justiça terapêutica conceito e aplicabilidade no brasil

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CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS - UNIRITTER FACULDADE DE DIREITO JUSTIÇA TERAPÊUTICA: CONCEITO E APLICABILIDADE NO BRASIL Fernanda Secchi Cerqueira CANOAS 2006

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Page 1: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS - UNIRITTER FACULDADE DE DIREITO

JUSTIÇA TERAPÊUTICA: CONCEITO E APLICABILIDADE NO BRASIL

Fernanda Secchi Cerqueira

CANOAS

2006

Page 2: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

1

CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS

FACULDADE DE DIREITO

FERNANDA SECCHI CERQUEIRA

JUSTIÇA TERAPÊUTICA: CONCEITO E APLICABILIDADE NO BRASIL

Monografia jurídica apresentada ao Curso de Direito, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor André Bencke.

CANOAS

2006

Page 3: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

2

JUSTIÇA TERAPÊUTICA: CONCEITO E APLICABILIDADE NO BRASIL

FERNANDA SECCHI CERQUEIRA

Aprovada em:

Banca Examinadora:

___________________________________

___________________________________

___________________________________

Page 4: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

3

Ao meu pai, Ciro Fernando Sória de

Cerqueira, que não está mais entre nós,

mas durante toda sua vida foi para mim

um exemplo de determinação e coragem.

Fica então, materializado nessa

monografia a concretização do último

sonho que idealizamos juntos.

Page 5: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

4

Ao meu orientador, professor André

Bencke, pelo zelo e atenção dispensados.

Ao Doutor Ricardo de Oliveira Silva e

Doutora Carmen Có Freitas, que pela

dedicação conferida à Associação

Nacional de Justiça Terapêutica,

acabaram por despertar o meu interesse

no tema escolhido.

À minha mãe e melhor amiga Marilva, por

estar sempre ao meu lado, cuidando para

que nada de mal me aconteça.

À minha irmã Sabrina, que tem sido para

mim um exemplo de superação do qual eu

me orgulho muito.

Aos meus amigos, em especial à Simone

Dorneles Jahen, Débora de Martini

Callegaro e Lidiane Soares Saija por

tornarem os meus dias mais alegres e

fazerem sentir-me uma pessoa especial

da mesma forma que elas são para mim.

Page 6: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

5

Os cativos do medo não sabem que estão

presos. Mas os prisioneiros do sistema

penal, que levam um número no peito,

perderam a liberdade e perderam o direito

de esquecer que a perderam. Os

presídios mais modernos, últimos

guinchos da moda, tendem a serem todos

eles, presídios de segurança máxima. Já

não há uma proposta de reintegrar o

delinqüente na sociedade, recuperar o

extraviado, como se dizia antigamente. A

proposta, agora, é isolá-lo e já ninguém se

dá ao trabalho de mentir sermões. A

justiça tapa os olhos para não ver de onde

vem o que delinqüiu, nem por que

delinqüiu, o que seria o primeiro passo de

sua possível reabilitação. O presídio-

modelo do fim do século não tem o menor

propósito de regeneração e nem sequer

de castigo. A sociedade enjaula o perigo

público e joga fora a chave1.

1 GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. 8. ed. Porto Alegre:

L&PM, 1999. p. 112-113.

Page 7: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

6

RESUMO

A presente monografia dedica-se à conceituação da Justiça Terapêutica, bem

como análise dos seus objetivos, pressupostos e hipóteses de aplicabilidade no

ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se o instituto de sistema de tratamento

àqueles criminosos que praticam delitos onde o elemento dependência química

esteja diretamente relacionado à conduta delitiva. A conjectura do estudo

consiste na apreciação do sistema adotado no Brasil, baseado no bem

sucedido modelo norte-americano, suas proposições, pressupostos de

aplicação legal, assim como averiguação de quais são os preceitos normativos

que comportam a inserção desse programa de tratamento no Direito Penal

vigente.

Palavras – chave:

Justiça Terapêutica; Tratamento; Dependente químico; Aplicabilidade; Direito

penal.

Page 8: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................ 8

1 JUSTIÇA TERAPÊUTICA .................................................................... 14

1.1 Conceito ............................................................................................... 14

1.1.1 Considerações gerais acerca da Justiça Terapêutica ........................... 14

1.1.2 A nomenclatura adotada ....................................................................... 18

1.1.3 Oposições à Justiça Terapêutica .......................................................... 19

1.2 Proposições da Justiça Terapêutica ................................................. 22

1.2.1 Tratamento do infrator........................................................................... 22

1.2.2 Perspectivas acessórias ....................................................................... 26

1.3 Pressupostos de aplicabilidade ........................................................ 28

1.3.1 Correlação entre o delito praticado e a dependência química .............. 28

1.3.2 Previsão legal de aplicação do instituto ................................................ 30

2 HIPÓTESES LEGAIS IMPLÍCITAS DE APLICABILIDADE DA

JUSTIÇA TERAPÊUTICA ................................................................................ 36

2.1 Aplicação em casos implicitamente previstos ................................. 36

2.2 Previsões legais do Código Penal ..................................................... 37

2.2.1 Limitação de fim de semana ................................................................. 37

2.2.2 Suspensão condicional da pena – sursis .............................................. 40

2.2.3 Livramento condicional ......................................................................... 42

2.3 Previsões legais no âmbito dos Juizados Especiais Criminais ..... 44

2.3.1 Transação penal ................................................................................... 44

2.3.2 Suspensão condicional do processo ..................................................... 46

CONCLUSÃO ....................................................................................... 49

REFERÊNCIAS .................................................................................... 51

Page 9: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

8

INTRODUÇÃO

Segundo a Coordenadoria de Justiça Terapêutica do Ministério Público

do Estado do Rio de Janeiro, o número de dependentes químicos vem

crescendo demasiadamente rápido no país e, por conseqüência, a prática de

ilícitos relacionados a essa questão igualmente toma proporções alarmantes2.

Somam-se a isso frustradas tentativas das autoridades competentes no

propósito de controlar e reprimir a difusão das drogas ante a ineficácia do

sistema adotado. Isto porque este prefere a constrição do delinqüente usuário

de drogas, pura e simplesmente, ao invés de buscar soluções na origem do

problema, ou seja, no tratamento da dependência química. O interesse no tema

Justiça Terapêutica, portanto, reside na análise deste problema e como este

novo enfoque pode equacionar a questão.

A Justiça Terapêutica, por ser uma inovação no sistema judicial

brasileiro, ainda encontra-se em processo de maturação e aperfeiçoamento. O

interesse específico no assunto surgiu devido aos questionamentos existentes

em relação à aplicabilidade desse instituto no ordenamento jurídico penal

pátrio, uma vez que não existe previsão legal delimitando seu alcance; isto é:

abrangência e extensão de sua utilização. Estes serão, portanto, os enfoques

do trabalho.

A Justiça Terapêutica teve como marco referencial originário os

Tribunais Americanos, precursores na implementação de tratamento aos

transgressores da lei envolvidos com drogas, ao invés de submetê-los aos

trâmites do processo criminal comum a que são sujeitos os demais

delinqüentes3.

A opção pelo tratamento em detrimento da constrição da liberdade deu-

se em razão da dependência ser considerada uma enfermidade pelos

2 COORDENADORIA DA JUSTIÇA TERAPÊUTICA. Ministério Público Estadual, Rio de

Janeiro, [s.d]. Disponível em: <http://www.mp.rj.gov.br/portal/page?_pageid=577,3856462 &_dad=portal&_schema=PORTAL>. Acesso em: 29 maio 2006. 3 NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.

Recife: Bagaço, 2003. p. 52.

Page 10: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

9

especialistas da área da saúde e, por isso, carecedora de cuidados

específicos. Uma vez concebidos como doentes, a reclusão penal tornou-se

inócua para esses infratores dependentes de substâncias entorpecentes, que

dentro dos presídios não recebiam tratamento adequado e, por conseguinte,

tinham o seu quadro clínico cada vez mais agravado.

A iniciativa estadunidense partiu da constatação de que, nos anos

noventa, na cidade de Miami, os presídios encontravam-se abarrotados de

infratores condenados por crimes relacionados à drogadição. Com isso, os

Estados Unidos criaram um revolucionário e eficaz modelo de tratamento para

dependentes químicos cometidores de delitos associados diretamente ao uso

de drogas, ao qual denominou de Drug Courts4.

Esse inovador modelo consiste na submissão do delinqüente ao

acompanhamento judicial de seu tratamento médico para recuperação da

dependência da droga, onde o encerramento do processo criminal fica atrelado

à sua reabilitação. Uma vez não cumprindo de forma satisfatória o programa de

recuperação imposto, será imputada ao infrator a pena prevista para o delito

que cometeu5.

O judiciário do Estado da Flórida, em um ato demonstrativo da

consciência de sua responsabilidade social para com os cidadãos de sua

nação, abandonou a política utilizada até então, da iniciativa do tratamento pelo

dependente, passando a impor tratamento a esses drogaditos em substituição

à pena. Tudo isso com o intuito de sanar uma falha constatada no sistema

penal ora adotado. Este, apesar de sua severidade e rigor, não lograva êxito

em coibir essas modalidades de delitos, além dos associados ao uso de

substâncias entorpecentes. As práticas criminosas vinham se alastrando

significativamente e até mesmo a reincidência era verificada em muitos casos6.

As Cortes de Drogas, tradução das Drug Courts para o português,

através de um acompanhamento judicial rigoroso, visam obter êxito em afastar

o viciado do consumo da substância entorpecente e evitar novo delito. Para

4 SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator

usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 5 NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.

Recife: Bagaço, 2003. p. 65. 6 NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.

Recife: Bagaço, 2003. p. 65.

Page 11: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

10

tanto, os juízes dos tribunais para dependentes químicos contam com o auxílio

de promotores, advogados de defesa e profissionais especializados para o

tratamento de combate às drogas, como equipe multidisciplinar. Esta forma

conjugada procura acompanhar o integrante envolvido nesse processo tanto no

progresso em relação aos cuidados com sua saúde, quanto no cumprimento

efetivo das regras impostas quando da aceitação dessa opção7.

A penalidade, assim, terapêutica, consiste em averiguar periodicamente

se o paciente está engajado no tratamento e o está aproveitando de forma

produtiva. Para isso, conta o magistrado com o auxílio de especialistas da área

da saúde, que criam um vínculo de confiança com o infrator, pela própria

condição da profissão que lhes é peculiar. A eles cumpre a tarefa de fornecer

as informações necessárias para que se possa avaliar a evolução dos

participantes da recuperação, a fim de aplicar-lhes as devidas benesses ou

reprimendas8.

O processo a que são submetidos esses infratores é simples. Com

regras claras fixadas, o juiz será regularmente informado de seu desempenho.

O descumprimento das condições, como por exemplo, apresentação perante o

tribunal e participação das sessões de tratamento, é sempre penalizado; a

evolução do paciente garante-lhe benefícios. Trata-se de um sistema onde o

indivíduo também assume a responsabilidade pela sua recuperação9.

Importante observar que, como conseqüência da participação exitosa no

tratamento proposto ao criminoso, pode este ver-se contemplado com a

redução da sentença, suspensão desta ou até mesmo a retirada da acusação

que desencadeou todo o procedimento especializado a que foi submetido10.

