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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO JOÃO VITOR RODRIGUES LOUREIRO LETRAS, ACADEMIA E PODER: formação e atuação dos juristas brasileiros na construção da identidade nacional pré-independência (1772-1824) Belo Horizonte 2009 1

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISFACULDADE DE DIREITO

JOÃO VITOR RODRIGUES LOUREIRO

LETRAS, ACADEMIA E PODER: formação e atuação dos juristas brasileiros na construção

da identidade nacional pré-independência (1772-1824)

Belo Horizonte2009

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

JOÃO VITOR RODRIGUES LOUREIRO

LETRAS, ACADEMIA E PODER: formação e atuação dos juristas brasileiros na construção

da identidade nacional pré-independência (1772-1824)

Monografia apresentada ao Colegiado do Curso

de Graduação em Direito da Faculdade de

Direito da Universidade Federal de Minas

Gerais, como requisito parcial à obtenção do

grau de bacharel em Direito.

Orientadora: Adriana Romeiro

Belo Horizonte2009

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A meus pais, Ana e Eduardo, pela mais rica herança deixada: conhecimento. Que nunca se perde, em meio aos percalços da vida.

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AGRADECIMENTOS

As letras que arranham, em grossas marcas, a textura do papel são como as

pessoas, que surgem em nossas vidas: deixam marcas eternas. As marcas do texto

deste trabalho só se fizeram gravar graças a marcas em minha formação,

inspirações decisivas e auspiciosas na jornada acadêmica.

Agradeço especialmente a orientadora deste trabalho, Profª. Adriana Romeiro,

pelo incentivo e apoio a minha travessia aos estudos históricos, à Profª. Mônica

Sette Lopes, inspiração sinestésica de criatividade no ressecado mundo jurídico, e

ao Prof. Giordano Bruno Soares Roberto, pelos materiais emprestados e a bravura

em trazer o verdadeiro debate histórico à Faculdade de Direito da UFMG. Também

agradeço ao Prof. António Manuel Hespanha, estímulo à incessante curiosidade de

historiador, pelos textos encaminhados.

Ao Grupo Vanguarda! Outras Palavras, sentido especial à minha vivência

universitária. Especialmente a Jeferson Mariano Silva, pelos momentos de

edificação de projetos e perspectivas à sinuosa estrada acadêmica, a Magnum

Lamounier Ferreira, pela persistente realização de sonhos, a Mateus Morais Araújo,

pelos incansáveis debates, e a Ricardo de Lins e Horta, pelo pontapé à crença.

Ao Mauro e à Clarissa, pelas divertidas tagarelagens históricas.

Agradeço sobretudo a Mariana Armond Dias Paes, pela enérgica disposição

às idas e vindas. E aos funcionários do Arquivo Público Nacional e do Setor de

Obras Raras da Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, pela compreensão e

agilidade na disponibilização de documentos.

E, finalmente, agradeço à estimulante UFMG, pelas possibilidades.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

“O ser alienado não procura um mundo

autêntico. Isto provoca uma nostalgia:

deseja outro país e lamenta ter nascido no

seu. Tem vergonha de sua realidade.”

Paulo Freire, em Educação e Mudança (1983).

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

RESUMO

O presente trabalho realiza um levantamento de dados sobre a formação

acadêmica dos juristas, nascidos na América Portuguesa, nos finais do século XVIII

e primeira metade do século XIX, bem como traça um panorama geral do

pensamento jurídico e político vigente na Europa do mesmo período. Discute as

influências de tal modelo de formação no papel dos juristas enquanto agentes do

processo de construção de uma identidade político-jurídico-cultural brasileira, bem

como investiga os reflexos e influências dessa formação em algumas passagens do

texto da Constituição do Império de 1824.

Palavras-chave: História do Brasil. História de Portugal. Ensino Jurídico. Reformismo

ilustrado. Antigo Regime. Transição. Direito. Iluminismo. Liberalismo. Independência.

Identidade nacional. Constituição de 1824.

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ABSTRACT

This paper surveys the data on the academic training of jurists, borned in

Portuguese America, in the late eighteenth and early nineteenth century and gives a

general overview of the legal and political thought in Europe stands in the same

period. Discusses the influences of such type of education in the role of jurists as

agents of the construction of an integrated political-legal-Brazilian culture, and

investigates the influences and consequences of such education in some passages

of the text of the 1824 Empire's Constitution.

Keywords: History of Brazil. History of Portugal. Legal Education. Enlightened

reformism. Old Regime. Transition. Law. Enlightenment. Liberalism. Independence.

National identity. Constitution of 1824.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

Seção I. Opções metodológicas...............................................................................1

Seção II. Apresentação..............................................................................................3

Seção III. Sobre identidade nacional........................................................................6

CAPÍTULO 01: TRAMAS DE UMA NOVA EUROPA

Seção I. Breve espectro do espaço europeu pós-revolucionário..........................8

Seção II. Configurações do contexto político português: forças conservadoras e preservação da monarquia. Permeabilidade aos ideais ilustrados..................11

Seção III: Constitucionalismo em Portugal na transição do Antigo Regime. O contexto político e a ideologia na cultura constitucionalista..............................15

CAPÍTULO 02: INFLUXOS. DO SABER JURÍDICO AO SABER POLÍTICO

Seção I. Academias e o Direito Comum. Discurso Jurídico e Letrados. A Doutrina jurídica europeia na primeira metade do século XIX............................21

Seção II. Formação para os quadros institucionais. O papel de Coimbra para as instituições políticas do Império Português no Antigo Regime..........................32

CAPÍTULO 03: COIMBRA

Seção I. As reformas pombalinas do ensino jurídico: arautos ou entraves de uma modernização do Direito?...............................................................................35

Seção II. Que mudanças?........................................................................................47

CAPÍTULO 04: ALFAIATES SEM TECIDO

Seção I. Costurando remendos: Religar contextos separados por um oceano.......................................................................................................................54

Seção II. Que liberalismo, que juristas, que direito?............................................67

CONCLUSÃO............................................................................................................75

REFERÊNCIAS..........................................................................................................79

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INTRODUÇÃO

Seção I: Opções metodológicas.

Este trabalho de conclusão de curso enfoca um aspecto que é crucial ao

desenvolvimento das ideias aqui propostas: trata-se de uma opção metodológica,

nos modos de se descrever e interpretar os processos históricos, que influenciou o

debate acadêmico até meados da década de setenta, o qual, no entanto, ainda não

foi superado.

Tal opção consiste, portanto, em uma maneira de se observar a história dos

homens a partir dos dados evidentes de sua realidade, e as instituições como

resultado dos modos de organização dos agentes sociais. Assim, não deve ser

observado, no decorrer da exposição, como as instituições estavam a influenciar

indivíduos no seu agir mas, de modo contrário, como indivíduos estavam a dirigir e

compor as instituições, especialmente aquelas que dizem respeito ao Direito e à

Política.

É feita, portanto, a opção de não tematizar o Direito como campo autônomo

ou fenômeno que dispense a atenção de historiadores, sociólogos, economistas ou

cientistas políticos, como algo destacado e capaz de rejeitar a análise de sua

existência enquanto resultado dos modos de organização social. Nessa perspectiva,

articula-se a temática jurídica aos dados objetivos da realidade da vida em

sociedade, a qual produz e modela os meios culturais que lhe sejam úteis ou mesmo

necessários, compondo assim o arranjo de forças e agentes responsáveis pelas

instituições.

A tendência que, infelizmente, ainda se observa (senão predomina) nos meios

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acadêmicos do Direito é a de autonomizar o fenômeno jurídico como campo de

atenção exclusiva de juristas. Perde-se, assim, o salutar debate acadêmico

interdisciplinar, em que pesquisas e estudos riquíssimos se complementam e se

enriquecem mutuamente. Trabalha-se, muitas vezes, sem a precisão de conceitos e

teorias de áreas afins, prejudicando significativamente os resultados obtidos e

criando profundos abismos entre áreas de conhecimento que, em última análise,

objetivam entender, avaliar e propor soluções àquilo a que se chama de

problemática social. Alguns defeitos graves, que reduzem o olhar histórico a meras

introduções de manuais jurídicos, ou descrevem determinado fato histórico sem

passar por uma consulta às fontes primárias acabam colocando a História do Direito

como disciplina instrumental, sujeita a demonstrar uma história positiva, de acúmulo

e progresso linear, a fim de fundamentar o argumento defendido pelos adeptos de tal

abordagem, de que o Direito seria uma construção seletiva do gênero humano

racional, e que sua condição atual seria resultado de um curso histórico

progressista.

Contrariando tal visão, o leitor lerá um texto que aborda as fontes históricas

de modo reflexivo e atento a seu contexto. Aqui não se propõe um esvaziamento do

debate político, como descrevem alguns autores1, no momento em que foi feita a

opção metodológica por uma descrição social da história do direito. Quer-se dizer

que o conjunto institucional do Estado não é abandonado ou rejeitado para as

anotações feitas. Sem dúvida, não há como negar o papel que tem a instituição, no

processo de formação desses agentes: porém, seu papel não é decisivo, unilateral,

determinista, uma vez que se permeia de um contexto próprio, de formas e

esquemas de pensar e compreender o mundo inerentes às sociedades que

abandonavam, ainda que progressivamente, os padrões de organização jurídica

próprios do Antigo Regime. Por isso mesmo, aqui não está a se concordar com o

posicionamento de que a história social do Direito a tenha despolitizado, rejeitado a

análise da composição de fatores que, em última análise, conferem organização à

1 Como expõe o Prof. António Manuel Hespanha na introdução da obra O Direito dos letrados no império português, p. 19: A crítica da Escola dos Annales era justa, se dirigida apenas contra quem a merecia. Mas acabou por ter efeitos excessivos e prejudiciais (…). HESPANHA: 2006.

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vida das sociedades modernas.

Está, aqui, a se desconsiderar a leitura de fenômenos ditos de “longa

duração“: buscando-se identificar, acima de tudo, o papel social que os agentes

responsáveis pelas instituições desempenham, e como tal papel é decisivo nas

representações e imaginários políticos de então.

Os níveis de observação transitarão ora pela história em níveis estruturantes

gerais ora pela história em universos singulares, intercalando os contextos mais

amplos do Direito e da organização política das sociedades pós Antigo Regime com

as especificidades do ensino jurídico em Coimbra, ou mesmo com fontes específicas

referentes a decisões judiciais coletadas em órgãos judiciais do Brasil joanino, como

as da Corte de Apelação da Bahia, por exemplo.

Feitas tais ressalvas, o leitor passará, portanto, por diferentes leituras, ora de

contextos de espaços específicos, que encararão o Direito como fenômeno mutante,

que acompanha as transformações em processo tanto na Europa quanto na América

Portuguesa, ora de exposições gerais, que se valerão da perspectiva social do

Direito enquanto instrumento de preservação de condições tradicionalmente dadas.

Tal análise permitirá ser encadeada simultaneamente com os processos

econômicos, sociais e sobretudo políticos que influenciavam o modo de conceber e

processar o Direito.

Seção II: Apresentação.

É bastante considerada, entre a historiografia jurídica brasileira, no que diz

respeito à concepção de uma “cultura jurídica“ brasileira, a existência de um seu

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trinômio de sustentação, composto por bacharelismo, patrimonialismo e elitismo

social2. As raízes dessa cultura estão, para muitos, em meio ao modelo monolítico

da noção de Direito, decorrente da dominação colonial e da consequente importação

de discursos e práticas pré-concebidos na Europa, os quais vieram, também, a

constituir as bases da sociedade brasileira.

Este trabalho, resultado de um recorte do projeto de iniciação científica sobre

as transformações do Direito brasileiro face a chegada da família real portuguesa no

ano de 1808, visa estabelecer uma análise detida de um dos elementos desse

trinômio, o chamado bacharelismo. No entanto, a abordagem escolhida remonta ao

período imediatamente anterior ao da fundação dos cursos jurídicos brasileiros, no

ano de 1827, período este pouco estudado pela literatura jurídico-historiográfica

brasileira.

Parece fora de dúvida que o contexto brasileiro, o qual vivenciou sua ruptura

política com Portugal no ano de 1822 e teve outorgada a Constituição Política no

ano de 1824, deveria possuir, no período imediatamente anterior a tais eventos,

influências substantivas das academias jurídicas europeias, mormente da Faculdade

de Leis de Coimbra, local de formação da imensa maioria dos juristas nascidos no

Brasil ou de portugueses que vinham ao Brasil para exercer seus ofícios. Tais

influências se traduziram tanto pela apropriação de doutrina jurídica em aspectos na

prática e no discurso dos juristas brasileiros, quanto pelas formas jurídicas do

Estado e a prevalência de interesses determinados, consagrados pela Constituição

de 1824. Portanto, o período de formação do Estado brasileiro independente, com a

chegada da família real portuguesa, merece a atenção dos estudos em História do

Direito: o desenho de novos espaços institucionais que serão preenchidos por

camadas sociais em transformação, influenciadas pelo liberalismo político e

2 De acordo com KOZIMA, é perceptível a inexistência, ainda hoje, de “um Estado racional e despersonalizado, decorrente daí, de um lado, a distinção precária entre o público e o privado... e, de outro lado, a precariedade da segurança do indivíduo perante as possibilidades da atuação estatal”. Acrescenta, ainda: “Nada obstante a ascensão do bacharel tipicamente brasileiro, que trouxe consigo os ideais do Iluminismo, o que se verifica é que não houve, nem poderia haver, a conformação do Estado, efetivamente, às ideias liberais, o que, em outras palavras, poderia significar a substituição do modelo tradicional por uma forma de dominação de tipo racional, nos moldes weberianos. (Cf. KOZIMA: 2008, p. 370)

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econômico alavancado na Europa.

É privilegiada, para esses fins, uma análise dos juristas enquanto grupo

social, sem se ater a descrições prosopográficas, e o papel de sua formação

acadêmica na construção daquilo a que se poderia designar por cultura jurídica

brasileira e identidade nacional.

O primeiro capítulo se ocupa de desenhar o contexto europeu e português de

modo breve e geral, na transição do Antigo Regime, de modo a mostrar a Faculdade

de Leis de Coimbra como parte desse contexto, e as influências do mesmo para

formação dos juristas no primeiro quarto do século XIX.

O segundo capítulo versa sobre a proximidade dos modelos de formação

acadêmica e formação de quadros da administração e poderes, além de descrever a

doutrina jurídica que se desenvolvia na Europa e em Portugal no decorrer do século

XIX, bem como a consagração da ideologia de caráter liberal.

O terceiro capítulo desenha o espaço acadêmico de Coimbra, demonstrando

os aspectos principais de seu corpo discente e docente, a organização de seu

projeto didático e os juristas brasileiros nesse espaço.

O quarto capítulo identifica os reflexos e influências da formação

anteriormente apresentada, através da análise de peça judicial e do próprio texto

constitucional, de modo a demonstrar os contrastes e as evidências do liberalismo e

da formação coimbrã.

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Seção III. Sobre identidade nacional.

A escolha do tema deste trabalho foi feita sem a pretensão de esgotá-lo. O

título encerra as palavras “formação” e “atuação”, remetendo a primeira aos

processos formais de ensino e a segunda, aos contornos da atividade jurídica e

política dos bacharéis brasileiros. No compasso com a formação da nação, a

formação desses indivíduos contribuirá com alguns tons para a criação das

instituições nacionais, engatilhando o primeiro passo do processo de construção do

que se poderia chamar de “identidade nacional”.

Portanto, este trabalho se alicerça na noção de identidade nacional não

admitida em seu sentido mais amplo, que passa pela cultura, por construtos de

ordem comum, que impulsionam certa crença ou motivação, entre diferentes setores

sociais, de pertencimento ao bem público. Em sentido bem menos lato, o que se

busca aqui é colocar as instituições como projeções fundantes da brasilidade

independente – instituições independentes compõem a ideia de nação, apartada do

antigo laço de subordinação colonial, contribuindo à progressiva expressão da

condição de “ser brasileiro”, anos mais tarde.

Porém, é a partir de um primeiro passo que a nação se forma e, no caso

brasileiro, esse passo se dá com a emancipação política e o desenho das

instituições do Estado independente. Apesar de longo e cumulativo processo, a

emancipação política, iniciada em 1808 e manifesta em diferentes momentos, 1816,

1822 e mesmo em 1831 (MAXWELL: 2000, p. 193), introjeta perfis ideológicos nas

parcelas de organização nacional, insculpindo as primeiras noções de Brasil e

“brasileiro” em sua dinâmica.

O projeto liberal, que anuncia a suposta igualdade (ainda que formal) e, no

caso brasileiro, uma liberdade para poucos, é o primeiro passo para o surgimento

desse sentimento de pertencimento à nação. Ainda que forjado pelo molde de uma

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superposição do projeto de nação, aclamado pela autoridade e centralização da

monarquia, estranha à fragmentação (cultural, política, econômica e social) da

América Portuguesa. Um projeto das elites sociais brasileiras, as quais conduzirão a

centralização política, adotada por este trabalho como principal matriz da formação

da identidade nacional.

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CAPÍTULO 01. TRAMAS DE UMA NOVA EUROPA.

Seção I: Breve espectro do espaço europeu pós-revolucionário.

O espaço europeu ocidental vivia, na primeira metade do século XIX, os

reflexos do momento subsequente à Revolução de 1789. Sua organização política

havia sido abalada não somente pela força das baionetas dos exércitos

napoleônicos, mas também pela força de um programa definido desde meados do

século XVIII, e que veio progressivamente conquistando espaço entre grupos que

assumiam força e controle nas estruturas de poder. Tais camadas descobriam sua

importância no processo de derrubada das monarquias absolutistas. A verdadeira

face da Revolução foi, assim, o alcance do ideário iluminista em meio a grupos

sociais emergentes, cada vez mais cônscios à importância que tinham no desenrolar

dos processos políticos. Médicos, comerciantes, pequenos manufatureiros e

advogados eram responsáveis pela propagação de um ideário contrário ao regime

que se lhes impunha e que parecia, para alguns poucos setores da sociedade

insatisfeitos com as formas de atuação do poder político na economia, entravar a

modernização que o capital industrial já processava na Grã-Bretanha.

Tais setores sociais aderiram, portanto, a um conjunto de ideias que travavam

ácidas críticas à organização de diversas instituições. Era imprescindível para tais

grupos derrubar as barreiras de fundo ideológico e político, as quais impediam,

sobretudo, a consagração de princípios fundamentais ao desenvolvimento pleno do

capitalismo liberal, o que seria verificado anos mais tarde3. É o que se nota nesta

3 Os processos revolucionários burgueses iniciados a partir do século XVIII tiveram como sua principal feição, sobretudo, a dura crítica institucional, cuja atenção voltava-se o arranjo político das monarquias absolutas da Europa setecentista. Certamente, a transformação de tal cenário buscava suas maiores razões na maneira que tais instituições influenciavam as atividades econômicas, exemplificadamente, através dos pesados impostos e entraves que recaíam sobre setores voltados às atividades produtivas e de prestação de serviços e comércio, cujos dirigentes tornavam-se progressivamente despertos a seu papel político na consagração de liberdade em

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denúncia, datada de 1770, feita pelo Advogado Séguier:

Os Filósofos se erigiram como preceptores do gênero humano. Liberdade

de pensar, eis o seu brado, e este brado se propagou de uma extremidade a

outra do mundo. Com uma das mãos, tentaram abalar o Trono, com a outra,

quiseram derrubar os altares. Sua finalidade era modificar nas consciências

as instituições civis e religiosas e, por assim dizer, a revolução se

processou. (SÉGUIER apud AQUINO: 1995, p. 121)

O programa iluminista deslocou o olhar para o indivíduo, conceito

gradualmente construído no decorrer da Modernidade, seja pela filosofia cartesiana,

seja pelo kantismo, ou por inúmeros outros expoentes da filosofia: é esse indivíduo

que, agente, organizado, produz, altera os meios de produção e transformação

econômicos, cria, alcança espaço político, decide (por meio de seus representantes)

pelas regras necessárias ao convívio em sociedade, sem depender de uma ordem

externa, que lhe seja completamente alheia e justificada pela arbitrariedade de

Deus. Urge, para esse programa, um árbitro secular, que valha indiferenciadamente

a todos, que não se concentre nos caprichos e vontades de um único homem, mas

que permita tocar e salvaguardar os interesses os mais variados que aparecem na

trama da sociedade. Tal árbitro será, em seu sentido formal, a lei, e apoiado nela

será erigido aquilo que na teoria política se concebe como Estado de Direito.

