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Revista SÍNTESE Direito Imobiliário ANO IV – Nº 22 – JUL-AGO 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Saletti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho COLABORADORES DESTA EDIÇÃO André Luiz Junqueira, Herbert Morgenstern Kugler, Ivo Waisberg, Leonardo Mattietto, Marcelo Manhães de Almeida, Marcio Felipe Lacombe da Cunha, Márcio Rachkorsky, Paulo Ricardo Silva de Moraes ISSN 2236-1553

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Revista SÍNTESEDireito Imobiliário

Ano IV – nº 22 – Jul-Ago 2014

ReposItóRIo AutoRIzAdo

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIRetoR executIVo

Elton José Donato

geRente edItoRIAl e de consultoRIA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Simone Costa Saletti Oliveira

conselho edItoRIAl

Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho

colAboRAdoRes destA edIção

André Luiz Junqueira, Herbert Morgenstern Kugler, Ivo Waisberg, Leonardo Mattietto, Marcelo Manhães de Almeida, Marcio Felipe Lacombe da Cunha, Márcio Rachkorsky,

Paulo Ricardo Silva de Moraes

ISSN 2236-1553

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Imobiliário.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço: [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Imobiliário. – Vol. 1, n. 1 (jan./fev. 2011)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v.; 23 cm.

Bimestral. v. 4, n. 22, jul./ago. 2014

ISSN 2236-1553

1. Direito imobiliário.

CDU 347.453 CDD 342.1242

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, publicamos como Assunto Especial o tema ”Boa-Fé – Negociações Imobiliárias”. Sobre o tema escolhido, selecionamos 2 relevantes artigos dos ilustres juristas: Leonardo Mattietto e Paulo Ricardo Silva de Moraes.

A boa-fé é um importante princípio jurídico, que serve também como fundamento para a manutenção do ato viciado por alguma irregularidade. Ela é um elemento externo ao ato, na medida em que se encontra no pensa-mento do agente, na intenção com a qual ele fez ou deixou de fazer alguma coisa. Na prática, é impossível definir o pensamento, mas é possível aferir a boa ou má-fé, pelas circunstâncias do caso concreto.

O Professor Miguel Reale, assim define a boa-fé:

Como se vê, a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências.

Daí a necessidade de ser ela analisada como conditio sine qua non da reali-zação da justiça ao longo da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa, consuetudinária, jurisdicional e negocial.

Em primeiro lugar, importa registrar que a boa-fé apresenta dupla faceta, a objetiva e a subjetiva. Esta última – vigorante, v.g., em matéria de direitos reais e casamento putativo – corresponde, fundamentalmente, a uma atitude psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento individual da parte de obrar em conformidade com o direito. Já a boa-fé objetiva apresenta-se como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal. Tal conduta impõe diretrizes ao agir no tráfico nego-cial, devendo-se ter em conta, como lembra Judith Martins Costa, “a consi-deração para com os interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado”. Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de “honestidade pública”.

Na Parte Geral selecionamos um vasto conteúdo, para mantermos a qualidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do direito, tais como: Ivo Waisberg, Herbert Morgenstern Kugler, Marcio Felipe Lacombe da Cunha, André Luiz Junqueira e Márcio Rachkorsky.

Ainda, na Seção “Em Poucas Palavras”, artigo de autoria de Marcelo Manhães de Almeida intitulado “Relação entre Financiamento Imobiliário Obtido pela Incorporadora, a Hipoteca do Imóvel e o Seu Adquirente”.

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Não deixe de ver nossa seção “Bibliografia Complementar”, que traz sugestões de leitura complementar aos assuntos abordados na respectiva edição da Revista.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto EspecialBoa-Fé – Negociações imoBiliárias

DoutriNas

1. O Programa da Boa-Fé Objetiva e Sua Repercussão nos Contratos ImobiliáriosLeonardo Mattietto ....................................................................................9

2. O Princípio da Boa-Fé e os Negócios Jurídicos ImobiliáriosPaulo Ricardo Silva de Moraes ................................................................19

JurispruDêNcia

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ..........................................................................47

2. Ementário ................................................................................................55

Parte GeralDoutriNas

1. As Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomu - nicabilidade e o Compromisso de Compra e Venda de Bem ImóvelIvo Waisberg e Herbert Morgenstern Kugler ............................................61

2. A Progressividade do IPTU Pós-Constituição de 1988: Uma Breve Resenha da Doutrina e da Jurisprudência do Supremo Tribunal FederalMarcio Felipe Lacombe da Cunha ...........................................................76

3. A Boa-Fé Objetiva nas Relações CondominiaisAndré Luiz Junqueira...............................................................................91

4. Loteamentos Fechados, Condomínios de Fato e a Obrigatoriedade do Pagamento de Taxa MensalMárcio Rachkorsky..................................................................................97

JurispruDêNcia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................100

2. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................114

3. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .................................................124

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4. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios .........................132

5. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás ..................................................139

6. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ......................................145

7. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ................................................152

8. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro .....................................156

9. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ..............................159

10. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ....................................164

11. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ...........................................171

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência ..................................................................176

Seção Especial

em poucas palavras

1. Relação entre Financiamento Imobiliário Obtido pela Incorporadora, a Hipoteca do Imóvel e o Seu AdquirenteMarcelo Manhães de Almeida ...............................................................215

Clipping Jurídico ..............................................................................................217

Bibliografia Complementar .................................................................................223

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................224

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebi-do e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. No caso de publicação dos artigos enviados, não serão devidos direitos autorais, remuneração ou qualquer espécie de contraprestação a seus autores, sendo apenas enviado um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, ficando, ainda, a critério do Editor a seleção e aprovação para publicação, a qual será comu-nicada ao autor.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.

6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurídicos da Síntese.

7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.

8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pes-quisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-

bico”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Boa-Fé – Negociações Imobiliárias

O Programa da Boa-Fé Objetiva e Sua Repercussão nos Contratos Imobiliários

LEONARDO MATTIETTOProfessor de Direito Civil na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e na Universida-de Candido Mendes, Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Procurador do Estado do Rio de Janeiro.

RESUMO: O objetivo do presente artigo é discutir o papel crescente da boa-fé objetiva no sistema jurídico contemporâneo, em cotejo com a clássica posição ocupada pela autonomia privada, enfocando a incidên-cia do emergente princípio sobre os contratos imobiliários, ilustrado por exemplos colhidos da jurisprudên-cia do Superior Tribunal de Justiça.

PALAVRAS-CHAVE: Boa-fé objetiva; autonomia privada; contratos imobiliários.

SUMÁRIO: 1 Os princípios em contraste; 2 A boa-fé e a remodelação da autonomia privada; 3 Boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva; 4 As funções da boa-fé objetiva; Conclusão; Referências.

1 OS PRINCÍPIOS EM CONTRASTE

Os princípios tradicionais do direito contratual – autonomia privada, relatividade do contrato e obrigatoriedade do contrato – convivem, no Di-reito brasileiro vigente, com princípios emergentes, que apontam para uma ordem jurídica renovada.

Para demonstrar o contraste entre os antigos e os novos princípios, propõe-se o seguinte quadro:

PrincíPio tradicional PrincíPio EmErgEntE

Autonomia privada Boa-fé objetiva

Relatividade do contrato Função social do contrato

Obrigatoriedade do contrato Equilíbrio contratual

O princípio da autonomia privada, ocupante de uma posição central no Direito Civil clássico, cede espaço para a boa-fé objetiva1. É conhecido

1 “A autonomia privada, na medida em que permite, aos particulares, o desencadear de efeitos jurídicos, requer que tais efeitos, uma vez produzidos, sejam respeitados. Doutra forma e sem necessidade de consi­

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o esquema que reparte em três as funções da boa-fé: interpretativa, corretiva e integrativa (Código Civil de 2002, arts. 113, 187 e 422, respectivamente). Atua a boa-fé objetiva, pois, como cânone hermenêutico, como fator de controle da abusividade contratual e como fonte de deveres para os contra-tantes.

A relatividade dos efeitos do contrato é mitigada pelo princípio da função social. Tome-se em conta que a noção de função social tem matriz constitucional, alicerçada tanto na previsão, como fundamento da Repúbli-ca, dos valores sociais da livre iniciativa (Constituição de 1988, art. 1º, IV), quanto em razão da admissão da função social da propriedade como direito fundamental (art. 5º, XXIII).

Por sua vez, o princípio da obrigatoriedade é atenuado em prol do equilíbrio econômico do contrato, mediante a aplicação de institutos como a lesão e a excessiva onerosidade superveniente (Código Civil, arts. 157 e 478). Não há mais obrigatoriedade em termos absolutos, desde que é admi-tida, sem maior dilema, a revisão do contrato. Impõe-se, portanto, a releitu-ra do vetusto pacta sunt servanda, tendente à sua relativização.

O presente estudo é dedicado ao princípio da boa-fé, com enfoque em sua aplicação aos contratos imobiliários2.

2 A BOA-FÉ E A REMODELAÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA

Nas grandes codificações do século XIX, o contrato era a própria ex-pressão da autonomia privada, reconhecendo-se às partes a liberdade de es-tipularem o que lhes conviesse, servindo, portanto, como instrumento eficaz da expansão capitalista. O direito contratual forneceu “os meios simples e seguros de dar eficácia jurídica a todas as combinações de interesse”3.

derações extranormativas, nem se poderia falar na produção de efeitos verdadeiramente jurídicos. A boa­fé, por seu turno, prescreve um teor de colaboração intersubjetiva no qual não cabe, de forma alguma, que uma pessoa recolha, à custa de pesado sacrifício alheio, enormes benefícios, por força de ocorrências meramente exteriores.” (CORDEIRO, Antonio Menezes. Direito das obrigações. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, v. 2, 1986. p. 142)

2 Para a análise dos demais princípios referidos, seja consentido remeter a trabalhos anteriores do autor: MATTIETTO, Leonardo. Função social e relatividade do contrato: um contraste entre princípios. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 342, p. 29­40, abr. 2006; MATTIETTO, Leonardo. Ensaio sobre o princípio do equilíbrio contratual. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 48, p. 128­135, jul./ago. 2007.

3 Nas palavras de San Tiago Dantas: “Não há exagero em dizer que o direito contratual foi um dos instrumentos mais eficazes da expansão capitalista em sua primeira etapa [...]” e “[...] se é certo que deixou de proteger os socialmente fracos, criou oportunidades amplas para os socialmente fortes, que emergiam de todas as camadas sociais, aceitando riscos e fundando novas riquezas” (DANTAS, Francisco Clementino de San Tiago. Evolução contemporânea do direito contratual. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 139, p. 5, jan./fev. 1952).

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Advogava-se a igualdade das partes, que, porém, tratada de um ponto de vista formal, não foi assegurada pela liberdade, pois logo os mais fortes se tornaram opressores4.

Durante o século XX, a diminuição da intensidade da autonomia pri-vada5, diante do dirigismo estatal e da prática cada vez mais frequente dos contratos de adesão, operou o enfraquecimento da ideologia do contrato como fruto da liberdade individual. Embora já se tenha afirmado o declínio e até mesmo a morte do contrato6, na realidade há a sua transformação para atender a novas realidades e desafios vividos pela sociedade7.

Nas palavras emblemáticas de Georges Ripert, “o contrato já não é ordem estável, mas eterno vir a ser”. A noção de liberdade contratual havia sido construída como projeção da liberdade individual, ao mesmo tempo em que se atribuía à vontade o papel de criar direitos e obrigações. A força obrigatória do contrato era imposta como corolário da noção de direito sub-jetivo, do poder conferido ao credor sobre o devedor. Com a evolução da ordem jurídica, já não tem mais o credor o mesmo poder, o direito subjetivo sofre limites ao seu exercício e não compete aos contratantes, com exclu-sividade, a autodeterminação da lexinter partes, que sofre a intervenção do legislador e pode submeter-se à revisão pelo juiz8.

Acentua-se o caráter da ordem pública9 como expressão da lógica intrínseca dos contratos, sendo esta uma das linhas mestras da ordem eco-nômico-social constitucional (Constituição de 1988, art. 170).

4 RIPERT, Georges. O regime democrático e o direito civil moderno. São Paulo: Saraiva, 1937. p. 133.

5 Lê­se que, entretanto, “o contrato ganhou por um lado o que perdeu por outro. A autonomia da vontade aumentou em extensão, mas diminuiu de intensidade, porque hoje é mais débil, mais frouxa do que outrora” (TELLES, Inocêncio Galvão. Manual dos contratos em geral. 3. ed. Lisboa: Lex, 1995. p. 62).

6 GILMORE, Grant. The death of contract. 2. ed. Columbus: Ohio State University Press, 1995.

7 “A principal lição que se colhe da história dos contratos, o conhecimento das suas transformações por entre as vicissitudes dos séculos, é a sua permanente vitalidade, como dúctil, como dócil instrumento que ora se amplia ora se restringe, ora enfraquece ora adquire novo vigor, e sempre ao homem serve para satisfazer as necessidades fundamentais da vida de relação.” (TELLES, Inocêncio Galvão. Op. cit., p. 65)

8 Esclarece o citado jurista que: “O declínio do contrato não provém unicamente da limitação cada vez mais estreita do seu domínio; tem outra causa: a negação audaciosa da força contratual. O contrato já não é considerado como o ato criador da obrigação e o vínculo obrigacional já não dá ao credor poder sobre o devedor. O reconhecimento da força contratual é, diz­se, uma concepção do individualismo jurídico, e a ideia dum direito subjetivo conferido ao credor é arcaica. O contrato cria simplesmente uma situação jurídica, que não poderá ser mais imutável que a situação legal. Esta situação jurídica gera consequências que o legislador determina soberanamente. O ato da vontade consiste unicamente em submeter­se à lei do contrato, mas não pertence às partes decidir para sempre, e em todos os casos, qual seja essa lei”. Em seguida, conclui de maneira irreverente que “o credor já não possui um direito adquirido, mas a simples esperança de que o juiz tenha as suas pretensões como legítimas” (RIPERT, Georges. Op. cit., p. 313­314).

9 Segundo João Baptista Machado, “[...] a ordem pública não só pode ser induzida de um conjunto de normas ou quadros normativos que imperativamente organizam as instituições jurídicas e de certos valores fundamentais com assento constitucional [...], como pode ser a expressão da lógica intrínseca de uma instituição, ou ainda da ideia de ‘razoabilidade’, no sentido do que os americanos chamam o negative clearing-test: no sentido

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A autonomia privada, antes entronizada como garantia da liberdade dos cidadãos em face do Estado, é relativizada em prol da justiça subs-tancial, deslocando-se o eixo da relação contratual da tutela subjetiva da vontade à tutela objetiva da confiança10. A proteção da confiança envolve o vínculo contratual, a partir das normas cogentes que visam a promover o equilíbrio das partes da relação jurídica, mediante a adoção de novos para-digmas interpretativos, a proibição da abusividade e a imposição de deveres aos contraentes, na perspectiva de prevenir riscos e reparar prejuízos11.

3 BOA-FÉ SUBJETIVA E BOA-FÉ OBJETIVA

Ora significando a percepção individual de quem acredita observar as normas, ora estampando o sentido ético universal de “coerência nos pre-ceitos de retidão na vida social, a justiça metajurídica”12, projeta-se a boa-fé no Direito contemporâneo.

Apesar da notória dificuldade em se definir a boa-fé13, pelo menos duas perspectivas conceituais se revelam amplamente consagradas: a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva.

de que o direito se recusa a dar cobertura ao exercício de uma discricionariedade manifestamente irrazoável (proibição do excesso)” (MACHADO, João Baptista. Do princípio da liberdade contratual. In: ______. Obra dispersa. Braga: Scientia Iuridica, v. I, 1991. p. 642­643).

10 Estudando o tema da confiança negocial no painel da recentralização das relações jurídicas em torno da pessoa, Luiz Edson Fachin ensina que “um claro cenário se produz em torno da confiança: o repensar das relações jurídicas nucleadas em torno da pessoa e sua revalorização como centro das preocupações do ordenamento civil. O tema de tutela da confiança não pode ser confinado a um incidente de retorno indevido ao voluntarismo do século passado, nem é apenas um legado da pandectística e dos postulados clássicos do direito privado. Pode estar além de sua formulação inicial essa temática se for posta num plano diferenciado de recuperação epistemológica” (FACHIN, Luiz Edson. O “aggiornamento” do direito civil brasileiro e a confiança negocial. In: Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 145). Acrescente­se que, “contemporaneamente, modificado tal panorama, a autonomia contratual não é mais vista como um fetiche impeditivo da função de adequação dos casos concretos aos princípios substanciais contidos na Constituição e às novas funções que lhe são reconhecidas. Por esta razão desloca­se o eixo da relação contratual da tutela subjetiva da vontade à tutela objetiva da confiança, diretriz indispensável para a concretização, entre outros, dos princípios de superioridade do interesse comum sobre o particular, da igualdade (em sua face positiva) e da boa­fé em sua feição objetiva” (MARTINS­COSTA, Judith. Crise e modificação da ideia de contrato no direito brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 3, p. 141, set./dez. 1992).

11 Cláudia Lima Marques, com enfoque na proteção da confiança nas relações de consumo, explica que: “O CDC institui no Brasil o princípio da proteção da confiança do consumidor. Este princípio abrange dois aspectos: 1) a proteção da confiança no vínculo contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram assegurar o equilíbrio do contrato de consumo, isto é, o equilíbrio das obrigações e deveres de cada parte, através da proibição do uso de cláusulas abusivas e de uma interpretação sempre pró­consumidor; 2) a proteção da confiança na prestação contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram garantir ao consumidor a adequação do produto ou do serviço adquirido, assim como evitar riscos e prejuízos oriundos destes produtos e serviços” (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 127).

12 SACCO, Rodolfo. Interpretazione di buona fede. In: CENDON, Paolo (coord.). Commentario al Codice Civile. Milano: Giuffrè, 2010. p. 293.

13 A indeterminação é patente, o que reclama a valoração à luz do ordenamento e carecendo de preenchimento pelo intérprete. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 261, p. 13­19, jan./mar. 1978)

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Em sentido subjetivo, a boa-fé corresponde à situação do sujeito que acredita atuar em conformidade com a ordem jurídica; é um estado men-tal, uma crença, uma situação subjetiva que redunda em conhecimento ou ignorância de dada realidade. Assim, por exemplo, é de boa-fé a posse se o possuidor ignora o vício que impede a aquisição da coisa (Código Civil, art. 1.201, caput).

Na acepção objetiva, a boa-fé sempre pode ser lembrada a partir da exitosa fórmula do § 242 do BGB14: lealdade e confiança (TreuundGlauben)15.

A referência à lealdade corresponde a um conjunto de qualidades positivas: não apenas lealdade, mas também, mais amplamente, probidade, veracidade, honestidade, fidelidade. Resgata-se, assim, a figura do bonus pater familias romano, que merece ser relida, nos dias atuais, como o pa-drão do homem médio16, que serve para ilustrar as práticas socialmente aceitas17.

A confiança, por sua vez, na persuasiva explanação de João Baptista Machado, denota que toda conduta ou agir comunicativo, “além de carre-ar uma pretensão de veracidade ou de autenticidade (de fidelidade à pró-pria identidade pessoal), desperta nos outros expectativas quanto à futura conduta do agente”, implicando, de modo geral, uma autovinculação. A ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada no comportamento: poder confiar, além de ser “uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens”, é “condição bá-sica da própria possibilidade de comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação”18.

14 Dispõe o § 242 do Código alemão (BGB) que o devedor é obrigado a realizar a prestação tal como o exija a boa­fé, com consideração pelos costumes do tráfego negocial.

15 Anota­se que “por boa­fé objetiva se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países de common law – modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual ‘cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade’. Por este modelo objetivo de conduta levam­se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo” (MARTINS­COSTA, Judith. Op. cit.).

16 “A análise da relação jurídica é feita objetivamente; estará ausente a boa­fé objetiva se o comportamento em exame escapar do arquétipo que o homem de bem adotaria no lugar do sujeito, diante das peculiaridades do caso concreto.” (AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Direito civil – Introdução e teoria geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 93)

17 A generalização, contudo, pode ser perigosa pois, ainda que o “bom pai de família” constitua “um padrão jurídico, correspondente à atuação do homem normal, colocado nas circunstâncias”, não se pode desprezar que “a boa­fé, embora comporte, nos seus modelos de decisão, a inclusão de padrões jurídicos, não se esgota num deles” (CORDEIRO, António Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1997. p. 1230).

18 MACHADO, João Baptista. Tutela da confiança e venire contra factum proprium. In: ______. Obra dispersa. Braga: Scientia Iuridica, v. I, 1991. p. 352­353.

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A tutela da confiança19 representa um avanço, ademais, em relação à teoria da declaração, que comunga com a teoria da vontade no seu antinor-mativismo20. A verdadeira polêmica não se situa, hoje, ao contrário do que o misoneísmo pretenda induzir, entre a vontade e a declaração, mas entre voluntarismo e normativismo, entre individualismo e solidarismo.

4 AS FUNÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA

A partir da doutrina e da jurisprudência alemãs, tornou-se amplamen-te aceito que a boa-fé objetiva abrange três funções: interpretativa, corretiva e integrativa. Influenciado pelo Direito germânico, o atual Código Civil bra-sileiro positiva as três funções, respectivamente, nos arts. 113, 187 e 422.

A interpretação deve ser pautada pela boa-fé objetiva não apenas quando houver dificuldade hermenêutica ou quando aparecer divergência entre vontade e declaração21.

Assim, por exemplo, encontra-se julgado em que, em nome da boa--fé objetiva, operou-se extensão da cláusula penal em favor de promitente--comprador, em compromisso de compra e venda de imóvel no qual a co-minação só havia sido disposta em favor do promitente-vendedor. Como consta do acórdão, “a cláusula penal inserta em contratos bilaterais, onero-sos e comutativos deve voltar-se aos contratantes indistintamente, ainda que redigida apenas em favor de uma das partes”22.

Explica-se que, sendo o compromisso de compra e venda um contrato bilateral, em que cada um dos contratantes é, simultânea e reciprocamente,

19 “[...] o juiz deverá aferir o contrato de forma global para analisar se de alguma forma o proceder de uma partes – deliberado ou não – frustra as expectativas contratuais, abusando da confiança depositada.” (MELO, Marco Aurelio Bezerra de. Novo código civil anotado. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. III, t. I, 2004. p. 22)

20 Natalino Irti, ao estudar a doutrina de Emilio Betti sobre o negócio jurídico, aduz o comum antinormativismo entre a teoria da vontade e a teoria da declaração. Esta, ao procurar “despsicologizar” a interpretação do negócio jurídico, não se afasta do primado da vontade, mas apenas privilegia a vontade declarada à intenção não declarada. Sustenta que “[...] a assídua polêmica contra o dogma da vontade não significa nem comporta a dissolução normativa do negócio. ‘Despsicologizar’ não é ‘normatizar’: a primeira postura indica o primado da declaração sobre o querer interno; a outra, o primado da norma sobre o negócio” (IRTI, Natalino. Letture bettiane sul negozio giuridico. Milano: Giuffrè, 1991. p. 48­49).

21 BIGLIAZZI­GERI, Lina. L’interpretazione del contrato. In: BUSNELLI, Francesco D. (coord.). Il Codice Civile – Commentario. Milano: Giuffrè, 2013. p. 213.

22 STJ, 3ª Turma, REsp 1.119.740­RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 13.10.2011. No voto do Relator, justifica­se que, “caracterizadas, portanto, as recíprocas obrigações entabuladas pelas partes, não seria razoável, nem proporcional que, para uma delas o descumprimento contratual seguisse a cláusula previamente redigida na avença, de execução mais simples, e, para o outro, caminho diverso, de execução mais complexa. Entender­se de forma diversa é o mesmo que tratar os iguais, desigualmente, pois enquanto no descumprimento por parte do promitente­comprador já estaria definido o quantum indenizatório, sem a possibilidade de qualquer discussão, o inadimplemento do promitente­vendedor daria azo a discussões acerca do efetivo prejuízo sofrido pelo comprador”.

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credor e devedor do outro; oneroso, uma vez que traz vantagens para ambos os contratantes; e comutativo, ante a equivalência de prestações, é cabível a condenação do promitente-vendedor que não efetuou a entrega do imóvel no tempo previsto ao pagamento da cláusula penal, mesmo que a pena tenha sido contratualmente fixada apenas para o caso de inexecução do promiten-te-comprador, pois os contratos devem ser interpretados à luz do princípio da boa-fé, além dos princípios da função social e do equilíbrio, devendo ser considerado, também, o tipo de contrato celebrado e seus efeitos.

A seu turno, a função corretiva que a boa-fé desempenha sobre o iusstrictum23 contribui para que se tenha uma cláusula geral de vedação do abuso de direito24.

A jurisprudência fornece um bom exemplo, igualmente em tema de promessa de compra e venda de imóvel. Apesar de pactuada cláusula reso-lutiva expressa, que, em tese, acarretaria a resolução do contrato, de pleno direito, em caso de inadimplemento (Código Civil, art. 474), o Superior Tri-bunal de Justiça pacificou o entendimento de que:

É imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a reso-lução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos.25

Quanto à função integrativa, tem-se na boa-fé objetiva a fonte que ir-radia os chamados deveres anexos, ou seja, disposições não decorrentes da vontade dos contratantes26. Na lição de Ruy Rosado de Aguiar Jr., tem-se que:

23 “[...] perché implicante un giudizio di relazione, dove destinato a prevalere, tra due interessi, non è sempre soltanto quello astrattamente privilegiato da una norma di stretto diritto, e perché attento alla qualità degli stessi. È ad un simile criterio che è qui parso doversi assegnare quella funzione correttiva dei rigori dello strictum ius, di cui già si è detto, che dovrebbe consentire, anche in sede di interpretazione, un tipo di valutazione di situazioni conflittuali diversa da quella che conseguirebbe al puro e semplice accertamento della formale corrispondenza di un fatto (dunque, anche del fatto-negozio) e/o di un comportamento ad un’astratta previsione di legge e da permettere dunque – in un ambiente normativo caratterizzato da un principio di società reale – quell’effettivo contemperamento di opposte esigenze che un miope impiego dello strumento legislativo renderebbe illusorio.” (BIGLIAZZI­GERI, Lina. Op. cit., p. 226)

24 É digna de nota a “vocação específica, da boa­fé, de intervir em conjunturas que relacionem duas ou mais pessoas. Nos cenários do exercício inadmissível de posições jurídicas, quer a proteção da confiança, quer o relevo de situações jurídicas materiais, operam na base de um contato específico entre duas pessoas: trata­se de situações relativas, que a linguagem e a tradição jurídicas têm conectado com a boa­fé. Há outras conexões: a proteção da confiança prende­se, também, aos temas da aparência e da crença, com nível jurídico; o relevo de situações jurídicas materiais liga­se, de perto, com o movimento histórico no sentido da superação do formalismo: ambos os aspectos evocam, como é sabido, a boa­fé” (CORDEIRO, António Menezes. Da boa-fé no direito civil, p. 901).

25 STJ, 4ª Turma, REsp 620.787/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15.06.2009.

26 Como o legislador não pode prever tudo, a invocação da boa­fé na busca de soluções para os mais variados problemas se mostrou pródiga. Ainda que o BGB, na sua feição original, admitisse apenas a função interpretativa

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A boa-fé se constitui numa fonte autônoma de deveres, independente da vontade, e por isso a extensão e o conteúdo da “relação obrigacional já não se mede somente nela (vontade), e, sim, pelas circunstâncias ou fatos referentes ao contrato, permitindo-se construir objetivamente o regramento do negócio jurídico, com a admissão de um dinamismo que escapa ao con-trole das partes”. A boa-fé significa a aceitação da interferência de elementos externos na intimidade da relação obrigacional, com poder limitador da au-tonomia contratual, pois através dela pode ser regulada a extensão e o exer-cício do direito subjetivo. A força e a abrangência dessa limitação dependem da filosofia que orienta o sistema e da preferência dada a um ou outro dos princípios em confronto.27

Da boa-fé objetiva decorrem, entre inúmeros deveres, os de infor-mação e de transparência, tais como corroborados em julgado no qual fo-ram condenados um incorporador e seus parceiros comerciais (banco, rede de hotéis de renome e imobiliária), que teriam divulgado empreendimento como se fosse hotel, quando, na verdade, por falta de licenciamento, trata-va-se de edificação residencial multifamiliar28.

CONCLUSÃO

A boa-fé objetiva, com o seu peso cultural e histórico, modifica o direito contratual, promovendo uma remodelação da autonomia privada.

O esquema que enfatiza o acordo de vontades cede lugar a um novo perfil do contrato, assentado sobre a convicção de que o programa decor-

da boa­fé, a jurisprudência alemã não tardou a desenvolver a função integrativa. “A ideia da incapacidade do sistema para prever todas as necessidades, presentes e futuras, e a possibilidade de encontrar as soluções novas adequadas, com recurso à boa­fé, filtrou­se, ainda que de modo subconsciente, no trabalho dos codificadores. Estes acabaram, assim, por adotar um sistema aberto, capaz de, por desenvolvimentos internos ou externos, responder a problemas impensáveis a quando da codificação. A capacidade reprodutora do sistema devia ser assegurada por um instituto suficientemente amplo para não entravar os desenvolvimentos necessários e imprevisíveis e, em simultâneo, dotado de um peso juscultural capaz de dar credibilidade às soluções encontradas. A boa­fé tinha esse perfil.” (CORDEIRO, António Menezes. Da boa-fé no direito civil, p. 331)

27 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa­fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 14, p. 24, abr./jun. 1995.

28 “Direito do consumidor. Publicidade enganosa. Empreendimento divulgado e comercializado como hotel. Mero residencial com serviços. Interdição pela municipalidade. Ocultação deliberada de informação pelo fornecedor. Anulação do negócio jurídico. Indenização por lucros cessantes e por danos morais devida. 1. O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa­fé, em razão das quais a liberdade de contratar assume novel feição, impondo a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: o momento pré­contratual, o de formação e o de execução do contrato e até mesmo o momento pós­contratual. 2. O princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da transparência e da boa­fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga­se nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende­se também às informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor.” (STJ, 4ª Turma, REsp 1.188.442/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 05.02.2013)

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rente da autonomia privada não é autotélico – vale dizer, não é completo, nem fechado.

A determinação do sentido e dos efeitos dos contratos imobiliários pelas partes é atenuada em prol de uma interpretação que privilegia a le-aldade e a confiança como sínteses de um contexto ético que transcende à vontade dos contratantes e que igualmente justifica a correção do direito estrito e a imposição de deveres anexos.

REFERÊNCIASAGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 14, p. 20-27, abr./jun. 1995.

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Assunto Especial – Doutrina

Boa-Fé – Negociações Imobiliárias

O Princípio da Boa-Fé e os Negócios Jurídicos Imobiliários

PAULO RICARDO SILVA DE MORAESAdvogado, Contador e Analista da Comissão de Valores Mobiliários, Pós-Graduado Lato Sensu em Finanças e Gestão Corporativa pela Universidade Candido Mendes, Bacharel em Ciências Contábeis, Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

RESUMO: Analisa-se os reflexos do princípio da boa-fé nos negócios jurídicos imobiliários. Para tanto, estuda-se, na primeira parte deste trabalho, a relação obrigacional como um processo complexo, conside-rando seus aspectos estático e dinâmico que, em conjunto, tornam possível a compreensão dos diversos “deveres” que compõem a relação tomada como uma totalidade concreta. Na segunda parte, estuda-se a boa-fé objetiva, distinguindo-a, inicialmente, da boa-fé subjetiva, para se adentrar, logo após, na análise de suas funções e dos reflexos destas no direito obrigacional e, particularmente, na responsabilidade pré-contratual. Na terceira, e última parte, estuda-se, por fim, a incidência do regramento da boa-fé nos negócios imobiliários desvelados nas suas diversas fases.

PALAVRAS-CHAVE: Princípio da boa-fé; relação obrigacional; boa-fé subjetiva; boa-fé objetiva; responsabi-lidade pré-contratual; negócios jurídicos; negócios imobiliários.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A relação obrigacional como um processo complexo; 2 A boa-fé objetiva e a transfiguração do direito obrigacional; 2.1 A distinção entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva; 2.2 As fun-ções da boa-fé objetiva e seus reflexos no direito obrigacional; 2.3 A boa-fé objetiva e a responsabilidade pré-negocial ou pré-contratual; 3 A incidência da boa-fé nos negócios jurídicos imobiliários; 3.1 Breves considerações sobre o negócio imobiliário; 3.2 A regra da boa-fé nos negócios imobiliários; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Ao tratar do princípio da boa-fé e da probidade, Carlos Roberto Gonçalves, ao se reportar ao art. 422 do Código Civil, dispõe:

O princípio da boa-fé exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, como também durante a formação e o cum-primento do contrato. Guarda relação com o princípio de direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva, que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com

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probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, aten-didas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar.1

Neste sentido, a regra da boa-fé se apresenta como uma cláusula ge-ral para a aplicação do direito obrigacional, permitindo que se dê soluções aos casos concretos, levando-se em consideração fatores metajurídicos e princípios jurídicos gerais. Assim, a reformulação operada sobre o novo Có-digo Civil, com base nos princípios da socialidade, eticidade e operabilida-de, impôs uma releitura dos princípios que incidem sobre os contratos, tais como o estado de perigo, a lesão, a onerosidade excessiva, a função social dos contratos como preceito de ordem pública e, notadamente, a boa-fé e a probidade, conduzindo o operador do Direito ao abandono da diretriz individualista do antigo ordenamento.

Esclarece o mencionado autor, ademais, que a probidade, preceitua-da no art. 422 do Código Civil de 2002, nada mais é do que um dos aspec-tos objetivos do princípio da boa-fé, denotando “a honestidade de proceder ou a maneira criteriosa de cumprir todos os deveres que são atribuídos ou cometidos à pessoa”2.

Daí se conclui, sem maiores problemas, que o exame da probidade se materializa de forma subjacente ao próprio estudo da boa-fé, mas eviden-cia-se, por essencial ao tema, que o princípio da boa-fé, doutrinariamente, se subdivide em duas vertentes, o da boa-fé subjetiva e o da boa-fé objetiva, cada qual com diferentes consequências sobre os negócios jurídicos em geral e, em especial, sobre os imobiliários.

Nada obstante, tem-se que a boa-fé que revolucionou o Código Ci-vil de 2002, provocando profundas transformações no denominado direito obrigacional clássico, é a objetiva, constituindo-se em uma norma jurídica fundada em um princípio geral do direito, que se transmutou, modernamen-te, em uma cláusula geral, segundo a qual todos têm o dever de agir com honestidade, lealdade e probidade em suas relações recíprocas, exsurgindo, pois, como regra de conduta a todos imposta3.

E é justamente esta segunda acepção que interessa especialmente ao presente estudo, na medida em que é ela, a boa-fé objetiva, que impõe que

1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. III, 2008. 2008.

Código Civil brasileiro de 2002, art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa­fé”.

2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 34.

3 Id., p. 34 e 35.

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as partes contratantes devem se orientar, em suas relações jurídicas, em concordância com a linha mestra traçada pela honestidade, pela retidão, pela lealdade e pela consideração mútua, com vistas ao perfeito processa-mento dos negócios jurídicos imobiliários, escopo que são desta pesquisa.

Desta forma, buscar-se-á estabelecer, nos próximos tópicos, os fun-damentos doutrinários que, supostamente, autorizariam e, mais do que isso, conduziriam a ampla e irrestrita aplicação do princípio da boa-fé nos negó-cios imobiliários, enfrentando, para isso, desde a relação obrigacional (sua origem e múltiplos aspectos), passando pela investigação da regra da boa-fé (distinção entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva; peculiaridades, funções e incidência, da boa-fé objetiva, nas fases pré e pós-contratual), e culmi-nando, por fim, na análise dos negócios imobiliários e seu processamento sob o enfoque da boa-fé objetiva, sem se olvidar da análise da aplicação do princípio da boa-fé pela jurisprudência pátria.

1 A RELAÇÃO OBRIGACIONAL COMO UM PROCESSO COMPLEXO

De acordo com os ensinamentos de Judith Martins-Costa, na concep-ção estática da relação obrigacional que a apresenta basicamente como um vínculo, revela-se, tão somente, o seu aspecto externo, conformado por seus elementos, quais sejam: os sujeitos, o objeto e o vínculo de sujeição que liga o devedor ao credor, o crédito e a dívida4.

Esta análise externa, segundo a autora, nada diz sobre a estrutura dos múltiplos deveres, estados, situações e poderes que decorrem do vínculo, aspectos estes que, em seu conjunto, convencionou-se denominar de as-pecto interno, e que, além de examinar estes pontos, volta-se ao exame da conduta concreta das partes no dinâmico processo de desenvolvimento da relação obrigacional5.

Convém salientar que a perspectiva estática da relação obrigacional é atomística e advém da primeira grande concepção de obrigação gerada no Direito romano, sendo, portanto, oposta à concepção de totalidade. Ela consagra a ideia de que a obrigação é um vínculo jurídico que constringe uma parte a fazer algo em favor de outra consoante definida nas Institutas de Justiniano6.

4 MARTINS­COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 384.

5 Loc. cit.

6 MARTINS­COSTA, Judith. Op. cit., p. 385.

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Já a partir de uma “nova” concepção, a relação obrigacional pode ser tida como um todo que vai além do que prescreve a lei, sendo mais do que uma relação de prestação isolada, mas, de outro modo, uma relação jurídica total, fundamentada por um fato determinado, contrato concreto de compra e venda, por exemplo, e que se configura como uma relação jurídica especial entre as partes7.

Nessa linha, ainda que, indubitavelmente, o vínculo obrigacional seja bipolar, ele não pode ser visto de uma perspectiva puramente atomística e estática. E isto se afirma porque o conceito de obrigação engloba, constante e progressivamente, os elementos de todas as relações obrigacionais con-cretas que se apresentam na prática jurídico-social. Por esta forma, diz-se que pode a relação obrigacional, no transcorrer de sua existência, gerar outros direitos e deveres que não apenas aqueles expressos na hipótese le-gal ou no título. A relação obrigacional pode assim importar na criação de outros ônus jurídicos e deveres laterais ou anexos e secundários ao dever principal, aos quais corresponderão, por sua vez, outros direitos subjetivos não previstos nem na lei e nem no título8.

Neste sentido, como decorrência da apreensão da totalidade concreta da relação obrigacional, tem-se que a mesma passa a ser percebida como um vínculo dinâmico, exatamente pelo fato de englobar, em seu curso, to-das as vicissitudes, casos e problemas que podem a ela ser reconduzidas. Sendo, ademais, um vínculo que se movimenta processualmente, uma vez que é criada e desenvolvida com uma finalidade específica, concretizando--se em fases distintas, passando pelo seu nascimento e pelo seu desenvolvi-mento, culminando em seu adimplemento9.

Nesta acepção, assevera Judith Martins-Costa:

A concepção da obrigação como um processo e como uma totalidade con-creta põe em causa o paradigma tradicional do direito das obrigações, funda-do na valorização jurídica da vontade humana, e inaugura um novo paradig-ma para o direito obrigacional, não mais baseado exclusivamente no dogma da vontade (individual, privada ou legislativa), mas na boa-fé objetiva.10

Destarte, o vínculo obrigacional considerado em sua totalidade con-grega um complexo de direitos, deveres, sujeições, pretensões, obrigações,

7 Id., p. 392.

8 Id., p. 393 e 394.

9 Id., p. 394.

10 Loc. cit.

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exceções, ônus jurídicos, legítimas expectativas, entre outros aspectos, que não derivam, necessariamente, da declaração negocial ou de uma regra legal específica, mas que são atinentes à concreção de princípios e standards de cunho social e constitucional. Tais aspectos devem, pois, a sua existência às exigências do tráfico jurídico-social viabilizadas pelo princípio da boa-fé objetiva, que, notadamente, quando inserido em cláusula geral, pode materializar o efetivo conteúdo destes “deveres laterais”11.

Por outro lado, apreender-se a relação obrigacional como um vínculo que se movimenta processualmente ou, utilizando-se de outra expressão, assimilar-se a obrigação como processo, objetiva relevar o caráter dinâmico da obrigação, as várias fases que surgem no desenvolvimento da relação obrigacional e que entre si se ligam com interdependência, o complexo de atividades necessárias para a satisfação do interesse do credor, o conjunto de atos interligados que se dirigem ao adimplemento, finalidade precípua da própria existência do vínculo12.

Outro aspecto, não menos significativo, diz respeito aos questiona-mentos endereçados às possíveis origens da relação obrigacional. Relati-vamente a estes, o atual declínio do voluntarismo abre diversas possibili-dades de respostas, desde as já tradicionalmente presentes na doutrina, tais como as que defendem que a relação obrigacional ou nasce da vontade (do contrato) ou da lei (do delito), ou as que admitem que a obrigação pode florescer de atos existenciais, sendo nestes, especificamente, descabida a pesquisa do elemento volitivo em função da objetivação produzida pela incidência de fatores sociais típicos da sociedade contemporânea13.

Evidencia-se, no caso dos atos existenciais, que não se trata do re-conhecimento de uma relação de fato, mas de se estabelecer se é possível qualificar, como oferta ou como aceitação, o comportamento típico de um sujeito em certas situações próprias das sociedades de massas14.