Como exemplo, temos os dados fornecidos pela Embaixada dos Estados

Unidos da América no Brasil, revelando que em avaliação feita pelo Instituto

Nacional de Justiça do primeiro tribunal para dependentes químicos em Miami

7 NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.

Recife: Bagaço, 2003. p. 50. 8 PÉRIAS, Gilberto Rentz. Leis Antitóxicos Comentadas. 1. ed. São Paulo: Vale do Mogi,

2002. p. 14. 9 DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA DOS ESTADOS UNIDOS. Divisão de Programas de Justiça.

Programa de Tribunais para Dependentes Químicos. Definindo os Tribunais para Dependentes Químicos: os componentes chaves. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br> Acesso em: 17 outubro 2006. 10

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Bagaço, 2003. p. 51.

Page 12: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

11

foi constatada uma redução de 33% no índice de repetidas detenções de

egressos dos tribunais para dependentes químicos, comparados com outros

infratores em situação análoga11.

As Drug Courts, nesses termos, têm por objetivo substituir o processo

criminal propriamente dito pelo tratamento dos usuários de drogas autores de

delitos relacionados a essa condição, através de acompanhamento terapêutico

e judicial. Isto visa a recuperação do infrator e, conseqüentemente, o abandono

da prática de ilícitos penais a que esse criminoso era afeito, eliminando a

própria causa de sua delinqüência e reincidência.

Feitas as considerações acima e com o intuito de principiar a análise do

tema, cumpre esclarecer que limitaremos o presente estudo à análise dos

objetivos, pressupostos e hipóteses de aplicabilidade da Justiça Terapêutica no

Brasil. Não será feito o estudo multidisciplinar que ela mereceria ou também

comportaria, em uma justificação por entendermos que extrapole os limites que

o problema escolhido comporta.

No primeiro momento discorreremos acerca do sistema adotado no

Brasil. Este baseou-se no bem sucedido modelo implementado pelos norte-

americanos e que foi aqui denominado de Justiça Terapêutica, procurando

adequar-se ao ordenamento jurídico pátrio, de forma a surtir os mesmos efeitos

lá obtidos. Esta tentativa é essencial, em virtude da atual problemática que

enfrenta o usuário de entorpecentes perante a conjectura da droga no âmbito

nacional, e a sua alta criminalidade.

Serão ainda analisados quais objetivos a serem alcançados pelos

operadores do direito. A instituição inovadora no sistema brasileiro deve-se

mostrar preocupada com o enfrentamento da questão do binômio drogas-

crime, bem como debater o assunto na procura de alternativas viáveis que

possibilitem a dissolução da problemática.

Finalizando esse fragmento do trabalho, enfrentaremos os pressupostos

de aplicabilidade da Justiça Terapêutica. Com este estudo visa-se ultimar

proposições elucidativas de quem são os sujeitos aptos a serem submetidos à

essa inovação legal e quais as exigências imprescindíveis a consecução a que

11

No documento elaborado pela Embaixada dos Estados Unidos da América no Brasil, não consta o período em que foi realizada a estimativa feita pelo Instituto Nacional de Justiça do primeiro tribunal para dependentes químicos em Miami.

Page 13: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

12

se propõe o instituto12. Ainda nesse ponto, será feita análise dos preceitos

normativos que atualmente possuem previsão legal expressa de aplicação da

Justiça Terapêutica.

No segundo momento, serão abordadas as hipóteses legais que

permitem de forma implícita a aplicação do instituto em comento, uma vez que

este carece de previsão específica de sua implementação em muitos casos.

A Justiça Terapêutica encontrou seu primeiro amparo legal no Estatuto

da Criança e do Adolescente13. Este galga a teoria da Proteção Integral quando

em um de seus artigos prevê que em razão da conduta de uma criança ou

adolescente, será aplicada uma medida de proteção. Ainda, o novel diploma

expressamente assevera a possibilidade de aplicar-se ao menor infrator, como

espécie de sanção, o tratamento ou a freqüência a programas de orientação a

alcoolistas e dependentes químicos.

Através do princípio balizador do Estatuto em comento, de atenção

integral ao indivíduo, é que se pôde introduzir o instituto que será analisado no

presente estudo, para o âmbito dos adultos infratores. Essa identificação é

possível ante a necessidade de receberem atenção protetiva nas mesmas

dimensões.

A Justiça Terapêutica para aqueles que já atingiram a maioridade penal

encontra-se passível de aplicação no âmbito dos Juizados Especiais Criminais,

quando cominadas penas restritivas de direitos ao infrator. Isso cabe quando

além das alternativas já preestabelecidas pelo legislador, há a possibilidade de

imposição de medida diversa, não elencada no texto legal.

Utilizando-se da mesma premissa, vislumbra-se a viabilidade de aplicar

o programa em voga no livramento condicional, ao passo que, muito embora se

encontre em fase de execução da pena diversa, pode a liberdade com

condições abarcar a submissão do apenado à tratamento para dependentes

químicos, se esse for o caso.

12

Muitos estados norte-americanos adotam o sistema do tratamento compulsório. No Brasil, pendem discussões acerca da imposição do tratamento àqueles que não desejam, que serão analisadas em momento oportuno, nesta monografia. 13

BRASIL, Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 09 set. 2006.

Page 14: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

13

Recentemente promulgada, a Nova LeiAntidrogas14, na busca pela

reinserção social do usuário dependente de drogas, estabeleceu em seu texto

medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo como

uma das alternativas de penalizar aquele que adquire, guarda, mantém em

depósito, transporta, traz consigo, para consumo pessoal, drogas sem

autorização legal. Dita novidade vem ao encontro da Justiça Terapêutica,

evidenciando a atualidade da discussão.

14

BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em 09 set. 2006.

Page 15: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

14

1 JUSTIÇA TERAPÊUTICA

1.1 Conceito

1.1.1 Considerações gerais acerca da Justiça Terapêutica

A Justiça Terapêutica é um instituto direcionado especificamente aos

usuários de drogas pura e simplesmente, bem como aos indivíduos que

cometem crimes por estarem sob o efeito de substância entorpecente ou até

mesmo como forma de manter o seu acesso a ela.

Na definição de André Pontarolli:

A Justiça Terapêutica, nova proposta de alternativa penal, nascida nos Estados Unidos da América e já adotada em alguns Estados brasileiros, consiste em um conjunto de medidas voltadas para que o criminoso, envolvido com a utilização de drogas, receba tratamento, ou outro tipo de terapia, de acordo com o seu grau de utilização quando verificados os requisitos legais; buscando-se, desta forma, evitar a aplicação de pena privativa de liberdade e possibilitar a melhor reeducação e reintegração deste infrator

15.

Compreende portanto, a Justiça Terapêutica, um novo conceito no

enfrentamento do binômio drogas-crime, onde o encarceramento dá lugar a um

tratamento adequado do indivíduo que cometeu um ilícito penal sob o efeito ou

influência das drogas16.

Trata-se o instituto em comento de um programa judicial que visa a

redução do dano social criado, que tutela aqueles indivíduos autores de

15

PONTAROLLI, André. Justiça Terapêutica. Programa inovador no combate ao binômio existente entre as drogas e a criminalidade. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/47/1947/p.shtml> Acesso em: 11 setembro 2006. 16

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Bagaço, 2003. p. 20.

Page 16: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

15

pequenos delitos onde o elemento dependência em substância química esteja

diretamente envolvido17.

Parte do pressuposto de que a dependência química é um fator

criminológico determinante. Afastada a drogadição, diversos delitos deixarão

de existir. Exemplificando, uma vez tendo praticado um crime sob o qual não

pende a obrigatoriedade da clausura, que esteja relacionado à drogadição, o

criminoso poderá ser submetido ao tratamento adequado a sua recuperação,

como modalidade de pena única ou, ainda, em concorrência com outras penas

previstas nas leis penais brasileiras.

A necessidade de se criar um instituto que tutelasse de forma específica

esse tipo de criminoso surgiu com a constatação, através de Relatórios

confeccionados pelas Promotorias da Infância e Juventude, de que, nessa

área, em cerca de noventa por cento dos atendimentos a menores infratores,

estava presente o componente drogas18.

Impressionados com essa estatística, os operadores do direito atuantes

no Rio Grande do Sul, Estado pioneiro na utilização desse novo programa,

intitulado Justiça Terapêutica, resolveram modificar a maneira de intervenção

jurídica então utilizada para penalizar esse tipo de infrator. Muito elucidativo é o

documento produzido pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de

Justiça, do qual cumpre transcrever trecho:

Assim sendo, por envolver uma teia complexa, as medidas de cunho repressivo, preventivo e curativo ou recuperativo são difícieis, caras, demoradas e demandam um esforço permanente e integrado. Há diversas formas de proceder-se ao combate a esta preocupante questão envolvendo as drogas. As principais providências sem dúvida cencernem, à prevenção, de um lado, e, de outro, à repressão ao uso e circulação das substâncias entorpecentes. A idéia hodiernamente predominante é a de que o caminho a seguir está na formação da capacidade do jovem de descernir acerca do problema facultando-lhe o conhecimento honesto de todas as suas facetas, pois, uma vez estruturada a personalidade, a opção far-se-à, naturalmente, pela rejeição do tóxico

19.

Após inúmeras reuniões e estudos na busca de uma solução para a

problemática dos crimes associados ao uso de substâncias entorpecentes, a

17

SILVA, Ricardo de Oliveira et al. Justiça Terapêutica: perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 29 maio 2006. 18

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006.

Page 17: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

16

exemplo do bem sucedido modelo norte-americano, é que surgiu a construção

de um instrumento de justiça, miscigenado com preceitos sócio-terapêuticos,

que objetiva não só o cumprimento da reprimenda penal imposta ao

delinqüente, mas também a sua recuperação do vício pelas drogas, através de

tratamento, e que em nosso país foi denominado Justiça Terapêutica20.

Delimitadas a consistência e a justificação da Justiça Terapêutica,

necessário se faz compreender a sua funcionabilidade. Para tanto, imperioso

esboçar o caminho a ser percorrido por aqueles que pretendem aplicar o

instituto em comento.

Os operadores do direito devem trabalhar em conjunto com os

profissionais da área da saúde, na busca de proporcionar a reabilitação

daquelas pessoas que cometeram delitos onde o fator dependência química

esteja presente como causa determinante para a prática do crime21.

A melhor forma a ser utilizada para que se obtenha sucesso nesse

programa multidisciplinar é que os profissionais envolvidos submetam-se a

capacitações que proporcionem a uniformização das informações atinentes à

Justiça Terapêutica. Sobre o assunto, enfatiza Luiz Achylles Petiz Bardou:

Consolidou-se a assertiva de que a capacitação deve, preferencialmente, envolver o Juiz, o Promotor e o defensor que trabalham juntos na mesma Promotoria e Vara Judicial, bem como policiais e profissionais da área da saúde interessados, convidando-os, para que todos compartilhem da mesma informação, da mesma proposta filosófica da Justiça Terapêutica, derivando como resultado o de determinar intervenção ou tratamento e não prisão para os envolvidos em pequenas ou médias infrações, com drogas

22.

