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_____________________________________________________________ JOSÉ LEÃO DE SANT’ANA REFLEXÕES SOBRE O PROGRAMA BANCO DA TERRA NO MUNICÍPIO DE LUPIONÓPOLIS- PR – Associação Cheiro da Terra e Outros __________________________________________________________________ Londrina 2005

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_____________________________________________________________

JOSÉ LEÃO DE SANT’ANA

REFLEXÕES SOBRE O PROGRAMA BANCO DA TERRA NO

MUNICÍPIO DE LUPIONÓPOLIS- PR – Associação Cheiro da

Terra e Outros

__________________________________________________________________ Londrina

2005

JOSÉ LEÃO DE SANT’ANA

REFLEXÕES SOBRE O PROGRAMA BANCO DA TERRA NO MUNICÍPIO DE LUPIONÓPOLIS – PR – Associação Cheiro da

Terra e Outros

Monografia apresentada ao Curso de Geografia, da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientadora: Ideni Terezinha Antonello

__________________________________________________________________

Londrina 2005

JOSÉ LEÃO DE SANT’ANA

REFLEXÕES SOBRE O PROGRAMA BANCO DA TERRA NOMUNICÍPIO DE LUPIONÓPOLIS- PR - Associação Cheiro da Terra e Outros

Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado, em Geografia, da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Geografia.

COMISSÃO EXAMINADORA

________________________________________

Professora Ideni Terezinha Antonello Universidade Estadual de Londrina

________________________________________ Professora Jeani Delgado Paschoal Moura

Universidade Estadual de Londrina

________________________________________ Eloiza Cristiane Torres

Universidade Estadual de Londrina

_________________________________________________________________________________ Londrina

2005

i

A Deus, aos meus pais e aos meus familiares, companheiros de

todas as horas

ii

AGRADECIMENTOS

• À Professora Orientadora, braço amigo de todas as etapas deste trabalho.

• À minha família, pela confiança e motivação. Aos amigos e colegas, pela força e

pela vibração, em relação a esta jornada.

• Aos professores e colegas de Curso, pois, juntos trilhamos uma etapa importante

de nossas vidas.

• Ao senhor Almir, Dona Lúcia e ao Eduvaldo, pelo esforço e contribuições.

• Às pessoas entrevistadas, pela concessão de informações valiosas para a

realização deste estudo.

• A todos que, com boa intenção, colaboraram para a realização e finalização

deste trabalho.

• Aos que não impediram a finalização desta monografia.

iii

“Nós aprendemos a voar com os pássaros, a

nadar com os peixes, mas não aprendemos a

conviver como irmãos”

Martin Luther King.

iv

SANT’ANA, José Leão. Reflexões sobre o Programa Banco da Terra no Município de Lupionópolis –PR: – Associação Cheiro da Terra e Outros. 82f. Monografia em Geografia – Universidade Estadual de Londrina,2005.

RESUM0

Este trabalho tem como intuito de pesquisa avaliar a forma de organização e as estratégias de reprodução dos grupos de famílias do Assentamento Cheiro da Terra e outros, no Município de Lupionópolis-PR, que foram beneficiados pelo Programa Banco da Terra, em 2001. Na ausência de uma política agrária para o país, esse programa surge como um instrumento alternativo de políticas públicas, com o objetivo de promover a reordenação fundiária e de assentamento rural, buscando, sobretudo, o desenvolvimento sustentável dos tradicionais agricultores familiares. Trata-se de uma política pública voltada ao resgate de parte desses agricultores e trabalhadores rurais que foram excluídos do processo produtivo agrícola. No caso em estudo, observou-se como as famílias estão estruturadas, o nível de organização, no âmbito do assentamento, as dificuldades que vêm encontrando, a forma de luta e de sobrevivência, mediante a combinação dos meios de produção disponíveis e o uso da força de trabalho.

Palavras-chave: agricultura familiar – crédito fundiário – reforma agrária – Banco da Terra

v

SANT’ANA, José Leão. Reflexões sobre o Programa Banco da Terra no Município de

Lupionópolis –PR: – Associação Cheiro da Terra e Outros. 82f. Bacharelado em Geografia –

Universidade Estadual de Londrina.

ABSTRACT This work has as research intention to evaluate the organization form and the strategies of reproduction of the Assentamento Cheiro da Terra families groups and others, located at the Lupionópolis City, that had been benefited by the Program Bank of the Land. In the absence of one agrarian politics for the country, this program appears as an alternative instrument of public politics with the objective to promote the agrarian reorganization and agricultural nesting, searching, over all, the sustainable development of the traditional familiar agriculturists. Its about public politics directed to the rescue of these agriculturists and agricultural workers whose had been excluded from the agricultural productive process. In the case in study it was observed as the families are structuralized, the level of organization in the scope of the nesting, the difficulties found, the way to fight against and how to survive by combination of the available ways of production and the use of the work force.

Key-words: familiar agriculture – agrarian credit – agrarian reform – Bank of the Land

vi

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Localização da antiga Fazenda São Paulo....................................... 05

Figura 2 – Localização da Mesorregião Norte Central no Estado do Paraná.... 23

Figura 3 – Divisão Político-Administrativa da Mesorregião Norte Central

Paranaense.....................................................................................

25

Figura 4 – Mapa do Município de Lupionópolis................................................. 27

Figura 5 – Subdivisão dos lotes da Fazenda São Paulo................................... 28

Figura 6 – Distribuição das Famílias por Associação e ocupação do solo........ 34

Figura 7 –

Representação da Paisagem agrícola predominantemente na região

na década de 60/70...............................................................

35

Figura 8 – Aspecto geral das extensas áreas onde predominava o cultivo do

café..................................................................................................

43

Figura 9 – Edificação destinada ao armazenamento de insumos e da produção –

paiol...............................................................................

55

Figura 10 – Distribuição dos chefes de famílias de acordo com a faixa etária.... 70

vii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Índice de concentração de terras, segundo as Mesorregiões

Geográficas do Estado do Paraná – 1995........................................

40

Tabela 2 – Distribuição dos estabelecimentos agropecuários e área, segundo

estratos de Área – Mesorregião Norte Central e Paraná – 1995.

41

Tabela 3 – Distribuição das famílias por Associação.......................................... 50

Tabela 4 – Forma de utilização e distribuição das culturas................................ 57

Tabela 5 – Distribuição dos membros da família por Associação aptas e não

aptas para o trabalho........................................................................

61

Tabela 6 – Representação do grupo familiar entrevistado por Associação...... 69

Tabela 7 – Demonstrativo dos custos com a produção de algodão, por área

cultivada, em 2005............................................................................

75

.

viii

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

EMATER –PR- Empresa Paranaense de Assistência e Extensão Rural

GPS – Global Position System

IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

ix

SUMÁRIO

Dedicatória............................................................................................................. i

Agradecimentos...................................................................................................... ii

Epígrafe.................................................................................................................. iii

Resumo.................................................................................................................. iv

Abstract.................................................................................................................. v

Lista de ilustrações................................................................................................. vi

Lista de tabelas...................................................................................................... vii

Lista de abreviaturas e siglas................................................................................. vii

i

Introdução............................................................................................................... 1

Procedimentos Metodológicos............................................................................... 3

CAPÍTULO I – BASES TEÓRICAS........................................................................ 7

CAPÍTULO II – ASPECTOS FÍSICOS E GEOGRÁFICOS DA REGIÃO

2.1 Caracterização da Área de Estudo.......................................................... 26

2.2 Quadro Natural......................................................................................... 29

2.3 Localização.............................................................................................. 31

2.4 Antecedentes históricos........................................................................... 33

2.5 Finalidade e Gestão: BANCO DA TERRA............................................... 44

x

2.5.1 O Financiamento............................................................................. 47

CAPÍTULO II I – ESTRUTURA E FORMA DE ORGANIZAÇÃO DA

ASSOCIAÇÃO CHEIRO DA TERRA

3.1Formação dos Grupos............................................................................... 50

3.2 Infra-Estrutura Produtiva.......................................................................... 54

3.3 Distribuição da Área do Assentamento e Forma de Utilização................ 57

3.4 Tamanho da Área..................................................................................... 60

3.5 A Forma de luta – Dinâmica e o novo perfil dos assentados 64

CAPÍTULO IV – ASPECTOS TOPOLÓGICOS E CONDIÇÕES SÓCIO-

AMBIENTAIS

4.1.Avaliação das Condições Gerais do Assentamento................................ 68

4.2 Condições Naturais e Sócio-econômicas................................................. 70

4.2.1 Perfil dos Chefes de Famílias............................................................... 70

4.2.2 Meio Ambiente e Atividade Produtiva................................................... 72

Considerações Finais............................................................................................. 77

Referências............................................................................................................ 80

Anexos.................................................................................................................... 82

1

INTRODUÇÃO

A realização deste trabalho parte da pertinência de se avaliar a

forma de organização e as estratégias de reprodução dos grupos de famílias do

Assentamento Cheiro da Terra e outros, no Município de Lupionópolis-PR, que

foram beneficiados pelo Programa Banco da Terra, mediante a obtenção de

financiamento para aquisição de área de terra rural.

A intenção é contextualizar a discussão acerca da agricultura

familiar, e procurar entender a extensão das políticas públicas destinadas a atender

a questão fundiária, da posse e uso da terra, no que concerne atenuar as tensões

sociais existentes na região de abrangência – Mesorregião Norte Central, na qual se

insere o Município de Lupionópolis-PR.

Tem o propósito, ainda, de esboçar o modo de sistematização desse

instrumento de crédito, que visa promover o reordenamento fundiário e de

assentamento rural, possibilitando que os grupos de famílias, que compõem as cinco

associações estudadas, adquirissem o imóvel de sua escolha, pela lógica do

mercado, sem a interferência dos órgãos gestores nas primeiras etapas do processo

de negociação.

Consiste, também, de uma abordagem do perfil dos diversos atores

desse processo que visam, em última instância, promover a sustentabilidade dessas

unidades familiares, sob o ponto de vista econômico, social e ambiental, na

qualidade de gestores das ações definidas pela política agrícola, e as exigências do

programa, no sentido de romper os desafios e superar as dificuldades impostas pelo

sistema de produção capitalista no campo.

Insere-se nesse contexto o sistema de crédito destinado à execução

da infra-estrutura básica e de custeio da produção via PRONAF – Programa

2

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o nível de organização e o

reduzido grau de modernização que possuem, em face da falta de apoio e da falta

de recursos financeiros para implementação das ações.

Alicerçado nesse diagnóstico, produto deste trabalho, verificam-se

na questão agrária aspectos sociais de grande relevância, haja vista as mudanças

sociais no meio rural e o acirramento dos conflitos no campo, com reflexos diretos

sobre todas as camadas sociais, em especial, àquelas em que os níveis de pobreza

são mais elevados.

Nesse contexto, procura-se delinear as variáveis que norteiam as

atividades dos grupos, por meio das informações empíricas obtidas no âmbito do

assentamento, atinentes à forma de organização e às práticas desenvolvidas, uma

vez que os membros das famílias participam ativamente do processo produtivo da

força de trabalho.

Isso denota a importância da agricultura familiar, enquanto produtora

de alimentos, na geração de emprego e renda, orientada por um sistema de

produção e organização, pela lógica da sobrevivência, com grande capacidade de

adaptação.

Vale ressaltar que a proposta do estudo não é de avaliar as

diretrizes do programa e a forma de reprodução das famílias em sua plenitude,

devido às limitações impostas, tendo em vista a complexidade e heteregeoneidade

do universo de agricultores familiares assentados.

Assim, a pesquisa se remete à busca de alguns aspectos, ainda que

de forma restrita, acerca das condições sócio-econômicas e do modo de reprodução

dos grupos, no sentido de verificar se as políticas públicas predominantes na

3

agropecuária brasileira contemplam os anseios de grande massa de excluídos do

campo.

Portanto, foi por meio da combinação desses fatores, associados às

questões de ordem sócio-econômica e política, e pela relação de influência coletiva

dos grupos, que procuramos buscar evidências correlacionadas à organização e

mobilização dos destituídos da posse ou propriedade fundiária.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo realizado apóia-se em informações empíricas obtidas

junto às famílias beneficiadas pelo Programa, mediante pesquisa de campo, na qual

foram aplicados questionários (anexo 1) com o objetivo de registrar os dados

primários.

Essa etapa de investigação deu-se por meio de diversas visitas a

todas as associações e, dentre outras providências, procurou saber a origem das

famílias, faixa etária, nível de instrução, número de pessoas envolvidas na atividade

agrícola, grau de satisfação, experiência, forma de dedicação e, a partir de tais

elementos, traçar o perfil dos beneficiados.

Igualmente, foi dado enfoque às questões de natureza burocrática,

no que tange as condições de financiamento, aspectos técnicos, de ordem sócio-

econômica e base ambiental.

Muito embora o questionário tenha sido elaborado com questões

objetivas, centradas no perfil das famílias, importantes contribuições foram

prestadas, de forma espontânea pelos entrevistados, expressas pelos saberes e

conhecimentos adquiridos, ao longo dos anos, por meio da percepção e da

4

experiência de vida, de fundamental importância à apreensão e análise dos

resultados, pois a pesquisa empírica não se limitou à aplicação de questionário, mas

converteu-se em entrevistas, via diálogo, entre o pesquisador e os entrevistados, as

quais ocorreram em diversas oportunidades.

Informações adicionais foram fornecidas pelas Associações sobre a

área total do imóvel adquirido, do valor pago, dimensões dos lotes, benfeitorias

realizadas, áreas de interesse ambiental de Preservação Permanente e de Utilização

Limitada, e, ainda, sobre a atividade produtiva, no que se refere às exigências do

programa.

Outros subsídios, de grande valia, foram obtidos informalmente com

técnicos agrícolas da EMATER-PR, com relação à estrutura produtiva e ao

desenvolvimento das atividades no âmbito do assentamento.

Importante fonte de informação são os mapas e cartas topográficas,

que constituem elementos imprescindíveis para localização geográfica, delimitação e

dimensionamento do quadro natural, diante das profundas mudanças e

transformações havidas na estrutura fundiária da região.

Para tanto, com uso do GPS (Global Position System), foi possível

georreferenciar a área da antiga Fazenda São Paulo e destacar sua localização

dentro do município de Lupionópolis-PR, a fim de indicar essas mudanças e o novo

perfil que adquiriu essa categoria de análise.

5

Figura 1 -Localização da antiga Fazenda São Paulo

Fonte: Carta IBGE

Ressalta-se a utilização de dados estatísticos, para se efetivar uma

análise na escala da Mesorregião e municipal, particularmente, com relação à

estrutura fundiária da área em estudo.

Essas informações permitiram traçar o perfil sócio-econômico das

famílias, enfocar aspectos administrativos, analisar o quadro natural e condições

ambientais, avaliar o sistema de cultura de subsistência que praticam e os fatores

condicionantes atinentes ao processo produtivo e aos meios de produção, sob a

ótica da agricultura familiar.

No primeiro capítulo, o estudo está inteiramente voltado à discussão

teórica sobre a temática, enquanto que o segundo capítulo aborda aspectos físicos e

6

geográficos da Mesorregião Norte Central, com enfoque para a região de

Lupionópolis e adjacências, mediante a caracterização da área de estudo, avaliação

do quadro natural, localização, antecedentes históricos, aspectos técnicos e

administrativos da finalidade e gestão do programa Banco da Terra.

