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Letramento fonológico
Resumo O presente artigo tem o propósito de discorrer sobre a importância de um letramento fonológico que se baseie a partir de um conhecimento prévio que a criança traz consigo. Versa, ainda, sobre a necessidade de conhecimento e compreensão, pelos professores que atuam nesta etapa de ensino, das diversas fases de assimilação e apreensão da leitura e da escrita pelas quais toda criança atravessa. A partir deste conhecimento, o professor, verificará a necessidade de intervir de modo suave e consciente na condução dela ao mundo letrado. Palavras‐chave: Letramento fonológico; fases de leitura; fase de escrita.
Claudia Tavares Medeiros
Secretaria Municipal de Educação [email protected]
1 Introdução
O letramento fonológico exerce um papel importante no processo de
aprendizagem da leitura e da escrita das línguas alfabéticas. Sendo assim, é de
fundamental importância que todos os professores envolvidos no processo de
letramento tenham conhecimento de como desenvolver um trabalho de qualidade no
universo da sala de aula.
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O tema abordado, neste artigo, versa sobre a importância de um letramento
fonológico a partir dos conhecimentos prévios da criança. Compreender as diversas fases
de assimilação e apreensão da leitura e da escrita que cada criança enfrenta, configura
uma importante ferramenta que fortalece a ação do professor que necessita intervir de
modo suave e consciente na condução deste aprendiz ao mundo letrado.
Na seção seguinte, intitulada “Que é letramento fonológico?”, abordamos uma
definição profunda sobre letramento baseada nos estudos de SOARES (2003).
Enfatizamos que a criança não deve decodificar apenas as letras, sílabas e palavras, mas,
antes da alfabetização propriamente dita, precisa ser capaz de apropriar‐se
conscientemente de habilidades de compreensão do funcionamento do alfabeto e
dominar as convenções fonológicas (letra‐som). Dentro dessa seção, há fatores
contributivos para o letramento fonológico tais como o apoio da família, a função do
professor neste desenvolvimento bem como a contextualização. Na seção 3, intitulada
“Etapas de uma alfabetização letrada”, discrimina fases demonstrando como a criança
forma suas hipóteses na construção mental da sonoridade dos fonemas, transferindo‐a
para a escrita, até o domínio da convenção da leitura e da escrita. Ciente dos desafios que
ela enfrentará, cabe a o professor tornar esse caminho prazeroso.
Na seção 4, intitulada “Implicações no processo de letramento fonológico”,
suscitamos uma questão vital: como a criança pode aprender e apreender
adequadamente as convenções da língua após sua compreensão do sistema alfabético.
Fazemos um remetimento aos fatores que contribuem para um letramento
fonológico ideal, levando em conta o conhecimento prévio que a criança traz da
influência familiar no deleite da leitura, o professor como mediador do processo da
aquisição dessas habilidades essenciais para a compreensão e inserção desta em uma
sociedade cada vez mais exigente e, por fim, a contextualização deste processo. Dentro
desta seção, abordamos, ainda, estratégias de letramento fonológico que são oferecidas
como sugestões tanto para a educação infantil como para o primeiro ano de ensino
fundamental. Estas estratégias auxiliam no desenvolvimento suave deste processo.
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Abordamos este tema utilizando referencial teórico robusto e, ainda, dados
coletados em pesquisa de campo envolvendo as atividades realizadas com o primeiro ano
do ensino fundamental da Escola X da rede municipal do município de Rosário do Sul ‐ RS.
2 que é letramento fonológico?
Faremos uso de Soares (2003) para definir letramento da forma como utilizaremos
neste ensaio. Entendemos, então, letramento como:
[...] exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita [...] que implica habilidades várias, tais como habilidades de orientar‐se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada,segundo as circunstâncias, os objetos, o interlocutor... (SOARES, 2003b, p. 80).
