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Jurisprudência da

RECURSO ESPECIAL N. 130.588-SP (1997/0031188-0)

Relator: Ministro Fernando Gonçalves

Recorrentes: Ney Linhares Vasconcelos e outro

Advogados: Antônio Carlos de Paula Campos e outros

Recorrentes: Indústria Eletro Mecânica Linsa Ltda e outros

Advogados: Rui Geraldo Camargo Viana e outros

Recorrentes: Roberto Viveiro e cônjuge Advogado: Alcedo Ferreira Mendes

Recorridos: Bel Recanto SI A Construcões - Massa Falida

Advogado: Osvaldo de Jesus Pacheco

Sustentação oral: Rui Geraldo Viana, pelo segundo recorrente

EMENTA

Processo CiviL Recurso especiaL Ação anulatória. Arrematação. Desconstituição de avaliação. Via inadequada.

1. Não cabe ação de anulação prevista no art. 486 do CPC para desconstituir a avaliação de bem penhorado e arrematado sem oposição do devedor no prazo legal, em homenagem aos princípios"da segurança jurídica e da boa-fé.

2. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha votaram com o Ministro-Relator.

Brasília (DF), 16 de agosto de 2005 (data de julgamento).

Ministro Fernando Gonçalves, Relator

DJ 05.09.2005

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: A espécie versa sobre ação de anulação de arrematação promovida pela massa falida de Bel Recanto SI A Construções sob o

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

fundamento de que imóvel constante de seu ativo, penhorado para pagamento de débito trabalhista, foi arrematado por preço vil. Sustenta ainda· a nulidade da penhora.

Em 1 a instância o pedido foi acolhido, à consideração de haver sido o imóvel alienado por pouco mais de 3% (três por cento) do seu valor real.

Recurso de apelação interposto pelos réus teve provimento negado pela Oitava Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consoante ementa seguinte:

'furematação. Preço vil. Anulação. Conceituação de preço vil. Recurso desprovido." (Fl. 1.311)

Embargos de declaração rejeitados (fls. 1.388/1.394 e 1.404/1.406).

Foram, então, manejados recursos especiais, com fundamento na letra a do permissivo constitucional pelos atuais titulares do domínio do imóvel, dividido em glebas, como se colhe da r. sentença.

Ney Linhares Vasconcelos e outro ressaltam maltrato aos arts. 454, 456 e 692 do Código de Processo Civil, por se apresentar o valor da arrematação, em um importe de CR$ 30.300.000,00 - trinta milhões e trezentos mil cruzeiros -superior àquele da avaliação, devidamente corrido, feita nos autos da ação traba­lhista - CR$ 2.600.000,00 - dois milhões e seiscentos mil cruzeiros - não se configurando - portanto - o preço vil. Sustentam - ainda - não comportar a espécie ação anulatória, dado que a arrematação não configura ato das partes.

Indústria Eletro Mecânica Linsa Ltda e outros afirmam violação aos arts. 47, 219,303, II e III; 454, 456 e 486 do Código de Processo Civil, e aos arts. 162, 178 e 516 do Código Civil de 1916, e art. 4Q da LICC, sustentando que o registro da escritura do imóvel data de maio de 1984 e a citação para o feito teria ocorrido apenas em 1991, operando-se a decadência do direito da massa falida, pois ultrapassado o prazo de 4 (quatro) anos. Assinalam haver sido a defesa cerceada pela falta de abertura de prazo para o assistente técnico. Postulam indenização por benfeitorias.

Roberto Viveiro e cônjuge apontam violação ao art. 70, I, do Código de Processo Civil, aduzindo a necessidade de denunciação da lide à Adrilspa - Administração de Restaurantes Ltda, para resguardo do direito de regresso coiltra a alienante.

Houve oferecimento de contra-razões (fls. 1.508/1.519).

Admissão na origem (fls. 1.532/1.535).

A Subprocuradoria Geral da República opina pelo conhecimento parcial do recurso e, nesta parte, pelo seu provimento.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

o parecer está assim sintetizado:

"Recurso especial. Alínea a do permissivo constitucionaL Alegada viola­ção aos arts. 47,70, inciso I; 219, 303, incisos II e IH; 454, 456, 486,535,538, parágrafo único, do Código de Processo Civil; 162, 178, 516 do Código Civil; 411 da Lei de Introdução ao Código Civil. Ação anulatória de arrematação.

I - Se a eficácia da sentença desconstitutiva da arrematação atingir, direta­mente, os atuais proprietários, resulta inadmissível que o processo transcorra sem a citação daqueles em cujos nomes se acha transcrita a propriedade, porque se trata, aí, de hipótese de litisconsórcio indispensável, e por conseqüên­cia, necessário. Assim, evidente a violação ao art. 47, do Código de Processo Civil.

II - O art. 219, caput, também do Código de Processo Civil não alcança, retroativamente, terceiros citados quando já prescrita, frente a eles, a ação anulatória. Como se verifica no caso, somente foi endereçada a esses terceiros a pretensão anulatória da arrematação em 09 de março de 1992, quando aquele ato processual datara de 18 de maio de 1983, ou seja, quase dez anos antes.

IH - Os arts. 454 e 456 do Código de Processo Civil, restaram vulnerados quando o magistrado, ao converter o julgamento em diligência, após isso, deixa de dar a palavra aos litisconsortes admitidos no feito, proferindo, desde logo, decisão final.

Ambos os dispositivos exteriorizam projeções do princípio do devido pro­cesso legal, que não se encerra e nem se esgota na mera citação dos demanda­dos, mas, ao reverso, na garantia do rechtZiches Gehor, ou, se se preferir, em literal tradução, no direito de ser ouvido. Inobservado desse cânone do processo justo, indisputável é a vulneração aos dispositivos mencionados.

IV - A sentença meramente homologatória é aquela que se contém no exame das meras formalidades do ato ou, por outras palavras, é aquela que apenas examina os aspectos extrínsecos do negócio jurídico. In casu, todavia, a eiva do preço vil é mácula intrínseca do negócio jurídico da hasta pública, transbordando-se, assim, dos lindes do art. 486 do Código de Processo Civil. Não havendo de se falar em sentença meramente homologatória, a hipótese será de ação rescisória, por erro de fato ou por violação a literal disposição de lei.

V - Parecer pelo conhecimento parcial do recurso especial e, nessa parte, por seu provimento." (fls. 1.615/1.616)

É o relatório.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator): Em autos de reclamação traba­lhista movida por Maria Gilda Correia, que tramitava perante a 4a Junta de Conci­liação e Julgamento de São Paulo, foi levado à hasta pública o imóvel situado à rua Lopes da Costa, 600/650, no bairro de Jaçanã-São Paulo - com área de 14.888m2 -

e constante do ativo da empresa Bel Recanto S/A Construções que impetrara concordata preventiva, convolada em falência na data de l3 de fevereiro de 1984.

Em época anterior ao pedido de concordata, já se encontrava em curso a reclamação trabalhista noticiada, com a penhora do imóvel em 15 de junho de 1981 e subseqüente avaliação, em um importe de CR$ 2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil cruzeiros).

Na hasta pública realizada, nada obstante a oposição, sem sucesso, da requerida com o valor da avaliação, o imóvel foi arrematado pela quantia de CR$ 30.300.000, 00 (trinta milhões e trezentos mil cruzeiros) por Ney Linhares Vasconcelos e outros, em 18 de maio de 1983.

Colocado o debate nestes exatos termos, a indagação fundamental reside em torno da possibilidade ou não de ser decretada a anulação da arrematação no processo trabalhista, em junho de 1983, sob a consideração de se tratar de preço vil, sustentando, no ponto, os arrematantes - Ney Linhares Vasconcelos e outros -não comportar a espécie a ação anulatória.

A demanda foi proposta diante da insurgência da massa falida contra a arremata­ção que teria se dado por preço vil, haja vista que o valor real do imóvel era à época muito superior àquele estimado na avaliação oficial realizada pela Justiça do Trabalho.

Colhe-se, no entanto, que a arrematação foi por valor superior ao da avalia­ção atualizada na primeira praça, não tendo cabimento, portanto, a regra do art. 692 do Código de Processo Civil, aplicável aos casos de segunda praça ou leilão, e preço vil, consoante o entendimento pretoriano, é aquele "muito abaixo da avalia­ção atualizada do bem".

O venerando acórdão, para caracterização do preço vil, coloca em destaque:

"Como se vê a fis. 196, 2° vol., o imóvel está construído sobre terreno de 14.888m2 •

O Sr. Perito Judicial, à fi. 205, avaliou tal bem em Cz$ 284.378.380,00, emjulho/1988, o que equivale a cerca de 1.330.000 dólares.

O assistente da autora, SMJ, avaliou-o em cerca de 886.000 dólares; e o assistente dos réus, à fi. 444, 3° vol., disse que o imóvel vale cerca de 690.000 dólares.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Em maio de 1983, como se pode ver à fi. 50, 1.0 vo1., o imóvel foi arrematado por cerca de 64.000 dólares.

Está caracterizado o preço viL"

A primeira e a meu sentir séria objeção ao critério utilizado, data emprego de moeda estrangeira como parâmetro a caracterizar o preço na realidade, se sabe que nem sempre o valor dos imóveis e a cotação do dólar caminham juntos, principalmente na época dos fatos (1983/1988) verificado no País grande descontrole inflacionário, com reflexos negativos para a economia, prevalecendo, em as aplicações no mercado financeiro.

Em segundo lugar, tem-se que a arrematação desenvolveu-se na primeira pra­ça, onde somente se aceitam lanços superiores ao preço da hipótese perfeitamente configurada no caso. Apenas na segunda praça ou leilão a alienação se faz pelo maior lanço, ressalvada, como adverte AJ.<aken de "a inadmis­sibilidade do preço vil (art. 686, . Remete, com efeito, este dispositivo (inciso

à letra do art. 692 que expõe:

"Não será aceito lanço que, em segunda praça ou leilão, ofereça preço vil."

Firma o entendimento pretoriano indicar esta norma não se admitir preço muito abaixo da avaliação, significa dizer, avaliação contemporânea aos atos executórios e não aquele elaborada cinco anos depois, em outro processo e em outras condições, tomando-se, inclusive, como parâmetro moeda estrangeira. Ademais, a própria lei processual, cuidando do tema avaliação, que ela não se repetirá, salvo provando-se erro, dolo ou alteração do valor. Estas hipóteses, no entanto, não se configuram.

Depreende-se, então, que o desideratum da recorrida se volta para a descons­tituição da primitiva avaliação procedida na Justiça do Trabalho e não contra a sentença homologatória da arrematação. No ponto, há violação à letra do art. 486 do Código de Processo Civil, quando firma o acórdão:

"Corretamente proposta a demanda, eis que fundada no art. 486 do CPC. Como bem notou a Dra. Promotora, às fls. 121/122, trata-se de típica sentença homologatória, passível de anulação conforme previsto no art. 486 do Cpc."

É que o direito à rescisão não pode ser exercitado sem limite, quando nada em homenagem aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé. Ensina Barbosa Moreira:

"A ação a que alude o dispositivo comentado visa à anulação de atos praticados no processo, aos quais ou não precisa seguir-se decisão alguma, ou se segue decisão homologatória, que lhes imprime eficácia sentencial (cf.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

quanto ao conceito de homologação, o comentário n. 45 ao art. 483, supra). Não obstante lhes chame Judiciais', porque realizados em juízo, quer a lei referir-se a atos das partes.' Ato praticado por órgão judicial é insuscetível de ataque pela ação anulatória do art. 486. Em primeiro lugar, aponta nesse sentido a própria redação do dispositivo. De um ato do juiz pode dizer-se com propriedade que não consiste em sentença, que não constitui sentença; nunca, porém, que 'não depende' de sentença. E, se interpretássemos o 'não dependem de' como equivalente a 'não consistem em' ou 'não constituem', chegaríamos ao resultado, manifestamente absurdo, de que o texto autoriza a impugnação, pela via agora examinada, de todos os atos do órgão judicial não consistentes em sentenças: decisões interlocutórias, despachos e atos sem natureza de pronunciamento (introdutórios, por exemplo). Qualquer deles seria passível de desconstituição 'nos termos da lei civil' (?)." ("Comentários ao Código de Processo Civil", voI. V, 6a ed., Forense, pp. 140/141)

Desta forma, ainda que a jurisprudência desta Corte admita a interposição de ação anulatória com vistas a rescindir a arrematação, o mesmo não pode ser aplicável ao presente caso, porquanto a autora, Bel Recanto S/A Construcões -Massa Falida, insurge-se contra a primitiva avaliação dos bens penhorados e não quanto aos aspectos extrínsecos da arrematação.

Nesse sentido, a lição de Pontes de Miranda:

"Rescindida a decisão sobre adjudicação, ou com fundamento no art. 485, caso em que o juiz teria de sentenciar de novo, ou com fundamento no art. 486, caso em que o juiz teria de aceitar, ou não, o pedido de adjudicação e sentenciar, ficariam a avaliação e a admissão dos créditos. Por conseguinte, não bastaria propor a ação rescisória da sentença, dentro do prazo; teria sido preciso propor a ação rescisória, para desconstituir os atos judiciais concernentes à admissão do crédito e à avaliação dos bens, o que não é o mesmo que rescindir a sentença de adjudicação." ("Comentários ao Código de Processo Civil", Tomo VI, 3a ed., Forense, fls. 265/266)

A propósito, vale transcrever excerto do parecer ministerial, quando acentua:

"O art. 486 também foi mal aplicado pelo egrégio Tribunal a quo. O magistrado trabalhista, é verdads::, homologou a arrematação por provimento a que se costuma denominar, embora ontologicamente errado, de sentença. Nem por isso, entretanto, trata-se, no caso, de desconstituir sentença meramente homologatória.

A sentença meramente homologatória é aquela que se contém no exame das meras formalidades do ato ou, por outras palavras, é aquela que apenas

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

examina os aspectos extrínsecos do negócio jurídico. In casu, todavia, a eiva do preço vil é mácula intrínseca do negócio jurídico da hasta pública, transbordando-se, assim, dos lindes do art. 486 do Código de Processo Civil. Não havendo de se falar em sentença meramente homologatória, a hipótese seria de ação rescisória, por erro de fato ou por violação a literal disposição de lei." (fi. 1.628)

Ante o exposto, conheço do recurso de Ney Linhares Vasconcelos e outro e lhe dou provimento para julgar improcedente a ação, invertidos os ônus da sucumbência.

Prejudicados os demais recursos especiais.

RECURSO ESPECIAL N. 140.564-SP

Relator: Ministro Barros Monteiro

Recorrente: Benedicto Ferri de Barros

Advogados: Alfredo Labriola e outros

Recorridos: Rogério Batagliesi e outro

Advogados: José Paulo Schivartche

ElVIENTA

Embargos de terceiro. Execução. Penhora incidente sobre bens par­ticulares do sócio. Dissolução irregular das empresas-executadas. Constrição admissível.

O sócio de sociedade por cotas de responsabilidade limitada responde com seus bens pa.rticulares por dívida da sociedade quando dissolvida esta de modo irregular. Incidência no caso dos arts. 592, 596 e 10 do Decreto. n. 3.708, de 10.01.1919.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzini.

Brasília (DF), 21 de outubro de 2004 (data do julgamento).

Ministro Barros Monteiro, Relator

DJ 17.12.2004

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Barros Monteiro: Benedicto Ferri de Barros ofereceu embargos de terceiro contra Rogério Batagliesi e Hélio M. de Carvalho, visando à declaração de nulidade do reforço de penhora realizado na execução de título judicial que os embargados movem contra "BFGA - Desenvolvimento Imobiliário S/ N.' e "Benedicto Perri de Barros & Associados - Empreendimentos e Participações S/C Ltda". Aduziu que a constrição dos dois veículos de sua propriedade: - 1) marca General Motors, modelo Veraneio, ano 1973, cor cinza, placa DM-7890; 2) marca Volkswagen, modelo Parati/CL, ano 1989, cor prata, placa VI 8667 - é descabida, pois não é ele o responsável pelas obrigações assumidas pelas empresas­executadas que têm personalidade distinta da de seus sócios.

O MM. Juiz de Direito julgou-os improcedentes, sob o entendimento de que "há presunção juris tantum de que o autor e os demais sócios encerraram as referidas empresas de forma irregular, pois não se conseguiu localizar o estabeleci­mento, nem bens penhoráveis".

A Sétima Câmara de Férias A do Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, negou provimento à apelação interposta pelo embargante e ao recurso adesivo dos embargados, em acórdão assim ementado:

"Ementa: embargos de terceiro. Penhora efetivada sobre os bens particulares do sócio das executada. Empresas que encerraram suas atividades sem prévio conhecimento do juízo. Inaplicabilidade do disposto no art. 596 do cpc. 'A irregularidade da atuação, constatada pelo desaparecimento da empresa, sem regular quitação de seus débitos, impõe outro entendimento, ou seja, o de que o art. 2.Q da Lei n. 3.708/1919 autoriza o alcance dos bens pessoais dos sócios ... ' Sentença confirmada. Recurso improvido.

Ementa: Processo CiviL apreciação de matéria sobre a qual o juízo a quo não se pronunciou. Admissibilidade. Inteligência do art. 515, § 1.Q, do cpc. Expressões injuriosas as expressões utilizadas pelos embargados não encerram conteúdo ultrajante ou insultuoso, de modo a expor o apelante à desconsideração pública. Inaplicabilidade do disposto no art. 15 da lei adjetiva civil.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Ementa: Recurso adesivo. Majoração da verba honorária ao patamar de 20% sobre o valor da causa. Inadmissibilidade. Fixação feita nos moldes do § 4íl do art. 20 do CPC, adstrita à eqüitativa apreciação do magistrado. Incidente que não prescindiu de dilação probatória, posta a ensejar debates ou alegações finais. Recurso improvido. Decisão mantida." (Fls. 113/114)

Rejeitados os declaratórios, o embargante manifestou este recurso especial com arrimo nas alíneas a e c do permissivo constitucional, apontando violação dos arts. 20 e 896 do Código Civil; 9íl do Decreto n. 3.708/1919; 334, Iv, e 568 do CPC, além de dissídio jurisprudencial. Aduziu não ter havido o encerramento das atividades das executadas em fraude à lei ou em violação dos seus estatutos sociais, daí por que inadmissível a penhora sobre os bens do recorrente. Acrescentou que apenas as presunções legais dispensam o ônus da prova àquele que os têm em seu favor; não as presunções comuns. Disse ter sido vítima de presunção segundo a qual as atividades da empresa foram encerradas por má gestão. Acentuou que, assim, é vedada a presunção de existência da solidariedade.

Por fim, alegou não ser parte na ação principal, sendo ilegal e absurda a sua inserção na fase de execução, até mesmo porque não teve oportunidade de defender-se.

Nas contra-razões, os recorridos pleiteiam a condenação do recorrente por litigância de má-fé.

Admitido na origem, o apelo extremo subiu a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator): Desassiste razão ao recorrente.

Prima fade, nada ventilou a decisão combatida em torno do art. 334, rv, do cpc. Ausente, pois, no ponto, o requisito do prequestionamento (Súmulas ns. 282 e 356-STF).

As premissas de ordem fática estabelecidas tanto pela decisão de 1íl grau como pelo acórdão ora recorrido são as de que as empresas-executadas, das quais o recorrente é sócio majoritário, encerraram as suas atividades mercantis de forma irregular, seja porque não se localizaram os respectivos estabelecimentos, seja porque nada se comunicou ao Juízo a respeito, seja porque não satisfizeram elas as obrigações contraídas.

A dissolução das pessoas jurídicas executadas operou-se, pois, de modo anômalo, daí por que não é caso de cogitar-se aqui da incidência do art. 568 da Lei Processual Civil. Embora não figure o recursante no título executivo, responde ele pelas dívidas

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

sociais na hipótese ora enfocada, uma vez que as sociedades de que é sócio majoritário encerraram as suas atividades de maneira irregular, sem quitar as suas obrigações, sem ao menos deixar bens que garantissem os direitos de seus credores.