O terceiro capítulo, por sua vez, está direcionado às questões de

ordem estrutural e forma de organização do assentamento, a partir da formação dos

grupos, infra-estrutura produtiva, distribuição da área e sua utilização, bem como a

forma de luta, dinâmica e perfil dos assentados.

Por fim, no capítulo quarto, a abordagem está voltada aos aspectos

de natureza topológica, avaliação das condições naturais e sócio-econômicas dos

grupos de famílias assentadas, a relação com o meio ambiente e a atividade

produtiva.

7

CAPÍTULO I

BASES TEÓRICAS

A questão agrária tem sido ao longo da história, objeto de conflitos e

tensões em todo o mundo, vez que é um processo que agrega diferentes camadas

sociais interessadas, que procuram acomodar o ordenamento jurídico aos seus

interesses, constituindo-se um elemento reivindicatório de grupos sociais

perfeitamente definidos.

Isso mostra que, pela sua natureza, esta problemática continua

sendo uma questão latente e atual, e impõe a necessidade de análise, sob os

diversos aspectos em que se apresenta, tendo em vista que se manifesta a partir de

aspectos de natureza política, econômica, social, cultural e espacial, na medida em

que redefine a política de uso e exploração do solo agrícola, mediante as

características de cada lugar.

Essas particularidades configuram-se principalmente pelas

características e pelo caráter histórico de cada país, que, a partir dos movimentos de

luta camponesa ao longo do tempo, foram delineando sua estrutura agrária,

orientada no sentido de encontrar soluções que não excluam, mas que permita a

participação dos segmentos populares da sociedade.

Os fatos históricos, no entanto, mostram que esse quadro de

mudança emerge dos setores excluídos que, impondo-se à resistência dos

interesses dos grandes proprietários, reivindicam a reordenação fundiária e o

assentamento rural.

8

No Brasil, essa questão também tem um caráter histórico e remonta

ao período colonial, persistindo um quadro que pouco se alterou ao longo dos anos.

Evidenciando a persistência desse quadro, Oliveira (apud SANTOS, 2001, p.156)

ressalta que:

Podemos afirmar com segurança que a estrutura fundiária brasileira herdada do regime das capitanias/sesmarias muito pouco foi alterada ao longo dos quatrocentos anos de história do Brasil e particularmente na segunda metade deste século, o processo de incorporação de novos espaços – assaltados, tomados das nações indígenas – tem feito aumentar ainda mais a concentração das terras em mãos de poucos proprietários.

Desse modo, a idéia de se condicionar o direito de propriedade da

terra agricultável a seu aproveitamento produtivo foi sucessivamente derrotada pela

ação dos latifundiários.

Por outro lado, a Lei de Terras promulgada em 1850, pela sua

natureza, transformou a terra em mercadoria e fechou a via de acesso à terra, então

existente, vez que as terras públicas foram postas à venda por preços exorbitantes,

impossibilitando o acesso à propriedade a todos que não dispunham de dinheiro

para adquiri-la, garantindo aos grandes proprietários a possibilidade de expansão

dos latifúndios, resultando num alto grau de concentração, a saber:

A estrutura agrária brasileira tem se caracterizado, desde a sua formação, por um elevado grau de concentração da propriedade da terra. Enquanto algumas propriedades se apossam da maior (e provavelmente melhor) fração da área territorial, um sem-número de pequenas unidades disputam exíguas áreas que mal permitem ao produtor e sua família extrair daí o seu sustento. (GRAZIANO, 1982, p.33)

São esses fatores históricos tão complexos e relevantes, sob o

ponto de vista da análise, que nos levam a entender a persistência do atual quadro

agrário brasileiro, que se caracteriza pela forte concentração fundiária, cujo reflexo

9

são os movimentos sociais e as lutas empreendidas pelos trabalhadores

rurais/urbanos e pequenos produtores rurais, excluídos do processo produtivo, que

procuram reverter essa situação.

Aguçados pela crise econômica, a luta dessas pessoas, enquanto

cidadãos, expressa-se mediante uma dimensão mais horizontal, mais compreensiva

e, principalmente, mais coletiva, diante das múltiplas carências que enfrentam.

Vale ressaltar, ainda, que, quando de sua ocupação pelos

portugueses, como colônia de exploração, o Brasil assumiu o papel de fornecedor

de alguns bens primários extrativos e posteriormente ampliou sua integração como

exportador de produtos tropicais (cana-de-açúcar e café). Prado Júnior (1982, p.48),

ao analisar a concentração fundiária brasileira, ressalta que

A grande propriedade fundiária constituiria a regra e elemento central e básico do sistema econômico da colonização, que precisava desse elemento para realizar os fins a que se destina. A saber, o fornecimento em larga escala de produtos primários aos mercados europeus.

Esses elementos são fundamentais à apreensão do estudo, porque

tem uma relação direta com a formação do território, que estava condicionada a uma

política de exploração, e trazia no bojo aspectos relevantes e significativos, com

relação ao espaço geográfico, conforme aponta Santa Rosa (apud ANDRADE, 1987

p. 40), ao traçar o perfil dos latifúndios.

A grande extensão territorial, a baixa densidade demográfica e a vigência da Lei de Terras, de 1850, favoreceram a formação de grandes latifúndios subutilizados, onde grandes porções eram ocupadas com estabelecimentos esparsos de moradores, que deles dependiam econômica, social e politicamente.

10

Essa concentração produziu uma situação de desigualdade muito

grande, no que tange à utilização das terras agrícolas, na medida em que se

observa que a maioria dos proprietários rurais não dispõe de terras suficientes para

uma exploração racional de cultivo e conservação do solo, o que impõe a

necessidade de alteração da estrutura agrária.

A grande maioria da população rural, por sua vez, tende a se

concentrar nestas pequenas propriedades, enquanto o tamanho excessivo das

grandes propriedades promove a ociosidade de metade das terras formalmente

incorporadas à economia de mercado.

Ao analisar as conseqüências dessa deficiente estrutura agrária,

Brasil (apud GONÇALVES, 1997, p. 124) destaca que:

Todos os estudos e investigações sobre as causas do atraso relativo da agricultura brasileira, da sua baixa produtividade e da pobreza das populações rurais conduzem, unânime e inevitavelmente, à identificação das suas origens na deficiente estrutura agrária do País, a qual se constitui no mais sério obstáculo à exploração racional da terra, em bases capitalistas e de permanente aprimoramento tecnológico da atividade agrícola, que viriam a emprestar à produção a flexibilidade reclamada pelo processo de desenvolvimento da economia nacional e pelo rápido crescimento da população.

Nesse processo, ocorreu sistematicamente o crescimento do

desemprego no campo e na cidade, tornando-se um problema estrutural, o número

de famílias sem-terra aumentou, ao mesmo tempo em que a agricultura capitalista

utiliza menos terra, uma vez que, com a sua modernização, a agricultura passou a

contar com instrumentos poderosos que potencializam a sua produção.

11

Como conseqüência, tem-se um elevado grau de concentração,

correspondendo assim a uma extrema desigualdade da propriedade da terra,

adquirindo maior significado, num contexto em que se configura como o meio de

produção fundamental.

No entanto, com o processo de modernização, no qual se tem a

utilização de insumos, máquinas e equipamentos, destinados a elevar a

produtividade do trabalho, tem sido possível a obtenção de melhores rendimentos, a

partir do uso de áreas menores.

Tal fato está associado ao domínio do capital que, segundo

Graziano (1982, p.34), “A terra em si mesma, ou melhor, a sua extensão, passa a

perder importância, na medida em que se torna possível obter, em menores áreas,

um produto igual ou superior ao que anteriormente demandava grandes extensões.”

Essa realidade torna impossível evitar as ocupações e tentar segurar

a luta pela terra, por mais que os latifundiários desenvolvam discursos afirmando

que as ocupações são uma afronta à propriedade privada. Na verdade, quando se

faz uma ocupação, é a sobrevivência das famílias sem-terra que está em jogo.

Ademais, são esses latifúndios que vedam o acesso dos

trabalhadores rurais ao meio de subsistência de que necessitam, pois detêm

grandes áreas com fins meramente especulativos, ou assumem um caráter

sobretudo de formação econômica, mediante a propriedade de grandes fazendas

extensivas, e promovem a expropriação e a expulsão dos pequenos agricultores,

visto que esses não conseguem os incentivos fiscais e creditícios para essa

finalidade.

12

Ao analisar os aspectos relacionados à grande concentração de

terras no Brasil e às pré-condições para o desenvolvimento de um processo de

Reforma Agrária, Veiga (1994, p.12) ressalta que os latifúndios se constituíram na

época colonial no Brasil, bem como em outras nações latino-americanas, ou seja,

Sua formação econômica acabou favorecendo a permanência de enormes domínios nas mãos de poucas famílias. No século XIX, o poder dos senhores de engenho, dos fazendeiros de café, dos grandes importadores de manufaturas e dos traficantes de escravos era tão grande que conseguiram, numa verdadeira “santa aliança”, não só manter a escravidão, como impedir, por todos os meios, que muitos homens livres e muitos imigrantes se transformassem em pequenos e médios proprietários.

Portanto, fica claro, que a questão agrária perpassa o processo

histórico e tem se mantido como um dos principais pontos de discussão sobre os

rumos de desenvolvimento do país, sobretudo, pelo modelo concentrador e

excludente da estrutura fundiária, que tem impossibilitado o acesso à terra aos

trabalhadores rurais brasileiros, tornando-os despossuídos do meio de produção

fundamental no campo, a terra, sua fonte de renda básica.

Desse processo, surgem as lutas sociais no campo, mediante a

mobilização dos setores excluídos do acesso à propriedade da terra que buscam

também o reconhecimento de sua cidadania. Desse modo, a questão agrária passa

a ser compreendida, sob uma visão mais ampla, pelas múltiplas dimensões, nas

quais se contextualizam aspectos de natureza social, econômica ou cultural,

expressos por esses fatores históricos. Ainda, segundo Veiga (1994, p.12).

Na primeira metade do século XX, o crescimento demográfico e a industrialização impuseram algumas modificações nessa rigidez do sistema latifundiário. A fronteira agrícola expandiu-se consideravelmente e, em períodos de crise, numerosas fazendas e engenhos foram desmembrados.

13

Vale dizer que a expansão da fronteira agrícola do país permitiu

incrementar a produção agrícola, sem a necessidade de redistribuir a propriedade

rural agrária, e o sistema latifundiário se manteve e vem se expandindo de forma

surpreendente nos últimos anos, em razão das políticas adotadas para o setor, “[...]

onde os fins especulativos são disfarçados por fabulosos projetos de pecuária

extensiva ou exploração florestal” (VEIGA, 1994, p.14).

Tendo em vista o “fechamento” da fronteira agrícola Veiga

(1994,p.14), complementa que

Ao mesmo tempo, esse “fechamento” da fronteira agrícola e a expulsão crescente de famílias de moradores e colonos das grandes plantações provocaram um incrível inchaço do contingente de lavradores sem terra que vivem de precários arrendamentos, do trabalho volante e da busca de novas terras de posse.

Verifica-se que a história da agricultura brasileira é permeada por

diversos fatores, com ênfase à presença do capital. Segundo Graziano (1982, p.36),

“a história da agricultura brasileira revela uma sólida aliança entre o capital e a

grande propriedade, sendo derrotada qualquer proposta no sentido de democratizar

a propriedade da terra.”

Desses fatos impõe-se que qualquer análise acerca dessa questão

não pode prescindir de tais elementos e deve levar em conta aspectos da ocupação

e produção da terra como reflexo das necessidades vigentes em cada época.

Portanto, torna-se imperioso, sobretudo, o entendimento acerca da estrutura

fundiária e das relações de produção do nosso país, ou seja, por meio de variáveis

dessa natureza, entender a maneira como a terra vem sendo distribuída.

14

Tendo em vista o papel da Geografia, como a ciência que estuda as

transformações do espaço geográfico pela sociedade, é primordial que se tenha o

entendimento acerca desses fatores, no sentido de se compreender as variáveis que

influenciam e redefinem esses processos, bem como as características dos lugares

onde essas ações estão ocorrendo.

A literatura mostra que, no Brasil, o grau de concentração da

propriedade da terra ainda é muito elevado, havendo uma persistência desse padrão

no tempo e no espaço, haja vista a ocorrência dos inúmeros conflitos sociais no

campo, presentes no decorrer da história da ocupação do espaço rural, conforme

aponta Santos (2001, p.149).

Essa realidade tem se refletido no agravamento das condições de vida e de trabalho de significativo contingente populacional, como também na intensificação das lutas sociais no campo. Não obstante as transformações verificadas na agricultura de nosso país, sobretudo nos últimos anos, a estrutura fundiária mantém-se praticamente inalterada.

No caso do Paraná, a história da ocupação da terra apresenta

algumas características singulares, no que tange a aspectos físicos e humanos,

considerando que sua formação étnica difere do resto do país.

Do ponto de vista da estrutura fundiária, tanto a colonização dirigida no Norte (do Paraná) como a espontânea no Sudoeste/Oeste contribuíram para a implantação de um grande número de pequenos estabelecimentos, com peso significativo em quase todos os produtos agropecuários, bem como para a constituição de uma distribuição da posse da terra menos concentrada que nos outros Estados brasileiros. (IPARDES,1976, pp.173-8 apud GRAZIANO, 1982, p. 91)

Ressalta, ainda, que a penetração inicial no Paraná se deu no litoral

e nos campos da região central do Estado, baseando-se nos ciclos da mineração, do

mate e da madeira e constituindo o chamado Paraná Tradicional.

15

Registros de ocupação datam do Séc.XVI com a ocupação de

espanhóis no sentido oeste-leste para subordinar indígenas, impedir a invasão

portuguesa a oeste de Tordesilhas e abrir saída para o mar. Houve um processo de

ocupação efetiva com a fundação de vilas, seguida da criação de reduções depois

destruídas pelos bandeirantes, na ânsia de deter a colonização espanhola e explorar

as minas auríferas.

Quanto ao litoral, via baía de Paranaguá, ocorre a ocupação pela

descoberta do ouro, com sua decadência nas primeiras décadas do século XVIII, e

que vai sendo pouco a pouco substituída pelo tropeirismo, extração e

beneficiamento de madeira e erva-mate. Estas atividades impulsionaram a

colonização para o primeiro planalto, originando a cidade de Curitiba – colônias

alemãs, polonesas e italianas e depois Ponta Grossa, Lapa, Palmeira e Castro –

delineando novas paisagens no Paraná Tradicional.

Posseiros, oriundos do Paraná Tradicional, foram adentrando no

terceiro planalto, Norte do Paraná, até São Roque (Tamarana), polarizando esta

frente com os projetos de colonização por volta de 1929. Nesse contexto, vale

destacar a importante contribuição trazida pelo excedente de trabalhadores

procedentes de Minas Gerais e São Paulo, que penetraram na região Norte do

Paraná, fundando Núcleos e marcando uma nova fase na economia cafeeira.

A rápida penetração dos mineiros e paulistas concomitantemente à

presença de antigos posseiros na região Norte, foi determinante para a ocupação

planejada da região, (pois, as terras vinham sendo apropriadas sem “controle

público”). Ressaltem-se as facilidades existentes do capital inglês, mediante a

16

concessão pelo governo das primeiras terras destinadas ao desenvolvimento de

projetos de colonização.

