leitura e oralidade no contexto escolar: práticas com contos africanos
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IV Encontro Internacional de Literaturas, Histórias e Culturas Afro-brasileiras e Africanas
Universidade Estadual do Piauí – UESPI
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LEITURA E ORALIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR: PRÁTICAS COM CONTOS AFRICANOS
Bárbara Olímpia Ramos de Melo1 Fabiana Gomes Amado2
RESUMO
O presente artigo apresenta dados de um trabalho desenvolvido com alunos e
professores do 6º ano de duas Escolas da rede municipal de Teresina-PI. A proposta de
trabalho com os contos africanos nas turmas selecionadas pauta-se, a priori, nas
dificuldades diagnosticadas de leitura, compreensão e produção de texto e associação da
leitura aos seus aspectos sociais e contextuais. Dessa forma, há uma necessidade de
aprofundamento do trabalho com os aspectos sociocognitivos e metacognitivos através
da leitura e da escrita de maneira planejada, uma vez que as referidas escolas não
contam com um projeto que estabeleçam objetivos previamente traçados para esse fim.
A partir de uma coletânea de contos folclóricos africanos reunidos por Nelson Mandela,
realizou-se um trabalho visando à interdisciplinaridade entre as disciplinas de Língua
Portuguesa, História e Educação Artística, através do desenvolvimento de atividades de
leitura, de compreensão, de oralidade através da recontagem dos contos, além de
atividades de ilustração dos mesmos e uma palestra sobre a história e cultura africanas.
Nesse sentido, objetivou-se a compreensão e interpretação de textos da literatura
africana relacionando os aspectos sócio-históricos-culturais, inferindo seus aspectos
linguísticos e extralinguísticos. Por fim, foi feita uma avaliação diagnóstica através de
aplicação de questionário com os alunos sobre as atividades aplicadas para verificarmos
a aceitabilidade das atividades desenvolvidas e o que precisa ser repensado para garantir
a inserção efetiva do ensino de história e cultura africana na escola. O aporte teórico
pautou-se nos conceitos de Letramento em Soares (2003), Cook-Gumpez (1991) no que
se refere à leitura e à escrita como práticas de letramento; nos PCN, nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana e na lei citada referenciando a legalidade
1 Doutora em Linguística (UFC). Professora da graduação em Letras – Português e do mestrado em
Letras, da Universidade Estadual do Piauí. UESPI. Teresina – PI, Brasil.
2 Mestre em Linguística pelo Mestrado profissional em Letras- PROFLETRAS, Professora do Instituto
Federal de Educação – IFPI. Teresina, Piauí, Brasil. [email protected]
*A presente pesquisa contou com apoio financeiro da CAPES, por meio de concessão de bolsas de
Mestrado.
ISBN: 978-85-8320-162-5
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da proposta em conformidade com os princípios da educação brasileira e na abordagem
de Bentes (2010) sobre a oralidade no espaço escolar.
Palavras-chave: Leitura; Oralidade; Contos; Literatura afrodescendente.
ABSTRACT
This article presents data from one work with students and teachers of the 6th year of
two schools in the municipal schools in Teresina-PI. The proposal to work with African
stories in the selected classes is first guided by the diagnosed in the difficulties of
reading, comprehension and production of text and association of reading to their social
and contextual aspects. Thus, there is a need for further work with social cognitive and
metacognitive aspects through reading and writing in a planned way, since such schools
do not have a project that previously set objectives outlined for this purpose. From a
collection of African folk tales brought together by Nelson Mandela, there was a job
aimed at interdisciplinary subjects of Portuguese Language, History and Arts
Education, through the development of activities of reading, understanding, oral
communication through the recount tales, and illustration of the same activities and a
lecture on African history and culture. In this sense, the aim of understanding and
interpretation of African literature texts relating the socio-historical-cultural aspects,
inferring their linguistic and extra linguistic aspects. Finally, a diagnostic evaluation
was made through a questionnaire with students about the activities implemented to
verify the acceptability of them and what needs to be rethought to ensure the effective
integration of the teaching of history and African culture in school. The theoretical
framework was marked on the concepts of Literacy by Soares (2003), Cook-Gumpez
(1991) with regard to reading and writing as literacy practices; the PNC (Parameters
National Curriculum), the National Curriculum Guidelines for the Education of Racial-
Ethnic Relations and the Teaching of History and Afro-Brazilian Culture and African
and the law cited by referencing the legality of the proposal in accordance with the
principles of Brazilian education and in Bentes´s approach (2010) on orality at school.