É claro o ordenamento jurídico ao permitir, nesses casos, a constrição sobre os bens particulares do sócio. Segundo a regra do art. 592, do Código de Processo Civil, "ficam sujeitos à execução os bens - II - do sócio, nos termos da lei". Por sua vez, o art. 596 do mesmo Codex reza: "Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei".

O art. 10 do Decreto n. 3.708, de 10.01.1919, atribui aos sócios-gerentes a responsabilidade pelas obrigações assumidas em nome da sociedade, solidária e ilimitadamente, "pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei".

Está prevista em lei a responsabilidade solidária e ilimitada do sócio-gerente, uma vez caracterizada a dissolução irregular da sociedade em questão. Na espécie, conforme assinalado, o acórdão recorrido baseou-se em circunstâncias bem eviden­ciadas nos autos, mediante a transcrição das certidões lavradas pelo oficial de justiça nas ocasiões em que se incumbira de proceder à ampliação da penhora: as empresas achavam-se desativadas, funcionando no endereço indicado uma outra pessoa jurídica (fi. 118).

Impertinente, destarte, a invocação da norma inserta no art. 20 do Código Civil de 1916, porquanto a parêmia uruversitas distat a singulis se aplica a situações de plena normalidade, consoante, por sinal, já teve oportunidade de assentar esta Quarta Turma quando do julgamento do REsp n. 80.895-PR, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:

"I - O sócio da sociedade por cotas de responsabilidade limitada não responde com seus bens particulares por dívidas de sociedade regularmente dissolvida, contraídas perante terceiros."

A contrario sensu, se a empresa é desativada irregularmente - sem cumprir as suas obrigações, sem contar inclusive com um estabelecimento comercial -, os bens particulares do sócio podem ser objeto de constrição, na forma da lei (art. 10 do Decreto n. 3.708/1919, acima mencionado).

Admissível, assim, o reforço da penhora incidente sobre os bens particulares do sócio. "A responsabilidade pelo pagamento do débito pode recair sobre devedores não incluídos no título judicial exeqüendo e não participantes da relação processual de conhecimento, considerados os critérios previstos no art. 592, CPC, sem que haja, com isso, ofensa à coisa julgada" (REsp n. 225.051-DF, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

A hipótese dos autos retrata, em última análise, o que a doutrina costuma denominar de "desconsideração da personalidade jurídica". Já decidiu este órgão julgador também que "o Juiz pode julgar ineficaz a personificação societária, sempre que for usada com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros" (REsp n. 158.051-RJ, de n:ünha relatoria).

De nada vale a asserção do recorrente em consonância com a qual inexistiu no caso a alegada má administração das empresas. Sabe-se que em sede de apelo especial não se reexaminam os aspectos factuais da lide, acerca dos quais são soberanas as instâncias ordinárias (Súmula n. 7-STJ).

Em suma, não há falar in casu em contrariedade à legislação federal apontada pelo recursante. Tampouco é suscetível de aperfeiçoar-se o dissídio inter­pretativo, quer porque o recorrente deixou de observar os ditames dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, § 2Jl

, do RISTJ, quer porque, de todo modo, os paradigmas colacionados não apresentam similitude fática com a espécie ora em apreciação.

Por derradeiro, descabe a imposição da pena por litigância de má-fé, uma vez que a simples improcedência da postulação deduzida pela parte não a caracteriza (REsp n. 278.447-DF, de que fui Relator).

Isso posto, não conheço do recurso.

É o meu voto.

RECURSO ESPECIAL N. 172.968-MG

Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior

Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Recorrido: Mário Francisco dos Santos

Repr. por: Simone Maria dos Santos

Advogados: Edilson Gomes e outros

EMENTA

Civil e ProcessuaL Ação de investigação de paternidade. Revelia do pai investigado. Julgamento antecipado da lide. Recurso do Ministério Público. Custos legis. Apelação não recebida. Agravo de instrumento improvido. Legitimidade e interesse recursaL CPC, arts. 3Jl, 320, e 499, § 2Jl, Exegese.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - A legitimidade do Ministério Público para apelar das decisões tomadas em ação de investigação de paternidade, onde atua na qualida­de de custos legis (CPC, art. 499, § 2il), não se limita à defesa do menor investigado, mas do interesse público, na busca da verdade real, que pode não coincidir, necessariamente, com a da parte-autora.

II - Destarte, decretada em 1 il grau a revelia do investigado, mas sem que qualquer prova da paternidade ou elementos de convicção a respeito tenham sido produzidos nos autos, tem legitimidade e interesse em recorrer da sentença o Ministério Público.

IH - Recurso especial conhecido e provido, para determinar o processamento da apelação do Parquet.

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Parti­ciparam do julgamento os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Barros Cesar Asfor Rocha e Fernando Gonçalves. Custas, como de lei.

Brasília 29de de 2004 (data do julgamento).

Ministro Aldir Passarinho Relator

DJ 18.10.2004

o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Adoto o relatório que integra o acórdão recorrido, verbis 93):

"O Ministério por seu Promotor de Justiça da 3a Vara da Comarca de Uberaba interpôs agravo de instrumento contra decisão do Juiz a quo que deixou de receber seu recurso de apelação, nos autos da ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos ajuizada por Mário Francisco dos Santos, representado por sua mãe Simone Maria dos Santos contra Regis Humberto Bazaga.

Entendeu a sentença hostilizada que não houve, in casu, interesse do Ministério Público para recorrer, porque a ação foi julgada procedente, ou seja, o objetivo do menor foi alcançado. E mais, a indisponibilidade estaria afeta aos direitos do menor.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Inconformado com a decisão, o Ministério Público apelou, alegando a sua legitimidade e interesse para interposição do recurso, pois o Juiz monocrático, ao julgar antecipadamente a lide em face da revelia do réu, aplicou-lhe seus efeitos, ou seja declarou a paternidade, fIxando os alimentos, mesmo com seu requerimento para especificação de provas pelo autor, contrariando, assim, dispositivo de lei.

À fl. 81, foi determinada a intimação do agravado, dando-se vista à Procuradoria Geral de Justiça.

O agravado deL'{ou de apresentar sua resposta.

A Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 87/91, opinou pelo provimento do recurso."

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por maioria, negou provi­mento ao agravo (fls. 95/104).

Opostos embargos de declaração (fls. 108/114), foram os mesmos rejeitados às fls. 117/118.

Inconformado, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais interpõe, pela letra a do art. 105, da Constituição Federal, recurso especial alegando, em resumo, que a promotoria se insurgiu contra o julgamento antecipado da lide, em decorrência da decretação da revelia do pai investigado, porquanto tal espécie de ação versa sobre direitos indisponíveis (CPC, art. 320, lI), alusivos ao estado de fIliação, que é referente a ambas as partes e não apenas ao menor. Aduz que a intervenção do Parquet decorre do estado da pessoa, e não porque o investigante é menor, tanto que também atua como custos legis quando maior de idade.

Argúi, reportando-se ao voto vencido, que na ação que discute direito de fIliação é inaplicável a revelia, cabendo ao autor provar os fatos constitutivos do seu direito.

Invoca contrariedade ao art. 499, § 21l, do CPC, e dissídio jurisprudencial, com base na Súmula n. 99-STJ.

Sem contra-razões (fl. 139).

O recurso especial foi admitido no Tribunal de origem pelo despacho presi­dencial de fls. 140/14l.

Parecer da douta Subprocuradoria Geral da República pelo Dr. Henrique Fagundes, no sentido do não-conhecimento do recurso (fls. 148/151).

É o relatório.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Julgada procedente ação de investigação de paternidade cumulada com pensão alimentícia, em que o réu, citado, não compareceu, sendo decretada a sua revelia, insurge-se o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, mediante agravo de instrumento, contra o despacho que não recebeu a sua apelação, ao argumento de que lhe faltava interesse processual.

Confirmada a decisão pelo Tribunal a quo, sustenta o recorrente ofensa ao art. 499, § 2íl, do CPC, porquanto ele figura no processo, na qualidade de custos legis unicamente para velar pelo interesse do menor, esse múnus se estende ao processo como um todo e, em se tratando de direito indisponível- ação de estado de pessoa - que se refere a ambas as partes, e ainda há interesse público. Justa­mente por isso, a matéria debatida na apelação, a revelia, teria de ser examinada pela Corte estadual.

Tenho que assiste razão ao Parquet quando defende que na atuação como fiscal da lei, ela se faz de forma independente de ser o resultado, em si, favorável à parte supostamente mais indefesa, caso do menor investigante, aqui representado por sua mãe, mediante advogado constituído nos autos. É que, especialmente na ação atinente ao estado das pessoas, busca-se a verdade real, pelos inúmeros efeitos que advêm do reconhecimento, por exemplo, dos laços consangüíneos, a envolver não apenas a figura do pai investigado, porém de todos os seus parentes, notadamente outros filhos espontaneamente reconhecidos.

Em tais condições, sendo ex vi legis a intervenção do Ministério Público, não há sentido em somente se lhe emprestar o direito de recorrer quando, aparentemente, houver desvantagem para o menor. Como bem argumentado nas razões, ele também atua nas investigações quando se cuida de maior investigante.

A legitimidade, pois, ocorre em razão da natureza da causa, nos termos do art. 499, § 2°, litteris:

"§ 2° O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no pro­cesso em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei."

É certo que o despacho atacado não lhe retirou a legitimidade exatamente, limitando-se a distinguir, com base em precedentes do STJ, entre interesse e legiti­midade, em face da norma do art. 3-0 do CPC ("Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade" (fls. 13/19). Ao fazê-lo, o MM. Juiz de Direito aduziu razões atinentes apenas ao interesse do Parquet em proteger o menor, olvidando que, como acima explicitado, esse interesse pode, eventualmente, extra­polar aquele âmbito, pela necessidade de zelar pela observância do devido processo legal e do expurgo de vícios nos atos jurídicos, v.g.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Para melhor compreensão, transcrevo excerto do voto condutor do acórdão . estadual, do eminente Desembargador José Brandão de Resende (fls. 101/103):

"Como fiscal da lei, a atuação ministerial também se desdobra no processo: ora fiscaliza a forma processual, pugnando pela aplicação dos princípios do processo, mormente aqueles erigidos à condição de constitucionais, como o direito à tutela jurisdicional, devido processo legal, imparcialidade do juiz, contraditório e regular procedimento, ora defendendo o incapaz, 'uma vez que, habitualmente, a defesa desta é débil, porquanto outrem (o seu representante) é quem atua em seu nome. Imprescindível, por­tanto, que o Estado supra essa inferioridade processual, defendendo ele pró­prio o incapaz, com o que o equilíbrio exigido no contraditório (no due process oflaw) ficará atendido' ("Manual de Direito Processual Civil", José Frederico Marques, Ed. Saraiva, la vol., p. 289), ora defendendo interesse de ordem pública, ou direitos indisponíveis, pondo em destaque aquilo que vai de encontro ao interesse público, ativando o processo, suprindo a inércia das partes, ou impedindo avenças ocultas em fraude à lei nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade, ora como parecerista ou 'órgão judicial consultivo, técnico, podendo externar o que pensa pró ou contra quaisquer comunicações de vontade feitas ao juiz' ("Comentários ao CPC", Pontes de Miranda, Forense, Tomo VII, p. 71). No primeiro caso, como defensor da ordem processual, pode o Ministério Público recorrer sempre que houver infringência aos princípios e normas processuais atinentes à espécie. Indeferidos os seus requerimentos, interesse terá em agravar de instrumento. Prolatada a sentença com vícios processuais ou procedimentais, interesse ficará patenteado para apelar. No segundó caso, somente terá interesse em recorrer se o incapaz sofrer gravame ou qualquer tipo de sucumbência. No terceiro caso somente poderá recorrer se indeferidos os seus requerimentos visando à defesa do interesse público, mormente se a providência solicitada e indeferida for de legalidade manifesta. No quarto caso, quando atua como parecerista, se a sentença for contrária ao seu ponto de vista jurídico e ao direito individual da parte, não terá o órgão ministerial interesse em recorrer. Conforme enfatizado por Barbosa Moreira ("Comentários ao CPC", Forense, voI. V, p. 238). 'Deve aferir-se ao ângulo prático a ocorrência da utilidade, isto é, a relevância do proveito ou vantagem cuja possibilidade configura o interesse em recorrer. A razão de ser do processo não consiste em proporcionar ocasião para o debate de puras teses, sem conseqüências concretas para a fixação da disciplina do caso levado à apreciação do juiz. Nem pode a atividade do aparelho judiciário do Estado intervir de instrumento para a solução de questões acadêmicas'.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Diz o recorrente que o seu interesse em recorrer está evidenciado na necessidade de observância do direito objetivo, ou seja, a correta aplicação da

lei ao caso concreto - a sentença justa. Data venia não pode ser esta a melhor exegese, porque se assim fosse, o Ministério Público deveria atuar em todos os processos como custos legis e não somente naqueles exaustivamente elencados no art. 82 do Estatuto Processual Civil, já que em todos os processos

o julgador há de se observar o direito objetivo aplicando corretamente a lei ao caso concreto. Ao Ministério Público, conforme afirmado, surge o interesse de

recorrer se o pronunciamento judicial contraria o fim que ditou a presença do órgão ministerial no processo."

Voltando à sentença, esta registra que "se existe direito indisponível, este é do investigante e não do investigado, pelo que perfeitamente aplicável em favor do menor investigante os efeitos da revelia" (fi. 25, sic, destaquei).

Conquanto impressione a argumentação, penso que não é possível fazer-se

essa distinção.

É que, como antes ressaltado, a ação de estado de pessoa torna indisponível também a vontade do investigado na busca da verdade real, que é de interesse

público. E o custos legis exercido pelo Ministério Público vai a tanto, não pode

ser mitigado.

Daí, nessa situação, a revelia do investigado não exclui ou impede a

intervenção do Parquet, que não se restringe à defesa do interesse do menor. Ele defende o interesse público. E esse interesse público prevalece sobre o particular, quer seja do investigante ou do investigado.

Na espécie em exame, houve a revelia e não foram, ao que se diz, apresenta­dos quaisquer outros elementos comprobatórios da relação ou vinculação da mãe

do investigante com o investigado. Pode, assim, o Ministério Público, que legalmente intervém obrigatoriamente no feito, impugnar os efeitos da revelia aplicados pelo

juiz singular, requerer provas, etc.

Ante o exposto, sem embargo de reconhecer a juridicidade do entendimento

sufragado pelo Tribunal a quo, conheço do recurso especial e lhe dou provimento,

para prover o agravo de instrumento e, conseqüentemente, determinar o

processamento da apelação.

É como voto.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

RECURSO ESPECIALN. 218.118-SP (1999/0049326-5)

Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior

Recorrente: Otto Neumann Filho

Advogados: Pedro Elias Arcênio e outro

Recorridos: Contibrasil Comércio e Exportação Ltda

Advogados: Leonardo Hayao Aoki e outros

ElVIENTA

Processual Civil. Acórdão estadual. Nulidade inexistente. Ação de depósito. Compra e venda de safra futura de soja. Penhor incidente sobre tonelagem de mercadoria diversa plantada em propriedade da cooperativa-vendedora. Depósito em garantia de dívida, não clássico. Carência da ação. Prisão do depositário incabível. Concomitância de ação de execução.

I - Não é nulo o acórdão que se acha suficientemente fundamentado, apenas que com conclusão contrária ao interesse da parte.

II - Tratando-se de ação de depósito para recebimento de mercado­ria (milho) dada em garantia de cumprimento de contrato de compra e venda de safra futura de soja, não se configura, na espécie, depósito clássico, de sorte que imprópria a forma processual utilizada, bem assim incabível a prisão do depositário.

IH - Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas ta qui­gráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os S1's. Ministros Jorge Scartezzini, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Fernando Gonçalves. Custas, como de lei.

Brasília (DF), 15 de junho de 2004 (data do julgamento).

Ministro Aldi1' Passarinho Junior, Relator

DJ 30.08.2004

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Otto Neumann Filho interpõe, pelas letras a e c do autorizador constitucional, recurso especial contra acórdão do 1.0 Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, assim ementado (fl. 227):

"Prisão civil. Depositário infiel. Alegação de que os bens não existiam. Inadmissibilidade. Própria letra do contrato subscrito pela parte que agora lhe pretende negar validade. Responsabilidade como fiel depositário reconhecida. Recurso improvido.

Prisão civil. Depositário infiel. Alegação de que o instituto é indevido por ofender a Constituição Federal. Inadmissibilidade. Texto da Magna Carta que expressamente recepciona este instituto jurídico. Exegese do art. 5.0, L1.'VU, da CF. Responsabilidade como depositário, que, ademais, não se relaciona com cargo ou função em empresa. Depósito procedente. Recurso improvido."

Alega o recorrente que o acórdão é nulo por omissão no enfrentamento dos temas provocados nos aclaratórios opostos perante a Corte a quo, apontando ofensa ao art. 535 do cpc.

Aduz que também houve contrariedade aos arts. 768 e 1.266 do Código Civil

anterior, 200, 271 e 274 do Código Comercial, e 901 do CPC, salientando que não houve o depósito típico que justificaria a ação de depósito, pois a operação celebrada

entre as partes visou apenas à garantia de um débito. Não se cuida, pois, da situação em que o próprio dono da coisa a entrega para guarda de outrem. Refere que igualmente inexiste o penhor, dada a ausência de tradição efetiva. De toda sorte, não haveria o penhor de que trata o art. 274 do Código Comercial.

Invoca precedentes paradigmáticos.

Contra-razões às fls. 289/301, dizendo que o recorrente era o próprio presidente da Cooperativa, não havendo razão para não se acreditar sobre a inexistência da

mercadoria, rejeitando a assertiva de que teria ocorrido coação. A posse da mercadoria cabia ao devedor e o recorrente assumiu a condição de depositário.

Acentua que a concomitância da ação de execução não obsta a ação de depósito, inclusive porque a primeira é direcionada contra a Cooperativa e a segunda contra a

pessoa física do recorrente.

O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho presi­

dencial de fls. 307/308.

É o relatório.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

VOTO

o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Segundo a inicial, a autora, Contibrasil Comércio e Exportação Ltda, celebrou, em 04.08.1994, com a Cooperativa Agrícola Mista da Colônia Riograndense, contrato de compra e venda e adendo, cujo objeto era a aquisição de 2.400.000 quilos líquidos de soja em grãos, correspondentes à safra de 1994/1995, comprometendo-se a Cooperativa a entregar a mercadoria até 30.03.1995, recebendo à guisa de adiantamento deter­minada importância, e dando, em garantia do cumprimento da avença, penhor agrícola de 2.400 toneladas métricas de milho plantadas em propriedade da dita Cooperativa.

O réu, aqui recorrido, foi nomeado depositário fiel da garantia (2.400 tonela­das métricas de milho).

Inadimplido o contrato alusivo à soja, após notificação, foi movida ação de execução contra a Cooperativa, que nomeou à penhora bens imóveis alienados em favor do Banco do Brasil e insuficientes ao pagamento, o que gerou a ação de depósito para a entrega da mercadoria garantida (2.400 toneladas de milho).

Em 1.0 grau, o réu, Otto Neumann Filho, foi condenado a entregar a mercadoria, sob pena de prisão, ou seu equivalente em dinheiro (fls. 176/177), decisão confirmada em grau de apelação.

O voto condutor do acórdão diz o seguinte (fls. 228/230):

'1\5 alegações do apelante de que o objeto da garantia não existe, e que disso havia evidências conhecidas pelo credor, atentam contra a própria letra do contrato que ele mesmo subscreveu, e ao qual, agora pretende negar validade.

A responsabilidade assumida pelo depositário é especificamente de fiel depositário nos termos dos arts. 1265 e seguintes do Código CiviL

Não obstante se tenha comprometido a figurar como depositário da mercadoria oferecida, argumenta, agora, não apenas que ela não existe, como também que a garantia foi oferecida nestes termos pela intenção do credor em coagir o devedor ao pagamento.

Na realidade, tampouco essa alegação de coação merece crédito, por­quanto não há qualquer evidência desse vício ou especificidade da alegação.

Em se tratando de vício de declaração de vontade na formação de negó­cio jurídico, compete à parte mencionar, de forma especificada a natureza da coação, e as particularidades de como se operou e, não, argüir, de forma genérica, como se fez no caso.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ademais, é certo que a parte-contratante beneficiou-se do contrato, e formula tal argüição somente agora, depois de verificado o inadimplemento.