Dessa forma, letramento, segundo a autora, engloba um conjunto de habilidades
que um indivíduo aprendiz adquire em um processo complexo e concomitante na
construção de seu pensamento, por meio de práticas de leitura (interpretação) e
produção de diversos gêneros textuais, quer formal ou informal.
Este processo induz o indivíduo explorar sua capacidade de dedução e expressão
(catarse), opinando de modo crítico e obtendo uma visão mais clara da realidade social
em que se insere.
Leitura e escrita são ações essenciais no processo educativo. Porém, aprender o
sistema alfabético é um processo cognitivo complexo e um sistema notacional, e não um
código¹, sendo imprescindível criar novas metodologias de alfabetização e,
consequentemente, promover atividades reflexivas que induzam o indivíduo aprendiz a
compreender o funcionamento do alfabeto e dominar as convenções fonológicas (letra‐
som). (FERRERO; TEBEROSKY, 1986)
Por isso, define‐se Letramento Fonológico como um conjunto de habilidades
reflexivas e conscientes (metacognição) sobre a sonoridade das palavras (oral) e na
práxis da escrita delas (metalinguística), processando‐se de acordo com os quatro níveis
de alfabetização: Pré‐silábico, Silábico, Silábico‐Alfabético e Alfabético.
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2.1 Fatores contributivos ao letramento
É imprescindível que nenhuma etapa seja ‘queimada’, pois se tratando de um
processo complexo, o aprendiz deve vivenciar uma a uma a fim de ocorrer uma
construção de pensamento, raciocínio e dedução eficaz.
Os educadores devem ter em mente que toda criança traz alguma ‘bagagem’
linguística em diferentes estágios de seu meio social. “A leitura do mundo precede a
leitura da palavra [...]”, afirma Paulo Freire (1989, p.11). Para isso, devem entender como
se processa na mente das crianças o conceito de letras, números, símbolos.
Além disso, devem ter em mente que cada criança busca dentro de seus limites de
desenvolvimento (e de estímulos que recebe em seu meio familiar), assimilar e apreender
o objeto a ser explorado, independente de metodologias e material didático a serem
utilizados.
Ferrero e Teberosky (1986), em Psicogênese da Língua, confirmam tais assertivas,
quando discorrem que a aprendizagem da leitura é entendida como:
[...] questionamento a respeito da natureza, função e valor deste objeto cultural que é a escrita, inicia‐se muito antes do que a escola imagina, transcorrendo por insuspeitados caminhos. Que além dos métodos, dos manuais, dos recursos didáticos, existe um sujeito que busca a aquisição de conhecimento, que se propõem problemas e trata de solucioná‐los, segundo sua própria metodologia... Insistiremos sobre o que se segue: trata‐se de um sujeito que procura adquirir conhecimento, e não simplesmente de um sujeito disposto ou mal disposto a adquirir uma técnica particular. Um sujeito que a psicologia da lecto‐escrita esqueceu [...] (FERREIRO; TEBEROSKY, 1986, p. 11).
Tais dados remetem ao fato de não se pré‐julgar o desenvolvimento de cada
criança no processo fonológico, ou seja, se não aprender e apreender como se espera,
julgá‐la por incapacidade e má vontade, pois cada uma tem o seu próprio jeito ou
desenvolve sua própria metodologia, no tempo certo, em assimilar o objeto de
conhecimento (aqui, no caso, letra‐som).
Por isso, toda essa construção, para que seja eficaz e alcance os objetivos
propostos em relação ao assunto em questão, precisa ser contextualizada para fazer
sentido para a criança, para que lhe resulte em prazer na busca do conhecimento e para
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que a conduza a novas descobertas. Para isso ocorrer, deve‐se permitir que a criança
escrevesse espontaneamente, como sabe, a fim de detectar em que etapa de
compreensão do alfabeto ela está.
“Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a
ser alcançado por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e
contexto.” (FREIRE, 1989, p. 11‐12).
Pois, além de decodificar e codificar as letras, sílabas e palavras, ela terá de
gradativamente reconstruir propriedades complexas do sistema de escrita da língua
materna. Daí dá‐se o processo de uma alfabetização letrada em quatro etapas, não
estancadas, mas bem interligadas.