Keywords: Reading. Orality. Tales. Afro descendant literature.
Introdução
A proposta de trabalho com os contos africanos nas turmas de 6º anos do Ensino
Fundamental pauta-se, a priori, nas dificuldades diagnosticadas de leitura, compreensão
e produção de texto e associação da leitura aos seus aspectos sociais e contextuais.
Dessa forma, há uma necessidade de aprofundamento do trabalho com os aspectos
sociocognitivos e metacognitivos através da leitura e da escrita de maneira planejada,
uma vez que as referidas escolas não contam com um projeto que estabeleçam objetivos
previamente traçados para esse fim.
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Além disso, este artigo firma-se na constatação da falta de práticas
interdisciplinares, preconizadas nos PCN e tão negligenciadas pela escola, bem como a
aplicação da lei 10.639/03, a qual torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-
brasileira.
Sabendo-se que o ensino de leitura na escola tem sido, muitas vezes, realizado
de modo mecânico e descontextualizado e pautado, em muitos contextos, apenas nas
propostas relacionadas no livro didático, há a urgência de ampliar as práticas sociais de
leitura e escrita em uma abordagem dos aspectos sociocognitivos através de atividades
que extrapolem os aspectos linguísticos presentes nos contos de origem africana,
efetivando o desenvolvimento sócio e metacognitivo no contexto interdisciplinar de
práticas de letramento,através de atividades que visem ao desenvolvimento das
habilidades oral e escrita .
Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo o trabalho com
compreensão e interpretação de contos populares de literatura africana, relacionando-os
aos aspectos sócio-históricos e culturais, explorando aspectos relativos ao gênero,
linguísticos e extralinguísticos através de atividades interdisciplinares envolvendo as
disciplinas história, educação artística e língua portuguesa, valorizando a linguagem
oral, uma vez que os contos lidos foram recontados oralmente.
Esta proposta de intervenção foi desenvolvida com os alunos de 6º ano das
escolas municipais Extrema e Parque Itararé, ambas situadas na região Sudeste de
Teresina-PI. Participaram das atividades um total de 59 alunos, 30 da Escola Municipal
Extrema e 29 da Escola Municipal Parque Itararé, os professores das disciplinas de
Língua Portuguesa, História e Educação Artística das escolas mencionadas.
A proposta possui caráter qualitativo, constitui-se de procedimentos de caráter
experimental e crítico-analítico. Para a sua aplicação, realizou-se leitura e análise dos
contos da obra “Meus contos africanos”, palestra com professora de História sobre a
importância da cultura afro-brasileira no contexto escolar, exibição de documentário
sobre Nelson Mandela, atividade de ilustração dos contos com os professores de
educação artística, culminância do projeto com exposição oral dos trabalhos produzidos
e aplicação de questionário avaliativo referente às etapas do projeto.
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1. Os letramentos no desenvolvimento da leitura e da escrita
A sociedade tem delegado à escola o acesso ao mundo da leitura e da escrita, ou
seja, o processo é tido até como sinônimo de escolarização. Porém, além da
alfabetização como processo de decodificação, deve estar inerentes a esse ato o
conjunto de práticas sociais que envolvem a competência da leitura e da escrita, o que se
denomina letramento.
Atualmente, alfabetização e letramento são vistos como termos diferentes, sendo
a alfabetização a aquisição da tecnologia para a atividade de leitura e o letramento,
termo recente e ainda impreciso, tem sido conceituado como o conjunto de habilidades e
competências para os usos sociais da língua escrita (SOARES, 2003).
A partir dessa compreensão, considera-se que uma pessoa que possui o domínio
da tecnologia para a decodificação dos grafemas e fonemas, pode não ter uma
capacidade efetiva em usos sociais da escrita, ao tempo que um analfabeto, pode ter um
certo grau de usos social da escrita através de pessoas que dominam o código, e atingir
certos níveis de compreensão.