Neste ponto, a doutrina mais conservadora vê, nos comportamentos socialmente típicos, a conformação dos elementos próprios da declaração de vontade; enquanto que a doutrina mais inovadora sustenta que a lei, o princípio da boa-fé ou mesmo o costume determinam, de modo autônomo, os efeitos do comportamento sem vinculá-los à vontade das partes, sendo, nestas hipóteses, irrelevante a perquirição do elemento volitivo, na medi-

11 Id., p. 394 e 395.

12 Id., p. 396.

13 Id., p. 397.

14 Id., p. 398 e 399.

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da em que, hodiernamente, a utilização de bens e serviços massificados ocasiona algumas vezes comportamentos que, pelo seu significado social típico, produzem as consequências jurídicas de uma negociação, mas que dela se distinguem15.

Segundo esta última corrente, mais progressista, a natureza jurídica dos atos existenciais seria de ato-fato, e não de negócio, mas que gerariam, entretanto, efeitos negociais típicos. Propõem os doutrinadores que a ela convergem, de forma marcante, Clóvis do Couto e Silva, que a origem da relação obrigacional, em qualquer de suas espécies, situe-se na categoria do contato social, por considerá-lo fattispecie de maior grau de abrangên-cia a englobar as obrigações advindas dos contratos, dos delitos e dos atos existenciais. Para Couto e Silva, é perfeitamente factível a classificação que tem o contato social como fonte imediata de todos os deveres obrigacionais; e como fontes mediatas, a lei, o delito, a vontade e os princípios da boa-fé objetiva e a da função social do contrato16.

A importância desta nova vertente doutrinária esta em nela se encon-trar uma resposta à crise do clássico paradigma da autonomia privada como fonte exclusiva de criação de relações obrigacionais, na medida em que esta se mostrou insuficiente para explicar a existência dos diversos “deveres” que compõem a relação obrigacional como uma totalidade concreta, e que não encontram a sua fonte nem na declaração negocial nem na autonomia da vontade, mas que a encontram, diferentemente, na função social dos contratos e na boa-fé objetiva, sobre o qual se desenvolverá o próximo tó-pico de estudo17.

2 A BOA-FÉ OBJETIVA E A TRANSFIGURAÇÃO DO DIREITO OBRIGACIONAL

Antes, porém, de se ater à análise da força transformadora da boa-fé objetiva tendo-se por pano de fundo o direito obrigacional clássico, importa salientar, ainda que com brevidade, as linhas gerais que distinguem a boa-fé subjetiva da boa-fé objetiva, conforme se verá a seguir.

2.1 A distinção entre boA-fé subjetivA e boA-fé objetivA

Como preleciona Carlos Roberto Gonçalves, “o princípio da boa-fé se biparte em boa-fé subjetiva, também chamada de concepção psicológi-

15 Loc. cit.

16 Id., p. 399, 400, 401, 403 e 404.

17 Id., 407 e 408.

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ca da boa-fé, e boa-fé objetiva, também denominada concepção ética da boa-fé”18.

Ampliando, contudo, a reflexão, dispõe Judith Martins-Costa que:

A expressão “boa-fé subjetiva” denota “estado de consciência”, ou conven-cimento individual de obrar [a parte] em conformidade ao direito [sendo] aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em maté-ria possessória. Diz-se “subjetiva” justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem.

Já por “boa-fé objetiva” se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242 do Código Civil Alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atri-buída nos países da common law – modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual “cada pessoa deve ajustar a própria con-duta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honesti-dade, lealdade, probidade”. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo.19

Elucida-se, pois, que a boa-fé subjetiva tem o sentido de uma con-dição psicológica que normalmente se concretiza no convencimento do próprio direito ou na ignorância de se estar lesando direito alheio ou na adstrição à literalidade do pactuado, enquanto que ao conceito de boa-fé objetiva estão subjacentes as ideias e ideais que animaram a boa-fé germâ-nica, quais sejam, a de boa-fé como regra de conduta fundada na honesti-dade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para com

18 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 34.

19 MARTINS­COSTA, Judith. Op. cit., p. 411.

No Direito tedesco, o BGB (Bügerliches Gesetzbuch), em vigor a partir de 1900, consagra o novel princípio, ao dispor em seu § 242: “O devedor é obrigado a cumprir sua obrigação de boa­fé, atendendo às exigências dos usos do tráfico jurídico” (OLIVEIRA GOUVÊA, Eduardo de. O princípio da boa­fé e sua repercussão nos contratos – Algumas reflexões. Revista de Direito da PGMRJ, ano III, n. 3, p. 49, 2002).

Código Civil português de 1966, art. 227/1: “Quem negocia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa­fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”; art. 762/2: “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa­fé”.

Código Civil argentino, modificado pela Lei nº 17.711, de 22.04.1968, art. 1198: “Los contratos deben celebrarse, interpretarse y ejecutarse de buena fé y de acuerdo com lo que verosímilmente las partes entendieron o pudieron entender, obrando com cuidado y previsión” (OLIVEIRA GOUVÊA, Eduardo de. O princípio da boa­fé e sua repercussão nos contratos – Algumas reflexões. Revista de Direito da PGMRJ, ano III, n. 3, p. 50, 2002)

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os interesses do “alter”, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado20.

Parafraseando, para uma melhor compreensão da expressão, Judith Martins-Costa:

A boa-fé subjetiva denota, portanto, primariamente, a idéia de ignorância, de crença errônea, ainda que escusável, acerca da existência de uma situação regular, crença (e ignorância escusável) que repousam seja no próprio estado (subjetivo) da ignorância (as hipóteses do casamento putativo, da aquisição da propriedade alheia mediante a usucapião), seja numa errônea aparência de certo ato (mandato aparente, herdeiro aparente etc.). Pode denotar, ainda, secundariamente, a idéia de vinculação ao pactuado, no campo específico do direito contratual [...].21

E mesmo que se trate de um princípio cujo conteúdo não possa ser rigidamente fixado, uma vez que a sua aplicação dependerá sempre da aná-lise do caso concreto, tem-se que a boa-fé objetiva, incontestavelmente, traz em seu bojo regra de caráter marcadamente técnico-jurídico, na medida em que viabiliza a solução de casos particulares no quadro dos demais modelos jurídicos postos em cada ordenamento22.

20 Id., p. 412.

Existem duas concepções de boa­fé no sentido jurídico. A primeira, é a boa­fé subjetiva, que os alemães definem como Guter Glauben (boa crença), e a segunda, a boa­fé referida por Treu und Glauben (lealdade e crença).

A boa­fé subjetiva, ou boa­fé crença, diz respeito a dados internos, de jaez psicológico, atinentes ao sujeito. É o estado de ignorância acerca das características da situação jurídica que se apresenta suscetível de conduzir à lesão de direitos de outrem. Na situação de boa­fé subjetiva, uma pessoa acredita ser titular de um direito, malgrado incorra na irrealidade empírica, porque só existente na aparência. A situação de aparência gera um estado de confiança subjetiva, relativa à confiabilidade da situação jurídica, que permite ao titular alimentar expectativas que vislumbra, com ensanchas no mosaico fático, serem fidedignas.

Discute­se na doutrina os elementos que dão azo ao surgimento da boa­fé subjetiva: se a simples ignorância do interessado acerca da situação jurídica que caracteriza a boa­fé psicológica, ou se seria exigível um estado de ignorância desculpável no chamado entendimento ético da boa­fé.

A primeira concepção remonta ao vetusto Código de Napoleão, que apenas exige o simples desconhecimento do fato para a configuração da boa­fé. Nessa concepção volitiva, a boa­fé contrapõe­se à má­fé, ou seja, a pessoa ignora os fatos, desde que sem incorrer em erro crasso, e está de boa­fé, ou não ignora, e está de má­fé.

Na concepção idônea de boa­fé subjetiva exige­se uma ignorância que seja desculpável da situação de lesão do direito alheio. A ignorância seria indesculpável quando a pessoa houvesse desrespeitado deveres de cautela; ela estaria de má­fé mesmo quando se pudesse atribuir­lhe um desconhecimento meramente culposo.

[Já] A boa­fé objetiva, ou boa­fé lealdade, é um dever – dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura e honestidade, para não frustrar a confiança da outra parte (OLIVEIRA GOUVÊA, Eduardo de. O princípio da boa­fé e sua repercussão nos contratos – Algumas reflexões. Revista de Direito da PGMRJ, ano III, n. 3, p. 52 e 53, 2002).

21 Id., p. 411 e 412.

22 Id., p. 412 e 413.

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De todo o exposto, pode-se apreender, sem qualquer dificuldade, que a boa-fé pode ser tanto forma de conduta (subjetiva ou psicológica) como norma de comportamento (objetiva), distinção que, apesar de aparentemen-te simples, importa particularmente à identificação e composição das regras fundamentais (e, portanto, inafastáveis pela tão só vontade das partes) que devem nortear o processamento de todo e qualquer negócio jurídico, prin-cipalmente quando se tem em mira a conduta das partes.

Ponto de relevo, também, é o fato de que, enquanto fonte normativa, a boa-fé objetiva desempenha funções técnicas específicas que se eviden-ciam em cada relação contratual concretamente considerada. Neste senti-do, são, tradicionalmente, imputadas à boa-fé objetiva três funções distintas, quais sejam: a de cânone hermenêutico-integrativo do contrato, a de norma de criação de deveres jurídicos e a de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos, funções estas que serão objeto de investigação no tópico seguinte23.

2.2 As funções dA boA-fé objetivA e seus reflexos no direito obrigAcionAl

Como já se salientou, anteriormente, o princípio da boa-fé objetiva possui 3 (três) funções técnicas que lhe são tradicionalmente imputadas, quais sejam, a de cânone hermenêutico-integrativo do contrato, a de norma de criação de deveres jurídicos e a de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos, conforme se explicitará a seguir.

Em sua função hermenêutico-integrativa, concebe-se a boa-fé como kanon hábil ao preenchimento de lacunas, uma vez que as relações contra-tuais são compostas de eventos e situações, fenomênicos e jurídicos, nem sempre previstas ou previsíveis pelos contratantes24.

Assim sendo, tem-se que a boa-fé, como cânone hermenêutico-inte-grativo, atua frente a necessidade de se qualificar os comportamentos não previstos das partes contratantes, mas que são essenciais à própria salva-guarda da fattispecie contratual e à plena produção dos efeitos objetivamen-te pactuados25.

23 Id., p. 427 e 428.

24 Id., p. 428.

25 Id., p. 429.

Sob o título de “Deveres contratuais indiretos – Desdobramentos do princípio da boa­fé”, Eduardo de Oliveira Gouvêa, expõe que se entende “por função integrativa da boa­fé [...] a idéia de que os deveres das partes não são, para cada uma, apenas o de realizar a prestação estipulada no contrato ou no negócio jurídico unilateral, mas que impõe também outros deveres corolários, oriundos da convenção, a partir da análise da obrigação de uma perspectiva que quase pode­se denominar sistemática. O princípio da boa­fé regula não apenas o

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Já, em sua função de norma de criação de deveres jurídicos, ensina, inicialmente, a doutrina que compõem as relações contratuais certos deve-res de prestação, os quais se subdividem nos denominados deveres princi-pais ou deveres primários de prestação (que, em conjunto, se constituem no núcleo da relação obrigacional e definem o tipo contratual), deveres secun-dários e deveres laterais, anexos ou instrumentais26. Nada obstante, são os deveres instrumentais ou laterais ou deveres acessórios de conduta, deveres de conduta, deveres de proteção ou deveres de tutela, que, segundo Mario Julio de Almeida Costa, derivam ou de cláusula contratual ou de dispositivo de lei ou da incidência da boa-fé objetiva27. Importando salientar, aqui, que os deveres instrumentais se constituem em deveres que incumbem tanto ao devedor quanto ao credor, não estando orientados diretamente ao cumpri-mento da prestação ou dos deveres principais, como ocorre com os deveres secundários, mas, antes, atinentes ao exato processamento da relação obri-gacional, ou seja, à satisfação dos interesses globais envolvidos, em atenção a uma identidade finalística28.

Caracterizam-se, por conseguinte, os deveres instrumentais por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de proteção à pessoa e aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes29. Tratam-se, por assim dizer, de “deveres de adoção de determinados com-portamentos, impostos pela boa-fé em vista do fim do contrato [...] dada a relação de confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis com as circunstâncias concretas da situação”30.

E arremata Judith Martins-Costa, explicando que, “ao ensejar a cria-ção desses deveres, a boa-fé atua como fonte de integração do conteúdo

pacto contratual adrede invocado, mas ainda o reconhecimento desses deveres secundários (não diretamente pactuados) derivados mediatamente do princípio, independentemente da vontade manifestada pelas partes, a serem observados durante a fase de formação e de cumprimento da obrigação. São deveres que excedem o dever de prestação. Assim, são os de esclarecimento (informações sobre o uso do bem alienado, capacitações e limites), de proteção (evitar situações de perigo), de conservação (coisa recebida para experiência), de lealdade (não exigir o cumprimento de contrato com insuportável perda de equivalência entre as prestações), de cooperação (prática dos atos necessários à realização dos fins plenos visados pela outra parte), dentre outros” (OLIVEIRA GOUVÊA, Eduardo de. O princípio da boa­fé e sua repercussão nos contratos – Algumas reflexões. Revista de Direito da PGMRJ, ano III, n. 3, p. 58, 2002).

26 Id., p. 437 e 438.

27 Id., p. 438.

28 Id., p. 440.

29 Loc. cit.

30 MARTINS­COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 440. Apud MOTTA PINTO, Carlos Alberto da. Cessão de contrato. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 281.

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contratual, determinando a sua otimização, independentemente da regula-ção voluntaristicamente estabelecida”31.

Retornando, então, ao ponto de partida deste estudo, enfatiza-se que a concretização desses ditos deveres instrumentais põe em relevo a con-cepção da relação obrigacional como totalidade e como um processo, por-quanto, normalmente, eles se conformam no transcorrer da relação obriga-cional ou, em especial, no desenvolvimento da vida do contrato32.

Por fim, pode-se dizer que a boa-fé em sua função limitadora ao exer-cício de direitos subjetivos encontra seu fundamento no fato de que o con-trato, diversamente do que ocorria no passado (tomado, hodiernamente, como instrumento por excelência da relação obrigacional e como veículo jurídico de operações econômicas de circulação de riqueza), não é mais apreendido desde uma perspectiva dogmática na qual prevalece a autono-mia da vontade, mas, de outra forma, como uma relação de cooperação entre as partes, processualmente polarizada por sua finalidade. Neste con-texto, o contrato, seja de direito público ou privado, informa-se pela função social que lhe é atribuída pelo ordenamento jurídico, revelando, por isto mesmo, a boa-fé como norma que não admite condutas que contrariem o mandamento de agir com lealdade e correção, pois só assim se atingirá a função social que lhe é atribuída33.

31 Id., p. 440.

32 Id., p. 443.

33 Id., p. 456 e 457.

A função de controle da boa­fé é limitativa: ela estabelece que o credor, no exercício do seu direito, não pode exceder os limites impostos pela citada cláusula, sob pena de proceder antijuridicamente.

O exemplo mais significativo é da possibilidade do exercício de resolver o contrato por inadimplemento, ou de suscitar a exceção do contrato não cumprido, quando o cumprimento é insignificante em relação ao pacto em voga.

Essa idéia do abuso de direito desdobrou­se, doutrinariamente, em duas concepções: a primeira, subjetiva, define que só há abuso de direito quando a pessoa age com a intenção de prejudicar outrem. A segunda, objetiva, estabelece que para que o ato seja abusivo basta que ele tenha o propósito de realizar objetivos diversos daqueles para os quais o direito subjetivo em questão foi preordenado, contrariando o fim do instituto, seu espírito ou finalidade.

Quatro são as modalidades principais que assume o abuso de direito dentro de uma perspectiva objetivista da boa­fé: as situações de venire contra factum proprium, supressio, surrectio, tu quoque.

A teoria dos atos próprios, ou a proibição de venire contra factum proprium, protege a parte contra aquela que pretenda exercer um status jurídico em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. O credor que concordou, durante a execução do contrato de prestações periódicas, com o pagamento em tempo e lugar diverso do convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência literal do contrato. Para o reconhecimento da proibição, é preciso que haja univocidade de comportamento do credor e real consciência do devedor quanto à conduta esperada.

Nesse prisma, exsurge fulgurante a proibição da cláusula venire contra factum proprium, ou, como denomina a doutrina especializada, teoria dos atos próprios, assim enunciada:

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Apenas a título de ilustração, no campo do direito de resolução, a boa-fé como norma de inadmissibilidade do exercício de direitos que a ela se contraponham revela-se, por exemplo, nos casos de adimplemento subs-tancial do contrato e nos que admitem a exceção de contrato não cumpri-do (exceptio non adimpleti contractus), mas, particularmente, neste último caso, quando amparada na chamada teoria dos atos próprios (que se desdo-bra em duas vertentes doutrinárias, quais sejam, na regra do tu quoque34 e na que é expressa pela máxima que proíbe o venire contra factum proprium35),

“A teoria dos atos próprios parte do princípio de que, se uma das partes agiu de determinada forma durante qualquer das fases do contrato, não é admissível que em momento posterior aja em total contradição com a sua própria conduta anterior. Sob o aspecto negativo, trata­se de proibir atitudes contraditórias da parte integrante de determinada relação jurídica. Sob o aspecto positivo, trata­se de exigência de atuação com coerência, uma vertente do imperativo de observar a palavra dada, contida na cláusula geral da boa­fé.” (In: PEREIRA, Régis Fichtner. Op. cit., p. 84)

Na supressio, um direito não exercido durante um determinado lapso de tempo não poderá mais sê­lo, por contrariar a boa­fé. O contrato de prestação duradoura, que tenha passado sem cumprimento durante longo tempo, por falta de iniciativa do credor, não pode ser exigido se o devedor teve motivo para pensar extinta a obrigação e programou sua vida nessa perspectiva. Enquanto a prescrição encobre a pretensão pela só fluência do tempo, a supressio exige, para ser reconhecida, a demonstração de que o comportamento da parte era inadmissível segundo o princípio da boa­fé.

A surrectio consiste no nascimento de um direito consequente à pratica continuada de certos atos. A duradoura distribuição de lucros de sociedade comercial, em desacordo com o estatuto, pode gerar o direito de recebê­los do mesmo modo, para o futuro.

Por fim, aquele que descumpriu norma legal ou contratual, atingindo com isso determinada posição jurídica, não pode exigir do outro o cumprimento do preceito que ele próprio já descumprira (tu quoque). O condômino que viola a regra do condomínio e deposita móveis em área comum, ou a destina para uso próprio, não pode exigir do outro comportamento obediente ao preceito. Quem já está em mora, ao tempo em que sobrevêm circunstâncias modificadoras da base do negócio, não pode pretender a revisão ou a resolução judicial (OLIVEIRA GOUVÊA, Eduardo de. O princípio da boa­fé e sua repercussão nos contratos – Algumas reflexões. Revista de Direito da PGMRJ, ano III, n. 3, p. 59 a 61, 2002).

34 De acordo com os ensinamentos de Judith Martins­Costa, “a materialização da regra do tu quoque decorre do fato de que ‘fere as sensibilidades primárias, ética e jurídica, que uma pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir a exigir a outrem o seu acatamento’. Considerando esta fórmula uma especificação da boa­fé objetiva, assinala Menezes Cordeiro a circunstância de nenhuma das codificações existentes ter compreendido a sua consagração expressa e com alcance geral, o que não tem impedido a sua aplicação nos diversos sistemas jurídicos, nos quais é revelada a partir da integração sistemática do contrato e do princípio da boa­fé objetiva. No direito alemão, como aponta G. Teubner, exprime a regra pela qual ‘perante violações de normas, as possibilidades de sanção são limitadas para aquele que perpetrou, ele próprio, violações de normas, tendo como importante variante a doutrina da Verwirkung, de elaboração jurisprudencial’. [...] No direito brasileiro, embora não sistematizada, a regra segundo a qual é inadmissível ao prevaricador que violou deveres contratuais aproveitar­se da própria violação tem larga aplicação nos tribunais, seja pela invocação do adágio turpitudinem suam allegans non auditur, seja por sua variante da teoria da confiança e da aparência ou pela aplicação do princípio que coíbe venire contra factum proprium, [...]” (MARTINS­COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 461 e 464).

35 Segundo Wieacker, [...], a máxima venire contra factum proprium expressa de forma tão imediata a essência da obrigação de comportar­se de acordo com a boa­fé que “a partir de ella se alumbra la totalidad del principio”.

‘Relaciona­se o venire com a boa­fé objetiva porque não pressupõe necessariamente a má­fé ou a negligência culpável como elementos da expectativa criada na contraparte. “A exigência de confiança não constitui obrigação de veracidade subjetiva, mas – como na moderna teoria da declaração de vontade – o não separar­ ­se do valor de significação, que à própria conduta pode ser atribuído, pode ser atribuído pela outra parte”, resultando que o princípio consubstancia “uma aplicação do princípio de confiança no tráfico jurídico, e não uma específica proibição de má­fé e da mentira”.

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“segundo a qual se entende que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua anterior conduta interpretada objetivamente se-gundo a lei, segundo os bons costumes e a boa-fé, ou quando o exercício posterior se choque com a lei, os bons costumes e a boa-fé”36.

Voltar-se-á o próximo item à análise da incidência da boa-fé objetiva na chamada fase pré-contratual, onde se desenha nova revolução no campo obrigacional.

2.3 A boA-fé objetivA e A responsAbilidAde pré-negociAl ou pré-contrAtuAl

Com base nas lições de Judith Martins-Costa, adverte-se, desde já, que o campo de operação da responsabilidade pré-negocial ou pré-contra-tual não se confunde com os dos denominados pré-contratos ou contratos preliminares, uma vez que o inadimplemento de pré-contrato resulta em responsabilidade contratual, e isto porque ínsito a ele existe uma obrigação de fazer (qual seja, a de celebrar o contrato definitivo), sendo esta a obriga-ção descumprida, ao passo que a responsabilidade pré-negocial permeia o espaço do “ainda-não contrato” ou, melhor dizendo, o espaço do “trato”37.

A importância da discussão está no fato de que, neste último caso, não existe vinculação contratual, podendo haver, contudo, sob certas con-dições, vinculação obrigacional, desde que presentes, in concreto, as cate-gorias jurídicas da proposta (ou oferta) e da aceitação, negócios jurídicos unilaterais receptícios que se aperfeiçoam na formação do vínculo con-tratual38.

Como se pode perceber, por conseguinte, outra fase de crucial im-portância é a que antecede a da proposta e da aceitação, e que a doutrina convencionou denominar de fase formativa do contrato, consubstanciando com aquela, contratual propriamente dita, 2 (dois) momentos bem delimi-tados: o da formação progressiva do acordo e o da fusão das declarações negociais (que integra e constitui o contrato por meio do elemento “recep-ção”). E o interesse nessa fase formativa está justamente porque é nela que estão situados os elementos catalisadores da responsabilidade pré-negocial,

A doutrina define o venire contra factum proprium como a tradução do “exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento exercido anteriormente pelo exercente”. O princípio postula, pois, “dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo” (MARTINS­COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 469 e 470).

36 Id., p. 457, 459, 460 e 461.

37 Id., p. 480 e 481.

38 Id., p. 481.

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e que podem ensejar, no caso concreto, a responsabilidade derivada da ruptura das negociações, com fundamento na ruptura injustificada e na con-sequente fraude à confiança legítima39.

Neste ponto, surge questão de relevo a ser considerada, de que é evidente que nem todos os atos praticados na fase pré-negocial geram a responsabilidade civil, uma vez que se faz imprescindível a configuração do dano e do nexo de causalidade que o conjugará ao ato ou omissão im-putável a um dos sujeitos da relação. Ademais, exige-se que este ato tenha tido a força de gerar, na parte lesada, a confiança legítima na conclusão do contrato ou na sua validade e/ou eficácia. Tudo dependerá da análise do caso concreto, que poderá desvelar a existência de dano decorrente da quebra de confiança, por terem sido infringidos deveres jurídicos que a tu-telam, e a materialização da conduta injustificada, quando da ruptura das negociações, ambas a consubstanciarem a responsabilidade pré-negocial40.

Tem-se aí a base da doutrina da culpa in contrahendo, formulada por Jhering, segundo a qual há responsabilidade pré-negocial sempre que

o comportamento de uma das partes na fase das tratativas, induzindo a con-fiança da outra de que tal procedimento seria adotado, ou omitindo informa-ções de importância capital para que a outra parte possa decidir em relação ao negócio jurídico a ser realizado, ou ainda deixando de mencionar cir-cunstâncias que acabariam forçosamente por produzir a invalidade do con-trato, gerando, assim, “o dever de indenizar”.41

39 Id., p. 482 e 483.

Segundo Judith Martins­Costa, “entende­se por ruptura injustificada aquela que é destituída de causa legítima, a que é arbitrária, a que compõe o quadro do comportamento desleal de um ponto de vista objetivamente averiguável: ‘O problema da legitimidade da ruptura não se reconduz, com efeito, à indagação sobre se o seu motivo determinante é ou não justificado do ponto de vista da parte que a efectuou, mas, antes, importa averiguar se, independentemente dessa valoração pessoal, ele pode assumir uma relevância objectiva e de per si prevalente sobre a parte contrária’, afirma Mario Julio de Almeida Costa” (MARTINS­COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 483 e 484. Apud ALMEIDA COSTA, Mario Julio de. Responsabilidade civil pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato. Coimbra: Coimbra, 1984. p. 62).

Já por confiança legítima se quer expressar a expectativa de que a negociação seja conduzida segundo os parâmetros da probidade, da seriedade de propósitos. Para que se produza a confiança, é evidentemente necessário que as negociações existam, que esteja em desenvolvimento uma atividade comum das partes, destinada à concretização do negócio. “É manifesto que nenhuma obrigação de indemnização surge se uma pessoa toma a iniciativa de proceder sozinha a estudos e despesas na elaboração de um projeto de contrato com a finalidade de submetê­la a outra que se recusa in limine, ainda que sem motivo, a entrar em negociações. A confiança, para poder ser qualificada como legítima, deve, pois, fundar­se em dados concretos, inequívocos, avaliáveis segundo critérios objetivos e racionais (MARTINS­COSTA, Judith. A boa--fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 483 e 484. Apud ALMEIDA COSTA, Mario Julio de. Responsabilidade civil pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato. Coimbra: Coimbra, 1984. p. 56).

40 Id., 485..

41 MARTINS­COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 483 e 484. Apud COUTO E SILVA, Almiro do. Responsabilidade do Estado e

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E aperfeiçoa Judith Martins-Costa, ensinando que os deveres que se violam na responsabilidade pré-negocial não são os deveres (obrigações) principais decorrentes do contrato, mas, de outro modo, aqueles deveres ditos instrumentais, que em algumas hipóteses preexistem à formação do vínculo negocial, tais como os deveres de cooperação, de não contradição, de lealdade, de sigilo, de correção, de informação e esclarecimento, todos, em resumo, deveres derivados da boa-fé objetiva como mandamento de respeito à legítima confiança despertada no futuro contratante e de tutela aos seus interesses42.

Fruto da construção operada por Jhering, ademais, é a definitiva inser-ção no direito obrigacional da ideia da conformação de um específico dever de diligência na fase antecedente à da formação do contrato. E isto se con-cluiu, em razão da proximidade existente, na escala do contato social, entre os negociadores de um contrato, a autorizar o entendimento de que este “dever” pauta-se na confiança que deve orientar o tráfego jurídico para que as relações econômico-sociais possam se desenvolver com normalidade. Hodiernamente, contudo, apreende-se um campo de incidência bem mais vasto para o instituto da culpa in contrahendo, estendendo-se a responsa-bilidade para as hipóteses de danos decorrentes do processo formativo, por infringência aos deveres instrumentais de comunicação ou informação, de custódia, de segredo e de conservação do negócio, e para aquelas situações de ruptura injustificada da fase negociatória ou decisória, desde que, neste último caso, tenha-se criado na contraparte, como já se firmou antes, a fun-dada expectativa de que o negócio seria realizado43.

Após o enfrentamento da questão da boa-fé objetiva, analisar-se-á, no próximo item, as implicações nos negócios imobiliários da incidência deste princípio.

3 A INCIDÊNCIA DA BOA-FÉ NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS IMOBILIÁRIOS

Neste tópico, analisar-se-á a aplicação do princípio da boa-fé aos ne-gócios jurídicos imobiliários, mas não sem antes delimitar-se o próprio raio de ação do que se convencionou denominar negócio imobiliário.

3.1 breves considerAções sobre o negócio imobiliário

Preliminarmente, Pedro Elias Avvad, reportando-se à doutrina do ci-vilista Roberto Ruggiero, expõe que “negócio jurídico é uma declaração de

problemas jurídicos decorrentes do planejamento. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 65, p. 29.

42 Id., p. 487.

43 Id., p. 492 e 493.

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vontade do indivíduo tendente a um fim protegido na lei”. Contudo, destaca o autor, a importante distinção que há entre negócio jurídico e ato jurídico, chamando, ainda, a atenção para o fato de que o primeiro inclui-se na clas-sificação deste último44.

No âmbito do ato jurídico, compreender-se-iam os atos jurídicos não negociais ou atos jurídicos strictu sensu que abrangem aqueles atos cujos efeitos jurídicos ocorrem sem que, no entanto, o agente tenha a intenção de produzi-los. Os atos jurídicos em sentido estrito, como espécies de mani-festações de vontade obedientes à lei, geram, por conseguinte, efeitos que nascem da própria lei. Enquanto que o negócio jurídico é a declaração de vontade em que o agente persegue um determinado efeito jurídico (contrato de compra e venda, por exemplo)45.

Por esta forma, os negócios imobiliários, como especializações dos negócios jurídicos em sentido amplo, abarcariam os negócios jurídicos que têm por objeto imóveis e que, por isto mesmo, estão intimamente vincula-dos à ideia de contrato46.

Conceitua Avvad, com base no exposto, os negócios imobiliários como aqueles negócios jurídicos que têm, direta ou indiretamente, por ob-jeto um bem imóvel ou direitos a ele relativos47.

Nesta direção, pode-se afirmar que os negócios imobiliários não se restringem àqueles que têm por objeto os direitos reais sobre imóveis, mas que, diversamente, incluem, em seu bojo, direitos de natureza pessoal que se refiram à propriedade ou a alguns de seus atributos ou que visem, ainda, à futura realização de contratos imobiliários48.

Enquadram-se no âmbito dos negócios imobiliários, portanto, a cor-retagem na venda ou na locação de imóveis, o contrato de incorporação imobiliária, a alienação fiduciária em garantia, a constituição de condomí-nio especial e o seu funcionamento, entre outros49.

No próximo item, analisar-se-á a aplicação, e os consequentes re-flexos, da regra da boa-fé objetiva no processamento dos negócios imobi-liários.

44 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 316.

45 Id., p. 319.

46 Id., p. 320.

47 Id., p. 315.

48 Loc. cit.

49 Loc. cit.

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3.2 A regrA dA boA-fé nos negócios imobiliários

Neste ponto do estudo, torna-se fácil perceber que os negócios imobi-liários, não se afastando das linhas gerais do Código Civil de 2002, mas que, pelo contrário, materializando-se, simplesmente, como contratos especiais pelo objeto, orientados, portanto, pelas mesmas inovações que são imanen-tes ao novo diploma civil (mormente por aquelas que inspiram a ampliação ou a releitura dos princípios aplicáveis à operabilidade dos negócios jurí-dicos, em geral, e dos imobiliários, aqui tomados em particular), não lhes seria possível, por sua própria natureza, contradizerem ou afastarem-se, em seus processamentos, da boa-fé considerada em quaisquer de seus possíveis ângulos, como antes analisados.

Neste ínterim, aplica-se a boa-fé nos negócios imobiliários, em todos os seus aspectos e fases, abrangendo desde as tratativas pré-negociais, a formação do contrato e culminando com a execução ou o adimplemento contratual. Em todos estes estágios, devem os negociadores e, ulteriormente, os contratantes pautarem-se em tudo quanto diga respeito às relações recí-procas, pela honestidade, lealdade e probidade, atributos estes que devem orientar, em qualquer tempo, o tráfego de todos os negócios jurídicos e, porque não dizer, de todas as relações humanas, com vistas à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, por meio, entre outras ações, da promoção do bem comum, que se fará sempre com fundamento na dignida-de da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (arts. 1º e 3º da CRFB/1988).

No mesmo caminho, ensina Luiz Roldão de Freitas Gomes, baseado nas ideias de Karl Larenz:

O princípio da boa-fé significa que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar da confiança que constitui a base imprescindí-vel das relações humanas, sendo, pois, mister que procedam tal como deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe honesta e corretamente ao tráfico jurídico, no quadro de uma vinculação jurídica especial.50

Traduz-se a boa-fé, como se percebe, no dever de cada parte agir de forma a não lesar ou frustrar a confiança do outro. E é por isso que se afirma que a tutela da confiança que fundamenta a boa-fé está ligada àquele aspec-to do processamento da relação obrigacional, e dos negócios imobiliários,

50 OLIVEIRA GOUVÊA, Eduardo de. O princípio da boa­fé e sua repercussão nos contratos – Algumas reflexões. Revista de Direito da PGMRJ, ano III, n. 3, p. 56, 2002. Apud FREITAS GOMES, Luiz Roldão de. Curso de direito civil: contratos. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 49.

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em especial, que não comporta exaurimento na verba legis ou na contra-tual, que não podem, por suas próprias limitações, tudo prever e regular, “pondo em xeque”, definitivamente, a falácia do pensamento positivista que proclamava a prevalência da autonomia da vontade sobre outros aspec-tos inerentes, e não menos importantes, à formação dos negócios jurídicos, pretendendo, como se possível fosse, nela esgotar as múltiplas facetas da realidade social51.

Essa releitura dos princípios que impulsionam as relações obriga-cionais, e, sobretudo, os negócios imobiliários, dinâmicos por excelência, põe-se, ademais, em perfeita sintonia com a nova realidade social das di-tas sociedades pós-modernas, tipicamente de massas, que, permeadas por infindável número de relações econômico-sociais, incluindo-se entre elas as denominadas relações de consumo, necessitam, para a sua própria se-gurança e para a manutenção do equilíbrio social, do pleno respeito, como mandamento superior, aos aludidos deveres anexos, como instrumentos viabilizadores do bem-estar social.

Neste entremeio, exsurge, como sobredito, o atual Código Civil que, se constituindo em um sistema aberto, instituiu cláusulas gerais aplicáveis à interpretação dos negócios jurídicos, com especial destaque à sua aplica-ção nos contratos imobiliários por sua importância econômico-social e sua imprescindibilidade para a concretização da dignidade da pessoa huma-na (como se apresenta na hipótese do direito fundamental à moradia, por exemplo). Outrossim, tais cláusulas remetem o intérprete para um padrão de conduta que é geralmente aceito em determinado tempo e lugar, compor-tando um padrão de conduta comum, atinente ao homem médio, cuja aná-lise não desconsidera o caso concreto e nem os aspectos sociais envolvidos.

De modo mais perceptível, sobreleva-se, neste contexto, a boa-fé ob-jetiva por representar exatamente esta regra de conduta, este deve de agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos52.

Este sistema preordenado de tipificações abertas ou descrições legais de conduta assume posição de proeminência na aplicação do direito ao ree-quilíbrio social, o que não significa opção pelo desprezo à boa-fé subjetiva, mas, sim, que se concede especial atenção às condicionantes positivas do trato social dirigidas especificamente à conformação das relações jurídicas

51 OLIVEIRA GOUVÊA, Eduardo de. O princípio da boa­fé e sua repercussão nos contratos – Algumas reflexões. Revista de Direito da PGMRJ, ano III, n. 3, p. 55, 2002.

52 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Coleção Direito Civil. 5 ed. São Paulo: Atlas, v. 2, 2005. p. 409.

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que se amoldam ao rótulo de negócios jurídicos, com foco, aqui, nos imo-biliários53.

Sendo assim, seja nas tratativas, na execução, assim como na fase pós-obrigacional ou pós-contratual, a boa-fé objetiva é e sempre será fator basilar de interpretação dos negócios jurídicos imobiliários, impondo-se à jurisprudência a difícil tarefa de delimitar o alcance das regras abertas do novo diploma civil, o que se avaliará nos exemplos a seguir54:

Superior Tribunal de Justiça

Agravo Regimental no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 610.607/MG (2004/0074476-0)

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – CIVIL – LO-CAÇÃO – IMÓVEL LOCADO PELO NU-PROPRIETÁRIO – BOA-FÉ OBJETI-VA – LEGITIMIDADE DO LOCADOR PARA EXECUTAR OS ALUGUÉIS EM ATRASO – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO

1. Na espécie, não se aplicam os Enunciados nºs 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, porquanto a decisão agravada, ao decidir a matéria, não interpretou cláusula contratual nem reexaminou o quadro fático dos autos, pois cingiu-se a analisar a legitimidade do nu-proprietário para executar dé-bitos relativos a contrato de locação de imóvel objeto de usufruto.

2. Uma das funções da boa-fé objetiva é impedir que o contratante adote comportamento que contrarie o conteúdo de manifestação anterior, cuja se-riedade o outro pactuante confiou.

3. Celebrado contrato de locação de imóvel objeto de usufruto, fere a boa-fé objetiva a atitude da locatária que, após exercer a posse direta do imóvel por mais de dois anos, alega que o locador, por ser o nu-proprietário do bem, não detém legitimidade para promover a execução dos aluguéis não adimplidos.

4. Agravo regimental improvido.

Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial nº 960.748/RJ (2006/0262945-4)

EMENTA

CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – ART. 535 DO CPC – OFENSA – INEXISTENTE – INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA – RESCISÃO CONTRATUAL – RESTITUI-ÇÃO – PARCELAS PAGAS – LEI Nº 4.591/1964, ART. 40, § 2º – RESTITUI-ÇÃO DEVIDA, LIMITADA AO VALOR AGREGADO A OBRA – PRECEDENTE

53 Id., p. 410.

54 Loc. cit.

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O art. 535 do CPC não é maltratado, quando o acórdão recorrido decide com clareza, precisão e fundamentadamente as questões pertinentes.

Se o ex-titular não causou a rescisão, tem direito de receber o que pagou na construção de seu imóvel. Nos termos do art. 40, § 2º, da Lei nº 4.591/1964, não são todos os valores pagos, mas apenas os utilizados na construção, descontados, os itens não relacionados com a obra a serem apurados em execução de sentença.

A controvérsia supra se apresentou, em resumo, da seguinte forma: o Sr. HBA Filho exerceu ação ordinária contra Carvalho Hosken S/A En-genharia e Construções e Encol S/A, visando a desconstituir promessa de compra e venda de unidade habitacional, pedindo o ressarcimento do valor total pago. Em seus fundamentos, o autor alegou que, com a “quebra” da Encol, recebeu correspondência noticiando que a obra não seria concluída no prazo.

Por seu turno, a Carvalho Hosken era proprietária do terreno e pro-meteu vendê-lo à Encol, tendo ficado acordado que o preço seria pago em apartamentos a serem construídos no local. Em decorrência dos “pro-blemas” com a Encol, o negócio foi desfeito com a reversão do terreno à alienante proprietária (Carvalho Hosken) com as acessões até então ali plantadas.

Entretanto, a Carvalho Hosken assumiu o trabalho de concluir a obra, enquanto que, de sua parte, o autor (HBA Filho) já havia amortizado parte do preço da unidade habitacional compromissada, tendo, por isso mesmo, contribuído para a construção a ser continuada pela Carvalho Hosken.

Assim, o Tribunal a quo (TJRJ, 2006/0262945-4) determinou que a Carvalho Hosken restituísse integralmente o valor que o autor desembolsara no contrato de compra e venda firmado com a Encol e que foi rescindido com fulcro no art. 40 e seu § 2º da Lei nº 4.591/1964.

Em seu voto, o Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator do Re-curso Especial nº 960.748/RJ, asseverou que a rescisão das promessas leva as partes à situação anterior ao contrato e, assim sendo, a cessão de pro-messa desaparece com o contrato principal, uma vez que o derivado não subsiste sem o principal.

Afirmou, também, que o § 2º do art. 40 da Lei nº 4.591/1964 se refere à circunstância de a construção já estar desenvolvida, fazendo incidir, ao caso concreto, o preceito a que os civilistas chamam boa-fé objetiva, e que determina que o dono do terreno pague ao adquirente da unidade o valor

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da parcela de construção que haja adicionado à unidade. Não sendo razoá-vel, segundo o Relator, supor-se que essa parcela da construção só poderia ser adicionada ao terreno com o investimento de todo o dinheiro que a promitente compradora do terreno tenha recebido do autor, comprador da unidade. Inexistindo, por estes motivos, base legal para que se determine a devolução separada do valor que foi pago pela fração ideal, na medida em que a lei não faz qualquer ressalva quanto ao pagamento separado desse valor.

Nestes termos, não se conheceu do recurso especial.

Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial nº 1.096.639/DF (2008/0218651-2)

EMENTA

DIREITO CIVIL – VIZINHANÇA – CONDOMÍNIO COMERCIAL QUE AD-MITE UTILIZAÇÃO MISTA DE SUAS UNIDADES AUTÔNOMAS – INSTA-LAÇÃO DE EQUIPAMENTO POR CONDÔMINO QUE CAUSA RUÍDO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – DANO MORAL FIXADO EM QUANTUM RA-ZOÁVEL

O exercício de posições jurídicas encontra-se limitado pela boa-fé objetiva. Assim, o condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou exagerada com a finalidade de prejudicar seu vizinho. Mais especificamente não se pode impor ao vizinho uma convenção condominial que jamais foi observada na prática e que se encontra completamente desconexa da reali-dade vivenciada no condomínio.