3 Etapas de uma alfabetização letrada.
Como em todos os aspectos da vida humana, o crescimento, a evolução e o
desenvolvimento se dão processualmente a seu tempo. Na aquisição da leitura e da
escrita por uma criança, não é diferente. Pois, no decorrer de sua construção mental, ela
vai concebendo gradativamente hipóteses em relação à fonologia das palavras e sua
codificação. (MORAIS, 2012)
Durante este percurso, é vital que as crianças se sintam à vontade em explorar
todas as possibilidades oferecidas nas aulas, oportunizando‐lhes produções
espontâneas, ampliando e ordenando seus conceitos, e refinando sua consciência
fonológica. A intervenção adulta deve ser apenas o de mediar esse processo.
Portanto, a partir desta referência, verão como estas etapas sucedem,
não de modo estancado, mas interligado, conduzindo os professores alfabetizadores a
uma compreensão das diversas progressões que as crianças se situam no decorrer do ano
letivo.
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3.1 Pré‐silábica
Nesta etapa, também denominada icônica, a escrita da criança é produzir
rabiscos, bolinhas e garatujas que não são letras. Quando entra em contato com textos
com figuras diversos, passa a observar outros ‘rabiscos’ ao redor dos nomes (letras), mas
sem relacioná‐las com entendimento. Ocorrem, porém, outras formas de relações
mentais bem engraçadas: quando vê coisas grandes, pensa que deve escrever com
muitas letras, ou, coisas pequenas, poucas letras (realismo nominal). (CARRAHER; REGO,
1981).
Sem a ajuda de adultos, as crianças, nessa fase, formulam hipóteses tais como de
quantidade mínima, em que ela supõe que é preciso apenas duas ou três letras para
denominar uma figura( KATO, 2002).
Como pode se ver nas figuras abaixo, os alunos notaram as seguintes palavras,
demonstrando o amadurecimento no reconhecimento de letras que fazem parte da
composição da palavra proposta.
SAO – SAPO
STO – SALADA / ITO ‐ JOGO /OBK – BONECA
ORR – RODA
Figura 01 ‐ (As figuras com escrita nas quatro etapas pré‐silábica, silábica, silábico‐alfabética e alfabética) são produções de diferentes alunos nos últimos bimestres do primeiro ano do ensino fundamental.
A hipótese de variedade, em que a criança acredita que deve variar o repertório de
letras e a ordem destas ao escrever muitas palavras, pode ser observada no exemplo a
seguir,
XO – LIXO
VZNQ – ÁRVORE
CGCXUL – PEIXE
UFUD – FLOR
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Figura 02 ‐ As figuras com escrita nas quatro etapas ( pré‐silábica, silábica, silábico‐alfabética e alfabética) são produções de diferentes alunos nos últimos bimestres do primeiro ano do ensino fundamental.
Figura 03 ‐ As figuras com escrita nas quatro etapas (pré‐silábica, silábica, silábico‐alfabética e alfabética) são produções de diferentes alunos nos últimos bimestres do primeiro ano do ensino fundamental.
OAS – SAPO
OCG – JOGO
OFR – BONECA
ALD – SALADA
OAO – RODA
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3.2 Silábica
Nessa etapa, ocorre uma evolução e uma revolução na construção da linguagem
escrita. É nesse momento que o aprendiz começa a se dar conta (consciência
fonológica) de que a escrita registra, ou nota, a pauta sonora das palavras (por exemplo,
é comum vermos as crianças registrarem a sílaba CA pela letra do alfabeto K como em
FACA/FAK/FKAA). Elas acreditam que as letras escritas vão substituir as sílabas oralizadas.
(ainda não compreendem ou discernem a quantidade e a especificidade de sílabas para
cada palavra). (LEAL; MORAIS, 2010)
Figura 04 ‐ As figuras com escrita nas quatro etapas (pré‐silábica, silábica, silábico‐alfabética e alfabética) são produções de diferentes alunos nos últimos bimestres do primeiro ano do ensino fundamental.