Como está clara a sentença não poderia dar o crédito pretendido pelo apelante às suas alegações.

Também não impressionam os argumentos de que o bem dado em garantia, por ser fungível, não seria passível de depósito, e o de que, por não ser mais diretor da Cooperativa, haveria desaparecido a responsabilidade.

Veja-se, a propósito, a posição da jurisprudência mencionada por Theo­tômo Negrão em seu 'Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor', p. 690, 22a ed.: 'A legislação pertinente não veda a alienação fiduciária em garantia de bem fungível, subsumindo-se nestes os consumíveis, cuja custódia tem o caráter de depósito irregular. Quando os pactuantes celebram negócio jurídico com garantia fiduciária de bens fungíveis, assim o fazem como forma de agilizar o empréstimo acobertado por tal garantia'. (STJ. Terceira Turma, REsp n. 3.909-RS, Relator o acórdão, in Waldemar Zveiter, j. 11.09.1990, deram provimento, maioria, DJU, 29.10.1990, p. 12.145).

No mesmo sentido STF-RTJ 105/383 e JTA 80/342.

A responsabilidade contratual do apelante como depositário é pessoal e independe de sua vinculação com a Cooperativa representada.

No tocante à existência de execução também não descaracteriza a res­ponsabilidade do depositário.

Muitos têm sustentado que a participação do Brasil em Tratados Interna­cionais que desacolhem a prisão por dívida, vem consolidar o entendimento de que no caso de depósito não é cabível tal medida.

Isso, contudo, acaba por revelar a insuficiência e a fraqueza de tais sus­tentações.

No que se refere a esse ponto é imperioso e de rigor que se reconheça que, mesmo que tenha havido adesão a Tratados, não têm eles o condão de desconstituir norma constitucional.

O tema está inquestionavelmente ligado ao preceito constitucional, do qual o exegeta não pode fugir e nem dar interpretação mais ou menos extensa àquela que deu o próprio legislador constituinte.

Dispõe o art. 5J.l, LXVII da CF que:

'Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;'

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Não trata o legislador constituinte aqui de definir o que seja ou não depositário infiel.

É evidente, portanto, que essa interpretação somente pode ser buscada na legislação ordinária.

Não é outro o sistema jurídico vigente no Brasil, como também a sistemática metódica de toda a doutrina alienígena, ou seja, de que cabe à Carta Magna a conceituação dos princípios políticos que devem reger a vida do Estado, consolidados na Constituição e a regulamentação dos demais princípios cogentes através da legislação ordinária, respeitada, evidentemente, a sua hierarquia.

Ora, a legislação que rege a questão do depósito é ampla, trazendo o Código Civil as suas características principais e os demais diplomas, os casos em que tais hipóteses se configuram.

Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso."

Os embargos declaratórios foram rejeitados e, a meu ver, corretamente, porquanto não existe desfundamentação no aresto estadual, apenas decisão contrária ao interesse da parte, não sendo necessária a manifestação expressa sobre todas as questões suscitadas, se a argumentação é bastante a amparar o entendimento seguido.

No tocante ao mérito propriamente dito, tenho que assiste razão ao recorrente.

É que o milho do qual é depositário o réu não pertence ou jamais pertenceu à empresa-autora, porém foi dado em garantia de dívida contraída pela Cooperativa, caso não homasse com o contrato de compra e venda de safra futura de soja prometida à recorrida.

O caso, portanto, não é de depósito clássico, nem de armazém geral, a ele equiparado, situações em que, aí sim, se justifica inclusive a prisão do depositário.

Vale transcrever excerto do voto do eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em julgamento de hipótese semelhante nesta Quarta Turma, verbis:

"Refere-se a espécie a ação de depósito ajuizada com vistas à restituição da safra futura de soja em grão, alienada mediante contrato de compra e venda mercantil. Sobre o tema, esta Corte assentou a posição do descabimento da ação de depósito para reaver os bens, que inexistiam à época da assinatura do contrato. Neste sentido o REsp n. 47.027-RS (DJ 06.02.1995), Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, assim ementado:

'Depósito. Penhor rural. Safra futura.

Não cabe ação de depósito para a restituição de bem inexistente ao tempo da celebração do contrato de financiamento.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recurso não conhecido.'

No mesmo sentido, os AgRg no Ag ns. 35.177-RS (DJ 28.06.1993) e 130.599-ES, Relatores os Ministros Waldemar Zveiter e Menezes Direito, com estas ementas, respectivamente:

'Processual Civil. Ação de depósito incabível. Bens a serem restituí­dos inexistentes. Ausência de produtos agrícolas (safra futura).

A inexistência do objeto do depósito (produtos agrícolas dependentes de safra futura, isto é, bens sujeitos à oconência de fato futuro e incerto) descaracterizaria a figura do depósito, eis que a ausência física da coisa impossibilita sua restituição (art. 901 do CPC)'.

:Agravo regimental. Aplicação da Súmula n. 182. Ação de depósito. Coisa fungível. Penhor de safra futura.

[ ... ]

2. A ação de depósito não tem cabimento tratando-se de bens fungtveis, regulando-se o depósito desses pelas normas pertinentes ao mútuo. Precedente.'

3. Nesse passo, a ação de depósito torna-se incabível por duas razões, seja por se tratar de bens fungíveis, seja por inexistir o bem no momento de assinatura do contrato. A respeito da incompatibilidade entre o depósito e a fungibilidade dos bens, assinalei, no REsp n. 182. 183-RS (DJ 21.06.1999), como Relator:

:A fungibilidade da coisa não é compatível com o depósito, que se destina aos bens infungíveis, seja por sua natureza, seja por vontade das partes. Daí a qualificação de 'inegular' ao depósito de coisa fungível, uma vez que se lhe aplicam as regras do mútuo, nos termos do art. 1.280 do Código Civil. Nesta linha, os REsps ns. 40.174-MG (DJ 27.04.1998) e 31.490-RJ DJ 13.09.1993), de que fui Relator, com estas ementas, res­pectivamente:

'Direito Comercial e Civil. Penhor mercantil. Garantia de mútuo. Tradição simbólica. Bens fungíveis e consumíveis depositados em poder do representante da mutuária. Carência da ação de depósito. Precedentes do tribunal. Recurso parcialmente acolhido.

Admite-se a tradição simbólica para o aperfeiçoamento do contrato de penhor mercantil, apresentando-se incabível, entretanto, em sendo os bens apenhados fungíveis e consumíveis, a sua exigência por meio da ação de depósito, seja porque aplicáveis

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

em casos tais as regras do mútuo (art. 1.280, CC), seja por existência de incompatibilidade com o dever de custódia'.

i\.ção de depósito. Penhor mercantil. Garantia de mútuo. Bens fungíveis e consumíveis depositados em poder de diretor da empre­sa mutuária. Tradição simbólica. Precedentes. Recurso provido.

Em sendo fungíveis e destinados à comercialização os bens dados em garantia, sobre os quais se haja instituído a obrigação de guarda, incabível pretender exigi-los por meio de ação de depósito, seja porque aplicáveis em casos tais as regras do mútuo (art. 1.280, CC), seja por existência de incompatibilidade com o dever de custódia.'

Sobre o tema, ainda, os REsps ns. 86.305-MG (DJ 20.05.1996), 15.597-MS (DJ 10.05.1993) e 1l.799-MG (DJ 05.10.1992), Relatores, respectivamente, os Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Barros Monteiro e Athos Carneiro. No âmbito da Terceira Turma, outro não é o entendimento, conforme se extrai dos REsps ns. 123.278-SP 04.05.1998) e 16.949-MG (DJ 05.10.1992), da relatoria do Ministro Waldemar Zveiter.'

É de ressaltar-se, outrossim, que a não-devolução do dinheiro recebido pelos recorrentes, por si só, não justifica o interesse processual da recorrida em valer-se da ação de depósito, uma vez que esta tem como objetivo principal a 'restituição da coisa depositada' (art. 901, CPC), ao passo que a transformação em execução por quantia certa ou o recebimento do valor correspondente ao bem são efeitos secundários da ação. Nesta linha, doutrina Humberto Theodoro Júnior:

'Da relação jurídica do depósito podem surgir diversas pretensões, tanto da parte do depositante, como do depositário. O procedimento especial da 'ação de depósito', todavia, tal como se acha regulado pelos arts. 901 a 906, refere-se apenas à pretensão do depositante de lhe ser restituída a coisa depositada. O Código não deixa lugar a dúvidas: 'esta ação tem por fim exigir a restituição da coisa depositada' (art. 901).

O regulamento geral da ação de depósito, no entanto, não exclui pretensões outras, de natureza acessória, que se podem acumular com a específica desse tipo de procedimento, tais como: o recebimento de uma soma de dinheiro, caso a coisa depositada tenha desaparecido; a prisão civil do depositário, como forma de coagi-lo a cumprimento específico da obrigação assumida; a expedição de mandado de busca e apreensão

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

da coisa depositada e a transformação numa execução por quantia certa, caso a sentença de restituição não seja cumprida pelo depositário (arts. 902, n. I, § P, 905 e 906)' ("Curso de Direito Processual Civil", v. IlI, l6iJ. ed. rev. e atual, Rio de Janeiro: Forense, 1997, n. 1.233, pp. 56/57).

Desta forma, afastada, no caso, a possibilidade de restituição da coisa, não resta interesse processual à recorrida.

4. À vista do exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para julgar extinto o processo, por carência da ação, nos termos do art. 267, Iv, do Código de Processo Civil."

A ementa do acórdão ficou assim redigida:

"Comercial e Processual Civil. Compra e venda mercantil. Safra futura. Bens inexistentes à época da contratação. Ação de depósito. Carência. Recurso provido.

I - A inexistência do objeto do depósito (safra futura de soja) descaracteriza a figura do depósito, em face da ausência física da coisa no momento da compra e venda mercantil realizada.

II - Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Tribunal, é incabível a ação de depósito com vistas à restituição de bens fungíveis, seja porque aplicáveis, em casos tais, as regras do mútuo, seja porque incompatível com o dever de custódia.

IH - A interpretação de cláusula contratual não enseja o acesso à instância especial (Enunciado n. 5 da Súmula-STJ). (Quarta Turma, REsp n. 222.711-Sp, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJ 25.10.1999)

No mesmo rumo são os seguintes arestos:

"Civil e Processual Civil. Ação de depósito. Descabimento. Caráter secun­dário. Garantia do mútuo. Recurso desacolhido.

I - O depósito irregular não enseja o cabimento da ação de depósito (art. 1.280, CC), devendo aplicar-se as regras do mútuo.

II - Essa ação somente terá cabimento nas hipóteses do chamado depósito clássico (arts. 1.265 e seguintes), em que o depositário recebe, para guardar, um objeto móvel do depositante, a fim de restituí-lo quando lhe for exigido, não importando seja esse bem móvel fungível ou infungível.

IH - Na espécie, não se caracterizando o contrato como depósito clássico, uma vez que o contrato de depósito está vinculado a outro contrato (de mútuo), torna-se incabível a prisão e imprópria a ação de depósito." (Quarta

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Turma, REsp n. 188.462-GO, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJ 15.05.2000)

(. .. ) '1"\.ção de depósito. Prisão civil. Depósito clássico. Bem fungíveL

Desde que não se trate de depósito como garantia de dívida, vinculado a outro contrato, mas, sim, de depósito clássico, pelo qual o depositário recebe o objeto para guarda, com a obrigação de restituí-lo quando exigido, ainda que se refira a coisa fungível, comportável a ação de depósito, bem como a prisão civil de representante da empresa armazenadora, na hipótese de des­cumprimento à ordem judicial para a entrega.

Ordem denegada." (Terceira Turma, HC n. 20.529-Sp, Relator Ministro Castro Filho, unânime, DJ 22.09.2003)

Portanto, incabível a ação de depósito e, por conseguinte, a decretação da prisão.

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e lhe dou, nessa parte, provimento, para julgar improcedente a ação, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo, nos termos do art. 20, § 4J:l, do CPC, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 237.911-RS (1999/0102266-5)

Relator: Ministro Jorge Scartezzini

Recorrentes: Fernando Ribeiro Abreu dos Santos - Espólio

Repr. por: Adriana Lima Abreu

Advogados: Ricardo Bichara e outro

Recorrido: Juçara de Brito Moreira

Advogados: Ary Rodrigues Pereira e outros

EMENTA

Civil e Processual Civil. Manutenção de posse. Concubina. Morte do companheiro. Posse direta. Ausência de violação a dispositivo infraconstitucional. Dissídio jurisprudencial não comprovado.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1. No que concerne à alínea c, deixaram os recorrentes de proceder ao devido cotejo analítico entre o v. acórdão recorrido e os arestos paradigmas com tratamento jurídico diverso. Não preenchidos, pois, os requisitos legais, impossível, sob esse prisma, conhecer da divergência aventada.

2. Quanto à alínea a, melhor sorte não assiste aos recorrentes. No que tange ao primeiro aspecto - violação ao art. 12, V, e 991, incisos I e II, do Código de Processo Civil- sustentam os recorrentes, essencialmente, a ilegitimidade de Adriana para figurar no pólo passivo da demanda em questão, porquanto sempre agiu na qualidade de inventariante do espólio de seu finado pai. Os dispositivos legais em questão são claros ao estabelecerem que ao inventariante cabe representar o espólio emjuízo. Assim, não há que se falar em ilegitimidade de parte.

3. No que concerne ao segundo aspecto - infringência aos arts. 495,498 e 1.572 do Código Civil/1916 alegam os recorrentes que, na qualidade de herdeiros do de cujus, teriam, em conseqüência, transmitido, no mesmo instante do óbito, a posse e a propriedade dos bens que constituem o acervo hereditário.

4. Considero incensurável o v. acórdão recorrido. A recorrida manteve com o de cujus, relação concubinária que perdurou por dez anos, durante a qual passaram a exercer a composse do imóvel situado na Rua Dom Mário n. 12, no Condomínio Vivendas da Praia, em 19uaba Pequena-RJ. Destarte, a meu sentir, sendo a recorrida detentora da posse direta do imóvel, esta deve ser mantida, mormente quando se trata de concubina do extinto. Como bem ressaltado no acórdão recorrido, 'o dilema deste processo envolve situação fática que, na via possessória, tem de ser solucionada com vistas ao JUs possessionis' propriamente dito, visto que, sendo a relação física da pessoa com a coisa, privilegia quem está nessa situação. No caso, a companheira do de cujus'.

5. Assim, legítima é a pretensão da ora recorrida no sentido de se ver mantida na posse direta do imóvel, que vinha sendo exercida de forma justa e pacífica, tendo em vista os fatos já narrados, valendo-se, para tanto, da tutela possessória em questão, cuja natureza é provisória (v.g. REsp n. 10.521-PR, Relator Ministro Barros Monteiro, DJ 04.04.1994.

6. Recurso não conhecido.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, com quem votaram os Srs. Ministros Barros Montei­ro, Cesar Asfor Rocha, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior.

Brasília (DF), 02 de dezembro de 2004 (data do julgamento).

Ministro Jorge Scartezzini, Relator

DJ 17.12.2004

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Jorge Scartezzini: Infere-se dos autos que Juçara de Brito Moreira propôs ação de manutenção de posse, em face do Espólio de Fernando Ribeiro Abreu dos Santos e de sua inventariante Adriana Lima de Abreu, visando afastar a turbação promovida pelas herdeiras de Fernando, que, após a morte deste, passaram a impedir a entrada de pessoas, inclusive da autora, no imóvel situado na Rua Dom Mário n. 12, no Condomínio Vivendas da Praia, em Iguaba Pequena-RJ, cuja posse vinha sendo exercida por ela.

Registrou, na oportunidade, que manteve com Fernando uma sociedade con­cubinária, por mais de dez anos, extinta com sua morte, ocorrida em 22.12.1995, tendo ambos, na constância da referida união, negociado a compra de tal após o que passaram a exercer plenamente a sua posse.

Às fls. 1091112, foi interposto agravo retido, objetivando o reconhecimento de carência da ação' em relação à segunda ré, Adriana, por ilegitimidade passiva ad causam.

Por ocasião do julgamento da ação possessória, o magistrado local, reconhe­cendo restar sobejamente provada na instrução a turbação em questão, julgou pro­cedente o pedido para tomar definitiva a ordem de manutenção na posse do imóvel, já liminarmente outorgada.

Irresignados, os réus apelaram, tendo a colenda Oitava Câmara Cível do Tri­bunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negado provimento ao apelo bem como ao agravo retido, em acórdão assim sumariado:

"Manutenção de posse. Herdeira. Legitimidade passiva. Agravo retido. Concubina. Composse. Impossibilidade de seu exercício com herdeiros. Questão que se resolve por quem detém a posse física do imóvel.

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A herdeira, posta no pólo passivo e também inventariante do Espólio, detém legitimidade para a causa, embora facultativo o litisconsórcio em razão da gênese do litígio, consistente na prática de atos turbativos. Não há como dissociar a figura da representante do Espólio da pessoa da herdeira.

E estando a concubina, quando do passamento de seu companheiro, no exercício físico e efetivo da posse (composse) do imóvel, não há como admitir o exercício da composse, entre esta e os herdeiros do falecido, em razão das divergências entre eles. Frise-se que o juízo possessório é limitado e provisório por natureza.

E o pragmatismo inerente ao processo não pode fomentar questões, que, no caso, surgiriam com a forçada convivência, no mesmo imóvel, entre as herdeiras do falecido e a concubina deste, que vinha ocupando o imóvel.

A questão do direito ao imóvel, se for caso, deve ser solucionada em via própria.

Improvimento do recurso." (Fl. 208)

Daí, o presente recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, alíneas a e c, da Constituição Federal, em que os recorrentes sustentam violação aos arts. 12, V, e 991, incisos I e II, do CPC, sob a alegação de ilegitimidade de Adriana para figurar no pólo passivo da demanda em questão, porquanto sempre agiu na qualidade de inventariante do espólio de seu finado pai, bem corno aos arts. 495, 498 e 1.572 do CC/1916, aduzindo, essencialmente, ser incabível a exclu­sividade da questionada posse para a concubina do de cujus em detrimento dos seus herdeiros, já que tais dispositivos prescrevem a transmissão, no mesmo instan­te do óbito, da posse e da propriedade dos bens que constituem o acervo hereditário aos recorrentes - e não à concubina do extinto.

Sustenta, ainda, dissídio jurisprudencial, colacionando, para tanto, julgados proferidos pelo Desembargador Benedito Pereira do Nascimento (TJMT), pelo Desembargador Barbosa Pereira Filho (T JSP) e pelo Desembargador Ferreira de Oliveira (TJSP).

Contra-razões apresentadas às fls. 245/251.

Admitido o recurso pelo Tribunal de origem (fls. 253/256), os autos subiram a esta Corte.

A douta Subprocuradoria Geral da República, às fls. 263/269, opina pelo não­conhecimento do recurso.

Após, vieram-me conclusos os autos por atribuição.

É o relatório.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

VOTO

o Sr. Ministro Jorge Scartezzini (Relator): Sr. Presidente, como relatado, os recorrentes sustentam, em síntese, violação aos arts. 12, V, e 991, incisos I e do CPC, bem como aos arts. 495, 498 e 1.572 do CC/1916, além de dissídio jurispru­dencial.

o recurso não merece ser conhecido.

Com efeito, no que conceme à alínea c, esta Corte tem entendido, reiteradamen­te, que, a teor do art. 255 e parágrafos, do RISTJ, para a comprovação e apreciação do dissídio jurisprudencial, devem ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, bem como juntadas inte­grais de tais julgados ou, ainda, citado repositório oficial de jurisprudência.

No caso vertente, porém, deixaram os recorrentes de proceder ao devido cote­jo analítico entre o v. acórdão reconido e os arestos paradigmas com tratamento jurídico diverso. Não preenchidos, pois, os requisitos legais, impossível, sob esse

prisma, conhecer da divergência aventada.

Quanto à alínea a, melhor sorte não assiste aos reconentes.