Partindo desses princípios, torna-se imprescindível que a escola desenvolva
atividades cognitivas que promovam os diversos tipos de letramento, pois a sociedade
tem delegado a essa instituição o processo sistematizado e institucionalizado da
aprendizagem, no qual os indivíduos passam a ter a instrução formalizada
exclusivamente no ambiente escolar.
E, na perspectiva de Gumperz (1991), vemos a importância do letramento (
embora a autora não se utilize desse termo ) escolar para o desenvolvimento da
capacidade de abstração, estabelecendo-se um comparativo com as sociedades orientais
em que o processo de alfabetização não ocorre no meio escolar e as práticas sociais
decorrentes desse ato devem ser consideradas em todos os aspectos, de maneira a não se
falar em uma alfabetização somente, mas em uma construção social do letramento, do
conhecimento e das habilidades desenvolvidas através dos usos da leitura e da escrita
em diversos contextos e situações, considerando as particularidades de cada indivíduo
inseridos nesse processo.
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2. A inserção da cultura afro-brasileira e africana na escola em uma
perspectiva interdisciplinar
A lei 10.639/03 torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira,
alterando o que estava proposto na Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional.
Porém, sabe-se que essa temática tem sido muitas vezes negligenciada pelas escolas, e
que muitas vezes é preciso acionar projetos pedagógicos que tragam direcionamentos a
aplicação do disposto na referida lei:
Parágrafo 1: O conteúdo programático a que se refere o caput deste
artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta
dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinentes à História do
Brasil.(BRASIL, 2004,p. 35)
Essa necessidade já descrita nas “Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana” aponta diretamente para a realidade da educação brasileira, que
vem perpetuando a visão europeia e colonizadora, alienando os educadores com a ideia
de que as questões raciais devem ser tratadas exclusivamente pelo movimento negro,
não pela escola, trazendo a visão do preconceito e desvalorização da cultura negra na
escola, com vistas a desfazer o mito da democracia racial brasileira:
Convivem, no Brasil, de maneira tensa, a cultura e o padrão estético
negro e africano e um padrão estético e cultural branco europeu.
Porém, a presença da cultura negra e o fato de 45% da população
brasileira ser composta de negros ( de acordo com o censo do IBGE)
não têm sido suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e
estereótipos racistas. Ainda persiste em nosso país um imaginário
étnico-racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as
raízes europeias da sua cultura , ignorando ou pouco valorizando as
outras, que são a indígena, a africana e a asiática.(Brasil, 2004, p.14)
É possível constatar que as instituições de ensino precisam de um planejamento
organizado a respeito da efetivação dessas diretrizes, através de projetos pedagógicos
que realmente viabilizem a aplicação da lei 10.639/03 no ambiente escolar, a fim de que
não seja mais uma prescrição legal longe da concretização e desprovida de significado
para a comunidade escolar:
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Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar.
Têm que desfazer a mentalidade racista e discriminadora secular,
superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-
raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não pode
ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência
de ser inferiorizados vivida pelos negros, tampouco das baixas
classificações que lhes são atribuídas nas escalas de desigualdades
sociais, econômicas, educativas e políticas. (BRASIL, 2004, p. 15)
Verificando-se a realidade das referidas escolas, constatou-se a ausência de
aplicabilidade da lei, uma vez que não havia o trabalho voltado para a temática que
envolvesse as disciplinas às quais a lei se refere, ficando muito restrita ao trabalho de
contextualização somente na disciplina História, sem contemplar as demais disciplinas
citadas no parágrafo 2 da lei, que diz que “os conteúdos referentes à História e Cultura
Afro-brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas
áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.” (idem, p.35)
Partindo dessa realidade, empreendemos ações cujo foco fosse buscar a
promoção da aplicação da lei também no âmbito da interdisciplinaridade, contemplando
a literatura africana a partir da obra “Meus contos africanos”, organizada por Nelson
Mandela, ao tempo que integra as disciplinas de Língua Portuguesa através da leitura,
análise e exposição oral dos contos da literatura africana; na disciplina de Educação
Artística em que a análise dos contos foi feita em conjunto com a professora e realizado
o trabalho de ilustração das histórias; e na disciplina História houve a exibição de
documentário sobre a vida de Nelson Mandela e a realização de palestra sobre História e
Cultura Afro-brasileira e Africana, com base nos textos das referidas diretrizes, os quais
apontam para:
-valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, por exemplo,
como a dança, marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e
da leitura;
-educação patrimonial, aprendizado a partir do patrimônio cultural
afro-brasileiro, visando a preservá-lo e a difundi-lo;( BRASIL,2004,
p.20)
Além de promover a interdisciplinaridade, buscou-se a integração entre as
turmas das duas escolas envolvidas no projeto, pois a culminância ocorreu com as
apresentações dos trabalhos em conjunto com as turmas das duas escolas.