Esta é uma fase de difícil enfrentamento para a criança, pois surgem conflitos que
passam a transformar seus conceitos sobre as palavras, especialmente, quando observam
que em sua escrita faltam letras em comparação com a da professora ou de outras
crianças alfabetizadas. Em virtude deste fato há necessidade que o docente tenha certa
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cautela ao fazer as correções de tal forma que não deixe de alfabetizar letrado, mas ao
mesmo tempo, continue a estimular a espontaneidade da criança em sua busca, sem
traumatizá‐la com um ar de fracasso.
Por exemplo, na figura abaixo, o aluno registrou a palavra PEIXE como PIX, ou
RÁDIO em RAO.
Figura 05 ‐ As figuras com escrita nas quatro etapas (pré‐silábica, silábica, silábico‐alfabética e alfabética) são produções de diferentes alunos nos últimos bimestres do primeiro ano do ensino fundamental.
xai ‐ xarope cao – cadeado
av – árvore vsi – vaso
pix – peixe rao – rádio
fo – flor ria ‐ abelha
Observamos um avanço significativo na construção da hipótese das palavras. O
aluno notou letras e sílabas que se encontram inseridas nas palavras ditadas,
demonstrando uma apropriação grafo fonológica.
Em outras situações, os aprendizes em sua interpretação sonora das palavras,
grafam ora se referindo às vogais ora às consoantes destas ( como bem observado na
palavra quatro abaixo).
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Figura 06 ‐ As figuras com escrita nas quatro etapas (pré‐silábica, silábica, silábico‐alfabética e alfabética) são produções de diferentes alunos nos últimos bimestres do primeiro ano do ensino fundamental.
saro ‐ sapo
jo – jogo
b‐ boneca
sld‐ salada
roda‐ roda
Vimos aqui uma progressão semelhante à anterior, na qual a aluna já identifica
sílabas e fonemas nas respectivas palavras, compreendendo gradativamente a
sonoridade.
3.3 Silábico‐alfabética
Há ainda uma fase de transição em que o aprendiz nota duas ou mais letras para a
mesma sílaba, ou uma letra para uma sílaba CV(consoante‐vogal), tais como: B‐ /be/,C‐
/ce/,K‐ /ca/, Z/ze
Desta forma, a criança concebe a hipótese de que cada grafia corresponde a um
fonema, daí existindo a possibilidade dela falhar no ato da escrita.
Reforçando este pensamento, FERRERO (1985, p.13‐14) afirma que “o período
silábico‐alfabético marca a transição entre os esquemas prévios em vias de serem
abandonados e os esquemas futuros em vias de serem construídos”.
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Seguem‐se alguns exemplos:
Fig.07 . As figuras com escrita nas quatro etapas (pré‐silábica, silábica, silábico‐alfabética e alfabética) são produções de diferentes alunos nos últimos bimestres do primeiro ano do ensino fundamental.
A aluna notou em dois exemplos, como em CADEADO, a sílaba CA por /K/; em
FEIJÃO, a sílaba FE por /F/ apenas; e, em ABELHA, a sílaba BE por/B/.No próximo exemplo,
o aprendiz, curiosamente, representa na palavra FACA, para a sílaba CA, uma letra com
sonoridade semelhante /Q/. Por isso, KATO (2002, p.55) descreve que nesta fase
“coexistem duas formas de fazer corresponder sons e grafias: a silábica e a alfabética...
mas, o critério de quantidade mínima ‐ que afeta marcadamente as produções no nível
silábico – é aqui compensado pela análise fonética (que permite agregar letras sem
apartar‐se da correspondência sonora)”.
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Figura 08 As figuras com escrita nas quatro etapas (pré‐silábica, silábica, silábico‐alfabética e alfabética) são produções de diferentes alunos nos últimos bimestres do primeiro ano do ensino fundamental.