No que tange ao primeiro aspecto - violação aos arts. 12, V, e incisos I

e lI, do Código de Processo Civil - sustentam os recorrentes, essencialmente, a ilegitimidade de Adriana para figurar no passivo da demanda em questão, porquanto sempre agiu na qualidade de inventariante do espólio de seu finado

Rezam os referidos dispositivos, verbis:

':Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:

V. o espólio pelo inventariante."

'M. 991 do cpc. Incumbe ao inventariante:

I - representar o espólio ativa e passivamente, em ou fora observando-se, quanto ao dativo, o disposto no art. 12, § 1 'J.;

II - administrar o espólio, velando-lhe os bens com a mesma diligência como se seus fossem;"

Como se observa, os dispositivos legais em questão são claros ao

estabelecerem que ao inventariante cabe representar o espólio em juízo. Assim, não há que se falar em ilegitimidade de parte. De outro lado, o simples fato da autora, no momento da propositura da ação de manutenção de posse, haver feito a distinção entTe o espólio e sua inventariante, não se traduz em irregularidade ensejadora de modificação do decisum recorrido, porquanto esta deve suportar, por força da própria ordem jurídica material, as conseqüências da demanda.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ademais, ao que dos autos consta, os atos turbativos de que tratam a ação possessória em apreço, consistentes na entrega de carta ao síndico do condomínio onde se encontrava o imóvel em questão, visando impedir o ingresso da autora no imóvel, bem como no ato de trocar a fechadura da casa, foram perpetrados pela própria inventariante.

Não há falar, in casu, pois, em violação aos arts. 12, V, e 991, incisos I e II, do Código de Processo Civil.

No que concerne ao segundo aspecto - infringência aos arts. 495,498 e 1.572 do Código Civil/1916 -, o recurso igualmente improcede. Alegam os recorrentes que, na qualidade de herdeiros do de cujus, teriam, em conseqüência, transmitido, no mesmo instante do óbito, a posse e a propriedade dos bens que constituem o acervo hereditário.

Dizem os artigos tidos como violados, verbis:

'M. 495. A posse transmite-se com os mesmos caracteres aos herdeiros e legatários do possuidor."

'M. 498. A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a dos móveis e objetos que nele estiverem."

"Art. l.572. Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários."

In casu, o ilustre magistrado-sentenciante, ao examinar a ação possessória, salientou (fls. 167/169), in verbis:

"Posse, como ensina o mestre Caio 'é a visibilidade do domínio ... a relação de fato entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a utilização econômica desta.' "Instituições de Direito Civil", vol. Iv, p. 18, 2a ed. 1991).

E a vida em comum que a autora manteve com o falecido Fernando, autor da herança, projeta, no mundo do direito, conseqüências, dentre outras, de ordem patrimonial. Essa relação é denominada de 'entidade familiar' no § 1 D do art. 226 da Constituição do Brasil, para o efeito de proteção do Estado que, em razão disso, editou a lei dispondo sobre essa relação familiar.

Ideal seria que as filhas de Fernando respeitassem a decisão do pai quando resolveu amar e ser amado pela autora, com quem preferiu compartilhar a vida, e que esta sentisse por aquelas o amor maternal, que Fernando certa­mente sonhava presenciar para ser um homem realmente feliz. E se descobri­rem, ambas as partes, que melhor será o entendimento sobre a posse de um imóvel que fez a felicidade de Fernando, pois a curteza da vida provavelmente não lhes propiciará tempo e oportunidade para retroceder, não terão descoberto o quanto perderam de viver.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Certo que a autora estava na posse do imóvel juntamente com seu compa­

nheiro; igualmente certo que, com o falecimento de Fernando, suas filhas são

suas herdeiras e, portanto, com direito à posse por ele usufruída;

nenhuma certeza existe nas teses de ambas as partes quando insistem na posse

exclusiva; como é certo que a posse por sucessão não exc!ui a de quem,

exercia a posse. VaZe dizer que, com a sucessão, transmite-se aos herdeiros o

direito à posse mantida pelo inventor da herança, contudo, a posse de fato, a

posse física, somente poderá ser exercida após o cumprimento de todo o

procedimento adequado a cada caso, eis que a posse física de terceiros há que

ser respeitada pois que, de igual modo, está protegida pela lei, como se

depreende do art. 485 da lei civil.

Mas a questão da exclusividade, somente após o encerramento do inven­tário dos bens deixados por Fernando, será objeto de definição. Por ora, o que está a merecer deste Juízo apreciação, é a questão da turbação da posse auto­ral apontada na inicial. E esta foi sobejamente provada na instrução."

O egrégio Tribunal a quo, por sua vez, ao julgar o apelo dos recorrentes, manteve a sentença de In grau, consignando o seguinte (fls. 208/213), verbis:

"No mérito, em se tratando de litígio exclusivamente possessório, não há como alijar da posse do imóvel a concubina do falecido Fernando, que,

tranqüilamente, quando do passamento daquele, exercia com o mesmo a composse da casa em questão. Em decorrência, com o falecimento de seu companheiro, passou ela a ter a posse física e efetiva do imóvel, com exclusividade.

Não sendo injusta tal posse da concubina, não pode ela ser alijada do imóvel por via de interditos, além de, aparentemente, ostentar direito que decorre do estado de fato da convivência marital, ex vi do art. 226, parágrafo único, da Constituição Federal. Questão a ser posta em via própria.

E, embora as herdeiras, com o passamento de seu genitor, possam ter recebido, desde logo, o domínio e a posse, que, na hipótese, é composse, do imóvel questionado, por força do art. 1.572 do Código Civil, o exercício dessa composse dependeria da convivência harmônica dos compossuidores. Inexistindo tal harmonia, não pode o Poder Judiciário forçar uma situação

que, ao invés de solver um litígio, iria criar outro ou outros problemas, de

conseqüências que não se sabe nem se pode prever.

Numa situação dessas, o exercício da posse se resolve em favor de quem

detém a sua efetividade física, que, no caso, favorece a apelada.

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É de salientar, ante os termos do apelo, que o exercício exclusivo da posse da apelada não lhe dá mais ou menos direito além daquele que pode postular envolvendo a casa objeto da demanda.

c. .. ) o dilema deste processo envolve situação fática que, na via possessória,

tem de ser solucionada com vistas ao jus possessionis propriamente dito,

visto que, sendo a relação física da pessoa com a coisa, privilegia quem está

nessa situação. No caso, a companheira do de cujus."

Considero incensuráveis tais ponderações. A recorrida manteve com o de cujus relação concubinária que perdurou por dez anos, durante a qual passaram a exercer a composse do imóvel situado na Rua Dom Mário n. 12, no Condomínio Vivendas da Praia, em 19uaba Pequena-RJ. Destarte, a meu sentir, sendo a recorrida detentora da posse direta do imóvel, esta deve ser mantida, mormente quando se trata de concubina do extinto. Como bem ressaltado no acórdão recorrido, "o dilema

deste processo envolve situação fática que, na via possessória, tem de ser solucionada

com vistas ao jus possessionis propriamente dito, visto que, sendo a relação

física da pessoa com a coisa, privilegia quem está nessa situação. No caso, a compa­

nheira do de cujus".

A propósito, sobre o tema, vale registrar a lição de Sílvio Rodrigues, quando de sua análise do dispositivo em comento (agora disposto no art. 1.784 da Lei n. 10.406/2002):

"O que a lei visa, com o dispositivo, é atribuir ao herdeiro a condição de possuidor, sem cogitar de subordinar a aquisição de tal estado à apreensão material da coisa. A despeito de a herança se encontrar na detenção de terceiros, o herdeiro adquire a qualidade de possuidor. Terá ele obtido a posse indireta, remanescendo a posse direta com quem legitimamente detenha a coisa." (cf. in "Direito das Sucessões", volo 7fl

, 26a edição, Editora Saraiva, p. 13)

Assim, legítima é a pretensão da ora recorrida no sentido de se ver mantida na posse direta do imóvel, que vinha sendo exercida de forma justa e pacífica, tendo em vista os fatos já narrados, valendo-se, para tanto, da tutela possessória em questão, cuja natureza é provisória. Nesse diapasão, merece destaque o seguinte aresto:

"Reintegração de posse. Concubina. Composse.

É de se reconhecer-se a tutela possessória a concubina que permaneceu

ocupando o apartamento após a morte do companheiro de longos anos e que

postula, em ação própria, a meação do bem adquirido na constância da sociedade

de fato mediante o esforço comum.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 10.521-PR, Relator Ministro Barros Monteiro, DJ 04.04.1994) - grifei.

Por tais fundamentos, não conheço do recurso.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 259.805-GO

Relator: Ministro Jorge Scartezzini

Recorrentes: Maria de Lourdes Brito de Lemos e outros

Advogados: Gildair Inácio de Oliveira e outros

Recorridos: Raul Machado de Mendonça e cônjuge

Advogados: Valdemar Zaiden Sobrinho e outro

EMENTA

Civil e Processo Civil. Usucapião. Pendência de ação possessória. Impossibilidade. Inocorrência de violação ao art. 535 do CPc. Divergência jurisprudencial. Não-comprovação.

1. O recurso não merece ser conhecido. Com efeito, no que tange à alínea c, deixaram os recorrentes de proceder ao devido cotejo analítico entre o v. acórdão recorrido e os arestos paradigmas. Impossível, sob esse prisma, portanto, conhecer da divergência aventada.

2. No que concerne à alínea a, melhor sorte não assiste aos recorrentes. Sustentam, essencialmente, falta de análise da questão da inaplicabilidade do art. 923 do CPC, no caso, sob o argumento de que "a ação de usucapião foi proposta com base na posse dos autores sobre a área usucapienda e não em face de posse a título de domínio" (fl. 602), bem como de omissão sobre o não-cabimento de oposição de terceiros em ação possessória.

3. Ao contrário do alegado, porém, verifico que o Tribunal a quo examinou todas as questões suscitadas pelos recorrentes, ou seja, tanto a relacionada com o art. 923 do CPC, quanto à oposição de terceiros, este último em sede integrativa. Assim, a matéria foi devidamente abordada e rechaçada, não havendo omissão a ser suprida. Não vislumbro, portanto, qualquer ofensa aos dispositivos infraconstitucionais citados, impondo-se ressaltar, ainda, a ausência de prequestionamento quanto aos arts. 165 e

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458, II, do Código de Processo Civil, incidindo, neste caso, a Súmula n. 211 desta Corte.

4. Recurso não conhecido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade em, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, com quem votaram os Srs. Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2004 (data do julgamento).

Ministro Jorge Scartezzini, Relator

DJ 21.03.2005

o Sr. Ministro Jorge Scartezzini: Infere-se dos autos que Arthur Pinheiro de Lemos e sua mulher Maria de Lourdes Brito de Lemos ajuizaram ação de usucapião extraordinário, visando adquirirem o domínio da área de 4.532ha, situada em lugar chamado "Fazenda Guará", no Município de Nova Crixás-GO, que era con­frontada com a de Raul Machado de Mendonça e sua esposa Doraci Machado de Mendonça e outros. Alegaram que a posse da referida área foi exercida, inicialmen­te, por Joaquim Pinheiro de Lemos (tio do autor), que, desde 1924 a detinha, sendo que, em 12.05.1947, transferiu-a por testamento para o autor, momento a partir do qual este passou a exercê-la de forma ininterrupta e sem oposição.

Em contestação, alegaram Raul e Doraci ser proibido, na pendência de pro­cesso possessório, o ajuizamento de ação de reconhecimento de domínio, nos termos do art. 923 do cpc.

O magistrado local julgou procedente a ação para declarar o domínio dos autores sobre a área descrita na inicial (4.532ha), conhecida como Fazenda "Guará" e localizada no Lote 41 do loteamento Crixás-Assu e Rio do Peixe-GO (fls. 307/329).

Irresignados, os contestantes apelaram, tendo a colenda Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás dado provimento ao recurso para extinguir o processo sem julgamento de mérito, nos termos do disposto no art. 267, VI (primeira hipótese), do Código de Processo Civil, em acórdão assim sumariado, verbis:

"Usucapião. Possessória anterior. Oposição.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Pendentes ação possessória e oposição, é inadmissível ao autor da meira promover usucapião contra o autor da segunda, sobre a mesma gleba, isto porque, o opoente, é parte (art. 923, CPC).

Recurso conhecido e provido." (fl. 574)

Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados.

Daí, o presente recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, alíneas a e c, da Constituição Federal, em que os recorrentes sustentam violação aos arts. 165, 458, 535, sob a alegação de falta de análise da questão da inaplicabilidade do art. 923 do CPC, no caso, porquanto "a ação de usucapião foi proposta com base na posse dos autores sobre a área usucapienda e não em face de posse a título de domínio" 602), bem como de omissão sobre o não-cabimento de oposição de terceiros em ação possessória, além de dissídio jurisprudencial, colacionando, para tanto, julgados de Tribunais diversos.

Inadmitido o recurso pelo Tribunal de origem (fls. 627/629), foi interposto, então, agravo de instrumento, que, por sua vez, restou provido para determinar a subida dos autos para esta Corte.

A douta Subprocuradoria Geral da República, em seu parecer, opina pelo não­conhecimento do recurso.

Após, vieram-me conclusos os autos por atribuição.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Scartezzini (Relator): Sr. Presidente, como relatado, tra­ta-se o presente caso de ação de usucapião julgada extinta, sem julgamento de mérito, nos termos do disposto no art. 267, VI, em sede de apelação.

Alegam os recorrentes, nesta instância especial, negativa de vigência aos arts. 165,458, 535, além de dissídio jurisprudencial.

O recurso não merece ser conhecido.

Com efeito, no que tange a alínea c, esta Corte tem entendido, reiteradamente, que, a teor do art. 255 e parágrafos, do RISTJ, para a comprovação e apreciação do dissídio jurisprudencial, devem ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, bem como juntadas cópias integrais de tais julgados ou, ainda, citado repositório oficial de jurisprudência.

No caso vertente, deixaram os recorrentes de proceder ao devido cotejo analí­tico entre o v. acórdão recorrido e os arestos paradigmas - concernentes ao

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descabimento de oposição em ação possessória, oferecida pelo titular de domínio -, com tratamento jurídico diverso, não preenchendo, pois, os mencionados requisitos. E, com relação aos demais julgados, que restringem a aplicação do art. 923 do CPC aos casos em que a ação possessória pendente está fundada em alegação de domínio, incide a Súmula n. 83 desta Corte (cf. REsp n. 171.624-MG, Relator Ministro BWTOS

Monteiro, DJ 18.10.2004).

Vejamos o seguinte trecho do citado .... "';'-.lI.'l>uu.lI., verbis:

"O cerne do litígio cinge-se, pois, a saber se é possível intentar-se a ação de usucapião na pendência de ação possessória.

c. .. ) Diante desta cabal distinção entre os campos possessório e petitório,

descabido é intentar-se, na pendência do feito possessório, ação visando ao reconhecimento do domínio. Claro está que a ação de usucapião é tipicamen­te de reconhecimento do domínio, bastando que se atente para os termos em que vazados o art. 550 do Código Civil!1916 e o 1.238 do atual Código Civil, nos quais ressai a pretensão de declarar-se, por sentença, o domínio invocado pelo autor.

A proibição de propor-se ação de reconhecimento de domínio não se portanto, à ação reivindicatória; estende-se ao ajuizamento também

da ação de usucapião. Tanto que, ante os termos inequívocos da lei, inadmissível é, por igual, invocar-se prescrição aquisitiva (usucapião) em defesa na ação possessória. Seria desvirtuar-se a natureza desta última.

Nesta linha, por sinal, o entendimento manifestado por Nelton dos ",aull.'lI'''', na obra coletiva denominada 'Código de Processo Civil Interpretado', sob a coordenação de Antônio Carlos Marcato', in verbis:

'A vedação legal visa im.pedir que a decisão possessória seja retardada ou perturbada por uma ação positiva ou negativa de reconhecimento de dOlT'inio.' (Greco "Direito Processual Civil brasileiro", v. 3, p. 222)

citada, p. 2.407, ed. 2004).

Essa é a nova posição doutrinária adotada, ainda que com ressalva, pelo magistrado paulista Benedito Silvério Ribeiro ("Tratado de Usucapião", voL 2, p. 1.158, 3a ed.).

É nítido o escopo do legislador de proibir; em sede possessória, discussão

em torno do domínio, pelo que se apresenta inadmissível, em qualquer

hipótese, a propositura de ação de usucapião pendente a ação possessória." (grifei)

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Impossível, sob esse prisma, portanto, conhecer da divergência aventada.

No que concerne à alínea Uy melhor sorte não assiste aos recorrentes.

Com efeito, sobre esse tópico - violação aos arts. 165, 458, lI; 535, do Código de Processo Civil- sustentam os recorrentes, essencialmente, falta de análise da questão da inaplicabilidade do art. 923 do CPC, no caso, sob o argumento de que "a ação de usucapião foi proposta com base na posse dos autores sobre a área usucapienda e não em face de posse a título de domínio" (fl. 602), bem como de omissão sobre o não-cabimento de oposição de terceiros em ação possessória.

Ao contrário do alegado, porém, verifico que o Tribunal a quo examinou todas as questões suscitadas pelos recorrentes, ou seja, tanto a relacionada com o art. 923 do CPC, quanto à oposição de terceiros, este último em sede integrativa. Neste particular, destaco do decisum (fls. 565/573 e 589/593), verbis:

" ... Examino, agora, a segunda questão levantada como preliminar e fundamentada no art. 923 do Código de Processo Civil.

A gleba usucapienda, pelo que ser vê dos autos, é a mesma sobre a qual contendem, em ação possessória, os ora apelantes e apelados.

Com efeito, bem antes da propositura da ação de usucapião, os autores, ora apelados, ajuizaram, em desfavor de Abrão de tal, prepostos dos ora apelantes, ação de manutenção de posse, alegando:

'Que os AA são possuidores há mais de 25 (vinte e cinco) anos de uma gleba de terras rural, no lugar denominado 'Fazenda Guará', no Município de Novas Crixás, perto de Bandeirantes. Posse essa cultivada e explorada pelo seu tio Joaquim Pinheiro de Lemos desde o ano de 1924 e posteriormente transferida aos AA por doação, onde mantém posse mansa e pacífica até a poucos dias. Que na área os AA possuem casa rústica antiga, cUlTal, ranchos de palha e telhas, fruteiras plantadas, áreas de lavouras e pastagens, onde criam gados vacum. Que o imóvel acima está encravado nas confrontações de João de Araújo, Ubirajara Alves da Costa e Raul Machado' (fls. 459/460)

A inicial da ação de usucapião, por seu turno, vem assim redigida:

'Os suplicantes, consoante provam os inclusos documentos, são possuidores de uma posse de terras de cultura e campos de criar, no lugar denominado de 'Fazenda Guará', no Município de Nova Crixás, perto de Bandeirantes. Posse essa cultivada inicialmente pelo seu tio Joaquim Pinheiro de Lemos desde o ano de 1924 ... ' (inicial, fls. 2/3).

A seguir, os autores dão a área e os limites e confrontações da gleba assim:

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'A posse usucapienda, conforme memorial descritivo e planta inclusos (art. 942 do CPC), tem a área de 4.532ha (quatro mil, quinhentos e trinta e dois hectares) e se circunscreve dentro dos seguintes limites e confrontações: 'Começa no marco M-1, cravado à margem direita do rio Araguaia e deste segue confrontando com Ubirajara Alves da Costa com os fUl1l0S e distância de 66030'20" SE 5.600,00m., e 23ll35'50" SW 3.520m., até o marco M-3; daí segue com o rumo de 66ll30'20" SE e vai ao marco MA, ao completar a distância de 5.600,00m, confrontando com João Antônio de Araújo; daí segue com o rumo de 23ll35'50" NE e vai ao marco M-5, ao completar a distância de 6.300,00m, confrontando com os lotes 38, 39 e 40; daí segue pelo córrego veredão abaixo até ao marco M-6, cravado à margem esquerda do córrego Veredão, junto à lagoa do Bibiano, confrontando com Raul Machado de Mendonça; daí segue como rumo 86ll10'00" Nw e vai ao marco M-7, cravado à margem direita do Rio Araguaia, ao completar a distância de 4.700,00m., confrontando ainda com Raul Machado de Mendonça; daí segue pelo Rio Araguaia acima até ao marco M-1, onde tiveram início estas divisas' (Inicial do usucapião, fls. 4/5).

