à autoridade policial dispensar o flagrante e a fiança, contanto que o
acusado assuma o compromisso de comparecer em juízo no dia marcado.
A liberdade provisória é considerada vedada, não sendo concedido fiança nos casos
enumerados pelo artigo 323 do CPP, sendo eles: de crimes punidos com reclusão em que a
pena mínima cominada for superior a dois anos; nas contravenções de vadiagem e
mendicância; nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade, se o réu tiver sido
condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado; em qualquer caso, se
houver no processo prova de ser o réu vadio; nos crimes punidos com reclusão, que
provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou
grave ameaça.
Além destas hipóteses que obstam a concessão da liberdade provisória, existem
outras definidas em lei especiais, como na Lei nº 9.034/95 conhecida por Lei do Crime
Organizado, na Lei de Lavagem de Capitais nº 9.613/98 e na Lei 8.072/90 que dispõe sobre
crimes hediondos e é o objeto de estudo.
Em suma, a liberdade provisória tem por finalidade substituir a prisão provisória,
assegurando a presença do acusado em juízo. Não havendo perigo social ou interesse público,
requisitos para a prisão provisória, deve prevalecer a liberdade provisória. Já a fiança, é um
direito subjetivo do acusado, que dá a possibilidade, mediante caução e cumprimento de
certas obrigações, conservar sua liberdade até a sentença condenatória irrecorrível.
3.2 LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS
O legislador constituinte estabeleceu que ninguém será levado ou mantido na prisão
quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (Art. 5º, LXVI da CF).
Entretanto, determinou no inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal que são
insuscetíveis de fiança os acusados por crimes hediondos e assemelhados. Não bastasse, a Lei
dos Crimes Hediondos reiterou a restrição constitucional referente à fiança em seu inciso II do
artigo 2º.
Tal disposição foi desnecessária, uma vez que os tipos penais considerados
hediondos e assemelhados possuem penas mínimas com mais de dois anos de reclusão ou são
cometidos com emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Assim, em uma ou outra
hipótese a lei já não permite a concessão de fiança.
Entretanto, o ponto que causa divergência tanto na jurisprudência quanto na doutrina,
é quanto à proibição da liberdade provisória sem fiança nos crimes hediondos. Determina o
artigo 2º, inciso II, segunda parte, da Lei nº 8.072/90, que os crimes hediondos e
assemelhados são insuscetíveis de liberdade provisória.
Tal dispositivo está restringindo a aplicação do artigo 310 do CPP, que trata da
liberdade provisória sem fiança, no qual o juiz, após ouvir o Ministério Público, poderá
conceder liberdade provisória ao réu, mediante termo de comparecimento a todos os atos do
processo, sob pena de revogação. Poderá ainda o juiz, nesta modalidade de liberdade
provisória, determinar a soltura do réu, se não verificar a ocorrência de qualquer das hipóteses
que determinam a prisão preventiva (arts. 311 e 312 do CPP).
Para Antônio Lopes Monteiro (1999, p. 125), “A inconstitucionalida de de uma lei
deve ser analisada sob o prisma da possível ofensa a alguma disposição expressa da
Constituição, ou a algum dos chamados princípios fundamentais constitucionais”.
Entende o doutrinador, que no caso em óbice, não há inconstitucionalidade uma vez
a disposição do artigo 2º, inciso II da Lei dos Crimes Hediondos, não ofende nenhum
dispositivo expressamente definido na Constituição. A Constituição não proíbe que lei
ordinária restrinja a aplicação de liberdade provisória neste caso.
Monteiro ainda faz menção quanto ao inciso LXVI, do artigo 5º da CF, que trás a
possibilidade de liberdade provisória, “quando a lei admitir”. Assim não há um caráter
absoluto a este direito-garantia, parecendo necessária uma lei ordinária para lhe dar eficácia
plena.
Contudo, a maior parte da doutrina entende que tal restrição é inconstitucional.
Fundamentam suas teorias, por exemplo, relacionando a proibição da liberdade provisória
com o inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal, que criou a expressão “crimes
hediondos” e restringiu a eles a fiança, anistia e a graça. Portanto, se o legislador constituinte
quisesse restringir também a liberdade provisória sem fiança, o teria feito no mesmo inciso. O
legislador ordinário, conforme está teoria, teria ultrapassado os limites pretendidos pela Carta
Magna, tornando inconstitucional a referida vedação.
Outra hipótese bastante defendida é com referência a inconstitucionalidade devido a
violação da garantia individual prevista no inciso LVII do artigo 5º da Constituição “ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Desta
feita, restringindo a possibilidade de liberdade provisória, estaria se cometendo um
julgamento prévio do acusado, lhe equiparando a culpado, não obedecendo ao princípio do
devido processo legal e ampla defesa, tornando tal previsão inconstitucional.