É imprescindível que a alfabetizadora faça bom uso dos monossílabos, pois através
deles, pode aguçar mais a consciência fonológica das crianças em relação ao conceito de
que uma sílaba pode ser composta de CV/CVV, como PÉ, MÃO, entre outros.
Assim, as crianças, nesta etapa “vão desestabilizando a hipótese silábica até que a
criança tem coragem suficiente para se comprometer em seu novo processo de
construção...”. (FERRERO, 1985, pp.13‐14)
3.4 – Alfabética
Nesta etapa, em que ocorre a desestruturação e estruturação de novas hipóteses
sobre a formação das palavras e a interpretação das sonoridades nelas, “é quando a
criança descobre que a sílaba não pode ser considerada como unidade, mas que ela é, por
sua vez, reanalisável em elementos menores, ingressa no último passo da compreensão
do sistema socialmente estabelecido”. (FERREIRO, 1985, p. 13‐14).
Em outras palavras, mesmo não dominando totalmente o aspecto ortográfico, a
criança nota na escrita a sonoridade das palavras, reconhecendo as letras para cada
‘sonzinho’ das sílabas.
Observemos esta transição na formulação de hipóteses silábico‐alfabéticas nos
seguintes trabalhos:
zarope – xarope
cado‐ cadeado
avore – árvore ( ainda não identifica o r como consoante líquida vibrante)
fegão – feijão ( ocorre um equívoco na sonoridade entre G/J)
pixe – peixe ( PE por /P/‐ transição da etapa silábico‐ alfabética para alfabética)
rado ‐ rádio
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foro – flor ( ainda não identifica o l/r como consoantes líquidas lateral e vibrante)
abelia – abelha ( há um leve reconhecimento na sonoridade do dígrafo LH, no
modo como notou por LIA).
Figura 09 ‐ As figuras com escrita nas quatro etapas (pré‐silábica, silábica, silábico‐alfabética e alfabética) são produções de diferentes alunos nos últimos bimestres do primeiro ano do ensino fundamental.
A aprendizagem em questão demonstra uma progressão na compreensão da
sonoridade de cada letra (relação som‐grafia), fazendo‐o assim, como os supracitados,
com espontaneidade e sem receios.
4 Implicações no processo de letramento fonológico.
O que ocorre após o processo de reconhecimento ao sistema de escrita alfabética
então? Que desafios surgem à criança em sua aprendizagem?
E, a partir daí, descobre novos problemas: pelo lado quantitativo, se não basta uma letra por sílaba, também não pode estabelecer nenhuma regularidade duplicando a quantidade de letras por sílaba (já que há sílabas que se escrevem com uma, duas, três ou mais letras); pelo lado qualitativo, enfrentará os problemas ortográficos (a identidade de som não garante a identidade de letras, nem a identidade de letras a de som)”. (FERREIRO, 1985, p. 13‐14)
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A Psicogênese da língua escrita indica que a criança se alfabetiza antes mesmo de
entrar na escola, e no primeiro ano, ela iniciará, aprofundará e concretizará alguns dos
saberes convencional: a) compreensão das palavras escritas com letras, diferenciando de
outros símbolos; b) contabilizar oralmente as sílabas, discernindo as sonoridades iniciais e
finais das palavras; c) as sílabas variam quanto à composição; d) e, as vogais estão sempre
notadas em todas as sílabas.
Durante este período, os pequenos aprendizes devem ser colocados em contato
com vários gêneros, tipos e suportes textuais, oportunizando‐lhes produzirem e
interpretarem de maneiras, oral e escrita, àquilo que escutam ou leem.
Os estudos da psicolinguista TEBEROSKY (1989) revelam que as crianças em tenra
idade desenvolvem conhecimentos prévios, estabelecendo interações entre a escrita e as
palavras, antes do contato com as convenções da escrita.