Uma vez existindo essa conjugação de esforços entre os profissionais

das áreas acima elencadas, na busca da concretização das finalidades da

pena traçadas por Beccaria23, estaremos diante da materialização do instituto

da Justiça Terapêutica. Segundo Ricardo de Oliveira Silva:

19

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 20

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 21

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 22

BARDOU, Luiz Achylles Petiz. Justiça Terapêutica: origem, abrangência territorial e avaliação. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 06 junho 2006. 23

Afirmava Beccaria: “Da simples consideração das verdades, até aqui expostas, fica evidente que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já

Page 18: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

17

Assim, onde houver um Promotor, um Juiz, um defensor e profissionais da área da saúde capacitados, ali estará funcionando uma unidade de Justiça Terapêutica (Corte de Drogas), sem que haja necessidade de instalação formal de uma vara especializada na matéria

24.

Em virtude do elevado número de Estados membros que compõem o

nosso país, a melhor saída é que cada unidade federativa monte a estrutura

necessária para a instituição da Justiça Terapêutica em sua localidade, de

forma que os profissionais submetidos à capacitação mantenham um padrão

nacional que colabore na construção da unicidade do sistema, atendendo

sempre as peculiaridades locais25.

O tratamento terapêutico propriamente dito pode ser feito tanto em

instituição privada como na rede pública, de acordo com a preferência, bem

como com as condições financeiras do drogadito. Um dos maiores empecilhos

da aplicação do programa de Justiça Terapêutica é, por certo, em relação

àqueles que não possuem condições de subsidiar o seu próprio tratamento e

têm de utilizar a rede pública de saúde, que normalmente não está capacitada

para tanto26.

Para solução desse óbice, muitos Estados como Pernambuco, Rio de

Janeiro e São Paulo, construíram Centros de Justiça Terapêutica que prestam

apoio aos Juizados e Varas criminais, na parte relativa ao acompanhamento e

tratamento do usuário de drogas, elaboração de diagnósticos, bem como

outras imposições fixadas pelos juízes processantes27.

O infrator participante do programa, à semelhança do sistema delineado

pelos estadunidenses, fica atrelado ao tratamento até o encerramento do

processo judicial. Porém, a equipe de saúde pode indicar a continuidade do

cometido. É concebível que um corpo político que, bem longe de agir por paixões, é o tranqüilo moderador das paixões particulares, possa albergar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam talvez os gritos de um infeliz trazer de volta, do tempo, que não retorna, as ações já consumadas? O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo.” BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. 24

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 25

BARDOU, Luiz Achylles Petiz. Justiça Terapêutica: origem, abrangência territorial e avaliação. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 06 junho 2006. 26

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006.

Page 19: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

18

tratamento ao paciente28. De acordo com Ricardo de Oliveira Silva, Luiz

Achylles Petiz Bardou, Carmen Có Freitas, Simone Santos Neves e Gilda

Pulcherio Fensterseifer:

Aqueles que concluem o Programa referente ao processo em andamento, terão o mesmo arquivado não constando como antecedente criminal, ficando com os seus nomes „limpos‟. Aqueles que não cumprem a proposta, após todas as tentativas para que ele não saia do programa, terão seus processos reabertos, percorrendo, como último caminho, os trâmites legais da justiça

29.

1.1.2 A nomenclatura adotada

Conforme já mencionado no intróito da presente monografia, a Justiça

Terapêutica inspirou-se no modelo implementado pelos norte-americanos, por

eles batizado de Drug Courts. A nomenclatura adotada no Brasil não pôde

seguir os mesmos lindes, e utilizar-se da simples tradução para o português

para passar-se a se chamar Cortes de Drogas.

Na busca de uma terminologia coerente, capaz de definir com precisão o

sistema jurídico-legal a ser implementado, que mescla a atuação judiciária em

sociedade com outros ramos da ciência, principalmente a área da saúde, é que

se deu atenção especial a escolha do nome a ser utilizado para designar o

instituto30.

Assim, a denominação Justiça Terapêutica visa consagrar a fusão de

dois fragmentos da ciência: de um lado a palavra justiça representando os

aspectos legais do instituto; de outro o termo terapêutica enaltecendo a

utilização de tratamento com o objetivo de sanar uma situação patológica31.

27

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Bagaço, 2003. p. 76. 28

SILVA, Ricardo de Oliveira et al. Justiça Terapêutica: perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 29 maio 2006. 29

SILVA, Ricardo de Oliveira et al. Justiça Terapêutica: perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 29 maio 2006. 30

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 31

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006.

Page 20: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

19

Complementando, refere Ricardo de Oliveira Silva:

Assim sendo, a nomenclatura Justiça Terapêutica consagra os mais altos princípios do direito na inter-relação do Estado e do cidadão, na busca da solução não só do conflito com a lei, mas conjugadamente aos problemas sociais de indivíduos e da coletividade, nas doenças relacionadas ao consumo de drogas

32.

A escolha do nome Justiça Terapêutica, para designar o inovador

programa de tratamento, encontra respaldo no cuidado em evitar termos que

exprobrassem o dependente químico. Segundo Ricardo de Oliveira Silva:

A adoção da expressão Justiça Terapêutica é justificada também por possibilitar a eliminação de possíveis estigmas que se criariam para as pessoas atendidas pelo sistema de justiça, caso fosse consignado o nome do local de atendimento e aplicação com a titulação “juizado ou vara de medidas para usuários de drogas, de dependentes químicos, de tóxicos ou de entorpecentes” o que poderia, nesta última hipótese, ser confundida com outras operacionalizações judiciais já existentes

33.

Estas são as razões que impulsionaram a escolha da denominação

Justiça Terapêutica para indicar o instituto ora apreciado.

1.1.3 Oposições à Justiça Terapêutica

Assim como existem autores que defendem a aplicação da Justiça

Terapêutica, alguns doutrinadores são contrários à sua utilização, justificando

essa aversão ao programa de tratamento do criminoso dependente químico

sob vários aspectos.

Elisangela Melo Reghelln, levantando a disparidade que ocorre entre

tratamentos operados em instituições privadas e públicas, afirma:

Embora o discurso seja protetivo, na prática quase não existem estabelecimentos adequados para o cumprimento dessas coações. Em certos casos, chega a haver uma seletividade social muito grande, quando, por exemplo, se permite que alguns as cumpram em estabelecimentos privados, custeados pelo apenado ou pela sua

32

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 33

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006.

Page 21: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

20

família, enquanto outros têm de se submeter a tratamento em locais praticamente insalubres, sendo, muitas vezes, maltratados

34.

Comentando o sistema de Justiça Terapêutica, Luiz Matias Flach alega

não vislumbrar avanços com a implementação do instituto, uma vez que

permanecem rígidas as premissas crime e castigo, asseverando:

Sob uma aparência de liberdade, ele apenas reitera o sistema existente, a visão do crime e castigo. Se o dependente químico não se recupera com o tratamento, o que ocorre em grande parte dos casos, e é apanhado novamente com drogas, acaba indo para a cadeia de qualquer jeito. Cria-se uma estrutura cara e pesada, com uma série de organismos para chegar aos mesmos resultados. O modelo força usuários de drogas não dependentes, que são a maioria, a fazerem um tratamento de que não precisam

35.

Outro argumento, bastante utilizado pelos avessos à Justiça Terapêutica

é de que a compulsoriedade do tratamento fere de morte o princípio da

secularização, consagrado em nossa carta Magna. Obrigar um indivíduo a

tratar-se de sua dependência química, é agredir a sua dignidade, tolhendo-lhe

o exercício do direito à liberdade de escolha de ser e estar nas condições que

desejar36.

Ainda sobre a ineficácia de imposição do tratamento ao drogadito,

tecendo comentários acerca da Lei n° 11.343/0637, Walter Fanganiello

Maierovitch refere:

O Presidente Lula, no final de agosto, sancionou uma nova lei para enfrentar o fenômeno das drogas proibidas. Ela substituirá a colcha de retalhos tecida no governo FHC. [...] A lei sancionada por Lula, que também pediu ao Congresso urgência na aprovação, mostra que o atual presidente, com relação ao usuário, deixou de cumprir a promessa feita em 1998, quando subscreveu carta enviada ao secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, por ocasião de uma assembléia especial sobre drogas. Na carta a Annan, pediam-se mudanças nas convenções da ONU, todas marcadas pela militarização no combate às drogas ("war on drugs") e pela criminalização do usuário. Sem registro de memória, Lula acaba de criminalizar o portador de droga para consumo pessoal. E resultará em cadeia a desobediência a sanção judicial restritiva de direitos, como, por exemplo, submeter-se a tratamento terapêutico

34

REGHELIN, Elisangela Melo. Redução de danos: prevenção ou estímulo ao uso indevido de drogas injetáveis. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 163. 35

FLACH, Luiz Matias Flach. Tratamento para viciados substitui penas. Zero Hora, Porto Alegre, 08 jun. 2001. p. 36. 36

CARVALHO, Salo de. Pena e garantias: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 286-288. 37

BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em 09 set. 2006.

Page 22: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

21

obrigatório. Para Lula, a repetir FHC, todo portador de droga para uso próprio surpreendido pela polícia é criminoso. Mais ainda, Lula legitimou a chamada justiça terapêutica. Esta, difundida na América Latina pelo governo Bush com verbas substanciais, até para a ida de juízes e promotores aos EUA. Pela doutrina Bush, todo usuário primário deve ser tratado por ser um doente. Ao reincidente e àquele que abandona o tratamento, a solução é a prisão. Como se sabe, a justiça terapêutica é reprovada pela maior parte da comunidade científica acadêmica internacional. A tendência moderna, progressista e de ótimos resultados na redução da demanda, considera o porte para uso próprio como infração meramente administrativa. Portanto, fora do sistema processual criminal. Assim, só vale como problema de saúde pública a ser contrastado pelo Executivo, ou seja, pelo Estado-administração, e não pelo Estado-juiz. Ao tipificar a posse de droga para uso como crime, cai por terra o discurso enganoso da pena alternativa, sem prisão, feito pelo governo Lula. Quando se opta pela criminalização, o sistema legal sanciona com encarceramento a desobediência a uma sanção judicial restritiva de direitos

38.

Outra oposição à Justiça Terapêutica reside na afirmação de que para

que se possa tratar um viciado, este deve obrigatoriamente estar disposto a

tanto, uma vez que o modelo coercitivo de recuperação não funciona, pois a

peça chave para a obtenção do sucesso terapêutico, é a vontade do paciente

de livrar-se do vício39.

Os doutrinadores contrários à Justiça Terapêutica acreditam que o

tratamento e a prevenção não podem andar juntos com a criminalização do

dependente químico. É o que assegura Elisangela Reghelln:

Adotar o modelo da Justiça Terapêutica significa reafirmar a criminalização do usuário, ainda que o discurso esteja protegido sob um manto de benevolências, algo estrategicamente muito inteligentemente criado e realizado dentro da política proibicionista da guerra às drogas norte-americana e que, infelizmente, tem convencido muitas pessoas a acreditar nesta ilusão perniciosa e violadora de direitos fundamentais

40.