No entanto, sem a conquista decorrente das guerras, sem a força dos

exércitos, a Revolução Francesa jamais teria feito triunfar tais modelos de

mentalidade política na Europa. A exportação de tais ideais somente foi possível,

dadas as peculiaridades da organização social de cada nação europeia (e a

permeabilidade de suas respectivas camadas burguesas nascentes, emergentes ou

suas iniciativas. É também progressivamente que será edificado o Estado Liberal, refletindo-se mormente na consagração das liberdades civis e alterando por completo o cenário europeu pós-revolucionário. Nesse sentido, afirmam ELZE e REPGEN que, na literatura dos tratados publicísticos, as críticas não se reduziam somente contra o sistema tributário, mas contra o Estado como um todo, contra a sociedade, que o sustentava, e contra as instituições, através das quais ele (o Estado) se manifestava. ( In der publizistischen Traktatenliteratur richteten sich Kritik und Reformverlangen nicht allein gegen das Steuersystem, sondern auch gegen den Staat als Ganzes, gegen die Gesellschaft, die ihn trug, und gegen die Institutionen, durch die er wirkte). ELZE, REPGEN: 2003, p. 265).

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decadentes), na medida em que os interesses do governo constituído na Franca

após o Diretório, manifestados pela figura controversa de Napoleão Bonaparte, se

deram por meio de estratégias políticas que tinham por escopo tentar barrar o

crescente avanço econômico britânico. Noutras palavras, o que as guerras

napoleônicas fizeram não foi uma cruzada pela liberdade, mas sim a exportação do

modelo de Estado francês: Poder Executivo forte, igualdades civis e o Code

Napoléon, às nações subjugadas.4

Mesmo com a derrota de Bonaparte e seus exércitos, a trajetória política da

Europa após a Revolução Francesa já havia se definido: apesar de existirem forças

políticas conservadoras, que se revezavam no controle de territórios anexados e

catalisavam o surgimento de nacionalismos no mapa desenhado pelo Congresso de

Viena, permaneciam os programas da revolução burguesa (e os grupos deles

munidos) como chama acesa no continente, o que se espelhará na concepção

ideológica do Estado de Direito (Rechtsstaat) e influenciará, decisivamente, a Teoria

Jurídica que o sustenta.

Mais acentuadamente, o que a escalada das revoluções burguesas na

Europa produzirá é uma interposição entre as instituições judiciárias e

administrativas, na qual o Estado passa a fortalecer a letra da lei com o suporte de

seu aparato de controle e repressão, também fortalecido. Trata-se, conforme

preconiza Michel FOUCAULT, de uma fase latente de ortopedia social, em que as

redes de poder de caráter não-judiciário se verão à frente não mais de apenas punir

os indivíduos, mas de corrigir suas virtualidades. (FOUCAULT: 1999, p. 86). É

portanto, a fase de transição entre letras moribundas da lei, cuja aplicação era

medida na conformabilidade de interesses e controle social a posteriori, a uma fase

de revivamento do corpo legal, em que tal controle se dará apoiado na atuação de

outros poderes que não o judiciário.

4 ELZE, REPGEN. 2003, p. 300 Studienbuch Geschichte. Livre tradução do autor: Seine Kriege waren zwar keine Kreuzzüge für die Freiheit, aber sie exportierten das französische Staatsmodell, eine starke Exekutive, bürgerliche Gleichheit und den Code Napoléon, in die eroberten Länder.

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A organização política desse espaço não deve ser, portanto, encarada como

uma hegemonia total e homogênea do liberalismo e do ideário iluminista,

representando um como que triunfo ideológico e de modelos de governo que

houvesse se processado de imediato após as guerras napoleônicas. Há, acima de

tudo, a configuração de antagonismos entre forças políticas, conservadoras ou

progressistas, pondo em crise o sustentáculo do Estado Absoluto, que é a

autoridade irrestrita do rei. Permanecem, entretanto, configurações do poder político

que ultrapassam um modelo acabado de Estado Liberal (aqui entendido como um

Estado guardião de liberdades individuais por meio de mecanismos jurídicos

formais). Modelo que, ao contrário das expectativas, não correspondeu a um

fenômeno imediato e abrupto, verificável em todas as nações europeias. Entre as

exceções, Portugal encontra no seu palco político verdadeiro embate entre as forças

de modernização do país e as mais conservadoras, que davam suporte à

permanência da monarquia absoluta, pondo o Império nas linhas de continuidade do

Antigo Regime. (SILVA, p 174) É o que será discutido, ainda que de forma breve e

consciente de não alcançar toda a complexidade da organização dos agentes

políticos do espaço português do primeiro quartel do século XIX, na próxima seção.

Seção II: Configurações do contexto político português: forças conservadoras e preservação da Monarquia. Permeabilidade aos ideais ilustrados.

O reino português, dada sua condição de atraso econômico em relação às

economias do centro da Europa e a progressiva dependência em relação à

economia britânica, especialmente desde o Tratado de Methuen, no século XVIII,

constituiu-se em experiência política que refletia a condição em que se encontravam

suas camadas sociais dirigentes. O amparo na política colonial, no comércio com o

Brasil e as demais colônias, depunha o escoramento que viviam tais camadas com o

conjunto de instituições típicas do Antigo Regime. Some-se a isto os resultados do

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pragmatismo experimentado pelo reinado de D. José I, através das políticas

pombalinas, que contrapuseram modernização e administração conservadora num

mesmo governo tendo conseguido, entretanto, preservar a monarquia absoluta e

atrasar a já lenta e dolorosa gestação do Estado Moderno. (MONCADA: 1949, p.

105).

Portugal viu formar, junto ao colonialismo desenvolvido durante os séculos

XVI a XVIII, grupos sociais limitados pela própria configuração econômica do reino:

dependentes do exclusivismo colonial e do capital mercantil resultantes da empresa

colonizadora, tais grupos não haviam tomado por projeto o caminho de investimento

em atividades manufatureiras. Neste sentido, há, em razão das especificidades do

contexto lusitano, um entrave entre os setores sociais burgueses, no sentido de

buscarem promover a modernização econômica nos moldes daquela que já se

processava na Grã-Bretanha tida, à sua época, como modelo de grande nação.

A pouco diversificada economia lusitana, baseada nas atividades de produção

agrícola (especialmente de uvas e olivas) e na atividade de comerciantes

amparados nos monopólios comerciais com as colônias, denunciava quão

permeáveis estariam os agentes responsáveis por tais atividades à ideologia

burguesa que se processava na Europa de finais do século XVIII. Tal ideologia tinha

grande apelo e pano de fundo econômico. Os escritos de RODRIGUES DE BRITO,

em suas Memórias políticas sobre as verdadeiras bases da grandeza das nações e

principalmente de Portugal fornecem, nesse sentido, elementos para a compreensão

da medida de infiltração do programa fisiocrata às camadas sociais em contato com

a literatura iluminista, já no século XIX, por exemplo. Assim, o que se verifica é uma

espécie de concertação de programas ideológicos à realidade econômica. O ideário

fisiocrata certamente encontrará espaço entre as elites portuguesas, em razão das

possibilidades, que se demonstravam paupáveis no contexto português: uma

economia agrícola que poderia encontrar seu caminho de modernização pela via

agrária. Nos dizeres de MONCADA,

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Mas onde as ideias dos fisiocratas, combinadas com as de Adam Smith,

numa original adaptação a Portugal, nos aparecem com mais rigoroso

espírito de análise, formando um sistema económico e político para o qual

concorrem todas as luzes do século XVIII, com o seu racionalismo

reformador, o seu empirismo científico e o seu sensualismo, à Condillac, é

na obra de Joaquim José Rodrigues de Brito, lente de leis em Coimbra. (…)

(MONCADA:1949, p. 107)

A obra de Rodrigues de Brito, publicada em 1803 expõe, de certa forma, de

que modo o programa ideológico que se constituía na Europa conferia forma às

mentalidades dos intelectuais lusitanos na alvorada do século XIX. Nascido Joaquim

José Rodrigues de Brito, na cidade de Évora em 1753, formou-se em leis na

Universidade de Coimbra e nela lecionou até 1823. O autor é, portanto, exemplo

bastante consistente de receptividade de uma principiologia de fundo liberal entre as

camadas letradas das elites portuguesas.

Essa principiologia liberal pode ser traduzida, em uma de suas facetas,

conforme os esquemas da escola fisiocrata, que propunha a terra e seu aluguel

como a única fonte de renda líquida (HOBSBAWN:2009, p. 36). Ora, defender a

riqueza nacional a partir desse modelo, numa nação cuja agricultura era sua

principal atividade econômica e relativamente autossuficiente (isto é, que não

dependia diretamente da exploração colonial) pareceria um modelo racional de

desenvolvimento para pensadores como Rodrigues de Brito. Tais pensadores

pugnavam por uma economia livre de entraves mercantis, e capaz de firmar Portugal

no quadro das grandes nações europeias.

Apesar de se verificar a permeabilidade de um pensamento de fundo

econômico entre juristas, deve-se atentar que os grupos aderidos a programas

ideológicos reformistas no plano econômico não se coincidiam por completo: juristas

não compunham necessariamente as camadas envolvidas com as atividades

produtivas (especialmente agrícolas). No entanto, muitas vezes tal coincidência se

dava em plano prático: assim, a razão jurídica, como elemento edificador de um

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

saber específico e hermético de determinadas camadas sociais, influenciada e

embebida das mais variadas teorias, abocanhou conformações aos interesses de

seus próprios detentores. As camadas letradas, portanto, assumirão, por um lado, o

papel ideológico de modernizar o Estado e seu conjunto institucional, naquilo que

lhes parecesse possível e, por outro lado, preservar a configuração da economia

portuguesa às especifidades de seu contexto.5

Compostas sobretudo de magistrados e lentes formados em Coimbra, os

quais integravam o quadro de pessoal dos funcionários reais, tais camadas já

haviam entrado em contato com o ideário iluminista. Assim, dadas as especificidades

do contexto português, é possível se observar um gradual e seletivo processo de

escolhas programáticas: as elites intelectuais, sob a égide da formação ilustrada

fomentada pelas reformas empreendidas por Pombal no século XVIII, adequavam o

aparelho das instituições do Estado às possibilidades reais de modernização do

reino.

As reformas no plano da autoridade isolada do rei não poderiam mais atender

à necessidade de modernização do Estado6. A ideologia iluminista, mesclada ao

pragmatismo das reformas esclarecidas, já se demonstrava insuficiente aos objetivos

precisos das camadas sociais inspiradas pelo programa burguês. Estado moderno,

que oferecesse chances de progresso e acumulação de bens e condições para o

desenvolvimento do liberalismo deveriam, anos mais tarde, ser parte de um projeto

nacional.

Essa situação denunciava a alteração de modelos mentais vigentes em meio

5 Com exceção feita a Ribeiro Sanches, influenciado pela economia clássica inglesa, especialmente de David Hume (1711-1776), todos os demais ilustrados portugueses da primeira metade do século XVIII professavam ideias tipicamente mercantilistas. (SILVA: 2006, p. 52).

6 As reformas políticas de fundo ideológico iluminista, alavancadas pelo reformismo josefino não colocavam Portugal ao compasso das grandes nações europeias de sua época, para as elites sociais progressistas. O desenvolvimento tardio do jusnaturalismo filosófico em Portugal importava reformas políticas, ainda que tardias. É o que aclama BRITO, em suas Memórias Políticas, §14: “Os fins do Legislador podem ser differentes; mas no Estado actual da Europa, que cada um dos soberanos não póde reformar por si só, devem reduzir-se a hum, que he a Riqueza como objecto de toda a Républica Europea. (…) A riqueza pois he o indubitavel fim, a que tendem, e devem tender todos os legisladores.” (BRITO: 1803, pp. 21-22)

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

a grupos específicos. Conforme dito, tais grupos estavam infiltrados em toda a

administração, desde órgãos fazendários, de fiscalização e justiça, tanto na

metrópole quanto nas colônias, o que viria a desempenhar papel decisivo nas

transformações políticas subsequentes.7

Seção III: Constitucionalismo em Portugal na transição do Antigo Regime. O contexto político e a ideologia na cultura constitucionalista.

A semeadura dos ideais burgueses na sociedade portuguesa ofereceu

significados expressivos para a promoção de rupturas fundamentais nas instituições

políticas. Apesar de existirem interesses e visões de desenvolvimento distintos, que

proporcionavam o debate e a divisão de grupos em tendências políticas muitas

vezes inconciliáveis entre si, a análise reduzida tão-somente ao aspecto da

infiltração do ideário iluminista-burguês na sociedade portuguesa não consegue

justificar tais mudanças. Além do espraiamento de tais programas ideológicos, é

necessário desenhar alguns fato(re)s que demoliam paulatinamente a estrutura

política do Antigo Regime em Portugal. Esta seção dedica-se a descrever

brevemente tais fatores, bem como a aprofundar o programa que seria desenvolvido

para o Estado.

Conforme já delineado, mecanismos formais de asseguramento de liberdades

7 O período do gabinete de Pombal em Portugal representou, comparativamente ao que se vivia até o início do século XVIII, uma relativa racionalização dos quadros da administração pública. As medidas do governo objetivavam debilitar estruturas rígidas ate então vigentes, que denunciavam o quadro de centralidade e delonga na implementação das políticas. Desse modo, o esforço do governo é reaparelhar o quadro de pessoal da administração, de modo a engendrar, através de reformas substanciais, uma burocracia estatal apoiada no poder central, fiel e compromissada aos ideais reformistas. Portanto, é crucial atender as demandas de um novo conceito de governança, alicerçada na propagação das luzes e que pudesse se demonstrar especializada, revestida de autoridade técnica. Tais resultados seriam possíveis se a Academia desempenhasse seu papel estratégico na formação de tal corpo burocrático, e são as reformas, principalmente do Ensino Jurídico em Portugal, que o farão, resultando nas camadas letradas ocupantes de tais funções. Nesse sentido, ver SILVA, pp. 114-115.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

individuais ganharam grande significado para a concepção do Estado de Direto

nascente. Isto quer dizer que a lei escrita torna-se a expressão maior da segurança,

encerrando o campo para incertezas e pluralidade de fontes jurídicas. Portugal

dispunha de um corpo de fontes espesso, as chamadas Ordenações do Reino

(Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), que ofereciam os subsídios para a

aplicação de um direito nacional. A “Lei da Boa Razão”, de 19 de agosto de 1769,

imprimiu novo tom ao extenso corpo legislativo, volvendo o olhar dos juristas a esse

direito nacional, ao determinar a aplicação da lei em detrimento de costumes,

jurisprudência ou doutrina e reafirmando caráter subsidiário ao direito romano, que

somente deveria ser aplicado, caso não houvesse legislação do reino que tratasse

do assunto em discussão. As glosas medievais de Bártolo de Sassoferrato e Acúrsio,

tradicionais fontes consagradas pela doutrina jurídica acadêmica, serão

definitivamente banidas. Assim:

Sendo-me presente, que a Ordenação do Livro Terceiro Título Sessenta e

Quatro no Preâmbulo, que mandou julgar os casos omissos nas Leis

Pátrias, estilos da Corte e costumes do Reino, pelas Leis, que chamou de

Imperiais (…) se tem tomado por pretexto; tanto para que as Alegações, e

decisões que se vão pondo em esquecimento as Leis Pátrias, fazendo-se

uso somente das dos Romanos (…), e inteiramente alheias da Cristandade

dos Séculos, (…)

Mando por uma parte, que debaixo das penas ao diante declaradas se não

possa fazer uso das ditas Alegações, e Decisões de Textos, ou de

Autoridades de alguns Escritores, em quanto houver Ordenações do Reino

(…)

E que o costume deve ser somente o que a mesma Lei qualifica nas

palavras = longamente usado, e tal, que por Direito se deva guardar = Cujas

palavras mando; que sejam sempre entendidas no sentido que correrem

copulativamente a favor do costume; de que se tratar, os três essenciais

requisitos: de ser conforme às mesmas boas razoes, que deixo

determinado, que constituem o espírito das Minhas Leis (…) (PORTUGAL.

Lei da Boa Razão, 1769).

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Portanto, a unificação do corpo legal deveria ser um empreendimento do

Estado: um corpo de leis que assegurasse os interesses da sociedade civil seria

uma resposta aos anseios burgueses por segurança jurídica. A defesa da

propriedade, da secularização das instituições e da preservação de liberdades

individuais8 deveria estar disponível em um código escrito, que se impusesse a

todos. Além disto, o destacamento entre sociedade civil e poder político implicava a

separação nos meios formais de delimitação e asseguramento de direitos. De um

lado, era necessário demonstrar os direitos e deveres do monarca e dos cidadãos,

de modo claro e preciso (HESPANHA, 2004: p. 41), de outro, era necessário unificar

a legislação referente às liberdades civis, o que só seria feito anos mais tarde,

dependendo de uma compilação e unificação legislativa densa e meticulosa.

Foi com essa inspiração de unidade legislativa que, em 31 de março de

17789, a Rainha D. Maria I, por meio de decreto, decidira criar uma Junta de

ministros para compor um Novo Código de Direito Público, a fim de eliminar o

excesso de leis, reduzindo o corpo legislativo (HESPANHA: 2004, p. 35). António

Ribeiro dos Santos e Pascoal José de Melo Freire, ambos juristas com formação em

Coimbra travaram, na ocasião, intenso debate entre linhas de pensamento acerca do

conteúdo que deveria possuir a carta de direitos políticos de Portugal. O primeiro,

partidário da monarquia absoluta, expusera um projeto que se reduzia às regras

8 A noção de liberdades individuais é o que aparece, na historiografia, como a grande bandeira dos grupos organizados no entorno do programa revolucionário burguês. Desamarrar as instituições ao vínculo do soberano caprichoso, e embasá-las na vontade do indivíduos, em suas livres-escolhas, se apoiam na lei e no Estado que nela se fundamenta como uma espécie de dogma desse pensamento liberal, que tomará as rédeas dos processos econômicos e sobretudo políticos do cenário europeu no início do século XIX. A literatura de pensadores desse período estende-se a sacramentar tais ideais. É o caso de Benjamin CONSTANT, cujo pensamento será fundamental ao constitucionalismo europeu e brasileiro em tal período, o qual diz em sua obra Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos: o direito de não se submeter senão às leis, de não poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de nenhuma maneira, pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de vários indivíduos. É para cada um o direito de dizer sua opinião, de escolher seu trabalho e de exercê-lo; de dispor de sua propriedade, até de abusar dela; de ir e vir, sem necessitar de permissão e sem ter que prestar conta de seus motivos e de seus passos. (CONSTANT: 1985, p. 15)

9 O decreto da rainha estabelecia que “considerando […] que esta [a felicidade dos povos] se não poderá conseguir sem huma clara certeza e indubitável intelligencia das Leis, a qual se tem feito hoje mais difícil, tanto pela multiplicidade de humas, como pela antiguidade de outras que a mudanca dos tempos tem feito impraticáveis“. (Cf. SILVA:2000, p. 404).

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

sucessórias do trono português, enquanto o segundo, reagindo de modo heterodoxo

a tal concepção, defendia um projeto mais elaborado de carta política, seguindo,

ainda que moderadamente, o programa alinhavado com a ideia de direitos naturais

do homem, os quais eram superiores aos povos e ao rei.10(MONCADA: 1949, 113).

A proposição de unificar a legislação num código de direitos de cunho político

retrata, portanto, a influência que as ideias iluministas alcançavam em meio às

instituições portuguesas. O debate entre os dois juristas antecipou boa parte dos

conflitos que marcaram a implementação do regime liberal em Portugal. (CUNHA:

2005, p. 552) Afinal, se a proposta de unificação havia partido do próprio poder real,

é possível perceber uma tênue linha de continuidade entre as diretrizes do governo

josefino, sob as orientações do gabinete de Pombal, e as que orientavam o governo

mariano. Tal linha de continuidade justifica-se pela análise de uma perspectiva

estadualista de controle político (HESPANHA: 2003, p. 241). É o Estado que

promove certezas e garante princípios alinhavados à ordem social. Ora, num

momento em que a ordem social (entendida aqui como a configuração dos grupos

sociais organizados horizontalmente em torno de ideais e princípios definidos) incita

transformações de ordem jurídica, é o Estado que, por meio de sua atuação

pragmática, atenderá a tais clamores, sendo responsável pela promoção de tais

transformações. O governo que assim agir estará a garantir linhas de continuidade

institucional, assegurando sua própria existência. Portanto, o despotismo ilustrado

do governo josefino ou as reformas de tom iluminista do governo mariano confirmam

certo pragmatismo das formas de governar, ao propor mecanismos de tratamento de

grupos sociais politicamente organizados, atendendo a seus interesses específicos.

É por esses meios que a consubstanciação de tais interesses numa proposta

de organização do Estado será larga e morosamente debatida por quase um século,

por volta de 1750 até 1850. Apesar de o projeto de Novo Código do governo mariano

não ter logrado sucesso, já constatável em suas reuniões semanais das quais os

membros da junta não chegavam a qualquer consenso (CUNHA: 2005, p. 552), o 10 O debate travado entre os juristas é amplamente descrito pelo prof. António Hespanha, na obra Guiando a

mão invisível: Direitos, Estado e Lei no liberalismo monárquico português. pp. 36-43.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

clamor por garantias de liberdade pessoal, da propriedade e mesmo de igualdade

política e jurídica tomarão a cena em Portugal, denunciando a gradual falência do

absolutismo monárquico e do mercantilismo.

