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Julgamento em Notre Dame A saga de uma médica do Século XIV

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Julgamento em Notre Dame

A saga de uma médica do Século XIV

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São Paulo - 2010

Heitor Rosa

1a edição

Julgamento em Notre Dame

A saga de uma médica do Século XIV

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créditos

Esta obra é uma publicação da

Editora Livronovo Ltda.CNPJ 10.519.646/0001-33www.livronovo.com.br© 2010. São Paulo, SP

Editor-responsávelZeca Martins

Projeto gráficoEstúdio Criare

Controle editorialBianca Lucinda Gonçalves

DiagramaçãoEstúdio Criare

CapaZeca Martins

RevisãoRaquel Benchimol (coordenadora)

Ao adquirir um livro você está remunerando o trabalho de escritores, diagramado-res, ilustradores, revisores, livreiros e mais uma série de profissionais responsáveis por transformar boas ideias em realidade e trazê-las até você.

Catalogação na Fonte. SNEL – Sindicato Nacional dos Editores de Livros. Rio de Janeiro, RJ

Impresso no Brasil. Printed in Brazil.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser copiada ou reproduzida por qualquer meio impresso,

eletrônico ou que venha a ser criado, sem o prévio e expresso consentimento dos editores.

R694j Rosa, Heitor, 1940- Julgamento em Notre Dame : a saga de uma médica do século XIV / Heitor Rosa. - São Paulo : Livronovo, 2010. ISBN 978-85-62426-64-3 1. Romance brasileiro. I. Título.

10-3016. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

28.06.10 08.07.10 020037

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Em homenagem às mulheres da Idade MédiaÀs médicas Hersene, Trotula, HildegardeAo amor de HeloisaÀ coragem de Joana D’ArcÀ minha heroína Jacqueline Felicie

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Sumário

Parte I – Gilbert D´AlmaniaI – Uma Carta Do Chanceler ......................................................... 11II – O Mestre Gilbert .................................................................... 13III – A Iniciação Do Jovem Gilbert ............................................... 16IV – O Acadêmico Gilbert ............................................................. 20V – Gilbert Na Banca De Exame .................................................... 25VI – Médico Em Nome De Deus .................................................... 33 VII – O Estagiário Do Hôtel Dieu ................................................... 36VIII – Médico Em Troyes .............................................................. 39IX – A Educação De Felicie No Convento ..................................... 44X – Jean Mallais, O Leproso ......................................................... 48XI – Morte E Ressurreição ............................................................ 53XII – O Confronto Com O Arcediago ............................................ 57XIII – Um Serviço Para Jean Troncudo ......................................... 60XIV – A Emboscada ..................................................................... 63XV – Gilbert Resgatado Pelos Leprosos ......................................... 66XVI – Gilbert Investiga ................................................................ 69XVII – Os Últimos Anos De Gilbert ............................................. 76

Parte II – Jacqueline Felicie D’almaniaXVIII – A Nova Vida De Felicie .................................................... 87XIX – O Arcediago Planeja ........................................................... 93XX – Mosteiros Na Mira Dos Bispos ............................................. 97XXI – Felicie Visita Notre Dame Aux Nonnains ........................... 101XXII – Mensagens Preparatórias À Visita Episcopal ...................... 106XXIII – Felicie Entrega-Se Ao Trabalho E Ao Amor ...................... 113

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XXIV – O Fogo De Santo Antão ................................................... 120XXV – Um Santo Para Os Ardentes .............................................. 124XXVI – Felicie No Mosteiro .......................................................... 128XXVII – Felicie Entra Na Geena .................................................. 132XXVIII – A Viagem Da Comitiva Episcopal .................................. 137XXIX – Ecce Sacerdos Magnus ........................................................ 145XXX – Homilia: A Mulher E O Demônio ..................................... 150XXXI – Felicie É Convocada Pelo Bispo ........................................ 157XXXII – Assassinato No Mosteiro ................................................ 166XXXIII – Mathieu É Interrogado .................................................. 172XXXIV – Resultado Da Inspeção .................................................. 177XXXV – O Mosteiro Reage .......................................................... 184XXXVI – O Mistério Desvendado ................................................. 189XXXVII – Felicie Intimada À Paris ............................................... 194XXXVIII – A Viagem .................................................................. 197XXXIX – Felicie Conhece Paris .................................................... 201XL – O Interrogatório Na Sorbonne .............................................. 205XLI – Julian Corton Acusa .......................................................... 209XLII – A Réplica De Felicie .......................................................... 212XLIII – A Prisão De Felicie ........................................................... 216XLIV – O Exame Do Conhecimento Médico ................................ 221XLV – Uma Surpresa Para O Arcediago ........................................ 227XLVI – Julgamento E Sentença ..................................................... 231XLVII – A Volta Para Troyes ......................................................... 237XLVIII – Tudo Consumado .......................................................... 241

