jurandir malerba - independencia e historiografia (1)

40
CENTRE FOR BRAZILIAN STUDIES UNIVERSITY OF OXFORD Esboço crítico da recente historiografia sobre independência do Brasil (desde c.1980) Jurandir Malerba Working Paper Number CBS-45-03 Centre for Brazilian Studies University of Oxford 92 Woodstock Rd Oxford OX2 7ND

Upload: pierre-fernandes

Post on 17-Aug-2015

245 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Jurandir Malerba - Independência e Historiografia. Excelente texto.

TRANSCRIPT

CENTRE FOR BRAZILIAN STUDIES UNIVERSITY OF OXFORD Esboo crtico da recente historiografiasobre independncia do Brasil (desde c.1980) Jurandir Malerba Working Paper Number CBS-45-03 Centre for Brazilian Studies University of Oxford 92 Woodstock Rd Oxford OX2 7ND 1ESBOO CRTICO DA RECENTE HISTORIOGRAFIASOBRE INDEPENDNCIA DO BRASIL (desde c.1980) Jurandir Malerba Visiting Research Fellow at the Centre For Brazilian Studies,University of Oxford (January July 2003)and Pesquisador Associado ao Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro Working Paper Number CBS-45-03 Abstract Theworking-paperwaspresentedattheopeningsessionofaHistory Workshop New approaches to Brazilian independence, held at the St. Antonys CollegeandtheCentreforBrazilianStudies,UniversityofOxfordon29th-30th May2003,andsponsoredbytheCentreforBrazilianStudies.Afterofferinga brief,generaloverviewofthemaintrendsinthehistoriographyofBrazilian independenceduringthelast180years,thepaperfocusesonthemostrecent phasefromc.1980tothepresent.Thishistoriographyrepresentsasignificant effortatrevisionafteracertaincoolingofinterestaftertheboomof historiographicaloutputgeneratedbythe150thanniversaryofBrazilian independence in 1972. What questions have dominated the research of this most recent generation of historians? Into which lines of enquiry do they fit? From what new angles did they focus on political emancipation? What conclusions, however provisional,dotheyreach?Whatiseffectivelyinnovativeinthisrecent production?Thepaperfocusesinturnontheissuesofnation,unity, periodization,thenatureofIndependence,Masonry,thepeople,the senseofIndependence,withsomefinalconsiderationsontheagentsof independence. 2Resumo Esteworking-paperfoiapresentadonasessodeaberturadaOficinade HistriaNovasAbordagensdaIndependnciadoBrasilrealizadanoSt. Antonys College e no Centro de Estudos Brasileiros , Universidade de Oxford, nosdias29e30demaioepromovidapeloCentrodeEstudosBrasileiros.Apsoferecerumabrevevisogeralsobreasprincipaistendnciasda historiografiasobreaindependncia brasileira durante os ltimos 180 anos, o paper concentra sua ateno na fase mais recente, desde os anos 80 at hoje. Esta parte da historiografia representa um esforo significativo de reviso aps arelativadiminuiodeinteressequeseseguiuaoboomderesultados produzidos por conta do sequicentenrio da independncia em 1972.Quais as questesquetmdominadoapesquisadestamaisrecentegeraode historiadores?Emquelinhasdeinvestigaoelestmtrabalhado?Deque novos ngulos eles tm observado a emancipao poltica? A que concluses, aindaqueprovisrias,elestmchegado?Oque,defato,inovadornesta recenteproduo?Opaperconcentrasuaatenoemtemascomonao, unidade,periodizao,anaturezadaindependncia,Maonaria,o povoeosensodeindependnciaacrescentando,aofinal,algumas consideraes sobre os agentes da independncia. 3AsquestesquehojelevantamoshistoriadoresdaIndependnciado Brasil so virtualmente as mesmas que se tem feito h 180 anos, e que diversas geraes,commaioroumenorsucesso,responderamaseumodo.Avaga revisionistadahistriadaIndependnciadosltimosdezanosestaa demonstrarquepoucoconsensohsobreassuntososmaisvisitadospela historiografiasobreporqu,afinaldecontas,suscedeu-seaIndependnciado Brasil de Portugal. medida que se qualifica o debate, percebe-se a recorrncia dediferentesperspectivasouaspectosdamesmaquesto,ndicesdas preocupaes,interessesehabilidadesdecadageraodehistoriadores.As questesvariaramaolongodotempo,masalgumassorecorrenteseestas sero aqui priorizadas: -quaisfatores,foras,processos,atoresconduziramaodesfechoda emancipao poltica?-teria havido algum projeto nacional fundamentando o movimento? -haviaalgumtipodeunidadenaAmricadecolonizaoportuguesa poca da Independncia? -quais as periodizaes mais consistentes produzidas pela historiografia? -avindadacorteparaoRiodeJaneiroterproteladooudeflagradoa Independncia? -quetipoderelaoaIndependnciaguardacomosmovimentos insurrecionais do final do XVIII? -qualocarterdaIndependncia:conservadora,reformistaou revolucionria? -quais foram os efeitos da crise do antigo sistema colonial no processo de Independncia? -quepesoatribuir,igualmente,sradicaistransformaesculturaisou civilizacionaisgeradascomaaberturade1808eoafluxodelevasde migrantes de todos os pontos? -oquehderupturaeoquehdecontinuidadenoprocessode Independncia? -qualocarterdosmovimentosinsurreicionaisqueocorreramduranteos anos da Independncia? -qual o papel desempenhado por partidos e ideologias? -quaisasrelaesdomovimentoderestauraode1820emPortugal com a Independncia? -qual o papel desempenhado pelo rei e sua casa dinstica? -quepesoatribuiraodegruposorganizados,comoamaonaria,por exemplo? -como se deu a participao popular no movimento de Independncia? -como agiram ou reagiram os grupos sociais nas diferentes provncias? Muitasdessasquestesforamenfrentadasporgeraesdehistoriadores antes de ns, mas para muitas delas s muito recentemente se buscou formular resposta.OconjuntodeautoresreunidosnoHistoryWorkshopNew 4approaches to Brazilian independence (Oxford, 29/30 Maio 2003) representa partesignificativadeumesforoderevisonocampodainterpretaodo processo da emancipao poltica brasileira, que viveu certo arrefecimento aps oboomdeproduohistoriogrficageradopelasefemridesdo Sesquicentenrio (1972). Paraintroduzirmo-nosnestemelindrosoterreno,sercertamente esclarescedordesenharumsuscintoquadrogeraldahistriadesta historiografia,queproduziuverdadeiraslinhagensinterpretativasfundadasem diversos enfoques temticos e posicionamentos tericos. No cabe aqui evocar todaessaproduo,queconstituiumimportantecaptulodahistriaintelectual brasileira e, porque no, portuguesa igualmente , mas apenas registrar que os eventuaisavanosinvestigativosaquehojeconseguimoschegarnopassam de mais algumas linhas que se acrescentam a essa histria, nossa contribuio aos vindouros que desde j aguarda sua superao. OtemadaIndependnciaatravessou180anosdehistriadoBrasil.A respeitarasperiodizaestradicionais,forjadasnooficialismomonrquicodo InstitutoHistricoeGeogrficoBrasileiroeacatadaspelacriticaespecializada posterior,deVarnhagenaJosHonrioRodrigues,ahistoriografiabrasileira teriatidoumatofundadorcomaediodoprimeirovolumedaRevistado Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, em 18391. Ora, a Independncia e sua historiografia-nosentidorestritodaemancipaopolticadaAmrica portuguesafrentemetrpoleeuropia-socronologicamenteanteriores prpria instaurao oficial da nossa historiografia.NolevantamentoquefizemosdahistoriografiadaIndependncia2, dividimosdidaticamenteamassahistoriogrficadaIndependnciaemcinco perodos, cuja produo assim se distribui: 1 Outros reconhecem tal ato com a monografia escrita por Karl Friedrich Phillp Von Martius, que ganhou o concursoComosedeveescreveraHistriadoBrasil,promovidopeloIGHBem1844.Atesedo naturalista alemo centrava-se na especificidade da trajetria histrica do pas tropical, a partir da tese das trsraasformadoras.Cf.CAMPOS,PedroMoacir.EsboodahistoriografiabrasileiranossculosXIXe XX.In:GLNISSON,Jean.Iniciaoaosestudoshistricos.4ed.SoPaulo:Difel,1983;IGLSIAS, Francisco. Os historiadores do Brasil: captulos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; BeloHorizonte:UFMG,2000;WEHLING,Arno.Estado,histria,memria.Varnhageneaconstruoda IdentidadeNacional.RiodeJaneiro:NovaFronteira,1999;MARTINS,Wilson.HistriadaInteligncia brasileira.SoPaulo:Cultrix:Edusp,1977-78,v.2;DIEHL,Astor.Aculturahistoriogrficabrasileirado IHGB aos anos 1930. Passo Fundo: Ediupf, 1998. 2Trata-sedepesquisaemandamentonaqualincluem-setosomenteobrashistricascujoobjetoo processodeemancipaopolticadoBrasil;noseincluem,portanto,outrosgneroscomoliteratura ficcional,livrosdidticos,histriasgeraisetc.Aavaliaodacrticadessahistoriografiaconstitui-sena Delimitao e justificativa do tema do projeto original, e ser publicada nos prximos nmeros da Revista doInstitutoHistricoeGeogrficoBrasileirocomottulodeParaAHistriaDaHistoriografiaDa Independncia; Apontamentos Iniciais De Pesquisa. 5 PerodoBibliografia geral Na RIHGBTotal Sc.XIX - 19085842100 1908 - c.19308343126 c.1930 - 1964511364 1964 - c.198020199300 c.1980 - 200253659 Total geral446203649 Oquadroacimapermiteaventurarmosalgumas hipteses. Primeiramente, pode-seobservarqueumaboaparte-quaseametade-dessaproduofoi veiculadapelaRIHGB,notadamentenosculoXIX,quandoaconstruodo Imprio-nao estava em marcha e urgiabuscar construir um mito das origens, levandoaquecercade75%detodaproduosobreIndependncianosculo XIX tivesse sado na revista do Instituto. EncontreicemttulossobreoprocessodeIndependncia,publicados durante o sculo XIX, primeira parte da periodizao, que comea em 1808 e se extendeat1908.QuarentaedoisdelesforampublicadospelaRevistado InsitutoHistricoeGeogrficoBrasileiro.Oscritriosparaoestabelecimento dasdatas-balizasapoiam-senofatodeque,emboraconstituindomassade materialmuitoheterogneo(crnicas,narrativasdeviagem,anais,biografias, compilaes de documentos, memrias), a bilbiografia do sculo XIX mantm-se numamesmalinhagemhistoriogrficaat1908,anodapublicaodeD.Joo VInoBrasil,deOliveiraLima3.Deumaperspectivaeminentementepolticae diplomtica, que marca a historiografia oitocentista na qual se inclui a Histria da Independncia do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen4 , com Oliveira Limaassiste-seinclusodeaspectossociaiseculturaisdecisivosparao processo de Independncia, at ento negligenciados no debate historiogrfico. 5AproduohistricasobreaIndependnciaterdoismomentosfortesno sculo, nos anos que precedem e sucedem, respectivamente, as efemrides do centenriooficial(1922)edosesquicentenrio(1972),quandoumvolume imensottulosviroalume.OsmeadosdosculoXXassistemumarelativa desaceleraodessaproduo,quemarcaigualmenteosanos1980.Na dcadaseguinte,marcadamentedesdesuasegundametade,nota-seuma significativaexpansodosestudoshistricossobreaIndependncia,aqualse analisa a seguir. No que respeita bibliografia produzida no sculo XIX, trata-se de conjunto muitodiverso,queabrangedesdepeasproduzidasporprotagonistasdo processocomooepistolriodoprnciperegente,asmemriasdeJos 3 LIMA, Manuel de Oliveira. D. Joo VI no Brasil (1808-1821). 2 ed. Rio de Janeiro, Jos Olmpio, 1945. 