A acerbação dessa principiologia burguesa encontra seus extremos nas

constituições europeias do século XIX: os valores que dela decorrem passam a ser

valores que atingem o ponto de limitar as igualdades, as quais existirão apenas em

plano abstrato, formal. Iguais entre si são os detentores da propriedade, a

participação política será limitada àqueles que detinham determinada fortuna e que

pudessem tomar decisões pelos demais. A propriedade, portanto, e a riqueza eram

distintivos do exercício de direitos, com a instituição do chamado voto censitário,

pelas Constituições francesa de 1795, espanhola de 1810 e mesmo pela carta

portuguesa de 1826, por exemplo. (HESPANHA: 2003, p. 258) Trata-se de consagrar

o político pela via do formalismo jurídico: a letra seca da lei é que confere as formas

de controle e poder, ela vale universalmente ao todo da nação, constitui-se (de con +

statuere, estabelecer em conjunto) na preservação dos direitos e interesses do corpo

social organizado.

Portanto, embebidos por essa teoria jurídica nascente e crescente, os grupos

sociais afetos a aspectos ideológicos que criticavam as instituições do Antigo

Regime, rearranjam suas forças de organização, de modo a obter, em meio a um

reino invadido e sem rei, mecanismos de defesa de seus interesses. A invasão do

reino Português pelas tropas lideradas por Junot e a fuga dos Bragança para o

Brasil, em 1807, impulsionariam outro evento da história portuguesa que demonstra

a adesão do constitucionalismo por suas elites: a chamada Súplica de 1808.

Tal fato consistiu na reação de um grupo de juristas (Francisco Duarte Coelho,

Simão de Cordes Brandão e Ricardo Raimundo Nogueira), contrários à extrema

promoção que o general Junot fazia de sua figura, por meios institucionais de

proclamação de um rei (objetivava que tal fosse ele mesmo), através de uma Junta

governativa. A ideia havia partido dos representantes da administração dos três

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

estados do Reino, os quais compunham tal junta, a fim de se reconhecer a Portugal

uma constituição e um rei (CUNHA: 2005, p. 577). Inspirados pela Constituição de

Varsóvia, tais juristas tinham por objetivo a reorganização administrativa, a

separação entre Estado e Igreja, a independência das funções judiciais e a

permanência do sistema de eleição de representantes pelos conselhos municipais,

bem como um rei que fosse da família de Napoleão e um código civil (o Código de

Napoleão) (CUNHA: 2005, p. 577). Tal reação não foi bem acolhida por Junot, que

interrompera o seguimento das reivindicações esboçadas pelos suplicantes ao

imperador francês. O general, no entanto, não conseguiria retirar das mentalidades

formadas durante anos, a aspiração por uma carta política e pela transformação

institucional que desse sustentabilidade aos ideais de preservação das liberdades

individuais e da defesa da propriedade.

Daí até 1811, as forças de resistência à invasão se verão ocupadas com a

expulsão dos exércitos napoleônicos, o que alcançariam com a definitiva repulsão

das tropas da terceira invasão, lideradas por Massena. (CUNHA: 2005, p. 579)

Anos mais tarde, em 1822, após os eventos da Revolução Constitucionalista

do Porto, é que Portugal alcançará, por meio de documento escrito, a delimitação e

o asseguramento dos interesses gestados pelas elites letradas durante a transição

do Antigo Regime para a condição de Estado Moderno. A participação de sociedades

secretas, como a maçonaria, e a influência da Constituição Espanhola de 1820

serviram de forte embasamento aos acontecimentos da Revolução em Portugal

(CUNHA: 2005, pp. 580-581). Não se deterá, contudo, à análise de tal fato, pela

extensão que ele implicaria, bem como um desfoque do espaço/objeto de estudo a

que se propõe este trabalho.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

CAPÍTULO 02. INFLUXOS. DO SABER JURÍDICO AO SABER POLÍTICO.

Seção I. Academias e o Direito Comum. Discurso Jurídico e Letrados. A Doutrina jurídica europeia na primeira metade do século XIX.

Conforme visto, se a Europa vivia uma revisão completa de suas instituições,

promovidas pelos grupos sociais adeptos de programas liberais, os quais defendiam

bandeiras como a propriedade privada, a livre-iniciativa, a liberdade de expressão, a

participação política representativa; tal programa não se reduziu apenas a um

programa ideológico mas se efetivou, sobretudo, em estados de organização das

sociedades que abandonavam progressivamente o que a historiografia denomina

por Antigo Regime11.

A fim de conduzir um mecanismo eficaz de cristalização de tais ideais, é que

será concebido, em plano prático, as instituições do chamado Estado de Direito. O

paradigma da legalidade, que descarta a vontade única do soberano, e cuja validade

se impõe acima de todas as vontades, por ser ela mesma expressão da suposta

vontade e soberania popular, é o fundamento principal de um modelo marcado pela

rigidez institucional, que privilegia a continuidade de instituições criadas ou já

existentes na sociedade. Porém, a lei depende exclusivamente de uma junção a ser

11 Este trabalho faz uso do termo Antigo Regime por diversas vezes, convém esclarecer ao leitor o uso adotado. O termo foi inicialmente um resgate de Alexis de Tocqueville, que o usou para designar as estruturas vigentes na França que foram destruídas pela Revolução. Segundo o autor, Mirabeau teria sido o primeiro a usar a expressão, “Comparai o novo estado das coisas com o Antigo Regime”. Especialmente no sentido de designar esse estado de coisas vigentes, em que se incluíam o absolutismo monárquico, os privilégios nobiliárquicos e as desigualdades entre os membros da sociedade francesa, o termo acabou se alargando pelo uso na literatura historiográfica, passando a designar não apenas esse estado de coisas vigente à época do reinado de Luís XVI, mas a diferentes contextos que prevaleciam na Europa e que tinham em comum parcelas dessas características denunciadas por Tocqueville em O Antigo Regime e a revolução. Portanto, partilhamos do conceito alargado, ao qual boa parte deste trabalho se refere; porém, a maior parte dele diz respeito ao contexto de finais do século XVIII. Cf. SOUZA: 2006, p. 64.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

feita entre seu plano abstrato, formal, ao plano a que se denomina prático, real,

concreto. Depende, assim, de religar os pontos de um descolamento proposto pela

teoria jurídica ao longo de séculos de doutrina, entre abstração e práxis, entre forma

e conteúdo, entre ideal e real. É essa tarefa que se propõe aos detentores do saber

jurídico, da razão jurídica, conjunto de conhecimentos de um grupo social destacado,

de formação letrada e erudita, responsável por alinhavar os traços fundamentais de

uma complexa engenharia social que começava a se estruturar, a partir da

concepção desse modelo de Estado de Direito.

Daí, importa delimitar em que espaço essa doutrina jurídica surgiu, e de que

modo tal espaço se comportava em meio às transformações de seu tempo,

readequando a conciliação entre ensino e experiência política.

A chamada “razão jurídica“, foi amalgamada pela própria erudição que a

cultura acadêmica lhe conferira desde muito. A fundação das universidades na

Europa implicou também a formação de grupos sociais típicos do espaço

universitário: a Universidade de Bolonha, desde o século XI, talvez seja o exemplo

mais conhecido dessa tradição, em que as cadeiras fundamentais do trivium e

quadrivium compunham o quadro básico do modelo escolástico de formação de

juristas. É nesse espaço que uma série de poderes e expectativas serão

estabelecidos, no intuito de encontrar, nesse mesmo meio acadêmico, soluções aos

conflitos da vida em sociedade. O plano de desenvolvimento do Direito Comum na

Europa moderna teve também importância exemplar para o prestígio que ganhariam

as academias, uma vez que soluções aos problemas concretos deveriam ser

equacionadas por juristas, valendo-se de sua oppinio communis doctorum 12. A 12 Nesse sentido, v. HESPANHA: 2003, p. 192. O conhecido privilégio de acadêmicos e professores,

inteiramente moldado em Bolonha, havia sido expressamente trazido pelo Corpus Juris Civilis e formava, com efeito, a Lei Fundamental das Universidades Europeias, na qual o privilégio de papel jurisdicional dos cidadãos acadêmicos, no começo da Modernidade, atingiu outros círculos, os designados “Pares da Universidade”, desempenhando uma função até os dias de hoje e nos fracos restos de uma jurisdição disciplinar, a qual atualmente consiste apenas em fóssil de um passado remoto (observa-se substancialmente que essa Jurisdição tinha por objetivo final ser protegida pelos poderes estatais). (Livre tradução do autor de EBEL;THIELMANN: 2003, p. 179: Dies beruhmten Scholaren- und Professorenprivileg, gemünzt wohl auf Bologna, ist ausdrücklich in das Corpus iuris civilis aufgenommen worden und bildet gewissermaßen das Grundgesetz der europäischen Universitäten, wobei das Gerichtsstandprivileg der akademischen Bürger, in der frühen Neuzeit erweitert auf andere Kreise, die sog. “Universitätsverwandten”, bis in die Neuzeit eine

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

fundamentação de uma razão jurídica, a qual consistiria em discurso específico de

um grupo social delimitado, (inicialmente adstrito às Academias e futuramente

alargado e espraiado pela organização de uma práxis jurídica espessa, cujas bases

remontam ao Estado Moderno, práxis a ser desempenhada por juristas de formação

acadêmica) auxiliou a criação de um “discurso dos letrados“.

Letrados são, nessa medida, os agentes de tal discurso que estiveram

amparados por um modelo de formação mais ou menos tradicional e similar, que

lhes permitiria compartilhar uma mesma língua. Tal língua consiste no idioma

jurídico, cujas bases estão no esforço secular de preservação e reinterpretação das

fontes do legado romano, sobretudo, do Corpo de Direito Civil Justinianeu. Os

homens que mantém esse idioma vivo terão, no decorrer dos séculos XV, XVI, XVII e

parte do século XVIII sua formação em meio aos espaços universitários voltada a um

modelo escolástico, o qual compreendia noções fundamentais de lógica formal

aristotélica, saberes eruditos como retórica, latim e história dos povos antigos e,

acima de todos, conhecimentos a respeito do direito romano.

Portanto, o discurso que será criado sobretudo no interior das academias,

cujas bases estarão nesse modelo de educação, infiltrará os canais da vida em

sociedade pelas vias que as instituições sociais e políticas lho permitam. O discurso,

nesse sentido, toma sua feição prática, irrigando a cultura das práticas jurídicas

europeias e encontrando no meio social seus limites e feições, bem como sua razão

de sê-lo.

Obviamente, ao se admitir a existência de um discurso letrado, admite-se

também haver um discurso não-letrado em sua contraposição, que foge ao

regramento acadêmico, que escapa à atenção da história documental

majoritariamente preservada. Esse discurso permeia as sociedades do Antigo

Regime, associa-se às formas religiosas, particulares, domiciliares, familiares, orais

Rolle gespielt hat und in den kümmerlichen Resten einer praktisch nicht mehr ernst genommenen Disziplinargerichtsbarkeit heute nur noch Fossil ist (wobei meist übersehen wird, dass diese akademische Gerichtsbarkeit letztlich auf einen Schutz vor den staatlichen Gewalten zielte).

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

e costumeiras de se enfrentar dissídios e questões que envolvessem direitos, e

continuará a existir no espaço colonial (e posteriormente independente) por ele

determinado. Exemplos não faltam de rábulas13 que estarão a atuar no Brasil colonial

e imperial, impacto relativo à carência de academias jurídicas, resultante da

proibição metropolitana de instalação de cursos superiores no Brasil durante vários

séculos. Proferirão, portanto, um discurso apegado às formas, mas que jamais teve

ligação às doutrinas fundamentais das arcadas e bancos acadêmicos.

Em outra posição, o discurso letrado – que a este trabalho importa como foco

de atenção – endossa três características essenciais, as quais conferiam-no sua

permanência histórica e sua face conservativa em meio às transformações sociais:

1) a finalidade de condicionamento dos agentes a sua fundamentação, 2) a

utilização de aportes teóricos e lógicos que excluíssem não-letrados de seu domínio,

e 3) a consagração de princípios edificantes da ordem política. (aqui tida como os

princípios e valores que davam sustentação às instituições políticas). Edificado com

base nesses pilares, o conhecimento jurídico não terá apenas a característica de

subproduto cultural de determinado contexto, mas sobretudo, de fator decisivo para

a permanência dos mecanismos de dominação e de organização social. Com isto, é

possível aprofundar a compreensão das características desse chamado discurso dos

letrados :

1) a finalidade de condicionamento dos agentes a sua fundamentação. A

existência do próprio discurso depende da adesão de agentes dispostos a operá-lo.

Isto significa que aqueles que estiveram ligados ao estudo (e aplicação) da

Jurisprudência tiveram de realizar uma escolha – a de ocupar papéis sociais sobre 13 Conforme se vê em Lima BARRETO, e Machado de ASSIS, o rábula, aquele que exerce os ofícios da

advocacia sem ser diplomado, é figura recorrente em diferentes períodos da literatura brasileira, tendo se integrado como elemento da cultura bacharelista brasileira. Respectivamente: “Noticiam os jornais que a polícia prendeu dois vadios e, de acordo com as leis e o código, processou-os por vadiagem. (…) O legislador nunca deve admitir que vadios, homens que nada fazem, portanto não ganham, pudessem dispor de dinheiro, e dinheiro grosso, para se afiançarem. (…) Não sou, pois, bacharel, jurista nem rábula e fico aqui. (Cf. BARRETO, 2004, p.221). “Os olhos de Tibério Valença faiscavam. Parecia-lhe que tinha falado claro, não querendo sobretudo falar mais claro, e Tomás, sem procurar a oportunidade daquelas observações, perguntava-lhe o sentido das suas palavras, no tom da mais sincera surpresa. Era preciso dar a Tomás a explicação pedida. Tibério Valença continuou:— As explicações que lhe tenho a dar são mui resumidas. Quem lhe deu o direito de me andar namorando a filha de um rábula?” (Cf. ASSIS: 1866 , p.4)

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

os quais recai um conjunto de expectativas, advindas de certos clamores da própria

sociedade, como a aplicação de regras de equidade – e assim o fazem

disciplinarmente: deve-se proceder à escolha sistemática, à operação decisória, ao

levantamento de argumentos, para a atividade que se fundamenta na expressão oral

e escrita, em canais de comunicação marcados pela heteronomia das chamadas

“fontes de direito“. São elas que condicionam o discurso jurídico no sentido de ser

definido enquanto tal, impondo aos agentes por ele responsáveis sua vinculação

completa e condicionando suas formas de expressão.

2) a utilização de aportes teóricos e lógicos que excluíssem não-letrados de seu

domínio. O discurso jurídico, como ferramenta do jurista de formação acadêmica, é

uma porta para o já mencionado destacamento social que o mesmo ocupa. No final

da modernidade tal fato se tornará ainda mais explícito, na medida em que o uso de

regras de lógica formal para a interpretação jurídica e o surgimento de teorias (como

o voluntarismo e o contratualismo) são amplamente utilizados tanto na

argumentação quanto no ensino jurídico, além de a teoria jurídica buscar por fontes

mais particulares, mais restritas ao contexto de cada nação em formação,

abandonando gradualmente as fontes do direito romano, o que importa a edificação

de discursos semi-autônomos, no sentido de se verificar, apesar da formação do

chamado espaço de Direito comum europeu, uma fragmentação relacionada à

especificidade, que volta sua atenção à legislação nacional, ao costume local e a

fontes do direito não-tradicionais. Esse aspecto é decisivo para a constituição de

uma camada letrada cada vez mais enrijecida, que deixará de ser confundida com

agentes não-letrados, ainda que conhecedores de tradições jurídicas milenares e de

fontes antigas do direito. O ápice desse enrijecimento social tomará sua feição mais

acentuada no período de decadência do Estado absolutista e a consequente

secularização de suas instituições políticas, ardorosamente defendida pelos filósofos

iluministas desamarrando, ainda que não completamente, o conhecimento jurídico

secular de suas proximidades com o Direito Canônico. Assim, o discurso jurídico

passará por uma fase de sistematização e depuração, de modo a definir

precisamente quem serão os sujeitos responsáveis por sua produção, excluindo uma

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

parcela de agentes do discurso que não acompanhassem as mudanças de

consistência teórica nele (e por ele) propostas.

3) a consagração de princípios edificantes da ordem política. Esta a

característica de maior relevo. Conforme observado, os modos de organização

social demonstram-se imprescindíveis à faceta que o Direito assume. O discurso

jurídico é, portanto, moldado na confluência de mentalidades e culturas políticas e,

sobretudo, nos interesses que se põem à mostra nos diferentes espaços sociais,

evidenciados pelo conflito de seus membros. Trata-se de um reflexo das

mentalidades vigentes, sobre as questões mais variadas: seja da organização dos

poderes em plano público (como o direito divino dos reis, p. ex.), seja dos poderes

em plano privado (direitos reais e obrigações civis), resultando nas formas de

legitimação daquilo a que se pode designar por ordem social: valores e interesses

que merecem a tutela jurídica, no intuito de se apaziguar as tensões originadas pelo

questionamento dos mesmos interesses, que porventura surgissem no seio da

sociedade. Tais interesses certamente estiveram sob a detenção dos poderes

soberanos: no momento em que o Estado se forma, criam-se concelhos e órgãos de

jurisdição, que adentram a modernidade ganhando prestígio e reconhecimento. A

atividade de dizer o direito, distribuir concessões, conferir poderes, é espessamente

engendrada pela coroa e sua atuação. Com a edificação burguesa do Estado de

Direito e a cristalização de interesses dos grupos que operam sua engenhosa

maquinaria institucional, por meio da letra seca da lei, o prestígio que ganharão os

juristas de formação é evidente: é necessário traduzir o que fora consolidado, revelar

o real sentido do que fora sacralizado pela legislação, conduzir procedimentos

também determinados por normas, por em funcionamento o aparato burocrático das

instituições públicas, que deveriam agir em conformidade ao dogma da lei. Jurídico e

político se complementam, na tessitura de uma ordem meticulosamente pensada por

seus artífices, articulando interesses das elites dominantes ao que será manifesto

pelo discurso jurídico, cujo principal fundamento reside, sobretudo, no que diz a lei.

Tais características apresentadas conferem ao discurso jurídico sua feição

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

conservativa, em dois sentidos: na medida em que o mesmo objetivava preservar a

ordem social; e na medida em que tal discurso manteve-se substancialmente com as

mesmas características, revelando relativa continuidade no decorrer da

modernidade. Desempenhava, além desse evidente papel de preservação, o de se

propor na construção de identidade dos agentes responsáveis por sua produção.

Significa dizer que o discurso jurídico converte-se no instrumental principal de que se

valem os juristas para expressar sua própria condição de juristas: passam a

vivenciar aquilo a que se chama de papel social (resultado do ofício que

desempenham, do trabalho que desempenham), ao deterem um conhecimento que

lhes é próprio, e que depende de uma educação voltada a fins específicos, a qual

também comunga do mesmo discurso.

O caráter de conservação do discurso apresentado deve ser compreendido

como conservativo, e não como conservador, uma vez que a noção de discurso

jurídico amparado na concepção de razão jurídica expõe linhas de sistematicidade

conceitual rígidas, porém não estanques. Se o discurso jurídico tende a encontrar

mecanismos de legitimação de determinada ordem social, tal fato se deve aos limites

impostos pela língua sistemática desenvolvida a partir da construção do Direito

comum europeu. Mas a mesma língua que apresenta tais tendências, desenvolve

nuances que a tornam aberta a transformações de cunho ideológico propostas por

seus próprios falantes: é o plano de historicidade do Direito, que fundamenta o

surgimento de escolas de pensamento e rupturas no modo de concebê-lo. Há que se

pensar, portanto, em sistemas abertos de interpretação, processamento e,

principalmente, estudo do Direito.

Com base nessas tendências, o discurso jurídico que se desenvolve nas

frentes acadêmicas acompanhará o ritmo de desenvolvimento – que alguns autores

preferem colocá-lo sob o plano de unidade – do direito comum. Não há dúvidas de

que a Europa vivia uma espécie de sistematização de métodos e estilos de

raciocínio jurídico ao longo os séculos XV, XVI e XVII. Mas, ressalte-se, essa

unidade diz respeito essencial (para não se dizer exclusivamente) à teorização do

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Direito, a seu campo de ensino, segundo uma homogenização intelectual que se

infiltrava nos bancos acadêmicos, mas que se deparava com contextos distintos, no

que compreende as fontes de direito quotidianas. Nas palavras de HESPANHA:

O sentimento de unidade do direito foi – em grau não menor – suscitado

pela homogeneidade da formação intelectual dos agentes a cargo de quem

estivesse a criação do saber jurídico medieval – os juristas letrados.