A suppressio, regra que se desdobra do princípio da boa-fé objetiva, reco-nhece a perda da eficácia de um direito quando este longamente não é exer-cido ou observado.

Não age no exercício regular de direito a sociedade empresária que se esta-belece em edifício cuja destinação mista é aceita, de fato, pela coletividade dos condôminos e pelo próprio Condomínio, pretendendo justificar o exces-so de ruído por si causado com a imposição de regra constante da convenção condominial, que impõe o uso exclusivamente comercial, mas que é letra morta desde sua origem.

A modificação do quantum fixado a título de compensação por danos morais só deve ser feita em recurso especial quando aquele seja irrisório ou exage-rado.

Recurso especial não conhecido.

Há ainda outros exemplos de aplicação do regramento da boa-fé na solução de conflitos estabelecidos em negócios imobiliários, e que foram veiculados em informativos do Superior Tribunal de Justiça. Veja-se, então:

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Informativo nº 0376

Período: 10 a 14 de novembro de 2008.

Segunda Turma

CONTRATO – SFH – EFICÁCIA – TERCEIROS

Firmou-se contrato de mútuo habitacional (SFH) com o agente financeiro vinculado ao extinto BNH. Sucede que houve a cessão da posição contratual (devedor) por força de escritura de compra e venda na qual se ressalvava a existência de caução hipotecária dada ao BNH pelo agente financeiro, mediante endosso em cédula hipotecária. Então, os cessionários quitaram antecipadamente o saldo devedor, quitação essa passada pelo agente finan-ceiro, autorizando-os a levantar o gravame hipotecário. Remanesceu, contu-do, o direito real de caução sobre o crédito hipotecário. Porém, a CEF firmou contrato de novação com o agente financeiro (em liquidação extrajudicial) e adquiriu, entre outros, os direitos sobre a caução hipotecária constituída sobre o imóvel dos cessionários. Foi o inadimplemento do agente financeiro que gerou a pretensão de a CEF opor-se ao levantamento do gravame da caução, o que levou os cessionários a ingressar com ação ordinária contra a CEF, com o fito de liberá-los desse ônus real. Quanto a isso, veja-se que o princípio da relatividade dos efeitos dos contratos (res inter alios acta) tem sofrido mitigações mediante a admissão de que os negócios entre as partes, eventualmente, podem interferir (positiva ou negativamente) na esfera jurídi-ca de terceiros. Essas mitigações dão-se pela doutrina do terceiro cúmplice, a proteção do terceiro diante dos contratos que lhe são prejudiciais ou mesmo pela tutela externa do crédito.

Porém, em todos os casos, sobressaem a boa-fé objetiva e a função social do contrato. No caso, a cessão dos direitos de crédito à CEF deu-se após o adim-plemento da obrigação pelos cessionários, negócio que se operou inter partes (devedor e credor). Assim, o posterior negócio entre a CEF e o agente finan-ceiro não tem força para dilatar sua eficácia e atingir os devedores adimplen-tes. Aflora da interpretação dos arts. 792 e 794 do CC/1916 a necessidade de que os cessionários sejam notificados da cessão do título caucionado, com o desiderato de não pagarem em duplicidade, assertiva compartilhada pelas instâncias ordinárias. No entanto, não há, nos autos, prova de que a CEF tenha promovido a notificação. Por último, vê-se que a Súmula nº 308/STJ tem aplicação analógica ao caso e que os princípios da boa-fé objetiva, fun-ção social e os relativos à proteção das relações jurídicas também impedem a responsabilização dos cessionários. Com esse entendimento, a Turma, co-nheceu em parte do recurso da CEF e, nessa parte, negou-lhe provimento.

REsp 468.062/CE, Rel. Min. Humberto Martins, Julgado em 11.11.2008.

Informativo nº 0375

Período: 3 a 7 de novembro de 2008.

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Segunda Turma

SÚMULA Nº 84/STJ – EMBARGOS DE TERCEIRO – ADQUIRENTE – BOA-FÉ

É cediço que a jurisprudência deste Superior Tribunal tem protegido a pro-messa de compra e venda, ainda que não registrada em cartório (art. 530, I, do CC/1916), preservando-se o direito dos terceiros adquirentes de boa-fé (Súmula nº 84/STJ).

Ressalta a Ministra Relatora que, em se tratando de execução fiscal com penhora sobre imóvel, o marco a ser considerado é o registro da constri-ção no cartório competente (art. 659, § 4º, do CPC), uma vez que não se pode impor ao terceiro adquirente a obrigação quanto à ciência da exe-cução tão-somente pela existência da citação do devedor. Assim, ausente o registro da penhora efetuada sobre o imóvel, não se pode concluir que houve fraude. Ademais, na hipótese dos autos, ficou comprovado que a venda do imóvel, ainda que sem registro, foi realizada antes do ajuiza-mento da execução fiscal, motivo pelo qual deve ser preservado o direi-to do terceiro de boa-fé. Com essas considerações, a Turma negou provi-mento ao recurso da Fazenda. Precedentes citados: REsp 739.388/MG, DJ 10.04.2006, e REsp 120.756/MG, DJ 15.12.1997.

REsp 892.117/RS, Relª Min. Eliana Calmon, Julgado em 04.11.2008.

Informativo nº 0210

Período: 24 a 28 de maio de 2004.

Segunda Seção

HIPOTECA – SFH – CONSTRUÇÃO – IMÓVEIS – ADQUIRENTE – UNIDA-DE AUTÔNOMA

Trata-se, na espécie, de um desses casos em que a construtora não honra seus compromissos perante o banco financiador do empreendimento, o que resulta na penhora da unidade habitacional. No dizer do Ministro Relator, quanto ao caso de a hipoteca ter sido instituída pela empresa construtora ao agente financeiro em data posterior à celebração do contrato de compra e venda, a jurisprudência é pacífica no sentido de sua nulidade; na hipótese de financiamento por meio do Sistema Financeiro da Habitação – SFH (que é o caso dos autos), a Seção tem decidido pela ineficácia da hipoteca perante o adquirente da unidade habitacional, prevalecendo o direito de propriedade do imóvel por parte do comprador. Pois a mesma construtora que vendeu e recebeu o preço, ou ainda está recebendo as prestações, dá o empreendi-mento ou suas unidades autônomas em hipoteca à instituição bancária.

Essa instituição sabe que os imóveis são destinados à venda, mas a operação de empréstimo ocorre como se os adquirentes não existissem, e repassa fre-qüentemente os recursos do SFH sem verificar a viabilidade econômica do empreendimento ou a solvência das empresas incorporadoras. Assim sendo, não se permite que o financiador assuma a cômoda posição de, sem cuida-

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dos na aplicação dos recursos, executar os adquirentes de boa-fé. Evocou--se, ainda, voto do Ministro Ruy Rosado que esclarece: a hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela en-quanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transfe-rência, por escritura pública de compra e venda, ou promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado (art. 22 da Lei nº 4.846/1965), sendo inefi-caz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Além de que o princípio da boa-fé objetiva impõe a responsabilidade aos tercei-ros adquirentes restrita ao pagamento do seu débito, devendo o financiador acautelar-se para receber o seu crédito da sua devedora (construtora inadim-plente) ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. Outrossim, o fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não pode ter o efeito que se lhe procura atribuir nos imóveis financiados pelo SFH. Com esses escla-recimentos, a Seção rejeitou os EREsp da instituição bancária por terem os acórdãos confrontados bases fáticas diversas e superou divergências até en-tão existentes no âmbito da Seção. Precedentes citados: REsp 146.659/MG, DJ 05.06.2000; REsp 498.862/GO, DJ 01.03.2004; REsp 187.940/SP, DJ 21.06.1999; REsp 431.440/SP, DJ 17.02.2003; e REsp 547.763/GO, DJ 11.11.2003.

EREsp 415.667/SP, Rel. Min. Castro Filho, Julgados em 26.05.2004.

Informativo nº 0194

Período: 1º a 5 de dezembro de 2003.

Terceira Turma

AÇÃO COLETIVA – IMÓVEIS – HIPOTECA – LEGITIMIDADE ATIVA

A orientação dominante neste Superior Tribunal é no sentido de ser nula a garantia hipotecária dada pela construtora à instituição financeira após já ter negociado o imóvel com promissário comprador. Assentou-se também que os arts. 677 e 755 do CC/1916 aplicam-se à hipoteca constituída validamen-te e não à que padece de vício de existência que a macula de nulidade desde o nascedouro, precisamente a celebração anterior de um compromisso de compra e venda e o pagamento integral do preço do imóvel. E o banco, ao celebrar o contrato de financiamento, pode inteirar-se das condições dos imóveis: destinados à venda, já oferecidos ao público, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros de boa-fé. Em diversos julgados já se fir-mou o entendimento que o magistrado, diante do relevante interesse social, como é o caso dos autos, pode dispensar a exigência da constituição da asso-ciação autora há mais de um ano. Precedentes citados: AgRg-Ag 468.719/RS,

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DJ 23.06.2003; REsp 239.557/SC, DJ 07.08.2000; e REsp 329.968/DF, DJ 04.02.2002.

REsp 399.859/ES, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Julgado em 02.12.2003.

Informativo nº 0149

Período: 30 de setembro a 4 de outubro de 2002.

Terceira Turma

PENHORA – ALIENAÇÃO – REGISTRO

O imóvel em questão foi alienado pela construtora aos recorrentes mediante instrumento particular de compromisso de compra e venda não levado a registro.

Sucede que, no momento da alienação, havia ação pendente entre os re-corridos e a construtora alienante, que resultou, posteriormente, na penhora registrada daquele bem. Note-se que grande parte do preço foi paga quando já registrada a constrição.

Isso posto, a Turma entendeu que os recorrentes provavelmente agiram de boa-fé, porém tiveram uma conduta temerária, ou mesmo negligente, contra-tando a promessa e pagando o preço quando sequer a incorporação imobi- liária havia sido registrada. Nessas condições, seria exigir demais dos recorri-dos a prova da insolvência da construtora, essa, ônus dos recorrentes, autores dos embargos de terceiro.

REsp 442.778/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Julgado em 01.10.2002.

Informativo nº 0307

Período: 4 a 8 de dezembro de 2006.

Quinta Turma

LOCAÇÃO – ACESSÕES – RETENÇÃO – IMÓVEL

O entendimento deste Superior Tribunal é no sentido de ser possível a re-tenção de imóvel pelo possuidor de boa-fé até que seja indenizado pelas acessões nele realizadas. No caso, de ação de despejo, as obras realizadas no terreno locado foram reconhecidas como acessões industriais, cujas des-pesas de construção foram suportadas pela locatária, sem que lhe fossem ressarcidas. Daí correta a retenção. Precedentes citados: REsp 430.810/MS, DJ 08.11.2002, e REsp 28.489/SP, DJ 22.11.1993.

REsp 805.522/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Julgado em 07.12.2006.

Informativo nº 0288

Período: 12 a 16 de junho 2006.

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Terceira Seção

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – ART. 8º DA LEI Nº 8.245/1991 – ART. 546, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC – ARTS. 255 E 266 DO RISTJ

Trata-se de embargos opostos contra acórdão da Quinta Turma deste Supe-rior Tribunal que rejeitou embargos de declaração opostos contra acórdão que, por maioria de votos, não conheceu do REsp. No voto condutor do acórdão, o recurso não foi conhecido pelos fundamentos das Súmulas nºs 5 e 7/STJ de aferição da existência de suposto obstáculo intransponível a impe-dir que o recorrente efetuasse a averbação do contrato de locação no prazo legal, a qual somente teria sido realizada após a arrematação do imóvel; e o termo “adquirente” contido no art. 8º da Lei nº 8.245/1991 não coincidiria com aquele extraído do art. 530, I, do CC/1916, de sorte que a denunciação da locação poderia ser realizada mesmo se não transcrito o título de aqui-sição no Registro de Imóveis, sendo até prescindível a aquisição plena do imóvel. O Ministro Relator entendeu faltar fundamento bastante para superar a fase de conhecimento destes embargos, ante a não-implementação dos re-quisitos que lhes são específicos em conformidade com o art. 546, parágrafo único, do CPC, c/c os arts. 255 e 266 do RISTJ. O Ministro Nilson Naves, em análise detida sobre o termo “adquirente”, empregado pelo art. 8º da Lei nº 8.245/1991, acrescentava que tal expressão não coincide com o conceito de adquirente extraído do art. 530, I, do CC/1916, o qual dispõe que a pro-priedade de imóvel se adquire com a transcrição.

Se a Lei de Locações quisesse que a expressão “adquirente” equivalesse a proprietário, tê-lo-ia dito expressamente, de modo que, a prevalecer a tese sustentada pelo recorrente, tornar-se-ia sem utilidade prática a expressão contida no citado art. 8º. Não se buscou aqui a aquisição do imóvel e, sim, a continuidade do contrato de locação contra o novo proprietário e locador. Por isso mesmo, é que o paradigma cuidou da matéria disposta no art. 33 da citada lei, enquanto o acórdão embargado cuidou do tema relativo ao art. 8º da mesma lei. Assim, também votou em sentido contrário ao conhecimento dos embargos, mas registrou que a arrematante agiu com boa-fé subjetiva, confiada na venda judicial e no registro de imóveis e atendeu às exigências da boa-fé objetiva. Com esses esclarecimentos, a Seção, ao prosseguir o jul-gamento, não conheceu dos embargos.

EREsp 511.637/SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Julgado em 14.06.2006.

Em todas estas demandas o princípio da boa-fé operou o reequilíbrio social, seja tutelando a parte ou o terceiro de boa-fé, seja apenando as con-dutas que a ela se opuseram e que, portanto, desrespeitaram o preceito de confiança que deve nortear os negócios imobiliários, cerne deste trabalho, em quaisquer de suas possíveis modalidades.

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CONCLUSÃO

No hodierno cenário social, descortinado pela releitura de velhos princípios e pelo “surgimento” de outros tantos, que se efetivou com o ad-vento da Carta Política de 1988 e pela promulgação do novo Diploma Ci-vil, abriram-se novos horizontes para a interpretação das relações sociais e, especialmente, para a “tradução” das relações jurídicas, principalmente quando atinentes aos negócios jurídicos imobiliários, particularmente ana-lisados neste estudo.

Neste rumo, o novo sistema civil implantado no País com o Código Civil de 2002, com suas cláusulas gerais, que, diferentemente do antigo ordenamento que privilegiava os princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade dos contratos (de matriz individualista, liberal, portanto), sofreu e impôs significativa transformação que se realizou com base nos princípios da socialidade, eticidade e operabilidade, e que emprestou nova feição aos princípios que dinamizam as relações jurídicas e, entre estas, os contratos55.

Neste ambiente, queda-se insuficiente a prevalência que se empresta-va à verba contratual na regulação de todas as relações recíprocas, mas, an-tes, sobressai-se a certeza de que os negócios imobiliários (vínculos jurídicos dinâmicos, por excelência) só se podem aperfeiçoar, em todas as suas fases e dirigidos processualmente a sua finalidade, amparada pela boa-fé que surge como mandamento inquebrantável, a apontar uma postura psicológica e éti-ca, um padrão de conduta, de agir com retidão ou, em outras palavras, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendi-das, é claro, as peculiaridades dos usos e costumes do lugar, com vistas à proteção do interesse do “alter”, membro do conjunto social que é juridica-mente tutelado, conforme professorado por Judith Martins-Costa.

Salienta-se, por fim, que também é este o posicionamento que tem sido acolhido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

REFERÊNCIASAVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. III, 2008.

55 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 33.

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MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no proces-so obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

OLIVEIRA GOUVÊA, Eduardo de. O princípio da boa-fé e sua repercussão nos contratos – Algumas reflexões. Revista de Direito da PGMRJ, ano III, n. 3, 2002.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Coleção Direito Civil. 5 ed. São Paulo: Atlas, v. 2, 2005.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Boa-Fé – Negociações Imobiliárias

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.433.031 – DF (2013/0399263‑2)Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: Fernando Siracusa Vianna Coelho e outroAdvogado: Rafael de Paula GomesRecorrido: Caixa Econômica FederalAdvogado: Mauro José Garcia Pereira e outro(s)

ementAHABITACIONAL – SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO – PURGAÇÃO DA MORA – DATA-LIMITE – ASSINATURA DO AUTO DE ARREMATAÇÃO – DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 26, § 1º, E 39, II, DA LEI Nº 9.514/1997; 34 DO DL 70/1966; E 620 DO CPC

1. Ação ajuizada em 01.06.2011. Recurso especial concluso ao gabi-nete da Relatora em 07.02.2014.

2. Recurso especial em que se discute até que momento o mutuário pode efetuar a purgação da mora nos financiamentos vinculados ao Sistema Financeiro Imobiliário.

3. Constitui regra basilar de hermenêutica jurídica que, onde o legis-lador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo, sobretudo quando resultar em exegese que limita o exercício de direitos, se postando contrariamente ao espírito da própria norma interpretada.

4. Havendo previsão legal de aplicação do art. 34 do DL 70/1999 à Lei nº 9.514/1997 e não dispondo esta sobre a data-limite para purgação da mora do mutuário, conclui-se pela incidência irrestrita daquele dispositivo legal aos contratos celebrados com base na Lei nº 9.514/1997, admitindo-se a purgação da mora até a assinatura do auto de arrematação.

5. Como a Lei nº 9.514/1997 promove o financiamento imobiliário, ou seja, objetiva a consecução do direito social e constitucional à mo-radia, a interpretação que melhor reflete o espírito da norma é aquela que, sem impor prejuízo à satisfação do crédito do agente financeiro,

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maximiza as chances de o imóvel permanecer com o mutuário, em respeito, inclusive, ao princípio da menor onerosidade contido no art. 620 do CPC, que assegura seja a execução realizada pelo modo menos gravoso ao devedor.

6. Considerando que a purgação pressupõe o pagamento integral do débito, inclusive dos encargos legais e contratuais, nos termos do art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997, sua concretização antes da assi-natura do auto de arrematação não induz nenhum prejuízo ao cre-dor. Em contrapartida, assegura ao mutuário, enquanto não perfecti-bilizada a arrematação, o direito de recuperar o imóvel financiado, cumprindo, assim, com os desígnios e anseios não apenas da Lei nº 9.514/1997, mas do nosso ordenamento jurídico como um todo, em especial da Constituição Federal.

7. Recurso especial provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar pro-vimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). Rafael de Paula Gomes, pela parte Recorrente: Fernando Siracusa Vianna Coelho.

Brasília (DF), 03 de junho de 2014 (data do Julgamento).

Ministra Nancy Andrighi Relatora

relAtório

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por Fernando Siracusa Vianna Coelho e Solange Madureira Moreira da Costa Coelho, com fulcro no art. 105, III, a e c, da CF/1988, contra acórdão proferido pelo TRF da 1ª Região.

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Ação: de consignação em pagamento, ajuizada pelos recorrentes em desfavor da Caixa Econômica Federal – CEF.

Depreende-se dos autos terem as partes firmado contrato de financia-mento habitacional no valor de R$ 67.000,00, para completar o montante necessário à compra de imóvel adquirido pela quantia de R$ 349.000,00. Ante à inadimplência dos recorrentes, a CEF adotou os procedimentos ten-dentes à consolidação da propriedade em seu nome, estando pendente a realização de leilão público para alienação do bem.

Após discorrerem sobre os motivos que levaram à inadimplência, di-zem ter conseguido reorganizar suas finanças, tendo procurado a CEF para quitação do débito, momento em que foram informados de que isso não mais seria possível, visto que o financiamento habitacional estaria encer-rado pela consolidação da propriedade em nome da instituição financeira.

Assim, por meio da presente ação, os recorrentes pretendem: (i) obs-tar a realização do leilão público para alienação do imóvel; (ii) a realização de depósito judicial de R$ 59.706,79; e (iii) a transferência do saldo da conta vinculada ao FGTS do autor, no valor de R$ 59.677,41, para a conta judicial, de sorte a totalizar um depósito em consignação de R$ 119.384,20, a ser levantado pela CEF, dando-se por extinto o débito, com a transferência definitiva da propriedade aos recorrentes.

Sentença: indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem re-solução de mérito, com base na ausência de interesse processual dos re-correntes em virtude da consolidação da propriedade em nome da CEF e a consequente extinção do contrato (fls. 208/212, e-STJ).

Acórdão: o TRF da 1ª Região negou provimento ao apelo dos recor-rentes, mantendo na íntegra a sentença (fls. 242/251, e-STJ).

Embargos de declaração: interpostos pelos recorrentes, foram rejeita-dos pelo TRF da 1ª Região (fls. 263/267, e-STJ).

Recurso especial: alega violação dos arts. 39, II, da Lei nº 9.514/1997; 34 do DL 70/1966; e 535 do CPC, além de dissídio jurisprudencial (fls. 273/294, e-STJ).

Prévio juízo de admissibilidade: o TRF da 1ª Região negou segui-mento ao recurso (fls. 315/317, e-STJ), dando azo à interposição do AREsp 443.419/DF, conhecido para determinar a sua reautuação como especial (fl. 365, e-STJ).

É o relatório.

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50 ���������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 22 – Jul-Ago/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

voto

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relator):

Cinge-se a lide a determinar até que momento o mutuário pode efe-tuar a purgação da mora nos financiamentos vinculados ao Sistema Finan-ceiro Imobiliário.

1 DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC

01. Da análise do acórdão recorrido, nota-se que a prestação jurisdi-cional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado. O TRF da 1ª Região se pronunciou de maneira a abordar todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados adiante.

02. O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica omissão, obscuridade ou contradição, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a matéria posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC.

03. Constata-se, em verdade, a irresignação dos recorrentes e a ten-tativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra viável no contexto do art. 535 do CPC.

2 DA PURGAÇÃO DA MORA – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 39, II, DA LEI Nº 9.514/1997 E 34 DO DL 70/1966

04. Conforme se extrai do panorama fático delineado pelas instâncias ordinárias, as partes celebraram contrato de financiamento pelo Sistema Fi-nanceiro Imobiliário no montante de R$ 67.000,00. Diante da inadimplên-cia dos recorrentes, a CEF adotou os procedimentos tendentes à consolida-ção da propriedade em seu nome, estando pendente a realização de leilão público para alienação do bem.

05. Após reorganizarem suas finanças, os recorrentes procuraram a CEF no intuito de quitar o débito, mas foram informados de que isso não mais seria possível, na medida em que o financiamento habitacional estaria encerrado pela consolidação da propriedade em nome da instituição finan-ceira.

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06. O juiz de primeiro grau de jurisdição, mediante sentença mantida pelo TRF da 1ª Região, indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução de mérito, com base na ausência de interesse processual dos recorrentes.

07. Os recorrentes pugnam pela aplicação da regra do art. 34 do DL 70/1966, que prevê a possibilidade de purgação da mora a qualquer tempo, até a assinatura do auto de arrematação. Salientam que o art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997, estabelece a “aplicação direta” dos arts. 29 a 41 do DL 70/1966, como se “fossem transcritos no próprio corpo da Lei nº 9.514/1997”, não se tratando, pois, de “aplicação subsidiária ou mesmo de aplicação supletiva” (fl. 280, e-STJ).

08. O acórdão recorrido por sua vez, afirma que “no caso concreto deve ser privilegiada a regra específica da Lei nº 9.514/1997, dada a ob-servância do princípio da especialidade” (fl. 246, e-STJ), ressalvando que, “quando o devedor-fiduciante é constituído em mora em face da inadim-plência decorrente de contrato de compra e venda de imóvel com aliena-ção fiduciária no âmbito do Sistema Financeiro Imobiliário – SFI e a con-solidação da propriedade do bem é registrada no Cartório de Registro de Imóveis em nome do agente financeiro, consoante regra do art. 26 da Lei nº 9.514/1997, não mais subsiste interesse processual em demandar, em juízo questões atinentes ao resgate da divida, uma vez que não mais existe relação jurídica entre fiduciante e fiduciário, dada a extinção do contrato que os vinculavam” (fl. 251, e-STJ).

09. Tive a oportunidade de me manifestar sobre essa questão em de-cisão unipessoal proferida na MC 15.590/DF, DJe de 29.05.2009, tendo concluído ser o art. 34 do DL 70/1966 “expressamente aplicável aos contra-tos regulados pela Lei nº 9.514/1997 (art. 39, II)”.

10. Com efeito, constitui regra basilar de hermenêutica jurídica que, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo, sobretudo quando resultar em exegese que limita o exercício de direitos, se postando contrariamente ao espírito da própria norma interpretada.

11. Na espécie, verifica-se que o art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997 determina, sem qualquer ressalva, que “às operações de financiamento imo-biliário em geral a que se refere esta Lei [...] aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966”.

12. Compulsando o DL 70/1966, constata-se que os mencionados artigos tratam da inadimplência do mutuário, inclusive, em seu art. 34, acerca da data limite para purgação da mora – tema sobre o qual a Lei

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nº 9.514/1997 é silente – sendo de todo incabível suscitar, como fez o TRF da 1ª Região, o princípio da especialidade, o que somente faria sentido caso houvesse incompatibilidade entre as normas.

13. Sendo assim, havendo previsão legal de aplicação do art. 34 do DL 70/1999 à Lei nº 9.514/1997 e não dispondo esta sobre a data limite para purgação da mora do mutuário, conclui-se pela incidência irrestrita daquele dispositivo legal aos contratos celebrados com base na Lei nº 9.514/1997.

14. Não bastasse isso, há de se considerar, na busca de interpretação que melhor reflita o espírito da norma, que a Lei nº 9.514/1997 promove o financiamento imobiliário, ou seja, objetiva a consecução do direito social e constitucional à moradia. O fato de o contrato não estar inserido no Sistema Financeiro de Habitação – destinado às pessoas de baixa renda – mas no Sistema Financeiro Imobiliário – voltado, em princípio, para classes mais privilegiadas – não tem o condão de alterar a natureza da norma que, de qualquer sorte, procura conferir efetividade ao direito de habitação.

15. Partindo dessa premissa, deve-se buscar interpretação que, sem impor prejuízo à satisfação do crédito do agente financeiro, maximize as chances de o imóvel permanecer com o mutuário, em respeito, inclusive, ao princípio da menor onerosidade contido no art. 620 do CPC, que assegura seja a execução realizada pelo modo menos gravoso ao devedor.

16. Nesse aspecto, considerando que a purgação pressupõe o paga-mento integral do débito, inclusive dos encargos legais e contratuais, nos termos do art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997, sua concretização antes da assinatura do auto de arrematação não induz nenhum prejuízo ao credor. Em contrapartida, assegura ao mutuário, enquanto não perfectibilizada a arrematação, o direito de recuperar o imóvel financiado, cumprindo, assim, com os desígnios e anseios não apenas da Lei nº 9.514/1997, mas do nosso ordenamento jurídico como um todo, em especial da Constituição Federal.

17. Acrescente-se, por oportuno, que a conclusão alcançada no REsp 1.155.716/DF, 3ª T., minha relatoria, DJe de 22.03.2012, alçado a paradig-ma pelo TRF da 1ª Região – do qual, aliás, derivou a MC 15.590/DF, supra-mencionada – não interfere no resultado do presente julgamento.

18. Aquele processo definiu os limites do direito possessório do mu-tuário inadimplente em contrato firmado pelo Sistema Financeiro Imobili-ário, concluindo-se que “a consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à posse do imóvel. Negá-lo im-plicaria autorizar que o devedor fiduciário permaneça em bem que não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação”.

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19. Na hipótese dos autos, não se discute direito possessório, mas o dies ad quem para o exercício, pelo mutuário, do direito de purgar a mora em contrato firmado pelo Sistema Financeiro Imobiliário. Aqui haverá, sim, a recuperação do direito à posse – e à propriedade – sobre o bem, mas ape-nas como consequência lógica da quitação integral do débito.

20. Veja que, no particular, em momento algum se obstou a CEF de, tendo assumido a propriedade do bem, exercer o respectivo direito pos-sessório. Houve, na verdade, inércia da instituição financeira, que desde a consolidação da propriedade do imóvel litigioso em seu nome não ado-tou nenhuma medida tendente ao recebimento do crédito, nem mesmo as providências para levar o bem a leilão público que, nos termos do art. 27, caput, da Lei nº 9.514/1997, deveriam ter sido tomadas no prazo de 30 dias do registro da propriedade.

21. Em suma, como na espécie não houve a realização de leilão pú-blico para alienação do imóvel, não há de se falar na ausência de interesse jurídico dos recorrentes, devendo o processo retomar o seu trâmite.

22. Finalmente, importa consignar que não cabe discutir, nesse mo-mento, a forma proposta pelos recorrentes para purgação da mora, notada-mente o fato de pretenderem que parte do valor seja consignado mediante transferência do saldo de conta vinculada ao FGTS. Essa questão haverá de ser apreciada pelo Juiz de primeiro grau de jurisdição – aceitando ou não a consignação na forma pretendida – vindo à revisão desta Corte somente caso sejam interpostos e admitidos os recursos cabíveis.

Forte nessas razões, dou provimento ao recurso especial para anular a sentença, afastando a extinção da ação e determinando o prosseguimento da ação, na esteira do devido processo legal.

certidão de julgAmento terceirA turmA

Número Registro: 2013/0399263-2

Processo Eletrônico REsp 1.433.031/DF

Números Origem: 00306990820114013400 200734000205624 306990820114013400

Pauta: 03.06.2014 Julgado: 03.06.2014

Relatora: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

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Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Sady D’Assumpção Torres Filho

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

AutuAção

Recorrente: Fernando Siracusa Vianna Coelho e outro

Advogado: Rafael de Paula Gomes

Recorrido: Caixa Econômica Federal

Advogado: Mauro José Garcia Pereira e outro(s)

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Sistema Financeiro da Habitação – Quitação

sustentAção orAl

Dr(a). Rafael de Paula Gomes, pela parte Recorrente: Fernando Siracusa Vianna Coelho

certidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Assunto Especial – Ementário

Boa-Fé – Negociações Imobiliárias

1579 – compra e venda – arras – retenção – erro substancial – boa-fé e função social do contrato – violação

“Civil. Consumidor. Arras. Retenção. Erro substancial. Violação da boa-fé e da função so-cial do contrato, bem como de normas cogentes do CDC. Recurso conhecido e improvido. 1. Havendo erro substancial, violação da boa-fé e da função social do contrato, bem como a normas cogentes do CDC, não prevalece a retenção das arras penitenciais, mesmo porque não pactuadas de forma expressa. Recurso conhecido, mas improvido. Sentença mantida.” (JEDF – AC 2005.01.1.015733-4 – 2ª T.R. – Rel. Juiz Alfeu Machado – DJU 3 12.09.2005)

Comentário Editorial SÍNTESEO caso em questão cinge­se sobre a devolução do sinal dado em contrato de compra e venda de imóvel.A incorporadora ingressou com apelação cível objetivando a reforma da sentença, alegando que não se aplica o instituto da lesão ao caso concreto, eis que o valor do sinal não é excessivo. Sustentou, ainda, restar incontroverso que a quantia paga pela recorrida teve a natureza jurídica de arras confirmatórias, ou seja, visou a garantir a realização do negócio, nos termos do art. 418 do novo Código Civil.O TJDF conheceu do recurso, mas deu improvimento, mantendo a decisão monocrática.O Relator, com propriedade, reconheceu que a recorrente agiu com boa­fé, e que, no negócio jurídico, ocorreu erro substancial. Por esses motivos, manteve a decisão vergastada que decidiu que a incorporadora devolvesse o sinal dado. Assim considerou no seu voto:“No caso, tem­se que a proponente é uma senhora idosa, que, agindo de boa­fé, com certeza não imaginou que poderia vir a perder o valor despendido em caso de arrependimento. Aliás, este arrependimento, consigne­se, ocorreu apenas 10 (dez) dias da assinatura da proposta, que tinha validade de 7 (sete) dias, logo, o prazo em que se deu o arrependimento deve ser considerado bastante razoável, não causando qualquer prejuízo à recorrente (perdas e danos), mesmo porque, por certo, poderá oferecer a unidade habitacional a outros interessados, vez que o mercado imobiliário de Brasília encontra­se bastante ‘aquecido’.Em suma, o direito de arrependimento pode ter como fundamento jurídico a existência da boa­fé objetiva por parte do comprador, como é o que ocorre na hipótese em testilha.”O eminente jurista José Wilson Ferreira Sobrinho aponta a diferença entre as arras confirmatórias e as penitenciais, como veremos: “A doutrina, à luz dessas posições apontadas, constrói seu pensamento centrado na existência de dois tipos de arras: confirmatórias e penitenciais. As arras confirmatórias, para Orlando Gomes, ‘consistem na entrega de quantia ou coisa, feita por um contratante a outro, em firmeza do contrato e como garantia de que será cumprido’. De fato, tais arras são utilizadas com a finalidade de impedir o arrependimento de qualquer das partes. As arras penitenciais ‘consistem na entrega de quantia feita por um contratante ao outro, ficando os dois com o direito de arrependimento, se deixarem de concluir o contrato ou o desfizerem’, diz o citado Orlando Gomes. Adverte, contudo, Caio Mário da Silva Pereira, relativamente ao direito de arrependimento dos contratantes, que ‘esta faculdade de retratação, que não pode durar indefinidamente, vai até a execução cabal da obrigação’. As arras penitenciais, na verdade, possibilitam a existência de um direito de arrependimento recíproco que, como referido acima, está limitado à execução da obrigação contraída, pelo que não se cogita de arrependimento que transcenda a liquidação da obrigação.” (Sobre as arras. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, n. 19, p. 396, doutrina n. 3/18435, 1. quinzena out. 2001)Outrossim, no que tange à questão da função social do contrato, vale trazer as lições do jurista Fernando Cabeças Barbosa, in verbis:“b) A nova concepção do contrato:Mas, enfim, o que vem a ser o fim social do contrato? Quais são suas hipóteses de incidência? Quando será possível dizer que não se está atendendo a esta nova concepção?

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A insigne jurista Maria Helena Diniz nos ensina com brilhantismo que: ‘O fim social é o objetivo de uma sociedade, encerrado na somatória de atos que constituirão a razão de sua composição; é, portanto, o bem social, que pode abranger o útil, a necessidade social e o equilíbrio de interesses.’Atentando­se para a finalidade social do contrato, em exame específico que rege relações jurí­dicas civis, tem­se que o seu objeto é o mais amplo e diverso possível, pois todos os que vivem em sociedade celebram contratos, desde os mais singelos até os mais complexos, valendo­se do instituto a fim de espelhar a certeza das obrigações ajustadas.Dessa forma, é de interesse social que o contrato funcione como espelho do equilíbrio das obri­gações contratuais, evitando­se o sacrifício prestacional do devedor, em benefício de seu credor, conduzindo ao enriquecimento ilícito.A ideia da função social do contrato está, pois, intimamente ligada à da lesão, em que uma parte abusa da outra mediante a inserção de cláusulas estabelecendo prestações desiguais e desproporcionais, quando, a rigor, deveria estabelecer prestações equivalentes como elemento essencial da validade do contrato.Em obra célebre, já advertia o insigne jurista Georges Ripert: ‘A lesão muda de caráter. Aparece como injustiça cometida pelo abuso do contrato. O resultado mostra a deslealdade da luta entre os contratantes. A desigualdade das prestações não é a causa da nulidade do contrato, mas a prova de que existe outra causa de nulidade: a exploração de um dos contratantes pelo outro. Se, então, se chega, em última análise, a indagar até que ponto é proibida a um contratante servir­se das vantagens naturais que lhe dá a sua situação para concluir um negócio vantajoso, é impossível encontrar outra resposta que não seja esta: a odiosa exploração do próximo é contrária à moral que ensina a tratar os homens como irmãos.’ (Função social do contrato. Juris Síntese, Porto Alegre: IOB Thomson, jul./ago. 2005. 54 CD­ROM)”

1580 – compra e venda – mútuo bancário – juros – princípio da boa-fé objetiva – obser-vância

“Civil e processo civil. Alienação fiduciária. Mútuo bancário para compra de veículo usado. Aplicação do CDC. Taxa de juros anunciada pela Internet diversa daquela praticada pesso-almente. Violação do princípio da boa-fé objetiva. Ausência de informação. Dever anexo. Onerosidade. Modificação de cláusula. Inafastabilidade da jurisdição. 1. Não é permitido ao fornecedor de produto ou serviço, nos termos cogentes do art. 30 do CDC, veicular uma promoção via Internet, com taxas de juros atrativas, no intuito de cooptar o consumidor, e, na prática, pessoalmente, implementar outra. 2. Neste diapasão, não se pode considerar tenha a ré cumprido todos os comandos dos arts. 51, IV, e 52 do CDC, se, no momento da contratação, não informou ao autor que poderia ele beneficiar-se da taxa mais baixa (2,65%) na transação que se intenta ver modificada. 3. Não obstante tenha o autor se vinculado à oferta feita pelo representante da ré, constituía obrigação da apelante informá-lo da possibi-lidade de contratação em melhores condições, pela Internet, ante a premência do princípio da boa-fé objetiva e seu dever anexo de informação, a fim de verificar-se adesão estritamente consciente do tomador do empréstimo. 4. É de se ver que a ré não apresentou duas propostas com duas taxas de juros diferentes, mas com prazos diversos (36 ou 48 parcelas). 5. Negar a jurisdição em casos desse jaez é perpetuar distorções inconciliáveis com a Carta Magna e com a legislação ordinária de rigor. 6. Recurso desprovido, sentença mantida.” (TJDF – AC 20020111012739 – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos – DJU 05.04.2005)

1581 – compra e venda – promitente vendedor – rescisão – inadimplemento – afronta ao princípio da boa-fé – arras – devolução em dobro

“Apelação. Promessa de compra e venda. Rescisão contratual. Promitente vendedor. Inadim-plência antecipada. Afronta ao princípio da boa-fé. Arras. Devolução em dobro. CC 1916. Art. 1.095. Apelo improvido. 1. Verificado o inadimplemento antecipado da obrigação con-tratual, por parte daquele que recebeu as arras, cabível a devolução em dobro, nos termos do art. 1.095 do Código Civil de 1916, em face da afronta ao princípio da boa-fé. 2. Ape-

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lação improvida.” (TJDF – AC 20020110847950 – 6ª T.Cív. – Rel. Des. Sérgio Rocha – DJU 02.06.2005)

1582 – compromisso de compra e venda – hipoteca – terceiro adquirente – boa-fé objetiva – aplicabilidade

“Civil e processo civil. Recurso especial. Embargos de declaração rejeitados. Ausência de hipótese de cabimento. Efeitos da hipoteca. Terceiro adquirente. Cláusula expressa no com-promisso de compra e venda. Boa-fé objetiva. O recorrente deve apontar omissão, contra-dição ou obscuridade no acórdão recorrido para acolhimento dos embargos de declaração. É ineficaz, em relação ao terceiro adquirente de boa-fé, a hipoteca gravada sobre imóvel, quando constatada a existência de cláusula no compromisso de compra e venda informando que o bem estava livre de qualquer ônus. Tem aplicação o princípio da boa-fé objetiva em razão da fundada expectativa por parte do terceiro adquirente de que o imóvel não estava gravado com ônus algum. Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp 591.917/GO – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJU 01.02.2005)

Comentário Editorial SÍNTESETrata o presente caso de ação de execução tendo em vista o inadimplemento do contrato de mútuo para financiamento habitacional.O banco firmou contrato de mútuo com empresa do ramo de construção e recebeu como garantia hipotecária um bem imóvel, porém, a empresa havia celebrado com uma terceira pessoa contra­to, não registrado, de compromisso de compra e venda em relação ao mesmo bem.A terceira adquirente interpôs embargos de terceiro pretendendo a desconstituição da penhora que foram julgados procedentes sendo mantida na posse do imóvel, e foi determinado também o cancelamento da hipoteca.O banco, inconformado com esta decisão, ingressou com recurso de apelação ao qual o TRF da 1ª Região negou provimento, aduzindo que a jurisprudência tem entendido que é admissível a ação de embargos de terceiro como instrumento adequado para que o promissário comprador possa livrar­se da penhora incidente sobre o imóvel por ele adquirido de boa­fé.Após esta decisão, o banco, ainda irresignado, resolveu ingressar com recurso especial alegando ofensa a dispositivos legais, bem como dissídio jurisprudencial do STJ que entendeu não ser oponível à instituição financeira negócio entre a construtora e os promitentes compradores.O STJ manteve o acórdão recorrido aduzindo que tem razão a terceira adquirente, por ser este o entendimento reiterado deste Tribunal, ou seja, de que a hipoteca, nesses casos, não tem eficácia.Oportuno colacionar trecho do voto da Relatora:“Este Superior Tribunal de Justiça vem relativizando a eficácia absoluta da hipoteca, por en­tender que algumas demandas trazem delineamentos que modificam a interpretação literal e fria da lei. Ressalte­se que essa tendência de forma alguma representa decisão contra a lei, ao contrário, representa julgamento em conformidade com as finalidades sociais do ordenamento jurídico, representa interpretação sistemática da norma, significa aplicar o direito à espécie.”Ao final, a ilustre Relatora se reportou ao novo Código Civil no tocante ao disposto no art. 113, que determina que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa­fé, o que vem de encontro ao posicionamento adotado.Fernando Henrique Guedes Zimmermann, discorrendo sobre a boa­fé objetiva no novo Código Civil, assim nos ensina:“A inovação vem disposta na análise conjunta dos arts. 422 do novo Código (os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa­fé), 113 (os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa­fé e os usos do lugar de sua celebração) e 187 (também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê­lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa­fé ou pelos bons costumes).A boa­fé passou a ser requisito de validade a todo e qualquer contrato celebrado, sejam quais forem as partes. Não estando presente a boa­fé, o contrato pode ser revisto e, inclusive, rescin­dido, dando ensejo a ato ilícito da parte que agiu de má­fé e exigindo a reparação civil.Antes do novo Código, um contrato que, por fatos imprevisíveis e supervenientes à sua cele­bração, se tornasse demasiadamente oneroso a uma das partes raramente era revisto. Fora

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quando houve a supervalorização do real frente ao dólar e posterior retomada do seu valor real, ocasionando aumentos expressivos das parcelas de quem contratou sob o sistema de leasing, não havendo muitos registros de revisão em contratos por esse fundamento.