3 v. 4VARNHAGEN,FranciscoAdolfode.HistriadaIndependnciadoBrasil.4ed.SoPaulo: Melhoramentos, s/d. 5Cabeoregistro,contudo,queD.JooVInoBrasil,deOliveiraLima,emborafundamentalparao entendimentodaIndependncia,centra-senoperodojoanino.SeuOmovimentodaIndependnciapode ser includo na mesma linhagem interpretativa que marca o sculo XIX. 6Bonifcio, Cairu ou Perereca, narrativas de estrangeiros contemporneos como JohnArmitage,JohnLuccockouMariaDundasGraham6ataobrade Varnhagen,consideradopormuitosofundadordahistoriografiabrasileira. Considerando-se a prpria novidade dos estudos histricos poca, no causa estranheza a existncia de trabalhos com menor flego interpretativo. Ademais, essaproduoestavaorganicamentevinculadaformaodanaoe construo do Estado imperial. No obstante, este conjunto de obras contribuiu decisivamenteparaariquezadahistriadaIndependncia,comopodem exemplificaroslivrosdeJooManuelPereiradaSilva7eAlexandreJosde Mello Morais (pai e filho) 8. NosculoXX,umprimeiromovimentoconsistenteeconcentradode produohistoriogrficasobreaIndependnciafoideflagradopeloprimeiro Centenrio,quando,almdesefazerpublicaramaisimportanteobrasobrea IndependnciaescritanosculoXIX,adeVarnhagen,sobosauspciosdo IGHB, vem a lume uma verdadeira avalanche historiogrfica sobre o tema. DatadesseperodoOmovimentodaIndependncia,9deOliveiraLima, De D. Joo VI Independncia, de Joo Romeiro10,ostrabalhoscontundentes deAssisCintra11easntesenomenosherticadedeManuelBonfim12.O primeirodignodenotaporlanaradiscussosobreocarterdodesquite entre Portugal e Brasil, se teria sido amigvel ou no, no contexto do regresso deD.JooVIparaLisboa.Esteeventoparticularseria,paraoautor,abaliza cronolgica do incio da Independncia.Publicadapelaprimeiravezem1927,aindanocontextodosfestejosdo centenrio,aHistriadoImprio:aelaboraodaIndependncia,deTobias 6 LISBOA, Jos da Silva. Memria dos beneficios politicos do Governo de ELREI Nosso Senhor, D. Joo VI, por...RiodeJaneiro,ImpressoRgia,1818;SANTOS,LusGonalvesdos.Memriasparaservir histria do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; So Paulo, Edusp, 1981. 2 t; ARMITAGE, Joo. Histria do Brasil. Desde a chegada da famlia de Bragana, em 1808, at a abdicao de D. Pedro I, em 1831... So Paulo, Martins, 1972. 310 p; LUCCOCK, John, Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Trad. Milton de S. Rodrigues. Belo Horizonte, Itatiaia; So Paulo, Edusp, 1975; GRAHAM, Maria. Dirio de uma viagemaoBrasil.Trad.AmricoJ.Lacombe.BeloHorizonte,Itatiaia;SoPaulo,Edusp,1990.423pp. Idem.EsboobiogrficodeD.PedroI,comumanotciadoBrasiledoRiodeJaneiro;correspondncia entre Maria Graham e a Imperatriz Leopoldina e cartas anexas. Rio de Janeiro, Anais da BNRJ. v. LX, 1940. 7 SILVA, Joo Manuel Pereira da. Histria da fundao do imprio brasileiro. Rio de Janeiro : B.L. Garnier, 1864-1868. 7v.il. 8 MORAES, Alexandre de M. Histria da trasladao da corte de Portugal para o Brasil em 1807-1808. Rio deJaneiro,E.Dupont,1872.465;MORAES,A.J.Melo.AIndependnciaeoImpriodoBrasiloua Independncia comprada por dous milhes de libras esterlinas e o Imprio do Brasil. Rio de Janeiro: Globo, 1877; MORAES, A. J. Melo. Histria do Brasil-Reino e Brasil Imprio. Rio de Janeiro: Pinheiro & Cia., 1871-1873. 9 LIMA, Manuel de Oliveira. O movimento da Independncia 1821-1822. So Paulo: Melhoramentos, 1922. 10 ROMEIRO, Joo. De D. Joo VI Independncia. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1915. H uma nova edio de 1972. 11Cf.CINTRA,FranciscodeAssis.ArevoluoquefezoImprio.4.ed.SoPaulo:Imp.Commercial, 1934.225p;CINTRA,FranciscodeAssis.Revelaeshistricasparaocentenrio.RiodeJaneiro:Liv. LeiteRibeiro,1923.174p.;CINTRA,Assis.D.PedroIeogritodaIndependncia.SoPaulo: Melhoramentos,1921;CINTRA,Assis.OhomemdaIndependncia(HistriadocumentadadeJos Bonifcio, no seu pseudo-patriciado e da poltica do Brasil em 1822). So Paulo: Melhoramentos: 1921. As duas primeiras obras so mencionadas por Jos Honrio, as duas ltimas no. 12 Cf, tambm, BONFIM, Manoel. O Brasil Nao. Realidade da soberania brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. 630 p. 7Monteiro13,ummarcodotema.Almdeumimportantequadrodasrelaes internacionaispoca,TobiasMonteirofoitalvezquemmelhordesenhouo perfil psicolgico de importantes atores daquele drama, como D. Joo, D. Pedro eD.Carlota,malgradosuasexplcitasprefernciaspessoaisejulgamentosde carter. AlgunsautoresjdestacaramaimportnciadoInstitutoHistricoe GeogrficoBrasileironaproduodamemriadaIndependnciaemrelao comaconstruodeumaidentidadenacionalbrasileira.NoSandes, resgatando a inveno da nao entre a monarquia e a repblica, analisou as relaes umbilicais que ligavam o IHGB ao Estado monrquico14, ligao que se manteve em funo da capacidade dos dirigentes da Instituio de acopl-la ao novoregimerepublicano,sobretudopelaviadecooptaodeseuschefesde Estado,fatonotrionosgovernosCamposSalles,RodriguesAlves,Nilo Peanha e Hermes da Fonseca. Ascomemoraesdocentenrioconstituramummarconahistriado Instituto.OprpriopresidenteEpitcioPessoaentendeuperfeitamenteo contexto,fazendodascelebraesumaprioridadedeseugoverno.OIHGB, particularmente,fezmarcaradatacomapublicaodeumtomoespecialde sua revista, intituladoO Anno da Independencia15, no qual se buscou fixar uma cronologia, cabendo a cada conferencista eleger um episdio em torno do fato.Em meados do sculo XX, como anteriormente referido, assiste-se a uma desaceleraoflagrantedaproduohistoriogrficasobreIndependncia, emborapeasimportantestenhamsidopublicada,especialmentebiografias histricas,comoaHistriadosFundadoresdoImprio,deOtvioTrquiniode Sousa.16 Merecem destaque duas obras ainda hoje importantes. Joo Fernando deAlmeidaPradofoidosprimeirosautoresaatentarcuidadosamenteparaas implicaessociaiseculturaisdachegadadacortenaredefiniodaselites dominantes que daquele encontro emergiriam as quais assumiriam as rdeas polticas do pas, dando-se ao trabalho da construo do Estado.17 Carlos Rizzini pioneiramentededicoutodaumaextensamonografiaaotrabalhodesenvolvido 13MONTEIRO,Tobias.HistriadoImprio:aelaboraodaIndependncia.SoPaulo:Edusp;Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. 2 v. 14 SANDES, No Freire. A inveno da nao. Entre a Monarquia e a Repblica. Goinia: Editora da UFG: Agncia Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, 2000, p. 84 ss. A antroploga Lilia Schwarcz tambm deusignificativacontribuioaoassunto.Cf.SCHWARCZ,Lilia.Oespetculodasraas;cientistas, instituiesequestoracialnoBrasil(1870-1930).SoPaulo:CompanhiadasLetras,1993;Idem.As barbas do Imperador. So Paulo: Companhia das Letras, 1998. 15 Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922. 16 SOUSA, Otavio Tarquniode. Histriados fundadores do Imprio do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1957-1958.10v.SobreBonifciopodem-sedestacarOLIVEIRA,JosFelicianode.JosBonifcioea Independncia. RIHGB, Rio de Janeiro v. 232: 343-345, 1956; NEIVA, Venncio Figueiredo. Jos Bonifcio :conferncia.RiodeJaneiro:ClubePositivista,1955.28p.Sobreafamliarealver PEREIRA,Angelo.D. JooVI,prncipearei.Lisboa:Empr.NacionaldePublicidade,1956.4v.ePEREIRA,ngelo.Osfilhos dEl-REi D. Joo VI. Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1946. 17 PRADO, J. F. de Almeida. Toms Ender: pintor austraco na corte de D. Joo VI no Rio de Janeiro. Um episdiodaformaodaclassedirigentebrasileira(1817-1818).SoPaulo,CompanhiaEditoraNacional, 1955. 383 pp. 8pelo jornalista Hiplito da Costa, frente de um dos mais importantes peridicos polticos do perodo, publicado em Londres,o Correio Brasiliense.18 Dentre as interpretaes mais marcantes dos meados do sculo XX deve ser lembrada a obra de Caio Prado Jr. As interpretaes contidas em Evoluo poltica do Brasil (1933) significaram uma verdadeira ruptura nos estudos sobre a Independncia, pela primeira vez enfocada sob um vis classista e inserida no processomaiordeafirmaodocapitalismomundial(portanto,dacrisedo Antigo Regime). Omaiorboomhistoriogrficosobrenossotemaeclodiunoperodoque coincide com os anos do Regime Militarno Brasil (1964-1979), no epicentro do qualderam-seascomemoraesefusivasdoSesqicentenrioda Independncia. Registra-se praticamente a metade de toda a produo desde o sculoXIXathoje,trezentosttulos.Apenasparailustrar,lembrem-seaobra compretensesmonumentais,emquatrovolumes,organizadaporJosu Montello19; a edio comemorativa editada pelo IHGSP, com seus 57 artigos20; e osgrandiososAnaisdoCongressodeHistriadaIndependnciadoBrasil, realizadosnoepublicadospeloInstitutoHistricoeGeogrficoBrasileiro,com seus67ttulos.21Muitasobrasmonogrficasediversosvolumesdeensaios foramentoeditados,quandooshistoriadoreseraminstigadosapensara Independncia luz dos desafios histricos lanados naquele quadrante22. Talvez a obra mais importante sobre a Independncia nesse contexto do centenrioesobaDitaduramilitartenhasidoIndependncia:revoluoe contra-revoluo.23SeuscincoalentadosvolumesabordaramaIndependncia dopontodevistadapoltica,economiaesociedade,forasarmadas,contexto nacionaleinternacional.JosHonrioRodriguessustentaatesedequea Independncia deveria ter sido um processo revolucionrio, o qual dera incio construodanacionalidadebrasileiraembasespopulareliberal.Oatode demissodeBonifcioporD.Pedroteriaabortadooprocessorevolucionrio, instaurando um movimento contra-revolucionrio mais contundente, por meio do qualosinteressesoligrquicossobrepuseram-sesaspiraespopulares. Enfim,aIndependnciafraumarevoluomalograda.Outraproposio importantesuavaideencontrofamosatesedodesquiteamigvelsugerida porOliveiraLima.ParaRodrigues,aIndependnciafoiumaverdadeiraguerra, 18RIZZINI,Carlos.HiplitodaCostaeoCorreioBraziliense.SoPaulo:CompanhiaEditoraNacional, 1957. 19MONTELLO, Josu (dir.). Histria da Independncia do Brasil. Rio de Janeiro: A Casa do Livro, 1972.20D.PEDROIeD.LeopoldinaperanteaHistria.VultosefatosdaIndependncia.SoPaulo:Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, 1972. 21 Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1975.22ComosoexemplosconspcuososensaiosdeEmliaViottidaCosta,IntroduoaoEstudoda EmancipaopolticadoBrasileJosBonifcio:MitoeHistria,publicadosemDamonarquia Repblica.Momentosdecisivos.SoPaulo:LivrariaEditoradeCinciasHumanas,1979;acoletnea organizada por Carlos Guilherme Mota. 1822: dimenses. So Paulo: Perspectiva, 1972, onde se publicou oensaiomarcantedeMariaOdiladaSilvadias.Ainteriorizaodametrpole.Entreosbrazilianists, merecemdestaqueduascoletneasdeensaios:ALDEN,Deril(ed.).ColonialrootsofmodernBrazil.Los Angeles/Londres:UniversityofCaliforniaPress,1973eA.R.J.Russell-Wood(ed.).FromColonyto Nation:Essays on the Independence of Brazil. Baltimore & London:The Johns Hopkins University Press, 1975.23 Cf. RODRIGUES, J. H.Independncia: revoluo: e contra-revoluo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. 5 v. 9equivalentesmaisincruentasguerrasdeIndependnciadaAmrica,em durabilidade e mobilizao de foras.24 Comparativamente ao boom historiogrfico dos anos 1970, cuja qualidade mereceseraindamelhoravaliada,muitopoucofoiproduzidoduranteosanos 1980. Basta lembar que, dentre 72 ttulos inicialmente encontrados entre 1980 e 2002,hinmerasreedies,demodoqueabibliografiaefetivamentenova contabilizadareduz-sea59ttulos,seisdosquaispublicadospelaRevistado InstitutoHistricoeGeogrficoBrasileiro.Dos53volumesrestantes,apenas trs datam da dcada de 198025 e apenas onze so anteriores a 1995. Ou seja, amaioriaesmagadoradaproduodosltimosvinteanossobrea Independncia,cercade80%dosttulospublicadosnosltimos20anos, concentra-se no ltimo lustro do perodo. Essa produo dos ltimos 20 anos ser o foco da anlise que se segue. Deixemos de lado, por um momento, as razes de tal fenmeno e olhemos para oqutemsidopublicado.Quaissoasquestestminstigadoessaleva recente de historiadores? Em quais linhagens problemticas suas investigaes seinserem?Dequaisngulostmconseguidoenfocaroprocessode emancipao poltica? A que respostas, ainda que provisrias, tm chegado? O que h de efetivamente inovador nessa produo?Diantedaimpossibilidadedetratarcadattulolevantado,desenvolverei meu argumento procurando rastrear nessa recente historiografia os tpicos mais pesquisadosedebatidos.Deimediato,otemaquemaistematradoaateno dos historiadores da Independncia no Brasil a questo nacional. 