Como se vê, em ambas as ações - possessória e usucapião - confron­tantes do imóvel são Ubirajara Alves da Costa, João Antônio de Araújo e Raul Machado de Mendonça. Logo, trata-se da mesma gleba.

Este fato ensejou as seguintes alegações dos ora apelantes, ao contesta­rem a ação de usucapião:

'Os contestantes e os autores estão digladiando em processo que tramita nesse ilustrado juízo, tendo por objeto a área que os A.A. pretendem seja lhes reconhecido o domínio no presente feito - ação de manutenção de posse, figurando como autores os ora requerentes e como réu Abrão Mateus, sendo que os contestantes fazem parte do processo na qualidade de opoente' (contestação, fl. 138).

Prosseguem os contestantes:

'Segundo o disposto no art. 923 da Lei Processual Civil, com nova redação que lhe foi dada pela Lei n. 6.820/1980, é defeso às partes tentarem ação de reconhecimento de domínio na pendência do processo possessório' (fi. 138).

O art. 923 do Código de Processo Civil, com a redação que lhe deu a Lei n. 6.820, de 16.09.1980, dispõe:

fut. 923. Na pendência do processo possessório é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar ação de reconhecimento de domínio.'

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Ajurisprudência é uníssona no sentido de não admitir, que, no curso de ação possessória, qualquer das partes intente ação de reconhecimento de domínio.'

c .. ) A sentença recorrida contém afirmação de que os contestantes do usuca­

pião não são partes na ação possessória, circunstância que levaria à conclu­são de que a proibição do art. 923 do Código de Processo Civil não incidiria na hipótese sob exame.

Diz, com efeito, a referida decisão:

'Em realidade, os réus desta ação de usucapião não são partes em aludido processo, o qual já seria suficiente a delimitar a ausência de propósito da argüição pela leitura gramática do texto do dispositivo que invocaram (art. 923, CPC)' (sentença, fi. 313).

E prossegue:

'Naquele processo possessório atuam os aqui réus como opoentes aos autores Arthur Pinheiro de Lemos e sua mulher Maria de Lourdes de Lemos e ao réu Abrão de Tal'. (FI. 313)

A assertiva de que o opoente não é parte no feito é de todo incorreta.

Sobre a matéria, leciona Sérgio Sahione FadeI:

'Se o objeto da ação, pelo qual litigam autor e réu, é concomitante­mente pretendido por um terceiro, este pode, intervindo no processo, pretender a exclusão de autor e réu, ou melhor, a exclusão da pretensão de autor e réu. Conforme salienta Gabriel de Rezede Filho ("Curso de Direito Processual Civil", voI. I, pp. 296/297), 'a oposição modifica a primeira relação processual, que une as partes em Juízo, formando-se uma nova relação, na qual, de um lado, aparece o opoente como sujeito ativo, e de outro, as partes principais, autor e réu, além do Estado, repre­sentado pelo juiz'. É que o opoente torna-se parte' (aut. cit., in "Código de Processo Civil Comentado", 3a ed., tomo I, pp. 142/143).

Além do mais, sabe-se que a oposição é uma ação proposta pelo opoente em desfavor dos opostos - autor e réu em outra ação, para fazer valer contra ambos direito próprio, incompatível com as pretensões destes.

c .. ) Assim, não há como negar-se aos ora apelantes a condição de partes em

ação possessória preexistente, fato que, nos termos do art. 923 do Código de

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Processo Civil, se constitui em pressuposto negativo à admissibilidade da ação de usucapião." - grifei

Embargos de declaração

'A mesma situação se verifica quanto à alegação de que houve omissão em relação à tese de ser incabível oposição em ação possessória.

Vê-se que essa tese foi rejeitada na sentença (fi. 315), inexistindo qualquer pedido de reapreciação da matéria. Pelo contrá/io, os apelados,

ora embargantes, pediram em suas razões de apelados, que a sentença fosse confirmada, sem que fizessem qualquer ressalva.

Logo, impossível ao acórdão apreciar matéria não suscitada na fase recursal.

Em verdade, o que se está pretendendo com os embargos, é a

revisão de matéria já decidida e não simplesmente suprir omissões que não existem.' - grifei."

Como se verifica, a matéria foi devidamente abordada e rechaçada, não havendo omissão a ser suprida. Não vislumbro, portanto, qualquer ofensa aos dispositivos

infraconstitucionais citados, impondo-se ressaltar, ainda, a ausência de prequestiona­mento quanto aos arts. 165 e 458, do Código de Processo Civil, incidindo, neste caso, a Súmula n. 211 desta Corte.

Ante o exposto, não conheço do recurso.

RECURSO ESPECIAL N. 532.864-RJ (2003/0083536-0)

Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrente: Hayde Tavares

Advogado: Maria Regina Purri Arraes

Recorrido: Eliane Gasparini Soares

Advogados: Gilberto Miranda Rocha e outros

EMENTA

Processual Civil. Medida cautelar de produção antecipada de prova (ação de interdição). Ajuizamento por sobrinha da interditanda. Legiti­midade ativa reconhecida.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Em linha de princípio, somente pode ajuizar ação cautelar a parte legítima para a propositura da ação principaL

Há de se reputar legítima a sobrinha que, pelo interesse sucessório e moral revelado na espécie, postula a produção antecipada de prova destinada ao aparelhamento do pedido de interdição de sua tia.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Jorge Scartezzini e Barros Monteiro votaram com o Sr. Minis­tro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.

Brasília (DF), 11 de outubro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator

DJ 13.02.2006

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Eliane Gasparini Soares ajuizou medida cautelar de produção antecipada de prova contra a ora recorrente Haydée Tavares, sua tia, preparatoriamente a ação de interdição fundada em suspeitas relativas à saúde mental da promovida.

Produzida a prova requerida, a interditanda apelou para o egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, aduzindo falta de legitimidade ativa da autora. O recurso foi desacolhido em v. aresto assim sumariado:

"Apelação cível. Cautelar de produção antecipada de provas. Interdição. Ilegitimidade ad causam. Interesse. Incapaz.

Conforme dispõem os arts. 1.177 do CPC, e 447 do CC, encontramos os legitimados para promover a interdição.

O rol elencado é taxativo, porém não enumerativo. A preferência para promover a interdição não impede que haja alteração na ordem enumerada nos referidos artigos.

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o que se pretende proteger é a pessoa, ou seja, o interditado, e seus bens.

Desprovimento do recurso" (fi. 486).

Rejeitados os embargos declaratórios, Haydée Tavares interpõe o presente recurso especial, no qual alega violação dos arts. 535, lI; 3°, 848, 849, 850,1.181, 1.182, 1.183 e 1.177 do Código de Processo Civil, e 447 do antigo Código Civil. Insiste na ilegitimidade ativa de sua sobrinha para a propositura da ação, pois "quando a lei concede ao parente próximo a faculdade de ajuizar a ação de interdi­ção, exclui os parentes remotos. Desse modo, possuindo a recorrente irmãos vivos, c. .. ) apenas eles poderiam ajuizar a ação de interdição e, por conseqüência, a medida cautelar preparatória" (fi. 506). Sustenta, alternativamente, a desnecessidade de realização da prova pericial e irregularidade em sua produção, pois não teria sido oportunizada à recorrente a possibilidade de indicar assistente técnico e formular quesitos.

Não respondido (fi. 519), o apelo foi inadmitido, ascendendo os autos a esta Corte por força do Ag n. 476. 968-RJ, provido pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar para melhor exame.

O Ministério Público Federal apresentou manifestação pelo improvimento do recurso (fis. 558/562).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): 1. Não há afronta ao art. 535, do Estatuto Processual, pois o Tribunal de origem fundamentadamente dirimiu as questões postas, não padecendo o v. aresto hostilizado de qualquer omissão.

2. O egrégio Pretório a quo, ao tratar da legitimidade ativa para a presente medida cautelar, destramou a questão sob o prisma de quem seriam os legitimados para a propositura da ação principal, como se da própria interdição se cuidasse.

Oportuno salientar que não se questionou, na espécie, a viabilidade de realização dessa discussão.

Assim, incumbe definir, no ponto, se a sobrinha da recorrente pode promover a interdição e, conseqüentemente, a antecipação de provas de que ora se cuida e se a existência de parente mais próximo (no caso, irmãos da interditanda), exclui ou não a legitimidade dos mais remotos.

A matéria sob controvérsia está prevista no art. 1.177 do Código de Ritos, que reza:

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

"Art. 1.177. A interdição pode ser promovida:

I - pelo pai, mãe ou tutor;

II - pelo cônjuge ou algum parente próximo;

IH - pelo órgão do Ministério Público."

O art. 447 do antigo Código Civil, de redação bem semelhante, já dispunha:

'M. 447. A interdição deve ser promovida:

I - pelo pai, mãe, ou tutor;

II - pelo cônjuge, ou algum parente próximo;

IH - pelo Ministério Público."

O Tribunal a quo deu a seguinte interpretação aos dispositivos em apreço:

"Conforme dispõem os arts. 1.177 do CPC, e 477 do CC, encontramos os legitimados para promover a interdição.

O rol elencado é taxativo, porém não enumerativo. A preferência para promover a interdição não impede que haja alteração na ordem enumerada nos referidos artigos.

O que se pretende proteger é a pessoa, ou seja, o interditado, e seus bens.

Logo, o que deve prevalecer é o interesse do incapaz, incapacidade esta que provém de indícios e suspeitas de que não mais detém plena capacidade de entendimento.

Assim, a preliminar de ilegitimidade não deve prosperar" (fl. 487).

A recorrente argumenta que, por ter irmãos vivos, restaria excluída a legitimidade de sua sobrinha, por ser parente mais distante.

Sem razão.

Em linha de princípio, somente pode ajuizar ação cautelar a parte legítima para a propositura da ação principal.

Quanto à hipótese em tablado, registre-se, inicialmente, que a legitimidade do parente próximo para pleitear a interdição tem fundamento na vocação here­ditária e no dever de proteção entre os familiares. É o que professa J.M. de Carvalho Santos, ao comentar o já mencionado art. 447 do Código Civil de 1916 (in "Código Civil Brasileiro Interpretado", na ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, voI. VI, fls. 383/384):

"Os parentes próximos têm igual direito, por dupla razão: primeira, como conseqüência de seu interesse pessoal; segunda, porque, pela lei, o

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parente próximo é naturalmente um defensor natural, ou antes um protetor natural, a quem deve caber tal direito, como resultante da solidariedade familiar, importando isso, que se lhe permite, na prática de um dever moraL

E como o direito de suceder venha a ser o principal interesse, em vista do qual a lei permite promover a interdição, parece que a expressão - parente próximo - equivale a esta outra - parente sucessível."

Além disso, a lei não estabelece a hierarquia pretendida pela recorrente, como bem arremata o insigne doutrinador, a seguir:

"Não estabelece o Código uma ordem hierárquica entre os parentes para o fim de que cogita, de modo que pode um parente mais afastado promover a interdição, embora esteja presente no lugar um outro parente mais próximo (Cf. Estêvão de Almeida, cit., n. 412; Laurent, cit., vol. 5, n. 255)."

Ora, o só fato de a pessoa a ser interditada ter irmãos vivos sequer afasta a vocação sucessória dos sobrinhos. Conforme lição de Dalmo Silva ("Interdição -Hipóteses Ocorridas na Justiça", in: Arquivos dos Tribunais de Alçada do Estado do Rio de Janeiro, n. 9, p. 36, jan./jun. 1988), "como não poderia o sobrinho ligado por laços de consangüinidade, pleitear a interdição, sendo colateral em terceiro grau, para fins sucessórios (art. 1.613 do Código Civil) por direito de representação como filho de um irmão do interditando?"

Na espécie, é incontroverso que "a requerida, irmã da genitora da requerente, é divorciada de há muito, sem filhos" (fi. 3). Colhe-se dos autos, ainda, que ela tem apenas irmãos vivos, dentre os quais não figura a mãe da autora.

Como se tal não bastasse, a própria interditanda afirma ser intenção da autora "anular testamento válido que a recorrente fez em benefício do seu irmão, revogando um outro testamento que beneficiava o filho da recorrida" (fi. 502).

Nem mesmo a possibilidade de a ação haver sido intentada com motivação individualista, como sugere a recorrente, descredenciaria a promovente a pedir a interdição e, por conseguinte, a produção de prova em exame. Com efeito, nos termos do preciso magistério contido no artigo recém mencionado, que ora retomo,

"pouco importa e está fora da indagação, na interdição, a discussão sobre se o requerente tinha ou não interesse financeiro, ou motivos egoísticos. É natural e até possível que tivesse, como herdeiro em potencial. Quem se beneficia com o pedido, entretanto, é o próprio interditando, pois a justiça vai apurar e protegê-lo se for o caso" Cp. 38).

Diante do exposto, rejeito a irresignação aventada no ponto.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

3. Quanto à antecipação da prova pericial, o acórdão recorrido, ao apreciar a matéria, ponderou:

"quanto à antecipação do exame pericial, ressalte-se que a apelante sub­meteu-se a tal exame sem qualquer manifestação contrária, comparecendo ainda, por sua livre vontade no consultório do perito judicial para entrevista. Cabe acrescentar que a ré-apelante, na Produção Antecipada de Prova, sofreu traqueotomia e permanece em coma desde o ano de 1999" (fl. 488).

Não merece prosperar a pretensão aventada no ponto, pois a revisão desse quadro fático demandaria o reexame da prova dos autos, tarefa vedada na sede atual segundo o Verbete n. 7 da Súmula desta Corte.

Ademais, acolho o douto parecer ministerial ao assentar "que prejuízo proces­sual algum sobreviera a qualquer das partes ora litigantes, motivo este pelo qual, aqui, a insurgência tampouco merece prosperar" (fl. 561).

4. Isso posto, não conheço do recurso especiaL

RECURSO ESPECIAL N. 537.713-PB (2003/0052594-6)

Relator: Ministro Fernando Gonçalves

Recorrentes: Ginoclínica Médica Ltda e outro

Advogados: Thélio Farias e outros

Recorrido: Banco Bradesco S/A

Advogados: Jurandir Leão Ribeiro Neto e outros

EMENTA

Direito Civil. Pessoa jurídica. Talonários de cheques. Extravio. Emissão indevida. Danos morais. Reparação. Súmula n. 227-STJ.

1. A responsabilidade pelo extravio de talonários de cheques é do banco que deve indenizar a pessoa jurídica titular da conta (Súmula n. 227-STJ), sendo desnecessário provar reflexo patrimonial em concreto. Precedentes da Terceira e da Quarta Turmas.

2. Recurso especial conhecido e, com aplicação do direito à espé­cie, parcialmente provido, para restabelecer a condenação por danos morais, porém, em valor limitado a R$ 20.000,00.

3. Preliminar do art. 535 do CPC prejudicada.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini, Barros Mon­teiro e Cesar Asfor Rocha votaram com o Ministro-Relator.

Brasília (DF), 16 de agosto de 2005 (data de julgamento).

Ministro Fernando Gonçalves, Relator

DJ 05.09.2005

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Por Aderaudo Luiz de Oliveira e Ginoclínica Clínica Médica foi ajuizada ação de indenização por danos morais, cumulada com perdas e danos e lucros cessantes, contra o Banco Bradesco SI A, porque por omissão sua, talões de cheques em nome da Ginoclínica, pessoa jurídica pela qual responde o primeiro, teriam sido extraviados e emitidos por terceiros, fraudulenta­mente, com abalo de seus nomes, pois ficaram sem crédito na praça e com fama de maus pagadores.

Em l il grau de jurisdição, o pedido foi julgado parcialmente procedente, acolhendo o édito monocrático somente a reparação por danos morais, a teor do seguinte dispositivo:

"Ex-positis, e considerando o mais que dos autos consta, com funda­mento no art. 159 da nossa Lei Substantiva Civil, c.c. § 2il do art. 3il, art. 51, VI, e art. 14, todos da Lei n. 8.078/1990 e jurisprudência acima e retromencionadas, julgo procedente em parte o pedido para condenar o réu Banco Bradesco SI A, devidamente qualificado, na reparação aos danos morais sofridos pela autora, levando em conta o caráter reparador, considerando as circunstâncias do caso, a gravidade do dano e sua repercussão, a situação do lesante, a condição da lesada, especialmente, a idéia da sanção pecuniária, a fim de que o réu não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem, arbitro a indenização na quantia equivalente a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), atualizada em juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, a partir do ajuizamento desta ação.

Condeno ainda o réu, pelo princípio da sucumbência ao pagamento das custas e honorários advocatícios que arbitro em 20% (vinte por cento) sobre o

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

valor da condenação, com base no art. 20, § 3.{1, da nossa Lei Adjetiva Civil." (fi. 155)

Manejada apelação pelo Banco e recurso adesivo pelos autores, o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, por sua Primeira Câmara Civil, dá provimento ao apelo para julgar improcedente o pedido inicial e nega provimento ao adesivo, em acórdão que guarda a seguinte ementa:

"Responsabilidade civil. Indenização por danos morais c.c. com perdas e danos e lucros cessantes. Cheques. Entrega de talonário sem requisição. Paga­mento de cheques falsos. Ato ilícito caracterizado. Culpa in vigilando. Valor da indenização. Verbas devidas. Procedência parcial. Apelação e recurso adesivo. Preliminar de cerceamento de defesa: rejeição. Desprovimento deste e provimento daquela.

1: Não tendo sido impedida a parte de praticar ato processual, a exemplo da interposição de agravo com relação a indeferimento, na audiência de instrução e julgamento, de pedido de exame grafotécnico, ter-se-á por incabível, ante a ocorrência de preclusão, a sua alegação de cerceamento de defesa.

2. A verificação do dano moral a pessoa jurídica que possui interesse econômico deve ocorrer pelo exame do dano patrimonial indireto, de modo que, se este não sobrevém, resta indevida a indenização.

3. Não é vítima de dano moral a pessoa jurídica que alega ter sido ofendida em sua honra objetiva, mas não sofreu diminuição na clientela, pois não é qualquer valoração negativa que merece a tutela judicial pela via do nobre instituto.

4. 'O juiz, diante da realidade econômica, deve ser sempre atento aos reflexos de sua decisão para não encorajar súbitos e desproporcionais enriquecimentos por meio de indenizações indevidas'.

5. O autor que postula indenização por dano moral sem quantificar o pedido, e em sendo este deferido na sentença, com livre arbitramento do julga­dor, carece de interesse para, em sede recursal, pleitear a majoração do quan­turn indenizatório, uma vez que não houve sucumbência." (fls. 256/257)

Embargos de declaração manifestados por ambas as partes, rejeitados nestes termos:

"Embargos de declaração. Oposição por ambas as partes. Alegação de existência de omissão pelo primeiro embargante. Configuração. Ausência, porém de efeito infringente. Acolhimento parcial. Contradição suscitada pelos segundos embargantes. Erro de julgamento. Inocorrência. Efeito modificativo.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Inadmissibilidade. Pretensão a reexame de questões já decididas. Impossibilidade. Rejeição.

1. 'O acórdão deve se apresentar do modo mais claro possível, para possibilitar integral entendimento das partes. Se há necessidade de se complementar o acórdão, esclarecendo-se fundamentos que foram desenvolvidos, tudo leva a se considerar os embargos como acolhidos. Omis­sões supridas, sem, contudo, emprestar-se efeitos modificativos ao julgado'.

2. Os embargos de declaração têm por objetivo sanar, na sentença ou no acórdão, obscuridade, contradição ou omissão, sendo inadmissível desnaturá­los, transformando-os em embargos infringentes.

3. Ainda que configurada omissão no aresto embargado, não se há de emprestar efeito infringente ou modificativo aos embargos declaratórios, mor­mente se não tem o ponto omisso qualquer influência no resultado do julgamento.

4. Somente em caráter excepcional, quando manifesto o erro de julgamento, dar-se-á efeito modificativo aos embargos declaratórios.