As crianças pequenas podem discernir oralmente a segmentação (pedaços) de
sílabas nas palavras (ja‐ca‐ré), identificar as sílabas iniciais semelhantes nas palavras
(cama/ casa), identificar outras palavras dentro de outras (serpente/ pente), reconhecer
as sílabas finais semelhantes (João/ avião) e assim por diante.
Daí a importância da escola e da figura do professor quais mediadores entre as
crianças e a escrita, como imprescindíveis neste processo de formação e
desenvolvimento delas quais seres pensantes, colocando‐as gradativamente em contato
com as informações sobre as convenções da escrita, aprendendo e apreendendo‐as.
A minha contribuição foi encontrar uma explicação, segundo a qual, por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa. Essa criança não pode se reduzir a um par de olhos, de ouvidos e a uma mão que pega o lápis. Ela pensa também a propósito da língua escrita e os componentes conceituais desta aprendizagem precisam ser compreendidos. (FERREIRO, 1985, p. 14).
Entretanto, a alfabetização só permitirá um desenvolvimento maior no
letramento infantil, enquanto este situar‐se no contexto social da criança, pela qual
poderá fazer uso pleno em sua vida e, consequentemente, aprofundará seu interesse
pela leitura.
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Por isso, é vital que o professor interfira de modo suave e constante na
alfabetização propriamente dita, auxiliando o aluno a dominar as convenções da escrita e
pavimentando, para o futuro, o caminho para usarem de modo lógico e discursivo em sua
vida social tais tecnologias complexas, como elaborar um requerimento ou um currículo.
SOARES (1998, p. 190) faz uma inferência importante ao processo de letramento:
Letrar é mais que alfabetizar; é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno... para entrar nesse universo do letramento, ele [o aluno] precisa apropriar‐se do hábito de buscar um jornal para ler, de frequentar revistarias livrarias, e com esse convívio efetivo com a leitura, apropriar‐se do sistema de escrita.
A própria professora considerou lamentável a condição da leitura, como
instrumento do indivíduo de apropriar‐se da realidade em que está inserida, e da
formação de leitores no país:
No Brasil as pessoas não leem. “São indivíduos que sabem ler e escrever, mas não praticam essa habilidade e alguns não sabem sequer preencher um requerimento.” Este é um exemplo de pessoas que são alfabetizadas e não são letradas. No universo infantil há outro bom exemplo: a criança, sem ser alfabetizada, finge que lê um livro. Se ela vive em um ambiente literário, vai com o dedo na linha, e faz as entonações de narração da leitura, até com estilo. Ela é apropriada de funções e do uso da língua escrita. Essas são pessoas letradas sem ser alfabetizadas.”(DIÁRIO NA ESCOLA,/SANTO ANDRÉ, 29/08/2003, p.3)
O hábito da leitura em nosso país é esporádico e esparsamente incentivado no
primeiro meio social de convívio: a família. Quando há adultos que colocam as crianças
em contato com diversos gêneros textuais desde sua tenra idade, o letramento ocorre
antes da alfabetização. Elas chegam à escola já com uma consciência fonológica aguçada,
acelerando sua aprendizagem nas convenções da leitura e da escrita concomitantes às
habilidades de compreensão e interpretação no ato de ler.
Pois, a consciência fonológica não surge com a maturação biológica; porém, deve
ser desenvolvida no decorrer de sua vida, em especial no final da educação infantil e no
início dos primeiros anos de ensino fundamental. O ideal é que se fomentasse esse
processo em casa e a escola promovesse a continuidade. Entrementes, como já
comentado, a leitura não é o ponto forte em nossa cultura.
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Algumas estratégias para a aquisição do letramento fonológico na educação
infantil e no primeiro ano de ensino fundamental (FREITAS, 2004) devem partir de
atividades que:
‐Explorem a discriminação auditiva (parlendas e trava‐línguas) para que auxilie o
aprendia tanto no lado quantitativo das palavras (reconhecer padrões silábicos de todas
as formas) como no qualitativo (reconhecer problemas ortográficos desde o começo,
pois em uma palavra o número de sons é maior do que letras ou vice‐versa).