No início do século XX – o Norte do Paraná sofreu um processo de

repartição de terra, pautado na colonização dirigida que, de um lado, tinha

facilidades na aquisição de terras e, de outro, perspectivas de lucro via

comercialização de terras férteis. Na região Sudeste/Oeste, inicialmente, as

concessões de terras não tiveram êxito, pelo isolamento da região e ausência de

mercado, tendo em vista que eram exploradas por companhias exploradoras de

mate e madeira e por posseiros dispersos. Fins do século XIX e início do XX,

ocorreu a entrada espontânea de correntes do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e

a partir de 40 – a região passa por um surto migratório – motivado pela possibilidade

de reprodução social com pequenos e médios proprietários. Por volta de 1960, o

processo de ocupação do Paraná se completa; com o fechamento das fronteiras,

emergem os grandes problemas agrários que se intensificam com as dificuldades de

acesso à terra.

Já a ocupação do Norte do Paraná1 se constituiu numa expansão da

cafeicultura paulista, que aí encontrou enormes extensões de terras roxas, ideais

para essa cultura. Até a década de 60, a estrutura fundiária dessa região teve

como base a produção do café, em médias e pequenas propriedades. A década de

70, por sua vez, apresenta uma mudança radical, com a diminuição das pequenas

propriedades, e a concentração de grandes propriedades de terras o que provoca

uma desestruturação fundiária na região, ancorada no tripé terra – capital – trabalho,

1 Sobre o processo de ocupação do Paraná, recomenda-se as leituras de: PADIS, Pedro Calil. Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná. São Paulo:Hucitec, 1981. WACHOWICZ, Ruy Cristóvam. História do Paraná. Curitiba:Professores,1968. WESTPHALEN, Cecília Maria et al.Nota p´revia ao estudo da ocupação da Terra no Parná moderno.Boletim da Universidade Federal do Paraná. Departamento de História, Curitiba,1968,n.7 p.1-51.

17

em que a política fundiária privilegiou apenas os dois primeiros, ou seja, terra e

capital. O binômio “soja e trigo”, na década de 60/70, passou a ocupar as áreas

antes ocupadas pelo café, causando a expropriação e concentração de terras.

Num curto espaço de tempo, o Paraná conheceu uma nova

mobilidade populacional para as novas fronteiras MT/RO/AM. Com a crescente

monopolização da terra, continuam o êxodo e o desemprego, provocando o

aparecimento de bóias-frias e condições para desencadear novas lutas no campo e

o surgimento de assentamentos rurais.

Segundo delineia Osório (1978, apud GRAZIANO,1982, p.91).

Após a fase de consolidação fundiária, começou a haver uma desestruturação dos pequenos lotes que foram repassados aos grandes proprietários, mudando em muitos casos a atividade do café para a pecuária ou para outras lavouras de exportação (a soja, por exemplo), via de regra, poupadora de mão-de-obra.

As estatísticas oficiais demonstram que, no Paraná, o padrão de

concentração da propriedade da terra é muito elevado. Nos anos de 1969,1974 e

1978, os dados mostram que “os imóveis de mais de 1000 ha, que perfazem

menos de 0,5% do total de imóveis, apropriam-se de quase um quarto (23,9%) da

mesma área” e que “Os minifúndios representam mais de dois terços (08,6%) dos

imóveis do estado e possuem apenas 20% da área cadastrada” (GRAZIANO, 1982,

p.94.)

Fazendo uma comparação com o Brasil, o autor ressalta que, no

Paraná, é maior a importância das propriedades pequenas e médias: para o Brasil,

os imóveis de menos de 100 ha detinham, em 1976, apenas 15% da área total,

enquanto que no Paraná esse valor é três vezes maior (45%).

18

Ainda, segundo Graziano (1982, p.98 ),

“[...] a terra é o componente mais importante do valor venal de uma propriedade agrícola e, também, que ela é fonte de poder e de prestígio para seu proprietário, a relação entre as áreas médias desses imóveis pode ser entendida como uma aproximação do poder, tanto político, como econômico e social, do grande proprietário, em relação ao pequeno. Em poucas palavras, os latifundiários, enquanto classe, têm um peso bastante elevado no Paraná.”

Ao fazer uma análise da distribuição da posse da terra no Paraná, e

redução do número de estabelecimentos de pequenos proprietários Graziano (1982,

p. 103) ressalta que

Isso indica que são os grandes ocupantes que, em geral, conseguem legalizar os seus títulos de posse, sendo os pequenos ocupantes sumariamente expropriados das terras que cultivam. Para ilustrar isso basta dizer que em 1960 existiam cerca de 34 mil estabelecimentos de posseiros no Paraná, ocupando uma área de cerca de 1 milhão de hectares; em 1970, 50 mil para uma área de 750 mil hectares; e em 1975, 47 mil para uma área de 620 mil hectares. Quando se distribuem esses números pelas diversas microrregiões do Estado do Paraná, verifica-se que na década de 1960 o grande movimento de expansão da fronteira agrícola se deu no Extremo Oeste e Sudoeste do Estado, tendo à frente o pequeno ocupante.

Entretanto, observa-se que perdura ainda no Paraná um percentual

elevado de imóveis vazios, que não estão sendo explorados, e se destinam à

especulação imobiliária.

Os elementos supracitados são de fundamental importância ao

objeto em análise, vez que estabelece uma certa particularidade, considerando o

seu status e a sua natureza, mediante um processo marcado pela exclusão social,

exploração, expropriação e desterritorialização. Partindo desse princípio, torna-se

imperativo destacar alguns pontos acerca das formas de ocupação das terras

brasileiras, tomando-se como base alguns critérios adotados para a distribuição do

solo.

19

Desse modo, entender o processo relativo à elaboração, bem como

a aplicação do Programa Banco da Terra, é um trabalho sistemático que envolve,

não somente as questões agrárias, mas todo um contexto de redefinição da política

de uso e exploração do solo agrícola no Estado do Paraná.

O acesso à terra, por meio desse instrumento, apresenta-se como

uma nova modalidade, em que o sistema permite a compra de propriedade rural por

agricultores sem-terra, mediante a escolha do imóvel e seu valor proposto de venda,

sendo decididos apenas pelos interessados, ou seja, o vendedor e os compradores,

sem que haja a interferência dos órgãos gestores nas primeiras etapas do processo.

A proposta do estudo não se restringe tão somente em conhecer os

procedimentos administrativos, mas busca a compreensão acerca de sua

operacionalização pela gestão das pessoas, tendo como âncora os órgãos

governamentais. Portanto, parte da necessidade de se conhecer como estão sendo

administradas essas unidades, no seu interior, e quais os percalços e/ou dificuldades

de inserção no modo de produção capitalista no campo.

Considerando que esses projetos se concretizam a partir da

formação de grupos de agricultores reunidos em associação formal, torna-se

imperativo conhecer também o grau de conscientização e união na gestão desses

investimentos. A falta de união ou de harmonia entre os grupos dificulta, de certa

forma, a obtenção de melhores resultados, pois criam-se empecilhos que se

caracterizam pelo individualismo, distanciando-se da proposta inicial e

descaracterizando as propostas do Programa.

A análise dessas dificuldades pela busca da promoção, participação

e articulação acerca desses aspectos, principalmente no interior de uma escala

20

menos desenvolvida, “caracterizam-se por um reduzido grau de organização da

sociedade civil, muitas vezes associado a padrões culturais e de comportamento dos

atores relevantes pouco favoráveis para o sucesso de práticas participativas”

(MIORIN, 2003, p.99).

O Banco da Terra foi criado em 1998, durante o Governo do

presidente Fernando Henrique Cardoso, e corresponde a uma nova instituição

governamental, subordinada ao Ministério da Reforma Agrária, com o objetivo de

promover o reordenamento fundiário e de assentamento rural, com vistas à

concessão de crédito para que trabalhadores rurais não-proprietários,

preferencialmente os assalariados, posseiros e arrendatários tivessem acesso à

terra, pela compra, segundo os mecanismos do mercado, e, como conseqüência,

viabilizar a pequena produção.

A proposta é direcionar o crédito para financiar, em condições

favoráveis, os trabalhadores rurais não-proprietários ou aqueles que possuam

imóveis cuja área não alcance a dimensão da propriedade familiar que seja

suficiente para gerar renda capaz de lhe propiciar o próprio sustento e o de sua

família.

Portanto, traduz-se como uma política que, pela sua natureza,

diferencia-se das estratégias de inserção, que se dá pela desapropriação, advindas

dos movimentos e pressões sociais. Esse ordenamento procura romper com o

processo histórico e tradicional do latifúndio brasileiro, na medida em que possibilita

que muitas famílias adquiram a propriedade da terra por meio desse instrumento,

muito embora ainda não contemple grande parcela da sociedade.

21

Segundo D’incao (1991,p.85)

A lógica desse modelo produzido pelos quadros estatais é evidente: organizados de forma associativa, os trabalhadores assentados teriam condições de incorporar a tecnologia agrícola e a linha de subsídios estatais existentes e, consequentemente, de produzir em condições mínimas de competividade com a grande empresa agrícola dominante.

Sendo assim, resta saber quais são os efeitos dessa tentativa na

aplicação desse modelo, de financiar diretamente a compra do imóvel rural escolhido

e da infra-estrutura básica necessária ao bom funcionamento da propriedade e, se

os objetivos propostos pelo programa vêm sendo alcançados, mediante a fixação do

homem no campo, a quebra do ciclo de exclusão e o restabelecimento e incremento

da agricultura familiar, mediante a implementação de assentamentos de

trabalhadores rurais e urbanos.

Ao analisar essas propostas Norder (1996,p.9) descreve: “Esses

assentamentos possuem um valor estratégico, na medida em que fornecem

elementos para uma avaliação da pertinência da proposta de Reforma Agrária e da

reestruturação da propriedade fundiária no Brasil”. Os estudos realizados têm

demonstrado, que no Brasil são muitos os imóveis rurais não produtivos, não

apropriados formalmente e que são passíveis de serem incorporados à exploração

agropecuária, florestal e mineral, o que revela a necessidade de aplicação de

políticas específicas e eficientes, alheias aos interesses individuais dos grandes

latifundiários, com o objetivo de conjugar aspectos de natureza econômica e social,

voltados à produção e ao bem-estar.

Nesse sentido, a fim de responder às pressões sociais pelo acesso

à terra, pelas camadas carentes constituídas de despossuídos do campo e da

cidade, as respostas a essas ações ocorrem, mediante a aquisição desses

22

latifúndios improdutivos, ora pela aplicação de dispositivos institucionais de

desapropriações e de aquisições de terras destinadas à implantação de uma política

de assentamentos ou por iniciativas mais duradouras como os programas

governamentais, a exemplo do Cédula da Terra2 e Banco da Terra, constituídos

pelos mecanismos do mercado. Entre os anos 1998 e 2002, essa política alcançou o

seu ápice, atingindo 51.608 beneficiários (BRASIL, 2002).

Essa proposta atende o princípio Constitucional que determina a

desapropriação de terras para fins de reforma agrária dos imóveis rurais que não

cumpram a função social, sejam aquelas consideradas como áreas devolutas ou

não, e a partir do processo de desapropriação, serão incorporadas ao processo

produtivo rural, pela própria dinâmica do desenvolvimento e consolidação do

capitalismo no campo, rompendo com a “[...] a mentalidade escravocrata das elites

dominantes no Brasil e a ausência de projeto nacional de desenvolvimento não

excludente” (GUANZIROLI , 2001, p.28).

Ainda, segundo Guanziroli (2001, p.28)

Ao longo de toda a história do país, as oligarquias rurais bloquearam o livre acesso às terras devolutas e quaisquer outras alternativas que pudessem levar a ascensão social da grande massa de população rural e urbana mantendo, portanto extremamente baixo o custo de oportunidade do trabalho.

A partir dessa reflexão se desenvolveu, a presente pesquisa procura

analisar a sedimentação dessa política pública – o Banco da Terra – no espaço rural

de Lupionópolis.

2 O Programa Cédula da Terra foi o “Projeto Piloto” implantado no Estado do Ceará no ano de 1996 com recursos do Banco Mundial, destinado a atender regiões do Nordeste.

23

CAPÍTULO II

ASPECTOS FÍSICOS E GEOGRÁFICOS DA REGIÃO

O município de Lupionópolis-PR está inserido na mesorregião

geográfica Norte Central Paranaense e Microrregião de Astorga, que parcialmente

tem sua maior extensão no Terceiro Planalto ou Planalto do Trapp do Paraná, (figura

2) constituído por derrames basálticos, sendo a conformação de sua paisagem

bastante uniforme, determinada por planaltos pouco elevados, em geral, arenosos.

Figura 2 – Localização da Mesorregião Norte Central no Estado do Paraná Fonte: IPARDES, 2004

24

Segundo Maack, (1968 apud IPARDES, 2004, p.11) nessa região,

predominam os solos do tipo terra roxa, dentre os quais ressaltam três tipos:

latossolo roxo, cuja estrutura determina que, ao ser motomecanizado, fique sujeito à erosão, terra roxa estruturada, com solos profundos, argilosos, bem drenados e com elevada fertilidade natural; e litólicos, solos pouco profundos e muito suscetíveis à erosão.

Essas características associadas ao clima úmido e solo fértil

atribuem à região importante destaque no cenário nacional e mundial, no que tange

o desenvolvimento da região, conforme assinala o IPARDES (2004, p.79).

uma agropecuária dinâmica, moderna e eficiente, onde se desenvolvem culturas fortemente articuladas à agroindústria e destinadas ao mercado mundial. No entanto, essas transformações também desencadearam alguns efeitos perversos para a região, como a concentração fundiária, a redução da produção de alimentos intercalados ao café e a conseqüente desarticulação do emprego rural.

Nesse contexto, insere-se o Município de Lupionópolis-PR, tendo a

seguinte localização geográfica: latitude sul 22°52, longitude W-GR 51°39. Tem

como divisão político-administrativa os municípios de Centenário do Sul, Cafeara e

Santo Inácio, tendo ao Norte o Rio Paranapanema que estabelece divisa

hidrográfica entre os estados do Paraná e São Paulo.

A área do município é de 120,4 km², e tem uma densidade

demográfica de 35,9 hab/km², com altitude de 350 m. com uma população total de

4.323 habitantes (IBGE, 2000). A figura 3, expressa a situação geográfica do

município na Mesorregião Norte Central.

25

Figura 3 – Divisão Político – Administrativa da Mesorregião Norte Central Paranaense. Fonte: IPARDES/2004

Município de Lupionópolis-PR

26

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

O assentamento, objeto do presente estudo, está situado no

município de Lupionópolis-PR, figura 4, e ocupa uma área rural de terras, medindo

484,00 ha, e foi subdividida em lotes com 7,21 ha, conforme a figura 5, para o

assentamento das 52 (cinqüenta e duas) famílias beneficiadas com o projeto

denominado Programa Banco da Terra. Na figura 6, as famílias estão distribuídas

por associação, evidenciando também as áreas comuns e de preservação.