5. "Os embargos de declaração constituem meio inidôneo para reexame de questões já decididas, destinando-se tão-somente a sanar omissões e a esclarecer contradições ou obscuridades." (Fls. 292/293)

Inconformados os autores manifestam recurso especial, com fundamento no art. 105, inciso IH, letras a e c, da Constituição Federal afirmando, em preliminar, violação ao art. 535, n, do CPC, e dissídio pretoriano, porque, mesmo após a oposição de embargos declaratórios, estaria o julgado omisso.

No mérito, tem por violados os arts. 2.0, 6.0 e 14 do CDC e o art. 159 do Código Civil de 1916, além de dissídio com a Súmula n. 227-STJ e com outros julgados desta Corte, sustentando que a pessoa jurídica pode ser vítima de dano moral, bastando que se demonstre apenas a violação à sua honra objetiva, sem que seja necessária a prova cabal de efetivo prejuízo em concreto, notadamente, porque o Banco, como prestador de serviço, responde o1:>jetivamente.

Sem contra-razões, o recurso foi admitido na origem (fls. 336/337).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator): Colhe-se do acórdão recorrido:

"A despeito de serem independentes e cumuláveis as indenizações por dano moral e material (Súmula n. 37-STJ), em se tratando de pessoa jurídica que possui interesse econômico, o dano moral, na esfera da honra objetiva,

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

deve necessariamente representar um dano patrimonial indireto. Ora, se a honra objetiva consiste na reputação que a pessoa goza perante o quadro social em que vive (pessoa física) ou atua (pessoa jurídica), não se pode verifi­car a ocorrência do dano moral à sociedade - civil ou comercial - com fins lucrativos, se este dano não lhe acarreta - como reflexo ao menos mediato -um prejuízo patrimonial. Exemplificativamente, a pessoa jurídica que alega ter sido ofendida, mas não sofreu perda de clientes, não foi vítima de dano moral, pois não é qualquer conceito negativo que merece a tutela judicial pela via do nobre instituto.

In casu, os autores relacionaram, na inicial, várias condutas ofensivas de sua honra, mas não fizeram prova de sua alegação. Sabe-se, desde a Anti­güidade Clássica, que alegar e não provar corresponde a não alegar. O Direito romano já sistematizava a principal regra do ônus da prova: Onus Dr'olJ,aIl­di incumbit ei qui agit, isto é, o ônus probatório incumbe ao autor. Vejamos, então, os prejuízos descritos naquela peça processual e não prova­dos: a) ausência de requisição de talões de cheque - a ora apelada não fez prova do contrato de abertura de conta-corrente, em que estivesse prevista a movimentação exclusivamente por cartão magnético; b) débitos indevidos na conta - os extratos bancários anexados aos autos (fls. 16/18 e 28) comprovam que os valores dos cheques eram estornados pelo banco no mesmo dia do lançamento, como é de praxe no sistema de compensação, em casos como o presente; c) negativação dos nomes dos autores - não há prova de que os nomes dos autores foram enviados a qualquer cadastro de devedores inadimplentes; d) abalo de crédito - os autores afirmam que foi negada a compra de novos equipamentos pelos fornecedores da clínica, mas não provar~ o alegado.

Certo é que a responsabilidade pelos talões de cheque ainda não entre­gues ao cliente cabe ao banco. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, estatui que 'o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos'. Acontece, porém, que, reconhecido o defeito no serviço - qual seja, na entrega do talonário -, o ora apelante tratou de reparar os danos daí advindos. Ou seja, agiu como tinha de atuar para a correção do defeito: cancelou os cheques que foram roubados antes da entrega, estornou os valores de todos aqueles que foram emitidos e assumiu o prejuízo, sem repassá-lo ao cliente. Tomou, enfim, as providências exigíveis para o caso e usuais no Sistema Financeiro Nacional.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

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Verifica-se que não houve ato ilícito do banco ao enviar o talonário, pois, ante a ausência, no processo, do contrato de abertura da conta, presume­se que não havia cláusula limitadora desse envio, como normalmente não há na grande maioria dos casos. Ademais, cuidando-se de dano moral a pessoa jurídica, nem se pode cogitar de possíveis aborrecimentos ou aflições em de­corrência do fato, mas apenas de ofensa a seu conceito ou reputação no corpo social. Existem doutrina e jurisprudência que até negam que a pessoa jurídica seja passível de sofrer dano moral. Nesse caminho, o TJRJ já decidiu que 'a pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo de dano moral; o elemento carac­terístico do dano moral é a dor em sentido mais amplo, abrangendo todos os sofrimentos físicos ou morais, só possível de ser verificada nas pessoas físicas; o ataque injusto ao conceito da pessoa jurídica só é de ser reparado na medida em que ocasiona prejuízo de ordem patrimonial' (Quinta Câmara, 23.05.1995, RT 726/392).

Confirmando o posicionamento já exposto, entendo que o dano moral pode afetar a pessoa jurídica em sua honra objetiva, porém trazendo como reflexo necessário, para aquelas que possuem interesse econômico, um dano patrimonial indireto. E, examinando a presente causa, vejo que este não sobreveio. Para essa conclusão, basta a leitura do depoimento da testemunha Ediana Lopes do Nascimento, funcionária da apelada, que, no seu compromisso de dizer a verdade, reconheceu que 'a clínica permanece com a mesma movimentação, nunca mudou' (fl. 103). Além disso, os demais prejuízos apontados na exordial não foram provados." (fls. 259/260)

Ao assim decidir coloca-se em posição de confronto direto com o entendimento dominante nesta Corte, acerca da reparação dos danos morais sofri­dos por pessoa jurídica:

"Indenização. Dano moral. Pessoa jurídica. Possibilidade. Verbete n. 227, Súmula-STJ.

'A pessoa jurídica pode sofrer dano moral' (Verbete n. 227, Súmula-STJ).

Na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orienta­ção de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tomar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto.

Recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 331.517-GO, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ 25.03.2002)

"Civil. Ação de indenização. Protesto indevido. Pessoa jurídica. Dano moral. Prova do prejuízo. Desnecessidade.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

I - O protesto indevido de título gera direito à indenização por dano moral, independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pela autora, que se permite, na hipótese, facilmente presumir, gerando direito a ressarcimento que deve, de outro lado, ser fixado sem excessos, evi­tando-se enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato ilícito.

II - Precedentes do STJ.

IH - Recurso conhecido e parcialmente provido." (REsp n. 282.757-RS, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 19.02.2001)

"Civil e ProcessuaL Acórdão. Nulidade não configurada. Ação de inde­nização movida por diversos autores. Protesto indevido de títulos. Pessoas física e jurídicas. Exclusão dos autores não envolvidos na relação comercial. Prova. Reexame. Impossibilidade. Empresa criada muito após o protesto. Lesão não configurada. Ilegitimidade ativa ad causam. Danos materiais não identificados. Danos morais reconhecidos. Valor. Excesso decotado. Honorários. Fixação. Redução proporcional ao êxito obtido.

I - Não padece de nulidade o acórdão que enfrenta, fundamentadamente, as questões essenciais da lide, apenas com conclusões adversas ao interesse da parte.

II - Suficiente a simples prova do protesto indevido do título para evidenciar dano moral gerador do dever de indenizar o lesado.

III - 'A pessoa jurídica pode sofrer dano moral' - Súmula n. 227-STJ.

N - 'A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial' -Súmula n. 7 -STJ.

V - Ilegitimidade ativa para a causa de pessoa jurídica co-autora, que somente veio a ser criada anos após o protesto dos títulos, não obstante per­tencer ao mesmo grupo empresarial da empresa sacada.

VI - Redução do valor do dano moral, de modo a compatibilizá-lo com os parâmetros turmários e o porte da lesão, evitando-se o enriquecimento sem causa.

VII - Indeferida, pelas instâncias ordinárias, a postulação indenizatória a título de danos materiais, o percentual da verba honorária, fixado no máximo previsto na lei processual, deve ser proporcionalizado ao êxito efetivo, que se resumiu à condenação ao pagamento dos danos morais.

VIII - Dada a multiplicidade de hipóteses em que cabível a indenização por dano moral, aliada à dificuldade na mensuração do valor do ressarcimen­to, tem-se que a postulação contida na exordial se faz em caráter meramente estimativo, não podendo ser tomada como pedido certo para efeito de fixação de sucumbência recíproca, na circunstância de a ação vir a ser julgada procedente

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

em montante inferior ao assinalado na peça iniciaL" (REsp n. 488.536-MT, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 24.11.2003)

'1\ção de indenização. Dano moral. Protesto de título. Inscrição em cadastro negativo. Súmula n. 7. Precedentes da Corte.

1. Comprovada nas instâncias ordinárias a responsabilidade da empresa-ré pelo protesto de título e pela inscrição em cadastro negativo, indevidos, considerando a prova dos autos, não há como reformar o julgado, presente a Súmula n. 7 da Corte.

2. O recebimento dos valores pelo vendedor da ré, ausente qualquer indi­cação de que os valores não tenham sido efetivamente recebidos, não tem força para desqualificar a existência da lesão praticada.

3. A existência do fato, no caso, o protesto indevido e a inscrição em cadastro negativo, é suficiente para justificar a condenação por dano moral.

4. Recurso especial não conhecido." (REsp n. 570.950-ES, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 04.10.2004)

'1\ção de indenização. Dano moral. Extravio de talonário de cheques. Responsabilidade da instituição financeira. Fixação do quantum. Razoabilidade. Súmula n. 7-STJ.

Agravo regimental desprovido." (AgRg no Ag n. 585.832-RS, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 20.09.2004)

"Processual Civil. Recurso especial. Prequestionamento. Falta. Dissídio. Demonstração analítica. Ausência. Civil. Indenização. Danos morais. Cheque. Cobrança indevida. Roubo. Malote. Força maior. Inexistência.

1. Não decidida pelo Tribunal de origem a matéria referente ao disposi­tivo tido por violado, ressente-se o especial do necessário prequestionamento.

2. Quanto ao dissídio jurisprudencial, há necessidade, diante das normas legais regentes da matéria (art. 541, parágrafo único, do CPC c.c. o art. 255 do RISTJ), de confronto, que não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, entre excertos do acórdão recorrido e trechos das decisões apontadas como dissidentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou asse­melhem os casos confrontados. Ausente a demonstração analítica do dissenso, há flagrante deficiência nas razões recursais.

3. Segundo precedentes da Quarta Turma o roubo de malotes, contendo cheques que, por isso foram indevidamente descontados, não enseja força maior, apta a elidir a responsabilidade da instituição financeira pelo paga­mento de indenização por danos morais.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

4. Recurso especial não conhecido." (REsp n. 605.014-AL, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ 17.05.2004)

"Civil. Responsabilidade civil. Extravio de cheques. A falha do correio corre por conta de quem o contratou. Agravo regimental não provido." (AgRg no Ag 363.646-Sp, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ 18.02.2002)

Como se vê, o extravio de talonários de cheques é responsabilidade da instituição bancária que deve, por isso, arcar com os danos morais resultantes à pessoa juridica titular da conta (Súmula n. 227 -STJ), sendo desnecessária a cabal demonstração de reflexo patrimonial em concreto.

A responsabilidade do Banco, no caso concreto, vem bem delineada pela sen­tença, quando assevera:

"Por ocasião da contestação, o réu invoca em socorro a sua súplica de­fensiva, que a autora não sofreu qualquer prejuízo, com tudo reconhece o extravio dos talonários, e que a autora nunca solicitou talões de cheques e que o banco-réu não desejou que o talão de cheque de sua cliente fosse parar nas mãos de um estelionatário, o que padece de sustentação legal para efeito de configuração a qualquer das hipóteses de excludentes da responsabilidade, capaz de eximir o réu da culpa in vigilando pelos danos sofridos pela autora, à luz da legislação aplicável a espécie, posto que o fato narrado na exordial restou comprovado pela documentação e provas testemunhais já mencionadas na presente decisão, donde se constata que o talonário pertencente a autora foi extraviado e vários cheques foram emitidos e movimentados perante o banco com conseqüente devolução, sem a participação da autora, e por responsabilidade única do réu, repercutindo sobre seu bom nome e imagem." (Fl. 151)

Ante o exposto, conheço do recurso e, aplicando o direito à espécie (Súmula n. 456-STF e art. 257 do RISTJ), dou-lhe parcial provimento para restabelecer a con­denação por danos morais, porém, em valor limitado a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), adequado ao caso e em sintonia com o entendimento firme da Quarta Turma para casos assemelhados (REsp n. 1l0.091-MG, unânime, DJ28.08.2000; REsp n. 294.561-RJ,unânime, DJ 04.02.2002; REsp n. 232.437-Sp, unânime, DJ 04.02.2002; REsp n. 218.241-MA, unânime, DJ 24.09.2001; REsp n. 332.943-Sp' unânime, DJ 17.02.2003, e REsp n. 296.555-PB, unânime, DJ 20.05.2002).

Prejudicada a preliminar do art. 535 do Cpc.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL N. 703.588-SC (2004/0162625-5)

Relator: Ministro Jorge Scartezzini

Recorridos: Banco do Estado de Santa Catarina S/A - Besc

Advogados: Nilton José Barbosa Motta e outros

Recorrentes: Ary José Frantz e outro

Advogado: Ênio Expedito Franzoni

EMENTA

Processo Civil. Recurso especial. Ação de indenização. Danos mo­rais. Cadastro de inadimplentes. Regularidade da inscrição. Não­comprovação da quitação de débitos. Descaracterização do dano invocado. Ausência do dever de ressarcimento. Embargos pendentes de julgamento. § 2il do art. 43 do Código de Defesa do Consumidor.

1. Consoante entendimento firmado nesta Corte, a comunicação ao consumidor sobre a inscrição de seu nome nos registros de proteção ao crédito constitui obrigação do órgão responsável pela manutenção do cadastro e não do credor, in casu, da instituição financeira, que apenas informa a existência da dívida. Aplicação do § 2il do art. 43 do CDe. Inexistência da alegada infringência ao mencionado dispositivo legal. Ilegitimidade passiva do Banco-credor. Precedentes.

2. Com base no conjunto fático-probatório produzido nas instâncias ordinárias, o Tribunal de origem não reconheceu qualquer irregularida­de na conduta da instituição financeira. As inscrições nos registros de proteção ao crédito se fizeram regularmente, em razão de débitos não quitados, e em período anterior à interposição das ações de execução das referidas dívidas. Não há como acolher as alegações dos recorrentes de que seus nomes não deveriam constar nos cadastros do Serasa em razão dessas ações encontrarem-se pendente de julgamento. Descaracte­rização do dano invocado. Ausência do dever de ressarcimento.

3. (Precedente: REsp. 527.618-RS, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ 24.11.2003).

4. Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça em, na conformidade dos votos e das notas

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, com quem votaram os Srs. Ministros Barros Monteiro, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior. Ausente, justificadamente, o Sr. Mi­nistro Cesar Asfor Rocha.

Brasília (DF), 03 de fevereiro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Jorge Scartezzini, Relator

DJ 28.02.2005

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Jorge Scartezzini: Infere-se dos autos que Ary José Frantz e João Balduino Kessler ajuizaram ação de reparação por dano moral contra o Banco do Estado de Santa Catarina - Besc-S/ A, por inscrição indevida de seus nomes nos registros do Serasa.

Alegaram que não receberam a prévia comunicação da instituição bancária quanto ao encaminhamento de seus nomes ao cadastro negativo do Serasa.

Esclareceram que as referidas anotações se referem a avais prestados à pessoa jurídica Irmãs Frantz Ltda e Janete Frantz. Aduziram que as referidas dívidas são inexistentes: uma das execuções promovidas pelo Banco-réu foi extinta por senten­ça transitada em julgado; a outra execução foi embargada, (sendo acolhidos, em parte, os argumentos de defesa) estando o processo em grau de recurso; outro feito expropriatório movido pelo requerido também foi extinto, encontrando-se essa decisão em 2a instância.

Requereram a concessão de tutela antecipada para o cancelamento das anota­ções e a procedência da demanda, para ser o requerido condenado à reparação do dano moral, estimando a indenização no dobro do valor de cada inscrição realizada irregularmente (fls. 2/9).

Contestando, alegou o banco-requerido inexistir irregularidades nas inscri­ções efetuadas, sobretudo por restar pendente a análise de duas ações perante o Tribunal de Justiça, sendo válidas, portanto as dívidas, tanto que não se encontra demonstrado nos autos, mediante recibo, o pagamento integral dos débitos. Aduziu, ainda, o requerido que os autores não pediram, em momento algum, a retirada de seus nomes do cadastro de inadimplentes, além de salientar que um dos autores possui outra restrição junto ao Banco do BrasiL Impugnaram, igualmente, o montante indenizatório postulado (fls. 114/119).

O magistrado de lU grau, considerando não ter o requerido comunicado pre­viamente aos autores a inscrição de seus nomes nos registros de inadimplentes,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

julgou procedente a ação, condenando o requerido a pagar R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) e R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais) aos autores, Ary

José Frantz e a João Balduino Kessler respectivamente, além de determinar a retirada das anotações em desfavor dos requerentes que tenha como credor o banco­requerido (fls. 122/128).

Irresignado, apelou o requerido, retomando suas alegações expostas na peça contestatória, pleiteando a reforma da sentença (fls. 136/141).

Os autores recorreram adesivamente, pedindo a elevação do valor condenató­rio para 100 (cem salários mínimos) para cada um dos autores, bem como da verba honorária para 15% do valor da condenação (fls. 143/146).

O egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, estimando inexistir qualquer irregularidade na inscrição do nome dos autores nos registros do Serasa, e, portanto, ausência do dever de ressarcimento, deu provimento ao recurso interposto pelo Banco-apelante, determinando a reforma da sentença de 10 grau, restando prejudicado o recurso adesivo dos autores, estando o v. acórdão assim ementado (fl. 165):

':Apelação cível. Ação de reparação de dano moral. Inscrições de nome no Serasa anteriores à interposição de ações de execução de débito decorrente de aval. Embargos pendentes de julgamento. Transcurso de quatro anos entre a inscrição e o pedido judicial de indenização por abalo moral. Indícios a demonstrar a existência do débito. Liberdade de convencimento do julgador. Descaracterização do dano invocado. Ausência do dever de ressarcimento. Recurso da instituição bancária ré provido. Recurso dos autores desprovido.

Para se conceder indenização por dano moral, faz-se necessário, além da caracterização do ato ilícito, a demonstração de que a parte tenha sido submetida a um efetivo dano e o nexo causal entre este e aquele. Ausentes um desses requisitos, desfigurado está o dano psíquico invocado.

'Na prova do dano moral e das circunstâncias que influem na determinação do quantitativo a arbitrar, os juízes terão de recorrer às regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece referidas no art. 335 do CPC'" (Apelação Cível n. 96.007731-6, de Concórdia, Desembargador Pedro Manoel Abreu).

Inconformados, manifestaram os autores, ora recorrentes, o presente recurso especial, fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional (art. 105, m, da CF/1988).

Alegam, em síntese, contrariedade ao § 20 do art. 43 do CDC, sustentando a ausência de comunicação por parte da instituição bancária, ora recorrida, da

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

inscrição de seus nomes no cadastro de inadimplentes. Invocam, nesse sentido, dissidência jurisprudencial. Aduzem, outrossim, que, estando pendentes o julgamento de duas ações perante o Tribunal de Justiça, provenientes das execuções movidas pelo banco-recorrido, não poderiam ter sido lançados seus nomes em cadastros de proteção ao crédito (fls. 174/182).

As contra-razões foram ofertadas às fls. 205/208.

Admitido o recurso à fl. 210, subiram os autos, vindo-me conclusos.

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Jorge Scartezzini (Relator): Como relatado, cuida-se de ação indenizatória, ajuizada pelo ora recorrente contra o Banco do Estado de Santa Catarina - Besc, com o escopo de ser ressarcido dos danos morais ocasionados por alegada inscrição indevida de seu nome no registro de proteção ao crédito - Serasa.

Em sentença de ID grau, o pedido exordial foi julgado procedente, consideran­do o magistrado a ausência de comunicação, por parte da instituição bancária, da inscrição dos nomes dos autores no cadastro de inadimplentes.