1. Nao ArelaoentreIndependnciaenaopodeserdefinida,semefor permitida a ironia, como a discusso sobre a precedncia histrica do ovo e da galinha, ou quem nasceu primeiro: o Estado ou a nao? Himportantesprecedentesparaaquelesquesustentamahipteseda anterioridadedeumanaoouumaconscincianacionalemrelao Independncia. Kenneth Maxwell, por exemplo, entende a inconfidncia mineira comoummovimentonacionalista.Novolume8daNovahistriadaexpanso portuguesa, organizada por Joel Serro, Maxwell escreveu a seo sobre Minas Geraiseasrazesdaconscincianacional.Ali,Maxwellprops-sepensara seguinte questo: Mas porque que, em fins do sculo XVIII, Minas Gerais foi a 24 Cf. RODRIGUES, J. H.Independncia: revoluo: e contra-revoluo,, citado, v. 5, p. 213-237. 25BARMAN,RoderickJ.Brazil:theforgingofanation(1798-1852).Stanford:StanfordUniversityPress, 1988;PROENA.MariaCndida.AIndependnciadoBrasil.Lisboa:GrupodeTrabalhodoMinistrioda Educao para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses; Colibri, 1999. 128 p.(a 1a edio de 1987) e SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Movimento constitucional e separatismo no Brasil (1821-1823). Lisboa : Livros Horizonte, 1988. 143 p. Coleco Horizonte histrico ; 17. 10basedoprimeiromovimentoautenticamentenacionalistadaAmrica portuguesa?. 26 Emumpequenolivro,publicadopelaprimeiravezem1986ereeditado dezanosdepois,FernandoNovaiseCarlosGuilhermeMotamapearam rigorosamenteasprincipaisquesteshistricasevertenteshistoriogrficasda Independncia.Aopensarocarterdomovimento,osautoresobservaram suascontradieslatentes.Aomesmotempoliberaleconservador,teriasido tambm nacional,por criar a nao, fabricao ideolgica do senhoriato para mantersuargidadominaosocialepoltica.Quemdesejouiralmmorreu, como frei Caneca.27 Tal interpretao marcante na historiografia que passo a analisar.Maria de Lourdes Vianna Lyra, em ensaio sobre a construo do mito do 7desetembro28,entendequeaemancipaonoimplicavarupturacoma me-ptria,pelocontrrio,baseava-senopressupostodaunidadenacional luso-brasileira.Considerando-seoestatutocolonialdoBrasilfrenteaPortugal, aidiadeumImprioLuso-brasileiro,consagradapocaepelahistoriografia posterior,parece-nosdefintivamentemaisapropriada.Emoutromomentodo mesmoensaio,expem-seasestratgiasdeinvestigaodessaconjuntura inicialdahistrianacional.Conformeexplorareiemdetalhefrente,a considerar os estudos mais recentes sobre formao da nao e construo do Estado imperial, tese bem aceita pela historiografia que a primeira processo que se consolida bem posteriormente, por volta de meados do sculo XIX. Emdoismomentossubseqentesdesuaformao,AnaRosaCloclet Silvadedicou-sequestonacionalpocadaIndependncia.Emsua pesquisademestradode1996,posteriormentepublicada(1999),aautora aborda o tema no pensamento de Jos Bonifcio29. Nota-se no texto uma certa dubiedade conceitual de origem, na patente indistino das nuances histricas e conceituaisdaconstruodoEstadoedaformaodanaonoBrasil. Categoriaseprocessosabsolutamenteco-extensivos,so,noobstante, diferentes entre si.O excerto abaixo d a medida da questo: OdebatehistoriogrficosobreaformaodoEstadonacional brasileirotemsidomarcadopelapresenaconstantedatemticada escravido.Aassociaoentreestesdoistemasnaoe escravido(...)derivadofatodeque,entendernossaformao nacional implica em buscar as especificidades do contexto a partir do qual ela se gerou, o que, no caso do Brasil, significa considerar nossa origemcolonialeescravista.Nestesentido,acompreensodo 26 MAXWELL, Kenneth. Condicionalismos da Independncia do Brasil. In: SERRO, Joel e MARQUES, A. H.DeOliveira.NovahistriadaExpansoportuguesa.OimprioLuso-brasileiro(1750-1822).Lisboa: Estampa, 1986. (vol. 8), p. 142 ss. 27NOVAIS,F.A.,MOTA,C.G.AIndependnciadoBrasil.SoPaulo:Contexto,1986.Utilizareiaquia segunda edio: So Paulo: Hucitec, 1996. A citao est p. 13. 28LYRA,MariadeLourdesViana.MemriadaIndependncia:marcoserepresentaessimblicas. Revista Brasileira de Histria, v. 15, n. 19:173-206, 1995. 29SILVA.AnaRosaCloclet.ConstruodanaoeescravidonopensamentodeJosBonifcio:1783-1823.Campinas:1996.(DissertaodeMestrado/Unicamp),depoispublicado:SILVA.AnaRosaCloclet. ConstruodanaoeescravidonopensamentodeJosBonifcio:1783-1823.Campinas:Editorada Unicamp, 1999. (Tempo e Memria). 11processodeconstruodanaobrasileiranosedissociadestes doistraosbsicosdenossaformaosocial,deformaquea relaoentreelesquedeveserbuscadaparaefeitosdese compreenderadinmicadoprocessoemquesto.(p.8)(grifos meus, JM) Aautorarefere-seaoprocessodeemancipaopolticacomo Independncianacional(p.15).Emsuatesededoutorado,defendidaem 2000,extende-seoperodoeotemadesuapesquisa30.Investigao desenvolvidanocampodahistriadasidias,seuenfoquetemumvis sutilmente lusfilo, por acompanhar os debates de idias do perodo a partir de uma clara perspectiva reinol (p. 8). Seu objetivo analisar os ... estadistas que protagonizaram os rumos da poltica luso-brasileira nos momentos destacados respectivamente o marqus de Pombal, D. Rodrigo de Sousa Coutinho e Jos Bonifcio de Andrada e Silva o que nos permite, por um lado, desvendar uma especfica percepo do contexto histrico vivido por parte daquela elite de Estado suas visesdemundoeoslimitesdesuasconscinciasacercado momento final do Antigo Regime portugus e, por outro, os prprios elos entre os projetos de Imprio luso-brasileiroe imprio braslico. Osmesmosdesafiostericospresentesemsuadissertaodemestrado (ConstruodanaoeescravidonopensamentodeJosBonifcio) reincidemagoranatesededoutorado,particularmentenadefinioconceitual deEstadoenao.Aointroduzirosegundovolumedesuatese,(p.174) centradonaanlisedoacirramentodaGuerraPeninsulareaprogressiva dissoluodosistemaluso-brasileiro,aautorarefere-seaosurgimentodeuma culturapolticaentre1808e1822,queseriaespecficapocada independencianacional.Oufrente,aotratardafragilizaodoImpriona lutapelahegemoniadopoder,afirma-seque,ApartirdeJaneirode1822,as tensestransferem-se,fundamentalmente,paraoespaonacional.31Defato, do lado portugus, a atitude dos Restauradores do Porto pode ser definida como abuscadesesperadaparaareinserodePortugalnumasituaomais confortvelnoequilbriodepodernumapalavra,arecuperaodoImprio, com Lisboa novamente como sua sede. Da parte das elites locais residentes nas vriasregiesdaAmricaportuguesa,ametaeraantesamanutenodos mecanismosgarantidoresdesuasposiesprivilegiadas(monopliosde comrcio e escravido), do que qualquer projeto assegurador da unidade entre as diversas regies a qual, definitivamente, no existia poca. 30SILVA.AnaRosaCloclet.Inventandoanao.Intelectuaisilustradoseestadistasluso-brasileirosno crepsculo do Antigo Regime portugus: 150-1822. Campinas: 2000. (Tese de doutorado/Unicamp). 31Outrostrabalhosrecentesadmitemaprecednciadanaoantesouduranteoprocessode Independncia,comoatesededoutoradodePaulaPortaSantosFernandes,de2002,paraquemaA Independncianacionalizouoidealdeconstruodeumimprio,renovandoseupotencialaglutinador, sobretudonomeiodosletradosedosfuncionriosdoEstado,fossembrasileirosouportugueses.Cf. Fernandes, P. P. Elites dirigentes e projeto nacional :a formao de um corpo de funcionrios do Estado no Brasil. So Paulo, 2000. 259 p. Tese (Doutorado, USP). 12AquestonacionaltambmcentralnapesquisadeGladysSabina Ribeiro,defendidaem1997epublicadaem2002,quetemoPrimeiroReinado deD.PedroIcomocontextodeinvestigaodaconstruodaidentidade nacional.Nela,discute-seoinciodaformaoidentitriadaNao,tendo como marcos cronolgicos os acontecimentos que precederam e sucederam o Sete de Abril, quando o pas foi (re)descoberto com a Abdicao de D. Pedro I e falou-seemnovaeverdadeiraIndependncia,liberdadetotaldojugo portugus.32

ApesardeseuobjetotratardeperodoposteriorIndependncia,no obstanteoassuntotratado.Preocupadaempercebercomoascamadas popularesatuaramnosacontecimentosdaIndependncia,aautorasugere quais seriam as grandes questes em pauta no perodo: Trocandoemmidos,doperodoanterioreposteriorRevoluo do Porto at a poca da Abdicao as contendas passaram a girar aoredordequestescomoMonarquiaouRepblica,Federalismo ouCentralismo.Quantoautoridade,seriaestafundamentada sobre a Soberania Nacional ou sobre a Soberania Popular? (p.18) So questes polmicas. A considerar os estudos sobre a Constituio de 1824 eoDireitoPbliconoImprio,desdeomarqusdeS.Vicente,nuncaa soberania esteve no povo: a soberania era atributo do Imperador, cuja vontade estavaacimadalei.33Quantoquestodanao,acomplexidadeanaltica manifesta-seclaramente.Asoluoadotadanaobra,dereificarsentimentose estados,atribuindo-lhesmaisculas,nosolucionasatisfatoriamenteo problema: Em fins deste ano de 1821 e ao longo do seguinte, 1822, a causa da LiberdadetinhasetransformadoemCausaNacional,entendidaenquanto autonomia (p. 19). Muitosautores,comoSrgioBuarquedeHolandaeMariadeLourdes Lyra,jhaviamdemonstradoqueaautonomiaestevesempreempauta,pelo menosdesdeoreformismoilustrado.Amanutenodamonarquiadualera persiguida pelas elites dos dois lados do Atlntico, que, todavia, diferiam quanto a questes importantes, como o papel e a ascendncia de cada uma das partes na balana de poder. Causa Nacional expresso problemtica, talvez mesmo anacrnica, para retratar esse momento.Ocontextohistoriogrficodaconstruodanaofoimagistralmente oferecido por Richard Graham, em texto publicado em 2001.34

Grahamavaliaatrajetriadapolmicasobreaprecednciahistricado 32RIBEIRO,GladysSabina.Aliberdadeemconstruo;identidadenacionaleconflitosanti-lusitanosno Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume Dumar: 2002. 402 p. 33 BUENO, Jos Antnio Pimenta. Direito pblico brasileiro e anlise da Constituio do Imprio. Braslia : SenadoFederal/UnB,1978.VertambmMENESES,TobiasBarretode.AquestodoPoderModerador (1871); Prelaes de direito constitucional (1882); Direito pblico brasileiro (1871). In: A questo do Poder Moderadoreoutrosensaiosbrasileiros.Petrpolis:Vozes,1977,SAES,Dcio.AformaodoEstado burgus no Brasil (1881-1891). Rio de Janeiro : Paz & Terra, 1985. 34 GRAHAM, Richard. Construindo a nao no Brasil do sculo XIX: vises novas e antigas sobre classe, cultura e Estado. Dilogos, Maring, v. 5, 2001. [http://www.dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol5_mesa1.html] 13Estado ou da nao. Sustenta coerentemente a tese de que, no Brasil, o Estado levou formao de uma nao, e no o contrrio, embora eu veja o processo comomaiscirculardoquelinear.SuaseoDebateshistoriogrficosfazum quem quem na historiografia quanto aos pontos debatidos: JosHonrioRodriguesargumenta,comconvico,queanaoj haviaexistidohmuitotempo.Deacordocomele,D.PedroI descobriu que os brasileiros estavam animadamente preparados para endossarsuadeclaraodeIndependnciadoBrasileque permaneceram unidos, a partir de ento, por um sentimento nacional. Oautorrefere-seaosentidoprofundodanossahistrianacional:A unidade o tema central, a motivao permanente. Continua Jos HonrioRodrigues:Desdeoprincpioaunidadefoiumaaspirao partilhadaportodos.Eacrescentaainda:OsonhodeumBrasil, nicoeindivisivel,dominoutodososbrasileiros(demonstrando)o orgulhonacionalnascente.Rodriguessegueatrilhaabertapor ManueldeOliveiraLima(18671928),quemafirmaque,antesda separaodePortugal,oBrasiljtinhaseuobjetivo:aquiloquej passaraaser,expressaoulatente,suaaspiraocomum(...)