A solução apresentada por essa corrente, que repudia a Justiça

Terapêutica, é que ocorra a descriminalização dos delitos relacionados à

drogadição, pois a problemática das drogas deve ser encarada como um

problema de saúde e educação e não como um problema de polícia. Sobre o

assunto, pontua Elisangela Reghelln:

38

MAIEROVITC, Walter Fanganiello. Lula: um crime contra o usuário de drogas. Folha Online, 09 setembro 2006. Disponível em: <http://www.folha.com.br/folha/ilustrada> Acesso em: 19 nov. 2006. 39

CUNHA, José Sebastião Fagundes. Juizado Especial Criminal: competência nos crimes com pena não superior a dois anos, inclusive do procedimento especial. O Estado do Paraná. Paraná. Coluna Direito e Justiça, 26 out. 2002. 40

REGHELIN, Elisangela Melo. Redução de danos: prevenção ou estímulo ao uso indevido de drogas injetáveis. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 167.

Page 23: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

22

Diante da legislação incriminatória severa, o legislador convence a sociedade de que o problema está resolvido, criando uma sensação de segurança, quando, na verdade, a população deveria estar exigindo do Poder Legislativo a melhoria na qualidade dos serviços prestados pelo Estado

41.

Analisadas as oposições à Justiça Terapêutica, sem o intuito de dizimar

a sua utilização, uma vez que a presente monografia tem por escopo

conceitua-la, bem como delimitar a sua aplicabilidade, passaremos a analisar

quais são os objetivos a serem alcançados com a criação desse novo instituto

no direito penal brasileiro.

1.2 Proposições da Justiça Terapêutica

1.2.1 Tratamento do infrator

Conforme já mencionado no decorrer de nosso estudo, a Justiça

Terapêutica pretende oportunizar ao delinqüente, cometidor de crimes

relacionados diretamente com o fator drogadição, o devido tratamento do vício

em substância entorpecente e, conseqüentemente, a sua reabilitação.

Como bem lecionam Carmen Có Freitas, Luiz Achilles Petiz Bardou e

Ricardo de Oliveira Silva:

A essência da proposta do Programa da Justiça Terapêutica é oferecer ao usuário, abusador ou dependente de drogas que cometeu uma infração de menor potencial ofensivo, a oportunidade de receber intervenção educativa ou tratamento para o seu uso de drogas como alternativa para a instauração do correspondente processo criminal e eventual condenação. Esta medida representa um significativo avanço na possibilidade de minimização da problemática exposta pois, além de oferecer ao usuário de drogas uma intervenção específica para o seu problema de saúde, evita, ao mesmo tempo, que o mesmo seja exposto à pena de encarceramento quando a lei assim o prevê. Nesses casos, o papel do tratamento tem sido a significativa contribuição que ele tem na redução do crime

42.

41

REGHELIN, Elisangela Melo. Redução de danos: prevenção ou estímulo ao uso indevido de drogas injetáveis. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 168. 42

FREITAS, Carmen Có; BARDOU, Luiz Achilles Petiz; SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: uma estratégia para redução do dano social. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 15 outubro 2006.

Page 24: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

23

O tratamento do infrator é, portanto, a principal proposta da Justiça

Terapêutica, uma vez que os sujeitos por ela tutelados não se tratam de

criminosos comuns, mas sim de pessoas que cometeram delitos influenciados

por uma enfermidade: a dependência química. Uma vez concebidos como

doentes, devem esses indivíduos receber intervenção adequada capaz de

possibilitar a sua reabilitação, de forma a inseri-los novamente ao convívio

social e afastá-los das práticas criminosas.

Segundo Arnaldo Neto:

A adoção desse sistema nos demonstra uma certa preocupação com a sociedade, com a dignidade da pessoa humana, fazendo com que profissionais da área jurídica e da área da saúde trabalhem juntos, com o mesmo objetivo comum: o de aplicar o Direito não só para fazer valer a Justiça, mas na melhor perspectiva de também exercer a cidadania

43.

Tecendo comentários acerca do usuário de drogas, Ricardo de Oliveira

Silva encara a submissão do viciado a tratamento como uma forma de solução

tanto do processo como do problema social causado pela drogadição,

afirmando:

O usuário de droga se torna dependente da sensação de prazer que a substância causa em seu organismo e por isso tem dificuldade em parar de usá-la, entrando no círculo vicioso da dependência, que pode ser interrompido pela sua submissão a tratamento judicial compulsório. E mais. Como visto, sem necessidade de elaboração legislativa, simplesmente adotando-se o princípio de retirar alguém do sistema de encarceramento e colocá-lo no sistema de tratamento, se estará colaborando, no sistema jurisdicional, para resolver o problema e não simplesmente o processo, emprestando-se uma visão holística ao tema, com a possibilidade de ver-se operar uma mudança substancial na tessitura social

44.

A importância de proporcionar ao drogadito um meio eficaz de

recuperação de sua enfermidade encontra seu ápice no fato de que a aplicação

de uma pena que se mostre indiferente à sua condição de viciado, além de ser

ineficaz, pode contribuir para agravar seu quadro clínico. Justificando essa

assertiva, refere Arnaldo Neto:

O que se observa é que a prisão exerce um efeito devastador sobre a personalidade do infrator usuário de drogas, reforçando valores

43

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Bagaço, 2003. p. 22. 44

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006.

Page 25: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

24

negativos, podendo criar ou até mesmo agravar distúrbios de conduta (comportamentais)

45.

Consignada a supremacia conferida ao tratamento do usuário de

substância entorpecente nos casos abarcados pela Justiça Terapêutica,

necessário se faz trazer a baila a divergência existente em relação à forma de

intervenção a ser ministrada aos sujeitos por ela compreendidos.

São dois os sistemas existentes: o do tratamento compulsório e o do

tratamento consentido. Luiz Flávio Gomes, de forma sucinta, define essas duas

correntes de operacionalização do tratamento, referindo:

Ocorrem duas tendências possíveis neste setor: a) justiça terapêutica (de cunho norte-americano), que propugna pela tolerância zero e abstinência total, aplicando-se (quase que compulsoriamente) a sanção de tratamento ambulatorial; b) política de redução de danos (posição européia), que distingue claramente o usuário ocasional, o usuário dependente e o traficante, sendo que primeiro não necessita de nenhum tratamento, enquanto o segundo somente fará tratamento se houver consenso

46.

Embora muitos países já tenham pacificado a forma de abordagem para

aplicação do tratamento a ser utilizada, no Brasil a questão ainda é foco de

debates.

Muitos estudiosos no assunto defendem a inviabilidade de imposição do

tratamento como modalidade de sanção, sob o argumento de que a eficácia na

recuperação está diretamente relacionada à voluntariedade da busca pela cura.

De acordo com Florência Costa:

O modelo coercitivo não dá certo. O dependente necessariamente tem que estar disposto a se tratar. Além disso, a maioria tem recaídas e isso não é considerado um insucesso terapêutico. Recaídas não podem ser punidas

47.

Nesse sentido é o documento produzido pelos Conselhos Federais e

Regionais de Psicologia, com o intuito de tornar pública a sua posição sobre a

Justiça Terapêutica, no qual refere:

O Psicólogo, enquanto membro de equipes multiprofissionais da área de saúde, não pode atuar como agente executor de penalidade a ser aplicada ao indivíduo. A “Justiça Terapêutica”, ao tratar a saúde como um dever e não como um direito, fere o código de Ética do Psicólogo no Princípio Fundamental VII, que, balizado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10.12.1948 pela Assembléia Geral das

45

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Bagaço, 2003. p. 56. 46

GOMES, Luiz Flávio. Juizados criminais federais, seus reflexos nos juizados estaduais e outros estudos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 34. 47

COSTA, Florência. O Ópio americano. Revista ISTOÉ. São Paulo: Editora Três. Edição n° 1674-31, out./2001, p. 42.

Page 26: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

25

Nações Unidas, prega que o acesso á saúde é um direito universal e não um dever a ser imposto. O código de Ética do Psicólogo dispõe, no seu Princípio Fundamental VI, que “o Psicólogo colaborará nas condições que visem eliminar a opressão e a marginalização do ser humano”, e aponta que a sua inserção em um tratamento compulsório propicia o desenvolvimento de situações que o oprimem e o marginalizam. [...] A “Justiça Terapêutica” preconiza a naturalização de tratamentos compulsórios em conflito com a tendência atual, nas práticas de saúde no âmbito da dependência química, que definem que a vontade e o desejo de se tratar é fundamental para a eficácia do tratamento. O modelo da “Justiça Terapêutica” estabelece uma escolha logicamente questionável, entre a penalização e uma prática terapêutica clínica compulsória, colocando o usuário de substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas propensos a ser tratado como ser humano inválido ou incapaz, que perdeu a razão e, por conseguinte, sua cidadania

48.

Em contrapartida, inúmeros são os defensores da eficácia do tratamento

compulsório. Arnaldo Neto afirma:

[...] o sistema brasileiro admite que o primeiro tratamento, em se tratando de dependência de drogas (sentido amplo) pode ser compulsório, pois é cientificamente comprovado que a dependência química acarreta satisfação ao usuário da droga, uma vez que o dependente, a princípio, não vai querer parar de usar sua “fonte de prazer

49.

Ricardo de Oliveira Silva, contemplando a modalidade de tratamento

aplicado de forma coercitiva, refere:

Vale ressaltar ainda que, muitos profissionais e não-profissionais, acreditam que o tratamento para a dependência química só será bem sucedido "caso o paciente queira se tratar". Resultados de estudos sobre efetividade de tratamento têm evidenciado que o tratamento não-voluntário apresenta igual ou melhores resultados que o tratamento voluntário. Além disso, não se pode esquecer que, "não querer fazer o tratamento" é um sintoma da enfermidade dependência química

50.

Argumentando no sentido de que invariavelmente o dependente químico

não irá buscar de forma deliberada o tratamento, Carmen Có Freitas assevera:

Outro aspecto que vale ressaltar é que a maioria dos usuários e/ou dependentes de drogas que chega a um serviço de saúde para tratamento, não o faz de forma totalmente voluntária. Entenda-se aqui que o termo voluntário significa que o paciente tenha, por si mesmo, chegado à conclusão de sua necessidade de buscar ajuda e, conseqüentemente, tenha ido, por sua iniciativa, buscar tratamento.

48

CONSELHO FEDERAL E CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA. Declaração de Intenções. Disponível em: <http://www.portaldopsicologo.com.br/noticias/justicaterap.htm> Acesso em: 14 outubro 2006. 49

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Bagaço, 2003. p. 65. 50

SILVA, Ricardo de Oliveira. Usuário de drogas: prender ou tratar? Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 14 out 2006.

Page 27: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

26

Relatório da reunião européia sobre tratamento não voluntário para a dependência de álcool e drogas, promovido pela Organização Mundial de Saúde em 1999 em Moscou, afirma que "muito pouco tratamento é totalmente voluntário" (3). De fato, a grande maioria dos usuários e/ou dependentes de drogas entra no tratamento de forma "pressionada". Pressionados por quem ou por o que? Por familiares, por amigos, pelo local de trabalho ou pelo sistema de justiça

51.

Analisado o impasse existente em relação a possibilidade ou não que

deve ter o usuário de drogas em optar pelo seu tratamento, prosseguiremos ao

exame de mais algumas propostas incutidas no programa de Justiça

Terapêutica.