Nesse caso, é evidente a existência de boa­fé do contratante, e é ela seu principal e mais im­portante fundamento. Por não existir preceito legal abraçando a hipótese, pouco se viu ações nesse sentido.

No estado atual de desenvolvimento da legislação civil, há seção inteira do Código delineando a resolução dos contratos em situações análogas à exposta. Mas, se não houvesse tais dispo­sitivos, era caso de aplicar­se a boa­fé geral dos contratos ao caso e, com isso, buscar­se sua revisão ou rescisão.

Desta forma, qualquer que sejam as partes do contrato (consumidor, fornecedor, comerciante ou nenhum destes), há que se atentar à boa­fé. E o que torna mais relevante ainda essa inovação é que, estando inserta no Código Civil essas disposições, as constantes do Código Comercial e Có­digo do Consumidor saem fortalecidas, eis que, o que antes era a exceção, torna­se a regra. Não deve haver mais receio em aplicar tal princípio em todo e qualquer contrato, sob toda e qualquer circunstância. Não há mais que se prender às modalidades legalmente previstas, mas sim verifi­car se de fato ocorreu ofensa à boa­fé.” (A introdução da boa­fé objetiva nos contratos sob a égide do novo Código Civil. Juris Síntese, Porto Alegre: IOB Thomson, jul./ago. 2005. 54 CD­ROM)

1583 – contrato de mútuo – execução – boa-fé – não caracterização

“Processual civil. Mútuo hipotecário. Procedimento de execução extrajudicial. Feito princi-pal que busca a sua anulação. Imóvel já adjudicado à CEF. Decisão recorrida que determina depósitos de valores correspondentes às prestações em atraso. Insurgimento através do agra-vo, ao fundamento de não ter sido formulada pretensão em tal sentido no feito principal. Boa-fé não demonstrada. Ao longo da exordial do feito principal acima referido, trazida por cópia aos presentes autos, foram emitidos os argumentos de inconstitucionalidade do DL 70/1966 e de inobservância das disposições constantes em seus arts. 29 e seguintes, no-tadamente a de falta de publicação de ocorrência do leilão do imóvel em jornal de grande circulação, em que pese, conforme afirma o recorrente, o agente fiduciário tê-lo notificado, reclamando o pagamento dos valores em atraso. Mas, ao final de tal peça, quando trata dos pedidos formulados, há o de anulação da arrematação do imóvel, bem como de todos os atos dela provenientes, mas não se cogita do oferecimento de valores a depósito, pelo me-nos dos que se entendesse devidos, o que se encontra agora ressaltado em sede de agravo, constatação essa que não permite concluir pela existência de boa-fé, ressaltada pela juris-prudência como exigível para que se considerem procedentes pleitos análogos ao presente: ‘A ação cautelar constitui-se o meio idôneo conducente ao depósito das prestações da casa própria avençadas, com o escopo de afastar a mora, de demonstrar a boa-fé e, ainda, a solvabilidade do devedor’ – Conf. REsp 537514, DJ 14.06.2004, p. 169. Agravo improvi-do.” (TRF 2ª R. – AG 2004.02.01.005125-0 – 6ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Rogerio Carvalho – DJU 12.07.2005)

1584 – contrato de mútuo – execução – boa-fé não caracterizada – tutela antecipada – in-deferimento

“Processual civil. Mútuo hipotecário. Antecipação de tutela para obstar procedimento de exe-cução extrajudicial. Indeferimento. Falta de elementos no feito principal. Agravo que se ressen-te das mesmas falhas de instrução, notadamente quanto a indicativo do quantum oferecido a título de depósitos dos valores que se entendem devidos. Boa-fé não caracterizada (conf. STJ, REsp 537514, DJ 14.06.2004, p. 169), inclusive pelo fato de que somente na iminência de se sofrer os efeitos de uma execução extrajudicial é que houve preocupação de voltar a adimplir o contrato firmado (conf. TRF 2ª R., 4ª T., AC 2001.02.01.019888-0, DJ de 26.01.2004, p. 44). Agravo improvido.” (TRF 2ª R. – Ag 2004.02.01.005364-6 – 6ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Rogerio Carvalho – DJU 16.08.2005)

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1585 – contrato – prestações de serviços educacionais – multa – percentual – boa-fé e fun-ção social do contrato – observância

“Consumidor. Contrato de prestações de serviços educacionais. Mensalidades escolares. Multa moratória de 10% limitada em 2%. Art. 52, § 1º, do CDC. Aplicabilidade. Interpreta-ção sistemática e teleológica. Equidade. Função social do contrato. É aplicável aos contratos de prestações de serviços educacionais o limite de 2% para a multa moratória, em harmonia com o disposto no § 1º do art. 52, § 1º, do CDC. Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp 476.649/SP – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJU 25.02.2004)

1586 – Execução – banco – compra e venda – sucessão – princípio da boa-fé objetiva

“Processual. Execução. Legitimidade passiva do Banco Banerj S/A, na qualidade de sucessor do Banco do Estado do Rio de Janeiro S/A. Princípio da boa-fé objetiva. Precedentes do STJ. 1. Sustenta o apelante Banco Banerj S/A que não é sucessor do Banco do Estado do Rio de Janeiro S/A, razão pela qual seria parte ilegítima para figurar na presente execução. 2. Sem razão a apelante, consoante a pacífica jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça, que reconhece a legitimação passiva do Banco Banerj S/A para responder em juízo pelas dívidas do Banco do Estado do Rio de Janeiro S/A, com fundamento no princípio da boa-fé objetiva. 3. A transferência do patrimônio da vendedora não pode prejudicar o interesse dos credores, nem dificultar a execução de sentenças condenatórias, para que tal negócio não sirva, como num passe de mágica, a fazer desaparecer o patrimônio do devedor, sem que o comprador assuma as dívidas que sobre ele recaíam. A boa-fé objetiva garante a legitimidade passiva do comprador (STJ, REsp 310.804, DJ 27.05.2002). 4. Nego provimento ao recurso.” (TRF 2ª R. – AC 2002.02.01.007942-0 – 8ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund – DJU 20.07.2005)

1587 – Seguro – roubo de valores em estabelecimento comercial – cláusulas abusivas – boa--fé e função social do contrato – indenização devida

“Ação de cobrança. Contrato de seguro. Roubo de valores em estabelecimento comercial. Indenização. Recurso contra a sentença que condenou ao pagamento da diferença persegui-da. Cláusulas contratuais abusivas. Nulidade. Relativização do pacta sunt servanda. Dever de observância à boa-fé e função social do contrato. Aplicando-se a legislação consumerista ao contrato sub judice, resta concluir pela abusividade das cláusulas contratuais, porquanto limitam sobremaneira o direito do consumidor a ser reembolsado pelo dano sofrido, contra o qual se acautelara e vem pagando pontualmente a prestação avençada. Tais cláusulas, se não excluem, certamente restringem de modo veemente a hipótese de reparação, em evidente prejuízo ao consumidor em contrapartida ao enriquecimento sem causa obtido pela seguradora. A crescente intervenção estatal nos contratos vem relativizando a força dos pactos ao sobrelevar valores insuperáveis como a boa-fé e função social do contrato, com o fim de preservar a igualdade material entre os contratantes. Recurso improvido.” (TJBA – AC 203-6/2005 – (82.355) – 2ª C.Cív. – Relª Juíza Maria José Sales Pereira)

1588 – Seguro de vida em grupo – doença preexistente – omissão – boa-fé não caracterizada – indenização indevida

“Embargos infringentes. Embargos à execução de título extrajudicial. Contrato de seguro de vida em grupo. Preliminar de não conhecimento do reclamo. Modificações implementadas pela Lei nº 10.352/2001. Questão examinada pelo Colegiado sob a égide da legislação ante-rior. Declaração de voto vencido emitida já na nova disciplina. Circunstância inábil a cercear o direito de recorrer. Prefacial rejeitada. Invocação de nulidade do título executivo. Alegação de má-fé do contratante. Omissão quanto à doença preexistente. Princípio da transparência e da boa-fé objetiva. Conjunto probatório conclusivo quanto ao dolo na celebração do ajuste.

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60 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 22 – Jul-Ago/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO

Excludente do dever de indenizar. Insurgência recursal desprovida. A lei processual vigente para efeito de interposição de recurso é aquela do tempo do julgamento, i.e., quando o Pre-sidente do órgão fracionário, em sessão, torna pública a decisão do Colegiado, não a da data da publicação na imprensa oficial, já que esta define apenas o dies a quo para interposição do reclamo (CPC, art. 506, III). Assim, se a decisão que deu azo à interposição dos embargos infringentes ocorreu antes da vigência da Lei nº 10.352/2001, mas sua publicação no órgão oficial ocorreu posteriormente à 27.03.2002, prevalece o regramento anterior, admitindo aquele recurso mesmo que o julgado divergente não tenha reformado a sentença de primeiro grau. ‘É imperioso considerar que, nos contratos que envolvem seguro de vida, cabe a ambos os contratantes obrar com transparência e boa-fé. É patente a má-fé do segurado que, quando da assinatura do ajuste, dolosamente omite doença preexistente, não fazendo jus à indeni-zação prevista no contrato’ (AC 03.004548-1, da Capital. Rel. Des. José Volpato de Souza. J. 04.06.2004).” (TJSC – EI 2004.016052-6 – Timbó – GCDCív. – Rel. Juiz Sérgio Izidoro Heil)

1589 – Seguro-saúde – doença preexistente – boa-fé – bilateralidade

“Direito processual civil e direito do consumidor. Plano de saúde. Contestação intempestiva. Doença preexistente conhecida e omitida pelo segurado. Diabetes mellitus. Bilateralidade do princípio da boa-fé. Exclusão da responsabilidade da seguradora. 1. A intempestividade da defesa conduz à revelia do réu e à presunção relativa de veracidade dos fatos alegados na petição inicial. Não implica acolhimento cego do pedido do autor, porquanto opera no plano fático-probatório e não no plano jurídico da querela. 2. As regras do Código de Defesa do Consumidor aplicam-se ao contrato de seguro de assistência à saúde. 3. Não subsiste a responsabilidade securitária em caso de doença preexistente conhecida e omitida pelo segurado na oportunidade da contratação. O princípio da boa-fé – balizador do contrato de seguro (art. 1.443 do CCB/1916) e das relações consumeristas – deve ser observado tanto pelo fornecedor como o consumidor.” (TJDF – AC 20000110702875 – 2ª T.Cív. – Rel. Des. Waldir Leôncio Junior – DJU 03.05.2005)

1590 – SFH – hipoteca – imóvel prometido à venda e quitado – princípio da boa-fé – negli-gência

“Direito civil. Recurso especial. SFH. Contrato de financiamento. Unidade de apartamentos. Hipoteca constituída sobre imóvel já prometido à venda e quitado. Invalidade. Princípio da boa-fé. Código de Defesa do Consumidor. Ofensa. Caracterização. Encol. Negligência da instituição financeira. I – É nula a cláusula que prevê a instituição de ônus real sobre o imóvel, sem o consentimento do promitente-comprador, por ofensa ao princípio da boa--fé objetiva, previsto no Código de Defesa do Consumidor. II – Não prevalece diante do terceiro adquirente de boa-fé a hipoteca constituída pela incorporadora junto ao agente financeiro, em garantia de empréstimo regido pelo Sistema Financeiro da Habitação. Des-tarte, o adquirente da unidade habitacional responde, tão somente, pelo pagamento do seu débito. III – Consoante já decidiu esta Corte: ‘É negligente a instituição financeira que não observa a situação do empreendimento ao conceder financiamento hipotecário para edificar um prédio de apartamentos’. Da mesma forma, ‘ao celebrar o contrato de financiamento, fa-cilmente poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa-fé’ (Precedentes: REsp 239.968/DF, DJ de 04.02.2002; REsp 287.774/DF, DJ de 02.04.2001; EDREsp 415.667/SP, de 21.06.2004). Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp 200302301187 – (617045 GO) – 3ª T. – Rel. Min. Castro Filho – DJU 17.12.2004)

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Parte Geral – Doutrina

As Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade e o Compromisso de Compra e Venda de Bem Imóvel

IVO WAISBERGDoutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais, Mestre em Direito Comercial pela PUC-SP, Master of Laws em Regulação pela New York University, Professor de Direito Comer-cial da PUC-SP, do LLM da INSPER e da GVLaw, Advogado.

HERBERT MORGENSTERN KUGLERMestre em Direito Comercial pela PUC-SP, Especialista em Direito Tributário pelo Cogeae/PUC-SP, Advogado.

RESUMO: O presente artigo visa a analisar a possibilidade de se instituir cláusulas restritivas, assim com-preendidas as cláusulas que impõem a inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade sobre direitos decorrentes de compromisso de compra e venda de bem imóvel.

PALAVRAS-CHAVE: Cláusulas restritivas; inalienabilidade; incomunicabilidade; impenhorabilidade; com-promisso de compra e venda de bem imóvel.

SUMÁRIO: 1 Considerações iniciais; 2 As cláusulas restritivas; 2.1 Inalienabilidade; 2.2 Impenhorabilidade; 2.3 Incomunicabilidade; 2.4 Dos elementos comuns às cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade impostas a imóveis; 3 Do compromisso de compra e venda; 3.1 Natureza do direito do compromitente comprador; 3.2 Ius in re aliena; Conclusão.

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

As cláusulas restritivas1, assim entendidas as cláusulas de inalienabi-lidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, são alvos de constantes críticas por parte expressiva da doutrina, tendo em vista as inerentes limita-ções que acarretam ao direito de domínio sobre a coisa por elas gravadas.

Especialmente com relação à inalienabilidade, a qual acaba por reti-rar um bem do comércio, ainda que temporariamente, Orlando Gomes2 e

1 Adotamos, neste trabalho, o termo “cláusulas restritivas” para englobar as três cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, conforme já assentado na doutrina, conforme Carlos Alberto Dabus Maluf (Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 1). No mesmo sentido, GOMES, Orlando. Sucessões. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 157.

2 Sucessões. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 158­159.

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Carlos Alberto Dabus Maluf3 relatam as resistências da doutrina, tanto pátria quanto internacional, ao instituto.

Entretanto, não obstante as críticas com relação a tais cláusulas, fato é que os diplomas jurídicos pátrios consagram o seu uso, conferindo-lhes validade e eficácia, vez que tais cláusulas se revelam instrumentos eficazes na proteção do patrimônio familiar4.

No Brasil, tais cláusulas estão expressamente previstas no Código Ci-vil de 2002, como já o eram no Código de 19165, sendo passíveis de insti-tuição apenas por meio da sua oposição em testamento6 ou doação7.

Contudo, não nos interessa, no âmbito deste trabalho, um estudo completo acerca das cláusulas restritivas, mas apenas a análise do relacio-namento de tais cláusulas com o Registro de Imóveis quando elas são insti-tuídas tendo por objeto os direitos decorrentes de compromisso de venda e compra de bens imóveis.

Neste sentido, importa ressaltar, desde já, que a Lei nº 6.015/1973 também agasalha a validade e eficácia das cláusulas restritivas, desde rela-tivas a imóveis. O art. 167, II, 11, da citada lei é claro, ao determinar que se permite a averbação no fólio real “das cláusulas de inalienabilidade, im-penhorabilidade e incomunicabilidade impostas a imóveis, bem como da constituição de fideicomisso”.

Contudo, na prática, surgem situações onde o acesso ao fólio real tem sido negado a tais cláusulas, notadamente quando têm por objeto direitos relativos a bens imóveis, em particular quando decorrentes de compromis-sos de compra e venda de bem imóvel. É o caso, que nos interessa mais es-pecificamente, do doador, que, na condição de compromissário comprador de um bem imóvel, cujo título encontra-se registrado na matrícula do bem, doa tais direitos a terceiro com uma ou todas as cláusulas restritivas.

3 Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 25 e ss.

4 Salienta Nicolau Balbino Filho, especificamente com relação à inalienabilidade, que: “É certo que a inalienabilidade imobiliza os bens, prejudica a circulação normal das riquezas, tornando­se antieconômica do ponto de vista social. Mas, por deferências especiais, para defender a inexperiência das pessoas, para assegurar o bem­estar da família, para impedir a dilapidação da fortuna dos pródigos, a lei a admite impondo­ ­lhe alguns limites” (Registro de imóveis. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 661).

5 Arts. 1.676 e seguintes, bem como os arts. 1.723 e seguintes.

6 “Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.”

7 “Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.”

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Nesta situação, tem o instrumento de doação acesso ao fólio real? Podem as cláusulas restritivas ter por objeto direitos decorrentes de com-promisso de compra e venda de bem imóvel? É necessário que o doador ou testador seja titular de domínio do bem para impor as cláusulas restritivas sobre o bem imóvel?

Essas são as questões objeto do presente trabalho, sendo que, para sua escorreita compreensão, faz-se mister traçar as linhas gerais das cláusu-las restritivas, bem como da natureza dos direitos decorrentes do compro-misso de compra e venda de bem imóvel, à luz do disposto no Código Civil e na Lei nº 6.015/1973.

2 AS CLÁUSULAS RESTRITIVAS

2.1 inAlienAbilidAde

A cláusula de inalienabilidade é aquela por meio da qual o doador ou testador impõe ao beneficiário uma restrição com relação ao poder de disposição da coisa. Atinge, portanto, um dos poderes do direito real8 de propriedade a que faz alusão o caput do art. 1.2289 do Código Civil, a saber: o poder de disposição da coisa.

Em virtude de tal restrição, o titular de domínio do bem não pode dele dispor de qualquer forma (venda, permuta, dação em pagamento, doação, etc.), bem como está impedido de onerar a coisa, tendo em vista que o art. 1.42010 do Código Civil é claro ao dispor que apenas aquele que pode alienar pode empenhar, hipotecar ou dar em anticrese a coisa.

Não por outro motivo, é corrente na doutrina11 a vedação à cons-tituição de qualquer direito real de garantia previsto no art. 1.225 do Có-digo Civil, bem como da alienação fiduciária em garantia previsto na Lei nº 9.514/1997, sobre o bem gravado com a cláusula de inalienabilidade.

8 Cabe lembramos a consagrada lição de Pontes de Miranda, segundo o qual “os direitos que têm por objeto bem corpóreo, ou incorpóreo, que seja ‘coisa’, são direitos reais; daí dizerem­se direitos sobre a coisa” (Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, t. XVIII, 2002. p. 34).

9 “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê­la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

10 “Art. 1.420. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca.

§ 1º A propriedade superveniente torna eficaz, desde o registro, as garantias reais estabelecidas por quem não era dono.

§ 2º A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver.”

11 FIORANELLI, Ademar. Das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 20.

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Contudo, importa ressaltar que parte da doutrina12 admite a constitui-ção de certos direitos reais sobre bens gravados com a cláusula de inaliena-bilidade, como o usufruto, o uso e a habitação, vez que estes direitos reais não implicam na transmissão do bem, tampouco podem ser alienados13.

A doutrina classifica inalienabilidade quanto à sua extensão, absoluta ou relativa, e quanto à sua duração, vitalícia ou temporária14.

A inalienabilidade absoluta é aquela que por meio da qual o testador ou doador veda a alienação de todos os bens objeto do instrumento; já a relativa restringe a disposição com relação a um ou alguns dos bens objeto do instrumento (situação em que a doação abrange mais de um bem, sendo que apenas um deles é clausulado com a inalienabilidade).

Por sua vez, a inalienabilidade será vitalícia quando perdurar por toda a vida do herdeiro, legatário ou donatário (nota-se que a restrição não se impõe ao sucessor do herdeiro, legatário ou donatário, extinguindo-se com a morte do instituído); sendo temporária aquela que perdura apenas até o cumprimento de certa condição ou com a ocorrência de termo.

Outrossim, conforme previsto expressamente no art. 1.911 do Código Civil, a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por mera liberalida-de, implica na impenhorabilidade e incomunicabilidade do bem. Tal dis-positivo deu cabo a antiga celeuma doutrinária e jurisprudencial, vez que, dada as características da inalienabilidade, defendia-se que a impenhorabi-lidade e incomunicabilidade são corolários da inalienabilidade15.

Ainda, mencionado artigo veio na esteira da jurisprudência dominan-te do Supremo Tribunal Federal, o qual, em 1963, editou a Súmula nº 4916.

12 FIORANELLI, Ademar. Das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 21. Ressalta­se, entretanto, contrária à possibilidade, como Pontes de Miranda, segundo o qual “os bens inalienáveis, impenhoráveis, ou ingraváveis não pode ser objeto de usufruto” (Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, t. XIX, 2002. p. 193).

13 Como é cediço, o usufruto é inalienável por natureza – art. 1.393 do Código Civil –, aplicando­se a mesma restrição de inalienabilidade ao uso e à habitação, por força dos arts. 1.413 e 1.416 do Código Civil.

14 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 37.

15 Neste sentido, esclarece Eduardo de Oliveira Leite: “Um dos elementos constitutivos do direito de propriedade é exatamente a faculdade de alienar. Ora, a inalienabilidade é contrária à natureza da propriedade porque gera a indisponibilidade do bem que não mais pode ser alienado nem a título oneroso, nem a título gratuito. Na realidade, o bem ingressa na categoria de bens fora do comércio. Com efeito, estando o bem gravado de inalienabilidade, fica o herdeiro impedido de vender, doar, permutar ou doar em pagamento. É a paralisação integral do bem que, no caso em tela, acarreta também a impenhorabilidade e a incomunicabilidade” (Comentários ao novo código civil. Do direito das sucessões. 5. ed. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, v. XXI, 2009. p. 586).

16 A cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens.

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Com relação aos requisitos necessários para a imposição da cláusula de inalienabilidade, além dos requisitos ordinários atinentes a qualquer ne-gócio jurídico (art. 104 do Código Civil17), há outros requisitos específicos que serão objeto de análise aprofundada a seguir, no tópico 2.4.

2.2 impenhorAbilidAde

A impenhorabilidade do bem assim clausulado impede com que o mesmo seja objeto de penhora por dívidas do seu proprietário. Diz-se que a impenhorabilidade é corolário da inalienabilidade, vez que aquilo que não pode ser vendido também não pode ser objeto de penhora; caso contrário, seria assaz simples burlar a regra da inalienabilidade18.

Contudo, apesar da evidente aproximação das duas figuras, cada uma conserva a sua autonomia em relação à outra, vez que a inalienabilidade visa a retirar o poder de dispor sobre certo bem, retirando-o do comércio; já a impenhorabilidade almeja somente retirar o bem da esfera de garantias possíveis perante credores. Tanto é assim que há bens que são impenhorá-veis, muito embora alienáveis19.

17 “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.”

18 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil. Do direito das sucessões. 5. ed. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, v. XXI, 2009. p. 347. No mesmo sentido, MALUF, Carlos Alberto Dabus. Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 49.

19 Neste sentido são precisas as palavras de Gladstone Mamede: “Não se confunde inalienabilidade com impenhorabilidade, para efeitos de se considerar um bem passível de ser dado em garantia real do cumprimento de uma obrigação. Muitos dos bens que são legalmente definidos como impenhoráveis são passíveis de alienação e, assim, de serem dados em garantia real do adimplemento de obrigação. É o que se observa, por exemplo, com os itens arrolados pelo art. 649 do Código de Processo Civil como absolutamente impenhoráveis. Da listagem ali anotada, há como bens que não podem ser gravados de ônus real os inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução, os vencimentos de servidores públicos, soldos de militares e salários de empregados, pensões, tenças ou montepios, percebidos dos cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os provenientes de liberalidade de terceiro, quando destinados ao sustento do devedor ou de sua família. Em todos esses casos por serem bens ou vantagens não passíveis de alienação. Mas são perfeitamente passíveis de serem gravados do ônus real de garantia o anel nupcial e os retratos da família, livros, máquinas, utensílios e instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão, materiais necessários para obras em andamento, o seguro de vida, o imóvel rural, até um módulo, mesmo que este seja o único de que disponha o devedor. O mesmo se diga do imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, que nele resida, a compreender o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados, considerados impenhoráveis pela Lei nº 8.009/1990. Nesse sentido, o art. 3º da mesma lei excepciona a execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; some­se a hipótese de qualquer dos bens móveis ou equipamentos terem sido oferecidos em penhor” (Código civil comentado. Direitos das coisas. Penhor. Hipoteca. Anticrese. Coord. Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, v. XIV, 2003. p. 50­51).

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2.3 incomunicAbilidAde

Por derradeiro, a incomunicabilidade, na feliz lição de Caio Mário da Silva Pereira, “é a cláusula segundo a qual o bem permanece no patrimônio do beneficiado, sem constituir coisa comum ou patrimônio comum, no caso de casar-se sob regime de comunhão de bens”20.

A função de tal cláusula é evidente, guardando ela autonomia com relação às cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade. Enquanto na-queles casos procura-se evitar que a coisa circule no comércio, ou esteja dentro do patrimônio do devedor voltado à garantia de credores, na inco-municabilidade procura-se resguardar a situação patrimonial do herdeiro, legatário ou donatário com relação ao futuro cônjuge.

2.4 dos elementos comuns às cláusulAs de inAlienAbilidAde, impenhorAbilidAde e incomunicAbilidAde impostAs A imóveis

Assentados os delineamentos gerais das cláusulas restritivas, é possí-vel identificar os principais elementos que são comuns às três cláusulas, sem termos a pretensão de esgotar o rol de facetas comuns.

Neste sentido, destacamos os seguintes pontos comuns às três cláu-sulas restritivas:

(i) Elas advêm de declaração de vontade inserida em contrato de doação ou em testamento;

Tal intelecção decorre da interpretação literal dos arts. 1.848 e 1.911 do Código Civil, os quais admitem tais cláusulas quando tratam do testa-mento ou em atos de liberalidade.

(ii) Não podem ser impostas a bens do próprio autor da declaração das cláusulas restritivas, enquanto estes bens permanecerem em seu patrimônio;

Este ponto é corolário do primeiro, vez que se tais cláusulas têm lugar somente na doação ou no testamento, evidente que o titular do bem não pode impor tais restrições aos bens de seu próprio domínio. Assim, tais cláu-sulas são eficazes apenas quando a coisa passa do doador ou testador para o herdeiro, legatário ou donatário21.

20 Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 108.

21 Conforme esclarece Nicolau Balbino Filho, “o princípio geral, comum, é o da responsabilidade patrimonial da pessoa obrigada a satisfazer seus compromissos. Por isso, torna­se impossível, à pessoa natural ou jurídica,

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Enquanto a coisa estiver no patrimônio do autor da declaração de vontade que impõe a cláusula restritiva, não produz ela efeitos. Não por outra razão, de nada adianta um devedor contumaz emitir declaração de vontade, ainda que por instrumento público, declarando a impenhorabili-dade de um bem seu.

(iii) Demandam justa causa quando, por meio de testamento, sejam impostas a bens da legítima;

A questão da justa causa também vem estipulada no art. 1.848 do Có-digo Civil, o qual trata do testamento, sendo que o legislador se omitiu com relação à definição do que seria “justa causa”, dando azo a amplos debates.

Destarte, existem aqueles que entendem que a justa causa pode ser o receio do testador em relação à possibilidade de dilapidação do patrimônio do herdeiro ou legatário, em virtude de sua prodigalidade ou incompetên-cia22; por outro lado, há aqueles que defendem que é preciso mais do que o mero receio do testador, devendo-se observar uma “correlação com as particularidades e circunstâncias que envolvem instituidor e instituídos”23.

Ademais, mister registrar que Alexandre Laizo Clápis defende a ne-cessidade da observância da justa causa também na imposição de cláusulas restritivas na doação24, e não somente no testamento.

(iv) Não precisam ser averbadas no Registro de Imóveis competente para a produção de seus efeitos com relação a imóveis;

A necessidade de se averbar no fólio real as cláusulas restritivas, para fins da produção de todos os seus efeitos, é mais controversa.

A averbação prevista na Lei nº 6.015/1973 visa a conferir publicidade à restrição imposta ao bem clausulado, de tal forma que seu teor seja conhe-cido por todos. Foi com a mesma finalidade que o legislador de 2002 agiu ao prever, no art. 979 do Código Civil, que, “além de no Registro Civil, serão arquivados e averbados, no Registro Público de Empresas Mercantis, os pac-tos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade”.

por ato próprio, excluir o patrimônio dessa função primordial” (Registro de imóveis. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 660).

22 BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de imóveis. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 661.

23 CLÁPIS, Alexandre Laizo. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 57, p. 21, jul./dez. 2004.

24 CLÁPIS, Alexandre Laizo. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 57, p. 22, jul./dez. 2004.

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Ademais, a publicidade vislumbrada pela Lei nº 6.015/1973 é a regis-tral, por meio da qual se procura garantir os

direitos reais inscritos, e, tal como estão inscritos, da pessoa que consta como titular registral; e ainda como garantia da tutela dos interesses daqueles que, confinando nas informações constantes do Registro, realizam negócios jurí-dicos imobiliários. A publicidade registral, assim, é uma presunção de ve-racidade e integridade do registro para todo aquele que confia no registro e inscreve o título de aquisição do imóvel.25

Tais características fazem com que a questão da averbação das cláu-sulas restritivas na matrícula do imóvel clausulado não possa ser vista de maneira dissociada ao registro do título com base no qual a coisa é transfe-rida ao herdeiro, legatário ou donatário.

Destarte, tal averbação pressupõe, até por decorrência lógica e em virtude do princípio da continuidade dos registros públicos, o prévio regis-tro do título por meio do qual se transmite a coisa do instituidor ao institu-ído, seja por meio do registro do instrumento de doação, seja por meio da partilha que efetiva a disposição de última vontade.

Em virtude desta correlação com o registro do título que transfere a coisa do instituir ao instituído, entendemos que, ainda que não averbada a cláusula restritiva na forma do art. 167, II, 11, da Lei nº 6.015/1973, tendo em vista que tais cláusulas devem constar expressamente do título aquisitivo do bem, desde que registrado o título que transfere o bem ao instituído, tais cláusulas restritivas produzem todos seus efeitos, sendo a averbação apenas um requisito de publicidade perante terceiros26.

(v) Não são absolutas, podendo ser superadas ou ineficazes em de-terminadas situações;

25 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos, teoria e prática. 4. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 24.

26 “As cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade gravam o imóvel a partir da manifestação da vontade do instituidor. Sua averbação se destina apenas ao conhecimento de terceiros” (DINIZ, Maria Helena. Sistemas de registros de imóveis. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 540). Não é outro o entendimento da jurisprudência acerca do tema. Neste sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar ação que buscava a rescisão do compromisso de compra e venda tendo por objeto imóvel integrante do espólio, no qual o de cujos gravou o bem com cláusula de inalienabilidade, autorizou tal rescisão tendo em vista que o compromitente comprador não foi informado de tal restrição: “VENDA E COMPRA – Imóvel. Cessão de direitos. Cláusula de inalienabilidade. Ação de rescisão cumulada com restituição de valores pagos, multa contratual e indenização por danos morais proposta contra o cedente. Sentença de procedência parcial. Rejeição do pedido de indenização por danos morais. Apelação do réu. Imóvel gravado com cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade. Restrições não informadas à cessionária. Rescisão do contrato por culpa do cedente vendedor que enseja a devolução integral dos valores pagos pela cessionária e a incidência da multa contratual. Compensação, porém, pelo tempo de ocupação e com o IPTU vencido no período. Necessidade de se evitar o enriquecimento sem causa. Ação procedente em menor extensão. Apelação provida em parte” (Apelação nº 0022472­10.2009.8.26.0477, 22.05.2014).

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As cláusulas restritivas não são absolutas, seja com relação aos seus efeitos, seja como relação à sua imutabilidade.

Com relação aos seus efeitos, há múltiplos exemplos na jurisprudên-cia de situações onde a proteção vislumbrada pelas cláusulas restritivas não prevalecerá, deixando de ser eficaz naquele caso.

Neste sentido, é notório que os bens clausulados por inalienabilidade e impenhorabilidade são passíveis de constrição em caso de dívidas oriun-das do próprio doador ou testador, conforme se verifica da seguinte emen-ta do julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 29.802, ocorrido em 15.12.2011, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Embargos à execução. Testamento. Cláusula de inalienabilidade e impenhorabilidade. Dívida do de cujos. Penhora dos bens deixados aos herdeiros. Possibilidade. Prece-dente. Agravo improvido”.

Na mesma toada, a seguinte ementa do Recurso Especial nº 209046, julgado em 16.12.2002:

Civil. Cláusula de inalienabilidade. Despesas condominiais.

O imóvel, ainda que gravado com a cláusula de inalienabilidade, está sujeito à penhora na execução de crédito resultante da falta de pagamento de quotas condominiais.

Recurso especial não conhecido.

Ademais, a revogação ou o cancelamento de tais restrições também pode ser buscado judicialmente pelo instituído, desde que tenha justa causa para tanto. Nota-se que assim já era o entendimento corrente, inclusive, desde o Código Civil de 191627.

(vi) Só podem ser instituídas pelo titular de domínio da coisa imóvel.

27 Neste sentido, colacionamos a ementa relativa ao julgamento do Recurso Especial nº 1.158.679 do STJ, de 07.04.2011: “DIREITO DAS SUCESSÕES – REVOGAÇÃO DE CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE IMPOSTAS POR TESTAMENTO – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DE NECESSIDADE FINANCEIRA – FLEXIBILIDADE DA VEDAÇÃO CONTIDA NO ART. 1.676 DO CC/1916 – POSSIBILIDADE – 1. Se a alienação do imóvel gravado permite uma melhor adequação do patrimônio à sua função social e possibilita ao herdeiro sua sobrevivência e bem­estar, a comercialização do bem vai ao encontro do propósito do testador, que era, em princípio, o de amparar adequadamente o beneficiário das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. 2. A vedação contida no art. 1.676 do CC/1916 poderá ser amenizada sempre que for verificada a presença de situação excepcional de necessidade financeira, apta a recomendar a liberação das restrições instituídas pelo testador. 3. Recurso especial a que se nega provimento”.

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Tendo em vista a relevância da restrição imposta pelas cláusulas res-tritivas, por evidente que o instituído necessita ser titular de domínio28 da coisa ou direito sobre o qual se pretende gravar.

Assim, as cláusulas restritivas pressupõem o domínio sobre a coisa imóvel, sendo inviável a sua instituição sobre coisa de propriedade de ter-ceiro. Conforme será visto a seguir, tal aspecto é o que mais se problematiza quando diante de um compromisso de compra e venda.

3 DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL

3.1 nAturezA do direito do compromitente comprAdor

O compromisso de compra e venda, ou promessa de compra e venda, de bem imóvel consiste no negócio jurídico por meio do qual o compromitente comprador se compromete a comprar determinado imóvel do compromissário vendedor, o qual, por sua vez, compromete-se a vendê-lo ao compromitente.

O compromisso surgiu como uma forma de assegurar os direitos das partes no iter por elas percorrido até a efetiva transferência do bem imóvel ou direito real de uma parte a outra.

Como é cediço, os negócios imobiliários tratam, via de regra, de va-lores expressivos, sendo muitas vezes submetidos a análises demoradas e custosas, voltadas à averiguação de riscos jurídicos e outros ligados ao bem imóvel objeto da avença. Assim, antes da conclusão acerca da viabilidade jurídica da aquisição e do bem imóvel, é natural que o comprador, o qual irá suportar os gastos necessários para tal análise, não queira pagar a totali-dade do preço de aquisição do imóvel antes de ultimar sua análise do bem e do vendedor. Por outro lado, o vendedor, evidentemente, não quer entregar o domínio do imóvel ao comprador antes de receber todo o preço.

Deste modo, para regularem os seus interesses durante todo o iter pré-vio à efetiva transferência do domínio, as partes firmam um compromisso de compra e venda29.

28 No conceito clássico de Lafayette Rodrigues Pereira, “domínio é o direito real que vincula legalmente e submete ao poder absoluta de nossa vontade a coisa corpórea, na substância, acidentes e acessórios” (Direito das coisas. São Paulo: Russell, t. I, 2003. p. 24). Contudo, conforme esclarece Pontes de Miranda, “coisa, objeto de propriedade, não é, hoje, somente a coisa corpórea”. Ainda, continua o mesmo autor, “costuma­se distinguir o domínio, que é o mais amplo direito sobre a coisa, e os direitos reais limitados. [...] O domínio e os direitos reais limitados distinguem­se pelo conteúdo: esses são direitos de abrangência parcial, ao passo que aquele é de abrangência total” (Tratado de direito privado. 2. ed. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, t. XI, 2001. p. 37­43).

29 Ressalta Eduardo Tristão, ainda, que “[...] o compromisso de compra e venda foi largamente aceito pelo mercado imobiliário, em razão das inúmeras vantagens que lhe são inerentes. Estes vão desde a liberdade de

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A doutrina majoritária30 estuda o compromisso de compra e venda sob o prisma do contrato preliminar, atribuindo a ele as características e atribuições peculiares a esta espécie de negócio jurídico.

O contrato preliminar consiste no negócio jurídico por meio do qual as partes se obrigam a efetivar outro negócio jurídico no futuro, dito princi-pal. Segundo o art. 462 do Código Civil, deve o contrato preliminar possuir, com exceção da forma, todos os requisitos do contrato principal a ser cele-brado no futuro, podendo o juiz, inclusive, em caso de inadimplemento por uma das partes, suprir a sua declaração de vontade no momento da celebra-ção do contrato principal, na forma prevista no art. 46431.

Contudo, apesar de ser a corrente dominante, não há como ignorar as palavras sempre sábias de José Osório de Azevedo Jr., para quem “o compromisso de compra e venda mais se caracteriza como uma espécie do gênero ‘compra e venda’ do que como mero contrato preliminar dependen-te de outro, dito ‘principal’”32.

Tal entendimento se deve ao fato de que, no mais das vezes, observa--se que o domínio do imóvel é utilizado pelo vendedor apenas com a fina-lidade de garantia, sendo que, “à medida que o crédito vai sendo recebido, aquele pouco que restava do direito de propriedade junto ao compromiten-te vendedor, isto é, aquela pequena parcela do poder de dispor, como que vai desaparecendo até se apagar de todo”33.

forma a facilidades de ordem tributária, destacando­se, ainda, a conformação do contrato aos interesses de ambos os contratantes, traduzida na garantia do vendedor – titular do direito real de domínio até a quitação final – paralelamente aos poderes conferidos ao comprador, via de regra imitida na posse do bem desde a assinatura do compromisso” (Revista de Direito Imobiliário, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 67, p. 26, jul./dez. 2009).

30 “Trata­se de contrato preliminar que contempla a obrigação das partes de celebrar um contrato futuro, que é o contrato de compra e venda” (CHALHUB, Melhim Namem. Direitos reais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 176). Também Marcelo Terra assim se posiciona: “Pois bem, parece­me que o CC/2002 acolheu e adotou, integralmente e sem ressalvas, a doutrina que classifica o contrato de compromisso de compra e venda como efetivamente um contrato preliminar e não espécie do gênero compra e venda” (Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 12, p. 11, 2003).

31 Esclarece Hamid Charaf Bdine Júnior que: “O contrato preliminar, ou a promessa de contratar, tem por objeto a obrigação de celebrar outro contrato. Sua execução, portanto, se consumará pela conclusão do contrato definitivo, que, na expressão de Darcy Bessone, terá efeito solutório, ou liberatório, e constitutivo. Liberatório, na medida em que extingue as obrigações assumidas na promessa, dando­lhes cumprimento. E constitutivo, na medida em que gera novas relações, em caráter definitivo. Esta característica dúplice resulta do fato de o contrato preliminar ser dotado da peculiaridade de ser um contrato que tem por objeto a celebração de outro. O cumprimento do contrato preliminar faz surgir um outro contrato, com características distintas das dele. Os contratos preliminares e definitivos não são idênticos. Enquanto o primeiro tem por objeto a obrigação de contratar, o segundo visa a objetos próprios, que não serão outros contratos” (Doutrinas essenciais de direito registral. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 2011. p. 820).

32 Compromisso de compra e venda. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 22.

33 Esclarece o mesmo autor que, uma vez pago a integralidade do preço de aquisição do imóvel, “nada, rigorosamente nada, resta ao compromitente vendedor. Como o usufruto que se extinguiu com a morte

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Não por outra razão, é conferido ao compromitente comprador a possibilidade de compelir, ainda que judicialmente, por meio de ação de adjudicação compulsória, o compromissário vendedor a lhe entregar o tí-tulo de domínio do bem, desde que pague o preço e não haja cláusula de arrependimento no instrumento.