--a Independncia.Essavisoapareceunosprimeirostrabalhos publicadospeloprestigiadoesemi-oficialInstitutoHistricoe GeogrficoBrasileiro,criadoporDomPedroII,apartirde1839,e recorre em histrias intelectuais, tais a que E. Bradford Burns escreve sobreonacionalismobrasileiro:Ocrescimentodaconscincia nacional(...)teveseutriunfoinevitvelnaproclamaoda IndependnciadoBrasil(...)oBrasilapareceuecresceucomouma naounificadagraas,pelomenosemparte,aonativismovirilou nacionalismoprecoce.Essesentimentonacionalesentimentode devoosuaterranatal,acrescentaBurns,ajudaaexplicar porqueaquelegigantescopas,diferentedasoutrasenormesreas administrativas da Amrica Latina colonial, no se fragmentou aps a Independncia. Rodrigues, Oliveira Lima e Burns tomam como certa aunidadebrasileira.Elesprecisamapenasestabelecerquealguns brasileirosnativosvemasimesmoscomodiferenteseoprimidos porpartedaquelesquenasceramemPortugale,pronto,aesta nao, nica e unida. AsquesteslevantadasparaoprocessodeformaodosEstadose naesnaAmricahispnicaenoBrasilso,nessesentido,praticamenteas mesmas.Grahammostraqueoscentroshispano-americanosimpuseramuma unidadesobreasregiescircundantes,masoestabelecimentodeseuslimites territoriaisquestodifcilderesponder.Teriamasafinidadesculturais, questionaGraham,nointeriordecadapas,delineadosuasfronteirasouas naes surgiram com o decorrer do tempo? No que se refere ao Brasil, Graham argumenta que a tese de que uma nao existiu antes do Estado independente pode ser descartada. Em suma, os avanos no debate historiogrfico levam concluso de que uma precisa distino conceitual entre processo de Independncia e formao danaoumimperativo.Atnummomentomuitoavanadodahistriada 14historiografiadaIndependncia,nohaveriatantoproblemanessadefinio:a maioriaabsolutadeseushistoriadoresat,digamos,SrgioBuarquede Holanda(emesmodepoisdele),identificaIndependnciacomofimdojugo colonialquemarcaosprimeirostrssculosdahistriadaAmricacolonizada porportugueses,aserviodacoroalusitana.Numapalavra,consideramo processo da emancipao poltica, da separao daquilo que vir a ser o Brasil, dePortugal.Daresultadefinirem-seasprincipaisbalizascronolgicasdo acontecimentoentre1808,comachegadadafamliarealou1821(quandodo regressodoreiLisboa)at1825(reconhecimentodaIndependnciapelas diplomacias internacionais) ou 1831 (Abdicao de D. Pedro). ApartirdeSrgioBuarquee,emsualinha,MariaOdiladaSilvaDiase JosMurilodeCarvalho35,comeouahistoriografiaaatentarparaa complexidade daquele fenmeno histrico, a partir da apropriada considerao, nele,deaspectoscorrelatosquedevemserinseridosnaanliseda Independncia,comosoaconstruodoEstadoimperialeaformaoda naobrasileira.PodemosdatardotextodeMariaOdilaDiasoinciodas periodizaesque,guardandoaquelasreferncias,estendemoprocessode Independncia at 1848 e alm. Em texto recente, Istvn Jancs e Joo Paulo Pimenta se enveredam por taisembateshistoriogrficos.Apartirdaanlisedosdiscursosdosdeputados brasileirosnascortesconstituintesdePortugal,osautoresprocuraro demonstraracomplexidadedofenmenodeemergnciadeumaidentidade nacional, como se prefigura na diferenciao conceitual dos termos ptria, pas enao,veiculadosnaquelesdiscursos.Oprimeiroestariamaisvinculadoao lugardeorigem;pasequivaleriaunidadeenvolventedessasprovncias; naoseriaumconceitomaisfugido,poisescapadepaseptria.Anao brasileira inexistia ainda quando das cortes constituintes. JancsePimentavoargumentarnosentidodequeoprocessode construo da nao e, por extenso, de consolidao da Independncia vai arrastar-se por, pelo menos, toda a primeira metade do sculo XIX, ou at pouco maisalm,comocorroboramosmovimentosinsurrecionaiseclodidosnas provncias. Sua hiptese a de que a instaurao do Estado brasileiro precede adifusodeumespritoousentimentonacional(aexpressominha),pois conviver, de incio, com um feixe amplo de diferenciadas identidades polticas, com trajetrias prprias e respectivos projetos de futuro. Afirmam,compropriedade,quenosepodereduziroprocessode formaodoEstadorupturaunilateraldopactopolticoqueintegravaas partes da Amrica no imprio portugus. Hojeassentequenosedevetomaradeclaraodavontadede emancipaopolticacomoequivalentedaconstituiodoEstado 35 HOLANDA, Srgio Buarque de. A herana colonial sua desagregao. In: HOLANDA, Srgio Buarque de.(dir.)Histria Geral da Civilizao Brasileira. (tomo II, 1 vol.). S. Paulo : Difel, 1970; DIAS, Maria Odila LeitedaSilva.Ainteriorizaodametrpole(1808-1853).In:MOTA,C.G.1822:Dimenses.S.Paulo: Perspectiva,1972;CARVALHO,JosMurilode.Aconstruodaordem:aelitepoltcaimperial.Braslia: UniversidadedeBraslia,1981;CARVALHO,JosMurilode.Teatrodesombras:apolticaimperial.So Paulo: Vrtice, Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. 15nacional brasileiro, assim como o o reconhecimento de que o nexo entre a emergncia desse Estado com a da nao em cujo nome ele foiinstitudoumadasquestesmaiscontroversasdanossa historiografia.36 Os autores indicam em nota, com acerto, que foi obra da historiografia imperial, emmeioscrisesrecorrentesdeafirmaodoImprio,procurarconferirao Estadoumaidealizadasustentaopormeiodoresgatedoseupassado imediato,doqueresultouaelaboraodomitodafundaotantodoEstado como da nao a partir do rompimento com Portugal. 37 SeformosatrelaraIndependnciacomoprocessodaconsolidaoda formaodanacionalidadebrasileira,poderamosencontrarargumentospara afirmar que a Independncia at hoje, parafraseando Carlos Guilherme Mota, umaviagemincompleta.TmrazoautorescomoMariaOdiladaSilvaDias, Ilmar Mattos e todos aqueles elencados por Jancs e Pimenta, ao compreender queaconstruodanaoprocessoquesearrasta,pelomenos,at praticamente a segunda metade do sculo XIX. Mas este no pode confundir-se comaformaodoEstadoe,menosainda,comaIndependnciadoBrasilde Portugal,oprocessodaemancipaopolticabrasileira.Eesseoprocesso quenosinteressa.Aquestoparaaqualaquisebuscaresposta:porque aconteceu, do modo e no momento em que seu deu, a separao de Portugal e Brasil? 2. Unidade Acomplexidadedotematorna-sepatenteaosepensararelaodas distintasregiesdaAmricaportuguesa,queembreveseriamdesignadaspor provncias, com o movimento emancipatrio. Evaldo Cabral de Mello demonstra, com a maestria que lhe caracterstica, as implicaes histricas da construo domitohistoriogrficodolatenteseparatismoerepublicanismopernambucano, forjadopelossegmentosvencedoresnoprocessodaconstruodoEstado,na 36 JANCS, Istvan; PIMENTA, Joo Paulo G. Peas deum mosaico, (ouapontamentosparao estudoda emergnciadaidentidadenacionalbrasileira).In:MOTA,CarlosGuilherme.ViagemIncompleta.A experincia brasileira (1500-2000). Formao: Histrias. So Paulo: Editora SENAC, 2000, p. 132 ss. 37Eapontamparaascorrenteshistoriogrficasquesustentaramasmltiplaspossibilidadeshistricas inscritasnomomentodesurgimentodoEstadolivrebrasileiro,desdeCaioPradoJr.(FormaodoBrasil contemporneo. 18 ed. So Paulo: Brasiliense, 1983) at hoje. A historiografia da formao do Estado e da nao no Brasil vem recebendo recentemente contribuies de alta qualidade, acrescidas aos trabalhos, j clssicos,deSrgioBuarquedeHolandaedeMariaOdilaLeitedaSilvaDiasouIlmarR.deMattos(O temposaquarema.SoPaulo:Hucitec,1987).Talhistoriografiarevelouaaltacomplexidadequemarcao tema. Um balano destas perspectivas encontra-se em JANCS, Istvn; PIMENTA, Joo Paulo G. Peas deummosaico,op.cit,p.131-175.TambmBERBEL,MrciaRegina.Anaocomoartefato.Deputados doBrasilnascortesportuguesas(1821-1822).S.Paulo:Hucitec/FAPESP,1999;SOUZA,IaraLis Caravalho. Ptria coroada. O Brasil como corpo poltico autnomo (1780-1831). S. Paulo: Editora UNESP, 1999; BARMAN, Roderick J. Brazil: the forging of a nation (1798-1852). Stanford: Stanford University Press, 1988; SANTOS, Afonso M. dos. No rascunho da nao: inconfidncias no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro : PrefeituraMunicipaldoRiodeJaneiro,1992;OLIVEIRA,CecliaHelenaL.deSalles.Aastcialiberal. Relaes demercado e projetos polticosno Rio de Janeiro (1820-1824). BraganaPaulista: Edusf/cone, 1999, entre outros. 16penadeseusporta-vozesconspcuos:ahistoriografiasaquaremada Independncia: ...isto,ahistoriografiadacortefluminenseedosseusepgonos na Repblica, para quem a histria da nossa emancipao poltica reduz-se da construo de um Estado unitrio. Nesta perspectiva apologtica,aunidadedoBrasilfoiconcebidaerealizadapor algunsindivduosdotadosdegrandedescortniopoltico,que tiveram a felicidade de nascer no tringulo Rio-So Paulo-Minas e a quem a ptria ficou devendo o haverem-na salvo da voracidade dos interessesprovinciais,comoseestesfossempordefinio ilegtimos, e do gosto, digamos ibero-americano, pela turbulncia e pelaagitaoestreis,comoseEusbio,PaulinoouRodrigues Torresnofossemrepresentantesdereivindicaestoregionais quanto as de Pernambuco, Rio Grande do Sul ou do Par.38 O argumento do eminente historiador pernambucano extremamente sagaz, ao descortinar os vcios de uma historiografia que se imps nacional. Ao longo do Imprio, Pernambuco viveu a permanente suspeita de separatismo por parte dos gruposdirigentesdamonarquia,emfunodopapelgeo-poltico desempenhadopeloentrepostocomercialrecifense.Ahistoriografiaoficialdo regimeimperialvaiencamparaacusao,nosentidodeangariarparaas provncias do Sul o mrito da obra de construo da nacionalidade brasileira. S com o Marqus de Paran se realizaria a condio fundamental para a unidade, quefoioabrirespaonopodercentralparaasoligarquiasnortistas.O argumentodeEvaldoCabraldeMeloodequenopoderiaterhavido separatismoem1817e1824,jqueinexistiaconstitudaumanaobrasileira nesse momento.39

Essamesmaconcepo,daprecednciadoEstadoNao,que certamenteseriadefendidaporEricHobsbawm,reiteradafirmementepor Manuel Correia de Andrade, em ensaio sobre os projetos polticos no tempo da Independncia,ondeoautorafirmaoisolamentodasprovncias,nosentidode que no havia idia ou sentimento de unidade, de pertencimento, portanto, de nao, ptria ou algo que o valha, naquele quadrante histrico: Em1815,D.JooVI,preocupadocomaconsolidaodopoder portugusnoBrasil,emfacedasagitaespolticasquese estendiamportodaaAmrica,inspiradasemgrandepartepela IndependnciadosEstadosUnidoseestimuladaspelasidias divulgadaspelaRevoluoFrancesa,tratoudeatenuaroestatuto colonial,elevandooBrasilcategoriadeReino,unidoaPortugale 38 MELO, Evaldo Cabral de. Frei Caneca ou a outra Independncia. In: MELO, Evaldo Cabral de (org.). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. So Paulo: Editora 34, 2001, p. 16 ss. 39 conhecida a antipatia de Varnhagen pela Repblica de 1817, a cujo respeito confessa na Histria do Brasilteriapreferidosilenciar,oquefarnaHistriadaIndependncia.Malgradoessaaverso,ele absteve-se de caracteriz-la de separatista, cnscio provavelmente de que constituiria anacronismo critic-laporisto,quandooqueexistiaentonoeraaunidadenacional,masaunidadedoReinoUnidode Portugal,BrasileAlgarvesproclamadoem1815.MELO,EvaldoCabralde.FreiCanecaouaoutra Independncia, citado, p. 19. 