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Revista SÍNTESE Direito Imobiliário ANO IV – Nº 21 – MAIO-JUN 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Saletti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Cleiton Soares de Souza, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, Jaques Bushatsky, José de Anchieta da Mota e Silva, Leandro Soares Lomeu, Luana Cristina Coutinho Orosco Plaça, Marcelo Krug Fachin Torres, Marcelo Manhães de Almeida, Marijane Fernanda Cassarotte, Raul Monegaglia, Robson de Oliveira ISSN 2236-1553

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Revista SÍNTESEDireito Imobiliário

Ano IV – nº 21 – MAIo-Jun 2014

ReposItóRIo AutoRIzAdo

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIRetoR executIVo

Elton José Donato

GeRente edItoRIAl e de consultoRIA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Simone Costa Saletti Oliveira

conselho edItoRIAl

Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho

colAboRAdoRes destA edIção

Cleiton Soares de Souza, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, Jaques Bushatsky, José de Anchieta da Mota e Silva, Leandro Soares Lomeu,

Luana Cristina Coutinho Orosco Plaça, Marcelo Krug Fachin Torres, Marcelo Manhães de Almeida, Marijane Fernanda Cassarotte,

Raul Monegaglia, Robson de Oliveira

ISSN 2236-1553

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Imobiliário.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço: [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Imobiliário. – Vol. 1, n. 1 (jan./fev. 2011)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v.; 23 cm.

Bimestral. v. 4, n. 21, maio/jun. 2014

ISSN 2236-1553

1. Direito imobiliário.

CDU 347.453 CDD 342.1242

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, publicamos como Assunto Especial o tema ”Direito de Preferência”. Sobre o tema escolhido se-lecionamos quatro relevantes artigos dos ilustres juristas: Robson de Oliveira e Chrystiane Domingos, Luana Cristina Coutinho Orosco Placa, Marijane Fernanda Cassarotte e Cleiton Soares de Souza.

E, ainda, na Seção Especial ”Em Poucas Palavras”, artigo de Raul Monegaglia intitulado ”Direito de Preferência nos Contratos de Locação”.

O direito de preferência refere-se à possibilidade que o titular de um dado direito tem, por vezes, de fazer valer esse seu direito antes de outras pes-soas poderem posteriormente fazer valer o delas sobre a mesma coisa.

O art. 27 da Lei nº 8.245/1991 prescreve que

no caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direi-tos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.

Na Parte Geral selecionamos um vasto conteúdo, para mantermos a qua-lidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do Direito, tais como: Marcelo Manhães de Almeida, José de Anchieta da Mota e Silva, Jaques Bushatsky, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza e Leandro Soares.

Por fim, na Seção “Estudos Jurídicos”, artigo de autoria de Marcelo Krug Fachin Torres intitulado “Do Contraditório no Registro de Imóveis”.

Não deixe de ver nossa seção “Bibliografia Complementar”, que traz su-gestões de leitura complementar aos assuntos abordados na respectiva edição da Revista.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto EspecialDireito De Preferência

Doutrinas

1. O Direito de Preferência na Alienação de Quinhão em Imóvel Integrante de Condomínio NecessárioRobson de Oliveira ...................................................................................9

2. Direito de Preferência na Lei nº 8.245/1991Luana Cristina Coutinho Orosco Plaça ....................................................13

3. O Direito de Preferência e Suas PeculiaridadesMarijane Fernanda Cassarotte .................................................................22

4. O Estatuto da Terra Não Garante o Direito de Preferência na Compra do Imóvel Objeto da Parceria AgrícolaCleiton Soares de Souza ..........................................................................53

em Poucas Palavras

1. Direito de Preferência nos Contratos de LocaçãoRaul Monegaglia .....................................................................................56

JurisPruDência

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ..........................................................................57

2. Ementário ................................................................................................70

Parte GeralDoutrinas

1. Valor Venal de Referência para Fins de Recolhimento de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis na Cidade de São PauloMarcelo Manhães de Almeida .................................................................75

2. A Renovação do Contrato de Locação com Prazo Certo, sem a Anuência do Garantidor – Irresponsabilidade do FiadorJosé de Anchieta da Mota e Silva ............................................................80

3. Ação Judicial para Liberação de Hipoteca e Obtenção de Escritura DefinitivaJaques Bushatsky .....................................................................................88

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4. O Princípio da Segurança Jurídica e o Sistema Registral ImobiliárioEduardo Pacheco Ribeiro de Souza .........................................................94

5. O Condomínio de FatoLeandro Soares Lomeu ..........................................................................104

JurisPruDência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................123

2. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................134

3. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .................................................142

4. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios .........................146

5. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ......................................152

6. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ................................................157

7. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ..............................169

8. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ....................................172

9. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ...........................................180

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência ..................................................................184

Seção Especial

estuDos JuríDicos

1. Do Contraditório no Registro de ImóveisMarcelo Krug Fachin Torres ..................................................................215

Clipping Jurídico ..............................................................................................239

Bibliografia Complementar .................................................................................244

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................245

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebi-do e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. No caso de publicação dos artigos enviados, não serão devidos direitos autorais, remuneração ou qualquer espécie de contraprestação a seus autores, sendo apenas enviado um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, ficando, ainda, a critério do Editor a seleção e aprovação para publicação, a qual será comu-nicada ao autor.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurídicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pes-quisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-

bico”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Direito de Preferência

O Direito de Preferência na Alienação de Quinhão em Imóvel Integrante de Condomínio Necessário

ROBSON DE OLIVEIRAAdvogado, Pós-Graduado em Direito Imobiliário, Militante na Área de Direito Imobiliário do Escritório Demarest Advogados, Especialista em Direito Imobiliário.

COLABORAçãO: ChRySTIANE DOmINgOSMilitante na Área de Direito Imobiliário do Escritório Demarest Advogados.

Primeiramente, cumpre definir o instituto do condomínio, situação por meio da qual dois ou mais indivíduos são proprietários do mesmo bem. No entender do ilustre Jurista Caio Mário da Silva Pereira, define-se condomínio da seguinte forma:

Dá-se condomínio quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, ca-bendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes. [...] A cada condômino é assegurada uma quota ou fração ideal da coisa, e não uma parcela material desta. Cada cota ou fração não significa que a cada um dos coproprietários se reconhece a plenitude dominial sobre um frag-mento físico do bem, mas que todos os comunheiros têm direitos qualitativamen-te iguais sobre a totalidade dele, limitados, contudo, na proporção quantitativa em que concorre com os outros coproprietários na titularidade sobre o conjunto.1

Já no que diz respeito à alienação de quota-parte a terceiros, cumpre ob-servar que, primeiramente, o coproprietário deverá comunicar sua intenção aos demais consortes, para que estes exerçam seu direito de preferência, conforme o disposto no art. 504 do Código Civil Brasileiro, in verbis:

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a es-tranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.

1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 175/176.

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10 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 21 – Maio-Jun/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Apenas para corroborar tal entendimento, o eg. Superior Tribunal de Jus-tiça manifesta-se no mesmo sentido, conforme se vê:

Civil. Recurso especial. Condomínio. Alienação de parte ideal por condômino. Estado de indivisão do bem. Direito de preferência dos demais condôminos.

Na hipótese de o bem se encontrar em estado de indivisão, seja ele divisível ou indivisível, o condômino que desejar alienar sua fração ideal do condomínio deve obrigatoriamente notificar os demais condôminos para que possam exercer o direito de preferência na aquisição, nos termos do art. 1.139 do CC 1916.

Precedentes da Quarta Turma.

Recurso especial conhecido e provido.

(STJ, REsp 489.860, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 27.10.2004)

Neste mesmo sentido é o entender do col. Tribunal do Estado do Paraná, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE PREFERÊNCIA CUMULADA COM DEPÓSITO JUDICIAL DO PREÇO – COMPRA E VENDA – CONDOMÍNIO PRO INDIVISO – QUOTA IDEAL – NECESSIDADE DE CONSENTIMENTO DOS DEMAIS CON-DÔMINOS E DIREITO DE PREFERÊNCIA – APLICAÇÃO DO ART. 504 DO CÓ-DIGO CIVIL DE 2002 (ART. 1.139 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916) – SENTENÇA CASSADA – REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO – Em se tratando de condomínio pro indiviso, ou seja, em que os con-dôminos são proprietários de porções ideais, que não foram previamente defini-das, embora o imóvel seja faticamente divisível (área superior ao módulo rural), para que haja a divisão da coisa comum faz-se necessário, primeiramente, o consentimento dos demais condôminos, bem como que seja observado o direito de preferência destes, o que não ocorreu no caso em tela. Ante a inobservância do direito de preferência, a sentença deve ser cassada, devendo os autos retorna-rem à origem para o prosseguimento do feito, inclusive com a citação do terceiro adquirente do imóvel, o qual é litisconsorte necessário, nos termos do art. 47 do Código de Processo Civil.

(TJPR, 18ª C.Cív., Rel. Luiz Mateus de Lima, Data de Julgamento: 05.10.2005)

Assim, é de fácil constatação a obrigatoriedade da oferta da quota-parte aos demais proprietários do bem em condomínio.

Na hipótese de a alienação ocorrer sem que haja a notificação dos de-mais condôminos para exercer ou não a preferência, a jurisprudência entende pela nulidade do ato jurídico.

Assim é o entendimento do ilustre Desembargador Luiz César Nicolau, integrante do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, nos autos da Apela-ção nº 419.059:

A falta de comunicação/notificação do condômino interessado em alienar a sua cota-parte na comunhão de qualquer bem imóvel aos demais comunheiros, para

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RDI Nº 21 – Maio-Jun/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������� 11

que possam exercer o direito de preferência, via de consequência, importa na nulidade do ato jurídico, bem assim do próprio documento público formalizador do ato, impondo-se, desse modo, o acolhimento da pretensão desenvolvida re-tratada na petição inicial.

Importante observar que, considerando o prazo de 180 dias previsto no art. 504 do Código Civil, o negócio jurídico deixará de ser nulo e passará a anulável no momento em que os condôminos interessados tomarem ciência da transação.

Neste momento, os coproprietários terão, no prazo de 180 dias, a libera-lidade de ajuizar uma ação judicial, tecnicamente conhecida por adjudicação compulsória, devendo depositar o valor estipulado do negócio, com o fim de reivindicar para si a quota-parte alienada a terceiro estranho.

Além disso, na hipótese de a notificação da alienação da quota-parte ser enviada aos demais coproprietários, estes deverão manifestar seu direito de preferência na aquisição. Nesse caso, embora o Código Civil, em seu art. 504, não defina prazo específico para tal manifestação, esta deverá ser realizada em prazo razoável.

Neste sentido é o entender dos atualizadores da obra do ilustre jurista Pontes de Miranda, conforme demonstra-se:

A falta de previsão no Código, a melhor forma de suprir a lacuna do art. 504 está nas seguintes teses: (a) o condômino-alienante é livre para assinar um prazo de resposta aos outros coproprietários; (b) esse período deveria conferir tempo ra-zoável à reflexão dos afrontados, assim entendido um prazo não inferior a trinta dias. O efeito da inércia dos demais condôminos é a perda do direito de prefe-rência que se lhes atribuiu o art. 504.2

Não obstante o quanto anteriormente exposto, importante salientar que o Código Civil Brasileiro, em diversos temas, considerou como prazo razoável aquele não inferior a trinta dias, conforme se pode comprovar na leitura dos arts. 303, 592, 1.081, § 1º, 1.109, 1.145 e 1.481 e, taxativamente, o art. 1.807.

Com relação à legislação esparsa, encontramos na Lei nº 6.404/1976 (“Lei das S/A”), em seu art. 171, § 4º, previsão de que o prazo para exercício do direito de preferência em caso de venda de quotas é de, no mínimo, 30 dias.

Importante analogia, por fim, encontra-se ainda na Lei nº 8.245/1991 (“Lei de Locações”), a qual prevê, em seu art. 28, o prazo de trinta dias, após ter sido notificado, para o locatário exercer o seu direito de preferência.

Assim, concluímos que (i) a venda de quota-parte de condomínio tem como premissa indispensável à sua validade a notificação dos demais condô-

2 PONTES DE MIRANDA. Direito das coisas: condomínio, edifício de apartamentos. Atualizado por Jefferson Carús Guedes, Otávio Luiz Rodrigues Júnior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

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12 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 21 – Maio-Jun/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

minos para que possam exercer ou não o seu direito de preferência; (ii) o prazo para resposta, embora não assinalado pela lei deve ser um prazo considerado razoável para que o notificado tenha a oportunidade de avaliar a proposta re-cebida pelo condômino, assim como os documentos relativos à proposta ven-da; (iii) entendem a doutrina e a jurisprudência que um prazo razoável não seria inferior a trinta dias; (iv) a falta de notificação dos demais condôminos para que exerçam o direito de preferência acarreta a nulidade do ato de venda; (v) o condômino preterido no seu direito de preferência tem o direito de, no prazo de 180 dias após tomar conhecimento da venda, depositar o preço pago pelo terceiro e requerer a adjudicação compulsória para si do quinhão vendido; e (vi) da data em que o condômino tomar conhecimento da venda até o final do prazo de 180 dias que se seguem, o ato de venda passa a ser anulável.

REFERÊNCIASAGHIARIAN, Hércules. Curso de direito imobiliário. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil comentado. Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

PONTES DE MIRANDA. Direito das coisas: condomínio, edifício de apartamentos. Atualizado por Jefferson Carús Guedes, Otávio Luiz Rodrigues Júnior. São Paulo: Revis-ta dos Tribunais, 2012. Coleção Tratado de Direito Privado: Parte Especial; 12.

______. Direito das coisas: usufruto. Uso. Habitação. Renda sobre imóvel. Atualizado por Nelson Nery Junior e Luciano de Camargo Penteado. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2012. Coleção Tratado de Direito Privado: Parte Especial; 19.

______. Direitos reais limitados. Enfiteuse. Servidões. Atualizado por Nelson Nery Junior e Luciano de Camargo Penteado. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. Coleção Tratado de Direito Privado: Parte Especial; 18.

______. Pretensões e ações imobiliárias dominicais: perda da propriedade imobiliária. Atualizado por Jefferson Carús Guedes e Otávio Luiz Rodrigues Júnior. São Paulo: Re-vista dos Tribunais, 2012. Coleção Tratado de Direito Privado: Parte Especial; 14.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Coleção Direito Civil; v. 5.

______. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática: Lei nº 8.245, de 18.10.1991. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

WALD, Arnoldo. Direito das coisas. 11. ed. rev., aum. e atual. com a colaboração dos Professores Álvaro Villaça Azevedo e Véra Fradera. São Paulo: Saraiva, 2002.

Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre a sociedade por ações.

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Assunto Especial – Doutrina

Direito de Preferência

Direito de Preferência na Lei nº 8�245/1991

LuANA CRISTINA COuTINhO OROSCO PLAçAAdvogada, Aluna da Pós-Graduação no Curso de Direito Civil e Processo Civil das Faculdades Integradas Antonio Eufrásio de Toledo, de Presidente Prudente.

RESUMO: O Direito de Preferência é um instituto da Lei de Locação, que gera proteção ao Locatário na alie-nação do imóvel para que ele não seja preterido em seu direito. Por isso, deve ser delimitado e estudado para que não configure um enriquecimento ilícito por parte do Locador.

PALAVRAS-CHAVE: Direito de Preferência. Alienação do Imóvel. Locatário. Locador.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Evolução histórica; 2 Da especificação do direito de preferência no preceito le-gal; 2.1 O artigo 27 da Lei nº 8.245/1991; 2.2 Do artigo 28 da Lei nº 8.245/1991; 2.3 Do artigo 29 da Lei nº 8.245/1991; 2.4 Do artigo 30 da Lei nº 8.245/1991; 2.5 Do artigo 31 da Lei nº 8.245/1991; 2.6 Do artigo 32 da Lei nº 8.245/1991; 2.7 Do artigo 33 da Lei nº 8.213/1991; 2.8 Do artigo 34 da Lei nº 8.245/1991; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOO Direito de Preferência é um instituto previsto na Lei nº 8.245/1991

para resguardar o direito do inquilino, ora locatário da aquisição do imóvel, quando o locador queira alienar o imóvel.

Por isso, o locador, pretendendo alienar o imóvel, deve obrigatoriamente realizar a proposta ao locatário, com todas as suas especificações, como valor, formas de pagamento, condições do negócio jurídico para que o locatário exer-ça seu direito, em superioridade ao de terceira pessoa.

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICANo Brasil, o Direito de Preferência advém da Lei nº 3.912/1961, a qual

estabelecia este direito na cessão, na promessa de compra e venda e na dação em pagamento, ou seja, era um instituto da compra e venda. Como as regras de locações não vislumbravam tal instituto, eram aplicadas subsidiariamente os preceitos legais de compra e venda, para a solução dos litígios encontrados no momento da alienação do imóvel.

Devido à omissão, aplicava também o Código Civil de 1916 no seu art. 1.149, que preceituava sobre a perempção e preferência, tendo como prin-

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cipais características a intransmissível, indivisível e com prazo de caducidade, se não exercido no prazo previsto em lei que eram de 3 (três) dias.

A Lei nº 4.494 especificava em seu art. 16, o instituto da preferência para alienação, promessa de compra e venda a prazo ou em prestações, cessão de direitos sobre o imóvel, e caso o locador não desse a devida notificação ao lo-catário que estava vendendo o imóvel e alienasse a terceira pessoa, o locatário teria direito apenas as perdas e danos.

De outro modo, a Lei nº 6.649/1979, em seus arts. 24 e 25, trazia como consequência da não utilização do instituto da preferência mediante o loca-tário, a possibilidade de este último ingressar com ação de adjudicação para reaver o imóvel, tornando-se ineficaz o negócio jurídico realizado entre locador e terceira pessoa, no caso, o adquirente do imóvel alienado.

Estes artigos desta lei foram criados com base no art. 1.119 do Código de Processo Civil, no intuito de viabilizar uma maior segurança ao locatário para não ser preterido em seu direito.

Importante mencionar que o § 5º do art. 24 da Lei nº 6.649/1979 foi também aplicado ao Decreto-Lei nº 24.150/1934, aplicável também a todas as locações prediais urbanas, comerciais ou residenciais, e para os estabelecimen-tos de saúde, ensino, hospitais.

Contudo, este dispositivo legal do art. 24 era omisso em relação ao di-reito do condômino, a preferência, trazendo a expressão “terceiros”, que era confundida com estranhos, ao domínio, ao invés de condôminos, aplicando, assim, o art. 1.139 do Código Civil de 1916.

Entretanto, o preceito legal do art. 24 levava a várias interpretações.

Assim, foi feito um projeto de lei acrescentando o § 6º ao art. 24 e os §§ 1º e 2º ao art. 25, impondo a preferência ao condômino em relação à alie-nação do imóvel e ao direito a indenização por perdas e danos ao locatário em face do locador pela falta de seu direito.

Logo, encerrando-se a conclusão dos artigos alterados, mais o que já es-tava especificado em lei, para o locatário ingressar com ação adjudicatória deve seu contrato de locação estar averbado na matrícula do imóvel há pelo menos 30 dias antes da alienação do imóvel, posto que, se não, o locatário terá direito apenas a uma indenização por perdas e danos do locador. Sem o registro do contrato de locação, o direito não será oponível a terceiro, adquirente.

A modificação trazida pelo § 6º do art. 24 é com relação ao prazo de resposta dado ao locatário, haja vista que, se o locador notificasse o locatário da alienação do imóvel, cumprindo com o requisito da preferência previsto em lei, e não houvesse tido resposta, este silêncio extinguia a preferência do locatário em relação ao imóvel, podendo o locador continuar com o seu negócio.

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O art. 46 da Lei nº 6.649/1979 mencionava a impossibilidade de renun-ciar ao direito de preferência em cláusula no contrato de locação.

Todavia, havia ressalvas em relação a este direito, que não consagrada na venda judicial, permuta e doação. Para Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe (2000, p. 159), o locatário figurava como concorrente de terceiro em igualdade de condições e poderia alegar o direito de preferência do condômino para se sobrepor ao terceiro.

Com o advento da Lei nº 8.245/1991, o direito de preferência passou a ser disciplinado nos arts. 27 a 34 para todos os tipos de locação, visando um maior resguardo no direito do locatário em continuar residindo na casa.

Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe (2000, p. 160) trazem as hipó-teses em que não é possível utilizar este instituto:

Mas não abrange os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judi-cial, permuta ou doação e outros enumerados no art. 32, como integralização de capital, cisão, fusão e incorporação, da Lei das Sociedades Anônimas, entre outros.

Portanto, o locador, querendo vender o seu imóvel, deve primeiramente comunicar ao locatário da intenção de alienar o imóvel, propondo-lhe um valor sobre o imóvel e mostrando-lhe uma proposta razoável para que possa requerer o imóvel como seu.

2 DA ESPECIFICAÇÃO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA NO PRECEITO LEGAL

2.1 O artigO 27 da Lei nº 8.245/1991

O locatário tem direito de preferência sobre a coisa, bem imóvel, sendo um direito natural dos contratos de locação.

Assim, antes de alienar o bem a terceiro, o locador deve obrigatoriamen-te oferecer o bem ao locatário, em igualdade de condições com terceiro, com a proposta concreta do bem, especificando preço, forma de pagamento, existên-cia de ônus reais, momento para examinar os documentos relativos ao imóvel.

Inclusive, se o locador possui uma proposta efetiva da venda do imóvel dado por terceiro, deve dar ciência ao locatário de toda a proposta, como, por exemplo: A (terceiro) fez uma proposta para alienar o imóvel de B (locador) para pagar 100 mil reais à vista. B comunica C (locatário) da proposta de A. Mas C faz uma proposta de 100 mil reais divididos em 4 prestações. Demonstra-se com este exemplo que o locatário não está em igualdades de condições com o terceiro, devendo haver uma renegociação ou a desistência por parte do loca-tário.

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A cada proposta de terceiro ao locador este deve notificar o locatário, sob pena de infringir o direito de preferência estipulado em lei.

2.2 dO artigO 28 da Lei nº 8.245/1991

A preferência do locatário deve ser exercida em um prazo razoável, não podendo cercear o direito do locador na venda do imóvel. Assim, após notifica-do, o locatário tem um prazo de 30 (trinta) dias para se manifestar sobre a pro-posta, se continua inerte e não dá a devida resposta, o seu direito de preferência caducará, podendo o locador realizar a venda com terceiro, sem o receio de estar infringindo qualquer direito do locatário.

Com a observância de que não poderá fazer contraproposta, esta será uma recusa expressa.

Nesta seara, salienta a jurisprudência que trata a matéria como uma de-cadência ao direito de preferência:

É de decadência o prazo de que dispõe o locatário para exercer o direito de prefe-rência na aquisição do imóvel locado. Decorrido esse prazo, não pode mais o in-quilino obter a adjudicação compulsória, nem mesmo reclamar perdas e danos. (Rel. Adail Moreira, 2º TACivSP, Ementário nº 14/1991, DOE – Poder Judiciário, de 13.07.1991, p. 86)

Porém, caso o locatário aceite a proposta ofertada pelo locador em rela-ção ao preço, prazos e questões relacionadas ao negócio, deverá, assim, colo-car-se prontamente à disposição do locador, não podendo provocar qualquer empecilho ao seu negócio, fazendo com que o mais rápido possível possa vir a ser dono da coisa de que era apenas um possuidor, mas sem o poder de alienar, doar.

De outro modo, também poderá o locatário renunciar, ou seja, desistir da compra do imóvel locado, neste prazo de 30 (trinta) dias, assinando um termo expresso, contendo as suas declarações de desistência daquele negócio jurídico e renúncia ao seu direito, na qual expressamente diz que não possui nenhum interesse na venda daquele imóvel.

A contagem desse prazo é conforme o Código de Processo Civil, 30 dias úteis, não importando se o mês tem 31 dias, e exclui o dia do começo e inclui o dia do final.

Uma questão interessante trazida por Aramy Dornelles da Luz (1992, p. 39) é em relação à sublocação autorizada de forma escrita pelo locador: po-deria este ter o real direito a ser notificado para exercer o seu direito?

Como se trata de locatário, na forma de sublocatário ele terá direito de exercer essa preferência, se sublocou totalmente o imóvel ou parte dele, supon-

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do-se a ideia de um condomínio. Em todas as formas, ele terá que exercer seu direito.

2.3 dO artigO 29 da Lei nº 8.245/1991

Com a aceitação da proposta pelo locatário, a desistência do locador neste negócio pode ocasionar uma indenização por perdas e danos, culminan-do uma responsabilidade pré-contratual, desde que o locatário demonstre os prejuízos que realmente ocorreu, para que a ação tenha um objeto, uma ma-neira de ser, nos termos do art. 406 do Código Civil, enquadrando-se os danos emergentes e os lucros cessantes, aquilo que razoavelmente deixou de ganhar.

O locador somente poderá eximir-se desta responsabilidade se provar caso fortuito ou força maior, posto que esta norma defende o locatário de um locador que esteja sobre má-fé, apenas simulando a realização do negócio para despejá-lo da casa.

Assim, havendo modificações nas cláusulas da proposta, o locatário deve ser novamente notificado para manifestar a sua aceitação íntegra ao negócio para que não haja nenhum tipo de subterfúgio por parte do locador.

2.4 dO artigO 30 da Lei nº 8.245/1991

Como o imóvel foi locado e sublocado, possuem vários locatários e su-blocatários, todos devem exercer o direito de preferência sobre o todo, o qual, para ser exercido, deve o contrato de locação estar averbado na matrícula do imóvel há pelo menos 30 (trinta) dias antes da efetiva alienação.

Entretanto, caso haja a efetiva alienação e os locatários estavam de boa--fé, estes possuem o direito de anular a venda, se não foi exercido seu direito.

Da mesma maneira, acontece no arrendamento rural.

O sublocatário poderá exercer o direito de preferência se o imóvel estiver sublocado por inteiro a ele, e o locatário não terá direito algum. Apenas se o sublocatário renunciar à venda do imóvel o locatário poderá exercer seu direi-to como cedente, posto que o verdadeiro locatário é o sublocatário que está utilizando totalmente do imóvel. Contudo, caso se trate de sublocação parcial, o direito será exercido pelo locatário. Na sublocação clandestina, o direito de preferência seria do locatário.

Se na venda do imóvel estão interessados mais de um locatário ou mais de um sublocatário, o direito poderá ser exercido por aquele que esteja mais tempo no imóvel, e, no caso de empate, pelo mais velho. Mas todos os locatá-rios e sublocatários devem ser notificados da proposta de venda do imóvel, pois todos têm em comum o direito de preferência.

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Também esse direito de aquisição do imóvel pode ser realizado em con-junto por vários locatários que se tornaram condôminos.

2.5 dO artigO 31 da Lei nº 8.245/1991Percebe-se aqui um caso muito interessante de venda de um imóvel edifi-

cado na qual há vários locatários, em que o locador pretende vender não só um bem isolado, uma unidade de forma fracionada, mas o imóvel todo. Trata-se, assim, de uma obrigação indivisível a venda do imóvel a um locatário.

Desta forma, todos os locatários devem ser notificados da intenção da alienação do imóvel em sua totalidade, mas não poderão exercer o direito de preferência para adquirir somente parte dele.

O que se vislumbra não é a formação de condomínio, e sim a alienação a um único dono.

Importante destacar que, caso um locatário seja preterido ao seu direito de preferência, deve demonstrar o prejuízo e que realmente tinha intenção de alienar o todo e não apenas parte do imóvel, ou seja, não pode querer apenas a alienação de sua unidade caso se trate de um prédio de apartamentos, nos termos da jurisprudência a seguir salientada:

Se houver preterição do direito, o inquilino de parte do conjunto imobiliário, que tenha sido alienado em sua totalidade, deverá pleitear a adjudicação de todo o imóvel, desde que preencha, como é curial, os demais requisitos legais (JTACSP 112/275).

Mais uma vez, Aramy Dornelles da Luz prevê que caso o locador não consiga vender o imóvel por um todo, poderá vender de forma fracionada, dan-do novamente a notificação a cada um dos locatários e sublocatários dessa nova intenção, não podendo preterir o direito de preferência, mesmo que a lei seja omissa em relação a esta situação.

2.6 dO artigO 32 da Lei nº 8.245/1991Em alguns casos, o direito de preferência não pode ser exercido por

impossibilidade jurídica do pedido, como nos casos de perda da propriedade (desapropriação, alienação, renúncia, usucapião, deterioração do imóvel que leva ao perecimento, arrematação em praça de bens, venda judicial, execução, falência), troca, doação e nos casos de integralização do imóvel.

Na perda da propriedade não há nenhuma possibilidade, troca também não poderia ser vislumbrada, porque troca por objeto certo, móvel ou imóvel, e a doação contempla pessoa certa para se tornar um donatário. Somente a si-mulação, ou seja, fraude nestes negócios jurídicos apenas para não conceber o direito do inquilino que poderá esse direito ser exercido.

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A integralização, fusão, incorporação e cisão são maneiras de formação das pessoas jurídicas, alienações que diferem totalmente da preferência prevista nesta lei para o inquilino.

Denota-se que esta regra adveio para proteger o locador, o qual, nestas hipóteses, não ficará obrigado a notificar o locatário para realizar o seu direito, que não possui e que a legislação pertinente sempre o protege.

Portanto, o direito de preferência tem limites essenciais ao qual não pode ser exercido em nenhum dos negócios jurídicos mencionados no corpo deste artigo, e nem nos casos de constituição da propriedade fiduciária, perda da propriedade e venda pelas formas de garantia.

2.7 dO artigO 33 da Lei nº 8.213/1991Configura-se o direito do locatário optar por duas soluções caso seja pre-

terido em seu direito de preferência, requerer as perdas e danos ou reaver o imóvel alienado, com o depósito do valor do imóvel mais as despesas constan-tes da escritura do imóvel na venda.

Não poderá haver a renúncia a este direito de exigir perdas e danos ou reaver o imóvel em uma cláusula do contrato de que estará renunciando a tal direito, a qual estará totalmente nula por se tratar de pleno direito do locatário.

O direito de exigir as perdas e danos é obrigacional, não prescindindo da observância do prazo de 6 (seis) meses, ao qual sua prescrição é a estabelecida para as obrigações de mesma natureza de 20 (vinte) anos (vintenária), figurando no polo passivo o alienante, mas desde que avantajado de importância mone-tária para a aquisição do bem.

A demanda de reaver o imóvel é denominada de adjudicação compulsó-ria e somente pode ser proposta desde que presentes alguns requisitos:

Como o contrato de locação deve ser registrado há pelo menos 30 (trinta) dias an-tes da alienação, este instrumento contratual deve ser assinado pelas duas partes e duas testemunhas para gerar o efeito para o contrato; propor ação num prazo de 6 (seis) meses a contar do ato registrado no Cartório; depositar o preço pago pelo adquirente.

Nesta adjudicação compulsória haverá litisconsórcio nos polos ativo e passivo, tendo como partes o alienante e o adquirente, podendo até constar pedidos secundários, como perdas e danos. Caso não seja proposta no prazo de 6 (seis) meses, o locatário também não poderá exigir perdas e danos, porque ele teve a oportunidade de ingressar com a ação para reaver o imóvel e não o fez por desleixo.

Importante mencionar que Aramy Dornelles da Luz (1992, p. 42) “en-tende que estes requisitos só devem estar presentes para a ação de adjudicação compulsória”.

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Entretanto, caso não tenha sido registrado o contrato de locação, restará apenas a opção da indenização por perdas e danos.

Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 169) salienta que, quando o locatário fica ciente do desejo que o locador possui em alienar o imóvel, poderá registrar o contrato de locação na matrícula do imóvel para que possua o direito real. Caso não pratique este devido ato, poderá apenas requerer uma ação de inde-nização, que será movida contra o alienante, desde que provados os danos e os lucros cessantes, além de que tinha a quantia devida para a compra do imóvel. Sem este conjunto probatório, não possuirá êxito a demanda.

Nesta seara, pormenoriza o entendimento jurisprudencial:

Locação. Direito de preferência (art. 33 da Lei nº 8.245/1991). Indenização. Per-das e danos. Registro do contrato. Desnecessidade.

A violação ao direito de preferência do locatário, assegurado no art. 33 da Lei nº 8.245/1991, enseja pedido de perdas e danos, ainda que não registrado o con-trato de locação, não se sujeitando ao prazo decadencial de seis meses, aplicável este apenas ao pedido de adjudicação do imóvel. (Ap. 430.077, 6ª C., Rel. Paulo Hungria, J. em 24.05.1995)

Portanto, existem diversas formas do locatário preterido buscar uma ame-nização em seus prejuízos, tanto com o contrato de locação registrado na matrí-cula como se não estiver, dando uma eficácia real ao seu direito.

2.8 dO artigO 34 da Lei nº 8.245/1991O condômino seria um coproprietário do imóvel; mesmo que este esteja

locado, aquele terá o direito de preferência em relação ao locatário na aquisi-ção de coisa comum.

Não se trata exatamente de uma preferência, mas sim de uma prioridade em relação à figura do locatário, que só possui um direito obrigacional, perfa-zendo em uma primazia de superioridade. E caso os condôminos não exerçam o seu direito, este passa para o inquilino.

Inobstante a isto, este artigo trata da hipótese de venda de uma parte ideal e não de uma totalidade, posto que assim os condôminos seriam os próprios alienantes. E não foi especificado para a figura de condomínios autônomos.

Este artigo existe para proteger os condôminos que não querem terceiros estranhos no condomínio, na qual preferem alienar dos outros condôminos para se tornar um único dono e proprietário de todo o condomínio, desfazendo-se, assim, a figura do condomínio, não trazendo nenhum estímulo à continuidade do condomínio.

CONCLUSÃODiante de todas as afirmações correlacionadas anteriormente, vislumbra-

-se que o direito de preferência é um direito obrigacional exercido pelo locatário em algumas hipóteses previstas em lei, como na alienação do imóvel locado.

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Entretanto, não são em todas as hipóteses que esse direito é exercido, culminando-se, assim, em uma autonomia do locador em alguns negócios jurí-dicos que pode realizar com terceira pessoa.

Portanto, o direito de preferência não é absoluto, prescinde de várias limitações para que a figura do locador e locatário estejam em igualdades de condições, não preterindo nem o direito de um, nem o de outro.

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RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio. Locação: questões processuais. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática: Lei nº 8.245, de 18.10.1991. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2003.

______. Direito civil: contratos em espécie. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

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Assunto Especial – Doutrina

Direito de Preferência

O Direito de Preferência e Suas Peculiaridades1

mARIJANE FERNANDA CASSAROTTEConsultora Jurídica Especializada em Direito Material e Processual do Trabalho.

RESUMO: Dada a diversidade de situações, de sua aplicação e a amplitude de cada uma das vertentes deste tema, vamos nos ater ao direito de preferência como se acha contemplado na Lei do Inquilinato atual (Lei nº 8.245/1991), mesmo porque apenas essas disposições são relativamente inovadoras no Direito brasileiro. Todas as demais já são sobejamente conhecidas, por este motivo procuraremos ser breves nestas cominações. O art. 27 da Lei nº 8.245/1991, que praticamente repete o disposto no art. 24 da Lei nº 6.649/1979, outorga a preferência ao locatário para adquirir o imóvel, nos casos de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento (esta última modalidade excluída da legislação anterior), devendo o locador (proprietário) dar-lhe conhecimento do negócio, me-diante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca. Definitivamente, na hipótese de alienação do imóvel locado, deve o locador notificar o locatário, por qualquer das formas elencadas no citado dispositivo legal, a fim de que este possa, querendo, adquiri-lo, exercendo, assim, sua preferência, no prazo de trinta dias, consoante assinalado no art. 28 da Lei do Inquilinato, sob pena de caducar o seu direito. Deverá, ainda, a comunicação da intenção de venda obedecer ao disposto no parágrafo único do art. 27 (novidade em relação à legislação anterior), contendo as condições do negócio, do preço, da forma de pagamento, a ocorrência de existência de ônus reais, bem como indicar local para exame, pelo locatá-rio, da documentação pertinente. O alugatário preterido na sua preferência poderá pleitear as perdas e os danos do art. 33 ou haver para si o imóvel, observados, neste último caso, os requisitos contidos no art. 33 da Lei nº 8.245/1991, quais sejam, depósito do preço e de outras despesas do ato de transferência, desde que o faça no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no álbum imobiliário, e desde que o pacto locatício se encontre averbado à margem da matrícula do bem, pelo menos trinta dias antes da ocorrência da alienação. O parágrafo único do art. 33 contempla a formalização da averbação do contrato (sem cor-respondente na legislação anterior). O inquilino preterido no seu direito de preferência que optar pelo pleito de perdas e danos contra o alienante gozará desse valor legal, mesmo que o seu contrato locatício não esteja averbado no Registro de Imóveis e mesmo que nem contrato escrito tenha, bastando que comprove a sua condição de locatário e o efetivo preterimento de seu direito de preferência. Novidade em relação ao diploma anterior é a responsabilidade do alugador por prejuízos ocasionados, inclusive lucros cessantes, caso desista do negócio quando já aceita pelo locatário a proposta a ele feita, conforme dicção do art. 29 da Lei nº 8.245/1991, com respaldo no art. 1.080 do Código Civil, imprimindo, assim, maior seriedade e estabilidade nas relações entre as partes. A ideia que inspira o legislador é a de possibilitar ao inquilino concorrer em igualdade de condições com terceiros, tornando-se proprietário do imóvel que ocupa. Ora, a venda judicial (sub judice), a permuta (negócio inter pares) e a doação (intuitu personae) não representam situação de concorrência com terceiros, e, bem assim, as ocorrências de destinação do imóvel para com-posição patrimonial de empresas do locador. Assim, a critério do locatário, poderá este pleitear perdas e

1 Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12114>. Acesso em: 17 mar. 2009.

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danos do alienante, o que vinha assegurado no § 2º do art. 25 da Lei Inquilinária anterior, quando preterido em seu direito de preferência, desde que demonstre, como já decidido em nossas Cortes, capacidade econômica para aquisição do imóvel, e as perdas e os danos que a conduta do locador tenha efetivamente causado (RTJAMG 24/266), não obstante outros entendimentos jurisprudenciais em contrário (Apelação c/ Revisão nº 433.768/00-9, II TAC). Só não prevalecerá a preferência do locatário sobre a do condômino, em havendo condomínio no imóvel objeto da alienação, na conformidade do disposto no art. 34, o que já vinha ressalvado no anterior art. 25, § 1º. Estes são os pontos principais do direito de preferência, os quais tentaremos expor de maneira sucinta e direta para melhor compreensão do leitor.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A história do direito de preferência; 2 Conceito; 3 Natureza jurídica; 4 Pres-supostos processuais; 5 As modalidades de preferência; 5.1 Preferência legal; 5.1.1 A preferência do condômino; 5.1.2 A preferência do arrendatário; 5.1.3 Direito de preferência legal nas alienações de pré-dios rústicos; 5.1.4 A preferência do locatário; 5.1.5 Na sociedade comercial. Integralização do capital, cisão, fusão e incorporação; 5.1.6 Na desapropriação; 5.1.7 No tombamento; 5.1.8 Na compra e venda; 5.2 Preferência convencional; 6 Distinção de outras espécies; 7 Características; 7.1 Direitos do preferente; 7.2 Obrigações do promitente; 7.3 Denominação das partes; 7.4 Extinção do contrato; 8 Do exercício do direito de preferência; 9 A ação de preferência; 10 Das perdas e danos; Conclusão; Referências.

A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e mani-festa. (Rui Barbosa)

INTRODUÇÃO

Desde quando comecei a estudar a Lei do Inquilinato, percebi um nítido interesse por várias de suas ramificações, entre elas chamou-me especial aten-ção a que se intitula “direito de preferência”. Por essa razão com o presente trabalho pretende-se oferecer uma modesta contribuição ao estudo do direito de preferência ligado à ciência jurídica.

O direito de preferência é o instituto que veio transplantado da compra e venda, onde é peculiar. Originou-se do pactum protimiseos do Direito romano, de origem grega.

Basicamente rege o direito do locatário no momento em que o locador quer se desfazer do imóvel locado. Surge, então, o direito de compra para quem está no imóvel.

A preferência do inquilino na aquisição do prédio locado, para quando o locador pretender alienar, já se tornou tradicional em nossa legislação do in-quilinato, sendo introduzida pela primeira vez pela Lei nº 3.912, de 3 de julho de 1961.

Na natureza do negócio o comprador preterido somente tem uma ação derivada de direito pessoal contra o vendedor. Nosso Código Civil, é franca-mente expresso a esse respeito quando diz que responderá por perdas e danos o vendedor que alienar a coisa sem ter dado ao comprador ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem.

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Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé (art. 518, antigo art. 1.156). Por essa razão, naquilo que a lei de locações for omissa aplicam-se os princípios tradicionais da preempção, ou direito de pre-ferência, no que couber, tal como secularmente aplicados à compra e venda.

Nosso trabalho se delimitará a abordar a aplicação do tema no direito moderno, procurando traçar um perfil representativo com o direito clássico.

Dessa forma, tentaremos expor ideias para o conflito atualmente visto neste campo jurídico.

1 A HISTÓRIA DO DIREITO DE PREFERÊNCIA

A compra e venda é o mais frequente e o mais importante de todos os contratos, porque aproxima os homens e incentiva a circulação das riquezas. Em virtude da sua importância, o legislador colocou-a a frente de todas as de-mais obrigações convencionais, com grande riqueza de minúcias, tratando tam-bém de algumas cláusulas especiais da compra e venda, que, com o tempo, a maioria tornou-se obsoleta.

Sua origem mais remota encontra-se na permuta. Nos primórdios da civi-lização, os homens limitavam-se à simples troca de objetos que lhes sobrassem por outros que ambicionassem. Era esta a única forma de movimentação dos bens.

Inegável reconhecer-se as dificuldades desse penoso sistema econômico, só admissível em uma sociedade rudimentar e com pequeno número de pes-soas. Já, com o aumento da população, as necessidades também foram aumen-tando, tornando impossível a manutenção de um sistema tão rudimentar.

Vários inconvenientes foram naturalmente aparecendo, a impedir que a prática se tornasse rotineira:

1. Encontrar a pessoa que tivesse a mercadoria sobrando que lhe inte-ressasse;

2. Esta pessoa tivesse interesse no objeto oferecido para a troca;

3. Os objetos tivessem igualdade de valores;

4. O transporte dos objetos trocados nem sempre encontrava facili-dades.

Mesmo com a criação de feiras ou mercados de trocas, que ainda hoje são tradições em algumas comunidades, como o “mercado de Pulgas” da Grécia, por exemplo, algo teria de surgir mais conveniente e mais cômodo ao desenvolvimento do intercâmbio entre os homens. Daí surgiu o contrato de compra e venda, quando se descobriu que se poderia avaliar uma mercadoria convertendo no denominador comum de todas as trocas.

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A princípio, esse valor comutava-se em cabeças de gado (pecus, da qual derivou a palavra pecúnia). Depois, vieram as pedras e os metais preciosos, até surgir a moeda, o dinheiro, que não é outra coisa senão uma porção de me-tal precioso, medido e pesado antecipadamente, sendo dotado de certo poder aquisitivo.

Portanto, o contrato de compra e venda não passa de mera estilização da troca primitiva, aperfeiçoado, a ponto de preponderar uma sobre a outra.

No direito contemporâneo, o contrato de compra e venda pode ser exa-minado à luz de três sistemas jurídicos diversos: o francês, o alemão e o sovié-tico.

Pelo primeiro, o contrato cria ao mesmo tempo o vínculo obrigacional e transfere o domínio da coisa vendida (nudus consensus parit proprietatem). Ou seja, transfere-se o domínio com o próprio contrato, independentemente da tradição da coisa vendida.

Somente pelo contrato o comprador torna-se o titular do domínio. Vê-se que o sistema francês apartou-se da tradição romana consagrada pela máxima traditionibus et usucapionibus dominia rerum, non nudis pactis, transferuntur.

Para o sistema alemão, o contrato gera exclusivamente uma obrigação de dar, com o vendedor assumindo somente obrigação ad tradendum. A transfe-rência do domínio verificar-se-á quando da tradição da coisa vendida.

Já o sistema soviético não se prende ao contrato ou à tradição, exclusiva-mente, como princípio geral transmissor da propriedade. Ambos os modos de aquisição são dotados de igual valor, porque tem cada um deles o próprio cam-po de aplicação. Quanto às coisas individualmente determinadas, a proprieda-de é adquirida no momento da conclusão do contrato; quanto às coisas deter-minadas apenas pelo gênero, a aquisição é diferida para o instante da tradição.

O Código Civil brasileiro filiou-se aos sistemas alemão e romano, isto é, o contrato de compra e venda, por si só, não opera a transposição do domínio. Ele engendra exclusivamente a obrigação de dar. O art. 1.122 é taxativo: “Pelo contrato de compra e venda, um dos contraentes se obriga a transferir o domí-nio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.

Para se efetivar a transferência da propriedade são necessárias a tradição para os bens móveis e a transcrição para os imóveis. Antes disso, o comprador só tem contra o vendedor um direito pessoal. A tradição e a transcrição é que dão origem ao direito real.

Vale destacar o referido no art. 620 do Código Civil: “O domínio das coi-sas não se transfere pelos contratos antes da tradição”. Na mesma linha reza o art. 533: “Os atos sujeitos à transcrição não transferem o domínio, senão da data em que se transcreverem”. Confirmando o art. 860, parágrafo único: “Enquanto

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se não transcrever o título de transmissão, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel, e responde pelos seus encargos”.

Contudo, vale apontar as exceções onde o domínio se transfere tão so-mente pelo contrato. Caso do Decreto-Lei nº 3.545, de 22 de agosto de 1941, que regula a compra e venda de títulos da dívida pública da União, dos Estados e dos Municípios, que dispõe, no art. 8º, que “a celebração do contrato trans-fere imediatamente ao comprador a propriedade do título”. De modo idêntico, o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, pelo seu art. 1º, dispõe que a alienação fiduciária transfere o domínio independentemente da tradição.

Após este rápido introito sobre o contrato de compra e venda, é útil sa-lientar que o Código Civil não cuidou especificamente deste instituto. Tratou, ainda, de algumas outras cláusulas especiais, aliás, com grande riqueza de mi-núcias, a maioria das quais o tempo tornou obsoletas.

Em seção autônoma do capítulo dedicado à compra e venda, o legisla-dor disciplinou a retrovenda, a venda a contento, a preempção ou preferência (pactum protimiseos), o pacto de melhor comprador, o pacto comissário e a reserva de domínio.

De modo que, entre vários fatores, como as elevadas despesas que impli-cam a compra e venda de um imóvel, nos dias atuais se ainda excepcionalmen-te utiliza-se a preferência em suas diversas formas, quase ninguém mais recorre a uma retrovenda ou a um pacto de melhor comprador.

O objetivo aqui é focalizar a preferência.

2 CONCEITO

Consoante a melhor doutrina, preferência é o direito de ser preferido em igualdade de condições com terceiro. Preempção significa “direito a ser preferido como comprador”. Advém do Direito romano, sob a denominação de pactum protimiseos, que a trouxe do Direito grego protimesis.

Segundo o art. 1.149 do Código Civil de 1916 (dispositivo corresponden-te no NCC/2002, art. 513), a preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.

Mas não se deve confundir preempção com preferência. Mister se faz diferenciá-las, para um melhor entendimento.

A preempção é espécie de preferência, sendo a primeira cláusula adjeta ao contrato de compra e venda que pode criar, para o comprador, a obrigação de quando se decidir a vender a coisa, notificar ao vendedor o seu preço e as suas condições, para que este, em igualdade de condições, possa adquiri-la de

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volta; já, a segunda, preferência, envolve uma maior amplitude de conceito, pois pode ser definida em lei, quando, preenchidos os seus pressupostos, inde-pendentemente de qualquer declaração de vontade, surge o direito.

Em outras palavras, a preempção é o pacto adjeto ao contrato de compra e venda pelo qual o comprador se obriga a oferecer ao vendedor da coisa que lhe comprou, quando queria vendê-la, para que este, a quem foi reservado o direito de preferência, preço por preço, o exerça em relação a eventuais adqui-rentes. Há, portanto, duas condições: a) que o comprador queira vender a coisa; b) que o vendedor queira exercer o direito de preferência.

Também pode a preferência ser estabelecida por outros dispositivos le-gais e não configurar pacto, gerando, também, efeitos diversos, como veremos mais adiante.

Há, portanto, direitos de preferência que não tem como conteúdo a pre-empção e direitos de preferência que não derivam de negócios jurídicos com vendedores.

Este instituto não cria ao sujeito passivo a obrigação de vender, mas a de se desejar vender, o fazer ao preferente, pelo mesmo preço e pelas mesmas condições que receberia de terceiro.

Gerando para o seu titular o direito subjetivo, pois este tem a faculdade de exercer um poder sobre alguma coisa, de substituir-se ao terceiro adquirente, em igualdade de condições.

A contrapartida imediata deste poder é o dever do sujeito passivo imedia-to, o titular do domínio do bem, de realizar a afronta, isto é, a previa notificação de seu despejo de alienar e as condições em que isto deve ocorrer.

Prudente se faz destacar que o direito de preferência é exercitável tão somente quando houver a venda da coisa ou efetuar com ela uma dação em pagamento. Não cabe, consoante Serpa Lopes, na permuta ou em outra qual-quer forma de alienação. Não é possível, também, a ocorrência do direito de preferência na locação no caso de permuta, pois “esta se inspira no exclusivo interesse do proprietário, entrosando-se com outra coisa que a substitui em seu patrimônio que pode nem mesmo ser imóvel”2.

3 NATUREZA JURÍDICASerpa Lopes classifica-o como um contrato tipicamente pertencente à

categoria dos contratos preliminares, pelo que os doutrinadores franceses equi-param-no aos contratos preliminares.

2 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. Fontes das obrigações: contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. 3, 1996. p. 256.

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O seu objetivo consiste em estabelecer uma condição preferencial, possi-bilitar a venda em relação ao preferente, um contrahere futuro, tal como acon-tece nos contratos preliminares.

Entretanto, segundo ainda Serpa Lopes, pelo nosso direito positivo a teo-ria francesa não encontra respaldo, pois o pacto de preferência, essencialmente, se afasta da promessa de compra e venda de imóveis. O pacto de preferência é unilateral, enquanto a promessa de compra e venda é bilateral; a promessa de compra e venda é exequível in natura, enquanto a preempção é destinada a converter-se em perdas e danos em caso de inadimplemento; na promessa de compra e venda pode gerar efeitos de direito real, enquanto na preferência somente ius ad rem.

Discute-se, ainda, quanto à natureza do direito de preferência: se real ou pessoal.

Preferimos continuar a ver o direito de preferência como direito pessoal. Contudo, não podemos deixar de constatar que o direito pessoal na adjudica-ção se mescla com o jus in re – direito real.

4 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Para o surgimento do direito de preferência é necessário que se observem determinados pressupostos.

O primeiro pressuposto é a existência de uma fonte negocial entre as par-tes, ou seja, preferente e preferido, o qual pode gerar obrigações entre as partes.

Trata-se de direito obrigacional, de origem convencional, personalíssi-mo, pelo qual o comprador se obriga a oferecer ao vendedor a coisa que lhe comprou, quando a quiser vender ou dar em pagamento, para que o vendedor exerça ou não o seu direito de preferência.

Tem como pressupostos básicos e fundamentais ser intransferível, indivi-sível e com prazo de caducidade.

Além deste, comuns a todas as espécies de preferência, a lei determina outros, em cada um dos casos em que institui o direito.

Há, portanto, duas condições: a) que o comprador queira vender a coisa; e b) que o vendedor queira exercer o direito de preferência.

Na hipótese da preferência contratual, a relação é estabelecida pela von-tade das parte; na legal, porém, o legislador impõe a existência de um interesse, ligando o preferente à coisa. Pode ser interesse econômico, como o que se vê na preferência outorgada ao arrendatário rural, ao locatário comercial, ao acionista, ao sócio quotista; pode ser um interesse social, como o do locatário residencial, do expropriado ou do condômino.

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O segundo é a efetivação da alienação voluntária e onerosa, venda ou dação em pagamento do bem objeto da preferência. Como apontado anterior-mente, o direito de preferência tem a sua eficácia suspensa, enquanto o titular do domínio não intenta vender ou dar em pagamento a coisa.

5 AS MODALIDADES DE PREFERÊNCIANo direito positivo brasileiro comporta anotar a existência de duas mo-

dalidades de preferência que serão objeto de apreciação deste estudo: a prefe-rência legal, onde particularmente o expropriante não cumpre a obrigação de afrontar, que, ao contrário da preferência convencional, o inadimplemento não acarreta a responsabilidade por perdas e danos, pois o ex-proprietário tem ação para exigir o bem de terceiro que houver adquirido. E, como verdadeiramente, ocorre retrocessão, não se realiza novo contrato de compra e venda.

5.1 Preferência LegaL

Como se pode facilmente presumir da própria denominação, preferência legal é a que decorre da lei. Daí resulta, logicamente, que não pode a mesma ser derrogada pela singela vontade das partes, como soe acontecer com a pre-ferência convencional.

As hipóteses conhecidas de preferência legal no ordenamento pátrio são as seguintes: as dos arts. 504 e 1.322 do Código Civil, que preveem a prefe-rência do condômino na aquisição da coisa comum indivisível; a do art. 27 da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), que assegura o direito de preempção ao locatário para efeito de adquirir o imóvel locado; a do art. 92, § 3º, do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), que dispõe sobre o direito de prelação do arrenda-tário para adquirir o imóvel rural arrendado.

5.1.1 A preferência do condômino

Condômino é toda pessoa que, juntamente com outra, exerce o direito de propriedade sobre o mesmo imóvel. Relativamente ao condomínio ou à pro-priedade em comum, a melhor conceituação é a que se contém no art. 1.403 do Código Civil português, verbis: “Existe propriedade em comum, ou compro-priedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.

O direito de preferência do condômino, no ordenamento brasileiro, re-sulta, inicialmente, do disposto no art. 1.322 do Código Civil, que assim con-signa:

Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os con-

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dôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.

Trata-se, aqui, da venda da coisa comum na sua totalidade, onde se faz evidente o direito de preferência do condômino para a aquisição “em condições iguais de oferta”, ou seja, da oferta apresentada a terceiro. Havendo mais de um condômino interessado, contempla a lei, a preferência recairá sobre aquele que tiver benfeitoria de maior valor ou o quinhão maior.

Outra hipótese de preempção do condômino é a que se extrai, ainda que de forma presumida, do óbice ou da restrição que sofre o condômino em coisa indivisível, de não poder vender a sua quota a estranhos, se outro condômino a quiser, ex vi do art. 504.

Conforme se pode do todo inferir, refere-se o citado dispositivo à restri-ção de venda, a terceiro, da parte contida dentro de um todo maior “indivisí-vel”, sem que a mesma seja antes oferecida ao condômino.

Prosseguindo, veremos uma breve incursão ao direito comparado, releva acrescentar que o Código Civil argentino, no título que aborda a matéria sobre condomínio, não faz qualquer menção ao direito de preferência na hipótese da alienação da quota-parte, limitando-se a referir que “cada condômino puede enajenar su parte indivisa, y sus acreedores pueden hacerla embargar y vender antes de hacerse la división entre los comuneros” (art. 2.677).

Releva notar, pois, que, no que tange ao Direito pátrio, tanto a restrição do art. 504 quanto a do art. 1.322 tem por objeto a venda de coisa tida por “indivisível”, quer a venda seja total, quer parcial. Porém, cumpre, ab initio, explicitar o que seja coisa indivisível aos olhos da lei, para efeito do exercício do direito de preferência pelo condômino.

Assim, a teor do arts. 87 e 88 do Código Civil, existem duas categorias de bens indivisíveis: a) a dos que não se podem partir sem alterar a sua substância; b) a dos que, embora naturalmente divisíveis, se consideram indivisíveis por lei ou vontade das partes.

Relativamente à primeira categoria de bens indivisíveis, a indivisibilidade física, a mesma decorre do princípio sobejamente conhecido de que a fração deve proporcionar a mesma utilidade proporcionada pelo todo. Desse modo, se, à guisa de exemplo, uma casa ou um veículo automotor, por força de heran-ça, vier a pertencer a diversas pessoas, cada qual tornar-se-á proprietário de tão somente um quinhão ou uma fração ideal, contida dentro de um todo maior, eis que o objeto não comportaria divisão cômoda.

O art. 88 refere-se precipuamente à indivisibilidade decorrente de lei ou da vontade das partes. Temos, pois, de um lado, a indivisibilidade legal ou jurídica, e, de outro, a indivisibilidade convencional.

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A indivisibilidade jurídica tem sua fonte mais copiosa no direito agrário, em razão da norma proibitiva do fracionamento do imóvel rural contida no art. 65 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), que adita: “O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva de propriedade rural”.

A indivisibilidade convencional, por sua vez, origina-se de acordo ou convenção, por meio da qual os condôminos podem acordar que a coisa, con-quanto possa ser dividida, permaneça indivisa por tempo não excedente a cinco anos, de conformidade com o estatuído no parágrafo único do art. 1.320 do Código Civil.

Questão que tem sido alvo de dissenso é a que é pertinente à observância do direito de preferência do herdeiro-condômino na cessão de direitos heredi-tários feita por qualquer deles. De um lado, uma corrente sustenta que referido direito deve ser respeitado, porquanto trata-se a herança de coisa indivisível até a partilha, por efeito da lei que a inclui no rol dos bens imóveis (CC, art. 80). Seguindo nesta esteira, Maria Helena Diniz sustenta que:

Em caso de cessão onerosa feita a estranho, sem que o cedente tenha oferecido aos co-herdeiros a sua quota ideal para que exerçam seu direito de preferência, tanto por tanto, qualquer deles que, dentro de 6 meses, depositar a quantia, ha-verá para si o quinhão hereditário cedido. E, se mais de um co-herdeiro o quiser, preferirá o que tiver benfeitorias mais valiosas, e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior; e, se forem iguais os quinhões, haverão a parte cedida os herdei-ros que a quiserem, depositando o preço (CC, art. 504 e parágrafo único). Dessa forma, o cessionário de bens da herança indivisa não poderá ser admitido no inventário sem que a cessão, que deve ter sido julgada válida, seja intimada aos co-herdeiros, para usarem o direito de preferência concedido pelo art. 504 do Código Civil, porque a herança, enquanto não se procede à partilha, é coisa indi-visível, não podendo, por este motivo, um dos co-herdeiros vender a sua parte a estranho se algum dos outros co-herdeiros a quiser, tanto por tanto.

De outra parte, outra corrente defende que

há que distinguir-se entre indivisibilidade fictícia e real. Na primeira, enquadra--se a herança e, na segunda, a hipótese prevista no art. 504 do CC. Na herança cogita-se da indivisibilidade de direitos, enquanto que o art. 1.139 se refere ex-pressamente à indivisibilidade da coisa. Nada obsta, conseqüentemente, a cessão de direitos hereditários para terceiros alheios à sucessão.

Ante a indigitada dualidade, sem embargo de eventuais opiniões em con-trário, a nós se nos afigura que a preferência do herdeiro somente se evidenciará na hipótese de existência de um único bem a inventariar, que esse bem se cons-tituísse em um imóvel e que o mesmo tivesse que ser partilhado entre diversos herdeiros.

Com o fito de pôr fim à celeuma, houve o legislador, por bem, dar trata-mento à matéria no art. 1.794 do novo Código Civil, que prescreve: “O co-her-

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deiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto”.

5.1.2 A preferência do arrendatário

A preempção ou preferência do arrendatário, para efeito da aquisição do imóvel rural arrendado, encontra respaldo nos arts. 93, § 3º, do Estatuto da Terra e 45 do seu Regulamento (Decreto nº 59.566/1966), os quais conferem ao arrendador a obrigação de notificar ao arrendatário para que exerça, no prazo de 30 dias, contados do recebimento da notificação, o seu direito de preempção em relação a terceiros, na hipótese de pretender alienar o imóvel.

Questão até certo ponto controversa, de evidente repercussão prática, é a que é pertinente à extensão do direito de preferência na hipótese de arren-damento parcial do imóvel rural, tendo-se em linha de conta a advertência do § 1º do art. 46 do Regulamento, no sentido de que “o proprietário de imóvel rural arrendado não está obrigado a vender parcela ou parcelas arrendadas, se estas não abrangerem a totalidade da área”. Referido direito deve, necessaria-mente, ser exercido em relação a todo o imóvel no qual se insere a gleba arren-dada ou pode ficar restrito à área arrendada? A propósito, digna de menção a opinião de Athos Gusmão Carnelro3, que assim preleciona:

Consideram alguns, interpretando o art. 46 do citado decreto, que se o arrendatá-rio manifesta preferência apenas no tocante à área arrendada, deve ser tido como carecedor de ação, e inclusive seria insuficiente o depósito do preço, porque tal depósito deve corresponder ao preço da totalidade da área e não apenas ao da parcela objeto do arrendamento.

É tema grave, ligado inclusive à hierarquia das normas jurídicas.

O Estatuto da Terra, no art. 92, § 3º, refere o seguinte: “No caso de alie-nação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições” (grifamos).

Ora, o “imóvel arrendado” parece ser a própria área arrendada, e não a gleba maior dentro da qual a área arrendada se situa.

Assim, com fulcro no ensinamento do eminente mestre, o único óbice que o arrendatário enfrentaria para o acolhimento de sua pretensão seria a hi-pótese de a parcela arrendada possuir área inferior à fração mínima de parce-lamento da região.

Nesse caso, a preferência somente poderia ser exercida em relação a todo o imóvel, como bem elucida o seguinte julgado do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul:

3 CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 128.

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O direito de preempção ou preferência reconhecido pelo Estatuto da Terra tem caráter social, visando o benefício de quem trabalha na agricultura ou na pecu-ária. A lei não discrimina e não afasta a possibilidade de o arrendatário adquirir a totalidade do imóvel vendido, mesmo ocupando apenas parte dele, máxime quando a área ocupada é inferior à fração mínima de parcelamento da região. A finalidade é evitar o minifúndio. Inteligência dos arts. 65, caput, e 92, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.504/1964.

Acrescente-se, por fim, que, havendo pluralidade de arrendatários ocu-pando diferentes parcelas do imóvel rural, e se todos eles manifestarem interes-se na aquisição da totalidade do imóvel, entendemos que a preferência recairá sobre aquele que estiver ocupando a maior área arrendada, adotando-se, para esse fim, o parágrafo único do art. 504 do Código Civil, por analogia.

5.1.3 Direito de preferência legal nas alienações de prédios rústicos

Pretende-se apurar se a alienação de terreno rústico com área superior ou inferior à unidade de cultura está sujeita à obrigação de comunicação do pro-jeto de venda aos proprietários dos terrenos confinantes para que estes possam exercer o seu direito de preferência, ou seja, se os proprietários dos terrenos confinantes têm o direito de preferência na projetada alienação, bem como as situações em que tal exercício pode/deve ser exercido.

Enquadramento legal/legislação aplicável:

Análise:

1º O âmbito da matéria referente ao exercício do direito de preferência na trans-missão da propriedade de prédios rústicos tem como causa última o emparcela-mento.

Segundo o art. 1.380 do Código Civil, este consiste no “conjunto de operações de remodelação predial destinadas a pôr termo à fragmentação e dispersão dos pré-dios rústicos pertencentes ao mesmo titular, com o fim de melhorar as condições técnicas e econômicas da exploração agrícola”. O termo “terrenos” aqui usado aponta claramente na restrição do direito de preferência e do emparcelamento em relação a prédios rústicos, ficando assim excluídos os logradouros, acessórios ou partes componentes de prédios urbanos.

O emparcelamento tomou pela primeira vez expressão legislativa com o Decre-to-Lei nº 5.705, de 10 de maio de 1919. Este diploma não passou de letra-morta, uma vez que a sua entrada em vigor dependia de regulamentação, que nunca foi levada a efeito. Só passado quase meio século é que a questão do emparcelamen-to voltou a ser retomada com a publicação e entrada em vigor da Lei nº 2.116, de 14 de agosto de 1962, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 44.647, de 26 de ou-tubro. A vigência de tais diplomas cessou com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 384/1988, de 25 de outubro, que expressamente os revogou. Este diploma foi publicado no uso da autorização legislativa constante da Lei nº 79/1988, de 7 de julho, e veio a ser regulamentado pelo Decreto-Lei nº 103/1990, de 22 de março. Hoje em dia as novas perspectivas do emparcelamento constam do art. 36 da

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Lei nº 86/1995, de 1º de outubro, que estabelece no seu nº 1: “Nas regiões onde a estrutura fundiária se apresentar fragmentada e dispersa, em termos de impe-dir a viabilização econômica do aproveitamento agrícola dos recursos naturais, devem ser desenvolvidas ações de emparcelamento, prioritariamente quando os respectivos solos integrarem a Reserva Agrícola Nacional”.

Visa-se, assim, com o emparcelamento, combater a excessiva fragmentação e pulverização da propriedade rústica e das explorações agrícolas (minifúndios), cujas conseqüências nefastas sobre a produtividade, em muito tem retardado o progresso da agricultura portuguesa, tendo-se como objetivo a rentabilização dos meios de produção em ordem ao aumento da competitividade da agricultura portuguesa, recorrendo-se assim, e, para tal, ao redimensionamento dos prédios rústicos.

A Lei nº 2.116, de 14 de agosto de 1962, inspirada pelos propósitos do emparce-lamento, veio conferir aos proprietários confinantes de terrenos com área inferior à unidade de cultura o direito de preferir na venda, dação em cumprimento ou aforamento destes terrenos, ou seja, a preferência só podia exercer-se sobre pré-dios com unidade de cultura inferior e nunca sobre prédios que atingissem ou excedessem essa unidade.

No entanto, se o prédio beneficiário da preferência fosse também ele de unidade de cultura inferior, a preferência seria, neste caso, mútua (sobre um prédio de área igual ou superior à referida unidade é que jamais poderia recair preferência).

Posteriormente, o art. 1.380, nº 1, do Código Civil veio inovar nesta matéria, ao exigir que ambos os terrenos tivessem área inferior à unidade de cultura, impri-midos e assim sempre caráter recíproco ou bilateral à preferência.

O Decreto-Lei nº 384/1988, de 25 de outubro, repõe a idéia do direito de pre-ferência como meio conducente à eliminação de minifúndios, prevendo no seu art. 18, nº 1, que: “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no art. 1.380 do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.

Destarte, os proprietários dos terrenos confinantes, mesmo que os seus prédios não sejam de unidade inferior à unidade de cultura, podem preferir, desde que o terreno sobre o qual vai ser exercida a preferência o seja.

No entanto, não podem ambos os prédios atingir ou transcender os limites da área mínima de cultura, pois nesse caso estaríamos a contrariar o objetivo da lei, que é o de combater os minifúndios e não a criação de latifúndios. Existe, todavia, uma particularidade a assinalar: sendo o direito de preferência consa-grado pelo Código Civil um direito recíproco, o direito conferido por este art. 18 também o é, embora com uma restrição: ele existe apenas no caso em que um dos terrenos confinantes tenha área superior à unidade de cultura – Acórdão STJ, 13.10.1993).

Na verdade, tem iguais conseqüências de fato, conceder ao titular de terrenos de área superior à unidade de cultura direito de preferir na alienação de terrenos de área inferior, ou conceder tal direito a proprietários de terrenos de área inferior à unidade de cultura, na alienação de terrenos de área superior.

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2º Concretamente, o direito legal de preferência do art. 1.380 do Código exige os seguintes requisitos para que possa funcionar:

– Que o prédio vendido tenha área inferior à unidade de cultura;

– Que o preferente seja dono de um prédio confinante com o prédio vendido;

– Que o prédio daquele que prefere tenha área inferior à unidade de cultura;

– Que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante;

– Que o prédio se destine à cultura agrícola;

– Que estejamos perante um prédio rústico;

– Que a alienação não diga respeito a uma exploração agrícola de tipo familiar.

Assim, este direito não existe quando, porventura, o prédio alienado tenha por destino fim diferente da cultura agrícola, sendo aqui necessário também a prova (por quem for favorecido com tal facto impeditivo) da “aptidão funcional” para esse outro fim que não o agrícola (de igual modo quando estivermos perante um prédio urbano; quando estivermos perante dois prédios com área superior à unidade de cultura, etc.).

O art. 18 do Decreto-Lei nº 384/1988, de 25 de outubro – contrariamente ao art. 1.380 do Código Civil – vem conferir o direito de preferência aos proprie-tários dos terrenos confinantes, ainda que os seus terrenos tenham área superior à unidade de cultura, desde que os prédios sobre os quais a preferência vai ser exigida, não ultrapassem esta unidade mínima de cultura.

Ou seja, o que é permitido é que apenas um dos prédios exceda essa área de cultura, pois para além de este não ser um direito a ser exercido exclusivamente sobre minifúndios (tanto monta que seja um terreno de área superior à unidade de cultura a preferir um de área inferior, como um terreno de área inferior a pre-ferir um de área superior) não se descortina na lei qualquer incentivo à criação de latifúndios (o que sucederia se fosse permitido que um prédio com área superior à unidade mínima de cultura pudesse preferir outro que também ultrapassasse essa área).

3º Vejamos algumas situações práticas sobre a existência ou não do direito de preferência legal, e conseqüentemente da obrigação de comunicação do projeto de venda do proprietário do prédio a alienar aos proprietários dos prédios con-finantes.

Hipótese A

O prédio rústico a alienar e os prédios confinantes têm ambos área inferior à unidade de cultura prevista para a zona.

Neste caso, existe, desde logo, direito de preferência legal. Como tal existe obri-gação de comunicação do projeto de venda por parte do proprietário do prédio a alienar aos proprietários dos prédios confinantes, para que estes, querendo, exerçam o seu direito de preferência legal.

Hipótese B

O prédio rústico a alienar tem área superior à unidade de cultura prevista para a zona e os prédios confinantes têm área inferior a essa unidade de cultura, ou vice-versa.

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Em qualquer destes casos existe também direito de preferência legal, devendo o proprietário do prédio a alienar comunicar ao proprietário dos prédios con-finantes o projeto de venda, permitindo-lhes, assim, o exercício do direito de preferência que lhes assiste.

Hipótese C

O prédio rústico a alienar e os prédios confinantes têm ambos área superior à unidade de cultura prevista para a zona.

Neste caso, porque ambos os prédios (a alienar e confinantes) têm área superior à unidade de cultura, o direito de preferência legal não se verifica, não existido, assim, obrigação de qualquer comunicação do projeto de venda por parte do proprietário do prédio a alienar aos proprietários dos prédios confinantes.

Hipótese D

O prédio rústico a alienar independentemente da sua área ou da área dos prédios confinantes já tem Alvará de Loteamento, aprovado projeto ou concedida licença de construção ou já se encontra estabelecido/definido no Plano Diretor Munici-pal (PDM) como área urbanizável ou ainda quando já está consignado no título aquisitivo como terreno para construção.

Nesta situação o prédio, é considerado como prédio urbano, independentemente da qualificação que constar da descrição predial ou matricial. Assim sendo, o direito de preferência legal não se verifica e, conseqüentemente, também não ha-verá lugar a qualquer comunicação do projeto de venda por parte do proprietário do prédio a alienar aos proprietários dos prédios confinantes.

Alerta-se, todavia, para o fato que qualquer das situações terá que ser suportada/fundamentada quer por certidão emitida pela respectiva Câmara Municipal quer pela apresentação do título aquisitivo do proprietário do prédio em causa.

5.1.4 A preferência do locatário

Funda-se a preferência do locatário, para aquisição do imóvel locado, no art. 27 da Lei nº 8.245/1991, que assim prescreve:

No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel loca-do, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe ciência do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou qualquer outro meio de ciência inequívoca.

Complementa o parágrafo único do citado dispositivo que a comunica-ção (notificação) deverá conter o preço, as condições de pagamento, a existên-cia de ônus reais, bem como o local e o horário em que pode ser examinada a documentação pertinente.

Ressalte-se que, à semelhança do que ocorre com o arrendatário, o di-reito de preferência do locatário caducará se não manifestada, de forma ine-quívoca, sua aceitação integral à proposta, no prazo de trinta dias (art. 28).

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Cabe, no entanto, advertir que, depois de aceita a proposta pelo locatário, não é lícito ao locador desistir do negócio, sob pena de ser responsabilizado pelos prejuízos causados ao locatário, inclusive lucros cessantes, ex vi do art. 29 da Lei inquilinária.

Nada obstante, há que considerar-se, ainda, possível conflito de prefe-rência decorrente do fato de, em relação ao mesmo imóvel, surgirem diversas pessoas detentoras de preferência legal. É o que se verifica, verbi gratia, na hipótese de o imóvel locado possuir diversos proprietários, ou seja, quando o imóvel trata-se de um condomínio.

Neste caso, a preferência para adquirir o imóvel será do condômino ou do locatário? A solução é dada pela própria lei, no art. 34, o qual consigna ex-pressamente que a preferência do condômino prevalece sobre a do locatário.

Com a preferência do inquilino, a Lei visa não só diminuir os riscos de uma venda simulada, que rompe na maioria das vezes a locação, como também facilitar a permanência do inquilino no imóvel, sua moradia ou seu comércio. Aplica-se tanto à locação residencial como à não residencial.4

No atinente ao concurso de preferência entre o condômino e o arrenda-tário, em razão de absoluta falta de previsão legal, a jurisprudência tem se ma-nifestado no sentido de que a preferência do primeiro também prevalece sobre a do arrendatário, assim como, em nosso sentir, a preferência legal prepondera sobre a convencional do art. 513 do Código Civil.

Impende, todavia, acrescentar que o art. 27 não admite interpretação extensiva, ou seja, não permite que se lhe agreguem outras hipóteses de atos de alienação para efeito de possibilitar o direito de preferência. É o que se pode inferir da leitura do art. 32 da mesma lei, que, de forma elucidativa, prescreve que “o direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação”5.

5.1.4.1 CaducidadeArt. 28. O direito de preferência do locatário caducará se não manifestada, de maneira inequívoca, sua aceitação integral à proposta, no prazo de trinta dias.

Na compra e venda, esse direito de preferência decorre da vontade das partes, podendo constar do próprio instrumento de alienação ou de documento à parte.

Tem como características fundamentais ser intransmissível, indivisível e com prazo de caducidade.

4 VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 161.

5 Idem.

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O prazo para exercer esse direito está subordinado à decadência: era de três dias, a partir da afronta, para as coisas móveis, e de trinta dias, para os imó-veis. Não exercendo o notificado o direito nesse prazo, ocorrerá a caducidade (art. 1.153 do Código Civil). O novo Código Civil estendeu o prazo para sessen-ta dias no tocante aos imóveis (art. 516). Isto se as partes não convencionarem outro prazo, podendo este ser até cento e oitenta dias para móveis e dois anos para imóveis, mas tais prazos, ainda que permitidos pela lei, não são vistos com bons olhos, pois a delonga poderia trazer instabilidade aos negócios.

O prazo se inicia na data do efetivo recebimento da proposta e, sendo de caducidade, não permite suspensão ou interrupção. Se forem vários os locatá-rios, todos devem ser avisados.

5.1.4.2 Desistência do negócio pelo locadorArt. 29. Ocorrendo aceitação da proposta, pelo locatário, a posterior desistência do negócio pelo locador acarreta, a este, responsabilidade pelos prejuízos oca-sionados, inclusive lucros cessantes.6

Tal dispositivo não era contemplado no Código Civil de 1916. Esta ino-vação visa, sem dúvida, a evitar o abuso de direito pelo locador.

Segundo Silvio de Salvo Venosa7, “por vezes, engendra ele uma proposta de venda, sem a real intenção de alienação”. Aguardará a negativa do exercício de preempção do inquilino para quiçá simular uma venda, o que facilitaria, em tese, o despejo.

Para o locador que intentar na desistência, sofrerá uma indenização por perdas e danos, sendo está uma responsabilidade por dano pré-contratrual. O locador, na ação indenizatória, deverá comprovar prejuízos, sem os quais não haverá suporte para a ação. “Este só se safará de uma indenização somente se provar caso fortuito ou força maior”.

5.1.4.3 Na sublocaçãoArt. 30. Estando o imóvel sublocado em sua totalidade, caberá a preferência ao sublocatário e, em seguida, ao locatário. Se forem vários os sublocatários, a preferência caberá a todos, em comum, ou a qualquer deles, se um só for o interessado.

Parágrafo único. Havendo pluralidade de pretendentes, caberá a preferência ao locatário mais antigo, e, se da mesma data, ao mais idoso.8

6 Lei nº 8.245/1991, Lei do Inquilinato.

7 VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 164.

8 Lei nº 8.245/1991, Lei do Inquilinato.

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Neste caso a lei protege primeiramente quem está efetivamente ocupan-do o espaço do prédio, dando garantias de preferência ao sublocatário. Há que se observar o início do caput, onde diz “em sua totalidade”, ou seja, se o imóvel estiver sublocado por inteiro. “Trata-se de sublocatário consentido, bem enten-dido, porque o sublocatário clandestino não terá o direito. Nem haverá direito de preferência do sublocatário se a sublocação for parcial, continuando então preferente o locatário”.

5.1.4.4 Pluralidade de pretendentesParágrafo único. Havendo pluralidade de pretendentes, caberá a preferência ao locatário mais antigo, e, se da mesma data, ao mais idoso.

Havendo mais de um preferente na aquisição do prédio, sejam eles lo-catários ou sublocatários, o nosso diploma legal trouxe definidamente a ordem de preferência entre eles: terá primeiro a preferência o locatário mais antigo no local, ou o mais idoso, para caso de empate, e o mesmo se aplica aos subloca-tários.

5.1.4.5 Venda judicial, permuta e doaçãoArt. 32. O direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação.

Nosso ordenamento anterior não contemplava os institutos da venda ju-dicial, permuta e doação. “São espécies que não se coadunam com esse direito concedido ao inquilino”9. A venda judicial novamente foi excluída deste novo ordenamento por razões de muitas dificuldades na prática da aplicação de tal direito.

A permuta trata de exclusivo interesse do proprietário, trocando-se por outros tipos de coisas que não necessariamente precisam se imóveis.

Já a doação, como negócio gratuito, tem finalidade absolutamente diversa de qualquer outra forma de alienação por isso mesmo alija o locatário.

Se for comprovada simulação nesses negócios, na troca ou no ato de liberali-dade, em ação anulatória do negócio jurídico ou incidentalmente em processo no qual se discute a preferência, deve ser preservado esse direito do inquilino.10

5.1.4.6 Direito real ou obrigacionalArt. 33. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato

9 VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 165/166.

10 VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 165.

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de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no Cartório de Imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.11

O ordenamento atual deixa bem claro quais os direitos que podem emer-gir de um direito de preferência preterido.

O locatário deverá garantir o seu direito de preferência registrando o seu imóvel pelo menos trinta dias antes da alienação, e deve ser proposta dentro de seis meses a contar do registro do ato da alienação. Não obedecendo o locatário essas condições, estará abrindo mão do direito com eficácia real. É precisamen-te o que ocorre nesse dispositivo do inquilinato. O contrato de locação, com o registro imobiliário, permite que o locatário oponha seu direito de preferência erga omnes, isto é, perante qualquer um que venha a adquirir a coisa locada.

5.1.4.7 Imóveis IndivisíveisArt. 31. Em se tratando de alienação de mais de uma unidade imobiliária, o direito de preferência incidirá sobre a totalidade dos bens objeto da alienação.

Se o imóvel possui várias unidades com autonomia, quer se trate de edifício de apartamentos ou outra forma em que fenômeno ocorre, pretendendo o titular alienar todo do bem, o locatário ou locatários deverão ser notificados com pro-posta para aquisição da totalidade. Não podendo exercer o direito de preferência para adquirir somente a parte dele. Ademais, é sempre intenção da lei evitar tanto quanto possível a criação de condomínio.12

É claro que se por ventura o próprio locador pretender vender o imóvel por unidades, a preferência será dada para cada um dos locatários.