Para Alberto Silva Franco (2000, p. 372/373), a liberdade provisória deve ser
observada a partir do inciso LXVI do artigo 5º da Constituição, que prevê a possibilidade de
liberdade provisória com ou sem fiança. Daí parte-se para uma unidade existente entre os
direitos e garantias fundamentais que interagem em uma conexão entre o princípio da
presunção de inocência e do devido processo legal, de forma que as normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (art. 5º, parágrafo 1º , da CF). Dentro
dessa unidade, destaca-se o princípio da “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III, da CF),
referindo-se a cada pessoa individualmente, a todas as pessoas de modo universal e a cada
indivíduo como ser autônomo. Com isto, a dignidade da pessoa humana serve de suporte para
todos os direitos fundamentais. Franco defende deste modo, que a privação da liberdade
provisória por uma lei ordinária, atinge a dignidade de todas as pessoas que são prejudicadas
indistintamente por tal arbítrio. Tal vedação contraria os requisitos das prisões cautelares que
deveriam ser providas sempre pela necessariedade e caso contrário, alcançados pela liberdade
provisória.
Franco defende ainda (2000, p. 373) que:
A proibição da liberdade provisória, de modo global ou em relação a determinados tipos de crime, mediante lei ordinária, traduz-se também numa lesão ao princípio do due process of law consagrado no inc. LVI do art. 5º da Constituição Federal: ‘Ninguém será privado da liberdade ou de seus sem o devido processo legal’.
Assim, ocorre a vedação da liberdade provisória obrigatória, tornando a prisão uma
pena antecipada, sem prévio e regular processo e julgamento.
A permanência da reclusão em virtude da homologação da prisão em flagrante ou a
decretação da prisão preventiva, desprovidas de sua finalidade cautelar, qual seja a da
necessidade encontrada no caso concreto, significa uma antecipação de pena para atender
interesses sociais, ao clamor público da sociedade, ou para impedir a prática de delitos.
Assim, esta coerção trás consigo uma antecipação de possível e eventual pena, que foge ao
princípio do devido processo legal.
Seguindo tal pensamento, é notório a existência de crimes de maior violência ou
impacto na opinião pública, entretanto, tal fato não autoriza o legislador vedar universalmente
a liberdade provisória, proibindo a análise do magistrado, caso a caso, concedendo ou não o
benefício.
As prisões cautelares e a liberdade provisória estão intimamente interligadas, de
modo que a concessão de uma implica em prejuízo a outra. Esta ligação entre os dois
institutos deve estar diretamente relacionada à necessariedade que cada caso concreto
apresenta. Com isto, o legislador não pode intervir em institutos de tamanha importância, já
definidos na Carta Magna, proibindo um direito-garantia fundamental de forma automática e
universal, desrespeitando o princípio da inocência e do devido processo legal.
Estabelece de forma imperativa a Constituição Federal no inciso LVII do artigo 5º,
que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”.
Esta norma que estabelece o princípio da presunção da inocência tem importância a
nível global, sendo garantido tanto em nossa Constituição Federal, quanto em tratados
internacionais como no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que vige
internamente a partir do Decreto Legislativo 226, de 12.12.1991, e na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
Entende-se por tal princípio, dois preceitos básicos. Um de cunho processual no qual
o acusado não está obrigado a fornecer provas de sua inocência, pois é considerado inocente
até a sentença condenatória transitada em julgado. O outro impede a adoção de medidas
restritivas de liberdade pessoal do acusado antes de definitivamente culpado, com exceção de
comprovada necessidade.
Reforçando a defesa pela inconstitucionalidade da liberdade provisória nos crimes
hediondos e assemelhados, ressalta-se também a aplicação imediata dos direitos e garantias
fundamentais, prevista no parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição. Assim, os direitos e
garantias fundamentais são imediatamente aplicáveis, de forma que disposições contrárias e
restritivas, sem autorização constitucional, não devem ser recepcionadas.
A liberdade provisória (art. 5º, LXVI, CF), instituto constitucional, tem aplicação
imediata, independente de lei que a admitir. Neste sentido, não poderia o legislador ordinário
restringir a liberdade provisória em caráter geral ou em determinados crimes. Ele possui um
poder vinculado a Constituição e não dispositivo em relação a ela. Desta forma, não pode o
legislador ordinário modificar o conteúdo fundamental na norma Maior, sob pena de se
inverter a ordem constitucional do ordenamento.
A aplicação imediata dos direitos e garantias independe de intermediação do
legislador ordinário. Esta aplicação ainda vale contra a lei que os restringe fora dos casos
expressos na Constituição, ou quando seja manifestamente excessiva ou diminua a extensão e
o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, o que tornaria a lei carente de
validade.