1.2.2 Perspectivas acessórias

Esclarecido que o tratamento do criminoso submetido aos trâmites da

Justiça Terapêutica é o marco representativo da proposta do instituto, uma vez

alcançada dita proposição, certamente iremos depararmos-nos com

conjecturas acessórias, porém igualmente relevantes, que justificam a

implementação dessa modalidade de intervenção penal.

Uma das proposições almejadas com a aplicação do instituto é, sem

dúvida alguma, a redução da reincidência criminal. Uma vez admitida a idéia de

que o criminoso somente cometeu o delito por estar envolvido no binômio

drogas-crime, a imposição do programa de Justiça Terapêutica a esse

delinqüente, além de proporcionar a sua reabilitação, acabará por afastá-lo das

práticas delitivas.

Nesse sentido, refere Arnaldo Neto:

A aplicação do sistema da Justiça Terapêutica no Brasil procura oferecer ao infrator a possibilidade de receber atendimento profissional e especializado, de acordo com a sua necessidade, diminuindo a reincidência da conduta infracional e a superlotação do sistema carcerário brasileiro

52.

Ivone Ferreira Caetano cita os resultados que a aplicação da Justiça

Terapêutica vem mostrando nesse sentido, na área da Infância e Juventude.

51

FREITAS, Carmen Có. Tratamento não voluntário em países da região européia: princípios éticos, organização e resultados. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 10 maio 2006.

Page 28: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

27

Quando em 20 de novembro de 2001 o Programa de Justiça Terapêutica foi

implantado na Vara de Infância e Juventude de São João de Meriti, passando a

encaminhar os jovens infratores dependentes químicos a tratamento, após dois

anos, foi constatada a redução na reincidência desses menores53.

Outra proposição que se busca com a implementação do programa de

Justiça Terapêutica, é a redução nos gastos com o sistema carcerário, muito

bem analisada por Arnaldo Neto que assegura:

O indivíduo preso representa um custo ao estado de aproximadamente R$ 750,00 (setecentos e cinqüenta reais) por mês, isso em relação à prisão comum, podendo chegar num patamar mensal de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais) no caso de prisão de segurança máxima. Já o custo do tratamento desenvolvido pela Justiça Terapêutica tem custo médio de R$ 75,00 (setenta e cinco reais) ao mês para cada individuo participante do programa, ou seja, uma redução de até 10 vezes do custo de um encarcerado. Desta forma, verifica-se um custo-benefício não apenas para o Estado, mas para toda a coletividade, pois reduz os casos de reincidência

54.

Ainda em relação à questão da economia gerada com o implemento do

instituto em análise, refere Arnaldo Neto:

No tocante à questão econômica é muito melhor e mais barato investir no tratamento do acusado utilizando a rede pública de saúde como referência, ou seja, não dispondo de ônus adicionais para o Estado, do que o custo em mantê-lo em regime carcerário, onde também correrá risco do infrator viciado ser verdadeiramente um transgressor, cada vez mais longe de uma vida saudável, digna e produtiva

55.

André Pontarolli, analisando o programa, menciona a redução nos

custos despedidos pelo Estado como uma das vantagens de sua utilização:

Ainda, as vantagens do programa são inúmeras, quando comparadas com as demais penas que compõe o ordenamento jurídico, principalmente porque é uma forma de se dar maior efetividade à incidência penal, garantindo uma melhor reeducação e reintegração social do infrator-usuário, além de apresentar um custo financeiro reduzido ao Estado; é, deste modo, instrumento penal de concretização da finalidade de reestruturação social pós-crime, verdadeiro remédio de tratamento da atividade delitiva

56.

52

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Ed. Bagaço, 2003. p. 13. 53

CAETANO, Ivone Ferreira. A Justiça que Cura e Previne. Disponível em: <http://www.amaerj.org.br/index.php?option=content&task=view&id=372> Acesso em: 08 novembro 2006. 54

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Ed. Bagaço, 2003. p. 60. 55

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Ed. Bagaço, 2003. p. 98. 56

PONTAROLLI, André. Justiça Terapêutica. Programa inovador no combate ao binômio existente entre as drogas e a criminalidade. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/47/1947/p.shtml> Acesso em: 11 setembro 2006.

Page 29: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

28

A diminuição da superlotação nos presídios, de igual modo, deve ser

referida como um objetivo suplementar da instituição do programa de

tratamento aos usuários de drogas cometidores de delitos diretamente

relacionados à sua condição de viciados.

De acordo com Daniel Pulcherio Fensterseifer:

A Justiça Terapêutica não busca disfarçar a crise no sistema prisional e da segurança pública, mas tem como objetivo dar atenção integral ao infrator, oferecendo-lhe tratamento ao uso ou abuso de substâncias entorpecentes e, consequentemente, beneficiando, também, os problemas relacionados à superlotação e falta de condições mínimas existentes nos presídios

57.

Elencadas as proposições da Justiça Terapêutica, passaremos à análise

de seus pressupostos de aplicabilidade, com o intuito de esclarecer quem são

os sujeitos para os quais pretende o instituto em apreço oferecer o seu

programa de tratamento e quais as exigências indispensáveis para sua

aplicação.

1.3 Pressupostos de aplicabilidade

1.3.1 Correlação entre o delito praticado e a dependência química

Conforme já mencionado no transcurso de nosso trabalho, pretende a

Justiça Terapêutica, erradicar a prática de delitos em que o fator drogadição

constitua elemento determinante na execução do ato antijurídico. Portanto,

para que se possa aplicar o instituto em comento a determinado indivíduo,

imperioso existir correlação entre o delito praticado e a dependência química.

Nas palavras de André Pontarolli:

A justificativa social da Justiça Terapêutica, por sua vez, se encontra na problemática das drogas, principalmente na sua influência à criminalidade e, ainda, nas grandes dificuldades apresentadas pelo sistema punitivo, pois, como já dito, o binômio existente entre as drogas e a criminalidade, bem como a dificuldade que se tem em

57

FENSTERSEIFER, Daniel Pulcherio. Justiça Terapêutica: uma breve investigação sobre sua aplicabilidade no direito brasileiro – III. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 15 outubro 2006.

Page 30: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

29

desfazê-lo constituem um grave problema social que pede soluções urgentes

58.

No mesmo sentido, refere Arnaldo Neto:

A Justiça Terapêutica é um programa judicial destinado aos infratores envolvidos com drogas, lícitas ou ilícitas, sendo usuário ou dependente químico, aquele que tenha cometido uma infração penal de menor potencial ofensivo

59.

Diante de tais assertivas, é de se afirmar que a Justiça Terapêutica irá

tutelar aquele indivíduo dependente químico que comete pequenos delitos, sob

o efeito ou influência de substâncias entorpecentes, podendo ser esses

componentes químicos tanto de uso proibido como de utilização permitida pela

legislação pátria.

Uma vez constatada que a prática delitiva restou desencadeada pelo

vício pelas drogas, tanto como forma de mantê-lo, como em virtude dos

próprios efeitos concernentes à sua utilização, e estando o agente criminoso

abarcado por alguma das previsões legais anteriormente analisadas,

estaremos diante da viabilidade jurídica de aplicação da Justiça Terapêutica.

Dadas essas proposições, cumpre referir, apenas para dizimar qualquer

tipo de anfibologia, que o tráfico de drogas, em hipótese alguma, consistirá em

modalidade de delito contemplado pela Justiça Terapêutica. Arnaldo Neto,

analisando a questão, assevera:

O tráfico de drogas não será abordado jamais pelo instituto da Justiça Terapêutica. São concepções completamente distintas, além de não se enquadrar na natureza da Justiça Terapêutica. Primeiro, o tráfico de drogas possui procedimento criminal específico, refere-se à venda e ao comércio ilegal de tóxicos, entorpecentes e afins; segundo, a Justiça Terapêutica vai tratar do uso de substâncias psicoativas atuante sobre o indivíduo dependente químico ou usuário, de modo que este se recupere, oferecendo tratamento específico ao mesmo [...]

60.

O crime tipificado no artigo 28, da Lei n° 11.343/0661, é o delito em que

mais facilmente se verifica a correlação do binômio drogas-crime, pois as

58

PONTAROLLI, André. Justiça Terapêutica. Programa inovador no combate ao binômio existente entre as drogas e a criminalidade. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/47/1947/p.shtml> Acesso em: 11 setembro 2006. 59

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Bagaço, 2003. p. 15. 60

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Bagaço, 2003. p. 19. 61

BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.

Page 31: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

30

condutas tidas como ilícitas consistem na aquisição, guarda, manutenção em

depósito, transporte ou porte para consumo pessoal de substâncias

entorpecentes. Contudo, sem prejuízo de aplicação em outras modalidades

criminosas, possui a Justiça Terapêutica, uma extensa abrangência de sua

aplicabilidade.

Inúmeros são os crimes tipificados pelo Código Penal62 de nosso país

onde podemos vir a constatar a dependência química como fator decisivo para

ocorrência do ilícito criminal.

Muito elucidativo é o exemplo trazido por Arnaldo Neto em sua obra

Estudos Sobre a Justiça Terapêutica:

É o que ocorre, por exemplo, com o indivíduo que cometeu uma lesão corporal leve, conforme o art. 129, caput, do Código Penal Brasileiro e que estava sob efeito do álcool, por exemplo, podendo estar também sob a influência de mais de uma substância tóxica. Com relação ao caso dado em exemplo para análise, o consumo de bebidas alcoólicas é permitido pela nossa legislação; é uma droga lícita, mesmo causando dependência e sérios riscos à saúde. Assim, o indivíduo que praticou o ilícito penal, desde que sob influência de qualquer droga (seja lícita ou não), será submetido à competência dos Juizados Especiais Criminais, por força da Lei n° 9.099/95, o qual deverá encaminhá-lo para o tratamento previsto pela Justiça Terapêutica

63.

Demonstrado que a associação da prática delitiva com a dependência

química deve, necessariamente, estar presente para que se possa operar a

Justiça Terapêutica em determinado caso, passaremos à análise da

necessidade de previsão legal acerca do emprego do instituto em comento.

1.3.2 Previsão legal de aplicação do instituto

Como sabemos, o Brasil adotou o princípio da civil law, onde a base

para que se possa aplicar o direito é soberanamente a lei escrita. Ademais,

vige em nosso país o princípio do devido processo legal, onde o procedimento

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em 09 set. 2006. 62

BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006. 63

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica. Recife: Ed. Bagaço, 2003. p. 25-26.

Page 32: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

31

a ser adotado em cada processo deverá estar rigorosamente previsto na lei,

para que as partes, assim, possam saber todos os ritos que irão transpor no

decorrer da ação64.

Nessa mesma linha, temos o princípio da reserva legal, consagrado

expressamente em nossa Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso XXXIX,

que prevê o seguinte:

Art. 5° [...] [...] XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; [...]

Trata-se, o princípio em comento, de garantia fundamental da liberdade

individual do cidadão ante o poder punitivo estatal que delimita seguramente a

abrangência da ilicitude penal.