27

Figura 4 – Mapa do Município de Lupionópolis – PR Fonte: Prefeitura do Município de Lupionópolis

28

Figura 5 – Subdivisão dos lotes da antiga Fazenda São Paulo Fonte: EMATER PR

29

A área pertencia anteriormente à antiga Fazenda São Paulo,

também conhecida por Colônia Zacarias de Góis, de propriedade do senhor Marcos

Antonio Bongiovani, agropecuarista da região. Essa propriedade apresenta como

limite e principio a margem da faixa de domínio da rodovia Deputado Mário Stam,

tendo como divisas e confrontações a Fazenda Nossa Senhora do Carmo, Sítio São

Sebastião, Sítio Santa Bernadete e Sítio Santo Antônio.

Muito embora esteja situada numa região onde se pode identificar o

predomínio de culturas tradicionais, a exemplo do arroz, feijão, milho e mandioca, a

área vinha sendo utilizada pelo antigo proprietário, para a formação de pastagem

destinada à pecuária intensiva. No entanto, em face das características topográficas

e pedológicas, apresenta condições favoráveis à exploração de outras culturas,

(cana-de-açúcar, banana, café, abacaxi e algodão).

2.2 QUADRO NATURAL

O quadro natural do assentamento é formado pelas áreas de

preservação, correspondente a 20% (vinte por cento) do total dos lotes destinados a

cada associação, a ser reflorestada em conformidade com a legislação ambiental,

das áreas de preservação legal e permanente e mata ciliar, que fica no entorno do

Córrego Cana Brava e Ribeirão Rondon, sendo este último afluente esquerdo do Rio

Paranapanema.

Muito embora as associações tenham firmado Termo de

Compromisso de Conservação de Reserva Florestal Legal, em 8 de agosto de 2001,

no Cartório de Registro de Imóveis da cidade de Lupionópolis, para restaurarem a

30

vegetação florestal de Preservação Permanente, mediante o plantio de essências

florestais nativas até a data de 31 de dezembro daquele ano, e em conformidade

com o cronograma pré-elaborado, nenhum plantio foi realizado.

Observou-se que algumas famílias vêm utilizando essas áreas

especiais, como pastagens, para manutenção de algumas cabeças de gado,

conforme verificou-se nas associações Cana Brava e Cheiro da Terra. A situação é

preocupante, pois, além de trazer problemas de erosão ao meio com o

assoreamento dos mananciais, revela-se um forte complicador, na medida em que

os beneficiários deixam de cumprir as exigências e normas estabelecidas pela

legislação ambiental com reflexo direto nas atividades agrícolas.

O solo predominante na área é do tipo arenoso, bem drenado,

classificado como “Litossolo Vermelho Distrófico” e apresenta boa fertilidade, sendo

propício à exploração de lavouras de milho, feijão, algodão, mandioca, café,

hortaliças e fruticultura, muito embora tenha necessitado de correções, tendo em

vista que se destinava à pecuária intensiva, com a predominância de um elevado

número de animais na área, causando o pisoteamento e favorecendo os chamados

caminhos corredores de água e, como conseqüência, a erosão.

Aliado a esse processo, desenvolvia-se a monocultura, uma vez

que a pastagem constitui-se de um tipo só de capim, exigindo a demanda de

determinados nutrientes em larga escala. Portanto, fez-se necessária a aplicação de

fertilizantes e adubos para corrigir a falta de nutrientes e de calcário para correção

da acidez, conforme relataram os proprietários.

31

A área do assentamento conta com um relevo plano e suavemente

ondulado, predominante na Mesorregião Norte Central, que segundo o IPARDES

(2004, p.13) “[...] apresenta declividade que vai de 0% a 10% (até 6 graus de

inclinação do terreno) em 60% de sua área total e que corresponde a relevo plano e

suavemente ondulado”, que permite a mecanização; no entanto, quando

motomecanizado fica sujeito à erosão, principalmente nas áreas mais próximas dos

canais de drenagem do Ribeirão Cana Brava que tem sua nascente e maior porção

na Associação Cheiro da Terra e em algumas áreas da Associação São Cristóvão

que fica à margem esquerda do Ribeirão Rondon.

2.3 LOCALIZAÇÃO

Verifica-se que o assentamento está instalado numa região

privilegiada, próximo à sede do município de Lupionópolis, 4 km apenas, e vizinho

das cidades de Centenário do Sul e Cafeara, pois, mesmo sendo cidades de

pequeno porte, contam com infra-estrutura básica na área de saúde, educação e

transporte, além das atividades produtivas instaladas que favorecem o escoamento

e a comercialização da produção.

Essa proximidade com o meio urbano tem favorecido os assentados,

vez que não precisam percorrer grandes distâncias para a obtenção de suprimentos,

facilitando, ainda, o relacionamento com os estabelecimentos comerciais (armazéns

e cooperativas), e à instituição financeira – Banco do Brasil, evitando dessa forma

gastos com transportes. Estes são fatores potencializadores que beneficiam e se

constituem em pré-condição para o desenvolvimento das famílias assentadas.

32

O acesso ao assentamento pode ser feito por meio da rodovia

Deputado Mário Stam, devidamente pavimentada ou, ainda, pelas vias secundárias,

não pavimentadas, mas em boas condições de tráfego.

Quanto ao entorno sócio-econômico, apresenta excelente

localização, por estar próximo das cidades de Lupionópolis, Centenário do Sul e

Cafeara, tendo como principal via de acesso a rodovia Deputado Mário Stam, que é

pavimentada e se encontra em boas condições.

A área conta com uma boa rede hidrográfica formada pelo Córrego

Cana Brava, que tem a sua nascente no interior do assentamento e pelo Ribeiro

Rondon, sendo este último afluente esquerdo do Rio Paranapanema. Muito embora

possua uma boa rede de drenagem, em algumas faixas, verificou-se a ação de

processos erosivos, que por sua vez limitam algumas das atividades produtivas, ou

com reflexos na produção final, uma vez que o tamanho dos lotes é muito reduzido,

constituindo dessa forma um dos fatores restritivos para algumas famílias.

O abastecimento de água no assentamento é feito por meio de um

poço artesiano instalado na área de reserva da Associação Cana Brava e já atendia

a demanda do antigo proprietário. Com a implantação do projeto de assentamento,

as famílias adequaram o poço à distribuição de água nas propriedades e instalaram

também a rede de energia elétrica.

A rede de água, por sua vez, embora instalada em todos os lotes,

tem apresentado problemas na distribuição, principalmente com relação aos

proprietários dos lotes mais afastados, que optaram pela abertura de poço individual,

para atender suas necessidades.

33

Das famílias beneficiadas com o programa, apenas 46 % moram nas

propriedades, 19% construíram apenas o paiol e os 35% restantes estão apenas cultivando a

terra.

2.4 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

O município foi criado em 27 de janeiro de 1951, pela Lei Estadual

nº 613, instalado oficialmente em 14 de dezembro de 1952, recebendo o nome de

origem, em homenagem ao então Governador do Estado do Paraná, Moysés

Lupion, sendo o primeiro prefeito municipal o senhor Ibraim Abbud Neto.

A forma de colonização e povoamento obedeceu um plano pré-

estabelecido, uma vez que o patrimônio teve influência direta da Empresa Imobiliária

“ANIS ABBUDI & CIA LTDA”, que demarcou a área em lotes, datas e sítios,

promovendo dessa forma um incremento das vendas de terras nas zonas rural e

urbana, havendo, sobretudo, dedicação às atividades agrícolas, principalmente, a

cultura do café, conforme a figura 7.

34

35

Figura 7 – Paisagem agrícola predominantemente na região na década de 60/70 Fonte: Carta IBGE

36

Tendo em vista a boa fertilidade natural do solo, associada às

condições climáticas e aos aspectos topográficos, essa cultura demarcou a

ocupação produtiva da região, e, uma vez consolidada, dinamizou a economia e o

desenvolvimento do município.

A população da região é constituída por descendentes de italianos,

espanhóis, portugueses, libaneses e japoneses, o que vem explicar as aptidões

agrícolas que giram em torno do cultivo de produtos hortigranjeiros, para o consumo

familiar e local, seguidos daqueles destinados à comercialização como as lavouras

de soja, milho, feijão, algodão e café, articulados à agroindústria e destinados ao

mercado externo.

O município tinha sua base econômica ancorada na cafeicultura,

lavoura empregadora de grande contingente de mão-de-obra no campo e na cidade,

tendo sido muito favorável ao desenvolvimento das atividades no meio urbano, já

que era o setor dinâmico da região e do estado do Paraná. Na década de 60, essa

cultura sofreu profunda crise em nível nacional, em razão de fatores de ordem

econômica e natural, com reflexo direto na estrutura agrícola do Paraná, em especial

a Mesorregião Norte Central onde se insere a área em estudo. Os dados apontados

pelo IPARDES (2004,p.69) espelham bem essa realidade.

Na década de 60, o excesso de oferta de café no mercado mundial provocou forte queda de preço, que, somada às geadas ocorridas nessa época, desencadearam profunda crise na cafeicultura nacional, levando o governo federal a adotar uma política de erradicação de 2 bilhões de cafeeiros e conduzir a renovação e racionalização da cafeicultura brasileira. No Paraná, foram erradicados cerca de 470 milhões de cafeeiros, que liberaram 627 mil hectares, reconvertidos principalmente em pastagens, e em menor escala, em milho, arroz, algodão, feijão, cana-de-açúcar, entre outros.

37

Esses fatores, por sua vez, causaram forte impacto na estrutura

produtiva da região, que tinha o café como seu setor dinâmico e representativo da

atividade agrícola. Com o declínio do café e outros cultivos alimentares, surgiu um

novo cenário na região, bem como no estado do Paraná, tendo em vista a

erradicação de cerca de 470 milhões de pés de café, cujas áreas foram

reconvertidas em pastagens e culturas temporárias, a exemplo do feijão, milho,

algodão, soja e cana-de-açúcar.

Essa crise desencadeada na cafeicultura nacional teve reflexo direto

na estrutura produtiva e na economia do município e região do Estado, pois sua

atividade econômica estava assentada na cultura do café, grande empregadora de

mão-de-obra, enquanto que as novas culturas introduzidas no meio rural surgem

com uma concepção tecnológica diferente da utilizada no café, são poupadouras de

mão-de-obra, de produção em larga escala e mais intensivas de capital.

Nesse contexto, a região norte assumiu um novo perfil, no que tange

a estrutura fundiária, antes caracterizada pelo predomínio de pequenos e médios

estabelecimentos, (sítios) com até 50 hectares, e a predominância intensiva do

trabalho familiar. No entanto, em razão da crise e dessa nova concepção

tecnológica, que requer o emprego de novos métodos e insumos modernos, esse

processo se inverte, vez que, pelas suas características, essa escala de produção

impõe limites aos pequenos proprietários, na medida em que exige escala mínima

de produção e acesso a crédito ou recursos próprios.

As transformações havidas foram significativas e contribuíram para

que muitas famílias de produtores e trabalhadores rurais deixassem o campo e

38

migrassem para o meio urbano, que também sofreu mudanças expressivas com a

diminuição das relações comerciais.

Esse fato ocorreu diante, tanto das dificuldades encontradas por

muitos proprietários como da impossibilidade de se adequarem a essa nova

concepção. Assim, muitos proprietários de terras no município de Lupionópolis

acabaram perdendo a sua territorialidade, conforme relata um antigo morador, hoje

assentado do Programa Banco da Terra.

Até a década de 70, havia muitos sítios nessa região, eram pequenas propriedades de 3 a 15 alqueires, sendo predominante a cultura do café e o trabalho familiar. Após as geadas, as famílias em dificuldades financeiras foram vendendo as propriedades e passaram a trabalhar, nas usinas da região. Minha família tinha uma propriedade de 11 alqueires que foi vendida para o proprietário da Fazenda Santa Terezinha que agrupou mais 10 propriedades e atualmente conta com uma área aproximada de 170 alqueires destinada à produção de milho e soja. (PESQUISA DE CAMPO, JULHO/2005)

Tais fatos marcam a fase de transição ocorrida no setor agrícola

daquela região que alterou a estrutura fundiária, na medida em que reconverteu

pequenas unidades familiares em estabelecimentos agropecuários, que, pela sua

dimensão, assumem um novo papel e impõem novas relações de produção,

conforme aponta o IPARDES (2004, p.70), ao se referir à forte concentração de

terras na Mesorregião Norte Central.

Se, por um lado, ocorre a expansão de uma agricultura moderna e eficiente, por outro, dá-se a concentração da estrutura fundiária, o que resulta na liberação de um contingente significativo de mão-de-obra do campo. Esse contínuo processo de reordenamento fundiário leva a uma progressiva redução do número de estabelecimentos concentrada naqueles com área inferior a 10 hectares, mas que se estende até os estratos com menos de 10 hectares.

Os dados do censo de 1960 (IBGE), apontados pelo IPARDES

mostram que a população rural do município de Lupionópolis, naquele ano, era de

39

6.409 habitantes, enquanto que, em 2000, somavam apenas 767, sendo que, no

meio urbano, essa situação foi inversa, ou seja, o total de 2.073 habitantes, em

1960, aumentou para 3.554 em 2000.

Isso demonstra o forte impacto causado pela redução da atividade

cafeeira, cultura perene e grande empregadora de mão-de-obra no campo e na

cidade, considerando que envolvia grande contingente de mão-de-obra para

executar o trabalho de colheita e processamento do beneficiamento.

Ressalta-se que, entre 1985 e 1995, nessa região, os pequenos

estabelecimentos agrícolas sofreram uma redução bastante significativa, em torno

de 20,5% do total, ou seja, 13.471 estabelecimentos.

Isso significa dizer que muitos produtores “[....], de modo geral, não

conseguiram se ajustar às novas exigências tecnológicas – mecanização, insumos

químicos e sementes melhoradas, por incapacidade financeira ou por não alcançar

a escala mínima exigida pelo novo padrão” (IPARDES, 2004, p.70).

Os dados da tabela 1, trabalhados pelo IPARDES (2004, p.70), a

partir do Censo Agropecuário 1995/1996, expressam essa realidade e demonstram a

forte concentração de terras na Mesorregião Norte Central, cujo índice de 0,731 se

aproxima da média estadual, que é 0,752, segundo o Índice de Gini3.

Índice de Gini: é uma medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de 0 (zero), a perfeita igualdade, até 1 (um), a desigualdade máxima

40

Tabela 1 – Índice de Concentração de Terras, segundo as Mesorregiões Geográficas – PARANÁ – 1995 __________________________________________ Mesorregião Índice de Gini 4 __________________________________________ Noroeste 0,781

Centro-Ocidental 0,733

Norte Central 0,731 Norte Pioneiro 0,743

Centro-Oriental 0,796

Oeste 0,676

Sudoeste 0,582

Centro-Sul 0,796

Sudeste 0,686

Metropolitana de Curitiba 0,771

___________________________________________ PARANÁ 0,752 ___________________________________________ Fonte: IPARDES, 2004

Por outro lado, no que tange a distribuição dos estabelecimentos

agropecuários por área, verifica-se que a estrutura fundiária da região é

caracterizada pelo predomínio de pequenos e médios estabelecimentos, conforme

verifica-se pelos dados trabalhados pelo IPARDES, (2004, p.72), expressos na

tabela 2, em que 83,9% dos estabelecimentos possuem área até 50 hectares,

ocupando somente 27,6% da área. Isso evidencia a forte representatividade dos

estabelecimentos familiares.

41

Tabela 2 – Distribuição dos Estabelecimentos Agropecuários e Área, Segundo Estratos de Área – Mesorregião Norte Central e Paraná – 1995.