De acordo com o explanado, demonstra-se a afronta da Lei nº 8.072/90 aos
princípios constitucionais, de forma que venha a carecer de constitucionalidade no sentido em
que veda a concessão do instituto da liberdade provisória.
Importante salientar, também o princípio da necessidade da cautela, estabelecido no
artigo 5º, inciso LXI da Constituição, que assim prescreve: “ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente,
salvo nos casos de transgressão militar, definidos em lei”.
Desse princípio extrai-se que a cautela pode advir de prisão em flagrante ou por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária. No caso do flagrante, para que seja
mantida a prisão durante sua instrução ou quando for decretada prisão no decorrer do
processo, as mesmas devem ser também fundamentadas acerca da necessidade da cautela,
conforme previsto no artigo 312 do CPP e tendo por finalidade a garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da
lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Pode-se citar ainda, com o intuito de fortalecer a idéia quanto a inconstitucionalidade
da liberdade provisória restringida pelo legislador ordinário nos crimes hediondos, o princípio
da ampla defesa e contraditório, previsto no artigo 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com o s meios e recursos a ela inerentes”.
Não há como entender que uma pessoa que esteja enclausurada em um presídio tenha
as condições necessárias para exercer seu direito à ampla defesa e ao contraditório, embora
não tenha capacidade postulatória, ficando esta a encargo de seu advogado. Entretanto,
inúmeras possibilidades se abrem ao acusado que esteja em liberdade. Uma delas e de grande
importância, é a possibilidade de se exercer uma atividade laborativa, o que lhe renderá
dividendos, que podem ser aplicados em prol de uma melhor defesa, seja na contratação de
um patrono renomado, seja na contratação de serviços investigativos.
Outro ponto que merece análise recai sobre o parágrafo 2º do artigo 2º da lei dos
crimes hediondos que define: “em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade”.
Assim, se uma pessoa for condenada em sentença de primeiro grau, o juiz que
prolatou a sentença irá decidir motivando sua decisão, se o réu poderá apelar em liberdade.
A lei nº 8.072/90, composta por uns poucos artigos, trouxe neste dispositivo uma
controvérsia a ser analisada pelos operadores do direito. Pois bem, segundo o inciso II do
artigo 2º da Lei, fica vedado o direito de liberdade provisória durante toda a instrução do
processo, devendo permanecer o acusado enclausurado mesmo que inexista a necessidade da
cautela. Entretanto, poderá o réu, depois de condenado em primeiro grau, quando ainda
impera o princípio da inocência, mas já verificados mais intimamente as circunstâncias de
culpabilidade, decretar a liberdade do réu para que possa apelar usufruindo liberdade que até
então não dispunha.
Nos parece um tanto controverso proibir a liberdade provisória nos crimes
hediondos, ampliando vedações já expressas pela Carta Magna, e possibilitando a liberdade
para o réu condenado de forma que possa apelar em liberdade.
A Constituição Federal criou restrições aos crimes hediondos. O legislador ordinário
asseverou os dispositivos da Lei fugindo do espírito que a Constituição tinha lhe conferido,
ampliando as vedações e proibindo a liberdade provisória de forma insensata. Contudo,
permite que o réu seja solto depois de condenado, sem definir critério algum para tal, podendo
ser interpretado inclusive como mais benéfico que a própria norma geral descrita no Código
Penal em seu artigo 594, que exige primariedade e bons antecedentes.
Assim, poderá o juiz mandar soltar o acusado que durante toda a instrução esteve
preso, após sentença condenatória não transitada em julgado, mesmo que não seja primário e
não possua bons antecedentes.
Fica evidente, portanto, a divergência quanto a estes dois dispositivos inversamente
proporcionais: um restringindo o que não poderia e outro beneficiando mais que a norma
geral.
Em análise da redação anterior do artigo 312 do CPP, verifica-se a prisão provisória
obrigatória, de forma que a prisão preventiva seria decretada nos crimes a que a pena
cominada de reclusão fosse igual ou superior a dez anos.
Entretanto, tal previsão faz parte de um tempo retrógrado, onde imperou a ditadura
militar e as arbitrariedades. É lamentável que em 1990, o legislador infraconstitucional, tenha
editado uma lei que veio ressuscitar a obrigatoriedade da prisão provisória, gerando um
retrocesso na legislação brasileira.
O legislador na Lei dos Crimes Hediondos ultrapassou os limites impostos pela
Constituição Federal, quais sejam, da privação da graça, anistia e fiança tão somente,
usurpando do poder que lhe foi conferido pelo ordenamento constitucional.
A regra constitucional é a liberdade do acusado até que esteja definitivamente
comprovada a sua culpa. A custódia processual deve ser apenas um instrumento de que se
vale a ordem jurídica em casos de justificada necessidade.