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3. A oralidade no espaço escolar
Neste trabalho, viu-se a necessidade de inserir um momento para a oralidade,
visto que é uma habilidade, por vezes, pouco desenvolvida nas práticas de ensino de
língua portuguesa, que prioritariamente só se volta para o desenvolvimento da leitura e
escrita.
A escola pouco tem se preocupado em trabalhar as modalidades orais por
pressupor que é o aluno já domina essa habilidade; os próprios PCN assumem que
trabalho com a mesma encontra muitas resistências no interior da escola. No entanto,
quando se é pensado em desenvolver a habilidade oral, a ideia recai sobre a correção da
fala do aluno em adequação à norma de prestígio.
Cavalcante & Melo (2010, p.181) afirmam que apesar da pouca atenção dada à
oralidade no espaço escolar, registra-se, nas últimas décadas, um progressivo aumento
de estudos sobre o ensino da mesma, que passou a ser tratada no livro didático,
principalmente após a implantação dos PCN.
As atividades orais desenvolvidas nesse estudo basearam-se na contagem dos
contos, pois os mesmos são histórias africanas contadas oralmente pelo povo africano,
passadas de geração em geração, marcas de uma cultura oral que deve ser valorizada
para não ser perdida ao longo do tempo. É um trabalho de resgate da cultura das
histórias orais desconhecidas pelos alunos, uma forma interessante de mergulhar nas
tradições de nossos antepassados.
Antes de existir a escrita, a oralidade era a mediadora das relações sociais,
políticas, econômicas e culturais, todo conhecimento era transmitido por esse viés, o
foco do ensino na sociedade greco-romana era o desenvolvimento da oratória, pautadas
na argumentação filosófica e no debate. Isso tem sido perdido ao longo tempo na vida
escolar, a oralidade é pouco dimensionada em relação à escrita, expressar-se através da
fala tornou-se algo longínquo, a escola tem criado um esquadrão de mudos.
No trabalho com a oralidade no espaço escolar, primeiramente deve-se que partir
do pressuposto de que as crianças trazem consigo uma bagagem oral que nem sempre é
adequadamente aproveitada. É pela oralidade que ela interage no meio social, constrói
seus conhecimentos, expressa seus sentimentos, opiniões e ideias. O professor às vezes
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não percebe o quanto deixa de ganhar em não aproveitar a expressividade oral dos
alunos durante as aulas.
Bentes (2010) ressalta que no ato da comunicação os indivíduos transmitem um
conjunto de informações reveladoras de identidade social e competência comunicativa e
isto deve ser um dos primeiros aspectos a serem observados nas práticas discursivas
orais nos variados modos em que elas se apresentam.
A primeira peculiaridade da comunicação oral é a maneira como a fala se
constitui, pela forma como os sons são pronunciados e como o fluxo (pausas,
entonação, ritmo, qualidade de voz, velocidade da fala) da fala é produzido.
No ato da comunicação oral estão envolvidos outros recursos que vão além da
fala, os elementos gestuais, corporais, expressões faciais que acrescentam mais
informações do que o simples ato de falar.
O trabalho de Goulart (2005), relatado no artigo de Bentes (2010), mostrou que
nas atividades de exposição oral, os alunos não exploram o contato visual com a plateia,
ficam retidos no papel, lendo o texto em voz baixa demonstrando, ainda, a falta de
consciência da importância da voz da, da expressão corporal, do olhar durante as
explanações.