Distribuição (%)

Estratos Mesorregião Norte Central Paraná

(ha) Estabelecimento Área (1) Estabelecimento

Área(1)

0 -| 10 40,7 4,8 41,8 5,0

10 -| 20 22,6 7,6 23,2 7,7

20 -| 50 20,6 15,2 20,9 15,0

50 -| 100 7,7 12,8 6,8 11,1

100 -| 200 4,6 14,9 3,6 11,8

200 -| 500 2,8 20,0 2,5 17,9

500 e mais 0,9 24,6 1,1 31,4

Total (Abs) 52.150 2.221.214 369.875 15.946.632

Fonte: IPARDES/2004 IBGE – Censo Agropecuário, 1995/1996.

(1) Somam-se à área, inclusive, terras inaproveitáveis.

Esses indicativos são representativos e apontam para a necessidade

de políticas específicas para esse segmento, no sentido de estimular a oferta de

produtos agrícolas, por meio de crédito subsidiado. Vale ressaltar que a situação do

pequeno produtor tem sido sempre de desvantagens, em função da política agrícola

adotada, pois, na maioria das vezes, beneficia sempre o grande proprietário, tendo

em vista que “[...] o crédito é para comprar coisas que somente os grandes

fazendeiros podem comprar: tratores, colheitadeiras, adubos e defensivos químicos”

(GRAZIANO, 1999, p.94).

A literatura consultada mostra que, desde as primeiras décadas do

século XX, o café impulsionou e demarcou as atividades produtivas, da mesorregião

Norte Central, trazendo inúmeros benefícios ao setor agrícola, na medida em que

4 O Índice de Gini, calculado a partir do Censo Agropecuário 1995/96, inclui proprietários e não proprietários.

42

fortaleceu o setor econômico e promoveu o desenvolvimento de uma rede de

cidades. No que concerne a Mesorregião Norte Central, em especial o município de

Lupionópolis e adjacências, a figura 8, de forma pontual, expressa o predomínio

dessa cultura nesse período.

Na atualidade, essa cultura constitui um patrimônio histórico quase

invisível, para a área de Lupionópolis, que foi um dos cenários históricos dessa

cultura, mas que traz, na sua essência, o marco da prosperidade.

Portanto, os extensos campos formados pelos cafezais, que

predominavam na região, foram reconvertidos em outras atividades e cederam lugar

à pecuária extensiva, ao cultivo da soja, cana-de-açúcar e, em menor escala, ao

algodão, milho e feijão, que antes eram intercaladas à cultura do café, como forma

de produção para subsistência.

Desse modo, a área apresenta uma nova paisagem, constituída

principalmente por lavouras mecanizáveis e que dispõem de “tecnologia moderna

para sua produção, e conta com preços favoráveis no mercado internacional”

(IPARDES,2004. p.69).

São marcos desse período áureo, dentre outros, a Fazenda

Jangada, que abrigava em sua colônia aproximadamente 40 famílias, e a Fazenda

São Paulo onde está situado o assentamento objeto do presente estudo. No primeiro

caso, existem apenas resquícios históricos como terreirões e casas em ruínas, além

do aspecto histórico na memória dos antigos moradores que lidavam com essa

atividade.

Considera-se que entre 0,5 e 0,7 a concentração é forte, e, entre 0,7 e 0,9, muito forte.

43

Figura 8 – Aspecto geral das extensas áreas onde predominava o cultivo do café Fonte: carta IBGE

44

A partir desses elementos, é possível entender as transformações havidas na região,

em especial, no seio da estrutura da pequena propriedade rural, pois verifica-se que

a abordagem feita pelo autor acerca das transformações ocorridas no meio rural

brasileiro, principalmente, com o declínio do café, também foi corrente no estado do

Paraná, em especial, na mesorregião, resultou daí uma forte concentração

fundiária e trouxe grandes desafios e dificuldades, na medida em que promoveu a

exclusão de pequenos agricultores e de trabalhadores rurais substituídos pela

crescente mecanização das atividades agrícolas.

Esse, porém, foi o quadro delineado na região em estudo, e que

espelha muito bem a realidade dos trabalhadores assentados pelo Programa Banco

da Terra no município de Lupionópolis-PR.

2.5 FINALIDADE E GESTÃO: BANCO DA TERRA

O Fundo de Terras e da Reforma Agrária – BANCO DA TERRA - é

um fundo especial de natureza contábil, instituído pela Lei Complementar Nº 93, de

4 de fevereiro de 1998, e regulamentado pelo Decreto Nº 3.475, de 19 de maio de

2000.

O seu objetivo principal é financiar a compra de imóveis rurais e a

implantação de infra-estrutura básica, para ocupação e geração de renda no campo

por meio de acesso à terra. A administração do Fundo de Terras e da Reforma

Agrária -Banco da Terra ocorre de forma descentralizada.

45

com a participação de Estados, do Distrito Federal e de Associações de Municípios, na elaboração e execução de programas de reordenação fundiária e na análise e aprovação de propostas de financiamento, garantida a participação da comunidade por meio de Conselhos de Desenvolvimento Rural. 5 (BRASIL,2000)

O acesso à terra se dá pela compra e venda, mediante a lógica do

mercado, em que comprador6 e vendedor definem o preço e condições de

pagamento, sem a interferência do órgão gestor, Banco da Terra, nas primeiras

etapas do processo. A operação de financiamento do imóvel em estudo teve como

agente financeiro o Banco do Brasil S/A, órgão gestor do Banco da Terra, mediante

mandato outorgado pelo Conselho Curador do Banco da Terra, através da resolução

15, de 28 de outubro de 1999.

São beneficiários 7 do Programa Banco da Terra, os trabalhadores

rurais não-proprietários, preferencialmente os assalariados, parceiros e

arrendatários, que comprovem no mínimo cinco anos de experiência na atividade

rural. A comprovação desta experiência pode ser feita por meio de anotações na

carteira de trabalho, declarações, atestados de órgãos, entidades e sindicatos de

trabalhadores.

Terão também acesso ao financiamento, agricultores

proprietários de imóveis cuja área não alcance a dimensão da propriedade familiar,

como definida no inciso II art. 4º, da Lei Nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 –

Estatuto da Terra, e seja, comprovadamente, insuficiente para gerar renda capaz de

lhe propiciar o próprio sustento e o de sua família. (BRASIL ,1964).

5 Membros da comunidade e representantes do poder público. 6 Representado por meio da Associação ou Cooperativa. 7 A legislação denomina de beneficiários as pessoas inscritas no Programa que tiveram acesso ao crédito.

46

Assim, o acesso dos beneficiários ao programa se dá

prioritariamente, através de financiamentos por meio de entidades coletivas,

Associações ou Cooperativas, formalmente constituídas.

Dessa forma, as Associações ou Cooperativas, constituídas

formalmente, podem adquirir a totalidade do imóvel para posterior repasse da

propriedade da terra e das benfeitorias aos seus associados, que são beneficiários

do Programa, elegendo para tanto um presidente, que passa a ser o representante

legal para a consolidação das ações discutidas nas assembléias. Portanto,

associações são entidades formais com caráter civil e, dentre outras finalidades,

visam promover o desenvolvimento comunitário, por meio de obras e

melhoramentos, proporcionar a integração entre os habitantes do assentamento e

desenvolver atividades institucionais.

Essa exigência tem como principal objetivo reduzir custos

administrativos com o financiamento do imóvel, pois, se a proposta fosse aprovada

de forma individual, aumentaria muito o preço da terra e seriam necessários o

desmembramento e escrituração de cada unidade separadamente. Outro imperativo

que vale destacar é que, nestas condições, o sistema de financiamento é feito por

meio de aval cruzado, sendo cada mutuário responsável pela dívida do grupo.

Portanto, se houver inadimplência de um dos mutuários, a parcela

de financiamento correspondente não poderá ser quitada, devendo as propostas de

renegociação de dívidas estar acompanhadas de parecer técnico do agente

financeiro e ser submetidas à apreciação do Conselho Curador do Banco da Terra.

47

2.5.1 O FINANCIAMENTO

Depois de cumpridas as formalidades legais estabelecidas no

Regulamento do Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra, foi

definido que o valor máximo para o financiamento da terra seria de R$ 30.000,008

(trinta mil reais), por beneficiário, com valor global de R$ 1.560.000,00 (um milhão,

quinhentos e sessenta mil reais), considerando-se as 52 famílias beneficiadas, que

formam a Associação Cheiro da Terra e outros.

O recurso liberado permitiu que os beneficiários adquirissem 484,00

ha de terras, que foi dividido entre os participantes do grupo – Associações. A área

dos lotes subdivididos é de 7,21 ha, por família, incluindo a Área de Interesse

Ambiental de Utilização Limitada, reserva legal, que corresponde a 20% do total,

restando, como área útil para a atividade rural, 5,77 ha, para cada família.

No tocante às condições básicas do financiamento, o art.17 do

regulamento do Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra

estabelece: “O prazo de reembolso dos financiamentos será de até 20 (vinte) anos,

incluídos até 3 (três) anos de carência, estabelecida em função da capacidade de

pagamento a ser gerada pelos empreendimentos”. (BRASIL, 2000).

Os encargos financeiros são fixados em função do montante do

financiamento por beneficiário, ou seja, até R$ 15.000,00 (quinze mil reais), 6% a.a

(seis por cento ao ano), e, acima de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e até R$

30.000,00 (trinta mil reais), 8%, a.a . (RESOLUÇÃO Nº 2.728).

8 A resolução nº 2.728 do Banco Central prevê o limite de crédito de até R$ 40.000,00 (quarenta mil reais)

48

A operação de crédito foi realizada no ano de 2001, com o prazo de

até vinte anos para amortização, incluída a carência de até trinta e sete meses, a

qual ocorreu no mês de agosto de 2005, quando então teve início o pagamento

sucessivo das parcelas do financiamento, cabendo a cada família o valor anual de

R$ 1.941,18 (um mil, novecentos e quarenta e um reais e dezoito centavos),

conforme descrito na matrícula nº 5794, da Associação Cana Brava que é composta

por dez associados

O valor financiado de R$ 330.000,00 será pago pelo MUTUÁRIO no prazo de 20 (vinte) anos, em 1 (uma) parcela no valor nominal de R$ 19.411,84 (dezenove mil, quatrocentos e onze reais e oitenta e quatro centavos) e mais 16 (dezesseis) parcelas anuais e sucessivas, cada uma no valor nominal de 19.411,76 (dezenove mil, quatrocentos e onze reais e setenta e seis centavos), acrescidas dos juros e acessórios, vencíveis nos meses de agosto, considerado o prazo de carência de 37 (trinta e sete ) meses, vencendo-se a primeira parcela em 14.8.2005, e a última parcela em 14.08.2021, obrigando-se o MUTUÁRIO a liquidar, com a última parcela, o saldo devedor do financiamento decorrente deste contrato (CARTÓRIO REGISTRO DE IMÓVEIS, 2001,p.1/ verso).

Portanto, o valor da parcela anual para cada associado do programa

será de R$ 1.941,18, acrescido dos juros e acessórios, e representa um valor médio

de R$ 161,76 por família, caso o pagamento fosse mensal. Entende-se que é um

patamar perfeitamente razoável tendo em vista o padrão econômico das famílias, e

considerando, ainda, que a carência, de até três anos, é estabelecida em função da

capacidade de pagamento a ser gerada pelos empreendimentos.

Para obter o financiamento destinado à compra do imóvel, os

interessados em ingressar no projeto tiveram inicialmente que cumprir determinadas

exigências do programa, dentre elas, a constituição formal de associações que

deliberam sobre assuntos atinentes à operacionalização das ações, visando à

aquisição da propriedade e acesso ao crédito.

49

Esse procedimento constituiu uma das primeiras etapas da

execução do Programa, e exigiu que os beneficiários se mobilizassem para a

elaboração e apresentação da Carta Consulta, ao Conselho Municipal de

Desenvolvimento Rural, para avaliação.

O documento foi instruído com os dados preliminares do imóvel a

ser adquirido como: denominação, nome do proprietário, área total, infra-estrutura

existente, indicativo da área de reserva legal e de preservação permanente,

constando, ainda, a identificação dos beneficiários, nome da associação e do

respectivo presidente, além de indicar o total de membros participantes da proposta

de financiamento.

A identificação e qualificação do associado são feitas

individualmente, bem como do seu cônjuge, evidenciando o tipo de atividade que

desempenha ou desempenhou no meio rural e por quanto tempo, definindo-se

desse modo o perfil dos interessados a ingressar no programa. Essas informações

são necessárias e visam atender exigência legal prevista na legislação que institui o

Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra.

O sistema de financiamento adotado é o aval cruzado, em que

cada beneficiário é responsável pela dívida do grupo. Significa dizer que, em caso

de inadimplência de um dos mutuários, todos são responsáveis pela dívida. Se isso

acontecer, o grupo deverá submeter, à apreciação do Conselho Curador do Banco

da Terra, proposta de renegociação da dívida, acompanhada de parecer técnico

emitido pelo agente financeiro.

50

CAPITULO III

ESTRUTURA E FORMA DE ORGANIZAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO CHEIRO DA

TERRA E OUTROS

3.1 FORMAÇÃO DOS GRUPOS

A unidade em estudo, muito embora esteja situada no município de

Lupionópolis-PR, para fins de propostas de financiamento aprovadas pela Câmara

Setorial do Programa Banco da Terra, está inscrita na região de Londrina, cujo

projeto foi aprovado com a denominação de Associação Cheiro da Terra e outros.

O grupo é constituído por 52 famílias, distribuídas em associações formais,

conforme a tabela 3.

Tabela 3 – Distribuição das Famílias por Associação

Distribuição das Famílias de acordo com as Associações

Identificação Nome do Grupo Nº de famílias

A Associação Cana Brava 10 B Associação Lupion 11 C Associação Cheiro da Terra 11 D Associação São Cristóvão 10 E Associação Ouro Verde 10 Total 52

Fonte: Pesquisa de campo, 2004.

Observa-se que as famílias que compõem as Associações se

encontravam fixadas na região de Lupionópolis as quais sempre tiveram o sonho de

um dia ter uma porção de terra para trabalhar, por isso, aderiram ao Programa, na

esperança de realizar esse sonho, almejando também melhorar as condições de

51

sobrevivência, já que a grande maioria trabalhava como empregados volantes,

retireiros9, ou arrendatários, ligados intrinsecamente à atividade agropecuária.

Os grupos foram formados em agosto de 2000, conforme consta dos

Estatutos Associativos, com a finalidade de adquirir parte da fazenda São Paulo, de

propriedade de Marcos Antonio Bongiovani e Maria Beatriz Sartori Bongiovani,

destinada ao assentamento dessas famílias, em sua maioria, moradores da cidade

de Lupionópolis e patrimônio Mairá, que desenvolviam atividades agrícolas nas

propriedades da região.

Posteriormente, constituíram associações formais, de acordo com

normas gerais que regulamenta o Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da

Terra, tendo em vista que o regulamento estabelece no art.14, alínea a, que o

financiamento será concedido: “a) Prioritariamente, através de financiamentos

coletivos por meio de Associações ou Cooperativas, formalmente constituídas; b)

Por meio de financiamentos individuais” (BRASIL, 2000, p.1).

Com relação aos critérios adotados para a formação dos grupos,

observa-se que o fato deveu-se em grande parte às afinidades existentes entre as

famílias, também pelas atividades que executam, pelo parentesco ou simplesmente

a amizade.