Se houver preterição do direito, o inquilino de parte do conjunto imobi-liário, que tenha sido alienado em sua totalidade, deverá pleitear a adjudicação de todo o imóvel, desde que preencha, como é crucial, os demais requisitos legais (JTACSP 112/275).

5.1.5 Na sociedade comercial. Integralização do capital, cisão, fusão e incorporaçãoArt. 1.556. Não havendo título legal à preferência terão os credores igual direito sobre os bens do devedor comum.

Na disputa travada entre os credores, têm prioridade os títulos legais de preferência, que são os privilégios e os direitos reais. Não havendo preferência ou privilégios a serem observados entre os créditos habilitados, todos os credo-res terão iguais direitos sobre os bens do devedor. Nesse sentido, é de notar-se

11 Lei nº 8.245/1991, Lei do Inquilinato.

12 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit., p. 165.

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que o Código de Processo Civil, ao tratar do processo de insolvência e, parti-cularmente, sobre a classificação dos créditos no concurso, dispõe no art. 769:

Não havendo impugnações, o escrivão remeterá os autos ao contador, que se organizará o quadro geral dos credores, observando, quanto à classificação dos créditos e dos títulos legais de preferência, o que se dispõe a lei civil.

Parágrafo único. Se concorrerem aos bens apenas credores quirografários, o con-tador organizará o quadro, relacionando-os em ordem alfabética.

Não havendo, portanto, títulos legais de preferência que devam figurar em primeiro lugar no quadro classificatório dos créditos, esse quadro será or-ganizado por ordem alfabética, porque serão iguais os direitos de todos os cre-dores.

No processo falimentar, o quadro de classificação dos credores é elabo-rado pelo síndico, e não pelo contador.

Art. 1.557. Os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais.

Preferência vem a ser a vantagem conferida por lei a determinado credor, pela natureza de seu crédito, não só para haver a coisa, com exclusão dos de-mais, como de preferir os concorrentes no recebimento do crédito.

Privilégio é um direito pessoal, de preferência, de ser pago, que o credor desfruta sobre os outros, por força da qualidade do crédito. O privilégio diz-se geral quando se refere a todos os bens do devedor; especial, quando se refere somente a determinados bens.

Os privilégios somente se estabelecem por força de lei, não o podendo por convenção.

Os credores privilegiados preferem aos quirografários.

O artigo em estudo equipara aos títulos legais de preferência os direitos reais. É de observar-se, todavia, que nem todos os direitos reais são títulos le-gais de preferência, mas apenas os direitos reais de garantia a que se refere o art. 755, tais como o penhor, a anticrese e a hipoteca, incluindo-se, ainda, a caução, como modalidade de penhor que grava os títulos de crédito.

O direito de preferência, em suas diversas modalidades, rapidamente incorporou-se nos acordos de acionistas e, atualmente, constitui um mecanis-mo seguro que possibilita a permanência do poder de controle com as partes originais do contrato. A cláusula de direito de preferência para aquisição de ações é igualmente o mecanismo que permite a um acionista evitar ter como sócio alguém indesejável. Exercendo o direito de preferência convencionado no acordo, a parte que desejar permanecer na sociedade reserva-se ao direito de escolher o sócio que lhe pareça mais adequado.

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5.1.6 Na desapropriaçãoA thema argumentandum se abre como um leque, ante a grande rami-

ficação do instituto em várias áreas do direito positivo, citando-se, a título de exemplos, o direito de preferência no Estatuto da Terra; preferência decorrente de compromisso de compra e venda; preferência na desapropriação; preferên-cia do condômino; preferência do locatário na ação renovatória em reocupar o imóvel reformado; e direito de preferência instituído na Lei Inquilinária.

Cumpre destacar aqui uma crítica doutrinária comum que se faz contra o legislador.

Dispõe o art. 1.150 do Código Civil que a União, o Estado ou o Municí-pio oferecerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não tenha o destino, para que se desapropriou.

Estranha a inserção desse dispositivo em tal capítulo, pois a matéria tal-vez melhor ficasse colocada na legislação sobre a desapropriação. Aliás, como a regra impõe obrigações ao Poder Público, seu assento em código de direito privado pode provocar alguma perplexidade.

A Lei de Desapropriação propositalmente deixou de abordar o problema, por ter o legislador entendido ser matéria estranha à desapropriação. Apesar de censurar a medida, alguns doutrinadores entendem que o art. 1.150 não foi revogado pela mencionada lei. Face à falta de limite legal de tempo, o direito exercita-se, por analogia, pelo prazo de cinco anos, pelo fato do art. 10 da lei fixar este prazo como tempo de caducidade para a declaração de utilidade pú-blica, embora haja julgados entendendo não haver limite de tempo.

Curiosa, senão ao menos estranha, é a posição tomada por Silvio Rodrigues, ao se posicionar para o caso da coisa expropriada não ser destinada ao fim preliminarmente determinado, não se justificando a venda forçada, de-vendo ser tornada sem efeito pelo próprio Poder Público e, em caso de silêncio, pela sentença que ordenar a retrocessão.

Ora, não seria no mínimo justo o expropriado, após sofrer a primeira agressão de se ver obrigado a perder o domínio sobre um bem, novamente se ver obrigado a aceitá-lo de volta, sem ter a opção da preferência.

Com efeito, não obstante as raras divergências doutrinárias sobre um as-sunto ou outro que verse sobre a matéria, a distinção que se faz entre a preemp-ção convencional da preempção legal é que a primeira se constitui mediante pacto adjeto ao contrato de compra e venda, enquanto a outra verifica-se exclu-sivamente na desapropriação.

5.1.7 No tombamentoArt. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessoas naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os muni-cípios terão, nesta ordem, o direito de preferência.

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§ 1º Tal alienação não será permitida, sem que previamente sejam os bens ofere-cidos, pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao município em que se encontrarem. O proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferên-cia a usá-lo, dentro de trinta dias, sob pena de perdê-lo.

§ 2º É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a seqüestrar a coisa e a impor a multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente responsáveis. A nulidade será pro-nunciada, na forma da lei, pelo juiz que conceder o seqüestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos titulares do direito de prefe-rência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias.

§ 3º O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a coisa tombada, de penhor, anticrese ou hipoteca.

§ 4º Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá realizar sem que, previamente, os titulares do direito de preferência sejam disso notificados judi-cialmente, não podendo os editais de praça ser expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a notificação.

§ 5º Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de remissão, se dela não lançarem mão, até a assinatura do auto de arrematação ou até a sentença de adjudicação, as pessoas que, na forma da lei, tiverem a faculdade de remir.

§ 6º O direito de remissão por parte da União, bem como do Estado e do municí-pio em que os bens se encontrarem, poderá ser exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura do auto da arrematação ou da sentença de adjudicação, não se podendo extrair a carta, enquanto não se esgotar êste prazo, salvo se o arre-matante ou o adjudicante for qualquer dos titulares do direito de preferência.13

São obrigações do proprietário do bem tombado:

1. Positivas: fazer as obras de conservação necessárias à preservação do bem ou, se não tiver meios, comunicar a sua necessidade ao ór-gão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa (art. 19); em caso de alienação onerosa do bem, deverá assegurar o direito de preferência da União, dos Estados e dos Municípios, nessa ordem, sob pena de nulidade do ato, sequestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos o transmitente e o adquirente; as punições serão determinadas pelo Poder Judiciário (art. 22). Se o bem tombado for público, será inalienável, ressalvada a possibili-dade de transferência entre União, Estados e Municípios (art. 11).

13 Decreto – Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

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2. Negativas: o proprietário não pode destruir, demolir ou mutilar as coisas tombadas nem, sem prévia autorização do IPHAN, repará--las, pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado (art. 17); também não pode, em se tratando de bens móveis, retirá-los do país, senão por curto prazo, para fins de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do IPHAN (art. 14); tentada sua exportação, a coisa fica sujeita a sequestro e o seu proprietário, às penas cominadas para o crime de contrabando e multa (art. 15).

3. Obrigação de suportar: o proprietário fica sujeito à fiscalização do bem pelo órgão técnico competente, sob pena de multa em caso de opor obstáculos indevidos à vigilância.

Além do tombamento provisório, que é aquele decretado no início do processo, e que configura efeitos imediatos equiparados ao tombamento de-finitivo, exceto no que toca ao registro no cartório imobiliário e ao direito de preferência reservado ao Poder Público.

5.1.8 Na compra e vendaArt. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.

Parágrafo único. A comunicação deverá conter todas as condições do negócio e, em especial, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente.14

Na compra e venda, a preempção decorre da vontade das partes, po-dendo constar do próprio instrumento de alienação ou do documento à parte. Possui como características fundamentais ser intransmissível e com prazo de caducidade.

A seguir, apresenta-se o modelo de notificação ao locatário de que o imóvel será vendido:

NOTIFICAÇÃO

Ao Sr. Antonio Aparecido

Rua Gusmão Vianna, 350, ap. 102

Bairro Novo Horizonte

Nesta cidade.

14 Lei nº 8.245/1991 Lei do Inquilinato.

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Notifico V. Sa. que pretendo vender o imóvel de minha propriedade, onde reside sob contrato de locação, já tendo recebido propostas e acertado forma e valor, com a seguinte discriminação:

PREÇO: R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).

FORMA DE PAGAMENTO: R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) à vista, 5 parcelas mensais de R$ 8.000,00 (oito mil reais).

A documentação pertinente ao imóvel estará à sua disposição na Imobiliária Aca-pulco, na Rua Senador Fonseca, 114, nesta cidade, em horário comercial.

Aguardo sua manifestação de interesse, que terá prioridade sobre terceiros, pelo prazo de 30 (trinta) dias a contar do recebimento da presente, findo o qual, em seu silêncio, darei continuidade a tentativas com outros interessados, nos termos dos arts. 27 e 28 da Lei nº 8.245/1991.

Jundiaí, 14 de junho de 2005.

Joaquim Severino.

Para ter valor a notificação supra, é necessário que, feita de que forma for, fique com o locador o comprovante da entrega do aviso, não podendo haver dúvida sobre o recebimento; a promessa de cessão de direito, dação em pagamento, só poderá ser iniciada após ter o locador a resposta do locatário, ou após ter passado em branco o prazo de trinta dias do recebimento do aviso.

Não se pode esquecer, nesta comunicação, a informação de que a do-cumentação relativa ao imóvel (registro no cartório de imóveis ou matrícula do imóvel), estará em determinado local, em determinadas horas do dia, durante o período de resposta do locatário; não havendo este detalhe, poderá o locatário posteriormente discutir a validade do aviso, já que há menção expressa, na lei, da necessidade desta complementação.

5.2 Preferência cOnvenciOnaL

Preferência convencional, ou preempção, é o pacto adjeto à compra e venda, denominada pelos romanos de pactum protimiseos, em virtude do qual se impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use o seu direito de prelação na compra, tanto por tanto (art. 513 do CC).

Importa, desde logo, assinalar que a preferência convencional não se confunde com a retrovenda em face de dois aspectos: 1º) a preferência conven-cional abrange bens móveis e bens imóveis; a retrovenda tem por objeto bens imóveis; 2º) na preferência convencional o preço que o vendedor da coisa de-verá pagar, para recuperá-la, será o mesmo que o comprador exigir de terceiros; na retrovenda, o preço que o vendedor da coisa deverá pagar, para obter sua restituição, será o preço da venda, acrescido de correção e despesas.

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Em consideração ao objeto clausulado, diferentes prazos deverão ser ob-servados para efeito do exercício do direito de preferência. Assim, segundo es-tatui o art. 516 do Código Civil, tratando-se de bem móvel, o direito deverá ser exercido no prazo de três dias e, na hipótese de bem imóvel, o prazo se estende a sessenta dias, ambos contados da data em que o comprador oferecer a coisa ao vendedor. Fica, portanto patente que o prazo para o direito de preferência ser exercitado nada tem a ver com a data em que foi firmado o contrato de compra e venda, mas tão somente com a data em que o comprador tiver sido afrontado pelo vendedor.

Frise-se, por último, que, tal como ocorre com a retrovenda, a preferên-cia convencional é direito pessoal e, por essa razão, também não se pode ceder nem transferir aos herdeiros (art. 520).

6 DISTINÇÃO DE OUTRAS ESPÉCIESEmbora a finalidade da preferência seja possibilitar ao alienante recobrar

o domínio da coisa vendida, não se confunde com o instituto da retrovenda, aparentemente similar, porque distinguem-se, sob vários aspectos, dos quais vale destacar:

a) enquanto na retrovenda (o vendedor se reserva o direito de reco-brar, em certo prazo, o imóvel que vendeu, restituindo o preço, mais despesas feitas pelo comprador – art. 1.140) o negócio original se resolve, na preempção há uma nova aquisição feita pelo vende-dor primitivo, ao primitivo comprador;

b) a retrovenda versa somente sobre bens imóveis enquanto a preemp-ção recai também sobre móveis;

c) na retrovenda o vendedor conserva o direito de readquirir a coisa desde que o queira e pelo preço que a vendeu, enquanto na pre-empção o vendedor só pode recomprar a coisa se o proprietário a quiser vender e pelo preço oferecido pelo eventual interessado.

Ademais, diferentemente da retrovenda, de onde geram direitos transmis-síveis, a preempção deriva de direitos pessoais, que não ultrapassam a pessoa do titular, conforme já mencionado anteriormente.

Na realidade, o que aparentemente aproxima o pacto de preferência com as figuras contratuais da retrovenda e da promessa de compra e venda inicial-mente citada é somente um aspecto comum: uma convenção que antecede a conclusão de um contrato ulterior, que passa a ser definitivo. Porém, ao passo que, na promessa de compra e venda, o contrato definitivo tem que ser outorga-do dentro de um determinado prazo e a retrovenda dever ser exercitada em um interregno não superior a três anos, a preempção só se torna exigível quando o obrigado quiser vender a coisa pactuada, sem nenhum limite de tempo.

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7 CARACTERÍSTICAS

a) Unilateral: gera obrigações somente para uma das partes, isto é, o comprador terá de oferecer o bem adquirido ao preferente se um dia pretender vendê-lo;

b) Oneroso: inexiste gratuidade pela sua própria natureza;

c) Forma livre: não exige forma expressa, apesar de ser muito difícil a utilização da forma verbal;

d) De coisa móvel e imóvel: o objeto do contrato pode ser tanto o móvel como o imóvel;

e) Temporário: extingue-se com a venda da coisa ou falecimento das partes;

f) Típico: existe a devida regulamentação legal;

g) Consensual: aperfeiçoa com o simples acordo de vontade.

7.1 direitOs dO Preferente

a) Exercer seu direito de compra, quando legitimamente afrontado, tanto por tanto, em 3 (três) dias se a coisa for móvel e, se imóvel, nos 60 (sessenta) dias subsequentes;

b) Poderá reclamar indenização por perdas e danos quando a aliena-ção se der sem seu conhecimento ou, declarando, pretender usar o seu direito e a venda assim mesmo ocorrer;

c) Existindo preferência em favor de mais de uma pessoa, só poderá ser exercido em relação à totalidade do objeto;

d) Conhecedor de que o promitente irá vender a coisa intimá-lo-á para exercer o seu direito de preferência.

7.2 Obrigações dO PrOmitente

Decidindo alienar a coisa, deverá o preferente afrontar o promitente, comunicando-lhe as reais condições encontradas, dando-lhe o prazo legal para exercer o direito de resposta.

7.3 denOminaçãO das Partes

No contrato de preferência, as partes farão uso de nomes próprios da relação, como, por exemplo, o vendedor, no caso o locador, poderá também ser chamado de preferente, credor, promissário. Já o comprador, no caso o in-quilino, será denominado de promitente, devedor.

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7.4 extinçãO dO cOntratO

A extinção do contrato de preferência poderá se dar por meio de alguns fatos, dos quais:

a) a morte de qualquer uma das partes;

b) o preferente adquire o bem;

c) o preferente deixa de exercer seu direito de prelação e o bem é vendido a terceiro.

8 DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIAAo ser afrontado pelo condômino, pelo locador ou pelo comprador, con-

forme seja o caso, ao preferente que pretender exercer o seu direito de preferên-cia não cabe outra providência senão a de oferecer proposta igual à oferecida pelo terceiro, ou exigida pelo vendedor, de terceiros, na hipótese de a coisa ter sido posta à venda. Logo, ao mesmo tempo em que ao preferente é vedado apresentar proposta inferior, não poderá o mesmo ser compelido a oferecer preço superior ao exigido ou oferecido a terceiros.

Diferentemente deve ser tratada a hipótese da ulterior venda da coisa, a terceiro, por preço inferior ao anteriormente exigido do preferente. Esta situa-ção se caracteriza quando o vendedor oferece a coisa ao preferente por preço superior às suas possibilidades de compra, com o exclusive escopo de forçar a sua desistência do negócio. Configura-se, nesta espécie, a frau legis, desde que consiga o preferente comprovar que na ocasião da proposta possuía efetivas condições de adquirir a coisa pelo preço em que a venda foi concretizada.

No que se refere precipuamente à preferência convencional, na even-tualidade de o comprador vir a colocar a coisa à venda, sem comunicar ao vendedor, poderá este, tão logo venha a conhecer o fato, intimar ao comprador para que este respeite o que foi pactuado, forte no art. 514. Por outro lado, se a coisa vier a ser vendida a terceiro, sem que o vendedor tenha tido ciência das condições da venda, poderá exigir perdas e danos do comprador (art. 518). Se-melhante providência deverá ser adotada na hipótese de o comprador afrontar o vendedor, apresentando-lhe condições inexatas ou abusivas que o impeça de adquirir a coisa.

9 A AÇÃO DE PREFERÊNCIAA ação de preferência é a ação que compete à pessoa preterida no seu

direito de ser preferido na aquisição de um determinado bem, em face de lei ou de convenção. É o permissivo jurídico para que o beneficiário legal ou con-tratual possa haver para si a coisa que tinha prioridade para adquirir e que, no entanto, foi alienada a estranho.

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O nosso ordenamento jurídico mostra-se silente quanto a essa ação, ao reverso do Código Civil português que a ela faz expressa referência no art. 1.410.

No entretanto, consolidou-se na doutrina e na jurisprudência que a pre-tensão do interessado tanto pode ser exercitada por meio da ação de preferên-cia, propriamente dita, quanto da ação de anulação de venda cumulada com adjudicação compulsória ou simplesmente ação de adjudicação, porque o que se pretende com a ação, na sua essência, é verdadeiramente obter a adjudi-cação do bem, ou seja, a transferência judicial do bem que foi alienado pelo condômino, pelo arrendador ou pelo locador a terceiro em desconformidade com a lei.

Como referido supra, possui legitimidade para a ação de preferência o condômino, o arrendatário e o locador, porquanto, na preferência convencio-nal oriunda da compra e venda, o vendedor do bem somente terá direito a exigir perdas e danos.

No pertinente à legitimidade passiva, insta observar que se faz indispen-sável promover-se, além do alienante, também a citação do adquirente para a formação do litisconsórcio passivo necessário. A falta de citação do alienante, nessa hipótese, é causa nula do processo.

É condição sine qua non, para propor a ação, que o autor deposite em juízo o preço do imóvel. Considera-se, para esse efeito, o valor constante da escri-tura de compra e venda, corrigido monetariamente, não se incluindo nesse valor as despesas com escritura e com imposto de transmissão sobre bens imóveis.

As distintas leis assinalam o mesmo prazo de seis meses para o condô-mino, o locatário e o arrendatário ajuizarem a ação de preferência, conforme preceituam, respectivamente, os arts. 504 (CC), 33 (Lei nº 8.245/1991) e 92, § 4º (Estatuto da Terra).

Conta-se o prazo a partir da data do registro da escritura, desconside-rando-se, pois, a data da venda perpetrada. Entretanto, em relação ao direito do locatário, uma ressalva se faz necessária: o contrato de locação deve estar averbado junto à matrícula do imóvel, pelo menos 30 dias antes da alienação (art. 33 da Lei nº 8.245/1991).

Quando procedente a ação, o juiz proferirá sentença adjudicando o imó-vel ao requerente, mandando expedir a respectiva carta. Demais disso, determi-nará o cancelamento do registro anterior, ao mesmo tempo em que autorizará o terceiro adquirente a levantar o depósito do valor do imóvel, deduzindo-se as custas processuais e os honorários advocatícios.

Controverte-se a respeito do cabimento, ao vendedor, do direito de pro-mover ação reivindicatória contra o terceiro adquirente, tendo havido venda com desrespeito ao direito de preferência. Em nosso sentir, falece ao vendedor referido direito em face da inexistência de pressuposto legal em nosso ordena-

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mento jurídico. Também perfilham este entendimento Serpa Lopes e Agostinho Alvim. A contrário sensu, entendem ser pertinente a ação Orlando Gomes e Arnaldo Rizzardo.

10 DAS PERDAS E DANOSReleva notar que a ação de perdas e danos constitui-se no único remé-

dio iuris, que resta ao vendedor do bem contra o comprador que descumprir o pacto adjeto de preferência, isto é, a preferência convencional, ex vi do art. 518 do Código Civil. A ele, portanto, descabe o direito de reaver a coisa vendida por meio da ação de preferência, direito este restrito às demais modalidades de preferência por expressa disposição da lei.

No atinente à relação decorrente de contrato de arrendamento, a parte final do art. 47 do Decreto nº 59.566/1966 cogita da possibilidade de o arren-datário pleitear perdas e danos em razão do descumprimento da obrigação por parte do arrendador, depois de, na sua parte inicial, deferir ao arrendatário o direito de promover a ação de preferência, de modo idêntico ao art. 92, § 4º, do Estatuto da Terra. A toda evidência, o dispositivo mostra-se contraditório, de molde a suscitar dúvidas na sua interpretação. Em decorrência, enquanto Athos Gusmão Carneiro entende que a resolução em perdas e danos, referi-da no decreto, poderá, no máximo, ser uma opção em favor do arrendatário, concedendo-lhe ajuizar, se entender mais conveniente a seus interesses, a ação indenizatória ao invés da ação de preempção propriamente dita; Oswaldo Optiz preleciona que

o prazo de seis meses é para o exercício do direito de preferência, isto é, para haver o imóvel arrendado do poder do adquirente e não para a ação de perdas e danos, como parece deixar ver o final do art. 47 do Regulamento. O direito à entrega da coisa arrendada (imóvel) é real. Aqui o prazo é decadência e ali é de prescrição. Se o arrendatário deixa decorrer o prazo de seis meses, caduca seu direito de exigir do terceiro a entrega da propriedade imóvel arrendada, mas subsiste o direito à indenização pela falta de notificação da venda ao terceiro.

Já mais explícito foi o art. 33 da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), que faculta expressamente ao locatário preterido no seu direito de preferência reclamar do alienante perdas e danos ou, depositando o preço e as demais des-pesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado.

Frise-se, por último, que, à míngua de disposição expressa, não cabe ao condômino o direito de requerer perdas e danos, porquanto a lei somente lhe reserva a possibilidade de reaver o imóvel por meio da competente ação de preferência.

CONCLUSÃOVislumbrando nossa breve análise sobre o direito de preferência, pode-

mos constatar que o legislador conseguiu um grande avanço na lei com claros

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objetivos sociais com a disciplina estatuída nas duas últimas legislações inqui-linárias. Há que observar-se que, com a preferência concedida ao locatário, limita o animus do vendedor, obriga-o a uma dependência com o locatário, já que tem que promover a notificação, aguardar o decurso de seu prazo, e, ainda, observar o preço e as condições contidos na notificação.

É sabido que o mercado imobiliário é criativo e dinâmico; a maioria dos negócios sofre frequentes alterações quanto ao preço e às condições inicial-mente estabelecidas e aquelas que realmente logram a conclusão dos mesmos. É comum, portanto, que o negócio oferecido por um valor seja adquirido por outro. Essa consequência é irreversível e reflete em função do mercado de com-pra e venda, realidade inafastável e presente nos negócios imobiliários.

As dificuldades iniciais geradas quanto ao exercício do direito de prefe-rência se dirimiram ao longo do tempo, não oferecendo, atualmente, maiores dificuldades de interpretação, quer quanto à necessidade de registro do trato locativo ao exercício do pleito adjudicatório do imóvel, quer quanto à sua dis-pensa no caso de simples pedido de indenização por perda e danos, quer ainda quanto à possibilidade de pedido alternativo de adjudicação compulsória ou de perdas e danos (JTA, RT 123/286; 129/257); quer quanto à caracterização da decadência do pedido de adjudicação compulsória, para o exercício do direito de preferência, extensivo ao pleito de perdas e danos (JTA 80/147, RT 106/282, JTA 138/418); mesmo no caso de perdas e danos, impende que o alugatário faça prova quanto à sua condição econômica, colimando adquirir o imóvel in casu – jurisprudência – “o locatário preterido no seu direito de preferência somente pode pleitear reparação dos prejuízos, mediante demonstração incon-troversa de que efetivamente, reúne condições econômicas para realizar a tran-sação” (Apelação c/ Revisão nº 422.013, 5ª Câmara, Rel. Juiz Alves Bevilacqua, J. 07.03.1995).

Podemos concluir nosso trabalho com regozijo, pois, para nós, futuros operadores do Direito e também os que já o operam, percebemos nitidamente que nosso legislador foi feliz ao introduzir mudanças no ordenamento. Sabemos que as dificuldades de decifrar e solucionar os problemas do meio jurídico têm sido uma constante em meio a leis tão defasadas, vemos cada vez mais que a “criatividade” dos profissionais, que muitas vezes se aproveitam das lacunas destas leis tão obsoletas para dar interpretações absurdas as nossas leis, é quem impera. Esperamos, contudo, que mudanças como esta sobejem cada vez mais nosso ordenamento, pois, assim como a sociedade vive em transformação, pre-cisamos de leis dinâmicas e atuantes para que possamos acompanhar a evolu-ção da humanidade com justiça e não com devaneios oportunistas.

REFERÊNCIASALVIM, Agostinho. Da compra e venda e da troca. 1. ed. São Paulo: Forense, 1961.

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sites

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Assunto Especial – Doutrina

Direito de Preferência

O Estatuto da Terra Não Garante o Direito de Preferência na Compra do Imóvel Objeto da Parceria Agrícola

CLEITON SOARES DE SOuZAAdvogado, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Plebisteriana Mackenzie.

Muitos afirmam que existe direito de preferência de compra de imóvel no contrato de parceria agrícola. Contudo, o parceiro outorgado só terá preferência se houver previsão em seu contrato.

Ao longo dos anos, tem crescido a busca por imóveis rurais localizados próximos às grandes regiões produtoras. Com as recentes promessas de incenti-vos ao setor sucroalcooleiro, a procura deve aumentar.

Em um mercado tão concorrido, qualquer tipo de vantagem ou privilégio na compra é, sem dúvida, essencial para realização de bons negócios.

Por isso, é comum a utilização do “direito de preferência na compra”, que garante ao contratante não proprietário o direito de adquirir o imóvel objeto do contrato, em igualdade de condições com terceiros.

Esse direito de preferência é importantíssimo para empresas que atuam no agronegócio, pois garante o direito de compra das áreas arrendadas ou obje-to de parceria agrícola, possibilitando, assim, a manutenção da produção.

Para os novos investidores e empresários com intenção de ampliar os ne-gócios, o direito de preferência de compra é, muitas vezes, um problema, pois, mesmo existindo acordo entre vendedor e comprador, para concretização no negócio, é imprescindível que o arrendatário ou parceiro outorgado não exerce o direito de preferência que possui.

O direito de preferência na compra normalmente é garantido por meio de uma cláusula contratual.

No caso do contrato de arrendamento rural, o Estatuto da Terra (Lei Ordi-nária nº 4.504/1964) garante ao arrendador, independente de qualquer previsão contratual, o direito de preferência na compra do imóvel objeto do contrato. Essa preferência se dá em igualdade de condições com terceiros. Confira o que diz a lei:

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Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de con-trato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta lei.

[...]

§ 3º No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe co-nhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de perempção dentro de trinta dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo.

Em se tratando de contrato de parceria agrícola, o Estatuto da Terra não confere expressamente o direito de preferência na compra do imóvel.

No entanto, o inciso VII do art. 96 do Estatuto da Terra diz que as normas pertinentes ao arrendamento rural são aplicadas à parceria agrícola. Confira o artigo:

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios:

[...]

VII – aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agro-industrial ou extrativa as normas pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pela presente lei.

Assim, muitos têm utilizado o referido dispositivo legal para afirmar a existência de direito de preferência na compra também no contrato de parceria agrícola. Esse entendimento, em verdade, se difundiu de tal forma que quase não é questionado.

Nossos tribunais, todavia, não têm entendido dessa forma.

É firme, em nossos tribunais, o entendimento segundo o qual o direito de preferência na compra é garantido apenas para os arrendatários. A seguir alguns julgados que corroboram esse entendimento:

CIVIL – PARCERIA AGRÍCOLA – DIREITO DE PREFERÊNCIA.

O direito de preferência que se confere ao arrendatário rural não alcança o con-trato de parceria.

Precedentes.

Recurso conhecido pelo dissídio, mas improvido. (STJ, Recurso Especial nº 264.805/MG, (2000/0063311-9), 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Jul-gamento: 21.03.2002)

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PARECERIA AGRÍCOLA – Preempção.

O contrato de parceria agrícola não atribui ao parceiro o direito de preferência na aquisição do imóvel.

O disposto no art. 92, § 3º, do Estatuto da Terra aplica-se ao contrato de arren-damento. Precedente.

Recuso conhecido e provido. (STJ, Recurso Especial nº 97.405/RS, (REG. 96.350019), 4ª Turma, Rel. Min. Rui Rosado Aguiar, Julgamento: 15.10.1996)

[...]

EMBARGOS DE TERCEIRO – Penhora de bem imóvel. Contrato de parceria. Di-reito de preferência na aquisição do bem. Inexistência. Distinção do contrato de parceria com o contrato de arrendamento rural. O arrendatário se encontra em situação de fragilidade, ao assumir todos os riscos da atividade, enquanto que o parceiro atua em condições de igualdade com o outro parceiro, pois divide os frutos e os riscos com ele.

Dispositivos protetivos do Estatuto da Terra aplicam-se apenas ao arrendatário, não se estendendo ao contrato de parceria rural.

Precedentes do STJ. Embargos de terceiro improcedentes.

Recurso desprovido. (TS-SP, Ap. 0048949-46.2009.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Álvaro Torres Júnior, Julgamento: 27.08.2012)

Vemos, portanto, que, diferente do que diz o censo comum, não é líqui-do e certo o direito de preferência de compra do parceiro outorgado, ressalva-do, no entanto, se o referido direito estiver previsto em contrato.

É importante registrar que, caso o arrendatário seja pessoa jurídica ou se enquadre na categoria de empresário, não existindo previsão contratual em contrário, temos elementos para sustentar a inexistência do direito de preferên-cia na compra até mesmo nos casos de arrendamento rural.

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Seção Especial – Em Poucas Palavras

Direito de Preferência

Direito de Preferência nos Contratos de Locação

RAuL mONEgAgLIAAdvogado.

O mercado imobiliário no Brasil está bastante aquecido, razão pela qual os preços dos imóveis chegaram a valorizar quase 100% em algumas regiões no último ano. Com esse aquecimento, muitos proprietários se vêem diante de oportunidades irrecusáveis de venda de seus imóveis, estando alugados ou não. Diante desse assédio de investidores e compradores, como fica o locatário?

A lei que disciplina as relações locatícias, Lei nº 8.245/1991, traz duas formas de proteção do locatário: direito de preferência e cláusula de vigência.

O direito de preferência, disciplinado no art. 27 da Lei de Locações, diz que o locatário terá preferência na aquisição do imóvel locado, em igualdade de preço e condições. Porém, para que essa preferência seja efetivamente res-peitada, deve estar averbado na matrícula do imóvel. Caso o contrato não esteja averbado, o locador poderá vender o imóvel sem respeitar a preferência do locatário na aquisição, restando ao locatário reclamar perdas e danos. Uma vez averbado o contrato, com pelo menos 30 dias anteriores à venda, o locatário poderá, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, tomar o imóvel para si, em um prazo de seis meses a contar do registro da transferência (art. 33 da Lei nº 8.245/1991).

A cláusula de vigência está disciplinada no art. 8º da referida lei, versando que, se o imóvel for vendido durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de 90 dias, contados da averbação da transferência, salvo se o contrato for por prazo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

Ou seja, para que o novo adquirente seja obrigado a respeitar o contrato de locação em curso, esta situação deve ser prevista no contrato, e o mesmo ser averbado junto à matrícula do imóvel. Exemplo de cláusula: em caso de aliena-ção, o novo adquirente deverá respeitar o presente contrato em seus termos e condições, consoante o art. 8º da Lei nº 8.245/1991.

Portanto, os locatários devem se certificar se o contrato de locação assi-nado traz essas disposições, e providenciar a averbação do contrato de locação junto à matrícula do imóvel. Dessa maneira, com a valorização dos imóveis, se os locatários não dispuserem do dinheiro para adquirirem o imóvel, certamente terão a tranquilidade de permanecerem no imóvel até o final do prazo contratual.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Direito de Preferência

1500

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.175.438 – PR (2010/0007502‑0)Relator: Ministro Luis Felipe SalomãoRecorrente: José Antônio Lunardelli e outroAdvogados: Guilherme José Carlos da Silva

Marcos Cristiano Carinhanha CastroRecorrido: Esperança de Souza Fidelix e outrosAdvogados: Paulo Joaquim de Araújo

Emílio Luiz Augusto Prohmann e outro(s)

ementaCIVIL E PROCESSUAL CIVIL – ARRENDAMENTO RURAL – VENDA E COMPRA DO IMÓVEL POR TERCEIROS – FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO – DIREITO DE PREFERÊNCIA – LEI Nº 4.504/1964, ART. 92, § 4º – DIVERGÊNCIA ENTRE O VALOR CONSTANTE EM CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA E NA ESCRITURA PÚBLICA REGISTRADA EM CARTÓRIO DE IMÓVEIS – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DESTA – PRESERVAÇÃO DA LEGÍTIMA EXPECTATIVA – BOA-FÉ OBJETIVA

1. Apesar de sua natureza privada, o contrato de arrendamento rural sofre repercussões de direito público em razão de sua importância para o Es-tado, do protecionismo que se quer dar ao homem do campo e à função social da propriedade e ao meio ambiente, sendo o direito de preferência um dos instrumentos legais que visam conferir tal perspectiva, mantendo o arrendatário na exploração da terra, garantindo seu uso econômico.

2. O Estatuto da Terra prevê que: “O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis” (art. 92, § 4º da Lei nº 4.504/1964).

3. A interpretação sistemática e teleológica do comando legal permite concluir que o melhor norte para definição do preço a ser depositado pelo arrendatário é aquele consignado na escritura pública de compra e venda registrada no cartório de registro de imóveis.

4. Não se pode olvidar que a escritura pública é ato realizado perante o notário e que revela a vontade das partes na realização de negócio jurídi-

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co, revestida de todas as solenidades prescritas em lei, isto é, demonstra de forma pública e solene a substância do ato, gozando seu conteúdo de presunção de veracidade, trazendo maior segurança jurídica e garantia para a regularidade da compra.

5. Outrossim, não podem os réus, ora recorridos, se valerem da própria torpeza para impedir a adjudicação compulsória, haja vista que simula-ram determinado valor no negócio jurídico publicamente escriturado, mediante declaração de preço que não refletia a realidade, com o fito de burlar a lei, pagando menos tributo, conforme salientado pelo acórdão recorrido.

6. Na hipótese, os valores constantes na escritura pública foram inseridos livremente pelas partes e registrados em cartório imobiliário, dando-se publicidade ao ato, operando efeitos erga omnes, devendo-se preservar a legítima expectativa e confiança geradas, bem como o dever de lealdade, todos decorrentes da boa-fé objetiva.

7. Recurso especial provido.

acÓrdãO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-das, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Mi-nistro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 25 de março de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão Relator

reLatÓriO

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

1. José Antônio Lunardelli e Ivone Rodrigues Lunardelli ajuizaram ação de adjudicação compulsória em face de Esperança de Souza Fidelix, Benedita das Graças Fidelis Biscaia, Noel Francisco Biscaia, Jaime Rodrigues de Oliveira e Helena Maria Moreira de Oliveira visando ao reconhecimento de seu direito de preferência em razão do contrato de arrendamento rural entabulado, uma vez que, em 28 de setembro de 2001, os três primeiros réus venderam imóvel rural aos dois últimos, sem terem previamente notificado os autores, oportuni-dade em que depositaram o preço.

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Em processo conexo, Jaime Rodrigues de Oliveira e Helena Maria Moreira de Oliveira ajuizaram ação de cobrança de arrendamento rural em face de José Antônio Lunardelli e Ivone Rodrigues Lunardelli, haja vista que os réus teriam deixado de efetuar o pagamento da renda da terra aos autores no importe de R$ 11.907,00 (onze mil, novecentos e sete reais).

O magistrado de piso julgou procedente a adjudicação compulsória, afastando eventual alegação de ocorrência de notificação verbal, bem como definindo que o preço do negócio deveria ser aquele constante da escritura pública de venda e compra ora impugnada.

No tocante à ação de cobrança, extinguiu o feito por não serem os auto-res legítimos proprietários diante do reconhecimento da adjudicação forçada.

Interposta apelação, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná deu provi-mento ao recurso, sustentando que não houve o depósito integral do preço real da venda, apto a ensejar a adjudicação, nos termos do seguinte acórdão:

APELAÇÃO CÍVEL – ARRENDAMENTO RURAL – COMPRA E VENDA DO IMÓVEL ARRENDADO – AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA PELO ARRENDATÁRIO E DE COBRANÇA PELO ARRENDANTE – JULGAMENTO SI-MULTÂNEO – RECURSO DO ARRENDANTE – PRELIMINAR – NULIDADE DA SENTENÇA – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – DESNECESSI-DADE DE PROVA TESTEMUNHAL E DEPOIMENTOS PESSOAIS – NECESSIDA-DE DE NOTIFICAÇÃO POR ESCRITO DO ADJUDICANTE – ART. 94, § 3º DA LEI Nº 4.504/1964 – MÉRITO – ESCRITURA DE COMPRA E VENDA – VALOR DO IMÓVEL MENOR QUE O REAL – INTENÇÃO DE BURLAR O FISCO – ADJU-DICAÇÃO PELO VALOR A MENOR – IMPOSSIBILIDADE – VALOR CORRETO QUE DEVERIA TER SIDO DEPOSITADO – MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA – IM-PROCEDÊNCIA DO PLEITO ADJUDICATÓRIO – SUCUMBÊNCIA – INVERSÃO – RECURSO PROVIDO EM PARTE.

Opostos aclaratórios, o recurso foi rejeitado.

Irresignados, interpõem recurso especial com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, por ofensa ao disposto no art. 92, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.504/1964.

Sustentam que, por serem arrendatários rurais e não terem sido notifica-dos acerca da alienação do bem, têm direito de preferência à adjudicação do imóvel em questão.

Aduzem que o preço a ser depositado é o de R$ 29.000,00 (vinte e nove mil), “valor este que consta da Escritura Pública de Compra e Venda (fls. 23-24) como sendo o pago pela alienação do imóvel” e não o de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), importância que – segundo o acórdão – seria a real quantia envolvendo o negócio, por estar prevista em instrumento particular de compra e venda.

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Salientam que a escritura pública é documento oficial, firmado em car-tório, possuindo presunção de veracidade, não tendo a mesma serventia um contrato particular de compra e venda que foi devidamente impugnado.

Alegam que o preço “a qual a lei se refere, é unicamente aquele constan-te da escritura, até porque conta-se dela o prazo para requerer a adjudicação, e não de um negócio particular qualquer, firmado entre as partes, do qual, frise--se, os recorrentes não tinham como ter conhecimento”.

Afirmam que não se pode aceitar a alegação de que o valor a menor constante do registro imobiliário teria sido apenas para fins de burla ao fisco, haja vista que se trata de prática ilegal e pela qual os recorrentes seriam pena-lizados, até porque não teriam eles “como saber o valor correto da alienação, em clara afronta à segurança jurídica”, sendo que ao final seriam beneficiados pela desonestidade.

Asseveram que há divergência jurisprudencial com a Apelação nº 7000 8530966 do TJRS.

Em relação à ação conexa de cobrança, a decisão transitou em julgado.

Contrarrazões ao recurso especial apresentadas às fls. 365-371. Alegam incidência da Súmula nº 7/STJ; que não teria havido o devido cotejo entre os julgados; e que o contrato de arrendamento agrícola não teria contemplado o exercício do direito de preferência.

Crivo positivo de admissibilidade na origem, fls. 372-375.

É o relatório.

ementaCIVIL E PROCESSUAL CIVIL – ARRENDAMENTO RURAL – VENDA E COMPRA DO IMÓVEL POR TERCEIROS – FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO – DIREITO DE PREFERÊNCIA – LEI Nº 4.504/1964, ART. 92, § 4º – DIVERGÊNCIA ENTRE O VALOR CONSTANTE EM CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA E NA ESCRITURA PÚBLICA REGISTRADA EM CARTÓRIO DE IMÓVEIS – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DESTA – PRESERVAÇÃO DA LEGÍTIMA EXPECTATIVA – BOA-FÉ OBJETIVA

1. Apesar de sua natureza privada, o contrato de arrendamento rural sofre repercussões de direito público em razão de sua importância para o Es-tado, do protecionismo que se quer dar ao homem do campo e à função social da propriedade e ao meio ambiente, sendo o direito de preferência um dos instrumentos legais que visam conferir tal perspectiva, mantendo o arrendatário na exploração da terra, garantindo seu uso econômico.

2. O Estatuto da Terra prevê que: “O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado,

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se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis” (art. 92, § 4º da Lei nº 4.504/1964).

3. A interpretação sistemática e teleológica do comando legal permite concluir que o melhor norte para definição do preço a ser depositado pelo arrendatário é aquele consignado na escritura pública de compra e venda registrada no cartório de registro de imóveis.

4. Não se pode olvidar que a escritura pública é ato realizado perante o notário e que revela a vontade das partes na realização de negócio jurídi-co, revestida de todas as solenidades prescritas em lei, isto é, demonstra de forma pública e solene a substância do ato, gozando seu conteúdo de presunção de veracidade, trazendo maior segurança jurídica e garantia para a regularidade da compra.

5. Outrossim, não podem os réus, ora recorridos, se valerem da própria torpeza para impedir a adjudicação compulsória, haja vista que simula-ram determinado valor no negócio jurídico publicamente escriturado, mediante declaração de preço que não refletia a realidade, com o fito de burlar a lei, pagando menos tributo, conforme salientado pelo acórdão recorrido.

6. Na hipótese, os valores constantes na escritura pública foram inseridos livremente pelas partes e registrados em cartório imobiliário, dando-se publicidade ao ato, operando efeitos erga omnes, devendo-se preservar a legítima expectativa e confiança geradas, bem como o dever de lealdade, todos decorrentes da boa-fé objetiva.

7. Recurso especial provido.

vOtO

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

2. O ponto principal da controvérsia é definir qual o preço a ser deposi-tado pelo arrendatário, em ação de adjudicação compulsória de imóvel rural, quando não houver sido devidamente notificado da venda, com violação ao seu direito de preempção na aquisição do bem.

O acórdão recorrido entendeu que deveria ser o preço definido em con-trato particular de compra e venda existente entre o proprietário e terceiro:

[...]

Passando então à análise do mérito do recurso, os apelantes sustentam a necessi-dade de reformar a decisão que concedeu a adjudicação compulsória, porque os apelados teriam conhecimento do negócio e, inclusive, ter-Ihes-ia aconselhado a realizar a compra e venda e, quanto a este, é de ser dado provimento ao apelo.

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Compulsando os autos verifica-se que houve o contrato de arrendamento rural entabulado entre os três primeiros apelantes e apelados e que este contrato estava em vigência quando da compra e venda efetuada, o que confere o direito reco-nhecido pelo art. 92, § 4º do Estatuto da Terra ao arrendatário de adjudicar o bem imóvel depositando o valor pago pelos compradores, posto que desrespeitada a preferência, havendo, a principio, o direito dos apelados à adjudicação do bem.

Ocorre que o negócio, segundo consta da escritura pública (fl. 234), se deu pelo valor de R$ 29.000,00 enquanto o contrato de compra e venda evidencia que o valor pago pelo casal comprador foi de R$ 40.000,00 (fl. 44), apontando uma prática muito comum e corriqueira nos negócios envolvendo transação de imó-veis, que é a colocação, na escritura, de valores inferiores aos reais com o fito de burlar o fisco a pagar um valor menor a título de imposto de transmissão de bens inter vivos (lTBI).

Não se pode admitir que a adjudicação do bem se dê pelo valor não verdadeiro, sob pena de se estar premiando o adjudicante pela irregularidade cometida entre vendedor e comprador, o que não é a medida mais justa a ser adotada, ainda mais porque o adjudicante tinha conhecimento de que o valor do imóvel não era aquele constante da escritura, vez que morava no imóvel desde 1997 e teria, inclusive, aconselhado os três primeiros apelantes a fazer o negócio porque seria um bom investimento.

Nesta toada, somente poderia ser admitida a adjudicação pelos apelados, se efe-tuassem o depósito não dos R$ 29.000,00, mas sim dos RS 40.000,00 que é o real valor do negocio, posto que a preferência dada pelo Estatuto da Terra tem por escopo garantir que aquele que já se encontra em um imóvel trabalhando e retirando o seu sustento possa continuar com a atividade, mas não tem por esco-po propiciar o enriquecimento sem causa.

Daí porque a adjudicação, nos moldes em que pretendida não pode ser proce-dente, não se podendo utilizar do Poder Judiciário para obter pretensão indevida, ensejando, desse modo, a reforma da sentença para dar pela improcedência da adjudicação na forma em que foi proposta. (fls. 269-274)

Dessarte, da leitura do julgado dessume-se que havia um contrato de arrendamento rural entre as partes, em plena vigência, quando ocorrida a ven-da da propriedade a terceiros, com desrespeito ao direito de preferência dos arrendatários que não foram devidamente notificados, surgindo a pretensão à adjudicação compulsória.

Portanto, não se discute mais no presente recurso quanto à falta de ci-ência do arrendatário – ausência da notificação prévia – e também quanto ao fato de a ação ter sido intentada dentro do prazo decadencial – 6 (seis) meses a contar da escritura de compra e venda no Registro de Imóveis –, remanescendo apenas a definição do preço a ser depositado para fins de transferência forçada do imóvel (Lei nº 4.505/1964, art. 92, § 4º).

3. Como instrumento típico de direito agrário, o contrato de arrendamen-to rural também é regido por normas de caráter público e social, de observação

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obrigatória e, por isso, irrenunciáveis, tendo como finalidade precípua a prote-ção daqueles que, pelo seu trabalho, tornam a terra produtiva e dela extraem riquezas, dando efetividade à função social da terra.

Realmente, apesar de sua natureza privada, o contrato de arrendamento sofre repercussões de direito público em razão de sua importância para o Esta-do, do protecionismo que se quer dar ao homem do campo e à função social da propriedade e ao meio ambiente, sendo o direito de preferência um dos instrumentos legais que visam conferir tal perspectiva, mantendo o arrendatário na exploração da terra, garantindo seu uso econômico.

No que interessa, o art. 92 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) e o art. 45 do Decreto nº 59.566/1966 (que regulamentou a lei) preveem, no tocan-te ao arrendamento rural, respectivamente, que:

Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de con-trato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei. [...]

§ 3º No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe co-nhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de perempção dentro de trinta dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo.

§ 4º O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis.

Art. 45. Fica assegurado a arrendatário o direito de preempção na aquisição do imóvel rural arrendado. Manifestada a vontade do proprietário de alienar o imó-vel, deverá notificar o arrendatário para, no prazo, de 30 (trinta) dias, contado da notificação, exercer o seu direito (art. 92, § 3º do Estatuto da Terra).

Art. 47. O arrendatário a quem não se notificar a venda, poderá depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de 6 (seis) me-ses, a contar da transcrição da escritura de compra e venda no Registro Geral de Imóveis local, resolvendo-se em perdas e danos o descumprimento da obrigação (art. 92, § 4º, do Estatuto da Terra).

Portanto, a norma confere expressamente o direito de preferência, legal e real, outorgada ao arrendatário como garantia do uso econômico da terra explorada por ele, direito que é exclusivo do preferente em adquirir o imóvel arrendado, em igualdade de condições, sendo uma forma de restrição ao direito de propriedade do arrendante.

Dessarte, vendendo o arrendador o imóvel sem a notificação do arrenda-tário, como no caso em julgamento, aparece a pretensão do arrendatário em ver declarada a invalidade do negócio entre arrendador e o terceiro, adjudicando

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o imóvel ao peremptor, desde que realizada no prazo decadencial de 6 (seis) meses e efetuado o depósito do preço.

Aliás, já definiu o STJ que “a prova do depósito do preço para adjudica-ção do bem, na petição inicial, é condição de procedibilidade da ação” (REsp 824.023/MS, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 18.05.2010, DJe 18.06.2010).

4. Realmente, no tocante ao preço, como se percebe, a lei nem o seu regulamento foram suficientemente claros sobre qual seria o valor a ser depo-sitado.

A interpretação sistemática e teleológica do comando legal leva à con-clusão de que o melhor norte para definição do preço a ser depositado pelo arrendatário é aquele consignado na escritura pública de compra e venda regis-trada em cartório.

Isso porque a própria lei estabelece como marco legal para o exercício do direito de preferência a data da transcrição da escritura pública no registro de imóveis, ou seja, confere ao arrendatário o prazo de 6 (seis) meses para depositar o preço constante do ato de alienação do imóvel a que teve conheci-mento por meio da transcrição no cartório imobiliário.

Nessa linha de intelecção, por consectário lógico, o arrendatário, ao to-mar conhecimento do ato da alienação no registro de imóveis, verifica o preço lá declarado – constante da escritura pública – e efetua o depósito (se houver o intento na aquisição do imóvel), exercendo no momento próprio a faculdade que o ordenamento jurídico vigente lhe concedeu.

De fato, caso não fosse assim, como poderiam os preferentes saber o pre-ço verdadeiro a ser depositado? Deveriam investigar com os réus, justamente as pessoas que almejaram a sua exclusão do negócio jurídico?

Aliás, o Min. Eduardo Ribeiro, no julgamento do REsp 2.223/RS, tratando de questão similar – depósito do preço no valor da escritura –, enfatizou em seu voto que:

Igualmente, não me parece lícito fazer com que se tenha, como nele compreen-dida, importância que não constou da escritura. A ser de modo diverso, estaria aberta a porta ampla para contornar possível direito do arrendatário que não saberia do preço que se pretende verdadeiro, já que o que dele se há de exigir é a consulta à escritura.

Não se pode olvidar que a escritura pública é um ato realizado perante o notário que revela a vontade das partes na realização de negócio jurídico, revestida de todas as solenidades prescritas em lei, isto é, demonstra de forma pública e so-lene a substância do ato, gozando o seu conteúdo de presunção de veracidade, trazendo maior segurança jurídica e garantia para a regularidade da compra.

Pontes de Miranda, ao lecionar sobre referido instrumento público, destaca que “se não é nula a escritura, tem a presunção de ser verdadeiro o seu conteúdo, inclusive quanto à vontade dos figurantes, e de se terem observadas as regras jurí-dicas sôbre forma” (Tratado de direito privado: parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, t. 3, 2012. p. 459-460).

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Com efeito, referido instrumento é requisito formal de validade do ne-gócio jurídico de compra de imóvel em valor superior a 30 salários mínimos (CC, art. 108), justamente por sua maior segurança e por expressar a realidade econômica da transação, para diversos fins.

Ademais, na interpretação dos enunciados do Estatuto da Terra, norma direcionada à máxima proteção e preservação do trabalhador do campo, não se pode, “por uma interpretação extensiva, restringir a eficácia do direito de preferência do arrendatário rural” (REsp 1148153/MT, 3ª T., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, J. 20.03.2012, DJe 12.04.2012).

Esse entendimento também é o corroborado pela doutrina especializada, senão vejamos:

O preço que deverá depositar é integrado do valor constante na escritura de compra e venda firmada entre o arrendador ou parceiro-outorgante e o terceiro, devidamente corrigido, acrescido de juros legais e as despesas da venda, como as de pagamento de impostos, comissão de corretagem e gastos com a própria escritura.

(BARROS, Wellington Pacheco. Curso de direito agrário. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, v. 1, 2009. p. 134)

[...]

O preço de que cogita o § 4º do art. 92 do ET é o preço da venda, consignado na escritura, e não outro. Ademais, a referência – igualdade de condições – constan-te do § 3º, do mesmo artigo, reforça esse entendimento. [...]

Quando a lei fala nas mesmas condições, quer se referir ao preço fixado na com-pra e venda e constante da escritura transcrita, porque o objeto da obrigação é indivisível.

(OPTIZ, Silvia C. B.; OPTIZ, Oswaldo. Curso completo de direito agrário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 322-323)

[...]

Muitas vezes, o terceiro que compra o imóvel arrendado faz contrato preliminar, e, ao registrá-lo, a escritura definitiva fica divergente daquele. Perante o arrenda-tário, o que vai valer, podendo gerar seu direito de adjudicação, é o que estiver escriturado no Cartório de Registro de Imóveis. A eficácia do contrato preliminar ficará apenas perante as partes contratantes.

(RAMOS, Helena Maria Bezerra. Contrato de arrendamento rural. Curitiba: Juruá, 2012. p. 112)

[...]

Para exercer o seu direito, o interessado dever propor a ação judicial competente, fazendo, desde logo, o depósito do preço constante da escritura pública, condi-ção essa indispensável para a procedência da ação.

(MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Manual prático dos contratos agrários e pe-cuários. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 122)

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5. Outrossim, não podem os réus, ora recorridos, se valerem da própria torpeza para impedir a adjudicação compulsória, haja vista que simularam de-terminado valor no negócio jurídico publicamente escriturado, mediante decla-ração de preço que não refletia a realidade, com o fito de burlar a lei – pagando menos tributo –, conforme salientado pelo acórdão recorrido:

Ocorre que o negócio, segundo consta da escritura pública (fl. 234), se deu pelo valor de R$ 29.000,00 enquanto o contrato de compra e venda evidencia que o valor pago pelo casal comprador foi de R$ 40.000,00 (fl. 44), apontando uma pratica muito comum e corriqueira nos negócios envolvendo transação de imó-veis, que é a colocação, na escritura, de valores inferiores aos reais com o fito de burlar o fisco a pagar um valor menor a título de imposto de transmissão de bens inter vivos (lTBI).

Realmente, estabelece o art. 104 do CC/1916, aplicável à época dos fa-tos, que:

“Tendo havido intuito de prejudicar a terceiros, ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar, ou requerer os contraentes em juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros.”

Asseveram nesse sentido Washington de Barros e Caio Mário, respecti-vamente, que:

Nessas condições, se a simulação tem por escopo prejudicar a terceiro, os simu-ladores nada poderão alegar contra o ato; ninguém será admitido a alegar a pró-pria torpeza (nemo de improbitate sua consequitur actionem). Assim também se a simulação visou a infringir preceito legal, a parte nada pode argüir ou requerer em juízo no tocante a ela, de acordo ainda com o mesmo art. 104.

(Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1997. p. 218)

[...]

Visto que, na simulação maliciosa, as pessoas que participam do ato estão movi-das do propósito de violar a lei ou prejudicar alguém, não poder arguir o defeito, ou alegá-lo em litígio de uma contra a outra, pois o direito não tolera que alguém seja ouvido quando alega a própria má-fé: nemo auditur propriam turpitudinem allegans. Se o ato é bilateral e foi simuladamente realizado, ambas as partes pro-cederam de má-fé, e nele coniventes ambas, a nenhuma é lícito invocá-lo contra a eficácia da declaração de vontade. Se o ato é unilateral, foi o próprio agente quem procedeu contra direito, e não tem qualidade para, propriam turpitudinem allegans , pleitear a sua ineficácia.

(Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 1998, p. 340)

A jurisprudência do STJ não destoa desse entendimento, senão vejamos:

CIVIL E PROCESSUAL – ACÓRDÃO ESTADUAL – NULIDADE NÃO CONFIGU-RADA – VENDA DE IMÓVEL PELO DE CUJUS AO RÉU – NEGÓCIO ALEGA-DAMENTE SIMULADO, PARA FUGIR A APREENSÃO DO BEM EM LIQUIDA-

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ÇÃO EXTRAJUDICIAL – AÇÃO MOVIDA PELOS HERDEIROS, OBJETIVANDO A REINTEGRAÇÃO DO IMÓVEL AO PATRIMÔNIO DO ESPÓLIO – IMPOSSIBI-LIDADE – ÓBICE PREVISTO NO ART. 104 DO CÓDIGO CIVIL ANTERIOR, EM RELAÇÃO AO FALECIDO, QUE NÃO TEM COMO SER SUPERADO EM FAVOR DOS HERDEIROS – DIREITO À HERANÇA QUE NÃO PODE SER MAIOR DO QUE OS DIREITOS DA PESSOA EXTINTA, SE A SUPOSTA FRAUDE NÃO FOI FEITA EM DESFAVOR DOS HERDEIROS OU DO ESPÓLIO, MAS CONTRA TER-CEIROS

I – Não há omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido, apenas entendimento contrário à pretensão dos recorrentes.

II – Constitui princípio consagrado na lei substantiva civil não poder invocar a nulidade do ato simulado aquele que o praticou, valendo-se da própria torpeza para desfazer o negócio.

III – Da mesma forma, substituindo o fraudador falecido, seus herdeiros não po-derão postular essa nulidade, uma vez que o direito de herança não lhes confere direitos maiores do que aqueles herdados da pessoa extinta. Diferente seria se a simulação houvesse sido feita com o objetivo específico de lesar os herdeiros, o que não é o caso em questão.

IV – Recurso especial não conhecido.

(REsp 296.064/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Rel. p/ Ac. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª T., J. 04.09.2003, DJ 29.03.2004, p. 245)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – SIMULAÇÃO – DOCU-MENTO FIRMADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 – ALEGAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE

1. A alegação de simulação de documento firmado ainda na vigência do Código Civil de 1916 não pode ser invocada pela parte com intuito de invalidá-lo. Inci-dência do princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans (ninguém pode se beneficiar da própria torpeza).

2. Agravo regimental provido para não conhecer do recurso especial.

(AgRg-REsp 747.953/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª T., J. 23.02.2010, DJe 08.03.2010)

ADMINISTRATIVO – INSTITUTO BRASILEIRO DO CAFÉ – CONTRATO PARA AQUISIÇÃO NO MERCADO INTERNACIONAL DE CAFÉ – OPERAÇÃO “PATRÍ-CIA” OU “LONDON TERMINAL” – MANOBRAS ESPECULATIVAS – PRETENSA NULIDADE DO CONTRATO NÃO AFASTA O DEVER DE INDENIZAR O CON-TRATADO DE BOA-FÉ – IMPOSSIBILIDADE DE PRESUMIR A MÁ-FÉ – SÚMULA Nº 07/STJ – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – PRINCÍPIO DA PRESUN-ÇÃO DE LEGALIDADE E LEGITIMIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

[...]

2. Alegação de invalidade pela própria parte que o engendrou, resultando na violação do princípio que veda a invocação da própria torpeza ensejadora de enriquecimento sem causa [...].

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11. Deveras, é princípio assente no ordenamento que “Tendo havido intuito de prejudicar a terceiros, ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar, ou reque-rer os contratantes em juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros” (art. 104, do Código Civil de 1916), motivo pelo qual, veda-se à União, beneficiando-se da própria torpeza, consubstanciada na simulação perpetrada com a finalidade de manipular o mercado do café, alegar a nulidade do contrato sub examine.

[...]

13. Recurso especial conhecido, mas desprovido.

(REsp 547.196/DF, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., J. 06.04.2006, DJ 04.05.2006, p. 134, REPDJ 19.06.2006, p. 100)

Na hipótese, os valores constantes na escritura pública foram inseridos livremente pelas partes e registrados em cartório imobiliário, dando-se publici-dade ao ato, operando efeitos erga omnes, devendo-se, a meu juízo, preservar a legítima expectativa e confiança geradas, bem como o dever de lealdade, todos decorrentes da boa-fé objetiva.

É de se ver que a doutrina especializada destaca o fato de a simulação referente ao preço do imóvel não ter valia frente aos parceiros e arrendatários, verbis:

O proprietário do imóvel alienado que fez lavrar a escritura de compra e venda por preço simulado, isto é, inferior ao real, está ensejando ao arrendatário e ao parceiro que ocupam o imóvel o exercício do seu direito de preferência com base nesse preço irreal.

Além disso, estará sujeito a indenizar o comprador frustrado pelo preço realmen-te dele recebido.

Os proprietários de imóveis rurais devem atentar para esse fato, porque é praxe, em nosso meio rural, tendo em vista o tradicional temor dos encargos fiscais, fa-zerem lavrar as escrituras de compra e venda de imóveis rurais por preço sempre inferior ao realmente percebido.

(MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Manual prático dos contratos agrários e pe-cuários. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 124)

Portanto, deve-se reconhecer a ineficácia da alienação do imóvel rural perante os arrendatários.

Assim, restabeleço a sentença para adjudicar aos autores o imóvel objeto da matrícula nº 7.547, descrito na inicial, pelo preço do depósito constante da escritura pública de e-fls. 27-28.

6. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para, restabele-cendo a sentença, declarar a ineficácia da venda e compra efetuada pelos re-corridos e adjudicar aos autores o imóvel objeto da matrícula nº 7.547, descrito na inicial, pelo preço do depósito constante da escritura pública de e-fls. 27-28.

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Custas e honorários de advogado pelos réus, estes que ora fixo em 10.000,00 (dez mil reais).

É como voto.

certidãO de JULgamentO QUarta tUrma

Número Registro: 2010/0007502-0

Processo Eletrônico REsp 1.175.438/PR

Números Origem: 5002442 500244201 500244202

Pauta: 25.03.2014 Julgado: 25.03.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Hugo Gueiros Bernardes Filho

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

aUtUaçãO

Recorrente: José Antônio Lunardelli e outro

Advogados: Guilherme José Carlos da Silva Marcos Cristiano Carinhanha Castro

Recorrido: Esperança de Souza Fidelix e outros

Advogados: Paulo Joaquim de Araújo Emílio Luiz Augusto Prohmann e outro(s)

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Compra e venda

sUstentaçãO OraL

Dr(a). Marcos Cristiano Carinhanha Castro, pela parte recorrente: José Antônio Lunardelli

certidãO

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Assunto Especial – Ementário

Direito de Preferência

1501 – Arrematação – direito de preferência – prazo

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Arrematação. Direito de preferência. Prazo para exercê-lo. Dissídio jurisprudencial. Ausência de indicação de dispositivo que teria recebido inter-pretação divergente. Súmula nº 284 do STF. Insurgência do arrematante. 1. Não se revela cognos-cível a insurgência, por não ter a ora agravante apontado o dispositivo legal supostamente violado. É que a indicação do artigo tido como objeto da divergência jurisprudencial é imprescindível para a correta configuração do dissídio, nos termos do art. 105, III, c, da Constituição Federal. Contudo, esta circunstância não se verifica na espécie, motivo pelo qual vislumbra-se a incidên-cia da Súmula nº 284 do STF. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 61.155 – (2011/0235293-5) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 14.05.2013)

1502 – Direito agrário – direito de preferência – aquisição do imóvel – exclusividade do arrenda-tário – requisitos

“Direito agrário. Processo civil. Recurso especial. Direito de preempção na aquisição do imóvel rural (art. 92, § 3º, do Estatuto da Terra). Exclusividade do arrendatário. Requisitos do contrato de arrendamento rural. Inocorrência. Ausência de transmissão da posse. Natureza jurídica de locação de pastagem. Matéria fático-probatória. Súmula nº 7/STJ. 1. Não ocorre violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o juízo, embora de forma sucinta, aprecia fundamentadamente todas as questões relevantes ao deslinde do feito, apenas adotando fundamentos divergentes da pretensão do recorrente. Precedentes. 2. ‘Presente a coisa julgada, esta prevalece sobre a decla-ração de incompetência, ainda que absoluta, em observância aos princípios da coisa julgada, segurança jurídica, economia e celeridade processual’ (AgRg-CC 84.977/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, Julgado em 11.11.2009, DJe 20.11.2009). 3. O direito de preferência previsto no Estatuto da Terra beneficia tão somente o arrendatário, como garantia do uso econômico da ter-ra explorada por ele, sendo direito exclusivo do preferente. 4. Como instrumento típico de direito agrário, o contrato de arrendamento rural também é regido por normas de caráter público e social, de observação obrigatória e, por isso, irrenunciáveis, tendo como finalidade precípua a proteção daqueles que, pelo seu trabalho, tornam a terra produtiva e dela extraem riquezas, dando efetivi-dade à função social da terra. 5. O prazo mínimo do contrato de arrendamento é um direito irre-nunciável que não pode ser afastado pela vontade das partes sob pena de nulidade. 6. Consoante o pacificado entendimento desta Corte, não se faz necessário o registro do contrato de arrendamento na matrícula do imóvel arrendado para o exercício do direito de preferência. Precedentes. 7. Na trilha dos fatos articulados, afasta-se a natureza do contrato de arrendamento para configurá-lo como locação de pastagem, uma vez que não houve o exercício da posse direta pelo tomador da pastagem, descaracterizando-se o arrendamento rural. Chegar à conclusão diversa demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula nº 7 do STJ. 8. Não há falar em coisa julgada em relação à natureza jurídica do contrato por se ter reconheci-do em ação anterior (ação de obrigação de fazer cumulada com consignação em pagamento) o arrendamento rural, haja vista que os motivos para o julgamento daquele pleito, não fazem coisa julgada na presente ação de preferência (art. 469 do CPC). 9. A admissibilidade do recurso espe-cial, na hipótese da alínea c do permissivo constitucional, exige a indicação das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ). 10. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.339.432 – (2012/0173718-7) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.04.2013)

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1503 – Direito de preferência – alienação de imóveis – ilegalidade – inexistência

“Administrativo. Contrato. Permissão de uso. Alienação de imóveis. Direito de preferência. Ilegali-dade. Inexistência. 1. Ainda que se admitisse a celebração de contrato de permissão de uso verbal, tal como alegado pelas partes no decorrer do processo, a autora não faria jus ao reconhecimento do direito de preferência para a aquisição do imóvel em que reside, de propriedade da RFFSA, nos termos do item 7 do Edital do Procedimento de Concorrência Pública de Alienação de Imóveis nº 007/ERJUF/97, por se encontrar inadimplente em relação ao pagamento das prestações mensais pela utilização do bem, assim como da Taxa de Permissão de Uso – TPU. 2. Apelação provida.” (TRF 2ª R. – AC 2009.51.19.000088-1 – Rel. Des. Fed. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho – DJe 31.05.2012)

1504 – Direito de preferência – alienação judicial de bem penhorado – inexistência

“Processual civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Legitimidade para postular em nome do locatário. Direito de preferência em alienação judicial de bem penhorado. Inexistência. Nulidade afastada. Preço vil não caracterizado. 1. A agravante carece de legitimidade para pos-tular a transferência do imóvel à empresa locatária mediante aceitação do lance por esta ofertado após a lavratura do auto de arrematação. 2. Inaplicável o direito de preferência do locatário em alienação judicial de bem penhorado. Nulidade afastada. 3. A arrematação efetivada por menos da metade do valor da avaliação será considerada preço vil (precedentes do STJ). 4. Agravo regi-mental a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AgRg-AI 2009.01.00.026835-5/RO – Relª Desª Fed. Maria do Carmo Cardoso – DJe 23.05.2014)

1505 – Direito de preferência – imóvel funcional – aquisição

“Embargos de declaração conhecidos como agravo regimental. Recurso extraordinário. Devido processo legal. Ausência de prequestionamento. Militar. Imóvel funcional. Direito de preferência na aquisição. Reexame de fatos e provas. Súmula nº 279. Matéria infraconstitucional. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – EDcl-AI 523.170 – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJe 26.10.2012)

1506 – Locação – ação indenizatória – bem alienado a terceiro – direito de preferência – desres-peito

“Recurso especial (art. 105, III, a e c, da CF). Ação indenizatória. Contrato de locação. Bem alie-nado a terceiro. Desrespeito ao direito de preferência do locatário. Averbação do ajuste no registro imobiliário. Prescindibilidade. Perdas e danos. Quantum a ser fixado em liquidação. Recurso es-pecial parcialmente conhecido e provido. 1. Não se conhece da alegação de afronta ao art. 128 do CPC, por suposto julgamento extra ou ultra petita, quando a matéria deixou de ser debatida nas instâncias ordinárias, padecendo, portanto, do devido prequestionamento. Incidência das Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ. 2. A averbação do contrato de locação no registro imobiliário é medida necessária apenas para assegurar ao locatário o direito real de perseguir e haver o imóvel alienado a terceiro, dentro dos prazos e observados os pressupostos fixados na Lei nº 8.425/1991. A falta dessa providência não inibe, contudo, o locatário de demandar o locador alienante por violação a direito pessoal, reclamando deste as perdas e danos que porventura vier a sofrer pela respectiva preterição. Precedentes. 3. Uma vez delineados os danos emergentes e lucros cessantes pretendi-dos pelo demandante na petição inicial da ação indenizatória, juridicamente viável se afigura o diferimento da apuração e efetiva comprovação das perdas e danos na fase subsequente de liqui-dação de sentença. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, em tal extensão, provido.” (STJ – REsp 912.223 – (2006/0259401-7) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 17.09.2012)

1507 – Locação – alienação do imóvel – direito de preferência – não observação – ação anulatória – admissibilidade

“Direito de preferência. Locação. Ação anulatória. Interesse de agir. O inquilino pode promover ação para anular atos jurídicos que poderiam prejudicar o seu direito de preferência à aquisição

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do imóvel. Recurso conhecido e provido.” (STJ – REsp 475.132/PR – 4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – DJ 15.12.2003)

Comentário Editorial SÍNTESETrata o presente caso do direito de preferência do locatário na ocorrência da alienação de imóvel.O inquilino ingressou com ação anulatória para que os atos jurídicos produzidos pela adjudi-cação do imóvel fossem anulados, alegando serem atos simulados. Os réus intentaram agravo contra a decisão de 1º grau suscitando inépcia da inicial e falta de interesse de agir.O Tribunal de Justiça do Paraná acolheu a preliminar de ausência de interesse de agir exclusiva-mente em relação à ação anulatória.Inconformada, a autora ingressou com recurso especial alegando que o acórdão recorrido di-vergiu de julgado do 2º TAC SP, que entendeu anulável alienação de imóvel ocorrida antes do prazo legal para o exercício do direito de preferência pelo locatário. Diz também que, segundo entendimento do STF (RE 113.417/8), é anulável o ato que viola o direito de preferência. Afir-mou, ainda, haver efetivo interesse de agir na ação anulatória, pois não lhe é possível formular o pedido de adjudicação e efetuar o depósito do preço, nos moldes do exigido no acórdão, uma vez que, no caso, inexistiu compra e venda, mas mera simulação de negócio jurídico de permu-tas, por meio da qual se preteriu seu direito de preferência. Esta a razão de estar pleiteando a anulação do negócio e não a adjudicação do bem.O STJ conheceu do recurso para que a ação anulatória tivesse prosseguimento. O Relator, assim, se manifestou:“É que o inquilino que vê seu direito fraudado com procedimento destinado a burlar a regra legal e impedir o exercício de eventual direito de preferência, no caso a alienação do imóvel locado, tem todo o interesse em afastar esse empecilho que a malícia teria colocado como obstáculo à sua efetividade. Ao menos para o fim do direito derivado da locação, os atos viciados podem ter sua validade e eficácia examinadas em juízo.”José da Silva Pacheco, ao discorrer sobre o direito de preferência do locatário, segundo o art. 27 da Lei nº 8.245/1991, nos ensina que:“Hipóteses em que se opera a preferência do locatário – o art. 27 da Lei nº 8.245/1991 arrola a venda, promessa de venda, cessão, promessa de cessão ou dação em pagamento como en-sejadoras do direito de preferência do locatário. Para esse efeito, é preciso que o imóvel locado seja objeto de um dos atos acima mencionados. Quem for proprietário poderá vender, prometer vender ou dar em pagamento o imóvel, quando o locatário terá preferência em adquiri-lo em igualdade de condições. Se o locador for apenas promitente comprador do imóvel, poderá pro-meter cedê-lo ou ceder os seus direitos sobre o imóvel, quando o locatário, também, poderá exercer o direito de preferência.” (Tratado das locações, ações de despejo e outras. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 320)

1508 – Locação – compra e venda – direito de preferência – ação anulatória – indenização por perdas e danos – averbação – desnecessidade

“Civil. Locação. Recurso especial. Ação anulatória de compra e venda de imóvel cumulada com adjudicatória do imóvel e perdas e danos decorrente de preterição do direito de preferência do locatário. Art. 33 da Lei nº 8.245/1991. Desnecessidade da prévia averbação do contrato para requerer-se perdas e danos. Precedentes. Dissídio jurisprudencial comprovado. Recurso especial conhecido e provido. 1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a não-averbação do contrato de locação no competente cartório de registro de imóveis, previsto no art. 33 da Lei nº 8.245/1991, impede tão-somente o exercício do direito de preferência do locatário preterido, sendo desnecessária a averbação quando se tratar de pedido de indenização de perdas e danos. 2. Dissídio jurisprudencial comprovado. 3. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – REsp 578.174/RS – (2003/0137850-9) – 5ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – DJU 09.10.2006)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, nos autos de ação anulatória de compra e venda, cumulada com adjudicatória de imóvel e, sucessi-vamente, indenização por preterição do direito de preferência, julgou prejudicada a apelação dos recorrentes para declarar extinto o processo, sem julgamento no mérito.Sustentaram os recorrentes que o Tribunal a quo divergiu de outros tribunais quanto à interpre-tação do art. 33 da Lei nº 8.245/1991, uma vez que restaria comprovado serem eles os verda-

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deiros locatários do imóvel alienado. Alegaram, assim, que a averbação do contrato de locação no respectivo cartório de registro de imóveis seria dispensável.O STJ conheceu do recurso e lhe deu provimento para que o acórdão fosse anulado, o acórdão recorrido determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que o mérito fosse apre-ciado.O Relator ainda destacou que, sobre a matéria, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o locatário preterido tem direito de reclamar do alienante perdas e danos, no caso do contrato de locação não se encontrar inscrito no registro imobiliário.Vale colacionar julgados neste sentido:“Locação. Direito de recorrer. Sucumbência. Inexistência. Venda do imóvel. Direito de preferên-cia. Incoerência. Contrato não averbado no cartório de registro de imóveis. Carência de ação. Violação. Indenização. Perdas e danos. 1. A sucumbência é um dos requisitos fundamentais para a parte prejudicada recorrer da sentença. Só quem sofreu gravame, só quem sucumbiu nas suas pretensões e nos seus pedidos é que pode recorrer. 2. O registro do contrato de locação no cartório de imóveis é requisito essencial ao exercício do direito de preferência do locatário na aquisição do imóvel locado. 3. Não comprovado o pressuposto indispensável ao exercício da ação de preferência, impõe-se seja o inquilino declarado carecedor da ação. 4. Para que o locatário possa pleitear, com sucesso, a indenização decorrente da violação de seu direito de preferência na venda do imóvel locado, cumpre-lhe provar, segura e consistentemente, a capaci-dade econômico-financeiro e o dano sofrido.” (TAMG, AP 0398376-4, (81703), Belo Horizonte, 5ª C.Cív., Rel. Juiz Elias Camilo, J. 04.12.2003)“Locação. Alienação do imóvel. Direito de preferência. Não-observação. Ação anulatória. Admis-sibilidade. Direito de preferência. Locação. Ação anulatória. Interesse de agir. O inquilino pode promover ação para anular atos jurídicos que poderiam prejudicar o seu direito de preferência à aquisição do imóvel. Recurso conhecido e provido.” (STJ, REsp 475.132/PR, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 15.12.2003, p. 315)Geraldo Gonçalves da Costa nos traz a seguinte lição:“Mas, a grande inovação trazida pela lei nova refere-se à garantia do exercício do direito à aqui-sição do imóvel (direito real de preferência), mediante a adjudicação compulsória, uma vez que agora a própria lei regulamentou em seu texto o modo como deve o contrato ser averbado no cartório de imóveis, condição essa indispensável para a aquisição do imóvel.Diz o art. 33 da Lei nº 8.245/1991, o seguinte: O locatário preterido no seu direito de pre-ferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de 6 meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos 30 dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel’. Parágrafo único. ‘A averbação far-se-á à vista de qualquer das vias do contrato de locação, desde que subscrito também por duas testemunhas.’” (Direito de preferência na lei do inquilinato. Juris Síntese IOB, n. 57, jan./fev. 2006)

1509 – Locação – direito de preferência

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Locação. Direito de preferência. Decisão mono-crática que não conheceu do reclamo com base na Súmula nº 182/STJ. 1. Razões do regimental que não impugnam especificamente os fundamentos invocados na deliberação monocrática. Em razão do princípio da dialeticidade, deve o agravante demonstrar de modo fundamentado o de-sacerto da decisão agravada. Incidência da Súmula nº 182/STJ: ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’. 2. Agravo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 56.064 – (2011/0223558-4) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 08.05.2013)

1510 – Locação – direito de preferência – preterição do locatário – inexistência

“Civil. Imóvel locado. Direito de preferência. Preterição do locatário. Inexistência. 1. Cinge-se a questão sobre a violação ou não do direito de preferência na compra do imóvel, garantido pela Lei de Locações, implicando na anulação da venda pela CEF ao 2º réu. 2. Pretendendo o antigo pro-prietário alienar o seu imóvel, obedecendo ao disposto no art. 27 e seguintes da Lei nº 8.245/1991, procedeu à notificação extrajudicial dos autores informando as condições de venda. Contudo, apesar dos autores alegarem que exerceram seu direito de preferência, assumindo o saldo deve-dor na CEF, não comprovaram que de fato adquiriram o referido imóvel. 3. Ademais, ainda que

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tivesse restado provado nos autos que os autores exerceram o direito de preferência por ocasião da alienação do imóvel pelo antigo proprietário, uma vez que não estariam mais residindo ali a título de locação, mas sim de propriedade, não haveria mais que se falar em direito de preferência, porque findo o vínculo de locação. 4. Apelação improvida.” (TRF 2ª R. – AC 2003.51.01.026312-2 – (372743) – 5ª T.Esp. – Rel. Juiz Fed. Conv. Luiz Paulo S. Araujo Filho – DJe 18.11.2010)

1511 – Penhora – locação – opção de preferência – compra não realizada – posse precária

“Embargos de terceiro. Penhora de imóvel. Locação. Opção de preferência na compra não reali-zada. Posse precária. Apelação improvida. Intimada a apelante-embargante a apresentar certidão atualizada do Cartório de Registro de Imóveis referente ao imóvel, por se fazer necessário o exame da cadeia de sucessão dos domínios do imóvel penhorado. Contudo, a intimada quedou-se inerte, não demonstrando fatos relevantes ao seu direito. A embargante não pode nestes autos reivindi-car o direito de preferência por não demonstrar a existência de registro do contrato de locação na matrícula do imóvel e nem a existência de eventual depósito do preço pago (art. 33 da Lei de nº 8.425/1991 – antiga lei de locação). Da mesma forma, quanto ao ‘direito de opção na compra’ da embargante firmado pela primeira proprietária com a primeira locatária não resta demonstrado nestes autos, e ainda que se admita a sua existência, o fato é que a embargante não exerceu este direito, o bem continua a pertencer à executada. Saliente-se que os direitos de retenção ou de perdas e danos pela embargante são alheios a este processo, devendo ser exercidos entre os con-tratantes (como mero direito obrigacional), não podendo ser opostos contra o crédito tributário. Por último, em embargos de terceiro, a embargante deve exercer a posse e não simplesmente pra-ticar atos de permissão ou tolerância. Dos autos, há de se concluir que a posse da embargante se tornou precária a partir da notificação do locatário em 06.04.1993, como os embargos de terceiro foram interpostos em 25.06.1997, não houve o tempo necessário para converter em posse de boa--fé, para que em seu próprio nome venha se opuser a constrição judicial. Apelação improvida.” (TRF 3ª R. – AC 2001.03.99.030285-6/MS – Relª Desª Fed. Salette Nascimento – DJe 19.07.2011)

1512 – SFH – imóvel arrematado – nulidade contratual – direito de preferência – inexistência

“Direito civil e processual civil. SFH. Ônus da prova. Art. 333, I, CPC. Imóvel arrematado. Nulida-de contratual. Arguição extemporânea. Direito de preferência. Inexistência. 1. Quanto à alegada ir-regularidade na execução extrajudicial, apesar de facultado às partes especificação de provas para demonstração dos alegados fatos constitutivos de seu direito, permaneceram os autores inertes. Em tal situação, ‘cabe ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu’ (REsp 271.366/MG, Relª Min. Nancy An-drighi, DJ de 07.05.2001, p. 139). 2. É extemporânea a argüição de nulidade do contrato de finan-ciamento por ter sido redigido em ‘caracteres minúsculos e de difícil compreensão’ aos apelantes. Execução extrajudicial concluída com adjudicação do imóvel pelo agente financeiro. 3. Não há norma conferindo ao mutuário de imóvel financiado pelo SFH, tampouco a terceiro ocupante do bem, direito de preferência na sua aquisição após transferência à CEF em decorrência de processo de execução judicial ou extrajudicial do débito. 4. A Caixa Econômica Federal, na qualidade de empresa pública federal, está obrigada a observar os ditames da Lei de Licitações nas alienações de imóveis que lhe pertencem (art. 17, I, da Lei nº 8.666/1993). 5. Apelação não provida.” (TRF 1ª R. – AC 2009.35.00.025193-6/GO – Rel. Juiz Fed. Conv. Marcelo Albernaz – DJe 07.12.2012)

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Parte Geral – Doutrina

Valor Venal de Referência para Fins de Recolhimento de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis na Cidade de São Paulo

mARCELO mANhãES DE ALmEIDAAdvogado, Presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OABSP, Vice-Presidente do Con-selho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP, Vice-Presidente da Mesa de Debates de Direito Imobiliário – MDDI, Membro do Conselho Municipal de Habitação.