Com a desconexa privação de liberdade, o acusado que preencha os requisitos
exigidos em lei para a obtenção da liberdade provisória, e mesmo até que haja nos autos
indícios suficientes da inocência do acusado, pela atipicidade do fato, pela antijuricidade de
sua conduta ou pela ausência de sua culpabilidade ou qualquer outro fato que justifique a sua
libertação, mesmo assim ficará recluso.
3.3 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS NO SENTIDO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, II, 2ª PARTE, DA LEI Nº 8.072/90
Os Tribunais não têm entendimento pacífico e uniforme quanto à impossibilidade de
liberdade provisória aos acusados por crimes hediondos. Muitos são os julgados que
defendem a inconstitucionalidade do disposto no artigo 2º, inciso II, segunda parte, da Lei dos
Crimes Hediondos.
São vários os fundamentos utilizados pelos relatores. O Desembargador Luiz
Betanho (TJSP, HC 107.199-3) sustenta a possibilidade da liberdade provisória sem fiança
nos crimes hediondos, pois a Constituição Federal não definiu de forma diferente. Se quisesse
vedar tal instituto, o próprio legislador constituinte o teria feito. Nesse sentido foi o voto de
Betanho:
TJSP, HC 107.199-3, Rel. Des. Luiz Betanho. É certo que o latrocínio foi previsto como crime hediondo – art. 1º da Lei 8.072/90. Mas o que o inciso XLIII do art. 5º da Constituição determinou com relação aos crimes hediondos é que neles não caberia a fiança, graça ou a anistia. Fica afastada, portanto, a possibilidade da liberdade provisória com fiança, mas não a liberdade provisória sem fiança, posto que se trata de restrição ao princípio de garantia da liberdade individual, e não foi expressamente proibida tal possibilidade.
Desta forma, não pode o legislador ordinário restringir a garantia de liberdade do
indivíduo a seu bel prazer, ultrapassando a sua competência e interferindo em matéria
estritamente constitucional.
A Lei dos Crimes Hediondos trouxe grande controvérsia ao impossibilitar a liberdade
provisória ao acusado e permitir que ele possa apelar em liberdade. Este entendimento tem
também o Desembargador Flávio José Betin (TJMT – Rec 1.058/97 – Rel. Flávio José Bertin
– j. 11.02.1998 – RT 759/675), que considera uma incoerência legal possibilitar ao condenado
por crimes hediondos apelar em liberdade e assim expressou em sua decisão:
TJMT – Rec 1.058/97 – Rel. Flávio José Bertin – j. 11.02.1998 – RT 759/675 É inconstitucional a Lei 8.072/90 ao vedar a liberdade provisória ao réu ou indiciado por crime hediondo, pois afronta o princípio da liberdade como regra; ademais, no plano legal, a Lei dos Crimes Hediondos mostra-se incoerente, uma vez que admite ao condenado por delitos de tal natureza apelar em liberdade.
Além da controvérsia quanto ao fato de permitir ao acusados por crimes hediondos
apelar em liberdade em uma Lei que se mostra totalmente restritiva de direitos e garantias do
indivíduo, defende o Relator a impossibilidade de restringir o princípio da liberdade, regra
geral do ordenamento jurídico brasileiro e de competência exclusiva do legislador
constituinte.
Contudo, muitos outros argumentos são utilizados pelos julgadores que
fundamentam a invalidade da segunda parte, do inciso II, do art. 2º da Lei dos Crimes
Hediondos. Para o Ministro Vicente Cercchiaro (STJ – RHC 2556-0 – Rel. Vicente
Cercchiaro – DJU 03.05.1993, p. 7.812), deve sempre haver interesse público na aplicação da
sanção penal. A liberdade do indivíduo é obrigatória, na medida que a própria Constituição
define tal princípio, como relatou em sua decisão:
STJ – RHC 2556-0 – Rel. Vicente Cercchiaro – DJU 03.05.1993, p. 7.812 Liberdade provisória – interesse público. “Nenhuma sanção penal ou processual penal é aplicada sem interesse público. A liberdade é compulsória quando a lei garante ao indiciado ou réu defender-se em liberdade, com ou sem fiança. A liberdade provisória, todavia, pode depender do poder discricionário (não arbitrário) do Juiz. Inconstitucional, porém, de vedá-la de modo absoluto. A Constituição da República impõe à lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 5°, LXVI). Quando a Lei Maior restringe institutos, di-lo expressamente (art. 5º, XLIII), como ocorre com os crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia”.
Assim, somente pode a liberdade ser suprimida do indivíduo nos casos previstos em
lei e quando comprovada necessidade. Definiu a Carta Magna sobre a possibilidade de
liberdade ao indivíduo, com ou sem fiança (art. 5º, LXVI), de forma que somente será vedada
quando a própria Constituição expressamente assim definir.
Contudo, ao legislador ordinário não cabe restringir de forma absoluta um direito-
garantia do indivíduo que a própria Constituição não o fez, como no caso em óbice,
invalidando desta forma o disposto quanto à restrição da liberdade provisória nos crimes
hediondos.