Tratava-se de universitários com uma disposição intelectual comum,

modelada por vários factores que se verificavam em toda a área cultural

europeia centro-ocidental. Primeiro, o uso da mesma língua técnica – o latim

– o que lhes criava, para além daquele estilo mental que cada língua traz

consigo, um mesmo horizonte de textos de referência (numa palavra, a

tradição literária romana). Depois, uma formação metodológica comum,

adquirida nos estudos preparatórios universitários, pela leitura dos grandes

“manuais“ de lógica e de retórica utilizados nas Escolas de Artes de toda a

Europa. Finalmente, o facto de o ensino universitário do Direito incidir

unicamente – até a segunda metade do século XVIII – sobre o direito

romano (nas Faculdade de Leis) ou sobre o direito canónico (nas

Faculdades de Cânones), pelo que, nas escolas de Direito de toda a Europa

Central e Ocidental, desde a Cracóvia a Lisboa, desde Upsala a Nápoles, se

ensinava, afinal, o mesmo direito. O mesmo direito, na mesma língua, com a

mesma metodologia. É do trabalho combinado destes factores – a

unificação dos ordenamentos jurídicos suscitando e possibilitando um

discurso jurídico comum, este último potenciando as tendências unificadoras

já latentes no plano legislativo e judiciário – que surge o direito comum, ius

commune. (HESPANHA, 2003, p. 90)

A formação do direito comum está alicerçada na concepção de um método

comum de ensino da disciplina jurídica na Europa. Portanto, esse já apresentado

discurso dos letrados encontra suas bases no fato de seus agentes terem adquirido

uma formação semelhante, em Universidades que proporcionavam certa comunhão

intelectual: um apego demasiado às fontes de direito romano e a princípios lógico-

formais evidenciados por doutrinas escolásticas. Por outro lado, a formação de

linhas comuns na prática do direito se dará por meio do trabalho de comunhão

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

legislativa e judiciária, acentuado apenas no momento em que o absolutismo

monárquico for destronado pelos ideais liberais que rimbombavam Europa

continental afora, através dos processos revolucionários burgueses (e o clamor por

codificações de direito civil, p. ex.). Tal fato, importa dizer, implicou uma relativa

homogenização da prática jurídica. É por isso que essa unificação do direito

proposta pelos autores deve ser vista com bastante cuidado, de modo a não se

entender o processo de formação do direito comum como um fenômeno amplo e

avassalador, que não acompanhasse as diferenças entre as especificidades

culturais, políticas e econômicas de cada nação/localidade14. O certeiro golpe de

desmontagem de tais lacunas e abismos entre as práticas jurídicas locais, entre os

costumes e regras de nações e poderes particulares, é o triunfo do liberalismo e do

Estado de Direito: propõe-se unidade legislativa, cria-se uma linearidade dos ideais

expostos pela lei, codificam-se costumes e hábitos, em direção a modelos

relativamente comuns de organização jurídica e política. A construção do direito

comum no decorrer da modernidade, até então evidenciada pela teoria jurídica

gestada no espaço acadêmico, nesse momento de edificação do Estado de Direito,

encontrará respaldo junto às instituições legislativas, administrativas e judiciárias. À

Europa será permitido falar uma língua jurídica comum, relativamente similar, tanto

em termos teóricos quanto práticos.

Esses aspectos da experiência política elevam o conhecimento jurídico à

categoria técnica: juristas são responsáveis por aplicar a lei, por desempenhar

14 O que se quer dizer nesse ponto é que o processo de recepção do Direito romano (ensinado nas universidades especialmente por meio do Corpus justinianeu e que constituiu o fundamento desse direito comum) não se verificou de modo total, abrupto e edificador de uma ordem jurídica única, de uma prática homogênea na Europa ocidental moderna. Há uma recepção individual, ditada pelos aspectos particulares de cada espaço, que adequarão práxis e teoria de modo singular, reconhecendo como fontes do direito somente o que lhes fizesse sentido. É assim que autores como Wieacker vão tratar acerca de tais singularidades: Precisamente porque o direito romano é direito comum, a concepção profundamente radicada no conceito medieval de direito admite, no entanto, que o círculo jurídico mais reduzido precede o mais vasto e que este tem apenas uma vigência subsidiária em relação aos direitos pactuados [Wilkür], aos direitos das cidades, das cortes, das repartições e dos territórios. Já para os consiliadores italianos, a relação entre o jus commune e os estatutos particulares, aos quais a sua práxis se aplicava, constituíra, por isso mesmo, uma questão cadente de política d direito. Eles desenvolveram com grande cuidado uma teoria especial da aplicação do direito, a teoria estatutária, que procurava conciliar, através de uma aplicação restritiva do estatutos, a pretensão de validade geral do jus commune letrado com a indiscutível precedência dos direitos particulares: statuta stricte sunt interpretanda. Na Alemanha, também esta teoria dos estatutos foi recebida. (WIEACKER: 2004, p. 145).

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

atividades que dizem respeito à ordem social, fortemente marcada por questões de

interesse público. A operação reducionista da lei em sua dimensão pública (O Estado

enquanto lei – vide constitucionalismo; a lei enquanto manifestação do Estado),

portanto, desconsidera as formas de organização jurídicas extraordinárias,

alavancando crescente fiscalização do Estado na formação dos quadros de pessoal

para sua administração e para a defesa de seus interesses. É por meio desse

pensamento que serão fundados, com o nascimento do Estado de Direito brasileiro,

os primeiros cursos jurídicos nacionais, no ano de 1827, por exemplo.

Delimitada está, deste modo, a importância do espaço acadêmico, objeto de

observação deste estudo. Tal espaço é que gesta os aspectos teóricos que

influenciam decisivamente os modos de aplicação e mentalidade jurídica que

verificarão as mudanças propostas pela irradiação do ideário iluminista e liberal a

partir do século XIX.

Tais mudanças, constituídas a partir de uma dogmatização da legalidade,

representam a curva do olhar dos juristas e de seu discurso às codificações de

direito privado que surgiam pela Europa, que evocavam a si o título de obras

concretas da razão e da vontade geral (as constituídas sobretudo na França por

meio de processos de representação política). É esse ambiente que proporcionará a

formulação de uma doutrina jurídica definida como positivismo legalista, cujo dogma

e fonte primordial será a lei produzida conforme os parâmetros formais de criação e

interpretação do direito. A razão jurídica reduz-se à letra da lei, e a razão do

intérprete deve se limitar a traduzir o que intenta dizer a lei. É portanto, o momento

de elevação da figura do aplicador do direito, reduzido à condição de “bouche de la

loi“ (boca da lei).

Com isto, as academias sobretudo na França, desenvolverão uma linha de

orientação teórica designada por Escola da Exegese, a qual confere mínima (para

não se dizer nenhuma) importância à tradição histórica, ao costume, aos

fundamentos e práticas que marcavam o direito anteriormente aos eventos de

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

edificação do Estado de Direito (Direito que se reduz ao conceito de lei, acidulado

pelo formalismo que lhe é conexo). Trata-se de uma fortalecida aliança entre jurídico

e político: o primeiro se limita a expor e interpretar os novos códigos, criando uma

autoridade científica de tais intérpretes, enquanto o segundo invoca a permanente

autoridade do legislador, que produz o direito por meio das maiorias parlamentares

artificiais. (HESPANHA, 2003, pp. 268-270). Nessa perspectiva, o papel do jurista é

unicamente o de aplicar a lei, conforme um silogismo simples: o fato é premissa

menor, do qual se subsume determinada norma contida no texto da lei.

A Escola da Exegese caminha em direção a confirmar as facetas que o

liberalismo político construía na porção ocidental europeia. Representativismo

político, legalismo, consagração de direitos e liberdades civis eram o substantivo

leitmotiv do discurso jurídico criado nesses contornos, que destacava ainda mais o

caráter de autoridade da opinião dos doutores nas leis. Enquanto isso, se na

Alemanha e nas porções onde o liberalismo revolucionário não havia sido tão

evidente, bem como sua fragmentação política lho permitira, surgem as correntes

doutrinárias aliadas à chamada Escola Histórica, que se contraporá ao dogmatismo

cego e formal do positivismo legal e da escola da exegese, fundamentando a

importância das tradições e costumes locais para a construção de uma unidade

legislativa nacional, que se desse em plano histórico e sedimentar, e revelasse o

verdadeiro espírito do povo (Volksgeist). Tal escola de pensamento travará um

debate de relevo com a escola exegética, criando oportunas influências no

desenvolvimento do conhecimento jurídico e da doutrina, sobretudo na Alemanha,

anos mais tarde.15

Tal escola, no entanto, não teve influências substantivas na cultura jurídica do

espaço português. A escola da exegese e o legado napoleônico, esses sim,

conferirão influências muito mais perceptíveis no reino invadido pelas tropas de

15 Nos dizeres de WIEACKER, p. 403, a Escola Histórica se propõe a exploração da dimensão histórica do direito(...) compreende não apenas o direito como história, mas também a ciência jurídica como histórica. No entanto, no programa de uma renovação da ciência do direito positivo, isto só pode ter o sentido de que o objeto da ciência jurídica é pré-determinado pela historicidade do direito do presente (e não pelas abstrações do jusracionalismo ou pelos comandos dos legisladores iluministas).

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Junot em 1807, em que os ideais liberais e especificamente o Códe, servirão de

modelo ao ulterior Código Civil. (WIEACKER: 2004, p.394).

Em suma, o que Portugal vivenciará não se difere em muito daquilo que se

processará na França: um cultivo de uma dogmática formalista e abstrata (que não

se atem à correspondência ao real: a lei se considera perfeita, alienando todas as

situações da vida concreta). A ciência jurídica, desse modo, apoiará a instauração e

manutenção da ordem social burguesa, por meio da afirmação da vigência e

cogência da lei escrita, por meio de uma equiparação do justo ao legal ou mesmo

através da formulação de teorias como a da integração, que adota pontos de vista

adequados a fazer valer o direito positivo em todos os casos reguláveis

juridicamente: preconiza-se a completude lógica do ordenamento e recorre-se a

códigos estrangeiros para fundamentar aquilo que não se previsse. (HESPANHA:

1972, p. 44)

A escalada desse liberalismo em Portugal terá sintomas muito evidentes na

produção jurídica acadêmica oitocentista. O clamor por legislações corporificadas em

códigos, a necessidade de se estabelecer as regras fundamentais norteadoras de

um Estado abalado pela fraqueza de suas instituições tradicionais (uma monarquia

sem rei) abrirá oportunidades largas à escalada do poder nacional por grupos sociais

fortalecidos. É assim que em 1820 a Revolução do Porto será desenhada, cujos

autores terão por base um programa ideológico que se processara, sobretudo, em

meio aos bancos acadêmicos de Coimbra.

Seção II. Formação para os quadros institucionais. O papel de Coimbra para as instituições políticas do Império Português no Antigo Regime.

As reformas empreendidas pelos Novos Estatutos da Universidade de

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Coimbra, no ano de 1772 (as quais serão analisadas no próximo capítulo), tiveram

por escopo corrigir alguns vícios do próprio atraso intelectual e científico de Portugal,

exaltando certas virtudes do pensamento ilustrado e, conforme SILVA:

fecundando certo sentido pragmático do saber, formando indivíduos

tecnicamente habilitados para uma atuação prática, na solução de questões

prementes, que fizessem da ciência e da ética aliados incontestáveis na

execução de reformas comprometidas, em todos os níveis, com a

preservação do regime político e da ordem social vigentes. (SILVA, 2006, p.

79)

Tratou-se, portanto, de modernizar o ensino a partir da mão do Estado, e a

partir de um contexto que evidenciava suas contradições e suas características de

atraso e arcaísmo. Significou pôr os estudantes em contato com as novas influências

do direito iluminista (e, posteriormente, liberal) e mais tarde da França.

(HESPANHA:2006, pp. 141-142). Essa direção alargada das reformas, no entanto,

inaugurará um sentido de atuação que o próprio século XVIII já anunciava: desde os

escritos de D. Luís da Cunha, que delineavam as funções precisas da colônia,

exaltando a empresa colonizadora como necessária ao desenvolvimento português,

e reconhecia também necessário se proceder a uma boa escolha de homens

públicos, objetivamente fiéis e ligados ao poder central. Apesar de averso à figura do

primeiro-ministro Marquês de Pombal, tal projeto se espelhará na organização

administrativa vivida em finais do século XVIII.

Portanto, se até meados de setecentos a administração colonial estivera

constituída sobre as bases de um compromisso firmado entre súditos e rei, o qual

concedia ou outorgava a administração de regiões ou órgãos para os quais se

buscava a recompensa real, a partir da ascensão de Pombal (e das reformas

pombalinas no ensino), a camada letrada ocupante de cargos em concelhos,

ouvidorias, câmaras, tribunais e senhorios, não mais estará acreditada, por meio de

um compromisso unilateral, de concessão do rei, em uma atividade metropolitana

em qualquer canto do mundo atlântico lusitano. Estará dependente, controlada,

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

fiscalizada – permanecendo fiel, porém mais técnica – e a serviço dos precisos

objetivos da coroa. As atividades de jurisdição, inseparavelmente, parcelas do todo

de atividades públicas na colônia, seguirão essa nova lógica, a partir das reformas

de 1772, as quais serão analisadas no próximo capítulo.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

CAPÍTULO 03: COIMBRA.

Seção I. As reformas pombalinas do ensino jurídico: arautos ou entraves de uma modernização do Direito?

A Faculdade de Direito de Coimbra ocupou, durante muitos anos, a condição

de espaço acadêmico de formação dos juristas espalhados pelo império português.

Tal faculdade rompia as fronteiras já pouco estanques do Antigo Regime, na medida

em que comportava, em meio a seus quadros estudantis, acadêmicos nascidos em

todas as partes das colônias portuguesas, de Luanda a São Luís, em razão da

proibição de criação de cursos superiores em tais localidades. O conceito de

nacionalidade desses estudantes permanecia fluido e nublado, muito em razão de as

diferenças entre as sociedades atlânticas ocorrerem especialmente com base nas

formas de organização de suas atividades econômicas, e não pelo motivo de

“pertencimento“ desses estudantes a determinado território (a teorização de

conceitos como nação, nacionalidade, Estado, ligados ao delineamento de território

somente se tornará mais precisa a partir do século XIX). Porém, é possível se

demarcar as diferenças entre estudantes nascidos em Portugal e estudantes que a

Portugal se dirigiram para prosseguir nos estudos; ao final destes, poderiam tais

juristas diplomados iniciar sua carreira nas práticas forenses em qualquer localidade

do império, ao serem investidos nas funções de juízes de fora, por exemplo.

Tal característica é muito importante para a análise que se propõe. Nesse

momento, em que os conceitos de nação e nacionalidade não se concretizam nos

termos dos tempos atuais, os diversos níveis de poder que se organizam conforme

as necessidades e contingências de espaços diversos, em que político e jurídico se

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

imiscuem, nas suas dimensões de poderes diferenciados e concorrentes, sofrerão

alterações profundas, irrompendo no abalo de todas as formas de sua organização

então vigente. Isto significa que a desconstrução dos níveis de organização política

do Antigo Regime encontrará, no discurso jurídico, apoio fundamental (um

instrumental decisivo para o prosseguimento de tal processo): o nascimento do

Estado liberal na Europa deflagrou os processos de independência nas Américas e

anunciou a supervalorização de discursos formais (e não mais locais, particulares).

Portanto, uma espécie de sobreposição linear, no que corresponde às formas de

governar e de dizer o direito, estará intimamente ligada ao fator maior dessa

sobreposição: a lei.

Lei enquanto construção de uma mens legislatoris, ligada ao poder central de

monarcas absolutos, existiu durante todo o Antigo Regime. No entanto, a atividade

de magistrados, a expedição de ofícios, a requisição de documentos, a taxação de

impostos não estiveram sob seu império inafastável. As ordenações do Reino

Português (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) serviam, durante os períodos em que

vigeram, como fontes subsidiárias do direito e de atos oficiais de funcionários do

governo central. Entretanto, a concorrência de formas extra-oficiais, de poderes de

esferas micronucleares nas colônias, níveis diferenciados não conexos, em vários os

planos, às exigências e determinações de um poder central16, denunciavam um

regime que não havia sido planificado e subordinado a um conjunto corporificado e

central de normas. Tal conjunto absorverá grandes parcelas de práticas e costumes,

se expressando na uniforme letra da lei, cuja validade se estenderá aos povos das

nações formadas sobretudo após os processos revolucionários burgueses, iniciados

no século XVIII.

16 A análise dos diversos níveis de poder que organizam a sociedade portuguesa e colonial de Antigo Regime, é exposta por HESPANHA em sua obra Às vésperas do Leviathan: instituições e poder político Portugal século XVII. Segundo o autor, coexistem na sociedade vários níveis de poder e vários campos de equilíbrios sociais; ou seja, de que tanto o poder como os equilíbrios sociais são analisáveis numa série enorme de registos (económicos, culturais, estéticos, discursivos, etc.).Compartilhamos a análise feita na obra, e acrescentamos que esses níveis de organização não deixaram de existir com o advento do Estado liberal de Direito: no entanto, sua configuração é decisivamente alterada a partir desse advento, uma vez que controlar, exercer poder em seus diversos níveis, passará a se reportar diretamente ao conjunto de princípios e valores revestidos na forma de lei, seu fundamento maior.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Um dos níveis de organização desses poderes que sofrerá alterações

significativas é o próprio Direito. E é o discurso jurídico que espelhará as alterações

provocadas pelos agentes que o produzem. As principais origens dessas

transformações, nesse processo, remontam às reformas pombalinas do ensino

jurídico, datadas do ano de 1772, as quais alteraram profundamente o quadro de

formação dos egressos de Coimbra, e que serão analisadas em seguida.

Os Estatutos da Universidade de Coimbra, cujas origens se encontram dois

anos antes, por meio da exigência do rei D. José I, à Junta de Providência Literária

no dia 23 de dezembro (SILVA: 2004, p. 71), de que o declínio da Universidade

deveria ser analisado a fim de serem demonstradas as causas de sua decadência,

somente pode ser compreendido se relacionado às contribuições de Luís Antonio

Verney, que havia publicado, no ano de 1746, o Verdadeiro Método de Estudar. Tal

obra tinha por principal objetivo denunciar o aprisionamento das orientações de

ensino à escolástica e seu apego às tradições bartolistas, afirmando a necessidade

de os juristas se voltarem a um estudo da história dos povos com o objetivo de

alcançar a inteligência da lei. (COSTA et. MARCOS: 1999, pp. 68-69) O retorno ao

estudo de uma história geral, especialmente no que tange à história antiga, será

fundamental ao ensino jurídico da academia coimbrã, em que o Latim era a língua

principal do discurso jurídico das universidades que integravam o espaço do direito

comum europeu em desenvolvimento. O estudo de uma história nacional também

parece ser parte da preocupação de Verney. Assim:

Em quanto não aparece alguma istoria Portugueza, proporcionada aos

rapazes, que estudam nas escolas: aos quais basta dizer, o que é somente

precizo, sem tantos rodeios: o que me dizem está atualmente fazendo, um

omem douto meu conhecido.