De acordo com Heleno Cláudio Fragoso, “pode dizer-se que o princípio

da legalidade é essencial à estrutura jurídica do crime e da pena no Estado de

Direito. Não se pode obedecer ou violar senão ao que é previamente

imposto.”65

Discorrendo acerca do assunto, Paulo de Souza Queiroz acrescenta:

Constitui, portanto, constitucionalmente, uma poderosa garantia política para o cidadão, expressiva do imperium da lei, da supremacia do Poder Legislativo – e da soberania popular -, sobre os outros poderes de estado, de legalidade da atuação administrativa e da escrupulosa salvaguarda dos direitos e liberdade individuais

66.

O princípio da reserva legal, portanto, visa garantir a soberania da

norma escrita e, com isso, resguardar a segurança jurídica no que diz respeito

à criminalização de condutas bem como suas penalidades. Assim, somente

poderão abarcar o rol das ações antijurídicas aqueles comportamentos

expressamente insertos no ordenamento jurídico vigente como tais, sendo

imperioso, de igual modo, a devida cominação legal da pena correspondente.

Assim, para que se possa aplicar a Justiça Terapêutica aos indivíduos

que cometem delitos onde o fator dependência química esteja diretamente

64

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 65

FRAGOSO, Heleno Claudio. Observações sobre o princípio da reserva legal. Disponível em: <http://www.fragoso.com.br/cgi-bin/heleno_artigos/arquivo11pdf> Acesso em: 01 novembro 2006. 66

QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001. 22p.

Page 33: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

32

relacionado à prática do ilícito, imprescindível a existência de norma permissiva

de efetivação do instituto.

Dadas essas considerações, necessário se faz averiguar quais os casos

abstratamente previstos em nossa legislação que permitem de forma expressa

a aplicação da Justiça Terapêutica.

Em relação à existência de previsão legal explícita de imposição de

tratamento aos dependentes químicos cometidores de ilícitos penais, podemos

citar os enunciados normativos constantes em duas leis específicas: o Estatuto

da Criança e do Adolescente67 e a Novíssima Lei de Tóxicos68.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seu artigo 101, inciso

VI69, de forma expressa a aplicação da Justiça Terapêutica, quando refere

como medida especial de proteção a inclusão em programa oficial ou

comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

A proteção especial de que trata a referida norma consiste em

enunciado que, de forma direta, possibilita a inserção do programa de

tratamento preconizado pela Justiça Terapêutica.

Nesse sentido, Ricardo de Oliveira Silva assevera:

Por fim, o Estatuto da Criança e do Adolescente é o diploma legal pátrio que possui a melhor previsão sobre a matéria, já que estabelece expressamente a possibilidade de a criança e o adolescente serem submetidos a tratamento contra as drogas

70.

Pelo fato de haver previsão expressa, não se vislumbram maiores

problemáticas a serem enfrentadas no que se refere à aplicabilidade do

instituto na legislação concernente ao menor infrator.

67

BRASIL, Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 09 set. 2006. 68

BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em 09 set. 2006. 69

“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: [...] VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.” BRASIL, Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 09 set. 2006. 70

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006.

Page 34: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

33

Tanto é, que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, uma

vez constatando a dependência química como fator determinante para a

ocorrência do ato infracional praticado pelo adolescente, de forma uníssona

sobrepõe a medida protetiva de tratamento contra drogadição ao infrator.

Justificando a assertiva acima, cumpre colacionar jurisprudência a

respeito:

Apelação. Eca. Ato Infracional. Roubo. Uso de arma. Autoria e materialidade comprovada. Medida socioeducativa de internação e cumulação com medida de proteção. Cabimento. Autoria e Materialidade Comprovada pela confissão de um dos adolescentes em juízo, prova testemunhal e exame de corpo de delito. Medida Socioeducativa Em observância ao princípio constitucional de presunção da inocência, a sentença de internação vai aqui mantida pela gravidade do ato infracional praticado, mas não pela reiteração de eventual conduta infracional. Apesar de constar inúmeros registros em nome do apelante Cleiton, todos estão ainda em andamento. Sendo os apelantes usuários de drogas, cabível a cumulação de medida protetiva de tratamento contra drogadição. Negaram provimento ao apelo

71.

Apelação. ECA. Roubo. Medida socioeducativa de internação, sem possibilidade de atividades externas. Em casos como este, por diversas oportunidades tem sido decidido nesta Câmara, com fundamento no art. 122, inciso I, do ECA, que, comprovada a prática de ato infracional mediante violência contra a vítima, mostra-se apropriada a medida socioeducativa de internação, em nome da segurança social e do próprio menor. Somente a internação, por sua força coercitiva, dará ao adolescente a consciência exata da ilicitude do ato praticado. Aplicar medida mais branda geraria verdadeira sensação de impunidade, que não pode ser admitida. Medidas de proteção. Adequada a aplicação cumulativa da medidas protetivas previstas nos incisos V e VI do art. 101 do ECA, dada a evidenciada necessidade do adolescente, que admite envolvimento com drogas, referindo, inclusive, que praticou o roubo “para fumar crack”. Negaram provimento e, de ofício, aplicaram medidas protetivas. Unânime

72.

ECA. Apuração de ato infracional. homicídio qualificado. Medida socioeducativa. Impõe-se a aplicação da medida socioeducativa de internação, sem possibilidade de atividade externa, ao adolescente que pratica ato infracional extremamente grave - homicídio qualificado pelo motivo torpe e pela utilização de recurso que dificulta a defesa da vítima-, possui antecedentes e revela extrema periculosidade. Aplicação da medida socioeducativa. Uso de substâncias entorpecentes.

71

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Cível n° 70014588750. 1° Apelante: C.O. 2º Apelante: G.C.L. Apelado: M.P. Relator Ds Rui Portanova. Acórdão 04 mai. 2006. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov. 2006. 72

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Cível n° 70015944267. Apelante: M.S.S. Apelado: M.P. Relator Ds Luiz Felipe Brasil Santos. Acórdão 23 ago. 2006. Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov. 2006.

Page 35: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

34

A circunstância de o adolescente fazer uso de drogas não tem o condão de elidir a aplicação da medida socioeducativa. Deixar de impor ao representado a medida adequada, quando verificada a prática de ato infracional, ocasionará ao jovem a sensação de irresponsabilidade por suas ações, em desatenção às finalidades educativa e ressocializante buscadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Apelo conhecido em parte e desprovido. De ofício, retificada parte da sentença e aplicada medida de proteção (art. 101, VI, ECA) ao adolescente

73.

De igual sorte, a Novíssima Lei Antidrogas74, recentemente em vigor,

quando trata dos crimes relacionados ao consumo de drogas e define as

penalidades a serem impostas a quem incorrer em suas sanções, refere,

dentre outras penalidades, a medida educativa de comparecimento a programa

ou curso educativo, como uma modalidade de pena a ser imposta àqueles tipos

de transgressores.

É a redação do artigo 28, inciso III, da Lei n° 11.343/0675:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: [...] III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. [...]

Por esta razão, compulsando a Nova Lei de Tóxicos76, verifica-se que

uma vez enquadrando-se a conduta delitiva em um dos verbos nucleares do

tipo mencionados no caput, do artigo 28, poderá o juiz, quando constatada a

73

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Cível n° 70012638771. Apelante: G.C. Apelado: M.P. Relator Ds Maria Berenice Dias. Acórdão 30 nov. 2005. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov. 2006. 74

BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em 09 set. 2006. 75

BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em 09 set. 2006. 76

BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em 09 set. 2006.

Page 36: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

35

dependência química do infrator, aplicar-lhe a sanção na forma de tratamento

de sua enfermidade.

Sopesadas as previsões legais que expressamente permitem a

aplicação da Justiça Terapêutica, dedicaremos a segunda parte do nosso

estudo ao exame dos preceitos normativos que, de forma implícita, possibilitam

a aplicação do instituto objeto de nosso estudo.

Page 37: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

36

2 HIPÓTESES LEGAIS IMPLÍCITAS DE APLICABILIDADE DA

JUSTIÇA TERAPÊUTICA

2.1 Aplicação em casos implicitamente previstos

Seguindo as boas regras de hermenêutica, podemos observar que

existem em nosso ordenamento jurídico penal cláusulas onde o legislador, ao

permitir a aplicação de uma punição alternativa à pena privativa de liberdade,

conferiu ao juiz a faculdade de cominar penalidade não prevista na lei. É

justamente nessas previsões legislativas abertas que vislumbramos a

possibilidade de aplicação da Justiça Terapêutica.

É o que argumenta Ricardo de Oliveira Silva:

Compulsando-se a legislação brasileira, encontramos alguns paradigmas que, salvo melhor juízo e aplicando-se regras razoáveis de interpretação, permitem desde logo, sem embargo de edição de legislação especial sobre a matéria, a adoção do sistema de imposição de tratamento aos envolvidos com delitos que têm a droga como fator intercorrente

77.

Analisando a Lei n° 9.099/9578, bem como o Código Penal Brasileiro79,

deparamo-nos com alguns preceitos normativos que conferem ao julgador a

possibilidade de estabelecer condições não positivadas a que ficam sujeitos os

infratores.

Tais espaços abertos, inseridos de forma propositada pelo Poder

Legislativo, porque de maneira expressa manifestou o desejo de que ficasse a

cargo do juiz a imposição de condição não conjeturada, são por certo

viabilizadores da aplicação da Justiça Terapêutica, quando este programa de

77

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 78

BRASIL, Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm> Acesso em 09 set. 2006. 79

BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.

Page 38: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

37

tratamento, direcionado estritamente ao dependente químico cometidor de

ilícitos penais, se mostrar adequado.

Nesse sentido, é a definição tracejada por André Pontarolli, que afirma:

Quanto à viabilidade jurídica, esta se concretiza nas hipóteses legais que possibilitam a aplicação do programa, seja, esta, conjugada a outras medidas penais alternativas (suspensão condicional do processo, transação penal, suspensão da pena, limitação de fim de semana) [...] É importante considerar que cada uma destas hipóteses legais possui as suas especificidades, sendo que algumas delas permitem a aplicação facultativa das medidas terapêuticas, enquanto outras possibilitam, apenas, a imposição coercitiva do tratamento, funcionando este como forma de sanção

80.

Nos casos implicitamente previstos, portanto, atuará a Justiça

Terapêutica como uma condicionante para a efetivação da pena principal,

diferindo daquelas previsões anteriormente analisadas, onde o programa de

tratamento aparece como uma modalidade de sanção.

Justificada a possibilidade de inserção do dependente químico que

pratica delitos em programa de tratamento, através de enunciados normativos

abertos, iremos dedicar-nos ao estudo individualizado dessas normas, com o

intuito de delimitar a abrangência da aplicabilidade da Justiça Terapêutica no

Brasil.

2.2 Previsões legais do Código Penal

2.2.1 Limitação de fim de semana

Dentre as penas restritivas de direitos elencadas no Código Penal

Brasileiro81, encontramos a limitação de fim de semana. Esta pena alternativa

consiste em obrigar o condenado a permanecer aos sábados e domingos, por

80

PONTAROLLI, André. Justiça Terapêutica. Programa inovador no combate ao binômio existente entre as drogas e a criminalidade. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/47/1947/p.shtml> Acesso em: 11 setembro 2006. 81

BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.

Page 39: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

38

cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento

adequado82.