3.4 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS NO SENTIDO DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, II, 2ª PARTE, DA LEI Nº 8.072/90
Apesar do entendimento quanto à inconstitucionalidade da restrição da liberdade
provisória aos acusados por crimes hediondos nos parecer o mais ajustado, prevalece na
prática e jurisprudência a interpretação de modo contrário.
Têm decidido os Tribunais pela impossibilidade da liberdade nos crimes hediondos,
com fundamento de que somente quando a lei ordinária admitir o instituto da liberdade
provisória é que o acusado poderá aproveitar tal benefício. Este também é o entendimento do
Ministro Assis Toledo, de forma que não há vício no dispositivo da Lei dos Crimes
Hediondos em questão, conforme sua decisão:
STJ – RHC – Rel. Assis Toledo – RSTJ 84/296 A vedação contida no inc. II do art. 2º da Lei 8.072/90, sobre a concessão de fiança e liberdade provisória aos denunciados pela prática de crimes hediondos, não apresenta vício de inconstitucionalidade por se tratar de benefício cuja regulamentação ou admissão é deferida pela Constituição Federal à lei ordinária (art. 5º, LXVI).
Defendem ainda alguns julgadores no sentido da legalidade e constitucionalidade,
pois os dispositivos da Lei dos Crimes Hediondos vieram ao encontro de uma necessidade
social como forma de repressão a certos tipos de crimes. A severidade da Lei pode servir tanto
como resposta à sociedade como forma de inibição de sua prática. Neste sentido o
Desembargador Nelson Fonseca se manifestou:
RT, 671:323, Des. Nelson Fonseca Por tanto, a Lei n. 8072/90, ao tratar os chamados delitos hediondos a que se refere a norma constitucional, de forma especial e mais severa, nada mais fez do que ir ao encontro do reclamo social, numa conjuntura difícil, assolada e encurralada pela audácia com que são perpetrados esses crimes.
É base para validade da vedação à liberdade provisória nos crimes hediondos a
interpretação da norma constitucional que permite a liberdade provisória sempre que a lei
admitir (art. 5º, LXVI). Há entendimento de que assim poderá o legislador ordinário tanto
ampliar quanto restringir tal instituto, sem violar a Constituição Federal.
Desta forma, a restrição da liberdade esta coberta de legalidade e a prisão se
apresenta legítima. Poderá, entretanto, suscitar o relaxamento ou revogação do ato coator
sempre que não for respeitado o princípio da legalidade.
Contudo, alguns julgadores apesar de opinar geralmente pela restrição da liberdade
provisória ponderam quando for discutível ou duvidosa a capitulação realizada pela denúncia,
concedendo a liberdade ao acusado.
De acordo com os fundamentos elencados nos últimos parágrafos podemos citar o
relatório dos Desembargadores Nélson Fonseca e Djalma Lofrano:
Dos votos dos Des. Nélson Fonseca e Djalma Lofrano, RT 671/328-329 Diz a Constituição no art. 5º, LXVI: ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’. Como se vê, a norma constitucional assegura o direito à liberdade provisória, com ou sem fiança, nos limites estabelecidos pela lei ordinária. Assim, não há dúvida de que o legislador ordinário pode ampliar ou restringir esse direito, sem violentar a letra e o espírito da lei maior. E assim é porque, se a Constituição, de um lado, assegura o direito à liberdade (art. 5º, caput), de outro, permite expressamente a prisão dos indivíduos submetidos a inquérito ou a processo (art. 5º, LXI). Assim, onde couber a prisão, não se poderá negar o seu efeito mais imediato, ou seja, a privação temporária da liberdade. Ora, só se pode cogitar de liberdade provisória, no sistema processual penal vigente, quando o indiciado ou acusado estiver regularmente submetido a uma ordem de prisão (flagrante ou mandado judicial). Se essa ordem não for regular ou legítima, caberá, obviamente, o relaxamento ou a revogação do ato coator, não a liberdade provisória. Portanto, a liberdade provisória, supõe prisão legítima, regular, pelo que pode ser ampliada ou restringida na lei que a admite. Assim, embora não me pareça inconstitucional a referida proibição de liberdade provisória sem fiança, pelo legislador ordinário, ressalvo que, mesmo nessa hipótese, fica em aberto, a discussão sobre a legalidade, ou não, da própria prisão, já que, no direito brasileiro, a regra é a da inviolabilidade do direito à liberdade (art. 5°, caput) e da presunção de inocência (art. 5º, LVII), submetendo-se todas as formas de prisão ao princípio da legalidade, vale dizer à estrita observância de uma previsão legal, além dos pressupostos e requisitos também estabelecidos em lei. Por outro lado, parece-me correta a conclusão do acórdão da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de que, quando for discutível ou duvidosa a capitulação do crime constante da denúncia, não estará o juiz ou tribunal impedido de deferir uma injustiça flagrante.