Os mesmos comportamentos foram verificados também em muitos dos alunos
sujeitos dessa pesquisa. Quando foi sugerido a eles que contassem oralmente a história
dos contos, muitos, primeiramente, quiseram fazer a leitura do conto no papel, com voz
baixa, sem olhar para os colegas de classe e para o professor. Insistiu-se que eles
contassem a história sem olhar para o papel, da mesma maneira como eles contam a um
amigo a história de um filme ou de uma novela a que assistiram.
Percebeu-se que aos poucos eles se sentiram à vontade para contar, resgatando
trechos fragmentados das histórias de suas memórias, mas ainda sem encarar a turma e
restringindo a atenção somente para o professor, como se houvesse este como
expectador.
Em muitos casos, percebeu-se a fluência oral dos alunos, mostrando facilidade
ao recontar as histórias e interagir com os colegas de classe, o que foi apontado por eles
próprios como trabalhos de maior qualidade na apresentação.
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Considera-se que os alunos de 6º ano ainda não estão acostumados com
atividades orais, pois estas não são inseridas na prática de ensino, pouco valorizadas em
sala de aula e em séries anteriores, o que também contribui para a timidez dos alunos no
momento de falar em público. Os PCN (1997) discorrem sobre a importância de se
trabalhar com exposição oral e que esta tem que ser desenvolvida desde as séries
iniciais, pois é a habilidade que apresenta maior dificuldade devendo, portanto, ser
motivo de projetos de estudos.
Se essa habilidade não é desenvolvida com frequência na escola, as dificuldades
apresentadas pelos alunos diante de exposições orais dificilmente serão sanadas e eles
continuaram em séries posteriores como as mesmas deficiências de quando entraram na
escola, deixando a escola de cumprir seu papel de ensinar a linguagem oral preconizado
nos PCN.
Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas
situações comunicativas, especialmente nas mais formais:
planejamento e realização de entrevistas, debates, seminários, diálogos
com autoridades, dramatizações, etc. Trata-se de propor situações
didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato, pois seria
descabido “treinar” o uso mais formal da fala. A aprendizagem de
procedimentos eficazes tanto de fala como de escuta, em contextos
mais formais, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a
tarefa de promovê-la. (BRASIL,1997, p.27)
Partindo desse pensamento deve-se articular o ensino da linguagem oral com
projetos que estimulem o desenvolvimento da oralidade dos alunos considerando o uso
que eles fazem da língua no contexto social a que pertencem e nas diversas situações
comunicativas.
A fluência oral ainda está longe de ser alcançada em sua plenitude, há alunos
que decoram o texto na íntegra, que não conseguem relatar na sequência o enredo das
histórias, perdendo assim todo o sentido de seus conteúdos, e isso não é o que se almeja
nas atividades orais.
É esperado que o aluno compreenda e exponha com naturalidade o que ele
adquiriu na leitura dos textos, organize e elabore com suas próprias palavras o que vai
ser exposto. É nesse momento que se avalia o seu vocabulário, suas marcas identitárias
de oralidade, os recursos extralinguísticos que ele utiliza para que o professor possa
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tomá-las como ponto de partida para desenvolver novas habilidades e aperfeiçoar
outras.
Bentes (2010) acrescenta que diferentes competências que os alunos apresentam
em atividades orais devem ser aproveitadas e convergidas em reflexões para que possam
desenvolver seus recursos comunicativos e conscientizarem-se de que as mesmas são
importantes para ampliar suas competências comunicativas e torná-los cidadãos.
4 Descrição analítica das atividades realizadas nas duas escolas pesquisadas
O desenvolvimento do projeto na Escola Municipal Extrema foi realizado com
bastante envolvimento de professores e alunos. Percebeu-se a grande motivação dos
alunos para a realização das atividades, desde a leitura dos contos, à ilustração com a
professora de Educação Artística, exposição e análise de um documentário sobre a vida
de Nelson Mandela e no momento de palestra com a professora de História.
Na leitura dos contos, os alunos realizaram atividades orais de interpretação e
também entraram em contato com várias palavras e expressões dos dialetos africanos, o
que fez com que enriquecessem seus vocabulários e percebessem a importância dessas
expressões para a língua e cultura de um povo.