COM A ALTERAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DO ITBI, ESTIMA-SE QUE OS CONTRIBUINTES PAULISTANOS ENCHERÃO O CAIXA DA PREFEITURA EM MAIS DE UM BILHÃO DE REAIS.

O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos (ITBI) é um impos-to de competência municipal cujo fato gerador é a transmissão, por ato oneroso, de bens imóveis e direitos reais a eles relacionados.

Com o aquecimento do mercado imobiliário verificado, especialmente, nos últimos dez anos, os valores arrecadados pelo Município de São Paulo a tí-tulo de ITBI passaram a ser bastante relevantes no orçamento municipal, afinal, não apenas aumentou, significativamente, o número de transações imobiliárias, como também os valores dos imóveis negociados. Nesse sentido, o Jornal Folha de S. Paulo (caderno “Cotidiano” de 31 de março de 2014) noticiou que os co-fres públicos do nosso Município receberam, em 2013, mais de R$ 1,4 bilhão de reais a título de recolhimento de ITBI.

Para melhor entendimento da questão, oportuno traçar um rápido histó-rico sobre esse imposto municipal denominado ITBI.

A Constituição Federal dispõe sobre o ITBI em seu art. 156, inciso II1, sendo certo que na Cidade de São Paulo esse imposto está regulado, em síntese, pela Lei nº 11.154/1991 e pelo Decreto nº 51.627/2010.

1 “Constituição Federal:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[...]

II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

[...]

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão

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Quanto à incidência do ITBI, e, por conseguinte, à definição do seu fato gerador, assim dispõe o art. 1º da Lei nº 11.154/1991:

Art. 1º O Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de bens imóveis e de direitos reais sobre eles tem como fato gerador:

I – a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso:

a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física;

b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões.

II – a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.

Parágrafo único. O imposto de que trata este artigo refere-se a atos e contratos relativos a imóveis situados no território deste Município.

Ao definir quem são os contribuintes deste imposto, o art. 6º da Lei nº 11.154/1991 assim trata da questão:

I – os adquirentes dos bens ou direitos transmitidos;

II – os cedentes, nas cessões de direitos decorrentes de compromissos de compra e venda.

III – os transmitentes, nas transmissões exclusivamente de direitos à aquisição de bens imóveis, quando o adquirente tiver como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, a sua locação ou arrendamento mercantil. (Inci-so acrescentado pela Lei nº 13.402, de 05.08.2002)

IV – os superficiários e os cedentes, nas instituições e nas cessões do direito de superfície. (Inciso acrescentado pela Lei nº 14.125, de 29.12.2005)

Até o ano de 2005, a base de cálculo do ITBI era o valor da operação imobiliária ou o valor venal adotado para fins de lançamento do Imposto Pre-dial e Territorial Urbano (IPTU), o que fosse maior, sendo certo que, para apu-ração do valor venal do imóvel, a Municipalidade deveria respeitar as regras ditadas pela Lei nº 10.235/19862.

ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

II – compete ao Município da situação do bem.”

2 Lei nº 10.235/1986:

[...]

Art. 2º Os valores unitários de metro quadrado de construção e de terreno serão determinados em função dos seguintes elementos, tomados em conjunto ou separadamente:

I – preços correntes das transações e das ofertas à venda no mercado imobiliário;

II – custos de reprodução;

III – locações correntes;

IV – características da região em que se situa o imóvel;

V – outros dados informativos tecnicamente reconhecidos.

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A partir de 2005, a base de cálculo para o ITBI passou a ser o valor da operação imobiliária ou aquele instituído pelo Decreto nº 46.228/2005 (poste-riormente revogado pelo Decreto nº 51.627/2010), denominado Valor Venal de Referência, o que fosse maior.

Cabe notar que não estamos nos referindo ao valor venal adotado como base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), mas sim de outro valor venal adotado para fins de recolhimento de ITBI e cálculo de emo-lumentos cartorários. O valor venal de referência encontra-se assim definido pela legislação municipal:

Art. 7º A base de cálculo do Imposto é o valor venal dos bens ou direitos trans-mitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado. (Decreto nº 51.627/2010)

Assim, os referidos textos legais determinaram que a base de cálculo do imposto passou a ser o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim con-siderado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, cabendo à Secretaria Municipal de Finanças tornar público os valores venais inscrevendo--os no Cadastro Imobiliário Fiscal do Município de São Paulo.

A legislação estabelece ainda que a atualização dos valores venais dos imóveis deve ocorrer por meio de pesquisa e coleta amostral permanente dos preços correntes das transações e das ofertas à venda do mercado imobiliário, inclusive com a participação da sociedade, representada no Conselho Munici-pal de Valores Imobiliários.

Entretanto, a partir de março de 2014, a Prefeitura de São Paulo, sem demonstrar a realização da mencionada pesquisa e coleta amostral, bem como, sem qualquer participação da sociedade, aumentou sobremaneira os valores venais de referência, infringindo, assim, o art. 51 do Decreto nº 51.627/2010, que trata do estudo de avaliação e de amostras de operações imobiliárias.

Ao modificar a base de cálculo para fins de recolhimento de ITBI, a Pre-feitura majorou o imposto sem respeitar o que impõe o art. 150 da Constituição Federal que veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

Nesse sentido, bastante elucidativo o acórdão proferido pela eg. 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo nos Autos da Apelação nº 9147878-29.2007.8.26.0000, o qual, analisando exatamente

Parágrafo único. Os valores unitários, definidos como valores médios para os locais e construções, serão atribuídos:

I – a faces de quadras, a quadras ou quarteirões, a logradouros ou a regiões determinadas, relativamente aos terrenos;

II – a cada um dos padrões previstos para os tipos de edificação indicados na Tabela V, relativamente às construções.”

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a (i)legalidade da modificação da base de cálculo para fins de recolhimen-to do ITBI introduzida pelo Decreto nº 46.228/2005 (revogado pelo Decreto nº 51.627/2010) e pela Lei nº 14.256/2006, assim decidiu:

Com efeito, deixando o prévio estabelecimento da base de cálculo do ITBI ao crivo de um Órgão do Poder Executivo, a sistemática perfilhada na legislação local implicou a majoração daquele elemento tributário quantitativo – acima dos limites inflacionários do período (fl. 65) – por mero ato infra-legal, em afronta ao princípio da legalidade, insculpido no artigo 150, I, da Magna Carta.

Mais adiante, S. Exa., Relator Desembargador Silva Russo, cita o enten-dimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça deste Estado que reconheceu a inconstitucionalidade do Decreto nº 46.228/2005 no julgamento do Inciden-te de Inconstitucionalidade nº 0098335-50.2006.8.26.0000, ocorrido no dia 16.06.2010.

No mesmo sentido, a 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justi-ça de São Paulo, nos autos da Apelação nº 0013639-14.2009.8.26.0053, assim decidiu:

Mostra-se clara a violação ao princípio da legalidade tributária, uma vez que a base de cálculo do ITBI não pode depender de mero ato do Poder Executivo, sem os critérios definidos em lei. Deve-se observar o disposto na Constituição Federal e, especificamente, o disposto no art. 97, inciso II e § 1º, do Código Tributário Nacional.

Oportuno concluirmos essas observações sobre o princípio da legalidade trazendo os ensinamentos de Lucia Valle Figueiredo3, para quem o princípio da legalidade não é um condicionante para qualquer ato do administrador, mas mais do que isso, deve se submeter ao Direito, ao ordenamento jurídico, às normas e princípios constitucionais, devendo buscar como meta a igualdade na própria lei.

Não bastasse o desrespeito ao princípio da legalidade, verificamos tam-bém evidente infração ao princípio da razoabilidade. Bom senso, ponderação, prudência e moderação devem regrar o comportamento do administrador pú-blico de modo a limitar a sua discricionariedade, o que efetivamente não ocor-reu neste episódio.

A majoração dos valores venais de referência nos patamares adotados pela Municipalidade não encontrará respaldo em pesquisas e coletas amostrais dos preços correntes a que se refere o Decreto nº 51.627/2010 (que praticamen-te reproduziu o que dispunha o revogado Decreto nº 46.228/2005)4.

3 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 42.

4 “Decreto nº 51.627/2010:

[...]

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Enfim, sem questionar a necessidade da Administração Pública em bus-car aumentar a sua arrecadação, o fato é que o contribuinte de São Paulo está sendo onerado com essa postura e, se pretender questionar o aumento impos-to pela Prefeitura, poderá iniciar o questionamento na esfera administrativa, demonstrando que o valor venal de referência supera o valor da negociação/mercado. Não logrando êxito no recurso administrativo, restará ao contribuinte levar a questão para decisão pelo Judiciário.

Art. 7º A base de cálculo do Imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado.

Art. 8º A Secretaria Municipal de Finanças tornará públicos os valores venais atualizados dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal do Município de São Paulo.

§ 1º A Secretaria Municipal de Finanças deverá estabelecer a forma de publicação dos valores venais a que se refere o caput deste artigo.

§ 2º Os valores venais dos imóveis serão atualizados periodicamente, de forma a assegurar sua compatibilização com os valores praticados no Município, através de pesquisa e coleta amostral permanente dos preços correntes das transações e das ofertas à venda do mercado imobiliário, inclusive com a participação da sociedade, representada no Conselho Municipal de Valores Imobiliários.

§ 3º Os valores venais dos imóveis a que se refere o “caput” deste artigo têm presunção relativa e poderá ser afastada se: [...]”

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Parte Geral – Doutrina

A Renovação do Contrato de Locação com Prazo Certo, sem a Anuência do Garantidor – Irresponsabilidade do Fiador

JOSÉ DE ANChIETA DA mOTA E SILVADesembargador da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

RESUMO: O presente artigo trata da irresponsabilidade do fiador depois de decorrido o prazo contratual da locação, e diante da continuidade da relação locatícia, sem a sua anuência, com fundamento nos arts. 1.090, 1.483 e 1.500 do Código Civil de 1916 e nos arts. 835 e 918 do Código Civil atual, combinado com os arts. 39 e 40, inciso V, da Lei do Inquilinato.

PALAVRAS-CHAVE: Contrato de locação; fiança; prazo determinado; continuidade da locação; irresponsa-bilidade do fiador; interpretação restritiva da lei.

ABSTRACT: This article refers to irresponsibility of the warrantor after the expiry of the contractual term of the lease, and on the continuity of the rental, without his consent, on the basis of articles 1.090, 1.483 and 1.500 of the Civil Code of 1916 and the articles 835 and 918 of the same law, combined with Civil Code arts. 39/40, V, of the Tenancy Law.

KEYWORDS: Tenancy agreement; warranty; deadline; irresponsibility of the guarantor; restrictive interpre-tation of the Law.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ressalta-se que este artigo visa unicamente ao contrato de locação escri-to e com prazo determinado, cuja fiança é estabelecida para este mesmo prazo. Vale dizer que não adentra na discussão aqui proposta a locação por prazo indeterminado a que se referia o art. 1.500 do Código Civil de 1916, e dispõe o atual art. 835 do Código Civil em vigor, até porque por ser contrato por prazo indeterminado, à evidência, enquanto em vigor o contrato, também em vigor a obrigação da fiança.

De início, trago para análise alguns artigos da Lei do Inquilinato e dos Códigos Civilistas de 1916 e 2002, bem como a jurisprudência do STJ e, ainda, a lição dos doutos juristas que, de forma correta, diagnosticam a fiança como contrato acessório, dando à mesma interpretação restrita. Nesse sentido, obsta--se a interpretação da fiança de forma extensiva, frente à vedação estabelecida não só pelo art. 819 do Código Civil de 2002, como também já assim dispunha o art. 1.483 do Código Civil de 1916.

A Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, prevê, em seus arts. 39, caput, e 40, inciso V, que:

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Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da lo-cação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta lei. (Parte final acrescida pela Lei nº 12.221/2009)

Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos:

[...]

V – prorrogação da locação por prazo indeterminado, sendo a fiança ajustada por prazo certo.

Ao se examinarem conjuntamente os dois artigos, chega-se às seguintes conclusões: a) a parte final do art. 39 foi incluída pela Lei nº 12.211/2009 da seguinte forma: “Ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta lei”; b) tal acréscimo em nada altera os fundamentos expostos neste trabalho, por uma razão bem simples: em hipótese alguma, houve revogação do art. 40, inciso V, da própria Lei, como também não o houve quanto ao disposto no art. 819 do Código Civil, que impede a interpretação extensiva à fiança; c) não se altera o entendimento remansoso de que o contrato de locação é o principal e o contrato de fiança, o acessório, quando se conclui que o acessório segue a sorte do principal; d) de praxe, os contratos de locação escritos possuem prazo determinado; e) é certo que o locatário fica obrigado, ao término do con-trato, entregar o imóvel, isto em caráter irrevogável e irretratável, independen-temente de notificação judicial ou extrajudicial.

Assim, em razão de tais cláusulas, à evidência, verifica-se que a cláusula que impõe ao locatário a responsabilidade pela demora da entrega das chaves em hipótese alguma deve ser debitada ao fiador. Isso porque a obrigação não é do fiador, mas do locatário, em primeiro lugar, e também do locador em cobrá--la do locatário ou da sua administradora, para que se tomem as providências cabíveis.

Não há como conceber a possibilidade de se responsabilizar o fiador por atitudes tomadas pelo locatário, com a ciência do locador, sem que traga ao conhecimento daquele primeiro a ocorrência da situação e, sobretudo, sem ter a sua anuência.

Os arts. 1.483 e 1.500 do Código Civil de 1916 assim dispunham:

Art. 1.483. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.

[...]

Art. 1.500. O fiador poderá exonerar-se da fiança, que tiver assinado sem limi-tação de tempo, sempre que lhe convier, ficando, porém, obrigado por todos os efeitos da fiança, anteriores ao ato amigável, ou à sentença que o exonerar.

Já os arts. 819 e 835 do Código Civil atual preveem que:

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Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.

[...]

Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fian-ça, durante sessenta dias após a notificação do credor.

Diante da redação clara dos artigos supra, não resta dúvida alguma que a melhor interpretação é aquela que afirma que o fiador se desonera de sua responsabilidade quando do término da locação, na hipótese de o locador e o locatário assentirem pela continuidade da locação, sem consentimento expres-so do fiador.

Basta uma leitura atenta da primeira parte do art. 39 da Lei do Inquilinato para se concluir que a segunda parte do artigo se refere ao que foi contratado entre locador e locatário, no que diz respeito ao prazo da locação. É dizer, dis-pondo o contrato de locação que o prazo é de dois anos, ou seja, prazo certo, à evidência que, ao término do prazo, o fiador fica automaticamente exonera-do das suas responsabilidades, uma vez que o contrato de locação deixou de existir.

Até porque isso é uma questão de lógica, bom senso e inteligência. Não há como o fiador e o locador estabelecerem um contrato de fiança sem que exista locação. Sendo o contrato de locação por prazo certo, ao seu término, caso concordem o locador e o locatário em continuar a locação, evidentemente com novo prazo determinado ou indeterminado, escrito ou não, haverá a ne-cessidade de se obter nova anuência do fiador, sem a qual será este exonerado de quaisquer ônus ou encargo proveniente do contrato em que se obrigou a garantir fiança.

Assim sendo, pode-se enumerar o que ocorre quando o contrato é por prazo certo e chega ao seu termo final: a) a responsabilidade do fiador começa quando assina o contrato de locação e se encerra quando do término do seu prazo; b) havendo cláusula de prorrogação da fiança, por ser cláusula acessória, esta só terá valor caso ocorra a anuência expressa do fiador. Não existe fiança verbal! c) é preciso ainda frisar: a cláusula de possível prorrogação da locação não se sobrepõe à cláusula que estipula prazo certo para o término do contrato nem ao mandamento legal que determina que a fiança deve ser escrita.

Nessa ordem, o termo “aditamento” contido na Súmula nº 2141 do STJ deve ser entendido como alteração, qualquer que seja, como redução de prazo, aumento de prazo, substituição de locatário ou do locador e do fiador. Todas, sem dúvida alguma, precisam do consentimento do fiador, por escrito.

1 STJ, Súmula nº 214: “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não abriu”.

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A melhor doutrina é unânime ao afirmar a necessidade de anuência do fiador para responsabilizá-lo pelo pagamento de aluguéis em atraso, diante da hipótese de prorrogação da locação. E eu afirmo com absoluta certeza que, encerrado o prazo da locação com termo certo, um novo contrato é realizado, pouco interessando se escrito ou não. Se escrito, decerto que o fiador deve consentir, também por escrito, em continuar se obrigando às responsabilidades advindas do contrato. Se verbal, com maior razão, deve o fiador anuir, expres-samente, com o novo período da locação, por ser inaceitável que preste fiança verbal.

O Código Civil de 1916 já trazia, em seu art. 1.483, que a fiança só se dava por escrito e era expresso em vedar a interpretação extensiva. A redação do art. 819 do atual Código Civil repete ser inadmissível a interpretação exten-siva da fiança. A regra é taxativa, determinante e de obrigatória observância por todos. É dizer, quer por juízes de primeira instância, quer pelos Tribunais estaduais, quer pelos Tribunais superiores. A regra vale para todos.

A jurisprudência do STJ era coerente com o que dispunha o art. 1.483 do Código Civil de 1916, tanto é que assentou a questão por meio da Súmula nº 214. Este entendimento, em hipótese nenhuma, viola o artigo supra, como também não discrepa do disposto no art. 819 do atual Código Civil.

Contudo, alterada a composição das Turmas, o STJ passou a entender que a responsabilidade do fiador só termina com a entrega das chaves, dando à fiança uma interpretação extensiva, o que é vedado pelos arts. 819 e 39 da Lei do Inquilinato.

A posição atual do STJ, com o devido respeito, não pode ser aceita, por violar o art. 819 do Código Civil, e, o que é mais grave, admite que a fiança per-maneça ainda com o término do contrato de locação, configurando-se, assim, sua aceitação na forma verbal.

Assim sendo, é de se observar que o contrato de locação – a não ser quando ele seja, desde o início, estabelecido por tempo indeterminado – sem-pre deverá observar o prazo expresso no contrato, tendo, portanto, tempo certo para extinguir. E, em ambos os casos, a fiança deverá ser escrita.

A DOUTRINANecessário descrever a posição doutrinária a respeito da matéria, a fim

de fundamentar ainda mais a linha de raciocínio aqui estabelecida.

O Jurista Dilvanir José da Costa, em sua conceituada obra Direito civil à luz do novo código, ensina:

31.1. Conceito, requisitos e efeitos

A fiança é um contrato acessório de garantia pessoal ou fidejussória, pelo qual uma pessoa se obriga perante o credor, a cumprir uma obrigação do devedor,

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caso esta não a cumpra (art. 818). É um contrato formal, exigindo documento escrito, inclusive uma simples cláusula no contrato principal (art. 819). Por se tratar, em regra, de contrato gratuito, a fiança é de interpretação estrita ou não--extensiva. (3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 319) (destaque próprio)

Outro Jurista, Pinto Ferreira, em Comentários à lei do inquilinato, não discrepa da opinião supra. Vejamos:

III – INVIABILIDADE DA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DA FIANÇA

A fiança é sempre um contrato escrito (CC, art. 1.483). Não admite interpretação extensiva nem pode ser provada por testemunhas, mas não há necessidade de exagerada forma técnica especial para a mesma. É bastante que o fiador assuma a obrigação com clareza no manifestar a sua intenção, o valor da obrigação, o tempo que pode ser determinado ou indeterminado, assim como seu objeto.

[...]

IX – RESPONSABILIDADE DO FIADOR

A responsabilidade do fiador é a de atender e responder pela sua obrigação, tal como ficou convencionado por escrito, e por isso a fiança não admite interpre-tação extensiva (RT, 258/381). A fiança, assim, termina até onde foi autolimitada a responsabilidade do fiador, e, dessa forma, a majoração dos aluguéis sem a aquiescência do fiador não produz nenhum efeito em relação a este (RT 365/75). (São Paulo: Saraiva, 1992. p. 128/129) (destaque próprio)

Por sua vez, o Jurista Nagib Slaibi Filho, em seu livro Comentários à nova lei do inquilinato, depois de transcrever os arts. 37 até 42 da Lei do Inquilinato, e ao citar e interpretar o art. 39, em nosso entendimento não concorda com os juristas supracitados, uma vez que assim se expressa, no subtítulo:

19.3 Extensão temporal da garantia

Nos termos do art. 39 da Lei do Inquilinato, “salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel”, o que significa que entender-se-á que o garantidor se obriga não só pelo tempo determinado da locação como pelo tempo indeterminado e, até mes-mo, pelo tempo excedente de locação, em decorrência de decisão judicial, até o imóvel ser entregue, salvo se, na estipulação da garantia, houver sido ajustado que haverá determinada limitação temporal. (destaque nosso)

O citado jurista, na mesma obra, ao tratar da fiança a que se refere o art. 1.483 do Código Civil de 1916, atual art. 918 do Código Civil em vigor, ignora a vedação contida no artigo quanto à não interpretação extensiva. Assim se posiciona após transcrever o art. 1.481:

19.4 A fiança

Dá-se o contrato de fiança quando uma pessoa de obriga por outra, para com o seu credor, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra (Código Civil, art. 1.481).

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A fiança é contrato acessório, unilateral (quanto à constituição de obriga-ções, pois somente o fiador é que se obriga), solene (pois exige forma escrita – art. 1.483 do Código Civil quer como cláusula no contrato de locação, quer em documento independente ou “carta de fiança”), e, no geral, é contrato gratuito (pois o fiador geralmente, nada recebe do afiançado, embora não seja ilícito que o fiador cobre do afiançado a prestação de seu serviço de fiança). (8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 214 e 217) (destaque nosso)

No entanto, com o devido respeito ao douto jurista e ao colendo STJ, a melhor interpretação é a que vai ao encontro da lei e dos juristas alhures citados. Ante o exposto, é plenamente inaceitável a prorrogação da responsabi-lidade do fiador perante um contrato de locação cujo prazo já se expirou, sem haver sua anuência escrita, tendo em vista apenas um cláusula de previsão de fiança por tempo indeterminado.

Nesse aspecto, quando no contrato de locação – contrato principal – houver prazo certo e a fiança – que é contrato acessório – dispuser de forma contrária, à evidência, não pode o intérprete se posicionar no entendimento de que prevalece a cláusula acessória, com o devido respeito. Isso porque não está conforme a letra da lei.

Mesmo diante das diversidades de opinião, é certo que não se deve se posicionar de forma contrária à lei, nem ao bom senso, e, por tal fato, impres-cindível o debate acerca do tema.

O saudoso Jurista Washington de Barros Monteiro, em seu famoso Curso de direito civil, leciona:

Fiança é assim, antes de mais nada, obrigação acessória, que pressupõe, ne-cessariamente, a existência de outra obrigação principal, de que é garantia. Por exemplo, num contrato de locação com fiança, esta é acessória daquele. (p. 374)

Disposições gerais: A fiança é dada por escrito (art. 1.438, primeira parte). Exige o Código, portanto, como se vê, forma escrita, para a prestação de fiança.

Por outro lado, não se admite interpretação extensiva (art. 1.483, segunda parte, do CC/2002) – fideijussio est strictissimi júris. Aliás, constitui regra geral, em ma-téria de interpretação contratual, que os contratos benéficos, dentre os quais se inclui a fiança, possuem interpretação restrita (art. 1.090). (p. 377)

O não menos famoso e saudoso Clóvis Beviláqua, em seu Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, em edição histórica (3. tir. Editora Rio), ao comen-tar o art. 1.481 do Código, ensina: “A convencional é um contrato accecessorio, bilateral, imperfeito, expresso...” (p. 613).

O mesmo autor, ao comentar o art. 1.483, em suas observações, assim se posiciona sobre a matéria:

2. A fiança não admite interpretação extensiva, embora possa ser concebida em termos geraes e possa ser ilimitada (art. 1.486). Aliás, é princípio de direito co-

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mum que os contratos benéficos a cuja classe normalmente, pertence a fiança, se interpretam restrictamente (art. 1.090).

“Não admite interpretação extensiva” quer dizer que o fiador não responde se-não, precisamente, por aquilo que declarou no instrumento de fiança. Em caso de dúvida, a interpretação será em favor do que presta a fiança. (p. 615)

A JURISPRUDÊNCIA DO STJO Superior Tribunal de Justiça, como se extrai da consulta aos seus jul-

gados, desde os anos anteriores a 1994 até o ano de 1998, com base em seus precedentes que deram origem à Súmula nº 214, sempre entendeu que a fiança não podia ser interpretada extensivamente. Posteriormente, de forma infunda-da, ocorreu uma mudança de posição, com fulcro na Súmula nº 134, que trata de interesse processual, mas não de fiança.

Vejamos a redação de cada súmula:

Súmula nº 214: O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.

Súmula nº 134: Embora intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de sua meação.

Como se vê, a Súmula nº 134 trata de matéria de interesse processual em que se abre a possibilidade ao cônjuge do executado para ajuizar embargos para defender-se, como terceiro, da constrição do bem imóvel pertencente ao casal, efetuada em razão de dívida assumida pelo outro cônjuge. Assim, admite--se, tão somente en passant, a sua aplicação nos casos de fiança.

Diante disso, o próprio STJ, posteriormente, editou a Súmula nº 214, em vigor, cujo texto trata especificamente da fiança, com base em seus próprios precedentes, em que se analisou objetivamente o contrato de locação como contrato principal e a fiança, como seu acessório, expressa na cláusula condi-cional que trata da sua possível prorrogação.

Aliás, o saudoso Carlos Maximiliano, em sua obra Hermenêutica e apli-cação do direito, citada constantemente pelos melhores hermeneutas e aplica-dores do Direito, ensina:

306 – Acessorium sequitur principale: O texto referente ao principal rege também o acessório. O acessório acompanha o principal.

438 – XXII. Os contratos benéficos interpretam-se estritamente. Acha-se esta re-gra exarada no Código Civil, art. 1.090, que apenas consolidou preceito vetusto e ainda hoje corrente no campo da doutrina. Decide-se, na dúvida a favor do que se obrigou.

Chama-se benéfico ou a título gratuito o contrato por meio do qual intenta al-guém propiciar a outrem uma vantagem sem exigir compensação equivalente. O

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proveito, o interesse principal, a verdadeira utilidade redunda a favor de um só dos contraentes. Classifica-se entre os contratos unilaterais, posto que não abran-ja toda esta categoria, em que há obrigações gratuitas e outras onerosas.

Consideram-se puramente benéficos, em geral, o comodato, a doação e a fiança.

Como se vê, o texto acrescido ao art. 39 da Lei do Inquilinato, em hipó-tese alguma, tem força suficiente para alterar a melhor interpretação à matéria.

REFERÊNCIASBEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Edição Histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979.

BRASIL. Código Civil (1916). Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 (artigos 1.483 e 1.500). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>.

______. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (artigo 819). Dis-ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.

______. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, que dispõe sobre as locações dos imó-veis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes (artigos 39 e 40, V). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm>.

______. Superior Tribunal de Justiça, Súmulas nºs 134 e 214. Julgados: REsp 151071/MG; REsp 64019/SP; REsp 90.552/SP; REsp 74859/SP; REsp 61947/SP; REsp 50437/SP; REsp 62728/RJ; REsp 64273/SP; REsp 34981/SP. Súmula nº 134: Precedentes: AgRg--AREsp 32408; AgRg-REsp 1218734; AgRg 131459; AgRg-AREsp 1098037; AgRg-EDlc-REsp 104968.

COSTA, Dilvanir José da. Direito civil à luz do novo código civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1962.

PINTO FERREIRA. Comentários à lei do inquilinato. São Paulo: Saraiva, 1992.

SLAIBI FILHO, Nagib. Comentários à nova lei do inquilinato. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

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Parte Geral – Doutrina

Ação Judicial para Liberação de Hipoteca e Obtenção de Escritura Definitiva

JAQuES BuShATSKyMembro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/SP.

Celebrado instrumento particular de compromisso de compra e venda de unidade autônoma em construção, passado algum tempo, mercê do adimple-mento das parcelas, deixa de existir qualquer pendência obrigacional de parte do adquirente que impeça a outorga da escritura definitiva pela vendedora.

É nesse momento que se aturdem os adquirentes, com a ciência da exis-tência de hipoteca e a recusa da Instituição Financeira, beneficiária do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), credora hipotecária em decorrência de pacto ajustado com a vendedora – empreendedora, em proceder ao necessário can-celamento desse gravame.

Ato contínuo, a vendedora declara-se impossibilitada de outorgar a es-critura, pois esta não teria nenhuma eficácia prática, em razão do gravame que incide sobre o imóvel, apontada a intransigência da Instituição Financeira em levantar a comentada hipoteca. Ou, se muito, dispõe-se a empreendedora à outorga, mas não ao cancelamento da hipoteca, fora de seu alcance, exceto de liquidado o mútuo garantido.

Em suma, o adquirente paga o preço ajustado, a vendedora entrega o imóvel, mas não se transmite a propriedade com a imaginada e esperável regu-laridade.

É nessa situação que se indaga: cabe ação judicial para a liberação da hipoteca e a outorga da escritura definitiva de venda e compra?

A pretensão ao recebimento da escritura livre de hipoteca, nas hi-póteses em que se insira o empreendimento no SFH, encontra fundamen-to jurídico no disposto no art. 431 do Decreto-Lei nº 70 de 21.06.19662,

1 “Art. 43. Os empréstimos destinados ao financiamento da construção, ou da venda de unidades imobiliárias poderão ser garantidos pela caução, cessão parcial ou cessão fiduciária dos direitos decorrentes de alienação de imóveis, aplicando-se, no que couber, o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 22 da Lei nº 4.864, de 29 de dezembro de 1965.

Parágrafo único. As garantias a que se refere este artigo constituem direitos reais sobre os respectivos imóveis.”

2 O Decreto-Lei nº 70/1966 autoriza o funcionamento das associações de poupança e empréstimo, institui a cédula hipotecária e dá outras providências.

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bem como nos arts. 223 e 234 da Lei nº 4.864/1965.

A leitura desses dispositivos afasta maiores e desnecessárias incursões no objetivo vislumbrado pelo legislador, sobretudo se considerado que os finan-ciamentos para construção ou venda dos imóveis, cujos valores sejam oriundos do SFH, somente poderão ser garantidos pela caução, cessão parcial ou cessão fiduciária dos direitos provenientes da alienação das unidades habitacionais. O regrário não contempla a hipoteca, portanto.

Ademais, o agente financeiro não poderia gravar os imóveis a serem construídos com ônus hipotecário, uma vez que esses bens imóveis serão sabi-damente vendidos a terceiros que, por certo, não poderão ser responsabilizados por duas dívidas: a própria, advinda da compra do bem; e a da construtora, referente ao financiamento para construção do empreendimento.

Aliás, o que restaria ao adquirente de imóvel hipotecado que não se obri-gou a liquidar a dívida do credor hipotecário senão abandonar o imóvel5 ou pagar o débito e promover ação de regresso ante o vendedor6?

Bem por isso as normas em questão permitem que os agentes financeiros resguardem o seu crédito apenas por meio dos mecanismos contidos em seu bojo (caução, cessão parcial ou cessão fiduciária dos direitos decorrentes das

3 “Art. 22. Os créditos abertos nos termos do artigo anterior pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário, poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado.

§ 1º Nas aberturas de crédito garantidas pela caução referida neste artigo, vencido o contrato por inadimplemento da empresa financiada, o credor terá o direito de, independentemente de qualquer procedimento judicial e com preferência sobre todos os demais credores da empresa financiada, haver os créditos caucionados diretamente dos adquirentes das unidades habitacionais, até a final liquidação do crédito garantido.

§ 2º Na cessão parcial referida neste artigo, o credor é titular dos direitos cedidos na percentagem prevista no contrato, podendo, mediante comunicações ao adquirente da unidade habitacional, exigir diretamente, o pagamento em cada prestação da sua percentagem nos direitos cedidos.”

4 “Art. 23. Na cessão fiduciária em garantia referida no art. 22, o credor é titular fiduciário dos direitos cedidos até a liquidação da dívida garantida, continuando o devedor a exercer os direitos em nome do credor, segundo as condições do contrato e com as responsabilidades de depositário.

§ 1º No caso de inadimplemento da obrigação garantida, o credor fiduciário poderá, mediante comunicação aos adquirentes das unidades habitacionais, passar a exercer diretamente todos os direitos decorrentes dos créditos cedidos, aplicando as importâncias recebidas no pagamento do seu crédito e nas despesas decorrentes da cobrança, e entregando ao devedor o saldo porventura apurado

§ 2º Se a importância recebida na realização dos direitos cedidos não bastar para pagar o crédito do credor fiduciário, bem como as despesas referidas no parágrafo anterior, o devedor continuará pessoalmente obrigado a pagar o saldo remanescente.

§ 3º É nula a cláusula que autoriza o cessionário fiduciário a ficar com os direitos cedidos em garantia, se a dívida não for paga no seu vencimento.

§ 4º A cessão fiduciária em garantia somente valerá contra terceiros depois que o seu instrumento, público ou particular, qualquer que seja o seu valor, for arquivado por cópia no registro de títulos e documentos.”

5 Art. 1.479 do Código Civil.

6 Art. 1.481, § 4º, do Código Civil.

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alienações dos imóveis), sendo-lhes vedada qualquer outra forma de garantia que possa atingir terceiros.

Solidária à angústia vivida pelos adquirentes de imóveis em tais situa-ções, firmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROMESSA DE COMPRA E VENDA – EMBARGOS DE TERCEIROS – HIPOTE-CA – SFH – A garantia hipotecária do financiamento concedido pelo SFH para a construção de imóveis não atinge o terceiro adquirente da unidade. Recurso conhecido e provido.7

CIVIL E PROCESSUAL – ACÓRDÃO – NULIDADE NÃO VERIFICADA – EMBAR-GOS DE TERCEIRO – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – HIPOTECA INCIDENTE SOBRE UNIDADE AUTÔNOMA – PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO PELA PROMITENTE COMPRADORA – CONSTRUTORA QUE NÃO HONROU SEUS COMPROMISSOS PERANTE O FINANCIADOR DO EMPRE-ENDIMENTO – EXECUÇÃO – PENHORA – MULTA – CPC, ART. 585, E 538, PARÁGRAFO ÚNICO – SÚMULA Nº 98 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – AFASTAMENTO

[...]

II – O promissário comprador de unidade habitacional pelo SFH somente é res-ponsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o financiador do empreendimento, posto que, após celebra-da a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, nos termos do art. 22 da Lei nº 4.864/1965.8

PROCESSUAL CIVIL – CIVIL – RECURSOS ESPECIAIS – FUNDAMENTAÇÃO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO – INEXISTÊNCIA – DISSÍDIO JU-RISPRUDENCIAL – COMPROVAÇÃO – CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA A CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL (PRÉDIO COM UNIDADES AUTÔNO-MAS) – RECURSOS ORIUNDOS DO SFH – OUTORGA, PELA CONSTRUTORA, DE HIPOTECA SOBRE O IMÓVEL AO AGENTE FINANCIADOR – POSTERIOR CELEBRAÇÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA COM TERCEIROS ADQUIRENTES – CANCELAMENTO DA HIPOTECA

A hipoteca instituída pela construtora ao agente financiador, em garantia de em-préstimo regido pelo Sistema Financeiro da Habitação, que recai sobre unidade de apartamentos, é ineficaz perante os promissários compradores, a partir de quando celebrada a promessa de compra e venda.

Nesse caso, deve ser cancelada a hipoteca existente sobre as unidades de aparta-mentos alienadas a terceiros adquirentes.9

7 STJ, REsp 239557/SC, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 07.08.2000, p. 00113.

8 STJ, REsp 237538/SP, 4ª T., Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ Data: 30.06.2003, p. 00251.

9 STJ, REsp 431440 l SP, 3ª T., Min. Nancy Andrighi, DJ Data: 17.02.2003, p. 00273.

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Hipóteses de cessão à Instituição Financeira dos direitos decorrentes da alienação dos imóveis a serem construídos no empreendimento, incluindo-se consequentemente cada unidade, já foram também apreciadas pelos Tribunais, sempre anotado que a instituição poderia notificar cada adquirente de unidade, para que este disponibilize eventual numerário em favor daquela. Assim,

demais disso, abriu mão o banco exequente, também, mostrando sua desídia em relação a seu crédito, do direito que lhe advinha do art. 22 da Lei nº 4.864/1965. Tal dispositivo permitia ao banco receber seu crédito diretamente dos mutuários. Mas não o fez, preferindo deixar que estes continuassem a pagar à incorporadora, com quem fez contrato de prorrogação do débito, à revelia dos adquirentes dos imóveis que até então garantiam a dívida.

A mesma sistemática foi adotada pelo legislador quando tratou do pagamento indevido. O que recebe de boa-fé e inutiliza o título ou a garantia que assegu-ravam seu direito não é obrigado a restituir. No caso dos autos, os embargantes fizeram pagamento por conta da inexistência de comando que lhes indicasse serem os mesmos inócuos à extinção da garantia que pesava sobre seus bens. Se tal situação foi provocada pelo banco exequente, não podem ser obrigados a refazer o pagamento que visava à extinção da hipoteca, pois perderam o direito de efetuá-los diretamente ao mutuante.10

Seja em razão de as verbas para a construção do imóvel terem se origi-nado do Sistema Financeiro da Habitação, seja em razão da injustificada leni-ência da instituição financeira quanto à eventual inadimplência da construtora, corroborada pela sua omissão se não tiver notificado os adquirentes para que estes disponibilizassem os pagamentos para a satisfação do referido ônus, seja, finalmente, em razão da supremacia do direito de propriedade (art. 1.228 do NCC e art. 5º, incisos XXII e XXXV, da CF), finda-se concluindo pela nulidade ou pelo forçoso levantamento da hipoteca existente sobre o imóvel.

Os fins sociais que a lei pretende contemplar e a boa-fé que há de per-mear os contratos consistem sob distinto ângulo, alicerces à pretensão liberató-ria de titular de compromisso, que se veja surpreendido por hipoteca celebrada nos moldes ora descritos.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já teve oportunidade de pro-clamar11 com veemência que,

indubitavelmente, é o caso sub oculis, porquanto os autores, na melhor da boa--fé, adquiriram o apartamento que retrata a exordial, com os respectivos estacio-namentos, adimpliram o preço e, de modo imoral e ilícito, visando resguardar interesses econômicos de uma grande instituição bancária e as falcatruas de uma

10 1º TACivil, AP 910.677-2/SP, 9ª Câmara, Rel. Juiz José Luiz Gavião de Almeida, J. 25.06.2002; Boletim AASP nº 2337, p. 2827/2828.

11 Apelação Cível nº 70003385168, 19ª Câmara, julgamento aos 02.04.2002, Rel. Des. Guinter Spode, RDI 53/292. A falida mencionada no acórdão é a “Encol”.

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grande construtora, hoje falida, veem-se na iminência de perderem verdadeiro bem de família, já que nele é que residem os autores e um filho.

Diga-se, se a hipoteca se concretiza mediante uso de mandato outorgado pelo adquirente (esta é a situação corriqueira), ocorre flagrante violação12 do inciso VIII do art. 51 da Lei nº 8.078, de 11.09.1990.

Não fosse o bastante, é fácil a verificação de que estipulação da ordem da que é tratada irrita enorme rol de dispositivos protetivos presentes na legisla-ção do consumo, colocando o consumidor em risco desmesurado, restringindo--lhe direitos, impondo-lhe excesso13, o que, se de um lado erege o direito do adquirente à liberação da hipoteca a patamar de indiscutibilidade (sob o prisma legal), evidentemente sugere futuras discussões acerca dos mecanismos legais que poderão emprestar viabilidade a empreendimentos imobiliários que depen-dam de financiamento14.

De resto, o novo código civil, mantendo a inteligência da antiga legisla-ção, coibiu qualquer tipo de atentado ao constitucional direito de propriedade (art. 1.228 do NCC)15, mantendo-se fiel ao comando constitucional (art. 5º, in-cisos XXII e XXXV, da CF).

Pois bem, se o único impedimento para a lavratura da escritura definitiva é a existência de hipoteca inscrita na matrícula do imóvel em razão de obriga-ções mantidas com a instituição financeira, passa a justificar-se o ajuizamento de ação, em busca da liberação.

É notória a condição de fragilidade que acoima tais adquirentes, a par de integralmente honradas as suas obrigações, cumprindo minimizar-lhes inúme-ros constrangimentos e os não descartados prejuízos econômicos, possibilitan-do-lhes o regular exercício do direito de propriedade.

Somem-se o efetivo conhecimento pela instituição financeira da destina-ção para venda do empreendimento e da integral quitação do preço do imóvel pelo adquirente (nessas hipóteses); a necessidade de outorga de escritura so-mente obstada em virtude da hipoteca estipulada ao alvedrio das regras especí-

12 A propósito, a Súmula nº 60/STJ: “É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”.

13 Convém a lembrança do inciso V do art. 39 e do inciso IV do art. 51, ambos do Código de Proteção do Consumidor, aliados à Portaria nº 03 de 15.03.2001 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, a qual dá por nula (item 15) previsão contratual em que “o adquirente autorize ao incorporador alienante constituir hipoteca do terreno e de suas acessões para garantir dívida da empresa incorporadora [...] [sic]”.

14 Para tal, forrando as necessidades de incorporadoras e dando atenção às exigências dos bancos, vêm sendo regulados institutos tais como o “patrimônio de afetação”, a “alienação fiduciária de imóvel”, tudo a robustecer a certeza de que hipotecas ajustadas ao arrepio dos dispositivos legais lembrados agora, sequer possuem justificativa de índole negocial ou econômica.

15 “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

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ficas; a evidência de que o direito à escritura não pode ser abalado em razão de tratos formulados entre vendedora e instituição financeira.

Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 308 (“A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”).

Malgrado as críticas que vêm sendo dirigidas ao texto (deveria cuidar de incorporadoras e não de construtoras; embaralharia hipotecas dentro e fora do SFH; não especificaria as situações de anuência do adquirente com a hipoteca; e assim por diante) no que diz respeito à questão ora debatida, não há margem para dúvida: a Súmula nº 308 deitou ares morimbundos16 às recusas formuladas por instituições e reforçou com nitidez a postulação judicial pelos adquirentes que perseguem a liberação de suas hipotecas.

São esses alguns tópicos que evidenciam a possibilidade da intervenção judicial, por meio do deferimento de antecipação de tutela17, para que seja de-terminada a liberação da hipoteca incidente sobre o imóvel de propriedade em condições tais.

Sublinhe-se, essas condições, ora resumidas, permitem inferir a existên-cia de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como a inexistência de temor de irreversibilidade da medida, tendo em vista a integral satisfação do preço do imóvel, consubstanciada na ausência de perigo de dano à instituição, que sempre poderá valer-se de mecanismos processuais adequa-dos para a satisfação de eventuais créditos em face da empresa vendedora18.

São razões que tornam legal decreto de nulidade do ônus hipotecário incidente sobre o imóvel adquirido nas condições descritas, para a definitiva liberação da hipoteca e seguinte outorga da definitiva escritura, mostrando-se possível a antecipação de tutela, tendo em vista o preenchimento dos requisitos impostos pelo Código de Processo Civil.

16 Acerca do que denominou consequências políticas da Súmula nº 308, convém examinar o artigo de Bruno Mattos e Silva “População pagará a conta da nova Súmula do STJ” (Diário das Leis, ano XXV, n. 27), e, embora eu ouse divergir de suas colocações, parecemos convergentes na certeza de que a jurisprudência acolhe os pleitos de adquirentes, nos moldes aqui apresentados.

17 Ordem que estaria inserida nos parâmetros pretendidos, a teor de “a decisão que antecipa a tutela não pode ir além da sentença possível, que por sua vez, está limitada ao pedido inicial” (STJ, REsp 194156/RS, 3ª T., Rel. Min. Ari Pargendler, DJU 23.06.2003).

18 Em idêntica demanda, o eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu o seguinte v. acórdão: “Está bem demonstrado que os cedentes de direitos e os autores cumpriram todas as suas obrigações para com a promitente vendedora. Não importa que tenham autorizado a contratação da hipoteca, porque o cumprimento integral de seus deveres contratuais os autoriza a obter a liberação do imóvel e a escritura definitiva” (Agravo de Instrumento nº 93.940-4/0, Campinas [MV 4.152], 10ª Câmara, Rel. Des. Maurício Vidigal, Julgamento 03.08.1999).

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Parte Geral – Doutrina

O Princípio da Segurança Jurídica e o Sistema Registral Imobiliário

EDuARDO PAChECO RIBEIRO DE SOuZATabelião e Registrador (2º Ofício de Teresópolis/RJ).

SUMÁRIO: 1 A segurança jurídica como princípio informador da atividade registral; 2 Qualificação registral e a segurança jurídica – Inexistência no nosso ordenamento da fé pública registral; 3 A segurança jurídica estática e dinâmica; 4 O alcance pelo registro imobiliário tanto da segurança estática quanto da dinâmica; 5 Necessidade de aplicação pelo registro imobiliário de novas tecnologias e de integração dos registros imobiliários – A função econômica do registro não mais comporta procedimentos retrógrados que desa-tendem à segurança dinâmica; 6 Registro eletrônico já implementado pelos registradores.

1 A SEGURANÇA JURÍDICA COMO PRINCÍPIO INFORMADOR DA ATIVIDADE REGISTRALO art. 236 da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei

nº 8.935/1994, que, em seu art. 1º, define como fins dos serviços notariais e registrais “garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.

Antes mesmo da Constituição Federal de 1988, a Lei de Registros Públi-cos (Lei nº 6.015/1973), também no art. 1º, já dispunha que os serviços concer-nentes aos registros públicos são estabelecidos pela legislação civil para “au-tenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”, tratando em seus arts. 16 a 21 da publicidade.

Quanto à publicidade registral, é indiscutível que o que se almeja com a ela é atribuir segurança às relações jurídicas. A segurança jurídica é o fim da publicidade registral.

Decorre a segurança jurídica da certeza quanto ao ato e sua eficácia, promovendo a libertação dos riscos. A consulta aos teores dos registros e dos livros de notas, possível a qualquer interessado (publicidade formal), associada à presunção de verdade dos atos que emanam dos serviços notariais e regis-trais, permite a aferição da boa-fé de quem pratica qualquer ato fundado nas informações recebidas. A gama de normas relativas aos serviços notariais e de registro salvaguarda interesses das partes e de terceiros, gerando segurança nas relações jurídicas.

Os serviços notariais e registrais têm atuação preventiva, voltada para a paz social, e devem contribuir para a estabilidade e segurança das relações jurídicas.

Não havendo controvérsias quanto às afirmações supra, resta analisar como devem os registros imobiliários exercer suas funções, de modo a atender

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tal necessidade a contento, ou seja, o que deve pautar a atuação dos registrado-res imobiliários para que, efetivamente, seja atendido o princípio da segurança jurídica dentro do contexto social e econômico hodierno.

A discussão não é nova e foi tema do Congresso Internacional de Direito Registral realizado nos dias 22 a 24 de maio de 2007 em Lima, Peru, organiza-do pela SUNARP – Superintendência Nacional dos Registros Públicos do Peru, Colégio de Registradores da Espanha, e Universidade de Lima, com represen-tantes da Argentina, do Brasil, do Chile, da Costa Rica, do Equador, da Espanha, dos Estados Unidos da América, de El Salvador, de Honduras, do México, do Paraguai, da República do Peru e da Venezuela, ocasião em que foi expedida a Declaração de Lima, composta de conclusões sobre as tendências e carac-terísticas dos modernos sistemas registrais, sobre os modelos de gestão e orga-nização dos sistemas registrais e sobre os sistemas de garantias hipotecárias e mobiliárias.

Consta do preâmbulo da referida declaração que

o Estado moderno consagra o princípio constitucional da segurança jurídica. O tráfico imobiliário exige que o ordenamento jurídico esteja investido dos meca-nismos que permitam aos cidadãos adotar suas decisões em um marco de juridi-cidade plena. O Registro Imobiliário é a instituição da qual se vale o Estado para proporcionar a segurança e a certeza jurídica nas transações imobiliárias. Por essas questões, um Registro Imobiliário do século XXI deve responder às exigên-cias de celeridade e eficiência pretendidas pela sociedade.

Não pode o registro imobiliário se furtar a exercer plenamente suas fun-ções, conscientes os registradores das mencionadas “exigências de celeridade e eficiência pretendidas pela sociedade”. A instituição foi eleita pelo legislador para conferir segurança jurídica às transações imobiliárias, mas, se não cumprir seu papel adequadamente, encontrará a sociedade novos caminhos e o registro imobiliário será página virada.

2 QUALIFICAÇÃO REGISTRAL E A SEGURANÇA JURÍDICA – INEXISTÊNCIA NO NOSSO ORDENAMENTO DA FÉ PÚBLICA REGISTRAL

Passando à margem da discussão sobre a vigência do princípio da fé pú-blica registral no sistema pátrio, diante da ampla prevalência do entendimento que nosso sistema confere presunção relativa, e não absoluta (como nos siste-mas que adotam a fé pública registral), releva abordar a questão da qualificação registral.

Nosso sistema, de publicidade constitutiva nos negócios imobiliários en-tre vivos, é bastante seguro, entre outras razões, pelo duplo controle. Na fase obrigacional, temos o controle do tabelião (em regra), por meio da qualificação notarial, à qual se segue a qualificação registral, na fase real do negócio. A qualificação toma destacado relevo por se tratar de um sistema de presunção

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relativa, causal, no qual o ingresso indevido de um título no fólio real pode vir a causar sérios prejuízos às partes e aos terceiros que confiarem nos teores do registro, colocando em risco a segurança jurídica, não apenas do titular inscrito, como dos terceiros. A desconstituição de um registro pode ter um efeito domi-nó, atingindo diversos integrantes da cadeia registral.

Cuidando da qualificação, tive oportunidade de afirmar o seguinte1:

Especial atenção merece o princípio da legalidade. Afranio de Carvalho, com propriedade, afirma que “o Direito brasileiro adota o princípio de legalidade ou legitimidade, em virtude do qual a validade da inscrição depende da validade do negócio jurídico que lhe dá origem e da faculdade de disposição do alienante”. Prossegue o antigo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro para dizer que o registro, “embora tenha efeito constitutivo, não o tem saneador”, para concluir com precisão que, “diante dessa contingência, cumpre interpor entre o título e a inscrição um mecanismo que assegure, tanto quanto possível, a correspondência entre a titularidade presuntiva e a titularidade verdadeira, entre a situação registral e a situação jurídica, a bem da estabilidade dos negócios imo-biliários”. O referido mecanismo é o exame prévio da legalidade, a qualificação registral. A Lei nº 6.015/1973 não determina expressamente a qualificação, que está subentendida nas disposições sobre as exigências do registrador e o procedi-mento de dúvida. O antigo regulamento 18.542, de 24.12.1928, para execução dos serviços concernentes aos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil (de 1916), determinava expressamente o exame da legalidade. Apesar da rele-vância da qualificação, a lei não dispõe sobre seu alcance, o que tem suscitado controvérsias. Socorrendo-me mais uma vez a Afranio de Carvalho: o autor, após discorrer sobre os limites da qualificação, cita decisão proferida no Estado de Mi-nas Gerais segundo a qual “o oficial pode levantar toda e qualquer dúvida, quer com relação às formalidades externas, quer internas, do título, desde que deste, única e exclusivamente, ela provenha”, e conclui: “O exame da legalidade do título recai, portanto, quer sobre o aspecto da sua aptidão para mudar o direito real, inclusive o seu relacionamento com o registro, quer sobre o aspecto da idoneidade da sua forma extrínseca”. Outra não é a opinião de Nicolau Balbino Filho, em Direito Imobiliário Registral, para quem, invocando o escólio dos es-panhóis Lacruz Berdejo e Sancho Rebullida, o meio de tornar efetivo o princípio da legalidade, “seja qual for a natureza do título (público, judicial ou particular), é o exame da sua validade intrínseca e extrínseca feito pelo registrador”. Lacruz Berdejo leciona que “la calificación consiste, así, el examen por el Registrador de la validez externa e interna del título presentado, antes de resolver sobre su ingreso en el Registro y a este sólo efecto”. Prossegue abordando o âmbito da qualificação para informar que a legislação espanhola define com clareza os limites da função qualificadora, distintos quer se trate de documentos notariais, judiciais ou administrativos, sendo plena para os primeiros, muito limitada para os segundos e não tanto para os terceiros. Também em Portugal os títulos têm uma ampla qualificação. J. A. Mouteira Guerreiro afirma sobre o princípio da legalidade: “Este princípio significa que quando os títulos são apresentados a

1 SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. Noções fundamentais de direito registral e notarial. São Paulo: Saraiva, 2011.

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registro, o responsável por este, o registrador (o conservador, como entre nós é designado) deve qualificá-los, deve examiná-los, verificando a sua conformi-dade com a lei quer quanto à forma externa, quer quanto ao fundo”. Prossegue o doutrinador português dizendo que quando vigora o princípio da legalidade, exercendo o registrador um juízo de valor chamado qualificação, deve ser ana-lisado o conteúdo do documento, e não se limitar a atividade a uma verificação extrínseca. O exame dos títulos, quanto à forma e ao fundo, decorre de determi-nação legal no Direito português. O art. 68 do Código do Registro Predial, sob a rubrica “princípio da legalidade”, no capítulo da “qualificação do pedido de registro”, impõe a verificação da “regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos neles contidos”. Assim, a qualificação quanto à forma refere--se à regularidade externa do título, como documento (escritura, instrumento particular, carta de sentença); e quanto ao fundo refere-se à validade intrínseca dos atos, dos negócios (compra e venda, doação, hipoteca). Caio Mario da Silva Pereira leciona que dentre os efeitos produzidos pelo registro está a “legalidade do direito do proprietário, atendendo a que se o oficial efetuou a transcrição ou inscrição, foi porque nenhuma irregularidade extrínseca ou intrínseca lhe ocor-reu do exame do título”. Por vigorar no sistema registral brasileiro o princípio da legalidade, não se limita a qualificação do registrador brasileiro à forma do título, impondo-se a qualificação quanto ao fundo. Os registradores são profissionais do direito e de sua atuação na qualificação resultam os efeitos da publicidade, gerando segurança jurídica estática e dinâmica. Afastar a qualificação quanto ao fundo significaria reduzir o registro imobiliário a uma instituição burocrática, sem alcance da desejada segurança jurídica. “De otro modo – decía don Jerónimo González – los asientos solo servirían para engañar al público, favorecer el trá-fico ilícito, y provocar nuevos litigios”. Assim, o registrador deve analisar se es-tão presentes causas de nulidade ou anulabilidade, sendo que, a meu juízo, as anulabilidades não devem impedir o registro, mas somente impõem a averbação da circunstância, posto que sanáveis. Há, contudo, opiniões divergentes. Walter Ceneviva defende que ao registrador não cabe perquirir da substância do negó-cio jurídico, qualificando o título tão somente quanto às formalidades exteriores. Para espancar controvérsias, deveria a legislação prever expressamente a qua-lificação registral, e definir seus limites, considerando as relevantes funções do registro imobiliário, o sentido prático do princípio da legalidade e que o registro publica titularidades.

Sendo a qualificação, como se vê, o mais relevante momento do processo de registro, ou seja, aquele em que se decide pelo ingresso ou não do título no fólio real, decorrendo da qualificação positiva todos os efeitos do registro, está a segurança jurídica estreitamente vinculada à precisão técnica da qualificação.

Atua o registrador, em tal momento, como verdadeiro profissional do Di-reito, devendo estar atento à relevância de sua função. A qualificação do regis-trador é jurídica. Não deve o registrador agir como um burocrata, há que tomar decisões, pautadas pela técnica jurídica, enfrentando as questões e decidindo pela qualificação positiva ou negativa. A decisão pela qualificação negativa deve ser nas situações que realmente não podem acessar o registro ou nas quais as controvérsias impõem um pronunciamento judicial.

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Lamentavelmente, ocorrem situações em que os registradores, apesar de estarem diante de situações que comportam solução no âmbito administrativo, se esquivam de agir como profissionais do Direito, remetendo o usuário do serviço para o caminho tormentoso do procedimento de dúvida por comodi-dade ou temor em decidir, infirmando todo o sistema. Cada negativa de regis-tro infundada desacredita o sistema e macula os registradores que têm postura de profissionais do Direito. Não bastasse, vemos situações, ainda, em que são formuladas exigências em excesso, praticados atos desnecessários, tudo em de-trimento de uma qualificação técnica, precisa e célere, indispensável para a segurança jurídica que atenda aos anseios da sociedade atual.

3 A SEGURANÇA JURÍDICA ESTÁTICA E DINÂMICAA segurança jurídica completa abarca a segurança estática e a dinâmica.

O fim almejado pela publicidade registral deve ser a segurança jurídica comple-ta, protegendo tanto o proprietário quanto o comércio imobiliário.

O titular do direito inscrito dele não pode ser privado sem seu consenti-mento ou sem determinação judicial (segurança estática), e o adquirente de um direito subjetivo imobiliário deve estar a salvo de qualquer ataque por elemen-tos que não constassem do registro por ocasião da aquisição (segurança dinâmi-ca). A segurança no tráfico imobiliário, com a proteção daqueles que confiaram no teor dos registros, se atinge com a publicidade registral, a permitir potencial-mente o conhecimento geral do que se publica, com efeitos erga omnes.

Ricardo Dip2 analisa a segurança jurídica estática e dinâmica e faz im-portantes anotações, dignas de menção.

O autor menciona o conflito entre a segurança estática e a dinâmica, e diz que, “ainda que o antecedente histórico do moderno registro imobiliário, pois, indique essa primazia intencional relativa à proteção do tráfico, a execu-ção do sistema registrário não pode prescindir da concentração da tutela quer da segurança estática quer da dinâmica...”.

Mais a frente, o magistrado paulista refere-se à necessidade da prevalên-cia da segurança estática no que respeita ao registro imobiliário, mencionando a “inconveniência da mobilização do solo – vulnerando-se a natureza da insti-tuição da propriedade predial”, como um dos motivos da prevalência.

Finaliza dizendo que não se pode “dar incentivo desmesurado ao crédi-to imobiliário, com os graves riscos econômicos que decorrem da exacerbada mobilização do solo”, fazendo crítica fundamentada ao registro imobiliário sob a seguinte argumentação:

Enfrentar e vencer formalismos ocos, burocracias inúteis, que esclerosam o regis-tro predial, não importa em negligenciar a observância de princípios que mantêm

2 DIP, Ricardo. Registro de imóveis (vários estudos). Porto Alegre: Safe, 2005.

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viva a propriedade imobiliária privada e, com ela, não apenas os direitos reais menores mas as liberdades concretas dos indivíduos e dos corpos intermediários da sociedade política. Nenhuma segurança dinâmica se alcançará, quando se suponha adquirida à custa do maltrato da segurança estática.

4 O ALCANCE PELO REGISTRO IMOBILIÁRIO TANTO DA SEGURANÇA ESTÁTICA QUANTO DA DINÂMICA

Luís María Cabello de los Cobos y Mancha3, registrador espanhol, le-ciona que “a função do registrador é colaborar com a economia de mercado; oferecer segurança; ser um jurista dotado de fé pública; oferecer rapidez, incor-porando novas tecnologias, sobretudo a assinatura eletrônica”.

A evolução dos serviços de registro imobiliário no Brasil é evidente, te-mos um bom sistema, capaz de garantir a segurança jurídica, e as novas tec-nologias têm sido não apenas incorporadas pelos registradores, os registradores têm sido pioneiros no desenvolvimento de novas tecnologias.

Atentos à segurança jurídica estática, não podem os registradores perder de vista a segurança dinâmica, pois devem permitir o cumprimento pelo registro predial de sua função econômica. O mercado exige mais celeridade e necessita de um hígido sistema registral imobiliário, a segurança jurídica estática é indis-pensável para o tráfico imobiliário.

Diante de tal contexto, os registros imobiliários devem se adaptar às no-vas exigências do mercado (e assim tem sido), mas também deixar claro que sua função econômica não pode se sobrepor à sua função jurídica e social, e gizar, de forma muito clara, que o registro imobiliário é a instituição adequada para a garantia da segurança jurídica, importando sua substituição por outra institui-ção ou sistema em um risco para a almejada segurança.

À guisa de exemplificar, podemos citar a falta de integração e a morosi-dade de alguns serviços como dois problemas dos registros imobiliários pátrios.

No próximo tópico faremos considerações sobre a integração dos ser-viços de registro. Quanto à morosidade, não devem os registradores aguardar alterações legislativas para prestarem serviços mais céleres. Anote-se que não se trata de açodamento, de uma rapidez que coloque em risco a segurança, mas não mais se justificam certos prazos estabelecidos por uma lei editada em 1973. Vejamos: cinco dias para expedição de uma certidão e trinta dias para a prática de um ato de registro (arts. 19 e 188 da Lei nº 6.015/1973). Tais prazos foram fixados antes da utilização de computadores, antes dos softwares que fo-ram desenvolvidos especialmente para os registros imobiliários, antes do acesso hoje fácil a impressoras, copiadoras, e a toda uma tecnologia que permite mais

3 MANCHA, Luís María Cabello de los Cobos y. Registro de imóveis, um sistema eficaz de segurança jurídica. Boletim do IRIB, n. 282, nov. 2000.

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rapidez sem infirmar a segurança. O mercado não mais aceita prazos tão dila-tados, e a resistência em atender às demandas pode trazer sérias consequências ao registro imobiliário e à segurança jurídica.

O sistema registral brasileiro vem sofrendo ataques do legislativo, ata-ques que alteram o cerne do sistema e que podem nos conduzir a resultados nefastos que já foram experimentados por outros países.

Vale trazer à baila a experiência americana, tratada por Fernando Méndez González4:

O Mortgage Electronic Registration System (MERS) pertence hoje às principais entidades financeiras dos EUA. É usado por mais de três mil empresas americanas de serviços financeiros, administra cerca de 65 milhões de hipotecas. Suas práti-cas estão no olho do furacão da crise das execuções hipotecárias que afeta aque-le país. Segundo seu próprio site, trata-se de “um sistema inovador que simplifica o modo de alienar e constituir garantias hipotecárias bem como sua gestão... Ins-tituído pela indústria do crédito imobiliário elimina a necessidade de documentar e registrar as cessões de créditos hipotecários”. Ou seja, o MERS foi criado com o propósito de evitar as exigências de documentação e registro das cessões de crédito hipotecário. Esse “processo inovador de simplificação” é a causa de sérias dificuldades – se não da impossibilidade – de execução das hipotecas administra-das pelo MERS. O mecanismo permitiu a prática de empréstimos com garantias hipotecárias predatórios contribuindo para a formação da bolha de títulos de crédito hipotecário. Por isso era conveniente ocultar as titularidades dos créditos hipotecários por trás de um véu de opacidade, segundo alegam os investidores nas demandas que apresentam para reclamar a devolução do dinheiro investido.

Estaríamos caminhando no mesmo sentido diante do mais recente ataque ao sistema registral imobiliário?

A Lei nº 12.543/2011 incluiu o art. 63-A à Lei nº 10.931/2004, de se-guinte teor:

A constituição de gravames e ônus sobre ativos financeiros e valores mobiliários em operações realizadas no âmbito do mercado de valores mobiliários ou do sistema de pagamentos brasileiro, de forma individualizada ou em caráter de universalidade, será realizada, inclusive para fins de publicidade e eficácia pe-rante terceiros, exclusivamente mediante o registro do respectivo instrumento nas entidades expressamente autorizadas para esse fim pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, nos seus respectivos campos de compe-tência. (Incluído pela Lei nº 12.543, de 2011)

Parágrafo único. O regulamento estabelecerá as formas e condições do registro de que trata o caput, inclusive no que concerne ao acesso às informações. (Incluí do pela Lei nº 12.543, de 2011)

O regulamento foi editado em 1º de fevereiro de 2013 (Decreto nº 7.897/2013).

4 GONZÁLEZ, Fernando Méndez. Registro público de imóveis eletrônico. São Paulo: Quinta, 2012.

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O Banco Central expediu, então, a Resolução nº 4.088, de 24.05.2012, que

dispõe sobre o registro, em sistema de registro e de liquidação financeira de ati-vos, das garantias constituídas sobre veículos automotores ou imóveis relativas a operações de crédito, bem como das informações sobre a propriedade de veícu-los automotores objeto de operações de arrendamento mercantil.

No art. 1º dispõe:

As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil devem registrar, em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pelo Banco Central do Brasil:

I – as garantias constituídas sobre veículos automotores ou imóveis relativas a operações de crédito [...].

Estabelece a resolução que o sistema de registro deve ser de âmbito na-cional e permitir a consulta unificada das informações.

Sérgio Jacomino, em texto que intitulou Registro de Garantias no Bacen – um ataque ao sistema registral5, afirma que

a falência do sistema registral brasileiro parece evidente. Primeiro, houve a in-vestida direta da Central de Gravames, hoje nas mãos da Cetip, que atraiu para si o registro das garantias relativas a bens móveis (veículos automotores) e de títulos de crédito, como as CCIs. Nenhum Registro de Títulos e Documentos já registra qualquer transação ou operação garantida, cuja informação escoou para centrais que tais. O Registro Imobiliário parece ser a bola da vez nesse processo de retirada de atribuições e esvaziamento [...] Estamos diante de um processo orquestrado e profissionalmente bem conduzido cujo objetivo final é a substitui-ção do sistema registral brasileiro por modelos que fizeram fortuna nos Estados Unidos [...] Já não pode pairar dúvidas acerca dos objetivos agora declarados de tornar “oficial”, pelas mãos do Bacen, o Registro Público de Ônus e Gravames Mobiliários e Imobiliários.

É imperioso, portanto, que os registros imobiliários criem mecanismos para o pleno exercício de sua função econômica, proporcionando, para além da segurança estática, a segurança dinâmica.

5 NECESSIDADE DE APLICAÇÃO PELO REGISTRO IMOBILIÁRIO DE NOVAS TECNOLOGIAS E DE INTEGRAÇÃO DOS REGISTROS IMOBILIÁRIOS – A FUNÇÃO ECONÔMICA DO REGISTRO NÃO MAIS COMPORTA PROCEDIMENTOS RETRÓGRADOS QUE DESATENDEM À SEGURANÇA DINÂMICA

Sérgio Jacomino, já em 2005, discutia a modernização dos serviços de registro de forma a atender a sua função econômica, promovendo reunião como presidente do IRIB com a seguinte pauta:

5 Disponível em: <http://cartorios.org/2012/05/25/registro-de-garantias-no-bacen-um-ataque-ao-sistema-registral /#more-1777>. Acesso em: 27 jul. 2012.

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1. Estudo de procedimentos-padrão. Escritura-padrão e termos contratuais prede-finidos. A escritura pública eletrônica e o registro de imóveis; 2. Informatização dos registros de imóveis. Registro eletrônico. Fólio real eletrônico. Recebimento e transmissão de escrituras e certidões. Assinaturas digitais; 3. A constituição de bases de dados intercambiáveis para trânsito em redes de informação registral – publicidade registral na Internet; 4. Reforma do sistema registral brasileiro. Efi-cácia do registro – a fé pública registral em debate. Segurança jurídica dinâmica. Concentração de informações juridicamente relevantes da matrícula; 5. Penhora on-line e indisponibilidade eletrônica de bens e registro de imóveis (art. 185-A do CTN, acrescido pela Lei Complementar nº 118/2005). Viabilidade econômica e estudo de modelos de infraestrutura; 6. Constituição de central de custódia e registro de cédulas de crédito imobiliário escriturais. Sistema Abecip-Irib: amplifi-cação da eficácia dos títulos de crédito; 7. Estudos para constituição da central de indisponibilidades Irib. (Fonte: Boletim do IRIB, n. 320, jan./mar. 2005)6

Vários tópicos da pauta foram efetivamente desenvolvidos, especialmen-te pela ARISP (Associação dos Registradores de Imóveis de São Paulo) e pelo IRIB, em iniciativas conjuntas.

Em São Paulo, as certidões digitais são uma realidade, os serviços de registro imobiliário podem expedir e os tabelionatos receber e arquivar as certi-dões em formato eletrônico, com assinatura digital vinculada a uma autoridade certificadora; quanto às informações em meio eletrônico, o sistema denomi-nado “ofício eletrônico” opera uma central de informações e transações ele-trônicas intermediando as demandas da Administração Pública e dos registros imobiliários e, por meio do ofício eletrônico (www.oficioeletronico.com.br), as exigências de informações sobre a situação jurídica de executados em proces-sos de execução fiscal e outras informações solicitadas pela Receita Federal, Justiça do Trabalho, e outras entidades, são processadas em tempo real e so-mente quando há uma ocorrência são expedidas certidões; a penhora on-line é outra realidade, e consiste em um sistema eletrônico para registro das penhoras; e, mais recentemente, foi instalada a central de indisponibilidades.

Verifica-se que os registradores não estão inertes; pelo contrário, estão mobilizados para superar os procedimentos retrógrados, adotando novas tecno-logias, integrando os registros, buscando cumprir da melhor maneira tanto sua função jurídica quanto a econômica e social, atendendo, assim, as necessidades do mercado e da segurança dinâmica. Contudo, tais esforços devem se difundir por todo o País, pois a integração deve ser nacional, a possibilidade de consulta de informações do registro deve abarcar todo o sistema, somente assim se al-cançará de forma efetiva a segurança dinâmica.

6 Disponível em: http://cartorios.org/2012/05/25/registro-de-garantias-no-bacen-um-ataque-ao-sistema-registral/ #more-1777>. Acesso em: 27 jul. 2012.

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6 REGISTRO ELETRÔNICO JÁ IMPLEMENTADO PELOS REGISTRADORESA implantação do registro eletrônico foi determinada pela Lei

nº 11.977/2009, no art. 37, e, no prazo de cinco anos contados da publicação da lei, os atos praticados na vigência da Lei nº 6.015/1973 devem inserir-se no sistema de registro eletrônico. O art. 45 determina a expedição de regulamento dispondo sobre as condições e etapas mínimas, assim como sobre os prazos máximos que devem ser observados pelos serviços de registros públicos, objeti-vando a efetiva implementação do sistema de registro eletrônico.

Decorridos cinco anos da publicação da lei, não foi expedido o regula-mento.

Na realidade, muitos serviços de registro imobiliário já dispõem de tec-nologia e funcionam como registros eletrônicos, tendo, no entanto, que manter informações em suporte de papel por exigência da legislação em vigor.

O que devem os registradores imobiliários fazer é dar andamento aos avanços tecnológicos de que foram pioneiros; integrar os registros de todo o País; fornecer informações rápidas e seguras, especialmente em meio eletrôni-co; criar e administrar um banco de dados (nos moldes do banco de dados do ofício eletrônico, chamado banco de dados light, do qual constam apenas os nomes e os números de inscrição fiscal das pessoas e em que serviço registral há ocorrências daquela pessoa); ter todas as informações em sistemas informa-tizados, que se comuniquem (interoperabilidade). Enfim, colocar em funciona-mento, já, o registro eletrônico. Agindo assim, os registradores se colocarão na vanguarda, possibilitando que a segurança jurídica seja plena, protegendo o titular inscrito e fomentando o tráfico imobiliário7. Não é demais salientar que a lei determina que a implantação do registro eletrônico cabe aos serviços de registro, que não devem aguardar qualquer outra iniciativa, seja de quem for (“Art. 37. Os serviços de registros públicos de que trata a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, observados os prazos e condições previstas em regulamen-to, instituirão sistema de registro eletrônico”).

Se, do contrário, houver inércia, o preço a pagar será caro, não apenas para a instituição do registro imobiliário, mas principalmente para a sociedade, pois as portas se abrirão para, cada vez mais, se buscar alternativas e se optar por meios que, comprovadamente, já demonstraram seu fracasso em outros pa-íses. Temos que valorizar nosso registro e aprimorá-lo. O arcabouço legislativo brasileiro adotou um excelente sistema registral imobiliário, basta fazermos os ajustes necessários.

7 A criação de bancos de dados, que não são administrados pelos registradores, começa a surgir. No Estado do Rio de Janeiro, a Corregedoria Geral da Justiça determina a transmissão, em resumo, de todos os atos praticados por registradores e tabeliães (Consolidação Normativa, art. 197: “Os serviços extrajudiciais deverão transmitir, na forma e no prazo abaixo, resumo dos atos por eles praticados”).

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Parte Geral – Doutrina

O Condomínio de Fato

LEANDRO SOARES LOmEuMestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos (FDC/RJ), Especialista em Direito Registral Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), Professor de Direito Civil pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (Fadivale).

SUMÁRIO: 1 O condomínio de fato e a associação de moradores; 2 O rateio das cotas nos condomínios de fato; Considerações finais.

1 O CONDOMÍNIO DE FATO E A ASSOCIAÇÃO DE MORADORESNo condomínio de fato, os proprietários de imóveis oriundos de lotea-

mento convencional, regido pela Lei nº 6.766/1979, se reúnem informalmente e passam a se comportar como condôminos regidos pela Lei nº 4.591/1964, criando-se, assim, a figura de um condomínio aparente, através das associações de moradores.

A associação de moradores é o instrumento pelo qual os residentes de determinado loteamento utilizam para realizar suas aspirações e para protege-rem-se principalmente da violência urbana, que assola o nosso País. Utiliza-se, portanto, o instituto da associação, na forma dos arts. 53 a 61 do Código Civil, e não o instituto das sociedades, pois se constituem as associações pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos. Ressalvando que a ex-pressão “fins não econômicos”, disposta no art. 53 do Código Civil, é imprópria. Segundo César Fiúza1,

as associações têm o mesmo conceito de sociedade, possuindo, entretanto, dife-rença específica em sua definição, ou seja, não visam ao lucro. Em outras pala-vras, as associações são sociedades que não têm interesse no lucro, embora nada as impeça de ter lucro.

Toda e qualquer associação pode exercer ou participar de atividades eco-nômicas. O que é vedado é que essas atividades tenham finalidade lucrativa2.

O direito de associar-se é constitucionalmente assegurado, não podendo, contudo, as pessoas serem obrigadas a associar-se ou permanecer associadas,

1 FIÚZA, Cesar. Direito civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 150.

2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2007. p. 201. No mesmo sentido: MONTEIRO, Washington de Barros. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2001. p. 111; LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso completo de direito civil. São Paulo: Método, 2007. p. 127; DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 25. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2008. p. 243.

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tal é o disposto no art. 5º, XVII e XX, da Constituição Federal, com a seguinte redação, respectivamente: “A criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento” e “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.

Referente à ordem constitucional das associações, explica Alexandre de Morais:

É plena a liberdade de associação, de tal forma que ninguém poderá ser compe-lido a associar-se ou mesmo permanecer associado, desde que para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar, sendo que sua criação e, na forma da lei, a de cooperativa independem de autorização, vedada a interferência estatal em seu funcionamento, constituindo-se um direito que, embora atribuída a cada pessoa (titular), somente poderá ser exercido de forma coletiva, com várias pessoas.3

Como requisito legal para formação do condomínio de fato, através de associação de moradores, deverá possuir, sob pena de nulidade, a denomina-ção, os fins e a sede da associação; os requisitos para admissão, demissão e exclusão de associados; os direitos e deveres dos associados; as fontes de recur-so para sua manutenção; o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos; as condições para alteração das disposições es-tatutárias e para a dissolução.

Todos os associados no condomínio atípico devem ter iguais direitos, mas pode o estatuto instituir categorias com vantagens especiais, o que, na prática, permite criar categorias que diferenciem o valor do rateio das despesas mensais entre casas e terrenos e cotas proporcionais à medida dos imóveis.

O art. 58 do Código Civil dispõe que “nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente con-ferido, a não ser nos casos e pela forma previstos em lei ou no estatuto”. Essa norma vem limitar a discricionariedade no âmbito das associações e pode in-terferir diretamente na administração do condomínio de fato, pois, na prática, confere-se a possibilidade de incluir no estatuto do condomínio de fato as pe-nalidades para aqueles que não cumprirem regras impostas. Pode-se ainda criar regulamento interno para uma melhor convivência social, desde que este esteja expressamente previsto no estatuto. Outro exemplo de penalidade que pode ser inserida no estatuto é a proibição do associado que não está em dia com o pagamento das cotas condominiais de poder votar e ser votado nas assembleias.

A associação de moradores, a autonomia privada e a busca de seguran-ça aglutinaram-se, pois, como ponto de partida ante a insuficiência do Poder Público na prestação adequada de serviços, o que levou os proprietários de lotes individuais a se agruparem informalmente, de modo a comportarem-se

3 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 70.

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como condôminos, sem que houvesse uma efetiva relação condominial. Esses proprietários, através de associações, denominadas condomínios de adesão, ou irregulares ou de fato, elegem a figura de um administrador, para que tome fren-te face às suas necessidades e, desse modo, contratam serviços de terceiros para suprir a deficiência provocada pelo ente público4.

Destaca a doutrina a legitimidade ad causam da associação de morado-res, para mover ação de cobrança de cotas condominiais, mesmo não havendo convenção registrada, pois não tem apoio no direito autorizar que aquele que é beneficiado pela manutenção das áreas comuns deixe de pagar as despesas respectivas, prevista a incumbência da associação para esse fim, vedando-se assim o enriquecimento sem causa5.