Portanto, no entendimento destes, a própria Constituição permitiu as prisões
processuais em casos excepcionais, regulamentadas em leis ordinárias e assim precendeu a
Lei 8.072/90, sendo, pois constitucional.
CONCLUSÃO
No direito penal brasileiro, prevalece a máxima que o acusado deverá permanecer
solto durante a instrução do processo, até que se comprove sua culpa através de sentença
condenatória transitada em julgado. Porém, estabelece a Constituição, a possibilidade de
prisão do acusado ainda na fase judicial, ou antes desta, como ocorre na prisão em flagrante.
Para tanto, há que ficar claramente comprovada a necessidade da manutenção da prisão no
caso da prisão em flagrante ou para a expedição de mandado judicial que determine a
restrição à liberdade.
Entretanto, a Lei dos Crimes Hediondos não observou esta determinação de vital
importância no ordenamento jurídico brasileiro.
Embora a doutrina e jurisprudência ainda divirjam a respeito da possibilidade da
liberdade provisória para os acusados por crimes hediondos, entendo que a norma ordinária
veio a infringir preceitos constitucionais consagrados.
O legislador ordinário, ao promulgar a Lei nº 8.072/90 que dispôs sobre os crimes
hediondos, não teve o cuidado de bem observar o verdadeiro espírito do inciso XLIII, do
artigo 5º, da Constituição Federal, qual seja, de restringir aos crimes “hediondos”, tão
somente os institutos da fiança, da graça e da anistia.
Preferiu o legislador da lei especial, em resposta talvez ao clamor social da
sociedade, criar uma lei de extrema severidade, passando por cima de direitos e garantias
fundamentais do indivíduo.
Ao privar a liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados, a Lei especial
ultrapassa sua finalidade de definir sobre assunto de sua competência, para adentrar no poder
de disposição, reservado somente à norma constitucional.
Assim, podemos afirmar que a restrição da liberdade provisória de modo absoluto
nos crimes hediondos desrespeitou princípios básicos e consagradores do nosso ordenamento
jurídico, como o princípio da ampla defesa e contraditório, da inocência, do devido processo
legal e da dignidade da pessoa humana.
Podemos entender sobre tal dispositivo, que o legislador ordinário acabou por
reavivar um instituto já abolido de nosso ordenamento e de grande arbitrariedade empregado
na época da ditadura militar, que era o da prisão provisória obrigatória.
Nesta modalidade de prisão o indivíduo acusado por determinados crimes, tinha
vedado seu direito de presunção de inocência, e permanecia recluso, mesmo que não
estivessem presentes os requisitos necessários para as prisões cautelares, como o fumus boni
iuris e o periculum in mora, até que sobreviesse uma eventual sentença absolutória transitada
em julgado.
A vedação ao princípio da inocência, por si só, já demonstra a incompatibilidade do
dispositivo frente a Lei Maior. Princípio este de importância “além fronteiras”, disciplinado e
recepcionado pelo Brasil, através do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que
vige internamente a partir do Decreto Legislativo 226, de 12.12.1991, e da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
Outro fator importante que demonstra a invalidade da vedação à liberdade provisória,
funda-se quanto à aplicação imediata dos direitos e garantias previstos na Carta Magna. Por
este princípio o direito de liberdade provisória (art. 5º, LXVI) passa a ter aplicação de
imediata, não carecendo de regulamentação de lei ordinária.
Assim, o legislador ordinário que somente tem poder de disposição em relação às
matérias que a Constituição lhe conferiu competência, não pode fora disto contrariar ou
restringir preceitos estabelecidos pela Constituição, sem a sua expressa autorização, sob pena
de não serem recepcionadas. E no caso em óbice, a lei especial ultrapassou sua competência
restringindo garantia que a Constituição não lhe autorizou.
Com isto, conclui-se que a inconsistente disposição que veda a liberdade provisória
nos crimes hediondos, não merece acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive
carecendo de declaração de inconstitucionalidade, como forma de dirimir qualquer conflito
que por ventura ainda exsurja a respeito.
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ANEXO I
LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990
Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da
Constituição Federal, e determina outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º São considerados hediondos os crimes de latrocínio (art. 157, § 3º, in fine),
extorsão qualificada pela morte, (art. 158, § 2º), extorsão mediante seqüestro e na forma
qualificada (art. 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º), estupro (art. 213, caput e sua combinação
com o art. 223, caput e parágrafo único), atentado violento ao pudor (art. 214 e sua
combinação com o art. 223, caput e parágrafo único), epidemia com resultado morte (art. 267,
§ 1º), envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado
pela morte (art. 270, combinado com o art. 285), todos do Código Penal (Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940), e de genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de
outubro de 1956), tentados ou consumados.