‐Explorem rimas e contos rimados (os estilos rap/hip‐hop podem ser um recurso
contextual).
Deve‐se fazer uma ressalva quanto ao trabalho em grupo, pois é comprovado por
educadores alfabetizados de que o trabalho em grupo ainda desenvolve a socialização e o
espírito de cooperação.
Porém, a distância entre o conhecimento dos membros do grupo não pode ser
disparate. É aconselhável agrupar alunos de hipóteses próximas: alunos pré‐silábicos com
silábicos; e silábicos com silábico‐alfabéticos, que também funcionam bem com
alfabéticos.
No trabalho em grupo, há a intervenção e interação entre os alunos. Ocorre a
construção da frase, letra por letra, de ideias, assimilando e opondo a opinião do outro
chegando a um resultado. O objetivo é promover a reflexão sobre como escrever. O
importante é: interação a serviço da reflexão.
‐Aumentar, gradativamente, a complexidade das atividades, desafiando a criança a
se aventurar em novas descobertas na área da linguística, como em uma produção
textual simples:
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Fig.12 ‐ A produção textual (O Gatinho) foi realizada por um aluno último bimestre do primeiro ano do ensino fundamental.
1. “O gatinho está fazendo carinho.”
2. “O gatinho está (tá) tomando leite.”
3. “O gatinho tá tomando.”
4. “O gatinho tá miando.”
Tal reflexão consciente sobre a linguagem pode envolver palavras, partes delas,
sentenças, características e finalidades textuais, mostrando que toda mensagem tem
suas funções, sendo uma delas a metalinguística. “O domínio da leitura e da escrita
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pressupõe o domínio da linguagem oral, da consciência metalinguística”. (SOLÉ, 1998,
p.50)
Desse modo, inferindo‐se à definição de letramento no início deste ensaio,
segundo SOARES (2003), como “capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes
objetivos – para informar ou informar‐se, para interagir com outros, para imergir no
imaginário, no estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir”..., é vital
que o professor prepare o aprendiz para atuar linguisticamente em seu meio social,
apresentando‐lhes os níveis de linguagem (culto, coloquial, inculto e grupal) em
concordância com a situação exigida.
Por isso, há ainda outro fator implicado neste processo do letramento fonológico:
os dialetos regionais, segundo expostas por KATO (1999, p.14):
Reflexões de ordem sociolinguística fazem‐se necessárias nesse ponto. As diferenças dialetais passam a construir um sério problema enquanto a criança não descobre que a relação entre fala e escrita não é direta, isto é, que a escrita não é uma transcrição fonética da fala e que o registro exige um planejamento mais cuidadoso em nível de unidades maiores do discurso. Crianças que têm o privilégio de ter o contato com a língua escrita antes de irem para a escola, através da leitura que lhes é feita pelo adulto, já têm consciência pelo menos dos aspectos discursivos que diferenciam a fala da escrita. Duas crianças podem estar na mesma fase cognitiva, mas uma poderá enfrentar mais dificuldades que a outra se não tiver tido a estimulação ambiental de que falamos ou se entre o seu dialeto e forma ortográfica e o dialeto prestigiado pela escola houver uma maior distância.
Em sala de aula, as leituras realizadas pelo professor devem sempre
intertextualizar informações/palavras/ideias novas com as já adquiridas, inserindo‐as no
contexto do aluno. Caso contrário, se a construção dos significados for feitos sem ter
como embasamento em signos prévios, o aprendiz perde o interesse, comprometendo
sua aprendizagem.
Assim, as crianças necessitam de oportunidades lúdicas e prazerosas de refletirem
sobre as palavras e seus segmentos sonoros, proporcionando‐lhes exercer esta
linguagem, atribuindo significados aos seus significantes de modo gradativo e lógico para
si.