A representação da vontade dos proprietários através da associação de moradores pode ser apreciada no relatório apresentado pelo eminente Desem-bargador Sérgio Cavalieri Filho:

Tornaram-se comuns em nossos dias os chamados condomínios de fato. Pessoas de poses adquirem imóveis residenciais ou de veraneios em loteamentos fecha-dos, normalmente em lugares aprazíveis, em busca de conforto, comodidade, la-zer, segurança, etc. Em muitos desses loteamentos, mormente em região de praia ou serrana, os serviços públicos essenciais ainda não chegaram, de sorte que são providos pelos próprios interessados através de associação de moradores, empre-sa comercial ou sem fins lucrativos, de modo a tornarem efetivos os objetivos a que se destina o loteamento.6

Assim, as associações de moradores são criadas para beneficiar as áreas comuns que por consequência favorecem a propriedade individual, realizando benfeitorias e serviços comuns, inclusive contratando empregados para cuidar da conservação e da segurança de todos. Fica evidente que as despesas comuns necessárias para a manutenção e a conservação desse condomínio de fato terão que ser rateadas entre todos os integrantes do loteamento, na proporção dos benefícios recebidos, independentemente até de contrato escrito, convenção ou estatuto social.

2 O RATEIO DAS COTAS NOS CONDOMÍNIOS DE FATOComo demonstrado, o condomínio de fato surgiu da necessidade de al-

guns proprietários ou moradores de um determinado logradouro suprirem os serviços que deveriam ser prestados pelo ente público ou fornecidos de modo satisfatório, como segurança pública, conservação das vias, distribuição de

4 SOARES, Danielle Machado. Condomínio de fato. Rio de Janeiro: Renovar, p. 82.

5 MATTIETTO, Leonardo. O condomínio de fato no direito brasileiro contemporâneo. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 29, jan./mar. 2007, p. 253.

6 TJRJ, Uniformização de Jurisprudência nº 12/2004, Órgão Especial, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho, DJ 04.04.2004.

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água, recolhimento de lixo e outros serviços cujo suprimento demande uma organização e participação coletiva dos interessados.

Suscita discussões a questão relativa à obrigatoriedade, ou não, do paga-mento de contribuições referentes aos serviços prestados, para associações de moradores, em vista de dois princípios constitucionais: o primeiro de que “nin-guém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado, na forma do art. 5º, XX, da Constituição Federal vigente, ou seja, o princípio da livre asso-ciação; o segundo, calcado no princípio que veda o enriquecimento sem causa, por seu turno, encontra-se amparada no art. 3º, I, da Constituição Federal, como fator relevante de uma sociedade mais justa e solidária, consagrada, pois, como objetivo fundamental da República7, e nos arts. 884 a 886 do Código Civil8.

O princípio da livre associação confronta com o da condenação do en-riquecimento sem causa, no que diz respeito às associações em condomínio de fato. O que suscita debates, pois, de um lado prima-se pela liberdade de associação que cada pessoa possui; do outro, a contrariedade dos indivíduos se beneficiarem, mesmo que de forma indireta, dos outros condôminos que arcam com as despesas comuns do condomínio de fato.

Causa impacto doutrinário e jurisprudencial o rateio das cotas condo-miniais e a aplicação dos princípios ora aludidos, enfatiza Danielle Machado Soares9 sobre os impasses:

1º O primeiro princípio prega a liberdade de associação que cada indivíduo pos-sui, pois é inerente a sua personalidade; em contrapartida, o segundo princípio prega a condenação daquele que se beneficia, ainda que de forma indireta, às custas de outros indivíduos, sem uma causa justa ou legal;

2º O princípio da liberdade associativa está inserido em sede constitucional, ao passo que o da condenação ao locupletamento sem causa reside em sede doutri-nária, o que em outras palavras significa dizer que o primeiro é hierarquicamente superior ao segundo.

Ressalva-se, contudo, que atualmente o princípio do enriquecimento sem causa encontra-se amparado em nosso ordenamento, com expressa redação dos arts. 884 a 886 do Código Civil, não sendo mais somente uma construção doutrinária, como afirmava Danielle Machado, em obra anterior ao novo Có-

7 NEVES, José Roberto de Castro. O enriquecimento sem causa: dimensão atual do princípio do direito civil. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 220.

8 “Até o vigente Código Civil, não havia uma previsão legislativa geral do enriquecimento sem causa como fonte de uma obrigação de restituir, mas apenas a regulação de situações específicas. A consagração do enriquecimento sem causa como um instituto supriu uma lacuna existente no nosso sistema, que pode ser observada na comparação com ordenamentos estrangeiros.” (KONDER, Carlos Nelson. Enriquecimento sem causa e pagamento indevido. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil- -constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 379)

9 Op. cit., p. 100.

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digo Civil. A nosso ver, encontra amparo também no art. 3º, I, da Constituição Federal, como fator relevante de uma sociedade mais justa e solidária10, e ainda como princípio geral do direito11.

O princípio que veda o enriquecimento sem causa está apoiado em ins-titutos antigos do direito. O tema enriquecimento sem causa “habita o mundo do direito desde, ao menos, os primórdios das ordenações romanas”12, como exemplifica Hamid Charaf Bdnie Júnior:

No Direito romano, o princípio que veda o enriquecimento sem causa já era conhecido e aplicado. Atualmente, várias ações têm o objetivo de evitar esse tipo de enriquecimento: a repetição de indébito, a de enriquecimento ilícito na co-brança do cheque prescrito, a indenização, etc. Todas elas pertencem ao gênero das ações in rem verso.

No Código Civil de 1916, eram exemplos dessas medidas o dispositivo que de-terminava a restituição do pagamento indevido, o que reconhecia o direito de ressarcimento das despesas de produção e custeio e das benfeitorias necessárias ao possuidor de má-fé, bem como aquela que reconhecia o direito à indenização do construtor de boa-fé em terreno alheio.13

Nesse sentido, o princípio que veda o locupletamento ilícito inspira-se, desde o Direito Romano, em regras de equidade, aplicando-se às ações pelas quais

devia aquele que se locupletasse com a coisa alheia restituí-la a seu dono – iure naturae aequum est neminem cum alterius detrimento et injuria fieri locupletio-rem. Todas as hipóteses conhecidas eram envolvidas na epigrafe ampla das con-dictiones sine causa, denominação que permitiu aos juristas modernos generali-zar, dizendo: quando alguém recebia indevidamente alguma coisa, ou quando cessava a razão justificativa de tê-la recebido ou quando a aquisição provinha de furto ou de um motivo imoral, não tinha o direito de retê-la, por lhe faltar uma causa. Esta, porém, não era elementar na obligatio, que se contraía independen-temente de seu conceito, porém necessária a que o adquirente conservasse a propriedade ou a posse da coisa recebida.14

10 NEVES, José Roberto de Castro. O enriquecimento sem causa: dimensão atual do princípio do direito civil. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 220.

11 “Se entende o ‘enriquecimento sem causa’ como um princípio geral do direito. A bem da verdade, acredita-se que representa uma das perspectivas do princípio da justiça. E que, nessa qualidade, é também a expressão do conceito fundamental de direito.” (CAPUCHO, Fábio Jun. Considerações sobre o enriquecimento sem causa no novo código civil brasileiro. Revista de Direito Privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 16, out./dez. 2003, p. 18.

12 CAPUCHO, Fábio Jun. Considerações sobre o enriquecimento sem causa no novo código civil brasileiro. Revista de Direito Privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 16, out./dez. 2003, p. 09.

13 BDINE JUNIOR, Hamid Charaf. Do enriquecimento sem causa. In: PELUSO, Cesar (Coord.). Código Civil comentado. 2. ed. Barueri: Manole, 2008. p. 832-833.

14 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 2007. p. 321.

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Doutrina-nos ainda o mestre Caio Mário da Silva Pereira acerca do insti-tuto do enriquecimento sem causa ao alegar:

O novo Código, a exemplo dos que cuidaram do tema de maneira genérica, estabeleceu a regra: quem se enriqueceu à custa alheia fica obrigado a restituir o que indevidamente houver recebido. Apurado o enriquecimento sine causa, o beneficiado tem o dever de restituir o que indevidamente recebeu, com a corre-ção monetária dos valores, atualizados na data da restituição.15

Pode-se, a grosso modo, concluir que o enriquecimento sem causa se dá quando alguém, às expensas de outrem, obtém vantagem patrimonial sem causa, ou seja, sem que essa vantagem se baseie em dispositivo de lei ou em negócio jurídico anterior.

Os defensores da tese do princípio que condena o enriquecimento sem causa nos condomínios irregulares alegam que, quando da abstenção dos mo-radores em ratearem as cotas instituídas em condomínios de fato, incidem na premissa da existência da vantagem, de forma indireta, dos benefícios extraídos da situação fática, ocasionando, desta forma, um aumento patrimonial às ex-pensas de outrem.

Assim, alguns julgados consideram que são exigíveis o rateio das cotas de todos moradores, estejam eles associados ou não, bastando que sejam atendi-dos pelos serviços, assegurando que essa exigibilidade decorre da proibição do locupletamento sem causa como princípio geral do direito civil brasileiro, e que o legislador não admitiria que um morador pudesse se beneficiar dos serviços sem arcar com as despesas para tanto.

Ante a obtenção da vantagem patrimonial sem causa, os tribunais pátrios já se pronunciaram condenando o locupletamento sem causa nos condomínios de fato:

Apelação cível. Cobrança de cotas condominiais. Condomínio de fato. Possibili-dade. Precedentes jurisprudenciais. Aplicação do verbete da Súmula nº 79 do eg. TJRJ. O inadimplemento de cotas resultantes do rateio de despesas realizadas em benefício de todos os proprietários e moradores que compõem a associação con-figura locupletamento indevido, que independe do beneficiado ser associado ou não. Recurso a que se nega provimento. (TJRJ, AC 2007.001.03218, 16ª C.Cív., Relª Desª Marilia de Castro Neves, J. 06.03.2007) (grifo nosso)

Apelação cível. Condomínio de fato. Contribuições condominiais. Associação. Exigibilidade. Rateio de despesas comuns. O condomínio se forma quando vá-rias pessoas possuem direito de propriedade sobre um mesmo bem, cumprindo que essas relações sejam regulamentadas para resguardar a cada um o exercício das faculdades de usar, gozar e dispor da coisa, destinando-a ao seu fim social e econômico. A associação formada por proprietários de granjas de um loteamen-

15 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 2001. p. 324.

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to fechado, porém não registrado, constitui meio de possibilitar que, de forma mais organizada, seja exigido de cada condômino a participação nas despesas comuns. Todos os beneficiados com obras de manutenção do bem ou de implan-tação de infraestrutura necessária ao exercício das atividades próprias do terreno devem arcar com o custeio das obras, sob pena de enriquecimento sem causa. (TJMG, AC 1.0145.05.225931-7/001, Juiz de Fora, 14ª C.Cív., Relª Desª Heloisa Combat, J. 18.08.2006, DJMG 11.10.2006)

Em corrente contrária, parte da jurisprudência entende que, em regra, não seria possível esta associação compulsória, ou a imposição de rateio, sob a alegação de que todos os moradores seriam implicitamente associados, já que beneficiados por aqueles serviços. Invocam o princípio da livre associação, de sorte que não se poderia pensar numa associação compulsória de tais morado-res, pura e simplesmente.

Aos defensores do princípio da livre associação, cabe a alegação de que, em face da liberdade de se associar, tutelada constitucionalmente, não é pos-sível a cobrança de tais taxas, senão quando os moradores voluntariamente associarem-se, encontrando-se, tão somente, a partir da sua expressão de von-tade de associação a obrigatoriedade e o vínculo ao pagamento das despesas comuns.

Julgados recentes em ordem de contrariedade aos que condenam os pro-prietários e moradores de condomínios de fato a arcarem com os rateios tão somente pela argumentação do enriquecimento ilícito asseveram sobre o prin-cípio da reserva legal e da livre associação, garantia constitucional:

Direito constitucional. Cobrança de cotas “condominiais”. Condomínio atípico ou de fato. Princípio constitucional da reserva legal e da liberdade de associação (art. 5º, II e XX). Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, não podendo ser compelido a se associar a entidade privada. Associação de moradores não tem nenhum direito de crédito em face de morador que não se associou. Serviços de segurança, urbanização, lazer, etc. que cabem ao Poder Público prestar como obrigação constitucional de sua razão de ser. Bem de uso comum do povo. Privatização dos espaços públicos por en-tidade privada. Imposição de obrigação ao particular de pagar duplamente pelos mesmos serviços, pelo qual já paga através de impostos e taxas. Conhecimento e provimento do recurso. (TJRJ, AC 34047/2008, 18ª C.Cív., Rel. Des. Rogério de Oliveira Souza, J. 16.09.2008)

Civil. Loteamento. Associação de moradores. Cobrança de contribuição por ser-viços prestados. O proprietário de lote não está obrigado a concorrer para o cus-teio de serviços prestados por associação de moradores, se não os solicitou. (STJ, REsp 444.391/SP, 3ª T., Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 06.10.2003, p. 269)

Apresentadas as divergências, podem-se enumerar os principais pontos argumentados. Sintetizam os julgados que admitem às associações de mora-dores cobrarem dos não associados as despesas que a todos beneficiam, tais

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como os serviços de segurança, limpeza, organização da atividade comunitária e proteção do meio ambiente, pelas seguintes alegações:

a) embora não seja possível que alguém seja compelido a associar-se, pode a associação cobrar pelos serviços prestados e usufruídos pelo morador;

b) apesar de a associação não ser visualizada como sendo um condo-mínio “de direito”, regulado pela Lei de Condomínios e Incorpora-ções, ou pelo Código Civil, não se exclui a obrigação de concor-rerem os moradores para as despesas realizadas em benefício de todos e que ensejam a valorização das unidades e maior segurança e bem-estar coletivo16, sob pena de se caracterizar o enriquecimen-to sem causa17;

c) o art. 1.315 do Código Civil prevê a obrigação de o condômino ou o coproprietário arcar com a sua parte das despesas decorrentes da coisa comum; e

d) comprovação de que os serviços prestados confiram efetivos bene-fícios aos condôminos, e sejam eficientes18.

Enfatizamos ainda a alegação da legitimidade da associação de mora-dores para o rateio das cotas pela análise do Enunciado nº 89, aprovado na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, em cujos termos “o disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campos”. Sublinha J. Franco Nascimento sobre o enun-ciado:

A enumeração enunciada pelo art. 1.331 é meramente exemplificativa, porque o sistema pode ser adotado igualmente às edificações destinadas a garagens, mer-cados, estações rodoviárias, shopping centers e, por extensão, vilas residenciais, loteamentos fechados, etc. e até cemitérios particulares com jazigos individuais ou coletivos.19

Em sentido contrário, os que não admitem a cobrança do rateio das des-pesas comuns nos condomínios atípicos argumentam:

16 Conforme relatado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, “a desobrigação do condômino de contribuir para as despesas comuns levará a duas situações indesejáveis: lançará à conta dos demais a sua cota, o que é injusto, e prejudicará a conservação dos prédios, o que é socialmente inconveniente” (STJ, REsp 169.997/RS, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 28.09.1998, p. 72).

17 “Um condomínio, ainda que atípico, caracteriza uma comunhão e não se afigura justo, nem jurídico, em tal circunstância, que um participante, aproveitando-se do ‘esforço’ dessa comunhão e beneficiando-se dos serviços e das benfeitorias realizadas e suportadas pelos outros condôminos, dela não participe contributivamente.” (STJ, REsp 139.952/RJ, 3ª T., Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 19.04.1999, p. 134)

18 “Para ensejar a cobrança da cota-parte das despesas comuns, na hipótese de condomínio de fato, mister a comprovação de que os serviços são prestados e o réu deles se beneficia.” (STJ, REsp 302.538/SP, 4ª T., Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, DJe 18.08.2008)

19 FRANCO, J. Nascimento. Condomínio. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 14.

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a) a liberdade de associação consagrada no art. 5º, XVII e XX, da Cons-tituição Federal, não autoriza que os moradores de certa localidade sejam compelidos a se associarem de determinada associação;

b) a associação não pode ser considerada um “condomínio especial”, máxime quando foi constituída após o loteamento e a aquisição do imóvel pelos interessados;

c) o local de prestação dos serviços configura um bem público, inexis-tindo vinculação e dever de contribuir, pois particulares não podem se reunir em associação e instituir obrigações compulsórias inciden-tes sobre não associados; e

d) a obrigatoriedade do pagamento das cotas condominiais está reser-vada aos condôminos regularmente instituídos, ou seja, ligados a um condomínio “de direito”.

Os tribunais têm decidido, quase que por unanimidade, em sentido fa-vorável à legalidade da cobrança das cotas condominiais nos condomínios de fato. Como destaca a decisão do Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, segundo a qual “condomínio é situação de fato. Mesmo sem convenção formalizada e registrada, faculta-se a cobrança das despesas realizadas, em prol da situação de fato, entendida por condomínio”20. Nesta ordem de ideias, o mesmo tribunal decidiu,

ainda que constituído o condomínio com eventuais irregularidades (infração a posturas municipais), não serviria de escusa para o inadimplemento; são exigíveis as parcelas de custeio dos serviços condominiais que a todos beneficiam, sob pena de enriquecimento ilícito do condômino devedor em desfavor da massa condominial.21

Abundantes julgados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro corrobo-ram a obrigatoriedade dos proprietários e moradores residentes nos condomí-nios atípicos em ratearem as despesas, tal que

comprovada a prestação de serviços organizados e custeados pela associação a todos os proprietários e moradores residentes em localidade especifica, até mes-mo a seus imóveis agregando maior valor pela existência da referida prestação de serviços, não basta a declaração receptícia de vontade do proprietário, sob a alegação de exercício do direito de desassociação decorrente do art. 5º, XX, da Constituição, para se excluir do dever de contribuir para o custeio dos serviços, pois a situação de fato conduz à obrigação propter rem e ninguém pode se locu-pletar à custa alheia.22

20 2º TACSP, Ap 601.324-00/6, 3ª C., Rel. Des. Aclibes Burgarelli, DJ 11.04.2000.

21 2º TACSP, Ap 840.966-00/3, 2ª C., Rel. Des. Norival Oliva, DJ 25.04.2004.

22 TJRJ, Ap 2003.001.17927, 6ª C., Rel. Des. Nagib Slaibi Filho, DJ 16.03.2003.

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O relator do processo, Desembargador Nagib Slaibi Filho, reforça o ex-posto invocando a função social da propriedade e o princípio da proporciona-lidade, asseverando que

a função social da propriedade e dos contratos é uma realidade hoje insculpida no novo Código Civil, e o princípio da socialidade vem se consolidando também na doutrina e na jurisprudência. Se por um lado tem-se o interesse comum de uma associação de moradores em ver a área em que residem seus membros com uma infraestrutura que venha a beneficiar a todos, com iluminação, limpeza e, principalmente, segurança das famílias que ali moram, embora não se configure um condomínio nos termos exatos da lei e não seja ninguém obrigado a associar--se, razoável é que, aplicando-se os princípios da socialidade e da proporciona-lidade, prevaleça o interesse do grupo sobre o do particular, que, embora bene-ficiado também com os serviços organizados e custeados pelo grupo, recusa-se a ratear as despesas decorrentes.23

Tem sido nítido entre nós, desde o início da década de 90, a com preensão de que o não pagamento das cotas condominiais, oriundas dos condomínios irregulares, formados por associações de moradores com finalidade de organi-zação e prestação de serviços adequados à comunidade, constitui-se obrigação de todos os proprietários ou moradores que são beneficiados, sendo, ou não, associados, condenando-se diretamente o enriquecimento sem causa. Este tem sido o entendimento majoritário em nossos tribunais há quase duas décadas, conforme pode ser apreciado em entendimentos dos Tribunais de Justiça de São Paulo e Rio de Janeiro que há tempo já manifestavam:

Esse condomínio de fato tem existência real. Presta serviços. Faz despesas. O apelado com os demais criou-o e, unilateralmente, resolveu abandoná-lo. Ocorre que pela natureza dos serviços que são prestados, é incabível esse repúdio. Não cabe aqui a alegação de infringência do art. 5º, XX, da CF. Na hipótese, cuida--se de serviços de uma comunidade da qual o apelado é parte integrante. (TJRJ, AC 7677/93, 2ª C.Cív., Rel. Des. Azeredo da Silveira, J. 26.08.1993)

Loteamento. Administração. Exercido por associação sem fins lucrativos. Pro-prietário que se nega ao pagamento de sua cota-parte por não ser afiliado a esta. Inadmissibilidade. Prestação devida ante o efetivo aproveitamento dos serviços prestados. Em se tratando de loteamento administrado por associação sem fins lu-crativos, que se equipara a condomínio, embora a filiação dos proprietários não possa ser impositiva, encontram-se eles legal e moralmente obrigados a contri-buir com suas cotas-partes nos gastos rateáveis entre a totalidade dos adquirentes dos terrenos, uma vez que os imóveis deles são beneficiados pela infraestrutu-ra a cargo da referida associação. (TJSP, AC 269.630-2/5, 2ª C.Cív., Rel. Des. Francisco de Assis Vasconcellos Pereira da Silva, J. 10.12.1996)

Em ordem recente, reafirma-se a obrigatoriedade, como acima sustenta-do, estendendo-se tais razões aos tribunais, em nível nacional, como se pode observar pelos julgados:

23 Idem.

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Cobrança. Associação de moradores. Despesas da área comum. O condomínio de fato é uma situação jurídica reconhecida pela jurisprudência, que impõe aos que nele residem e usufruem dos serviços, o dever de contribuir mensalmente pelas despesas sob pena de se configurar o enriquecimento ilícito. No mesmo sentido, é o Verbete nº 79 da súmula deste Tribunal de Justiça. Os réus adqui-riram propriedade na área abrangida pela associação, usufruindo dos serviços disponibilizados, tais como controle de entrada e saída de veículos de moradores e visitantes, limpeza das ruas e praças que fazem parte da associação e, por tal motivo, devem contribuir com as despesas. (TJRJ, AC 2008.001.48941, 9ª C.Cív., Rel. Des. Roberto de Abreu e Silva, J. 07.10.2008) (grifo nosso)

Ação de cobrança. Taxas condominiais ordinárias. Condomínio de fato. Legi-timidade ativa ad causam reconhecida. Trânsito em julgado. Respeito à coisa julgada. Comprovação da origem do débito e aproveitamento pelo condômino das obras e serviços realizados. Cobrança devida. Proibição de enriquecimento ilícito. É vedada a rediscussão de matérias já transitadas em julgado, como a legitimidade ativa ad causam de condomínio de fato para cobrança de taxas con-dominiais a ele referentes, devendo ser respeitado o instituto da coisa julgada, da imutabilidade erga omnes da decisão judicial que as reconheceu. Comprovada a origem do débito sub judice, das despesas condominiais ordinárias decorren-tes do rateio entre os condôminos de obras e serviços realizados em benefício do condomínio, devido é o seu pagamento, sendo vedado o enriquecimento ilícito de uma das partes. (TJMG, AC 1.0024.02.881189-1/001, Belo Horizonte, 17ª C.Cív., Rel. Des. Luciano Pinto, J. 12.04.2007, DJMG 27.04.2007) (grifo nosso)

Civil. Associação de moradores. Condomínio de fato. Cobrança de despesas co-muns. Princípio do não enriquecimento sem causa. Obrigação propter rem. Res-ponsabilidade do proprietário. Observância dos princípios da função social da propriedade, da primazia da realidade dos fatos e da boa-fé objetiva. Em respeito ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, as associações de moradores podem exigir dos não associados, em igualdade de condições com os associados, que concorram para o custeio dos serviços por elas efetivamente prestados e que sejam do interesse comum dos moradores da localidade. Recurso improcedente. Sentença mantida. (TJBA, Rec. 22918-0/2007-1, 2ª T.R., Relª Juíza Nicia Olga Andrade de Souza Dantas, J. 29.04.2008, DJBA 06.05.2008) (grifo nosso)

Ação de cobrança. Loteamento fechado ou aberto. Equiparação a condomínio de fato para efeitos de cobrança de contribuição pela associação, formada para administrar os serviços e cobrar os seus custos. O princípio que veda o enrique-cimento ilícito ou sem causa deve prevalecer sobre o que garante a liberdade de associação. Cobrança pertinente. Concessão da gratuidade judiciária. Recurso parcialmente provido. (TJSP, AC 556.068.4/4, Ac. 2613169, Cotia, 4ª CDPriv., Rel. Des. Maia da Cunha, J. 27.03.2008, DJESP 09.06.2008) (grifo nosso)

Do exposto, verifica-se, em estudo jurisprudencial acerca do tema, que, após o julgamento da Uniformização de Jurisprudência nº 2004.018.00012 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, realizado em 4 de abril de 2005, que edi-tou a Súmula nº 79, vários tribunais passaram a adotar o mesmo entendimento, conforme apreciado nos julgados acima, que são de datas muito recentes, e todos no sentido da Súmula nº 79, em que, em respeito ao princípio que veda o

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enriquecimento sem causa, as associações de moradores podem exigir dos não associados, em igualdade de condições com os associados, que concorram para o custeio dos serviços por elas efetivamente prestados e que sejam do interesse comum dos moradores da localidade.

Apesar de condenar o enriquecimento sem causa, o legislador brasileiro não definiu o conceito de “sem (justa) causa”, talvez consciente das dificulda-des que se lhe deparavam e que tornavam inconveniente fixar na lei um concei-to necessariamente controvertido24.

Diogo Leite de Campos25, na tentativa de preencher o conceito de “causa”26, distingui-os em três âmbitos: causa da prestação, causa da obriga-ção (negocial) e causa das restantes deslocações patrimoniais, parecendo-nos enquadrar, nesta última, o enriquecimento sem causa dos moradores do con-domínio de fato, caso sejam liberados do pagamento das cotas condominiais.

Nas lições de Caio Mário da Silva Pereira, a falta de clareza do legislador quanto ao conceito de “causa” pretende estabelecer que o enriquecimento sem causa se considera:

quando falta a causa no momento em que o beneficiado aufere o proveito (rece-bimento sine causa), e bem assim quando a causa para a retenção venha a faltar posteriormente (causa non secuta) [...]. A noção de causa deve ser entendida como um título jurídico idôneo a justificar o enriquecimento. Na ausência deste título, originária ou superveniente, com presença dos outros requisitos, haverá obrigação de restituir.27

Acolhendo a tese do enriquecimento sem causa, o Superior Tribunal de Justiça tem manifestado acerca da matéria, cuja fundamentação se baseia na circunstância de que a conservação, a manutenção e a segurança do loteamen-to ou condomínio de fato beneficiam a todos que ali residem. Como relata a Ministra Nancy Andrighi e o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, respectivamente:

O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condo-mínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram sociedade para pres-tação de serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não se afigura

24 CAMPOS, Diogo Leite de. O enriquecimento sem causa em direito brasileiro. Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro: Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, 2003. p. 10.

25 Idem, p. 11-12.

26 José Roberto de Castro Neves, em artigo publicado na Revista dos Tribunais sobre o enriquecimento sem causa, afirma que “resta, portanto, afastada a possibilidade de analisar um negócio sem apreciar sua causa. Com efeito, o citado art. 421 do CC/2002 assevera que ‘a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato’. Assim, a causa que encontra amparo no ordenamento jurídico servirá como limite e norte da liberdade de contratar e, em última análise, da própria validade do negócio” (NEVES, José Roberto de Castro. O enriquecimento sem causa como fonte de obrigações. Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 95, v. 843, jan. 2006, p. 106.

27 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Op. cit., p. 324-325.

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justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias rea-lizadas sem a devida contraprestação.28

O proprietário de lote integrante de gleba urbanizada, cujos moradores constitu-íram associação para prestação de serviços comuns, deve contribuir com o valor que corresponde ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não é adequado continue gozando dos benefícios sociais sem a devida contraprestação.29

O Superior Tribunal de Justiça, majoritariamente, aderiu à corrente que entende ser exigível a contribuição, mesmo dos moradores não integrantes da associação, com fundamento no princípio que veda o enriquecimento sem cau-sa, sem adentrar na natureza jurídica da obrigação em jogo30.

Em fato análogo, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal, condenan-do o enriquecimento sem causa:

Tendo o embargante adquirido imóvel em condomínio horizontal, em que as contribuições recebidas são integralmente revertidas em favor dos condôminos, com a prestação de serviço, inclusive da conservação, cabe a todos o pagamento de sua quota-parte, sob pena de haver enriquecimento ilícito por parte daquele que, sem pagar sua parte, usufrui dos serviços prestados à coletividade. Fazendo a Associação de Moradores “oferta” de prestação de serviços a todos aqueles que adquiriram imóveis, que é “aceita”, tacitamente, pela usufruição contínua da-queles serviços, que foram instituídos em benefício de toda a coletividade, dá-se, entre ambos, o que a doutrina moderna civilista denominou de relação contratual de fato. Não obstante inexistir obrigatoriedade de participação em qualquer as-sociação, seja de que natureza for, em face da regra do art. 5º, XX, da CF/1988, todos aqueles que usufruem dos serviços necessários, por ela prestados, devem efetuar a respectiva contraprestação, pagando o respectivo preço [...]. Ademais, ainda que se pudesse admitir a existência de uma associação de moradores e não de um condomínio, o art. 5º, XX, da Constituição não admite enriquecimento ilícito por parte dos associado em detrimento do grupo.31

Apresenta-se, todavia, posicionamento divergente no Superior Tribunal de Justiça, invocando-se o princípio da livre associação. É o que se aprecia do Recurso Especial nº 444.931/SP, que, por conseguinte, originou embargos de divergências, resolvidos com o seguinte teor:

Civil. Loteamento. Associação de moradores. Cobrança de contribuição por ser-viços prestados. O proprietário de lote não está obrigado a concorrer para o custeio de serviços prestados por associação de moradores, se não os solicitou. Recurso especial conhecido e provido.32

28 STJ, AgRg-REsp 490.419/SP, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 30.06.2003, p. 248.

29 STJ, REsp 439.661/RJ, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 18.11.2002, p. 229.

30 SÁ, Antônio Carlos de. A relação jurídica de direito real e a relação jurídica de direito obrigacional. Obrigação propter rem. O condomínio de fato, irregular ou atípico e a obrigação de rateio das despesas. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro, a. III, n. 3, 2002, p. 107.

31 STF, RE 340.561/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 01.12.2004.

32 STJ, REsp 444.931/SP, 3ª T., Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 06.10.2003, p. 269.

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Embargos de divergência. Recurso especial. Associação de moradores. Taxas de manutenção do loteamento. Imposição a quem não é associado. Impossibilidade. As taxas de manutenção criadas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo.33

Observamos que as divergências incidem no Superior Tribunal de Justiça em casos ímpares, tal como o ementado acima, advindo de ação declaratória de proprietário de lote localizado em área de condomínio de fato visando eximir-se da responsabilidade pelo pagamento de encargos condominiais à associação de moradores legalmente constituída posteriormente à aquisição do terreno.

Indaga-se se o proprietário de imóvel que adquiriu a propriedade pelo sistema do loteamento convencional – ou aberto – tem a obrigação de arcar com os encargos condominiais, por associação constituída posteriormente à sua aquisição, ausente a espontaneidade do proprietário em associar-se, mesmo que beneficiário indireto dos serviços ora prestados34?

Para socorrer-nos a essa questão, não obstante a polêmica em torno da matéria, com jurisprudência oscilante nos tribunais, a posição mais correta é a que recomenda o exame do caso concreto, ensejando-se preferência ao princí-pio que veda o enriquecimento ilícito.

Na hipótese acima expressada, do REsp 444.931/SP, verifica-se que o proprietário, num primeiro momento, em análise ampla, não estará enriquecen-do, sem justa causa, à custa de outrem, visto que não usufrui dos serviços ali prestados por possuir tão somente lotes vagos, não havendo de se condenar a obrigatoriedade do rateio das cotas condominiais por infração ao princípio que veda o enriquecimento ilícito.

Contudo, como dito, a recomendação se faz diante do caso concreto. Na mesma hipótese, por exemplo, pode a associação de moradores demonstrar que os lotes vagos tiveram avaliação venal imobiliária elevados em virtude dos ser-viços ora prestados (limpeza, iluminação, segurança) aos associados diretamen-te, e indiretamente, ao proprietário dos lotes. Conjectura em que será devido o

33 STJ, EREsp 444.931/SP, 2ª S., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 01.02.2006, p. 427.

34 A mesma indagação é observada por Antônio Carlos de Sá, ao aduzir que “os problemas jurídicos que surgem do condomínio de fato são inúmeros, interessando-nos, neste trabalho, aqueles relativos às despesas geradas por esta estrutura irregular, notadamente as de segurança. O rateio dessas despesas deve se dar entre todos os beneficiários, ou seja, todos os moradores daquela rua atendidos por tais serviços. Quando os moradores que constituem este aparente condomínio criam uma associação comunitária, não há a menor dúvida de que os seus integrantes, como associados, terão que arcar com o rateio das despesas utilizadas para a prestação dos serviços objetivados. O problema se dá quando não há esta associação regularmente efetuada, ou quando existe a associação, mas nem todos os moradores se associam. Indaga-se, juridicamente, seria possível uma associação compulsória” (SÁ, Antônio Carlos de. A relação jurídica de direito real e a relação jurídica de direito obrigacional. Obrigação propter rem. O condomínio de fato, irregular ou atípico e a obrigação de rateio das despesas. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro, a. III, n. 3, 2002, p. 105).

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rateio das cotas condominiais no condomínio de fato, mesmo não sendo asso-ciado, por beneficiar-se dos serviços, sob pena de enriquecimento sem causa.

Na esteira de pensamento expressada tem sido o posicionamento, em or-dem recente, do Superior Tribunal de Justiça ao asseverar – em análise de caso semelhante ao hipotético apresentado:

Não obstante a polêmica em torno da matéria, com jurisprudência oscilante des-ta Corte, a posição mais correta é a que recomenda o exame do caso concreto. Para ensejar a cobrança da cota-parte das despesas comuns, na hipótese de con-domínio de fato, mister a comprovação de que os serviços são prestados e o réu deles se beneficia. No caso, o exame dessa matéria significa revolver os substra-tos fáticos da causa decidida, incidindo, portanto, as Súmulas nºs 5 e 7/STJ. [...] Ressalte-se que, conquanto a Segunda Seção desta Casa tenha traçado orientação no sentido de que “as taxas de manutenção criadas por associação de morado-res, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo” (EREsp 444.931/SP, Relator para Acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 01.02.2006), a questão deve ser examinada considerando a realidade de cada caso, não havendo como generalizar a tese.35

O exame do caso concreto é recomendável para verificação do enri-quecimento sem causa nos condomínios de fato instituídos posteriormente à aquisição de imóveis – situação condominial que nasce após a implantação do loteamento convencional e busca soluções para as condições impostas pela realidade social, meio garantidor do indivíduo de proteger-se diante da inércia do Poder Público em oferecimento dos serviços essenciais.

Nos condomínios de fato ora existentes e que após a sua instituição no-vos proprietários venham adquirir bens imóveis e firmam compromissos com a associação, não restam dúvidas quanto à obrigatoriedade do pagamento dos encargos condominiais. Corrobora o expressado decisão recente do STJ, relata-da pelo Ministro Aldir Passarinho Junior, que conclui:

E, aqui, é incontroverso que o autor comprou os imóveis quando já instalada a as-sociação e firmou compromisso de dela participar. Pode, é claro, debater, como associado, as verbas, impugnar os excessos, votar e ser votado, fazer propostas com vistas ao aprimoramento dos serviços, até o corte de custos, mas comoda-mente eximir-se do pagamento pelo que frui não pode, em absoluto.36

No mesmo sentido, nos casos que interessados viessem a adquirir o lote quando o empreendimento já estivesse fechado, funcionando com os serviços

35 STJ, REsp 302.538/SP, 4ª T., Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, J. 05.08.2008, DJe 18.08.2008.

36 “Civil e processual. Loteamento fechado. Serviços de vigilância, lazer, administração e conservação prestados ao proprietário dos imóveis. Compra do lote e adesão aos estatutos. Recusa ao pagamento das despesas comuns. Ação de cobrança. Procedência. Procede a ação de cobrança movida por associação de moradores instituída em loteamento fechado contra titular de lotes que, após a aquisição e a adesão aos estatutos, deixa de adimplir com o pagamento das despesas comuns relativas a serviços a ele disponibilizados ou por ele fruídos.” (STJ, REsp 443.305/SP, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 10.03.2008)

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que o caracterizam, caracterizado estaria o enriquecimento sem causa, para Nelson Kojranski:

Noutras palavras, se o adquirente resolveu, por sua livre vontade, adquirir lote de um “loteamento fechado”, tem prévia e plena ciência de que, obrigatoriamente, deverá suportar o pagamento das despesas decorrentes dos serviços comunitários aí prestados. Identifica-se, aí, além de um “dever moral”, a presença de uma obrigação jurídica, na medida em que se verifica um enriquecimento ilícito.37

Iluminando a problemática da obrigatoriedade de atender ao rateio das cotas no condomínio de fato, assegura a doutrina, em semelhança aos tribunais, em ordem majoritária, a vedação do enriquecimento sem causa. Expõem a Juíza Maria Cristina de Brito Lima e o Advogado Nei Pinto Batista que:

Por essa razão é que a cota imposta pela associação aos moradores não tem a natureza de cota associativa, mas sim de rateio de despesas relativas à prestação desses serviços, devendo, assim, ser atribuída a cada morador, independente-mente de ser ou não associado.

O fato de ser associado confere, na verdade, um relevo ao morador, que poderá participar da administração da associação, contribuindo com suas experiências pessoais e dando sugestões para melhoria dos serviços prestados à sua coletivi-dade.

Convém esclarecer que mesmo o morador não associado pode pretender a pres-tação de contas da associação, pois faz parte do rateio e isto lhe dá legitimidade para questionar até mesmo eventuais desvios financeiros da associação.38

Para Danielle Machado Soares, “a hipótese do condomínio irregular é pela predominância do princípio que condena o enriquecimento sem causa”39. Ainda expõe outro fator que influencia na relação de benefício: o mercado imobiliário. Assim,

um imóvel situado em um condomínio, ainda que de fato, tem o seu valor co-mercial valorizado. O locupletamento vai existir, pois os demais moradores irão arcar com o status que a propriedade assumirá em razão do mercado.40

Guilherme Magalhães Martins, após empregar a técnica de ponderação de interesses no conflito entre os princípios da vedação do enriquecimento sem causa e da liberdade de associação, entende que a vedação do enriquecimento sem causa encontra esteio

37 KOJRANSKI, Nelson. Loteamento fechado: problema das despesas comuns. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 2, n. 3, jan./jul. 1999, p. 124.

38 LIMA, Maria Cristina de Brito; BAPTISTA, Nei Pinto. Loteamento fechado, associação de moradores, imposição do rateio associativo a quem não é associado. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Emerj, v. 10, n. 40, 2007.

39 SOARES, Danielle Machado. Op. cit., p. 101.

40 Idem, p. 102.

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no princípio constitucional da solidariedade, a traduzir a expressão mais profun-da da solidariedade que caracteriza a pessoa humana, impondo a todos um dever jurídico de respeito, de âmbito coletivo, cujo objetivo visa beneficiar a sociedade como um todo.41

Investigando a doutrina, Carlos Maluf e Márcio Marques chegam à se-guinte conclusão:

Tem sido invocado nessa hipótese o princípio do enriquecimento sem causa, pois sempre que o proprietário adentrar ao loteamento já vai deparar com as ben-feitorias introduzidas e o sistema de administração implantado; portanto, como inegavelmente vai o proprietário beneficiar-se das melhorias implantadas pela comunidade, deve com esta contribuir.42

Contrapondo os que entendem que não deveriam ratear as despesas com a conservação dos bens e a manutenção dos serviços prestados, arrazoa Marcos Fedozzi invocando princípios do direito civil – primordialmente invocados por Miguel Reale43:

Que isso não pode ser visto como algo ético, ou seja, de acordo com a boa-fé objetiva, um dos nortes do novo Código Civil, pois, mesmo no caso desse con-domínio atípico, há uma comunhão de esforços para melhorar a vida de todos os seus participantes, não sendo justo que um comunheiro aproveite-se do sacrifício dos demais, sem contribuir com nada.44

Leonardo Mattietto, com propriedade, em excelente artigo publicado na Revista Trimestral de Direito Civil, após caracterizar o instituto do condomínio e julgados do Superior Tribunal de Justiça, destaca:

Descobre-se, com muita clareza, que o princípio que veda o enriquecimento sem causa tem inspirado os julgadores a efetuar uma ponderação, em contraste com a liberdade associativa (Constituição de 1988, art. 5º, XX). Aquele princípio, ao qual se reconhece matriz igualmente constitucional, tem sido o fundamento da jurisprudência a determinar que os integrantes do condomínio de fato, ainda que não sejam associados, paguem as contribuições necessárias para manter o ente coletivo.45

41 MARTINS, Guilherme Magalhães. Condomínio de fato ou irregular: legitimidade da cobrança da contribuição pela associação de moradores. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Emerj, n. 41, 2008, p. 162-167.

42 MALUF, Carlos Alberto Dabus; MARQUES, Márcio Antero. O condomínio edilício no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 145.

43 REALE, Miguel. Visão geral do novo código civil. Anais do “Emerj debate o novo código civil”. Rio de Janeiro: Emerj, 2002. p. 38-44.

44 FEDOZZI, Marcos Eduardo Goiana. Condomínio edilício no novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 37.

45 MATTIETTO, Leonardo. O condomínio de fato no direito brasileiro contemporâneo. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 29, jan./mar. 2007, p. 255.

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E complementa que é certo, por outro lado, que não será justo que a as-sociação imponha a quem a ela não se associou, ou até mesmo aos associados, despesas exorbitantes, supérfluas ou que não sejam voltadas ao proveito dos integrantes do condomínio de fato46, aplicando assim o critério do rateio,

com razão, segundo a quantidade de uso das coisas comuns, desse rateio ex-cluídas, consequentemente, as unidades que não puderem, em virtude de sua localização ou por qualquer motivo, utilizar as partes e equipamentos comuns.47

José Luiz Pimentel Batista, em dissertação de mestrado sobre o rateio das cotas no condomínio de fato, defendida junto à Faculdade de Direito de Cam-pos, orientado pelo Professor Gustavo Tepedino, exemplifica acerca do critério do rateio:

O que se propõe é apontar o sentido da análise, individualizada, de quais servi-ços podem ser fracionados, sem que se gere o indesejado enriquecimento sem causa. Assim, por exemplo, se certo militar aduz não precisar da cancela e dos serviços de vigilância e segurança, pois sustenta serem desnecessários e que ele próprio faria a sua segurança, tais assertivas não podem prosperar, na medida em que não há como fracionar a prestação de segurança. A prevenção da cri-minalidade, com as providências relacionadas à segurança, irá beneficiar o ci-tado cidadão, que deverá contribuir com o rateio dessas despesas, sob pena de locupletar-se sem causa em relação aos demais partícipes do condomínio de fato.

Em outros prismas, se o condomínio de fato constrói uma sala de musculação e algum condômino não quiser utilizá-la, pois é avesso a exercícios, ou por ter outra bem mais equipada em sua residência, raciocínio que pode ser usado tam-bém para a piscina, quadra de esportes e sauna, não há como se afirmar que tais serviços beneficiariam, de qualquer forma, tal pessoa, pois divisíveis. Restaria configurado que certa unidade não teria direito à utilização desses serviços, sem que se diga estar presente o enriquecimento sem causa.48

Ainda quanto ao critério para se ratear as despesas nos condomínios atí-picos e quais serviços e despesas incidirão no respectivo rateio, verifica-se, à guisa de ilustração, a decisão pioneira da Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul49, que ponderou sobre a tarifa sobre iluminação de acessos ao interior de condomínios de fato ser residencial ou já incidente em taxa pública. A Desembargadora avaliou que, embora formalmente se trate de loteamento, trata-se de condomínio de fato, com ingresso permitido somente aos moradores e visitantes autorizados. Sendo assim, o consumo correspondente à iluminação das áreas de acesso interior ao

46 Idem.

47 FRANCO, J. Nascimento. Op. cit., p. 285.

48 BATISTA, José Luiz Pimentel. O rateio das cotas no condomínio de fato, 2002. 99f. Dissertação. Mestrado em Direito. Faculdade de Direito de Campos: Campos dos Goytacazes, 2002.

49 TJRS, AC 70016870701, 21ª C.Cív., Relª Des. Liselena Schifino Robles Ribeiro, J. 04.10.2006.

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condomínio é de responsabilidade dos moradores, incidindo cobrança de tarifa residencial. Reconheceu-se, assim, pela 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justi-ça do Rio Grande do Sul, a tarifa lançada pela Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), em ação de cobrança contra “Atlântida Lagos Park”.

Na aludida ação, o condomínio sustentou que a energia cobrada refe-rente às áreas públicas seria de responsabilidade do Município, por se tratar de loteamento. A Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro, por outro lado, com retidão, avaliou que, embora formalmente se trate de loteamento, trata-se de condomínio de fato, com ingresso permitido somente aos moradores e visitantes autorizados. “Portanto, não é o sistema de vias internas bem público de uso comum do povo”, considerou a Magistrada. Concluindo pela impossibi-lidade de se aplicar tarifa de iluminação pública, diferenciada por se destinar ao fornecimento de locais públicos de acesso irrestrito. Tal é a ementa:

Apelação cível. Energia elétrica. CEEE. Ação de cobrança. Loteamento ou condo-mínio. Taxa de iluminação pública ou tarifa residencial. I – A responsabilidade pelo consumo de energia elétrica decorrente da iluminação das áreas de acesso interior aos condomínios (de fato) residenciais horizontais é dos respectivos con-dôminos, incidindo tarifa residencial.

Esse Julgado conota as diversas implicações e desdobramentos oriundos do condomínio de fato, inclusive quanto às responsabilidades e encargos ine-rentes a esta útil modalidade condominial, a qual os moradores não podem se escusar.

CONSIDERAÇÕES FINAISEm linhas conclusivas, diante da efetiva disponibilidade e fruição dos

serviços prestados pela associação de moradores, pode ser entendido como obrigatório para os integrantes do condomínio de fato, mesmo que não sejam associados, o pagamento das contribuições referentes às despesas comuns, ve-dando-se o enriquecimento sem causa.

Entende-se também que deve ser efetuado o exame de casos concretos, pois é recomendável e detalhista a verificação do enriquecimento sem causa em situações nas quais o condomínio de fato foi instituído posteriormente à aquisição de imóveis por determinado morador. Notável que a identificação do enriquecimento sem causa pressupõe a demonstração dos serviços prestados, o seu custo para a associação e a prova de que foram eles revestidos em benefício do não associado.

Vislumbra-se que a hipótese do condomínio de fato é pela predominân-cia do princípio que condena o enriquecimento sem causa, arrazoada a atuali-dade majoritária da doutrina e jurisprudência.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.297.239 – RJ (2011/0290806‑3)Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: Fundação dos Economiários Federais – FuncefAdvogado: Marcus Flávio Horta Caldeira e outro(s)Recorrido: Condomínio Shopping da CaixaAdvogado: Aparecida Augusto de Oliveira e outro(s)Recorrido: Soarez Incorporações Ltda.Advogado: Elida Séguin e outro(s)

ementa

DIREITO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA – RESPONSABILIDADE – COTAS CONDOMINIAIS – REGISTRO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL – IMISSÃO NA POSSE – CIÊNCIA INEQUÍVOCA – ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 267, V E VI; 472 DO CPC; ARTS. 1.225, VII; 1.345; 1.417 DO CÓDIGO CIVIL

1. Ação de cobrança de cotas condominiais, ajuizada em 02.05.2003. Recurso especial concluso ao Gabinete em 14.12.2011.

2. Discussão relativa à responsabilidade do antigo proprietário de imóvel pelo pagamento das cotas condominiais.

3. É cediço que, à luz do art. 472 do CPC, os limites subjetivos da coisa julgada material consistem na produção de efeitos apenas em relação aos integrantes na relação jurídico-processual em curso, de maneira que, em regra, terceiros não podem ser beneficiados ou prejudicados.

4. Vários aspectos da responsabilidade da recorrente foram analisados, não tendo o Tribunal de origem invocado a preliminar de coisa julgada para extinguir o processo, nos termos do art. 267, V, do CPC, apesar de mencionar o resultado da outra ação e utilizá-lo como reforço de argu-mentação para acolher o pedido condenatório.

5. Consoante o princípio da obrigação propter rem, responde pela contri-buição de pagar as cotas condominiais, na proporção de sua fração ideal, aquele que possui a unidade e que, efetivamente, exerce os direitos e obrigações de condômino. A dívida, assim, pertence à unidade imobiliá-ria e deve ser assumida pelo proprietário ou pelo titular dos direitos sobre a unidade autônoma, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio.

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6. No que tange especificamente às hipóteses de compromissos de com-pra e venda, o entendimento amparado na jurisprudência desta Corte é no sentido da possibilidade de ajuizamento de ação para cobrança de quotas condominiais tanto em face do promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador dependendo das circunstâncias do caso concreto.

7. Ficando demonstrado que (i) o promissário-comprador imitira-se na posse e (ii) o condomínio tivera ciência inequívoca da transação, deve--se afastar a legitimidade passiva do promitente-vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exerci-da pelo promissário-comprador.

8. O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações con-dominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse e pela ciência do credor acerca da transação.

9. Embora o registro do compromisso firmado em caráter irrevogável e irretratável, na matrícula do imóvel, seja apto a constituir o direito real à aquisição do bem. Nos termos dos arts. 1.225, VII; e 1.417 do Código Civil, no entendimento desta Corte, ele não implica necessariamente a obrigação de prestação condominial.

10. Uma vez comprovada a inexistência da obrigação do compromissá-rio comprador quanto ao pagamento das cotas condominiais, referentes ao período compreendido entre novembro de 1998 e julho de 1999, porque não imitido na posse do bem, não se pode, agora, afirmar o con-trário somente porque atualmente, ele é o efetivo proprietário do bem ou porque assumira essa responsabilidade, perante a recorrente, no compro-misso de compra e venda.

11. A existência de eventual cláusula no compromisso de venda e com-pra, atribuindo de forma diversa a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais, quando não há imissão na posse do bem pelo promi-tente comprador, obriga somente os contratantes e poderá fundamentar o exercício do direito de regresso, mas não vincula o condomínio.

12. Recurso especial não provido.

acÓrdãO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Tercei-ra Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das no-tas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros

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João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 08 de abril de 2014 (data do Julgamento).

Ministra Nancy Andrighi Relatora

reLatÓriO

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora):

Trata-se de recurso especial interposto por Fundação dos Economiários Federais – Funcef, com base no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ).

Ação: de cobrança de cotas condominiais, ajuizada por Condomínio Shopping da Caixa contra Fundação dos Economiários Federais – Funcef e So-arez Incorporações Ltda., alegando, em suma, que os réus se encontravam em débito com o condomínio no período compreendido entre novembro de 1998 e julho de 1999, que antecedeu a imissão na posse do bem pelo compromissário comprador do bem Colégio Saint John Ltda.

Contestação: Fundação dos Economiários Federais – Funcef sustentou, em síntese, a sua ilegitimidade passiva, haja vista que o imóvel em questão teria sido alienado a terceiro em data anterior ao período de cobrança, por meio de compromisso de venda e compra registrado, no qual estava prevista a responsa-bilidade do adquirente pelo pagamento das cotas condominiais.

Sentença: julgou procedente o pedido para condenar os réus ao paga-mento dos valores devidos entre novembro de 1998 e julho de 1999, sob o fun-damento de que, não obstante a alienação do bem, por meio do compromisso de venda e compra firmado com o Colégio Saint John Ltda., já fora decidido pelo TJ/RJ, em sede da outra ação de cobrança proposta em face desde último, que somente a posse e a possibilidade de gozar, usar e fruir do bem marca-riam o momento do início da obrigação de pagar as cotas condominiais (e-STJ fls. 502/505). Foi interposta apelação pela Fundação dos Economiários Federais – Funcef (e-STJ fls. 511/530).

Acórdão: o TJ/RJ negou provimento à apelação, conforme a seguinte ementa (e-STJ fl. 597/600):

Direito Civil. Cobrança. Cotas condominiais. Novembro de 1998 a julho de 1999. Imóvel cedido com imissão na posse do promitente comprador em data posterior ao período em débito. Legitimidade passiva do promitente vendedor. Sentença de procedência. Apelação reiterando a alegação de ilegitimidade passi-va. Ausência de fundamentos de mérito capaz de conduzir a reforma da senten-ça. Manutenção. Art. 557, § 1º do Código de Processo Civil.

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Preliminar. Ilegitimidade passiva. Rejeição.

Em momento algum o apelante provou quando, efetivamente, o promitente com-prador foi imitido na posse. À míngua de qualquer outra prova, prevalece a solu-ção encontrada em acórdão anteriormente julgado que decidiu pela improcedên-cia do pedido de cobrança de cotas em face daquele promitente comprador, em razão da sua imissão ter ocorrido apenas em agosto de 1999.

Mérito. O apelante não apontou qualquer argumento capaz de conduzir a re-forma da sentença, vez que deve suportar os encargos do imóvel aquele que desfrutou do domínio útil. Art. 1.336, I do Código Civil.

“COBRANÇA – COTAS CONDOMINIAIS – RECURSO DE PROPRIETÁRIOS COM ALEGAÇÃO DE QUE A OBRIGAÇÃO É DA LOCATÁRIA – DESA-CERTO – INTELIGÊNCIA DO ART. 1.336, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL – OBRIGAÇÃO DE NATUREZA PROPTER REM E, PORTANTO, DE RES-PONSABILIDADE DE QUE DETÉM O DOMÍNIO – CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO DOS RÉUS.” (Apelação nº 2009.001.21261, 17ª C.Cív., Des. Raul Celso Lins e Silva, Julgamento: 06.05.2009)

Desprovimento do recurso.

Embargos de declaração: interpostos pela recorrente (e-STJ fls. 603/618), foram rejeitados (e-STJ fls. 620/623).

Recurso especial: interposto por Fundação dos Economiários Federais – Funcef, como base na alínea a do permissivo constitucional (e-STJ fls. 626/648), aponta ofensa aos seguintes dispositivos de lei:

(i) art. 535 do CPC, sob o fundamento de que o acórdão recorrido foi omisso em relação à ciência do condomínio sobre a cláusula de responsabilidade do Colé-gio Saint John Ltda. pelo pagamento das taxas condominiais, bem como quanto aos efeitos do registro da promessa de compra e venda na matrícula do imóvel; e quanto à impossibilidade de aplicação, na presente ação, da solução dada em outra lide judicial, da qual o recorrente não fez parte;

(ii) arts. 1.225, VII; e 1.417 do Código Civil, pois o compromisso de venda e com-pra firmado em caráter irrevogável e irretratável, devidamente registrado na ma-trícula do imóvel, constitui direito real, ficando o seu titular, por consequência, sujeito à prestação condominial, de caráter propter rem em relação ao imóvel;

(iii) art. 267, VI, do CPC, haja vista a sua ilegitimidade passiva, decorrente da promessa de venda e compra do imóvel firmada com o Colégio Saint John Ltda., e registrada na matrícula do imóvel antes do ajuizamento da presente ação de co-brança, na qual havia previsão expressa da responsabilidade do compromissário comprador pelas despesas de condomínio desde a sua assinatura;

(iv) art. 472 do CPC, com base na impossibilidade de aplicação da conclusão de acórdão proferido em ação, da qual a recorrente não participou, para afastar a responsabilidade do Colégio Saint John Ltda. pelo pagamento das cotas condo-miniais.

Exame de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ/RJ (e-STJ fls. 713/719), tendo sido interposto agravo contra a decisão denegatória,

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ao qual dei provimento para determinar o julgamento do recurso especial (e-STJ fls. 984).

É o relatório.

vOtO

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora):

Cinge-se a controvérsia a determinar se o antigo proprietário do imó-vel tem responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais relativas ao perío do que antecedeu a imissão na posse do atual proprietário, que, à época, era compromissário comprador do bem.

A peculiaridade da hipótese reside no fato de que o compromisso de compra e venda tinha cláusula dispondo sobre a responsabilidade do compro-missário comprador pelo referido pagamento, desde a sua assinatura.

1 DA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC01. Da análise do acórdão recorrido, nota-se que a prestação jurisdicio-

nal dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado. O TJ/RJ pronunciou-se de maneira a abordar todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados adiante.

02. O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica omis-são, obscuridade ou contradição, pois ao julgador cabe apreciar a questão con-forme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a matéria posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC.

03. Por outro lado, é pacífico no STJ o entendimento de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamen-to, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição.

04. Constata-se, em verdade, a irresignação das recorrentes e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra viável no contexto do art. 535 do CPC.

2 DA RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS COTAS CONDOMINIAIS

2.1 Premissas fáticas

05. É importante que se faça uma breve digressão acerca do quadro fáti-co que dá suporte a presente demanda, conforme estabelecido pelas instâncias

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ordinárias, a fim de se analisar a responsabilidade pela dívida condominial no período compreendido entre novembro de 1998 e julho de 1999.

06. A recorrente Fundação dos Economiários Federais – Funcef era pro-prietária e condômina do imóvel em questão até novembro de 1997, quando celebrou compromisso de venda e compra do bem com o Colégio Saint John Ltda. (e-STJ fl. 504).

07. No referido compromisso, o qual foi registrado na matrícula do imó-vel posteriormente (julho de 2001), estava prevista a responsabilidade do Colé-gio Saint John Ltda. pelo pagamento das cotas condominiais desde a sua respec-tiva assinatura (e-STJ fl. 550).

08. Configurado o inadimplemento, o recorrido Condomínio Shopping da Caixa ajuizou, ainda em 1999, ação de cobrança das cotas condominiais em face do compromissário comprador do imóvel, a qual fora julgada improce-dente, com trânsito em julgado, em razão da imissão na posse do imóvel pelo Colégio Saint John Ltda. somente ter ocorrido em agosto de 1999 (e-STJ fl. 550), ou seja, posteriormente ao período do débito.

09. Diante disso, em 02.05.2003, o Condomínio Shopping da Caixa ajui-zou nova ação de cobrança, agora em face da recorrente Fundação dos Eco-nomiários Federais – Funcef, visando ao recebimento dos valores em aberto, referentes ao período em que ela ainda era proprietária bem e antes da imissão na posse do Colégio Saint John Ltda.

10. O Tribunal de origem reconheceu a obrigação da recorrente tendo em vista que, conforme reconhecido na ação anterior, considerando que a imis-são na posse do novo proprietário só ocorreu em agosto de 1999, a recorrente exercia o domínio útil do bem no período do débito em questão.

11. Ficou consignado, ainda, pelo acórdão, que “do contrário, não resta-ria ao credor qualquer meio para ver seu crédito satisfeito, pois a ação proposta em face do atual proprietário foi improcedente e, agora, em face do antigo pro-prietário não teria melhor sorte” (e-STJ fl. 550).

2.2 dOs Limites sUbJetivOs da cOisa JULgada

12. Sustenta a recorrente que o Tribunal de origem violou o art. 472 do CPC ao julgar procedente o pedido com base no que ficara decidido em sede de outra ação da qual a Funcef não fez parte.

13. Realmente, o simples fato da ação anterior, proposta em face do en-tão compromissário comprador e atual proprietário do bem – Colégio Saint John Ltda. –, ter sido julgada improcedente não pode caracterizar o único funda-mento para a procedência ou não da presente ação. Os argumentos que devem servir de base para a fixação da responsabilidade pelo pagamento da dívida

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condominial, devem ser estritamente jurídicos e não representar uma compen-sação pelo insucesso de outra demanda.

14. É cediço que, à luz do art. 472 do CPC, os limites subjetivos da coisa julgada material consistem na produção de efeitos apenas em relação aos in-tegrantes na relação jurídico-processual em curso, de maneira que, em regra, terceiros não podem ser beneficiados ou prejudicados.

15. Corresponde à própria natureza processual do instituto, já que, se foram as partes que objetivamente estabeleceram o conteúdo da decisão tran-sitada em julgado, somente a elas deve se restringir, não alcançando terceiros estranhos ao processo. A propósito, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte: REsp 1.015.652/RS, 3ª T., Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 12.06.2009 e REsp 206.946/PR, 4ª T., Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, DJ de 07.05.2001.

16. Poder-se-ia até admitir a exceção, prevista no art. 42, § 3º, do CPC, se tivesse ocorrido o inverso, ou seja, se a ação anterior tivesse sido promovida em face da antiga proprietária e a presente ação estivesse sendo movida em face da adquirente ou cessionária do imóvel.

17. Com efeito, na dicção do referido dispositivo legal, “a sentença, pro-ferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário”. Mas, mesmo assim, deveria ter sido requerida, e aceita pela parte adversa, a substituição processual, não se operando de forma automática.

18. Considerando que, na hipótese, a recorrente e antiga proprietária do bem não integrou a relação processual na ação de cobrança anteriormente proposta, não pode sofrer os efeitos da coisa julgada lá estabelecida, sendo perfeitamente cabível nova discussão a respeito da sua responsabilidade pelo pagamento dos débitos condominiais em sede da presente ação.

19. E foi exatamente o que ocorreu na presente ação. Vários aspectos da responsabilidade da recorrente foram analisados, não tendo o Tribunal de origem invocado a preliminar de coisa julgada para extinguir o processo, nos termos do art. 267, V, do CPC, apesar de mencionar o resultado da outra ação e utilizá-lo como reforço de argumentação para acolher o pedido condenatório em face da Funcef.

20. Diante do exposto, não há que se falar em violação do art. 472 do CPC.

2.3 da natUreza PrOPter rem da ObrigaçãO cOndOminiaL

21. Consoante o princípio da obrigação propter rem, responde pela con-tribuição de pagar as cotas condominiais, na proporção de sua fração ideal, aquele que possui a unidade e que, efetivamente, exerce os direitos e obriga-ções de condômino. A dívida, assim, pertence à unidade imobiliária e deve ser assumida pelo proprietário ou pelo titular dos direitos sobre a unidade autôno-

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ma, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomí-nio. É o que dispõe o art. 1.345 do Código Civil.

22. Nesse sentido o magistério de Maria Helena Diniz (Curso de Direi-to Civil Brasileiro. 2º volume: teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11):

A força vinculante das obrigações propter rem manifesta-se conforme a situação do devedor ante uma coisa, seja como titular do domínio, seja como possuidor. Assim, nesse tipo de obrigação, o devedor é determinado de acordo com sua relação em face de uma coisa, que é conexa com o débito.

Infere-se daí que essa obrigação provém sempre de um direito real, impondo-se ao seu titular de tal forma que, se o direito que lhe deu origem for transmitido, por meio de cessão de crédito, de sub-rogação, de sucessão por morte, etc., a obrigação o seguirá, acompanhando-o em suas mutações subjetivas; logo, o adquirente do direito real terá de assumi-la obrigatoriamente, devendo satisfazer uma prestação em favor de outrem.

23. Sobre o tema por demais discutido nas Turmas de Direito Privado do STJ – legitimidade para responder por dívidas condominiais pretéritas, quando ocorre alteração da titularidade do imóvel –, esta c. Turma já teve a oportunidade de decidir que “o arrematante de imóvel em condomínio responde pelas cotas con-dominiais em atraso, ainda que anteriores à aquisição” (AgRg-REsp 682.664/RS, minha relatoria, DJ de 05.09.2005), admitindo-se, por exemplo, a responsabilida-de do novo adquirente “ainda que se cuidem de cotas anteriores à transferência do domínio, ressalvado o seu direito de regresso contra o antigo proprietário” (REsp 869.155/MG, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 25.06.2007).

2.4 da resPOnsabiLidade PeLO PagamentO das cOtas cOndOminiais

24. A partir dessas considerações sobre a natureza propter rem da obriga-ção de condomínio, em princípio, poder-se-ia concluir que a recorrente seria, de fato, parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação, já que o Colégio Saint John Ltda., na condição de atual proprietário, é quem deve res-ponder por todas as despesas condominiais, mesmo que anteriores à aquisição do imóvel.

25. Todavia, não se pode olvidar que (i) a aquisição do imóvel foi pre-cedida de compromisso de venda e compra; e (ii) conforme apurado em outra ação, os débitos em questão referem-se a período em que a recorrente ainda era proprietária do bem e não havia ocorrido a imissão na posse pelo compromis-sário comprador.

26. No que tange especificamente às hipóteses de compromissos de com-pra e venda, o entendimento amparado na jurisprudência desta Corte é no sentido da possibilidade de ajuizamento de ação para cobrança de quotas condominiais tanto em face do “promitente vendedor quanto sobre o promissário compra-

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dor dependendo das circunstâncias do caso concreto” (EREsp 136.389/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.09.1999; REsp 541.878/DF, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 29.03.2004; REsp 712.661/RS, 3ª T., de minha relatoria, DJ de 01.07.2005; REsp 728.251/SP, 4ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 12.09.2005), sem prejuízo, todavia, de uma cabível ação de regresso.

27. Essas considerações têm relevância na hipótese porque, conforme já mencionado, quando ajuizada a primeira ação de cobrança, o Colégio Saint John Ltda. ainda não era o proprietário do bem, mas compromissário compra-dor, revelando-se necessário, para se determinar a legitimidade passiva ad cau-sam e a responsabilidade pelo adimplemento da obrigação, aferir com quem, efetivamente, encontrava-se estabelecida a relação jurídica material (uso, gozo e fruição do imóvel).

28. Com efeito, de acordo com a jurisprudência desta Corte, ficando demonstrado que (i) o promissário-comprador imitira-se na posse e (ii) o con-domínio tivera ciência inequívoca da transação, deve-se afastar a legitimidade passiva do promitente-vendedor para responder por despesas condominiais re-lativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário-comprador.

29. Nesse ponto, é importante ressaltar a prescindibilidade do registro do compromisso de venda e compra, bastando a comprovação da ciência ine-quívoca do condomínio acerca da alienação do bem (AgRg-REsp 1320500/SP, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2012/0084902-0, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 11.06.2013; AgRg-EAg 660515/RJ, 2ª S., Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF 1ª R., DJe de 27.02.2009, EREsp 261693/SP, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, Rel. p/ Ac. Min. Ari Pargendler, DJ 10.03.2003, EREsp 489.647/RJ, 2ª S., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 15.12.2009).

30. Considerando que, naquela primeira ação de cobrança, ajuizada em face do compromissário comprador, não foi demonstrada a imissão na posse do Colégio Saint John Ltda., antes de agosto de 1999, o que, aliás, também é incon-troverso nesses autos, verifica-se que, na realidade, quem possuía legitimidade passiva e responsabilidade pelo pagamento dívida, haja vista a natureza propter rem da obrigação, era a promitente vendedora, ora recorrente, porque além de proprietária do bem, conforme o registro imobiliário, exercia seu domínio direto.

31. Portanto, uma vez comprovada, naquela oportunidade, a inexistên-cia da obrigação do compromissário comprador quanto ao pagamento das co-tas condominiais, referentes ao período compreendido entre novembro de 1998 e julho de 1999, porque não imitido na posse do bem, não se pode, agora, afirmar o contrário somente porque o Colégio Saint John Ltda., atualmente, é o efetivo proprietário do bem ou porque assumira essa responsabilidade, perante a recorrente, no compromisso de compra e venda.

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32. Conforme já mencionado, o que define a responsabilidade pelo pa-gamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de ven-da e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse e pela ciência do credor acerca da transação.

33. Embora o registro do compromisso firmado em caráter irrevogável e irretratável, na matrícula do imóvel, seja apto a constituir o direito real à aquisição do bem. nos termos dos arts. 1.225, VII; e 1.417 do Código Civil, no entendimento desta Corte, ele não implica necessariamente a obrigação de prestação condominial.

34. Por essas razões, também não procede o argumento da recorrente no sentido de que o Colégio Saint John Ltda. seria o responsável pelo pagamento das cotas condominiais, desde a assinatura do compromisso de venda e com-pra, porque havia cláusula nesse sentido no instrumento contratual.

35. Com efeito, perante o credor, quem responde pelas dívidas condomi-niais, em regra, é aquele que figura no registro imobiliário como proprietário do bem, podendo, conforme jurisprudência desta Corte, ser reconhecida a respon-sabilidade do promitente comprador, desde que ele tenha sido imitido na posse e o condomínio tenha ciência inequívoca da alienação.

36. Nesse sentido, o registro do compromisso de venda e compra na matrícula do imóvel, poderá implicar tão somente o atendimento do segundo requisito, qual seja, a ciência inequívoca dos terceiros, e do condomínio, sobre a alienação do bem. Mas, não tendo havido a imissão na posse do compromis-sário comprador, o promitente vendedor continua a exercer o domínio direto sobre o imóvel, usufruindo dos serviços prestados pelo condomínio, os quais justificam a sua contribuição.

37. Assim, a existência de eventual cláusula atribuindo de forma diversa essa responsabilidade pelo pagamento das cotas, quando não há imissão na posse do bem pelo promitente comprador, obriga somente os contratantes e poderá fundamentar o exercício do direito de regresso, mas não vincula o con-domínio.

38. Diante do exposto, o acórdão recorrido, ao afirmar responsabilidade da antiga proprietária do bem pelo pagamento das cotas condominiais, na hi-pótese, não violou os arts. 267, VI, do CPC e arts. 1.225, VII; e 1.417 do Código Civil, razão pela qual deve ser mantido.

Forte nestas razões, nego provimento ao recurso especial.

certidãO de JULgamentO terceira tUrma

Número Registro: 2011/0290806-3

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Processo Eletrônico REsp 1.297.239/RJ

Números Origem: 200304148837 20032090031821 200900148837 201102908063 31512220038190209 488372009

Pauta: 08.04.2014 Julgado: 08.04.2014

Relatora: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

aUtUaçãO

Recorrente: Fundação dos Economiários Federais – Funcef

Advogado: Marcus Flávio Horta Caldeira e outro(s)

Recorrido: Condomínio Shopping da Caixa

Advogado: Aparecida Augusto de Oliveira e outro(s)

Recorrido: Soarez Incorporações Ltda.

Advogado: Elida Séguin e outro(s)

Assunto: Direito civil – Coisas – Propriedade – Condomínio em edifício

certidãO

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com a Sra. Mi-nistra Relatora.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.264.963 – PE (2011/0147674‑3)Relator: Ministro Og FernandesRecorrente: Severino Claudino Gomes e cônjugeAdvogado: Marco Túlio Caraciolo Albuquerque e outro(s)Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria‑Geral Federal – PGF

ementaRECURSO ESPECIAL – AÇÃO CAUTELAR INOMINADA – EFEITO SUSPENSIVO – AÇÃO RESCISÓRIA – EXCEPCIONALIDADE – FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA – CONFIGURAÇÃO – PROCEDÊNCIA

1. É possível que se confira, excepcionalmente, efeito suspensivo a ação rescisória quando presentes os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, consubstanciados na possibilidade de prejuízo irre-versível a uma das partes caso executado imediatamente o julgado, e na probabilidade de êxito do pedido de rescisão, o que se vislumbra no caso em comento.

2. Hipótese em que, embora requerida a denunciação à lide dos ad-quirentes originários do imóvel sob litígio, estes não foram citados, não integrando a ação que acabou por anular o título de propriedade obtido através da ação de usucapião, na qual figuraram como autores.

3. Para que se pleiteie a desconstituição da coisa julgada, direito cons-titucionalmente assegurado e característica do exercício jurisdicional, faz-se necessário observar os limites subjetivos abrangidos pela decisão que se pretende rescindir, devendo-se, por isso mesmo, promover-se a integração da lide com todos aqueles que participaram validamente da formação do título acobertado pelo manto da definitividade.

4. Recurso especial provido para reformar o acórdão de origem e julgar procedente a ação cautelar inominada lá intentada, para o fim de sus-pender a execução da sentença rescindenda até o julgamento da Ação Rescisória nº 4199/PE.

acÓrdãO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-das, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça,

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por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Minis-tro-Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (Presidente), Assusete Magalhães, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). Gustavo Nunes de Pinho, pela parte Recorrente: Severino Claudino Gomes.

Dr(a). Davi Monteiro Diniz, pela parte Recorrida: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Brasília, 1º de abril de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Mauro Campbell Marques Presidente

Ministro Og Fernandes Relator

reLatÓriO

O Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recurso especial inter-posto por Severino Claudino Gomes e cônjuge, com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Federal da 5ª Região, assim ementado (e-STJ, fl. 107):

AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL EM AÇÃO RESCISÓRIA COM FUNDAMEN-TAÇÃO EM FALTA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE – DENUNCIAÇÃO SU-CESSIVA DA LIDE – NÃO OBRIGATORIEDADE – AUSÊNCIA DA ALEGADA FUMAÇA DO BOM DIREITO

Cuida a hipótese de ação Cautelar incidental em ação rescisória, visando sus-pender a execução de decisão que anulou registro de sentença de usucapião de bem público.

No caso, o requerente não tem interesse na citação do espólio, posto que ne-nhum benefício lhe advirá acaso se dê a intervenção do mesmo na demanda, já que o seu possível direito indenizatório, pela evicção da coisa alienada, está resguardado pela regular participação no feito do particular que lhe alienou o imóvel tido como de propriedade do INSS.

Inexistência de interesse processual, pois a propositura da ação em questão não resultará em prestação jurisdicional útil à parte demandante.

Ausência da alegada fumaça do bom direito.

Improcedência da ação cautelar.

Cuida-se, na origem, de Ação Ordinária Anulatória de Registro de Senten-ça, Cumulada com Reivindicatória de Domínio, nº 93.0003703-0, julgada pro-

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cedente pelo Juízo da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, para anular o registro de sentença prolatada na Ação de Usucapião nº 9606/1976, e reconhecer o direito do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS sobre o imóvel de propriedade dos ora recorrentes.

Inconformados com tal determinação, os recorrentes ingressaram com Ação Rescisória na Corte de origem, sustentando, em síntese, que o julgado ofendeu o art. 70, inc. I, do CPC, por não ter sido citado o adquirente originá-rio do imóvel da reivindicação, mesmo tal providência sendo requerida pelos recorrentes, além de se sustentar ofensa a coisa julgada, na medida em que o imóvel reivindicado foi originariamente adquirido por sentença prolatada em ação de usucapião, acobertada pelo manto da definitividade.

Com vistas a suspender a execução da decisão rescindenda, foi movida ação cautelar incidental, julgada improcedente pela Corte local.

Daí o presente recurso, em que se aponta violação dos arts. 70, 72 e 535 do Código de Processo Civil.

Alegam os recorrentes que o julgado a ser rescindido foi proferido em processo no qual se promoveu a denunciação à lide dos alienantes precedentes, tendo por último sido denunciado o espólio de Arnaldo Ferreira de Figueiredo, adquirente originário do imóvel por força de ação de usucapião transitada em julgado, sem que tenha ocorrido sua citação.

Enfatiza que o fato de os recorrentes não terem direito de regresso contra o denunciado não citado não caracteriza a falta de interesse de agir, pois o que se pretende, em primeiro plano, é a manutenção da posse e da propriedade do imóvel e não eventual indenização.

Acrescentam mostrar-se necessária, na hipótese, a citação da cadeia de proprietários, para que seja garantido ao possuidor de boa-fé não só o direito de regresso, mas sim a mais ampla defesa que possibilite o resguardo da pos-se, com os esclarecimentos devidos pelos antigos proprietários, especialmente daquele que adquiriu a propriedade originariamente, por força de sentença de usucapião transitada em julgado.

Buscam, portanto, a suspensão do cumprimento do julgado cuja ação rescisória combate, para manter a posse do imóvel objeto de litígio.

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

vOtO

O Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Depreende-se dos autos que os ora recorrentes adquiriram a propriedade do imóvel objeto de litígio de

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Antônio Carlos Cavendish e Maria Margarida Henriques da Costa Lima. Estes, por sua vez, adquiriram o bem de Arnaldo Ferreira de Figueiredo, o qual havia adquirido originariamente a propriedade do imóvel por meio de ação de usu-capião.

O feito de que se cuida teve por fim a anulação da sentença que reco-nhecera o usucapião, figurando como réus os recorrentes – Severino Claudino Gomes e Hetty Bezerra Gomes – e, ainda, como litisconsortes passivos, Antônio Carlos Cavendish e Maria Margarida Henriques da Costa Lima, sem que fosse citado o primeiro adquirente, Arnaldo Ferreira de Figueiredo. O pedido foi jul-gado procedente para reconhecer em favor do INSS a titularidade do domínio sobre o imóvel mencionado.

Irresignados, os recorrentes ingressaram com ação rescisória (pendente de julgamento no Tribunal Federal), com vistas a desconstituir o referido julga-do, bem como com ação cautelar inominada, em que se pretende atribuir efeito suspensivo à mencionada ação rescisória, evitando o cumprimento da sentença proferida na ação anulatória.

Ao analisar a ação cautelar, o Tribunal de origem reputou-a improce-dente, entendendo não estar configurada a alegada fumaça do bom direito, nos termos da seguinte fundamentação (e-STJ, fls. 96/98):

A irresignação dos requerentes baseia-se no fato do espólio de Arnaldo Ferreira de Figueiredo (antigo proprietário do imóvel) não ter sido citado para acompa-nhar a demanda apesar de denunciado à lide.

Tendo em vista que os demandantes não acostaram aos presentes autos nenhum documento que permitisse a compreensão da controvérsia, busquei compulsar os autos da Ação Rescisória nº 4199/PE, ação principal da qual esta cautelar é incidental.

Observei que os demandantes não adquiriram o imóvel em questão do espólio de Arnaldo Ferreira de Figueiredo, mas de Antônio Carlos Cavendish e Maria Margarida Henriques da Costa Lima, os quais foram devidamente citados e participaram efetivamente da demanda, resguardando os direitos provenientes da evicção.

Assim, entendo ausente o interesse processual, pois a propositura da ação em questão não resultará em prestação jurisdicional útil à parte demandante. Expli-co: A denunciação à lide visa apenas resguardar o direito do denunciante de ser indenizado do prejuízo decorrente da perda da coisa alienada, pelo alienante, nos próprios autos em que a coisa é demandada por terceiros e no caso, tendo sido o alienante devidamente citado, o direito dos requerentes encontra-se devi-damente resguardado.

A citação do espólio apenas beneficiaria o particular alienante (Antônio Carlos Cavendish Moreira e Maria Margarida Henriques da Costa Lima), vez que foram eles que adquiriram o imóvel do espólio de Arnaldo Ferreira de Figueiredo. Desse modo só eles detém o interesse processual em questionar a possível nulidade da sentença proferida em sede de 1º grau pela ausência desta citação.

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Ademais, a sentença facultou, inclusive, que os réus ora requerentes, pleiteassem a indenização decorrente da evicção na decisão rescindenda, conforme se depre-ende do excerto abaixo transcrito:

Fica facultado aos réus Severino Claudino Gomes e Hetty Bezerra Gomes bus-carem a reparação pelos danos junto aos litisconsortes passivos Antônio Car-los Cavendish Moreira e Maria Margarida Henriques da Costa Lima. Estes tam-bém poderão pleitear a dita reparação junto ao Espólio de Arnaldo Ferreira de Figueiredo, devendo, no entanto, ajuizarem outra ação, já que o mesmo não integrou a relação jurídico-processual, pois não foi citado.

Por oportuno, transcrevo trecho do judicioso parecer do Douto Representante do Ministério Público Federal, vejamos:

O Código de Processo Civil prevê a obrigatoriedade da denunciação da lide no caso disposto no inciso I do art. 70, qual seja, do alienante, quando o adquirente a título oneroso sofre reivindicação da coisa por parte de terceiro.

A inclusão pelo legislador ordinário da denunciação à lide entre as formas de intervenção de terceiros foi norteada pelo princípio da economia processual, ou seja, economia de tempo de recursos, permitindo- se que duas pretensões de partes diferentes sejam decididas numa mesma sentença.

O caso em comento, porém, versa sobre denunciação da denunciação, ou me-lhor, denunciação sucessiva, a qual, justamente em função do princípio da eco-nomia processual, não necessariamente deve ser acatada pelo juiz, já que este detém a faculdade de deferi-la ou não, sob pena de se pôr em risco exatamente o que se visa a proteger, a celeridade da prestação jurisdicional.