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PARTE I

GILBERT D´ALMANIA

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Philippe, servo de Deus e Chanceler da Universidade de Pa-ris, ao seu bem-amado irmão, Gilbert D’Almania. Saudações

Caríssimo irmão,

Tua carta trouxe-nos dois sentimentos. O primeiro, de alegria por saber-te em condições de razoável saúde e disposto para todos os momentos da vida. Tua brilhante presença na Universidade ainda é recordada por teus velhos mestres e por aqueles que partilharam contigo dos estudos da arte médica. Os desígnios do Senhor deram-te outro caminho que não aquele de servir a nossa universidade. Mas não quero isso lamentar, se tu mesmo não lamentas.

O segundo sentimento foi o de constrangimento. O que nos pedes poderia ser interpretado como uma provocação, se não o soubéssemos vindo de ti, a menos que tenhas mudado os concei-tos aprendidos aqui. Mesmo reconhecendo-te como mestre e com direito a ensinar, não aplaudimos tua particular dedicação em instruir uma mulher. Como bem sabes, a medicina não é uma arte adequada para ser exercida pelas filhas de Eva. Mesmo con-siderando tua capacidade de orientar, e mesmo que ela tivesse lido todos os livros necessários à formação médica, certamente tua pro-tegida não tem a ciência da Teologia, que bem sabes, é a rainha de todas as ciências e sem a qual o saber humano perde o seu alicerce. Portanto, deves admitir que excedeste o juízo nessa postulação.

I - Uma carta do chanceler

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Para que tua sobrinha não tenha desgosto futuro, reco-mendamos impedi-la de desempenhar uma função para a qual não está e, certamente não será licenciada, e cuja desobediência às normas da universidade poderá custar-lhe momentos difí-ceis. Confiamos em teu bom senso. Que a graça do Senhor este-ja contigo e te abençoe.

Escrito em Paris, aos vinte dias de dezembro ano de 1312 de Nosso Senhor Jesus Cristo. Saúda-te, Philippe de Froissart, Chanceler da Faculdade de Medicina.

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II - O Mestre Gilbert

Desde 1303 com as pernas imobilizadas e dependente da ajuda de suas servidoras e da sobrinha, Gilbert D’Almania mantinha poucas ilusões quanto a diminuir o pesado sofrimen-to que ainda lhe reservava a vida. Porém, não quis apodrecer no leito e muito menos morrer antes de transmitir à sobrinha todo o ensinamento de que era capaz como verdadeiro profes-sor. A partir do ano seguinte e durante oito cuidara de preparar e instruir Felicie nos segredos da medicina, e, mais importante, educara-a com uma mente livre das intocáveis doutrinas médi-cas e suas tradições seculares. Gilbert não via em sua sobrinha, na condição de mulher, um ser naturalmente inferior, mas uma jovem de grande inteligência e espírito independente. Talvez a única pessoa que assimilasse suas ideias avançadas sem os preconceitos acadêmicos. Ele tinha uma visão pessoal da arte médica, fruto de longas meditações sobre o pesado currículo que fora obrigado a ler e decorar. Observava que quase todo o conhecimento que adquirira viera de eruditas traduções dos sábios de países distantes e de épocas muito, muito longínquas. Poucas obras representavam o conhecimento da sua época ou mostravam o pensamento do seu tempo.