(…) Alguma tintura de Cronologia é necesária, para intender a Istoria: e,

sem a inteligencia desta, nam se pode intender o Latim, dos-que

escreveram nesta lingua. (VERNEY: 1746, pp. 90-91)

Na mesma obra, mais adiante, o autor se retira de responsabilizar a

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Companhia de Jesus como a principal culpada pelo estágio de atraso do ensino em

geral, no reino de Portugal:

Esta reflexam para V.P. é superflua, pois conhese mui bem o meu animo; e

sabe, que eu só pego na pena para dar-lhe gosto. Mas porque poderá ler

esta carta, a algum ignorante, ou malévolo; que intenda, que eu, dizendo o

que me-parece dos estudos, com isto digo mal, da- Religiam da-Companhia

de Jezu; que neste Reino, é a que principalmente ensina a Mocidade, devo

declarar, que nem é ese o meu animo. (…)

Alem diso, aqui em Portugal, é muita outra gente que ensina; os outros

Religiozos, ensinam os seus e os de fora, os mestres seculares, tambem

ensinam. E asim as minhas opinioens, podem ter por-objeto, nem uma só

pesoa. (VERNEY: 1746, pp. 3-4)

No entanto, as rivalidades já deflagradas entre o governo ilustrado de Pombal

e a Companhia de Jesus (acirradas especialmente pela política que as missões

desempenhavam nas colônias, constituindo entrave real à empresa de

racionalização da máquina colonizadora) denunciavam o imaginário de um inimigo

do Estado, meio às camadas dirigentes, o qual impedia sua modernização, nos

termos da secularidade iluminista em voga. É nesse sentido que atuará a Junta de

Providência Literária, composta por essas camadas, não só elevando a fidelidade às

fontes e o recurso às ciências auxiliares ao Direito, através da supervalorização da

história como um desses recursos clarificantes de revelação dos sentidos das

normas; mas sobretudo desenhando uma crítica aguda à Companhia de Jesus. Era

necessário reduzir o prestígio com que os jesuítas contavam nos meios

educacionais, dado que sua presença nas colônias já se manifestava insuportável

aos interesses do governo de Pombal. É assim que o próprio título do documento

elaborado pela Junta demonstra essa aversão incontida às influências inacianas: o

Compêndio Histórico de Estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasão

dos denominados jesuítas e dos estragos feitos nas ciências e nos professores e

diretores que a regem pelas maquinações, e publicações dos novos estatutos por

eles fabricados.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

O conceito de um ensino jurídico reformado, com isto, necessitava não

apenas de um suporte no campo teórico (o que foi promovido em grande parte, pela

obra de Verney, de caráter claramente humanista e secular, a qual propunha a

completa revisão do ensino de Latim, Grego, Retórica, Gramática- frise-se a

importância atribuída a uma Gramática da Língua Portuguesa, Poesia e Filosofia,

por meio das oito cartas que compunham o Verdadeiro Método), mas sobretudo de

suportes efetivos, que dessem cabo a reformas de campos estratégicos, que por sua

vez permitiriam o controle de poderes oficiais cada vez mais agigantados meio ao

furacão setecentista de crise do absolutismo monárquico: o fiscalismo e a

exploração colonial do Estado de uma minoria que orienta, dirige, comanda e

explora. (FAORO, p.234). Era necessário, assim, fazer a lei do Estado presente,

agigantá-lo em seus domínios, sobretudo no recrudescimento do rigor do sistema

punitivo da Coroa. (NEDER: 2006, p. 17).

Com isto, garantir o ensino jurídico voltado às orientações da legislação

portuguesa, ao direito nacional, abandonando parcialmente as velhas tradições do

direito romano em sua pretensa condição de construção supostamente perfeita,

capaz de solucionar todos os conflitos (LOUREIRO: 2008, p. 394) era um objetivo

central do governo de Pombal. E é assim que o ensino jurídico encontrará sólido

suporte para sua transformação: a promulgação da Lei da Boa Razão17, em 18 de

agosto de 1769. Tal lei teve importância decisiva na orientação do ensino do Direito

em Coimbra, pois consagrava a cara principiologia iluminista de uma filosofia

secular, em que o direito canônico deixa de ter valor mesmo como fonte subsidiária

do Direito, e na qual o direito romano e as glosas de Bártolo de Sasoferrato e

Acúrsio deixariam de ser consultadas. Ademais, o direito romano e o costume

somente poderiam ser utilizados se em conformidade com a chamada “boa razão“.

No entanto, a lei, apesar de anunciar uma modernização dos métodos de

17 Conforme aduz o prof. Mário Júlio de Almeida COSTA, a designação de Lei da Boa Razão foi conferida por José Homem Correa Telles, em seu Commentario Critico á Lei da Boa Razão, em data de 18 de agosto de 1769, datado em sua segunda edição no ano de 1824, que em breve introdução, escreve: „Huma das Leis mais notáveis do feliz reinado do Senhor D. José, he a lei de 18 de agosto de 1769. Denomino-a Lei da BOA RAZAO, porque refugou as Leis Romanas, quem em BOA RAZÃO não forem fundadas.“ COSTA: 1996, p. 366.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

interpretação do Direito, ainda apresentava caráter conservador, ao manter a

vontade do rei na sede de sua origem. (NEDER:2006, p. 3).

O certeiro golpe para a conclusão das Reformas dos Estatutos foi, sem

dúvidas, a promulgação de tal lei três anos antes, o que abriu campo ao

racionalismo como fundamento central do discurso jurídico, em seu plano prático. No

dia 28 de agosto de 1772, são aprovados os Estatutos por meio de Carta de Lei,

cuja parte que tratava da Faculdade de Leis e de Cânones teve como principal autor

João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho. As críticas mais importantes apontadas

no Compêndio Histórico que culminou nos novos Estatutos residiam na prioridade

que se dava ao estudo do direito romano e do direito canônico, e o desmerecimento

do direito pátrio, além de um apego demasiado à oppinio communis doctorum.

(COSTA: 1996, p. 372).

Curioso anotar que as bases da Reforma foram lançadas por um brasileiro,

Azeredo Coutinho18, o que demonstra o caráter de elasticidade da categoria de

nacionalidade: portugueses e brasileiros não se tratavam de critérios de

diferenciação relevante: importava, meio a uma sociedade de desiguais condições

de nascença, marcada pelo flagelo da escravidão e pelo estigma do latifúndio, bem

como pelas benesses e privilégios outorgados pela monarquia, apenas como se

nascera, e não onde se nascera. O núcleo familiar, desses “bem-nascidos“, se

projeta também no espaço universitário (a Universidade é um espaço destinado

àqueles pertencentes a essas famílias, que tivessem condições de ingressar em

estudos superiores, arcar com as despesas de viagem e manutenção de seus

custos). Assim:

Tratava-se então da reforma da Universidade de Coimbra. Regia-a como

18 João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho (1722-1799) nascera no Rio de Janeiro, filho de família abastada e prestigiada, conforme se vê em PEREIRA DA SILVA: Assevera Frey Gaspar da Madre de Deus que da vasta progenie de Amador Bueno da Ribeira é oriundo o capitão-mor Manuel Pereira Ramos de Lemos e Faria, possuidor de terras e engenhos de Marapicú, Cabossú, Itaúna, Paúes e Pantanáes do Rio Gandú. De seu consórcio com D. Helena de Andrade Souto Maior Coutinho nasceram João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho (…). Mais ou menos se celebrisáram estes irmãos todos pelas suas letras e serviços. PEREIRA DA SILVA, J.M. Os varões illustres do Brazil durante os tempos coloniáes, vol I, tomo I. Paris: 1858, p. 283).

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

seu reitor o Conde de Arganil, bispo de Coimbra, Dom Francisco de Lemos

de Faria de Azevedo Coutinho, cujo parente era. Levado aos conselhos

delle, e do seu irmão João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, deliberou-

se José Joaquim da Cunha de Azered o Coutinho a cursar as aulas da

universidade. (PEREIRA DA SILVA: 1858, p. 402).

Em outro nível, a entrada dos estudantes de Direito em Coimbra, com a

reforma do ensino em Portugal como um todo, passou a ser controlada pela seleção

de perfis de acadêmicos educados previamente sob o molde das reformas propostas

por Verney: era necessário que os candidatos tivessem excelente nível cultural,

demonstrando conhecimentos satisfatórios de Grego e Latim, de lógica, de retórica e

de metafísica. Para o auferimento desses perfis, eram aplicados exames

preparatórios pelo Real Colégio das Artes (COSTA et. MARCOS: 1999, p. 76). Tem-

se, com isto, níveis de seleção distintos: um primeiro diz respeito à condição de

nascença, ao meio em que o estudante nascera, que pudesse oferecer condições de

enviá-lo a Coimbra, e, num segundo momento, se tal estudante possuía a prévia

formação exigida para seu ingresso nos estudos superiores.

Se, por um lado, a revisão da entrada de discentes em Coimbra contribuiu

para as transformações da Faculdade no sentido de sua modernização (ao alinhavá-

la ao novo modelo de educação básica proposta pelo Verdadeiro Método), por outro

lado, era necessário que essa modernização se desse também em relação ao corpo

docente que a integrava.

Acompanhando a reforma em vários segmentos, o corpo docente não poderia

se furtar de ver suas condições de exercício do magistério alteradas. Nenhum dos

lentes em exercício na Faculdade de Leis e na Faculdade de Cânones fora

reconduzido às suas funções, além de terem sido criadas as vagas para lentes

substitutos para cada cadeira, as quais foram assim organizadas: Para a Faculdade

de Leis, haveria a 2a. Cadeira analítica (cadeira de Prima), a 1a. Cadeira analítica,

de Direito Pátrio, a 2a. Cadeira de Digesto, a 1a. Cadeira de Digesto, a 2a. Cadeira

de Institutas, a 1a. De Institutas e ainda cadeiras subsidiárias. Havia ainda a

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Faculdade de Cânones, com suas respectivas cadeiras. E uma Cadeira comum a

ambos os cursos, a Cadeira de Direito Natural. (MERÊA, 1957, pp. 190-192). Dessas

reformas, ainda é possível auferir uma forte presença do Corpus Juris Civilis

justinianeu na formação dos estudantes: se a Lei da Boa Razão fizera o papel de

excluir o Direito Romano como fonte subsidiária quando este confrontasse ao

primado do racionalismo jurídico, os Novos Estatutos mantinham o estudo do Direito

atrelado à tradição romanística, muito em função da dispersão do conjunto de

ordenamentos nacionais em matérias de direito civil (comum). Nesse sentido, fontes

subsidiárias acabaram permanecendo como fontes principais, merecendo a atenção

de quatro cadeiras do curso de Direito.

Era atribuição dos professores fixar o programa das disciplinas, iniciadas pela

História das Leis, Usos e Costumes legítimos da Nação Portugueza: depois deveria

proceder à História da Jurisprudência Theoretica, ou da Sciencia das Leis em

Portugal: e concluindo com a História da Jurisprudência Pratica, ou do Exercício das

Leis; e do modo de obrar, e expedir as causas, e negócios nos Auditórios, Relações

e Tribunais destes Reinos. (PORTUGAL: 1772, pp. 357 e segs.).

Os Estatutos ainda trouxeram a inovação no método de ensino a ser adotado

pelos lentes, que deixaria de consistir na leitura das passagens dos textos de direito

romano e canônico e prosseguir tecendo comentários a elas referentes, para o

chamado método “sintético-demonstrativo compendiário“: por meio dele, o professor

era responsável por sintetizar a noção geral da disciplina, lançando mão de reduzi-la

a uma coleção de doutrinas sistematizada, e aumentando a complexidade das

abordagens no curso do avanço das exposições. Oferecendo base de suporte a tal

método, seriam editados ou adquiridos manuais jurídicos apropriados, os quais

deveriam ser aprovados pelo corpo dirigente das cadeiras. Tal método fora inspirado

pelo sistema alemão. Aliás, a doutrina alemã influenciava noutros aspectos também

o ensino jurídico em Portugal, especialmente a escola do usus modernus

pandectarum19, no sentido de consagrar o direito romano como fonte do direito 19 A escola do usus modernus pandectarum teve seu desenvolvimento em boa parte na região da atual

Alemanha no desenrolar dos séculos XVII e início do século XVIII: sua existência é em grande medida

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

somente se o jurista estivesse atento à realidade. (COSTA et. MARCOS: 1999, pp.

83-86)

No que concerne às avaliações dos estudantes, tal era contínua, por meio de

exercícios literários, orais ou escritos. Os exercícios orais eram aplicados por meio

de chamadas, em que se objetivava obter do estudante a repetição, de forma

resumida, da lição previamente ministrada. Também havia os exercícios orais

aplicados no sábado, que ficaram conhecidos pelo nome de sabbatinas e os

exercícios mensais, sendo que todos adotavam uma estrutura de lógica socrática,

privilegiando verdadeira disputa argumentativa. Também havia exercícios escritos,

que versavam sobre o uso moderno dos institutos de direito romano, através dos

quais era auferido o conhecimento sobre determinado texto ou questão de direito. Ao

final do curso, os estudantes eram submetidos a exames de qualificação, os quais

ganhavam nível maior de exigência, sendo que já no quarto ano obtinham os alunos

o título de bacharel. No quinto ano, procediam-se ao exames de conclusão do curso,

que versavam sobre o conteúdo de todas as disciplinas do aprendizado, e, no caso

de aprovação, confeririam o diploma de Bacharel Graduado em Direito Civil. (COSTA

et. MARCOS: 1999, pp. 88- 90).

A diplomação dos juristas representava, portanto, o fim de um ciclo de

aprendizado, e endossava a relação de confiança depositada em um grupo social

bastante delimitado. Quer dizer, um grupo social constituído em torno de um

imaginário comum, de discursos e práticas comuns, iniciados no espaço acadêmico,

e habilitado a empreender as atividades de jurisdição e administração, interesses de

acentuada estima da Coroa.

explicada pela diferente apropriação que príncipes e tribunais locais faziam das normas de direito romano, sobretudo daquelas estabelecidas no corpo de direito civil justinianeu. Portanto, o caráter fragmentário e plural do espaço político germânico à época, permeou a necessidade de um direito atento à realidade específica do contexto de cada um daqueles reinos e principados, dando margem a um direito de caráter reinícola e que determinou a recepção do direito romano de maneira diferenciada, conforme explicitado na nota n. 13. Neste sentido, ver HESPANHA: 2003, p. 190.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Figura 01: Diploma de bacharel em Direito concedido a Lourenço Caetano Pinto, no ano

de 1827.20

20 Apesar de a ilustração tratar de diploma conferido no ano de 1827, extrapolando um pouco o marco temporal do presente estudo, as Reformas Pombalinas do ensino jurídico alcançaram tal ano sem terem sido substancialmente alteradas, e o documento serve para a compreensão do espaço acadêmico de Coimbra. A disposição visual do diploma ainda demonstra a organização do ensino jurídico em Portugal: aliadas estão as Faculdade de Leis e a Faculdade de Cânones. Não há uma secularização absoluta, permanecendo as cadeiras comuns de estudo entre os cursos de Direito e de Direito Canônico. Portanto, no canto superior e no canto esquerdo do documento estão representados os símbolos tradicionais da Igreja Católica: a hóstia sagrada e a mitra pontifical, respectivamente. Já no canto direito e inferior, se verificam representados a balança e a espada, símbolos da equidade e da coerção do direito, remontando à figura da Iustitia latina, e o Galo de Barcelos, símbolo português que remete à conhecida história seiscentista de um homem inocente que, apontado como suspeito de crime ocorrido, teria sido levado à presença de juiz e, ao ser condenado à forca, teria apontado a um galo assado, sobre mesa do banquete na ocasião posto e bravejado: É tao certo eu estar inocente, quanto certo é esse galo cantar quando me enforcarem“. E assim teria o homem se livrado da forca, uma vez que logo antes de sua execução, o galo teria se levantado da bandeja e cantado. Por assim dizer, o Galo de Barcelos acabou se tornando símbolo da justiça nas tradições portuguesas, e passou a ser representado mesmo nos documentos oficiais da Faculdade de Direito de Coimbra. No diploma acima, consta o seguinte texto (livre tradução do autor): EM NOME DE DEUS, AMEM. Doutor Antonio Pinheiro Azevedo Silva, irmão da Ordem do Convento de S. Tiago, Doutor em Cânones da Catedral Igreja do Algarve, e professor público ordinário decano em Cânones Sagrados, Pro-Reitor da Universidade de Coimbra, etc: e ao mesmo tempo ele mesmo Alma da Universidade atestamos, publicamente, e certificamos e a todos e a cada um a quem interesse examinar as presentes Letras, que nosso dileto Lourenço Caetano Pinto, filho de Manuel Caetano Pinto, nascido no Rio de Janeiro, é Bacharel Graduado na Faculdade de Direito Civil, foi aceito em nossa Academia, digno de louvor e honras, curso seu de aguda moral e de antecipado Exame Público, no qual por seríssimos e sapientíssimo professores foi aprovado por unanimidade de ritos e ainda

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Fig.02 – Gráfico indicativo do número de estudantes brasileiros ingressos no curso de Direito na Universidade de Coimbra, entre os anos de 1772 e 1822. (Fonte: GARCIA, Rodolfo. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1940, vol. LXII).21

de solenidade observada segundo os Estatutos da Universidade. Além disso foi condecorado ele mesmo Bacharel Graduado pelo sapientíssimo e exímio preceptor José Pinto de Fontes, tendo prestado o primeiro juramento ele mesmo defensor público e privado da Virgem Maria Imaculada Conceição mãe de Deus, dia 16 de julho de 1827, da mesma forma que no Livro de Exames, Atos e Graus do mesmo ano, folha 135, se encontra registrado. Do que fornece testemunho público, haver escrito e oral, damos Bacharel Benemérito e deitamos subscrição nossa e também apenso sigilo da Universidade. Coimbra, dia 17 de julho do 1827 ano de nosso senhor.

21 A evolução dos dados apresentados no gráfico demonstra uma tendência de queda quase linear no número de brasileiros ingressos nos estudos jurídicos em Coimbra, entre os anos de 1772 e 1812, o que pode ser explicado, parcialmente, pela própria transferência da família real portuguesa ao Brasil (e das funções judiciárias centrais ocupadas por um grande número de portugueses bacharéis que também ingressaram no Brasil a partir de 1808. Fato é que, ainda que a reorganização da administração da coroa, especialmente a no período pombalino, implicasse num aumento do número de cargos públicos, sobretudo na área mineradora,

53

1772-1782 1783-1792 1793-1802 1803-1812 1813-18220

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

Estudantes brasileiros de Direito em Coimbra(1772-1822)

Coluna A

Intervalos de tempo

Núm

ero

de e

stud

ante

s

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

É preciso ter em mente que as reformas do ensino são, antes de tudo, uma

empresa de iniciativa concentrada do governo Pombalino: as dimensões que elas

alcançam, entretanto, se processam pela atuação de agentes diversos, os quais

estavam subordinados às decisões do gabinete, e cuja fidelidade e compromisso a

tal governo denunciavam um sistema político de dependência e favorecimentos

tendentes à centralização. O ministro de D. José interferiria em todas as áreas que

considerasse relevantes, a fim de dar cabo ao projeto de reformas e modernização

do país, nos termos do programa ilustrado. Não diferente será a situação no setor

educacional, tendo o próprio Marquês trocado correspondências com o Reitor-

Reformador da Universidade de Coimbra, D. Francisco Lemos de Faria Pereira

Coutinho, defendendo a importância do estudo do Direito pátrio na formação dos

acadêmicos:

A Cadeira de Direito Pátrio já terá feito a sua utilissima abertura, e d'ella

espero admiraveis progressos para utilidade dos que seguirem o estudo da

jurisprudencia; e sendo a disciplina d'esta cadeira auxiliada pela outra da

Cadeira da História do Direito Pátrio, tenho por sem duvida que poderemos

esperar mancebos capazes de bem entenderem as Leys e de bem as

executarem. As especies concernentes a esta util Historia, que a V. Exa.

Mandei remetter, julgo que poderão ainda ser de alguma utilidade, e por

esta causa mereciam ser comunicadas aos Professores da referida

Disciplina. (BRAGA apud COSTA et. MARCOS: 1999, p. 86)

Outro sentido não poderia ser conferido à reforma: a preocupação com uma

legislação nacional faz germinar a imagem de um Estado monárquico governado

pelos motes do assim chamado despotismo ilustrado: elevar a condição do Estado e

sua importância, e organizar o corpo burocrático que gravita ao seu redor consiste

no esforço principal das políticas do gabinete pombalino. Portanto, a educação de

juristas tem o papel estratégico de vinculá-los ao conjunto de leis originadas no seio

do poder central, resultando, em última análise, em certo controle de decisões em

tal não demandava necessariamente brasileiros, tampouco diplomados, e foi suprida, em boa parte, por portugueses.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

níveis e espaços os mais diversos, espraiados pelos domínios do Império colonial.

Vale dizer, o modelo de educação concentrado na metrópole portuguesa implicou a

vinculação de agentes investidos na jurisdição, creditados em órgãos oficiais e no

exercício da advocacia, a práticas jurídicas e a modelos de mentalidade sobre

questões de Justiça que fossem favoráveis ou bem-vistos pelo pelo poder central.

O ensino reformado aderiu às mudanças que se verificavam na Europa das

Luzes: um programa racional que compreendia a mudança dos quadros docentes,

dos métodos de avaliação e ensino, e sobretudo dos métodos de interpretação do

Direito, possibilitou um controle definido dos agentes, ligados objetivamente ao corpo

legislativo nacional. Por outro lado, tais reformas devem ser analisadas com certas

ressalvas, uma vez que ainda punham o estudo do Direito baseado no Direito

Romano; some-se a isto o fato de que a secularização do ensino jamais ter

conseguido se constituir em uma empresa de sucesso, dado que a preservação e

controle de campos do conhecimento estiveram, durante séculos, sob supervisão e

controle da Igreja. Assim é que apenas no ano de 1836, a Faculdade de Leis e a

Faculdade de Cânones deixarão de existir em separado, fundindo-se na Faculdade

de Direito da Universidade de Coimbra.

Seção II. Que mudanças?

Mesmo no começo do novo século, as reformas do ensino jurídico ainda se

fizeram sentir. Através do Alvará de 1 de dezembro de 1804 e o de 16 de janeiro de

1805, foram tomadas providências complementares às reformas empreendidas trinta

e dois anos antes, revisando-se a contratação de docentes e o plano de estudos das

Faculdades. (COSTA: 1996, p. 379).