Ainda, convém lembrar que, sob a sistemática da transferência do do-mínio de bens imóveis e direitos reais ligados a imóveis prevista no Código Civil, sequer o contrato de compra e venda em si (via de regra, a escritura pública de compra e venda) basta para transferir o domínio do bem ou direi-to, vez que, na esteira do art. 1.22734, apenas o registro do título na serventia imobiliária competente é que transfere o direito real.

Em virtude de tais características, é natural a aproximação do com-promisso de compra e venda com o contrato de compra e venda, podendo--se dizer que, ainda que se entenda que o compromisso de compra e venda é um contrato preliminar, trata-se de um contrato preliminar impróprio, na medida em que a causa do compromisso de venda e compra é idêntica à do contrato de compra e venda35.

Sem prejuízo da polêmica com relação à sua natureza de contrato preliminar ou não, fato é que o direito advindo do compromisso para o promitente comprador é um direito real, conforme previsto no art. 1.417 do Código Civil: “Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente com-prador direito real à aquisição do imóvel”.

Não por outra razão, o direito de aquisição do promitente comprador está listado entre os direitos reais listados no art. 1.225 do Código Civil, em seu inciso VII36.

do usufrutuário (CC/2002, art. 1.410, I), ou como a hipoteca que se extinguiu pelo desaparecimento da obrigação principal (CC/2002, art. 1.499, I), embora com os respectivos não cancelados, a propriedade do compromitente vendedor tem uma existência fictícia, isto é, não tem existência” (Compromisso de compra e venda. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 19).

34 “Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.”

35 AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 22.

36 “Art. 1.225. São direitos reais:

[...]

VII – o direito do promitente comprador do imóvel;

[...].”

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De modo a efetivar tal direito, o Código, em seu art. 1.418, agasalha expressamente a ação de adjudicação compulsória, ao afirmar que

o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instru-mento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Nota-se, ainda, que até antes do advento do Código Civil novel, em 2002, a jurisprudência dominante já havia consagrado que o registro do contrato não era requisito para a adjudicação compulsória, conforme a Sú-mula nº 239 do STJ: “O direito à adjudicação compulsória não se condicio-na ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

Destarte, tem-se que o promitente comprador tem o direito real de aquisição ao imóvel, desde que pago o preço de aquisição, não haja cláu-sula de arrependimento e o contrato esteja registrado, muito embora este último requisito possa ser dispensado pela jurisprudência dominante.

Contudo, apesar da força com que se reveste o direito do compro-mitente comprador, isto é suficiente para legitimá-lo a impor cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade sobre o bem imóvel?

3.2 ius in re AlienA

Assentada a natureza do direito do compromitente comprador de bem imóvel, o qual se trata de um direito real de aquisição do imóvel, cum-pre ressaltar que, sem prejuízo de toda sua força, permanece ele sendo uma ius in re aliena, ou seja, continua sendo um direito real sobre coisa alheia.

Deveras, ainda que registrado o compromisso e pago o preço de aqui-sição, fato é que, pelo atual sistema jurídico, tal registro não transfere o direito de domínio do bem imóvel, razão pela qual o compromitente com-prador necessita, ainda que por mera formalidade, do contrato de compra e venda ou da sentença que lhe assegura a adjudicação compulsória.

Assim, muito embora o compromitente comprador possa ter direito real de aquisição ao imóvel, fato é que ele não é, ainda, titular de domínio do imóvel.

Em virtude do exposto, entendemos inviável o compromitente gravar com inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade um bem que ain-da não é de seu domínio. Naturalmente, nada impede que compromitente

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comprador doe seu direito de aquisição do imóvel a terceiro, porém, gravar o bem com tais cláusulas não se coaduna com o atual ordenamento jurídico, vez que tal bem não está na esfera patrimonial do doador.37

Neste ponto, é interessante notar que Pontes de Miranda chega a até aproximar a restrição ao proprietário do imóvel criado pelo compromisso de compra e venda com aquela restrição decorrente da cláusula inalienabili-dade, vez que ambas configuram uma limitação ao poder de disposição do proprietário: no primeiro caso, do compromisso, o proprietário pode apenas transferir o domínio ao compromitente vendedor; por sua vez, na inaliena-bilidade, sequer o proprietário pode transferir o domínio38.

Não é outro o entendimento da jurisprudência acerca do assun-to, conforme se verifica de decisão da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo, ao julgar dúvida do 13º Registro de Imóveis de São Paulo/SP: “Ao titular de direitos decorrentes de compromisso de compra e venda, que não tem o domínio do bem, não será dado gravar a proprie-dade de terceiro, sobre o qual tem direitos” (Processo 100.09.159011-4, 15/09/2009)39.

CONCLUSÃO

Em virtude do exposto, é possível concluir que, muito embora o di-reito assegurado ao compromitente comprador seja um direito real de aqui-

37 Tal entendimento é também manifestado por Ademar Fioranelli, segundo o qual: “[...] ostentar a condição de ‘titular de domínio’ é essencial para impor as restrições. Não obstante o art. 1.1911 do atual Código Civil, mencionar que ‘a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade’, o mesmo Código não distinguiu os direitos que o testador pode sujeitar à limitação, referindo­se unicamente a bens que, em sentido genérico, corresponderia a todo o acervo patrimonial, o que daria legitimidade para que o compromissário comprador, promitente cessionário ou cessionário limitassem tais direitos. Ocorre que o titular de direitos de compromisso tem apenas um ius in re aliena, não compreendendo, portanto, todos os elementos da propriedade, não podendo, assim, limitar o que não possui” (Das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 19).

38 Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, t. XIII, 2001. p. 179.

39 No caso, são precisas as palavras do preclaro Relator Desembargador Gustavo Henrique Bretas Marzagão, que afirma: “É que o compromisso de compra e venda em que o falecido figurara como compromissário comprador não lhe transferiu o domínio do imóvel, mas apenas direitos sobre ele. Sucede que apenas o titular de domínio tem legitimidade para instituir as cláusulas restritivas, como bem lembrou o oficial de imóveis ao citar a Apelação Cível nº 19.677­0/2, do eg. Conselho Superior da Magistratura: ‘Ao titular de direitos decorrentes de compromisso de compra e venda, que não tem o domínio do bem, não será dado gravar a propriedade de terceiro, sobre o qual tem direitos’. Aplica­se, no caso, o brocardo ‘Nemo plus jus transfere’, pois o titular de direitos de compromisso de compra e venda não possui plena disposição da propriedade, portanto está impedido de limitar o que não tem. Por fim, é de se observar que o precedente citado pelo oficial aplica­se tanto para as transferências inter vivos ou causa mortis, pois a premissa é idêntica em ambos: apenas o titular de domínio tem legitimidade para instituir as cláusula restritivas. E o autor da herança era detentor de direitos sobre o imóvel, mas não seu titular”.

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sição sobre o imóvel objeto do compromisso, certo é que tal direito não o torna titular de domínio da coisa imóvel.

Tal fato, aliado aquele por meio do qual as cláusulas restritivas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade apenas podem ser impostas pelo titular de domínio do bem, torna inviável a aposição de tais cláusulas pelo compromitente comprador, motivo pelo qual um ins-trumento de doação, tendo por objeto os direitos de aquisição oriundos de compromisso de venda de bem imóvel e a imposição de quaisquer das cláusulas restritivas, não tem acesso ao acesso ao fólio real.

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Parte Geral – Doutrina

A Progressividade do IPTU Pós-Constituição de 1988: Uma Breve Resenha da Doutrina e da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

MARCIO FELIPE LACOMBE DA CUNHAMestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Advogado da União. Atualmente, ocupa a função de Presidente da Junta Recursal da Junta de Julgamen-to da Aeronáutica (JJAER). Membro da Comissão Permanente de Direito Administrativo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA).

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar o princípio constitucional da capacidade contributiva e o seu subprincípio da progressividade, notadamente a incidência deste no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) após a promulgação da Constituição do Brasil de 1988, fazendo um apa-nhado da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Direito tributário; capacidade contributiva; progressividade.

ABSTRACT: This article aims to analyze the constitutional principle of ability to pay and their sub-principle of progressivity, especially its impact on the Brazilian tax on urban property (IPTU) after the promulgation of the Constitution of Brazil of 1988, making an overview of legal doctrine and jurisprudence of the Brazilian Supreme Court about the theme.

KEYWORDS: Tax law; ability to pay; progressivity.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Capacidade contributiva, progressividade e o IPTU; 2 A questão da progressivida-de do IPTU na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF); Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A crescente complexidade da sociedade contemporânea – que nasce mundial, ao desvincular-se “das organizações políticas territoriais, embora estas, na forma de Estados, constituam uma das dimensões fundamentais à sua reprodução”1 –, resultante do processo de diferenciação funcional do sistema social, fez e faz surgir diversos sistemas sociais parciais ou subsiste-mas (política, economia, direito, etc.) para a resolução de problemas sociais específicos. Consequentemente, surge “uma superprodução de possibilida-

1 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 26.

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des que só podem ser parcialmente realizadas, exigindo então cada vez mais o recurso a processos de seleção consciente”2.

O direito, enquanto sistema social autopoiético, isto é, autoreprodu-tor de suas próprias estruturas, ao “constantemente agir como umas das estruturas sociais redutoras da complexidade das possibilidades do ser no mundo”3 é capaz de gerar outros sistemas parciais e assim sucessivamente. Entre estes se encontra, por exemplo, o sistema tributário brasileiro que, na lição de Ricardo Lobo Torres, abrange: o sistema tributário nacional, que se estrutura conforme a base econômica da incidência, independentemente da pessoa jurídica titular da competência (arts. 145, 148 e 149, da Constitui-ção do Brasil de 1988, complementado pelo Código Tributário Nacional); o sistema tributário federado (ou sistema do federalismo fiscal), que se es-trutura levando em consideração a pessoa jurídica titular da competência (arts. 148, 149, 153 a 156 da Constituição do Brasil de 1988); e o sistema internacional tributário, que compreende as incidências sobre o patrimônio, a renda e a circulação de bens relativos a cidadãos e empresas em diversos países, bem como a partilha da riqueza universal entre os diversos Estados soberanos (arts. 153, I e II, 155, § 1º, III, b, 155, § 2º, X, a, 156, § 3º, II, da Constituição do Brasil de 1988, além dos tratados internacionais)4.

O direito tributário, não obstante sua autonomia legislativa, científica e didática – ainda que seja “preciso sublinhar que, em todos esses aspectos, a autonomia é sempre relativa” (grifado no original)5 –, entrelaça-se com os diversos ramos dogmáticos do direito, notadamente o direito constitucional. O sistema tributário brasileiro, é bem de ver, extrai praticamente todos os seus fundamentos do texto constitucional que, por sua vez, é a ferramenta que regula o acoplamento estrutural entre o direito e a política, “aunque las operaciones (entrelazadas recursivamente en cada uno de los sistemas) se

2 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. p. 225.

3 ROCHA, Leonel Severo. Niklas Luhmann. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 552.

4 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 355­368.

5 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 9. Com relação à autonomia do direito tributário em face do direito financeiro, transcreve­se a seguir a lição de Achille Donato Giannini (Instituciones de Derecho Tributario. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1957. p. 7): “Precisamente por la diversa naturaleza de las materias que componen la vasta trama del Derecho financiero, parece más conforme con un exacto criterio sistemático adoptar como objeto de una disciplina jurídica diferente tan sólo aquella parte del Derecho financiero que se refiere a la imposición y a la recaudación de los tributos, cuyas normas son, en efecto, susceptibles de coordinase en un sistema científico, por ser las que regulan de un modo orgánico una materia bien definida, la relación jurídico-tributaria, desde su origen hasta su realización”.

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mantienen separadas”6. De fato, o legislador constituinte originário de 1988 “definiu os princípios básicos do sistema tributário, um dos quais consiste em que os tributos são somente os que nele estão previstos”7.

A Constituição do Brasil de 1988 modificou profundamente a posição institucional dos Municípios no Brasil, ao incluí-los no conceito de Fede-ração (arts. 1º e 18), conforme reivindicação de municipalistas clássicos, tais como: Hely Lopes Meirelles e Lordelo de Melo, reconhecendo-lhes, por consequência, “o poder de auto-organização, ao lado do governo pró-prio e de competências exclusivas, e ainda com ampliação destas” (grifos no original)8. Não obstante, a Constituição do Brasil de 1988 outorgou aos Municípios as seguintes competências tributárias, isto é, a possibilidade de instituir os seguintes tributos, observados os limites nela estatuídos: (i) as taxas de que trata o seu art. 145, II; (ii) a contribuição de melhoria, prevista em seu art. 145, III; (iii) os impostos discriminados em seu art. 156, I, II e III; (iv) a contribuição social cobrada de seus servidores, para o custeio do regi-me previdenciário, inserta em seu art. 149, parágrafo único9; e, por fim, (v) a contribuição destinada ao custeio do serviço de iluminação pública, previs-ta em seu art. 149-A (acrescido pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002).

Assim, compete aos Municípios instituir o Imposto sobre a Proprieda-de Predial e Territorial Urbana (IPTU), na forma do art. 156, I, da Constitui-ção do Brasil de 1988, cujo fato gerador é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município (art. 32 do Código Tributário Nacional). O IPTU, após a promulgação do Texto Constitucional de 1988, notadamente após a edição da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, poderá ser progressivo, em função de duas variáveis: (i) a da política urbana, na forma do disposto no art. 182, § 4º, II, da Constituição do Brasil,

6 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Trad. Javier Torres Nafarrate. México: Herder, 2006. p. 620. A respeito do debate acerca da autonomia do direito em relação à política, inclusive na doutrina norte­americana (notadamente os movimentos do legal realism e da critical legal studies), bem como sobre a questão da judicialização da política e do ativismo judicial no Brasil, vide: BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. RFD – Revista da Faculdade de Direito – UERJ, v. 2, n. 21, jan./jun. 2012. Disponível em: <http://www.e­publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/1794/2297>. Acesso em: 23 abr. 2014.

7 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 78.

8 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 306­307.

9 Como observa Luciano Amaro (Op. cit., p. 85­86), a característica peculiar da espécie tributária das contribuições reside na circunstância de que estas possuem “destinação específica que as diferencia dos impostos, enquadrando­as, pois, como tributos afetados à execução de uma atividade estatal ou paraestatal específica, que pode aproveitar ou não ao contribuinte, vale dizer, a referibilidade ao contribuinte não é inerente (ou essencial) ao tributo, nem o fato gerador da contribuição se traduz na fruição de utilidade fornecida pelo Estado” (grifos no original).

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de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade (pro-gressividade extrafiscal no tempo); e (ii) a da capacidade do contribuinte, decorrente das disposições do art. 145, § 1º, c/c o art. 156, § 1º, I e II, ambos da Constituição do Brasil de 1988, de modo que o IPTU possa ser progres-sivo em razão do valor do imóvel, bem como ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e uso do imóvel (progressividade fiscal)10.

1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, PROGRESSIVIDADE E O IPTU

Em uma das obras mais relevantes do constitucionalismo contempo-râneo, base de sua aula inaugural na Universität Freiburg, no ano de 1959, Konrad Hesse contrapõe-se à ideia de Ferdinand Lassalle de que a constitui-ção jurídica significaria simples pedaço de papel ou estaria, simplesmente, condicionada à realidade histórica de seu tempo; ela conteria, portanto, pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que permitem as-segurar sua força normativa em caso de confronto com os fatos. Entretanto, “a íntima conexão, na Constituição, entre a normatividade e a vinculação do direito com a realidade obriga que, se não quiser faltar com seu ob-jeto, o Direito Constitucional se conscientize desse condicionamento da normatividade”11.

Neste sentido, a Constituição deve ser compreendida, consoante lição de José Joaquim Gomes Canotilho, como um sistema aberto de princípios e regras. É um sistema aberto, em primeiro lugar, na medida em que possui uma estrutura dialógica, isto é, as normas constitucionais devem adaptar-se à constante evolução social. De fato, a Constituição “permite la apertura hacia adelante, hacia el futuro; institucionaliza las experiencias (apertu-ra hacia atrás) y abre espacio para el desarrollo del espíritu humano y su historia”12. É um sistema de princípios e regras, em segundo lugar, “pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras” (grifos no original)13.

10 LEAL, Rogério Gesta. O IPTU progressivo como instrumento de efetivação da função social da cidade no Brasil. Revista de Direito Administrativo e Constitucional – A&C. Belo Horizonte, n. 16, a. 4, abr./jun. 2004. Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=12670>. Acesso em: 21 abr. 2014.

11 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991. p. 26.

12 HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. Héctor Fix­Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003. p. 4.

13 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 165.

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Na concepção liberal-igualitária de Ronald Dworkin, “os direitos de-vem ser vistos como ‘trunfos’ contra as pretensões majoritárias”14, isto é, certas questões atinentes aos direitos fundamentais das pessoas (a igualdade racial, o direito dos acusados ao devido processo legal, etc.) constituem limites às políticas destinadas a maximizar o bem-estar geral. Neste sen-tido, o instituto do judicial review – que autoriza o Judiciário a declarar a inconstitucionalidade de um ato normativo –, construído por John Marshall, “assegura que as questões mais fundamentais de moralidade política serão finalmente expostas e debatidas como questões de princípio e não apenas de poder político”15.

A Constituição, como visto anteriormente, é um sistema aberto de princípios e regras. Consoante Ronald Dworkin, a distinção entre princípios e regras é de natureza lógica ou quanto à natureza da orientação que ofe-recem. As regras são aplicáveis à maneira all-or-nothing, isto é, “ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”16; os princípios, por sua vez, possuem uma dimensão de peso ou importância que as regras não têm e, assim, quando os princípios se intercruzam “aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um”17.

O princípio da capacidade contributiva extrai-se do art. 145, § 1º, da Constituição do Brasil de 1988, segundo o qual “sempre que pos-sível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a ca-pacidade econômica do contribuinte”. O princípio em questão, que não encerra mera diretriz programática, consoante lição de Roque Antonio Carrazza, reafirma, no campo tributário, o princípio constitucional da igualdade (art. 5º, I) e os ideais republicanos. De fato, a capacidade contributiva de que trata o texto constitucional, e que deve ser levada em conta pelo legislador ordinário ao instituir impostos, possui natureza objetiva, isto é, “refere-se às manifestações objetivas de riqueza do contribuinte (ter imóvel luxuoso, possuir automóvel do ano, ser proprietário de jóias ou obras de arte valiosas, etc.)” (grifos no original)18.

14 GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls. Trad. Alonso Reis Freire. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 201.

15 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 102.

16 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 39. Para uma análise crítica do critério de distinção entre princípios e regras de Ronald Dworkin (quanto ao modo de aplicação), vide: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 49­55.

17 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 42.

18 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 60.

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O princípio da capacidade contributiva, por outro lado, relaciona--se intimamente com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade social (art. 3º, I) e, em última análise, com a ideia de justiça distributiva, “característica do regime publicístico, consistindo em tratar desigualmente aos desiguais na medida em que se desigualam”19 – no campo tributário, como observa Hugo de Brito Machado, “o princípio da isonomia às vezes parece confundir-se com o princípio da capacidade contributiva”20. Portanto, no âmbito do Estado Social e De-mocrático de Direito, conforme lição de Ricardo Lodi Ribeiro, é imperio-so “angariar recursos daqueles cuja sobrevivência digna não depende das prestações estatais para, desta forma, socorrer os reclames elementares da grande massa que, embora não tenha recursos para contribuir, necessita das prestações estatais”21.

A despeito de o art. 145, § 1º, da Constituição do Brasil de 1988, fazer referência apenas à incidência da capacidade econômica ou contributiva nos impostos, nada impede, consoante magistério de Luciano Amaro, que outras espécies tributárias levem em consideração essa capacidade, uma vez que “em diversas situações, o próprio texto constitucional veda a co-brança de taxas em hipóteses nas quais não se revela capacidade econô-mica (cf., por exemplo, art. 5º, LXXVII)”22. A esse respeito, transcreve-se a seguir lição de Ricardo Lodi Ribeiro23:

Quanto à sua extensão, como vimos, o princípio não se aplica apenas aos impostos, como podem imaginar os intérpretes mais apressados do art. 145, § 1º, da Constituição Federal. Se a capacidade contributiva deriva da Igual-dade, deve ser aplicada mesmo quando não prevista expressamente na Cons-tituição, como é o caso da Alemanha e do Brasil, de 1965 a 1988. Por esse motivo, não se pode afastar sua aplicação em relação aos demais tributos pelo simples fato do texto constitucional utilizar a expressão impostos, ao invés da palavra tributos. Embora a Constituição se refira somente aos impos-tos, uma vez que nesta espécie tributária só há a riqueza do contribuinte a se mensurar, sem considerações relativas às atividades estatais do contribuinte, o princípio também é aplicado aos tributos vinculados, como a taxa, confor-

19 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 92.

20 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 259.

21 RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, a. 8, n. 46, jul./ago. 2010. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=68930>. Acesso em: 4 maio 2014.

22 AMARO, Luciano. Op. cit., p. 142. Em sentido contrário, isto é, entendendo que o art. 145, § 1º, da Constituição do Brasil, aplica­se somente aos impostos, diferentemente do que dispunha o art. 202 da Constituição de 1946, vide: SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 658.

23 RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. Op. cit.

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me já reconheceu o STF, e à contribuição de melhoria. Assim, a limitação contida no § 1º do art. 145, CF, à aplicação do princípio, restringindo-o aos impostos, diz respeito ao subprincípio da personificação, índice de capaci-dade contributiva relativo aos tributos não vinculados a uma atividade estatal em relação à pessoa do contribuinte, e não ao próprio princípio da capacida-de contributiva. (grifos no original)

Finalmente, o princípio da capacidade contributiva aproxima-se de outros princípios constitucionais tributários “que, sob ângulos diferentes, perseguem objetivos análogos e em parte coincidentes: a personalização, a proporcionalidade, a progressividade, a seletividade”24. A progressividade, que se materializa pela elevação da alíquota na medida em que se alarga a base de cálculo, é, na verdade, consoante lição de Ricardo Lodi Ribeiro, um dos subprincípios da capacidade contributiva, constituindo um “importante instrumento de redistribuição de rendas no Estado Social e Democrático de Direito”25. Na concepção liberal-igualitária de John Rawls, o princípio da tributação progressiva não tem por propósito aumentar a receita governa-mental, “mas corrigir, gradual e continuamente, a distribuição da riqueza e impedir concentrações de poder que prejudiquem o valor eqüitativo da liberdade política e da igualdade eqüitivava de oportunidades”26.

Após a promulgação da Carta Política de 1988 uma vexata quaestio surgiu na doutrina pátria, qual seja: a possibilidade de se estabelecer alí-quotas progressivas no IPTU em hipótese distinta da progressividade ex-trafiscal no tempo a que aludia o art. 156, § 1º, em sua redação originária, c/c o art. 182, § 4º, II, da Constituição do Brasil de 1988, como “sanção pelo não atendimento de regular e específica exigência do Poder Público Municipal”27. Duas correntes formaram-se: i) a primeira – poder-se-ia dizer: progressista – defendia que o IPTU poderia experimentar alíquotas progres-sivas como consequência do aludido princípio constitucional da capacida-de contributiva (art. 145, § 1º), capacidade esta “aferida em função do pró-prio imóvel (sua localização, dimensões, luxo características, etc.) e, não, da fortuna em dinheiro de seu proprietário”28, sem embargo do emprego da extrafiscalidade quando do desatendimento da função social da proprieda-de; a segunda – poder-se-ia dizer: conservadora –, por sua vez, entendia

24 AMARO, Luciano. Op. cit., p. 140.

25 RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. Op. cit.

26 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 306.

27 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 690.

28 CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 65.

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que o pressuposto que autorizaria a progressividade do IPTU seria “apenas e tão-só, o uso da propriedade imobiliária em descompasso com sua função social, segundo as normas da lei que estatui o plano diretor da cidade”29.

Como já registrado, o Poder Constituinte Derivado promulgou a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que, entre outras providências, deu nova redação e incluiu os incisos I e II no art. 156, § 1º, da Constituição do Brasil de 1988, separando, doravante, topograficamente, a progressividade fiscal (art. 156, § 1º, I), em razão do valor do imóvel – sem prejuízo da di-ferenciação de alíquotas de acordo com a localização e o uso do imóvel (art. 156, § 1º, II)30 –, da progressividade extrafiscal (art. 182, § 4º, II), que incide quando o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado deixa de promover o seu adequado aproveitamento. A alte-ração perpetrada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000, na visão de Aires F. Barreto, no entanto, padeceria de inconstitucionalidade por ferir o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), verdadeiro direito indi-vidual do contribuinte e, como tal, cláusula pétrea no Texto Constitucional de 1988, e que, sob uma perspectiva positiva, contém autorização para a criação de impostos progressivos, desde que sejam pessoais e, que sob uma perspectiva negativa, “veda a instituição da progressividade, quando de im-postos reais”31.

Por outro lado, o fenômeno da correção legislativa da jurisprudência, que se dá quando o Congresso Nacional reage, quer por meio de emenda à Constituição – no exercício do poder constituinte reformador – quer por meio de lei: complementar ou ordinária, alterando uma determinada inter-pretação judicial com a qual não aquiesça tem sido aceito pela doutrina e jurisprudência majoritárias. De fato, como observam Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, o Poder Legislativo não está adstrito ao efei-to vinculante emanado das decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade (art. 102, § 2º, da Constitui-ção do Brasil de 1988, com redação dada pela Emenda constitucional nº 45, de 2004), nem à súmula vinculante de que trata o art. 103-A da Constituição do Brasil de 1988, incluído pela Emenda Constitucional anteriormente refe-rida. Assim, afigura-se legítimo ao Congresso Nacional aprovar uma emen-

29 BARRETO, Aires F. Imposto predial e territorial urbano – IPTU. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1005.

30 Consoante lição de Ricardo Lobo Torres (Op. cit., p. 397), a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, ao incluir o inciso II no § 1º do art. 156 da Constituição do Brasil, teria introduzido o princípio da seletividade no IPTU.

31 BARRETO, Aires F. Imposto predial e territorial urbano – IPTU. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Op. cit., p. 1014.

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da constitucional em reação à determinada decisão proferida pelo STF em sede de controle de constitucionalidade com a qual não se conforme, com vistas ao aperfeiçoamento do texto normativo glosado, não havendo falar-se em ofensa ao monopólio constitucional da última palavra dessa Corte, salvo se emenda à Constituição vilipendiar alguma das cláusulas pétreas previstas na Carta Política de 1988 (art. 60, § 4º, I, II, III e IV), cuja função não é con-ferir proteção absoluta e mecânica a todos os direitos consagrados no Texto Constitucional, mas àqueles princípios básicos, entre os quais se encontram diversos direitos políticos e sociais “que assegurem uma condição mini-mamente ideal para que os indivíduos possam deliberar de forma livre e igual a respeito dos direitos e da forma pela qual querem ser governados”32. Contudo, “em se tratando de emenda constitucional, aprovada por maioria parlamentar qualificada, a posição do STF deve ser de atenção e deferência ainda maior à interpretação constitucional adotada pelo Congresso”33.

A questão da correção legislativa da jurisprudência relaciona-se, ain-da, com as diversas e cada vez mais onipresentes teorias de diálogos consti-tucionais que, por sua vez, “emphasize that the judiciary does not (as an em-pirical matter) nor should not (as a normative matter) have a monopoly on constitutional interpretation”34 e oferecem alternativas ao aperfeiçoamento do modelo do judicial review e à sua chamada dificuldade contramajori-tária. Hodiernamente, há um relevante debate no sistema anglo-saxônico como um todo no sentido de que o constitucionalismo do século XXI não deve restringir-se ao papel de limitar o poder político, tal qual concebido pela teoria constitucional norte-americana do século XVIII, mas “avançar na busca de ‘boa governança’ ou de um bom desenho institucional”35.

Por último, convém destacar a edição da Lei nº 10.257, de 2001, denominada Estatuto da Cidade, que estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (art. 1º), regulamentando, assim, os arts. 182 e 183,

32 VIEIRA, Oscar Vilhena. A constituição e sua reserva de justiça: um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 229.

33 SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Notas sobre jurisdição constitucional e democracia: a questão da “última palavra” e alguns parâmetros de autocontenção judicial. Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, 2013. Disponível em: <http://www.e­publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/9315/7220>. Acesso em: 24 maio 2014.

34 BATEUP, Christine A. The dialogic promise: assessing the normative potential of theories of constitutional dialogue. New York University Public Law and Legal Theory Working Papers, Paper 11, 2005. Disponível em: <http://lsr.nellco.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1010&context=nyu_plltwp>. Acesso em: 31 maio 2014.

35 VIEIRA, José Ribas. Conclusão. In: VIEIRA, José Ribas (coord.). Teoria constitucional norte-americana contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 163.

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da Constituição do Brasil de 1988. O art. 5º deste estatuto dispõe que lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para tais providências que, uma vez descumpridos, autorizarão o Município a aplicar o IPTU progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos (art. 7º). De fato, “a partir da Constituição de 1988, o sistema jurídico brasileiro somente protege a propriedade que cumpra à sua função social, ou seja, que aproveite, ainda que de forma indireta, à sociedade como um todo”36 e, nesse sentido, o Es-tatuto da Cidade constitui um importante mecanismo de gestão tributária da propriedade urbana e predial.

2 A QUESTÃO DA PROGRESSIVIDADE DO IPTU NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)

O Plenário do STF, após a promulgação da Carta Política de 1988, deparou-se pela primeira vez com a questão da progressividade do IPTU no Recurso Extraordinário nº 153.771/MG37. Neste leading case, o STF, por maioria, na linha do voto vista do Ministro Moreira Alves, concluiu no sen-tido da inconstitucionalidade da cobrança progressiva do IPTU pelo Muni-cípio de Belo Horizonte, sob dois principais fundamentos: (i) o Texto Cons-titucional de 1988 não admitiria a progressividade fiscal do IPTU, quer com base em seu art. 145, § 1º (princípio da capacidade contributiva), haja vista ser o IPTU um imposto de natureza real, quer com base na conjugação do seu art. 145, § 1º, com o seu art. 156, § 1º, em sua redação originária; (ii) a progressividade extrafiscal do IPTU, para o fim de assegurar o cumprimento da função social da propriedade, somente seria possível, uma vez observa-do o art. 156, § 1º, em sua redação originária, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do art. 182, ambos da Carta Política de 1988. A decisão restou assim ementada:

EMENTA: IPTU. Progressividade. No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu art. 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompa-tível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do con-

36 LEAL, Rogério Gesta. O IPTU progressivo como instrumento de efetivação da função social da cidade no Brasil. Op. cit.

37 STF, Recurso Extraordinário nº 153.771/MG, Plenário, Rel. p/o Ac. Min. Moreira Alves, DJ de 05.09.1997, p. 41892. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=211634>. Acesso em: 2 jun. 2014.

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tribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o art. 156, § 1º (específico). A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com fi-nalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do art. 182 é a explicita-ção especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no art. 156, I, § 1º. Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no art. 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente cons-tantes dos §§ 2º e 4º do art. 182, ambos da Constituição Federal. Recurso ex-traordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei nº 5.641, de 22.12.1989, no Município de Belo Horizonte.

Na sequência, sobreveio a correção legislativa perpetrada pela Emen-da Constitucional nº 29, de 2000, de modo a possibilitar a progressividade fiscal do IPTU. O STF, não obstante, depois de reiterados julgados declaran-do incidentalmente a inconstitucionalidade de diversas leis municipais an-teriores àquela emenda constitucional, que estabeleciam alíquotas de IPTU progressivas, houve por bem editar o Enunciado da Súmula nº 66838 – meca-nismo concebido na década de 1960 do século passado pelo Ministro Vitor Nunes Leal do STF “com a finalidade de agilizar os julgamentos e de tornar mais acessíveis à sociedade os entendimentos consolidados daquela Corte sobre determinadas questões jurídicas”39 –, com o seguinte teor:

É INCONSTITUCIONAL A LEI MUNICIPAL QUE TENHA ESTABELECIDO, ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000, ALÍQUOTAS PRO-GRESSIVAS PARA O IPTU, SALVO SE DESTINADA A ASSEGURAR O CUM-PRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA.

Posteriormente, o Plenário do STF – com uma composição renova-da –, no Recurso Extraordinário nº 423.768/SP40, apreciou a constitucio-nalidade de uma lei do Município de São Paulo, editada após a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que instituíra alíquotas progressivas de IPTU na capital paulista. No caso, esta Corte decidiu, à unanimidade, pela cons-titucionalidade daquela lei, bem como pela harmonia da referida emenda

38 STF, Súmula nº 668, DJ de 09.10.2003, p. 4. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=668.NUME.NAO S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 2 jun. 2014.

39 MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A súmula vinculante como fonte hermenêutica de direito. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, a. 13, n. 67, maio/jun. 2011. Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=73655>. Acesso em: 2 jun. 2014.

40 STF, Recurso Extraordinário nº 423.768/SP, Plenário, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 09.05.2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=622717>. Acesso em: 21 jun. 2014.

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constitucional com a Carta Política de 198841, conforme o trecho a seguir extraído do voto do Relator, o Ministro Marco Aurélio, que, no entanto, não reconheceu a correção legislativa da jurisprudência do STF:

Ora, a Emenda Constitucional nº 29/2000 não afastou direito ou garantia individual. E não o fez porquanto texto primitivo da Carta já versava a pro-gressividade dos impostos, a consideração da capacidade econômica do contribuinte, não se cuidando, portanto, de inovação a afastar algo que pu-desse ser tido como integrado a patrimônio. O que decidido pelo Tribunal de origem implica extensão, ao conceito de cláusula pétrea, incompatível com a ordem natural das coisas, com o preceito do § 1º do art. 145 e o art. 156, § 1º, na redação primitiva. Nem se diga que esta Corte, apreciando texto da Carta anterior à Emenda nº 29/2000, assentou a impossibilidade de se ter, no tocante ao instituto da progressão do IPTU, a consideração do valor venal do imóvel, apenas indicando a possibilidade de haver a progressão no tempo de que cogita o inciso II do § 4º do art. 182 da Constituição Federal. Atuou o Colegiado, em primeiro lugar, diante da ausência de explicitação quanto a se levar em conta, para social distribuição da carga tributária, outros elementos, como são o valor do imóvel, a localização e o uso.

Finalmente, convém registrar que o STF reconheceu a repercussão geral – requisito de admissibilidade do recurso extraordinário que passou a ser exigido após a edição da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que, de fato, não constitui um instituto inteiramente novo no ordenamento jurídico pátrio, já que antes do Texto Constitucional de 1988 “exigia-se, como requi-sito específico de admissibilidade do recurso extraordinário, a procedência da argüição de relevância da questão federal” (grifado no original)42 – da questão constitucional suscitada no Recurso Extraordinário nº 602.347/MG, qual seja, a possibilidade de cobrança do IPTU pela menor alíquota, no pe-ríodo anterior à Emenda Constitucional nº 29, de 2000, quando se declarar a inconstitucionalidade de sua progressividade. O recurso extraordinário em questão aguarda julgamento pelo Plenário.

CONCLUSÃO

A Constituição do Brasil de 1988, que erigiu após um processo de re-democratização lento e gradual do país, e que estabeleceu como vetor fun-

41 Ressalte­se, por relevante, que se encontra pendente de julgamento no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.732/DF, requerida, em 1º de outubro de 2002, pela Confederação Nacional do Comércio, em face da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, na parte em que tratou da progressividade do IPTU.

42 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. II, 2008. p. 122.

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damental a dignidade da pessoa humana, é um sistema aberto de princípios e regras, na medida em que suas normas possuem a capacidade de adaptar--se à constante evolução da sociedade brasileira, marcada pela complexi-dade e pela pluralidade, sem olvidar sua abertura aos tratados internacio-nais de direito humanos que compõem o seu bloco de constitucionalidade (art. 5º, § 3º, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Não obstante, a Carta Política de 1988 estruturou sistematicamente o direito tributário brasileiro e procurou manter a racionalidade introduzida no ordenamento pátrio pela Emenda Constitucional nº 18, de 1965, e pelo Código Tributário Nacional. O sistema tributário brasileiro, consoante ante-riormente salientado, compreende: o sistema tributário nacional; o sistema tributário federado; e o sistema internacional tributário. A Constituição de 1988 fixou um sistema tributário federado ou de discriminação das rendas tributárias de caráter rígido, designando expressamente os tributos concer-nentes a cada um dos Entes da Federação: União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, aos quais foi conferida a competência para instituir, entre outros tributos, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) (art. 156, I).

O princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da Constitui-ção do Brasil de 1988) sintetiza-se na seguinte ideia: aqueles contribuintes que detêm mais riqueza devem pagar, proporcionalmente, mais tributos. Este princípio relaciona-se, portanto, com os princípios da solidariedade so-cial (art. 3º, I, da Constituição do Brasil de 1988) e da igualdade em sentido material (art. 5º, I, da Constituição do Brasil de 1988) que, por sua vez, au-toriza a discriminação dos contribuintes na medida de suas desigualdades e cuja fonte remota encontra-se na ideia aristotélica de justiça distributiva. A progressividade dos impostos, que autoriza a elevação da alíquota na medi-da em que se alarga a base de cálculo, é um dos subprincípios da capacida-de contributiva e constitui um importante mecanismo de redistribuição de renda, isto é, de realização, in concreto, daqueles mencionados princípios.

À guisa de conclusão, entendemos que a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, ao incluir os incisos I e II no art. 156, § 1º, da Constituição do Brasil de 1988, permitindo a progressividade do IPTU em razão do valor do imóvel, bem como a adoção de alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, promovendo, ainda, a correção legislati-va da jurisprudência do STF não violou quaisquer das limitações materiais ao poder de reforma previstas no Texto Constitucional de 1988. De fato, mesmo antes daquela emenda constitucional, já era possível, a nosso ver, estabelecer alíquotas progressivas para o IPTU, não só em função da política

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urbana (progressividade extrafiscal), de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade, mas também em função da capacidade do contribuinte proprietário de imóvel (progressividade fiscal), com vistas à efetivação da justiça distributiva (social) no âmbito do Estado Social e Democrático de Direito em que se constitui o Brasil (art. 1º da Constituição do Brasil de 1988).

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Parte Geral – Doutrina

A Boa-Fé Objetiva nas Relações Condominiais

ANDRÉ LUIZ JUNQUEIRAAdvogado, formado pela Universidade Veiga de Almeida (RJ), Consultor Jurídico de empresas do mercado imobiliário, Especializado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Veiga de Almeida, Associado ao Escritório Schneider Advogados Associados, Membro da Associa-ção Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário – Abami.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A boa-fé e suas espécies subjetiva e objetiva; 2 Institutos inerentes à boa-fé objetiva; 2.1 Proibição de comportamento contraditório; 2.2 Teoria do tu quoque; 2.3 Teoria da suppressio; 2.4 Teoria da surrectio; Conclusão.

INTRODUÇÃOAssim como toda relação jurídica, em condomínios edilícios exis-

tem princípios gerais. Entretanto, nota-se que os autores especializados em condomínios pouco exploram o tema e, até por consequência, tampouco os síndicos e administradores. Dos princípios que regem as relações condo-miniais, destaca-se o da boa-fé, que recebeu grande apreço do legislador no Código Civil atual, trazendo uma verdadeira revolução nos efeitos jurídicos dos comportamentos dos indivíduos, exigindo mais lealdade e ética nos respectivos vínculos obrigacionais.

O tema a seguir possui tanta importância que foi objeto de recen-te exposição do Professor e Advogado Luis Fernando Marin no Simpósio Regional de Direito Imobiliário, evento promovido pela Abadi (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis), Cedes (Centro de Estudos e De-bates) e SecoviRio em 26 de junho de 2009, no Sofitel, Rio de Janeiro. Ao tratar d’ “Os princípios de boa-fé e eticidade nos contratos imobiliários”, o Professor Marin apresentou diversos casos relacionados à boa-fé em con-domínios de edifícios, informações de grande importância para qualquer administrador condominial.

Após uma breve conceituação do princípio da boa-fé, serão aborda-dos quatro relevantes institutos jurídicos que com ela se relacionam e que possuem interessante aplicação para os condomínios edilícios.

1 A BOA-FÉ E SUAS ESPÉCIES SUBJETIVA E OBJETIVA

O princípio da boa-fé pode ser subdividido em duas espécies: a sub-jetiva e a objetiva. Na modalidade subjetiva, o que importa é a intenção do

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agente, ou seja, deve-se averiguar se ele não agiu com má-fé (o que é difícil de ser comprovado). Por outro lado, na boa-fé objetiva, o mais importante são as consequências das ações ou omissões do agente na outra parte, ana-lisando se o comportamento o agente afetou negativamente o vínculo obri-gacional, não importando a intenção do agente. A boa-fé objetiva delineia o padrão de conduta das partes.

Ressalte-se que a exigência da boa-fé não se limita às relações entre o condomínio e os condôminos, mas também abrange as relações entre os próprios condôminos.

2 INSTITUTOS INERENTES À BOA-FÉ OBJETIVA

A partir da boa-fé objetiva, existem outros institutos importantes, como: (1) teoria da vedação dos atos contraditórios (em latim: venire con-tra factum proprium); (2) teoria dos atos próprios (tu quoque); (3) teoria da suppressio; (4) teoria da surrectio. A seguir, buscar-se-á conceituar esses institutos e relacioná-los às questões rotineiras do condomínio.