Importante referir que somente poderá ser aplicada esta espécie de

pena se preencher o condenado os requisitos esculpidos no artigo 44, do

Código Penal83, ou seja, tiver sido a ele aplicada pena privativa de liberdade

não superior a quatro anos, por crime que não tenha sido praticado com

violência ou grave ameaça à pessoa ou nos casos de prática de crimes

culposos, qualquer que seja o lapso temporal de apenamento.

O condenado, também não pode ser reincidente em crime doloso, e a

sua culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e

circunstâncias do delito, devem ser indicativos da suficiência de aplicação

dessa modalidade de pena alternativa.

Tecendo considerações acerca da finalidade a que se propõe essa

modalidade de pena restritiva de direitos, Cezar Roberto Bitencourt, afirma:

A prisão descontínua, que recebe denominações diversas, limitação de fim de semana (Brasil), prisão por vias livres (Portugal), prisão por tempo livre (Alemanha) ou arresto de fim de semana (Bélgica e Espanha), tem a intenção de evitar o afastamento do apenado de sua tarefa diária, de manter suas relações com sua família e demais relações sociais, profissionais etc. Fundamentalmente, impedir o encarceramento, com o inevitável contágio do ambiente criminógeno

82

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei n° 7.210, de 11-7-1984. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 615. 83

“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. § 1

o (VETADO)

§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por

uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. § 3

o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face

de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. § 4

o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o

descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. § 5

o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução

penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.” BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.

Page 40: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

39

que essa instituição total produz e todas as conseqüências decorrentes, sem descurar de prevenção especial

84.

Acrescentando, Julio Fabbrini Mirabete, assinala algumas vantagens

ocasionadas por esse tipo de sanção:

Apontam-se como vantagens desse tipo de sanção penal: a permanência do condenado junto da família, ocorrendo seu afastamento apenas nos dias dedicados ao repouso semanal; a continuidade de seu trabalho normal, evitando-se dificuldades para a subsistência da família; a ausência da corrupção advinda com o recolhimento ao cárcere; a possibilidade de reflexão sobre o ato cometido no isolamento semanal a que é mantido o condenado; a oportunidade de serem ministrados cursos, palestras e outras atividades educativas nos dias de recolhimento, a fim de promover a reintegração social do condenado etc

85.

Vislumbra-se, ainda, de acordo com o parágrafo único, do artigo 48, do

Código Penal86, a possibilidade de, durante a permanência do apenado em

casa de albergado ou outro estabelecimento compatível, serem ministrados

cursos e palestras.

A Justiça Terapêutica, portanto, uma vez constatada a existência do

binômio droga-crime na conduta delitiva do condenado, pode ser aplicada

durante o período em que o indivíduo esteja cumprindo essa modalidade de

pena alternativa, na forma de palestras ou cursos que tenham como tema a

dependência química.

Segundo Ricardo de Oliveira Silva:

Assim, o tratamento compulsório, nessa hipótese de limitação de fim de semana, se dará sob a forma de cursos específicos e palestras sobre o uso e consumo de drogas e seus malefícios, que o agente deverá freqüentar obrigatoriamente

87.

84

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 309. 85

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei n° 7.210, de 11-7-1984. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 616. 86

BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006. 87

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006.

Page 41: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

40

2.2.2 Suspensão condicional da pena – sursis

Prosseguindo a análise das previsões legais inscritas no Código Penal

Brasileiro88, encontramos a suspensão condicional da pena, também

denominada sursis. Esta preconiza que a pena privativa de liberdade, não

superior a dois anos, poderá ser suspensa, por dois a quatro anos, uma vez

preenchendo o condenado certos requisitos determinados em lei.

Os requisitos consistem em não ser o condenado reincidente em crime

doloso e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade

do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aconselharem a

concessão da suspensão da pena.

Ainda em relação aos requisitos para aplicação do sursis, encontramos a

exigência de não ser indicada ou cabível a substituição da pena privativa de

liberdade pelas restritivas de direitos elencadas no artigo 44, do Código

Penal89.

Definindo o instituto, Julio Fabbrini Mirabete, comenta:

Nos termos legais, a suspensão condicional da pena é um benefício que permite não se executar a pena privativa de liberdade aplicada quando o condenado preenche determinados requisitos e se submete às condições estabelecidas na lei e pelo juiz. Tida já como forma primitiva de graça, instituto de extinção da relação jurídica do crime ou da pena, sanção moral, forma qualificada de absolvição ou modelo de sanção unitária socialmente integrada e cientificamente individualizada, é reconhecida no Código Penal e na Lei de Execução Penal como uma alternativa penal, ou seja, uma reação da natureza peculiar, com características tipicamente sancionatórias, consistente na restrição da liberdade e na satisfação de encargos e condições

90.

Da leitura do artigo 78, do Código Penal91, depreende-se a imposição de

condições a que ficará sujeito o condenado ao sursis, que podem consistir na

88

BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006. 89

BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006. 90

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei n° 7.210, de 11-7-1984. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 623. 91

“Art. 78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz. § 1º - No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48).

Page 42: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

41

prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana. Se o

indivíduo contemplado com a suspensão da pena houver reparado o dano ou

possua circunstâncias judiciais inteiramente favoráveis, poderá o juiz aplicar-

lhe cumulativamente as seguintes condições: proibição de freqüentar

determinados lugares, proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem

autorização do juiz e comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, para

informar e justificar suas atividades.

Entretanto, no artigo subseqüente, encontramos a possibilidade de o juiz

especificar outras condições a que deverá subordinar-se o condenado,

diversas das descritas anteriormente. Com isso, mais uma vez deparamo-nos

com a possibilidade do emprego da Justiça Terapêutica, nos casos em que tal

atuação se mostre adequada92.

Assim, poderia o jugador, constatando a dependência química do réu,

impôr-lhe como condição à que fica subordinada a suspensão, medida de

tratamento adequado à sua enfermidade, uma vez que tal iniciativa se mostra

plenamente adequada à situação pessoal do condenado.

Comentando a imposição de tratamento nos casos de suspensão da

pena, Ricardo de Oliveira Silva, assevera:

Pois bem. Se o condenado praticou o crime envolvido com drogas, é de todo recomendável que a condição judicial a ser estabelecida deva ser a obrigatoriedade de o agente submeter-se a tratamento, sujeito a fiscalização judicial

93.

§ 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente: a) proibição de freqüentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.” BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006. 92

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 93

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006.

Page 43: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

42

2.2.3 Livramento condicional

Finalizando a análise do Estatuto Repressor94, encontramos as

previsões legais relativas ao livramento condicional. Em uma delas existe a

faculdade conferida ao julgador de especificar as condições a que ficará

subordinada a liberdade, com condições impostas ao condenado que preencha

os requisitos ensejadores da concessão dessa benesse.

O livramento condicional é a última fase pela qual transborda o apenado

inserido no sistema penitenciário progressivo, que teve sua pena privativa de

liberdade fixada em patamar igual ou superior a dois anos, por intermédio do

qual retorna ao convívio social para que se habitue à condição de liberto que

está por brevemente alcançar.

Definindo a liberdade condicional, Juarez Cirino dos Santos relata:

[...] a liberdade condicional constitui a fase final desinstitucionalizada de execução da pena privativa de liberdade, com objetivo de reduzir os malefícios da prisão e facilitar a reinserção social do condenado [...]

95.

Tecendo comentários acerca do instituto, Cezar Roberto Bitencourt

afirma:

O livamento condicional, a última etapa do cumprimento de pena no sistema progressivo, abraçado em geral por todas as legislações penais, é mais uma tentativa para diminuir os efeitos negativos da prisão. Não se pode denominá-lo substituto penal, porque, em verdade, não substitui a prisão, tampouco põe termo à pena, mudando apenas a maneira de executá-la

96.

Trata-se, portanto, de instituto inserido em nosso sistema jurídico-penal

com o condão de atenuar os impactos produzidos àquele que regressa ao

convívio com os livres.

Por certo que, para alcançar a liberdade com condições, deve o

condenado preencher uma série de requisitos, consistentes no cumprimento de

mais de um terço da pena, no caso de réu primário, ou, mais da metade da

pena, quando tratar-se de apenado reincidente em crime doloso. Nos casos de

condenação por crime hediondo, onde haja recidiva específica em crimes

94

BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006. 95

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 258. 96

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 337.

Page 44: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

43

dessa natureza, fica o indivíduo subordinado ao cumprimento de mais de dois

terços da pena para obtenção da dita benesse.

De igual sorte, deve restar comprovado o bom comportamento

carcerário do apenado, durante a execução da pena, assim como bom

desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover a própria

subsistência através de labor honesto.

Ademais, quando possível, deve ter o réu reparado os danos causados

com a sua conduta delitiva.

Procedida pequena análise acerca do instituto e suas peculiaridades,

cumpre referir que além do preenchimento dos requisitos esboçados acima,

deve o juiz especificar as condições a que ficará subordinado o condenado que

se vir contemplado com o livramento condicional.

Veja-se que o legislador deixou a cargo do juiz a fixação de condições a

serem impostas ao apenado. É essa faculdade que dá ensejo a que se aplique

a Justiça Terapêutica, na forma de imposição de tratamento para dependência

química quando constatada a drogadição do condenado, como uma das

condições para a liberdade condicional97.

Nesses lindes, cumpre trazer à baila fragmento de voto proferido pelo

Eminente Desembargador Sylvio Baptista, transcrevendo trecho do parecer

emanado pelo Procurador de Justiça, Doutor Paulo Antonio Todeschini:

Com efeito, o laudo criminológico realizado foi favorável ao benefício do livramento condicional pleiteado pelo agravante. Contudo, de forma fundamentada, referiu acerca da necessidade do apenado ser submetido a tratamento para enfrentar o alcoolismo. É que, segundo ainda esse laudo, o agravante é portador de uma síndrome de dependência alcoólica. Mais do que isso, durante a execução, registrou várias fugas e outras ocorrências e tudo em função de causas relacionadas com esse problema de consumo de álcool. Enfatizou, também, que o risco de reincidência está diretamente relacionado a esse fator do alcoolismo. Não bastasse tudo isso, verifica-se que o próprio agravante, ao explicar as condenações atribuiu isso a influência do álcool. Assim, por exemplo, numa condenação por roubo, disse que “... encontrava-se embriagado, motivando, desta forma, a prática delituosa...” (fl. 04). Diante desse quadro, é fácil concluir que a vida do agravante, antes e durante a execução da pena, sempre esteve vinculada ao consumo de álcool, o que repercutiu, negativamente, na sua trajetória pessoal. Por isso, a observação feita no laudo criminológico, é inteiramente razoável e compatível com a situação

97

SILVA, Ricardo de Oliveira et. al. Justiça Terapêutica: perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 29 maio 2006.

Page 45: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

44

pessoal dele agravante, nada tendo de absurda. Por isso, acertada a decisão e que, com base no laudo, acolheu a restrição imposta

98.

2.3 Previsões legais no âmbito dos Juizados Especiais Criminais

2.3.1 Transação penal

Na esfera dos Juizados Especiais Criminais, deparamo-nos com o

instituto da transação penal, que permite a aplicação imediata de pena restritiva

de direitos ou multa.

Trata-se de instrumento de política criminal pelo qual o Ministério

Público pode, de forma imediata, propor ao infrator praticante de delito de

pequeno potencial ofensivo, o cumprimento de pena não privativa de liberdade,

quando julgar conveniente e oportuno, sem instauração de processo99.