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança e liberdade provisória.
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime
fechado.
§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu
poderá apelar em liberdade.
§ 3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de
1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual
período em caso de extrema e comprovada necessidade.
Art. 3º A União manterá estabelecimentos penais, de segurança máxima, destinados
ao cumprimento de penas impostas a condenados de alta periculosidade, cuja permanência em
presídios estaduais ponha em risco a ordem ou incolumidade pública.
Art. 4º (VETADO).
Art. 5º Ao art. 83 do Código Penal é acrescido o seguinte inciso:
"Art. 83. ..................................................................................................................
V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime
hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o
apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza."
Art. 6º Os arts. 157, § 3º; 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º; 213; 214; 223, caput e seu
parágrafo único; 267, caput e 270; caput, todos do Código Penal, passam a vigorar com a
seguinte redação:
"Art. 157. ................................................................................................................
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de cinco a
quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo
da multa.
Art. 159. ................................................................................................................
Pena - reclusão, de oito a quinze anos.
§ 1º ........................................................................................................................
Pena - reclusão, de doze a vinte anos.
§ 2º .........................................................................................................................
Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos.
§ 3º ........................................................................................................................
Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.
Art. 213. .................................................................................................................
Pena - reclusão, de seis a dez anos.
Art.214....................................................................................................................
Pena - reclusão, de seis a dez anos.........................................................................
Art. 223. .................................................................................................................
Pena - reclusão, de oito a doze anos.
Parágrafo único.......................................................................................................
Pena - reclusão, de doze a vinte e cinco anos..........................................................
Art. 267. .................................................................................................................
Pena - reclusão, de dez a quinze anos.....................................................................
Art. 270. .................................................................................................................
Pena - reclusão, de dez a quinze anos................................................................."
Art. 7º Ao art. 159 do Código Penal fica acrescido o seguinte parágrafo:
"Art. 159. ..............................................................................................................
§ 4º Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à
autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois
terços."
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código
Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes
e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou
quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.
Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158,
§ 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e
parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do
Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de
reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código
Penal.
Art. 10. O art. 35 da Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976, passa a vigorar
acrescido de parágrafo único, com a seguinte redação:
"Art. 35. .....................................................................................................................
Parágrafo único. Os prazos procedimentais deste capítulo serão contados em dobro
quando se tratar dos crimes previstos nos arts. 12, 13 e 14."
Art. 11. (Vetado).
Art. 12. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 13. Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 25 de julho de 1990; 169º da Independência e 102º da República.
FERNANDO COLLOR
Bernardo Cabral
ANEXO II
JURISPRUDÊNCIAS PROL INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.2º, II, SEGUNDA PARTE, DA LEI Nº 8.072/90
STJ – RHC 2.472-4 – Rel. Vicente Cernicchiaro – DJU 03.05.1993, p. 7.812 – RSTJ 47/492 Não posso concordar com as ilações do Relator do aresto recorrido, quando argumenta que se a Constituição fala que os crimes hediondos não são passíveis de fiança, por mais forte razão não serão passíveis de liberdade provisória após a condenação. Ora, o douto relator está ampliando restrição de liberdade não imposta constitucionalmente, o que vai de encontro ao princípio constitucional do direito à liberdade provisória (art. 5º, LXVI). Se a Constituição quisesse tornar o crime hediondo também insuscetível de liberdade provisória, teria dito expressamente no XLIII do art. 5º - ou por fas ou por nefas, não colocou. Logo, não se pode, analogicamente, ampliar restrição à liberdade que nem a própria Constituição quis.
RT 671/288 Não obstante, em princípio, caiba à legislação ordinária estabelecer quais as infrações penais afiançáveis e quais as inafiançáveis, o legislador constituinte brasileiro elevou à iminência constitucional a declaração de inafiançabilidade de especificados crimes (incs. XLII, XLIII e XLIV do art. 5º), ao tempo em que determinou o não encarceramento prévio, no caso de lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança (LXVI), tendo, portanto, a liberdade provisória, inerente ao ius libertatis, como direito fundamental do membro da comunhão social envolvido numa persecutio criminis. Desse modo, resta vedado ao legislador infraconstitucional qualquer ampliação das normas constitucionais, sempre de caráter restritivo, por afetarem, declaradamente, o direito de liberdade do indivíduo. Se o fizer, como aconteceu com a malfadada lei 8.072/90, obrará como vício da inconstitucionalidade: ‘... se a Constituição assim o fez, dizendo que os crimes hediondos e outros são apenas inafiançáveis (norma restritiva de direito), não pode o legislador ordinário ampliar aquela restrição constitucional, dizendo-os também insuscetíveis de liberdade provisória.Assim o fazendo, salvo melhor juízo, ferido frontalmente fica o dispositivo constitucional.