O autor não tem interesse na citação do espólio, posto que nenhum benefício lhe advirá acaso se dê a intervenção do mesmo na demanda, já que o seu possível direito indenizatório, pela evicção da coisa alienada, está resguardado pela re-gular participação no feito do particular que lhe alienou o imóvel tido como de propriedade do INSS.

Injustificável, pois, será a anulação do processo por tal motivo, dada a inexistên-cia de prejuízo a parte e, portanto, de legítimo interesse de obter tal decretação.

Com essas considerações, julgo improcedente a presente ação cautelar, por au-sência da alegada fumaça do bom direito.

É como voto.

É certo que, via de regra, não se mostra cabível medida cautelar para fins de suspender a execução de sentença definitiva, objeto de ação rescisória, pois, nos termos do art. 489 do CPC, a execução da decisão rescindenda não pode sofrer exceção de qualquer ordem, sob pena de se mitigar o princípio da coisa julgada.

Todavia, em casos excepcionais, vem-se admitindo a atribuição do men-cionado efeito suspensivo, em sede cautelar, condicionada à presença conco-mitante dos requisitos autorizadores da medida extrema, que se traduzem no

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fumus boni iuris e no periculum in mora, os quais entendo configurados na espécie.

Isso porque não creio que o núcleo da questão aqui envolvida esteja relacionado tão somente ao resguardo de eventual direito a indenização pelos recorrentes. Com efeito, conforme já explicitado, a sentença que se visa rescin-dir foi proferida em ação anulatória, na qual se discutia a legitimidade do título de propriedade adquirido originariamente através de usucapião.

Assim, ao menos em principio, parece-me razoável que os autores da ação de usucapião figurassem no polo passivo da aludida ação anulatória – o que foi expressamente requerido pelos ora recorrentes – já que possibilitaria a oposição de eventuais óbices de defesa, inacessíveis aos adquirentes posteriores do imóvel.

De outro norte, para que ocorra a desconstituição da coisa julgada, deve--se respeitar os limites subjetivos desta, devendo integrar a lide aqueles que participaram validamente da formação do título acobertado pelo manto da de-finitividade, como no caso em comento.

Nesse sentido, vejamos o seguinte precedente:

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO ANULATÓRIA – USUCAPIÃO – NULIDADE DA CITAÇÃO – LEGITIMIDADE DO ESPÓLIO DO PROPRIETÁRIO DO BEM USU-CAPIENDO – MORTE DE UM DOS RÉUS – SUSPENSÃO – NULIDADE NÃO--DECRETADA – LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA – AUSÊNCIA DE OFENSA AO ART. 471 DO CPC

1. Na ação anulatória em que se visa a desconstituir processo de usucapião, é de admitir-se a legitimidade ativa do espólio, representado pela companheira do de cujus, no exercício da inventariança, mormente quando a única suposta herdeira conhecida era filha menor do falecido e da inventariante. Nesse caso, a observância literal do § 1º do art. 12 do CPC mostrar-se-ia absolutamente inócua, tendo em vista que a inventariante que ora representa o espólio também seria a representante legal da herdeira, caso fosse a ação ajuizada pelo sucessor heredi-tário do falecido.

2. No que concerne à anulação dos atos processuais praticados depois da morte de um dos réus, é bem verdade que esta Corte possui consolidada jurisprudên-cia acerca do tema, no sentido de que o processo se suspende imediatamen-te, mesmo que a comunicação ao juízo ocorra em momento posterior (EREsp 270.191/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especial, J. 04.08.2004, DJ 20.09.2004). Porém, no caso em exame, “durante todo o iter processual a esposa do falecido atuou na defesa dos interesses e direitos referentes ao imóvel, não fornecendo a informação do óbito do réu [...]”. Somente em sede de apela-ção a morte do requerido foi noticiada, já no ano de 2002 e depois de praticados vários atos processuais pela viúva em benefício do casal. Assim, as premissas fáticas firmadas pelo acórdão dão conta de que foi a própria viúva que deu causa à alegada nulidade, circunstância que impede a decretação por força do que dispõe o art. 243 do CPC.

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3. Ademais, não se mostra viável, tampouco consentânea à finalidade instrumen-tal e satisfativa do processo, a sua anulação a partir da alegação de terceiros es-tranhos ao falecido, cuja ausência de prejuízo é evidente. O princípio norteador das nulidades processuais é aquele haurido do direito francês, segundo o qual não há de ser declarada qualquer nulidade se ausente efetivo prejuízo (pas de nullité sans grief).

4. A coisa julgada deve ser analisada também pela ótica de seu alcance subjetivo, o que vale dizer que a imutabilidade da sentença, contra a qual não caiba mais recurso, não alcança terceiros que não participaram validamente da formação do título, como no caso.

Nesse passo, é plenamente cabível o ajuizamento da ação anulatória a que alude o art. 486 do CPC com o escopo de anular processo de usucapião no qual não foi realizada citação válida do proprietário do imóvel, correndo todo o processo à sua revelia.

5. Recurso especial conhecido e improvido.

(REsp 725456/PR, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe de 14.10.2010)

Logo, com base nas considerações acima, vislumbro plausibilidade no direito vindicado, na medida em que o interesse dos recorrentes, pelo que se verifica em juízo perfunctório, não se encontra limitado à busca por indeniza-ção contra os alienantes diretos, mas à própria manutenção da posse do imóvel.

De outro lado, reputo presente também o periculum in mora, diante da iminência da determinação de desocupação do bem, o que dispensa outras considerações acerca do prejuízo que os recorrentes podem vir a sofrer.

Ante o exposto, dou provimento ao presente recurso especial para re-formar o acórdão de origem e julgar procedente a ação cautelar inominada lá intentada, para o fim de suspender a execução da sentença rescindenda até o julgamento da Ação Rescisória nº 4.199/PE.

É como voto.

vOtO

Ministra Assusete Magalhães: Sr. Presidente, li atentamente o voto do eminente Ministro Relator que foi disponibilizado com antecedência, e estou absolutamente de acordo com S. Exa.

A natureza da relação jurídica que se controverte, em seu caráter proces-sual, notadamente à luz do art. 47 do CPC, seja na ação originária, seja na ação rescisória, demonstra a fumaça do bom direito nesta ação cautelar. E o perigo da demora é evidente, pois há iminência da desocupação do imóvel.

Acompanho o voto de S. Exa., o Relator.

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certidãO de JULgamentO segUnda tUrma

Número Registro: 2011/0147674-3

Processo Eletrônico REsp 1.264.963/PE

Números Origem: 00037033619934058300 200305000019425 9300037030

Pauta: 01.04.2014 Julgado: 01.04.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Maria Sílvia de Meira Luedemann

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

aUtUaçãO

Recorrente: Severino Claudino Gomes e cônjuge

Advogado: Marco Túlio Caraciolo Albuquerque e outro(s)

Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Advogado: Procuradoria-Geral Federal – PGF

Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Domí-nio público – Bens públicos

sUstentaçãO OraL

Dr(a). Gustavo Nunes de Pinho, pela parte Recorrente: Severino Claudino Gomes

Dr(a). Davi Monteiro Diniz, pela parte Recorrida: Instituto Nacional do Se-guro Social – INSS

certidãO

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (Presidente), Assusete Magalhães, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoNº CNJ: 0004166‑25.2008.4.02.5102Relator: Desembargador Federal Marcelo Pereira da SilvaApelante: Caixa Econômica Federal – CEFAdvogado: Cristina Cidade da Silva Guimarães e outrosApelado: Raphael Magalhães LiraAdvogado: Sergio Solle de FigueiredoOrigem: Terceira Vara Federal de Niterói (200851020041661)

ementaADMINISTRATIVO – SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE – LEI Nº 9.514/1997 – NOTIFICAÇÃO PARA PURGAR A MORA – EDITAL – NULIDADE

1. Não se pode presumir que o paradeiro do devedor é desconhecido pelo simples fato de não ter sido localizado no imóvel objeto da presente demanda, mormente considerando-se que, em uma das diligências reali-zadas, certificou o oficial do Registro de Imóveis ter recebido a informa-ção de que o mesmo apenas permanecia no endereço citado nos finais de semana, motivo pelo qual não se justifica a aplicação do disposto no §4º do art. 26 da Lei nº 9.514/1997 à hipótese, que admite a intimação por edital do devedor para fins de consolidação da propriedade em nome do fiduciário.

2. Apelação desprovida.

acÓrdãO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Acordam os membros da 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, ___ de __________ de 2014

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

reLatÓriO

Trata-se de julgar apelação interposta pela Caixa Econômica Federal (fls. 314/317) contra sentença de fls. 310/312, proferida pelo MM. Juízo da

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3ª Vara Federal de Niterói, que julgou procedente o pedido, para anular o pro-cedimento expropriatório que acarretou a consolidação da propriedade do imó-vel, bem como todos os atos dele derivados, determinando o cancelamento do registro da consolidação da propriedade fiduciária junto ao RGI, ressalvando, contudo, “que o reconhecimento deste pleito não exclui o direito da Ré de promover ulterior procedimento de consolidação da propriedade a seu favor com a observância do procedimento legal administrativo pertinente”. Por fim, condenou a CEF em honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

Em suas razões recursais, alegou a CEF, em apertada síntese, que, dian-te da impossibilidade de localização do Autor, foi providenciada a sua regu-lar notificação por edital, nos termos do §4º do art. 26 da Lei nº 9.514/1997. Ressaltou, ainda, que o fato de o mutuário não residir no imóvel objeto do financiamento afrontaria o contrato celebrado entre as partes e a própria Lei nº 4.380/1964, inexistindo qualquer irregularidade no procedimento de conso-lidação conduzido pela ora Apelante.

O recurso foi recebido no duplo efeito (fl. 322), tendo sido oferecidas contrarrazões à fl. 323.

A seguir, vieram os autos remetidos a este Tribunal, tendo sido dada vista dos mesmos ao Ministério Publico Federal, que, todavia, deixou de opinar por não vislumbrar a existência de interesse público a justificar sua intervenção no feito.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

vOtO

Trata-se de ação ordinária proposta por Raphael Magalhães Lira em face da Caixa Econômica Federal objetivando a anulação da consolidação da pro-priedade em favor da Ré, com fulcro na Lei nº 9.514/1997.

Não assiste razão à Apelante, senão vejamos.

Compulsando os autos, constata-se que o contrato em questão foi firma-do sob a égide do Sistema de Financiamento Imobiliário, mediante alienação fiduciária do imóvel (fls. 25/37), nos termos da Lei nº 9.514, de 20.11.1997, que prevê, em seu art. 26, o procedimento de execução extrajudicial a ser seguido, in verbis:

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“Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fidu-ciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamen-to, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.

§ 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a inti-mação.

§ 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.

§ 4º Quando o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído se encontrar em outro local, incerto e não sabido, o oficial certificará o fato, cabendo, então, ao oficial do competente Registro de Imóveis promover a intimação por edital, publicado por três dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária.

§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de aliena-ção fiduciária.

§ 6º O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de co-brança e de intimação.

§ 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)

§ 8º O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)”

Da análise do procedimento de execução extrajudicial anexados aos au-tos, verifica-se que o oficial do Registro Geral de Imóveis de Maricá certificou, à fl. 165, verso, que a intimação enviada ao devedor pelo correio foi devolvida com a informação de “não procurado”, após três tentativas realizadas nos dias 09, 10 e 12 de junho de 2006, razão pela qual foi determinada a sua intimação por edital (fl. 167).

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No entanto, como bem registrou o MM. Juízo a quo, não se pode presu-mir que o paradeiro do Autor era desconhecido pelo simples fato de não ter sido localizado no imóvel objeto da presente demanda, mormente considerando-se que, em diligência realizada em no dia 26 de abri de 2006, foi certificado por oficial do mesmo cartório que uma vizinha do devedor teria informado que o mesmo só permanecia no endereço citado nos finais de semana (fl. 164, verso).

De se ver, assim, que o caso dos autos não constitui hipótese admitida em lei para dispensa de notificação pessoal do devedor, sendo relevante notar que ao Autor não pode ser atribuída a culpa pela não efetivação da notificação extrajudicial, de forma que não há como se considerar legítima a expedição de editais de notificação.

Logo, não tendo a CEF comprovado o regular cumprimento do proce-dimento previsto, deve ser mantida a sentença que reconheceu a nulidade da execução extrajudicial levada a efeito contra a parte autora.

Por fim, revela-se descabida a análise da alegada referente à violação ao art. 9º da Lei nº 4.380/1964, pois, segundo consta da exordial (fl. 02), o devedor reside justamente no imóvel objeto do contrato de mútuo habitacional.

Do exposto, Conheço, mas nego provimento à apelação interposta pela Caixa Econômica Federal, mantendo a sentença recorrida por seus próprios e jurídicos fundamentos.

É como voto.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos TerritóriosPoder Judiciário da UniãoÓrgão: 1ª Turma CívelClasse: ApelaçãoNº Processo: 20100110487397APC(0021020‑29.2010.8.07.0001)Apelante(s): Dallas Comércio de Produtos Alimentícios Ltda.Apelado(s): Antonio Venâncio da Silva

Empreendimentos Imobiliários Ltda.Relatora: Desembargadora Simone LucindoAcórdão nº 791689

ementaAPELAÇÃO CÍVEL – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE DESPEJO – IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL – RECONVENÇÃO – CESSÃO DO IMÓVEL SEM AUTORIZAÇÃO DO LOCADOR – DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL E DE PREVISÃO LEGAL – AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS OU MATERIAIS – EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO

1. Acessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador, sendo ilegítima, portanto, a cessão do ponto comercial estabelecido em imóvel locado sem a autorização prévia do locador.

2. A violação da norma contratual e legal segundo a qual apenas me-diante prévia autorização do locador a cessão do ponto comercial pela locatária seria hígida torna legítima a resistência oposta pelo proprietário e locador do imóvel em relação ao referido negócio jurídico, afastando--se, por conseguinte, a configuração de qualquer ato ilícito, pois o seu intento de reaver o imóvel deriva de mero exercício regular de direito.

3. Recurso de apelação conhecido em parte e, na extensão, não provido.

acÓrdãO

Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Simone Lucindo – Relatora, Alfeu Machado – 1º Vogal, Leila Arlanch – 2º Vogal, sob a presidência da Senhora Desembargadora Simone Lucindo, em proferir a seguinte decisão: conhecer, em parte e, na extensão, negar provimento ao recurso, unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

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Brasília (DF), 21 de maio de 2014.

Documento assinado eletronicamente Simone Lucindo Relatora

reLatÓriO

Cuida-se de apelação cível interposta por Dallas Comércio de Produtos Alimentícios Ltda. contra a sentença proferida nos autos da ação de despe-jo ajuizada em seu desfavor por Antônio Venâncio da Silva Empreendimentos Imobiliários Ltda., na qual o sentenciante julgou procedente o pedido inicial e decretou a resolução do contrato de locação firmado entre as partes, determi-nando a desocupação do imóvel locado, no prazo de 30 dias, sob pena de des-pejo compulsório. O decisório também julgou improcedente o pleito reconven-cional deduzido pela ré, condenando-a, ao fim, a pagar as custas proces suais e a verba honorária, arbitrada em R$ 2.000,00 (dois mil reais) (fls. 309/316).

Em suas razões recursais, a apelante reitera seu interesse na rejeição do pedido principal e, ainda, no acolhimento do pleito reconvencional. Para tanto, sustenta, em suma, que, após ter cedido o ponto comercial objeto do contrato entre as partes, o autor/reconvindo teria se posicionado de forma contrária ao negócio, passando a turbar a posse dos cessionários. Aduz que, como conse-quência dessa turbação, os cessionários teriam desistido de continuar a explo-rar a atividade empresarial, devolvendo-lhe o ponto. Sustenta que esses fatos ensejaram prejuízos de ordem material e moral, notadamente por terem sido violadas as regras dos arts. 566, inciso II, e 568, ambos do CPC.

Salienta que o desfazimento do negócio entabulado com terceiros acar-retou-lhe o ônus de reassumir a responsabilidade pelas atividades então rea-lizadas, resultando na devolução dos valores recebidos pelos terceiros com-pradores no pagamento de verbas trabalhistas. Defende, assim, violação aos princípios da função social do contrato, da probidade e da boa-fé. Acrescenta, ao fim, que a cláusula 15, § 3º, do contrato, seria abusiva ao prever a neces-sidade de autorização do locador para a realização de qualquer mudança ou alteração no contrato social da locatária. Requer, assim, a reforma integral da sentença, postulando a improcedência do pedido de despejo e o acolhimento total do pleito reconvencional.

Preparo à fl. 339.

Contrarrazões às fls. 344/353, pugnando pelo não provimento do re-curso.

É o relatório.

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vOtOsA Senhora Desembargadora Simone Lucindo – Relatora:

Inicialmente, convém salientar que as razões do apelo destinam-se uni-camente à reforma da sentença quanto ao pleito reconvencional. Essa conclu-são resulta da apreensão de que, em nenhum momento, a apelante insurgiu--se quanto ao débito que motivara o ajuizamento da ação de despejo em seu desfavor, apenas explicitando seu inconformismo em relação às consequências derivadas do desfazimento do negócio de sublocação que efetivou com tercei-ros. Vale dizer, não houve impugnação específica quanto ao acolhimento do pedido principal, tendo a apelante desatendido, no ponto, as disposições inser-tas no art. 514, inciso II, do estatuto processual.

Nessas condições, o pedido que a apelante deduziu, na parte dispositiva de suas razões recursais, requerendo a improcedência do pedido de despejo não merece ser conhecido, por ausência de impugnação específica.

Dessa forma, conheço parcialmente do apelo.

Extrai-se dos autos que o juiz sentenciante julgou procedente o pedido inicial e decretou a resolução do contrato de locação firmado entre as partes, com fundamento no art. 62, inciso II, da Lei nº 8.245/1991, conferindo à ape-lante o prazo de 30 dias para desocupação voluntária do imóvel. A conclusão resultou da premissa de que a ré/apelante teria admitido o fato de que não res-gatara, oportunamente, os alugueres relativos ao uso do imóvel locado.

No entanto, ao analisar o pleito reconvencional, o douto magistrado entendeu que as alterações empreendidas no quadro societário da apelante e na titularidade do estabelecimento sediado no imóvel locado, além de terem infringido cláusula contratual, não teriam causado prejuízo à recorrente, ao contrário do alegado, por não ter sido demonstrada a ocorrência de qualquer descapitalização que pudesse comprometer sua capacidade de solvência.

Com efeito, extrai-se dos autos que, após a celebração de contrato de locação de imóvel comercial entre as partes ora litigantes – cujo prazo de vigên-cia, de 60 meses, seria de 01.11.2006 a 31.10.2011 (fls. 39/47) –, a apelante, na qualidade de locatária, entabulou contrato particular de cessão de direitos do ponto comercial estabelecido no imóvel locado (fls. 213/214), sem comunicar previamente o locador.

Diante desse fato, o apelado ajuizou ação de despejo por descumprimen-to contratual em face da apelante (Processo nº 2008011128621-2), almejando, naqueles autos, a resolução do contrato e o conseguinte despejo em virtude de ter a apelante promovido a alteração de seu contrato social sem a autorização do locador.

Convém salientar, no entanto, ter-se reputado abusiva a inserção de tal cláusula no contrato entabulado entre as partes, nos termos adiante reprodu-zidos e colhidos do acórdão que julgou a apelação interposta naqueles autos:

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A apelante pede a rescisão do contrato por infringência da cláusula quinze do contrato de locação firmado entre as partes litigantes. Reza a referida cláusula que:

A autorização do(a) Locador(a) prevista nesta Cláusula será também necessária no caso de qualquer mudança ou alteração, de forma direta ou indireta, de me-tade ou mais do capital social votante do(a) Locatário(a) ou que dela decorra a transferência do seu controle administrativo ou gerencial.

Conforme comprovado nos autos, houve, efetivamente, a mudança de 98% do capital social da empresa locatária sem qualquer comunicação ao locador. No entanto, entendo importante destacar, que a gerência da empresa restou inalte-rada.

Aos contratos de locação temos legislação específica, qual seja, Lei nº 8.245/1991, alterada em alguns dispositivos pela Lei nº 12.112/2009. Inexiste nas Leis citadas dispositivo que proteja o direito do locador de inferir no quadro societário da empresa locatária, tendo sido, aliás, objeto de veto pelo Presidente da República, o art. 13, § 3º, da Lei nº 12.112/2009, in verbis:

§ 3º Nas locações não residenciais, equipara-se à cessão da locação qualquer negócio jurídico que importe na transferência do controle societário do loca-tário pessoa jurídica.

Se as leis não facultam ao locatário o direito de ingerência sobre a composição acionária dos seus locadores, não poderia uma cláusula contratual avençar essa possibilidade. A alteração da sociedade não traz de imediato um risco tal que justificaria a rescisão contratual. No caso em tela, destaca-se, a sócia que firmou o contrato manteve-se na sociedade, tendo apenas suas cotas diminuídas.

Diante de tais informações, faz-se necessário considerar tal cláusula abusiva, não podendo prosperar no contrato de locação firmado entre as partes.

Ao considerarmos a abusividade da cláusula, não há o que se falar em descum-primento de contrato locatício, questão ensejadora da presente ação de despejo.

Entendo, então, que por ser abusiva a cláusula quinze, não houve descumpri-mento de contrato por parte da locatária, não tendo então qualquer situação motivadora de pedido de despejo ou de rescisão contratual, mantendo o contrato de locação sua vigência, conforme acordado entre as partes, excluindo do docu-mento apenas a efetividade da referida cláusula abusiva.

As alegações de que o ponto comercial foi vendido a Marcelo e Maurício não restaram comprovadas nos autos, reforçando que os fundamentos do pedido de rescisão contratual não devem ser acolhidos, pois não houve efetiva venda do ponto comercial, apenas alteração de seu quadro societário. (g.n.)

Do aduzido infere-se que, ao tempo em que se reconheceu a abusivida-de da cláusula que condicionava a alteração do contrato social da locatária à anuência do locador, também se pontuou sobre a ausência de comprovação de cessão do ponto comercial, não se adentrando, contudo, no mérito dessa questão.

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O que se constata, então, é que, por não ter sido a questão afeta à legiti-midade da cessão do ponto comercial objeto de impugnação nos autos da ação de despejo primeiramente manejada pelo locador, a cláusula contratual que dispõe a esse respeito mantém-se hígida, inclusive porque coerente com o texto legal que trata da matéria. Vejamos.

Segundo o disposto na cláusula quinze do ajuste:

Cláusula quinze. Cessão, Sublocação ou Empréstimo

É expressamente vedado ao locatário, sem o consentimento prévio e expresso do locador, ceder, transferir, sublocar ou emprestar, no todo ou em parte, a outrem, a área locada, ou, de qualquer forma, permitir a terceiros o uso da loja comercial objeto deste instrumento, sob pena de rescisão imediata da locação, independen-te de prévia notificação, interpelação ou comunicado judicial ou extrajudicial.

[...]

Parágrafo Terceiro. A autorização do locador prevista nesta cláusula será também necessária no caso de qualquer mudança ou alteração, de forma direta ou indire-ta, de metade ou mais do capital social votante do locatário ou que dela decorra a transferência do seu controle administrativo ou gerencial. (fl. 54) (judicialmente declarada abusiva – g.n.)

No mesmo sentido, a Lei nº 8.245/1991, em seu art. 13, condiciona a cessão da locação ao consentimento prévio e escrito do locador. Confira-se:

Art. 13. A cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador.

§ 1º Não se presume o consentimento pela simples demora do locador em mani-festar formalmente a sua oposição.

§ 2º Desde que notificado por escrito pelo locatário, de ocorrência de uma das hipóteses deste artigo, o locador terá o prazo de trinta dias para manifestar for-malmente a sua oposição.

Do cotejo das normas acima transcritas, ressai cristalina a violação da norma contratual e legal segundo a qual apenas mediante prévia autorização do locador a cessão do ponto comercial pela locatária seria hígida.

Nessas condições, reputa-se legítima a resistência oposta pelo apelado/reconvindo em relação ao referido negócio jurídico, afastando-se, por conse-guinte, a configuração de qualquer ato ilícito, pois o seu intento de reaver o imóvel deriva de mero exercício regular de direito, inclusive porque lhe é ga-rantido legalmente exercitar sua oposição quanto à cessão não autorizada.

Não há falar, assim, na ocorrência de danos materiais ou morais deriva-dos da conduta legítima do apelado de reaver o imóvel, devendo a apelante assumir os ônus derivados da violação de cláusula contratual, inclusive aqueles

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resultantes do desfazimento do contrato subjacente à relação contratual que estabeleceu com o locador.

Ante o exposto, conheço em parte do apelo, e, na extensão, nego-lhe provimento, mantendo intacta a r. sentença vergastada.

É como voto.

O Senhor Desembargador Alfeu Machado – Vogal

Com o relator

A Senhora Desembargadora Leila Arlanch – Vogal

Com o relator

decisãO

Conhecer, em parte e, na extensão, negar provimento ao recurso, unâ-nime.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisApelação Cível nº 1.0394.07.063769‑6/002Comarca de ManhuaçuNumeração: 0637696Relator do Acórdão: Des.(a) Moacyr LobatoApelante(s): Maria das Graças de PaulaApelado(a)(s): Mateus Antonio Duarte de MirandaData do Julgamento: 06.05.2014Data da Publicação: 19.05.2014

ementaAÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – SERVIDÃO DE PASSAGEM – CONSTRUÇÃO DE MURO – OBSTRUÇÃO CONSTATADA PELA PROVA PERICIAL E PELOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS – PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 927, DO CPC – SENTENÇA CONFIRMADA

Verificado nos autos a existência de servidão de passagem, mostra-se correta a sentença que tornou definitiva a liminar concedida que deter-minou, em face de esbulho praticado pela ré, a reintegração de posse sobre a passagem que dá acesso à residência do autor.

acÓrdãO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em negar provimento.

Des. Moacyr Lobato Relator

vOtO

Trata-se de apelação interposta por Maria das Graças de Paula contra a sentença proferida pela MMª Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Manhuaçu que, nos autos da ação de reintegração de posse ajuizada por Mateus Antônio Duarte de Miranda julgou parcialmente procedentes os pedi-dos iniciais e improcedente o pedido reconvencional, nos seguintes termos:

a) reintegrar o autor na posse da servidão de passagem descrita na inicial, deter-minando a demolição no muro também descrito na exordial, às custas da ré e

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no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena de fixação de multa cominatória diária. Havendo omissão, poderá o autor pugnar pela multa ou, se preferir, promover o desfazimento, buscando posteriormente ressarcimento;

b) condenar a parte ré a pagar ao autor, a título de danos morais, a importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigida monetariamente pelos índices adotados pela Corregedoria do TJMG, a contar da publicação da presente sentença, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, desde a data do esbulho.

Em suas razões (fls. 345/348), a ré/apelante disserta sobre a existência de regularidade na construção do seu imóvel, destacando o respeito e obediência as normas exigidas, bem como rechaça a afirmação contida desde o exórdio de que o apelado tinha acesso à via pública pelo terreno da apelante, destacando a existência de outros caminhos que podem ser usados para entrar e sair da propriedade do autor, pelo que espera o provimento do recurso.

Devidamente intimado, o apelado apresentou contrarrazões de fls. 362/367.

Recurso próprio e tempestivo, estando devidamente preparado.

Passo a decidir.

Inicialmente, cumpre esclarecer que o lapso de tempo entre o ingresso do recurso neste Tribunal e a presente decisão deve ser debitada à existência de conflito de competência suscitado em virtude de disposições atinentes à matéria, constantes do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Trata-se de ação que versa sobre pretensão reintegratória de posse pela qual o autor pretende a reabertura de servidão de passagem alegando, em resu-mo, que a ré promoveu a edificação de muro vizinho que obstruiu o seu único acesso à moradia, sendo que tal área sempre foi utilizada para o trânsito de pessoas, por mais de 25 anos, afigurando-se como esbulho o fechamento da passagem utilizada habitualmente.

Após regular tramitação do feito, sobreveio sentença pela procedência do pedido inicial para reintegrar o autor na posse da área esbulhada, ensejando a interposição do presente recurso que, a meu ver, não merece reparo, pelos fundamentos que passo a expor.

É cediço que para a procedência do pedido de reintegração de posse devem ser comprovados os requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil, quais sejam, posse anterior, esbulho e perda da posse.

Inicialmente, mostra-se oportuno destacar que a jurisprudência pátria vem admitindo a possibilidade de reconhecimento de direitos de posse em ser-vidão de trânsito, por longa data, valendo a transcrição de julgados deste So-dalício:

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“AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – SERVIDÃO DE PASSAGEM – POSSIBI-LIDADE DE PROTEÇÃO POSSESSÓRIA – SÚMULA Nº 415 DO STF – DEMONS-TRAÇÃO – O ordenamento jurídico assegura ao possuidor diversas formas para a proteção da sua posse, entre as quais se pode citar o manejo dos interditos pos-sessórios. A proteção possessória, em regra, somente deve ser concedida na hi-pótese de se comprovar a posse, a qual deve ser compreendida como o exercício de fato, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade, conforme a teoria objetiva de Ihering, esposada pelo direito brasileiro. Nos termos da Sú-mula nº 415 do STF, ‘servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente‘.” (Processo nº 1.0325.07.006994-7/001, Rel. Des. Elpídio Donizetti, Data da Publicação de 17.02.2009)

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DE SERVIDÃO DE PASSAGEM – REQUISITOS – CPC, ART. 927 – COMPROVAÇÃO – PROCEDÊN-CIA – RECURSO PROVIDO – A ação de reintegração de posse tem como finali-dade a retomada da posse, em caso de esbulho. Daí decorre que, para o manejo desta ação, devem estar devidamente comprovados a posse, o esbulho prati-cado pelo réu e sua data, além da consequente perda da posse. Demonstrados os requisitos indispensáveis, procede o pedido possessório. Recurso provido.” (Processo nº 1.0358.09.022915-6/014, Des. Eduardo Mariné da Cunha, Data da Publicação de 05.04.2011)

Feitas estas considerações e admitida à utilização da ação possessória para defesa de atos de esbulho contra servidão de passagem, imprescindível analisar se os requisitos contidos no art. 927 da Lei Instrumental Civil encon-tram-se presentes.

Na espécie, restou incontroverso pela prova técnica e pelos depoimentos testemunhais que o denominado beco objeto do litígio existe por longa data e sempre foi utilizado para o acesso a propriedade de titularidade do autor.

O laudo pericial de fls. 204/214 esclarece que a construção do muro efetivamente comprometeu a passagem do demandante para a sua residência, merecendo destaque o conteúdo dos quesitos 9, 11 e 12 formulados pelo autor, cuja transcrição se segue:

“Quesito 09:

É possível uma pessoa adentrar normalmente no imóvel do autor passando entre o novo muro da ré e a parede do imóvel do requerente utilizando a porta lá exis-tente? O autor tem espaço físico entre o muro e a porta/parede de seu imóvel para entrar móveis (fogão, armário, cama, geladeira, etc.) em seu imóvel? Por quê?

Não, ao que tudo indica a posição do muro edificado mutilou a entrada da facha-da frontal, estrangulando o acesso à propriedade do autor.

O espaço físico restante, após a construção do muro, limita a entrada de móveis, pela flagrante impossibilidade de transposição dos obstáculos criados. (fl. 208)

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Quesito 11

Considerando o local e as fotos constantes nos autos (fls. 92, 93, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103) pode o Sr. Perito informar se existia um beco que dava acesso ao imóvel do autor? Se o beco era suficiente para passagem de pessoas e móveis?

Constato que, de fato, existia um beco de acesso ao imóvel do autor, e que o beco supria a necessidade de acesso de móveis e pessoas na casa. (fl. 209)

Quesito 12

Pergunta-se ao Sr. Perito se o novo muro que foi edificado pela ré respeitou o es-paço existente anteriormente entre o imóvel do autor e o antigo muro de placas, espaço este que dava acesso e permitia a entrada ao imóvel do autor?

A locação do imóvel do muro edificado ignorou o acesso ao imóvel do autor. (fls. 209/210)”

Acrescente-se, ainda, que diferentemente do apontado nas razões recur-sais, de acordo com o Perito Oficial inexiste caminho diverso para se chegar ao imóvel do recorrido diverso do beco que foi comprometido pela construção do muro. (fl. 207)

Ademais, extrai-se também dos depoimentos testemunhais que a ré real-mente construiu um muro impedindo o acesso do demandante ao seu imóvel, mostrando-se oportuno os esclarecimentos da Sr. Francisca Maria Goulart, à fl. 296:

“conhece os fatos narrados na inicial porque foi proprietária, durante mais de 20 anos do imóvel situado na Rua Maestro Filomeno dos Santos, imóvel este vendido para o pai do autor; para ter acesso ao imóvel a depoente precisava usar um beco com largura em torno de 1,50m, era um beco livre e todos respeitavam como acesso a casa da depoente; entre a casa da depoente e o lote vizinho havia um muro de placa separando; hoje em dia a depoente pode afirmar que esta passagem já não mais existe pois ‘construíram um muro no local onde passava o beco’; acredita que quem construiu foi quem comprou o lote ao lado, por causa disso não há mais acesso a casa em questão”.

Destarte, considerando que o autor/apelado vem utilizando o direito de passagem e tendo em vista que a mesma, na forma que vem sendo utilizada, encontra-se já consolidada há algum tempo, a construção do muro pela ré re-presenta embaraço ao uso legítimo da servidão, o que contraria o disposto no art. 1384, do Código Civil e configura o esbulho.

Frente a este contexto, o esbulho praticado pela recorrente encontra-se comprovado nos autos, não só pelo contexto probatório que fora mencionado, mas, inclusive, pelas fotos juntadas no caderno processual, de onde se pode inferir a construção de um muro na área em que dava acesso à residência do demandante, impedindo a passagem.

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Nesse contexto, não há reparos a fazer na bem lançada sentença de pri-meiro grau que, forte no conjunto probatório acostado e produzido nos autos, concluiu que “[...] restou evidenciado que a violação à servidão no caso con-creto teve por agravante o fato de efetivamente esvaziar o direito de proprie-dade do autor sobre seu imóvel, haja vista que o tornou de todo inacessível” (fl. 538v.).

Assim, o uso prolongado e não contestado da passagem, há vários anos, manifestado por atos visíveis, autoriza a conclusão de que foi instituída uma servidão aparente, merecedora da proteção possessória, à luz da Súmula nº 415 do Supremo Tribunal Federal que dispõe:

“Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela na-tureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo à proteção pos-sessória.”

Por tudo isso, é certo que o autor/recorrido demonstrou a sua posse an-terior sobre a servidão de passagem e o esbulho da posse por parte da deman-dada, bem como a época dos acontecimentos, preenchendo-se, portanto, os requisitos para a proteção possessória, nos termos do art. 927 do Código de Processo Civil.

Por consequência, construído o muro de forma ilegal, e evidenciada a turbação, passível é a sua demolição.

Dessa maneira, demonstrada a posse da servidão e o esbulho caracteriza-do pela sua obstrução, em razão da construção de um muro, estão preenchidos os requisitos do art. 927, do CPC e, ante a ausência de fundamento a afastar o direito do demandante, é de ser mantida a procedência da demanda, a fim de determinar a reabertura da passagem.

Com o exposto, nego provimento ao recurso, para manter a sentença recorrida, pelos seus próprios fundamentos.

Custas recursais pela apelante.

Des. Amorim Siqueira (Revisor) – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Pedro Bernardes – De acordo com o(a) Relator(a).

Súmula: “Negaram provimento.”

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do ParanáProcesso: 1074245‑7 (Acórdão)Segredo de Justiça: NãoRelator(a): Ruy Cunha SobrinhoÓrgão Julgador: 1ª Câmara CívelComarca: Região Metropolitana de Londrina – Foro Central de LondrinaData do Julgamento: 06.05.2014 19:22:00Fonte/Data da Publicação: DJ: 1339 20.05.2014Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1.074.245‑7, da Região Metropolitana de Londrina – Foro Central de Londrina – 1ª Vara da Fazenda PúblicaRelator: Des. Ruy Cunha SobrinhoApelantes 1: Urbanizadora Nacional SC Ltda. e outros apelantes

2: Município de LondrinaApelados: Maria de Lourdes da Silva Leal e outro

ementaADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – LOTEAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL PERMANENTE, DE VÁRZEAS E NASCENTES – EMBARGO ADMINISTRATIVO DOS LOTES – RESTRIÇÃO AO EXERCÍCIO DOS PODERES INERENTES À PROPRIEDADE – DANOS MATERIAIS – DESVALORIZAÇÃO DO IMÓVEL – DANOS MORAIS DEMONSTRADOS – INDENIZAÇÃO DEVIDA, SOLIDARIAMENTE, PELO MUNICÍPIO DE LONDRINA E PELA LOTEADORA – ART. 37, § 6º, CF E ART. 18, CDC – JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA – APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.960/2009 – DECLARAÇÃO PARCIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º-F, LEI Nº 9.494/1997 – ADIN 4.357/DF – ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO STJ

Recurso 1 parcialmente conhecido, e não provido. Recurso 2 não pro-vido. Sentença parcialmente alterada em sede de Reexame Necessário, conhecido de ofício.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e Reexame Necessário nº 1.074.245-7, da Região Metropolitana de Londrina – Foro Central de Londrina, em que são Apelantes 1 Urbanizadora Nacional SC Ltda. e outros, Apelantes 2 Município de Londrina e Apelados Maria de Lourdes da Silva Leal e outro.

Maria de Lourdes da Silva Leal e José Tarciso Leal ingressaram com Ação de Indenização por danos materiais e morais (fls. 02/61) em face de Urbaniza-dora Nacional SC Ltda. e Município de Londrina, argumentando, em síntese

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que: em 27.04.1990 teriam adquirido de Cláudio Valles Barcellos e sua esposa um lote no Loteamento Vale Verde, criado pela primeira demandada; em 2007, após vistoria da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, teriam sido notificados de embargo sobre o lote, pois estaria em área legalmente impedida e imprópria para moradia (área de nascentes, várzeas e de preservação permanente); com isso, teriam sido impedidos de exercer o seu direito de propriedade e de mo-radia; os requeridos seriam solidariamente responsáveis pelos danos materiais (valores pagos pelo lote, pela regularização documental, e pela edificação), e morais a serem indenizados; aplicabilidade das disposições do CDC.

Pugnaram pela desconsideração da personalidade jurídica da primeira ré.

Urbanizadora Nacional SC Ltda. defendeu em sua contestação: a ilegi-timidade ativa e passiva, decadência e prescrição, e a ausência de interesse. Pugnou pela improcedência da ação (fls. 104/141).

Município de Londrina, por sua vez, alega: a ilegitimidade passiva, o litisconsórcio passivo necessário com os alienantes do lote, e a prescrição (fls. 177/193).

O magistrado a quo rejeitou as preliminares (fls. 260/265). Interposto Agravo de Instrumento (fls. 269/275), este foi provido para o fim de reconhe-cer a inaplicabilidade das disposições do Código de Defesa do Consumidor (fls. 341/346).

Por meio da sentença de fls. 353/362 o condutor do processo em primei-ro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, para o fim de condenar solidariamente os réus ao pagamento de indenização pela desvalorização do imóvel, corrigida pelo INPC/IBGE, a contar da data do laudo pericial, e por danos morais no montante de R$ 10.000,00, corrigido pelo mes-mo indexador e com juros de 1% ao mês, incidentes desde a data da sentença. Ante a sucumbência mínima da autora, condenou os réus ao pagamento das custas processuais e honorários, estes fixados em 10% do valor da condenação.

Urbanizadora Nacional SC Ltda. recorre a este Tribunal (fls. 367/384), aduzindo, preliminarmente: a nulidade da sentença por cerceamento de de-fesa, pois o juiz teria indeferido a produção de prova técnica e testemunhal; a ilegitimidade passiva, a prescrição e a inaplicabilidade do CDC. No mérito assevera a inexistência de dever indenizatório e a responsabilidade exclusiva do Município de Londrina.

Município de Londrina também apela (fls. 389/401), aduzindo, em suma, que: a aprovação do loteamento seria ato administrativo vinculado, obrigando a Administração Pública; ao tempo do ato não previa a existência de restrição ambiental; seria obrigação da empresa loteadora verificar restrições; a respon-sabilidade seria subjetiva, sendo ausente a culpa administrativa; ausência de prova dos danos alegados.

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Prequestionou a matéria constante dos arts. 206, § 3º, V, e § 5º, I, do CPC, arts. 10, 18, 23, 26, II e § 3º, do CDC, art. 942, CC c/c art. 7º, parágrafo único, do CDC, arts. 186, 927 e 942, caput, do CC.

Contrarrazões às fls. 406/431.

Os autos foram conclusos ao Des. Fagundes Cunha (8ª Câmara Cível), que redistribuiu o feito (fl. 438). Sucessivamente conclusos ao Des. Antonio Renato Strapassom, por força da prevenção os autos foram redistribuídos a esta relatoria (fl. 443).

A procuradoria Geral de Justiça, por meio da manifestação do Procurador de Justiça Luiz Francisco Fontoura, deixou de emitir parecer (fls. 451/453).

É o relatório.

vOtO

1 CINGE-SE A CONTROVÉRSIA RECURSAL À EXISTÊNCIA DE DEVER INDENIZATÓRIO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS POR PARTE DA URBANIZADORA NACIONAL SC LTDA. E DO MUNICÍPIO DE LONDRINA, EM FACE DE MARIA DE LOURDES DA SILVA LEAL E OUTRO, ADQUIRENTES DE LOTE NO LOTEAMENTO VALE VERDE

De início, registre-se o cabimento do Reexame Necessário por força do art. 475, I, do Código de Processo Civil, o qual resta conhecido de ofício e será apreciado em conjunto com as razões do recurso voluntário do Município de Londrina.

2 PRELIMINARES E PREJUDICIAIS DE MÉRITO2.1 Ilegitimidade passiva, prescrição e inaplicabilidade do Código de De-

fesa do Consumidor Urbanizadora Nacional S/C Ltda. defende a ilegitimidade passiva dos sócios, a prescrição da pretensão inicial e a inaplicabilidade do código consumerista.

Ocorre que ditas questões já foram apreciadas pelo magistrado em pri-meiro grau por ocasião do despacho de fls. 260/265, em face do qual a ora apelante não interpôs o recurso adequado, operando-se, por conseguinte, a pre-clusão temporal.

Apenas o segundo réu, Município de Londrina, interpôs agravo de instru-mento discutindo a aplicabilidade das disposições do Código de Defesa do Con-sumidor na análise de eventual responsabilidade administrativa (fls. 271/275), o qual restou provido (fls. 341/346). Observe-se que esta decisão não se estende ao ora recorrente, mas limita-se à situação jurídica existente entre os autores e o ente público municipal.

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Tais fatos impedem a apreciação dessas matérias em sede de apelação, razão pela qual merece parcial conhecimento o recurso interposto pela recor-rente Urbanizadora Nacional S/C Ltda., em razão da preclusão temporal acima explanada.

2.2 Nulidade da sentença Urbanizadora Nacional S/C Ltda. defende que o julgamento antecipado da lide geraria a nulidade da sentença por cercea-mento de defesa, eis que não teria tido a oportunidade de produzir as provas requeridas (técnica e testemunhal), sob o argumento de que seriam hábeis a desconstituir as alegações dos autores.

Pois bem.

É do saber geral que compete ao juiz o deferimento da produção de provas, mediante ponderação das peculiaridades do caso concreto, a fim de ve-rificar se as provas já produzidas são ou não suficientes ao deslinde da questão.

E após análise do contexto processual e das provas carreadas aos autos, verifica-se que o julgamento antecipado da lide não gerou prejuízo às partes.

Isso porque, como bem ponderou o magistrado sentenciante, a prova testemunhal em nada influenciaria na aferição dos elementos configuradores do dever indenizatório, bastando, para tanto, a prova pericial. Por esta razão, não procede a afirmação do recorrente de que a audiência seria essencial para esclarecer os estudos realizados pela Secretaria do Meio Ambiente do Municí-pio de Londrina.

A prova pericial, aliás, foi deferida pelo magistrado a quo (fl. 264), fi-cando o ônus de arcar com os honorários periciais atribuídos à parte ré, sob o fundamento da hipossuficiência e vulnerabilidade dos autores.

O detentor do ônus, como é sabido, é aquele que tem interesse em cum-pri-lo, pois, se não o fizer, deverá arcar com as consequências. E, no caso em exame, a Urbanizadora Nacional S/C Ltda. não arcou com o ônus a si atribuído, não podendo invocar a ausência de prova técnica como argumento de nulidade da sentença, pois evidente o seu desinteresse em produzir aludida prova.

Acresça-se, ademais, que a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor – no atinente à inversão do ônus da prova – apenas beneficia o Município de Londrina, em razão da ausência de relação consumerista entre o ente público e os autores, ora recorridos, sendo este o entendimento adotado no julgamento do agravo de instrumento (fls. 341/346).

Sobre o tema, cumpre trazer à discussão o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em REsp de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:

“RECURSO ESPECIAL – DIREITO DO CONSUMIDOR – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – MOMENTO – SENTENÇA – POSSIBILIDADE – REGRA DE JUL-GAMENTO – OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO – INEXISTÊNCIA

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[...] 2. O Processo Civil moderno enfatiza, como função primordial das normas de distribuição de ônus da prova, a sua atribuição de regular a atividade do juiz ao sentenciar o processo (ônus objetivo da prova). Por conduzirem a um julgamento por presunção, essas regras devem ser aplicadas apenas de maneira excepcional.

3. As partes, no Processo Civil, têm o dever de colaborar com a atividade judicial, evitando-se um julgamento por presunção. Os poderes instrutórios do juiz lhe au-torizam se portar de maneira ativa para a solução da controvérsia. As provas não pertencem à parte que as produziu, mas ao processo a que se destinam.

4. O processo não pode consubstanciar um jogo mediante o qual seja possível às partes manejar as provas, de modo a conduzir o julgamento a um resultado favorável apartado da justiça substancial. A ênfase no ônus subjetivo da prova implica privilegiar uma visão individualista, que não é compatível com a teoria moderna do processo civil.

[...] 6. A exigência de uma postura ativa de cada uma das partes na instrução do processo não implica obrigá-las a produzir prova contra si mesmas. Cada parte deve produzir todas as provas favorável de que dispõe, mas não se pode alegar que há violação de direito algum na hipótese em que, não demonstrado o direito, decida o juiz pela inversão do ônus da prova na sentença. [...].”

(REsp 1125621/MG, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 19.08.2010, DJe 07.02.2011)

Assim, como recorrente, ainda que intimado, deixou de efetuar o paga-mento dos honorários periciais, não merece acolhida a preliminar de nulidade da sentença fundada no cerceamento de defesa, pelo que resta afastada.

3 RESPONSABILIDADE E DEVER INDENIZATÓRIO CONSTA DOS AUTOS QUE EM 23.07.1980 A URBANIZADORA NACIONAL S/C LTDA. REQUEREU AO MUNICÍPIO DE LONDRINA A APROVAÇÃO DO LOTEAMENTO VALE VERDE, O QUE FOI DEFERIDO EM AGOSTO DE 1985, POR MEIO DO DECRETO Nº 201 (FL. 166)

Em 27 de abril de 1990, os demandantes adquiriram de Cláudio Valles Barcellos e sua esposa (adquirentes originários) o lote nº 5, da quadra nº 7 do referido loteamento, conforme comprovam os documentos de fls. 66/69.

Ocorre que, em 2007, em razão das sucessivas reclamações dos morado-res de que haveria alagamentos frequentes nas áreas comuns e privativas (fl. 76), a Secretaria Municipal do Ambiente, por meio do Parecer Técnico nº 24/2007 (fls. 77/81) constatou que 111 dos 250 lotes estariam em área de nascentes e várzeas ou de preservação permanente, violando a legislação em vigor.

E conforme consta do parecer, o lote dos autores está inserido em área de preservação permanente (fl. 80, item II.3) e, por tal fato contrariar as dispo-sições do Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), a geógrafa responsável opinou pela retirada das construções localizadas nessa localidade com o objetivo de

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proteger as nascentes e várzeas da região, o que foi integralmente acolhido pelo Secretário Municipal do Meio Ambiente, por meio da decisão administrativa de fls. 82/87.

Em consequência, reconheceu-se a impossibilidade de concessão de al-vará para construção e, nos casos em que já houvesse construção, a do habite--se, constituindo embargo cautelar à propriedade, com o objetivo de assegurar a integridade ambiental.

Os autores sustentaram na inicial que teriam suportado danos morais e materiais oriundos dessa limitação ao seu direito de propriedade, passíveis de indenização. E, após a sentença reconhecer a responsabilidade solidária entre os réus, ambos discordam da condenação e atribuem ao outro a responsabilida-de exclusiva pelo evento.

De um lado, a Urbanizadora Nacional S/C Ltda. defende que a respon-sabilidade seria do Município demandado por este ter concedido a autorização para o loteamento, pois não teria vendido os lotes se não houvesse essa mani-festação Municipal.

De outro, o Município de Londrina defende que a aprovação do lotea-mento seria ato administrativo vinculado, obrigando a Administração Pública, bem assim que ao tempo do ato não poderia prever a existência de restrição ambiental, pelo que seria obrigação da empresa loteadora verificar restrições.

Entretanto, sem razão os recorrentes, sendo irrelevantes os argumentos invocados.

3.1 No que tange à responsabilidade do Município de Londrina, não obstante à época não houvesse licenciamento ambiental1 para aprovação de projetos, bem assim a autorização para loteamento seja ato vinculado da Admi-nistração, tal fato não isenta o ente público da responsabilidade.

Primeiro porque à época da autorização vigia a Lei nº 6.766/1979, que previa regras específicas à autorização do parcelamento do solo, o que não foi observado pelo ente público municipal:

“Art. 3º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim defini-das pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo:

1 O licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente e possui como uma de suas mais expressivas características a participação social na tomada de decisão, por meio da realização de Audiências Públicas como parte do processo. (In http://www.ibama.gov.br/licenciamento/).

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I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providên-cias para assegurar o escoamento das águas; [...];

IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.”

Segundo porque as áreas de várzeas e nascentes são consideradas áreas de proteção ambiental desde muito antes da concessão da autorização, com a edição da Lei nº 4.771, em 15 de setembro de 1965, o que também não foi observado pelo ente público municipal.

Verifica-se, portanto, que a municipalidade deveria ter observado essas condições impostas pela lei antes de conceder a autorização, sob pena de vio-lação ao princípio da legalidade. E sendo assim, aufere-se a responsabilidade do Município de Londrina de acordo com a teoria objetiva, e deriva da previsão constitucional do art. 37, § 6º�. Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LOTEAMENTO IRREGULAR – ÁREA DE MANANCIAIS – RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO E DO ESTADO – PODER-DEVER – ARTS. 13 E 40 DA LEI Nº 6.766/1979

1. As determinações contidas no art. 40 da Lei nº 6.766/1999 consistem num dever-poder do Município, pois, consoante dispõe o art. 30, VIII, da Constituição da República, compete-lhe ‘promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocu-pação do solo urbano’.

2. Da interpretação sistemática dos arts. 13 da Lei nº 6.766/79 e 225 da CF, ex-trai-se necessidade de o Estado interferir, repressiva ou preventivamente, quando o loteamento for edificado em áreas tidas como de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais.

3. Recurso especial provido.”

(REsp 333056/SP, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, J. 13.12.2005, DJ 06.02.2006, p. 233)

Assim, tendo o embargo à propriedade dos autores decorrido da indevida autorização municipal para o loteamento da área, cumpre reconhecer a o nexo de causalidade entre a ação administrativa e os danos alegados pelos autores.

3.2 A Urbanizadora Nacional S/C Ltda., por ter efetuado o loteamento e comercializado os lotes posteriormente, também deve responder por eventuais danos causados aos proprietários.

A responsabilidade emerge do fato de que os atuais adquirentes não podem exercer plenamente o direito de propriedade, como era de se esperar quando da formalização do contrato de compra e venda. E por ser a recorrente a fornecedora de um produto/bem, em contraprestação a um pagamento, deve

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responder pelos vícios de qualidade que importem na impossibilidade de con-sumo.

É o que dispõe o art. 18, § 1º, II, do Código de Defesa do Consumidor, nos termos seguintes:

“Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis res-pondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.”

Nesse sentido decidiu este Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – LOTE 01 DA QUADRA 04 DO JARDIM VALE VERDE – [...] – IMÓ-VEL EMBARGADO PELA SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO MUNICÍPIO DE LONDRINA – PRELIMINARES REPELIDAS – IMPOSSIBILIDADE DE CONS-TRUÇÃO DE QUALQUER EDIFICAÇÃO – ÁREA DE NASCENTES E VÁRZEAS – DANO DEVIDAMENTE COMPROVADO – RESPONSABILIDADE DA EMPRESA QUE EFETIVOU O PARCELAMENTO DO SOLO E DA MUNICIPALIDADE QUE APROVOU O LOTEAMENTO – IMÓVEL QUE NÃO SE PRESTA AO FIM DESTI-NADO – [...] [RECURSO PROVIDO

Restando provado nos autos que os réus são responsáveis pelos danos amargados pelos autores, que se viram privados de edificar qualquer construção no imóvel que adquiriram por se tratar de área de nascentes e várzeas, devem arcar com o pagamento de danos materiais e morais aos mesmos, além do pagamento dos ônus de sucumbência.

(TJPR, AC 871870-3, 2ª C.Cív., Londrina, Rel. Silvio Dias, Unânime, J. 16.10.2012)

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – LOTEAMENTO APROVADO PELO MUNICÍ-PIO EM SUPOSTA ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL – PARECER TÉCNICO DA SEMA QUE NÃO HAVIA EMBARGADO TERRENO DA AUTORA – CERTI-DÃO MUNICIPAL QUE DIVERGE DO RELATÓRIO – INEXISTÊNCIA DE QUAL-QUER EMBARGO ADMINISTRATIVO À OBRA – RECENTE PARECER DA SE-CRETARIA MUNICIPAL DO AMBIENTE DO MUNICÍPIO LIBERANDO O LOTE PARA A CONSTRUÇÃO – AÇÃO IMPETRADA 3 ANOS APÓS A EXPEDIÇÃO DO PARECER TÉCNICO – AUSÊNCIA DE DANO – PEDIDOS JULGADOS IM-PROCEDENTES – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PRINCÍPIO DA CAUSALI-DADE – RECURSOS DESPROVIDOS.”

(Ap 1.058.295-7, Rel. Des. Carlos Mansur Arida, J. 01.10.2013)

Diante disso, deve ser mantida a sentença na parte em que reconheceu a responsabilidade solidária do Município de Londrina e da Urbanizadora Na-cional S/C Ltda.

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4 DANOS E QUANTUM INDENIZATÓRIO – NÃO PROSPERA A ALEGAÇÃO DO MUNICÍPIO DE LONDRINA DE QUE NÃO HAVERIA PROVA DOS DANOS ALEGADOS

Conforme se extrai dos autos, o embargo impossibilitou que os autores exercessem o pleno exercício dos poderes inerentes à propriedade que haviam adquirido, impedindo-os de usar, fruir e dispor, conforme preceitua o art. 1.228, do Código Civil.

Evidente, ademais, que o fato de a área do lote dos autores ser de pre-servação permanente diminui o seu valor de mercado, gerando prejuízos aos demandantes. Por esta razão devem os autores ser indenizados pela desvalo-rização causada à propriedade por ocasião do embargo imposto, sendo que o quantum deverá ser auferido em sede de liquidação de sentença.

Verificados também danos morais a serem indenizados, sendo inegável o abalo decorrente da restrição do uso do lote que haviam adquirido.

A respeito do quantum estabelecido em primeiro grau, cumpre salien-tar que a fixação da compensação pelos danos morais é bastante complexa por envolver aspectos subjetivos da esfera de direitos lesionada, mormente por envolver sentimentos que variam de pessoa para pessoa e o dimensionamento daquilo que é “constrangedor”.

Para que se possa aferir um valor adequado à compensação, o Direito traz algumas orientações ao julgador, consubstanciados nos princípios da razo-abilidade e proporcionalidade, e em elementos como a condição social e eco-nômica das partes, o caráter dúplice da indenização (compensação e punição), a repercussão social da ofensa.

Vale considerar que tanto a doutrina como a jurisprudência entendem pela desnecessidade de prova do dano no âmbito moral, vez que, a rigor, não existe no plano material nem possui expressão matemática.

No caso em exame, necessário observar que o valor fixado a título de danos morais deve atender a dupla função, de compensação da vítima e de punição do causador do dano. Além disso, a indenização não pode importar enriquecimento ilícito.

Relevante ainda analisar a situação econômica das partes envolvidas, ou seja, de que se trata de lide envolvendo um ente público municipal e um particular, evidenciando a maior capacidade financeira do primeiro em relação ao segundo.

Diante disso e do conjunto probatório produzido nos autos, o quantum estabelecido em primeira instância a título de indenização por danos morais deve ser mantido, porquanto adequado para cumprir a função punitiva dos de-mandados, ora recorrentes, e compensar a autora pelo sofrimento suportado, sem configurar enriquecimento ilícito.

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5 CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORAEm sede de Reexame Necessário, cumpre alterar a sentença na parte em

que definiu o índice de correção monetária e o percentual dos juros de mora.

Com efeito.

A respeito da aplicabilidade do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, por se tratar de matéria de ordem pública, cumpre estabelecer algumas considerações a respeito da mudança de entendimento sobre o tema nos tribunais superiores.

Por ocasião do julgamento da ADIn 4.357/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Ministro Ayres Britto, foi declarada a inconstitucionali-dade parcial, das expressões “índice oficial de remuneração básica da caderne-ta de poupança”, e “independentemente de sua natureza” (quando os débitos fazendários ostentarem natureza tributária), constantes do art. 100, § 12, do texto constitucional.

E como o art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009, praticamente reproduz a norma contida no dispositivo cita-do no parágrafo anterior, o STF o declarou parcialmente inconstitucional, por arrastamento. Isso alterou consideravelmente a sistemática de incidência de correção monetária e juros de mora às condenações indenizatórias impostas à Fazenda Pública.

Confira-se o teor de referida norma:

“Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo paga-mento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009).”

Por consequência disso, o Superior Tribunal de Justiça adaptou seu po-sicionamento no novo recurso repetitivo – REsp 1270439/PR, que restou assim ementado:

“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ Nº 08/2008 – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚ-BLICO FEDERAL – [...] AÇÃO DE COBRANÇA EM QUE SE BUSCA APENAS O PAGAMENTO DAS PARCELAS DE RETROATIVOS AINDA NÃO PAGAS – [...] VERBAS REMUNERATÓRIAS – CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DEVIDOS PELA FAZENDA PÚBLICA – LEI Nº 11.960/2009, QUE ALTEROU O ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/1997 – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PAR-CIAL POR ARRASTAMENTO (ADIN 4.357/DF)

[...].

18. Em virtude da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei nº 11.960/2009: (a) a correção monetária das dívidas fazendárias deve observar índices que reflitam a inflação acumulada do período, a ela não se aplicando

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os índices de remuneração básica da caderneta de poupança; e (b) os juros mo-ratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para as quais prevalecerão as regras específicas.

19. O Relator da ADIn no Supremo, Min. Ayres Britto, não especificou qual deve-ria ser o índice de correção monetária adotado. Todavia, há importante referên-cia no voto vista do Min. Luiz Fux, quando Sua Excelência aponta para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que ora se adota. [...].”

(REsp 1270439/PR, 1ª S., Rel. Min. Castro Meira, J. 26.06.2013, DJe 02.08.2013)

E o presente caso trata de dívida do Município de Londrina de natureza indenizatória, ou seja, de caráter não tributário, pelo que, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009, a correção monetária deverá ser feita pelo IPCA, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, e os juros de mora deverão ser calculados com base no índice oficial de re-muneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, adotando-se o novo entendimento perfilhado pelo STF e pelo STJ.

Dessa forma, tendo em vista que a sentença foi proferida em 10.09.2012 (posteriormente à vigência da Lei nº 11.960/2009), conclui-se que os valores das indenizações deverão ser corrigidos pelo IPCA, e os juros de mora deverão ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros apli-cados à caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, adotando-se o novo entendimento perfilhado pelo STF e pelo STJ.

Para a indenização por danos morais, considera-se como termo inicial da correção e dos juros de mora a data do arbitramento, ou seja, a data deste acórdão, na forma da Súmula nº 362, do Superior Tribunal de Justiça2. E para a indenização por danos materiais, o termo inicial é a data da citação, nos termos constantes da sentença.

6 PREQUESTIONAMENTOMunicípio de Londrina prequestionou a matéria constante dos arts. 206,

§ 3º, V, e § 5º, I, do CPC; arts. 10, 18, 23, 26, II e § 3º, do CDC; art. 942, caput, do CC.

Entretanto, não é necessária a abordagem de cada um dos dispositivos legais invocados, na crença de que dariam guarida à tese defendida, sendo suficiente a apreciação da matéria recursal e a apresentação dos motivos que informaram a decisão.

2 Súmula nº 362: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.”

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Assim, o debate prévio dos temas suscitados para possibilitar a deflagra-ção do especial ou extraordinário, não se prende à manifestação formal sobre os dispositivos legais listados pelo recorrente.

7. Em conclusão, o recurso interposto pela Urbanizadora Nacional S/C Ltda. merece par-cial conhecimento, e nesta parte não provimento, e o recurso do Município de Londrina também não merece provimento, cabendo alteração parcial da sentença em sede de Reexame Necessário com relação à correção monetária e os juros de mora.

decisãO

Diante do exposto, acordam os integrantes da 1ª Câmara Cível do Tribu-nal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar pelo parcial conhecimento e não provimento do Recurso 1, não provimento do Re-curso 2, alterando-se parcialmente a sentença em sede de Reexame Necessário, conhecido de ofício.

A Presidência da sessão coube a este Relator e do julgamento partici-param o Desembargador Carlos Mansur Arida (Revisor) e o Juiz Substituto em Segundo Grau Fernando César Zeni.

Curitiba, 06 de maio de 2014.

Des. Ruy Cunha Sobrinho Presidente e Relator

ementa

Decisão: Acordam os integrantes da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Jus-tiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar pelo parcial conhecimento e não provimento do Recurso 1, não provimento do Recurso 2, alterando-se parcialmente a sentença em sede de Reexame Necessário, conhe-cido de ofício.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulAPAN nº 70059315358 (nº CNJ: 0124098‑62.2014.8.21.7000)Recurso em Sentido Estrito nº 70059315358 (nº CNJ: 0124098‑62.2014.8.21.7000)Quarta Câmara CriminalComarca de Porto AlegreRecorrente: Ministério PúblicoRecorrido: Luis Henrique Ferreira da Silva

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PARCELAMENTO IRREGULAR DO SOLO URBANO – PRESCRIÇÃO

O delito previsto no art. 50 da Lei nº 6.766/1979 é instantâneo de efeitos permanentes. O prazo prescricional, portanto, tem início na data em que realizado o primeiro contrato de promessa de compra e venda. Segundo apontado na denúncia inocorrência de prescrição em abstrato. Decisão revogada. Implementação superveniente do lapso prescricional. Extinção de punibilidade decretada. Unânime.

acÓrdãO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar provimento ao recurso para revogar a decisão recorrida e declarar extinta a punibilidade do fato pela prescrição pela pena em abstrato.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminen-tes Senhores Des. Gaspar Marques Batista e Des. Rogério Gesta Leal.

Porto Alegre, 22 de maio de 2014.

Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Presidente e Relator.

reLatÓriO

Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto (Relator)

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público contra decisão que declarou extinta a punibilidade do recorrido, rejeitando a denúncia, na forma do art. 395, inciso II, do Código de Processo Penal.

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Em suas razões, alega que as condutas imputadas ao réu não configu-ram crime único, mas sim crimes autônomos. Assim, sustenta que os fatos des-critos na denúncia não foram atingidos pela prescrição. Requer o provimen-to do recurso, com o recebimento da denúncia e o prosseguimento do feito (fls. 326/329v).

Apresentadas as contra-razões (fls. 339/342) e mantida a decisão (fl. 343), vieram os autos.

Neste grau de jurisdição, manifesta-se o eminente Procurador de Justiça pelo provimento do recurso (fls. 346/350).

É o relatório.

vOtOs

Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto (Relator)

O crime de parcelamento irregular do solo urbano previsto no art. 50, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 6.766/1979 é instantâneo de efeitos perma-nentes.

Assim, o prazo prescricional tem início na data de consumação do delito e não na data de cessação de seus desdobramentos. Deve ser contado, portanto, da data em que realizada a primeira conduta, ou seja, da data em que celebrado o primeiro contrato de promessa de compra e venda.

Nesse sentido, decisão desta Câmara em hipótese por tudo igual à espé-cie sob julgamento.

APELAÇÃO CRIMINAL – PARCELAMENTO IRREGULAR DO SOLO PARA FINS URBANOS – ART. 50, PARÁGRAFO ÚNICO, INC. I, DA LEI Nº 6.766/1974 – PRESCRIÇÃO RETROATIVA – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – A alienação de unidade em loteamento irregular configura a forma qualificada do crime de dar início e efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão competente. A venda de outras frações do mesmo lotea-mento não enseja a continuidade delitiva, pois se trata de crime único. Delito que se tem por consumado, passando a contar o prazo prescricional a partir do momento em que iniciado ou efetuado o loteamento ilegal. Crime instantâneo de efeitos permanentes. Extinção da punibilidade pela prescrição retroativa, tendo em conta a data em que teve início a ação delitiva, e o recebimento da denún-cia, anteriormente à alteração promovida pela Lei nº 12.234/2010. Recurso pro-vido. declarada a extinção da punibilidade (Apelação Crime nº 70055477061, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Rogerio Gesta Leal, J. 15.08.2013).

O réu foi denunciado por incurso no art. 50, inciso I, parágrafo único, incisos I e II, da Lei nº 6.766/1979, com pena máxima cominada de 05 anos de reclusão, que prescreve em 12 anos (art. 109, inciso III, do CP). Quando da

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rejeição da denúncia, não estava extinta a punibilidade pela prescrição pela pena em abstrato, por não transcorrido o prazo prescricional entre os marcos interruptivos (a primeira alienação ocorreu em 13.01.2002 e a denúncia foi rejeitada em 10.01.2014).

Ao declarar extinta a punibilidade do recorrido, o Magistrado considerou como marco inicial a data de 02.01.2002, em que teria ocorrido a venda do primeiro lote. Ocorre que essa negociação não teve a participação do réu, nem foi ele denunciado por este fato, razão pela qual não pode ser utilizada essa data para exame da prescrição. Por isso, deve ser revogada a decisão recorrida.

No entanto, como seguiu fluindo o lapso prescricional sem interrupção, está extinta a punibilidade pela prescrição pela pena em abstrato, considerada a data de 13.01.2002, aquela constante da denúncia, como dies a quo para contagem do prazo. Assim, há de ser revogada a decisão e, ante a constatação de ocorrência de prescrição superveniente, ser decretada, agora sim, a extinção de punibilidade pela prescrição.

Dou provimento ao recurso para revogar a decisão recorrida e declarar extinta a punibilidade do fato pela prescrição pela pena em abstrato.

Des. Gaspar Marques Batista – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Rogério Gesta Leal – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto – Presidente – Recurso em Sentido Estrito nº 70059315358, Comarca de Porto Alegre: “à unanimidade, deram provimento ao recurso para revogar a decisão recorrida e declararam extinta a punibilidade do fato pela prescrição pela pena em abstrato, nos termos dos votos proferidos em sessão”.

Julgador(a) de 1º Grau: Jose Ricardo Coutinho Silva

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1520

Tribunal de Justiça do Estado de Santa CatarinaApelação Cível nº 2014.009410‑3, da CapitalRelator: Des. Henry Petry Junior

APELAÇÃO CÍVEL – LOCAÇÕES E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DESPEJO – PRAZO INDETERMINADO TRAVESTIDA DE LOCAÇÃO POR TEMPORADA – IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM(1) LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – OMISSÃO – FATO RELEVANTE – CONTRATOS DE LOCAÇÃO ANTERIORES – DOLO CONFIGURADO

– A intencional omissão em relação a fato relevante, no caso, a existên-cia de contratos de locação por temporada pretéritos por período de seis meses, que revelaram a existência de locação por tempo indeterminado, efetivamente caracteriza a litigância de má-fé.

(2) DESPEJO LIMINAR – REVOGAÇÃO POSTERIOR – CONVERSÃO DE CAUÇÃO – INDENIZAÇÃO MÍNIMA POR PERDAS E DANOS – CIÊNCIA DA PARTE ADVERSA IRRELEVANTE

– A indenização prevista no art. 64, § 2º da Lei nº 8.245/1991 tem por objetivo fixar indenização mínima em favor da parte que suporta inde-vidamente os efeitos advindos da concessão do despejo liminar, não se relacionando com eventual conhecimento da parte adversa do contrato firmado.

(3) VALOR DA CAUSA – ALTERAÇÃO DE OFÍCIO – POSSIBILIDADE

– Cabe ao magistrado retificar o valor da causa sem provocação, pois “o valor da causa diz respeito à matéria de ordem pública, sendo, portanto, lícito ao magistrado, de ofício, determinar a emenda da inicial quando houver discrepância entre o valor atribuído à causa e o proveito econô-mico pretendido na demanda” (STJ, REsp 1133495/SP, Rel. Min. Massa-mi Uyeda, J. em 06.11.2012)

Sentença mantida. Recurso desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2014. 009410-3, da comarca da Capital (2ª Vara Cível), em que é apelante Edilberto Vicente Cantero Escurra, e apelada Karla Beatriz Pereira Villela Oliveira:

A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhe-cer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Se-nhor Desembargador Sérgio Izidoro Heil, com voto, e dele participou o Exce-lentíssimo Senhor Desembargador Odson Cardoso Filho.

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Florianópolis, 15 de maio de 2014.

Henry Petry Junior Relator

reLatÓriO

1 A AÇÃOPerante a 2ª Vara Cível da comarca da Capital, Edilberto Vicente

Cantero Escurra ajuizou, em 13.12.2010, “ação de despejo com medida liminar de desocupação” (nº 023100636783) em face de Karla Beatriz Pereira Villela Oliveira, nos autos qualificados.

Alegou, em síntese, que locou seu imóvel por contrato de locação por temporada com a ré, celebrado em 10.11.2010, com término previsto para 10.12.2010. Porém, decorrido o prazo de 30 (trinta) dias, a ré não desocupou o imóvel. Disse que já firmou outros dois contratos de locação com terceiros, já tendo recebido adiantado os respectivos alugueis, bem como que é paraguaio e constituiu procurador no Brasil.

Pleiteou, ao final, a concessão da liminar, a desocupação e a condena-ção da ré ao pagamento em dobro do aluguel pelo período que ultrapassou o contratado (fls. 02/16).

Concedida e efetivada a medida liminar desalijatória (fls. 18/19; 31/33).

Devidamente citada, a ré apresentou resposta na forma de contestação (fls. 42/46), oportunidade em que afirmou que houve fraude à legislação, pois foram firmados vários contratos de locação por temporada desde julho de 2010, de modo que há locação residencial por tempo indeterminado.

Pediu a improcedência do pleito inicial, a imissão na posse e a condena-ção ao autor ao ressarcimento das despesas causadas pelo despejo.

Houve, ainda, juntada de documentos (fls. 42/46); e impugnação à con-testação (fls. 65/67).

Após, sobreveio sentença.

1.1 a sentença

No ato compositivo da lide (fls. 90/94), antecipadamente lançado em 27.06.2013, o magistrado a quo – Juiz Marcus Vinicius Von Bittencourt – julgou improcedente o pedido, facultando à ré retomar a locação. Converteu a caução em indenização e condenou, por litigância de má-fé, o autor ao pagamento de multa de 1% (um por cento), mais indenização de 20% (vinte por cento) sobre

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o retificado valor da causa, além das custas processuais e honorários advocatí-cios, esses fixados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).

1.2 O recUrsO

Irresignada, a parte autora interpõe recurso de apelação (fls. 99/105). Sustenta, em resumo, que: não houve má-fé, pois o contrato foi por prazo de-terminado e a ré sabia da destinação temporária, haja vista que o autor reside no Paraguai e aluga o imóvel mensalmente no período em que não o utiliza. Argumenta ainda que não ser possível a retificação do valor da causa de ofício na espécie.

Pede, ao fim, a reforma da sentença para afastar a conversão da caução, a condenação por litigância de má-fé e a retificação do valor da causa.

Sem a apresentação das contrarrazões (fls. 110), ascenderam os autos a esta Corte.

É o relatório possível e necessário.

vOtO

2 A ADMISSIBILIDADE DO RECURSOSatisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.

2.1 O méritO

2.1.1 A litigância de má-féO processo encerra relação jurídica na qual se destaca o dever estatal de

prestar Justiça como substitutivo da vingança privada. Assim, atribui-se ao ma-gistrado, no reger desta relação, o dever de preservar pela seriedade da jurisdi-ção, fazendo com que o processo atinja, da forma mais eficiente – com melhor uso possível dos meios – e eficaz – com o alcance do objetivo pretendido –, a concretização do direito das partes.

Sem prejuízo, também às partes é dado o dever de guardar estrito proce-der ético no intuito de obter a manifestação estatal. O resultado judicial, por-tanto, deve lastrear-se em base construída com equilíbrio de armas e prepon-derância do direito mais adequado, eis que iniquidades não são acolhidas pelo ordenamento jurídico.

Nesse esteio, assenta o legislador, no art. 125 do Código de Processo Ci-vil, alguns deveres do juiz ao dirigir o processo, como a prevenção ou repressão de qualquer ato atentatório à dignidade da justiça (inciso III). No art. 14 do mes-

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RDI Nº 21 – Maio-Jun/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ����������������������������������������������������������������������������������������������������� 175

mo Estatuto Processual, a seu turno, faz constar uma série de deveres às partes, a seus procuradores e aos demais participantes do processo, como proceder com lealdade e boa-fé (inciso II).

A desobediência a tais deveres implica a caracterização de litigância de má-fé, respondendo-se por perdas e danos, conforme disposição do art. 16 do Código de Processo Civil, com possibilidade de imposição por juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, de multa – pela infração em desfavor da dignidade processual – e indenização ao infrator – pelos prejuízos sofridos pela parte con-trária –, com espeque no art. 18 do Estatuto Instrumental.

O rol taxativo de hipóteses de configuração, por sua vez, vem dispos-to no art. 17 do mesmo Diploma, sendo: [a] dedução de pretensão ou defesa contrária a texto expresso de lei ou fato incontroverso; [b] alteração da verdade dos fatos; [c] uso do processo para obtenção de objetivo ilegal; [d] oposição de injustificada resistência ao andamento do feito; [e] proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato processual; [f] provocação de incidentes manifes-tamente infundados; e [g] interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório.

Não obstante a objetividade das hipóteses, exige-se, ainda, um elemento subjetivo a demonstrar: a má-fé do infrator. Sobre o tema, com a habitual pro-priedade, comenta Hélio do Valle Pereira:

Em todas essas hipóteses, exige-se mais do que a situação objetivamente descrita em lei. Está sempre subjacente à conduta recriminada um propósito obscuro, uma ofensa à boa-fé objetiva. Não há necessidade de dolo, de conduta voltada obstinadamente a prejudicar o outro litigante. Mas é necessária, no mí-nimo, a leviandade, a inconsideração. Em outros termos, exige-se pelo menos a culpa grave, que engloba o erro grosseiro (Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, v. I, p. 172). Em outras palavras, deve ter sido ultra-passado “o limite da razoabilidade” (Ernane Fidelis dos Santos. Manual de Di-reito Processual Civil. v. I. p. 111), atentando-se que “não se anuiu em ser indi-ferente ao elemento subjetivo” (Pontes de Miranda. Comentários ao Código de Processo Civil. v. I. p. 360). (Manual de Direito Processual Civil. Florianópolis: Conceito, 2007. p. 150).

Assim, verifica-se que a ocorrência de litigância de má-fé imprescinde, além da configuração das hipóteses contidas no rol legal, da ocorrência de “pre-juízo” à parte contrária e da presença de má-fé do infrator. Não configurados tais pressupostos, mormente na ausência do elemento subjetivo, incabível é a sanção.

2.1.2 A espécie

No caso, a litigância de má-fé foi reconhecida pela sentença ao fun-damento de que o autor alterou a verdade dos fatos, ao travestir a espécie de

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locação, e utilizou o Judiciário para conseguir objetivo ilegal em pleno recesso forense (fl. 93).

Observa-se que, embora não devolvida a matéria no ponto, a análise da prova levou à conclusão de que houve locação residencial por prazo indetermi-nado, a partir de contratos “de locação temporária” firmados pelas partes, rela-tivos aos períodos 10.07.2010 a 10.08.2010; 10.08.2010 a 10.09.2010 (fl. 50); 10.09.2010 a 10.10.2010; 10.10.2010 a 10.11.2010; 10.11.2010 a 10.12.2010 (fls. 49/53).

O autor, por sua vez, fundamentou seu pedido apenas com base no úl-timo “contrato de locação de temporada”, omitindo-se em relação aos demais.

Apesar de o autor ser paraguaio, possui procurador constituído no Brasil para o fim especial de administrar seu imóvel (fl. 07). No mesmo instrumento se infere que o procurador é corretor de imóveis, ou seja, profissão que demanda conhecimento da legislação locatícia.

Sublinha-se ainda que o procurador representa o autor na ação em tela. Desse modo, a intencional omissão em relação aos contratos pretéritos efetiva-mente caracteriza dolo em alterar os fatos. Ficou também evidenciado o dano processual, pois a ré foi liminarmente despejada do imóvel.

Nesse sentido, desta Corte:

I – Apelação cível. Indenização por danos morais. Empresa de gerenciamento de banco de dados que disponibilizou informação acerca de veículos sinistrados. Alegação de que as informações são sigilosas e que necessitam de prévia auto-rização para divulgação de dados. Improcedência. Art. 5º, XIV, da Constituição Federal. Direito de acesso à informação. Proteção a terceiros de boa-fé. Ausên-cia de ilegalidade. Estabelecimento regularmente inscrito na Junta Comercial, conforme determina a Lei nº 3.099/1957. Condenação da parte autora em liti-gância de má-fé por omissão da informação de que os veículos eram realmente sinistrados, bem como de parte do relatório onde continha as fotos do veículo avariado. Sentença confirmada. Condenação mantida. Recurso conhecido e des-provido. (TJSC, AC 2007.045021-3, Relª Desª Denise de Souza Luiz Francoski, J. 23.04.2013) [sem destaque no original]; e

II – Agravo retido. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Ação acidentária. Hér-nia discal. Pleito de concessão da aposentadoria por invalidez e restabelecimen-to do auxílio-doença. Diagnóstico pericial de incapacidade temporária. Obrei-ra em gozo de auxílio-doença acidentário desde antes do ajuizamento da ação até os dias atuais. Omissão sobre fato relevante e incontroverso. Litigância de má fé. Recurso desprovido. (TJSC, AC 2010.085710-1, Rel. Des. Newton Janke, J. 26.07.2011) [sem destaque no original].

Outrossim, houve intenção em usar o processo para conseguir objetivo ilegal, pois a locação sabidamente não era por temporada.

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Portanto, há litigância de má-fé de acordo com o disposto no art. 17, II e III, do Código de Processo Civil, razão pela qual é imperiosa a rejeição do re-curso – sem prejuízo, assente-se, de eventual apuração de excesso de mandato na via própria.

2.1.3 A indenização por perdas e danos

Em relação à conversão da caução em indenização mínima, na hipótese de reforma da decisão que concede o despejo liminarmente, dispõe o art. 64 da Lei nº 8.245/1991:

Art. 64. Salvo nas hipóteses das ações fundadas no art. 9º, a execução provisória do despejo dependerá de caução não inferior a 6 (seis) meses nem superior a 12 (doze) meses do aluguel, atualizado até a data da prestação da caução.