A definição da área e subdivisão dos lotes obedeceram ao critério de

sorteio, primeiramente para definição da localização dos grupos, A, B, C, D ou E, e

na seqüência, já conhecida a área, os grupos realizaram sorteio para definir a

localização de cada lote dentro da área.

9 pessoas que se ocupam da guarda de um certo número de cabeças de gado, realizam o trato e a ordenha.

52

A figura 5, p.28, mostra, de forma esquemática, a subdivisão da

área e como os lotes estão distribuídos. Indica também as áreas de reserva legal,

áreas destinadas ao reflorestamento, reserva permanente e hidrografia.

Verifica-se que a unidade “A” ficou representada pela Associação

Cana Brava, a unidade “B” pela Associação Lupion, a unidade “C” pela

Associação Cheiro da Terra, a unidade “D” pela Associação São Cristóvão e a

unidade “E” pela Associação Ouro Verde.

O caráter afetivo entre os assentados, principalmente dos que

moram no local, é bastante visível, sendo característico o grau de parentesco

existente. Esses laços tornam-se positivos, na medida em que a convivência

fortalece as relações de amizade e fortalecimento do grupo, no entanto, verificou-se

que não se expressam pela harmonia, contribuição espontânea e pelo auxílio

mútuo, no tocante a conjugação dos objetivos da atividade produtiva, embora

tenham praticamente a mesma origem, sempre viveram na região, tenham as

mesmas aptidões e pertencem a um mesmo grupo social.

Todos são de origem rural, com tradição na agricultura, em grande

parte como prestadores de serviços para as grandes empresas agrícolas. Segundo

D’incao (1991, p.89), essa dependência se dá em razão da “[...] experiência de

trabalho não qualificado e superexplorado pelo processo produtivo dominante”, o

que os leva a lutarem por um pedaço de terra, pela necessidade de trabalhar e

melhorar as condições de vida, objetivando, assim, a realização dos projetos

individuais.

53

Por outro lado, vale ressaltar que a obtenção da terra, não significa

que os assentados passem a dispor da necessária infra-estrutura social (saúde,

educação, transporte, moradia e produtiva (terras férteis, assistência técnica,

eletrificação e apoio creditício e comercial), que de certa forma levaria ao sucesso de

muitas famílias).

Equivale dizer que após a conquista da terra, da realização do sonho

tão almejado, por muitas famílias inicia-se uma nova luta, para se manter na terra,

pela obtenção das condições econômicas e sociais acima descritas que venham a

favorecer o estabelecimento desses trabalhadores rurais enquanto produtores

agrícolas.

Muitos dos assentados se mostram desmotivados e até

desorientados, em face dos problemas que vêm enfrentando, como a falta de

orientação técnica, recursos financeiros, inadimplência e as intempéries do tempo, e,

diante desse quadro, a visão passa a ser outra, conforme o desabafo de um dos

beneficiários .

O final disso aqui é largar tudo e voltar a trabalhar como bóia-fria novamente. Tínhamos um sonho, que era conseguir um pedaço de terra, mas vejo que a realidade agora é outra. Não sei qual vai ser o fim disso aqui, tá todo mundo com problema, devendo, a situação é essa, muita praga no algodão e seca, não temos muita esperança. Nos primeiros dois anos até que foi razoável, tínhamos assistência técnica. O técnico elaborava o projeto e conseguíamos o financiamento. Depois plantamos o milho, veio aquela seca e perdemos tudo, aí começou a complicar, já que não temos como saldar os compromissos.(PESQUISA DE CAMPO, 2005)

54

3.2 INFRA-ESTRUTURA PRODUTIVA

Além da infra-estrutura básica, que prevê a disponibilização de água

para o consumo humano e animal, rede interna de eletrificação e abertura ou

recuperação de vias de acesso interno, o programa destina também recursos

específicos para investimentos produtivos, ficando esses recursos condicionados ao

cumprimento de metas por parte dos assentados.

No caso em estudo, as famílias utilizaram recursos oriundos do

Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, modalidade

A, que financia obras de infra-estrutura voltadas ao atendimento do agricultor

familiar.

Em 2001, o valor liberado para cada família, destinado à

implementação da infra-estrutura produtiva, foi de R$ 8.000,00 (oito mil reais). Com

esse recurso, as famílias deveriam construir, em suas unidades, um paiol10 com

dimensões de 3,50 m x 7,00 m, conforme mostra a figura 9, sendo constituído de

uma parte fechada e outra aberta, com a finalidade de armazenar os insumos e a

produção.

10 Denomina-se de paiol a edificação destinada ao depósito dos insumos e da produção.

55

Figura 9 – Aspecto geral do paiol – Associação Ouro Verde.

Deveriam, ainda, plantar ½ alqueire de café, ½ alqueire de banana

ou de abacaxi, e fazer a correção do solo com aplicação de calcário, adubo orgânico

e químico, para melhorar as condições da terra que vinha sendo utilizada para

pastagens de gado, atividade causadora de empobrecimento do solo, devido ao

pisoteio dos animais e ao tipo de cultura empregada.

Quanto ao paiol, a maioria deixou de cumprir essa exigência, pois

optaram por utilizar a estrutura como moradia, em sua maioria, construções simples,

muitas ainda inacabadas, pois alegam que o recurso liberado para acudir as

despesas com a infra-estrutura produtiva foi insuficiente. Apenas a Associação Ouro

Verde conta com um paiol edificado, no molde previamente definido, tendo também

a casa que é utilizada pela família para moradia.

No caso do café, a grande maioria conseguiu realizar o plantio,

tendo já, neste ano de 2005, feito a primeira colheita. Por se tratar de uma lavoura

56

perene, o café vai ao encontro da proposta do programa, no sentido de fortalecer o

agricultor familiar e também permitir que, a partir do terceiro ano, final do período de

carência, possa estar estruturado para iniciar o pagamento das primeiras parcelas

do financiamento.

Com relação ao cultivo da banana e do abacaxi, a EMATER-PR

realizou um estudo prévio na área, com técnico em fruticultura, e constatou que a

atividade seria produtiva e rentável; no entanto, o projeto não prosperou, pois

verificou-se que os assentados não tinham nenhuma tradição com o trato desses

produtos, e que a implantação desse projeto poderia ser um fracasso, conforme

argumentou informalmente um técnico da Empresa.

Diante desse quadro, os recursos destinados a essa finalidade foram

canalizados para atividades afins, sob orientação da EMATER-PR, como a

construção de terreirão para a secagem do café, ou aquisição de equipamentos e

implementos agrícolas, como ocorreu com a Associação Lupion que optou pela

aquisição de um trator e plantadeira.

Há casos em que nenhuma das etapas do projeto foi cumprida,

conforme informou o proprietário de um lote na Associação Cana Brava, ao justificar

por que não plantou o café.

O valor do financiamento era insuficiente, por isso, no lugar do café e da banana, resolvi formar pasto, utilizei parte da madeira e arame vindos da propriedade do meu irmão no estado de São Paulo, onde também cultivo um pedaço de terra, comprei os palanques e as catracas, contratei peão e cerquei a área para criar umas novilhas. (PESQUISA DE CAMPO, 2005)

Complementou que, em princípio, os técnicos da EMATER, que

orientam o Programa, foram contra, mas, depois de avaliarem os custos com os

materiais adquiridos, acataram a decisão.

57

A estrutura produtiva pode ser entendida como o investimento inicial

para o desenvolvimento do programa e inserção das famílias no campo, destinando

recurso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF.

3.3 DISTRIBUIÇÃO DA ÁREA DO ASSENTAMENTO E FORMA DE UTILIZAÇÃO

A área do assentamento está subdividida em lotes, por associação e

finalidades, sendo a área útil destinada à produção agrícola, de interesse ambiental,

de utilização limitada e ocupada com benfeitorias pró atividade rural, a exemplo das

estradas internas. O estudo tomou como parâmetro de avaliação as vinte e nove

unidades pesquisadas que ocupam uma área total de 209,09 hectares. Nessa área,

estão representadas as cinco associações, conforme especificado na tabela 4, que

traz informações relativas à área total dos estabelecimentos, do tamanho médio de

cada lote, bem como a forma de utilização.

Tabela 4 – Forma de Utilização e Distribuição das Culturas

Associação Estabeleci-mento

Área Total

Área Média

Lavoura permanente

Lavoura Temporária % Pastagem

Cana Brava 5 36,05 7,21 4,84 28,79 2,42

Lupion 5 36,05 7,21 4,84 31,71 -

Cheiro da

Terra

9 64,89 7,21 10,89 45,63 8,37

São

Cristóvão

6 43,26 7,21 7,26 36,0 -

Ouro Verde 4 28,84 7,21 2,42 26,42 -

Total 29 209,0

9

30,25 168,05 10,79

Fonte: Pesquisa de campo, 2005.

58

Verificou-se que 80% da área do total trabalhado vêm sendo

utilizadas para o cultivo de lavouras temporárias (feijão, milho, mandioca, arroz e

algodão), sendo este último destinado exclusivamente à comercialização, enquanto

que os demais direcionam-se a suprir as necessidades de consumo das famílias,

sendo comercializado apenas o excedente.

A lavoura permanente é representada, em sua totalidade, pelo café

que ocupa 1,21 ha de cada lote e representa 30,25 ha da área. Em menor

proporção, tem-se a pastagem com utilização de 10,79 ha da área, estando

concentrada nas Associações Cana Brava e Cheiro da Terra onde duas famílias

lidam com a atividade agropecuária.

A distribuição das culturas se dá predominantemente nos meses de

outubro e novembro na tradicional safra das águas, quando ocorre o plantio do

algodão, sendo a colheita feita nos meses de março e abril, e, em maio e junho,

planta-se feijão e milho.

Associada à produção agrícola, desenvolve-se a criação de animais

de pequeno porte, aves e suínos, que contribuem para o sustento das famílias e

constitui uma fonte de renda complementar, em certos períodos do ano, conforme

relato de um dos entrevistados, cuja família é formada de cinco pessoas.

A terra é pouca, mas assim mesmo criamos alguns animais (porco, galinha), que ajuda no sustento, porque você tem a carne, o ovo e não depende do armazém, e ainda é possível vender algumas cabeças pra ajudar nas despesas. Isso ocorre principalmente na páscoa e final do ano. O ideal seria a gente ter um projeto para obtenção de uma renda mínima mensal, pra não depender só da plantação, montar uma granja porque aí as mulheres e as crianças podiam cuidar. (PESQUISA DE CAMPO, 2005)

59

A prática de criatório de pequenos animais tem sido corrente entre

as unidades pesquisadas e constitui uma estratégia de reprodução dessas famílias,

mesmo não sendo em grande escala. Outro entrevistado ressalta que “seria

necessário ter uma área de pasto para manter os animais para o sustento”

(PESQUISA DE CAMPO, 2005).

Essas declarações são de fundamental importância para

compreensão da atividade familiar, caracterizada pela produção e consumo que se

traduz em uma unidade de reprodução social, pautada no trabalho familiar, muito

embora se utilizem de mão-de-obra temporária, em épocas de pico, como ocorrem

com a capina do feijão e colheita do algodão.

Observou-se, ainda, que, em grande parte das propriedades,

predomina o cultivo de hortaliças, de onde as famílias extraem a alface, almeirão,

jiló, cenoura, cebolinha verde, pimenta doce, abobrinha e a couve, dentre outros.

Essa prática se acentua mais na época do inverno, por ser mais propício, devido às

condições climáticas.

Mesmo produzidos em pequena escala, esses produtos têm

importância fundamental e, associados ao criatório de pequenos animais, ajudam no

sustento e complementação da produção familiar.

A atividade complementar constitui-se de uma condição básica e

necessária para a reprodução de grande parte das famílias, vez que o ganho obtido,

além de cobrir as necessidades diárias de consumo, permite que parte seja utilizada

para atender o pagamento de despesas na propriedade. Traduz-se em estratégia e

meio de complementação da produção na propriedade.

60

Destaca-se a presença de outra estratégia de reprodução do grupo

familiar, o trabalho assalariado, que alguns membros executam em empresas

agrícolas da região, tornando a economia rural mais dinâmica e diversificada,

criando alternativas de sobrevivência, no que há maior oferta de emprego.

Salientam-se, as atividades de pedreiro, tratorista, transporte de pessoas, retireiro,

entre outros. Estas atividades, extra-unidades de produção agrícola, constituem-se

em um “trabalho acessório”.

Ao se referir ao “trabalho acessório”, desenvolvido pelos pequenos

produtores Graziano (1999, p.10), ressalta que se trata de “pequenos produtores

que, em face da insuficiência dos seus meios de produção são obrigados a vender

sazonalmente sua força de trabalho em outros estabelecimentos agropecuários.”

Verificou-se que essa atividade vem sendo exercida por 44% dos

entrevistados, tendo sido mais representativa, respectivamente, na Associação

Lupion e Cheiro da Terra com 17% e Cana Brava com 10%, enquanto nas

Associações São Cristóvão e Ouro Verde, a dedicação tem sido exclusiva à

propriedade.

3.4 O TAMANHO DA ÁREA

O tamanho da área foi apontado pelos assentados como um dos

fatores limitantes ao desenvolvimento da atividade produtiva, sendo esta atividade

basicamente para o autoconsumo.

Do universo pesquisado, 34% dos proprietários consideram que a

área é suficiente para a subsistência familiar, enquanto que 66% acham

61

insuficiente, tendo em vista o número de pessoas na família, aptas e não aptas ao

trabalho, conforme mostra a tabela 5, mas que dependem economicamente da

atividade produtiva.

Tabela 5 – Distribuição dos Membros da Família por Associação – aptas e não

aptas para o trabalho

Associação Quant. Família Nº pessoas Média Aptas Não Aptas11

Cana Brava 5 19 3,8 15 4

Lupion 5 22 4,4 8 10

São Cristóvão 6 26 3,6 18 8

Ouro Verde 4 13 3,2 7 6

Cheiro da Terra 9 29 3,2 19 1

Totais 2912 109 67 38

Fonte: Pesquisa de campo, 2005.

.

O grau de modernização ou de técnicas destinadas ao aumento e

melhoria da produção ainda é baixo, mantendo-se nos moldes tradicionais, em que

se faz presente o uso da força manual e da tração animal, com técnicas

rudimentares predominantes na maioria dos lotes. Embora não exclua o uso do

trator para mecanização e preparo da terra, em certas épocas do ano, cuja utilização

se dá mediante o pagamento de aluguel por hora trabalhada, ou pagamento do óleo

diesel, como ocorre com os proprietários da Associação Lupion que, em conjunto,

adquiriram um trator, com recursos do Pronaf, destinado à infra-estrutura.

A incidência da modernização nas unidades pesquisadas restringe-

se ao uso de fertilizantes, adubos químicos, herbicidas e sementes selecionadas,

que são adquiridos em cooperativas ou armazéns nas cidades de Centenário do Sul

e Santo Inácio, condicionando o pagamento à época da colheita da safra. Essa

11 São as crianças em idade escolar e os idosos.

62

prática, por sua vez, traz algumas desvantagens aos proprietários, primeiro, porque

o preço a prazo é mais elevado e, em segundo lugar, porque muitos fornecedores

exigem que o pagamento seja feito com o produto, principalmente, quando não

conseguem obter o financiamento do Pronaf, conforme afirmou um integrante da

Associação Cheiro da Terra.