Outro aspecto importante de tais “microrreformas“ é o alargamento que se

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

verifica das cadeiras de Direito Pátrio, além de as Cadeiras de Direito das Gentes e

Direito natural terem sido autonomizadas. Além do fato de que quatro cadeiras

passaram a ser comuns à Faculdade de Leis e à Faculdade de Cânones,

constituindo em relevante fator para a fusão das duas, anos mais tarde.

Logo em seguida, no entanto, o ensino do Direito em Coimbra se viu abalado

pelas invasões napoleônicas, as quais causaram a suspensão das atividades

acadêmicas do ano letivo de 1808.

É curioso notar que a Universidade de Coimbra, a partir do momento que as

tropas napoleônicas adentraram o território português e forçaram a transferência da

corte, era vista, aos olhos dos franceses, como potencial subordinada aos projetos

políticos do Império , conforme os ditames de Napoleão Bonaparte. Uma de suas

medidas foi o chamado Decreto Imperial, cujas linhas gerais estabeleciam a

existência de apenas uma Universidade para cada Corte de Suplicação existente, o

que demonstra uma espécie de preocupação do Estado francês com o número de

bacharéis que correspondesse às demandas judiciais.22

Contrariando essas pretensões, as camadas letradas da população

responderiam por meio de publicações impressas sua reação, dentre as quais se

encontra a seguinte, feita no ano de 1809 , p. 175, no Correio Braziliense:

Os indivíduos podem estudar, e escrever, seguindo passo a passo os

progressos das descobertas que se vão fazendo; mas as corporaçoens, de

que failamos, são corpos numerosos, que se não movem senão mui

vagarosamente: e por tanto limitar exclusivamente toda a instrução às

formalidades destas corporaçoens, he justamente impedir o progresso das

sciencias.

Estes motivos, de se não conceder exclusivamente ás Universidades e

Academias, o direito e regular a instrução elementar, se tornam mais

ponderosos, tractando-se a respeito da Universidade Imperial, cujo plano

22 MENDONÇA, Hypóllyto José da Costa Pereira Furtado de. Correio braziliense, julho de 1809.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

parece ser o abranger os Estudos de toda a Europa; porque, além de

perverso uso que o Governo Francez hade fazer desta instituição (...)23

A manifesta defesa, por segmentos letrados, do estágio de organização da

Universidade de Coimbra, demonstra uma tendência à continuidade das reformas

institucionais – mesmo diante das oscilações e intempéries provocadas pelas

invasões francesas – promovidas anos antes pelo governo pombalino: os esforços

de modernização do governo esclarecido se verificaram em diversos campos de

atuação estatal, porém improváveis de modificar o caráter geral das estruturas

político-sociais portuguesas, muito em razão da resistência de forças tradicionais

aristocráticas e de mentalidades constituídas durante séculos. (HOBSBAWN: 2009,

p. 101). Forças estas que, sem dúvidas, estarão a ocupar os bancos e tribunas

acadêmicos, como também ocorreu na França.

Neste ponto, deve ser observado o caráter parcial das transformações no

campo do Direito e de seu ensino: elas se reduzem tão-somente a uma expressão

do alcance de cambiações estruturais, limitando-se a uma demonstração especular

de mudanças no curso da história das sociedades, mudanças que alargaram a

discussão sobre os significados e meandros dos processos de organização das

formas de produção, disciplina e poder, próprios do contexto contemporâneo. Quer

dizer, aqui o Direito e seu ensino são encarados como reflexos de uma

transformação maior, já em curso em diferentes campos da vida social.

Tal ressalva nos leva a considerar que, apesar de tal transformação, o que se

processa em Portugal no primeiro quarto do século XIX, no que diz respeito ao

ensino jurídico, não é muito diferente dos resultados da reforma promovida pelos

Novos Estatutos no século anterior: um certo conservadorismo no uso das fontes,

um reiterado apego aos ditames da romanística, e uma resistência arcaica de

completa secularização do ensino jurídico. Há ainda vigente uma mentalidade que

privilegia o jurista em seu papel de dupla mão: ao mesmo tempo que avalia e

23 MENDONÇA, Hyppólyto José da Costa Pereira Furtado de. Reflexoens sobre o Correio Braziliense (autor anônimo). Lisboa: Na Impressão Regia, p. 175.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

assessora a necessidade de uma lei (desde o Antigo Regime exercia o jurista o

ofício consultivo, integrando comissões preparatórias de legislação, em matérias

políticas e filosóficas de leis promulgadas pelo poder central do rei), ele passa a

avaliar, após a promulgação da mesma lei, a vontade do legislador, no momento de

interpretação, por meio de um exagerado apego às doutrinas voluntaristas então em

voga. (HESPANHA: 2008, p. 05).

Esse aspecto implica em um descarte do direito enquanto pretensioso

discurso autônomo, balizado por contextos plurais em que o exercício de dizê-lo e

processá-lo estava nas mãos inteiramente livres de homens cujo único compromisso

era, quando muito, promover a justiça. A ideia de representatividade política, de

vontade soberana é que governará o chamado império da lei, subvertendo a

produção jurídica, algemando seus artífices na busca da vontade que fora erigida no

cume do edifício legal.

O Direito em Portugal irá vestir, nesse horizonte, sua roupagem

constitucionalista, e encontrará certo apelo nos bancos de Coimbra, manifestando

relativo desapego à romanística tradicional, e a introdução de novas disciplinas, e

prestigiando cada vez mais o estudo do direito nacional.

Exemplo dessa mudança é revelada pela utilização do primeiro manual de

direito constitucional publicado em Portugal (HESPANHA, 2008, p XX), Lições de

Direito Constitucional – princípios de Direito Público Constitucional, de autoria de

Ramón Salas y Cortez, professor da Universidade de Salamanca e publicado em

língua portuguesa no ano de 1822, o qual prenunciava as feições do

constitucionalismo moderno e enterrava a doutrina canônica e escolástica, trazendo

à baila os princípios de um liberalismo progressista, tendente a criticar os setores

mais conservadores da sociedade. Em sua introdução, indaga o autor:

Porem, como poderão evitar-se estas resistências, ou ao menos debilitar a

força dellas? Nós não vemos senão um meio: a instrucção. Nada urge tanto,

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

como ensinar ao povo, quaes são seus direitos, e seus verdadeiros

interesses; fazer-lhe ver, que os que se oppoem às reformas sagradas na

Constituição, e inseparáveis della, são seus inimigos: com isto a resistência,

que encontrará outra ainda mais forte na massa dos cidadãos cederá, ou

será vencida facilmente, e sem perturbações.

Não nos cançaremos em dize-lo: em cousa alguma deve o novo governo

esmerar-se tanto, e ter tanto cuidado, como em propagar as luzes em geral,

e as doutrinas liberaes em particular. O ponto mais essencial para assegurar

todas as reformas importantes, he dispor os ânimos a deseja-las, e

adoptalas; convencendo-os da necessidade, ou da utilidade dellas. Assim,

as reformas, que não podem contentar a todo grangeao hum grande numero

de amigos e protetores, promptos sempre a defendelas contra os inimigos

dellas.

Prosseguindo, defende o autor a importância da literatura jurídica exprimir sua

universalidade, atingindo públicos variados. O conhecimento expresso em manuais

jurídicos acompanha as transformações da doutrina, abrindo espaço para a

importância dos discursos de juridicização do político, com a introdução das cadeiras

de Direito Público e Constitucional:

He para isso que nos propozemos cotribuir, quanto cabia em nós,

publicando estas lições de Direito Publico Constitucional: nella se achao os

princípios da Sciencia Social com tal clareza, que se nos não enganamos,

estão ao alcance de todos. (…)

Nós dividimos o nosso trabalho em lições; porque suppondo, que o Governo

se apressará a estabelecer nas Escollas Cadeias de Direito Público

Constitucional, quizemos publicar um livro, que possa servir de texto aos

mestres para suas explicações; e aos discípulos para se prepararem sem

grande trabalho a ouvirem com fructo a doutrina dos mestres.

Nos não podemos conceber esse projecto sem nos lembrar-mos da

Universidade de Salamanca, á qual pertencemos, e que deve dar o exemplo

ás outras escollas do Reino.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Por que razão não se principiaria immediatamente a ensinar, naquella

Universidade, a mais importante de todas as sciencias, a sciencia da

organisação social, da qual depende a felicidade do homem reunido com o

seus semelhantes?

Mais adiante, o publicista espanhol espelha o pensamento jurídico de seu

tempo, defendendo o abandono das fontes tradicionais de Direito Romano e de

direito canônico, refletindo o pensamento em voga de retorno às fontes nacionais do

Direito, o qual, com o advento do Estado de Direito, passa a ser uma produção

estatal, estampada na lei.

Isto deve fazer-se sem perda de tempo, e sem esperar a reforma geral dos

estudos, que também he huma cousa mui essencial, que senão deve

retardar. Tudo quanto se pode saber de theologia está reduzido a muito

pouco, e já se sabe: o que convem saber de Direito Romano não he muito

mais: as Leys Ecclesiasticas em breve tempo serão em Hespanha um

estudo de mera curiosidade, e erudição, como o são em Franca; a filosophia

de Gaudin para que que serve? Já he tempo, que se ensine á mocidade o

que verdadeiramente lhe importa, e resignarmo-nos a ignorar o que se-não

pode saber.

As transformações políticas portuguesas alcançadas pelas agitações do Porto

em 1821 e a consequente Constituição de 1822 não alcançaram por completo o

cerne da formação dos juristas brasileiros idos a Portugal e que ao Brasil retornaram

antes de sua independência, dada a articulação dos fatos da história política de

ambos os países. Portanto, essa doutrina incipiente, iniciada com maior vigor após a

reorganização política portuguesa (atenção especial ao fato de o primeiro manual

que trata de modo mais sistemático sobre o assunto ser estrangeiro, o que denota a

permeabilidade de Portugal às ideias constitucionalistas que ascendiam na Europa),

não será de forma institucionalizada e oficial, objeto de estudo dos estudantes de

Direito anteriormente a essa reorganização política. Porém, o pensamento que se

constituía junto a diversos canais, como impressos e panfletos e que corria nos

meios acadêmicos, demonstrando que as ideias circulam não apenas nos livros, e

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

que certamente encontrou boa acolhida entre os estudantes de direito nascidos no

Brasil ou que ao Brasil vieram exercer seus ofícios, antes da independência.

A análise deve ser voltada para um contexto – propício às novas conjecturas

do poder – que impulsionou a divulgação de um ideário liberal, de doutrinas

voluntaristas e contratualistas, e que é marcado oficialmente pelas reformas

propostas desde os Novos Estatutos. Trata-se de todo um clima de transformações,

que proporcionavam, sobretudo no campo ideológico, o engendrar dos mecanismos

de construção da nova ordem política na Europa. As Reformas do ensino, no

entanto, não representaram uma modernização completa, abrupta e inovadora da

prática dos bacharéis. Ainda permanecia um enfraquecido apego à tradição

romanística e canonística, conforme se verá mais adiante. Mas tais reformas são,

com efeito, importante passo para a gradual mudança nos modos de pensar e

conceber o Direito, o Estado e promover a também gradual derrocada do Antigo

Regime em Portugal e a consequente independência política brasileira.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

CAPÍTULO 04. ALFAIATES SEM TECIDO.

Seção I. Costurando remendos: Religar contextos separados por um oceano

Conforme visto, a Faculdade de Leis de Coimbra era, para as colônias do

Império Português, o único centro em língua portuguesa, de formação dos juristas

que iriam desempenhar suas funções no âmbito da administração colonial. Tal

condição propiciou um intenso contato entre estudantes de origens diferentes, de

várias partes do Brasil, Portugal e outras regiões. Apesar disto, o fator que mais

distinguia esses homens não era exatamente o local de seu nascimento mas,

sobretudo, suas condições de nascimento. Em outras palavras, ser estudante em

Coimbra significava ser filho de famílias brasileiras mais abastadas que pudessem

arcar com os custos da viagem a Coimbra e, pelo menos, suas despesas iniciais

naquela cidade.

O título deste trabalho, diante dessa constatação, apresenta fragilidades de

sustentação: juristas brasileiros que se ocuparam com a formação de uma nação

brasileira independente. Um significado precipitado do termo “brasileiro“ não poderia

ser pensado sem se proceder a um anacronismo também precipitado (ainda que a

literatura revele a existência do termo Brasil24 há séculos, o conceito de nação e

nacionalidade somente deterá suas características após o evento da

independência), graças às formas de governar e administrar os territórios de

24 Deve aqui ser feita a dimensão do termo “Brasil“ ora utilizado. Conforme Istvan JANCSÓ e João Paulo G. PIMENTA o termo Brasil foi amplamente utilizado para designar o todo da América Portuguesa, sendo que os nascidos em território brasileiro não faziam uso desse vocábulo para se referirem a um todo político de base territorial. Brasil, nesse sentido, se referia a um continente onde se enquadravam inúmeros contextos, do Maranhão algodoeiro ao Rio Grande estancieiro, distintos entre si. JANCSÓ, Istvan et. PIMENTA, João Paulo G. Pecas de um mosaico(ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). São Paulo: Senac, 2000, p. 140).

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

possessão portuguesa na América do Sul. A precisão seria maior se se dispusesse a

investigar a formação dos juristas nascidos na “América Portuguesa“. Entretanto,

preferiu-se adotar o termo “brasileiro“, no sentido de prelimitar um vínculo desses

homens não somente com sua terra, mas sobretudo com o projeto de construção da

nação, cujas bases teóricas estão assentadas em literaturas e espaços de discussão

e ensino na Europa. Tais juristas existiram, sem dúvida. Mas considerar que o

modelo de formação acadêmica atingiu apenas esses, e que eles mesmos foram os

únicos artífices da independência, seria cometer um leviano e desatinado erro.

De fato, as diferenças no local de nascimento, entre brasileiros e portugueses,

eram um critério para a escolha de ocupantes de importantes funções na

administração colonial, por exemplo. Conhece-se, aliás, uma série de governantes

ilustres, de São Paulo ao Pará. Mas portugueses, não brasileiros, a ressalva há que

ser feita. (HOLANDA: 2003, p. 154). Com a transferência da corte para o Brasil,

essas diferenças passaram a ser mais marcadas, graças à chegada de portugueses,

que exaltavam sua condição nobiliárquica e muitas vezes menosprezavam certos

hábitos e costumes dos moradores locais. A atuação política desses reinóis, no

sentido de favorecer o processo de independência brasileiro, se dará em proporções

comparativamente muito menores, uma vez que a tentativa de recolonização, pelas

cortes, em 1821, expôs um embate entre forças conservadoras (às quais os

lusitanos se coadunavam) e liberais, na criação da monarquia brasileira, cujo caráter

foi, discursiva e conhecidamente, liberal.

De todo o modo, admitidas as diferenças entre o pensamento político de

portugueses e brasileiros, cabe ressaltar que esses últimos estiveram presentes nos

momentos mais importantes da história da independência política brasileira. José

Bonifácio de Andrada e Silva, nesse sentido, representa o exemplo mais evidente da

formação ilustrada coimbrense, e que esteve à frente dos processos de

emancipação e construção de ideários e projetos políticos nacionais. Tendo se

tornado bacharel em Direito pela Faculdade de Leis na data de 05 de junho de 1802,

José Bonifácio representa a ampla formação que possuía uma geração de muitos

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

dos bacharéis graduados em Coimbra durante o período pós-reformista, tendo se

formado, além das ciências jurídicas, em filosofia e matemática. (BIBLIOTECA

NACIONAL: 1940, p. 176). Sua figura será objeto de maior atenção adiante.

Precisamente, entre o ano da reforma dos Estatutos (1772) e o ano de 1820,

523 brasileiros ingressaram na Faculdade de Leis de Coimbra, tendo cursado,

muitos deles, outros cursos além do Direito. (BIBLIOTECA NACIONAL: 1940, p.

176). Essa geração de juristas, os quais vivenciaram as reformas do ensino, esteve

em contato também com um ideário propagado pelas camadas sociais médias e

urbanas pela Europa, sem contar que outra parcela de estudantes brasileiros esteve,

também no mesmo período, a ocupar vagas em universidades europeias –

sobretudo francesas – além de Coimbra, sendo influenciada pelo pensamento

francês que nelas vigorava. (HOLANDA: 2003, p. 204)

Os egressos dos estudos em Coimbra nascidos no Brasil retornavam, de

modo geral, ao local de seu nascimento ou eram designados para outras regiões, a

fim de exercitarem a prática jurídica, seja atuando como advogados, procuradores

ou juízes, ou mesmo em cargos da administração (órgãos fazendários,

administrativos ou fiscais).

A escassez de bacharéis em Direito, em diversas comarcas e localidades do

Brasil, era sensível. O modelo de concentração geográfica de formação acadêmica

não conseguia atender às demandas de todo o espaço atlântico lusitano, que

dependia de apenas uma Universidade em língua portuguesa para diplomar juristas

que manejassem leis e fórmulas interpretativas. Por essa mesma razão, deve ser

aqui apagada, para a concepção desse espaço, a figura do jurista técnico, único

detentor de saberes próprios à ciência que domina. Quer dizer, essa figura é afinal a

pretensão da cultura bacharelista, a qual adquire força em meio ao Estado Liberal de

Direito. Mas, antes disso, essa escassez de profissionais jurídicos bacharelados

tende a ser suprida por meio de esforços diversos, que tendem a privilegiar, pelo

menos, a figura do homem letrado para os quadros burocráticos. No governo de D.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

João VI, por exemplo, já se verifica um desses esforços, por meio da legislação:

III- (…) Haverá em todas as Villas hum Juiz das Sesmarias, que servirá por

tres annos: As Comarcas proporão três pessoas desta Capitania a Meza do

Desembargo do Paco, e nas mais ao Governador e Capitão General, para

se escolher dellas a que mais apta parecer, devendo ser propostos com

preferencia bachareis formados em Direito, ou Filosofia e na falta delles

pessoas que forem de maior probidade e saber25

A função de Coimbra era, deste modo, num misto de determinismo ideal e

imaginário institucional, reparar as distorções acadêmicas do mundo atlântico,

levando aos extremos das fronteiras em que o presencialismo metropolitano se

desse de alguma forma (seja pela figura de tribunais, câmaras ou conselhos), a

figura do homem letrado, de formação pessoal destacada em relação a uma

população majoritariamente ignorante das letras, a qual serviria de mediador entre a

ordem oficial (aqui se refere à ordem instituída pelos canais de poder do Estado) e a

sociedade. (ANTUNES: 2004, p. 65).

Essa função da academia será posta em especial evidência com a redefinição

das formas de pensar o político e o jurídico na transição do Antigo Regime em

Portugal. O crescimento do ideal do Estado de Direito, e do liberalismo em seus

muitos canais de propagação pela Europa, só fez criar exigências de abandono e

afastamento das formas jurídicas e políticas que prevaleciam durante o Antigo

Regime nos trópicos. Assim, juristas e letrados em contato com o nascimento de

uma nova ordem das instituições na Europa, após a Revolução Francesa,

manifestarão sua – ainda que por vezes tímida – rejeição às estruturas seculares de

poder vigentes no contexto do Brasil. São pontos de referência, nesse momento,

para as mentalidades dos juristas desse período, conceitos como lei, direitos do

indivíduo, propriedade, recorribilidade de decisões judiciais, entre outros.

25Alvará com força de lei, pelo qual V.A.R. Há por bem ordenar que se não passem cartas de concessão, ou confirmação de sesmaria, sem proceder medição, e demarcação judicial: E estabelece a forma de nomeação dos juizes das sesmarias, e os salários, que elles, e mais Officiaes, devem vencer. E dá outras providências, a fim da boa ordem, e regularidade das mesmas Sesmarias. Impressão Régia: 1809. BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO, Setor de Obras Raras.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Um Governador do Brazil, no Maranhão ou Pará por exemplo, não conhece

superior em sua jurisdicção, e as suas ordens, e mandados, são postos em

execução com o terror do poder militar. Supponhamos que o Governador de

um destes lugares, violando as leis que lhe ordenam de bem administrar a

justiça, atropella os direitos de um individuo; não ha para onde recorrer. Dirá

ao nosso A. que vá ter á corte, recorra immediatamente ao Soberano, e

agora lá está elle no Brazil.26

Nesse quadro, a chegada da Corte portuguesa produziu significados muito

expressivos para as formas de organização política no Brasil. Em especial, o

contexto em que se pensa a transição do período colonial à monarquia independente

está encerrado entre 1808-1821, período no qual é concebida, pela historiografia,

verdadeira máquina de país independente (aqui entendida como o novo arranjo de

instituições políticas e judiciárias recriadas no espaço brasileiro, bem como as

alterações de ordem econômica, como a abertura dos portos, alavancadas com a

transferência da corte e possibilitaram a ruptura definitiva com Portugal, anos mais

tarde) (NEVES: 2008, p. 144). Contexto a que se chamaria de pré-independência, no

qual se verifica um misto entre as tradições político-sociais de Antigo Regime e as

concepções políticas e jurídicas típicas do liberalismo, pelo qual se desenharão os

treze anos de permanência da corte.