Ao ilustrarem os contos, ativou-se o trabalho metacognitivo de extrair do texto o
que há de principal, resumindo-o através de uma imagem que contivesse toda a sua
essência, ao tempo em que discutiram com a professora de Educação Artística quais as
técnicas, cores e formas seriam mais apropriados à criação de seus textos visuais
naquele momento.
No documentário exibido sobre a vida de Nelson Mandela, os alunos puderam
discutir sobre a contextualização histórica da literatura e cultura africana, bem como
pontuaram sobre os efeitos nocivos do racismo, discriminação e exploração dos povos
por nações imperialistas, o que foi bastante proveitoso para a contextualização da lei
10.639/03, cujo texto integral foi entregue aos alunos e discutido com eles, a fim de que
se apropriassem da importância da mesma no ensino-aprendizagem, ao tempo em que
elencaram situações da atualidade que mantêm as estruturas do preconceito, o que em
suas opiniões demonstraram consciência da necessidade do estudo e da aplicação da lei
no contexto escolar.
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A palestra com a professora de história reuniu, no auditório da Escola Municipal
Parque Itararé, as duas turmas envolvidas no projeto, sendo realizada como momento de
integração e diálogo bastante pertinentes.
A professora, em sua fala, tratou de aspectos históricos e culturais, bem como
discutiu as ideias equivocadas e preconceituosas que o resto do mundo tem contra o
continente africano. Esse momento foi permeado de um diálogo profícuo, uma vez que
os alunos foram estimulados a participar expondo suas opiniões e comentando sobre o
assunto tratado.
Como etapa final, as duplas fizeram a exposição oral e das ilustrações dos
contos, uma atividade que se iniciou com dificuldade, pois os alunos demonstraram
grande timidez para apresentarem os trabalhos. Contudo, tal problemática foi superada
no decorrer do desenvolvimento, após os primeiros grupos se apresentarem, verificou-se
uma maior proficiência oral na recontagem dos contos.
Observou-se, dessa forma, o empenho do núcleo gestor para colaborar com todas
as etapas do projeto, uma vez que a direção e coordenação da escola mostrou-se
bastante receptiva e prontamente atendeu a todas as solicitações para a realização das
atividades.
Na Escola Municipal Parque Itararé houve alguns impasses quanto à realização
de forma interdisciplinar com a disciplina de Educação Artística devido ao fato de que
no momento da aplicação das atividades, não tinha de professor dessa área no turno em
que foi desenvolvido o projeto, portanto as atividades das ilustrações foram
desenvolvidas pelos próprios alunos sem a supervisão o professor da área. Mesmo com
essa dificuldade, os alunos atingiram os objetivos das atividades tanto da leitura e
interpretação dos contos, quanto de suas representações visuais.
Os alunos realização as atividades em dupla, primeiramente foi destinada uma
aula só para a leitura dos contos e um breve ensaio da apresentação oral. As ilustrações
não foram feitas na escola pelo motivo já exposto, portanto, os alunos desenvolveram
essa atividade em casa, com recursos próprios e trouxeram para apresentar na aula
destinada à contagem das narrativas.
O fato positivo é que se pôde ver a capacidade criativa desses estudantes na
relação que fizeram entre o texto verbal e o não verbal durante as exposições orais dos
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contos. Percebeu-se a coerência entre texto e imagem na produção das atividades
ilustrativas das histórias. Algumas duplas representaram os contos através de história
em quadrinho, outras com um desenho mais simples, mas que resumia toda a história.
Com relação à exposição oral, notou-se a timidez de muitos alunos, pois não
estão acostumados a falar em público. Muitos quiseram apenas ler o conto, mas com
muita insistência do professor de língua portuguesa eles conseguiram explanar o enredo
sem olhar para o texto impresso e de maneira satisfatória. Ao final, alguns até
demonstraram muita desenvoltura durante a exposição oral, demonstrando
espontaneidade e segurança. Outros, por falarem muito baixo, tornaram
incompreensível o entendimento da história para os colegas que estavam assistindo às
apresentações.