§ 1º A caução poderá ser real ou fidejussória e será prestada nos autos da execu-ção provisória.

§ 2º Ocorrendo a reforma da sentença ou da decisão que concedeu liminarmente o despejo, o valor da caução reverterá em favor do réu, como indenização míni-ma das perdas e danos, podendo este reclamar, em ação própria, a diferença pelo que a exceder. [sem destaque no original].

Insurge-se o autor em relação à conversão da caução em indenização mínima, em razão da ciência da ré de que a locação era por temporada.

Entretanto, a indenização prevista no art. 64, § 2� da Lei nº 8.245/1991 tem por objetivo indenizar a parte que suporta indevidamente os efeitos ad-vindos da concessão do despejo liminar, não se relacionando com eventual conhecimento da parte adversa.

Anota Sílvio de Salvo Venosa que a finalidade da norma é assegurar eventual prejuízo, independentemente de prova, ainda que se recoloque o in-quilino no prédio, sem prejuízo de comprovação de prejuízo superior:

A finalidade dessa garantia é assegurar eventual prejuízo ao réu. Ora, reformada a decisão que decretou o despejo, a decisão anterior deixa de ter eficácia. Dever-se-ia retornar ao estado anterior. Em síntese, executado o des-pejo, deveria ser possibilitada ao réu retornar ao imóvel. Isto não contraria o espírito do processo e, se hão houver entraves de ordem prática, nada impede que assim se faça. No entanto, a lei imagina que tal procedimento não é práti-co e é inconveniente na grande maioria das vezes. Não se podendo voltar ao estado anterior, a caução servirá de indenização pelos prejuízos sofridos pelo réu com a desocupação do imóvel tida como indevida. Ainda que se recoloque o inquilino no prédio, terá havido prejuízos a ele. O valor da caução servirá de indenização mínima. Esta é reclamada, independentemente de qualquer prova, nos próprios autos. [...] Essa caução levantada em favor do réu tem semelhança com a cláusula penal compensatória. (Lei do Inquilinato Comentada: doutrina e prática. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 322) [sem destaque no original].

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Desse modo, cabe salientar que, ainda que eventualmente a ré use a faculdade de retomar a locação, a indenização mínima fixada na sentença lhe é devida, nos termos do art. 64, § 2º da Lei nº 8.245/1991.

Portanto, nega-se provimento ao recurso no ponto.

2.1.4 A possibilidade retificação do valor da causa

Por fim, não procede a insurgência do autor a respeito da retificação de ofício do valor da causa, pois efetivamente a matéria pode ser apreciada pelo magistrado sem provocação da parte contrária.

É que a impugnação quanto ao valor da causa não é exclusividade do réu, uma vez que “o valor da causa diz respeito à matéria de ordem pública, sendo, portanto, lícito ao magistrado, de ofício, determinar a emenda da inicial quando houver discrepância entre o valor atribuído à causa e o proveito eco-nômico pretendido na demanda” (STJ, REsp 1133495/SP, Terceira Turma. Rel. Min. Massami Uyeda, J. 06.11.2012). E isso porque a sua definição acarreta certas consequências, eis que é parâmetro para fixar a competência, o tipo de procedimento, além de servir de base ao recolhimento das custas e, em certas situações, ao arbitramento da honorária e à pena por litigância de má-fé, etc.

Colhe-se ainda do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – SERVIDOR PÚBLICO – PROFESSO-RES CONCURSADOS DO COLÉGIO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE PERNAMBUCO – PERCEPÇÃO DE HORA-AULA – EXECUÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – VALOR DA CAUSA – CORRESPONDÊNCIA COM O VALOR ECONÔMICO PRETENDIDO – CORREÇÃO DE OFÍCIO – POSSIBILIDADE – [...]

3. Constatada a discrepância entre o benefício econômico pretendido pelos auto-res e o valor atribuído a causa, é possível que se determine, de ofício, a correção do valor atribuído à causa. Precedentes.

[...]

(STJ, REsp 1257605/PE, Rel. Min. Mauro Campell Marques, J. 15.09.2011).

Desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA – ALEGADO PROTESTO INDEVIDO DE DUPLICA-TAS – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – RECURSO DA PARTE AUTORA – [...]

RETIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, DO VALOR DA CAUSA – POSSIBILIDADE – QUAN-TIA CERTA INDICADA NA INICIAL À TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DA-NOS MORAIS – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, PASSÍVEL DE ALTERAÇÃO EX OFFICIO – AUTOR QUE NÃO INDICA QUANTIA MERAMENTE ESTIMATIVA – PRECEDENTES DO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA EG. CORTE – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PLEITO VISANDO A REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO – NÃO ACOLHIMENTO – FIXAÇÃO EM CONSONÂNCIA COM OS PARÂMETROS PREVISTOS NO ART. 20, §§ 3º E 4º DO CPC – RECURSO

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CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, AC 2008.027738-2, Rel. Des. Cláudio Valdyr Helfenstein, J. 14.04.2011) [sem destaque no original]; e

II – PROCESSUAL CIVIL – DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JU-RÍDICO – INTERLOCUTÓRIO QUE ORDENA, ÀS AUTORAS, A EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL, A PRETEXTO DE CORREÇÃO DO VALOR DA CAUSA E RECOLHIMENTO DAS CUSTAS SUPLEMENTARES – RETIFICAÇÃO ERRÔNEA – EXPRESSÃO ECONÔMICA DA AÇÃO QUE, NA HIPÓTESE, DEVE CORRES-PONDER AO VALOR DO CONTRATO QUE SE PRETENDE DESCONSTITUIR (ART. 259, INC. V, DO CPC) – SENTENÇA EXTINTIVA DO FEITO, POR INDEFE-RIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL, QUE SE REVELA, NO CASO, MEDIDA DESNE-CESSÁRIA E POR ISSO MESMO ONEROSA – POSSIBILIDADE DE CORREÇÃO, DE OFÍCIO, DO VALOR DA CAUSA OU RENOVAÇÃO DO ATO PELA PARTE, COM A RESPECTIVA SUPLEMENTAÇÃO DE CUSTAS, EIS QUE NÃO CONFIGU-RADA A INÉRCIA TAMPOUCO A MÁ-FÉ (ART. 284, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC) – NECESSIDADE, ADEMAIS, NESTES CASOS, DE INTIMAÇÃO PESSOAL DAS DEMANDANTES, POR FORÇA DA CIRCULAR Nº 21/2010 DA CGJ-TJSC – SENTENÇA CASSADA – RECURSO PROVIDO. (TJSC, AC 2013.035442-2, Rel. Des. Eládio Torret Rocha, J. em 15.08.2013) [sem destaque no original].

Portanto, imperiosa a manutenção da sentença também neste ponto.

3 A CONCLUSÃOAssim, quer pelo expressamente consignado neste voto, quer pelo que de

seu teor decorre, suplantadas todas as questões ventiladas, deve o recurso ser conhecido e desprovido, nos termos supra.

É o voto.

Gabinete Des. Henry Petry Junior

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de São PauloRegistro: 2014.0000319832Apel. (c/ Revisão) nº 9292061‑59.2008.8.26.0000Comarca: Barueri (3ª VC)Apte.: Cond. Edif. L’Etoile Residence ServiceApdos.: Maria João Comércio de Alimentos Ltda., Milton Manoel Martins e Célia Maria de Oliveira MartinsJD 1º Grau: Leonete Maria da SilvaVoto nº 11.777

LOCAÇÃO DE IMÓVEL – EXECUÇÃO

Cabimento de exceção de não executividade para discussão acerca dos requisitos do título executivo. Possibilidade de execução de aluguéis e encargos moratórios, relegando-se para o curso do processo a apuração de eventual quantum remanescente devido, tendo em vista o valor levan-tado pelo exequente em outro processo. Multas por infrações contratuais que exigem a apuração de fatos, a atribuição de responsabilidades e a exegese das disposições do contrato, o que retira a certeza da obrigação, tornando necessário o processo de conhecimento. Ausência de configu-ração de qualquer uma das hipóteses do art. 17 do CPC que não admite a imposição de sanção por litigância de má-fé.

Recurso provido em parte.

acÓrdãO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 9292061-59.2008.8.26.0000, da Comarca de Barueri, em que é apelante Condomínio Edifício L’Etoile Residence Service, são apelados Maria João Comércio de Ali-mentos Ltda., Milton Manoel Martins e Célia Maria de Oliveira Martins.

Acordam, em 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “deram parcial provimento. v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Manoel Justino Bezerra Filho (Presidente) e Gilson Delgado Miranda.

São Paulo, 27 de maio de 2014.

Dimas Rubens Fonseca Relator Assinatura Eletrônica

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Trata-se de apelação interposta por Condomínio Edifício L’Etoile Resi-dence Service nos autos da execução por quantia certa fundada em título ex-trajudicial que move contra Maria João Comércio de Alimentos Ltda., Milton Manoel Martins e Célia Maria de Oliveira Martins, em que a r. sentença de fls. 387/394, cujo relatório se adota, acolheu as exceções de não executividade manejadas pelos executados e julgou extinta a execução, com fundamento no art. 267, VI, do CPC, condenando a exequente ao pagamento dos encargos da sucumbência, bem como em multas por litigância de má-fé.

Embargos declaratórios opostos pela exequente às fls. 414/416 e pela coexecutada Maria João Comércio de Alimentos às fls. 425, sendo aqueles rejei-tados e estes acolhidos, corrigindo-se o erro material no dispositivo da sentença.

Sustenta a apelante, em preliminares, o descabimento das exceções de não executividade, por ausência de sentido prático na sua oposição, uma vez que os embargos à execução passaram a ser admissíveis independentemente de penhora; que houve preclusão para apresentação de embargos à execução; que a execução está fundada em contrato de locação, o qual, ainda que não subscrito por duas testemunhas, caracteriza-se como título executivo extraju-dicial, sendo cabível o arresto no caso. No mérito alega que houve mora dos executados, porquanto não pagaram os aluguéis na data prevista em contrato; que os depósitos realizados pela inquilina, em outro processo, foram ilícitos, eis que não tiveram autorização judicial e apenas objetivaram privar o locador de receber o montante devido; que há saldo devedor remanescente; que não agiu de má-fé, pois não omitiu informação quanto ao levantamento dos valores, em outro feito; que são devidos as multas e demais encargos moratórios, previstos em contrato; que é cabível a penhora de valores pelo sistema Bacen-Jud; que não descumpriu quaisquer obrigações contratuais e, por fim, que inexiste justi-ficativa para a suspensão da execução (fls. 430/442).

Foram oferecidas contrarrazões (fls. 449/451 e 454/460) com pleitos de desprovimento do recurso.

É o relatório.

A exceção ou objeção de não executividade tem sido admitida para dis-cussão de vício insanável do título executivo, aferível de plano pelo juízo, in-dependentemente da oposição de embargos à execução e desde que a matéria ainda não tenha sido apreciada nos autos.

Nesse sentido, escrevem Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, citando precedentes do Colendo STJ: “Pode o executado, independentemente de embargos e por mero requerimento nos autos, alegar quaisquer objeções processuais (como a invalidade do título executivo), bem como defesas ma-teriais que o juiz possa conhecer de ofício (por exemplo, prescrição e deca-dência), desde que umas e outras possam ser comprovadas de plano, isto é, mediante prova documental a ser juntada conjuntamente com a arguição das

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questões (STJ, 1ª T., AgRg-Ag 775.393/RS, Rel. Min. Luiz Fux, J. 21.11.2006, DJ 14.12.2006, p. 272) [...]. O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que a exceção de pré-executividade pode ser arguida a qualquer tempo no curso do processo, desde que não tenha havido expresso pronunciamento jurisdicional sobre a questão que se pretende levantar (STJ, 1ª T., REsp 667.002/DF, Rel. Min. Luiz Fux, J. em 12.12.2006, DJ 26.03.2007, p. 206; [...)”1.

Pertinente ressaltar, ainda, que há entendimento da mesma Corte Supe-rior admitindo a discussão do excesso de execução por meio da exceção de não executividade: “Processual civil. Recurso Especial. Embargos do devedor. Acolhimento integral. Honorários advocatícios. Critérios de fixação. Exceção de pré-executividade. Excesso de execução. Cabimento. Precedentes. [...] É ca-bível a chamada exceção de pré-executividade para discutir excesso de execu-ção, desde que esse seja perceptível de imediato, sem dilação probatória e, para tanto, baste examinar a origem do título que embasa a execução; na esteira dos precedentes das Turmas da 2ª Seção. Recurso especial não conhecido”2.

Assim, manifesto cabimento da exceção de não executividade para a discussão das questões agitadas pelos executados.

Entretanto, a execução deve prosseguir, apenas, em relação aos aluguéis e encargos moratórios, ficando excluídas as penalidades contratuais (multa por cessão não autorizada do contrato e multa por descumprimento de outras cláu-sulas contratuais).

No que diz respeito aos aluguéis e encargos moratórios, o exequente apresentou o cálculo do respectivo débito (fl. 11), atualizando-o no curso do processo, descontando o valor que teria levantado em outra ação (fls. 247/248).

Não obstante a locatária tenha realizado, em outro feito (Processo nº 2239/03), o depósito de aluguéis sem autorização judicial (fl. 385), o mon-tante foi erguido pelo locador, nada impedindo, assim, que a presente execução prossiga para a cobrança da suposta diferença, a esse mesmo título, por ele apontada (fls. 247/248).

Registre-se que a liquidez nada mais é do que a determinação da impor-tância do débito, decorrente do contrato de locação (fls. 13/28). A certeza diz respeito à existência da dívida, enquanto a exigibilidade se refere ao momento a partir do qual passou a ser exigível, pelo exequente, o respectivo pagamento, legitimando-o a ingressar com o processo de execução contra os devedores.

Portanto, para viabilizar a execução, basta a aparência da regularidade do título executivo. Se indevido o débito, no todo ou em parte, é questão que exige verificação no curso da execução, mediante novos cálculos, em cotejo

1 In Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo. 2. ed. p. 705/706.

2 BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em REsp 733.533/SP (2007/0230828-0). (3ª T.) Rel. Min. Fernando Gonçalves. J. 11.12.2008.

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com os documentos dos autos, tendo em vista os valores levantados pelo exe-quente em outro processo.

Já o mesmo não ocorre com a execução das multas por cessão não auto-rizada do contrato de locação e por descumprimento de outras cláusulas con-tratuais (cf. planilha de fl. 11), eis que imprescindível a apuração de fatos, a atribuição de responsabilidades e a exegese das disposições do contrato, o que retira a certeza da obrigação, tornando necessário o processo de conhecimento.

Por fim, incabível a imposição das penalidades por litigância de má-fé, haja vista que a exequente não incorreu em nenhuma das hipóteses do art. 17 do Código de Processo Civil, máxime em se considerando que a sua omissão em informar, na petição inicial da execução, a existência de ações judiciais entre as partes, não faz presumir que teve o intento de induzir o juízo a erro.

Ademais, a execução foi proposta em 10 de janeiro de 2005 (fl. 02), ao passo que o levantamento de valores, no Processo nº 2.239/2003, pelo exe-quente, somente foi autorizado judicialmente em 16 de maio de 2005 (fl. 385).

Neste contexto, não se constata atitude dolosa do apelante na execução.

Sobre o tema, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery prele-cionam que litigante de má-fé “é a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo, procrastinando o feito. As condutas aqui previstas, definidas ‘positivamente’ são exemplos do descumprimento do dever de probidade estampado no CPC, art. 14”3.

Ante ao exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento ao recurso para determinar o prosseguimento da execução, apenas, em relação aos aluguéis e encargos moratórios (fls. 248), abatendo-se o valor levantado pelo exequente em outro processo, apurando-se eventual saldo devedor remanescente à vista dos documentos dos autos, bem como para cancelar as multas por litigância de má-fé.

Configurada a sucumbência recíproca, cada litigante arcará com o paga-mento dos honorários de seu patrono. Despesas meio a meio.

Dimas Rubens Fonseca Relator

3 Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1997. p. 288.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência1522 – Ação anulatória – escritura pública de cessão e transferência de direitos possessórios –

direito pessoal

“Processo civil. Conflito de competência. Ação anulatória. Escritura pública de cessão e transfe-rência de direitos possessórios. Direito pessoal. Direito real imobiliário. Competência do foro do domicílio do réu. Artigos analisados. Arts. 95 e 100 do CPC. 1. Ação declaratória de nulidade de escritura pública de cessão e transferência de direitos possessórios, ajuizada em agosto de 2009, da qual foi extraído o presente conflito de competência, concluso ao Gabinete em 07.05.2010. 2. Discute-se a competência para julgamento de ação declaratória de cessão de direitos posses-sórios, considerando o disposto no art. 95 do CPC e a existência de outras duas ações, em que se discute a posse do bem, e que tramitam no foro da situação deste. 3. A partir da exegese da norma do art. 95 do CPC, na hipótese do litígio versar sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, a ação correspondente deverá necessariamente ser proposta na comarca em que situado o bem imóvel, porque a competência é absoluta. 4. Por outro lado, a ação, ainda que se refira a um direito real sobre imóvel, poderá ser ajuizada pelo autor no foro do domicílio do réu ou, se o caso, no foro eleito pelas partes, se não disser respeito a nenhum daqueles direitos especificados na segunda parte do art. 95 do CPC, haja vista se tratar de competência relativa. 5. Na hipótese, conforme apontado pelo juízo suscitante, o litígio analisado não versa sobre nenhum direito real imobiliário, mas sobre a eventual nulidade da escritura de cessão de posse de imóvel, por razões formais. Aliás, é importante mencionar, nesse contexto, que nem mesmo a posse do imóvel é objeto da presente ação. 6. Não há competência absoluta do foro da situação do bem para o julgamento da presente ação, sendo inaplicável o art. 95 do CPC. A competência é relativa, devendo ser fixada de acordo com as regras do art. 100 do CPC. 7. Nem mesmo poder-se-ia pensar em conexão entre a ação declaratória e as ações de reintegração de posse e embargos de terceiro porque não se vislumbra identidade de pedidos ou de causa de pedir, conforme prevê o art. 103 do CPC, para autorizar a reunião dos processos. 8. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito de São José do Ouro/RS.” (STJ – CC 111.572 – (2010/0068019-9) – 2ª S. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 15.04.2014)

1523 – Ação de prestação de contas – contrato de corretagem

“Dúvida de competência. Apelação cível. Ação de prestação de contas. Contrato de corretagem. Contrato típico e autônomo diferenciado da prestação de serviços matéria alheia às áreas de es-pecialização. Aplicação do art. 91 do RITJ/PR. Dúvida procedente. Competência das câmaras res-ponsáveis pelo julgamento de recursos alheios as áreas de especialização.” (TJPR – DUV 0972539-3/01 – S.Cív. – Relª Desª Maria Mercis Gomes Aniceto – DJe 07.04.2014)

1524 – Ação declaratória de nulidade ou inexistência de cláusulas contratuais – condomínio das emissoras e diários associados – natureza jurídica do contrato

“Recurso especial. Civil e processual civil. Ação declaratória de nulidade/inexistência de cláusulas contratuais. Instituição por Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo do Condomínio das Emissoras e Diários Associados. Discussão acerca da natureza jurídica do contrato instituidor do condomínio. 1. Polêmica em torno da natureza dos negócios jurídicos celebrados, entre 1959 e 1962, por Francisco Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, instituindo o denominado ‘Con-domínio Acionário das Emissoras e Diários Associados’. 2. Em 1959, 49% das ações e quotas das empresas de Assis Chateaubriand foram repassados para o condomínio, enquanto, em 1962, os outros 51% foram também transmitidos ao referido grupo, estabelecendo-se que, falecido ou excluído um dos seus integrantes, ficava atribuída aos remanescentes a escolha daquele a quem seria destinada a fração ideal ‘vacante’. 3. Reconhecimento pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro de se tratar de negócio jurídico atípico, mesclando uma doação inicial com a insti-tuição de uma sociedade, sendo esta a sua natureza preponderante. 4. Rejeição da preliminar de nulidade processual, pois a adoção do relatório da apelação como parte do relato dos embargos

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infringentes e a confecção, no mais, de digressão concisa acerca dos três embargos infringentes interpostos não revela nulidade declarável na espécie. 5. Remansoso o entendimento desta Corte de que não é exigido do órgão julgador a pronúncia acerca de tudo o que foi alegado pelas partes em defesa de suas pretensões, especialmente quando formulam petições com quase uma centena de páginas, revolvendo multifacetárias alegações. 6. Reconhecido, pela instância originária, com base em hegemônica análise das cláusulas contratuais e das provas coligidas aos autos, tratar-se, na espécie, de contrato atípico com natureza predominantemente societária, inviável a esta Corte Superior, em face da necessidade de nova análise das provas e das cláusulas, rever o quanto de-finiu o tribunal de origem. Atração dos Enunciados nºs 5 e 7 da súmula de jurisprudência desta Corte. 7. Precedente específico acerca dos mesmos negócios jurídicos: ‘Contrato atípico misto. Condomínio como seu elemento componente. Perpetuidade vedada em lei. Sendo o condomínio um mero elemento componente da pactuação complexa celebrada, não incide a proibição legal concernente a perpetuidade. Hipótese em que se pretendeu atribuir perenidade a organização, ao conjunto de empresas, e não ao condomínio’ (REsp 15.339/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, Julgado em 28.02.1994, DJ 18.04.1994, p. 8498, REPDJ 25.04.1994). 8. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.193.809 – (2010/0020734-5) – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 05.05.2014)

1525 – Ação pauliana – bens imóveis – fraude contra credores – ausência dos requisitos

“Agravo de instrumento. Ação pauliana. Bens imóveis. Fraude contra credores. Ausência dos re-quisitos. Recurso desprovido. A fraude contra credores só se configura, quando presentes o eventus damni (evento danoso) e o consilium fraudis (conluio fraudulento). Recurso desprovido.” (TJMG – AI 1.0430.13.000856-7/001 – 18ª C.Cív. – Rel. Juiz Conv. Anacleto Rodrigues – DJe 07.05.2014)

1526 – Ação pauliana – fraude contra credores – doação de imóvel dos pais para os filhos

“Ação pauliana. Fraude contra credores. Doação de imóvel dos pais para os filhos. Registro do ti-tulo aquisitivo respectivo no assento imobiliário que constitui o termo inicial do prazo decadencial de quatro anos. Precedentes da jurisprudência. Decadência verificada. Manutenção da sentença. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0140124-52.2008.8.26.0002 – São Paulo – 4ª CD.Priv. – Rel. Milton Carvalho – DJe 23.04.2014)

1527 – Ação pauliana – prazo decadencial – marco interruptivo

“Recurso especial. Civil e processual civil. Ação pauliana. Prazo decadencial. Marco interruptivo. Ajuizamento anterior de ação monitória para cobrança da dívida inadimplida. 1. Ajuizamento de ação pauliana, em 2004, mais de oito anos após a realização de negócios jurídicos alegadamen-te realizados em fraude contra credores nos anos de 1995 e 1996. 2. Anterior ajuizamento de ação monitória, em 1995, para cobrança de crédito constante de confissão de dívida inadimplida. 3. A citação para ação monitória não impede a consumação do prazo de decadência para o ajui-zamento da ação pauliana, buscando a anulação de negócios jurídicos prejudiciais aos credores. 4. Caracterização de violação ao art. 178, § 9º, V, b, do CC/1916 pelo acórdão. 5. Reconhecimen-to da ocorrência de decadência, restabelecendo-se os comandos da sentença. 6. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.354.639 – (2012/0240271-3) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 12.02.2014)

1528 – Ação rescisória – impenhorabilidade de bem de família – prequestionamento – ausência

“Civil e processual civil. Agravo no agravo em recurso especial. Ação rescisória. Impenhorabilida-de de bem de família. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 282/STF. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso espe-cial. 2. Agravo não provido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 436.484 – (2013/0388780-6) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 02.05.2014)

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1529 – Adjudicação compulsória – instrumento particular de cessão de direitos – falecimento do cedente – herdeiros

“Direito processual civil. Adjudicação compulsória. Instrumento particular de cessão de direitos. Falecimento do cedente. Herdeiros. Polo passivo. Complementação. Necessidade. Inadequação da via eleita. Inventário. Art. 988, VI, CPC. Observância. 1. Se a cessão de direitos, ajustada com representante civil, se deu sem que se tenha considerado o falecimento do cedente indicado no respectivo instrumento particular, resulta inviável a pretensão de adjudicação compulsória ajui-zada apenas em desfavor da respectiva meeira. 2. Em não havendo ação de inventário em curso, e resultando inviável a adjudicação compulsória, poderá o cessionário utilizar-se do quanto per-mitido pelo art. 988, VI, do CPC para fazer valer o seu direito à transferência do imóvel diante do falecimento do cedente. 3. Apelação conhecida e desprovida.” (TJDFT – Proc. 20120410117885 – (788973) – Rel. Des. Mario-zam Belmiro – DJe 16.05.2014)

1530 – Arras – ação de restituição – devolução em dobro – possibilidade

“Direito civil e processual civil. Recurso de apelação. Ação de restituição de arras. Devolução em dobro. Possibilidade. Disposição contratual expressa. Danos morais. Majoração. Descabimento. Meros dissabores. Readequação dos ônus da sucumbência. Recurso parcialmente provido.” (TJPR – AC 1100477-4 – 12ª C.Cív. – Rel. Des. Mário Helton Jorge – DJe 03.04.2014)

1531 – Arras – ação de restituição de importâncias pagas – desfazimento do contrato por culpa de quem deu o “sinal” – retenção do valor adiantado – possibilidade

“Agravo regimental na apelação cível. Ação de restituição de importâncias pagas. Arras. Desfazi-mento do contrato por culpa de quem deu o ‘sinal’. Retenção do valor adiantado. Possibilidade. Art. 1.097 do Código Civil de 1916, vigente à época do contrato. Cheque nominal. Inexistência de endosso. Ilegitimidade passiva reconhecida. Ausência de fato novo. 1. Nos termos do art. 1.097 do Código Civil de 1916, em vigor à época em que foi entabulado o negócio em comento, quan-do a parte que conferiu o pagamento antecipado não cumpre o contrato, poderá a outra parte desfazer o negócio e reter o sinal recebido. 2. Deve ser reconhecida a ilegitimidade passiva ad causam quando o cheque dado em pagamento referente ao sinal correspondente ao negócio jurí-dico entabulado entre as partes foi emitido nominalmente à credora, sem a existência de endosso. 3. Constitui medida imperativa o desprovimento do agravo regimental quando ausente em suas razões novo argumento que justifique a modificação da decisão que deu provimento às apelações cíveis outrora interpostas. Agravo regimental conhecido e desprovido.” (TJGO – AC 9791393040 – 6ª C.Cív. – Relª Desª Sandra Regina Teodoro Reis – DJe 19.05.2014)

1532 – Arrendamento rural – venda e compra do imóvel por terceiros – falta de notificação ao arrendatário – direito de preferência

“Civil e processual civil. Arrendamento rural. Venda e compra do imóvel por terceiros. Falta de no-tificação ao arrendatário. Direito de preferência. Lei nº 4.504/1964, art. 92, § 4º. Divergência entre o valor constante em contrato particular de compra e venda e na escritura pública registrada em cartório de imóveis. Presunção de veracidade desta. Preservação da legítima expectativa. Boa-fé objetiva. 1. Apesar de sua natureza privada, o contrato de arrendamento rural sofre repercussões de direito público em razão de sua importância para o Estado, do protecionismo que se quer dar ao homem do campo e à função social da propriedade e ao meio ambiente, sendo o direito de preferência um dos instrumentos legais que visam conferir tal perspectiva, mantendo o arrenda-tário na exploração da terra, garantindo seu uso econômico. 2. O Estatuto da Terra prevê que: ‘O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Re-gistro de Imóveis’ (art. 92, § 4º, da Lei nº 4.504/1964). 3. A interpretação sistemática e teleológica do comando legal permite concluir que o melhor norte para definição do preço a ser depositado

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pelo arrendatário é aquele consignado na escritura pública de compra e venda registrada no car-tório de registro de imóveis. 4. Não se pode olvidar que a escritura pública é ato realizado perante o notário e que revela a vontade das partes na realização de negócio jurídico, revestida de todas as solenidades prescritas em lei, isto é, demonstra de forma pública e solene a substância do ato, gozando seu conteúdo de presunção de veracidade, trazendo maior segurança jurídica e garantia para a regularidade da compra. 5. Outrossim, não podem os réus, ora recorridos, se valerem da própria torpeza para impedir a adjudicação compulsória, haja vista que simularam determinado valor no negócio jurídico publicamente escriturado, mediante declaração de preço que não re-fletia a realidade, com o fito de burlar a lei, pagando menos tributo, conforme salientado pelo acórdão recorrido. 6. Na hipótese, os valores constantes na escritura pública foram inseridos livre-mente pelas partes e registrados em cartório imobiliário, dando-se publicidade ao ato, operando efeitos erga omnes, devendo-se preservar a legítima expectativa e confiança geradas, bem como o dever de lealdade, todos decorrentes da boa-fé objetiva. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.175.438 – (2010/0007502-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 05.05.2014)

1533 – Bem de família – exceção à impenhorabilidade – art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/1990 – imóvel oferecido como garantia hipotecária

“Administrativo, processual civil e civil. Agravo regimental no recurso especial. Art. 1.420 do Código Civil. Ausência de prequestionamento. Súmula nº 211 do STJ. Bem de família. Exceção à impenhorabilidade. Art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/1990. Imóvel oferecido como garantia hipotecária. Benefício da família. Revisão. Impossibilidade. Necessidade de reexame de provas e fatos. Súmula nº 7 do STJ. 1. O art. 1.420 do CC/2002, a despeito da oposição de embargos de declaração, não foi apreciado pela Corte de origem, carecendo o recurso especial do requisito do prequestionamento, nos termos da Súmula nº 211 do STJ. 2. No caso, o Tribunal de origem, atento ao conjunto fático-probatório, concluiu que o bem oferecido em hipoteca serviu como garantia de financiamento contraído em benefício da família, ao menos indiretamente, de modo que é possível a penhora do imóvel. Assim, a revisão da conclusão a que chegou a Corte a quo sobre a questão demanda o reexame dos fatos e provas constantes dos autos, o que é vedado, em sede de recurso especial, por força da Súmula nº 7 do STJ. 3. Não se conhece do recurso especial interposto com base na alínea c do permissivo constitucional, quando a divergência não é demonstrada nos ter-mos em que exigido pela legislação processual de regência (art. 541, parágrafo único, do CPC, c/c art. 255 do RISTJ). No caso, a recorrente não comprovou a existência de similitude fática e jurídica entre os arestos confrontados. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.275.769 – (2011/0148359-3) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 16.05.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou seguimento ao recurso espe-cial, assim ementada:“Administrativo, processual civil e civil. Recurso especial. Bem de família. Exceção à impenho-rabilidade. Art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/1990. Imóvel oferecido como garantia hipotecária. Benefício da família. Revisão. Impossibilidade. Necessidade de reexame de provas e fatos. Sú-mula nº 7 do STJ. Art. 1.420 do Código Civil. Ausência de prequestionamento. Súmula nº 211 do STJ. Dissídio não demonstrado. Recurso especial a que se nega seguimento.” Em suas razões recursais, a parte agravante alegou, em síntese, a inaplicabilidade do art. 557 do CPC ao caso dos autos, ao argumento de que ainda existe controvérsia sobre aspectos fáti-cos que podem determinar a solução da lide, bem como a desnecessidade de reexame fático--probatório para rever a conclusão do Acórdão a quo de que o bem oferecido em hipoteca serviu como garantia de financiamento contraído em benefício da família, ao menos indiretamente. Defendeu que o instituto do bem de família somente é afastado quando o empréstimo beneficiar diretamente, e não indiretamente, a entidade familiar. Sustentou, ainda, o prequestionamento do art. 1.420 do Código Civil e a demonstração da divergência jurisprudencial.No recurso especial, alegou-se dissídio jurisprudencial e violação do art. 1.420 do Código Civil e arts. 1º e 3º da Lei nº 8.009/1990, ao argumento de nulidade da garantia hipotecária instituída

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sobre o imóvel residencial da recorrente e de sua família por dívida relativa a débito da empresa, ainda que a recorrente seja a representante legal desta. Defende que a exceção da impenhora-bilidade do bem de família, prevista no inciso V do art. 3º da Lei nº 8.009/1990, limita-se à hipótese de dívida constituída em favor da própria família. Consta dos autos que a recorrente foi avalista e interveniente hipotecante do contrato de finan-ciamento firmado com a recorrida, cédula de crédito. E, diante do inadimplemento da recorrente, a recorrida ajuizou a presente execução de título extrajudicial, tendo sido penhorado o imóvel da recorrente dado como garantia da dívida. Do que se observa, o Tribunal de origem decidiu que o imóvel foi livremente dado em ga-rantia ao débito por intermédio de hipoteca, a fim de permitir o cumprimento de contrato de financiamento contraído pela sociedade comercial, no qual a recorrente figurou como avalista e interveniente hipotecante, retirando a condição de bem de família, nos termos do art. 3º, V, da Lei nº 8.009/1990. E, atento ao conjunto fático-probatório, concluiu que o bem oferecido em hipoteca serviu como garantia de financiamento contraído em benefício da família, ao menos indiretamente. O STJ negou provimento ao agravo regimental.Yone Frediani, em estudo sobre o bem de família, assim considerou:“O bem de família poderá consistir em prédio residencial urbano ou rural, suas pertenças e acessórios, destinando-se ao domicilio familiar, podendo, ainda, ser constituído por valores mo-biliários.O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo se prove-nientes de tributos relativos ou prédio ou despesas de condomínio. A isenção perdurará enquanto viverem os cônjuges e na falta destes até que os filhos completem a maioridade, vale dizer, nesse caso, a impenhorabilidade é relativa.[...]No entanto, da leitura do texto legal apontado, constata-se, desde logo, que a impenhorabilidade do bem de família é relativa, diante das exceções previstas no art. 3º e respectivos incisos, quais sejam:a) créditos de trabalhadores da própria residência e de suas contribuições previdenciárias;b) crédito decorrente de financiamento destinado a construção ou aquisição do imóvel;c) crédito decorrente de pensão alimentícia;d) impostos, taxas e contribuições devidas, relativos ao imóvel familiar;e) execução de hipoteca existente sobre o imóvel, oferecido como garantia real;f) aquisição do imóvel com produto de crime;g) obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.Por oportuno, resta-nos ressaltar que, à semelhança das disposições contidas no diploma civi-lista, torna-se imprescindível a fixação do domicílio familiar com ânimo de permanência, a fim de que possa estar o imóvel revestido de impenhorabilidade.” (Bem de família. Repertório de Jurisprudência IOB, 3/23193, v. III, n. 21/2005, p. 647, 1ª quinz. nov. 2005)

1534 – Bem de família – locação de imóvel não residencial – fiadores – penhorabilidade

“Locação de imóvel não residencial. Acordo homologado judicialmente, mas não cumprido. Exe-cução. Bem de família dos fiadores é penhorável, mesmo após o advento da Emenda Constitucio-nal nº 26, de 14.02.2000, que inseriu a moradia entre os direitos sociais (art. 6º), em norma de evidente caráter programático, e é constitucional a exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/1990. Agravo não provido.” (TJSP – AI 2031661-12.2013.8.26.0000 – 29ª CDPriv. – Relª Silvia Rocha – DJe 04.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEÉ penhorável o bem de família dos fiadores? Essa foi a questão debatida no agravo de instru-mento em epígrafe.Diante da decisão que afastou a alegação de impenhorabilidade e manteve a penhora sobre o imóvel de sua propriedade, o agravante interpôs o referido agravo.Ele e sua esposa foram fiadores de contrato de locação de imóvel não residencial e no acordo firmado com o agravado, também figuraram como fiadores.Sustenta que a decisão deve ser reformada, pois a orientação jurisprudencial majoritária dos nossos tribunais é no sentido de que, mesmo locado, o bem de família é protegido pela impe-nhorabilidade.

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Alega que reside em outro local mais próximo do seu trabalho e utiliza a renda da locação para o pagamento do aluguel em que mantém a moradia da família, direito protegido pelo art. 6º da CF/1988 e que se sobrepõe ao direito do agravado de receber seu crédito.Afirmou que o fato de não residir no imóvel constrito não é óbice a que seja reconhecido como bem de família e, diante disso, impenhorável, conforme art. 1º da Lei nº 8.009/1990 e à luz da Súmula nº 486 do STJ in verbis:“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não res-ponderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a constru-ção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”“Súmula nº 486: É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a ter-ceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.” A 29ª Câmara de Direito Privado do TJSP entendeu que a referida súmula não se aplica ao pre-sente caso, já que o agravante é fiador e não se beneficia da impenhorabilidade legal, pois não há demonstração de que a renda obtida com a locação do imóvel seja destinada ao pagamento do aluguel do imóvel em que ele e sua família residem.Por fim, negou provimento ao agravo.Em seu voto a Relatora assim se manifestou:“[...] A penhorabilidade do bem de família de fiador de locação persiste mesmo após o advento da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, que inseriu a moradia entre os direitos sociais (art. 6º). Trata-se, à evidência, de norma de caráter programático, na linha da pacífica e reiterada orientação deste Tribunal, desde quando 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.O direito à moradia se consubstancia na proteção ao poder de obter moradia, ou seja, na garan-tia de não haver impedimentos indevidos quanto a essa possibilidade, e na garantia de que a moradia seja digna e adequada.Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que é ‘infundada a alegação de que a constrição do bem de família do autor violaria o disposto no art. 6º da Constituição da República. É que o reforço das garantias prestadas nos contratos de locação – ratio iuris da exceção à impenhorabilidade do bem de família, objeto do art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009, de 29.03.1990 – também tem por objetivo favorecer a implementação do genérico direito constitucional à moradia. De modo que, sob tal prisma, suposto o imóvel do autor possa ser levado à praça (art. 599, inciso II, do CPC, com a redação da Lei. nº 10.444, de 07.05.2002), não encontrado razoabilidade jurídica à pretensão (art. 798 do CPC)’. (Ação cautelar nº 477/SP, Julg. em 26.11.2004, Rel. Min. Cezar Peluso).Além disso, não tem aplicação ao caso a Súmula nº 486 do STJ, que diz ser ‘impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família’. Aqui, porém, a situação é outra, pois o agravante, como foi dito, é fiador, que não se beneficia da impenhora-bilidade legal, ainda mais quando não há demonstração de que ele, que não reside no imóvel penhorado, usa a renda obtida com a sua locação para pagar o aluguel daquele em que a família efetivamente mora.Nada impedia, portanto, a penhora de imóvel do fiador agravante, porque a ele não tem aplica-ção a proteção ao bem de família. [...]”Selecionamos os seguintes julgados no mesmo sentido:“AGRAVO INTERNO – DECISÃO MONOCRÁTICA – PREQUESTIONAMENTO – Nada há a mo-dificar na decisão monocrática que negou seguimento ao recurso, haja vista a sua manifesta inadmissibilidade. Decisão recorrida em conformidade com a jurisprudência desta Corte e da Instância Superior. AGRAVO DE INSTRUMENTO – PENHORABILIDADE DO IMÓVEL DO FIA-DOR – BEM DE FAMÍLIA – POSSIBILIDADE – EXCEÇÃO LEGAL – PRECEDENTES DO STJ E DA CORTE – É de sopesar que o STF perfilhou o reconhecimento da constitucionalidade do art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/90 (acrescido pela Lei nº 8.245/1991), bem como entendeu que não há falar em afronta ao direito de moradia, nos termos do que preceitua o art. 6º da Constituição Federal. Não há falar em impenhorabilidade do bem imóvel pertencente à fiadora, mesmo que se trate de moradia e seu único bem. Precedentes do STF, STJ e desta Corte. Negado provimento ao agravo interno.” (TJRS, Ag 70058572884, 16ª C.Cív., Relª Desª Catarina Rita Krieger Martins, J. 13.03.2014) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 158000218087. Acesso em: 1º abr. 2014)

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“AGRAVO REGIMENTAL EMBARGOS A EXECUÇÃO – LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL – PENHORA DO IMÓVEL DOS FIADORES – ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA AFASTADA – Inteligência do art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/1990, com redação alterada pelo art. 82 da Lei nº 8.245/1991. Concessão de recuperação judicial ao locatário, devedor principal. Incompetência absoluta. Inexistência de atração da demanda ao juízo no qual se processa a recuperação judicial. Decisão mantida. A norma que instituiu a impenhorabili-dade de imóvel destinado à residência do fiador, teve eficácia até a entrada em vigor da Lei nº 8.245/1991, cujo art. 82 acresceu o inciso VII ao art. 3º da Lei nº 8.009/1990, passando a admitir a penhorabilidade do bem de família por obrigação decorrente de fiança em contrato de locação. Não há atração demanda ao juízo no qual se processa a recuperação judicial, pois con-tra os fiadores são preservados os direitos e privilégios, podendo o credor propor ação de cobran-ça contra os coobrigados, independentemente de ter sido concedida ou não recuperação judicial ao locatário, devedor principal, diante da responsabilidade solidária dos fiadores. Recurso a que se nega seguimento, por decisão monocrática. Agravo regimental não provido.” (TJSP, AgRg 0229510-90.2008.8.26.0100, São Paulo, 28ª CDPriv., Rel. Manoel Justino Bezerra Filho, DJe 27.02.2014, p. 1676) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 161001510206. Acesso em: 1º abr. 2014)

1535 – Comissão de corretagem – empreendimento imobiliário – prazo de entrega descumprido – resolução contratual – culpa da construtora – devolução das parcelas

“Apelação cível. Empreendimento imobiliário. Prazo de entrega descumprido. Resolução contra-tual. Culpa da construtora. Devolução das parcelas de comissão de corretagem e taxa de despa-chante. Legitimidade passiva da construtora na devolução integral dos valores em razão do seu inadimplemento na execução e entrega da obra. Multa aplicada pelo inadimplemento. Redução do valor da multa nos limites do Código de Defesa do Consumidor. Reciprocidade a ser adotada em face ao fornecedor. Precedentes do STJ. Princípios gerais. CDC. Recurso recebido e parcial-mente provido. 1. Não cumprindo a construtora com sua obrigação, responde por perdas e danos, inclusive com os gastos havidos com corretagem, taxa de despachante e advogados, podendo a parte lesada ainda pedir resolução, caso em que, a fornecedora não pode reter 2ª parte dos paga-mentos, tampouco as arras antes recebida (CC, arts. 389, 404, 475 e 418). 2. Embora prevista em desfavor de apenas uma das partes (comprador), com fundamento nos Princípios Gerais do Direito e nas normas emanadas do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), é possível de forma análoga também aplicar a cláusula penal a outra contratante (vendedor), mas no caso em 2% (Recurso Especial nº 955.134/SC).” (TJPR – AC 1074824-8 – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Conv. Subst. Victor Martim Batschke – DJe 29.04.2014 – p. 164)

1536 – Compromisso de compra e venda – imóvel em construção – relação de consumo caracte-rizada

“Compromisso de compra e venda de imóvel em construção. Relação de consumo caracterizada. Prazo de prorrogação de 180 dias tem validade e eficácia, sendo usual nas transações imobiliárias, não evidenciando nenhuma abusividade. No caso em exame, o atraso se deu por aproximadamen-te dois meses, período diminuto que não dá suporte para as indenizações referidas, não configura-do o descaso por parte da construtora. Validade e eficácia do pactuado. Pagamento de comissão de corretagem deve prevalecer. Intermediação que foi exitosa, portanto, o profissional que exerceu o mister deve ter a remuneração respectiva. Susceptibilidade exacerbada do autor é insuficiente para dar supedâneo às verbas reparatórias pleiteadas. Apelo da ré provido. Recurso adesivo do autor prejudicado.” (TJSP – Ap 0033363-42.2013.8.26.0577 – São José dos Campos – 4ª CDPriv. – Rel. Natan Zelinschi de Arruda – DJe 20.05.2014)

1537 – Compromisso de compra e venda – responsabilidade – cotas condominiais – registro na matrícula do imóvel – imissão na posse

“Direito civil. Recurso especial. Compromisso de venda e compra. Responsabilidade. Cotas con-dominiais. Registro na matrícula do imóvel. Imissão na posse. Ciência inequívoca. Artigos anali-sados. Arts. 267, V e VI. 472 do CPC. Arts. 1.225, VII. 1.345. 1.417 do Código Civil. 1. Ação de

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cobrança de cotas condominiais, ajuizada em 02.05.2003. Recurso especial concluso ao Gabinete em 14.12.2011. 2. Discussão relativa à responsabilidade do antigo proprietário de imóvel pelo pa-gamento das cotas condominiais. 3. É cediço que, à luz do art. 472 do CPC, os limites subjetivos da coisa julgada material consistem na produção de efeitos apenas em relação aos integrantes na rela-ção jurídico-processual em curso, de maneira que, em regra, terceiros não podem ser beneficiados ou prejudicados. 4. Vários aspectos da responsabilidade da recorrente foram analisados, não tendo o Tribunal de origem invocado a preliminar de coisa julgada para extinguir o processo, nos termos do art. 267, V, do CPC, apesar de mencionar o resultado da outra ação e utilizá-lo como reforço de argumentação para acolher o pedido condenatório. 5. Consoante o princípio da obrigação propter rem, responde pela contribuição de pagar as cotas condominiais, na proporção de sua fração ideal, aquele que possui a unidade e que, efetivamente, exerce os direitos e obrigações de condômino. A dívida, assim, pertence à unidade imobiliária e deve ser assumida pelo proprietário ou pelo titular dos direitos sobre a unidade autônoma, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio. 6. No que tange especificamente às hipóteses de compromissos de compra e venda, o entendimento amparado na jurisprudência desta Corte é no sentido da possibilidade de ajuizamento de ação para cobrança de quotas condominiais tanto em face do promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador dependendo das circunstâncias do caso concreto. 7. Fi-cando demonstrado que (i) o promissário-comprador imitira-se na posse e (ii) o condomínio tivera ciência inequívoca da transação, deve-se afastar a legitimidade passiva do promitente-vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário-comprador. 8. O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações con-dominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse e pela ciência do credor acerca da transação. 9. Embora o registro do compromisso firmado em caráter irrevogável e irretratável, na matrícula do imóvel, seja apto a constituir o direito real à aquisição do bem, nos termos dos arts. 1.225, VII, e 1.417 do Código Civil, no entendimento desta Corte, ele não implica necessariamente a obrigação de prestação condominial. 10. Uma vez comprovada a inexistência da obrigação do compromissá-rio comprador quanto ao pagamento das cotas condominiais, referentes ao período compreendido entre novembro de 1998 e julho de 1999, porque não imitido na posse do bem, não se pode, ago-ra, afirmar o contrário somente porque atualmente ele é o efetivo proprietário do bem ou porque assumira essa responsabilidade, perante a recorrente, no compromisso de compra e venda. 11. A existência de eventual cláusula no compromisso de venda e compra, atribuindo de forma diversa a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais, quando não há imissão na posse do bem pelo promitente comprador, obriga somente os contratantes e poderá fundamentar o exercício do direito de regresso, mas não vincula o condomínio. 12. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.297.239 – (2011/0290806-3) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 29.04.2014)

1538 – Condomínio – direito real de habitação – inoponibilidade a terceiros – coproprietários do imóvel

“Civil. Direito real de habitação. Inoponibilidade a terceiros coproprietários do imóvel. Condomí-nio preexistente à abertura da sucessão. Artigo analisado 1.611, § 2º, do CC/1916. 1. Ação reivin-dicatória distribuída em 07.02.2008, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao gabinete em 19.03.2010. 2. Discute-se a oponibilidade do direito real de habitação da viúva aos coproprietários do imóvel em que ela residia com o falecido. 3. A intromissão do Estado-legislador na liberdade das pessoas disporem dos respectivos bens só se justifica pela igualmente relevante proteção constitucional outorgada à família (art. 203, I, da CF/1988), que permite, em exercício de ponderação de valores, a mitigação dos poderes inerentes à propriedade do patrimônio herdado, para assegurar a máxima efetividade do interesse prevalente, a saber, o direito à moradia do cônju-ge supérstite. 4. No particular, toda a matriz sociológica e constitucional que justifica a concessão do direito real de habitação ao cônjuge supérstite deixa de ter razoabilidade, em especial porque

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o condomínio formado pelos irmãos do falecido preexiste à abertura da sucessão, pois a copro-priedade foi adquirida muito antes do óbito do marido da recorrida, e não em decorrência deste evento. 5. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – REsp 1.184.492 – (2010/0037528-2) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 07.04.2014)

1539 – Contrato de assentamento – reforma agrária – alegação de descumprimento – falta de morada e cultura no lote

“Civil e administrativo. Contrato de assentamento. Reforma agrária. Alegação de descumprimento. Falta de morada e cultura no lote. Exercício do magistério público pela mulher do assentado. Fato alheio ao assentado e tacitamente aceito pelo Incra. 1. O Incra propôs ação de reintegração de posse contra os apelantes, marido e mulher, inseridos em projeto de assentamento, ao fundamento de que não moravam nem exploravam a parcela – Lote nº 136 do Projeto de Assentamento Vereda II, no Município Padre Bernardo/GO –, e que a ré é professora da rede pública distrital. 2. A senten-ça entendeu que o órgão não comprovara as alegações de que os demandados não moravam nem exploravam a parcela, tudo não passando de meras alegações da autarquia, e que o relatório da sua equipe técnica não gera presunção absoluta, mas acolheu o pedido pelo fato de ser a apelante professora da rede distrital, em violação ao disposto no art. 20 da Lei nº 8.629/1993. 3. O contrato de assentamento ocorreu basicamente com o apelante, cabeça de casal, que reunia e reúne as condições para a inserção nos programas de reforma agrária (assentamentos), que mora e trabalha no lote, não se afigurando razoável que venha a perder o direito em virtude de uma situação jurí-dica subjetiva que não lhe integra o patrimônio jurídico e que diz respeito somente à sua esposa. 4. A situação jurídica de docente da rede distrital, por parte da apelante, vista em si mesmo, não infirma o fato da posse do imóvel pelo casal, para dar base a uma ação de reintegração de posse, tendo a aptidão (apenas) possivelmente para a anulação do contrato de assentamento, mas em re-lação a ela, para que não se trabalhe com uma ‘contaminação’ de culpa. 5. Teria o casal atuado de má-fé, induzindo o Incra em erro, ao afirmar, ao não deixar claro, por ocasião do cadastramento, em 10.11.1999, que a assentada era professora, mas o fato é que, em se tratando de uma situação pública, perfeitamente ao alcance de qualquer interessado, o Incra conviveu com ela por quase quatro anos, o que implica tácita aceitação. 6. Provimento da apelação. Inversão dos ônus de sucumbência.” (TRF 1ª R. – AC 2006.35.01.000243-8/GO – Rel. Des. Fed. Olindo Herculano de Menezes – DJe 03.04.2014)

1540 – Contrato de mútuo imobiliário – quitação do saldo devedor residual – avença não coberta pela cláusula do FCVS – responsabilidade da mutuária

“Agravo regimental em recurso especial. Contrato de mútuo imobiliário. Quitação do saldo deve-dor residual. Avença não coberta pela cláusula do FCVS. Responsabilidade da mutuária. Decisão monocrática que negou seguimento ao recurso especial. Irresignação da autora. 1. Não havendo no contrato de mútuo habitacional previsão de cobertura pelo Fundo de Compensação de Varia-ções Salariais – FCVS, como no presente caso, é exigível da mutuária o pagamento do resíduo do saldo devedor existente, até sua final liquidação, conforme pactuado. Incidência da Súmula nº 83 do STJ. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.375.571 – (2013/0080139-4) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 04.04.2014)

1541 – Contrato verbal – corretagem – negócio concluído – comissão devida

“Direito civil. Contrato verbal. Corretagem. Contrato verbal. Negócio concluído após a aproxima-ção das partes. Comissão devida. Percentual inferior ao previsto Tabela do Creci/SP. Concluído o negócio imobiliário após a aproximação das partes pelo autor que recebeu quantia inferior àquela ajustada verbalmente, é devida a diferença pleiteada, ainda mais porque o percentual da comis-são pleiteado é inferior àqueles previstos na tabela de comissões e serviços do Creci/SP, como remuneração do mediador pelos serviços prestados. Embargos infringentes rejeitados.” (TJSP – EI 0023726-67.2010.8.26.0320 – Limeira – 27ª CDPriv. – Rel. Gilberto Leme – DJe 16.05.2014)

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1542 – Corretagem – pagamento pelo promitente comprador – prescrição

“Corretagem. Pagamento pelo promitente comprador. Prescrição. 1. ‘A discussão acerca da cobrança de valores indevidos por parte do fornecedor se insere no âmbito de aplicação do art. 206, § 3º, IV, que prevê a prescrição trienal para a pretensão de ressarcimento de enrique-cimento sem causa. Havendo regra específica, não há que se falar na aplicação do prazo geral decenal previsto do art. 205 do CDC’ (REsp 1238737/SC, Relª Min. Nancy Andrighi). 2. Se a parte autora pagou comissão de corretagem em 22 de maio de 2010, é extemporânea. Pois colhida pela prescrição. A pretensão deduzida na ação de ressarcimento por enriquecimento sem causa ajuizada em 27 de agosto de 2013. 3. Recurso conhecido e desprovido. 4. Recorrente condenada a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 500,00.” (TJDFT – Proc. 20130111260064 – (790048) – Relª Juíza Edi Maria Coutinho Bizzi – DJe 20.05.2014)

1543 – Desapropriação – utilidade pública – laudo pericial

“Processual civil e administrativo. Desapropriação por utilidade pública. Ofensa ao art. 535 do CPC não configurada. Laudo pericial. Violação do art. 26 do DL 3.365/1994. Valor da indeniza-ção. Contemporaneidade à data da avaliação. 1. A solução integral da controvérsia, com funda-mento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O STJ firmou a jurisprudência de que, pela correta exegese do art. 26 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, nas ações de desapropriação por utilidade pública, o valor da indenização será contemporâneo à data da avaliação. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-EDcl-Ag-RE 257.580 – (2012/0242530-7) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 15.04.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental interposto contra decisão que conheceu do agravo para negar seguimento ao recurso especial do DNIT, pela incidência da Súmula nº 83/STJ. O agravante alega que ocorreu efetiva violação do art. 535, II, do CPC, porquanto não houve manifestação da Corte de origem sobre o princípio da contemporaneidade insculpido no art. 26 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Defende, ainda, a inaplicabilidade da Súmula nº 83/STJ no presente caso, uma vez que a jurisprudência colacionada não se amolda à espécie. Pleiteou a reconsideração do decisum agravado ou a submissão do feito à Turma.Discute-se a indenização por desapropriação para fins de utilidade pública de imóvel com área de 276,45m², localizado nas margens da BR-101, Km 114, Município de São José de Mipibu, Estado do Rio Grande do Norte.A sentença acolheu o valor apurado no laudo pericial oficial, qual seja, R$ 7.655,72, como justa indenização pelo imóvel desapropriado O TRF da 5ª Região manteve a sentença integralmente.Irresignado, o DNIT interpôs recurso especial (que foi inadmitido), no qual sustenta a tese de que há violação do art. 535, II, do CPC, por negativa de prestação jurisdicional e de que não foi observada a contemporaneidade de que trata o art. 26 do Decreto-Lei nº 3.365/1941 (que determina que o valor da indenização nas ações de desapropriação por utilidade pública deve ser contemporâneo ao momento da desapropriação). Alega que o acórdão recorrido violou o referido dispositivo legal. O STJ negou provimento ao agravo regimental.O Relator assim se manifestou:“Registro que há casos peculiares, pois, em que o longo prazo entre o início da expropriação e a confecção do laudo pericial sugere a mitigação dessa regra. Contudo, na hipótese dos autos a diferença temporal entre a imissão na posse e a elaboração do laudo é de, aproximadamente, 2 anos.Não vejo, portanto, como enquadrar o caso dos autos a qualquer excepcionalidade em relação à norma fixada no art. 26 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, de modo que a indenização deve levar em consideração o valor do bem à época da avaliação.Ausente a comprovação da necessidade de retificação a ser promovida na decisão agravada, proferida com fundamentos suficientes e em consonância com entendimento pacífico deste Tri-bunal, não há prover o agravo regimental que contra ela se insurge.” A Juíza Mônica Castro assim discorre sobre a desapropriação judicial:

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“Vislumbra-se a disposição do art. 1.228 como a grande mola propulsora desse instituto. Diz o novo Código:‘Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê--la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.[...]§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicando consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 (cinco) anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.§ 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.’Essa desapropriação realizada diretamente pelo Poder Judiciário, sem intervenção prévia de outros Poderes, é figura nova em nosso sistema positivo.Como lembra o eminente Supervisor da Comissão Elaboradora e Revisora do Código Civil, Pro-fessor Miguel Reale, surge uma nova via de desapropriação, instituto que não deve ser entendido como prerrogativa exclusiva dos Poderes Executivo ou Legislativo. Em um mesmo artigo – § 4º do art. 1.228 – o legislador faz uso de vários conceitos jurídicos indeterminados: considerável para qualificar o número de pessoas; de interesse social e eco-nômico para adjetivar as obras e serviços e extensa para identificar a área. Abre-se, então, um aparente ‘leque’ de possibilidades para o preenchimento do conteúdo jurídico desses conceitos pelo Magistrado que, conforme relatado, será o artífice dessa desapropriação.Aparente porque um conceito jurídico indeterminado pode ser determinado pelo conhecimento técnico, pela experiência comum, pelos antecedentes históricos, dentre outros fatores. Ou, de forma mais exata, indeterminado por ser de fácil ou difícil determinação, nunca impos-sível.Assim, para preencher o conceito de considerável em relação ao número de pessoas, há de ficar entendido que devem elas pertencer a mais de um núcleo familiar. Uma única família, por mais numerosa que seja, não pode preencher o conteúdo jurídico indi-cado, porque o que parece pretender o legislador é que a desapropriação transcenda o interesse individual, refira-se à comunidade, e não a um interesse homogêneo limitado a uma entidade familiar.Igualmente, no que concerne a obras e serviços de interesse social e econômico, deve o Ma-gistrado ter presente o caráter altruístico da medida, a afastar qualquer significado egoístico e, portanto, a visar os interesses de estabilidade social e não individuais dos ocupantes.No que concerne à extensão, deverá verificar no contexto de situação do imóvel a área comum de semelhantes prédios na região.” (A desapropriação judicial no novo código civil. Disponível em: online.sintese.com.)

1544 – Desapropriação agrária – imóvel enfitêutico – concordância da parte expropriada com os pedidos da contestação

“Administrativo. Desapropriação agrária. Imóvel enfitêutico. Concordância da parte expropriada com os pedidos da contestação. Sentença homologatória. Laudêmio. Honorários advocatícios. Embargos de declaração. Apelação que inova o objeto da sentença. 1. Não havendo divergências acerca do preço do imóvel, posto que a parte requerida manifestara concordância com os pedidos do Estado do Pará, em sua contestação, a sentença homologou o acordo, determinando o levan-tamento das quantias depositadas, ressalvadas as importâncias devidas àquele Estado-membro, entre as quais não constou o valor do laudêmio, devido em razão da transferência do domínio útil do imóvel sem a sua autorização, com o qual também concordara a parte desapropriada. 2. Os embargos de declaração, acolhidos sem efeito modificativo, cuidaram apenas da cobrança do laudêmio e dos honorários advocatícios, ambos entendidos como indevidos. O objeto (válido) da apelação ampliada, portanto, limita-se a esses dois pontos, não devendo ser o recurso conheci-do quanto aos demais pedidos, que não foram objeto dos embargos de declaração, dos quais nas-ceu o recurso. 3. Tendo a parte expropriada concordado com os pedidos formulados pelo Estado do Pará, na sua contestação, não deveria a sentença, de natureza homologatória, deixar de incluir no seu objeto a cobrança do laudêmio pela transferência anterior do domínio útil, mesmo cobrado do adquirente e em taxa superior a 2,5% (art. 686, CC/1916). 4. Cuidando-se da homologação de um acordo, de cujo objeto não constavam os honorários, dos quais não cuidou a contestação,

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com a qual concordara a parte demandada, o tema não poderia ser tratado nos embargos de declaração, de cuja sentença nasceu a apelação. 5. De toda forma, não é devida a verba, dada a inexistência de lide nos autos, como bem decidiu a sentença, levando em conta que o expropriado aquiescera no preço ofertado. Não houve sucumbência de ninguém. 6. Apelação parcialmente conhecida e, na parte conhecida, provida em parte.” (TRF 1ª R. – AC 2005.39.01.001812-6/PA – Rel. Des. Fed. Olindo Herculano de Menezes – DJe 23.04.2014)

1545 – Desapropriação indireta – prescrição – indenização

“Administrativo. Processual civil. Desapropriação indireta. Prescrição. Indenização. Art. 1.238 do Código Civil. Parágrafo único. Art. 2.028 do Código Civil. Inaplicabilidade. Súmula nº 119/STJ. A pretensão do agravante no sentido de que, no caso vertente, a prescrição é decenal apenas re-produz as razões do recurso especial, não sendo trazidos novos argumentos capazes de mudar o entendimento exposto na decisão monocrática, segundo o qual a pretensão do recorrente encontra óbice na Súmula nº 119 deste Tribunal, verbis: ‘A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos’. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 457.390 – (2013/0421674-0) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 29.04.2014)

1546 – Despejo – denúncia vazia – propriedade – transmissão – registro no cartório de títulos e documentos

“Embargos de declaração em agravo em recurso especial. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. Ação de despejo. Denúncia vazia. Prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Proprie-dade. Transmissão. Registro no cartório de títulos e documentos. Dissídio não configurado. Embar-gos recebidos como agravo regimental. Agravo não provido. 1. Embargos de declaração opostos com o fito de rediscutir a causa já devidamente decidida. Nítido caráter infringente. Ausência de contradição, omissão ou obscuridade. Inexistência de qualquer hipótese inserta no art. 535 do CPC. 2. Os temas insertos nos arts. 346, II, e 349, do Código Civil, não foram objeto de debate no acórdão recorrido, nem nos embargos de declaração opostos. A falta do necessário prequestiona-mento inviabiliza o exame da alegada contrariedade ao dispositivo citado por este Tribunal, em sede de especial. Incidência da Súmula nº 211/STJ. 3. A denúncia do contrato é uma faculdade do adquirente, a qual deve ser exercida no prazo de noventa dias a contar do registro da venda. Não sendo exercida a denúncia no mencionado prazo, presumir-se-á a concordância do adquirente na manutenção da locação. Precedentes. 4. Estando o acórdão recorrido em harmonia com a orienta-ção firmada nesta Corte Superior, o recurso especial amparado no dissídio jurisprudencial não me-rece acolhida, ante a incidência da Súmula nº 83/STJ. 5. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – EDcl-Ag-RE 455.089 – (2013/0415369-7) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 29.04.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de embargos de declaração opostos em face de decisão deste Relator que negou provi-mento ao seu agravo em recurso especial.O embargante alega a existência de omissão na decisão proferida por este Relator, aduzindo que o recurso especial tem por permissivo legal a violação aos dispositivos de lei federal contidos nos arts. 346, II, e 349 do Código Civil. Sustenta também que o recurso merece ser provido diante do manifesto dissídio jurisprudencial, tendo a embargante colacionado acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, bem como desta Corte (REsp 53.248/RS, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.11.1997), comprovando a divergência de entendimento sobre o tema tratado nestes autos. Asseverou que na decisão impugnada este Relator não mencionou acerca do conhecimento do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional, passando in albis a confrontação dos acórdãos paradigmas colacionados no recurso especial. Requereu a manifestação acerca do dissídio jurisprudencial trazido à colação pela embargante, que demonstram a interpretação divergente acerca dos mesmos dispositivos legais em situação fática a tratada nos autos. Postulou o recebimento dos presentes embargos, a fim de suprir a omissão relativa à admissão do recurso pela alínea c do art. 105, do permissivo constitucional.

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O STJ recebeu os embargos de declaração como agravo regimental e negou-lhe provimento.Vale trazer as lições de Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior:“As ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, de alu-guel provisório, de diferenças de aluguéis, ou somente de quaisquer dos acessórios da locação, sofreram alterações significativas de modo a torná-las mais dinâmicas e, sobretudo, pacificar-se antigas controvérsias jurisprudenciais.Com efeito, resolveu-se definitivamente a questão da legitimidade passiva para figurar nas ações de despejo. O fiador deveria ser réu na ação de despejo quando sua responsabilidade é apenas pelo pagamento do débito?Pela nova redação do art. 62, I, da Lei nº 8.245/1991, o pedido de rescisão da locação poderá ser cumulado com o pedido de cobrança dos aluguéis e acessórios da locação. Nessa hipótese, citar-se-á o locatário para responder ao pedido de rescisão, e o locatário e os fiadores para res-ponderem ao pedido de cobrança, devendo ser apresentado, com a inicial, cálculo discriminado do valor do débito.Assim, o polo passivo contará com o locatário e o fiador. O objeto imediato pretendido nos pedidos é plúrimo: despejo e cobrança. E cada réu responderá pelo objeto mediato que lhe toca (pagamento, no caso do fiador; pagamento e despejo, no caso o locatário).Por outro lado, o locatário e o fiador poderão evitar a rescisão do contrato purgando a mora no prazo de 15 (quinze) dias contado de suas citações, desde que promova o pagamento do débito atualizado mediante depósito judicial, incluídos neste valor: a) os aluguéis e acessórios da locação que vencerem até a sua efetivação; b) as multas ou penalidades contratuais, quando exigíveis; c) os juros de mora; d) as custas e os honorários do advogado do locador, fixados em dez por cento sobre o montante devido, se do contrato não constar disposição diversa.Haja vista que a lei não fez menção sobre o início do prazo para a purgação da mora, entende-mos que se aplica a regra dos arts. 214, III, e 191, todos do Código de Processo Civil. Assim, quando houver vários réus (fiador e locatário), o prazo para purgação inicia-se a partir da data de juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido. E se os réus possuírem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos e inclusive purgar a mora.Eis que o valor a ser depositado corre por conta e risco do locatário ou do fiador, o locador poderá discordar do quantum apurado. Nessa hipótese, o depositante será intimado através de seu advogado para complementar a diferença em 10 (dez) dias.Não sendo integralmente complementado o depósito, o pedido de rescisão prosseguirá pela diferença, podendo o locador levantar a quantia depositada (art. 62, IV).Esse depósito complementar é denominado emenda da mora pela lei. Na sua redação antiga, não se admitia a emenda da mora se o locatário já houvesse utilizado essa faculdade por duas vezes nos doze meses imediatamente anteriores à propositura da ação.Agora se arrocharam ainda mais as possibilidades do locatário. A nova redação delimitou que não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à propositura da ação.Proferida a sentença de procedência do pedido, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária, com redução para 15 (quinze) dias se: a) entre a citação e a sentença de primeira instância houverem decor-rido mais de quatro meses; ou b) o despejo houver sido decretado com fundamento em mútuo acordo; infração legal ou contratual; falta de pagamento de aluguéis e acessórios; para reparos urgentes determinados pelo Poder Público; ou nas denúncias vazias de contratos ajustados por escrito com prazo superior a 30 (trinta) meses e prorrogados indeterminadamente.Contudo, nessa última hipótese, e apenas nela (denúncia vazia de contratos com prazo superior a 30 (trinta) meses prorrogado indeterminadamente), será necessária a caução de valor não inferior a 6 (seis) meses nem superior a 12 (doze) meses do aluguel, atualizado até a data da prestação da caução.Desse modo, tem-se por novidade importante e de destaque pela nova redação da lei: em caso de inadimplência de aluguéis ou acessórios, proferida a sentença de desocupação, essa fixará prazo de 15 dias para desocupação, podendo ser executada provisoriamente independentemen-te de caução.” (Inovações da lei de locações. Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, v. 1, n. 1, São Paulo: IOB, 2011)

1547 – Direito de superfície – ação de inventário e partilha – transmissibilidade

“Processo civil. Agravo de instrumento. Ação de inventário e partilha. Direito de superfície. Trans-missibilidade. Código Civil e Estatuto da Cidade (art. 21). Comprovação. Escritura pública. 1. Agra-vo de instrumento tirado contra interlocutória proferida em sede de inventário e partilha, que deter-

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minou a exclusão de bem denominado Chácara Menino Jesus 123, Setor P Norte – Ceilândia/DF, diante da informação, prestada pela Terracap, quanto à impossibilidade da escrituração do imóvel em nome do espólio de Odilon Alves, haja vista não ter sido firmado contrato de concessão de uso junto à extinta Fundação Zoobotânica do Distrito Federal. 2. Destarte, uma das principais marcas do direito de superfície é sua transmissibilidade, por ato inter vivos, oneroso ou gratuito, ou causa mortis. 2.1. Todavia, apesar de o direito de superfície, entendido como sendo direito real de ter construção ou plantação em solo alheio, ser passível de transmissão aos herdeiros, por morte do superficiário (art. 1.372 do CCB), a forma legal de instituição do referido instituto é por meio de escritura pública (arts. 21 do Estatuto da Cidade e 1.369 do CC/2002). 2.2. No mesmo sentido, o art. 21 da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), prescreve que ‘o proprietário urbano pode-rá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou inde-terminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis’. 3. Inviável cogitar-se de transmissibilidade, aos herdeiros, de direito de superfície não instituído regularmente por meio de instrumento público, em razão de o imóvel seja objeto de parcelamento irregular. 4. Agravo improvido.” (TJDFT – Proc.Cív. 20130020274956 – (781347) – Rel. Des. João Egmont – DJe 29.04.2014)

1548 – Direito real de habitação – união homoafetiva – reconhecimento – sucessão

“Direito de família, sucessões e processual civil. União homoafetiva. Reconhecimento. Sucessão regida pelas Leis nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996. Ausência de ascendentes e descendentes do de cujus. Pedido inicial que se limita a direito real de habitação sobre o imóvel residencial. Sentença que o acolhe nos mesmos termos. Recurso de apelação. Inexistência. Propriedade plena. Pedido realizado em grau de recurso especial. Impossibilidade. 1. No Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, são reiterados os julgados dando conta da viabilidade jurídica de uni-ões estáveis formadas por companheiros do mesmo sexo. No âmbito desta Casa, reconheceu-se, inclusive, a juridicidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo (REsp 1.1833.78/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25.10.2011), tendo sido essa orientação incorporada pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução nº 175/2013. 2. Por outro lado, o silêncio da Lei nº 9.278/1996 não excluiu o direito do companheiro à totalidade da herança, na hipótese de inexistência de ascendentes e descendentes do de cujus, na verdade, afastando a participação de parentes colaterais, tal como previsto no art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/1994. Precedentes. 3. Todavia, tendo a inicial se limitado a pedir apenas o direito real de habitação e a sentença a concedê-lo, inexistente também recurso de apelação, descabe pleitear, em recurso es-pecial, a propriedade plena do imóvel no qual residia a recorrente com sua falecida companheira. 4. O direito de herança, embora seja decorrência ope legis do reconhecimento da união estável, consiste em direito patrimonial disponível, podendo o titular dele inclusive renunciar por expressa previsão legal (arts. 1.804 a 1.813 do Código Civil), razão por que o juiz deve limitar-se ao que efetivamente é pleiteado pela parte, sob pena de, aí sim, incorrer em julgamento extra ou ultra petita. 5. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.204.425 – (2008/0245758-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 05.05.2014)

1549 – Enfiteuse não constituída – inexistência de registro – usucapião extraordinário – possibili-dade

“Direitos reais. Inexistência de registro. Enfiteuse não constituída. Usucapião extraordinário. Pos-sibilidade. 1. O art. 1.227 do Código Civil combinado com o art. 172 da Lei nº 6.015/1973 pre-conizam o efeito constitutivo do registro em relação a direitos reais sobre imóveis, estabelecendo o princípio da ‘inscrição’, segundo o qual a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam mediante inscrição no respectivo Cartório de Registro Imobiliário. 2. A mera convenção entre as partes não é condição suficiente a ensejar a constituição da enfiteu-se, fazendo-se mister a efetivação de um ato formal de ingresso do título no registro imobiliário, o qual poderia ensejar o verdadeiro óbice à aquisição originária da propriedade pelo ‘enfiteu-

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ta’, e que inexiste na situação vertente. 3. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.228.615 – (2010/0225380-7) – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 05.03.2014)

1550 – Evicção – prescrição – procuração em causa própria (in rem suam) – legitimidade passiva – requisitos – aquisição de imóvel – transcrição

“Civil. Evicção. Prescrição. Procuração em causa própria (in rem suam). Legitimidade passiva. Requisitos da evicção. Aquisição de imóvel. Transcrição. Deveres do alienante. Direito anterior de terceiro. Diligência do adquirente. Verificação objetiva da evicção. 1. Quando o pedido formula-do alega a evicção, o regime de prescrição é, tanto no presente Código Civil quanto no anterior, pela regra geral, em razão de sua natureza pessoal do direito alegado. 2. Na chamada procuração em causa própria, diferentemente do mandato típico, no qual o mandatário age em nome do mandante, sendo veículo de sua vontade, em razão das cláusulas específicas, não há represen-tação, configura-se verdadeiro negócio translativo de direitos. 3. Se a pretensão dos autos possui esteio em suposta evicção, apenas o beneficiário da procuração, aquele que passou a ser titular dos direitos do imóvel, por meio da procuração in rem suam e que negociou o bem, transmitindo os direitos, por meio de substabelecimento da procuração, possui a pertinência subjetiva passiva porquanto titular da relação jurídica de direito material deduzida pelo demandante na qualida-de de alienante. 4. Para caracterização da evicção devem ser atendidos os seguintes requisitos: a) aquisição de um bem; b) perturbação de um direito fundada em causa jurídica (perda de posse ou propriedade total ou parcial da coisa alienada) resultante de uma decisão judicial ou ato admi-nistrativo; c) vício no título do alienante anterior ou concomitante à alienação (direito de terceiro anterior sobre o bem). 5. Muito embora a aquisição do imóvel exija a formalidade específica de transcrição por escritura pública, a jurisprudência tem tolerado essa natureza de transação infor-mal para reconhecimento de determinados direitos resultantes do negócio (precedentes sumulares) 6. O alienante deve assegurar ao adquirente que seu título seja bom e suficiente e que ninguém mais tem direito sobre o objeto do contrato, vindo a turbá-lo, alegando melhor direito (Venosa). 7. Não há como se inferir que o terceiro exequente possui direito anterior à alienação se inexisten-te notícia nos autos acerca de anterior insolvência do primeiro alienante e de ser este o único bem garantidor do crédito do exequente, bem como quando não se verifica igualmente a existência de eventual ação pauliana ou mesmo de fraude à execução. Assim, se, diante do acervo processual, não se pode assegurar a anterioridade do direito do exequente (terceiro) que justifique a caracte-rização de vício no título do alienante dando ensejo à evição, não há como dar procedência ao pedido. 8. Se o adquirente atua com a recomendada diligência e efetua o competente registro da alienação do imóvel, impede a efetivação da penhora, uma vez que o cartório deve recusar o registro de penhora que não for dirigido contra o proprietário do imóvel em respeito ao princípio da continuidade registral. Além disso, o próprio ato de registro é cercado de cautelas que permi-tem que o adquirente não se sujeite ao imprevisto de eventual evicção. 9. Embora o instituto da evicção seja resultante do princípio da boa-fé contratual, a sua averiguação ocorre objetivamente e independentemente desta. 10. Recurso conhecido e deu-se provimento ao apelo.” (TJDFT – Proc. 20070111176350 – (783303) – Relª Desª Leila Arlanch – DJe 09.05.2014)

1551 – Hipoteca – Programa de Arrendamento Residencial – PAR – legitimidade passiva da insti-tuição arrendante – sinistro – cobertura securitária – baixa – multa cominatória

“Civil e processual civil. Programa de Arrendamento Residencial – PAR. Legitimidade passiva da instituição arrendante. Sinistro. Cobertura securitária. Direito à liquidação do saldo devedor. Baixa da hipoteca. Multa cominatória. Honorários advocatícios. Redução. 1. Ação em que os autores pretendem a liquidação de dívida oriunda de Contrato de Arrendamento Residencial – PAR com cláusula de cobertura securitária, bem como a devolução de prestação paga indevidamente, em ra-zão de sua invalidez permanente, ocorrida após a celebração do contrato. 2. ‘A Caixa Seguradora S/A e Caixa Econômica Federal possuem legitimidade passiva para ocupar o polo passivo de ação que busca a cobertura securitária do financiamento de imóvel adquirido pelas normas do Sistema

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Financeiro da Habitação e que cumula pedido de ressarcimento de prestações pagas a partir do sinistro, bem como o pagamento em dobro’ (AC 0038891-70.2010.4.01.3300/BA, Relª Desª Fed. Selene Maria de Almeida, 5ª Turma, 30.11.2012 e-DJF1, p. 707). 3. Havendo comprovação da doença pelo órgão previdenciário, desnecessária é a prova pericial médica na hipótese. Prece-dentes da Corte. 4. A declaração fornecida pelo INSS, aposentadoria por invalidez da segurada, é documento hábil para autorizar a cobertura securitária por invalidez prevista nos contratos de arrendamento habitacional, presumindo-se legítimas as informações prestadas pela Administração Pública. 5. Havendo cobrança do prêmio do seguro embutido nos encargos mensais, não pode a seguradora recusar a cobertura do sinistro, sob pena de se configurar enriquecimento ilícito em detrimento do contratante (AC 2004.33.00.013966-3/BA, Rel. Juiz Fed. Conv. Pedro Francisco da Silva, DJ de 03.07.2009, p. 98; AC 2006.33.00.008820-1/BA, Rel. Juiz Fed. Conv. Avio Mozar José Ferraz de Novaes, 5ª Turma, DJ de 06.06.2008, p. 307). 6. Provada a invalidez total e permanente do arrendatário titular do contrato, por causa superveniente à pactuação, e considerando ser ele único obrigado perante o contrato, impõe-se reconhecer seu direito à quitação do saldo devedor, com devolução das parcelas pagas indevidamente após o dia 09.02.2010 (data do sinistro). 7. É devida a cominação de multa (astreintes) que somente passará a incidir se não cumprida a deter-minação judicial, nos termos do art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil. 8. Apelação da Caixa Seguradora S/A parcialmente provida para reduzir a verba honorária de 10.000,00 (dez mil reais) para R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e apelação da Caixa Econômica Federal não provida.” (TRF 1ª R. – AC 0039654-89.2011.4.01.3800/MG – Rel. Juiz Fed. Conv. Evaldo de Oliveira Fernandes Filho – DJe 08.05.2014)

1552 – Hipoteca – sucessão – insolvência – capacidade processual – perda

“Agravo regimental. Recurso especial. Insolvência. Capacidade processual. Perda. Prequestiona-mento. Ausência. Súmulas nº 282-STF, e 211-STJ. Nulidade. Ministério Público. Manifestação. Au-sência. Direitos hipotecários. Sucessão. Prova. Instâncias ordinárias. Instrumentalidade das formas. Inaplicabilidade. 1. A questão relacionada à capacidade processual do autor do pedido de auto-in-solvência para recorrer da decisão homologatória da adjudicação de bem imóvel não foi objeto de análise pelo Tribunal local, pelo que carece do indispensável requisito do prequestionamento. De qualquer modo, a nulidade processual foi declarada de ofício pelo acórdão recorrido, no exame de apelações interpostas pelo insolvente e por um de seus credores, o que torna inócua a apreciação de eventual ausência da capacidade processual daquele. 2. Não há óbice legal à declaração de nulidade absoluta, de ofício, pelo Tribunal de segundo grau, ainda que o Ministério Público nada tenha requerido. 3. No que concerne à sucessão de direitos hipotecários, a questão depende de prova e, diante da anulação do processo desde a destituição do primeiro administrador da massa, poderá ser analisada nas instâncias ordinárias. 4. O princípio da instrumentalidade das formas tem lugar se o ato, embora viciado, tenha atingido a sua finalidade, o que não vislumbra na hipótese. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.246.824 – (2011/0068601-6) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 04.04.2014)

1553 – Locação – ação revisional de aluguel – sociedade empresária

“Recurso especial. Ação revisional de aluguel ajuizada pela sociedade empresária locatária, pos-tulando a redução do valor contratado originalmente, sem qualquer menção à ocorrência de alte-ração das bases econômicas originárias. Sentença de procedência mantida pelo Tribunal Estadual. Insurgência da locadora. Ação revisional de aluguel de terreno urbano (situado em Itajaí/SC, com área de 5.694 metros quadrados, destinado à instalação de posto de abastecimento de veículos e loja de conveniência) intentada pela locatária, com o objetivo de adequar o valor contratado (R$ 12.000,00 com correção anual pelo IGP-M) ao preço de mercado. Sentença de procedência, confirmada pelo Tribunal de origem, em que se reduziu o valor do aluguel para R$ 6.247,78 (seis mil, duzentos e quarenta e sete reais e setenta e oito centavos) a partir da propositura da demanda.