17Algarves. A condio de Reino Unido dava elite dirigente uma idia deIndependncia,comamanutenodostatusquo;comisto, tentava-se unir as provncias que at ento tinham pouca vinculao entre si.40 Enfim,compartilhamosdaperiodizaopropostaporSrgioBuarquede Holanda,corroboradaporEvaldoCabraldeMello,quedistinguea Independncia,entendidacomoprocessodeemancipaopoltica(equese podesituarentre1808e1831),doprocessodeconstruodoEstadoimperial (que,semdvida,seinicianesseinterregno,comasatividadesdaAssemblia constituinteem1823,aoutorgadaCartaem1824eaaprovaodoCdigo Criminal em 183041) e da formao de uma nacionalidade brasileira, esta ainda maisposterior.Emboraconcordandoquetaisprocessosestoumbilicalmente ligados,queaIndependncianoestarconsolidadaantesdafinalizaoda construodoEstado(lembre-sequeoCdigoComercial,simulacrodeum Cdigo Civil que s aconteceu na Repblica, de 185042) e da difuso de uma concepo de nao (muito beneficiada por nosso romantismo nativista).Alis, Manuel Correia de Andrade reitera tese j sustentada anteriormente em ensaio clssico deSrgio Buarque de Holanda, que magistralmente sugeria que,NoBrasil,asduasaspiraesadaIndependnciaeadaunidadeno nascem juntas e, por longo tempo ainda, no caminham de mos dadas: ...notempodoreivelhoopaspareciaorganizadocomouma espciedefederao,emboraaunidadenacionaldevesse,ao contrrio,sermaisfavorvelaosprogressosdetodaordem.Essa unidade, que a vinda da corte e a elevao do Brasil a reino deixara decimentarembases maisslidas,estaraopontodeesfacelar-se nosdiasqueimediatamenteantecedemesucedemproclamao da Independncia. Da por diante ir fazer-se a passo lento, de sorte que s em meados do sculo pode dizer-se consumada.43 Evaldo Cabral de Melo endossa a tese, assimcomo Graham, no ensaio acima mencionado. Para este ltimo, reiterando proposio clssica de Oliveira Lima, a chegadadacorterepresentouummarcodefinitivodaIndependnciadoBrasil. MasoBrasil,emsi,sequerexistia.DeacordocomGraham, independentementedodesejodeliberdadequenutriamaspessoasdas diferentesprovncias,frenteaPortugal,aningumagradavaaidiadopoder centralizado no Rio de Janeiro. OenfoquedeGrahamantecipaemalgumamedidaaminhaprpria 40ANDRADE,ManuelCorreiade.OsprojetospolticoseaIndependncia.In:Asrazesdoseparatismo. So Paulo: Editora da Unesp, 1999, p. 60. 41 Para uma contextualizao desses primrdios da estruturao do Estado Imperial, cf. CARVALHO, Jos Murilode.Aconstruodaordem:aelitepoltcaimperial.Braslia:UniversidadedeBraslia,1981; CARVALHO,JosMurilode.Teatrodesombras:apolticaimperial.SoPaulo:Vrtice,RiodeJaneiro: IUPERJ, 1988; MALERBA, J. Os brancos da lei; liberalismo, escravido e mentalidade patriarcal no Imprio doBrasil(1830-1808).Maring:Eduem,1994eSAES,Dcio.AformaodoEstadoburgusnoBrasil (1881-1891). Rio de Janeiro : Paz & Terra, 1985. 42 SAUL, Renato. A modernidade alde. Porto Alegre : Editora da Universidade, 1989. 43 HOLANDA, Srgio Buarque. A Herana colonial sua desagregagao, citado, p. 9 e 18. 18posio pessoal: ...aspreocupaeseconmicasesociaiscontriburam poderosamenteparaasseguraraunidadedoBrasil.Taisinteresses conduziram,afinal,aaceitaodeumEstadocentralizado,que, ento,contribuiudecisivamenteparaaformaodeumanao. Interesses materiaise econmicoslevaramtantounidadenacional quantoaoEstadocentralizado,masnoofizeramtodiretamente, como Prado Jnior o teria dito, porm, atravs da poltica e da cultura poltica. (...) Dois fatores --a ameaa da desordem social e o apelo de uma monarquia legtima-- explicam o motivo por trs de suas aes, comoficaclaronumaidentificaodasvantagensespeciaise individuais que os homens prsperos distantes do centro obtinham do Estado que construram. Aunidade,nascolnias,eraasseguradanoemqualquersuposta identidadenacional,masnaeficciadaburocraciadeEstadometropolitana, conforme demonstraram Afonso Carlos Marques dos Santos e Istvn Jancs.44 3. Periodizao Talvezatentativadeestabelecimentodereferenciaishistoriogrficosdo processodeIndependnciamaisbemsucedidaestnaobradeJosHonrio Rodrigues.PioneiroeentusiastadosestudoshistoriogrficosnoBrasil, Rodrigues no poderia deixar de incluir uma carta de orientao bibliogrfica de estudosdaIndependncianagrandeobrahistricaquedeixousobreotema. Nocabeaquientrarnomritodapropostadeperiodizaodoprocesso, situada entre abril de 1821, ano do regresso de D. Joo a Portugal, e agosto de 1825,comoTratadodeReconhecimentodaIndependncia.45Porentendera Independnciacomorevoluo,porexemplo,JosHonrioenquadraautores comoOliveiraLimacomoortodoxos.SeuOmovimentodaIndependncia, nessesentido,seriaumasntesebemfeita,cujoprincipaldefeitoseriater negligenciadoosaspectoseconmicosesociais.Aortodoxiaoenquadraentre aquelesquenosreconhecemosbenefciosdogovernodeD.Joo,como suainflunciadiretanomovimento.Ouseja,aquelesqueassumemopapel decisivodeD.JoonoprocessodeemancipaorenegariamaIndependncia como revoluo: seriam, portanto, ortodoxos e conservadores. 44Cf.SANTOS,AfonsoCarlos.Norascunhodanao:InconfidncianoRiodeJaneiro.RiodeJaneiro, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento GeraldeDocumentaoeInformaoCultural,DivisodeEditorao,1992,p.141.TambmJANCS, Istvan.AconstruodosEstadosnacionaisnaAmricaLatinaapontamentosparaoEstudodoImprio comoprojeto.In:SZMRECSNYI,Tamas,LAPA,JosRobertodoAmaral.(orgs.)Histriaeconmicada Independncia e do Imprio. 2 ed. So Paulo: Hucitec, Edusp, Imprensa Oficial, 2002, p. 10 45RODRIGUES,JoseHonrio.HistoriografiadaIndependnciaeseleodedocumentos.In: Independncia : revoluo e contra-revoluo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975, v. 3, p. 255. 19OproblemadaperiodzaodaIndependnciaabreparaasdiversas interpretaes e suas nfases nos aspectos polticos/diplomticos e econmicos e sociais, e incide diretamente na questo da durao do movimento. MariadeLourdesViannaLyraproduziuensaioparadiscutirseo7de setembrorepresentaounooturningpointdaIndependncia,visando apreenderadimensosimblicadessabalizacomoobjetivodebuscarna formadesuarepresentaooscondicionantespolticosqueencaminharam definio do Grito do Ipiranga como marco fundante da nacionalidade brasileira.Esse tipo de estudo produz o mesmo efeito do qu aqueles que buscam negar o mitodafundao,comoaobradeMorivaldeCalvetFagundes46.Desuas investigaes sobre as correspondncias e relatos referentes ao 7 de setembro, Vianna Lyra pode inferir: Oolharmaisatentoaosregistrosdaimprensaouaosdiscursos polticos sobre os acontecimentos de 1822, e sobre as repercusses ocorridasnasociedadedapoca,revela,noapenasomissesou desencontrosfreqentesquantoaomarcodefinidorderupturada unidadeluso-brasileira,isto,sobreadataprecisada Independncia,masevidenciaaindaocompletosilncioquantoao Setedesetembrocomoomarcodefinitivodaproclamaoda Independncia,representaoquetornarianosmbolomaiorda memria nacional. (p. 179) (grifo meu, JM) A busca da data precisa da fundao da nao tende abordagem que desconsidera,necessariamente,aIndependnciacomoprocesso,atentando majoritariamente para seu aspecto poltico. Em tal abordagem os condicionantes sociaisfundamentais,comoaprpriaredefiniodaselitesnoperodoentre 1808 e 1820, acabam negligenciados. 4. Carter da Independncia AdiscussoemtornodocarterdaIndependnciairdefiniro entendimento do processo e definir sua periodizao.A questo foi claramente enunciadapelosprofessoresFernandoNovaiseCarlosGuilhermeMota.Ter sidorevolucionrio?Reformista?Conservador?Elesestocorretosaoafirmar queahistoriografiavarianoestabelecimentodasdatasbalizas,tantoda deflagraoquantodaconclusodoprocesso.SeguindoJosHonrio Rodrigues,ahistoriografiaoraenglobaoperodojoaninoechegaaoperodo regencial(1831ouatmesmo1840),orarestringe-seaosfatosluminosos ocorridosentre1821(avoltadeD.JooparaPortugal)e1825,quandodo reconhecimentopelasdiplomaciasinternacionais.Eacertamnovamenteos autoresuspianosnacrticainterpretaodeJosHonrio,paraquemos 46Cf.LYRA,MariadeLourdesViana.MemriadaIndependncia:marcoserepresentaessimblicas. Revista Brasileira de Histria, v. 15, n. 19:173-206, 1995; Fagundes, Morivalde Calvet. O grito do Ipiranga: uma fantasia. Caxias do Sul: EDUCS, 1997. 20autores que preferem a periodizao mais longa vinculam-se a uma perspectiva conservadora,queacentuaacontinuidade,enquantoaperspectivaliberal explicitaria a ruptura, sendo por isso mesmo referida. Ora,colocadaaquestonessadicotomia,ficadeforaum terceirocaminho,queprecisamentenospareceomais acertado: encarar a independncia como momento inicial de um longo processo de ruptura, ou seja, a desagregao so sistema colonial e a montagem do Estado nacional.47 Quer-nos parecer que essa terceira perspectiva indicada, post-factum, eivada deteleologia.IssoporqueaquestodamontagemdoEstadoNacionalno estavasequerclaramenteenunciadanoprocessoderuptura.Aseparaose deveumaisfaltadecompetnciadaselitesnosentidodepreservara monarquiadualqueeraomotedamaioriadosconstituintesbrasileirosat avanadomomentodaAssemblia,doqueaumdesejolatentedeimplantar um Estado nacional. Insere-se nessa discusso das balizas temporais, assim como do carter da Independncia, a avaliao sobre o peso da transferncia da corte para o Rio de Janeiro. Sierra Y Mariscal talvez tenha sido o primeiro a enunciar claramente oproblemaeentendiaqueaIndependnciajeraumprocessoemmarcha, retardado, contudo, pela chegada da famlia real.48 Recentes obras acresceram pesquisaeargumentosaodebate49.Quantoaafirmarqueachegadadacorte protelou a Independncia, eu diria que sim e no. Sim, porque a chegada do rei aoBrasilabriraparaoladomaisfortedacontenda(asclassessuperiores brasileiras) a possibilidade de vislumbrar sada menos traumtica que a ruptura. No, porque a vinda da corte significou um passo decisivo, do qual no haveria comoretroceder.Deummodooudeoutro,pelaconciliaooupelaruptura, estava lanada a pedra fundamental da Independncia.EssedebatesobrecarterdaIndependnciatende,nombitoda historiografia, a endossar interpretaes cristalizadas, como as que contrapem interessese/ougruposportuguesesebrasileiros.Talatitudeacabapor obliteraravisodopapeldeagenteshistricosimportantssimos,aosquaisa historiografiarecentenotemprestadoadevidaateno.Refiro-me especialmenteaopapeldecisivodesempenhadopelorei,comochefedesua casa dinstica, no processo de Independncia.FoiSrgioBuarquedeHolanda,maisumavez,quemtevesensibilidade paraobservarque...o7desetembrovaiconstituirsimplesepisdiodeuma 47 Novais e Mota, citado,p. 18. 48 Francisco de Sierra y Mariscal. Idias sobre a Revoluo do Brasil e suas conseqncias (1823). Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, 1920, v. 43. 49Cf.SCHULTZ,Kirsten.TropicalVersailles:thetransferofthePortugueseCourttoRiodeJaneiro, MonarchyandEmpire.NovaYork,1998.(tesededoutorado,NYU)publicadacomoTropicalVersailles: Empire, Monarchy, and the Portuguese Royal Court in Rio de Janeiro, 1808-1821 (New World in the Atlantic World).NovaYork:Routledge,2001;SOUZA,IaraLizCarvalho.Ptriacoroada.OBrasilcomocorpo polticoautnomo(1780-1831).SoPaulo,EditoradaUnesp,1999;SCHWARCZ,LiliaM.Asbarbasdo Imperador. So Paulo: Companhia das Letras, 1998; MALERBA, J. A corte no exlio; civilizao e poder no Brasil s vsperas da Independncia.So Paulo: Companhia das Letras, 2000. 21guerracivilportuguesa,eondesevemenvolvidososbrasileirosapenasem sua condio de portugueses do aqum-mar. O adversrio comum est, agora, claramentenascortesdeLisboa.50DeveterocorridoaD.Joo,ouaseus conselheiros,otrunfoqueoBrasilrepresentava,apsoreitersidodesafiado pelascortesdeLisboa.IstvanJancstambmassimpercebeu,enfocandoo projetodeformulaoimperialdosBraganasquantoasuaaceitabilidadeem terras brasileiras: OsBraganaformularameimplementaramoseuprojetoimperial,e estesereforounaAmricapoisatendiasexpectativasdaselites locais.Aqui,aocontrriodaAmricahispnica,oconservadorismo poltico das elites encontrou no projeto imperial o instrumento de sua efetividade e os meios para o rompimento dos particularismos que no perodo anterior se apresentavam como demarcadores dos limites de seus projetos polticos possveis.51 Mashumafaceocultanesseponto.SeaceitarmosqueD.Joofoidesafiado quando s dimenses de seu poder por parte dos vintistas, podemos entender a Independncia do Brasil como um momento dessa queda-de-brao. Osliberais de1820deflagraramumverdadeirogolpedeEstadocontraorei,aoimporem-lheaaceitaodeumaconsituioaindaporserfeitaeseuretorno incondicionalaoreino,assimcomoaretomadadapautadediscussesno tocantesrelaesbilateraisentreBrasilePortugal52.Porseuturno,ocontra-golpe do rei foi um verdadeiro golpe de estado de D. Joo s cortes vintistas, ao aceitaraconstituioeoretorno,masmantendooprncipeherdeironoBrasil. Esse ato sinalizava claramente que o custo do acinte seria a perda definitiva da colnia,umpreocarssimoaosportugueses.Poroutrolado,D.Pedroera herdeiro de D. Joo e, morrendo o pai, corria Portugal o risco de ser colonizado pelo filho quando da morte do rei.Atentoasdiscussescaminhavambem,nosentidodaconstruode um novo imprio liberal trans-ocenico. A presso dos grupos brasileiros para a permannciadoPrncipeeaferrenhaoposiomesmaporpartedascortes deLisboapodesertomadacomooturningpointdaseparao.Apartirdaas possibilidades de conciliao estavam definitivamente descartadas. A partir da, acapacidadedearregimentaoelideranadeBonifciofoidecisivaparaa unificao dos discursos dos diversos grupos de interesses localizados no Brasil e,doravante,revestiu-seoprncipedepapelpolticoqueatentolheera estranho. A simbologia construda em torno ao Fico -o testemunho.Umsegundomomento,estesimderradeiro,deu-senosembatesdentro dasCortesemLisboa.Emcertosentido,faznexoaafirmaodeMaxwellde queoverdadeiromovimentopelaIndependnciadacolniaverificou-sena 50 HOLANDA, Srgio Buarque. A Herana colonial sua desagregagao, citado, p. 13. 