O egrégio Tribunal de origem, estimando inexistir qualquer irregularidade no referido apontamento e, portanto, ausência do dever de ressarcimento, deu provi­mento ao recurso interposto pelo banco-apelante, determinando a reforma da sen­tença de 1.(1 grau.

Inconformados, os autores, ora recorrentes, manifestaram o presente recurso especial, alegando infringência ao § 2.(1 do art. 43 do CDC, e dissídio jurisprudencial. Aduzem que a inscrição de seus nomes no cadastro restritivo de crédito ocorreu sem que tal fato lhes fossem previamente comunicado pela instituição bancária, ora recorrida.

Sustentam, outrossim, que se encontrando pendente de julgamento duas ações perante o Tribunal de Justiça, provenientes de execuções movidas pelo banco-recorrido, seus nomes não deveriam constar no referido registro de proteção ao crédito.

No tocante à alegada violação ao § 2.(1 do art. 43 do CDC, a insurgência não deve prosperar.

De fato, a comunicação ao consumidor sobre a inscrição de seu nome nos registros de proteção do crédito constitui obrigação do órgão responsável pela manutenção do cadastro e não do credor, in casu, da instituição financeira, que apenas informa a existência da dívida. Esta é a aplicação correta do referido § 2.(1 do art. 43 do CDC, consoante entendimento firmado nesta Corte.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Transcrevo, nesse sentido, os seguintes precedentes:

"A cientificação do devedor sobre a inscrição prevista no citado dispostivo do CDC, constitui obrigação exclusiva da entidade responsável pela manuten­ção do cadastro, pessoa jurídica distinta, de modo que o credor, que meramente informa a existência da divida, não é parte legitimada passivamente por ato decorrente da administração do cadastro" CREspo n. 345674-PR, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 18.03.2002).

'A comunicação ao consumidor sobre a inscrição de seu nome nos resgis­tros de proteção ao crédito constitui obrigação do órgão responsável pela manutenção do cadastro e não do credor, que meramente informa a existência da dívida. Precedente da Quarta Turma.'" CREspo 442.483-RS, Relator Ministro Barros Monteiro, DJ 05.09.2002).

Quanto à alegação de que os apontamentos negativos não poderiam ter sido lançados em razão de estarem pendentes de julgamento duas ações perante o Tribunal de Justiça, provenientes de execuções movidas pelo banco-recorrido, as razões recursais também não merecem prosperar.

Com efeito, o egrégio Tribunal a quo assim se manifestou acerca da questão:

"Exsurge dos autos que os autores/apelados tiveram seus nomes inscritos no Serasa em virtude de terem descumprido o compromisso de pagamento assumido em avais prestados às pessoas jurídicas Irmãs Frantz Ltda ME e Janete Frantz. Tais inscrições ocorreram em em 1999 e 200l.

Das consultas processuais juntadas às fls. 13/27, infere-se que o Banco/ apelante intentou diversas ações de execução para cobrança das aludidas quantias, tendo contra as mesmas sido interpostos embargos à execução.

A assertiva dos apelados de que na pendência dessas ações não poderiam ter sido lançados os seus nomes em órgãos de proteção ao crédito não merece prosperar, tendo em vista que a maioria das anotações no mencionado órgão se deu antes mesmo de haver se instaurado qualquer lide com relação aos créditos debatidos" (fl. 168).

"O que se verifica dos autos é que há um débito, resultante do compro­misso prestado pelos apelados em avais, não havendo em momento algum prova de que foram quitados. Também não se encontram em suas argüições explanação plausível para o dano moral que invocam ter sofrido."

"Os apelados tiveram seus nomes inscritos no Serasa e respondem a ações de execução desde 1999, estando desde então, com seus créditos restritos. Em outubro de 2002, tiveram um dos processos de execução extinto, por decisão desta egrégia Corte, em embargos que interpuseram. Com base nisso,

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

questiona-se: como podem somente em janeiro de 2003, ou seja, praticamente quatro anos depois, sentirem-se abalados em sua moral?"

"Conclui-se que de fato se não devessem, não teriam conseguido conviver com a manutenção dos seus nomes no aludido órgão de proteção ao crédito" (fls. 169).

Destarte, o Tribunal de origem, com base no conjunto fático-probatório produzido nas instâncias ordinárias, não reconheceu nenhuma irregularidade na conduta da instituição financeira suscetível de ter causado os alegados danos morais aos recorrentes.

A inscrição destes nos registros de proteção ao crédito se fez regularmente, em razão de débitos não quitados, em período anterior, inclusive, à interposição de ações de execução do referidos débitos. Não há, portanto, como acolher as alega­ções dos recorrentes de que seus nomes não deveriam constar nos cadastros do Serasa em razão dessas ações encontrarem-se pendentes de julgamento.

Nesse sentido, vale transcrever excerto do voto do douto Ministro Cesar Asfor Rocha:

"Não tem respaldo legal, no meu entender, obstaculizar o credor do re­gistro nos cadastros de proteção ao crédito apenas e tão-somente pelo fato de o débito estar sendo discutido em juízo, ainda que no afã de proteger o consumidor. O Código de Defesa do Consumidor veio em amparo ao hipossuficiente, em defesa dos seus direitos, não servindo, contudo, de escudo para a perpetuação de dívidas. Devo registrar que tenho me deparado, com relativa freqüência, com situações esdrúxulas e abusivas nas quais devedores de quantias consideráveis buscam a revisão de seus débitos em juízo, que nada pagam, nada depositam e, ainda, postulam o impedimento de registro nos cadastros restritivos de crédito. Não estou a dizer que esta seja a hipótese dos autos, porque não trazem maiores informações a respeito. Por isso, tenho me posicionado no sentido de que deve o devedor demonstrar o efetivo reflexo da revisional sobre o valor do débito e deposite ou, no mínimo, preste caução, ao

menos do valor incontroverso. É de relevância que o ponto da dívida que se pretende revisar seja demonstrado e que tenha forte aparência de se ajustar à jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça." (REsp n. 527.618-RS, DJ 24.11.2003).

Ante o exposto e por tais fundamentos, não conheço do recurso.

É como voto.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL N. 715.356-RS (2005/0003830-0)

Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrente: Companhia Siderúrgica Nacional- CSN

Advogados: Francisco Rosito e outros

Recorrido: Antônio Carlos Sattamini Simões Lopes

Advogados: João Joaquim Martinelli e outros

ElVIENTA

Processual Civil. Competência. Ação de abstenção de uso indevido de bem patenteado c.c. indenização. Aplicação dos arts. 94 e 100, Iv, a, do cpc. Foro do domicílio da ré.

Tratando-se de ação fundada em direito real sobre bem móvel, qual seja, a patente do autor (art. 5Q da Lei de Propriedade Industrial), incidem as regras dos arts. 94 e 100, Iv, a, do CPC, sendo competente para o julgamento da lide o foro do domicílio da ré, que no caso de pessoa jurídica é o local da sua sede.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na confor­midade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e Barros Monteiro votaram com o Sr. Ministro-Relator.

Brasília (DF), 20 de outubro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator

DJ 06.03.2006

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Antônio Carlos Sattamini Simões Lopes, ora recorrido, ajuizou, perante o Juízo de Direito da laVara Cível de Porto Alegre-RS, ação de industrialização, uso e comercialização de bem patenteado c.c. indeniza­ção e pedido de tutela antecipada contra a Companhia Siderúrgica Nacional -

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

CSN, ora recorrente. Citada, a ré opôs exceção de incompetência, julgada proce­dente.

O autor interpôs agravo de instrumento contra essa decisão, que foi provido, nos termos da ementa a seguir transcrita:

"Exceção de incompetência.

Competência. Foro da superintendência da agravada.

Inteligência do art. 100, Iv, do cpc. Agravo de instrumento provido." (Fi. 149)

Foram opostos embargos de declaração, rejeitados.

Irresignada, a Companhia Siderúrgica Nacional- CSN interpôs recurso espe­cial, fundado na alínea a do permissivo constitucional, alegando ofensa aos arts. 94 e Iv, do cpc. Sustenta que a ação versando sobre abstenção do uso indevido de patente deve ser processada e julgada na Comarca do Rio de Janeiro, que é o foro do lugar onde está a sede da ré, pessoa jurídica, nos termos do art. 100, Iv, a, do CPC, pois a discussão travada nos autos não se refere ao cumprimento de obrigação contraída pela superintendência de Porto Alegre, a ensejar a competência do Juízo daquela Comarca.

Com as contra-razões, o recurso foi admitido na origem, vindo-me os autos.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): Razão assiste à recorrente.

Com efeito, a aplicação do art. 100, Iv, do CPC se dá nos casos em que a demanda versa sobre cumprimento de obrigação contraída pela agência ou sucursal da pessoa jurídica litigante.

No caso dos autos, nos termos da petição inicial (fls. 16/55), verifico que o autor afirma ser o inventor do "Módulo composto para edificação", devidamente patenteado junto ao INPI. Alega que a ré entrou em contado com ele, objetivando a formação de uma parceria para o desenvolvimento do seu projeto, no intuito de fomentar a construção de casas modulares em todo o Brasil, sendo que, após diversas tratativas, a negociação não se concretizou. Todavia, após tais acontecimentos, a requerida passou a comercializar indevidamente o seu sistema de edificação de casas modulares.

Assim, em razão da prática de contrafação e da violação da patente conferida ao autor, este requereu a declaração do seu direito de exclusividade na exploração

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409

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

de forma industrial, comercial e publicitária do modelo de utilidade por ele paten­teado, a condenação da empresa-requerida a deixar de utilizar o citado sistema de edificação, sob pena de multa diária, além do pagamento de indenização por da­nos materiais e morais.

Portanto, não houve pedido de cumprimento de obrigação assumida pela su­perintendência da recorrente, até porque, conforme alegado pelo próprio autor, as partes não chegaram a firmar qualquer acordo negociaI. Em razão disso, inaplicá­vel ao caso o disposto no art. 100, Iv, do CPc.

Tratando-se de ação fundada em direito real sobre bem móvel, qual seja, a patente do autor (art. 5ll da Lei de Propriedade Industrial), incidem as regras dos arts. 94 e 100, Iv, a, do CPC, sendo competente para o julgamento da lide o foro do domicílio da ré, que no caso de pessoa jurídica é o local da sua sede.

Confira-se, por pertinente, o seguinte aresto:

"Competência. Foro. Ré com sede no exterior. Marca. Propriedade Indus­triaL

1. No litisconsórcio passivo, se uma das rés tem sede no exterior e as outras no Brasil, a ação deve ser proposta no foro do domicílio destas, e não no da autora, pois a disposição do § 3ll do art. 94 do CPC apenas se aplica se não existem outras litisconsortes com sede no BrasiL

2. A ação para impedir o uso indevido de marca, cumulada com pedido de indenização, deve ser promovida no foro geral de domicílio do réu.

3. A medida cautelar inominada para impedir o uso da marca não previne o juízo nem determina o foro da ação principaL

4. Recurso conhecido e provido." (REsp n. 223.742-PR, Relator o eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ 13.03.2000)

Isso posto, conheço do recurso especial dou-lhe provimento, para declarar a competência do foro da Comarca do Rio de Janeiro, local da sede da empresa-ré, ora recorrente, para o processamento e julgamento da ação.

RECURSO ESPECIAL N. 799.077-SP (2005/0193531-0)

Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrente: Empresa Brasileira de Compressores SI A - Embraco

Advogados: Eduardo Andrade Ribeiro de Oliveira e outros

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Recorrido: Banco Safra SI A Advogados: Rubens Ferraz de Oliveira Lima e outros

Sustentação oral: Eduardo Andrade Ribeiro de Oliveira, recorrente

Empresa Brasileira de Compressores SI A - Embraco e Rubens Ferraz de

Oliveira Lima, pelo recorrido, Banco Srafa SI A

El'\IIENTA

Recurso especial. Reconvenção. Anterior ação declaratória de ine­xistência da obrigação transitada em julgado. Identidade das partes, do pedido e da causa de pedir. Coisa julgada reconhecida. Art. 301, §§ P,

2Q e 3'\ do cpc. Ambas as demandas têm as mesmas partes, o mesmo pedido e causa

da pedir. A anterior ação declaratória já transitou em julgado. Assim, inafastável o óbice da coisa julgada, nos termos do art. 301, §§ In, 2n e 3n, do cpc.

Recurso especial não conhecido.

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e Barros Monteiro votaram com o Sr. Ministro-Relator. Afirmou suspeição o Sr. Ministro Jorge Scartezzini.

Brasília (DF), 06 de dezembro de 2005 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator

DJ 06.03.2006

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: O Banco Safra SI A ajuizou ação de cobrança contra a Empresa Brasileira de Compressores SI A - Embraco, visando receber a quantia de R$ 284.485.642,22 (duzentos e oitenta e quatro milhões, quatrocentos e oitenta e cinco mil, seiscentos e quarenta e dois reais e vinte e dois centavos) decor­rente do Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente firmado entre as partes, em 14.06.1989 (fls. 198/214).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A requerida, junto com a contestação, apresentou reconvenção na qual pediu a declaração de nulidade dos contratos celebrados com o banco reconvindo no período de 5 a 14 de junho de 1989, que deram origem à obrigação que lhe está sendo cobrada, tendo em vista que os mesmos foram firmados com desvio de fina­lidade, objetivando favorecer a empresa Distribank S/A. Postulou, ainda, indeniza­ção por danos materiais e morais. Subsidiariamente, pleiteou a restituição das quantias subtraídas irregularmente pelo banco reconvindo da Conta-Corrente n. 000.636-6, nos dias 5,6 e 8 de junho de 1989, por meio de cheques administrativos, e perdas e danos em quantia capaz de liquidar o "Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente" n. 010.013-8, de 14.6.1989 (fls. 815/827).

O MM. Juiz de Direito indeferiu a petição inicial de reconvenção, com base no art. 295, III, do CPC, e julgou-a extinta na forma do art. 267, I, V e VI, do CPC, por entender que "os pedidos lá formulados estão atingidos parte pela carência de ação, em razão da caracterização da falta de interesse de agir, e parte pela coisa julgada oriunda da ação declaratória de inexigibilidade de obrigação que teve curso na 4a

Vara Cível Central, Processo n. 613/1990, já julgada em definitivo" (fl. 1.648).

A reconvinte, Empresa Brasileira de Compressores S/A - Embraco, interpôs agravo de instrumento contra essa decisão. O egrégio Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo negou acolhida ao recurso, mantendo a decisão que extinguiu a reconvenção, por entender ausente o interesse de agir e haver óbice na coisa julgada. Além disso, deferiu a prova pericial contábil restrita aos pontos controver­tidos que declinou.

O v. aresto restou assim ementado:

"Agravo de instrumento. Ação ordinária de cobrança e reconvenção. Saldo devedor em conta-corrente e nulidade de contratos de empréstimo c.c. restituição de quantias desviadas e indenização por danos materiais e morais. Existência de anterior ação declaratória de inexigibilidade da obrigação julgada improcedente. Pretensa nulidade das avenças que implicaria reconhecimento da inexigibilidade da dívida já negada na procedente ação declaratória. Identidade de pedidos e de causas de pedir na ação declaratória e na reconvenção. Coisa julgada reconhecida. Extinção da reconvenção sem julga­mento do mérito e deferimento de perícia contábil limitada ao âmbito da ação principal. Recurso improvido" (fl. 1.807).

A agravante opôs embargos de declaração, que foram rejeitados (fls. 1.834/1.845).

Inconformada, a empresa interpôs recurso especial fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional (fls. 1.852/1.890), alegando violação dos seguintes dispositivos legais:

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

a) art. 301, §§ lU a 3u, do CPC, pois entende que os pedidos apresentados na reconvenção não encontram óbice na coisa julgada em razão da anterior ação declaratória por ela ajuizada, uma vez que não possuiriam os mesmos pedidos e causa de pedir. Sustenta que, na ação declaratória, objetivava apenas a declaração de inexigibilidade da obrigação de pagar o "Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente", de 14.06.1989, e de sua respectiva nota· promissória, sendo que na reconvenção pleiteia a declaração de nulidade dos oito contratos sucessivos celebrados no período de 5 a 14 de junho de 1989 e, subsidiariamente, a condenação do Recorrido ao pagamento de perdas e danos. Alega, também, que os fundamentos jurídicos dos pedidos são distintos. Na ação declaratória, o pedido de inexigibilidade da obrigação decorre da ausência de poderes dos representantes da Recorrente para o ato. Na reconvenção, o pedido de nulidade dos contratos decorre da ilicitude do seu objeto e de desvio de finalidade. Colhe-se da peça recursal:

"Ou seja, a ação declaratória teve por fundamento vício de forma, na constituição de um contrato e sua nota promissória, emitidos por quem, ale­gava-se, não tinha poderes de representação da Recorrente para aqueles atos específicos. Esta reconvenção tem por fundamento, além de outros, o vício de conteúdo de sete contratos anteriores ao do dia 14 de junho, e do contrato do próprio dia 14 de junho, todos denunciados pela ilicitude do objeto, ou desvio de finalidade." (fi. 1.871);

b) art. 474 do CPC, sob a fundamentação de que a preclusão só abrange a matéria fática relativa à causa de pedir deduzida anteriormente e não alcançando outros fundamentos que podem constituir causa de pedir autônoma. Afirma que a ilicitude do objeto, desvio de finalidade e a retirada do dinheiro do mutuário sem autorização do titular são causas de pedir autônomas e independentes daquela apresentada na anterior ação declaratória (inexistência da obrigáção por causa da ausência de poderes dos representantes da Recorrente para o ato) e, portanto, podem e devem ser apreciadas, pois não sofrem o óbice da eficácia preclusiva da coisa julgada;

c) arts. 468, 469 e 471 do CPC, insistindo na inexistência de coisa julgada a impedir o exame da reconvenção, sob a alegação de que ela "não incide sobre (i) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da decisão, (iO a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença e (iii) a apreciação de questão prejudicial" (fi. 1.876). Assim, no caso dos autos, aduz que tendo sido afastado pelo juízo da ação declaratória, o vício da falta de representa­ção, por aplicação da teoria da aparência, tal decisão não impede o conhecimento dos pedidos apresentados na reconvenção, quais sejam: "(i) nulidade dos Contratos

celebrados no período de 5 a 14 de junho de 1989, por objeto ilícito, (iO restituição

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dos valores subtraídos irregularmente pelo Recon-ido da conta corrente n. 000.636-

6 e (iii) condenação do Recon-ido ao pagamento de indenização por danos materiais

e morais" (fi. 1.878), pois as causas que originaram tais pedidos não foram decididas na anterior demanda;

d) arts. 3° e 267, VI, do CPC e 145, do CCB/1916, insurgindo-se contra a declaração de carência de ação por falta de interesse de agir, bem como contra o fundamento do acórdão recorrido de que não poderia invocar a nulidade dos contratos firmados entre 5 e 14 de junho de 1989, sem antes se ter questionado a invalidade do cumprimento deles. Afirma que tem manifesto interesse em que a

nulidade das obrigações ilícitas ocorridas entre 5 a 13 de junho de 1989 seja declarada, pois mesmo se considerando a validade do contrato celebrado em 14.06.1989, a recorrente poderá se insurgir contra a destinação dada à quantia liberada por força de tal contrato, que serviu apenas para quitar contrato anterior, celebrado em 13.06.1989, ou seja, "o Contrato de Abertura de Crédito em Conta­

Corrente celebrado em 14.06.1989 seria considerado válido e exigível, por força da suposta existência da coisa julgada, o que novamente se admite por argumento, mas os contratos celebrados no período de 5 a 13 de junho de 1989, não seriam. Portanto, o uso do dinheiro resultante do último contrato para pagar os anteriores contratos nulos seria, como é e se alega em reconvenção, inteiramente ilícito" (fi. 1.879). Por fim, defende que para que se possa pleitear a nulidade de determinado ato jurídico, por objeto ilícito e/ou desvio de finalidade, não há necessidade de comprovar a invalidade do cumprimento deste.