Sem contar que já havia presente um sentimento de fundação de um Império

no Brasil já com a transferência da família real, que remontava havia anos, desde o

reinado de D. João V, no intuito de povoar e estabelecer laços de unidade ao

continente sul-americano sob domínio português (HOLANDA: 2003, pp. 155-156). A

ideia de transferência da sede do poder não é portanto nova, e diante das invasões

napoleônicas, encontrará razões ainda maiores para se concretizar.

26 MENDONÇA, Hyppólito José da Costa Pereira Furtado de. Exame dos artigos históricos e políticos, que se contém na coleção periódica intitulada Correio Braziliense ou Armazem Litterario, no que pertence somente ao Reyno de Portugal. Quinto Volume, que comprehende o dicto exame em duas cartas, relativas aos Números 13, e 14 do dicto Correio Braziliense. Lisboa, na Impressão Régia, 1810. Com licença do Desembargo do Paco. Londres. Correio Braziliense, setembro de 1810.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Assim, dos fatos que marcam a história portuguesa da primeira metade do

século XIX, a transferência da família real para o Brasil é o que possui significado

concreto mais expressivo e, por que não dizer, simbólico.

Simbólico no sentido de sua interpretação historiográfica ser normalmente

encarada como fuga da realeza. Uma realeza que fugiu da Europa em combustão,

abocanhada pelas chamas revolucionárias e devorada pelos exércitos de Napoleão.

Fugiu da crise final do Antigo Regime, prolongando sua existência numa experiência

tropical às avessas, apropriada às fundações de um Estado independente de

Portugal, e engessando a consagração política do liberalismo nas terras lusas. E,

mais importante, desentranhou da América Portuguesa algumas vísceras de seu

legado do colonialismo, introduzindo, em seu lugar, artificiais estopas e algodões

para sua independência política.

Seja fuga ou transferência estratégica, tal fato garantiu a permanência da

monarquia absoluta num Reino que havia se unido à antiga colônia em 1815 e que

aclamava a figura de um rei absoluto. Garantia, portanto, que a monarquia não

sofresse os duros golpes de eventuais setores liberais revolucionários (uma vez que

o rei não mais se encontrava em Lisboa) e garantia também a manutenção dos

privilégios nobiliárquicos, condenados pela revolução, nas terras brasileiras.

Por outro lado, a vinda da família real representou um pacto certeiro entre as

elites do espaço fluminense e a nobreza. Ainda que parcelas dessa elite estivessem

influenciadas pela doutrina liberal a que tivera contato na Europa, quando letrada, a

presença da Monarquia Lusa no Brasil influenciará decisivamente a feição da

monarquia independente brasileira, e sobretudo sua ordem constitucional. E, mais

importante, representará a transferência de instituições da metrópole para a colônia,

como a Casa de Suplicação, a Mesa da Consciência e das Ordens, para citar alguns

exemplos, em boa parte das quais se exigia a presença de doutores em leis.

Juristas enviados ou re-enviados para um contexto repleto de desigualdades,

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

no qual prevaleciam estruturas de privilégios pessoais, latifúndios, plantéis de

escravos e economia marcada pelas relações de atavismo mercantil da linhagem

fisiológica do colonialismo português; tais desigualdades não se despediam nem

mesmo com a inversão metrópole-colônia, proporcionando um debate distante,

desmedido, despregado de sentido com a realidade. É assim que despontam figuras

de juristas munidos de um referencial teórico expressivo, mas cujos projetos e

estudos ou serão modestos e contidos a exame de leis e costumes, ou apontarão a

uma principiologia visivelmente desconexa ao contexto brasileiro. É o caso de José

da Silva Lisboa (1756-1835), Visconde de Cairu, também formado em Coimbra,

solitária voz da doutrina jurídica brasileira preservada do período, que voltou também

seus interesses ao estudo da economia, refletindo em seus escritos, princípios de

economia política e inclinação ao liberalismo nos moldes ingleses. Sua obra maior

são os Princípios de Direito Mercantil e Leis de Marinha, cuja edição se iniciou em

1798. (DUTRA:2004, p. 30).

As feições inovadoras do Direito na Europa não encontrariam, portanto,

terreno sólido e propício ao seu desenvolvimento na América Portuguesa, seja pela

tardia expressão das codificações de direito privado no Brasil (o primeiro código

nesse sentido será o de Direito Comercial, datado de 1850), seja pela resistência de

difusão e concepção de valores voluntaristas, contratualistas e individualistas

resultantes do passado e suas fortes tradições coloniais. A América semi-explorada,

recortada pelas tesouras de poderes resultantes de valores tradicionais da

colonização, como o clericalismo e o patrimonialismo, ligada a segmentos de

organização politica favorável ao mandonismo e ao particularismo de “homens

bons“, mais se assemelhava a um confuso monturo de farrapos, mesmo após a

chegada da Corte, que a um tecido uniforme e bem cosido, que pudesse estar

organizado em torno de uma ideologia política homogênea.

Ainda que criadas instituições do poder central no Rio de Janeiro, a

concorrência e insularidade das dimensões dos poderes oficiais permanecem em

sua habitual dispersão no Brasil, sendo que poderes concorrentes muitas vezes

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

detinham força e eficácia muito maiores que o ditame de uma lei promulgada pelo

governo central. Sabres, bacamartes ou absolvições produziam efeitos muito mais

decisivos na determinação de condutas sociais que alvarás ou decretos reais.

E, no campo prático, o que se torna mais evidente é uma espécie de

engessamento das inovações provocadas pelo ensino jurídico reform(ul)ado. À

primeira vista, seria possível se pensar que a facilidade de acesso a doutrinas

renovadas, a um corpo docente revisado, a noções de direito pátrio e a abandonos

ou mesmo rejeições das tradições do direito romano fossem resultados verificados

sistematicamente entre os agentes do direito aportados no Brasil.

Não é o que se verifica, contudo. A educação a que tiveram contato esses

juristas revela sim uma alteração profunda na maneira que conceberiam o direito em

seus campos teóricos. Porém, as expectativas advindas de um historiador

precipitado, que naturalmente recairiam à dimensão prática do Direito, como o

abandono dessas fontes tradicionais na fundamentação de decisões judiciais, não

são máximes observáveis a todo plano. Há ainda verificada uma rigidez ampla no

que concerne às mudanças nas estruturas jurídico-argumentativas, muito em função

da inexistência de legislações eficazes do Reino brasileiro, ou da permanência de

poderes de valores tradicionais da colonização, como o clericalismo, em algumas

decisões judiciais referentes a esse período. É o exemplo da Corte de Apelação da

Bahia, anteriormente designada como Tribunal da Relação, que se reportava à Casa

de Suplicação de Lisboa. Com a vinda da família real e a transferência dos órgãos

da administração central para o Rio de Janeiro, o que incluiu a Casa de Suplicação,

as Relações do Brasil foram extintas, passando a ser designadas como Cortes de

Apelação, e se reportando diretamente à instância jurisdicional superior, então

estabelecida na capital fluminense. Permaneceram, no entanto, com as mesmas

funções que antes: apreciar pedidos de recursos, como agravos, de decisões

proferidas por juízos ordinários.

A rigidez acima referida traduz-se num revelado desapego a doutrinas

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

inovadoras, aos novos sentidos do ensino jurídico que se entoavam às mudanças de

cunho político e econômico na Europa pré e pós-revolucionária. Relegar a doutrina

justinianeia, os preceitos canônicos e da tradição cristã a um segundo ou mesmo

último plano para a fundamentação de decisões judiciais seria de se esperar de

juristas que tiveram sua formação num contexto de reformas balizadas por diretrizes

como o secularismo, o iluminismo e o liberalismo. Porém, num contexto feito o

brasileiro, que assentava suas estruturas em instituições tradicionais e engessadas,

as quais punham em funcionamento as engrenagens da máquina colonial escravista

em sua rotação lenta e vacilante, introduzir percepções no direito que o conduzissem

a mudanças ou alterações profundas pareceria desnecessário e ameaçador às

estruturas hierarquizadas e rígidas da vida social. Afinal, esse campo de

conhecimento humano, extremamente fechado a um grupo letrado e cuja existência

esteve a serviço de elites econômicas e políticas, as quais dispunham do aparato

dos órgãos oficiais e detinham condições para suportar as custas de feitos judiciais e

fazer prevalecer seus interesses, de fundo muitas vezes patrimonial, gerava um

campo enorme à incerteza. Incerteza que, nas palavras de HESPANHA, não é

igualmente boa ou má para todos. Normalmente, serve os mais poderosos, os que

têm capacidade de influenciar, de subordinar, de sustentar um litígio durante anos

em tribunal ou, pura e simplesmente, de se estribarem no parecer de um letrado por

sua conta para desobedecerem ao direito estabelecido.(HESPANHA: 2006, p. 3).

Somado a isto, inúmeras hipóteses poderiam ser apontadas para essa estrutura de

rigidez decisória, mas a principal está fundamentalmente na maneira que o corpo de

magistrados foi concebido no Brasil colonial. Um sentimento de responsabilidade de

pacto dual: em pacto tácito com as elites coloniais locais e pacto expresso com o

poder central27, nos processos de produção de decisões. Alguns trechos de um

Acórdão da Corte de Apelação da Bahia, corroboram essas constatações, dentre os

quais é possível se verificar citações das Institutas de Justiniano, e de preceitos

27 A transferência da corte portuguesa ao Brasil significou a transferência, conforme já exposto, dos órgãos da administração central, e de seu representante maior, o próprio monarca, D. João VI. Tal fato tornou ainda mais estreitos os laços de aproximação entre a magistratura e a Coroa, sendo que os cargos de jurisdição passariam a ser concedidos sob a vigilância e aval direto do rei, conforme se verifica em diversas cartas de concessão disponíveis na Coleção da Série Justiça do Roteiro de Fontes do Arquivo Nacional para a história luso-brasileira.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

morais da tradição cristã, a título exemplificativo:

e todo aquele que recusa exhibir tem a presumpcao de dolo I Cod de Fid

Instrument e com outros P.P Castilh. Lustio controvert. Lib 8. cap. 20 n. 29 c.

30 Praesumptio oritur contra cum qui recusat exibere aut edere

instrumentum. Oritur enim praesumptio quod ei noceat si enim prodesse non

occultant.

(...)

O Referido Embargado, o seu forte he negar a verdade, que se acha

deduzida nos embargos fls.___sem se lembrar que o negar he o mesmo

que mentir, e a mentira vem a ser pecado mortal contra a natureza.

(...)Mendacium in hominibus perfectis esse mortale peccatum contra naturam.

(...)

Esquecido então do que lhe he vedado se não intrometer em negócios

Seculares, por evitar o que delles resulta nas Usuras e Enveterado o

Relatado Embargado em tais negócios, lansou de si o direito Divino, sao as

vozes de Paulo na segunda Carta a Timóteo: Nemo militans Deo implicet

negocius secularibus.

(...)Da mesma sorte lhe he vedado por muios Concílios e Bullas Pontifícias e

severamente reprehendido pelos Santos e entretanto he digna da nossa

atencao Ica de Sao Hierônimo lembrada por Benedictus 14 na Bulla que

principia: Apostolica servitutio = datada em 1741 contra o Clérigo, que se

intromete nos negócios seculares, tudo isso tem escurecido o Relatado

Embargado.28

A Corte de Apelação da Bahia, como instância superior da Justiça que era,

tinha em seus quadros geralmente magistrados com alguma experiência, que já

tivessem atuado nos juízos ordinários. Considere-se ainda que os trechos referidos

datam de 1815, portanto, quase 45 anos após as reformas do ensino em Coimbra

encabeçadas pelo Marquês de Pombal, tempo suficiente para que todos os

magistrados houvessem entrado em contato com essas alterações.

28 ARQUIVO PÚBLICO NACIONAL. Código de Fundo 20. Processo n. 914 m38, gal C., fl. 86.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

A essa magistratura não seria possível imputar atuação coesa, homogênea,

uniforme. Não se trata de um corpo social consciente de sua condição, agrupado,

entoado como coro unívoco. A máxima, “para cada cabeça, uma sentença“, é

adequada a essa realidade, se confrontada com a multiplicidade de fundamentações

encontradas nos arquivos de memória judiciária. São muitos os agentes, são muitas

as decisões. Além da multiplicidade de decisões, não há uma segurança observável

de fontes do direito: num contexto em que ainda prevaleciam a cultura de

compromissos pessoais, as instituições do latifúndio e escravidão, e em que cargos

judiciários eram conferidos conforme relações de graça e mercê, que sentido faria

defender força de leis que não existiam, ou assegurar direitos que não haviam?

É por essas razões que considerar que as reformas do ensino em Coimbra no

campo educacional foram medidas com resultados unilaterais, que produziram

reflexos imediatos e uniformes nos métodos de aplicação e interpretação do Direito,

não corresponde às evidências históricas. Como se apontou, muitos são os agentes:

os canais nunca seguem um fluxo cadente e único, o que se deve também a

estruturas sociais que permaneciam praticamente inalteradas, produzindo demandas

jurídicas que tampouco espelhavam profundas transformações de ordem econômica.

Propriedades em defesa, satisfação de créditos, partilhas de escravos, se até então

foram resolvidos com base em uma doutrina antiquada e estagnada, não verão

motivos para serem solucionadas por meio do enaltecimento de fontes inexistentes

ou métodos inovadores.

O quadro do ensino jurídico em Coimbra por si só, não lapidava as arestas de

homens desgastados pela reumática ordem vigente. Alguns esforços ainda partiam

do governo de D. João VI, no sentido de promover a modernização da Universidade,

realizando reformas periódicas não apenas no ensino, mas em toda a extensão da

Universidade de Coimbra, nos estudos e na produção de conhecimento, figurando-

se campo de atuação das políticas educacionais, mesmo a partir do Brasil. É assim

que nos revela um Alvará de 1815, expedido pelo monarca:

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

Querendo remediar estes inconvenientes, e restituir ao Corpo Academico a

paz e o socego necessario para prosperarem os Estudos e o augmento das

Sciencias, que muito Dezejo adiantar e promover, para crescer, e medrar

cada vez mais a instrucção publica, e para se formarem cidadãos

benemeritos, e úteis à Igreja, e Estado, e conservar ao mesmo tempo o uso

das Dissertações (…) 29

À contramão desses esforços, os poderes da administração e justiça

concebidos no período colonial – fragmentados e polissêmicos – ainda

proporcionavam adequados mecanismos de controle e rigidez institucional,

preservando as formas de dominação e exploração econômica da colônia, o que, em

última análise, se traduziu por meio de certa previsibilidade dos casos levados à

apreciação judicial mesmo no período joanino. Quer isto dizer que, se os

mecanismos institucionais asseguravam a exploração econômica na colônia por

grupos que a esses mesmos mecanismos tinham acesso, ficava extremamente fácil

se prever a natureza dos litígios (sobremaneira relativos a direitos patrimoniais), e

encontrar soluções adequadas a seus interesses. Daí, a incerteza do sistema de

jurisdição ser aplicável a apenas aqueles que dele não dispusessem, alijados de

acesso à Justiça, porém, cravejados por seu controle.

É importante ressaltar que, no período em observação, deve ser extirpada a

figura do jurista em sua dimensão técnica, formalista e hermética que atualmente se

conhece. A maneira pela qual foi concebida a atividade de jurisdição na colônia e

também na Metrópole, no Antigo Regime, é essencialmente fulcrada no

restabelecimento da ordem, no dar a cada qual o que é seu, no medir as

consequências de uma justiça distributiva que conferisse seus tons aos limites de

uma sociedade organizada em torno de laços de subordinação e dependências

pessoais, fidelidades e compromissos. Daí não se poder falar em juristas técnicos,

29 Alvará com força de Lei, declarando e modificando o parágrafo quarto de outro do primeiro de Dezembro de 1804; ordenando que o voto e parecer dos Lentes Censores das Dissertaçõees, que annualmente fazer e entregar os Doutores oppozitores da Universidade de Coimbra não seja decisivo, e à Congregação das Faculdades fique pertencendo approvar, e repprovar as referidas Dissertações. Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 1815. Disponível em: <www.brown.edu/Facilities/John_Carter_Brown_Library/CB.indexes /laws_1815_p1.html>

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

presos ao abstracionismo legal, tampouco ser possível desconsiderar sua figura na

conformação de poderes metropolitanos. Sua atuação, para além de interpretações

abstratas e aplicações legais, está baseada num compromisso com a ordem vigente

e, em razão do arranjo institucional, não pode ser tida como a de um membro de um

poder apartado e descolado de finalidades políticas. Atua o jurista com relativa

margem de escolha, optando por fontes e argumentos maleáveis, sem se amarrar à

estreiteza da lei. E, num contexto em que não há separação precisa entre funções

administrativas, judiciárias ou legislativas, sendo todas membros ou parcelas do

corpo de um Estado centralizado metropolitano, tal margem de atuação

discricionária se evidencia ainda mais.

Por isso mesmo, não é possível se estabelecer um jogo de relação causa e

efeito, entre ensino jurídico, reformismo ilustrado e independência política, como se

cada um explicasse fenômenos que dele fossem consequência direta e inarredável.

Há, no entanto, uma interposição desses fatos, que ora se explicam, ora concorrem

entre si, ora se fundamentam.

Assim, o fato de boa parte dos homens letrados que viviam no Brasil terem se

formado no curso de Direito da Faculdade de Leis de Coimbra pode não expressar,

por si só, as razoes para a independência política brasileira. Porém, levando em

conta que, conforme observado anteriormente, havia estabelecida uma cara relação

entre homens letrados e cargos ocupados na administração colonial, essa ordem

somente se romperá no momento em que a organização vigente se alterar; vale

dizer, no momento em que a condição de colônia deixe de existir. A experiência de

independência, implementada desde 1808, portanto, implicará em ruptura política às

avessas, tornando o processo muito mais uma questão de monarquia, estabilidade,

continuidade e integridade territorial que de revolução colonial. (MAXWELL: 2000, p.

186)

A lapidação acadêmica necessitava de mecanismos mais eficazes, que

fugissem à regra das sabatinas e dos ditados, das lições e das repetições, para

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

ganhar força entre seus diamantes brutos. O contato com a literatura corrente num

período de efervescentes ideias propiciou, por mais evidente que tal pareça, a

aproximação a ideais ilustrados, ao liberalismo, à secularização do Estado e a todo

um programa que parecia fazer muito sentido num contexto de dissensões e

conflitos como o europeu, mas que se via debilitado a sua propagação na América

Portuguesa.

Daí as projeções pontuais e limitadas de projetos nacionais de independência:

religar a nação em um todo pátrio, até então um conjunto desconexo de contextos e

fragmentos que compunham um extenso território. As conjurações Mineira e Baiana,

que talvez sejam as que ocupam maior expressão na história política colonial,

resumiram-se a realidades completamente distintas e agentes também dissociados

entre si, fazendo-se pontuais e desapegadas a projetos que integrassem todo o

território colonial português na América do Sul. Tais exemplos demonstram que a

colcha de retalhos brasileira não foi resultado de forças emancipatórias distintas,

mas de alfaiates que se propuseram a fazê-lo já munidos das agulhas e linhas

instrumentais do Estado, a fim de costurá-la.

Seção II. Que liberalismo, que juristas, que direito?

A trajetória exibida toca os dentes principais da engrenagem de

funcionamento da sociedade brasileira após a chegada da corte: eis que revigorada

a burocracia estatal, fortalecido o compromisso com a adequação de decisões

judiciais aos limites de poderes tradicionais e enaltecidos o espaço do centro de

decisões políticas e o liame dos agentes políticos às atividades do poder central,

tendo se tornado previsível saber de onde partiriam os autores da independência

política brasileira.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

A elite organizada em torno do centro de decisões políticas, deslumbrada com

as honrarias do palácio de São Cristóvão e alimentada pelos favorecimentos da

ordem burocrático-patrimonialista, incrustou à América austral a expressão mais

coerente a seus interesses de preservação das estruturas de poder que prevaleciam

no período do Reino. Ainda que o final do reinado de D. João VI tenha sido marcado

por uma administração rígida e estanque, em que a corrupção se demonstrava como

uma característica consentida. (HOLANDA, p. 173) Um dos exemplos que

demonstra o tipo de pensamento de juristas que também vigia em meio a uma

estrutura transplantada, encefálica, centralizadora e conservadora de governo, é o

do Ministro Tomás Antônio, que era, conforme descreve HOLANDA:

Velho desembargador, pessoalmente honrado e diferente, portanto, de

muitos magistrados que fomentavam uma descrença na justiça real,

pensava em reformar abusos, mas vivia mentalmente em pleno absolutismo

– paternalista, pois era uma sombra de D. João. (HOLANDA: 2003, p. 173).