51 JANCS, Istvan. A construo dos Estados nacionais na Amrica Latina apontamentos para o Estudo do Imprio como projeto. citado, p. 25. 52 Embora no se tratasse mais de restaurar a antiga condio colonial, completamente intangvel naquele momento, como provam as pesquisas mais recentes de Mrcia Berbel. 22Europa,efoielearevoluoportuguesade1820. 53FoiaelaqueD.Joo respondeucomumgolpedeEstado,franqueandoaIndependnciaselites Brasileiras com o preo da coroa manter-se com sua Casa.SeasJuntasmaisativasvindasdoBrasil,comoasdeSoPauloe Pernambuco, concordavam com as de Portugal quanto questo da integridade eindivisibilidadedoReinoUnido,divergiamirreconciliavelmentequantoaos papis de ambas as partes e quanto ao local da sededa monarquia. A adeso detodosaositemaliberal,quesignificariaaextirpaodaameaada IndependnciaabsolutadoBrasil,esbarravanasdiferentesposturasquantoao poderdemandonanovaconfiguraopoliticaquesebuscava.Noinciode 1822,deputadosBrasileiros,comoopernambucanoMunizTavares,j respondiamabertamentecomaseparaototalsposturasrecolonizadoras, manifestadas, por exemplo, na ameaa de envio de tropas militares portuguesas para o Brasil. Como observa acertadamente Maria de Lourdes Lyra: O projeto de emancipao sem desligamento, ou seja, o modelo de EstadoconstitudoemReinoUnido,comeavaanaufragarface insatisfao dos portugueses da Europa em relao s dmarches da poltica de unidade luso-brasileira.54 Apartirda,osgruposdeinteresseelevaramoprncipeherdeiroaagente histrico,sendoaradicalizaoocaminhoseguido.Orestojaznaretrica panfletria,nasmemriasedificantesenocipoaldefatosquepreenchema narrativa da vasta historiografia sobre a Independncia. 5. Maonaria Muitocitada,masmuitopoucoestudada,atpelasdificuldadesquesua estrutura suscita, a importncia da maonaria no processo da Independncia. Afora alguns bons trabalhos produzidos nos anos 196055, poucos so os autores quelhededicaramcaptuloparte.Porisso,merecedestaqueatesede doutorado do Alexandre Mansur Barata, defendida em 2000 na Unicamp.56 OttulodotrabalhoMaonaria,sociabilidadeeIndependncia(Brasil, 1790-1822)poderiasermelhorajustadoaocontedo.Opropsitodoautor analisarainserodasociabilidademanicanoBrasil,naviradadoXVIII paraoXIX.Seufocorecai,sobretudo,sobreasformasderecrutamentodos membros, organizao, as relaes entre maons e autoridades governamentais 53 MAXWELL, Kenneth. Condicionalismos da Independncia do Brasil. In: SERRO, Joel e MARQUES, A. H.DeOliveira.NovahistriadaExpansoportuguesa.OimprioLuso-brasileiro(1750-1822)(vol.8). Lisboa: Estampa, 1986, p. 387. 54 Lyra, M. L. V. A utopia do poderoso imprio, citado, p. 208. 55 Cf. FERREIRA, Manuel Rodrigues e FERREIRA, Tito Lvio. A maonaria na indepndencia brasileira. So Paulo: Grfica Biblos, 1962; SANTOS, Clia Galvo Quirino dos. As sociedades secretas e a formao do pensamentoliberal.AnaisdoMuseuPaulista,v.19:51-59,1965;PINTO,Teixeira.Amaonariana independncia do Brasil (1812-1823). Rio de Janeiro: Salogan, 1961. 56BARATA,AlexandreMansur.Maonaria,sociabilidadeeIndependncia(Brasil,1790-1822).Campinas, 2000. (Tese de doutorado/Unicamp) 23(principalmentenoqueserefereaPortugal),asligaesentremaons brasileiroseportugueses.Seusobjetivoscentram-seemquestescomoas estratgiasderecrutamentoeformasdeatuaodeseusmembros;o significadodesermaonnofinaldosculoXVIIIeinciodosculoXIXno Brasil;osmodosdeinserodasociabilidademanicanaAmrica Portuguesa;aposturadasautoridadesportuguesasarespeitodocrescimento damaonaria(p.24).Defato,opapeldamaonarianoprocessoda Independnciapassaaolargodasprioridadesdeinvestigaodoautor.Ainda quesetratedeestudosobreoperodoesobreumaimportanteinstituio pocadaIndependncia,apenasmuitotangencilamenteestaefetivamente enfocada.Um de seus argumentos na crtica s tradies historiogrficas, que situam amaonariamnosbastidoresdaIndependncia,justamenteofatodeque havia cises dentro da prpria maonaria: no seio do maonismo tambm havia espaoparaoconflitoenemtodosdefendiamaIndependnciacomonica soluoparaacrisevivenciada(p.214).Dariaumamaiorconsistnciaao trabalho estabelecer um quem quem na maonaria, mapeando os contrrios eosfavorveissoluoderuptura.Faz-se,sim,umresgatedasdisputas posteriores pela memria da Independncia, tal como produzida pelas diferentes faces. O que surge efetivamente no texto so menes a sujeitos que tomaram parte no processo de emancipao poltica, os quais eram maons. Mas tal no implicaqueaquelessujeitostivessemtomadopartenoprocessoporserem maons,nemexplicasuasatitudeseposies.Tampoucoqueamaonaria, enquanto insituio, desempenhou um papel claro neste ou naquele sentido...A anlisedaparticipaodosmaonsnosacontecimentosde21e22Abrilde 1821 comprova essa atitude: De forma especfica, os acontecimentos dos dias 26 de fevereiro, 21 e 22 de Abril apontampara a crescente participao dos maons nos embatesdavidapblicanoRiodeJaneiro.Alguamasdasmais importanteslideranasmanicasnoRiodeJaneiro(Joaquim GonalvesLedo,JosClementePereira,JanuriodaCunha Barbosa,ManueldosSantosPortugal,MarcelinoJosAlves Macamboa)tiveramdecididaatuaonaquelesmovimentos,oque demonstravaasintoniadosmaonsfluminensescomasprincipais lideranas do movimento constitucionalista em Portugal, muitos deles tambm maons. (p.247) AmonografiadeAlexandreBaratatrouxecomocontribuioumdebate historiogrfico muito cuidadoso, alm de levantar questes importantes, como a crticateseconspiratria.Seutrabalhomostraquemuitoaindaprecisa avanar no estudo do papel da maonaria no processo de Independncia. Maria Beatriz Nizza da Silva tambm reclama da escassez de bibliografia sobre a maonaria, que perdura, no obstante a tese de Alexandre Barata. Para NizzadaSilva,aMaonariatevepapeldecisivonosentidodegarantira permanncia do prncipe no Brasil, aps os decretos das Cortes portuguesas no 24sentidocontrrio.Quandoessesdecretos,ordenandooregressodoprncipea Portugalecriandonasprovnciasgovernosdiretamenteligadosmetrpole, JosJoaquimdaRochareuniuemsuacasaosmembrosdoClubda Resistncia, alguns dos quais eram maons, e logo a maonaria tomou posio quanto articulao de um movimento para o Prncipe ficar no Brasil. O grande nomedaMaonariaeraentoJoaquimGonalvesLedo.Oproblemaque tambmNizzadaSilva,comoBarata,nomostraenoprovacomosedava essaparticipaoinstitucionaldamaonaria,senoapontaparaquealguns ativistas pr-Independncia eram maons.57 6. Camadas populares LeslieBethell 58jafirmaracertavezqueaIndependnciafoiobradas elites, de segmentos superiores oriundos de ambos os lados do Atlntico. Trata-sedequestofartamentetrabalhadapelahistoriografia,masque,aindasim, gera controvrsias. Contundenteemenossimpticoemfunodeseusaspecto aparentemente conservador , o entendimento de Manuel Correia de Andrade, dequeOpovonousufruiudasconquistasdaIndependncia,poisfoium movimento de elites para elites. Naverdade,noinciodasegundadcadadosculoXIX,haviaum anseiogeralporliberdade,tantonaselitesquetentavamcontrolaro podercomonopovo;aopensarememIndependnciatodos imaginavamque,libertosdojugoportugus,iriamvivermelhores dias.Ocorrequehaviaosconsideradosdeserdadosnegros, mulatos,ndios,brancospobresqueencaravamamudanade podercomoumaalavancaqueiriadesestruturararigidezdas classes.Mesmoosescravosaspiravamliberdade,sobretudoao saberem,nasruasenascozinhasdascasasgrandesedos sobrados, notcias sobre o que ocorrera no Haiti. Essa grande massa de expropriados, urbanos e rurais, nada obteve com a Independncia alcanada a 7 de setembro.59 JosHonrioRodriguesdesignacomoortodoxoseconservadoresaos historiadoresquedatamoinciodaIndependnciaaotempodachegadada corte.Talentendimentonegariaocarterrevolucionriodaguerrada Independncia,deixandoprevaleceropapeldesempenhadoporD.Jooeo decorrentecarterelitistaeconciliatriodomovimento.Contrariandoosrtulos deJosHonrioRodrigues,eudiriaqueconservadornoohistoriadorque atribui peso obra de D. Joo, nem quem relativiza o papel desepenhado pelo 57SILVA,MariaBeatrizNizzada.Darevoluode1820Independnciabrasileira.In:SERRO,Joele MARQUES,A.H.DeOliveira.NovahistriadaExpansoportuguesa.OimprioLuso-brasileiro(1750-1822). Lisboa: Estampa, 1986. (vol. 8), p. 423 ss. 58Cf.BETHELL,L.TheIndependenceofBrazil.In:BETHELL,L.(ed.).TheCambridgehistoryofLatin America. V. III. From Independence to c. 1870. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, pp. 166 ss. 59ANDRADE, M. C. citado, p. 63. 25povo. Conservador foi o processo em si. Masoassuntopolmicoemuitonoseavanounasduasltimas dcadasnoconhecimentodopapeldasclassespopularesescravos,libertos, homenslivrespobresnoprocessodeIndependncia.Osestudiososda escravidoavanaramumpasso.Emensaiomuitocitadopublicadoem1989, Joo Jos Reis analisa a participao dos negros nas lutas pela Independncia naBahia.ParaReis,almdostradicionaispartidospolticos,outrosagentes disputavam interesses naslutas da Independncia. o caso dos escravos, que a viam como uma possibilidade de alar sua alforria. A indeterminao posterior aocontextoturbulentodarevoluodoPorto,quenaBahiageroufortereao militarao7desetembroporpartedastropasportuguesas,possibilitouo surgimentodeumcenriotalquepermitiuaosescravosparticiparemde discusses sobre questes candentes como liberdade poltica. Sem dvida, em suaspesquisaspioneirassobreoscaminhosdaliberdadenoBrasilescravista, JooJosReiscontribuiuparaaaberturaaoutrasdimensesdoprocessode Independncia at ento negligencias pela historiografia.60 NomesmosentidoavanamosresultadosdepesquisadeHendrik Kraay.61VoutomarseuartigosobreorecrutamentodeescravosnaBahia pocadaIndependncia62comopretextoparademonstrarmeupontodevista, da dificuldade de se investigar o papel desempenhado pelas camadas populares no processo de Independncia. KraaymostraqueorecrutamentodeescravosnaBahiaforaumesforo improvisado,quenofoiordenadonemreguladopordecreto.Oproblema estavanaalforriaqueosescravosalistadosesperavamenaposiodosseus senhoresfrenteaoEstado,nosentidodaexpectativadeindenizao.Kraay insiste na necessidade da diferenciao entre escravo e liberto na anlise do recrutamento.Aparticipaodosltimosnotraziamaioresproblemas.Em 1823, Pierre Labatut os recrutara. Mas... Aquestodosescravoserabemdiversa.Hindciosdeque,jem setembrode1822(antesdachegadadeLabatut),patriotas pretendiamus-los.MariaQuitriadeJesuscontoudepoisaMaria DundasGrahamquepatriotrasentoqueriamobrigarseupai,um portugus, a contribuir com um escravo, pois no tinha filhos para dar aoexrcito.Arespostadelequeinteressetemumescravopara lutarpelaIndependnciadoBrasil?semdvidarefletiaatitudes bem difundidas...63 60 REIS, Joo Jos. O jogo duro do Dois de Julho: o partido negro na Independncia da Bahia. In: SILVA, Eduardo e REIS, J. J. Negociao e conflito: resistncia negra no Brasil escravista. So Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 79-98. 