Apresenta, ainda, dissenso pretoriano acerca da interpretação do art. 474 do cpc. Com as contra-razões (fls. 1.938/1.985), o recurso foi inadmitido na origem

(fls. 2.034/2.036), sob o fundamento de que a decisão do acórdão recorrido não traduziu desrespeito e violação das normas arroladas. O dissídio jurisprudencial também restou afastado por ausência de similitude fática.

Advindo agravo de instrumento, dei-lhe provimento e determinei a sua conversão em recurso especial, nos termos do § 3.0 do art. 544 do cpc.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): Irretocável o acórdão recorrido. Não vislumbro contrariedade ou negativa de vigência às normas insertas nos artigos apontados como ofendidos.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

Com efeito, o exame da reconvenção interposta pela recorrente encontra óbice na res judicata, em razão do julgamento definitivo da ação declaratória ajuizada anteriormente.

o objeto de ambas as demandas é a movimentação bancária ocorrida no período de 5 a 14 de junho de 1989, na Conta-Corrente n. 000.636-6, da agência do banco-recorrido, da cidade de Joinvile, que ensejou, ao final de todas as operações, o "Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente" firmado entre os litigantes.

Nos termos da petição inicial da ação Declaratória de inexigibilidade de obrigação que a Empresa Brasileira de Compressores S/A - Embraco ajuizou contra o Banco Safra S/A (fls. 324/330 destes autos), a pretensão autoral estava fundada na irregularidade da formação da dívida que acusava o seu extrato bancário, pois, segundo defendia, foi constituída por diretores que não detinham poderes estatutários para tanto e revertida em favor da empresa Distribank S/A. Oportuna a transcrição dos seguintes trechos da citada peça processual:

"C·.)

Há alguns dias, porém, foi a Autora surpreendida com a notícia de que seria devedora perante o Banco-Réu de importância superior a NCz$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de cruzados novos).

C.·)

Diante desses fatos, gravíssimos, a Autora tomou providências imediatas:

C.·)

b) determinou que a firma Price Waterhouse Auditores Independentes fizesse auditoria em todos os seus registros contábeis correspondentes ao perío­do de 1!l de janeiro a 07 de julho de 1989 e relativos a operações bancárias que evolvessem o Banco-Réu (doe. n. 4, doravante 'Relatório Price').

6. Nos termos do Relatório Price, datado de 12 de julho de 1989, veio a constatar a Autora:

a) que tinham sido abertas na agência de Joinville do Banco-Réu, em nome da Autora e de maneira irregular, a conta corrente n. 000.636-6 e a conta empréstimo n. 101.013-6, que, jamais, foram levadas a registro nos livros da Autora, nem a seu

regular conhecimento, conforme faz fé o Relatório Price, na p. 2 (doc. n. 4);

b) que tinham sido debitados na conta corrente irregular n. 000.636-6, valores relativos a cheques administrativos de emissão do Banco-Réu em favor do Unibanco, e que, posteriormente, esses valores foram transferidos pelo Unibanco em favor da Distribank S/A Distribuidora de Títulos e Valores

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Mobiliários em São Paulo, por meio das Ordens de Transferência (OT) ns. 326.886, 326.873 e 326.873, de 5, 6 e 8 de junho de 1989, nos valores, respectivamente, de NCz$ 7.200.000,00, NCz$ 13.000.000,00 e NCz$ 13.000.000,00; e

c) que, em razão dessas operações bancárias, absolutamente ÍlTegulares e

ilegais no que diz respeito à Autora, a mencionada Conta de Empréstimo n. 101.013-6 acusava contra a Autora um saldo devedor, na data de 07.07.1989, no valor de NCz$ 40.919.793,85, em conseqüência de um 'Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente', que teria sido firmado pela Autora e pelo Banco­Réu em 14.6.1989, com vencimento para 14.08.1989, 'no valor-limite de NCz$ 50.000.000,00' conforme pretende a carta do Banco-Réu de 11.07.1989 (Anexo do Relatório Price, doe. n. 4).

C .. )

8. E constatou, finalmente, a Autora que o irregular 'Contrato de Abertu­ra de Crédito em Conta-Corrente' (doc. n. 8), e respectiva 'nota promissória' (doc. n. 9), que o Banco-Réu pretende terem sido firmados pela Autora em 14.06.1989, foram, na verdade, irregularmente firmados pelos Srs. Eduardo

Augusto Pocetti e Moacir Pinheiro; tendo, como 'avalistas', os Srs. Rodolpho

Bertola e Moacir Pinheiro.

9. É necessário trazer ao conhecimento de V Exa, neste passo, alguns fatos significativos e de suma relevância:

a) os valores levados a débito na 'conta-corrente' da Autora pelo Banco­Réu jamais foram revertidos em benefício da Autora, tendo, antes, sido credi­tados em favor da Distribank em São Paulo.

C .. )

14. Isto significa, em claros termos, que ao Banco-Réu cumpria exami­nar com todas as cautelas a exata extensão dos poderes e das obrigações daqueles que pretenderam obrigar a Autora por empréstimo perante o Banco­Réu.

C .. )

III - O pedido

19. Por todas as razões de fato e de direito acima expostas, requer a Autora se digne V Exa . de ordenar a citação do Banco-Réu, na pessoa de seu Gerente nesta cidade de Joinville, no endereço indicado no preâmbulo desta petição inicial, para, querendo, vir contestar a presente ação, que, a final, deverá ser julgada inteiramente procedente para declarar a inexigibilidade da

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

obrigação da Autora em pagar o valor do contrato e do título de crédito indevidamente firmados em seu nome" (fls. 325/330).

A Juíza de Direito, após examinar toda a citada movimentação bancária ocorrida na Conta-Corrente n. 000.636-6, no período de 5 a 14 de junho de 1989, que deu origem à obrigação que se pretendia fosse declarada inexigível, estampada no "Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente" firmado em 14.06.1989, e respectiva nota promissória, julgou improcedente o pedido (fls. 332/347). Tal sentença restou confirmada pelo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo (fls. 349/419) e por este co lendo Superior Tribunal de Justiça (fls. 423/437).

Por outro lado, a reconvenção apresentada pela recorrente na ação de proce­dimento ordinário (fls. 815/827) tem o mesmo objetivo, qual seja, invalidar toda a contratação realizada no período de 5 a 14 de junho de 1989 na Conta-Corrente n. 000.636-6, da agência do banco recorrido de Joinvile, que ensejou o "Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente", datado de 14.06.1989, no valor de NCz$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de cruzados novos). A reconvinte defende a exis­tência de irregularidade nas operações bancárias que foram realizadas pelo Sr. Rodolpho Bertola e seus assessores, sem a sua autorização e em benefício da Distri­bank S/A, empresa do filho do Sr. Rodolpho, tudo em conluio com o Banco­reconvindo, ora recorrido. Sustenta a nulidade dos contratos por possuírem objeto ilícito, uma vez que foram firmados com desvio de finalidade, para favorecer a Distribank.

Vale dizer, na ação declaratória a autora buscava a declaração de inexistência da obrigação estampada no "Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente", porque constituída de forma irregular, por diretores sem poderes estatutários para tanto, com favorecimento da empresa Distribank. Na presente reconvenção, pretende a nulidade dos contratos firmados para rolagem de dívida, que ensejaram, ao final, o mesmo "Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente", celebrado em 14.06.1989, em razão do objeto ilícito deles, qual seja, desvio de finalidade praticada por seu diretor em conluio com o banco, pois beneficiaram outra empresa, que não a agravante, ou seja, a mesma Distribank.

Assim, como já dito, ambas as demandas têm o mesmo objetivo, sendo que apenas os termos usados para pleitear os eventuais direitos é que estão escritos de forma distinta. De fato, as qualificações jurídicas apresentadas são diferentes, inexigibilidade da obrigação na primeira e nulidade dos contratos que originaram tal obrigação da segunda. O vício apontado na primeira foi irregularidade de representação do Sr. Rodolpho Bertola, e benefício de terceiro, e na segunda foi objeto ilícito por desvio de finalidade. Porém, elas têm a mesma finalidade e trazem o mesmo pedido e causa de pedir, quais sejam, a desconstituição da dívida por irregularidade na sua formação.

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Aplica-se ao caso, portanto, a regra do art. 301, §§ 1l1, 211 e 3l1, do CPC, que dispõem:

"§ 111 Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.

§ 211 Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

§ 311 Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada, quando se repete ação quejá foi decidida por sentença, de que não caiba recurso."

É importante ressaltar que o alegado desvio de finalidade, que a recorrente alega não ter sido objeto de exame na anterior ação declaratória, na verdade, foi devidamente suscitado por ela em sua petição inicial, conforme já transcrito, e respondido nas decisões daquele processo. A Juíza de Direito, cuja sentença foi confirmada pelas instâncias superiores, reconheceu a responsabilidade da autora pela obrigação que ela pretendia ver declarada inexistente, afastando a alegação de irregularidade da representação contratual e a afirmativa de que os valores debitados em sua conta corrente beneficiaram terceiros CDistribank S/A). Confira-se os termos do citado provimento judicial:

"A Autora procurou excluir sua responsabilidade do pagamento do em­préstimo, alegando ainda não ser possível a existência de duas contas bancá­rias, na mesma agência bancária e a movimentação da conta bancária com cheques administrativos e ordens de pagamento que beneficiaram terceiros.

C ... )

Verifica-se que o empréstimofoifeito para a Autora, sem qualquer vincula­ção com a pessoa física de Rodolpho Bertola, que à época era o seu Diretor­Superintendente, e parte do valor contratado foi recebido pela Autora.

A autora não realizou nenhuma prova que demonstrasse a má-fé do Réu na

formação do contrato, quando lhe cabia o ônus probatório. Sendo o Réu terceiro

de boajé prevalece a teoria da aparência e a ação é improcedente porque a Autora

deverá responder pela obrigação contratual" (fls. 346/347) (grifei).

Também restou reconhecida na anterior ação declaratória a boa-fé do banco­recorrido ao conceder os empréstimos solicitados pela recorrente, por meio do seu Diretor Rodolfo Bertola. Portanto, o pedido de restituição dos valores subtraídos da conta-corrente da empresa reconvinte, sob a alegação de má-fé do banco­reconvindo não tem condições de ser acolhido. Confiram-se, a propósito, os termos do voto vencedor dos embargos infringentes proferido naquela ação:

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

"Todos esses elementos, sem dúvida, abonam a tese defendida pela douta maioria, pois, a hipótese vertente, considerados os pontos relevantes ao seu deslinde, consagra a aplicação da teoria organicista, não só como decorrente de regra predominante aplicável às sociedades em geral, como também porque a aparência de plenos poderes dos administradores, por longos anos, permitiu a ilação do banco-credor, que pode ser considerado como terceiro de boa-fé, desde que a má-fé não se presume e deixou de ser comprovada nos autos, sobre a regularidade de mais uma operação, desde que muitas prece­dentes aconteceram, da empresa.

c. .. ) Não há que se perquirir, pois, sobre o conhecimento ou não dos estatutos

da sociedade, mas sim a respeito da boa-fé do banco quanto à autorização que entendia presumida." (fls. 398/399).

A reconvinte pretende, além da nulidade dos contratos e de indenização por danos materiais e morais, subsidiariamente, seja condenado o banco reconvindo a restituir-lhe as quantias subtraídas irregularmente da Conta-Corrente n. 000.636-6, nos dias 5, 6 e 8 de junho de 1989 por meio de cheques administrativos, devidamente corrigidas, além de perdas e danos em quantia capaz de liquidar o "Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente" n. 010.103-8, de 14.08.1989. Porém, já restou decidido, com trânsito em julgado, que a reconvinte é responsável pela dívida estampada no contrato celebrado em 14.06.1989, tendo o banco reconvindo agido com boa-fé na concessão do empréstimo que ora está cobrando. Mais uma vez é necessário dizer que tal contrato, conforme explicado pela própria recorrente, na peça reconvencional (fls. 816/819), é oriundo de uma rolagem de dívida que se iniciou em 05.06.1989, ou seja, é originário das movimentações bancárias que se pretende agora anular. Assim, já estando decidido que a reconvinte deve cumprir a obrigação, não há como reconhecer a lesão material ou moral pela cobrança que está sofrendo e pelo pagamento da obrigação, bem como não há que lhe conceder o direito de restituição dos valores obtidos nessa movimentação bancária, pois já restou decidido que a mesma se beneficiou do empréstimo obtido junto à instituição bancária, e que esta atuou de forma regular, agindo com boa-fé na concessão do mesmo.

De acordo com o exposto, as partes, o pedido e causa de pedir são os mesmos, apenas com nomenclaturas diferentes, o que não afasta o óbice da coisa julgada, restando demonstrada, também, a carência de ação da recorrente, por falta de interesse de agir, pois o provimento do seu pedido não afastaria antelior decisão, já transitada em julgado, reconhecendo a sua responsabilidade pela obrigação que pretende desconstituir.

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Não vislumbro, portanto, violação dos arts. 3J\ 267, IV; 301, 468, 469, 471 e

474 do cpc. Registro, ainda, ser irrelevante a constatação pretendida quanto ao art. 145,

do CCB/1916, pois não se pode, na presente demanda, analisar a validade do ato jurídico reconhecida na anterior demanda transitada em julgado.

O sugerido dissídio jurisprudencial, por seu turno, não restou demonstrado, pois do exame dos acórdãos recorrido e paradigma em divergência não vislumbro a identidade das situações fáticas que teriam sido diferentemente julgadas.

Diante disso, não conheço do recurso especial.

VOTO

O Sr. Ministro i\ldir Passarinho Junior: Sr. Presidente, Sr. Ministro-Relator, li atentamente os memoriais que me foram distribuídos e também a cópia do acórdão proferido na ação declaratória, e chego à mesma conclusão do eminente Ministro­Relator.

A inicial da ação declaratória destaca a questão de o diretor não estar autori­zado, mas também acentua o seguinte:

"( ... )

a) os valores levados a débito na 'conta-corrente' da Autora pelo Banco­Réu jamais foram revertidos em benefício da Autora, nem foram objeto de registro nos livros da Autora, tendo, antes, sido creditados em favor da Distribank em São Paulo; .

b) nas datas em que foram realizadas as Ordens de Transferência em favor da Distribank em São Paulo (5, 6 e 8 de junho de 1989), já eram do conhecimento público as dificuldades financeiras por que passava a Distribank em razão do risco de inadimplemento de seu cliente, Nagi Robert Nahas, perante a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Vale lembrar, a propósito, que fatos notórios dispensam prova, nos termos do inciso I, art. 334 do Código de Processo Civil;

c) o 'escândalo Nahas - BVRJ' eclodira como fato consumado nas man­chetes da imprensa brasileira já na sexta-feira, dia 09.06.1989, seguida de sábado e domingo, dias 10 e 11, e da segunda e terça-feira, dias 12 e 13, durante os quais as operações da BVRJ estiveram suspensas ... , porém, o 'con­trato' e a 'nota promissória' (docs. ns. 8 e 9), que se questiona nestes autos, só foram 'assinados' na quarta-feira, dia 14.06.1989, quando a Distribank já tinha sido favorecida in-egularmente com o produto do 'empréstimo' ... ; e

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

d) O Sr. Rodolpho Bertola Júnior, filho do Sr. Rodolpho Bertola, é sócio e detém 45% do capital da Distribank!

10. Diante da suma gravidade destes fatos, a Autora requereu em 17.07.1989 ao Ilmo. Sr. Delegado Titular da Delegacia de Estelionatos da Capital do Estado de São Paulo a instauração de inquérito policial (doc. n. 10), e, tratando-se de fato relevante, sendo a Autora uma companhia de capi­tal aberto, a Autora fez publicar no jornal 'Gazeta Mercantil' o inteiro teor da petição à Autoridade Policial (doc. n. 11).

11. Todavia, pende sobre a Autora a ameaça proferida verbalmente pelo Banco-Réu, no sentido de levar a execução o valor da dívida contraída irregularmente em nome da Autora.

12. Diante disso, fez-se inevitável a propositura desta ação a fim de res­guardar a Autora contra a ilícita pretensão do Banco-Réu.

11. O direito

13. É princípio basilar do direito bancário, erigido em norma de Direito Positivo oponível às instituições financeiras, que 'é vedado ao banco realizar operações que não atendam aos princípios de seletividade, garantia, liquidez e diversificação de riscos'.

14. Isto significa, em claros termos, que ao Banco-réu cumpria examinar com todas as cautelas a exata extensão dos poderes e das obrigações daqueles que pretenderam obrigar a Autora por empréstimo perante o Banco-Réu.

15. Esta obrigação do Banco-réu, consubstanciada no princípio dito da

publicidade, prevalece tanto em doutrina quanto em jurisprudência:

'as sociedades ficam isentas de responsabilidade, sob o fundamento de que os terceiros contratantes não podem ignorar a extensão dos pode­res dos sócios que usam a firma social, porque esses poderes constam do contrato e se acham registrados na repartição pública competente para o conhecimento dos interessados', (Acórdão do Tribunal de Justiça do Es­tado da Guanabara, citado in: Barcellos de Magalhães, "A Nova Lei das Sociedades por Ações Comentada", Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1977, voI. II, p. 727)

16. E não pretenda o Banco-réu buscar na 'Teoria da Aparência' alguma legitimidade para a ilicitude que cometeu contra a Autora, porque aquela teoria é absolutamente inaplicável à espécie: aqueles que pretenderam obrigar ilicitamente a Autora perante o Banco-réu agiram com flagrante violação dos Estatutos Sociais da Autora (doc. n. 12); a Autora não auferiu

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

qualquer proveito em razão dos negócios irregulares perpetrados pelo Banco­réu e pelos Srs. Rodolpho Bertola, Eduardo Pocetti e Moacir Pinheiro; a Autora jamais ratificou os atos contra ela perpetrados; e o Banco-réu, como instituição bancária que é, não se pode pretender na posição de terceiro de boa-fé, porque contribuiu para a realização de negócios irregulares sob circuns­tâncias absolutamente suspeitas, conforme está indicado no item 7, alíneas a, b, c e d deste arrazoado.

17. A Autora ignora completamente as verdadeiras e reais razões que possam ter conduzido o Banco-réu a compactuar com a prática dos atos impugnados nestes autos, e que foram praticados ao arrepio dos Estatutos Sociais da Autora e com evidente violação das boas práticas bancárias, tra­tando, como se trata, de 'empréstimo' de quantia extremamente elevada.

18. Uma coisa, todavia, é certa: o Banco-réu não pode pretender cobrar da Autora 'dívida' ilegalmente contraída em seu nome!

111 - O pedido

19. Por todas as razões de fato e de direito acima expostas, requer a Autora se digne V. Exa. de ordenar a citação do Banco-réu, na pessoa de seu Gerente nesta cidade de Joinville, no endereço indicado no preâmbulo desta petição inicial, para, querendo, vir contestar a presente ação, que, a final, deverá ser julgada inteiramente procedente para declarar a inexigibilidade da obrigação da Autora em pagar o valor do contrato e do título de crédito indevidamente firmados em seu nome."

o acórdão que julgou os embargos infringentes começa assim:

"A ação declaratória de inexigibilidade de obrigação, julgada improce­dente em l il grau, foi intentada sob o fundamento de que os representantes da autora não teriam poderes pãra assinar, - em 14.06.1989, contrato de abertura de crédito e a nota promissória a ele vinculada, por deficiência de representação e porque não submeteram o ajuste, previamente, à aprovação do seu Conselho de Administração. Há alegação, outrossim, de que a autora nunca teve conhecimento da existência desse contrato e nem os valores respec­tivos reverteram em seu benefício."

O que se vê é que toda essa fundamentação, todos esses elementos, foram levados ao crivo do Tribunal, anteriormente, naquela ação. Em essência, a inicial, na repetição da reconvenção, como que reproduz, identifica essa mesma alegação, mas com outra redação, ou seja, de que ° negócio é nulo, pois o repasse das verbas do banco à outra empresa não teria sido feita com o seu consentimento.

JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

o Sr. Ministro-Relator destacou esse ponto com muita razão. Há uma identidade em relação às duas ações e, parece-me, que a matéria está abrangida, o julgamento da primeira abrange a pretensão constante da reconvenção.

Acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator, não conhecendo do recurso especial.

RSTJ, a. 18, (200): 347-423, abril 2006