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1. Violação do art. 535 do CPC não configurada. Acórdão estadual que enfrentou todos os aspec-tos essenciais à resolução da controvérsia, revelando-se desnecessário ao Magistrado rebater cada um dos argumentos declinados pela parte. 2. Descabimento da ação revisional de aluguel prevista no art. 19 da Lei nº 8.245/1991. A intervenção do Poder Judiciário na relação locatícia, à luz da teoria da imprevisão, exige a demonstração da alteração das bases econômicas iniciais do contra-to, de modo a não se prestar ao mero propósito de redução do valor locativo, livremente ajustado ao tempo da celebração, solapando os alicerces do pactuado, pois significaria ingerência indevida na autonomia das partes que, ao considerarem as circunstâncias vigentes à época da realização do negócio – as quais permaneceram inalteradas –, elegeram o valor do aluguel e seu fator de atuali-zação, notadamente quando a locatária, na inicial, não faz alusão a qualquer aumento excessivo e imprevisto do aluguel em virtude da correção monetária, aplicada conforme o indexador estabe-lecido no contrato, e não vislumbrada sua vulnerabilidade. Hipótese em que sobressai o propósito meramente econômico da locatária de obter a redução do valor locativo originariamente pactuado para R$ 3.000,00 (três mil reais), sem qualquer respaldo em imprevista mudança da base negocial, o que refoge da finalidade da ação de revisão do aluguel prevista no art. 19 da Lei nº 8.245/1991, traduzindo evidente ausência de interesse processual da parte, na modalidade de inadequação da via eleita. Ainda que assim não fosse, é certo que o manejo de demanda judicial, buscando alterar elemento essencial do contrato, sem qualquer justificativa plausível (à luz da teoria da imprevisão), a não ser a vontade de reduzir os custos decorrentes do desenvolvimento de atividade comer-cial altamente rentável, constitui vedado comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) por parte da locatária, revelando flagrante inobservância da cláusula geral da boa-fé objetiva. 3. Recurso especial da locadora provido, para julgar improcedente a pretensão deduzida na inicial, invertidos os ônus sucumbenciais.” (STJ – REsp 1.300.831 – (2011/0307734-3) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 30.04.2014)

1554 – Locação – sociedade limitada – afastamento da responsabilidade da ex-sócia

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Locação. Sociedade limitada. Afastamento da responsabilidade da ex-sócia. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 282/STF. 1. As teses vinculadas aos dispositivos ditos malferidos realmente não foram analisadas pelo Tribunal local, sequer de modo implícito, e não foram opostos embargos declaratórios com a finalidade de sanar omissão porventura existente, atraindo ao caso, portanto, o óbice da Súmula nº 282 do Supremo Tribunal Federal, a inviabilizar o conhecimento do apelo nobre. 2. Agravo regimental não provi-do.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 670 – (2011/0027003-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 12.02.2014)

1555 – Locação comercial – ação renovatória – imóvel de empresa pública

“Processual civil. Locações. Ação renovatória. Locação comercial. Conab. Imóvel de empresa pública. Lei nº 8.245/1991. Proibição do comportamento contraditório (nemo potest venire con-tra factum proprium). Sucumbência recíproca. Inocorrência. Art. 21, parágrafo único, do CPC. 1. Somente as locações de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas não se submetem às normas da Lei nº 8.245/1991, nos ex-pressos termos do art. 1º, parágrafo único, alínea a, nº 1, do Texto Legal. 2. No caso concreto, não consta nenhuma informação no sentido de que o imóvel objeto do contrato de locação seria de titularidade da União, e a Conab mera possuidora deste. Muito pelo contrário, infere-se do acór-dão que o imóvel é de propriedade da empresa pública, sujeita às normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive nas relações jurídicas contratuais que venha a manter. 3. As locações são con-tratos de direito privado, figure a administração como locadora ou como locatária. Neste último caso, não há norma na disciplina locatícia que retire do locador seus poderes legais. Naquele outro também não se pode descaracterizar o contrato de natureza privada, se foi este o tipo de pacto eleito pela administração, até porque, se ela o desejasse, firmaria contrato administrativo de con-cessão de uso (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22. ed. rev.,

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ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 183). 4. O intento da recorrente de contratar com base na lei de locações, oferecendo condições para renovação da locação e gerando uma legítima expectativa à locatária, e, posteriormente, não querer se submeter à Lei nº 8.245/1991, atenta contra o princípio da boa-fé objetiva, notadamente em sua vertente venire contra factum proprium. 5. Sob o ângulo do princípio da causalidade, a recorrente, ré na ação renovatória de aluguel, ao se opor à renovação do contrato de locação celebrado entre as partes, não obstante o cumprimento dos requisitos previstos da Lei nº 8.245/1991, deve responder pelos ônus sucum-benciais. É que sem a sua conduta não haveria motivo para a propositura da demanda. 6. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.224.007 – (2010/0201062-2) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 08.05.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEFoi ajuizada ação renovatória em que a autora alegou que mantinha contrato de locação comer-cial de duas lojas.O Juízo da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ julgou procedente, em parte, o pedido para o fim de declarar renovado o contrato de locação comercial celebrado entre as partes, somente não acolhendo o valor solicitado pela autora.O Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou provimento à apelação. Eis a ementa:“Processual civil. Ação. Renovatória. Locação comercial. Conab. Imóvel de empresa pública. Lei nº 8.245/1991. Aluguel. Adequação do valor ao laudo pericial. Sucumbência recíproca. Inocorrência. Art. 21, parágrafo único, do CPC.1. Trata-se de apelação interposta pela Companhia Nacional de Abastecimento – Conab, em face de sentença que julgou procedente, em parte, o pedido, no qual a autora objetivava a re-novação de contrato de locação comercial celebrado entre as partes, pelo prazo de cinco anos, estabelecendo-se novo valor de aluguel, relativo ao imóvel descrito na inicial.2. Somente as locações de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas não se submetem às normas da Lei nº 8.245/1991, nos expressos termos do art. 1º, parágrafo único, alínea a, nº 1, do Texto Legal. Em se tratando de empresa pública federal, o seu regime jurídico é o próprio das empresas privadas, conforme expressamente menciona o art. 173, § 1º, da Constituição Federal.3. No caso em tela, a CONAB está sujeita às normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive nas relações jurídicas contratuais que vêm a manter.4. No que se refere ao valor do aluguel do imóvel, baseou-se o Juízo a quo no laudo pericial no qual a perita analisou as condições e a localização do imóvel, bem como o contrato celebrado entre as partes, ou seja, foram analisados os aspectos necessários à obtenção do valor da locação. 5. Assim, deve ser mantido o valor fixado na sentença para o aluguel do imóvel, a partir da renovação do contrato.6. Por fim, no que tange ao pagamento dos honorários advocatícios, improcede também a alega-ção da Conab. Com efeito, ocorreu resistência ao próprio direito à renovação, e no final o pedido, foi julgado procedente, em parte, tendo a autora decaído de parte pequena do pedido. Assim, considerando-se o disposto no parágrafo único do art. 21 do CPC, segundo o qual ‘um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários’ impõe-se a condenação da ré/apelante em honorários advocatícios.7. Precedentes: TRF 2ª Região, AC 2002.51.01.014020-2/RI, Des. Fed. Guilherme Couto, DJU, de 27.03.2009; AC 1997.51.01.022663 9/RJ, ReI. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, DJ de 06.06.2008; AC 2001.02.01.041465-4/RJ, ReI. Juiz. Fed. Conv. Luiz Paulo S. Araújo Filho, DJ de 21.11.2007.8. Negado provimento à apelação.”Interpôs a parte ré o presente recurso especial com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, sustentando violação aos arts. 267, VI, e 21 do Código de Processo Civil. Alega que não pode ser mantido o acórdão que declarou que a recorrente se submeteria às normas a Lei nº 8.245/1991, tendo em vista que, tratando-se de empresa pública federal, a avença firmada é contrato administrativo. Aduziu que a locação de imóveis da União se faz por meio de contrato, não ficando sujeita a disposições de outras leis concernentes à locação, tanto que o art. 1º da Lei nº 8.245/1991 dispõe que continuam reguladas pelo Código Civil e leis especiais as locações de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas.

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Sustentou que, não obstante estar diante de contrato administrativo – com a possibilidade de a administração desfazê-lo a qualquer tempo –, manteve o contrato pelo prazo previamente esta-belecido, não havendo direito do recorrido em obrigar a recorrente a renová-lo.Arrematou no sentido de que é caso de sucumbência recíproca, não havendo falar em aplicação do art. 21 do CPC. Ponderou que o melhor seria aplicar o princípio da causalidade. O recurso recebeu crivo de admissibilidade positivo na origem.O STJ negou provimento ao recurso especial.Oportuno trazer trecho do voto do Relator:“No mérito, o pedido de renovação é procedente, somente não podendo ser acolhido o valor oferecido pela autora, e sim deve ser considerado o valor obtido através da prova pericial, con-forme será analisado.A autora preenche os requisitos previstos no art. 51, da Lei nº 8.245/1991 e, portanto, tem direito à renovação da locação comercial: a) o contrato a renovar foi celebrado por escrito, e com prazo determinado (fls. 15/20); b) o prazo mínimo do contrato a renovar era de cinco anos; c) o locatário explora comércio do mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos; d) o prazo decadencial foi observado para o exercício do direito. Houve, também, cumprimento dos requisitos previstos no art. 72 da Lei nº 8.245/1991, com a prova do cumprimento do contrato em curso, indicação clara e precisa das condições oferecidas para a renovação da locação.”Nas lições do Procurador Edgar Moury Fernandes Neto, a ação renovatória assim está discipli-nada:“Não se olvide, por princípio, no sistema jurídico brasileiro repudia-se (corretamente) a eterniza-ção das relações. Nesse sentido, é certo afirmar que nenhum contrato pode ser indefinidamente imposto a uma das partes, em benefício de quem quer que seja.Relembre-se, até mesmo nos contratos entre particulares e entidades públicas, onde há interesse público direto a tutelar, muito embora assegure-se – como deve ser – a prevalência do coletivo sobre o privado, garante-se ao particular certa margem de liberdade na interrupção das avenças.Diante disso, nos relacionamentos interpessoais, ainda mais em se tratando de direito eminen-temente privado, pena de nulidade do ajuste ou da decisão judicial a respeito, faz-se necessário garantir-se, cumpridas determinadas condições para a preservação dos interesses tutelados pela respectiva norma, a prerrogativa de ambas as partes provocarem a extinção da relação, ainda que imotivadamente, ao final do termo pactuado, ou judicialmente imposto.Desse modo, admitir a utilização eterna da faculdade-imposição da renovatória implica, antes de mais nada, enfatiza-se, a total negativa do princípio da autonomia da vontade, o que, de resto, provoca uma espécie de ‘escravidão’ do locador ao locatário, visto que situação como tal impede ao proprietário de se desvencilhar, pela simples expressão de sua vontade própria, do locatário, e contratar (ou não) com quem bem entender o uso de seu imóvel.Com essas razões, frise-se, não se quer defender a extinção da ação de renovação compulsória, legalmente – e com justa razão – facultada ao locatário. Muito ao contrário, como já se disse acima, reconhece-se a sua importância enquanto fundamental instrumento de proteção e, prin-cipalmente, de compensação ao fundo de comércio.Contudo essa proteção-compensação não pode ser confundida com limitação desmedida e ili-mitada ao direito de propriedade, ao ponto de ser exercida infinitamente, uma após a outra, a cada cinco anos.Por isso, essa restrição legal (da renovatória) ao direito de propriedade deve ser entendida em termos. Precisa ser interpretada, também, à luz dos princípios gerais do direito privado, visando sempre o equilíbrio das partes, as quais devem ter os seus interesses preservados da forma mais eqüidistante possível.Se não for assim, reflita-se, não terá sentido limitar-se em, no máximo cinco anos – como vem fazendo, com total acerto, a jurisprudência – o prazo de vigência do contrato locativo decorrente de renovação compulsória. A esse respeito, confira-se os precedentes:‘A prorrogação judicial, admitida a “cessio temporis, deve ser concedida pelo mesmo prazo do contrato anterior, desde que não superior a cinco anos, respeitado o princípio da autonomia da vontade das partes, basilar no direito privado”.’ (STJ-RT 680/209)‘Ocorrendo a soma de dois ou mais contratos ininterruptos para a obtenção do prazo legal au-torizador da ação renovatória, o prazo da prorrogação judicial da locação deve ser igual ao do último contrato, observado o limite máximo de cinco anos. Essa orientação é a que resguarda, tanto quanto possível, a vontade das partes, já que, se locador e locatário concordaram em limitar o prazo do último contrato, não deve o juiz arbitrar prazo maior, contra essa vontade expressa, na prorrogação forçada.’ (STJ, 5ª Turma, REsp 47.844-8, Rel. Min. Assis Toledo, DJU 17.10.1994)Com efeito, fosse o espírito da lei permitir a utilização da ‘renovatória’ até o infinito, evidente-mente não teria qualquer assento lógico a formação jurisprudencial antes destacada. Nesses

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casos, bastaria considerar prorrogável, por tempo indeterminado, o contrato de locação deri-vado desse tipo de ação, e retirar do locador a faculdade de exercer a notificação premonitória (art. 6º, Lei nº 8.245/1991).Ou seja: pudesse existir essa espécie nociva de ‘ação renovatória da renovatória’, não haveria sentido exigir do locatário, a cada cinco anos, o ingresso em juízo para a propositura de ação cuja procedência, antecipadamente, saber-se-ia. Algo assim, para dizer o mínimo, criaria ônus desnecessário não apenas às partes, como também e, ainda mais, ao Estado-juiz, já insuporta-velmente abarrotado de toda sorte de causas.Portanto, sem sombra de dúvidas, não se pode dar curso às ações renovatórias, quando já anteriormente utilizada tal prerrogativa, e renovado o contrato de locação pelo prazo máximo de cinco anos.Pretensão como essa deve ser rechaçada até mesmo de ofício, visto que se relaciona com questão relativa às condições da ação (art. 267, § 3º, CPC), matéria de ordem pública, cujo conhecimento é obrigatório, posto que pressuposto indispensável ao desenvolvimento regular do processo (art. 267, IV e VI, CPC).Está claro, pois, em se tratando de locação comercial, presentes os pressupostos legais para a propositura da ação renovatória, deve-se permitir a sua propositura uma única vez, com a finalidade de renovar (compulsoriamente) o contrato pelo prazo máximo de cinco anos. Solução como essa, sem dúvida, é a que preserva da forma mais eqüidistante e equilibrada possível os interesses, às vezes antagônicos, de locador e locatário, posto que, ao mesmo tempo em que dá compensação pela formação do ‘fundo de comércio’, não torna indisponível eternamente a pro-priedade.” (Ação renovatória: limites legais para a sua utilização. Repertório de Jurisprudência IOB, sob nº 3/14243)

1556 – Penhora de bem indivisível – imóvel de propriedade de vários irmãos – possibilidade – frações ideais

“Processual civil. Recurso especial. Penhora de bem indivisível. Imóvel de propriedade de vários irmãos. Violação ao art. 535, II, do CPC. Não ocorrência. Possibilidade de penhora das frações ideais de propriedade dos executados. Acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência dominante do STJ. 1. O Tribunal de origem se manifestou de forma clara e fundamentada no sentido de considerar possível a penhora apenas das frações ideais do imóvel que pertencem aos coexecutados, haja vista que o bem indivisível possui diversos proprietários. O cabimento dos embargos de declaração está limitado às hipóteses de omissão, contradição ou obscuridade do julgado, cabendo, ainda, quando for necessária a correção de erro material ou premissa fática equivocada sobre a qual se embase o julgamento. Tais hipóteses não ocorreram no caso dos autos, pelo que não há que se falar em violação ao art. 535, II, do CPC. 2. A indivisibilidade do bem não lhe retira, por si só, a possibilidade de penhora, eis que os arts. 184 do CTN e 30 da Lei nº 6.830/1980 trazem previsão expressa de que a totalidade dos bens do sujeito passivo responde pelo pagamento do crédito tributário ou dívida ativa da Fazenda Pública. 3. De acordo com a juris-prudência desta Corte, a alienação de bem indivisível não recairá sobre sua totalidade, mas apenas sobre a fração ideal de propriedade do executado, o que não se confunde com a alienação de bem de propriedade indivisível dos cônjuges, caso em que a meação do cônjuge alheio à execução, nos termos do art. 655-B do CPC, recairá sobre o produto da alienação do bem. 4. Recurso espe-cial não provido.” (STJ – REsp 1.404.659 – (2013/0315134-3) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 07.04.2014)

1557 – Posse – ação de manutenção – prescrição aquisitiva – inocorrência – usucapião – ausência dos requisitos

“Civil e processual civil. Ação de manutenção de posse. Prescrição aquisitiva. Inocorrência. Usu-capião. Ausência dos requisitos. Escritura pública de doação do imóvel. Comprovação da posse. Construção de muro. Turbação configurada. Ausência de comprovação de miserabilidade jurídica. Sucumbência. Manutenção da sentença. 1. A prescrição aquisitiva não se confunde com a usu-capião, eis que, a prescrição importa em perda do direito de ação e nunca o direito a aquisição. 2. Não há que se falar em usucapião se ausentes os requisitos necessários a sua configuração para as espécies previstas em lei (extraordinário, ordinário e especial), especialmente, o exercício da

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posse mansa e pacífica pelo apelante sobre o imóvel, o decurso de tempo exigido e o justo título para que o interessado possa requerer judicialmente a titularidade da área. 3. É legal e legítima a posse, se a propriedade foi adquirida da Prefeitura Municipal de Vitória do Jari através de Escritura Pública de Doação. 4. Provada a posse do autor e demonstrado o ato turbativo praticado pelo réu, consistente na construção de um muro, impõe-se a confirmação da sentença a quo para manter o autor/apelado na posse da área para que possa continuar a exercer os direitos conferidos ao legítimo possuidor e proprietário. 5. Não havendo nos autos demonstração inequívoca de que o recorrente é necessitado na concepção jurídica da palavra e sem condições de arcar com o ônus da sucumbência, mantém-se a condenação nas custas e honorários. 6. Apelo desprovido.” (TJAP – Ap 0000426-40.2008.8.03.0012 – C.Única – Relª Desª Stella Simonne Ramos – DJe 20.05.2014)

1558 – Posse – ação de reintegração – constituição de direito – reconhecimento

“Recurso especial. Ação de reintegração de posse. Anterioridade na aquisição dos direitos posses-sórios, precedência no uso e ocupação do bem, providências consistentes na limpeza e manuten-ção da coisa possuída. Constituição de direito possessório. Reconhecimento da improcedência da ação pelas instâncias ordinárias. 1. Discussão voltada a definir o conceito de ‘melhor posse’, à luz do Código Civil de 2002. 2. Questão a ser dirimida mediante investigação voltada à comprovação, pelo autor da demanda, do disposto no art. 927 do Código de Processo Civil e dos requisitos alusi-vos: I – ao efetivo exercício de sua posse; II – a turbação ou esbulho praticado pelo réu; III – a data da turbação ou do esbulho; IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; V – a perda da posse, na ação de reintegração. Ultrapassada a primeira exigência para procedência da ação de reintegração de posse, qual seja, a demonstração, pelo autor, de sua posse e o esbulho cometido pela parte demandada, remanesce a análise dos demais elementos do art. 927 do CPC, revelando-se correta e em harmonia com o princípio da segurança jurídica a orientação adotada pelas instâncias ordinárias no sentido de, diante de documentos com força equivalente, optar por aquele mais antigo, desde que corroborado pelo efetivo exercício da relação material (pos-sessória) com a coisa, objeto do bem da vida. 3. Não há que se falar na utilização de parâmetros estabelecidos no art. 507 e seu parágrafo único do Código Civil anterior, não repetido no estatuto atual, nem tampouco ignorar a força do comando constitucional da função social do uso da terra (propriedade/posse), em virtude do que se espera sejam aos imóveis dada a destinação que mais legitima a sua ocupação. É preciso que o Poder Judiciário, quando no exercício da função juris-dicional – na construção da norma jurídica concreta – se valha de critérios seguros, objetivos e, fundamentalmente, agregadores dos diversos requisitos deduzidos na lei, no afã de bem avaliar a providência acerca da eventual manutenção ou reintegração do sujeito na posse da terra. Dessa forma, a teor do art. 927, inciso I, do CPC, ao autor da ação possessória cumpre provar sua posse. E esta, sem dúvida, pode ser comprovada com base no justo título, conforme ainda determina o parágrafo único do art. 1.201 do Código Civil. É preciso compreender justo título segundo os prin-cípios da socialidade, da eticidade e da operabilidade, diretrizes estabelecidas pelo novo Código Civil. Assim, perfilhando-se entendimento da doutrina contemporânea, justo título não pode ser considerado, preponderantemente, sinônimo de instrumento, mas de causa hábil para constituição da posse. Na concepção acerca da ‘melhor posse’, a análise do parâmetro alusivo a função social do uso da terra há de ser conjugado a outros critérios hermenêuticos, tendo como norte o justo título, a teor do parágrafo único do art. 1.201 do Código Civil, sem olvidar as balizas traçadas pela alusão às circunstâncias referidas no art. 1.202 do Código Civil. A função social da posse deve complementar o exame da ‘melhor posse’ para fins de utilização dos interditos possessórios. Quer dizer, alia-se a outros elementos, tais como a antiguidade e a qualidade do título, não podendo ser analisada dissociada de tais critérios, estabelecidos pelo legislador de 2002, a teor do art. 1.201 parágrafo único do Código Civil, conferindo-se, inclusive, ao portador do justo título a presunção de boa-fé. É importante deixar assente que a própria função social da posse, como valor e critério jurídico-normativo, não tem caráter absoluto, sob pena deste Tribunal, caso coteje de modo pre-ponderante apenas um dos fatores ou requisitos integrados no instituto jurídico, gerar insegurança jurídica no trato de tema por demais relevante, em que o legislador ordinário e o próprio consti-

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tuinte não pretenderam regrar com cláusulas amplamente abertas. 4. É preciso considerar o critério da função social da posse, complementado a outros parâmetros, como a antiguidade e a qualidade do título, a existência real da relação material com a coisa, sua intensidade, tendo como norte hermenêutico a definição do art. 1.201, parágrafo único, do Código Civil. 5. No caso em foco, o exame do vetor alusivo à função social da posse, como critério jurídico-normativo único, não teria isoladamente influência suficiente para alterar o resultado do processo, a ponto de beneficiar qualquer litigante, porquanto, os elementos existentes e, sobretudo, a equivalência de forças dos documentos apresentados, tornam dispensáveis considerações segmentadas, não conjunturais, em relação àquele elemento. Merece ser mantida incólume a conclusão das instâncias ordinárias, que valoraram adequadamente os requisitos do art. 927 do CPC e concluíram por negar ao recorrente a melhor posse, com base nos argumentos da antiguidade do título e da efetiva relação material com a coisa possuída. 6. Além disso, observando-se a ordem de alienação do imóvel objeto do presente litígio, verifica-se, em princípio, a correção na cadeia de transferência dominial do bem, até a aquisição da posse pela ora recorrida. Sem dúvida, essas circunstâncias, vistas em conjunto, relevam o inexorável reconhecimento do melhor título da recorrida, aliada à sua antiguidade, por-quanto adquiriu os direitos possessórios objeto de discussão, em 06.09.1997, antes, portanto, do ora recorrente. Finalmente, certo é que os documentos acostados pela recorrida mereceram, aos olhos das instâncias ordinárias, melhor fé a consubstanciar a existência de justo título e, por con-seguinte, reputar como não cumpridos os requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil por parte do demandante. 7. Recurso especial improvido.” (STJ – REsp 1.148.631 – (2009/0132727-6) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 04.04.2014)

1559 – Posse – ação de reintegração – esbulho de imóvel desapropriado

“Reexame necessário. Apelação cível. Ação de reintegração de posse. Esbulho de imóvel desapro-priado. Construção de residência para moradia. Poder de polícia. Autoexecutoriedade. Impossibi-lidade. Inviolabilidade do domicílio. Necessidade de autorização judicial. Interesse de agir eviden-ciado. 1. Os entes que compõem a administração pública detêm, dentre seus poderes, o de polícia, que possibilita aos agentes públicos restringir e condicionar a liberdade e a propriedade sempre que houver um manifesto interesse da coletividade em face de interesses particulares. 2. Dentre as características do poder de polícia, uma ganha especial destaque para a resolução da presente querela, qual seja, a autoexecutoriedade. Esta faz que a Administração tome as providências cabí-veis para modificar a ordem jurídica, impondo obrigações aos particulares, tendo em vista o inte-resse coletivo. 3. O exercício da autoexecutoriedade do poder de polícia não poderá sobrepujar as garantias fundamentais insculpidas no Texto Constitucional, dentre as quais se ressalta a inviolabi-lidade do domicílio, prevista no art. 5º, inciso XI, da CF/1988. 4. Na hipótese, o invasor encontra--se em imóvel alvo de desapropriação, tendo construído residência para sua moradia. Desta feita, a Administração Pública ofenderia preceito constitucional caso se valesse da autoexecutoriedade do poder de polícia, haja vista a grave ofensa ao princípio constitucional da inviolabilidade de domicílio. 5. É patente o interesse de agir da parte apelante, a qual se pautou de forma correta ao buscar o Poder Judiciário para ver sua pretensão atingida, não se valendo da autoridade de forma desproporcional e desarrazoada. 6. Reexame necessário e apelação cível conhecidos e providos.” (TJCE – AC 0108621-71.2008.8.06.0001 – Rel. Francisco Bezerra Cavalcante – DJe 05.03.2014)

1560 – Posse – imissão – execução de título extrajudicial – arrematação de bem imóvel – impro-cedência dos embargos

“Direito processual civil. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. Execução de título extrajudicial. Arrematação de bem imóvel. Improcedência dos embargos. Imissão na posse. Matéria infraconstitucional. Eventual violação reflexa da Constituição da República não viabiliza o manejo de recurso extraordinário. Acórdão recorrido publicado em 27.07.2006. A discussão travada nos autos – execução por título extrajudicial e improcedência dos embargos à arrematação – não alcança status constitucional. O exame da alegada ofensa ao art. 5º, II, LIV e LV, da Consti-tuição Federal dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie,

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Código de Processo Civil e Código Civil, o que refoge à competência jurisdicional extraordinária, prevista no art. 102 da Constituição Federal. Precedentes. As razões do agravo não são aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere à ausência de ofensa direta e literal a preceito da Constituição da República. Embargos de declaração rece-bidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.” (STF – EDcl-AI 704.143 – São Paulo – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 09.04.2014)

1561 – Promessa de compra e venda – comissão de corretagem – cláusula contratual abusiva

“Direito civil e do consumidor. Contrato de promessa de compra e venda. Comissão de correta-gem. Cláusula contratual abusiva. Âmbito infraconstitucional do debate. Interpretação de cláu-sulas contratuais. Óbice da Súmula nº 454/STF. Análise da ocorrência de eventual afronta aos preceitos constitucionais invocados no apelo extremo dependente da reelaboração da moldura fática constante do acórdão recorrido. Aplicação da Súmula nº 279/STF. Acórdão recorrido dispo-nibilizado em 07.05.2013. Divergir do entendimento do Tribunal a quo acerca da abusividade de cláusula constante de contrato de promessa de compra e venda onde se estabeleceu o pagamento antecipado de comissão de corretagem pelo consumidor, demandaria a análise da legislação in-fraconstitucional aplicável à espécie, das cláusulas contratuais, bem como a reelaboração da mol-dura fática delineada na origem, inviável em sede recursal extraordinária. Aplicação das Súmulas nºs 279 e 454/STF. Precedentes. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF – AgRg-RE-Ag 802.245 – Distrito Federal – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 29.04.2014)

1562 – Promessa de compra e venda – direito real quando registrado – arrolamento de direitos – inventário

“Recurso especial. Direito civil. Contrato de promessa de compra e venda. Direito real quando re-gistrado. Art. 1.225 do Código Civil. Arrolamento de direitos. Inventário. Art. 993, inciso IV, alínea g, do Código de Processo Civil. 1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamen-tada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte. 2. A promessa de compra e venda identificada como direito real ocorre quando o instrumento público ou particular é registrado no cartório de registro de imóveis, o que não significa que a ausência do registro retire a validade do contrato. 3. A gradação do instituto da promessa de compra e venda fica explícita no art. 25 da Lei nº 6.766/1979, que prevê serem irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuem direito a adjudicação compulsória e, estando re-gistrados, conferem direito real oponível a terceiros. 4. Portanto, no caso concreto, parece lógico admitir a inclusão dos direitos oriundos do contrato de promessa de compra e venda de lote em inventário, ainda que sem registro imobiliário. Na verdade, é facultado ao promitente comprador adjudicar compulsoriamente imóvel objeto de contrato de promessa de compra e venda não registra-do, e a Lei nº 6.766/1979 admite a transmissão de propriedade de lote tão somente em decorrência de averbação da quitação do contrato preliminar, independentemente de celebração de contrato definitivo, por isso que deve ser inventariado o direito daí decorrente. 5. O compromisso de compra e venda de imóvel é suscetível de apreciação econômica e transmissível a título inter vivos ou cau-sa mortis, independentemente de registro, porquanto o escopo deste é primordialmente resguardar o contratante em face de terceiros que almejem sobre o imóvel em questão direito incompatível com a sua pretensão aquisitiva, o que não é o caso dos autos. 6. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.185.383 – (2010/0043732-6) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 05.05.2014)

1563 – Promessa de compra e venda – rescisão contratual – devolução dos valores pagos – comis-são de corretagem – restituição devida

“Civil. Contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária. Rescisão contratual. De-volução dos valores pagos. Comissão de corretagem. Restituição devida. I – O ônus da comissão de corretagem é, em regra, do vendedor do bem, que contrata o corretor ou a imobiliária para realizar a intermediação da compra de imóvel na planta. II – Operada a rescisão do contrato, é

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devida a restituição pela construtora da quantia relativa à comissão de corretagem paga indevida-mente pela compradora, mormente quando inexistente qualquer previsão na proposta inicial ou comprovação de que a consumidora tenha sido informada, desde o início, de forma clara e ex-pressa de que teria que suportar o referido pagamento. III – Deu-se parcial provimento ao recurso.” (TJDFT – Proc. 20130110887628 – (789766) – Rel. Des. José Divino de Oliveira – DJe 20.05.2014)

1564 – Propriedade – registro da transferência – ITBI – fato gerador

“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI. Fato gerador: registro da transferência efetiva da propriedade. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (STF – AgRg-RE-AG 798.241 – Rio de Janeiro – 2ª T. – Relª Min. Cármen Lúcia – J. 01.04.2014)

1565 – Propriedade rural familiar – garantia hipotecária – impenhorabilidade

“Direito civil e processual civil. Pequena propriedade rural familiar. Garantia hipotecária. Im-penhorabilidade. Exceção. Lei nº 8.009/1990. Matéria infraconstitucional. Alegação de afronta aos arts. 3º, 5º, XXVI, e 226, da Constituição Federal. Ausência de prequestionamento. Súmulas nºs 282 e 356/STF. Acórdão recorrido publicado em 10.01.2011. A matéria constitucional versada no recurso extraordinário, arts. 3º e 226, da Constituição Federal, não foi analisada pelas instâncias ordinárias, tampouco ventilada em embargos de declaração. Óbice das Súmulas nºs 282 e 356/STF. Divergir do entendimento do acórdão de origem quanto à possibilidade de penhora do bem de família. Pequena propriedade rural familiar. Dado como garantia hipotecária, demandaria a re-elaboração da moldura fática e análise da legislação infraconstitucional que regula a matéria. Art. 3º, V, da Lei nº 8.009/1990, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário, considerada a disposição do art. 102, III, a, da Constituição Federal. Precedentes. As razões do agravo regimental não são aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere à ausên-cia de prequestionamento, ao âmbito infraconstitucional do debate e a reelaboração da moldura fática constante no acórdão de origem, a inviabilizar o trânsito do recurso extraordinário. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF – AgRg-RE-Ag 678.338 – Paraná – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 25.03.2014)

1566 – Rescisão contratual – arras – sentença de improcedência da ação principal e da recon-venção

“Rescisão contratual. Arras. Sentença de improcedência da ação principal e da reconvenção. A rescisão do contrato impõe a perda do ‘sinal’. Suficiente a perda do valor para reparar o dano decorrente da indevida ocupação do imóvel. Recursos (apelações) da autora-reconvinda e da re-querida-reconvinte philadelphia improvidos.” (TJSP – Ap 0412493-47.2009.8.26.0577 – São José dos Campos – 2ª CDPriv. – Rel. Flavio Abramovici – DJe 08.05.2014)

1567 – Registro imobiliário – anulatória – usucapião – bem possivelmente da União – impossibi-lidade

“Civil e processual civil. Ação anulatória de registro imobiliário. Usucapião como matéria de defesa. Produção de prova testemunhal. Bem possivelmente da União. Impossibilidade de aquisi-ção por usucapião. 1. A invocação do § 5º do art. 214 da Lei de Registros Públicos somente tem aplicação para legitimar situações em que a usucapião possa ser reconhecida, o que não se dá na hipótese. Eventual acolhida do pedido – que ensejará a desconstituição do registro imobiliário em nome de particular – implicará o reconhecimento de ser público o imóvel, circunstância que, pela constituição (art. 191, parágrafo único), o torna impossível de ser adquirido por usucapião. 2. Firmada essa premissa, tem-se que a prova testemunhal, ainda que válida para demonstrar o que se pretende, não terá utilidade prática para o desfecho da ação. 3. Agravo de instrumento desprovido.” (TRF 1ª R. – AI 0076458-39.2013.4.01.0000 – Rel. Des. Fed. Olindo Herculano de Menezes – DJe 08.04.2014)

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1568 – Registro imobiliário – carta de arrematação – imóvel locado – direito à percepção dos aluguéis – consignação em pagamento

“Recurso especial. Processual civil. Civil. Execução. Arrematação de bem imóvel locado. Direito à percepção dos aluguéis. Consignação em pagamento. Formalização do auto de arrematação. Ausência do registro imobiliário da carta de arrematação. Frutos do bem arrematado. Direito do arrematante (CPC, art. 694; CC/1916, arts. 530, I, e 533). Recurso especial desprovido. 1. Assim como sucede nas operações de venda e compra de imóvel, desde a celebração do respectivo contrato, normalmente por escritura pública, a transferência do domínio e posse sobre o bem já se opera entre transmitente e adquirente. O registro posterior do contrato no registro imobiliário, com a transferência da propriedade sobre o imóvel, é requisito de validade perante terceiros (efeito erga omnes), mas não entre os próprios contratantes, já obrigados desde a celebração do negócio. Ante terceiros é que somente com o registro imobiliário se tem como transmitida a propriedade do imóvel, aperfeiçoando-se, em face de pessoas estranhas à relação contratual originária, a trans-ferência de domínio de imóvel. 2. O mesmo ocorre na arrematação de bem penhorado em exe-cução, quando o devedor executado, após devidamente lavrado e formalizado o respectivo auto, já não pode desconhecer sua condição de expropriado do bem imóvel que antes lhe pertencia. No momento em que a alienação judicial se torna perfeita e acabada, o bem deixa de integrar o patrimônio do devedor, independentemente de formalização do registro imobiliário da Carta de Arrematação. 3. No caso, a relação jurídica em exame é aquela travada entre a própria executada expropriada, como locadora, e o arrematante, sócio da sociedade empresária locatária, não tendo os referidos artigos do anterior Código Civil, que tratam do registro do bem imóvel, o alcance pretendido pela ora recorrente. 4. Em julgado recente, proferido em caso análogo, esta Corte Superior entendeu prevalente a antecedente arrematação, perfeita e acabada, até mesmo em face de outro credor, noutra execução (REsp 866.191/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, Julgado em 22.02.2011, DJe de 28.02.2011). 5. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 698.234 – (2004/0148481-8) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 30.04.2014)

1569 – SFH – ação de imissão na posse – execução extrajudicial

“Sistema Financeiro da Habitação. Ação de imissão na posse. Execução extrajudicial. Dl 70/1966. Taxa de ocupação indevida. I – Não merece retoque a sentença que deixou de arbitrar a taxa de ocupação decorrente do art. 38 do DL 70/1966, na hipótese em que o agente financeiro demora demasiadamente para promover a imissão na posse do imóvel desocupado pouco antes de sua alienação em concorrência pública e ocupado por terceiros estranhos à relação contratual, máxi-me porque a exação só seria possível após a citação, tendo em vista a orientação desta Corte Re-gional de Justiça no sentido de que ‘não é razoável impor ao mutuário arcar com o pagamento da taxa de ocupação de todo o período que a CEF permaneceu inerte e poderia ter pedido a imissão na posse assim que obteve o registro da carta de adjudicação’ (AC 48560.2005.4.01.4300/TO). II – Caso em que a carta de arrematação passada em 28.09.2004 só foi registrada na data de 12.01.2006 e a ação de imissão na posse foi proposta somente em 08.02.2012, sendo que desde 23.08.2012 o imóvel foi alienado em concorrência pública, o que torna desarrazoado exigir a taxa de ocupação de que trata o art. 38 do DL 70/1966. III – Apelação da CEF a que se nega provimen-to.” (TRF 1ª R. – AC 0004796-95.2012.4.01.3800/MG – Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian – DJe 11.04.2014)

1570 – SFH – ação de ressarcimento – seguro habitacional

“Processual civil. Agravo no agravo em recurso especial. Ação de ressarcimento de seguro habita-cional. SFH. Harmonia entre o acórdão recorrido e a jurisprudência do STJ. 1. O acórdão recorrido que adota a orientação firmada pela jurisprudência do STJ não merece reforma. 2. Agravo não provido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 475.119 – (2014/0030638-5) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 02.05.2014)

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1571 – SFH – cobertura do FCVS ao segundo imóvel da mesma localidade – financiamentos ante-riores à Lei nº 8.100/1990

“Sistema Financeiro de Habitação. Cobertura do FCVS ao segundo imóvel da mesma localidade. Contratos de financiamentos anteriores à Lei nº 8.100/1990. Cabimento. Recurso especial. Alínea c do permissivo constitucional. Ausência de indicação do dispositivo legal sobre o qual supostamente recai a controvérsia. Súmula nº 284 do STF, por analogia. 1. É possível a manutenção da cobertura do FCVS aos mutuários que adquiriram mais de um imóvel em uma mesma localidade, quando a celebração dos contratos ocorreu anteriormente à vigência da Lei nº 8.100/1990, ou seja, 5 de dezembro de 1990 (v.g.: REsp 1.133.769/RN, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 18.12.2009, julgado sob o regime do art. 543-C do Código de Processo Civil). 2. Quanto à alegada incompetên-cia da Justiça Estadual para processar e julgar a causa, não se pode conhecer do recurso pela alínea c do permissivo constitucional, pois o recorrente não indicou o dispositivo legal federal sobre o qual recai a divergência, sob pena de atração da Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal, por analogia. 3. Não é possível, em sede de recurso especial, o exame da alegada ofensa a dispositivos da Magna Carta, porquanto a hipótese, permitida constitucionalmente, para interposição de recurso especial pela alínea a do permissivo constitucional, restringe-se à violação de dispositivo de Tratado ou Lei Federal, excluída, portanto, da competência atribuída a esta Corte Superior, a apreciação e julgamento de suposta afronta à norma da Constituição Federal (cf. REsp 686.590/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 17.12.2008). 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.243.657 – (2011/0037792-8) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 12.05.2014)

1572 – SFH – saldo residual – ausência de cobertura pelo FCVS – responsabilidade do mutuário

“Agravo regimental no recurso especial. Sistema financeiro de habitação. Saldo residual. Ausência de cobertura pelo FCVS. Responsabilidade do mutuário. Precedentes. 1. Nos termos da jurispru-dência desta Corte, não havendo previsão de cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS, como no presente caso, os mutuários finais responderão pelos resíduos dos saldos devedores existentes, até sua final liquidação, na forma que for pactuada, conforme o disposto no art. 2º do Decreto-Lei nº 2.349/1987. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.383.748 – (2013/0140387-1) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 13.02.2014)

1573 – Usucapião – exceção – ação de imissão de posse – possibilidade

“Exceção de usucapião alegada em defesa de ação de imissão de posse. Possibilidade. Súmula nº 263/STF. Inaplicabilidade do art. 923 do CC. Recurso conhecido e parcialmente provido. 1. ‘Permissa venia, entendemos ser inaplicável, in casu, o disposto no art. 923 do CPC, haja vista que a ação de imissão de posse ter característica petitória e não possessória, por estar fulcrada na propriedade do bem. Isso porque, ao contrário do que o nome sugere, a ação de imissão de pos-se tem natureza petitória, conforme majoritário entendimento doutrinário e jurisprudencial, pois precipuamente o autor tem por finalidade a defesa de sua propriedade, perseguindo a posse do bem’ (Parecer Ministerial). 2. O col. Supremo Tribunal Federal tem decidido correntemente que é possível adotar os fundamentos de parecer do Ministério Público para decidir, assim o tendo feito o eminente Ministro Dias Toffoli, nos REs 591.797 e 626.307, em 26.08.2010, em que assenta, textualmente, o que segue: ‘Acompanho na íntegra o parecer da douta Procuradoria-Geral da Re-pública, adotando-o como fundamento desta decisão, ao estilo do que é praxe na Corte, quando a qualidade das razões permitem sejam subministradas pelo Relator (cf. ACO 804/RR, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 16.06.2006; AO 24/RS, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 23.03.2000; RE 271771/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 01.08.2000)’. 3. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJCE – AC 0002595-71.2013.8.06.0131 – Rel. Jucid Peixoto do Amaral – DJe 17.03.2014)

1574 – Usucapião – financiamento com recursos do SFH – mutuário inadimplente – natureza precária da posse – adjudicação

“Usucapião. Financiamento com recursos do SFH. Mutuário inadimplente. Natureza precária da posse. Adjudicação. Oposição. Prescrição aquisitiva não configurada. 1. Trata-se de ação de usu-

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capião especial de imóvel urbano onde a parte autora postula a declaração judicial do domínio do imóvel objeto da demanda e a expedição do mandado de transcrição da respectiva sentença no Cartório de Registro de Imóveis competente, ao argumento de que exerce a posse mansa e pacífica, sem oposição do imóvel há mais de treze anos, em imóvel com menos de 250m. 2. A presença de farta prova nos autos a descaracterizar a posse da autora justifica o julgamento antecipado da lide, não havendo que se falar produção de prova do animus domini no curso da ação. 3. O imóvel sob exame encontrava-se financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, o que de imediato afasta a prescrição aquisitiva, em razão do evidente interesse público. A CEF torna-se proprietária com o fim exclusivo de recuperar os recursos emprestados e não devolvidos pelos mutuários. Permitir a usucapião de imóvel de propriedade da CEF, adquirido por força de exe-cução de dívida contratual de financiamento habitacional pelo Sistema Financeiro da Habitação, terminaria por priorizar o interesse particular, violando princípios constitucionais garantidores dos direitos à moradia e à dignidade da pessoa humana, haja vista que essa propriedade é temporária e visa recuperar recursos indispensáveis à saúde do Sistema Financeiro da Habitação e manu-tenção de políticas públicas neste setor. Precedentes: TRF 2ª Região, AC TRF 5ª Região, ApRe-ex 200985000014031, Des. Fed. Ivan Lira de Carvalho, Quarta Turma, DJe Data: 30.06.2011; TRF 5ª Região, AC 200885000029390, Des. Fed. Francisco Wildo, Segunda Turma, DJe Data: 07.04.2011. 4. Ainda que se entendesse viável a prescrição aquisitiva do dito imóvel, não estão presentes os requisitos indispensáveis para que se configure a usucapião urbana, quais sejam, a posse mansa e pacífica, sem oposição, e o decurso do prazo quinquenal. 5. A existência de oposi-ção é evidente, ante a existência de ações judiciais discutindo cláusulas e condições do contrato e o procedimento de execução da dívida contratual (Ordinária nº 2003.51.01.002473-5 e a Cautelar nº 2002.51.01.020771-0). 6. Incorporado o imóvel ao patrimônio da CEF, sua ocupação posterior é irregular e ilegítima, não havendo que se falar em posse, mas em mera detenção. Ressalte-se que o art. 183 da Constituição Federal é expresso ao exigir a posse da área urbana ‘sem oposi-ção’, o que, evidentemente, não é o caso dos autos. Precedentes: TRF 2ª Região, Apelação Cível nº 534317, Processo nº 200351010044618, Órgão julgador: Sexta Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Guilherme Couto, Fonte: E-DJF2R, de 21.12.2011; TRF 2ª Região, AC 200950010021862, Des. Fed. Jose Antonio Lisboa Neiva, TRF2 Sétima Turma Especializada, E-DJF2R: 21.07.2011; TRF 5ª Região, AC 200884010003254, Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel de Faria, Terceira Turma, DJe 17.04.2012. 7. Recurso desprovido. Sentença mantida.” (TRF 2ª R. – AC 2012.51.01.048531-4 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Marcus Abraham – DJe 08.04.2014)

1575 – Usucapião – lapso de tempo suficiente para a aquisição – inexistência

“Usucapião. Inexistência de lapso de tempo suficiente para a aquisição. 1. Usucapião. Inexistên-cia dos requisitos previstos no Código Civil de 2002. 2. Impossibilidade de computo de período no qual os cessionários tinham mera posse precária. 3. Provimento do recurso vistos e relatados os presentes autos, resolve a 1ª Turma do TRF, por unanimidade, dar provimento à apelação da Caixa Econômica Federal para julgar improcedente o pedido. Sem sucumbência face à assistência judiciária deferida ao autor.” (TRF 5ª R. – AC 0006956-90.2011.4.05.8400 – (565024/RN) – Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti – DJe 03.04.2014)

1576 – Usucapião especial urbana – bem público – impossibilidade

“Civil. Processo civil. Usucapião especial urbana. Bem público pertencente ao Estado do Rio de Janeiro. Impossibilidade de aquisição por usucapião. Art. 183 da CRFB/1988. Concessão especial de uso para fins de moradia. Inovação em sede recursal. Não conhecimento. Bem pertencente à Caixa Econômica Federal. Possibilidade de usucapião na hipótese de inexistência de finalidade pública. Ônus da prova. Irregularidade urbanística. 1. Não há como conhecer do pedido de con-cessão especial de uso para fins de moradia, prevista na Medida Provisória nº 2.220/2001, relati-vamente ao imóvel pertencente ao Estado do Rio de Janeiro, porque representa inovação em sede

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recursal, não tendo sido o referido pedido veiculado na exordial. Some-se a isso que a concessão requerida é ato administrativo, devendo ser eventual requerimento dirigido às autoridades compe-tentes. 2. A possibilidade de os bens da Caixa Econômica Federal serem adquiridos por usucapião decorre da sua natureza de pessoa jurídica de direito privado, que realiza atividade tipicamente econômica (realização de empréstimos e financiamentos) em concorrência com outras instituições financeiras privadas, como já reconheceu o Supremo Tribunal Federal (STF, RE 536297, Relª Min. Ellen Gracie, Data de Julgamento: 16.11.2010, Data de Publicação: DJe-226, Divulg. 24.11.2010, Public. 25.11.2010). 3. Há que se atentar para a distinção entre o imóvel, integrante do patrimô-nio da CEF, atrelado a fins públicos, como o são aqueles objeto de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação e demais programas habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida, e aqueles que não se encontram vinculados a fins públicos, justificando-se, para os primei-ros, a insuscetibilidade de aquisição via usucapião. Precedentes desta eg. Corte. 4. Com relação ao sítio 4 do PAL 8.799, em relação ao qual a própria recorrente reconhece a impossibilidade de usucapião, requerendo a concessão de seu uso para fins de moradia, os autores foram inscritos no programa de regularização fundiária ‘Meu Pé no Chão’, promovido pelo Estado do Rio de Janeiro, que adquiriu a área em questão, por desapropriação. 5. Em relação ao sítio 4-A do PAL 8.799, verifica-se ter sido o imóvel pertencente ao extinto Banco Nacional de Habitação – BNH, sendo incorporado ao patrimônio da CEF em 1990. Não há, nos autos, prova de que esteja o mes-mo atrelado a qualquer finalidade pública, a qualquer programa de regularização fundiária, ou mesmo que seja objeto de contrato de financiamento no âmbito do SFH. Assim, em princípio, o bem em questão seria suscetível de usucapião. Contudo, não demonstraram os autores os demais requisitos necessários ao usucapião especial urbano. 6. Com efeito, em se tratando de usucapião especial de imóvel urbano, o art. 183 da Constituição estabeleceu os seguintes requisitos para sua configuração: (1) animus domini do possuidor; (2) não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural; (3) posse ininterrupta e sem oposição; (4) posse por prazo superior a cinco anos; (5) posse pessoal, ou seja, utilização do imóvel para sua moradia ou de sua família; e, (6) imóvel de até 250 metros quadrados na área urbana. A ausência de qualquer uma dessas condições afasta, por si só, a possibilidade de se adquirir o domínio do bem pela prescrição aquisitiva. 7. No caso em apreço, a parte autora não diligenciou em informar as características da posse que alega ter exercido, não se desincumbindo de seu ônus. Ainda, segundo as informações prestadas pela Procuradoria do Município do Rio de Janeiro, nenhum dos lotes em questão apresenta dimensão mínima necessária a constituir lote autônomo, nem mesmo apresentam testada para logradouro público reconhecido, tratando-se, pois de irregularidade urbanística. 8. Apelação parcialmente conhecida e desprovi-da.” (TRF 2ª R. – AC 2005.51.01.001955-4 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 03.04.2014 – p. 313)

1577 – Usucapião extraordinária – reconhecimento da usucapião especial urbana – sentença extra petita – nulidade configurada

“Ação de usucapião extraordinária abreviada. Reconhecimento da usucapião especial urbana. Sentença extra petita. Nulidade configurada. Recurso provido. 1. Segundo o art. 460 do Código de Processo Civil, é defeso ao juiz proferir sentença a favor do réu, fora dos estritos limites do pedido deduzido na petição inicial. Assim fazendo, caracteriza-se o julgamento extra petita, com violação ao princípio dispositivo, impondo-se o reconhecimento de nulidade da sentença e o retorno dos autos à instância de origem. 2. Apelação provida.” (TJDFT – Proc. 20090110697527 – (788189) – Rel. Des. J. J. Costa Carvalho – DJe 15.05.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de usucapião extraordinário visando à declaração de usucapião do imóvel constituído por apartamento.Alegou a parte requerente que detém a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel desde janeiro de 1995, arcando com todos os ônus inerentes ao imóvel, bem como zelando e cuidando de sua manutenção.

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Informou que reside no bem com sua família, estando, portanto, preenchidos os requisitos para que seja declarada a usucapião extraordinária.Regularmente citadas, as requeridas apresentaram contestação suscitando a sua ilegitimidade passiva, informando que residem, respectivamente, nos apartamentos de nº 409, 210 e 411 do edifício, não sendo sequer confinantes do imóvel objeto do feito.Aduziram que não possuem qualquer interesse sobre o desfecho do feito e não podem mensurar a quanto tempo a autora e possíveis familiares residem no bem. A empresa de incorporação apresentou contestação, suscitando a preliminar de indeferimento da inicial por ausência do decurso do prazo de 10 anos, hábil a caracterizar a usucapião extra-ordinária em virtude das regras de direito intertemporal e da entrada em vigor do Código Civil de 2002.No mérito, asseverou que a posse da autora não se deu de forma pacífica, uma vez que foram travados severos litígios entre aquela e outra e seu filho, por intermédio de ações de manutenção e reintegração de posse, tendo sido aquela inclusive notificada a deixar o bem.Narrou que a permanência da autora no bem foi concedida mediante comodato verbal entre aquela e o seu filho, sendo, portanto, precária, e que, desde 1997, os valores do Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU estão em aberto.Não conformado, a incorporadora interpôs apelação, requerendo a anulação ou a reforma da r. sentença. Aduziu, em síntese: a) julgamento extra petita, porquanto a inicial fundou-se na usucapião ex-traordinária e não na especial urbana; b) impossibilidade de usucapião especial, já que a área do imóvel, incluindo a comum, é superior a 250 metros quadrados e não há provas de que a autora não era proprietária de outro imóvel; c) indisponibilidade do imóvel em virtude dos gravames de bloqueio, penhora e arresto, os quais tornaram a posse precária desde 2000; d) impossibi-lidade de usucapião extraordinária, já que a autora possuía o imóvel como mera comodatária; e) ausência do decurso do lapso temporal exigido pela lei; f) existência de impostos não quitados referentes ao imóvel.O TJDFT deu provimento ao recurso e acolho a preliminar de nulidade da sentença por ofensa ao princípio da correlação, com arrimo nos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil, para cas-sar o decisum e propiciar a manifestação das partes acerca da nova modalidade de usucapião.Citamos, a seguir, trecho da doutrina de Carlos José Cordeiro:“Prof. Orlando Gomes diz que a tese da autonomia do usucapião é consagrada nas modernas legislações, e traça com clareza a distinção entre os dois institutos. Assim, do ponto de vista da finalidade, a prescrição é um modo de extinguir pretensões, enquanto o usucapião é modo de adquirir direitos reais. A base dos institutos também é diversa; na prescrição, é a inércia do sujeito de direito; no usucapião, é a posse continuada. Diverso é o aspecto da aplicabilidade; o usucapião restringe-se aos direitos reais. A prescrição, por fim, tem um sentido negativo, de extinção, enquanto que o usucapião é positivo, como força geradora. E conclui: ‘Não há que falar, por conseguinte, em prescrição aquisitiva’.No mesmo sentido, aponta Eduardo Espínola, reconhecendo que há regras comuns às duas espécies de prescrição, aquisitiva (suposto usucapião) e extintiva, porém há entre elas diferenças substanciais: a prescrição aquisitiva tem essencialmente por base a posse, e assim exige a boa--fé; a prescrição extintiva, em regra, dispensa a posse, não exige por parte do devedor o requisito da boa-fé; a prescrição aquisitiva pode ser fonte de uma ação ou de uma exceção em proveito do adquirente; a extintiva, sendo praticamente um meio de refletir a ação, se apresenta sempre como exceção; o campo da prescrição aquisitiva não é tão vasto como o da extintiva: a primeira limita-se à aquisição da propriedade e dos direitos reais; a extintiva abrange todo o domínio do direito civil, aplicando-se a todas as classes de relações jurídicas.Dessa forma, entende-se não se poder, sob a análise científica, considerar o usucapião como uma espécie de prescrição aquisitiva, uma vez que diversos são os seus regimes, somente tendo incidência comum o decurso do tempo, como forma de contato entre os dois institutos. Essa afirmativa acompanha o posicionamento do Prof. Nélson Luiz Pinto, que, citando Lafayette, assevera ‘ter a prescrição conotação negativa, isto é, nascer da inércia, tendo por efeito dissolver a obrigação e paralisar o direito correlato, e, conseqüentemente, não gerar direitos. O usucapião, ao contrário, é positivo, porque no seu modo de atuar predomina a força geradora; o proprietário perde o domínio não só por sua inércia, mas também porque o adquire o possuidor. Assim, o não-uso do direito de propriedade não importa sua extinção, por ser imprescritível, enquanto existir o seu objeto (propriedade). De sorte que a única possibilidade que se apresenta é a da aquisição por outrem, denominada usucapião, quando, então, o objeto passará a outro titular’.Pode-se, assim, esclarecido que o usucapião é uma forma de aquisição da propriedade, dentre os vários conceitos oferecidos pela doutrina, apresentar, segundo Nélson Luiz Pinto, ‘o que mais se aproxima do nosso ordenamento jurídico’, de lavra de Modestino: ‘o usucapio este adjectio

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dominii per continuationem possessionis temporis lege definit, ou, o modo de adquirir a pro-priedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei’.Observa-se, dessa última conceituação, bem como das outras arroladas, que dois são os elemen-tos básicos, essenciais, para a aquisição por usucapião: posse e tempo. Exigindo-se, ainda, o animus domini. Ressalte-se que outros elementos podem se fazer presentes nas várias espécies de usucapião (ordinário, extraordinário e especial), tais como o justo título e a boa-fé, os quais serão analisados no momento oportuno.[...]Feitas as considerações iniciais sobre o usucapião e ressaltada a importância do instituto, cabe revelar que o Direito brasileiro admite cinco espécies de usucapião, quais sejam: usucapião ex-traordinário, previsto pelo art. 550 do CC; usucapião ordinário, definido no art. 551 do CC; usu-capião mobiliário, descrito nos arts. 618 e 619 do CC, respectivamente nas modalidades ordi-nário e extraordinário; usucapião especial rural ou pro labore, regulado pela Lei nº 6.969/1981, com as alterações dadas pela CF, no art. 191; e usucapião especial urbano, introduzido pelo art. 183 da Lei Maior.Discriminadas as várias espécies de usucapião, deve-se dizer que não será objeto de estudo a distinção entre os seus diversos tipos, sendo, na verdade, continente de outro tema monográ-fico. Disso, nota-se que fundamentalmente não divergem entre si as cinco formas de usucapir, exigindo-se sempre, dentre outros requisitos, para a sua concessão, coisa hábil, posse, lapso de tempo, animus domini e, em alguns casos, boa-fé e justo título.Por aí, percebe-se que para ocorrer o usucapião em geral, faz-se necessário o concurso de certos requisitos, que dizem respeito às pessoas a quem interessa (pessoais); às coisas e direitos que podem ser adquiridos desta maneira (reais); à forma por que se constitui (formais); e à qualifi-cação da posse (especiais).A explicação atinente a cada qual será feita nos tópicos seguintes, quando forem dissecados os requisitos do usucapião em geral. Advirta-se, porém, como anota Antônio Macedo de Campos, ‘que capacidade (pessoal) e coisa hábil (real) não estão expressas nos dispositivos referentes ao usucapião. Resultam dos princípios gerais de direito’.Os requisitos pessoais são aqueles que têm em vista o possuidor e o proprietário, de forma a abranger a capacidade de cada um, para a ocorrência do usucapião, concebendo-se, assim, a aquisição do domínio por um e perda da propriedade da coisa pelo outro.Deveras, é regra manifesta que somente podem usucapir as pessoas capazes para possuir. Nesse engate, entende Lenine Nequete que são capazes de possuir tanto as pessoas físicas quanto morais, a comunidade hereditária, a pessoa jurídica de direito público e, inclusive, os incapazes, por intermédio de seus representantes. Inclui, ainda, os sucessores legítimos ou testamentários do possuidor, bem como os credores e demais interessados.Esta assertiva fundamenta-se, especialmente, no art. 162 do CC, uma vez que se permite a alegação da prescrição pela parte a quem aproveita. Ter-se-ia, então, terceiros interessados que seriam ‘todos aqueles que em favor dos quais constitui o possuidor um direito qualquer, que pereceria não se consolidando a propriedade nas mãos deste, v.g., o usufrutuário, o usuário, o fideicomissário em relação ao gravado, o enfiteuta em relação ao senhorio direto etc.’.Com relação ao sujeito passivo, para sofrer os efeitos da perda da coisa, basta que ele seja o proprietário. Aí, incluem-se os relativamente incapazes, e excluem as pessoas jurídicas de direito público. Quanto aos primeiros, o art. 169, I, do CC não os abarca quando torna patente que não ocorre prescrição contra os incapazes de que trata o art. 5º, ou seja, os sujeitos absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Quanto aos segundos, a CF determina que os bens públicos não serão adquiridos por usucapião.Em suma, o usucapiente deve ser capaz, mas, em determinados casos, essa faculdade sofre restrições decorrentes de diversos acontecimentos, inclusive familiar, obrigacional, etc.Antônio Ferreira Inocêncio relaciona pessoas e situações jurídicas que não se afinam com o usucapião. Assim, tem-se:‘a) Entre cônjuges, na constância do casamento (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, I), qualquer que seja o regime de bens.b) Entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio poder (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, II).c) Entre tutelados e curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, III).d) Em favor de credor pignoratício, do mandatário, e, em geral, das pessoas que lhe são equipa-radas, contra o depositante, o devedor, o mandante e as pessoas representadas ou seus herdei-ros, relativamente aos bens confiados à sua guarda (CC, arts. 553, parágrafo único, e 168, IV).’

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Além dessas exceções, o mencionado autor enumera outros casos, aos quais é inaplicável o usucapião.Interessante noticiar que, face à força declaratória de certeza jurídica, é possível ao proprietário intentar o usucapião sobre o seu imóvel, pois não há a menor ilegalidade em que o possuidor, por não ter confiança em seu título dominial, recorra à ação de usucapião. A propósito, comenta Celso Agrícola Barbi que ‘não se justificam restrições ao uso da ação declaratória quanto à propriedade de imóveis. Pelo contrário, será de muita utilidade, quando alguém criar incerteza em torno do domínio de um bem dessa natureza, prejudicando seu uso, ou disponibilidade, pelo proprietário também possuidor. Poderá ele mover ação contra o pretenso dono, para ver declarado que é seu o domínio’.Os requisitos reais relacionam-se com as coisas e direitos que podem ser objeto de aquisição por usucapião (res habilis). Desse modo, para ser objeto de usucapião, é mister que a coisa esteja no comércio, não sendo usucapíveis, pois, as que estejam fora do comércio, assim consideradas as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis, na definição do art. 69 do CC.Anote-se, conforme José Carlos de Moraes Salles, ‘haver coisas naturalmente insuscetíveis de apropriação e, conseqüentemente, de usucapião, como, por exemplo, o ar, a luz natural e as águas livres. De outra parte, há coisas juridicamente inapropriáveis ou inusucapíveis, porque assim declaradas pelo Direito. Como exemplo, [...] os bens públicos de uso comum do povo, os de uso especial e os dominiais ou patrimoniais (art. 66 do CC)’.Confirma-se que as coisas legalmente inalienáveis também não são usucapíveis, posto que elas têm o seu destino fixado por lei, como o bem de família (art. 72 do CC); os imóveis dotais (arts. 293 e 298 do CC); os bens de menores sob pátrio poder ou tutela (arts. 386, 427, VI, e 429 do CC); e os bens dos sujeitos à curatela (arts. 446, 453 e 463 do CC). Deve-se mencionar que a doutrina, hodiernamente, entende que quando a inalienabilidade resulta de ato voluntário de testador ou doador, o bem assim clausulado pode ser objeto de usucapião. Quanto aos direitos suscetíveis de usucapião, a doutrina reconhece que somente os direitos reais prescritíveis podem ser adquiridos, assim os que implicam posse dos objetos sobre que recaem, vale dizer, a propriedade, as servidões, a enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitação. A propósito, ensina Wolff que ‘sólo puede adquirir-se por usucapión los derechos reales que faculten para la posesión de una cosa o de un derecho: como la propiedad, la superficie, las servidumbres’.Em regra, só podem ser usucapidos os bens do domínio particular, ao passo que os bens pú-blicos não se subordinam a tal incidência, conforme impõe a Súmula nº 340 do STF, pois que ‘desde a vigência do Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião’. Essa orientação do Pretório Excelso foi acompanhada pelo atual texto constitucional, como se nota nos seus arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único.A coisa hábil para usucapião é coisa corpórea e tangível, sendo indispensável para os imóveis que estes estejam perfeitamente individuados, com suas precisas características, extensão e confrontações, mesmo porque a posse ad usucapionem não seria compatível com a indetermi-nação dos limites ou de outros aspectos da coisa possuída.Ressalta-se, entretanto, que é crescente o número de julgados que admite posse e usucapião sobre bens intangíveis (incorpóreos) como, v.g., o direito ao uso de linha telefônica. Vale dizer, também, que embora no usucapião de imóvel exija-se certeza e determinação, tem-se admitido usucapião de compossuidores, sobre partes ideais, de imóvel divisível ou não, quando a posse do todo é exercida conjuntamente.” (CORDEIRO, Carlos José. Usucapião. Juris Síntese, Porto Alegre: IOB/Thomson, nov./dez. 2005. 56 CD-ROM)

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

Do Contraditório no Registro de Imóveis

mARCELO KRug FAChIN TORRESPós-Graduando em Direito Registral Imobiliário pela PUC-Minas, Graduado em Ciências Ju-rídicas e Sociais pela PUC-RS, Registrador Substituto no Registro de Imóveis da 4ª Zona de Porto Alegre/RS.

RESUMO: O presente trabalho tem por escopo realizar um estudo acerca da necessidade de ser observado o direito fundamental ao contraditório no registro de imóveis. Assim, será inicialmente abordada a qua-lificação registral com relação às suas principais características e efeitos. Posteriormente, realizar-se-á, no segundo ponto do presente estudo, uma análise mais detalhado acerca do contraditório no registro de imóveis e das diferentes maneiras pela qual ele é compreendido atualmente. Por fim, no terceiro e último capítulo, será realizada uma abordagem do processo registral e de quais maneiras deve se pautar a atitude do registrador na condução deste.

PALAVRAS-CHAVE: Registro de imóveis; contraditório; processo registral imobiliário; fé pública registral; sistema registral imobiliário.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Breves apontamentos sobre a qualificação registral; 1.1 Independência jurídica do registrador; 1.2 Segurança jurídica; 2 Do contraditório no registro de imóveis; 2.1 Do contraditório fraco; 2.1.1 O contraditório no processo de retificação; 2.2 Do contraditório forte; 3 Do processo registral; 3.1 Efeitos decorrentes da participação. Atitudes do registrador; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOO presente ensaio tem por escopo realizar um estudo acerca da neces-

sidade de ser observado o direito fundamental ao contraditório no registro de imóveis.

Procura-se verificar se, sendo a decisão do registrador passível de ocasio-nar prejuízos na esfera jurídica outrem, deverá ele observar – e estar sujeito – o contraditório ao exercer a sua atividade.

Inicialmente, abordar-se-á a qualificação registral com relação às suas características e em especial a respeito da necessária independência jurídica que deve ter o registrador, e como a qualificação é imprescindível para se al-cançar a segurança jurídica.

Feito isso, realizar-se-á, no segundo ponto, um estudo mais detalhado acerca do contraditório no registro de imóveis. Examina-se, assim, a incidência do contraditório na atividade, bem como de que maneira o contraditório é com-preendido atualmente. A partir disto, procura-se estabelecer o conteúdo míni-mo do contraditório, abandonando-se a concepção tradicional, demonstrando--se, assim, a necessidade de um diálogo entre registrador e partes.

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Por fim, será realizada uma abordagem do processo registral e de quais maneiras deve se pautar a atitude do registrador na condução deste.

1 BREVES APONTAMENTOS SOBRE A QUALIFICAÇÃO REGISTRALO registrador, salvo previsão legal, não atua ex officio1. Para que o

Oficial exerça sua atividade, tal como um Magistrado, ele deve ser provoca-do pela parte ou autoridade para tanto. Com a apresentação do título2 e pe-dido de inscrição na Serventia Registral Imobiliária, deverá ele ser prenotado incontinenti no Livro 1 – Protocolo3, independentemente de uma análise deste. Não se trata, pois, de uma opção do Oficial4, mas sim um dever, haja vista os efeitos decorrentes do lançamento no Livro 1 – Protocolo. O primeiro deles é que a prenotação estabelece a prioridade do título e a preferência dos direitos reais, bem como os efeitos do registro retroagem à sua data5. Neste sentido, elucida Pontes de Miranda:

O registro, para os efeitos da produção da realidade dos direitos, ou somente con-tra terceiros ou para se poder dispor do direito real, tem a sua vida antecipada, em relação à sua própria feitura. A eficácia antecipada começa com a apresenta-ção do titulo. É o princípio da prioridade de apresentação, solução técnica para obviar aos inconvenientes dos protraimentos ou atrasos sem culpa na eficácia do registro.6

1 É assim denominado o princípio da reserva de iniciativa, ou rogação, o qual estabelece que não está autorizado o Oficial a praticar determinados atos sem que haja provocação da parte interessada. Trata-se de um requisito fundamental que serve para que se tenha início o processo registral, devendo ser exposta a pretensão de inscrição, bem como a juntada dos documentos necessários para tanto. Contudo, tal princípio possui algumas exceções, ou seja, em determinadas situações, é possível o Oficial agir sem a provocação da parte. Isso ocorre, por exemplo, nos casos de mudança de nome de logradouros pelo Poder Público e na hipótese de retificação em que o registrador observar que consta erro evidente no registro. (Sobre o assunto: MONJE, María Isabel de la Iglesia. El principio de rogación y el procedimiento registral. Madrid: Colegio de Registradores de la propiedad y mercantiles de España, 2010)

2 Entendido aqui como título em sentido formal (ou impróprio), ou seja, o documento no qual consta o feito ato ou negocio determinante da produção de uma modificação jurídico-real (SANTOS, Antonio Martínez. Jurisdicción y registros públicos. El processo para la impugnacion de la calificacion negativa. Barcelona: Marcial Pons, 2012. p. 82). Os títulos em sentido formal, por servirem de instrumento para os títulos materiais, não se tratam de qualquer tipo de documento. Somente poderão ser aqueles títulos que a lei considera aptos para desencadear o processo registral, podendo, contudo, serem classificados em judiciais, notariais e particulares. As espécies de títulos em sentido formal são aquelas dispostos no art. 221 da Lei dos Registros Públicos.

3 Sobre de cada um dos Livros do Registro de Imóveis, ver mais em MELO, Marcelo. Breves anotações sobre o registro de imóveis. In: PAIVA, João Pedro Lamana; TIMM, Luciano Bennetti; TUTIKIAN, Cláudia Fonseca (Org.). Novo direito imobiliário e registral. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

4 SANTOS, Flauzilino Araújo dos. Algumas linhas sobre a prenotação. In: DIP, Ricardo Henry Marques; JACOMINO, Sérgio (Org.). Doutrinas essenciais – Direito registral. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. VI, 2012.

5 Código Civil: “Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo”.

6 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito predial. 2. ed. Rio de Janeiro: José Konfino, v. I, 1953. p. 154.

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A partir do lançamento no Livro 1, tem-se início o processo registral7, a fim de se verificar se o título pode ou não ser inscrito. Diferentemente do que ocorre em outros países8, a inscrição9 depende da verificação prévia de o título estar em conformidade com o ordenamento jurídico10. Neste sentido, afirma-se que a prestação do serviço registral não é mecânica nem tampouco automáti-ca11. A essa atividade específica do registrador, por influência da doutrina espa-nhola, passou-se a denominar de qualificação registral12.

A qualificação registral engloba tanto os requisitos extrínsecos (forma) quanto intrínsecos (conteúdo) do título apresentado a registro13. Assim explica Marcelo Melo:

Compreenderá, primeiramente, a análise da legalidade do título sob todas as suas formas: se foi expedido pelo órgão competente, se possui indícios de falsidade, se lhe falta algum requisito que a lei lhe obrigue por necessário. Posteriormente, ira aplicar os princípios registrários como trato sucessivo (continuidade), ou seja, se o titular do domínio está transmitindo o que realmente possui (arts. 195 e 237 da Lei nº 6.015/1973); disponibilidade no que se refere à exatidão do direito de propriedade; entre outros como unitariedade matricial etc.14

Por essa razão, afirma José Alberto Gonzáles15 ser a qualificação o ato jurídico praticado pelo registrador de maior transcendência no decurso do pro-

7 Monica Santos LLoro o define como o conjunto de atuações realizadas desde o momento em que se solicita a inscrição de um título até o momento em que o registrador decide, suspendendo, denegando ou praticando a inscrição solicitada. (LLORO, Mónica Santos. Lecciones de derecho inmobiliario registral. Barcelona: Registradores de Catalunya, 2008. p. 215)

8 Por exemplo, nos Estados Unidos da América, onde não é realizada a qualificação do título. Sobre o assunto, ele foi abordado em TORRES, Marcelo Krug Fachin. A publicidade no sistema registral imobiliário. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 35, n. 72, jan./jun. 2012.

9 Partindo das críticas formuladas especialmente por Afrânio de Carvalho (Registro de imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1976) e Miguel Maria Serpa Lopes (Tratado dos registros públicos. 6. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Brasília Jurídica, t. I, 1997) a respeito da adoção do vocábulo registro, consoante art. 168 da Lei dos Registros Públicos, optamos por utilizar a terminologia inscrição (como resultado da qualificação positiva) ao longo do presente trabalho seja para designar atos de registro (stricto sensu) ou atos de averbação.

10 CARVALHO, Afrânio de. Op. cit.

11 CONI, Raúl R. Garcia. El contencioso registral. Buenos Aires: Depalma, 1978.

12 Não se busca, de maneira alguma, esgotar o tema da qualificação no presente estudo, tendo em vista os extensos e numerosos estudos já realizados acerca do tema. No Brasil, destacam-se os estudos de JACOMINO, Sérgio. A qualificação registral: história e importância do direito registral imobiliário brasileiro. 2003. 216 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de História, Direito e Serviço Social. Universidade Estadual Paulista, 2003; e DIP, Ricardo Henry Marques. Sobre a qualificação no registro de imóveis. In: DIP, Ricardo Henry Marques. Registro de imóveis (Vários estudos). Porto Alegre: Safe, 2005.

13 RICHTER, Luiz Egon. Da qualificação notarial e registral e seus dilemas In: DIP, Ricardo Henry Marques (Coord.). Introdução ao direito notarial e registral. Porto Alegre: Safe, 2004.

14 MELO, Marcelo. A qualificação registral como tutela preventiva de conflitos. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, v. 33, n. 68, p. 74, jan./jun. 2010.

15 GONZÁLEZ, José Alberto. A realidade registral predial para terceiros. Lisboa: Quid Juris, 2006. p. 153.

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cesso registral. Refere-se que a qualificação é o ato mais prestigioso de toda atuação do registrador16.

Importante destacar que a doutrina vem discutindo sobre a natureza ju-rídica da qualificação17. Podemos destacar três correntes fundamentais18: há os que defendam ser de jurisdição voluntária19, outros asseguram se tratar de natu-reza administrativa20 e há a corrente que defende tratar-se de um tertius genus21, a qual entende que a qualificação possui certa semelhança com atos de jurisdi-ção voluntária e com atos da Administração Pública, não podendo enquadrar--se em nenhuma dessas duas categorias.

Embora não seja o objeto do presente estudo adentrar nessa discussão, é importante frisar que, do ponto de vista da apreciação da validade do fato inscritível, o registrador goza de poderes muito semelhantes aos poderes que se reconhecem a um Tribunal22. Vale dizer, neste aspecto, a qualificação registral se aproxima mais da função jurisdicional do que da administrativa23.

Nesta esteira, diz-se que a qualificação registral não é função judicial, mas se exerce com independência semelhante, constituindo em um especial matiz da legalidade, se comparada essa função com a dos funcionários admi-nistrativos hierarquicamente subordinados24.

1.1 indePendência JUrídica dO registradOr

De qualquer modo, seja qual for a teoria adotada a respeito da qualifi-cação registral, é inquestionável que o registrador, para exercer a sua atividade

16 Cf. JARDIM, Mônica. A delimitação de jurisdição, territorial e na matéria – Reflexos nos efeitos registrais. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 35, n. 73, jan./jun. 2012; SILVA, Gilberto Valente da. Palestra sobre a qualificação registral no Curso de Verão Gilberto Valente da Silva. Disponível em: <http://arisp.files.wordpress.com/2008/07/gvs-cursodeverao.pdf>.

17 SÁNCHEZ CALERO, Francisco Javier; CALERO ARRIBAS, Blanca Sánchez. Manual de derecho inmobiliario registral. 2. ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2009.

18 LLORO, Mónica Santos. Lecciones de derecho inmobilirario registral. Barcelona: Registradores de Catalunya, 2008.

19 Defendendo o caráter jurisdicional da qualificação registral: ROCA SASTRE, Ramon Maria. Instituciones de derecho hipotecario. 2. ed. Barcelona: Bosch, t. I, 1945. p. 609; no Brasil: MELO, Marcelo. A qualificação registral como tutela preventiva de conflitos.

20 Cf. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Publicidade e teoria dos registros. Coimbra: Almedina, 1966. p. 195; GONZALEZ, Jose Alberto. Direitos reais e direito registral imobiliário. 4. ed. rev. e ampl. Lisboa: Quid Juris, 2009. p. 169.

21 LEVYA DE LEVYA, Juan Antonio. Planteamiento general de los registros públicos y su división en registros administrativos y registros jurídicos. Revista Critica de Derecho Inmobiliario, Madrid, n. 591, p. 303, mar./abr. 1989; CHICO ORTIZ, José Maria. Presente y futuro del principio de calificación registral. Revista Crítica de Derecho Inmobiliario, Madrid, n. 496, p. 586, maio/jun. 1973; BERDEJO, Jose Luiz Lacruz; SANCHO REBULLIDA, Francisco de Asis. Derecho inmobiliario registral. Barcelona: Bosch, 1977. p. 348.

22 GONZÁLEZ, José Alberto. A realidade registral predial para terceiros.

23 JARDIM, Mônica. Op. cit.

24 SOLANO, Antonio Manzano. Estudios sobre la publicidad registral. Madrid: Colégio Registradores, 2009. p. 398.

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(emitindo uma decisão acerca da pretensão apresentada pelo interessado para inscrever ou não o título nos Livros correspondentes, outorgando, assim, a tute-la registral à determinada situação jurídica), é imprescindível, pois, que o faça com a mais absoluta independência jurídica25. Neste sentido, é a previsão legal contida no art. 28 da Lei nº 8.935/1994: “Os notários e oficiais de registro go-zam de independência no exercício de suas funções [...]”.

Outrossim, cumpre lembrar que os títulos admissíveis no registro de imó-veis podem ser classificados quanto a sua origem (judiciais e extrajudiciais) e quanto a sua forma (públicos ou privados). É importante destacar que todos os títulos apresentados sujeitam-se à qualificação registral, pouco importando se se trata de um mandado judicial, escritura pública ou documento particular26.

É pacífico o entendimento de que os títulos judiciais devem ser qualifica-dos pelo registrador. Neste sentido, Ulysses da Silva:

A qualificação do título de origem judicial é direito, ou melhor, dever do regis-trador, não constituindo nenhum desrespeito à autoridade judiciária a sua recusa em razão de falhas anotadas. Isto significa que, entre suas atribuições, o oficial conserva sua independência.27

É farta a doutrina e a jurisprudência a respeito da necessidade de os títu-los judiciais serem objeto de qualificação, pois o registrador não é apenas um chancelador de documentos a ele submetidos28. Frise-se que a inobservância da qualificação, imprescindível ao registro, tornaria este imprestável – e um verda-deiro caos passaria a existir.