61Cf.SeulivroRace,state,andarmedforcesinindependence-eraBrazil:Bahia,1790s-1840s.Stanford: Stanford University Press, 2002. 62KRAAY,Hendrik.Emoutracoisanofalavamospardos,cabras,ecrioulos:orecrutamentode escravosnaguerradaIndependncianaBahia.RevistaBrasileiradeHistria,SoPaulo,v.22,n.43,p. 109-126, 2002. 63 Idem, p. 112. 26Esse ponto central para mim. O ensaio de Kraay trata com propriedade sobrecomoaIndependncia,indiretamente,pelaviadorecrutamento,mexeu comassuntosdelicadoscomoacondiodoscativoseoshorizontesde liberdadequeaguerrasuscitara.Masaviacontrrianofazpartedeseu objeto,nemdeoutrosestudosqueeuconhea:emquemedidaaescravido, enquantoinstituio,eosescravos,enquantogrupoouclassesocial, contriburam para o processo deIndependncia do Brasil ante Portugal? Isso muitodiferentedeseanalisarosdiferentesgrupossociaisoucamadas populares poca da Independncia, ou como a Independncia incidiu em suas vidas. Masnohdvidaqueaescravido,enquantogarantiadosistema produtivo,estevenohorizontedaselitesquepatrocinaramaIndependncia. CarlosGuilhermeMotaeFernandoNovaisafirmamcompropriedadequea existnciadocativeiroestabeleceuolimitedeaodaclassedominante brasileira, impondo a opo de uma transio conservadora, ou seja, o preo de uma Independncia conservadora para as classes dominantes locais, no sentido de manter fora do processo a escravaria, foi a monarquia centralizada tendo por base a maquinaria j existente.64 O argumento reiterado por Istvan Jancs: Aforaeafraquezadaseliteslocaisresidianaescravido,ea reproduodesuahegemoniaemescalalocalimplicava, necessariamente,nareproduoampliadadosistemaescravista. Esta constitua a base de seu poder econmico. Mas a generalidade absolutadoescravismo,quedeterminavaoslimitesdaconscincia polticapossvel,representava,tambm,olimitedaaopoltica dessas elites.65 Osesforos,nosentidodeenquadraraparticipaopopularno movimentodeIndependncia,acabamfazendopintarocenriocomtintas estranhasaoquadro.oquesepercebenolivroAliberdadeemconstruo, deGladysSabinaRibeiro.Preocupadacom perceber a participao popular no processo de emancipao, procura situar a participao do povo, que sempre surgeemseutextoentreaspas.Masdefinirquemeraessepovotorna-se tarefa malgrada. Vemos nos documentos de poca o povo assinar manifestos, posicionando-se contra ou a favor a Independncia, o povo contra o povo. Falta saber quem que escrevia em nome do povo! O Povo tinha bastante nitidez quanto aos seus objetivos e sabia as potencialidades do pas, lanando da mesma forma mo da ameaa. (...)OPovoerapordemaisorganizado.Tinhaemmente, principalmente,osproblemaseconmicos,quepodiamabalara segurana e a prosperidade do Reino. 64 Novais e Mota, citado,p. 43. 65 JANCS, Istvan. A construo dos Estados nacionais na Amrica Latina apontamentos para o Estudo do Imprio como projeto, citado, p. 24. 27Maisfrente,aautoraconcluiqueoPovoeraopartidobrasileiro,que pugnava pela preservao da unidade pela via monrquica e constitucional.66 Parece-me,pois,queprecisamosaguardaroavanodahistoriografia, paraconhecermosmaisemelhorqualopapeldesempenhadopelascamadas populares no processo de Independncia. 7. O Sentido da Independncia Nas prximas duas sees finais vou tentar sintetizar, numa aboradagem ampla,oquemepareceseromoteafazeravanarinterpretaessobrea Independnciaequalcaminhopoderemosseguirparacontinuaresseavano.Nessesentido,parecenecessrioumdeslocamentodoeixodadiscussopara um plano um pouco mais terico. No parece exagero afirmar que o enquadramento terico predominante e mais influente na historiografiada Independncia, pelo menos desde os anos 1960, aquele derivado da abordagem de Caio Prado Jr. Partindo de um ponto de vista marxista, ele procurou entender o sentido da colonizao, inserindo a histria do Brasil num contexto seno planetrio, ao menos ocidental. A histria do Brasil explicar-se-ia, nessa tica, como um derivativo da histria europia, no contexto da expanso do capitalismo comercial. Essa tese a base das teorias da dependncia. Quem melhor definiu a Independncia a partir desse ponto de vista foram FernandoNovaiseCarlosGuilhermeMota.ParaosprofessoresdaUSP,a subordinaodoBrasilaumsistemaeconmicomundialunificadosobo capitalismo comercial que d sentido ao curso da Independncia. ...qualquerestudoqueviseumasntesecompreensvada emanciapaopolticadaAmricaportuguesa[deve]situaro processopolticodaseparaocolnia-metrpolenocontextoglobal dequefazparte,equelhedsentido;e,sento,acompanharo encaminhamento das foras em jogo, marcando sua peculiaridade.67 (grifo meu, JM) EssepontodevistadesenvolvidonocaptuloContexto(p.22ss).Nesse diapaso, a colonizao um instrumento de acumulao primitiva (isto ,acumulaoprvianecessriaformaodocapitalismo)decapital comercial nas reas centrais do sistema) e a Independncia do Brasil seria no maisqueumefeitododesmantelamentodasociedadedoAntigoRegime,ou, como dizem os prprios autores, da passagem do feudalismo para o capitalismo, na longussima durao. Porcertoqueningumnegaraimportnciadessacontextualizao histrica. O desmantelamento da sociedade feudal, cuja falncia do absolutismo 66RIBEIRO,GladysSabin.Aliberdadeemconstruo;identidadenacionaleconflitosanti-lusitanosno Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume Dumar: 2002, p. 38 ss. 67Cf. Novais e Mota, citado, p. 17. 28e a crise do Antigo Regime so dois aspectos derradeiros, so o pano-de-fundo dacenahistria.Parausarametforateatral,opano-de-fundoenquadra, estabeleceoslimitesemqueagemospersonagens,masabsolutamenteno lhesdeterminaasfalaseaes.umequvocotericoprocurarexplicarum fenmenoeminentementepolticocomexplicaesmacro-estruturaisdelonga durao.usaraferramentaerrada,comoatirarummssilparaderrubaruma ave.Apoltica,comoensinouGramsci68,olugardalutadosgrupose indivduos,ondeprojetosedesejosindividuaisecoletivossedegladiampor estabelecer uma hegemonia. Se fossmos buscar as razes (o sentido, porque no?)daIndependnciaemmovimentosestruturaisdelongadurao, poderamosentoatribu-laquedadoimprioromano,precursorada contituiodasociedadefeudal,daqualacrisedoAntigoRegimemarcao ocaso. Trata-sedeumainterpretaoengessadaemquadrosinterpretativosde ferro,queretiramaoprocessohistricotodacoretodobrilhodasrelaes sociaisvividaspelosagentes.Umprocessoeminentementesocialepoltico torna-seumaderivaodeummacro-processoeconmico.Oconceitode sistema,comseusmecanismos,desguanumaestruturargida,comoo autmatodeBenjamin69ouasmaquinariascomqueThompsonironizou Althusser70: Eisaaspeasdoantigosistemacolonial:dominaopoltica, comrcioexclusivoetrabalhocompulsrio.Assimsepromoviaa acumulaodecapitalnocentrodosistema.Mas,aopromov-la, criam-seaomesmotempoascondiesparaaemergnciafinaldo capitalismo,isto,paraaeclosodaRevoluoIndustrial.E,dessa forma,osistemacolonialengendravasuaprpriacrise,poiso desenvolvimentodoindustrialismotorna-sepoucoapouco incompatvelcomocomrcioexclusivo,comaescravidoecoma dominao poltica, enfim, com o antigo sistema colonial(...) A crise do antigo sistema colonial parece, portanto, ser o mecanismo de base que lastreia o fenmeno da separao das colnias (...) Trata-se, antes de tudo,deinseriromovimentodeIndependncianoquadrodacrise geral do colonialismo mercantilista.71 Entendidoofuncionamentodamquina,suadialtica,estdadaahistria... Assim, a partir de tal enquadramento terico, a discusso sobre o CARTER da Independnciatorna-setotalmenteepifenomenal.Somerasvertentesdo mesmoprocessodereajustamentoerupturanapassagemparaocapitalismo moderno, na segunda metade do Setecentos e primeira metade do Oitocentos. A dissertao Construo da nao e escravido no pensamento de Jos 68 Cf. GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere. Ed. Valentino Gerratana. Turim: Einaudi, 1975. 69 Cf. BENJAMIN, Walter. Theses on the Philosophy of History. In: Illuminations. Trad. Harry Zohn. London: Fontana,1992.p.245-255.UmaexcelenteintrepataodastesesdeBenjaminemCARDOSOJr., Hlio.TempoeNarrativaHistricanasTesesdeW.Benjamin",in.MALERBA,J.(org.)AVelhaHistria, Mtodo e Histria. Campinas: Papirus, 1996, p. 51-60. 70 Cf. THOMPSON, E.P. The Poverty of Theory and Other Essays. London: Merlin Press, 1978. 71Novais Mota, citado, p. 22-23. 29Bonifcio:1783-1823,deAnaClocletSilva,umexemplodecomoarecente historiografia tem dificuldade de superar tal enquadramento terico: ...aIndependncianacionaltemsidoentendida,nodecorrerdeste trabalho,comoumlongoprocessoderuptura,oqualexpressaa prpriacriseesuperaodoAntigoRegime,equeterianoanode 1808 um marco decisivo na desagregao do sistema colonial e no incio da montagem do Estado nacional , processo este que no se encerraria no ano de 1822.72 Contidanessadefinioencontra-seveladamenteopressupostoquea Independncia no foi seno um ponto no longo processo de desmantelamento do Antigo Regime europeu e do antigo sistema colonial. Porcertofundamentalguardararefernciadocontextomacro,mas essanoachaveparatodasasportas.IstvnJancstambmatribuium papel importante insero do mundo colonial na dinmica maior da expanso do capitalismo moderno, mas ressalva que h especificidades: AformaodosEstadosnacionaiseuropeus,pormaismulti-tnicos quefossem(...)somentepodeserentendidaquandoinseridana amplacrisedoAntigoRegime.Oseudesdobramentolatino-americanoumadimensoparticulardofenmenogeral,masque preserva especificidades, inclusive no caso brasileiro.73 Se, por um lado, podemos aceitar sem maiores dificuldades que o planeta formavaumsistema-mundodesdeaexpansoeuropiadaeramoderna,tal comopropostoporFernandBraudeleEmmanuelWallerstein,74issonodeve necessariamentefazerderivarashistriasdediferentespovosdoglobodesse processounilenearqueodasupostavitriadacivilizaoocidentalesua afirmao econmica, poltica, militar e cultural sobre as partes conquistadas. No mbito da conscincia histrica e da produo historiogrfica, a aceitao de tal proposio fundamenta-se na aceitao de uma master-narrative 75, justamente 72SILVA.AnaRosaCloclet.ConstruodanaoeescravidonopensamentodeJosBonifcio:1783-1823. Campinas: 1996. [Dissertao de Mestrado/ Unicamp], p. 160. Ver tambm p. 167. 73 JANCS, Istvn. A construo dos Estados nacionais na Amrica Latina apontamentos para o estudo do Imprioi como projeto, citado, p. 4. 74Cf.Braudel,Fernand.Civilizacinmaterial,economaycapitalismo.SiglosXV-XVIII.Madri:,Alianza, 1985.(3vols.);WALLERSTEIN,Immanuel.Elmodernosistemamundial.Laagriculturacapitalistaylos orgenes de la economa-mundo europea, el siglo XVI, Mxico: Siglo XXI, 1979. Idem. El moderno sistema mundialII.Elmercantilismoylaconsolidacindelaeconoma-mundoeuropea1600-1750,Mxico:Siglo XXI,1984.Idem.Themodernworld-systemIII.Theseconderaofgreatexpansionofthecapitalistworld-economy, 1730-1840s. San Diego: Academic Press, 1989. 75Abibliografiasobreoproblemadasmaster-narrativesimensa.Umaboacompilaododebate ROBERTS,Geoggrey.