Em 2003 e 2004, não consegui saldar os compromissos com bancos, tendo que recorrer a terceiros (picareta), para adquirir os produtos, em vez de comprar na cooperativa. Os armazéns fornecem sementes, veneno e adubo para pagar na colheita, só que o preço é exorbitante. Na cooperativa, o litro de veneno custa R$ 22,00 e no armazém R$ 31,00. Tem alguns comerciantes que exigem o pagamento com a produção e o preço sempre desvantajoso pra gente. (PESQUISA DE CAMPO, 2005)

Ao tratar desse assunto com outro proprietário da mesma

associação, ele ressalta que “aqui a coisa tá difícil, se o governo não der uma mão,

todo mundo tem que voltar pra cidade, né. Voltar pro corte de cana!” (PESQUISA DE

CAMPO, 2005).

Nesse contexto, há que se ressaltar as dificuldades encontradas

pelos assentados, que consiste na falta de recursos financeiros e orientação técnica

reclamada por 100% dos entrevistados. Alguns lotes já foram repassados a

terceiros, através do processo de venda, mas uma grande parcela ainda continua

sob o domínio dos assentados originais.

Os casos apontados de venda se deram em razão de compromissos

assumidos junto às instituições financeiras, Banco do Brasil, cujos recursos obtidos

foram destinados ao custeio da produção; no entanto, não conseguiram saldar as

dívidas com os resultados obtidos no final do ano agrícola, principalmente, em razão

de períodos de estiagens prolongadas.

12 Na análise considerou-se apenas as famílias entrevistadas.

63

Além desses fatores, muitas famílias ressentem-se de falta de apoio

governamental para subsidiar parte das atividades, e, sobretudo, de pessoal

qualificado para elaboração dos Projetos destinados à obtenção de recursos,

conforme relatou um chefe de família.

No primeiro ano, tivemos assistência, o técnico elaborava o projeto, a gente levava ao Banco e conseguia o dinheiro para o custeio da produção. Agora, nem orientação, a gente recebe. Em Cafeara, o pessoal recebeu recurso a Fundo Perdido do governo federal, aqui não. (PESQUISA DE CAMPO, 2005).

Observa-se que, desde o assentamento das famílias em 2001,

algumas propostas estabelecidas pelo programa não foram cumpridas e, por certo,

alguns instrumentos, pela falta de ordenamento, têm sido descaracterizados, a

exemplo do que relata um dos moradores da Associação São Cristóvão:

No ano de 2004, foram destinados R$ 420,00 (quatrocentos e vinte

reais) por lote para construção de curvas de nível – contenção de água – mas a

operação não foi realizada em todos os lotes e grande parte das propriedades ficou

prejudicada (PESQUISA DE CAMPO, 2005).

São recursos específicos para melhorar as condições do terreno no

interior do assentamento e como forma de apoio à agricultura familiar, mas que se

reveste de um caráter político, na medida em que falta estruturação dos grupos, no

sentido de se organizarem e exigirem do poder público sua devida atuação.

Isso denota que o Programa não atendeu, de maneira satisfatória,

às expectativas das famílias beneficiadas, uma vez que não foi capaz de promover o

desenvolvimento daqueles que lutaram pela terra, na medida em que se evidenciam

vários obstáculos atinentes aos fatores restritivos e limitantes a esse ordenamento.

64

Por outro lado, há que se considerar que, muito embora esse

fatores afetem o desenvolvimento no âmbito do programa, destacam-se também

elementos que potencializam e contribuem sobremaneira para o sucesso, a exemplo

da localização, das condições do relevo e da fertilidade do solo.

3.5 A FORMA DE LUTA – Dinâmica e o novo perfil dos assentados

Com base na pesquisa de campo realizada, alguns indicadores

foram comuns aos cinco grupos, evidenciando que a maioria das famílias procede

da região e que tinham tradição com a agricultura, tendo em vista que sempre

lidaram com atividades agrícolas, conforme revela um dos entrevistados, “desde os

cinco anos já ajudava o meu pai na roça”, e que o trabalho na lavoura foi sempre

uma constante. Poucos foram arrendatários e apenas alguns lidaram com a

pecuária, sendo que trabalhavam como empregados, mas que o forte sempre foi a

agricultura.

Foram unânimes em afirmar que o ingresso no programa deveu-se à

necessidade de ter uma porção de terra para trabalhar, na perspectiva de melhorar

as condições de vida e ser dono de uma porção de terra, e que o preço, a

localização geográfica e a qualidade da terra influenciaram nas decisões.

Dos entrevistados, apenas dois responderam que possuíam outro

imóvel, antes de ingressarem no programa, sendo essa uma condição aceita para

aqueles agricultores proprietários, pela lei que estabelece essa política do Banco da

Terra.

65

Um fato marcante que singulariza a organização dos grupos na fase

inicial está assentado na dinâmica e na constituição de associações formais. Essa

dinâmica combina distintos esforços com os laços de afinidades pessoais,

apontados para uma única direção, que seja a de superar as dificuldades e

promover a inclusão de cada família no ciclo produtivo.

Há que se considerar que a estratégia produtiva nesse caso teve

importância fundamental, porque vem imbuído de experiência, saberes e

conhecimentos diversos, como forma de planejamento para a nova atividade. São

elementos essenciais à reflexão e, por esse motivo, alguns aspectos merecem ser

avaliados, sob a ótica do convívio das famílias, ou seja, da reprodução sócio-

econômica, das relações sociais e a atuação sobre o meio natural, para que se

possa entender os diversos níveis de empreendedorismo frente às ações

estabelecidas.

Portanto, entender a forma de estruturação e organização dos

grupos de forma individualizada, trazendo alguns elementos que se evidenciaram no

decorrer do estudo, emerge da necessidade de conhecer certas particularidades,

mediante as diferentes formas de manifestações nas comunidades.

No caso presente, salienta-se a nova sistematização interna das

famílias, na medida em que assumem a condição de pequenos produtores familiares

e renunciam às antigas práticas tradicionais de trabalhadores assalariados, itinerante

e de submissão pessoal aos proprietários fundiários, para assumirem uma nova

condição. Nessa condição de ser produtor, surge a necessidade que os saberes

adquiridos sejam reelaborados e possam proporcionar a sua integração como

sujeitos ativos na organização do processo produtivo na propriedade.

66

Nesse contexto, são inúmeras as variáveis que atuam de forma

sistemática, traduzindo-se em fatores de ordem física ou natural, que pela sua

natureza podem potencializar ou restringir essas atividades. Considera-se nesse

sentido as condições climáticas, qualidade da terra, uso adequado do solo, a

incorporação de recursos tecnológicos de baixo custo e orientação técnica, dentre

outras.

Portanto, não se trata simplesmente de uma nova condição, a de ter

a terra para cultivar, mas de uma nova realidade, cuja identidade e forma de

inserção manifestam-se por meio do estabelecimento de uma relação direta com as

regras do mercado produtivo, que irá permitir ao agricultor integrar-se

profissionalmente no mercado, e passar a produzir, a partir de uma visão econômica

– o que significa geração de renda e de emprego, além de maior oferta de alimentos.

Ao assumir esse perfil, de pequeno produtor rural, cuja produção

está voltada à economia familiar ou de subsistência nos moldes tradicionais, requer

também uma nova dinâmica, mediante a adoção de estratégias apropriadas na

perspectiva de alcançar os resultados almejados, em conformidade com os índices

de desenvolvimento econômico, ou seja, procurando orientar o seu sistema de

produção e organização do trabalho pela lógica do mercado.

Sob tais prismas, pretende-se demonstrar que, entre os grupos, as

diferenças de reprodutibilidade são marcantes, considerando-se, no caso em estudo,

as características e condições de igualdades que permearam e orientaram esses

novos atores sociais, pois passaram a figurar como agricultores familiares, inseridos

numa política pública de caráter social e produtivista, uma vez que o trabalho

produtivo passa a ser o determinante do desenvolvimento econômico.

67

CAPÍTULO IV

ASPECTOS TOPOLÓGICOS E CONDIÇÕES SÓCIO-AMBIENTAIS

Tendo em vista os fatores apontados e a abordagem feita acerca da

formação e estruturação dos grupos, pretende-se, a partir de tais elementos e

mediante a experiência vivida, via pesquisa de campo, apresentar informações

empíricas sobre o desenvolvimento das atividades e práticas produtivas e a forma de

convivência no âmbito do assentamento.

Torna-se imperativo ressaltar as particularidades, habilidades,

capacitação e os saberes, individual e coletivo, que permeiam o interior desta

comunidade, pois são expressões significativas que orientam o desempenho da

prosperidade, ou não, desta célula social.

Em seguida, avaliar sob o ponto de vista das políticas públicas

adotadas pelos governos, em especial àquelas destinadas ao fortalecimento da

agricultura familiar, aspectos da sustentabilidade e operacionalização da área

estudada, no tocante à fixação do homem no campo, frente ao propalado processo

de modernização da agricultura e, ainda, diante da necessidade de incremento da

produção.

Entende-se que esses elementos são primordiais à análise das

políticas públicas voltadas à fixação do trabalhador rural no campo, tendo em vista

os mecanismos e modelos pré-elaborados, assentados numa lógica produtivista,

pautado, sobretudo, em processos produtivos e geração de renda dentro da unidade

de produção - incentivada pelo modelo modernizante – sem levar em conta muitas

vezes outras variáveis que atuam no entorno de uma comunidade, mas que trazem

68

desafios e dificuldades, operando como fatores condicionantes ao sucesso ou não

de determinada atividade.

Sob esta ótica, vale lembrar que os assentados são produtores

tradicionais que praticam culturas de subsistência, tendo como âncora o feijão, o

milho e a mandioca e, em menor escala, o arroz, que apresentam menor

lucratividade, mas, pela sua natureza, tem reflexo direto no custo de vida. Nesse

sentido, Graziano (1982, p.31) ressalta que

[...], a produção de alimentos fica relegada aos estabelecimentos que estão naturalmente impossibilitados de assumir um comportamento empresarial (pequenos proprietários, arrendatários, parceiros e ocupantes) que basicamente produzem a sua própria subsistência gerando um pequeno excedente para o mercado.

4.1 AVALIAÇÃO DAS CONDIÇÕES GERAIS DO ASSENTAMENTO

O estudo realizado tomou como parâmetro, para avaliação das

condições gerais do assentamento, os dados primários coletados pela aplicação de

questionário (anexo 1) às famílias, cuja representação foi de 55,76% da amostra,

tendo havido maior representação na Associação Cheiro da Terra com 17,30 % das

famílias entrevistadas, visto que possui maior número de famílias morando nas

propriedades, seguida da Associação São Cristóvão com 11,53%. A tabela 6, ilustra

de forma sistemática esse quadro.

69

Tabela 6 - Representação do Grupo Familiar entrevistado, por Associação

Identificação Famílias Entrevistas %

Associação Cana Brava 11 5 9,62

Associação Lupion 10 5 9,62

Associação Cheiro da Terra 11 9 17,30

Associação São Cristóvão 10 6 11,53

Associação Ouro Verde 10 4 7,69

Totais 52 29 55,76

Fonte: Pesquisa de campo, 2005

Observa-se que o número de famílias, que moram nas

propriedades, ainda é muito pequeno, sendo mais expressivo nas Associações

Cheiro da Terra e Lupion. Na associação Cana Brava, apenas duas famílias estão

instaladas, enquanto que as demais ainda permanecem nos locais de origem,

cidade de Lupionópolis e patrimônio Mairá, tendo em vista que não conseguiram

construir suas moradias, por falta de recursos financeiros.

Essa tem sido a situação corrente entre os grupos, conforme

manifesta o dono de um lote na Associação Cheiro da Terra, que trabalha como

empregado assalariado numa usina da região e, também, no corte de cana, sua

atividade principal.

Ao justificar por que não mora na propriedade, argumentou o

seguinte: “No Brasil, não há estímulo para o pequeno produtor rural, se morar aqui

com a produção obtida, não consigo pagar a terra, se pagar a terra, não tenho como

me manter” (PESQUISA DE CAMPO, 2005).

Tal fato se manifesta na maioria dos beneficiários e reflete a

situação geral do pequeno produtor rural, que não dispõe de recursos suficientes

para se manter e arcar com os custos operacionais da propriedade (mecanização,

70

adubos, fertilizantes, entre outros), que oneram sobremaneira o custo da produção.

No caso presente, um agravante, ainda tem que pagar a terra.

Atualmente, o programa não exige que as famílias beneficiadas

morem na propriedade; no entanto, terão que manter uma relação constante com a

área adquirida. Essa liberalidade está condicionada às características da região, que

é essencialmente agrícola, e que as famílias estão diretamente ligadas à atividade

agrícola.

4.2 CONDIÇÕES NATURAIS E SÓCIO-ECONÔMICAS

4.2.1 – Perfil dos Chefes de Famílias

De acordo com o estudo realizado, verificou-se que a faixa de idade

dos chefes de famílias situa-se entre 20 e 70 anos, com uma média de 43 anos de

idade. Observa-se na figura 10, que ocorre uma concentração na faixa etária entre

30 e 50 anos, o que demonstra a capacidade produtiva dos mesmos.

DISTRIBUIÇÃO DOS CHEFES DE FAMILIAS DE ACORDO COM A FAIXA ETÁRIA

0

2

4

6

8

10

12

20 |- 30 30 |- 40 40 |- 50 50 |- 60 60 |- 70

Faixa etária

freq

üênc

ia

Figura 10 – Distribuição dos Chefes de Famílias de Acordo com a Faixa Etária Fonte: Pesquisa de campo, 2005.

71

O nível de instrução por sua vez é baixo, tendo a maioria apenas o

primeiro grau incompleto. Em média, o grupo familiar é constituído por 4 ou 5

pessoas, Tabela 5, considerando os filhos menores que também auxiliam nas

atividades diárias.

Muito embora o desenvolvimento das atividades agrícolas nas

propriedades seja feito por membros das famílias, que em geral trabalham entre oito

e nove horas por dia, em certas épocas do ano, faz-se necessária a contratação de

pessoas para realizarem trabalhos de capina e colheita, principalmente na safra do

feijão e na colheita do algodão. Graziano (1982, p. 127), ao se reportar às atividades

nas pequenas unidades familiares.

Na grande maioria dos casos, o que se observa ainda hoje é a presença de pequenas unidades familiares onde os produtores se organizam com base no trabalho da família e com ajuda de trabalhadores contratados apenas temporariamente em épocas determinadas de ciclo produtivo (na colheita, por exemplo) e com um nível muito baixo de tecnificação.

A grande parte da renda das famílias provém dessa exploração

agrícola, mas há casos diferentes em que um dos membros da família é obrigado a

exercer outra atividade em tempo integral, a fim de complementar a renda familiar, já

que o ganho produzido pela propriedade não tem sido suficiente para a manutenção.

Desse modo, muitos chefes de famílias exercem atividades

assalariadas durante a semana, principalmente no corte de cana, e somente aos

domingos e feriados se dedicam à atividade na propriedade, que fica sob os

cuidados de outros membros da família, geralmente a esposa, que se constitui num

elemento fundamental no processo produtivo na unidade de produção camponesa,

conforme argumenta Santos(1984 apud ANTONELLO, 1996, p.23).