Neste passo, adverte Edgardo Scotti que nenhum documento suscetível de inscrição está isento de qualificação, uma vez que esta é condição inexorá-vel para realizar aquela29. Portanto, os documentos de origem judicial não esca-

25 FILHO, Elvino Silva. A competência do Oficial do Registro de Imóveis no exame dos títulos judiciais. In: PÉREZ, Diego Selhane (Coord.). Títulos judiciais e o registro de imóveis. Rio de Janeiro: IRIB, 2005.

26 Neste sentido, a título ilustrativo, as decisões proferidas nos processos de dúvida: “A decisão judicial possui campo eficacial reduzido, valendo apenas para as partes processuais, não podendo violar interesses de terceiros. 2. A Corte Maior já reconheceu os emolumentos como tendo natureza tributária de taxa e, por essa razão, esta se destina a cobrir apenas parte dos custos com o serviço prestado, sendo outra parte destinada ao Poder Executivo. 3. O mandado de usucapião, por se tratar de ordem judicial, não escapa da qualificação registral por parte do Oficial Registrador. Dúvida procedente” (Decisão 1ª Vara dos Registros Públicos de São Paulo. Data de julgamento: 14.07.2005. Fonte: 000.05.066251-1. Localidade: São Paulo (6º SRI). Rel. Venício Antonio de Paula Salles) e “Os títulos judiciais não estão isentos à qualificação registral para ingresso no fólio real. 2. Em respeito ao princípio da continuidade, a titularidade dominial deve estar em conformidade com o constante na matrícula, observando-se o encadeamento necessário. Dúvida procedente” (Decisão 1ª Vara dos Registros Públicos de São Paulo. Data de julgamento: 31.03.2009. Data DOE: 24.04.2009. Fonte: 583.00.2009.113867-7. Localidade: São Paulo (14º SRI). Rel. Gustavo Henrique Bretas Marzagão).

27 SILVA, Ulysses da. Três pontos a considerar no processo de registro: prazo de validade da prenotação; independência do oficial no exame dos títulos judiciais e especialidade objetiva. In: PÉREZ, Diego Selhane (Coord.). Títulos judiciais e o registro de imóveis. Rio de Janeiro: IRIB, 2005. p. 491.

28 MELO, Marcelo. A qualificação registral como tutela preventiva de conflitos. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, v. 33, n. 68, jan./jun. 2010.

29 SCOTTI, Edgardo. Derecho registral inmobiliario. Editorial Universidad: Buenos Aires, 1980. p. 191.

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pam ao poder de qualificação do organismo registral. Os títulos judiciais devem estar de acordo com os princípios que norteiam a atividade registral imobiliária (continuidade, disponibilidade, especialidade etc.). Vale dizer, a natureza judi-cial de um título não o exime da qualificação registral.

Em que pese a qualificação deva ser realizada independentemente da origem do documento sobre a qual recai, não ocorre o mesmo com relação à “intensidade” com a qual se desenvolve30. Melhor dizendo, ao qualificar os títulos judiciais, é vedado ao registrador observar a questão atinente ao direito material debatido no processo judicial31, visto esta ser atribuição exclusiva do Magistrado. Vale dizer, não compete ao Oficial perquirir acerca da justiça da decisão; deverá, pois, ater-se às questões registrarias32.

Verificando o Oficial que o título não está apto para ingresso no fólio real, é seu dever negá-lo, fundamentando sua decisão. Tal atitude às vezes é mal compreendida pelos Magistrados, ensejando uma draconiana ordem de prisão por desobediência33.

Em decisão no Recurso em Mandado de Segurança nº 9372/SP, o Supe-rior Tribunal de Justiça afirmou que a recusa do registrador não configura ofensa à coisa julgada, estando os títulos judiciais também suscetíveis de apreciação dos requisitos exigidos34.

De outra banda, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que não há de maneira alguma crime de desobediência nessas hipóteses:

Registro público. Atuação do titular. Carta de adjudicação. Dúvida levantada. Crime de desobediência. Impropriedade manifesta. O cumprimento do dever im-posto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de ad-judicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no art. 330 do Código Penal – crime de desobediência –, pouco importando o acolhimento, sob o ân-gulo judicial, do que suscitado.35

30 COBOS, Rafael Gimeno-Bayón. Calificación registral de documentos judiciales. In: GALLIGO, Francisco Javier Gomes. La calificación registral. 2. ed. Pamplona: Colegio de Registradores de España, t. II, 2008. p. 1163.

31 SILVA, Ulysses da. Op. cit.

32 Exemplificando: “Registro de imóveis. Recusa do Oficial em registrar carta de adjudicação oriunda dos autos de arrolamento de bens. Alegação de inexistência de prova da morte dos herdeiros do de cujus que viola a continuidade do registro. Inadmissibilidade. Princípio que se atém ao exame da pessoa que transfere o direito e não o de quem o recebe. Qualificação registrária que, ademais, ingressa no mérito do título judicial, o que não se permite na via administrativa. Registro do título que se impõe, em razão da inexistência de vício forma” (TJSP, AC 0011977-27.2011.8.26.0576, Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, Comarca de São José do Rio Preto, Rel. Des. José Renato Nalini, J. 01.03.2012, v.u., DJe 11.04.2012 – Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 35, n. 72, p. 480, jan./jun. 2012).

33 Sobre o assunto: FERNANDES, Antonio Scarance. O cumprimento de ordem judicial pelo registrador. In: DIP, Ricardo Henry Marques; JACOMINO, Sérgio (Org.). Doutrinas essenciais – Direito registral. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. I, 2012.

34 STJ, Acórdão nº RMS9372/SP, 3ª T., DJ 13.06.2005.

35 85.911/MG, 1 T., Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 25.10.2005, publ. DJ 02.12.2005, p. 00013, Ementa v. 02216-02, p. 00255, LEXSTF, v. 28, n. 325, p. 455-459, 2006; RT, v. 95, n. 847, p. 495-496, 2006.

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Admitindo títulos que não deveriam ser inscritos em razão de receio em sofrer uma ordem de prisão por desobediência, o registrador não estará exer-cendo, portanto, a sua principal e mais importante função, qual seja, a qualifi-cação, bem como estará ferindo gravemente a independência jurídica que lhe é assegurada36.

Caso o registrador não tenha a devida independência e autonomia para exercer a sua atividade, ocorrerá total abalo no princípio da segurança jurídica; sem segurança jurídica, o registro público imobiliário deixa de existir. Merece destaque a explicação de Eduardo Agostinho Arruda Augusto, acerca da equi-vocada compreensão por parte de alguns registradores a respeito da segurança jurídica, ao afirmar que:

Segurança jurídica não é resguardar-se de problemas, não é atuar de formar a evi-tar conflitos com os usuários do sistema registral ou visando a sair-se ileso diante de correições ou de fiscalizações. Essas até são algumas das consequências da observância desse princípio, mas não representam por si só que a segurança jurídica tenha sido respeitada. Alguns registradores dizem que só praticam deter-minado ato se “vier ordem do juiz”, ou seja, a preocupação não é se aquele título tem potencialidade danosa a terceiros, mas apenas se a sua aceitação poderá ou não resultar em alguma punição, algum processo, algum problema. Apenas para exemplificar, nos casos de usucapião, em que se percebe algum erro, muitos re-gistram sem qualquer questionamento, sob a fraca alegação de que compete ao Judiciário verificar as falhas e, se este não verificou, não compete ao registrador saná-las.37

O registrador deve ter a mesma independência jurídica para tomar as suas decisões do que aquela que é conferida aos Magistrados38. Cumpre lem-brar quer o registrador é um profissional do Direito que exerce uma função tipicamente jurídica39. Contudo, é necessário também que o registrador siga o entendimento dos órgãos hierarquicamente superiores sobre como enfrentar determinada situação, uniformizando, assim, o tratamento jurídico a respeito do

36 A respeito do tema: DIP, Silvia. Qualificação registral de títulos judiciais e crime de desobediência. Disponível em: <http://arisp.files.wordpress.com/2008/06/012-sc2a1lviadip-qualificacao-crime-de-desobediencia.pdf>; FERNANDES, Antonio Scarance. O cumprimento de ordem judicial pelo registrador: aspectos penais e processuais penais. Disponível em: <http://arisp.files.wordpress.com/2007/12/scarance-fernandes-o-cum-primento-de-ordem-judicial-pelo-registrador.pdf>.

37 AUGUSTO, Eduardo Agostinho Arruda. A qualificação registral na retificação de registro e no georrefe-renciamento. Revista de Direito Imobiliário, p. 217.

38 DIP, Ricardo Henry Marques. Sobre a qualificação no registro de imóveis In: DIP, Ricardo Henry Marques. Registro de imóveis (Vários estudos). Porto Alegre: Safe, 2005.

39 Tratando ainda que brevemente do assunto, Gilberto Valente da Silva, em belíssimo texto sobre qualificação registral no curso de verão em sua homenagem, a qual se recomenda fortemente a leitura, já sustentava que ninguém é profissional do direito quando, adotando determinada posição doutrinaria – com reflexos na prática – fundado na sua independência, é punido disciplinarmente em consequência do fato de ter adotado uma solução lastreado numa corrente filosófica ou doutrinária que não seja a mesma do juiz designado para fiscalizar suas atividades. Disponível em: <http://arisp.files.wordpress.com/2008/07/gvs-cursodeverao.pdf>. Acesso em: 1º ago 2012.

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tema40. Vale dizer, é imprescindível para a segurança jurídica que casos iguais sejam tratados de maneira igual.

Age equivocadamente o registrador que indefere reiteradamente deter-minados pedidos de inscrição, com exigências excessivamente formalistas ou infundadas sob o argumento de estar exercendo a sua independência41. Agindo assim, o registrador somente retarda a prestação da tutela registral levando o interessado a ter de recorrer ao procedimento de dúvida42 para ver garantida a inscrição. É importante que se diga, o excesso qualificatório43 é tão danoso quanto uma qualificação deficiente44.

1.2 segUrança JUrídica

O registro de imóveis é o órgão encarregado de publicizar fatos ou negó-cios jurídicos que se relacionem com os imóveis, sejam eles constitutivos, decla-ratórios ou extintivos e cuja finalidade é ser instrumento da segurança jurídica.

40 Sobre a necessidade de se adotar a teoria dos precedentes, típica do sistema dos países de common law, mas plenamente aplicável ao direito registral, ver com a devida abrangência em MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

41 O tema se mostra em especial relevância em comarcas nas quais existam mais de uma circunscrição imobiliária. Assim, é possível se chegar à infeliz situação de em zonas limítrofes entre duas circunscrições imobiliárias, de um lado da rua ser deferido o pedido de registro de uma incorporação, por exemplo, e do outro, em situação absolutamente idêntica, ser o pedido indeferido.

42 É preciso esclarecer que é equivocado chamar tal ato de “procedimento de dúvida”, pois, rigorosamente, não se trata de um procedimento, tampouco deverá haver dúvida por parte do registrador. Oportuna a observação de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (Noções fundamentais de direito registral e notarial, p. 101), na qual ele afirma que não há dúvida no sentido de incerteza, hesitação, mas objeção, ou seja, manifestação da impossibilidade de prática do ato sem o cumprimento de determinadas formalidades. Assim, é melhor compreender a dúvida como um expediente de impugnação à decisão do registrador em razão da qualificação negativa. Em sentido oposto, entendendo que a dúvida é a forma pela qual o serventuário de justiça, diante de incerteza quanto à pratica ou não de ato que lhe é imposto pelo ordenamento jurídico ou solicitação de qualquer interessado, submete-o à prévia apreciação judicial, para que se determine ou decida, formalmente, qual a orientação a ser tomada ou como o ato deve ser executado (SARMENTO, Eduardo Sócrates C. A dúvida na nova lei de registros públicos). Todavia, merece crítica a posição adotada por Eduardo Sócrates C. Sarmento, conforme bem explica Eduardo Agostinho Arruda Augusto, que quem se habitua a “consultar o juiz corregedor para que este decida sobre determinada situação. Seria o mesmo que o juiz de primeiro grau ligar para o Tribunal e perguntar a um dos desembargadores como deveria decidir uma lide. Além de ser uma forma indigna de eximir-se de suas responsabilidades, isso derruba o princípio da segurança jurídica, pois a verdadeira qualificação foi feita por pessoa diversa daquela determinada pela lei, o que, por si só, pode tornar nulo o ato registral. A função da qualificação registral é intransferível, é uma atividade personalíssima, que foi delegada pelo Estado a uma determinada pessoa, por confiar em sua potencialidade para o desempenho da função” (A qualificação registral na retificação de registro e no georreferenciamento. Revista de Direito Imobiliário, p. 218).

43 RAMÍREZ, Wilson Gómez. Alcances de la calificación registral y el exceso calificatorio. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 34, n. 71, jul./dez. 2011; RODRIGUES, Marcelo Guimaraes. A (juris)prudência do registrador intérprete. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 34, n. 71, jul./dez. 2011.

44 Francisco José de Almeida Prado Ferraz Costa Junior afirma que existe uma tensão dialética entre a qualificação e publicidade. Enquanto a primeira busca ofertar a noticia do fato, a segunda, mediante a qualificação registral, verifica, em primeiro lugar, se é pertinente noticiar o fato e, em caso positivo, se este se formalizou de acordo com as regras que estruturam o registro. Se por um lado a publicidade despida de qualificação é mero deposito de dados em que, de antemão, não se deposita a menor confiança, por outro na se pode negar que a qualificação excessivamente rigorosa é forte incentivo ao encaminhamento de fatos sociais à clandestinidade, o que frustra o propósito do sistema, já que a qualificação registral não teria razão de ser em a publicidade (Hermenêutica registral. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 34, n. 70, jan./jun.2011).

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Outrossim, refere a doutrina45 a existência de uma segurança jurídica setorial de-nominada segurança jurídica registral. Entretanto, a segurança jurídica registral está inexoravelmente atrelada à estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta46.

Igualmente, a segurança jurídica registral apresenta um duplo aspecto: a segurança jurídica estática e a segurança jurídica dinâmica. No seu aspecto estático, a segurança jurídica registral preceitua que o proprietário tem a se-gurança de que o registro não será alterado sem o concurso de sua vontade47 (rectius: não pode o proprietário de um imóvel ser surpreendido com uma al-teração fático-jurídico em seu registro sem que tenha lhe sido oportunizado de participar desta). Não pode o direito de propriedade ser transferido ou limitado ao arbítrio de estranhos. No seu aspecto dinâmico, a segurança jurídica registral visa à proteção dos terceiros de boa-fé. É preciso que se confie no conteúdo da publicidade registral48.

É oportuno ressaltar que a publicidade registral imobiliária tem por finali-dade a proteção do mercado imobiliário, ou seja, está voltada, primordialmen-te, para a proteção da segurança dinâmica49. Todavia, o aparente conflito entre a segurança estática e a segurança dinâmica, ou seja, entre a tutela do proprie-tário e a tutela do tráfego jurídico não possui fácil solução50. Lembra Marcelo Salaroli de Oliveira51 que um dos principais desafios a um sistema registral imobi-liário consiste na harmonização entre segurança estática e segurança dinâmica.

É nesse delicado conflito que a observância ao direito fundamental do contraditório, e, desta forma, o estabelecimento de um processo registral acar-retará em um enorme benefício tanto para os proprietários dos imóveis quanto para os terceiros que necessitam confiar no que consta publicizado nos livros do registro imobiliário.

2 DO CONTRADITÓRIO NO REGISTRO DE IMÓVEISA possibilidade do contraditório no processo de registro na serventia

imobiliária, embora para alguns possa parecer novidade, não é. É preciso deixar

45 MENDES, Isabel Pereira. Estudos sobre registro predial. Coimbra: Almedina, 2003.

46 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit.

47 MELLO, Henrique Ferraz de. O princípio da convalescença registral e a boa fé. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 25, n. 53, jul./dez. 2002.

48 MENDES, Isabel Pereira. Op. cit.

49 Tal disposição consta no item três das conclusões do XV Congresso Internacional de Direito Registral: “A principal função do registro da propriedade consiste em atribuir segurança jurídica imobiliária ao mercado, que, por sua vez, constitui requisito imprescindível para a existência do empréstimo hipotecário e das demais formas de garantia imobiliária” (OLIVEIRA, Marcelo Salaroli de. Publicidade registral imobiliária. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 31).

50 LACRUZ BERDEJO, Jose Luis. Lecciones de derecho inmobiliario registral. 2. ed. Zaragoza: Artes Gráficas, 1957.

51 OLIVEIRA, Marcelo Salaroli de. Op. cit.

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claro que o contraditório não é “privilégio” dos processos judiciais. Não im-porta se jurisdicional ou não52: existindo a possibilidade de uma decisão afetar negativamente a esfera jurídica de uma pessoa, é imprescindível a observância do contraditório53.

Analisando especialmente as disposições da Lei dos Registros Públicos, é possível verificar que já há determinadas situações nas quais deve ser observado o contraditório, em que pese na sua concepção tradicional (contraditório fraco).

2.1 dO cOntraditÓriO fracO

O contraditório nestas situações, embora exista, ainda é compreendido na sua visão tradicional. Tal visão entende que está respeitado o direito funda-mental do contraditório ao ser, tão somente, oportunizadas a ciência bilateral dos atos e a possibilidade de contraditá-los54. A essa concepção de contraditó-rio, a melhor doutrina denominou de “contraditório fraco”55.

Sob esse aspecto, o registrador assumiria uma posição excessivamente passiva, sendo somente as partes abarcadas pelo direito fundamental do con-traditório. Essa visão exclui aquele a quem cabe a decisão como também sen-do destinatário do contraditório.56 Há tão somente uma participação formal, uma vez que não é deferida às partes a efetiva possibilidade de influenciar na decisão.

Entre as hipóteses nas quais consta expressamente prevista a necessi-dade da observância do contraditório (ainda que “fraco”), podemos referir a instituição do bem de família (arts. 260 e ss. da LRP), a alienação de imóveis hipotecados (art. 292 da LRP), a retificação bilateral (arts. 213 e ss. da LRP) e o procedimento de dúvida (art. 198 da LRP).

Desta forma, passaremos a uma breve análise a respeito do contraditório no processo de retificação, por se tratar de um tema que sofreu recentemente diversas e substanciais modificações – e fica bastante claro verificar o contradi-tório em seu cariz tradicional.

52 Neste sentido, o contraditório deverá ser observado desde o processo penal até o processo que visa ao julgamento de contar por prefeito municipal, ou àquele que visa à imposição de sanção disciplinar, sob pena de nulidade, conforme se verifica das decisões proferidas no STF, RE 235.593/MG, Rel. Min. Celso de Mello, J. 31.03.2004, DJ 22.04.2004, p. 64, e STF, Pleno, MC-MS 25.647/DF, Rel. Min. Carlos Britto, Rel. p/o Ac. Min. Cezar Peluso, J. 30.11.2005, DJ 15.12.2006, p. 82 (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 647).

53 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit.,

54 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. São Paulo: Atlas, v. I, 2010. p. 36.

55 Por todos, ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. A garantia do contraditório. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Carlos%20A.%20A.%20de%20Oliveira%20-%20formatado.pdf>.

56 CAVANI, Renzo. Contra as “nulidades-surpresa”: o direito fundamental ao contraditório diante da nulidade processual. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 218, p. 69, 2013.

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2.1.1 O contraditório no processo de retificação

A Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004, possibilitou que a retificação do registro seja processada diretamente no registro de imóveis57. Havendo a possi-bilidade de a retificação processada perante ele vir a atingir direitos e interesses de terceiros, é imprescindível a participação destes no processo retificatório58. A essa modalidade de retificação a doutrina denominou de retificação adminis-trativa bilateral59.

Na retificação administrativa bilateral, deverá ser observado o contra-ditório, sob pena de nulidade60. Com isso, abre-se a possibilidade àqueles que potencialmente venham a sofrer os efeitos da retificação de participar desta, uma vez que é expressamente previsto que somente será deferida a retificação administrativa caso haja expressa anuência dos confrontantes61.

Outrossim, é facultado aos interessados apresentarem impugnação, fun-damentando-a62. Neste sentido, aduz Luciano Lopes Passarelli que não é atri-buição do Oficial verificar quanto ao mérito da impugnação, ou sua razoabili-dade, devendo apenas observar se esta é fundamentada ou não, seja qual for o motivo da impugnação63.

Com efeito, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (CGJSP), ao julgar o Processo nº 2012/2448064, acerca da possibilidade de o Oficial de registro de imóveis examinar e rejeitar impugnação infundada, nos casos de retificação extrajudicial, aprovou o parecer do juiz corregedor, alte-rando, em 30 de maio de 2012, o item 124.19 da Subseção IV, da Seção II, do

57 Sobre o assunto, ver mais em PASSARELLI, Luciano Lopes. As retificações no registro de imóveis. Porto Alegre: Safe, 2008.

58 MACEDO, Elaine Harzheim; SEHBE, Ricardo. Retificação no registro imobiliário e inovações da Lei nº 10.931/2004. In: Moderno direito imobiliário, notarial e registral. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 51.

59 PASSARELLI, Luciano Lopes. As retificações no registro de imóveis; MACEDO, Elaine Harzheim; SEHBE, Ricardo. Retificação no registro imobiliário e inovações da Lei nº 10.931/2004.

60 Cf. PASSARELLI, Luciano Lopes. As retificações no registro de imóveis.

61 “Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação: [...] II – a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA, bem assim pelos confrontantes.”

62 Cf. PASSARELLI, Luciano Lopes. As retificações no registro de imóveis, p. 114.

63 Define o Provimento nº 15/2012 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (CGJSP) que se consideram infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais ou semelhantes pelo Juízo Corregedor Permanente ou pela Corregedoria Geral da Justiça; a que o interessado se limita a dizer que a retificação causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à retificação; e a que o Oficial de Registro de Imóveis, pautado pelos critérios da prudência e da razoabilidade, assim reputar.

64 “Registro de imóveis. Retificação extrajudicial. Arts. 212 e 213 da Lei nº 6.015/1973. Alteração das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Possibilidade de o Oficial de Registro de Imóveis examinar e rejeitar a impugnação infundada. Celeridade e eficiência na retificação extrajudicial.”

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Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Tomo II65, a qual passa a vigorar com a seguinte redação:

Decorrido o prazo de dez dias, prorrogável uma única vez pelo mesmo período a pedido, sem a formalização de transação para solucionar a divergência, o Oficial de registro de imóveis: I – se a impugnação for infundada, rejeitá-la-á de plano por meio de ato motivado, do qual constem expressamente as razões pelas quais assim a considerou, e prosseguirá na retificação caso o impugnante não recorra no prazo de dez dias. Em caso de recurso, o impugnante apresentará suas razões ao Oficial de registro de imóveis, que intimará o requerente para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 10 dias e, em seguida, encaminhará os autos, acompanhados de suas informações complementares, ao juiz corregedor permanente da circunscrição em que situado o imóvel; ou extrajudicial. II – se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente e o profissional que houver assinado a planta, na forma do item 124.18, desta Subseção, encami-nhará os autos ao juiz corregedor permanente da circunscrição em que situado o imóvel.

Neste mesmo sentido, já havia se manifestado Venício Antônio de Paula Salles66, ao defender a tese de que a mera discordância do impugnante, sem qualquer alusão a fatos contidos na planta, impede o recebimento desta.

Todavia, impende realçar que é possível que a impugnação seja apresen-tada com falta de fundamentação ou com fundamentação infundada em virtude da falta de conhecimentos técnicos do impugnante, uma vez que não se faz necessário o acompanhamento por advogado nessa modalidade de retificação.

Com isso, fica fácil observar que o contraditório na retificação bilateral é compreendido na sua concepção tradicional. Ou seja, como uma mera bila-teralidade da instância e na possibilidade de contraditá-los. Conforme esse en-tendimento, não está sujeito o registrador a ele, pois, sendo apresentada impug-nação não fundamentada ou com fundamentação infundada, o Oficial poderá rejeitá-la de plano. Com isso, ao rejeitar de plano uma impugnação apresentada sem fundamentação, o registrador se demite do seu dever de diálogo e esclare-cimento inerentes a um processo pautado na colaboração67.

2.2 dO cOntraditÓriO fOrte

No entanto, deve ser abandonada a concepção tradicional do direito fundamental do contraditório (melhor: o contraditório não deve somente ser compreendido como a ciência bilateral dos atos do processo e na possibilidade

65 SÃO PAULO. Corregedoria Geral de Justiça. Normas de Serviço de Serviço. Tomo II. Provimento nº 58/89. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br/Download/ConhecaTJSP/NormasExtrajudiciais/NSCGJTomoIITachado.pdf>. Acesso em: 02 ago. 2012.

66 SALLES, Venicio Antonio de Paula. Direito registral imobiliário. São Paulo: Saraiva, 2006.

67 Sobre o assunto, MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo, 2009.

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de contraditá-los (dimensão formal)). O seu conteúdo mínimo se estende a todo o material de interesse para a decisão, tanto jurídico quanto fático, tanto de natureza processual como material68.

Contraditório hodiernamente é mais do que a simples bilateralidade da instância.

É imperioso que haja mais do que a simples participação formal. Além de participar, é imprescindível que seja outorgado aos interessados a possibilidade de influir nos rumos da decisão (dimensão substancial)69. Além da ciência bila-teral dos atos do processo e na possibilidade de contraditá-los, a formação da decisão deve depender da efetiva participação dos interessados70.

De nada adianta possibilitar à parte que participe do processo, se ela não é ouvida, ou melhor, se não lhe é dada condições de influenciar na decisão. Neste tópico, é didático Fredie Didier Jr. ao afirmar que “o contraditório não se efetiva apenas com a oitiva da parte; exige-se a participação com a possibilida-de conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão”71.

O direito ao contraditório implica dever de diálogo no processo72. O di-álogo, assim, amplia o quadro de análise, constrange ao cotejo de argumentos diversos, atenua o perigo de opiniões pré-concebidas, favorecendo a formação de um juízo mais aberto e ponderado73. O contraditório funciona então como um instrumento de “democratização do processo”74.

Além disso, o contraditório não deve também ser observado tão somen-te quando há a possibilidade de a decisão afetar diretamente a esfera jurídica de terceiros75. Deve ser respeitado o contraditório, entendido como direito a influenciar a formação da decisão76, quando toma parte no processo somente o requerente, não havendo diretamente a participação de um terceiro. Melhor explicando, existindo a possibilidade de uma decisão afetar negativamente a esfera jurídica de uma pessoa, a observância do contraditório é medida que se impõe77.

Vale lembrar que uma decisão que indefere um determinado pedido de inscrição (qualificação negativa), seja qual for o seu fundamento, inegavel-

68 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Op. cit.

69 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 647.

70 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Op. cit.

71 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, v. I, 2007. p. 56.

72 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 40.

73 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Op. cit.

74 Ibidem.

75 Como, por exemplo, na retificação administrativa bilateral.

76 MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 134.

77 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit.

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mente afeta a esfera jurídica do interessado. Ou ainda, tendo em vista que é o registrador quem decide em admitir – e em que termos admitir – a inscrição pretendida78, é preciso advertir que a eventual publicização de uma cláusula contratual ou uma má redação da inscrição pode igualmente acarretar prejuízos ao requerente.

Refere a doutrina de prestígio79 que o contraditório serve também de ins-trumento para as partes destinatárias do ato quando de instrumento de operação do juiz (leia-se registrador)80.

Assim demonstra Nicola Picardi:

Uma vez deslocado o ângulo visual em direção ao juiz, o contraditório torna-se o ponto principal da investigação dialética, conduzia com a colaboração das partes. [...] Nesta direção, o contraditório vem, de novo, deslocado das margens ao centro do fenômeno processual: não é mais prova de força, mas se torna instrumento de investigação da verdade provável. Podemos falar, de novo, de um princípio do contraditório; mas, com a expressão “princípio” aqui não enten-demos mais os axiomas lógicos da tradição iluminista, nem os princípios gerais dos ordenamentos positivos. O princípio do contraditório representa, acima de tudo, uma daquelas regulae iuris recolhidas no último livro do Digesto, qual seja um daqueles princípios de uma lógica do senso comum, destinados a facilitar a interpretatio baseada sobre a equidade. Estamos, com toda probabilidade, nas matrizes da noção de justo processo.81

Destarte, é possível afirmar que uma vez que a decisão do registrador pode afetar negativamente a esfera jurídica de uma pessoa, razão pela qual deverá, portanto, ser observado o direito fundamental do contraditório quando da qualificação dos títulos apresentados para registro, havendo ou não terceiros no processo de registro82.

78 JARDIM, Mônica. Op. cit.

79 PICARDI, Nicola. Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório. In: PICARDI, Nicola. Jurisdição e processo. Organizador e revisor técnico da tradução: Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

80 Neste passo: “O juiz tem o dever não só de velar pelo contraditório entre as partes, mas fundamentalmente a ele também se submeter. O juiz encontra-se igualmente sujeito ao contraditório” (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 648).

81 PICARDI, Nicola. Op. cit., p. 142.

82 Acenando neste sentido, em acórdão que não conheceu do recurso especial manejado em procedimento de dúvida, por ausência de contraditório entre as partes interessadas, mas apenas dissenso entre requerente e o serventuário, não se configurando assim “causa” no sentido constitucional, de relatoria do Ministro Athos Gusmão Carneiro, assim foi o voto vencido do Ministro Bueno de Souza: “[...] Sob este prisma eminentemente prático, dinâmico, de política judiciária, considero sumamente perigoso esse critério, porquanto basta que o Oficial de Imóveis se recuse ao registro e que a parte se utilize desse procedimento para que o que quer que o juiz decida (seja a favor do entendimento do Oficial, ou do pretendido pela parte), já não haja possibilidade do recurso especial. Por esse caminho, nossa jurisprudência pode vir a legitimar, previamente, qualquer eventual abuso que possa ocorrer, ainda que por inadvertência do Juiz Corregedor de Registros Públicos. Pelo fato de que o procedimento próprio legal não haja sido observado, pode-se chegar, no entanto, ao resultado que o procedimento correto poderia proporcionar, com o cancelamento ou o impedimento do registro” (STJ, REsp 13.637-0/MG).

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3 DO PROCESSO REGISTRALInicialmente, é preciso esclarecer que procedimento e processo não são

expressões sinônimas. Procedimento pode ser considerado como uma série de faculdades, poderes e deveres, quantas e quais sejam as posições subjeti-vas contidas na norma em exame, todas elas necessariamente encadeadas, de modo que uma delas constitui pressuposto necessário da subsequente com vista à produção de seu resultado final83. A característica principal do procedimento é que as posições jurídicas processuais existem independentemente do contra-ditório entre os seus participantes84.

De seu turno, o processo é um procedimento estruturado em contraditó-rio85. Verifica-se, assim, a importância do contraditório, uma vez que o próprio conceito de processo está construído sob sua base86.

Esta é a célebre lição de Elio Fazzalari:

O “processo é um procedimento do qual participam (estão habilitados a parti-cipar) aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver os efeitos em contraditório, e de modo que o autor do ato não possa obliterar as suas atividades”.87

Existe, em resumo, “processo”, quando em uma ou mais fases do iter de formação de um ato é contemplada a participação não só – e obviamente – do seu autor, mas também dos destinatários dos seus efeitos, em contraditório, de modo que eles possam desenvolver atividades que o autor do ato deve determi-nar, e cujos resultados eles podem desatender, mas não ignorar88.

Igualmente, asseveram Carlos Alberto Alvaro de Oliveira e Daniel Mitidiero:

Processo é uma subespécie do gênero procedimento de estrutura policêntrica e desenvolvimento dialético, necessariamente com observância do contraditório. O processo é policêntrico porque envolve sujeitos diversos, cada um dos quais tem uma posição particular e desenvolve um papel específico. A essa estrutura subjetivamente complexa corresponde um desenvolvimento dialético.89

É importante observar que não é a possibilidade ou o efetivo conflito de interesses que configura o processo (ele poderá até constituir a razão pela qual

83 FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006.

84 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Op. cit.

85 FAZZALARI, Elio. Op. cit.

86 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 646.

87 Ibidem, p. 118.

88 Ibidem.

89 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 99.

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230 ���������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 21 – Maio-Jun/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – ESTUDOS JURÍDICOS

o processo se desenvolve), mas sim a estrutura dialética proporcionada pelo contraditório. Ou seja, não havendo contraditório, não existe processo90.

Ademais, o registrador não está imune de observar o contraditório ao exercer a sua atividade (melhor: o registrador também está sujeito ao contradi-tório91).

Assim, levando em conta que o registrador, ao exercer a sua ativida-de, está sujeito ao direito fundamental do contraditório, bem como processo é procedimento estruturado em contraditório, é possível afirmar, sem receio, a existência de um processo registral92.

3.1 efeitOs decOrrentes da ParticiPaçãO. atitUdes dO registradOr

A compreensão da existência de um processo registral imobiliário93, ha-vendo um ou mais interessados, bem como de que o registrador igualmente está sujeito ao contraditório (compreendido como contraditório forte), acarreta diversas consequências na postura de todos os envolvidos (registrador, parte interessada e eventuais terceiros).

A primeira delas é que o contraditório implica um dever de diálogo e que o processo deve ser pautado pela colaboração94 de todos os envolvidos95. Desta maneira, é mister que o registrador demonstre, de forma adequada, as razões que o levaram a negar acesso ao fólio real a determinado título.

Tal fundamentação deve ser jurídica, não havendo, contudo, a neces-sidade de justificar item por item com referência expressa à legislação. Assim esclarece Marcelo Melo:

Basta que especifique, de forma clara e objetiva, as razões que levaram o título a ser desqualificado. É notório que a complexidade de algumas situações conspira para que o registrador especifique de forma mais cuidadosa e argumentativa no aspecto jurídico algumas notas devolutivas; no entanto, como as sentenças dos

90 FAZZALARI, Elio. Op. cit.

91 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Op. cit.

92 Neste sentido, é preciso discordar de Ricardo Dip, que afirma que “a eficácia do juízo qualificador e a subsunção jurídica que reflete não respondem ao suporte de uma relação processual, que é própria da jurisdicionalidade” (Sobre a qualificação no registro de imóveis, p. 180). De seu turno, refere Angel Cristobal Montes que o direito registral imobiliário abriga numerosos preceitos de natureza processual, levando recentemente à tentativa de configurar o chamado direito processual hipotecário, sendo obra de referência a de Honorato Sureda (MONTES, Angel Cristóbal. Direito imobiliário registral. Porto Alegre: Safe, 2005. p. 156).

93 Processo registral, pois, o processo tal como o procedimento, é identificado e assim “denominado” em função do ato final que a ele põe fim, que neste caso seria o de registro (lato sensu) (FAZZALARI, Elio. Op. cit., p. 126).

94 MITIDIERO, Daniel. Op. cit.

95 Mesmo não havendo imediatamente a participação de terceiros, tal situação não exime o registrador de observar o direito fundamental do contraditório, pois é possível que a sua decisão venha a produzir efeitos negativos na esfera jurídica deste.

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Magistrados são dirigidas ao cidadão ou homem médio, não deve conter lingua-gem extremamente técnico-jurídica.96

Outrossim, deve a qualificação abranger completamente a situação exa-minada97. Sendo negada a inscrição pretendida, sua respectiva fundamentação também deve ser completa. Melhor explicando, a fundamentação da decisão que indefere o pedido de inscrição deve abarcar todas as exigências que, caso atendidas pelo interessado, não havendo modificação na situação jurídica do imóvel, resultem na inscrição pretendida98, obviamente em se tratando de de-feitos sanáveis.

A necessidade de fundamentação decorre do direito fundamental ao con-traditório, pois é preciso que a parte saiba quais foram os motivos que levaram à impugnação de seu pedido99. Vale lembrar que o registrador está submetido ao contraditório e que este deve ser entendido como a possibilidade de par-ticipação, mas também como a oportunidade de influenciar no conteúdo da decisão100.

Desta maneira, de nada adianta o registrador fundamentar a sua decisão, se a parte, ao contrapô-la, não tenha as suas razões consideradas pelo Oficial, sob o pretexto de, em não se conformando, que seja suscitada dúvida. É impor-tante frisar que o contraditório, do qual o registrador faz parte, implica o dever de diálogo e, portanto, é minimamente coerente que o Oficial considere as razões expostas pelo interessado.

Retomando a questão da retificação que possa atingir a esfera jurídica de terceiros trabalhada no item II.1, mostra-se salutar o entendimento do registra-dor Eduardo Agostinho Arruda Augusto, ao asseverar que julgar improcedente a argumentação do confrontante é competência exclusiva do Judiciário, pois não pode o registrador “condenar alguém a sofrer as consequências de um assento registral por ele impugnado”, ainda mais uma terceira pessoa que foi surpreen-dida pelo procedimento.

Ainda, com relação à transação amigável, prevista em lei, esclarece:

Sendo possível, convém marcar uma audiência de tentativa de conciliação, pois o contato direto com os litigantes possibilita ao registrador formar um juízo de va-

96 MELO, Marcelo. A qualificação registral como tutela preventiva de conflitos.

97 DIP, Ricardo Henry Marques. Sobre a qualificação no registro de imóveis, p. 178.

98 Novamente apresentado o documento, este irá ser qualificado pelo registrador. Assim, é possível que, mesmo com o atendimento das exigências feitas, poderão surgir novos óbices à inscrição. O que não pode ocorrer é de que, sendo cumpridas as exigências formuladas pelo Oficial, o pedido de inscrição seja novamente indeferido por motivos que poderiam ter sido expostos quando da primeira análise.

99 Não se sabendo os motivos da decisão, fica muito difícil para a parte refutá-la. Por essa razão, ressalta Daniel Mitidiero que o dever de fundamentação consiste na “última manifestação do contraditório”, porquanto a motivação garante às partes a possibilidade de constatar terem sido ouvidas (Colaboração no processo civil, p. 138).

100 DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit., p. 57.

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lor ainda mais seguro, além de poder colaborar explicando às partes os objetivos da retificação e do quanto mais seguro se tornará o direito de propriedade tanto de um como de outro.101

Por fim, outra situação na qual se faz necessária uma mudança de atitude por parte do registrador, a fim de valorizar o contraditório e a cooperação no processo registral, é a de que, verificando que a decisão possa vir a causar pre-juízos na esfera jurídica de alguém que não faz parte inicialmente do processo, seja-lhe conferido o direito ao contraditório.

Destarte, cabe ressaltar que não são taxativos os atos registráveis102 e, em razão do princípio da concentração103, é necessário que qualquer informação juridicamente relevante sobre o imóvel deverá figurar na matrícula do imóvel. Ademais, não há dúvida de que o registro de imóveis cumpre uma função so-cioambiental104, pois trata-se de uma ferramenta excelente para garantir a ampla publicidade das informações relativas ao meio ambiente que repercutem sobre bens imóveis105.

Todavia, a publicidade registral relativa aos temas ambientais não se dará de forma indiscriminada106. Assim como todos os demais títulos, os que se re-

101 AUGUSTO, Eduardo Agostinho Arruda. Retificação de registro e georreferenciamento. Disponível em: <http://geo-irib.blogspot.com.br/>. Acesso em: 04 ago. 2012.

102 Sobre o assunto: DIP, Ricardo. São taxativos os atos registráveis? Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 22, n. 47, p. 34-37, jul./dez. 1999.

103 Em apertada síntese, adotado o sistema do fólio real pela Lei nº 6.015/1973, existindo, desta forma, a figura da matrícula do imóvel em contraposição às inscrições de cunho pessoal e cronológico até então existentes, esta deve ser, portanto, a mais completa possível. Com isso, não serão necessárias outras diligências a fim de descobrir a existência ou não de fatos jurígenos ou ato jurídico que, de alguma maneira, tenham relação com a situação jurídica do imóvel, ou com as suas mutações subjetivas (ERPEN, Décio Antônio; PAIVA, João Pedro Lamana. Autonomia registral e o princípio da concentração. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 23, n. 49, jul./dez. 2000). Este princípio é também denominado de “mirror principle”, e impõe que qualquer informação juridicamente relevante sobre o imóvel deverá figurar na matrícula do imóvel, sob pena de ser desconsiderada (PASSARELLI, Luciano Lopes. Teoria geral da certidão imobiliária: o principio da publicidade na era do registro de imóveis eletrônico. São Paulo: Quinta Editorial, 2010). Neste sentido, é pontual a observação de Leonardo Brandelli, que há uma tendência mundial em se concentrar no registro de imóveis todas as situações jurídicas que digam respeito aos imóveis e que devam ser oponíveis a terceiros, pois um dos efeitos da publicidade registral é a de que são inoponíveis com relação ao terceiro de boa-fé as situações que não estão registradas (BRANDELLI, Leonardo. Publicidade registral imobiliária: uma breve análise da eficácia dos direitos reais e obrigacionais. In: BRANDELLI, Leonardo (Coord.). Direito civil e registro de imóveis. São Paulo: Método, 2007).

104 MELO, Marcelo. O meio ambiente e o registro de imóveis. In: CRIADO, Francisco de Asís Palacios; JACOMINO, Sérgio; MELO, Marcelo. Registro de imóveis e meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 29.

105 Conforme anota Flauzilino Araújo dos Santos, poderão ser objeto da publicidade registral imobiliária as áreas de proteção especial; áreas de proteção e recuperação aos mananciais; áreas contaminadas ou sob forte impacto ambiental; áreas de preservação permanente; reserva legal; áreas de proteção ambiental; reserva particular do patrimônio cultura; publicidade dos meios de repressão ao desrespeito à legislação ambiental; publicidade dos termos de ajustamento de conduta e autos de infração (O meio ambiente urbano e o registro de imóveis. In: CRIADO, Francisco de Asís Palacios; JACOMINO, Sérgio; MELO, Marcelo. Registro de imóveis e meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 328).

106 PASSARELLI, Luciano Lopes. O meio ambiente urbano e o registro de imóveis. In: CRIADO, Francisco de Asís Palacios; JACOMINO, Sérgio; MELO, Marcelo. Registro de imóveis e meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 213.

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ferem à proteção do meio ambiente também estão sujeitos à qualificação por parte do registrador.

Todavia, é inegável que tal publicização pode vir a acarretar prejuízos na esfera jurídica do proprietário do imóvel, sendo, portanto, dever do Ofi-cial zelar pelo direito fundamental do contraditório e do devido processo antes de proceder à inscrição, pois, conforme lembra Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza107, somente as decisões denegatórias do registrador estão sujeitas a recur-so (permanecendo neste ínterim o ato publicizado). Com isso, querendo a parte se insurgir contra a decisão de inscrição, deverá aforar medida judicial para que seja cancelado ou retificado o registro.

Todavia, cumpre lembrar que, em razão de expressa previsão legal con-tida no art. 202 da Lei dos Registros Públicos, terceiro prejudicado108 pode in-terpor recurso de apelação da dúvida, a fim de que a dúvida seja julgada im-procedente (realizando-se a inscrição), ou para que ela seja julgada procedente (vedando-se a inscrição). Nesta senda, a melhor doutrina entende que, se o terceiro pode apelar, também pode intervir em primeiro grau, na dúvida109.

Da mesma forma, seguindo tal raciocínio, é possível então sustentar o entendimento de que ao terceiro que possa vir a sofrer diretamente os prejuízos em sua esfera jurídica do deferimento ou indeferimento do pedido de registro110 também pode igualmente participar e influenciar a decisão do Oficial do regis-tro de imóveis, uma vez que a dúvida nada mais é do que um expediente de impugnação à decisão do registrador em razão da qualificação negativa.

Ao somente se admitir a participação do terceiro no processo registral quando do procedimento de dúvida é ignorar o direito fundamental ao con-traditório e ao devido processo, pois somente cabe recurso (no caso o proce-dimento de dúvida) se a qualificação for negativa. Nesta senda, somente seria deferido ao terceiro a possibilidade de participar e influenciar na decisão (seja pela inscrição ou não) caso o Oficial indeferisse o pedido e, assim, fosse sus-citado o procedimento de dúvida; ou, ainda, somente na hipótese de eventual apelação da decisão111.

107 SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Noções fundamentais de direito registral e notarial. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 95.

108 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 15. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 413.

109 Ibidem.

110 Em razão da função socioambiental do registro de imóveis, é possível, pois, que se entenda como terceiro o proprietário do imóvel, pois, nestas hipóteses, quem promoverá o registro serão os órgãos ambientais competentes.

111 Esta é a observação de João Pedro Lamana Paiva: “Por expressa previsão legal, contida no art. 202 da Lei dos Registros Públicos, o terceiro prejudicado com a sentença pode interpor recurso de apelação. Desta forma, parece que somente nesta ocasião um terceiro poderia vir a integrar o procedimento de dúvida, isto é, após o seu julgamento por sentença” (Procedimento de dúvida no registro de imóveis. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 33).

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Na hipótese de o Oficial proceder com o registro, sem observância do contraditório, a única alternativa ao prejudica seria buscar o seu cancelamen-to ou retificação por meio de processo próprio, nos termos do art. 212 da Lei nº 6.015/1973.

Enfim, para que o processo registral seja pautado pela colaboração, é necessário, sobretudo, que haja uma mudança de mentalidade das pessoas que dele participam, com o combate ao formalismo excessivo e a necessidade de permanente diálogo entre todos os envolvidos112.

CONCLUSÃOO presente trabalho procurou realizar um estudo acerca da necessidade

de ser observado o direito fundamental ao contraditório no registro de imóveis.

Com efeito, é possível afirmar que a qualificação é a principal atividade desempenhada pelo registrador de imóveis brasileiro. É a partir dela que o Ofi-cial decide se determinado ato terá acesso ou não ao fólio real.

Além disso, é imprescindível que, para se alcançar a segurança jurídica, todos os títulos apresentados devem passar pelo crivo do registrador, bem como deve ser outorgada a maior independência jurídica possível. O registrador não pode se eximir de qualificar determinado título em razão de sua origem, nem tampouco pode ser constrangido a outorgar tutela registral a determinada situa-ção jurídica que está em desacordo com os princípios norteadores da atividade em função de uma ameaça ou efetiva ordem de prisão por desobediência.

O registrador, nessas hipóteses, estará prestando um desserviço à popu-lação como um todo.

Ademais, conclui-se que o registrador também é sujeito do direito funda-mental ao contraditório, bem como de que o processo registral deve ser pautado pela colaboração dos que dele participam.

Ressalta-se que às partes, além de lhes serem outorgadas a possibilidade de participação formal, deve lhes ser oportunizada a possibilidade de influência na decisão do registrador. Assim sendo, deve haver uma mudança de mentali-dade por parte de todos que participação do processo, devendo haver no pro-cesso registral um “diálogo”, e não tão somente um “monólogo”.

Sendo a principal finalidade da publicidade registral dar segurança ao tráfego jurídico imobiliário, é de suma importância a confiança de todos no que consta inscrito. Por essa razão, é no mínimo lógico que se permitam a todos que venham a sofrer os efeitos da decisão em sua esfera jurídica que participem da decisão registral. Com isso, diminui-se consideravelmente a possibilidade de a

112 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 79.

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inscrição vir a ser retificada ou cancelada em virtude de algum defeito jurídico que poderia ter sido observado antes de sua realização.

Igualmente, é preciso lembrar que a proteção outorgada por determinado sistema registral é intimamente relacionada com a qualificação registral.

Por essa razão, ao se compreender que a decisão de inscrever ou não determinado título, com a participação efetiva dos interessados e, desta forma, fruto de um legítimo processo registral, conclui-se que, com a observação do direito fundamental ao contraditório, caminha-se em direção à fé pública re-gistral característica inerente aos melhores e mais seguros sistemas registrais da atualidade.

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Clipping Jurídico

Dona de imóvel demora sete anos para conseguir título

Após sete anos e uma série de contratempos judiciais, a dona de um apartamento na capital paulista conseguiu somente agora o direito de ter reconhecido o título da pro-priedade. A Justiça de São Paulo cancelou o decreto que mantinha o imóvel indisponível depois que a empresa responsável pela construção faliu sem ter passado a escritura para o nome da proprietária. A compra ocorreu em 2004, mas sem o título ela ficava impedida de locar o apartamento, vendê-lo ou ainda usá-lo como garantia. A demora ocorreu porque, além de conseguir decisão favorável na 7ª Vara Cível da capital, onde ajuizou ação para cobrar o direito de ter o bem transferido em seu nome, tramita na 15ª Vara Cível outro processo no qual a massa falida penhorou todos os imóveis que não apresentavam escritura, como garantia aos credores. Outro motivo para a demora: durante o pagamento das parcelas, houve mudança no banco financiador. A instituição bancária que comprou a carteira levou três anos para fornecer o termo de quitação do imóvel. A 7ª Vara aceitou o pedido da proprietária em março de 2013, e a sentença tran-sitou em julgado em setembro. Os advogados enviaram então a decisão à 15ª Vara, que reconheceu em abril deste ano a quitação do imóvel e declarou que ele deixasse de ficar indisponível. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de São Paulo)

AGU consegue execução de imóvel em nome da União e evita posse indevida por particular

A Advocacia-Geral da União (AGU) confirmou, na Justiça, posse de imóvel à União situa do no Município de Teresina, no Piauí. Os advogados defenderam que não era cabível a nulidade do ato de adjudicação do imóvel, por estar sob execução fiscal desde 1981. Com isso, foi negado o pedido de dois autores que pretendiam anular a concessão do imóvel ao Poder Público. Os autores ajuizaram ação informando que teriam adquiri- do o bem em 1978, mediante contrato de compra e venda do imóvel com o proprie- tário, mas não apresentou registro de contrato reconhecido em cartório. Alegaram que adquiriram o imóvel de boa-fé e que não foram devidamente intimados do processo de execução fiscal por parte da União. Atuando no caso, a Procuradoria da União no Piauí (PU/PI) defendeu que em 1981 o bem foi entregue à União em processo de execução fis-cal movido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, contra o suposto ex-proprie- tário, uma vez que o bem não estava registrado em nome dos autores. Os advogados da União explicaram que os atos praticados foram regulares, uma vez que a transferência de bem imóvel somente se dá com o registro do imóvel em nome dos adquirentes, o que não ocorreu no caso. Com a falta de registro no cartório, o imóvel ainda pertenceria ao outro proprietário, e não aos atuais donos, de modo que era perfeitamente viável, e juridicamente correta, a transferência do imóvel em favor da União. A 2ª Vara da Seção Judiciária do Piauí acatou os argumentos da AGU, destacando que “os fatos arguidos pela parte autora não se apresentam como impeditivos legais à adjudicação judicial do bem em questão, realizada em favor da União”. O magistrado julgou improcedente a ação, lembrando que “diante da ausência de registro do contrato de compra e venda na matrícula do imóvel, o bem continuou registrado no nome do alienante, figurando ele para todos os efeitos legais como o titular do domínio. Também, pelo mesmo motivo, emerge a impossibilidade da União e até mesmo do próprio juízo da execução fiscal de conhecimento acerca da negociação realizada pelos autores”. (Conteúdo extraído do site da Advocacia Geral da União)

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Promitente comprador não é obrigado a pagar cotas condominiais antes da imissão na posse

O promitente comprador de imóvel só passa a ser responsável pelo pagamento das cotas de condomínio após a imissão na posse do bem. É a partir daí que ele passa a exercer o domínio direto sobre o imóvel, usufruindo dos serviços prestados pelo condomínio, o que justificaria sua contribuição. Até então, pagar a taxa é obrigação do promitente vendedor. A tese foi aplicada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento de um recurso especial em ação que discutiu de quem é a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais relativas ao período que antecedeu a imissão na posse do imóvel: do atual proprietário, à época promitente comprador do bem, ou do antigo dono. A peculiaridade do caso é que o compromisso de compra e venda tinha cláusula que dispunha sobre a responsabilidade do compromissário comprador pelo pagamento das cotas, desde sua assinatura. Ainda assim, seguindo o voto da relatora, Ministra Nancy Andrighi, a Turma entendeu que a existência de eventual cláusula que atribua ao promitente comprador a responsabilidade pelo pagamento das cotas, quando não há imissão na posse do bem, obriga somente os contratantes e poderá fundamentar o exercício do direito de regresso, mas não vincula o condomínio. Segundo a relatora, o que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imó- vel, representada pela imissão na posse e pela ciência do credor acerca da transação. Não tendo havido a imissão na posse do compromissário comprador, o promitente vendedor continua a exercer, portanto, o domínio direto sobre o imóvel, usufruindo dos serviços prestados pelo condomínio, os quais justificam a sua contribuição. “Embora o registro do compromisso firmado em caráter irrevogável e irretratável na matrícula do imóvel seja apto a constituir o direito real à aquisição do bem, no entendimento desta Corte ele não implica necessariamente a obrigação de prestação condominial”, explicou a ministra. Dessa forma, a Turma negou o recurso e manteve a decisão que atribuiu ao antigo proprietário a responsabilidade pelas cotas de condomínio anteriores à imissão na posse do imóvel pelo comprador. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Mantém anulação de adjudicação de contrato de financiamento de imóvel em vir-tude da existência de preço vil

A 5ª Turma do TRF da 1ª Região manteve sentença de primeira instância que determi-nou a anulação de adjudicação de contrato de financiamento de imóvel do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) porque ficou constatada, na sua operacionalização, a existência de preço vil. A decisão foi tomada pelo relator, após a análise de recurso apre-sentado pela Caixa Econômica Federal (CEF) e pelo Banco Bonsucesso S/A. Consta dos autos que os autores da ação, na condição de mutuários do SFH, celebraram contrato de financiamento no final da década de 1990 com parcelamento em 180 meses. Na ação, os requerentes alegaram que o contrato foi objeto de execução nos termos do De-creto nº 70/1966, repleto de ilegalidades, dentre as quais: “Escolha unilateral do agente fiduciário; ausência de prova de expedição de avisos reclamando a suposta dívida; au-sência de prova de notificação pessoal para a purgação da mora; ausência de prova de notificação pessoal para os leilões; alienação por preço vil; inconstitucionalidade do Decreto nº 70/1966; e liquidez da obrigação, haja vista que foram praticados juros compostos e cobrada taxa de risco de crédito”. Na sentença, o juiz considerou que, em relação à alegada ilegalidade da execução extrajudicial do contrato, somente prospera a

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causa de pedir sobre a alienação por preço vil, razão pela qual deu provimento parcial à apelação para determinar a anulação da adjudicação. Inconformados, CEF e Banco Bon-sucesso recorreram ao TRF da 1ª Região a fim de modificar a sentença. O Banco Bon-sucesso sustenta, entre outros argumentos, que “não há que se falar em preço vil quando o imóvel é adjudicado, uma vez que a própria lei autoriza que o imóvel seja adjudicado pelo valor do saldo devedor, mesmo inferior ao valor de avaliação desde que o credor dê ao devedor a quitação total de seu débito, ou seja, das prestações vencidas e vincendas, o que ocorreu no presente caso”. Já a CEF alega que, ao contrário da fundamentação da sentença, “na execução extrajudicial a diferença entre o valor de avaliação (valor fiscal) e valor da dívida não dá ensejo a se perscrutar sobre preço vil, porquanto a hipótese é de adjudicação, que, de acordo com a Lei nº 5.471/1971, se perfaz, justamente, pelo valor da dívida”. Decisão – Os argumentos das instituições financeiras não foram aceitos pelo relator. De acordo com o magistrado, se no processo de execução extrajudicial a Lei nº 5.471/1971 pode ser aplicada subsidiariamente, o Código de Processo Civil (CPC) também pode. “O CPC, no ponto, prevê, expressamente, que a adjudicação é por preço não inferior ao da avaliação”, explicou. Ainda segundo o Juiz Evaldo Fernandes, a CEF deveria, na contestação, apontar, especificamente, a ilegalidade do valor, o que não fez. Nesse sentido, “o valor fiscal do imóvel, adotado em razões de decidir, não pode ter sido, de todo modo, exorbitante, especialmente quando a própria Caixa com ele aquiesceu quando da transferência de propriedade, conforme consta da averbação da adjudicação do imóvel”, afirmou. A decisão foi unânime. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Venda de imóvel em recuperação judicial não afasta direito de preferência do lo-catário

Decisão é da 3ª Turma do STJ, ao julgar recurso em que se discutia a possibilidade de venda direta do imóvel. O direito de preferência do locatário, previsto pela Lei nº 8.245/1991 (Lei do Inquilinato), também tem aplicação na hipótese em que a alien-ação do imóvel locado ocorre como parte do plano de recuperação judicial da empresa proprietária. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso em que se discutia a possibilidade de venda direta do imóvel, quando aprovada pelos credores no plano de recuperação judicial e homologada em juízo. A conclusão da Turma é que a venda ocorrida no âmbito do plano de recuperação da empresa locadora não caracteriza a venda judicial a que se refere o art. 32 da Lei do Inquilinato. Por isso, deve ser respeitado o direito de preferência do locatário, previsto no art. 27. O art. 27 da lei garante o direito de preferência do locatário na aquisição do imóvel, mas o art. 32 dispõe que essa preferência não alcança a venda por decisão judicial. A Turma enten-deu, no caso julgado, que permanece o direito de preferência e que a contagem do prazo decadencial para seu exercício deve ter início com a ciência inequívoca de todas as condições definitivas do negócio. Em seu recurso para o STJ, a locatária alegou que não se tratou de venda por decisão judicial, pois o negócio entabulado diretamente entre a Veplan e os compradores decorreu da vontade exclusiva das partes, enquanto na venda judicial não há manifestação de vontade do proprietário. Além disso, afirmou que, na venda judicial, o procedimento de alienação é público, o que lhe possibilitaria participar do leilão. A locatária afirmou que a perda do seu direito de preferência afronta o art. 47 da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência), tendo em vista que teria oferecido proposta mais vantajosa. O relator explicou que as contas bancárias coletivas podem ser indivisíveis ou solidárias. As do primeiro tipo só podem ser movimentadas por

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todos os seus titulares simultaneamente, sendo exigida a assinatura de todos, ressalvada a atribuição por mandato a um ou mais para fazê-lo. Já a solidária permite que os cor-rentistas movimentem isoladamente a totalidade dos fundos disponíveis. No julgamento da 4ª Turma, o caso era de uma conta conjunta solidária entre mãe e filho. O Ministro Salomão destacou que nessa espécie de conta conjunta prevalece o princípio da soli-dariedade ativa e passiva, mas apenas em relação ao banco – em virtude do contrato de abertura de conta-corrente –, de modo que o ato praticado por um dos titulares não afeta os demais nas relações jurídicas e obrigacionais com terceiros. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Projeto isenta de ITR donos de terra que preservam 60% da vegetaçãoA Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei nº 5.947/2013, do Deputado Antônio Roberto (PV-MG), que concede isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) ao proprietário de imóvel rural que preservar 60% de sua cobertura vegetal original. Segundo Antônio Roberto, a isenção do ITR é uma compensação financeira importante para incentivar os proprietários rurais a conservarem cobertura vegetal nativa acima dos limites legais. Atualmente, a reserva legal só é maior do que esse percentual nas áreas de floresta da Amazônia. Nesse caso, os proprietários são obrigados a preservar 80% da mata. Nas áreas de cerrado da Amazônia, a reserva legal é de 35% das propriedades. Nas demais regiões do País, independentemente do tipo de vegetação, a área de reserva é de 20%. A Lei nº 9.393/1996 já isenta do imposto os imóveis rurais que fazem parte de programa oficial de reforma agrária, caracterizados como assentamento, e que sejam explorados por associação ou cooperativa. Também estão isentas do ITR as terras de agricultores familiares. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Execução hipotecária de dívida de financiamento imobiliário prescreve em cinco anosA dívida decorrente de financiamento imobiliário pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) prescreve em cinco anos. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afastou a pretensão do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (Ipergs) de cobrar o valor passados 11 anos do vencimento. O Ministro Sidnei Beneti esclareceu que a hipótese é de cobrança de dívida líquida constante de instru-mento particular, na linha da previsão do inciso I do § 5º do art. 206 do Código Civil. O relator reforçou que o contrato de financiamento não representa dívida ilíquida, já que, conforme jurisprudência do STJ, pode ser executado mesmo diante de ação revisional pelo mutuário. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Possibilidade de regularização condiciona indenização de obra em lote cuja compra foi desfeitaNão se pode afirmar categoricamente que a falta de licença para construção não possa impedir a indenização por benfeitorias realizadas em lote cuja compra foi desfeita. O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O TJPR havia deter-minado que o proprietário indenizasse o ex-comprador pelas benfeitorias, realizadas sem alvará da prefeitura. Haveria presunção de boa-fé na construção da casa para mo-radia própria em terreno que se adquiria. O TJPR também rejeitou o pedido de que o ex-comprador ao menos arcasse com as despesas para a regularização ou, se esta fosse impossível, com a demolição da obra. Para o Ministro Luis Felipe Salomão, o TJPR errou. O entendimento imporia um ônus excessivo ao proprietário, que, além de arcar com as despesas e indenizar o ex-comprador pela obra, não poderia usá-la, caso tivesse que

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demoli-la. “Não parece justo manter a condenação à indenização por benfeitorias sem que sejam apuradas as multas pela construção realizada sem o alvará da prefeitura e a eventual necessidade de demolição da obra”, ponderou o relator. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Casa construída em área pública e sem alvará será demolidaA 1ª Turma Cível do TJDFT, manteve a sentença da 1ª instância, que julgou impro-cedente pedido de morador, que requereu que a Agência de Fiscalização do Distrito Federal – Agefis se abstivesse de demolir sua casa, construída em área pública e sem alvará de construção. O morador, que reside em imóvel localizado no Itapoã, disse que recebeu “ameaça de demolição” de seu barraco pela Administração e por isso ajuizou ação, na qual requereu a nulidade do ato administrativo, e que a Agefis se abstivesse de derrubar a construção. A Agefis alegou não haver vício no ato administrativo, uma vez que atende aos dispositivos do Código de Edificações do Distrito Federal. Por fim, o juiz julgou improcedentes os pedidos do morador, mantendo assim o ato da Admi- nistração, o morador recorreu da decisão à 2ª instância do TJDFT. O recurso foi também julgado improcedente pela 1ª Turma Cível. De acordo com o voto do desembargador relator “vale considerar que a situação urbanística do Distrito Federal apresenta-se acen-tuadamente desgastada, forte na prática das construções clandestinas, que se proliferam com intensidade e velocidade, desfigurando valores que a todos pertencem quando respeitados os traçados e construções urbanas. Também não se pode admitir que cada cidadão construa obras ou benfeitorias de acordo com sua própria conveniência, de forma a atender seus próprios interesses, ignorando as normas de edificação pertinentes ou olvidando-se de consultar seus respectivos administradores regionais. Portanto, não está demonstrado nos autos que houve abuso de poder”. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios)

Fazenda é obrigada a dar certidão positiva de débitos após penhoraQuando a penhora já foi efetivada, a garantia que está em juízo suspende a cobrança do crédito tributário e permite que o antigo devedor receba certidão positiva de débitos. Com esse entendimento, a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou que a Fazenda Nacional conceda o documento a uma instituição de ensino que teve um bem penhorado para sanar a dívida com a União. A instituição havia solicitado a certidão de regularidade fiscal em 2010, cinco anos depois de ter tido bens penhorados no valor de R$ 30 mil, mas teve o pedido negado pela Procuradoria da Fazenda, sob o fundamento de que a penhora não era suficiente para suspender a exigibilidade do crédito tributário insuficiência da penhora. O juízo da 22ª Vara do Distrito Federal determinou então que o papel fosse expedido, mas a Fazenda alegou ao TRF-1 que tinha direito de negar a solicitação. O relator do caso no tribunal regional, Juiz Federal Ronaldo Castro Destêrro e Silva, confirmou a legitimidade da sentença. “Estando o crédito tributário com a exigibi-lidade suspensa em razão da garantia do juízo, mediante penhora comprovada nos autos, afigura-se ilegal a negativa da autoridade impetrada em expedir a certidão pleiteada, em face da previsão contida no art. 206 do Código Tributário Nacional”, afirmou. O magis-trado ainda ressaltou que o pedido da Fazenda Nacional não é válido porque não houve insuficiência de bens penhorados. Dessa forma, não se justifica dificultar a expedição do documento. O entendimento dele foi seguido por unanimidade pelos integrantes da 7ª Turma. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Fechamento da Edição: 03�06�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• A Expressão “Mais ou Menos” no Registro Imobiliário João Pedro Lamana Paiva Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• Bem de Família no Novo Código Civil e o Registro de Imóveis Ademar Fioranelli Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• Condomínio Edilício Redução da Multa de 20% para 2% Fernando Henrique Guedes Zimmermann Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• O Condomínio Edilício no Código Civil de 2002 Carlos Alberto Bittar Filho Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• A Estatização dos Serviços de Registros de Imóveis Marcos Sousa e Silva Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

Direito De Preferência

• O Direito de Preferência na Alienação de Qui-nhão em Imóvel Integrante de Condomínio Necessário (Robson de Oliveira) ............................9

• Direito de Preferência na Lei nº 8.245/1991(Luana Cristina Coutinho Orosco Placa) ..............13

• O Direito de Preferência e Suas Peculiaridades (Marijane Fernanda Cassarotte) ............................22

• O Estatuto da Terra Não Garante o Direito de Preferência na Compra do Imóvel Objeto daParceria Agrícola (Cleiton Soares de Souza) .........53

Autor

cleiton soares De souza

• O Estatuto da Terra Não Garante o Direito de Preferência na Compra do Imóvel Objeto da Parceria Agrícola .................................................53

luana cristina coutinho orosco Plaça

• Direito de Preferência na Lei nº 8.245/1991 ........13

mariJane fernanDa cassarotte

• O Direito de Preferência e Suas Peculiaridades ...22

robson De oliveira

• O Direito de Preferência na Alienação de Qui-nhão em Imóvel Integrante de Condomínio Necessário .............................................................9

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

Direito De Preferência

• Direito de Preferência nos Contratos de Loca-ção (Raul Monegaglia) .........................................56

Autor

raul monegaglia

• Direito de Preferência nos Contratos de Locação...56

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

Direito De Preferência

• Civil e processual civil – Arrendamento rural – Venda e compra do imóvel por terceiros – Falta de notificação ao arrendatário – Direito de pre-ferência – Lei nº 4.504/1964, art. 92, § 4º – Di-

vergência entre o valor constante em contrato particular de compra e venda e na escritura pú-blica registrada em cartório de imóveis – Presun-ção de veracidade desta – Preservação da legíti-ma expectativa – Boa-fé objetiva (STJ) .......1500, 57

EMENTÁRIO

Assunto

Direito De Preferência

• Arrematação – direito de preferência – prazo ..................................................................1501, 70

• Direito agrário – direito de preferência – aquisi-ção do imóvel – exclusividade do arrendatário – requisitos ...................................................1502, 70

• Direito de preferência – alienação de imóveis – ilegalidade – inexistência ...........................1503, 71

• Direito de preferência – alienação judicial debem penhorado – inexistência ...................1504, 71

• Direito de preferência – imóvel funcional – aqui-sição ..........................................................1505, 71

• Locação – ação indenizatória – bem alienado a terceiro – direito de preferência – desrespeito ..................................................................1506, 71

• Locação – alienação do imóvel – direito de pre-ferência – não observação – ação anulatória – admissibilidade ..........................................1507, 71

• Locação – compra e venda – direito de preferên-cia – ação anulatória – indenização por perdase danos – averbação – desnecessidade ....... 1508, 72

• Locação – direito de preferência ................1509, 73

• Locação – direito de preferência – preterição do locatário – inexistência ..............................1510, 73

• Penhora – locação – opção de preferência –compra não realizada – posse precária ......1511, 74

• SFH – imóvel arrematado – nulidade contra-tual – direito de preferência – inexistência .. 1512, 74

Índice GeralDOUTRINA

Assunto

hiPoteca

• Ação Judicial para Liberação de Hipoteca e Obtenção de Escritura Definitiva (JaquesBushatsky) ...........................................................88

locação

• A Renovação do Contrato de Locação com Prazo Certo, sem a Anuência do Garantidor – Irresponsabilidade do Fiador (José de Anchietada Mota e Silva) ...................................................80

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246 ������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 21 – Maio-Jun/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

conDomínio

• O Condomínio de Fato (Leandro Soares Lomeu) ..........................................................................104

registro imobiliário

• O Princípio da Segurança Jurídica e o Sistema Registral Imobiliário (Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza) .............................................................94

itbi

• Valor Venal de Referência para Fins de Reco-lhimento de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis na Cidade de São Paulo (Marcelo Manhães de Almeida) ..........................................75

Autor

conDomínio

• O Condomínio de Fato (Leandro Soares Lomeu) ..........................................................................104

hiPoteca

• Ação Judicial para Liberação de Hipoteca e Obtenção de Escritura Definitiva (JaquesBushatsky) ...........................................................88

itbi

• Valor Venal de Referência para Fins de Reco-lhimento de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis na Cidade de São Paulo (Marcelo Manhães de Almeida) ..........................................75

locação

• A Renovação do Contrato de Locação com Prazo Certo, sem a Anuência do Garantidor – Irresponsabilidade do Fiador (José de Anchietada Mota e Silva) ...................................................80

registro imobiliário

• O Princípio da Segurança Jurídica e o Sistema Registral Imobiliário (Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza) .............................................................94

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

registro imobiliário

• Do Contraditório no Registro de Imóveis (Marcelo Krug Fachin Torres) ............................................215

Autor

marcelo Krug fachin torres

• Do Contraditório no Registro de Imóveis ...........215

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

ação rescisória

• Recurso especial – Ação cautelar inominada – Efeito suspensivo – Ação rescisória – Excepcio-

nalidade – Fumus boni iuris e periculum in mora– Configuração – Procedência (STJ) .........1514, 134

comPromisso De comPra e venDa

• Direito civil – Recurso especial – Compromisso de venda e compra – Responsabilidade – Cotas condominiais – Registro na matrícula do imóvel – Imissão na posse – Ciência inequívoca – Arti-gos analisados: arts. 267, V e VI; 472 do CPC; arts. 1.225, VII; 1.345; 1.417 do Código Civil(STJ) .........................................................1513, 123

DesPeJo

• Apelação cível – Processual civil – Ação de despejo – Imóvel não residencial – Reconven-ção – Cessão do imóvel sem autorização do locador – Descumprimento de cláusula con-tratual e de previsão legal – Ausência de da-nos morais ou materiais – Exercício regular do direito (TJDFT) .........................................1516, 146

locação

• Apelação cível – Locações e processual civil – Ação despejo – Prazo indeterminado travestida de locação por temporada – Improcedênciana origem (TJSC) ......................................1520, 172

• Locação de imóvel – Execução (TJSP) ......1521, 180

loteamento

• Administrativo – Responsabilidade civil – Ação de indenização por danos materiais e morais – Responsabilidade objetiva – Loteamento em área de preservação ambiental permanente, de várzeas e nascentes – Embargo administrativo dos lotes – Restrição ao exercício dos pode-res inerentes à propriedade – Danos materiais – Desvalorização do imóvel – Danos morais demonstrados – Indenização devida, solidaria-mente, pelo município de londrina e pela lotea-dora – Art. 37, § 6º, CF e art. 18, CDC – Juros de mora e correção monetária – Aplicação da Lei nº 11.960/2009 – Declaração parcial de incons-titucionalidade do art. 1º-F, Lei nº 9.494/1997 – ADIn 4.357/DF– Alteração de entendimentodo STJ (TJPR) ............................................1518, 157

Parcelamento Do solo

• Recurso em sentido estrito – Parcelamento irre-gular do solo urbano – Prescrição (TJRS) ..1519, 169

Posse

• Ação de reintegração de posse – Servidão de passagem – Construção de muro – Obstrução constatada pela prova pericial e pelos depoi-mentos testemunhais – Preenchimento dos re-quisitos do art. 927, do CPC – Sentença con-firmada (TJMG) ........................................1517, 152

sfh

• Administrativo – Sistema Financeiro de Ha-bitação – Consolidação da propriedade – Lei nº 9.514/1997 – Notificação para purgar a mora– Edital – Nulidade (TRF 2ª R.) .................1515, 142

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RDI Nº 21 – Maio-Jun/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �������������������������������������������������������������������������������������������������������247 EMENTÁRIO

ação anulatória

• Ação anulatória – escritura pública de cessão e transferência de direitos possessórios – direito pessoal ....................................................1522, 184

ação De Prestação De contas

• Ação de prestação de contas – contrato de cor-retagem ...................................................1523, 184

ação Declaratória

• Ação declaratória de nulidade ou inexistên-cia de cláusulas contratuais – condomínio das emissoras e diários associados – natureza jurí-dica do contrato ......................................1524, 184

ação Pauliana

• Ação pauliana – bens imóveis – fraude contracredores – ausência dos requisitos ...........1525, 185

• Ação pauliana – fraude contra credores – doaçãode imóvel dos pais para os filhos .............1526, 185

• Ação pauliana – prazo decadencial – marco in-terruptivo .................................................1527, 185

ação rescisória

• Ação rescisória – impenhorabilidade de bem defamília – prequestionamento – ausência ... 1528, 185

aDJuDicação comPulsória

• Adjudicação compulsória – instrumento par-ticular de cessão de direitos – falecimento docedente – herdeiros .................................1529, 186

arras

• Arras – ação de restituição – devolução em do-bro – possibilidade ..................................1530, 186

• Arras – ação de restituição de importâncias pagas – desfazimento do contrato por culpa de quem deu o “sinal” – retenção do valor adiantado– possibilidade .........................................1531, 186

arrenDamento rural

• Arrendamento rural – venda e compra do imó-vel por terceiros – falta de notificação ao arren-datário – direito de preferência ................1532, 186

bem De família

• Bem de família – exceção à impenhorabili-dade – art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/1990 – imóvel oferecido como garantia hipotecária ................................................................1533, 187

• Bem de família – locação de imóvel não resi-dencial – fiadores – penhorabilidade .......1534, 188

comissão De corretagem

• Comissão de corretagem – empreendimento imobiliário – prazo de entrega descumprido – re-solução contratual – culpa da construtora – devo-lução das parcelas ...................................1535, 190

comPromisso De comPra e venDa

• Compromisso de compra e venda – imóvel em construção – relação de consumo caracteri-zada ........................................................1536, 190

• Compromisso de compra e venda – responsabi-lidade – cotas condominiais – registro na matrí-cula do imóvel – imissão na posse ...........1537, 190

conDomínio

• Condomínio – direito real de habitação – ino-ponibilidade a terceiros – coproprietários doimóvel .....................................................1538, 191

contrato

• Contrato de assentamento – reforma agrária – alegação de descumprimento – falta de morada e cultura no lote ......................................1539, 192

• Contrato de mútuo imobiliário – quitação do sal-do devedor residual – avença não coberta pela cláusula do FCVS – responsabilidade da mu-tuária .......................................................1540, 192

• Contrato verbal – corretagem – negócio concluí-do – comissão devida ..............................1541, 192

corretagem

• Corretagem – pagamento pelo promitente com-prador – prescrição ..................................1542, 193

DesaProPriação

• Desapropriação – utilidade pública – laudo pe-ricial ........................................................1543, 193

• Desapropriação agrária – imóvel enfitêutico – concordância da parte expropriada com os pe-didos da contestação ..............................1544, 194

• Desapropriação indireta – prescrição – inde-nização ....................................................1545, 195

DesPeJo

• Despejo – denúncia vazia – propriedade – trans-missão – registro no cartório de títulos e do-cumentos ................................................1546, 195

Direito De suPerfície

• Direito de superfície – ação de inventário e par-tilha – transmissibilidade ........................1547, 196

Direito real De habitação

• Direito real de habitação – união homoafetiva – reconhecimento – sucessão .....................1548, 197

enfiteuse

• Enfiteuse não constituída – inexistência de re-gistro – usucapião extraordinário – possibilidade ................................................................1549, 197

evicção

• Evicção – prescrição – procuração em causa própria (in rem suam) – legitimidade passiva – requisitos – aquisição de imóvel – transcrição ................................................................1550, 198

Page 248: ISSN 2236-1553 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 21_miolo.pdf · Militante na Área de Direito Imobiliário do Escritório Demarest Advogados. Primeiramente, cumpre definir o instituto

248 ������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 21 – Maio-Jun/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

hiPoteca

• Hipoteca – Programa de Arrendamento Residen-cial – PAR – legitimidade passiva da instituição arrendante – sinistro – cobertura securitária – baixa – multa cominatória .......................1551, 198

• Hipoteca – sucessão – insolvência – capacidadeprocessual – perda ...................................1552, 199

locação

• Locação – ação revisional de aluguel – socieda-de empresária ..........................................1553, 199

• Locação – sociedade limitada – afastamento da responsabilidade da ex-sócia ...................1554, 200

• Locação comercial – ação renovatória – imóvelde empresa pública .................................1555, 200

Penhora

• Penhora de bem indivisível – imóvel de proprie-dade de vários irmãos – possibilidade – frações ideais .......................................................1556, 203

Posse

• Posse – ação de manutenção – prescrição aqui-sitiva – inocorrência – usucapião – ausência dosrequisitos .................................................1557, 203

• Posse – ação de reintegração – constituição de direito – reconhecimento .........................1558, 204

• Posse – ação de reintegração – esbulho de imó-vel desapropriado ...................................1559, 205

• Posse – imissão – execução de título extrajudicial – arrematação de bem imóvel – improcedência dos embargos ..........................................1560, 205

Promessa De comPra e venDa

• Promessa de compra e venda – comissão decorretagem – cláusula contratual abusiva .. 1561, 206

• Promessa de compra e venda – direito real quan-do registrado – arrolamento de direitos – inven-tário .........................................................1562, 206

• Promessa de compra e venda – rescisão contratual – devolução dos valores pagos – comissão de corretagem – restituição devida ...............1563, 206

ProPrieDaDe

• Propriedade – registro da transferência – ITBI – fato gerador .............................................1564, 207

• Propriedade rural familiar – garantia hipotecá-ria – impenhorabilidade ...........................1565, 207

rescisão contratual

• Rescisão contratual – arras – sentença de impro-cedência da ação principal e da reconvenção ................................................................1566, 207

registro imobiliário

• Registro imobiliário – anulatória – usucapião – bem possivelmente da União – impossibilidade ................................................................1567, 207

• Registro imobiliário – carta de arrematação – imóvel locado – direito à percepção dos aluguéis– consignação em pagamento .................1568, 208

sfh

• SFH – ação de imissão na posse – execução extrajudicial .............................................1569, 208

• SFH – ação de ressarcimento – seguro habita-cional ......................................................1570, 208

• SFH – cobertura do FCVS ao segundo imóvel da mesma localidade – financiamentos anterio-res à Lei nº 8.100/1990 ............................1571, 209

• SFH – saldo residual – ausência de cobertu-ra pelo FCVS – responsabilidade do mutuário ................................................................1572, 209

usucaPião

• Usucapião – exceção – ação de imissão de posse– possibilidade .........................................1573, 209

• Usucapião – financiamento com recursos do SFH – mutuário inadimplente – natureza pre-cária da posse – adjudicação ..................1574, 209

• Usucapião – lapso de tempo suficiente para a aquisição – inexistência ...........................1575, 210

• Usucapião especial urbana – bem público – im-possibilidade ...........................................1576, 210

• Usucapião extraordinária – reconhecimento da usucapião especial urbana – sentença extrapetita – nulidade configurada ..................1577, 211

CLIPPING JURÍDICO

• Dona de imóvel demora sete anos para conseguirtítulo ..................................................................239

• AGU consegue execução de imóvel em nome da União e evita posse indevida por particular ..........................................................................239

• Promitente comprador não é obrigado a pagar cotas condominiais antes da imissão na posse ..........................................................................240

• Mantém anulação de adjudicação de contra-to de financiamento de imóvel em virtude da existência de preço vil .......................................240

• Venda de imóvel em recuperação judicial nãoafasta direito de preferência do locatário ...........241

• Projeto isenta de ITR donos de terra que preser-vam 60% da vegetação ......................................242

• Execução hipotecária de dívida de financia-mento imobiliário prescreve em cinco anos.......242

• Possibilidade de regularização condiciona in-denização de obra em lote cuja compra foidesfeita ..............................................................242

• Casa construída em área pública e sem alvará será demolida ....................................................243

• Fazenda é obrigada a dar certidão positiva dedébitos após penhora .........................................243