2.1 proibição de comportAmento contrAditório

A teoria da vedação dos atos contraditórios (venire contra factum proprium), que busca preservar o princípio da confiança, consiste na linha de conduta que deve ser estabelecida de forma a preservar o equilíbrio con-tratual. Em outras palavras, o comportamento inicialmente adotado por uma parte não pode ser alterado sem prévio aviso se ela gerou uma expectativa legítima da outra parte.

Mas, para que reste comprovada a afronta à boa-fé, algumas con-dições devem ser preenchidas antes que se caracterize o comportamento contraditório. Devem ser investigados os seguintes aspectos: (a) o compor-tamento inicial do indivíduo; (b) a expectativa do outro indivíduo; (c) se houve algum tipo de investimento por parte do outro indivíduo; e (d) o comportamento contraditório (diferente do inicial) do indivíduo.

É importante lembrar que tanto o comportamento inicial quanto o contraditório são lícitos, se analisados isoladamente. Porém, no contexto da obrigação, geram consequências não previstas à outra parte e, portanto, inexigíveis.

Em condomínios, ter-se-ia o seguinte exemplo: em assembleia, o con-dômino “A” vota a favor de uma obra de acréscimo na cobertura do prédio (comportamento inicial lícito). Tendo sido aprovada a obra por unanimida-de, o proprietário da cobertura a inicia (expectativa e investimento da outra

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parte). Ao descobrir que a obra de acréscimo vai de encontro à norma mu-nicipal, o condômino “A”, que votou a favor, denuncia o fato à Prefeitura, que impõe multa ao proprietário da cobertura (comportamento lícito, mas que contradiz o inicial).

Na hipótese anteriormente citada, a conduta ética que o condômino “A” deveria ter adotado seria comunicar imediatamente à assembleia e ao proprietário da cobertura o equívoco cometido. Isoladamente, todos os atos foram legais, todavia, no contexto da obrigação, o condômino “A” desres-peitou a boa-fé objetiva.

O acórdão a seguir também é um bom exemplo da aplicação dessa teoria:

CONDOMÍNIO – Cobrança de cotas condominiais. Companheira do fale-cido proprietário. Obrigação propter rem. Posse direta. Legitimidade passiva ad causam. O pagamento da cota condominial é um dever do condômino, seja ele proprietário (posse indireta) ou possuidor (posse direta e originá-ria ou derivada) (CC/2002, arts. 1.333, caput, c/c 1.334, I, c/c 1.336, I; Lei nº 4.591/1964, arts. 9º, §§ 2º e 3º, I, 12, caput). Ou seja, o responsável pelo pagamento das despesas condominiais não será apenas o proprietário, mas também o ocupante/possuidor direto do imóvel, máxime porque ele (possui-dor) é quem efetivamente causa as despesas que deverão ser rateadas entre os condôminos. Portanto, o proprietário não é o exclusivo responsável pe-las cotas condominiais, para as quais também concorrerão todos quantos tenham a posse sobre a unidade. Nas ações de cobrança de cotas condo-miniais, prevalece o interesse geral dos condôminos. Consequentemente, o condomínio credor tem a faculdade de exigir o pagamento do respectivo dé-bito tanto do proprietário (posse indireta) quanto do possuidor (posse direta e originária ou derivada). In casu, é incontroversa a posse direta da recorrida, a qual, inclusive, não nega a possível qualidade de co-herdeira do bem. Demais disso, a apelada firmou pactos de parcelamento de dívidas condo-miniais, exatamente na qualidade de condômina. Por isso, não lhe é lícito, neste momento, adotar comportamento contraditório com sua conduta ante-riormente adotada (nemo potest venire contra factum proprium), sob pena de quebra da confiança legítima e da boa-fé objetiva. Provimento do recurso. (TJRJ, Apelação Cível nº 2008.001.07667, 13ª C.Cív., Rel. Des. Sergio Cava-lieri Filho, J. 12.03.2008, grifou-se)

2.2 teoriA do tu quoque

No dizer popular, a teoria do tu quoque impede que, em uma mes-ma relação jurídica, haja “duas medidas para um peso”. Esse instituto tem aplicação limitada nas relações condominiais, isso porque a convenção de

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condomínio tem natureza diversa da de um contrato (sendo que esse en-tendimento não é pacífico). Todavia, entende-se que haveria aplicação no campo de punição de condutas antissociais, por exemplo. Citam-se duas hipóteses que poderiam se enquadrar nesta teoria: para a mesma infração, dos condôminos receberam multas com valores diferentes; ou, no caso de alteração de fachada, um condômino é multado, mas outros não.

Novamente, em princípio, os atos de multar ou de se abster de multar são lícitos e permitidos, mas, dependendo das circunstâncias, podem ser considerados inadequados. Muito embora devam ser analisadas todas as particularidades do caso concreto antes de se aplicar ou não o instituto do tu quoque às relações condominais, em tese, seria possível sua aplicação em respeito à boa-fé objetiva.

2.3 teoriA dA suppressio

A suppressio também está fundada na boa-fé objetiva e consiste no não exercício de um direito por tempo suficiente para gerar uma expectati-va que não há direito ou, pelo menos, de que não há mais interesse nesse direito.

Majoritariamente, se entende que não existe aquisição de proprieda-de de partes comuns por usucapião, porém, a jurisprudência tem admitido a aplicação da teoria da suppressio para garantir o direito de condôminos sobre partes comuns (nesse sentido, vide julgamento do Recurso Especial nº 281.290/RJ).

Outro exemplo seria quando o condomínio perde o direito de proibir determinada atividade comercial por não agir por um longo período de tem-po. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

DIREITO CIVIL – VIZINHANÇA – CONDOMÍNIO COMERCIAL QUE AD-MITE UTILIZAÇÃO MISTA DE SUAS UNIDADES AUTÔNOMAS – INSTA-LAÇÃO DE EQUIPAMENTO POR CONDÔMINO QUE CAUSA RUÍDO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – DANO MORAL FIXADO EM QUANTUM RA-ZOÁVEL

O exercício de posições jurídicas encontra-se limitado pela boa-fé objetiva. Assim, o condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou exagerada com a finalidade de prejudicar seu vizinho. Mais especificamente não se pode impor ao vizinho uma convenção condominial que jamais foi observada na prática e que se encontra completamente desconexa da reali-dade vivenciada no condomínio.

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A suppressio, regra que se desdobra do princípio da boa-fé objetiva, reco-nhece a perda da eficácia de um direito quando este longamente não é exer-cido ou observado.

Não age no exercício regular de direito a sociedade empresária que se esta-belece em edifício cuja destinação mista é aceita, de fato, pela coletividade dos condôminos e pelo próprio condomínio, pretendendo justificar o exces-so de ruído por si causado com a imposição de regra constante da convenção condominial, que impõe o uso exclusivamente comercial, mas que é letra morta desde sua origem.

A modificação do quantum fixado a título de compensação por danos morais só deve ser feita em recurso especial quando aquele seja irrisório ou exage-rado.

Recurso especial não conhecido. (STJ, Recurso Especial nº 1096639/DF, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 09.12.2008, grifou-se)

2.4 teoriA dA surrectio

A surrectio é a prática de um ato reiterado por indivíduo que não é titular do direito subjetivo, mas que, com o tempo, acaba o adquirindo. Trata-se da face oposta da teoria da suppressio, pois, na verdade, se ganha o direito e não o contrário.

Tem-se um exemplo dessa teoria no seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – CONDOMÍNIO EDILÍCIO – CRITÉRIOS DE RATEIO DAS DESPESAS COMUNS – Convenção que prevê a distribuição das despesas na proporção das frações ideais de cada condô-mino. Condôminos que, contudo, desde 1974, deliberaram em assembleia, por maioria simples e não por quorum qualificado, o rateio na forma iguali-tária entre as unidades do edifício. Justa causa para tal deliberação, tendo em vista que o prédio é de natureza mista e possui lojas com entradas externas que não participam das despesas ordinárias de condomínio, tornando invi-ável a adoção do critério estabelecido na convenção. Autora condômina que, desde 1990, paga suas cotas na forma igualitária, sem se insurgir contra tal critério e até mesmo fazendo parte do conselho do condomínio, tendo votado em assembleia pela manutenção de tal distribuição. Procedimento da autora e do condomínio a ensejar, de acordo com o princípio da boa-fé, a conclusão da juridicidade da forma de cobrança. Aplicação do princípio da surrectio, que é o exercício continuado de uma situação jurídica ao arrepio do convencionado ou do ordenamento jurídico, mas que implica fonte de novo direito, com vista à estabilidade das relações sociais. Idêntico raciocínio se aplica quanto ao desconto para pagamento em determinada

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data, há anos praticado pelo condomínio. Recurso provido para declarar a insuficiência dos depósitos realizados pela condômina, com a consequente improcedência da consignatória. (TJRJ, Apelação Cível nº 2008.001.43073, 12ª C.Cív., Rel. Des. Antonio Iloizio Barros Bastos, J. 16.09.2008, grifou-se)

Portanto, com base nesta teoria, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que um condomínio podia cobrar quotas mesmo desrespei-tando o critério de rateio previsto na convenção. Isso porque o coproprietá-rio cobrado pagou a quota sem reclamar por mais de 10 anos.

CONCLUSÃO

Por fim, ressalta-se a essencialidade da observância da boa-fé na prática de quaisquer atos de um condomínio. Uma anotação no livro de ocorrências, a redação de uma ata de assembleia, uma cláusula na conven-ção, uma advertência ou uma ação judicial, todos são atos regulares de um condomínio, mas, dependendo das circunstâncias, podem ser impróprios se atentarem contra a boa-fé.

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Parte Geral – Doutrina

Loteamentos Fechados, Condomínios de Fato e a Obrigatoriedade do Pagamento de Taxa Mensal

MÁRCIO RACHKORSKYAdvogado, Especialista pelo Centro de Extensão Universitária, Membro da Comissão de Direi-to Imobiliário e Urbanístico da OAB-SP, Membro do Comitê Jurídico da AABIC, Articulista do Jornal do Síndico e da Revista Em Condomínios, Consultor do Portal do Síndico, Palestrante e Conferencista.

Diariamente, surgem dezenas de questões importantes envolvendo os loteamentos fechados, justamente em razão do crescimento assustador de empreendimentos imobiliários de tal natureza, sobretudo nas cidades do interior, litorâneas e nos bairros mais afastados dos centros urbanos. As discussões judiciais versam sobre a obrigatoriedade do pagamento das taxas mensais, tal qual uma despesa de condomínio e, muitas vezes, discute-se até a regularidade da constituição das associações que administram os lote-amentos fechados.

Antes de discutir a legalidade da cobrança da taxa mensal, há que se lamentar que assunto tão latente e que envolve milhares de famílias não te-nha sido tratado e regulamentado no novo Código Civil brasileiro, que poria fim aos mais diversos desencontros que surgem em função da administração das associações criadas para gerir os loteamentos fechados. Tal lacuna é objeto do Projeto de Lei nº 5.894/2001, em trâmite perante o Congresso Nacional, tendo sido apensado ao mesmo, projeto anterior (3.057/2000), estando em fase de apreciação pelas comissões competentes.

Enquanto a regulamentação não vem, mais uma vez cabe aos advo-gados, verdadeiros operadores do direito, a árdua e dura missão de enfrentar a situação fática atual, que gera uma avalanche de ações judiciais, sobre-tudo de cobrança. Afinal de contas, aplicam-se aos loteamentos fechados, por analogia, as regras aplicáveis aos condomínios, já que os loteamentos fechados funcionam, na prática, como condomínios de fato?

O il. Dr. Edwin Ferreira Britto Filho, expert no assunto, Secretário Geral da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB-SP, ressalta em brilhante parecer:

Com relação aos loteamentos fechados, existem três aspectos a serem ana-lisados, dois incontroversos e um controvertido. O primeiro incontroverso é

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aquele onde o loteamento, antes mesmo de ser implantado, já obtém do po-der público municipal, permissão de uso das vias de circulação e outros es-paços públicos localizados na área fechada, mediante a constituição prévia de uma associação, na qual aderem, automaticamente através de contrato de compra, todos os adquirentes de lotes. O segundo incontroverso é aquele onde os adquirentes, sem qualquer embargo ou discordância dos proprie-tários de lotes, montam uma associação e obtém as mesmas permissões do item anterior. Já o aspecto controvertido está assentado nos loteamentos em que são montadas associações, sem que os proprietários de lotes tenham manifestado sua concordância, ou montadas de forma pouco democrática, sem uma consulta prévia, realização de assembléias ou qualquer outra forma que permita a participação majoritária dos proprietários.

Dominante é a corrente jurisprudencial, no sentido de que o paga-mento da taxa mensal é devido em função de estar o proprietário usufruin-do dos serviços prestados pela associação (AgRg-REsp 490419/SP, REsp 439661/RJ, REsp 139952/RJ e REsp 180838). Por outro lado, há decisões desobrigando o proprietário de lote do pagamento da taxa de administra-ção, quando não associado ou ainda quando a associação não representa a maioria dos proprietários (EREsp 444932/SP e REsp 44931/SP).

Muito embora existam discussões calorosas acerca do tema, que en-volvem até preceitos constitucionais, já que ninguém é obrigado a associar--se ou manter-se associado, os loteamentos fechados devem ser analisados sob o ponto de vista da situação concreta in loco, à medida que a existência do condomínio atípico, ainda que não tenha sido devidamente registrado perante o órgão público competente, autoriza o seu direito de ação e de cobrar. O condomínio de fato tem o caráter de associação, com direitos e deveres estipulados, por livre e espontânea vontade, entre seus associados para a consecução dos objetivos comuns. Assim, mesmo sem a devida re-gularização, o loteamento fechado tem status de condomínio atípico, cuja legitimidade para cobrar é reconhecida por nossa eg. Corte de Justiça. Do contrário, no caso de associação, o possuidor que negasse sua adesão ou que se associasse quando obras e serviços estivessem prontos nada pagaria para ter os benefícios e, assim, se locupletaria em detrimento da comunida-de que se mobilizou com o pagamento de despesas. Nesse sentido:

Civil. Agravo no recurso especial. Loteamento aberto ou fechado. Condo-mínio atípico. Sociedade prestadora de serviços. Despesas. Obrigatoriedade de pagamento. O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituí-ram sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manu-tenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas

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daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contrapres-tação. Precedentes. (AgRg-REsp 490.419/SP, Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJ 30.06.2003)

Vale mencionar recente julgamento do eg. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Des. Ernani Klausner, Julgamento 03.07.2007, 1ª Câmara Cível), que muito bem definiu a obrigatoriedade do pagamento do rateio mensal, quando efetivamente o proprietário de lote usufrui de serviços comuns, tais como vigilância, portaria e limpeza:

CIVIL – CONDOMÍNIO DE FATO – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – PRE-TENSÃO À COBRANÇA DE DESPESAS COMUNS – PRESTAÇÃO DE SER-VIÇOS AOS PROPRIETÁRIOS – AUSÊNCIA DE AFILIAÇÃO VOLUNTÁRIA – SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO – Ao ser criada a associação, passou o proprietário do lote a ser membro nato desta, obrigan-do-se a participar do rateio das despesas de administração. Irrelevância de se cuidar de loteamento fechado e não de condomínio. Direito obrigacio-nal. Réu associado da entidade em loteamento fechado. Legitimidade ativa ad causam, em tese, para cobrança dos filiados das respectivas cotas-partes que couberem no rateio a todos os seus participantes. Condomínio especial previsto no art. 8º da Lei nº 4.591/1964. Ilícita a pretensão do apelante em usufruir dos esforços alheios, sem assumir, também, aqueles encargos, con-figurando o enriquecimento injusto. O serviço da guarita beneficia o apelan-te que este voluntariamente o utiliza, porquanto, na verdade, ao promover o fechamento do acesso às áreas comuns e públicas, com a instalação da aludida guarita, a associação-apelada atraiu para si a responsabilidade pela segurança do local. Afigura-se, pois, legal a cobrança. (AC 2006.001.46128)

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1591

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.163.118 – RS (2009/0210626‑4)Relator: Ministro Luis Felipe SalomãoRecorrente: Transcontinental Empreendimentos Imobiliários Ltda.Advogado: Eduardo de Araujo Ribeiro Fonyat e outro(s)Recorrido: João Carlos Ribeiro DiasAdvogado: Eduardo Cunha de Oliveira e outro(s)

ementA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – EXISTÊNCIA DE USUCAPIÃO EM FAVOR DO ADQUIRENTE – OCORRÊNCIA DE ERRO ESSENCIAL – INDUZIMENTO MALICIOSO – DOLO CONFIGURADO – ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

1. O erro é vício do consentimento no qual há uma falsa percepção da realidade pelo agente, seja no tocante à pessoa, ao objeto ou ao próprio negócio jurídico, sendo que para render ensejo à desconsti-tuição de um ato haverá de ser substancial e real.

2. É essencial o erro que, dada sua magnitude, tem o condão de im-pedir a celebração da avença, se dele tivesse conhecimento um dos contratantes, desde que relacionado à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração de vontade, a qualidades essenciais do objeto ou pessoa.

3. A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade em razão da posse prolongada da coisa, preenchidos os demais requisi-tos legais, sendo que aqui, como visto, não se discute mais sobre o preenchimento desses requisitos para fins de prescrição aquisitiva, sendo matéria preclusa. De fato, preenchidos os requisitos da usuca-pião, há, de forma automática, o direito à transferência do domínio, não sendo a sentença requisito formal à aquisição da propriedade.

4. No caso dos autos, não parece crível que uma pessoa faria negócio jurídico para fins de adquirir a propriedade de coisa que já é de seu domínio, porquanto o comprador já preenchia os requisitos da usu-capião quando, induzido por corretores da imobiliária, ora recorrente e também proprietária, assinou contrato de promessa de compra e venda do imóvel que estava em sua posse ad usucapionem. Portanto,

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incide o brocardo nemo plus iuris, isto é, ninguém pode dispor de mais direitos do que possui.

5. Ademais, verifica-se do cotejo dos autos uma linha tênue entre o dolo e o erro. Isso porque parece ter havido, também, um induzimen-to malicioso à prática de ato prejudicial ao autor com o propósito de obter uma declaração de vontade que não seria emitida se o decla-rante não tivesse sido ludibriado – dolo (CC/1916, art. 92).

6. Portanto, ao que se depreende, seja pelo dolo comissivo de efetuar manobras para fins de obtenção de uma declaração de vontade, seja pelo dolo omissivo na ocultação de fato relevante – ocorrência da usucapião –, também por esse motivo, há de se anular o negócio jurídico em comento.

7. Recurso especial não provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 20 de maio de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão Relator

relAtório

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

1. João Carlos Ribeiro Dias ajuizou ação em face de Transcontinental Negócios Imobiliários e Participações S.A. pleiteando rescisão do contrato com repetição do indébito, diante do vício de consentimento no momen-to da contratação da promessa de compra e venda do imóvel descrito na inicial – pelo qual pagou 216 prestações –, aduzindo que fora enganado e pressionado pela corretora para adquirir o imóvel de que já exercia posse há 16 anos.

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Paralelamente, a empresa ré ajuizou ação de resolução do contrato em face do autor e de sua esposa, haja vista a inadimplência deles, reque-rendo a restituição liminar do bem.

O magistrado de piso, reconhecendo que o autor, em verdade, pleite-ava a anulação e não a rescisão do negócio jurídico (que pressupõe negócio válido e eficaz), afastou eventual coação, mas acabou por anular o negócio jurídico pela configuração do erro a que fora acometido o autor, haja vista que “foram instados a celebrar contrato de promessa de compra e venda de bem que já haviam, em tese, adquirido pelo decurso de prazo”.

Indeferiu, contudo, qualquer repetição de indébito, bem como inde-nização por danos morais.

Interposta apelação por ambos os litigantes, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul negou provimento ao recurso da sociedade empresária e deu parcial provimento ao do autor, nos seguintes termos:

APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PRO-MESSA DE COMPRA E VENDA – AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO – USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL – DIREITO PREEXISTENTE – ERRO ES-SENCIAL – DECLARAÇÃO – NULIDADE DO CONTRATO – REPETIÇÃO DO INDÉBITO

Verificando-se que o autor João Carlos foi coagido a aderir a contrato de pro-messa de compra e venda quando já havia implementado mais que o dobro do prazo da prescrição aquisitiva constitucional, nulifica-se o contrato por erro essencial.

Repetição do indébito que é corolário lógico e jurídico da decisão de nu-lificação do contrato, na forma dos arts. 964 e 965 do Código Civil então vigente.

Rejeitada a preliminar apelo da Transcontinental improvido.

Parcialmente provida apelação de João Carlos.

Opostos embargos declaratórios, o recurso foi parcialmente acolhido apenas para fixação dos honorários advocatícios.

Irresignada, Transcontinental Empreendimentos Imobiliários interpõe recurso especial com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, por violação aos arts. 535 do CPC, 100 do CC/1916, 138 e 421 do CC/2002.

Aduz que as partes livremente pactuaram as condições do contrato de promessa de compra e venda de imóvel, não havendo falar em erro subs-tancial, “sob o argumento de que, à época, já havia direito ao usucapião”.

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Salienta que não existe coação, pois a ameaça foi em exercício regu-lar de um direito, tendo a recorrente buscado apenas regularizar a situação do invasor do imóvel.

É o relatório.

ementA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – EXISTÊNCIA DE USUCAPIÃO EM FAVOR DO ADQUIRENTE – OCORRÊNCIA DE ERRO ESSENCIAL – INDUZIMENTO MALICIOSO – DOLO CONFIGURADO – ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

1. O erro é vício do consentimento no qual há uma falsa percepção da realidade pelo agente, seja no tocante à pessoa, ao objeto ou ao próprio negócio jurídico, sendo que para render ensejo à desconsti-tuição de um ato haverá de ser substancial e real.

2. É essencial o erro que, dada sua magnitude, tem o condão de im-pedir a celebração da avença, se dele tivesse conhecimento um dos contratantes, desde que relacionado à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração de vontade, a qualidades essenciais do objeto ou pessoa.

3. A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade em razão da posse prolongada da coisa, preenchidos os demais requisitos legais, sendo que aqui, como visto, não se discute mais sobre o pre-enchimento desses requisitos para fins de prescrição aquisitiva, sendo matéria preclusa. De fato, preenchidos os requisitos da usucapião, há, de forma automática, o direito à transferência do domínio, não sendo a sentença requisito formal à aquisição da propriedade.

4. No caso dos autos, não parece crível que uma pessoa faria negócio jurídico para fins de adquirir a propriedade de coisa que já é de seu domínio, porquanto o comprador já preenchia os requisitos da usu-capião quando, induzido por corretores da imobiliária, ora recorrente e também proprietária, assinou contrato de promessa de compra e venda do imóvel que estava em sua posse ad usucapionem. Portanto, incide o brocardo nemo plus iuris, isto é, ninguém pode dispor de mais direitos do que possui.

5. Ademais, verifica-se do cotejo dos autos uma linha tênue entre o dolo e o erro. Isso porque parece ter havido, também, um induzimen-to malicioso à prática de ato prejudicial ao autor com o propósito de

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obter uma declaração de vontade que não seria emitida se o decla-rante não tivesse sido ludibriado – dolo (CC/1916, art. 92).

6. Portanto, ao que se depreende, seja pelo dolo comissivo de efe-tuar manobras para fins de obtenção de uma declaração de vontade, seja pelo dolo omissivo na ocultação de fato relevante – ocorrência da usucapião –, também por esse motivo, há de se anular o negócio jurídico em comento.

7. Recurso especial não provido.

voto

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

2. De plano verifica-se que não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo dirimiu as questões perti-nentes ao litígio, afigurando-se dispensável que tivesse examinado uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.

De fato, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.

3. O ponto nodal da controvérsia é saber se a existência de usucapião a favor do comprador de imóvel pode ser tida como fundamento para anu-lação de negócio jurídico de compra e venda por erro essencial.

Tanto o magistrado de piso como o Tribunal de origem entenderam que o preenchimento dos requisitos da usucapião, apesar de ainda não re-conhecida por sentença, foi apto a anular o negócio jurídico de promessa de compra e venda de imóvel pelo vício de erro substancial do contratante.

As razões do acórdão foram assim reproduzidas:

Compulsei detida e refletidamente os autos e as provas produzidas como sói acontecer. Da análise refletida não pude me afastar da conclusão de que acertada foi a decisão de primeiro grau, pelo menos quanto ao principal.

Vejamos.

Afasto, de início, a alegação de sentença extra petita. Basta a atenta leitura da inicial para se verificar que o fundamento principal da ação anulatória é de que o autor já implementara o prazo para usucapião, quando foi forçado a aderir ao contrato que busca nulificar.

Rejeito a prefacial.

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Nego provimento ao apelo da autora Transcontinental. E assim o faço nos mesmos termos das razões de apelação. Colhe-se à folha 129, a transcrição do ensinamento de Francisco Amaral:

“O erro substancial é aquele de tal importância que, sem ele, o ato não se realizaria. Se o agente conhecesse a verdade, não manifestaria a vontade de concluir o negócio jurídico. Diz-se, por isso, essencial, porque tem para o agente importância determinante, isto é, se não existisse, não se praticaria o ato.”

E exatamente nestes termos que radica a procedência da demanda do autor João Carlos.

As testemunhas afirmam posse com animus domini há mais de vinte anos. Vejamos, pois:[...]

O vício de consentimento que se traduziu por erro essencial é o fato de os autores, já prescribentes, terem sido intimidados por prepostos da apelante a aderir a um contrato. O autor João Carlos Ribeiro Dias é Auxiliar de Ser-viços Gerais. Trata-se, portanto, de pessoa de poucas luzes e não afeita ao trato jurídico. Exercia seu direito com animus domini como direito natural sem se aperceber que até mesmo tinha direito à declaração de domínio pela prescrição aquisitiva. A prova testemunhal é escorreita ao afirmar a pressão exercida por prepostos da apelante para a adesão ao contrato.

A ordem cronológica dos fatos conforta o posicionamento aqui perfilhado. O autor esgrime exceção de usucapião constitucional. Há prova material de posse desde, no mínimo, 20 de agosto de 1986.

Contado o prazo de 5 anos do usucapião constitucional a partir da vigência da Constituição Federal (05.10.1988) teríamos como termo a quo 05.10.1993. O autor somente foi coagido a aderir ao contrato em 15 de maio de 2000, momento em que já implementara mais do que o dobro do prazo exigido à prescrição aquisitiva constitucional.

Nega-se provimento à apelação da Transcontinental.

[...]

Daí que, nos termos do art. 964 do Código Civil então vigente, acolho par-cialmente a irresignação recursal do autor João Carlos, para deferir a repeti-ção de indébito na forma simples do que pagou em excesso, montante este que será apurado em liquidação.

Não verifico a ocorrência de dano moral. E isto porque, apesar do agir da de-mandada Transcontinental, verifica-se que ela agiu tentando defender direito seu, qual seja, a de perseguir um bem que ainda julgava ser seu.

Afasta-se a pretensão ao dano moral.

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4. No ponto, uma vez preenchidos os elementos mínimos, deve-se ter como existente a promessa de compra e venda entabulada, haja vista que presentes: o comprador e o devedor (sujeitos), a alienação do bem (objeto), contrato particular (forma) e a declaração do interesse em alienar e em ad-quirir (vontade exteriorizada).

Portanto, a discussão em comento ateve-se eminentemente ao plano da validade do negócio jurídico.

Como sabido, o negócio jurídico anulável, enquanto não houver de-cisão judicial em sentido contrário, produz efeitos regulares, tendo even-tual sentença desconstitutiva efeitos retro-operantes (CC/1916, art. 158 e art. 182 do CC/2002).

Dentre os defeitos do negócio jurídico, o Código Civil de 1916, re-gente à época dos fatos, previa como anulável o “ato jurídico por vício re-sultante de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude” (art. 147); sendo que, no tocante ao erro, estabelecia serem “anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial” (art. 86).

Desde logo, importante notar que o Código Civil de 2002 manteve a regra de que o erro ou ignorância é causa de anulação dos negócios jurídi-cos (arts. 138-142).

4.1 Em termos gerais, o erro é vício do consentimento no qual há uma falsa percepção da realidade pelo agente, seja no tocante à pessoa, ao objeto ou ao próprio negócio jurídico, sendo que para render ensejo à desconstituição de um ato haverá de ser substancial e real.

Orlando Gomes, com sua percuciência de sempre, leciona:

O erro é uma falsa representação que influencia a vontade no processo ou na fase da formação. Influi na vontade do declarante, impedindo que se forme em consonância com sua verdadeira motivação.

Tendo sobre um fato ou sobre um preceito noção inexata ou incompleta, o agente emite sua vontade de modo diverso do que a manifestaria, se deles tivesse conhecimento exato, ou completo.

(Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 417)

Como dito, para anular o negócio, o erro deve ser substancial (essencial).

Segundo o Código Civil de 1916:

Art. 87. Considera-se erro substancial o que interessa à natureza do ato, o objeto principal de declaração, ou alguma das qualidades a ele essenciais.

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Art. 88. Tem-se igualmente por erro substancial o que disser respeito a quali-dades essenciais da pessoa, a quem se refira a declaração de vontade.

Art. 90. Só vicia o ato a falsa, causa, quando expressa como razão determi-nante ou sob forma de condição.

Art. 91. O erro na indicação da pessoa, ou coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o ato, quando, por seu contexto e pelas circunstân-cias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.

Por conseguinte, é essencial o erro que, dada sua magnitude, tem o condão de impedir a celebração da avença, se dele tivesse conhecimento um dos contratantes, desde que relacionado à natureza do negócio, ao ob-jeto principal da declaração de vontade, a qualidades essenciais do objeto ou pessoa.

Nesse particular, colho o valioso magistério do professor Francisco Amaral:

Erro essencial, também dito substancial, é aquele de tal importância que, sem ele, o ato não se realizaria. Se o agente conhecesse a verdade, não ma-nifestaria vontade de concluir o negócio jurídico. Diz-se, por isso, essencial porque tem para o agente importância determinante, isto é, se não existisse, não se praticaria o ato.

[...]

Mas além de essencial, deve o erro ser desculpável, isto é, não pode ser con-seqüência da culpa ou falta de atenção daquele que alega o erro para tentar anular o ato que praticou, para o que concorrem diversas condições, como a idade, a profissão e a experiência do agente. (Direito civil: introdução. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 486/487)

Também na mesma linha é a valiosa doutrina de Caio Mário:

A doutrina acrescenta ainda que somente é de se considerar o erro escusá-vel, não afetando o negócio, quando o agente procede sem as cautelas nor-mais, ou seja tal que não o cometeria um indivíduo de inteligência comum. Já o direito romano o consagrava: ignorantia emptori prodest quae non in supinum hominem cadit. A esculpabilidade do erro que não é requisito har-monicamente admitido, pois há escritores, como Oertmann, que a conside-ram despicienda, deve ser apreciada em cada caso, mas submetida sempre a um critério abstrato orientador, que consiste em perquirir se seria suscetível de ser evitado se o agente houvesse procedido com cautela e prudência ra-zoáveis em um indivíduo de inteligência e conhecimento normais, relati-vamente ao objeto do negócio jurídico. (Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2007. p. 522)

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Esse também é o entendimento sufragado pelo STJ:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDI-CO – DAÇÃO EM PAGAMENTO – IMÓVEL – LOCALIZAÇÃO – INSTITUI-ÇÃO FINANCEIRA DE SÓLIDA POSIÇÃO NO MERCADO – ERRO INESCU-SÁVEL

1. Não se há falar em omissão em acórdão que deixa de analisar o segun-do pedido do autor, cujo acolhimento depende da procedência do primeiro (cumulação de pedidos própria sucessiva).

2. O erro que enseja a anulação de negócio jurídico, além de essencial, deve ser inescusável, decorrente da falsa representação da realidade própria do homem mediano, perdoável, no mais das vezes, pelo desconhecimento natural das circunstâncias e particularidades do negócio jurídico. Vale dizer, para ser escusável o erro deve ser de tal monta que qualquer pessoa de inte-ligência mediana o cometeria.

3. No caso, não é crível que o autor, instituição financeira de sólida posição no mercado, tenha descurado-se das cautelas ordinárias à celebração de ne-gócio jurídico absolutamente corriqueiro, como a dação de imóvel rural em pagamento, substituindo dívidas contraídas e recebendo imóvel cuja área encontrava-se deslocada topograficamente daquela constante em sua matrí-cula. Em realidade, se houve vício de vontade, este constituiu erro grosseiro, incapaz de anular o negócio jurídico, porquanto revela culpa imperdoável do próprio autor, dadas as peculiaridades da atividade desenvolvida.

4. Diante da improcedência dos pedidos deduzidos na exordial – inexistin-do, por consequência, condenação –, mostra-se de rigor a incidência do § 4º do art. 20 do CPC, que permite o arbitramento por equidade. Provimento do recurso especial apenas nesse ponto.

5. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 744.311/MT, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 19.08.2010, DJe 09.09.2010)

4.2 No caso dos autos, não parece crível que uma pessoa faria negó-cio jurídico para fins de adquirir a propriedade de coisa que já é de seu do-mínio, porquanto o recorrido, ora comprador já preenchia os requisitos da usucapião quando, induzido por corretores da imobiliária, ora recorrente, e também a proprietária, assinou contrato de promessa de compra e venda do imóvel que estava em sua posse ad usucapionem.

Como sabido, a usucapião é modo originário de aquisição da pro-priedade em razão da posse prolongada da coisa, preenchidos os demais requisitos legais, sendo que aqui, como visto, não se discute mais sobre o

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preenchimento desses requisitos para fins de prescrição aquisitiva, sendo matéria preclusa.

De fato, preenchidos os requisitos da usucapião, há, de forma auto-mática, o direito à transferência do domínio, não sendo a sentença requisito formal à aquisição da propriedade. Isso porque “o possuidor já detém o domínio no instante em que completa o lapso temporal exigido em lei, com o preenchimento das exigências pessoais, reais e formais antes analisadas. Tendo feição meramente declaratória, serve a sentença para constituir o usucapiente na qualidade de novo titular do direito de propriedade, figuran-do como título para ser levado a registro no RGI” (FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direitos reais. Salvador: Jus Podivm, v. 5, 2013. p. 435)

Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência sedimentada do STJ:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – JULGAMENTO EXTRA PETITA – INOCORRÊN-CIA – AÇÃO REIVINDICATÓRIA – TÍTULO DE PROPRIEDADE – SENTENÇA DE USUCAPIÃO – NATUREZA JURÍDICA (DECLARATÓRIA) – FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA – FINALIDADE DO REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS – PUBLICIDADE E DIREITO DE DISPOR DO USUCAPIENTE – RECURSO DESPROVIDO

1. Não há falar em julgamento extra petita, pois “cabe exclusivamente ao julgador a aplicação do direito à espécie, fixando as consequências jurídicas diante dos fatos narrados pelas partes consoante os brocardos da mihi factum dabo tibi ius e jura novit curia” (EDcl-REsp 472.533/MS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 26.09.2005).

2. A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade; ou seja, não há transferência de domínio ou vinculação entre o proprietário anterior e o usucapiente.

3. A sentença proferida no processo de usucapião (art. 941 do CPC) possui natureza meramente declaratória (e não constitutiva), pois apenas reconhe-ce, com oponibilidade erga omnes, um direito já existente com a posse ad usucapionem, exalando, por isso mesmo, efeitos ex tunc. O efeito retroativo da sentença se dá desde a consumação da prescrição aquisitiva.

4. O registro da sentença de usucapião no cartório extrajudicial não é essen-cial para a consolidação da propriedade imobiliária, porquanto, ao contrário do que ocorre com as aquisições derivadas de imóveis, o ato registral, em tais casos, não possui caráter constitutivo. Assim, a sentença oriunda do processo de usucapião é tão somente título para registro (arts. 945 do CPC; 550 do CC/1916; 1.241, parágrafo único, do CC/2002) – e não título constitutivo do direito do usucapiente, buscando este, com a demanda, atribuir segurança jurídica e efeitos de coisa julgada com a declaração formal de sua condição.

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5. O registro da usucapião no cartório de imóveis serve não para constituir, mas para dar publicidade à aquisição originária (alertando terceiros), bem como para permitir o exercício do ius disponendi (direito de dispor), além de regularizar o próprio registro cartorial.

6. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 118360/SP, 3ª T., Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), J. 16.12.2010, DJe 02.02.2011)

AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE USU-CAPIÃO MODO ORIGINÁRIO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE – EX-TINÇÃO DA HIPOTECA SOBRE O BEM USUCAPIDO – SÚMULA Nº 83 DESTA CORTE – REEXAME DO QUADRO PROBATÓRIO – SÚMULA Nº 7 DO STJ – DIVERGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA – IMPROVIMENTO

I – Consumada a prescrição aquisitiva, a titularidade do imóvel é concebida ao possuidor desde o início de sua posse, presentes os efeitos ex tunc da sentença declaratória, não havendo de prevalecer contra ele eventuais ônus constituídos pelo anterior proprietário.

II – A Agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a con-clusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Incidên-cia da Súmula nº 7 desta Corte.

III – Agravo Regimental improvido.

(AgRg-Ag 1319516/MG, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 28.09.2010, DJe 13.10.2010)

DIREITO CIVIL – USUCAPIÃO – SENTENÇA DECLARATÓRIA – EFEITO EX TUNC – ÔNUS REAL – HIPOTECA CONSTITUÍDA NO CURSO DA POSSE AD USUCAPIONEM – NÃO PREVALECIMENTO DO GRAVAME CONTRA O USUCAPIENTE

1. Consumada a prescrição aquisitiva, a titularidade do imóvel é concebida ao possuidor desde o início de sua posse, presentes os efeitos ex tunc da sentença declaratória, não havendo de prevalecer contra ele eventuais ônus constituídos, a partir de então, pelo anterior proprietário.

2. Recurso especial não conhecido.

(REsp 716.753/RS, 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 15.12.2009, DJe 12.04.2010)

Portanto, incide o brocardo nemo plus iuris, isto é, ninguém pode dispor de mais direitos do que possui.

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É por isso que se reconhece que “qualquer alienação praticada pelo titular em momento posterior à consumação da usucapião será ineficaz pe-rante o possuidor, que ajuizará a demanda de usucapião contra o adqui-rente, não podendo este alegar a sua boa-fé pelo desconhecimento do fato” (FARIAS, Cristiano Chaves de. Op. cit., p. 472).

Portanto, nítida a existência de erro substancial na espécie.

Deveras, mostra-se razoável o fato de que o autor, “auxiliar de servi-ços gerais, [...] pessoa de poucas luzes e não afeita ao trato jurídico”, assim como a média populacional, não soubesse que o exercício de sua posse no imóvel por um longo lapso temporal seria hábil a lhe conferir a propriedade do bem; assim como não é crível que a proprietária, imobiliária que tem como razão social justamente o trato com imóveis, tenha se descurado das cautelas ordinárias, ficando inerte e sem conferir função social a sua pro-priedade, para após muitos anos passados, simplesmente vir ao encontro do possuidor, ora recorrido, para lhe propor a venda do imóvel.

5. Por fim, e não menos importante, segundo a sentença e o acórdão recorrido, o autor, quando declarou a causa de sua vontade em adquirir o imóvel, fê-lo em razão das “maquinações” efetuadas pelos corretores.

Asseverou o acórdão recorrido:

A prova testemunhal é escorreita ao afirmar a pressão exercida por prepostos da apelante para a adesão ao contrato.

[...]

O autor somente foi coagido a aderir ao contrato em 15 de maio de 2000, momento em que já implementara mais do que o dobro do prazo exigido à prescrição aquisitiva constitucional.

Verifica-se disso e diante do cotejo dos autos, que há uma linha tênue entre o dolo e o erro. Isso porque parece ter havido, também, um induzi-mento malicioso à prática de ato prejudicial ao autor com o propósito de obter uma declaração de vontade que não seria emitida se o declarante não tivesse sido ludibriado – dolo (CC/1916, art. 92).

Em verdade, o dolo que enseja anulação não é apenas o comissivo, mas também o omissivo. Já previa o Código Civil anterior que “nos atos bila-terais o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualida-de que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela se não teria celebrado o contrato” (art. 94).

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De fato, “pretendida a rescisão do contrato por omissão dolosa do vendedor do imóvel, que escondeu a existência informação relevante em curso na época da transação (silêncio intencional, art. 147 do CC), o ato jurídico é anulável” (AgRg-Ag 783.491/RJ, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 20.11.2008, DJe 12.12.2008).

Portanto, ao que se depreende, seja pelo dolo comissivo de efetuar manobras para fins de obtenção de uma declaração de vontade, seja pelo dolo omissivo na ocultação de fato relevante – ocorrência da usucapião –, entendo que também por esse motivo, há de se anular o negócio jurídico em comento.

Aliás, o STJ vem reconhecendo, em situações semelhantes, a ocor-rência do dolo para fins de anulação do negócio jurídico, senão vejamos:

LESÃO – CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS – ENGANO – DOLO DO CESSIONÁRIO – VÍCIO DO CONSENTIMENTO – DISTINÇÃO ENTRE LE-SÃO E VÍCIO DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE – PRESCRIÇÃO QUA-DRIENAL

Caso em que irmãos analfabetos foram induzidos à celebração do negócio jurídico através de maquinações, expedientes astuciosos, engendrados pelo inventariante-cessionário. Manobras insidiosas levaram a engano os irmãos cedentes que não tinham, de qualquer forma, compreensão da desproporção entre o preço e o valor da coisa.

Ocorrência de dolo, vício de consentimento.