Segundo o artigo 61, da Lei n° 9.099/95100:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuando os casos em que a lei preveja procedimento especial.

Consiste a transação penal em ferramenta de conciliação entre as partes

antes do oferecimento da denúncia, em atenção aos princípios orientadores

dos Juizados Especiais Criminais, quais sejam, oralidade, simplicidade,

informalidade, economia processual e celeridade.

Definindo a transação penal, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães

Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, lecionam:

À transação penal pode-se chegar por intermédio das vias conciliativas. Entendida a transação como concessões mútuas entre

98

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Agravo Criminal n° 70004054706. Agravante: Luiz Alberto Dutra da Silva. Agravado: Ministério Público. Relator Ds Sylvio Baptista Neto. Acórdão 09 jun. 2002. Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em 07 nov. 2006. 99

FILHO, Marino Pazzaglini et. al. Juizado especial criminal. Aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 49. 100

BRASIL, Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm> Acesso em 09 set. 2006.

Page 46: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

45

as partes (ou partícipes), constitui ela o resultado com relação ao qual o procedimento conciliativo pode ser valiosíssimo instrumento operacional

101.

Analisando o caráter despenalizador do instituto, Cezar Roberto

Bitencourt complementa:

A transação penal vem sendo apontada, como uma das mais importantes formas de despenalizar na atualidade, sem descriminalizar, aduzindo-se, entre outras razões, as de procurar reparar os danos e prejuízos sofridos pela vítima, ser mais econômica, desafogar o Poder Judiciário, evitar os efeitos criminológicos da prisão [...]

102.

O momento dinamizador de aplicação da Justiça Terapêutica, nos casos

em que houver transação penal, ocorre com a aplicação imediata de pena

restritiva de direito, em específico, da limitação de fim de semana, a qual já

analisamos anteriormente.

A grande vantagem de sua aplicação nos Juizados Especiais Criminais

é a de que, ao contrário do procedimento comum, a pena cominada ao réu não

consta como antecedentes criminais em seus registros.

Assim, no âmbito da Lei n° 9.099/95103, a aplicação da Justiça

Terapêutica, nos casos em que ela se mostre viável e oportuna, além do

oferecimento de tratamento específico ao delinqüente dependente químico,

permanece este, ainda na qualidade de réu primário.

Dita assertiva é analisada de forma minuciosa por Ricardo de Oliveira

Silva quando refere:

A terceira referência legal existente se encontra no sistema dos Juizados Especiais Criminais, quando nos crimes de menor potencial ofensivo, “havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta”. E, “considerando-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta lei as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.” Como já vimos, dentre as penas restritivas de direitos a que melhor se adequa é a imitação de fim de semana que permite a imposição de tratamento sob a forma de cursos, palestras e atividades específicas. A imposição dessa sanção não constará de certidão de antecedentes criminais do agente, pois, “acolhendo a proposta do

101

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados especiais criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 96. 102

BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados especiais criminais e alternativas à pena de prisão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 93. 103

BRASIL, Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm> Acesso em 09 set. 2006.

Page 47: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

46

Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de 5 (cinco) anos”

104.

2.3.2 Suspensão condicional do processo

No âmbito dos Juizados Especiais Criminais, precisamente no que se

refere à suspensão do processo, sem prejuízo das demais condições a que

deve o acusado submeter-se, visualizamos a possibilidade de o juiz aplicar,

ainda, outras condições que se mostrem adequadas ao fato e à situação

pessoal do acusado.

Assim, como bem refere Ricardo de Oliveira Silva:

Essa cláusula aberta da lei autoriza o juiz do processo a estabelecer outras condições a que fica subordinada a suspensão. E é razoável a interpretação de que uma dessas outras condições possa ser a obrigatoriedade de o acusado se submeter a tratamento contra as drogas, exatamente dentro do conceito filosófico da Justiça Terapêutica

105.

Embora utilize-se de requisitos autorizadores da suspensão condicional

da pena, prevista no artigo 77, do Código Penal106, a suspensão do processo

não se confunde com aquela.

Segundo Luiz Flávio Gomes:

Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o Ministério Público, por força do artigo 89 da Lei n° 9.099/95, ao oferecer a denúncia, pode propor a suspensão do processo, desde que o acusado preencha

104

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 105

SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio 2006. 106

“Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. § 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. § 2

o A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser

suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.” BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.

Page 48: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

47

alguns requisitos legais. Numa primeira aproximação ao instituto, impõe-se desde logo salientar que a suspensão regulada na mencionada lei [...] não se confunde com o sursis (suspensão condicional da execução da pena), que é instituto tradicional entre nós. Neste último instaura-se o processo, realiza-se a instrução e no final o juiz, caso venha a condenar o acusado, pode suspender a execução da pena

107.

Enaltecendo a modernização do sistema processual, Márcio Mothé

Fernandes aborda a regra prevista no artigo 89, § 2°, da Lei n° 9.099/95108,

expondo:

Conforme pode ser observado, seguindo a tendência mundial e a modernização do sistema processual, a introdução dos institutos da transação penal e da suspensão do processual no sistema legal brasileiro, baseado no Civil Law, constitui significativo avanço, com a possibilidade, ante a clara regra prevista no artigo 89, § 2º da Lei n° 9.099/95, da autoridade judiciária poder fixar condições a que fica subordinada a suspensão, desde que “adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado”. Exatamente como na hipótese do usuário de drogas, cujas medidas terapêuticas sugeridas pela equipe de tratamento conjugadas com os institutos já previstos em lei, podem contribuir definitivamente para a sua ressocialização e o seu tratamento, afastando-o definitivamente do submundo das drogas

109.

Tanto é viável a aplicação do programa de Justiça Terapêutica nos

casos de suspensão condicional do processo, que o Tribunal de Justiça do Rio

107

GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 126. 108

“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições: I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de freqüentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. § 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. § 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade. § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. § 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.” BRASIL, Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm> Acesso em 09 set. 2006.

Page 49: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

48

Grande do Sul, vem utilizando-se dessa novidade jurídica, aplicando-a quando

constatada a dependência química de seus jurisdicionados. Veja-se:

Tóxicos. Suspensão Condicional do Processo. Revogação. Prescrição. Inocorrência. Tendo em vista que o prazo nao corre no periodo da suspensão condicional do processo (art. 89, § 6º, da Lei 9.099/95), não esta caracterizada a alegada prescrição. Delito do artigo 16 da Lei 6.368/76. O réu é confesso e a materialidade está demonstrada. Dependente químico. Tratamento. A possibilidade de tratamento da dependência química foi oferecida ao acusado por ocasião da concessão do benefício da suspensão condicional do processo, sendo estabelecido como uma das condições. O réu não aproveitou a oportunidade, descabendo a alegação nessa fase processual. Apelo defensivo desprovido

110.

109

FERNANDES, Márcio Mothé. Justiça Terapêutica para usuários de drogas. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/Depen/publicações/marcio_mothe_02.pdf> Acesso em: 08 junho 2006. 110

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Crime n° 70001112507. Apelante: Horácio Acunha Riella Junior. Apelado: Ministério Público. Relator Ds Silvestre Jasson Ayres Torres. Acórdão 09 ago. 2000. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov. 2006.

Page 50: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

49

CONCLUSÃO

A Justiça Terapêutica consiste em programa de tratamento imposto aos

dependentes químicos cometidores de ilícitos penais. Obedecendo as

peculiaridades exigidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, essa nova

proposta de alternativa penal dispõe-se a enfrentar a problemática do binômio

drogas-crime em nosso país, de maneira mais salutar e eficaz, oferecendo o

devido tratamento da dependência química do infrator e visando, com isso,

erradicar a prática de crimes relacionados a essa questão.

Através do trabalho conjunto entre profissionais da área da saúde e

operadores do direito, pode a Justiça Terapêutica ser implementada,

independentemente da criação de estabelecimento específico para tratamento

de drogaditos no âmbito judicial. O tratamento terapêutico preconizado pelo

instituto pode ser feito tanto pela rede pública quanto pela privada.

Ao concluir o presente estudo, estamos certos de que essa inovação

jurídica é plenamente aplicável em nosso país, uma vez que o tratamento é o

único meio de curar a dependência química, enfermidade que não raramente,

desencadeia a prática de pequenos delitos, os quais podem ser resolvidos na

seara penal através da aplicação do programa de tratamento intitulado Justiça

Terapêutica.

O tratamento do infrator, por certo, é a principal conjectura da Justiça

Terapêutica, podendo ser compulsoriamente aplicado no Direito Penal

brasileiro através da legislação constante no atual ordenamento jurídico, não

havendo necessidade da criação de lei específica regulando a matéria.

Da mesma forma, não restam dúvidas de que o instituto em apreço visa

tutelar apenas o dependente químico que tenha cometido um ato antijurídico

relacionado com a sua condição de abusador de drogas. Dita assertiva,

descarta a possibilidade do usuário ocasional de substâncias entorpecentes,

ver-se sob a tutela da Justiça Terapêutica.

Page 51: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

50

É através do princípio da reserva legal, que vislumbramos a

possibilidade de aplicação da Justiça Terapêutica, sem que se operem

modificações no caderno legislativo atual. O princípio da legalidade preceitua a

obrigatoriedade de lei anterior que defina os crimes e suas respectivas penas.

Portanto, existem duas espécies de previsões legais que autorizam a

aplicação da Justiça Terapêutica em nosso ordenamento jurídico pátrio: as

explícitas e as implícitas.

Encontramos previsões legais expressas de aplicabilidade do instituto

em voga, nas premissas constantes no artigo 101, inciso VI, do Estatuto da

Criança e do Adolescente, e no artigo 28, inciso III, da Nova Lei de Tóxicos.

Ambos enunciados de lei prevêem como modalidade de pena, a imposição de

tratamento aos infratores por eles tutelados.

Por outro lado, compulsando a legislação penal vigente, podemos

localizar outros enunciados que, de forma implícita, autorizam a aplicação da

Justiça Terapêutica. São previsões legais que, ao estabelecer modalidade de

cumprimento de pena alternativa à de prisão, deixam a cargo do julgador a

aplicação de condições não inscritas na lei, como forma de penalidade

acessória.

Essas previsões legais implícitas podem ser identificadas no Código

Penal, quando cominada pena restritiva de direitos consistentes na limitação de

fim de semana; quando viável a suspensão condicional da pena; ou como

condição pra concessão do livramento condicional.

Já na Lei n° 9.099/95 podemos aplicar a Justiça Terapêutica quando

ocorrer a transação penal e com ela for aplicada pena de limitação de fim de

semana; ou quando possível a aplicação da suspensão condicional do

processo.

Os paradigmas elencados acima carregam como caractere similar a

possibilidade de o juiz ampliar as condições a serem impostas quando da

cominação dessas espécies de sansão penal.

Através do presente estudo, concluímos que é plenamente possível

aplicar o programa de Justiça Terapêutica, por intermédio dessas espécies de

previsões legais implícitas, que possibilitam ao juiz a imposição de condição

diversa, não elencada na lei, nos casos em que o tratamento do infrator

dependente químico se mostre adequado.

Page 52: Justiça Terapêutica conceito e aplicabilidade no Brasil

51

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