— Felicie, observa, dizia ele à sobrinha, já não temos mais pro-fetas, pois o tempo deles passou. Será que o tempo dos sábios da me-dicina também não passou, e temos de nos contentar com os antigos livros e seus imutáveis ensinamentos? Será que não há mais nada a descobrir ou aprender? Não acredito que tenha que ser assim. Novas doenças existem e muitas das antigas permanecem sem cura.

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— O que pensas fazer a respeito, meu tio? És por acaso mais sábio do que a universidade que te ensinou?

— A universidade não é mais nem menos sábia, ela apenas abriga o pensamento de hoje e guarda o de ontem. Ela está pron-ta para avançar, desde que os seus membros tenham a coragem de libertar o espírito.

— E o teu espírito é livre?— Sim, não vês? A prática diária com os meus doentes me

obriga a fazer perguntas que nossos mestres e livros ainda não res-pondem, ou a observar tratamentos que não surtem efeito. Criticar esses fatos coloca-nos contra o que tem sido estabelecido há vários séculos e tido como um conhecimento aceito, assentado e oficial. A crítica precisa ser cuidadosa, para não parecer um confronto com a universidade e a Igreja, porém, o exercício da crítica ajuda-nos a dar um passo à frente. Mas essas coisas só posso dizê-las a ti, em quem confio, e, porque tens o meu sangue, sei que irás buscar algumas respostas para muitas das indagações que te contarei e a outros tratamentos que sejam mais eficazes do que os de hoje.

E assim, dialogando, discutindo teorias e ensinando a práti-ca, Gilbert preparou Felicie durante oito anos, nos quais lhe deu um bom conhecimento do latim e grego que lhe permitisse ler e consultar todos os livros de sua boa biblioteca médica. O apren-dizado dos saberes tinha dois caminhos: o estudo geral, praticado pela universidade, autorizado e estabelecido por uma autoridade superior, como o papa ou o rei; o outro era o estudo particular, ministrado por um mestre de reconhecida competência e autori-zado para tal fim. Embora Gilbert não tivesse essa autorização, era indiscutivelmente identificado pela academia como um ho-mem com capacidade e autoridade para ensinar. Mas seria sua aluna reconhecida com direito a praticar atos médicos? Desejava ele provar que lhe dera uma educação competente e esperava que assim fosse reconhecida.

Para o ensino da anatomia, utilizava como recurso homens ou jovens atletas, que o consultavam com algum tipo de doença ou ferimento e cuja musculatura era bem desenhada e saliente,

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para servirem como modelos vivos para demonstração da forma e função dos músculos, enquanto que, nos porcos, sacrificados para o abastecimento de carne, era demonstrada a anatomia vis-ceral e o provável funcionamento dos diversos órgãos. Notou com alegria que a moça tinha uma memória tão privilegiada quanto a sua, além de sensibilidade, percepção e grande talento para diag-nosticar e aplicar os tratamentos aprendidos. Ao contrário dos estudantes da universidade, que só depois do curso teórico é que se ligavam a um instrutor para o ensino prático, Felicie aprendeu desde o início a associar os preceitos doutrinários da leitura à sua aplicação imediata, como aluna e ajudante do tio.

Findo aquele período, Gilbert convenceu-se de que a pupi-la estava pronta para substituí-lo e em condições de prosseguir com suas ideias. Não pretendeu preparar uma médica com grau acadêmico de Mestre ou Doutor, mas uma pessoa capaz de diag-nosticar e tratar as doenças mais comuns do seu povo, além de estar preparada para refletir sobre os vários problemas que ele lhe propunha.

Por isso enviara a carta ao chanceler naquele outono de 1311, na esperança de que fosse concedida à sua aluna uma li-cença especial para cuidar de enfermos, considerando a autorida-de de quem fizera tal pedido.

A resposta negativa não era uma surpresa e ele entendera muito bem o que fora dito nas entrelinhas. Conhecia os labirintos e o comportamento da Universidade, principalmente naqueles anos em que ela estava com enorme prestígio, querida e prote-gida pelo papa Clemente V em Avignon, e pelo rei Phillipe V em Paris. Além disso, a decisão do chanceler provavelmente fora influenciada pela crítica do arcediago, que tinha motivos para opinar contra o seu pedido.