STJ – RHC 2.996-0 Rel. Edson Vidigal – DJU 25.10.1993, p. 22.503 O art. 2º, II, da Lei 8.072/90 não admite fiança, nem liberdade provisória. Só que ao dispor sobre crimes hediondos a Constituição Federal, art. 5º, XLIII, não autoriza o legislador ordinário a considerá-los insuscetíveis de liberdade provisória. Esse mesmo art. 5º assegura em seu inciso LXVI que ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’. Trata-se, portanto, de garantia constitucional, o que desautoriza o legislador ordinário a reduzir, como fez, as hipóteses de concessão da liberdade provisória.
STJ – HC 5.247/RJ – Rel. William Patterson – j. 16.12.1996 – RT 745/508 A prisão decretada na sentença de pronúncia, ainda que se trate de crime classificado como hediondo, não impede, por si só, a liberdade provisória se demonstrado que a decisão da custódia carece de fundamentação válida e substanciosa a justificar a sua necessidade.
ANEXO III
JURISPRUDÊNCIAS CONTRA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.2º, II, SEGUNDA PARTE, DA LEI Nº 8.072/90
RT; 671:373 Entorpecente – Tráfico – Liberdade provisória – Concessão após advento da Lei nº 8.072/90 (crimes hediondos), proibidora do benefício – Revogação determinada – Constrangimento Ilegal inexistente. Ementa oficial: Penal, Prisão preventiva. Tráfico de entorpecentes. Necessidade da custódia. Deve ser prestigiado o ato que decreta a prisão preventiva de traficantes, presos em flagrante, principalmente se o fato ocorreu na vigência da Lei nº 8.072/90, como no particular. Hábeas corpus indeferido.
STJ – 6ª T. – RHC 7.610 – Rel. Fernando Gonçalves – j. 30.06.1998 – DJU 24.08.1998, p. 106 Não há falar em inconstitucionalidade do art. 2º, II, da Lei 8.072/90, quanto à vedação de liberdade provisória em crime hediondo, caracterizado, indiciariamente, pela imposição a menor, de 9 anos de idade, de prática de atos libidinosos, diversos de conjunção carnal, dentro do ambiente familiar, dada a condição do acusado de padrasto da vítima. Nestas circunstâncias, para impedir a ocorrência de novos delitos, a lei autoriza a prisão processual como forma de assegurar a ordem pública.
STJ – 5ª T. HC 10.268 – Rel. Edson Vidigal – j. 24.08.1999 – DJU 20.09.1999, p. 74 Lei 8.072/90 0 Liberdade provisória – Vedação – Inconstitucionalidade – Habeas corpus. O texto da lei ordinária não afronta a Carta Magna. A CF, art. 5º, LXVI, assegura o benefício da liberdade provisória somente nos casos em que admitido em lei.
HC 104.598-3, Rel. Des Carlos Bueno Não há igualmente conceder-se ao paciente a liberdade provisória, porquanto o crime que lhe foi imputado (estupro) é hediondo, o que inviabiliza o benefício em questão na conformidade do art. 2º, inciso II, da Lei 8.072/90.
ANEXO IV
SÚMULAS
O Supremo Tribunal Federal sumulou duas situações referentes à Lei dos Crimes
Hediondos, quais sejam:
SÚMULA Nº 697 – STF – Decisão: 24/09/2003 – Publicação: 09/10/2003 A proibição de liberdade provisória não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo. Referência: - Art. 5º, LXV, Direitos e Deveres Individuais e Coletivos – Direitos e Garantias Fundamentais – CF Obs.dji: Crime Hediondo; Excesso de Prazo; Liberdade Provisória Com ou Sem Fiança; Matéria Processual; Prazo (s); Prisão e Liberdade Provisória; Prisão; Processo (s); Processo Criminal; Proibição.
SÚMULA nº 698 – STF – Decisão: 24/09/2003 – Publicação: 09/10/2003 Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura. Referência: - Art. 2º, Crimes Hediondos – L – 008.072-1990 - Art. 1º, parágrafo 7º, Crime de Tortura – L – 009.455-1997 Obs.dji: Admissibilidade; Aplicabilidade da Pena: Aplicação da Pena; Crimes Hediondos, Execução Penal; Progressão da Pena; Regime Especial; Tortura.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
LIBERDADE PROVISÓRIA FRENTE À
LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito da Universidade do Vale do Itajaí.
ACADÊMICO: LUIZ FERNANDO ALOVISI
São José (SC), maio de 2005.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
LIBERDADE PROVISÓRIA FRENTE À
LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito da Universidade do Vale do Itajaí, sob orientação da Profª Ana Paula Kich Gontijo.
ACADÊMICO: LUIZ FERNANDO ALOVISI
São José (SC), junho de 2005.