72

[...] cada família camponesa desempenha um trabalho útil e concreto, segundo o momento e a necessidade. Desse modo, estrutura-se no interior da família uma divisão técnica do trabalho, articulada pelo processo de cooperação, resultando numa jornada de trabalho combinada dos vários membros da família. Nesse sentido, a família camponesa transforma-se em um trabalhador coletivo.

Isso demonstra que, em geral, as famílias empreendem uma luta

diária na propriedade e, com muito entusiasmo, combinam as atividades agrícolas e

às complementares, mantendo, ainda, a criação de alguns animais para o consumo

da família, e, por vezes, destinando parte ao mercado, conforme relata a esposa de

um dos assentados “Pretendo criar também alguns carneiros, quero diversificar

bastante as atividades dentro da propriedade” (PESQUISA DE CAMPO, 2005).

Observa-se que a gestão da propriedade é predominantemente

familiar, em que a família trabalha diretamente, com ou sem o auxílio de terceiros, e,

nessa relação direta, tem-se uma unidade de produção e consumo, que se constitui

a partir da operacionalização das atividades, formando as cadeias produtivas que

estão pautadas na gestão da atividade familiar.

4.2.2 MEIO AMBIENTE E ATIVIDADE PRODUTIVA

Nesse contexto, há que se avaliar o sistema de produção agrícola e

as práticas adotadas nas propriedades, tendo em vista a reduzida área de que

dispõem para combinação de culturas e criações com os recursos disponíveis para

implementar as atividades.

Identificam-se na região solos do tipo Latossolo Vermelho Distrófico

(Led2) A moderado, textura argilosa, fase floresta subperenefólia, relevo suave

ondulado e praticamente plano.

73

Portanto, a presença da agricultura familiar recai

predominantemente sobre produtos básicos como o milho, arroz, feijão, café,

mandioca e algodão, distribuídos de acordo com o calendário agrícola, ou seja, nos

meses de maio e junho, planta-se feijão e milho, outubro e novembro, o algodão.

Muito embora o solo seja favorável ao cultivo dessas lavouras, os

resultados alcançados nas últimas safras foram pouco significativos, refletindo

seriamente nas condições financeiras de grande parte das famílias que ficaram

impossibilitadas de saldar os compromissos com as instituições financeiras, tendo

em vista que utilizam o financiamento do Pronaf para o custeio da produção.

Vários fatores têm contribuído nesse sentido, sejam as condições

climáticas, índices pluviométricos, situação financeira dos assentados ou mesmo

aqueles de ordem técnica, que têm se constituído num dos principais obstáculos ao

desenvolvimento das atividades na área. Todos foram unânimes em afirmar que

receberam orientação técnica apenas no primeiro ano e depois “foram

abandonados”.

Avaliando a situação, um técnico da EMATER-PR ressaltou que

existe carência de pessoal técnico para atender setores individualizados, o que tem

sido feito são reuniões pontuais com os grupos, muito embora o ideal seria que as

famílias recebessem orientação técnica, desde o preparo do solo na época certa até

o controle efetivo de pragas.

Isso não significa dizer que o sistema de produção adotado não

seja viável; no entanto, está condicionado às potencialidades e particularidades de

cada local, haja vista que, no caso em estudo, são mínimas as condições de

absorção das técnicas produtivas, que envolvem o uso de equipamentos modernos

74

e técnicas adequadas ao incremento da produção, conforme apregoa a propalada

modernização da agricultura.

No assentamento, prevalece, ainda, o uso de técnicas tradicionais

de preparação e cultivo do solo, com um grau mínimo de modernização, que está

condicionado ao uso de defensivos agrícolas e fertilizantes químicos e orgânicos,

predominantes em 100 % das propriedades. No que tange ao preparo do solo, a

mecanização da terra é feita de forma combinada, no qual se conjuga o uso da força

mecânica, trabalho manual e a tração animal em que o arado é fortemente utilizado.

Vale ressaltar que o uso da força mecânica (trator) não é utilizada

em todas as etapas do processo produtivo, pois restringe-se a preparação do solo e,

em alguns casos, na aplicação de defensivos por ocasião do cultivo do algodão, vez

que a maioria se utiliza de máquina costal, evitando assim o pagamento de aluguel

do trator.

A força mecânica tem sido mais intensiva entre os membros da

Associação Lupion que adquiriram um trator para uso coletivo, devendo cada

membro efetuar apenas o pagamento do combustível gasto na operação.

Vale salientar, que mesmo em áreas de tamanho reduzido, o

emprego de meios modernos de produção ensejaria uma maior produtividade e

consequentemente o fortalecimento da atividade agrícola, na medida em que irá

resultar em aumento de renda. Segundo Souza (1996, p.86), “A utilização de

técnicas, máquinas e equipamentos agrícolas, sementes selecionadas, sistema de

silagem, adubação e irrigação, constituem componentes básicos para o processo de

modernização”.

Observou-se que a organização produtiva não está ancorada num

envolvimento pleno das famílias, no sentido de constituir uma base sólida para o

75

desenvolvimento das atividades internas e trocas de experiências, no que se refere

à produção propriamente dita e obtenção de melhores resultados. Algumas

diferenciações entre os grupos são marcantes e se expressam pelo nível de

formação, condições financeiras e ausência de união.

Por outro lado, observa-se que existem casos expressivos de

ações que denotam o espírito empreendedor de algumas famílias. Evidenciam-se os

casos de maior envolvimento na gestão familiar de unidade de produção, o que

permite maior adaptabilidade e possibilidade de êxito, tendo em vista a experiência

adquirida.

Com o intuito de apresentar de forma geral as condições

econômicas em que estão submetidas às famílias assentadas, tomou-se como

exemplo o principal produto comercializável, isto é, o algodão. Na tabela 7, é

possível observar os dados sobre a produção bruta e líquida desse produto.

Tabela 7 – Demonstrativo dos custos com a produção do algodão por área13 cultivada em

2005.

Área Plantada hectares

Produção Kg

Impurezas

30%

Produção Líquida

Kg

Preço pago pela colheita - p/ arroba

R$

Custo total

R$

Valor da venda14

R$

Valor líquido

apurado15

R$

6,5 7.500 2.250 5.250 3,00 1.500,00 4.375,00 2.875,00

Fonte: Pesquisa de campo, 2005.

Esses dados evidenciam que o resultado final auferido pelo

produtor na colheita é muito reduzido, tendo em vista que, no caso em análise, não

13 Tomou-se como referência uma unidade da Associação Cheiro da Terra. 14 Refere-se ao preço por arroba (15 kg), pago em 2005, que foi de R$ 12,50 para os produtos sem impurezas. 15 O valor líquido apurado refere-se ao total colhido sem impurezas, 350 arrobas já deduzido o custo com a mão-de-obra da colheita.

76

estão computados os custos com adubação, defensivos, mão-de-obra empregada

pela família a contratada eventualmente, e ainda o prazo de retorno desta colheita,

que gira em torno de seis meses.

Ressalte-se que, logo após a colheita, o produtor terá que

promover “a destruição total dos restos da cultura do algodão, pelos métodos de

arranquio, queima ou roçada baixa”, (PARANÁ,1993).

Essa prática tem como principal objetivo manter medidas que

evitem a propagação de bicudo (Anthonomus grandis, Boheman) no Estado do

Paraná. A mesma resolução determina que a incorporação da roçada deverá ocorrer

até o dia 30 de junho de cada ano, sob pena do produtor ser responsabilizado.

Essa prática, porém, é corrente em todas as unidades e exige um

esforço muito grande das famílias para superar os obstáculos, cujos desafios

definem as estratégias e as condições necessárias à sobrevivência, condicionada à

forma de luta em que combinam os meios de produção disponível e a força do

trabalho familiar.

77

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Historicamente, a questão da propriedade e uso da terra tem sido

alvo de estudos, pesquisas e debates de diversas instituições, que procuram

conhecer com maior profundidade os aspectos que norteiam a forma de ocupação e

produção da terra, seja pela ótica do status de mercadoria ou pela sua função social.

Trata-se de uma questão complexa, visibilizada pelas lutas dos

movimentos sociais no campo, advinda dos setores excluídos do acesso à terra, que

buscam o reconhecimento da sua cidadania.

O trabalho ora desenvolvido pautou-se sobre esse prisma, de

múltiplas dimensões e particularidades, procurando entender as formas de inserção

e reprodução das famílias beneficiadas pelo programa Banco da Terra, tendo como

parâmetro as atividades desenvolvidas no âmbito do assentamento Cheiro da Terra

e outros.

Os elementos extraídos da investigação, destinados a subsidiar o

estudo, demonstram certo descompasso na política agrícola que aponta na direção

da democratização da propriedade da terra, mediante a fixação do homem no

campo, para a geração de renda e possibilitando a sua própria manutenção, tendo

como conseqüência o fortalecimento da agricultura familiar.

A observação feita revela que essa política não está alicerçada em

um planejamento estratégico constituída por elementos necessários ao

desenvolvimento das ações pelos beneficiários, a saber: utilização de técnicas

adequadas, insumos modernos, apoio governamental, no tocante ao crédito

78

subsidiado e políticas de preços, considerando, ainda, o reduzido tamanho da

propriedade.

Desse modo, observa-se que os beneficiários (assentados),

inseridos nesse contexto, como gestores de suas unidades produtivas, deparam com

inúmeras adversidades. Para tanto, resta-lhes, como estratégia de reprodução

subordinar-se ao grande capital.

Esta subordinação se dá, mediante a execução de atividades

complementares que traduz-se como uma necessidade para complementação da

renda da atividade agrícola na propriedade.

Outro fator importante a ressaltar é que, decorridos quatro anos da

implantação do programa na área de estudo, apenas 46% das famílias se fixaram

nas propriedades, em sua maioria descapitalizados e propensas a retornarem às

atividades que exerciam antes, de arrendatários, retireiros ou volantes.

Aliado a esse processo de reordenamento fundiário, em parte mal

sucedido, pela sua forma de estruturação, a qualidade de vida dessas famílias torna-

se comprometida pela falta de acesso à educação, higiene e saúde, uma vez que

não conseguiram atingir a estabilidade econômica em níveis satisfatórios.

Essa situação parece ser corrente e se assemelha muito aos

estudos de caso dessa natureza, tendo grande influência nesse viés a forte

concentração da propriedade e políticas públicas ineficientes.

Vale ressaltar que na Mesorregião Norte Central Paranaense, na

qual se insere a área do estudo, os pequenos e médios estabelecimentos, com área

inferior a 50 ha, representam 83,9%, mas ocupam apenas 27,6% da área, conforme

dados censitários do ano de 1995/96.

79

Esses elementos, somados à falta de política específica, falta de

organização dos grupos no ordenamento equilibrado de suas ações, no tocante à

competitividade e qualificação, necessário ao desenvolvimento sustentável da

produção familiar, indicam o insucesso dos grupos.

Depreende-se de todo o exposto que, muito embora algumas ações

apontem para mudanças no rumo do fortalecimento da agricultura familiar, sob o

ponto de vista social e econômico, os objetivos, ainda, não estão claramente

definidos.

Observa-se, no entanto, que não existe política agrícola definida, o

que se representou são medidas compensatórias, que não garantem a reprodução

sócio-econômica desses trabalhadores em sua totalidade.

80

REFERÊNCIAS

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ANTONELLO, I. T. Força de Trabalho Familiar: Célula da Reprodução Camponesa. In: SANTOS, L.S. (Org.) Camponeses de Sergipe: estratégias de reprodução. Aracaju, NPGEO/UFS, 1996. P.17-44.

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ANEXOS

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QUESTIONÁRIO

PROGRAMA BANCO DA TERRA – PERFIL SÓCIO ECONÔMICO DOS

PROPRIETÁRIOS - PESQUISA DE CAMPO. GRUPO: .................................................................................................................... DATA___/____/ 2005. IDENTIFICAÇÃO:.......................................................................................................

1. Caracterização da Área

1) Antiga Fazenda São Paulo 2) Como era utilizada a área antes da aquisição pelo Programa: ( ) pastagem ( )

cultivo de lavoura mecanizada 3) O que estava sendo cultivado? – ( ) soja ( ) algodão ( ) trigo ( ) cana-de-

açúcar ( ) outras 4) Qual era a infra-estrutura básica existente? ( ) rede de energia ( ) rede de

água ( ) estradas internas 5) Tipo de solo: ...............................................................................................

2. Aspectos pessoais do adquirente

Origem:....................................................................................................................... Mora na propriedade ( ) sim ( ) não Estado Civil: ( ) solteiro ( ) casado ( ) separado ( ) outros Idade............... Sexo: ( ) masculino ( ) feminino Escolaridade: ( ) primário ( ) não estudou

( ) Ensino fundamental ( ) Primeiro grau: ( ) completo ( ) incompleto ( ) Segundo grau: ( ) completo ( ) incompleto

3. Função Social

Tinha alguma tradição com a agricultura? ( ) sim ( ) não Comentário:................................................................................................................ O que o levou a ingressar no Programa: ( ) movimento de trabalhadores sem terra ( ) perspectivas de melhora ( ) necessidade de ter uma porção de terra para trabalhar ( ) distribuir para os filhos ( ) cultivar ( ) arrendar ( ) criar gado ( ) já possuiu outro imóvel antes? ( ) sim ( ) não Considera a terra de boa qualidade ( ) sim ( ) não Quantos membros da família trabalham na propriedade? ..................................................... Dedica-se à atividade agrícola na propriedade em tempo integral? ( ) sim ( ) não Quantas horas/dias são dedicados a atividade agrícola? ....................................................... Contrata alguém eventualmente? ( ) Sim ( ) Não. Qual época do ano?.................... Exerce alguma outra atividade para complementar a renda familiar? ( ) sim ( ) não Qual?.......................................................................................................................

O que mais influenciou na escolha da área? ( ) preço ( ) localização ( ) qualidade da terra Após a aquisição, como foi feita a determinação dos lotes para os membros dos grupos? .................................................................................................................................... Acha que o tamanho da área é suficiente para subsistência familiar? ( ) sim ( ) não Acha que os juros cobrados pelo Programa são atraentes? ( ) sim ( ) não Qual o valor destinado à infra-estrutura? R$.................................................. Que tipo de infra-estrutura é exigida pelo Programa?...................................................................................................................................................................................................................................................... Qual o prazo para pagamento do financiamento? ........anos - carência...........anos Está contente com a aquisição? ( ) sim ( ) não Quais as dificuldades que tem encontrado? ( ) falta de orientação técnica ( ) falta de recursos financeiros ( ) falta de incentivos governamentais ( ) comercialização dos produtos ( ) política de preços ............................................................................................................................... Em sua opinião, quais melhorias deveriam ser adotadas para o Programa? ......................................................... Que tipo de imposto paga pelo uso da propriedade?

1. Distribuição das culturas:

Jan Fev Março Abril Maio Junho Julho Agosto Set Out Nov dez

11. Recebe orientação técnica? Sim ( ) não ( )

Utiliza defensivos agrícolas? Sim ( ) não ( ) Utiliza insumos para fertilidade da terra? Sim ( ) Não ( ) De que forma efetua a mecanização da terra? Tração animal ( ) trator ( ) Utiliza financiamento do PRONAF? Sim ( ) não ( ) Qual o valor do financiamento? R$......................................... O valor tem sido suficiente? sim ( ) não ( ) Possui equipamentos e implementos agrícolas necessários à produção? Quais......................