Tratando-se de negócio jurídico anulável, o lapso da prescrição é o quadrie-nal (art. 178, § 9º, inc. V, b, do Código Civil).

Recurso especial não conhecido.

(REsp 107961/RS, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, J. 13.03.2001, DJ 04.02.2002, p. 364)

Anulação de ato jurídico praticado com dolo. Compra e venda de imóvel quando em curso ação demolitória. Omissão dolosa do vendedor. Pres crição.

1. Pretendida a rescisão do contrato por omissão dolosa do vendedor do imóvel, que escondeu a existência de ação demolitória em curso na épo-ca da transação, o ato jurídico é anulável, incidindo quanto à prescrição o art. 178, § 9º, V, b, do Código Civil de 1916.

2. Recurso especial não conhecido.

(REsp 664499/SC, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, J. 01.03.2005, DJ 02.05.2005, p. 349)

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6. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

certidão de julgAmento quArtA turmA

Número Registro: 2009/0210626-4

Processo Eletrônico REsp 1.163.118/RS

Números Origem: 10300340452 10500048747 200801271968 70021125570 70022337794 70023092679

Pauta: 20.05.2014 Julgado: 20.05.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Luciano Mariz Maia

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

AutuAção

Recorrente: Transcontinental Empreendimentos Imobiliários Ltda.

Advogado: Eduardo de Araujo Ribeiro Fonyat e outro(s)

Recorrido: João Carlos Ribeiro Dias

Advogado: Eduardo Cunha de Oliveira e outro(s)

Assunto: Direito civil – Coisas – Promessa de compra e venda

certidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1592

Superior Tribunal de JustiçaRelator: Ministro Marco BuzziAgravante: Augusto de Oliveira Júnior e outroAdvogados: Carlos Mário da Silva Velloso Filho

Sérgio Carvalho e outro(s)Agravado: Sanccol Ltda.Advogados: Marcelo de Souza Teixeira e outro(s)

Vicente Coelho Araújo

ementA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA DECORRENTE DE CONTRATO DE CORRETAGEM POR COMPRA E VENDA DE ATIVOS DE EMPRESAS – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO APELO EXTREMO – INSURGÊNCIA DOS AUTORES

1. Incidência do óbice da Súmula nº 284/STJ, porquanto as razões do recurso especial destoam completamente das circunstâncias pro-cessuais. No recurso, limitaram-se os insurgentes a aduzir que o pro-cedimento de liquidação de sentença violou coisa julgada, uma vez que, no título executivo, teriam sido fixados os percentuais mínimos e máximos da corretagem, nos moldes preconizados na petição inicial.

Não há falar em adoção de percentual mínimo/máximo pela senten-ça, como alegam os agravantes, pois o decisório transitado em julga-do, que é objeto de liquidação por arbitramento, faz menção apenas à apuração futura, em liquidação de sentença, através de arbitramento.

Como adequadamente explicitado no julgamento dos embargos de declaração (fls. 1.955-1.961) “a ação de cobrança foi julgada pro-cedente, no sentido de condenar a parte requerida ao pagamento da taxa de corretagem devida, o que não significa que esta taxa de cor-retagem tenha que ser fixada dentro dos parâmetros requeridos na exordial, ou seja, entre 3% e 5% do valor da operação, pois este percentual, segundo a decisão, deverá ser apurado em liquidação de sentença”.

2. O óbice acima mencionado é igualmente aplicável ao tema rela-tivo à alegada ofensa ao art. 610 do CPC, porquanto nas razões do recurso especial, aduziram os insurgentes que o acórdão recorrido (proferido na fase de liquidação de sentença) teria rediscutido a lide e

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alterado o que foi decidido no processo de conhecimento, o que não guarda relação ao que foi decidido na causa, pois não houve qual-quer determinação entre percentual mínimo e máximo, não estando portanto a alegação dos recorrentes em sintonia com o julgado, a atrair a aplicação do óbice da Súmula nº 284/STF.

3. Relativamente ao aventado erro na fixação da corretagem, pela não observação dos critérios adotados pelo Creci, inviável o conhecimen-to da insurgência nesta etapa processual, uma vez que é assente nesta Corte Superior a impossibilidade de inovação recursal, por força da preclusão consumativa. Precedentes.

4. O exame de eventual desarmonia entre a sentença liquidanda e a liquidação, a representar maltrato ao art. 610 do Código de Proces-so Civil, em razão de as decisões das instâncias ordinárias estarem ancoradas em laudo de exame pericial, atrai a censura da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, dada a necessidade de, em sede de recurso especial, contrapor-se aquela prova técnica a documentos oferecidos pela parte. Precedente.

5. Agravo regimental desprovido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 10 de junho de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Raul Araújo Presidente

Ministro Marco Buzzi Relator

relAtório

O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator):

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Cuida-se de agravo regimental, interposto por Augusto de Oliveira Júnior e outro, em face da decisão de fls. 2.280-2.299, da lavra deste sig-natário, que, nos termos do art. 557, caput, do CPC, negou seguimento ao recurso especial.

O apelo extremo, fundamentado no art. 105, inciso III, alínea a da Constituição Federal, desafiava acórdão prolatado, em apelação cível, pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no bojo de ação de co-brança em face de Sanccol Ltda., na qual postularam o pagamento de corre-tagem pelo trabalho de intermediação e venda da Rede de Supermercados Coletão, pertencente à Sanccol, para a multinacional Sonae.

O acórdão recebeu a seguinte ementa (fl. 1.910):

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA – CONTRATO DE CORRETAGEM – COMPRA E VENDA DE ATIVOS DE EMPRESAS – EXE-CUÇÃO DE SENTENÇA – ARBITRAMENTO – ALEGAÇÃO DE VÍCIO NO DECISÓRIO – CITRA PETITA – INOCORRÊNCIA – ACÓRDÃO QUE NÃO DETERMINA A APLICAÇÃO DE UM PERCENTUAL MÍNIMO E MÁXIMO A VINCULAR O JULGADOR ARBITRANTE – REMUNERAÇÃO DA CORRETA-GEM – PERCENTUAL APLICADO EXCESSIVO E EM DESCONFORMIDADE COM OS USOS E COSTUMES LOCAIS – PARÂMETRO PARA FIXAÇÃO DA REMUNERAÇÃO – NEGOCIAÇÃO DE AÇÕES – REDUÇÃO DO PERCEN-TUAL APLICADO – SUCUMBÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO NESTA FASE – OBJETIVO DE APENAS TORNAR LÍQUIDA A SENTENÇA – PRIMEIRO APELO PROVIDO EM PARTE – SEGUNDO APELO DESPRO-VIDO.”

Opostos embargos de declaração, restaram rejeitados (fls. 1955/1961, e-STJ).

Em suas razões de recurso especial (fls. 1.965-2.009), alegaram os in-surgentes ofensa aos arts. 460 e 610 do CPC. Sustentaram, em síntese, quan-to ao art. 460 do CPC, julgamento citra petita, uma vez que sendo a ação de cobrança julgada procedente, os parâmetros para a fixação da comissão deveriam respeitar o pedido formulado na inicial, qual seja, entre 3% e 5% do valor da operação, e não inferior a 3%, como determinado no julgado.

Alegam ainda, em relação ao art. 610 do CPC, ter o acórdão rediscu-tido a lide e alterado em sede de liquidação de sentença o que foi decidido no processo de conhecimento, só considerando relevante o laudo pericial do expert oficial, deixando de verificar os elementos concretos dos autos.

Contrarrazões ao recurso especial às fls. 2.088-2.119.

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Em juízo de admissibilidade (fls. 2.142-2.144), negou-se o processa-mento do recurso especial, sob o fundamento de incidência da Súmula nº 7 do STJ e 284 do STF. Por força do provimento do Ag 1.223.987/PR, o apelo extremo restou admitido (fl. 2.270).

Em decisão monocrática (fls. 2.280-2.282), este signatário negou se-guimento ao recurso especial antes os seguintes fundamentos:

a) inviável o acolhimento da tese referente à existência de julgamento citra petita, porquanto incidente o óbice da Súmula nº 284/STF, uma vez que as razões do recurso especial destoam da fundamentação do decisum exequendo que faz menção, apenas, à apuração futura, em liquidação de sentença, por meio de arbitramento, acerca do percentual de corretagem a que fazem jus os insurgentes;

b) não prospera a alegação de ofensa ao art. 610 do CPC, no sentido de que o acórdão teria rediscutido a lide e alterado o que foi decidido no processo de conhecimento, haja vista que no título transitado em julgado não houve estipulação de percentual mínimo e máximo a ser cobrado a título de corretagem, motivo pelo qual ante a inexistência de sintonia en-tre as alegações tecidas no recurso especial, aplicável o óbice da Súmula nº 284/STF; e,

c) o exame de eventual desarmonia entre a sentença liquidanda e a liqui-dação, a representar maltrato à letra do art. 610 do Código de Processo Civil, quando ancoradas as decisões das instâncias ordinárias em laudo de exame pericial, atrai a censura da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, dada a necessidade de, em sede de especial, contrapor-se aquela prova técnica a documentos oferecidos pela parte.

Irresignados, interpõem agravo regimental (fls. 2.285-2.299), no qual aduzem, em síntese:

i) a inaplicabilidade do óbice da Súmula nº 284/STF, pois “o recurso especial tratou de maneira adequada o tema pertinente à ofensa à coisa julgada, com a total inovação do decidido no processo de conhecimento, em vir-tude do flagrante desrespeito à condenação ao pagamento de comissão de corretagem pela alienação de um fundo de comércio”, e os agravantes “tiveram a cautela de tecer lona motivação [...] rememorando os principais episódios da discussão, indicando os fatos certos, arrematando por afir-mar que o Corte das Araucárias desconsiderou que o pedido de ação de cobrança – julgado procedente pelo então Tribunal de Alçado – solicitara comissão entre 3% a 5% do valor do venda, a ser definido em liquidação por arbitramento”;

ii) desnecessidade de proceder ao reexame de fatos e provas para se aquila-tar a violação ao art. 610 do CPC, motivo pelo qual inaplicável o óbice da

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Súmula nº 7/STJ, uma vez que “verificar se o acórdão recorrido desbordou da coisa julgada, modificando-a, como sustentam os agravantes, não im-plica o revolvimento do material fálico ou probante”;

iii) “ainda que se mantenha a inteligência externada pela decisão agravada no sentido de que não foram estipulados percentuais mínimos e máximo, perceba-se que a ação de conhecimento foi incisiva ao determinar, em sua parte dispositiva, que na liquidação deveriam ser ‘observados os cri-térios adotados pelo Creci’”.

iv) “para se fixar o valor da condenação imposta à agravada, o acórdão re-corrido adotou critério diverso daquele estabelecido na ação de conheci-mento (tabela de remuneração do Creci), estimando adequada a fixação de percentual pago ‘na bolsa de valores’, ao ‘agente autônomo de inves-timento’ (e-STJ fl. 1.913)”.

Contrarrazões às fls. 2.302-2.312.

É o relatório.

ementA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA DECORRENTE DE CONTRATO DE CORRETAGEM POR COMPRA E VENDA DE ATIVOS DE EMPRESAS – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO APELO EXTREMO – INSURGÊNCIA DOS AUTORES

1. Incidência do óbice da Súmula nº 284/STJ, porquanto as razões do recurso especial destoam completamente das circunstâncias pro-cessuais. No recurso, limitaram-se os insurgentes a aduzir que o pro-cedimento de liquidação de sentença violou coisa julgada, uma vez que, no título executivo, teriam sido fixados os percentuais mínimos e máximos da corretagem, nos moldes preconizados na petição inicial.

Não há falar em adoção de percentual mínimo/máximo pela senten-ça, como alegam os agravantes, pois o decisório transitado em julga-do, que é objeto de liquidação por arbitramento, faz menção apenas à apuração futura, em liquidação de sentença, através de arbitramento.

Como adequadamente explicitado no julgamento dos embargos de declaração (fls. 1.955-1.961) “a ação de cobrança foi julgada pro-cedente, no sentido de condenar a parte requerida ao pagamento da taxa de corretagem devida, o que não significa que esta taxa de cor-retagem tenha que ser fixada dentro dos parâmetros requeridos na exordial, ou seja, entre 3% e 5% do valor da operação, pois este

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percentual, segundo a decisão, deverá ser apurado em liquidação de sentença”.

2. O óbice acima mencionado é igualmente aplicável ao tema rela-tivo à alegada ofensa ao art. 610 do CPC, porquanto nas razões do recurso especial, aduziram os insurgentes que o acórdão recorrido (proferido na fase de liquidação de sentença) teria rediscutido a lide e alterado o que foi decidido no processo de conhecimento, o que não guarda relação ao que foi decidido na causa, pois não houve qual-quer determinação entre percentual mínimo e máximo, não estando portanto a alegação dos recorrentes em sintonia com o julgado, a atrair a aplicação do óbice da Súmula nº 284/STF.

3. Relativamente ao aventado erro na fixação da corretagem, pela não observação dos critérios adotados pelo Creci, inviável o conhecimen-to da insurgência nesta etapa processual, uma vez que é assente nesta Corte Superior a impossibilidade de inovação recursal, por força da preclusão consumativa. Precedentes.

4. O exame de eventual desarmonia entre a sentença liquidanda e a liquidação, a representar maltrato ao art. 610 do Código de Proces-so Civil, em razão de as decisões das instâncias ordinárias estarem ancoradas em laudo de exame pericial, atrai a censura da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, dada a necessidade de, em sede de recurso especial, contrapor-se aquela prova técnica a documentos oferecidos pela parte. Precedente.

5. Agravo regimental desprovido.

voto

O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator):

O agravo regimental não merece acolhida, porquanto os argumentos tecidos pelos insurgentes não se mostram capazes de derruir a fundamenta-ção da decisão agravada, que merece ser mantida na íntegra.

1. Efetivamente, tal como exposto no decisum monocrático, não pros-pera o argumento de julgamento citra petita (violação ao art. 460 do CPC), por não ter sido fixado o percentual da corretagem conforme o pleito da inicial.

Verifica-se do dispositivo do acórdão exequendo o seguinte:

“Diante do exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso de apela-ção manejado por Augusto Oliveira Junior e Ottilio Monaco, a fim de, refor-

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mando a respeitável sentença de primeiro grau, julgar procedente o pedido formulado na inicial da ação ordinária de cobrança promovida em face de Sanccol Ltda., condenando o requerido ao pagamento da corretagem a que fazem jus os requerentes, cujo percentual, que deverá incidir sobre o valor efetivo da alienação realizada, deverá ser apurado em oportuna liquidação de sentença, através de arbitramento, nos termos do art. 606 e seguintes do Código de Processo Civil, observados os critérios adotados pelo Creci.”

Nas razões do recurso especial, limitaram-se os insurgentes a aduzir que o procedimento de liquidação de sentença violou coisa julgada, uma vez que teria sido fixado no título executivo os percentuais mínimos e má-ximos da corretagem, o que destoa completamente das circunstâncias pro-cessuais, fazendo incidir o óbice da Súmula nº 284/STF, haja vista que não há falar em adoção de mínimo e máximo pela sentença, como alegam os agravantes, pois o decisório transitado em julgado, que é objeto de liquida-ção por arbitramento, faz menção apenas à apuração futura, em liquidação de sentença, através de arbitramento.

E ainda, como adequadamente explicitado no julgamento dos embar-gos de declaração, “a ação de cobrança foi julgada procedente, no sentido de condenar a parte requerida ao pagamento da taxa de corretagem devida, o que não significa que esta taxa de corretagem tenha que ser fixada dentro dos parâmetros requeridos na exordial, ou seja, entre 3% e 5% do valor da ope-ração, pois este percentual, segundo a decisão, deverá ser apurado em liqui-dação de sentença”. Assim, estando as razões recursais dissociadas do que restou consignado, inarredável a incidência do óbice da Súmula nº 284/STF, na espécie.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – SÚMULAS NºS 5 E 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SÚMULAS NºS 283 E 284 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – [...]

3. Encontrando-se as razões do recurso dissociadas do que restou decidido na decisão agravada, é inadmissível o apelo por deficiência na sua funda-mentação. Incidência, por analogia, das Súmulas nºs 283 e 284 do Supremo Tribunal Federal.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg-AREsp 353.515/SP, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, J. 08.05.014, DJe 19.05.2014)

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PROCESSUAL CIVIL – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC – OMISSÃO NÃO CARACTERIZADA – RAZÕES RECURSAIS DIS-SOCIADAS DA FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO – SÚ-MULAS NºS 283 E 284 DO STF – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL – CO-TEJO ANALÍTICO NÃO DEMONSTRADO – AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA – [...]

2. Nos termos da jurisprudência do STJ, não se conhece de recurso quando as razões recursais não se coadunam com a matéria decidida na decisão recorrida. Incidência das Súmulas nºs 283 e 284 do STF.

[...]

Agravo regimental improvido.

(AgRg-REsp 1434260/MG, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, J. 25.03.2014, DJe 31.03.2014)

2. O óbice acima mencionado é igualmente aplicado ao tema relativo à alegada ofensa ao art. 610 do CPC, porquanto nas razões do recurso espe-cial, aduziram os insurgentes que o acórdão recorrido (proferido na fase de liquidação de sentença) teria rediscutido a lide e alterado o que foi decidido no processo de conhecimento (fixação de percentual mínimo/máximo para a corretagem), o que não guarda relação ao que foi decidido na causa, pois não houve qualquer determinação entre percentual mínimo e máximo, não estando portanto a alegação dos recorrentes em sintonia com o julgado, a atrair a aplicação do óbice da Súmula nº 284/STF.

3. Ademais, relativamente ao aventado erro na fixação da correta-gem, pela não observação dos critérios adotados pelo Creci, inviável o co-nhecimento da insurgência nesta etapa processual, uma vez que é assente a impossibilidade de inovação recursal por força da preclusão consumativa.

Confira-se, por oportuno, o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – CERCEA-MENTO DE DEFESA – SÚMULA Nº 7/STJ – INCIDÊNCIA DO CDC – SÚMU-LA Nº 83/STJ – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS – RAZÕES DISSO-CIADAS DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO – SÚMULA Nº 284/STF – CONTINÊNCIA DE AÇÕES – INOVAÇÃO RECURSAL – [...]

4. As inovações recursais trazidas nas razões do regimental não comportam análise, tendo em vista a ocorrência da preclusão consumativa.

5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg-AREsp 439.263/SP, 3ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 27.03.2014, DJe 04.04.2014)

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4. Por fim, mesmo que assim não fosse, o exame de eventual desar-monia entre a sentença liquidanda e a liquidação, a representar maltrato ao art. 610 do Código de Processo Civil, em razão de as decisões das instâncias ordinárias estarem ancoradas em laudo de exame pericial, atrai a censura da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, dada a necessidade de, em sede de recurso especial, contrapor-se aquela prova técnica a documentos oferecidos pela parte.

Nesse sentido o REsp 809479/RJ, 4ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, J. 12.02.2008, DJ 25.02.2008, p. 324.

5. Do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

certidão de julgAmento quArtA turmA

Número Registro: 2009/0197412-6

Processo Eletrônico AgRg-REsp 1.160.195/PR

Números Origem: 4394421 439442101 439442103

Em Mesa Julgado: 10.06.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Marco Buzzi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Luciano Mariz Maia

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

AutuAção

Recorrente: Sanccol Ltda.

Advogados: Marcelo de Souza Teixeira e outro(s) Vicente Coelho Araújo

Recorrente: Augusto de Oliveira Júnior e outro

Advogados: Carlos Mário da Silva Velloso Filho Sérgio Carvalho e outro(s)

Recorrido: os mesmos

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Corretagem

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AgrAvo regimentAl

Agravante: Augusto de Oliveira Júnior e outro

Advogados: Carlos Mário da Silva Velloso Filho Sérgio Carvalho e outro(s)

Agravado: Sanccol Ltda.

Advogados: Marcelo de Souza Teixeira e outro(s) Vicente Coelho Araújo

certidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 558244 2011.51.15.000247‑2Nº CNJ: 0000247‑81.2011.4.02.5115Relator: Juíza Fed. Conv. Maria Alice Paim Lyard, em subst. ao Des. Fed. Guilherme Couto de CastroApelante: Condomínio Comary Gleba VII‑BAdvogado: Marcelo Gonçalves de Carvalho e outrosApelado: União Federal/Fazenda NacionalOrigem: 1ª Vara Justiça Federal Teresópolis/RJ (201151150002472)

ementA

ADMINISTRATIVO – INSCRIÇÃO NO CNPJ – CONDOMÍNIO PRO INDIVISO – NÃO CONFIGURAÇÃO – EXIGÊNCIA DE ESTATUTO REGISTRADO NO RCPJ – IRREGULARIDADE NÃO SANADA – INOCORRÊNCIA DE DECADÊNCIA

1. Não há direito adquirido a regime jurídico. Ainda que a inscrição no CNPJ tenha sido validamente realizada, à luz das regras vigentes à época, o contribuinte não está isento de cumprir as novas exigências formuladas posteriormente e a Administração Pública deve rever atos eivados de ilegalidade (Súmula nº 473 do STF).

2. O autor não tem natureza jurídica de condomínio pro indiviso, já que não há um único imóvel, mas diversos bens imóveis que es-tão em mãos de diversos proprietários. Nem tampouco é condomínio edilício, sujeito à disciplina da Lei nº 4.591/1964, onde o condomínio é coativo ou forçado, e a inicial afirma que a associação é voluntária.

3. De início, não houve irregularidade na concessão da inscrição do autor no CNPJ. Com a edição da IN SRF 568/2005, que passou a exigir a apresentação do estatuto registrado no CRCPJ e Ata da Assembleia Geral de Constituição registrada no CRCPJ ou CTD (Anexo VI), é que surgiu a irregularidade. A autoridade administrativa instou o autor a fornecer esses documentos, mas a determinação não foi cumprida.

4. Não houve decadência do direito de Administração Pública anular o ato de concessão da inscrição do autor no CNPJ. A exigência que tornou viciada a inscrição só surgiu em 2005, e o processo adminis-trativo que buscou averiguar a sua regularidade foi instaurado em 2009. Inteligência do art. 54, § 2º da Lei nº 9.784/1999.

5. Apelo desprovido.

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Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, na forma do voto da relatora, negar provimen-to à apelação.

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2014.

Maria Alice Paim Lyard Juíza Federal Convocada Relatora

relAtório

Trata-se de apelação ofertada pelo Condomínio Comary Gleba VII-B, atacando a sentença (fls. 407/413) que julgou improcedente o pedido.

Narra a petição inicial (fls. 1/10) que a Receita Federal instaurou pro-cedimento administrativo (13749.000215/2009-75), buscando verificar o correto enquadramento da natureza jurídica do autor nos termos da Instru-ção Normativa (IN) nº 748/2007; que, no curso desse procedimento, o autor formulou Consulta à Receita Federal acerca do seu correto enquadramento, nos termos da referida IN, mas esta consulta foi declarada ineficaz; que foi proferido despacho decisório, no bojo do procedimento administrativo, determinando ao autor que informasse se pretendia apresentar estatuto de acordo com as regras do condomínio voluntário, devidamente registrado no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, e que, uma vez silente ou irresignado, seu CNPJ seria cancelado; que referida decisão fere a ampla defesa e o con-traditório, porque não possibilita que o autor conteste seus termos, e impõe obrigação juridicamente impossível, já que há norma expressa proibindo o seu registro perante o RCPJ; que inexiste amparo legal para o cancelamento de seu CNPJ; que possui natureza jurídica de condomínio voluntário pro indiviso; que a concessão do CNPJ ao condomínio em 11.05.1999 obser-vou a legislação vigente à época; que as IN posteriores trouxeram novas exigências, mas lhe são inaplicáveis, por afronta ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito; que não há no âmbito da Receita Federal ato norma-tivo que regule o enquadramento de condomínios dessa espécie, para fins de inscrição no CNPJ, e, por esta razão, não se pode impedir o autor de permanecer com sua inscrição ativa no CNPJ; que a tabela do anexo III ou VIII da IN 1097/2010 é exemplificativa, e o fato de não contemplar o con-

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domínio voluntário não pode servir de fundamento para cancelar o CNPJ do autor; que eventual irregularidade na concessão do CNPJ já não poderia mais ser sanada, ante o transcurso do prazo decadencial do art. 54 da Lei nº 9.784/1999; que os arts. 10 e 11, XVII da IN 747/2007 também servem de fundamento para impedir o cancelamento da inscrição do autor. Requer antecipação de tutela para que seja suspenso o PA 13749.000215/2009-75 e que a Receita Federal se abstenha de cancelar o CNPJ do autor. Ao final, pleiteia a nulidade do despacho decisório (proferido no referido processo administrativo), e, assim, que seja mantido ativo o seu CNPJ.

A sentença apreciou conjuntamente os pedidos formulados neste pro-cesso e no de nº 0000245-14.2011.4.02.5115, já que este último discute exatamente a mesma questão debatida nos presentes autos, apenas diferin-do quanto à Gleba do condomínio Comary (VII-B, neste processo, e XV, na-quele), O pedido foi julgado improcedente (fls. 407/413) e, em seu recurso (fls. 415/425), o autor requer a reforma da sentença e pugna pela concessão de antecipação de tutela recursal para que seja restabelecida sua inscrição no CNPJ. Alega que o fato de não se caracterizar como condomínio pro indiviso, mas entidade sem personalidade jurídica (fundamento de que se valeu o juízo de primeiro grau para julgar improcedente seu pedido), não é apto a impedir o autor de possuir CNPJ, já que o próprio condomínio edi-lício não tem personalidade jurídica; que há inúmeras decisões proferidas na Justiça Estadual no sentido de que todos os condomínios que formavam a antiga Granja Comary constituem condomínios de natureza pro indivisa, com destaque para o julgado juntado a fls. 38/41; que os coproprietários “possuem uma fração ideal do terreno que constitui a totalidade da circuns-crição territorial que forma o condomínio” autor; que, como tem natureza jurídica de condomínio pro indiviso, não está obrigado a registrar sua con-venção no RGI, mas apenas em Cartório de Títulos e Documentos, razão pela qual as exigências feitas pela Receita Federal, com vistas a regularizar sua inscrição no CNPJ, são descabidas. No mais, repisa as alegações formu-ladas na inicial.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 442/453).

É o relatório.

Maria Alice Paim Lyard Juíza Federal Convocada Relatora

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voto

A apelação não merece ser provida, data venia. Deve a sentença ser mantida por seus próprios fundamentos, que passam a integrar o presente voto, evitando-se transcrição, e pelos que se lhe acrescem, na forma adiante alinhada.

O autor postula a anulação do despacho decisório proferido no bojo do Processo Administrativo nº 13749.000215/2009-75 e a reativação de sua inscrição no CNPJ.

Em síntese, as teses formuladas na inicial – repetidas no apelo – são, basicamente, as seguintes: i) o autor possui natureza jurídica de condomínio voluntário pro indiviso e, portanto, não está obrigado a registrar sua con-venção no RCPJ, como exigido na decisão administrativa que busca anular; ii) independentemente de não ter personalidade jurídica, equipara-se a pes-soa jurídica e, portanto, tem o direito de inscrever-se no CNPJ; iii) não há qualquer ato normativo que trate de códigos de natureza jurídica de con-domínio pro indiviso e nem dos documentos que devem ser apresentados para a entidade possuir inscrição no CNPJ; iv) o cancelamento do seu CNPJ fere o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, já que sua inscrição nesse cadastro foi regular e a legislação vigente à época não fazia as exigências ora formuladas, e as normas posteriores não se lhe aplicam; v) operou-se a decadência do direito de a Administração Pública cancelar o seu CNPJ, nos termos do art. 54 da Lei nº 9.784/1999.

A alegação de que a sua inscrição no CNPJ observou todas as formali-dades vigentes à época e que as imposições trazidas por legislação posterior não lhe seriam aplicáveis, por ofenderem direito adquirido e ato jurídico perfeito, não é acolhida.

É assente a noção de que ninguém tem direito adquirido a determina-do regime jurídico. Ainda que a inscrição no CNPJ tenha sido validamente realizada, à luz das regras vigentes à época, o contribuinte não está isento de cumprir as novas exigências formuladas posteriormente. E é dever da Ad-ministração Pública diligenciar para que tais exigências sejam cumpridas, e, de outro lado, o contribuinte deve adequar-se a elas.

Neste passo, o autor não tem direito adquirido à manutenção das regras que vigiam quando de sua inscrição no CNPJ. Eventuais mudanças na legislação são perfeitamente aplicáveis a ele. Aliás, as novas exigências inserem-se no âmbito regulamentar da Administração e do controle que a autoridade administrativa deve exercer em relação às inscrições no CNPJ. Do mesmo modo, se constatada alguma irregularidade na referida inscrição,

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o ato de concessão pode e deve ser revisto, no exercício da autotutela (Sú-mula nº 473 do STF).

E nem se alegue que a inscrição no CNPJ configura ato jurídico per-feito, imune, por isso, à observância de novas exigências feitas pelo Poder Público. Trata-se, na realidade, de cadastro efetuado perante o fisco para fins tributários, e, como mencionado, está sujeito ao constante controle da Administração Pública, que, eventualmente, pode rever o ato que concedeu a inscrição, com vistas a adequá-lo à legalidade e ao interesse público.

No caso, foi instaurado procedimento administrativo justamente para apuração da regularidade da inscrição do autor no CNPJ, por requisição do Ministério Público Federal de Teresópolis (fl. 265). E, ao final desse procedi-mento, concluiu-se que sua inscrição no CNPJ foi inicialmente regular, teria se tornado viciada posteriormente, mas o apelante poderia regularizar sua inscrição se fornecesse à Receita Federal o seu estatuto devidamente regis-trado no RCPJ. Toda a situação é descrita no despacho decisório juntado a fls. 110/114.

A situação do autor é peculiar, porque ele entende ter natureza jurí-dica de condomínio voluntário pro indiviso, e não havia (e ainda não há) na legislação um código de NJ específico para tal entidade. Por isso é que foi enquadrado como associação. No entanto, para continuar válida a sua inscrição deveria cumprir a exigência que lhe foi formulada, mas não o fez.

Nada obstante, embora válida a exigência, como se verá adiante, o despacho decisório não fez a leitura absolutamente correta da situação do autor.

Por outro lado, como bem ressaltado na sentença, o autor não tem natureza jurídica de condomínio pro indiviso, nem tampouco de condomí-nio edilício.

A alegação de que a Justiça Estadual reconheceu, em diversos proces-sos, a natureza de condomínio ao autor não é relevante, e não tem qualquer repercussão aqui. As decisões acostadas aos autos limitaram-se a conside-rá-lo condomínio na fundamentação, como razão de decidir, e os funda-mentos da sentença não fazem coisa julgada (art. 469, I do CPC). Não há qualquer provimento declaratório (na parte dispositiva dos julgados) nesse sentido.

Trata-se, na realidade, de entidade que mais se aproxima de uma associação, embora seus atos constitutivos não estejam registrados no RCPJ, exigência prevista no art. 45 do Código Civil para lhe conferir personalidade jurídica.

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No ponto, disse corretamente a sentença:

“Ou seja, a ser verdadeira a natureza jurídica das coletividades descritas nas iniciais, haveria um único bem imóvel que estaria em mãos de várias pes-soas, cada qual possuindo uma parte ideal.

Contudo, de acordo com os documentos dos autos, no caso, não há um único imóvel, mas diversos bens imóveis que estão em mãos de diversos proprietários. O que cada autora representa é uma comunhão de proprietá-rios de imóveis vizinhos. A sociedade que cada autora representa não tem a natureza jurídica de ‘condomínio voluntário pro indiviso’ como alegado nas iniciais.

A coletividade que cada autora representa tem natureza jurídica de socieda-de sem personalidade jurídica e, como tal, deve ser representada em juízo pela pessoa a quem couber a representação dos seus bens, como dispõe o art. 12, VII do Código de Processo Civil. No caso, a representante da socie-dade denominada Condomínio Comary Gleba XV é a pessoa indicada às fls. 115/116 e 212/213 (00000245-14.2011.4.02.5115) e a representante da sociedade denominada Condomínio Comary Gleba VII-B é a pessoa indica-da às fls. 107 (0000247-81.2011.4.02.5115).

[...].

A coletividade que cada autora representa também não tem a natureza de condomínio sujeito à disciplina da Lei nº 4.591/1964, onde o condomínio é coativo ou forçado.

[...]

No caso, a coletividade que cada autora representa, além de não ser o con-domínio de que trata o inciso IX do art. 12 do CPC, também não é uma pes-soa jurídica. A coletividade que cada autora representa não possui ato cons-titutivo inscrito no registro das pessoas jurídicas de direito privado. Aliás, não possui sequer ato constitutivo. A convenção de fls. 214/222, realizada em 17.01.2004 (Processo nº 00000245-14.2011.4.02.5115) e a convenção de fls. 275/303 (Processo nº 0000247-81.2011.4.02.5115) registradas no Car-tório de Títulos e documentos desta cidade não são atos constitutivos. São convenções. E uma convenção não é instrumento de instituição e especifica-ção de um condomínio. O instrumento constitutivo de um condomínio em edifícios é e deve ser anterior à elaboração da convenção de condomínio. Em outras palavras, somente se pode fazer uma convenção de condomínio de um condomínio que já esteja previamente instituído.

Conforme consta da inicial do processo nº 0000245-14.2011.4.02.5115, o CNPJ do “Condomínio Gleba XV” foi concedido pela Receita Federal em 11.05.1999 e cadastrado com a NJ 302-6 – Associação, sendo pessoa física

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responsável indicada conforme a IN-SRF 58/98, ou seja, com código 19 – síndico”.

Conforme consta do documento de fls. 11 do Processo nº 0000247-81.2011.4.02.5115, o CNPJ do “Condomínio Gleba VII” foi concedido pela Receita Federal em 20/02/1993 e cadastrado com a NJ 399-9 – Associação Privada”.

As associações são pessoas jurídicas de direito privado, conforme dis-põe o art. 44, I do Código Civil em vigor. O art. 16, I do Código Civil de 1916, vigente na época do requerimento administrativo de concessão de CNPJ, considerava as associações de utilidade pública pessoas jurídicas de direito privado. Porém, a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado somente começa com a inscrição dos seus atos constitutivos no respectivo registro. Também não houve modificação na lei civil no que diz respeito ao começo da existência legal das pessoas jurídicas de direito pri-vado (art. 18 do Código Civil de 1916 e art. 45 do Código Civil em vigor).

Na falta de um código de NJ específico para o autor – até porque, de fato, havia dúvida em relação à sua correta natureza jurídica –, foi-lhe atri-buído o código NJ 302-6 (Associação).

Na época da concessão de sua inscrição no CNPJ não lhe foi exigida a apresentação do registro do seu estatuto no RCPJ. A legislação em vigor na ocasião não previa essa formalidade. E, portanto, não houve vício na inscrição inicial do autor no CNPJ. Quanto ao ponto, vale destacar que, diferentemente do que foi consignado na sentença, o fato de a entidade não ter personalidade jurídica não impede a inscrição no CNPJ. O próprio con-domínio edilício não tem personalidade jurídica e a legislação lhe defere tal inscrição.

No entanto, com a superveniência da Instrução Normativa nº 568, de 8 de setembro de 2005, passou-se a exigir das entidades cadastradas com a NJ de Associação Privada os seguintes documentos: estatuto registrado no CRCPJ e Ata da Assembleia Geral de Constituição registrada no CRCPJ ou CTD ou Certidão emitida pelo CRCPJ que contenha todos os elementos necessários para a inscrição (Anexo VI).

Diante da apontada alteração, a inscrição do autor no CNPJ passou a estar viciada, mas a situação poderia ser sanada se apresentasse à Receita Federal esses documentos, conforme determinado no despacho decisório (fl. 113).

Então, desde a edição da IN SRF 568/2005 (12.09.2005, data da publi-cação da referida IN), que passou a exigir tal formalidade, é que a situação do

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autor perante o CNPJ passou a estar viciada. A irregularidade não se iniciou com a não comunicação à Receita Federal do registro da ata da constituição do condomínio no Cartório de Títulos e Documentos – CTD (01.04.2003), como consignado na decisão proferida o PA 13749.000215/2009-75 (fls. 111/113). Isto porque o registro no CTD não alterou propriamente seus dados cadastrais ou seu quadro de sócios e administradores, como prevê o art. 20, caput e § 1º da IN SRF 200/2002 (fl. 111), mas apenas deu publici-dade à ata de assembleia geral.

Daí que é descabida a alegação de decadência do direito da Ad-ministração de cancelar a inscrição do autor no CNPJ. A IN 568 criou a exigência apenas em setembro de 2005, e o Processo Administrativo nº 13749.000215/2009-75 foi instaurado em fevereiro de 2009 (fls. 264/266). Quanto ao ponto, incide o art. 54, § 2º da Lei nº 9.784/1999, que preceitua que se considera exercício do direito de anular qualquer me-dida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. Desse modo, considerando que entre a criação da exigência (início da irregularidade da inscrição do demandante no CNPJ) e o início do processo administrativo não transcorreram 5 anos, conclui-se que não se operou a decadência no caso.

Pelo exposto, nega-se provimento à apelação. É o voto.

Maria Alice Paim Lyard Juíza Federal Convocada Relatora

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos TerritóriosÓrgão: 1ª Turma CívelClasse: Apelação nº 20120710232999APC(0022442‑50.2012.8.07.0007)Apelante(s): Gutenberg Mangueira Abílio, Olindina Paula AbílioApelado(s): Jonas Marques da CunhaRelator: Desembargador Flavio RostirolaAcórdão nº 802231

ementA

CIVIL – LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL – AÇÃO DE DESPEJO – DENÚNCIA VAZIA – NOTIFICAÇÃO PARA A DESOCUPAÇÃO REGULAR – PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR SUPOSTA DESVALORIZAÇÃO DO FUNDO DE COMÉRCIO – IMPROCEDÊNCIA

1. Nas hipóteses de resilição contratual por denúncia vazia – imo-tivada –, mostra-se incabível a discussão a respeito dos motivos da retomada do imóvel pelo locador, bastando que este preencha os re-quisitos exigidos para o ajuizamento da demanda.

2. O art. 57 da Lei nº 8.245/1991 confere ao locador de imóvel não residencial a faculdade de rescindir o contrato de locação por de-núncia e retomar o seu imóvel, sendo que na hipótese de acordo por prazo indeterminado basta a notificação por escrito do locador, con-cedidos ao locatário 30 (trinta) dias para a desocupação.

3. Nos termos do art. 51, § 5º, da Lei nº 8.245/1991, decai do direito de ação renovatória de contrato de locação de imóvel comercial o locatário que não a ajuizar no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor, hipótese em análise.

4. A indenização por lucros cessantes e pela desvalorização do fun-do de comércio, descrita no art. 52, § 3º, da Lei do Inquilinato, só é devida nos casos de em que o locatário não obteve a renovação com-pulsória pelas razões descritas no citado artigo, o que não verifica no caso em testilha.

5. Apelo não provido. Sentença mantida.

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Acórdão

Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Cível do Tri-bunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Flavio Rostirola – Relator, Alfeu Machado – 1º Vogal, Gilberto Pereira de Oliveira – 2º Vogal, sob a presidência do Senhor Desembargador Alfeu Machado, em proferir a se-guinte decisão: conhecer e negar provimento, unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília/DF, 9 de Julho de 2014.

Documento assinado eletronicamente Flavio Rostirola Relator

relAtório

Jonas Marques da Cunha ajuizou ação de despejo contra Gutemberg Mangueira Abílio e Olinda Paula Abílio, objetivando a rescisão do contrato e a desocupação de imóvel comercial situado na CNG 01, Lote 11, Loja 02, Taguatinga/DF, fundado em denúncia vazia (imotivada), por ausência de interesse do locador em dar continuidade à relação.

Pontuou que o acordo teria vigência de 01.04.2008 a 31.03.2009, encontrando-se atualmente por prazo indeterminado. Aduz que teria pro-cedido à Notificação da Requerida, em 18 de novembro de 2011, para que desocupasse o imóvel objeto da locação, no prazo legal de 30 (trinta) dias. Ocorre que os locatários haveriam se recusado a entregar o imóvel, não obstante a regular notificação da locadora acerca da rescisão contratual.

Os Requeridos apresentaram reconvenção às fls. 39/42, postulando indenização por fundo de comércio.

Ao analisar a demanda, o MM. Juiz da Quinta Vara Cível da Cir-cunscrição Judiciária de Taguatinga/DF houve por bem julgar procedente o pedido inaugural, nos seguintes termos do dispositivo sentencial, in verbis (fls. 98/98-v):

“Diante do exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I do Código de Processo Civil para: 1. decretar a rescisão do contrato de locação celebrado entre as partes, conforme art. 57, da Lei nº 8.245/1991; 2. Decretar o despejo do primeiro requerido, que deverá desocupar o imóvel em 15 (quinze dias), nos termos

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do art. 63, § 1º, a da Lei nº 8.245/1991, sob pena de despejo compulsório; Condeno, ainda, os réus ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor da causa arbitrado na inicial, com fulcro nos arts. 20, § 3º, do CPC. Julgo improcedente a reconvenção apresentada pelos réus e condeno a parte ré reconvinte, quanto à reconvenção especificamen-te, e sem prejuízo dos honorários já estipulados, ao pagamento das custas processuais e de honorários em favor do autor, que arbitro em R$ 1.000,00 (mil reais). Expeça-se o mandado de desocupação (Lei nº 8.245, art. 63, § 1º). Findo o prazo assinado para a desocupação, contado da data da noti-ficação, promova-se o despejo, sendo autorizado o emprego de força, inclu-sive arrombamento, consoante o que dispõe o art. 65 da Lei de Locações. Notifiquem-se eventuais ocupantes do imóvel.