(ed.)TheHistoryandAndNarrativeReader.London-NewYork:Routledge,2001. VertambmRSEN,Jrn.SomeTheoreticalApproachestoInterculturalComparativeHistoriography. History & Theory, Volume 35, Issue 4 (1996), 5-22. As crticas de historiadores e filsofos ps-modernos e ps-colonialistastratamdiretamentedoassunto.VerCROWELL,StevenG.MixedMessages:The Heterogenity of Historical Discourse. History and Theory, Volume 37, Issue 2 (May, 1998), 220-244; KLEIN, DerwinLee.InsearchofNarrativeMastery:PostmodernismandthePeoplewithoutHistory.Historyand 30adaquelamarchavitoriosadeumprojetodehumanidade,qualtodasas demais histrias estariam subsumidas. A concesso de uma suposta autonomia relativadoprocessonascolniasnosuperaavigamestradoargumento, segundoaqualoqusepassanaperiferiaumecodoprocessoeuropeu. desse enquadramento que os estudos histricos precisam libertar-se para fazer avanar o conhecimento no apenas da Independncia, mas de toda histria da Amrica portuguesa. 8.Consideraesfinais:centrandoofoconosagentesda Independncia nica tentativa de anlise do processo de emancipao numa perspectiva no apenas continental, mas global, o ensaio de Istvan Jancs acima referido. Apremissacorreta:oEstadonacionalbrasileirosediferenciadasvariantes latino-americanas, no sentido da manuteno da unidade, embora no houvesse nenhumainexorabilidadehistricaemqualquerumdoscasos.Aformaodos EstadosnacionaiseuropeusdevesercompreendidadentrodacrisedoAntigo Regime,comomenionadoanteriormente.Odesdobramentolatino-americano dessacriseseriaumadimensoparticulardofenmenogeral,masque preservaespecificidades,inclusivenocasobrasileiro.Tambm absolutamente correta a percepo do problema nacional: ... para os homens da poca, vivessem em qualquer regio que fosse daAmricaIbrica,aomenosatofinaldosculoXVIIIeinciodo XIX,asuaidentidadepolticapassavapeloreconhecimentooupela negaoderealidadesentreasquaisonacionaleraamenos nitidamente definida.76 AsespecificidadesaqueserefereJancssofundamentadas teoricamentecom o conceito althusseriano de autonomia relativado processo nascolonias.SeuavanofrentesformulaesdeNovaisestemque,de acordo com Jancs, a crise do Antigo Regime europeu e do sistema colonial so panos-de-fundo,cenrios,queestabelecemoslimitesdeaoeas possiblidadesdesoluoparaoshomensdapocaemsuasdiferentes realidadescoloniais.Acriseeuropiaseriapressuposto,pontodepartida.Os processosemancipatriosprecisamserentendidoseexplicadosemsuas nuances locais. Oreformismoibricoplantouacunhaasepararmetrpolese colnias,eoseufracassolevouaoaprofundamento,tantodacrise quanto da conscincia dos agentes desse processo, seja na Europa, sejanaAmrica,tinhamdela.Masacrise,eaconscinciaquese Theory, Volume 34, Issue 4(Dec., 1995), 275-298; NANDY, Ashis. Historys ForgottenDoubles. History and Theory. Volume 34, Issue 2, Theme Issue 34: World Historians and Their Critics (May, 1995), 44-66. 76 JANCS, Istvan. A construo dos Estados nacionais na Amrica Latina apontamentos para o Estudo do Imprio como projeto, citado. 31podiaterdela,noapontavaparaumanicaalternativa.Pelo contrrio,abuscadesadaparaacrisepassouporvrios movimentoseresultouemsoluesdeconfiguraopoltico-institucional variadas. 77 Senoassim,comoexplicaroscomportamentosdiferenciadosdas diversasregiesnotocanteadesoourefraoanteaIndependncia encabeadapeloCentro-Sul?necessrioolhardepertoosinteressesque motivaramaesdeindivduospertencentesagruposouconfiguraes-especficas.Oexemplodocomportamentodasprovnciasanteaoannciodas cortes de Lisboa d a medida da complexidade da questo. E d a medida para acompreensodissoqueahistoriografiaquerentendercomoentidadeuna: Brasil.FoioParaprimeiraprovnciaaaderiraoschamadosdeLisboa,em janeirode1821.NaBahia,a10defevereiro,oscomandanteseaoficialidade datropadelinhadaguarniodacidadedecidiramjuraraConstituioque fossefeitaemPortugale,interinamente,adotaremaconstituiodeEspanha, de acordo com Maria Beatriz Nizza da Silva: Quando a notcia da adeso da Baa s cortes de Lisboa chegou ao Rio, a 17 de fevereiro, a crise poltica agudizou-se. Cara por terra a tesedoautordofolhetofrancsdequeD.JooVIestavanuma posio de fora porque o Brasil lhe permaneceria fiel...78 MasquemeraoBrasil?Jnosreferimosquestodaunidade,ouda faltadelaquandodomovimentodaIndependncia.cadavezmaisdfcil concordar com a tese simplista de que o Brasil se libertava de Portugal. No se podeprecisaremquemedidacontribuiparaoentendimentodoprocessoa prticadovelhohbitoidealistadeantropomorfizarentidadesinumanas,como fazadeterminadaalturadesuateseAnaClocletSilva,aoatribuirColnia(o Brasil) o papel de sujeito: ... o fato de o mundo colonial emergir como o objeto privilegiadodasinvestigaesempreendidaspelosespreitadoresdanatureza sediados no Reino no eliminava a condio de sujeito que, simultaneamente, o mesmoassumianesseprocessodereorientaodapolticaimperial79.Sea idiamudarofocodasdeterminaesestruturaisparaaaodossujeitos, aes movidas com respeito a fins, por interesses, parece mister precisar melhor quem seriam esses sujeitos. Adiscussoatingeaquiumpontobastantecomplexo.interessante notarque a historiografia atenta existncia de projetos polticos diferentes e emconfrontonosanosdecisivosdaIndependncia.RenatoLopesLeite dedicou-se ao estudo do republicanismo e dos republicanos no Rio de Janeiro pocadaIndepedncia.Manuseandoprodigiosadocumentaoprimria,que 77JANCS, Istvan. A construo dos Estados nacionais na Amrica Latina, p. 6. 78SILVA,MariaBeatrizNizzada.Darevoluode1820Independnciabrasileira.In:SERRO,Joele MARQUES,A.H.DeOliveira.NovahistriadaExpansoportuguesa.OimprioLuso-brasileiro(1750-1822). Lisboa: Estampa, 1986. (vol. 8), p. 405 .Tambm Lyra. A utopia do poderos imprio, p. 193; Cloclet, Inventando a nao, 291 ss. 79 SILVA. Ana Rosa Cloclet. Inventando a nao,citado, p. 162. 32enriquece fartamente o livro80, sua pesquisa centra-se particularmente na figura deJooSoaresLisboa,redatordoCorreiodoRiodeJaneiro,quecirculouem 1822, em meio a um turbilho de outros peridicosveiculadosnapoca.Ainda queemseucaptuloIfaa-seumadiferenciaodoconceitoderepublicano pocaenosculoXX,necessriograndeesforoparaconcordarcomsua tese de que no teria havido contradio no apoio dos republicanos monarquia constitucionalrepresentativade1822.Segundooautor,ocompromisso monrquico-constitucionaldoslibertriosparacomonovoprncipeno suficiente para se negar, como fez a historiografia da Independncia at ento, a existnciaeimportnciadorepublicanismonaqueleperodo.Deseupontode vista,oFico,o7deSetembroeaCoroaosomeras(nfasenomeras) construes simblicas que (...) no justificam ou explicam o monoplio da viso verdadeira e correta do no-separatismo da nao. 81 Oautorpropeahipteseinstigante,porexemplo,dequeasuposta unanimidadeemproldapermannciadeD.PedronoBrasilumainveno simblicadoimaginriopolticodapoca,jqueosrepublicanoseram contrrios permanncia do prncipe. Mascomoseexplicaria,ento,toabruptasmudanasdeopinioede partido? Se ficarmos no plano das idias, jamais conseguiremos responder com clareza a questo. O manuseio desse tipo de fontes (peridicos e panfletos) no podeprescindirdoimperativodadvidapirrnica.Nopossvelaproximar-se do contexto de enunciao de seu sentido sem se duvidar a princpio do teor do qu veiculado, nico modo de se evitaro chamado fetichismo do objeto. As idias so armas numa guerra, que so utilizadas conforme o calor da batalha eohistoriadortemqueterodistanciamentocrticonecessrioparanose deixarconvencerpelaretricadapoca.Ofatodequepessoasdiziam-se republicanos,oumesmoporvezesdefendiamempanfletosteseslibertrias, no faz daquelas pessoas republicanos ou libertrios.Nesse sentido, foi Isabel Lustosaquemmelhorapreendeuosentidodasprticasdejornalistase panfletrios na poca da Independncia. O maior grau de adeso do auditrio ao que se discursa faz parte dos mritos do bom orador, independentemente do maior ou menor grau de verdadecontido na mensagem que se prope transmitir. (...) Tal comoopregadordoaltodoseuplpito,encarandosuaplatiae apurandoagargantaparasoltaravoz,ojornalisrtadefronteda escrivaninhaapontavasuapenadepatoepensavanareaode quem iria ler as linhas que lanaria sobre o papel. 80 LEITE, Renato Lopes. Repblicanos e libertrios: pensadores radicais no Rio Rio de Janeiro (1822). Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2000. 81LEITE,RenatoLopes.Repblicanoselibertrios,citado,p.52ss.81SILVA.AnaRosaCloclet. Inventando a nao,citado, p. 162. 81 LEITE, Renato Lopes. Repblicanos e libertrios: pensadores radicais no Rio Rio de Janeiro (1822). Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2000. 81 LEITE, Renato Lopes. Repblicanos e libertrios, citado, p. 52 ss. 33Seuobjetivo,principalmentenaquelemomentoemquesedividiam toradicalmenteasopinies,eraganharparasuacausaopblico leitor. (grifo meu, JM).82 NodizerqueaqueleshomensaquemLeitecategorizoucomo republicanos e libertrios, tais como Joaquim Ledo, Janurio da Cunha Barbosa, JosClementePereiraeJooSoaresLisboa,noacreditassemnaspalavras, teses e estratgias que professavam. Mas parecem faltar maiores investigaes sobre osmotivos que levaram homens de idias to determinadas a mudarem suas opinies to rapdiamente em determinadas circunstncias. No obstante, o livrodeLopesLeitetrazumacontribuiofundamentalaodebate,queprecisa sermaisexplorada,aoresgataroopapeldesempenhadopelosprojetos perdedores no processo de Independncia. Aqueladificuldademetodolgicabsicasobrearelaoentrediscurso, agente e ato pode ser extendida a outras formaes sociais gregrias da poca. Querodizer,aspessoasnoseengajaramcontraouafavoraIndependncia apenasporprofessaremideiaisrepublicanosoumonrquico-constitucionaisou monrquico-absolutistas.Nemporquepertenciamoudeixavamdepertencer maonaria.Oexemplodamaonariabastantefeliz,nestecaso.Alexandre Barata,partindoexatamentedaleituradeLopesLeite,sustenta convincentemente o argumento de que as faces dentro da maonaria estavam sensivelmente pulverizadas, e questiona seu papel: ...osanosqueantecederamaIndependnciaforammarcados inicialmente pelo confronto entre projetos polticos diferenciados, dos quais a opo pela Repblica estava no horizonte, [e ] necessrio tambmperceberquenesseperodoamaonarianoeradeum todomonoltico.Aocontrrio,oespaomanicoeracruzadopor diferentes tendncias, projetos e idias...83 Ora,aquesto,ento:setodoserammaons,revolucionriose republicanos,setodosessesmovimentosefaceseramcindidosepossuiam projetoseestratgiasdiferentesparaoBrasil,setodospodiammudarde opinioedepartidoaosabordosacontecimentoscomoefetivamente mudavam-,asabordagenscentradasemgrupos,partidosefacesparecem nosersuficentesparafazeravanarmaisoconhecimentosobrea Independncia, como um dia j foram. Refinandoaquesto:comoexplicarofatodequ,entretantasforas sociaisepolticas,tantosprojetoseanseios,foiexatamenteasoluo monrquica, com o herdeiro portugus frente, aquele que se sagrou vitorioso? Ouainda;nocontextodacrisedoAntigoRegimeedoantigosistemacolonial, no contexto das guerras de Independncia na Amrica Latina, como explicar que a Independncia do Brasil aconteceu no momento e do modo como aconteceu? 82 Cf. LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos : aguerrados jornalistasna Independncia(1821-1823). So Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 422. 83 Cf. Barata, citado, p. 260. 34Em minha opino, preciso refinar ainda mais os instrumentos, observar ainda mais ao microscpio,utilizandoaimagemdeHobsbawn 84. Parece, pois, faltarumaabordagemmaisfocadanaaodeindivduosconcretos,inseridos em configuraes especficas, mas guiados por opes racionais indelevelmente orientadascomrespeitoafins,comoensinaWeberemesmoasmaisrecentes teoriasdaao.Estamosfalandodeagenteshistricos,depessoasque pertenciamadiferentesgrupos,masquetinhamcambiantesprojetose interesses, individuais e de grupo. Se no, como se explica a aceitao pelas elites econmicas dos pas