Assim, o que se poderia denominar liberalismo brasileiro nada mais foi que

um eco remanescente de um processo de descolonização já deflagrado com as

transformações políticas ocorridas a partir da transplantação do governo de Lisboa

ao Rio de Janeiro, e cujo estopim estivera com a revolução do Porto de 1820 e a

tentativa de recolonização das cortes. Não parecia adequado às elites centrais

submeter novamente o Brasil à autoridade metropolitana, e ver derrocada uma

situação favorável aos comerciantes brasileiros e portugueses (agraciados pela

abertura portuária), aos comerciantes de escravos, a alguns juristas (favorecidos e

alinhados à estrutura burocrática dos órgãos judiciários transplantada e pelas

concessões e honrarias do poder central também transplantado), aos poucos

pequenos manufatureiros (favorecidos pela liberdade de criação de indústrias, em

razão da revogação do Alvará de D. Maria que proibia a existência de manufaturas

no Brasil, por meio da carta régia de 10 de marco de 1810) e a alguns proprietários

de terras (superestimados pela sucessão de concessões de sesmarias pelo governo

joanino). Estava-se, portanto, diante de um contexto de satisfação e oportunidade30,

30 Aqui está a se fazer menção especial às elites fluminenses, as quais tomaram decisivo papel para o desenrolar

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

no qual ainda permaneciam alguns ecos do movimento de 1817, ocorrido em

Pernambuco.

Portanto, discutir o liberalismo brasileiro é discutir um liberalismo às avessas,

melhor termo para designar o pensamento que, partido das elites letradas que com

novas linhas ideológicas já haviam mantido contato, somente germinará no Brasil

com a ameaça da possibilidade de regresso a um status quo anterior, de notável

rejeição entre tais elites. A bem dizer, elites já escoradas e infiltradas nas estruturas

da administração joanina, que não terão grandes dificuldades para fazerem

prevalecer seus interesses e promover a “ruptura política“ tão esperada.

Daí se poder falar num liberalismo de interesses, que concedia um caráter

conservador à ruptura a ser provocada com relação à Metrópole, já debilitados

desde a transferência da corte. A prevalência do comércio de escravos e do próprio

instituto da escravidão após a independência, somam as pinceladas que os

interesses econômicos confeririam ao quadro político brasileiro. Nos dizeres de

COSTA:

O caso brasileiro condensava assim um processo eivado de ambiguidades e

contradições. Ele rompia com a dominação colonial, mas ocorria como

contramarcha da revolução liberal em processo na Metrópole; ao mesmo

tempo que lançava mão do liberalismo como ideário para justificar a

separação da Metrópole, fazia desse ideário um uso conservador, pois ele

serviu também para manter a escravidão e a dominação dos senhores. Em

síntese, o movimento de independência foi nacional, pois criou a nação,

do processo de independência. Satisfação e oportunidade servem para designar certo estado de ânimo com relação ao governo implementado no Rio de Janeiro, no que diz respeito às vantagens e concessões dele advindas. Nos dizeres de Jurandir MALERBA, “começa a se desenhar a trama em que se ligaram a coroa e os homens fortes do Rio de Janeiro, basicamente envolvidos no comércio de grosso trato e de almas. Uma vez identificados os benfeitores da monarquia, faltava estabelecer as vias de mão dupla que ligavam a praça do comércio ao paço imperial; porque se os “homens bons“ seguraram a bolsa do rei, não o fizeram por bondade, mas impelidos por uma mentalidade arcaica, própria do Antigo Regime, a mesma que explica o desvio de grandes somas das atividades produtivas para outras rentistas ou, como foram chamadas, bens de prestígio. Os grandes que socorreram o rei buscavam e receberam distinção, honra, prestígio social, em forma de nobilitações, títulos, privilégios, isenções, liberdades e franquias, mas igualmente fatores com retorno material, como os postos na administração e na arrematação de impostos.“ (MALERBA: 2000, p. 232).

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

mas fez prevalecer uma ideia estreita de nação: a que se identificava com

os interesses dos proprietários. (COSTA: 2005, pp. 93-94)

Outro ponto de destaque é a condição em que se processou a independência

brasileira. A subordinação de um projeto que foi consagrado por correntes

historiográficas brasileiras, de uma interiorização da Metrópole, sobretudo propalada

por Maria Odila da Silva Dias (COSTA: 2005, p. 96) explicaria a formação da nação

em sua dimensão conjunta, caracterizada pela subordinação dos projetos das elites

centrais às demais elites, sucumbidas ao projeto conservador dos grupos sociais

alinhados ao eixo fluminense. Em outros termos, trata-se de uma sedimentação do

projeto imperial e sua irradiação para as demais capitanias a partir do Rio de

Janeiro, “denunciando a dinâmica de sua reinvenção, mediante recortes e

reformulações que, em último plano, conferiram tangibilidade a um corpo político

irredutível à antiga forma colonial.“ (SILVA: 2006, p. 232)

Portanto, o contexto é de desequilíbrio de forças e experiências diversas e por

vezes contraditórias entre si, em que o ideário liberal se transveste com as

pretensões e os objetivos de beneficiamento de gestão da coisa pública, por seus

artífices. Entender o discurso jurídico é, nesse quadro, de importância fundamental

para se entender os passos dessas elites, à proposta de nação. O que não se pode

fazer é dissociar os processos de construção de saberes, como se o jurídico

representasse um discurso autônomo, independente, e sem o propósito de assumir

a forma de instrumento de um projeto político.

Seja na retórica resguardada pela antiquíssima tradição civilística, a qual,

conforme visto, não era capaz de abandonar suas bases teóricas mais tradicionais,

e era apropriada para gerar discussões doutrinárias como a da natureza jurídica do

escravo (se coisa como entre os antigos romanos, ou se pessoa), ou a da

participação da Igreja em negócios jurídicos bilaterais, seja nos valores que serão

encravados à Constituição de 1824: os termos “bem“ e “propriedade“ aparecem num

total de 12 (doze) vezes, 7 (sete) para o primeiro e 5 (cinco) para o segundo, ao

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

longo do texto constitucional; o Direito manifesta em seus aspectos práticos e em

sua face abstrata não apenas um discurso hermético, isolado em si mesmo, mas um

reflexo de opções e desequilíbrios existentes na própria trama social.

A absoluta proteção da propriedade, valor caríssimo aos ideais burgueses,

fica estampada do seguinte modo na Constituição de 1824, refletindo a prioridade

dada a um direito cujo caráter é, em regra, inviolável:

Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos

brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a

propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira

seguinte:

22) É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem

público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da propriedade do

cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os

casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se

determinar a indenização. (BRASIL. Constituição do Império, 1824).

Apesar de a Constituição de 1824 ter sido redigida por um conselho de dez

membros, o qual substituiu a Assembleia Constituinte (composta por juristas como o

Visconde de Cairu e Pedro de Araújo Lima, ambos egressos de Coimbra) dissolvida

pelo Imperador, ela traduzia o equilíbrio político da sociedade em normas jurídicas

fundamentais (PRADO JR.: 1972, p. 49), além de resguardar a ordem patrimonialista

vigente, enaltecendo os pilares de um liberalismo em plano econômico, sustentado a

partir de estruturas de poder autoritárias e centralizadoras. (VASCONCELOS:2008,

p. 62). A Constituição aprovada exemplifica a derrota parcial do projeto de Antônio

Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio, e também formado na Faculdade de

Leis de Coimbra, principal responsável pelo projeto abortado de Constituição, que

tinha por objetivo descentralizar a administração do Estado e reduzir os poderes do

imperador. (VASCONCELOS: 2008, p. 48).

Deste modo, o papel dos juristas, no período em análise, envolve extremos

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

alargados: se valem de métodos para promover a trama de linhas tênues, corroborar

interesses e sobrepô-los àqueles interesses desamparados por cabedais

legislativos, por plasmas normativos, ou por teorias tradicionais.

No que diz respeito aos modelos de nação, um dos egressos de Coimbra que

estiveram à frente dos projetos nacionais de constituição e organização do Estado é

José Bonifácio de Andrada e Silva. Sua figura controversa, que depositava

esperanças em uma nação livre, despida do jugo da escravidão e inspirada pelo

liberalismo norte-americano e europeu, representa o eco de ideais e imaginários

infiltrados nas elites letradas brasileiras, diplomadas em Coimbra na transição do

Antigo Regime europeu.

Sedimentar as bases da organização política brasileira, enrijecer a estrutura

de organização nacional, impedindo-se as sedições e mantendo unidade e, acima

de tudo, promover o distanciamento do atraso intelectual da nação são objetivos do

imaginário político de José Bonifácio. Em seu pensamento ecoa a percepção das

condições tradicionais da sociedade brasileira, bem como a consciência de que era

necessário, para essa sedimentação política: abandonar o mandonismo e a força

das espadas, típicos da administração colonial, rumo a uma administração que

compusesse os diferentes interesses e pudesse promover a justiça. Nos dizeres

dele:

Quando a corte passou para o Rio de Janeiro, os povos do Brasil, imbuídos

de novas ideias, sentiam as privações em que se achavam como colonos, e

guardavam um ressentimento oculto contra o governo de Portugal: ao

governo do Brasil pertence acabar de todo esse ressentimento, sendo bom

e justo e imparcial para o Brasil, e os brasileiros. Para isto não se precisa

aumentar tropas, pagar numerosos espiões, ou fechar os ouvidos aos

clamores do povo contra os mandões; mas só de justiça, e de instrução e

nova civilização; e não querer governar o Brasil, já reino, como o Brasil

colônia. Enquanto a gente morar dispersa e isolada pelos campos e matos,

enquanto um pouco de farinha de milho ou mandioca, e um pouco de feijão

com peixe ou toucinho, os tiver contentes e apáticos, nada tem que temer o

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

governo, ainda que os governe como dantes: demais o temor dos negros, e

as rivalidades das diversas castas são o paládio contra revoluções políticas.

(SILVA: 2000, p. 79)

Considera também o patrono da independência, a respeito do Estado:

Para conservar-se um Estado, e florescer, deve seguir os seguintes

preceitos: 1°) Observância das leis [ilegível] e à letra. 2°) Antes diminuí-las,

que aumentá-las. 3°) Igualdade de justiça, e superioridade de merecimento.

4°) Bom sistema de imposição, arrecadação e despesas; o que faz pagarem

os vassalos com presteza e boa vontade, e chegar o pouco para o muito. 5°)

Ser infame o soldado fraco, o ministro ladrão, e não escapar à lei o que furta

ao Estado por comissão ou omissão. (…)8°) Dar o governo mostras

continuadas [de] que sabe castigar o duque, o desembargador, o general

como o sapateiro, logo que o merecem. 9°) que as gracas assim como os

castigos sejam conferidos por tribunais bem regulados e contidos, e não por

indivíduos, quais os favoritos, ministros, damas, etc. 10°) Liberdade de

imprensa só sujeita à lei ex post facto e não ante factum. (…) (SILVA: 2000,

pp. 79-80)

O jurista paulista ainda aponta indispensáveis, em seus projetos para o Brasil,

o exercício de controle político dos poderes constitucionais, bem como a formulação

de códigos legais que encerrassem a diversidade social brasileira. E, ainda, um

projeto ilustrado de educação, apoiado na criação de uma Universidade que

formasse pessoal indispensável ao incremento da educação e ao desenvolvimento

nacional, em diversos campos: médicos, administradores públicos, juristas, filósofos

e matemáticos. Assim:

Pois que a Constituição tem um corpo para querer ou legislar, outro para

obrar e executar, e outro para aplicar as leis ou julgar, parece preciso para

vigiar esses três poderes, a fim de que nenhum faca invasões no território

do outro, que haja um corpo de censores de certo número de membros

eleitos pela nação, do mesmo modo que os deputados em Cortes, cujas

atribuições serão: 1°) conhecer de qualquer ato dos três poderes que seja

inconstitucional, cujo juízo final de faca perante um grão-jurado nacional,

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que será nomeado pelo corpo de censores em número igual dentre os

deputados de Cortes, Conselheiros de Estado e do Tribunal Supremo de

Justiça; 2) verificar as eleições dos deputados em cortes antes que entrem

em função, 3°) fazer o mesmo a respeito dos conselheiros de Estado (…)

4°) finalmente pronunciar a suspensão dos ministros do poder Executivo e

dos magistrados a requerimento das Cortes ordinárias. (SILVA:2002, p. 127)

5°) Que as cortes da nação na redação do Código Civil e Criminal tenham

muito em vista modificá-la, segundo a diversidade de circunstâncias do

clima e estado da povoação, composta no Brasil de classes de diversas

cores, e pessoas umas livres e outras escravas; pois estas considerações e

circunstâncias exigem uma legislação civil particular. (IDEM, p. 128)

8°) Além destes colégios, é de absoluta necessidade, para o Reino do

Brasil, que se crie desde já pelo menos uma universidade que parece

deverá constar das seguintes faculdades: 1°) faculdade filosófica composta

de três colégios – de ciências naturais, de matemáticas puras e aplicadas,

de filosofia especulativa e boas artes; 2°) de medicina; 3°) de jurisprudência;

4°) de economia, fazenda e governo. (IDEM, p. 129)

Expoente de sua geração e de sua formação, esse pensamento constituía um

projeto nacional de organização e revelava as vibrações ilustradas e liberais da

formação acadêmica na Europa em seu cerne. Esses projetos representaram formas

de pensar os modelos políticos para uma nação que nascia, e cujo principal desafio

era o de garantir sua unidade que a fundamentasse.

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CONCLUSÃO

A discussão promovida no decorrer deste trabalho, consciente da amplitude e

dos caminhos que dela se desdobram, atingiu algumas constatações fundamentais,

para se entender as influências do espaço acadêmico e da cultura letrada à

constituição da nação. Essas constatações podem ser apontadas da seguinte

maneira:

1) A identidade nacional é um mito da organização política brasileira. Os

interesses das elites voltaram, sobretudo a partir da chegada da família real

portuguesa, para um centro substituído, polo articulador de espaços sociais criados

e imaginados, no qual os modelos de administração e de poder irradiam as formas

de interação política com os demais fragmentos do território. Esses fragmentos, no

entanto, são espelhados nesse espaço, mas reportam-se a outros polos dispersos (a

Capitania de Minas Gerais, a Villa Rica, a Capitania da Bahia, a Salvador, e assim

por diante), o que artificializa a integridade territorial e as formas de costume e uso

de normas sociais e jurídicas. A teoria da “interiorização da Metrópole“, portanto,

adequa ao quadro de organização da identidade brasileira: importa em projeto

nacional que efetivamente se projeta, ou se superprojeta sobre os demais, a partir

de um centro de decisões. Os mecanismos institucionais para tal realização serão

fundamentais.

2) As instituições do Estado assentam a identidade nacional, mas esta não se dá

apenas pelas vias estatais. Se as camadas letradas esboçaram o modo como as

instituições oficiais operariam, desenharam parcialmente o Estado constitucional e

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plantaram as matrizes de seu liberalismo incoerente, mixado às tendências

centralizadoras e autoritárias em torno da monarquia, esse esboço somente se

aproveita em razão de outras instituições, no cerne da sociedade brasileira. O

escravismo, o ordenamento estamental e a concentração da propriedade são fatores

já existentes, e que contribuem para a formação de mentalidades comuns e

programas lineares de poder, por essas mesmas elites. A dominação social,

portanto, terá canais muito mais expressivos e comuns, visto que as bases de

organização das atividades produtivas e as desigualdades regionais vetorizam a

concentração do poder nas mãos de agentes aptos a tanto.

3) O discurso jurídico é fundamental nesse processo de dominação social. As

teorias e formulações do espaço acadêmico coimbrão, apesar de apegadas a uma

tradição escolástica vezes atrasada e desapegada a transformações em curso na

Europa, são relativizadas no contexto brasileiro. Vezes se adotando a modernização

argumentativa (e a modernização do Direito), vezes cambiando a operações

silogísticas velhas e apegos à doutrina romana, a atuação praxista dos juristas

brasileiros é, acima de tudo, pragmática. Significa dizer que os contornos da prática

jurídica satisfazem, nesse período, ao contexto social que envolve a defesa de

interesses manifestos em litígios de baixa variabilidade, em cujos lados estarão por

muitas vezes homens de poder, detentores de bens que não serão tutelados por

legislações nacionais uniformes, até então inexistentes, mas por um confuso corpo

legal e um conjunto de argumentações e doutrinas também confuso. Noutro aspecto,

os juristas brasileiros serão os conselheiros do aparelho institucional: se infiltrados

no quotidiano dos órgãos de administração e justiça no Brasil joanino, formarão por

outro lado, os conselheiros do Estado: auxiliando o projeto de Constituição liderado

por Antônio Carlos de Andrada, ou integrando a Comissão responsável pelo texto da

Constituição de 1824.

4) Letramento e erudição são fatores de permeabilidade das elites políticas

brasileiras ao programa ilustrado. A formação tradicional humanista, no início do

século XIX, resumia-se muitas vezes ao curso de Leis de Coimbra. Essa formação

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universitária, apesar de apegada a tradições rígidas e pouco inovadoras, fora

reformulada no governo pombalino. Tais reformas sintonizaram, de certa maneira, o

espaço de Coimbra ao debate acadêmico de seu tempo. Os esforços do governo

pombalino, ultrapassando as meras reformas, importaram também numa certa

sintonia de Portugal aos cânones do iluminismo europeu: a entrada de publicações

dessa natureza puseram intelectuais em contato com linhas de pensamento que

chegavam à América Portuguesa por meio desses mesmos intelectuais, em razão da

inexistência de universidades nesses territórios. Esse programa será fundamental

para a concepção do liberalismo brasileiro e dos projetos políticos nacionais.

Diante dessas constatações, o quadro de hipervalorização do bacharelismo

brasileiro encontra pilares e sedimentos típicos, com a emergência da nação.

Quando as estruturas de poder da ordem colonial são desfeitas, o Estado refeito em

seu liberalismo atípico, tende a valorizar a personalidade individual numa sociedade

que permanece com instituições emblemáticas de seu passado colonial. Nos dizeres

de HOLANDA:

Apenas, no Brasil, se fatores de ordem econômica e social – comuns a

todos os países americanos – devem ter contribuído largamente para o

prestígio das profissões liberais, convém não esquecer que o mesmo

prestígio já as cercava tradicionalmente na mãe pátria. Em quase todas as

épocas da história portuguesa uma carta de bacharel valeu quase tanto

como uma carta de recomendação nas pretensões a altos cargos públicos.

No século XVII, a crer no que afiança a Arte de Furtar, mais de cem

estudantes conseguiram colar grau na Universidade de Coimbra todos os

anos, afim de obterem empregos públicos, sem nunca terem estado em

Coimbra. (...)

A dignidade e importância que confere o título de doutor permitem ao

indivíduo atravessar a existência com discreta compostura e, em alguns

casos, podem libertá-lo da necessidade de uma caça incessante aos bens

materiais, que subjuga e humilha a personalidade. (HOLANDA: 2009, p.

157)

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Portanto, se a identidade nacional é um mito da organização política

brasileira, não diferente é o mito do bacharelismo. Ele se escora em sua

organização. A desconstrução dos níveis de subordinação entre colônia e metrópole,

com o vigoramento da máquina de país independente prestigia e eleva um grupo

social à condição de mentor e artífice de projetos para a independência. E de

ocupantes dos cargos de alto escalão da Justiça. Eles deveriam articular a

preocupação em manter a unidade artificial, a ser garantida pela criação dos cursos

jurídicos nacionais alguns anos mais tarde, em 1827, no sul e no norte do país

recém nascido (em São Paulo e em Olinda) (NEDER: 2006, p.8). Construtores do

mito, assumiram o instrumental de uma alfaiataria social, com os recursos

institucionais para costurar a nação, os dispersos retalhos em um tecido único,

chamado Brasil.

Permaneceram, no mesmo Brasil, as vozes de uma educação jurídica

inspirada no modelo de Coimbra, agrilhoada às contingências dessa superestima

dos bacharéis, e exaltada à condição de pioneira do ensino superior brasileiro.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.

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IV. Imagens

Figura 01. Página 44. Fotografia do Diploma de Bacharel em Direito concedido a

Lourenço Caetano Pinto. In: Roteiro de fontes do Arquivo Nacional para a história

luso-brasileira. Fichário 03, gavs. 2-3 - referência : F-3. Coleção: Série Justiça IJ4

348/ IJ4 335. Créditos da imagem: Mariana Armond Dias Paes.

Figura 02. Página 45. Gráfico elaborado pelo autor, a partir dos dados obtidos em

GARCIA, Rodolfo. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1940, vol. LXII.

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