O enlace com a disciplina de História ocorreu através da palestra com a
professora de história já mencionada, que apresentou informações bastante
enriquecedoras sobre diversos aspectos da história e cultura africanas. Por meio dessa
atividade pôde-se perceber a curiosidade dos alunos em conhecer e discutir mais sobre
esse assunto.
Após o encerramento de todas as atividades foi aplicado um questionário para
efeito de sondagem da opinião dos alunos sobre o projeto a fim de avaliar a recepção de
um projeto interdisciplinar e da aplicação da lei 10.639/03 pelos alunos e a importância
de efetivar esse tipo de trabalho na escola.
Através de dados estatísticos foi possível obter um feedback das atividades
realizadas, conforme mostra a tabela abaixo:
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Quadro 1 – Síntese dos questionários aplicados aos sujeitos da pesquisa
QUESTIONÁRIO AVALIATIVO DAS ATIVIDADES
Seus professores
desenvolvem alguma
atividade de leitura?
SIM
93%
NÃO
0%
RARAMENTE
7%
Você lê em outro ambiente
fora da escola?
SIM
77,7%
NÃO
22,3%
Que tipo de leitura é feita
em sala de aula?
SILENCIOSA E
INDIVIDUAL
97,7%
EM VOZ ALTA E
INDIVIDUAL
55,5%
EM DUPLA OU
GRUPOS
53,3%
Você já tinha lido algum
texto de literatura africana
antes?
SIM
24,5%
NÃO
66,6%
NÃO LEMBRO
8,9%
Você sentiu dificuldades
em compreender os contos
africanos?
SIM
8,8%
NÃO
26,7%
UM POUCO
64,5%
Qual foi sua maior
dificuldade no momento
de recontar o conto para os
colegas de classe?
MEDO/ VERGONHA
99%
NENHUMA
DIFICULDADE
1%
Você já conhecia algo a
respeito da história e
cultura africana?
SIM
20%
NÃO
80%
Qual atividade você mais
gostou de ter realizado
sobre os contos africanos?
Leitura 20%
Ilustrações 42,3
Contagem Oral 6,6%
Nenhuma 4,5%
Todas 26,6
Você já participou de
algum projeto
interdisciplinar em sua
escola?
SIM
22,2%
NÃO
71,1%
NÃO LEMBRO
6,7%
FONTE: Dados coletados pelas pesquisadoras
Considerações finais
Através do trabalho realizado, pode-se ter uma dimensão da relevância da
temática desenvolvida. Desse modo, execução das atividades revelou-se como uma
alternativa importante para o trabalho interdisciplinar preconizado nos PCN e, conforme
os dados analisados, ainda pouco realizado nas escolas pesquisadas. Além disso,
confirma a urgência de se estimular a prática com os gêneros orais, tão pouco discutida
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e efetivada na escola. Não obstante, os dados catalogados corroboram e justificam os
objetivos previstos, uma vez que se comprova que a leitura é realizada na escola, porém,
ainda predomina a leitura silenciosa e individual, sem que haja estímulo para sua
oralização.
Nesse sentido, ratifica-se que a exposição oral, por ser pouco estimulada e
efetivada em contexto escolar, constitui-se como uma grande dificuldade exposta pelos
alunos, pois os mesmos, (embora estudando contos com predomínio de marcas de
oralidade e com linguagem coloquial), quase na totalidade, descreveram o
constrangimento e o medo de falar em público como principal entrave ao
desenvolvimento do estudo realizado, sendo citada a contagem oral dos contos africanos
como a atividade preterida, dando esses mais importância às atividades lúdicas e com
trabalhos visuais.
Além disso, constatou-se que mais da metade dos alunos participantes nunca
estiveram em contato com a literatura africana e que a cultura afrodescendente e
africana ainda não é objeto de estudo inerente à realidade da escola, o que revela que,
embora existam leis que preconizem esse ensino, ainda não fazem parte de uma prática
rotineira entre os professores de língua portuguesa.
O exercício interpretativo do gênero textual conto ainda deve ser aprofundado,
pois a pesquisa mostra que muitos tiveram acentuada dificuldade de compreensão,
demonstrando que a leitura precisa ser trabalhada com objetivos mais delimitados à
promoção de práticas de letramento, em um trabalho que promova a proficiência leitora.
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