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Além disso, o professor ao criar e desenvolver em seus alunos as “habilidades de
interpretar e produzir diferentes tipos e gêneros de textos [e]... de orientar‐se pelos
protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão desses protocolos, ao
escrever”, deve mostrar que em cada uma das mensagens há outras funções que se
unem à metalinguística: referencial, conativa, fática, poética e emotiva, cada qual
apresentando um elemento essencial de comunicação.
Consequentemente, estes fatores permitirão aos educandos a oportunidade de
‘exercerem de modo efetivo e competente a escrita’, preparando‐os para atuar
linguisticamente em seu meio social.
Àquelas crianças, cujos pais ou professores não proporcionam tal
desenvolvimento de letramento, não as capacitando para esse processo fonológico, cabe
à escola e ao professor auxiliá‐las nesta construção do pensamento a fim de atingirem o
domínio da aquisição da leitura e da escrita.
Por fim, há neste processo de letramento outro fator vital a ser considerado: como
adequar um currículo que atenda a heterogeneidade e diversidade dos aprendizes?
Segundo KLEIMAN (2007, p.3), acerca de um currículo adequado ao processo de
letramento, pressupõe princípios que devem regê‐lo:
[...] o currículo é dinâmico; 2. o currículo parte da realidade local: turma – escola – comunidade; 3. o princípio estruturante do currículo é a prática social (não o conteúdo); 4. os conteúdos do currículo têm a função de orientar, organizar e registrar o trabalho do professor, não são, necessariamente, conteúdos a serem focalizados em sala de aula.
Por ser dinâmico, o currículo ficará sempre em aberto a mudanças significativas e
necessárias para um letramento eficiente, sempre contextualizado para manter o
interesse dos aprendizes no processo da leitura e escrita. O professor não deve apenas se
concentrar no conteúdo a ser cumprido em sala de aula, porém, deve proporcionar por
meio dele oportunidades para habilitar tais aprendizes a se tornarem cidadãos capazes de
ascenderem profissional e socialmente,
Por isso, a metodologia do professor, desenvolvida com base em sua percepção e
sua sensibilidade acerca da realidade e ‘bagagem’ de conhecimentos do aprendiz,
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proporcionar‐lhe‐á estas oportunidades de uma alfabetização letrada. Pois, segundo
Soares (2003a), “na época da cartilha havia método sem teoria sobre alfabetização, hoje
há uma bela teoria, mas não se tem método. O ideal é que se tenha um método com base
em uma teoria de alfabetização”, cuja teoria fosse desenvolvida sobre as inúmeras
experiências de alfabetizadores bem‐ sucedidos, e não técnicos de gabinete.
5. Considerações finais
Compreender o desenvolvimento das etapas das crianças sobre a escrita como
um processo torna‐se vital. Partindo dos conhecimentos prévios que a criança traz sobre
a escrita, o professor pode desenvolver várias propostas de práticas pedagógicas a fim de
sensibilizá‐las para a oralidade, para pensar de modo reflexivo sobre o que se lê, e usar as
ferramentas da alfabetização para se comunicar de modo eficiente e produtivo diante de
uma sociedade cada vez mais exigente.
Diante do surgimento das dificuldades que as crianças encontram na compreensão
dos fonemas, letras e sílabas na escrita, é importante que os professores reflitam sobre
como o currículo deve estar a serviço do letramento infantil, ou seja, diversificar
estratégias e metodologias adequadas à realidade das crianças, contextualizando o
processo ensino‐aprendizagem e permitindo a evolução da criticidade delas, desde os
anos primordiais na escola.
As execuções de atividades de escrita unida à ludicidade fonológica contribuem de
forma significativa para uma consciência fonêmica e fonológica, conduzindo a um
letramento desejado. Estas devem ser praticadas desde a tenra idade, preferencialmente
na família, desde a tenra idade, preferencialmente na família, seguidas de uma forma mais
sistemática e planejadas na escola, resultando em crianças na escola, resultando em
crianças cada vez mais habilitadas e competentes em seu meio social, tornando‐se
transformadoras deste.
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