Além disso, na forma do disposto no art. 475-J do CPC, ficam as rés desde já intimadas com a publicação da presente sentença, para dar cumprimento ao julgado, no prazo de 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado, sob pena de acréscimo de multa de 10% (dez por cento) sobre o montante do débito. Decorrido o prazo sem cumprimento da obrigação e não havendo requerimento de execução, arquivem-se os autos, sem prejuízo de desarqui-vamento a pedido da parte. Sentença registrada nesta data.”

Inconformada, apelam os Requeridos às fls. 103/107, com o respec-tivo preparo às fls. 108/109. Em suma, informam que estariam no local há 08 (oito) anos, com a valorização do ponto comercial. Logo, teriam direito à indenização referente ao fundo do comércio, nos termos do art. 51 da Lei do Inquilinato.

Contrarrazões da Demandante às fls. 114/124, pela manutenção da r. sentença.

Dispensada a douta revisão, por se tratar de procedimento de despe-jo, a teor do disposto no art. 69, § 2º, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.

É o relatório.

votos

O Senhor Desembargador Flavio Rostirola – Relator:

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Em suma, os Demandados se insurgem, tão somente, em relação ao indeferimento do pedido de indenização por fundo de comércio, lastreado

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no fato de que estariam no local há 08 (oito) anos, com a valorização do ponto comercial. Logo, estariam preenchidos os requisitos do art. 51 da Lei do Inquilinato.

A respeito do tema, ao contrário do que sustentado pelos Demanda-dos/Apelantes, não estão presentes os requisitos que autorizam a renovação do contrato, além do fato de não haver sido demonstrado qualquer abuso por parte do locatário.

Nesse sentido, é cediço que nas hipóteses de resilição contratual por denúncia vazia (imotivada), incabível a discussão sobre os motivos da re-tomada do imóvel pelo locador, bastando que este preencha os requisitos exigidos para o ajuizamento da demanda.

Logo, a mera expectativa de permanência no imóvel, por já se en-contrar neste há 08 (oito) anos, por si só, não se mostra suficiente para conferir a indenização por fundo do comércio ou, ainda, revela abusivida-de na pretensão do locador, máxime porque o próprio art. 51, § 5º, da Lei nº 8.245/1991, assenta que decai do direito de ação renovatória de contrato de locação de imóvel comercial o locatário que não a ajuizar no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor, hipótese da presente lide.

Igualmente, não há como conferir a indenização por fundo de co-mércio pleiteada, isso porque os arts. 51 e 52 da Lei do Inquilinato exigem, para os fins de garantia da renovação e da indenização, sejam satisfeitos cumulativamente os seguintes requisitos:

“Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamen-te: I – o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo de-terminado; II – o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos; III – o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrup-to de três anos. (Omissis).

§ 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no in-terregno de um no máximo, até seis meses, no mínimo anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.”

Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se:

I – por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade;

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II – o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fun-do de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente.

1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences.

[...]

3º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e des-valorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar.”

No caso, as partes firmaram 02 (dois) contratos, sendo o primeiro de 01.10.2006 a 30.09.2007 (fls. 45/48) e o segundo de 01.04.2008 a 31.03.2009 (fls. 18/19). A partir dessa data o contrato passou a viger por prazo indeter-minado. Em seguida, o locador procedeu à notificação extrajudicial dos réus para desocuparem o imóvel em 30 (trinta) dias, sendo essa realizada de forma válida em 21.11.2011 (fl. 14-v), ponto não questionado em sede de apelação.

Logo, descabida a indenização descrita no art. 52, § 3º da aludida norma, pois esta só é devida nos casos em que o locatário não obteve a renovação pelas razões descritas no art. 52, § 3º, da Lei nº 8.245/1991, ino-corrente no caso em voga.

Nesse sentido, destaco os seguintes arestos deste e. Tribunal, in verbis:

“APELAÇÃO – CIVIL – PROCESSO CIVIL – AÇÃO DE DESPEJO – DENÚN-CIA VAZIA (IMOTIVADA) – CERCEAMENTO DE DEFESA – INEXISTÊNCIA – CLÁUSULA DE RENÚNCIA A INDENIZAÇÃO DE BENFEITORIAS – HO-NORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – MANUTENÇÃO – (OMISSIS)

2. A locatária não tem direito à indenização das benfeitorias se há cláusula de renúncia (Lei nº 8.245/1991, art. 35 e Súmula nº 335 do STJ). 3. Alocação não residencial prorrogada por prazo indeterminado permite a resilição do contrato, mediante denúncia escrita à locatária, e não há direito a renovação compulsória (Lei nº 8.245/1991, art. 57). 4. A indenização por lucros ces-santes, perda do ponto e desvalorização do fundo de comércio pressupõe o preenchimento dos requisitos para a renovação compulsória do contrato (Lei nº 8.245/1991, art. 51) somado à prova de que o motivo que legitima-ria a não renovação (Lei nº 8.245, art. 52, I e II) não se concretizou (Lei nº 8.245/1991, art. 52, § 3º). 5. Mantém-se o valor dos honorários advoca-tícios (R$ 1.000,00), ponderados o tempo de tramitação do processo (cerca

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de dois anos), o número de atos processuais e a complexidade da causa. 6. Negou-se provimento ao agravo retido e ao apelo da ré.

(Acórdão nº 755241, 20110310237154APC, Rel. Sérgio Rocha, 2ª T.Cív., Data de Julgamento: 29.01.2014, Publicado no DJe 31.01.2014, p. 107)

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER DE RENOVAÇÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL – AUSÊNCIA DE CONTRATO ESCRITO VIGENTE – NÃO OBSERVÂNCIA DO PRAZO ESTA-BELECIDO PELO ART. 51, § 5º, DA LEI Nº 8.245/1991 PARA AJUIZAMEN-TO DA AÇÃO – DECADÊNCIA – PRONUNCIAMENTO – INDENIZAÇÃO – FUNDO DE COMÉRCIO – NÃO CABIMENTO

Segundo estabelece o art. 51, § 5º, da Lei nº 8.245/1991, decai do direito de ação renovatória de contrato de locação de imóvel comercial o locatário que não a ajuizar no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no míni-mo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.

Considerando que o contrato originário firmado entre as partes, escrito e por prazo determinado, foi prorrogado tacitamente por prazo indeterminado, sem a notícia do exercício do direito de renovação judicial do contrato pelos apelantes no prazo legal, reconhece-se a decadência do direito de ação, bem como a ausência de direito à indenização pelo fundo de comércio, uma vez que ausentes quaisquer das hipóteses previstas pelo art. 52, § 3º, da Lei nº 8.245/1991.

Recurso desprovido. Unânime.

(Acórdão nº 725952, 20120111183399APC, Rel. Otávio Augusto, Revisor: Silva Lemos, 3ª T.Cív., Data de Julgamento: 09.10.2013, Publicado no DJe 23.10.2013, p. 119)

“APELAÇÃO CÍVEL – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE DESPEJO – CON-TRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL – DENÚNCIA VAZIA – POSSIBILIDA-DE – FUNDO DE COMÉRCIO – INDENIZAÇÃO – DESCABIMENTO

I – Se após o término do contrato permaneceu no imóvel sem oposição do proprietário do bem, a locação passou a ter vigência por prazo indetermina-do (parágrafo único do art. 56 da Lei nº 8.245/1991), autorizando o locador, a qualquer tempo, dar por findo o contrato, por denúncia vazia, concedido o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação (art. 57 da Lei do Inquilinato).

II – Não há se falar em indenização pelo fundo de comércio se o prazo estipulado no contrato de locação não residencial firmado entre as partes findou-se e o locatário não propôs a ação renovatória.

III – Estando o réu sob o manto da assistência judiciária, o apelo deve ser par-cialmente provido, tão somente para incluir no dispositivo do acórdão em-bargado a ressalva de que a exigibilidade de sua condenação ao pagamento

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das custas processuais e da verba sucumbencial fica suspensa, na forma da Lei nº 1.060/1950.

IV – Deu-se parcial provimento ao recurso.

(Acórdão nº 639092, 20100111970185APC, Rel. José Divino de Oliveira, 6ª T.Cív., Data de Julgamento: 28.11.2012, Publicado no DJe 04.12.2012, p. 184)

Por esses motivos, nego provimento à apelação, mantendo indene a r. sentença hostilizada.

É o meu voto.

O Senhor Desembargador Alfeu Machado – Vogal

Com o relator

O Senhor Desembargador Gilberto Pereira de Oliveira – Vogal

Com o relator

decisão

Conhecer e negar provimento, unânime.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete do Desembargador Zacarias Neves CoêlhoAgravo Interno no Agravo de Instrumento nº 120567‑49.2014.8.09.0000 (201491205679)Comarca de PosseAgravante: Almor Paulo Antoniolli e outro(s)Agravado: Dércio Bolognini e outro(s)Relator: Des. Zacarias Neves Coêlho

ementA

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C DESPEJO DE IMÓVEL RURAL POR INFRAÇÃO CONTRATUAL, COBRANÇA DE ARRENDAMENTO, REINTEGRAÇÃO NA POSSE DE BENS MÓVEIS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS – PEDIDO LIMINAR – ANÁLISE POSTERGADA PARA APÓS A CONTESTAÇÃO – ATO JUDICIAL SEM CUNHO DECISÓRIO – NÃO DEMONSTRAÇÃO DE FATOS NOVOS – DECISÃO MANTIDA

1. A postergação da análise do pedido de liminar para após a contes-tação não possui carga decisória, logo o ato judicial desta natureza é irrecorrível.

2. Ao interpor agravo interno da decisão que negou seguimento a recurso de agravo de instrumento, nos termos do art. 557, caput, do CPC, a parte agravante deve demonstrar o desacerto dos fundamentos do decisão recorrida, sustentando a insurgência em elementos novos que justifiquem o pedido de reconsideração, não sendo suficiente a rediscussão da matéria no intuito de fazer prevalecer o seu entendi-mento.

Agravo interno desprovido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integran-tes da Segunda Turma Julgadora da 2ª Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por unanimidade de Votos, em conhecer do agravo interno e negar-lhe provimento, nos termos do voto do relator.

Votaram com o Relator, os Desembargadores Carlos Alberto França e Amaral Wilson de Oliveira, que presidiu a sessão.

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Presente o ilustre Procurador de Justiça, Dra. Dilene Carneiro Freire.

Custas de lei.

Goiânia, 03 de junho de 2014.

Des. Zacarias Neves Coêlho Relator

relAtório e voto

Trata-se de agravo interno interposto por Almor Paulo Antoniolli, Ana Gilda Briani Antoniolli, Aldear Alcino Antoniolli, Mariza Lúcia Benazzi Antoniolli, Paula Briani Antoniolli Nedeff, André Ulysses Nedeff, Cláudia Briani Antoniolli Lenzi e Felipe Lenzi da decisão monocrática de fls. 116/121, que, nos termos do art. 557, caput, do Código de Processo Ci-vil, negou seguimento ao agravo de instrumento por eles outrora manejado, por ser manifestamente inadmissível.

Inconformados, em suas razões recursais (fls. 126/138), os agravantes alegam que o Juízo de primeiro grau, ao postergar a análise do pedido de liminar para após a contestação, na verdade, negou tal pleito, daí por que defendem o cabimento do agravo de instrumento aviado.

Dizem, reiterando as razões já expostas naquele agravo, que anteci-pação dos efeitos da tutela deve ser apreciada de imediato, já que, segundo entendem, todos os requisitos legais para a sua apreciação (fumus boni iuris e periculum in mora) se fazem presentes.

Ressaltam, para tanto, que os agravados abandonaram a área objeto da parceria agrícola, tanto é que já retiraram todo o maquinário do imóvel, além de nada terem plantado no biênio 2013/2014.

Por outro lado, sustentam que a providência judicial buscada tem por escopo manter a utilização da terra, evitando com isso a ocorrência de danos ambientas, econômicos e patrimoniais.

Assim, fulcrado nos motivos supra expendidos, requerem a retratação da decisão atacada. Em não sendo ela reconsiderada, pedem seja o agravo levado à Turma Julgadora para a sua reforma, de modo que seja analisada e concedida a antecipação de tutela almejada.

Preparo recolhido (fl. 139).

É o relatório. Passo ao voto.

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Recurso próprio e tempestivo, dele conheço.

Apenas para relembrar, o agravo de instrumento foi interposto do ato judicial que recebeu a petição inicial da ação em foco, mas deixou para apreciar o pedido de antecipação de tutela lá requerido somente após o transcurso do prazo da contestação, determinando, de conseguinte, a cita-ção dos réus.

Pois bem. Registro, desde já, que não merece amparo o inconformis-mo dos insurgentes, haja vista que, ao contrário do que aduzem, a decisão monocrática foi proferida em estrita observância à legislação e à jurispru-dência pátrias, sobretudo, levando-se em consideração as nuances do caso concreto que demonstram que o Julgador de piso não decidiu a questão relativa à antecipação dos efeitos da tutela.

Ademais, de um acurado exame da peça recursal de fls. 126/138, res-ta evidente a impertinência de que se revestem as razões deste agravo, uma vez que os argumentos nelas apresentados não possuem força para elidir os fundamentos pelos quais se negou seguimento ao agravo de instrumento dantes manejado (manifesta inadmissibilidade). Com isso, depreende-se, na verdade, que pretendem os recursantes reacenderem discussão sobre maté-ria já decidida, com o intuito de fazer prevalecer o seu entendimento.

A propósito, confiram-se trechos do v. decisum, que abordou a maté-ria no essencial, in verbis:

“[...] Pois bem. Em análise dos requisitos de admissibilidade recursal, ressai dos autos a falta de um deles, qual seja, o de cabimento do agravo.

Com efeito, ao teor do que estabelece o art. 522 do Código de Processo Civil, ‘[...] das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, retido nos autos ou por instrumento’.

Por outro lado, entende-se por decisão interlocutória o pronunciamento do juiz que resolve questão incidente, sem pôr fim ao processo, segundo a inte-ligência do art. 162, § 2º, do Código de Processo Civil.

Segundo a doutrina e a jurisprudência, o que caracteriza a decisão interlo-cutória é o fato de o julgador ter resolvido, no curso do processo, questão incidente entre os litigantes, que lhes possa causar algum prejuízo.

No caso presente, o Magistrado a quo nada decidiu quanto ao pedido de antecipação de tutela formulado pelos agravantes, pelo contrário, apenas fez constar em seu despacho que esse pedido seria apreciado depois de decorri-do o prazo para a apresentação da resposta dos réus, aqui agravados. Logo, o ato objurgado limitou-se a impulsionar o processo.

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Trata-se, pois, de típico ato prévio de decisão a ser posteriormente proferi-da, da qual, aí sim, evidenciado o gravame, será cabível a interposição de recurso.

Aliás, sobre o tema, salutares são os escólios de Vicente Greco Filho, in verbis:

‘Despachos de mero expediente são aqueles sem conteúdo decisório ou de conteúdo decisório mínimo e que, por essa razão, não têm o condão de causar a sucumbência.

São os despachos ordinatórios do processo e que não causam gravame de ordem material ou processual.’ (in Direito Processual Civil Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2º v., p. 299)

Noutro flanco, é bom lembrar que não há momento certo para a concessão da antecipação de tutela, porquanto a lei não faz qualquer referência nesse sentido.

Aliás, a tutela antecipada pode ser concedida tanto no início quanto no curso do processo, depois de citada a parte contrária, ou mesmo quando prolatada a sentença.

Ademais, insta registrar que os argumentos que os recorrentes apresentam neste recurso deveriam ser levados, primeiro, ao juízo da causa. Caso não fossem aceitos – e aí, sim, certamente, haveria uma decisão –, estaria aberta a oportunidade para a interposição de algum recurso.

Fora disso, não.

Nesse toar, não remanescem dúvidas de que o ato judicial atacado é irre-corrível, porquanto não passou de despacho de mero expediente, o qual, consoante o disposto no art. 504 do Código de Processo Civil, não pode ser impugnado por recurso.

A propósito, transcrevo abaixo ementa de julgado deste Tribunal que bem reflete os fundamentos ora expendidos:

‘AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – EXAME DEPOIS DA CONTESTAÇÃO – DESPACHO – AUSÊNCIA DE CONTEÚ-DO DECISÓRIO – NÃO CONHECIMENTO – I – É desprovido de cunho decisório o despacho que deixa para apreciar o pedido de antecipação de tutela após eventual contestação. II – Agravo de instrumento não co-nhecido.’

(TJGO, AI 66082-70.2012.8.09.0000, 6ª C.Cív., Rel. Des. Norival Santomé, ac. unânime de 15.05.2012, DJ 1073 de 31.05.2012)

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Confiram-se mais precedentes desta Corte de Justiça: AgRg-AI 152738-64.2011.8.09.0000, 4ª C.Cív., Rel. Dr. Gerson Santana Cintra, ac. unâni-me de 09.06.2011, DJ 846 de 24.06.2011; AI 67857-5/180, 1ª C.Cív., Rel. r. Amaral Wilson de Oliveira, ac. unânime de 21.10.2008, DJ 225 de 27.11.2008.

Portanto, o recurso sub examine é manifestamente inadmissível, permitindo o ordenamento processual seja ele julgado monocraticamente por este Rela-tor. [...]” (fls. 118/120)

Destarte, considerando que o agravo interno não trouxe nenhum ar-gumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, tenho que a deci-são fustigada deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Neste sentido, por sinal, é a jurisprudência do egrégio Tribunal da Cidadania, senão vejamos:

“[...] O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os funda-mentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental. [...]” (STJ, 3ª T., AgRg-Ag nº 1178439/RS, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe de 11.02.2011)

“[...] Não tendo a parte apresentado argumentos novos capazes de alterar o julgamento anterior, deve-se manter a decisão recorrida. [...]”

(STJ, 3ª T., AgRg-Ag 1212745/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 17.12.2010)

Por fim, insta registrar que a postergação da análise da liminar para após a contestação dos réus não configura indeferimento da medida, como entendem os agravantes, haja vista que tal ato é totalmente desprovido de carga decisória, conforme já dito na decisão monocrática atacada, tratando--se, pois, de clara providência impulsionadora do feito.

Ora, o precedente do STJ citado nas razões deste agravo interno trata--se de posicionamento isolado, que não reflete o real entendimento daquela Corte sobre o tema, já que, em casos análogos ao sub judice, esta por diver-sas vezes se manifestou pela não admissibilidade do recurso que ataca ato judicial sem cunho decisório, verbis:

“[...] Não estão sujeitos a recurso os despachos de mero expediente ou ordi-natórios, destinados apenas a impulsionar o processo, ou seja, sem qualquer conteúdo decisório. [...]” (STJ, 6ª T., AgRg-Ag 950731/RS, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 16.03.2010, DJe 05.04.2010)

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Ao teor do exposto, por não estar convicto de que deva modificar a decisão recorrida, atento ao disposto no art. 364, § 3º, do RITJGO, deixo de reconsiderar o ato e submeto a insurgência à apreciação do Órgão Colegia-do, manifestando-me, desde logo, pelo desprovimento do recurso.

É o meu voto.

Goiânia, 03 de junho de 2014.

Des. Zacarias Neves Coêlho Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisApelação Cível nº 1.0144.10.002564‑8/003Numeração 0025648Comarca de Carmo do Rio ClaroRelator: Des.(a) Mariza PortoRelator do Acórdão: Des.(a) Mariza PortoData do Julgamento: 02.07.2014Data da Publicação: 09.07.2014Apelante(s): Jair Soares e outro(a)(s), Jair Soares Júnior, Aline Alves de Oliveira Soares, Claudete Vieira SoaresApelado(a)(s): Margarida Odete de Sousa e Silva Vieira, Clayton Vieira e outro(a)(s)

ementA

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO PÚBLICO – CONDÔMINOS – DOAÇÃO NULA – ESCRITURA DE DIVISÃO E DEMARCAÇÃO – RECONVENÇÃO – COISA JULGADA – ANÁLISE DE MÉRITO – EXTINÇÃO NOS TERMOS DO ART. 269, I DO CPC – SENTENÇA REFORMADA – NEGADO PROVIMENTO A APELAÇÃO

1. Conforme a teoria da “causa madura” nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

2. Em nosso ordenamento, a forma usual de se extinguir um condomí-nio é mediante a divisão e demarcação do imóvel.

3. Para que ocorra devidamente o procedimento divisório deverão estar presentes todos os condôminos, sob pena de nulidade do feito.

4. Nos termos do art. 104 do Código Civil, o negócio jurídico para ser considerado válido deve contar com agente capaz, objeto lícito e forma prevista ou não defesa em lei.

Acórdão

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento à apelação.

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Desª Mariza de Melo Porto Relatora

i – relAtório

1. Cuida-se de Apelação interposta por Jair Soares e outros, em face da sentença de fls. 232-238, proferida nos autos da Ação Anulatória de Registro Público c/c Reintegração de Posse proposta por Clayton Vieira e outros, que extinguiu o feito, com resolução do mérito, com fulcro no art. 269, IV, por conseguinte, condenou o apelante ao pagamento das cus-tas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, devidamente corrigido.

2. Na referida sentença o magistrado a quo julgou extinta sem re-solução de mérito a reconvenção, na forma do art. 267, I c/c art. 295, I e parágrafo único do CPC.

3. Aduz o apelante, nas razões recursais de fls. 232-238 em resumo, que a sentença deve ser considerada nula, vez que a) o pedido reconven-cional restou evidente e preciso; b) não consta no relatório da sentença a suma do pedido e da resposta do réu; c) o magistrado a quo não analisou integralmente os argumentos expostos pelo apelante.

4. Contrarrazões pela manutenção da sentença às fls. 227-234.

5. Sem interferência obrigatória da Procuradoria-Geral de Justiça.

6. Preparo: parte isenta (art. 10, II, da Lei Estadual nº 14.939/2003).

É o relatório.

II – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

7. Vistos os pressupostos de admissibilidade, conheço da Apelação.

III – MÉRITO

A)

8. É dos autos que perdura um condomínio entre apelantes e apelados com relação ao imóvel de fls. 19-22, objeto da lide. Conforme bem se pode observar, o imóvel inicialmente pertencia ao Espólio de Antônio Figueiredo Soares.

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9. Por sua vez, após a partilha do bem, verifica-se que um dos herdei-ros, o ora apelante, adquiriu da sua genitora a parte ideal de 4/8 do imóvel e mais 1/8 de um dos seus irmãos. Somando-se ao seu quinhão de 1/8, verifica-se que a posse total do apelante passou a ser de 6/8 do aludido bem. Em contrapartida, os apelados adquiriram de dois herdeiros o equivalente a 2/8 do respectivo bem, como corroboram os documentos acostados.

10. Na peça exordial, aduziram os apelados que no dia 04.10.2004, conforme consta às fls. 23-25, os apelantes, sem o consentimento desses, doaram integralmente o referido bem para o Sr. Jair Soares Junior e sua espo-sa. Dessa forma, requereram a anulação da respectiva doação e a restituição da posse.

11. Pois bem. Insurgem-se os apelantes contra a decisão primeva que, aos fundamentos de inexistência de pedido reconvencional certo e deter-minado, extinguiu a reconvenção, sem resolução do mérito e julgou pro-cedentes os pedidos iniciais, declarando nulo o registro de doação e, por conseguinte, restituiu os apelados da posse do imóvel.

12. Nas razões recursais, sustentam os apelantes que foi formulado, na peça de reconvenção, pedido claro e preciso, razão está que deve ser a sentença primeva considerada nula e, por conseguinte, devem os autos serem determinados ao juiz a quo para que seja proferida nova sentença relativa ao mérito reconvencional.

13. Examinando a peça reconvencional de fls. 64-66 verifico que os apelantes, de fato, pediram que fosse declarada inválida a escritura de divi-são constante às fls. 23-25, haja vista que os condôminos Jair Soares Junior e sua mulher não participaram da aludida divisão.

14. Não obstante o dito supra, insta destacar que dispõe o art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil (CPC) que “nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito (art.267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.

15. Referido artigo trata da denominada “causa madura”, em que se autoriza o julgamento do feito desde que as partes não tenham nada mais a alegar ou provas. Causa madura, de acordo com o doutrinador Luiz Guilherme Marinoni1 “é aquela cujo processo já se encontra com todas as alegações necessárias feitas e todas as provas admissíveis colhidas” (MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013).

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16. Com efeito, é o caso dos autos, vez que a reconvenção foi extinta sem julgamento de mérito (art. 267, I). Por não demandar dilação probatória além daquela já constante nos autos, passo analisar o mérito da lide.

17. Partindo da análise minuciosa dos autos averiguo que os apelan-tes e apelados são condôminos do imóvel de fls. 19-22, objeto da lide.

Na tentativa de colocar fim a condomínio as partes lavraram escritu-ra de divisão e demarcação (fls. 23-25). Todavia, na reconvenção alegam os apelantes que a aludida escritura é inválida fez que nela não consta a presença de outros dois condôminos, quais sejam: Jair Soares Junior e sua mulher.

18. É cediço, que em nosso ordenamento, a forma usual de se extin-guir um condomínio é mediante a divisão e demarcação do imóvel. Como ministram Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

A divisão é uma das formas de extinção da coisa comum, cujo desiderato é conferir a cada um dos ex-condôminos uma área concreta e perfeitamente individualizada. Ou seja, materializa-se em uma coisa certa aquilo que ante-riormente era fração ideal, abstratamente pertence a cada comunheiro.

(FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD Nelson. Curso de direito civil, v. 5. 2013, p. 696)

19. Outrossim, insta dizer que para que ocorra devidamente o proce-dimento divisório deverão estar presentes todos os condôminos, sob pena de nulidade do feito. Outro não é o entendimento do STJ, senão vejamos:

DIREITO CIVIL – REIVINDICATÓRIA – POSSE INJUSTA – TÍTULOS DOMI-NIAIS – CONFRONTO – AÇÃO DE DIVISÃO – AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE CONDÔMINOS – NULIDADE – COMPOSSE – USUCAPIÃO – RECURSO DESACOLHIDO

I – Exercida com lastro em escrituras de compra e venda autênticas e devida-mente registradas, a posse não pode ser havida como injusta.

II – O processo divisório, para o qual não são convocados todos os condômi-nos, padece de nulidade pleno iure.

III – A composse, tal como concebida pelo art. 488 do Código Civil, exercida em conjunto por todos os compossuidores, tocando a cada um fração ideal da posse em comum, pode gerar, atendidos os demais requisitos, aquisição por usucapião.

(REsp 13.366/MS, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 30.03.1993, DJ 03.05.1993, p. 7799)

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20. Postos os fundamentos que norteiam o julgamento, resta-nos ob-servar se, de fato, algum dos condôminos estava ausente na lavratura da escritura de divisão e demarcação constante nos autos.

21. Pois bem. É fato incontroverso nos autos que tanto os apelantes quanto os apelados são condôminos do referido imóvel, como corroboram os documentos acostados. Convém, portanto, averiguar se o Sr. Jair Soares Junior e sua mulher eram também condôminos à época que ocorreu a divi-são da propriedade.

22. Examinando-se o acervo probatório acostado aos autos é pos-sível certificar que a escritura de divisão e demarcação foi lavrada no 2º Tabelionato de Notas da cidade de Carmo do Rio Claro no dia 04.10.2004, conforme consta às fls. 23-25.

23. Noutro norte, vislumbro que o imóvel, objeto da lide, foi do-ado pelos apelantes para o Sr. Jair Soares Junior e sua esposa apenas em 16.05.2005.

Partindo deste pressuposto, concluo que estes, à época da escritura de divisão e demarcação, não eram condôminos do imóvel, vez que a doação ocorreu posteriormente à aludida divisão, motivo este que não considero plausível e resguardado de direito o argumento sustentado pelos apelantes.

24. Não obstante o supracitado, é mister dizer que a sentença ora combatida considerou nula a doação realizada, tendo em vista que ocorreu sem o consentimento expresso de todos os condôminos, dando margem à nulidade do ato. Nos termos da sentença, às fls. 236-237:

“Destarte, tenho que alienação constante do R10 e, em corolário do R12, bem assim a doação do R13, todos da matrícula em comento foram rea-lizadas sem o consentimento expresso dos requerentes, o que a lei exige expressamente, dando ensacha à nulidade do ato, segundo o disposto no art. 166, inciso V do Código Civil brasileiro, já que não é possível alienar, doar ou onerar parte de coisa comum a terceiros, sem a concordância ex-pressa de todos os proprietários, sendo que havia condomínio.”

25. Desta feita, uma vez que a doação foi considerada nula pelo ma-gistrado a quo, conclui-se que o Sr. Jair Soares Júnior e sua mulher nunca foram condôminos do aludido imóvel. Assim, não assistem razão os ape-lantes ao dizer que estes deveriam ter participado da escritura de divisão e demarcação.

26. Por fim, há de ser notado que a escritura de divisão e demarca-ção deve ser considerada válida, vez que atende os requisitos previstos no

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art. 104 do Código Civil, quais sejam: a) agente capaz; b) objeto lícito; c) forma prevista ou não defesa em lei. Destarte, in casu, não há que se falar em escritura inválida ou nula, como pretendem dizer os apelantes.

27. Posto isto julgo improcedentes o pedido reconvencional, nos ter-mos do art. 515, § 3º c/c 269, inciso I do CPC.

b)

28. Outrossim, sublevam-se os apelantes aduzindo, por fim, que a sentença é nula vez que: a) os fatos e circunstâncias debatidas pelas par-tes foram omitidos por inteiro no relatório, não observando o disposto no art. 458 do CPC; b) o magistrado não analisou a questão de ser desneces-sária a anuência de condôminos para alienar parte de imóvel indivisível e omitiu-se quanto a divisão realizada por dois condôminos de bem perten-cente a três.

29. Pois bem. Nos termos do art. 458, I do CPC é requisito essencial da sentença o relatório contendo nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu e, por fim, registro das principais circunstâncias havidas no andamento do processo, in verbis:

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo.

30. Observando-se a sentença não restam dúvidas que o magistrado a quo cumpriu devidamente as regras previstas no supracitado artigo, vez que o relatório contém, inclusive em ordem, os nomes das partes, os fun-damentos dos pedidos e da defesa do réu, e por fim, relato das principais ocorrências havidas no andamento do feito. Destarte, neste aspecto não há que se falar em nulidade da sentença.

31. Ademais, não assiste também razão o apelante ao alegar que o juiz primevo não analisou questões discutidas no andamento do processo, como será exposto a seguir.

32. Examinando-se a sentença combatida vislumbro que o magistra-do, em vários momentos fundamentou, em razões de direito, que era im-prescindível o consentimento de todos os condôminos para que ocorresse a alienação do bem, além de decidir que o imóvel pertencia a apenas dois proprietários, vez que considerou nula a doação realizada, senão vejamos às transcrições a seguir:

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Às fls. 235: “Daí, considerando que o regime de propriedade em condomí-nio é disposto legalmente, a afronta a seu objeto por um dos condôminos que simplesmente despreza a fração ideal do outro condômino e dispõe de coisa ainda indivisa, implica na ilicitude do objeto da alienação e doação havidas.”

Às fls. 237: “Destarte, porque preterida solenidade – essencial consentimento expresso dos condôminos – o negócio jurídico é absolutamente nulo e, como tal, assim deve ser declarado, como requerido nos exatos termos da inicial.”

33. Desta feita, não existe razão de se falar que o magistrado a quo foi omisso em algum aspecto, tampouco que a aludida sentença é nula, ou merece reforma.

IV – DISPOSITIVO34. Posto isso, nego provimento à apelação, porém modifico a sen-

tença primeva, reconhecendo a coisa julgada e julgando improcedente o pedido reconvencional, nos termos do art. 515, § 3º c/c 269, inciso I do CPC.

35. Nos termos do art. 20, §1º do CPC, custas pelo apelante.

É o voto.

Des. Paulo Balbino (revisor) – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Marcos Lincoln – De acordo com o(a) Relator(a).

Súmula: “negaram provimento ao recurso”

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do ParanáAgravo de Instrumento nº 1.145.156‑223ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de CuritibaAgravante: José Anchieta LombardiAgravada: Gamalar Investimentos e Negócios Imobiliários Ltda.Relator: Des. Luiz Cezar Nicolau

AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA – LIMINAR INDEFERIDA – ESCAVAÇÃO NO TERRENO VIZINHO CONCLUÍDA – CONTINUIDADE DA OBRA INCAPAZ DE REPRESENTAR RISCO DE NOVOS DANOS OU MAIORES PREJUÍZOS – MEDIDA LIMINAR QUE NÃO PODE SERVIR COMO FORMA DE PUNIÇÃO OU COERÇÃO À REPARAÇÃO DOS DANOS JÁ CAUSADOS – INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 1.145.156-2, em que é agravante José Anchieta Lombardi e agravada Gamalar Investimentos e Negócios Imobiliários Ltda.

1 relAtório

Insurge-se o agravante contra decisão proferida nos Autos nº 41809-92.2013.8.16.001, de nunciação de obra nova promovida em face de Gamalar Investimentos e Negócios Imobiliários Ltda., que não deferiu li-minar objetivando a paralisação da obra que está sendo realizada pela ré no imóvel vizinho ao seu, e que estaria causando graves danos em sua residência.

Sustenta que: a) em 18.07.2013 a agravada iniciou obras de escava-ção no terreno situado ao lado de seu condomínio, sem adotar as medidas necessárias de contenção, ocasionando a queda do muro que delimita os terrenos, e abalando a estrutura de sua residência, a ponto de esta ser inter-ditada pela Comissão de Segurança de Edificações de Imóveis – Cosedi, da Prefeitura Municipal de Curitiba, em 20.07.2013; b) além dos infindáveis problemas que vem enfrentando em razão da obra, foi obrigado a se hospe-dar em hotéis, às suas expensas; c) pugnou, na ação de nunciação de obra nova que ajuizou, dentre outras medidas, que a agravada seja impedida de continuar a sua obra enquanto não tomar as medidas de segurança neces-sárias à contenção e efetiva estabilização do terreno sob a casa do autor e

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muro divisório, pois os prejuízos já ocorreram, mas não cessaram, não se podendo aguardar que sua residência simplesmente colapse de forma irre-versível.

Pede, assim, seja concedida a antecipação da tutela para que seja determinada a paralisação da obra até que a agravada realize e execute projeto de contenção e estabilização do terreno, mediante observância das normas legais e técnicas, com indicação de responsável técnico e aprova-ção de engenheiro de sua confiança.

Indeferido o pedido de efeito suspensivo postulado (fl. 240-TJ); o agravado deixou de apresentar resposta e o juiz da causa prestou informa-ções (fl. 243-TJ).

2 fundAmentAção e voto

2.1) Conheço do recurso porque adequado, tempestivo e preparado.

2.2) Volta-se o presente recurso contra decisão de seguinte teor, na parte que interessa:

“Conforme o previsto no art. 934 do Código de Processo Civil, a Ação de Nunciação de Obra Nova compete ao proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de obra nova em imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado.

Tal procedimento específico tem por objetivo solucionar conflitos em torno do direito de vizinhança, impedindo o prosseguimento de construção que porventura viole tais direitos.

A tutela de urgência requerida deve ser deferida apenas em parte porque a finalidade de impedir o prosseguimento da construção não permitiria a uti-lização do imóvel. É fato que a obra realizada pela parte Requerida causou prejuízos à parte Autora, no entanto, sua pretensão de urgência no sentido de paralisar a obra, serviria apenas como punição e não como reparação da situação de fato, razão pela qual, deve ser indeferida.

Por outro lado, seu pedido para que a parte Requerida seja compelida a alugar um imóvel enquanto não se solucione os problemas apresentados no imóvel do Autor, deve ser deferido, porque está comprovado a existência do nexo de causalidade entre as obras realizadas pela parte Requerida e a inter-dição da residência da parte Autora, de modo que, a parte Requerida deverá arcar com os custos dos alugueres de outro imóvel enquanto não houver a liberação do imóvel do Autor para sua moradia.

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Ante o exposto, presentes os requisitos autorizadores, defere-se em parte o pedido liminar, para determinar que a Construtora Gamalar Incorporado-ra Ltda., providencie no prazo de 05 dias, o aluguel de uma residência de padrão equivalente ao do Autor (espaço e localização), onde o mesmo de-verá residir enquanto não forem adotadas as medidas necessárias para li-berar o imóvel do Autor que foi interditado pela autoridade Municipal, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais)” (sic, fl. 24/26-TJ).

Importante esclarecer, de início, que, a teor do disposto no art. 934 do Código de Processo Civil, o objeto da ação de nunciação de obra nova é impedir que um prédio seja prejudicado na sua natureza, substância, ser-vidões ou fins a que se destina, por obra nova iniciada, mas não concluída, em prédio vizinho.

No caso em exame, em que pese a situação gerada com a edificação da obra pela ré, que, ao que tudo indica, acabou prejudicando o imóvel do agravante, conforme laudos e fotos anexadas, tem-se que as escavações foram concluídas, o que significa dizer que eventuais novos danos que pos-sam vir a ocorrer na propriedade do recorrente não seriam evitados com a paralisação da obra pela agravada.

Sendo assim, o embargo liminar pretendido pelo agravante, de para-lisação das obras, além de não poder servir como punição, conforme con-signado pelo douto Magistrado, também não pode ser utilizado como meio de coerção, ou seja, como forma de obrigar a parte ré a reparar os danos já causados, e nem de obrigá-la a adotar medidas outras (que não a paralisa-ção da obra) para evitar mais prejuízo.

Nesse enfoque, a liminar pleiteada na ação proposta pelo autor tem caráter absolutamente restrito e acautelatório, pois se presta apenas para evitar os danos que adviriam com a continuidade da obra, e não como meio reparatório, coercitivo ou punitivo.

O “Laudo Técnico Pericial de Engenharia” apresentado pelo agra-vante (fls. 152/167-TJ), embora tenha evidenciado e reiterado, em suas con-clusões, o “risco de novo desmoronamento” e o “risco de colapso total” da residência do agravante, em nenhum momento refere à necessidade de paralisação das obras, e nem aponta a continuidade destas como causa de possível superveniência de tais eventos.

Conforme consignado na decisão inaugural, a interrupção dos traba-lhos – por si só – não irá trazer qualquer benefício ao agravante ou evitar

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RDI Nº 22 – Jul-Ago/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������������������������������������� 155

dano maior, porquanto é absolutamente clara a inexistência de nexo de causalidade, com a edificação concluída.

2.3) Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao agra-vo de instrumento.

3 dispositivo

Acordam os Magistrados integrantes da 18ª Câmara Cível, à unanimi-dade de votos, em não prover o recurso e manter a decisão atacada.

Participaram do julgamento os Desembargadores Luis Espíndola e Vitor Roberto Silva.

Curitiba 11 junho 2014.

(assinado digitalmente) Des. Luiz Cezar Nicolau, Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do Rio de JaneiroApelação nº 98334‑91/2005‑0001Décima Sexta Câmara CívelProcesso Eletrônico (kl)Apelante: Carvalho Hosken S. A. Engenharia e ConstruçõesApelado: Município do Rio de JaneiroRelator: Des. Lindolpho Morais Marinho

TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – IPTU – DESMEMBRAMENTO DE TERRENO PARA LOTEAMENTO URBANO – ISENÇÃO FISCAL PARCIAL – ART. 63, § 8º DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO – AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA – PRECEDENTE DO STF – PROVA PERICIAL REQUERIDA E NÃO APRECIADA – CERCEAMENTO DE DEFESA – NULIDADE DA SENTENÇA – PROVIMENTO DO RECURSOO Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 743.480/RG, consolidou o entendimento de que não existe reserva de iniciativa ao chefe do Poder Executivo para propor leis que impliquem redução ou extinção de tributos.

Apesar de o § 8º do art. 63 do Código Tributário Municipal ter sido acrescentado pela Lei Municipal nº 1.936/1992, de iniciativa do Po-der Legislativo, podemos afirmar que a isenção parcial concedida não padece de invalidade.

Ultrapassada a questão da inconstitucionalidade da legislação muni-cipal que concede o benefício fiscal, para adentrarmos ao mérito dos presentes embargos à execução faz-se necessária ao menos uma análi-se técnica a respeito do cumprimento dos requisitos de urbanização da gleba, tal como previsto na legislação e regulamentação sobre o tema.

Assim, considerando que a prova é imprescindível para resolução da controvérsia nesta demanda, impõe-se acolher a preliminar de cer-ceamento de defesa arguida no apelo para anular a sentença e de-terminar o prosseguimento da demanda com a realização da prova requerida.

Recurso ao qual se dá provimento para anular a sentença.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 98334-91/2005-0001, em que é apelante Carvalho Hosken S. A. Engenharia e Construções e apelado Município do Rio de Janeiro.

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Acordam os Desembargadores que compõem a Décima Sexta Câ-mara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unani-midade de votos, em dar provimento ao recurso para anular a sentença e determinar o prosseguimento do feito com a realização de prova pericial.

Rio de Janeiro,

Des. Lindolpho Morais Marinho Relator

i – relAtório

O de fls.

ii – voto

Trata-se de embargos à execução fiscal, no qual a apelante busca reformar a sentença que julgou improcedente os seus embargos para reco-nhecer o excesso de execução promovido pela municipalidade.

Argumentou a embargante que faz jus a incentivo fiscal concedido pelo art. 63, § 8º do Código Tributário do Município do Rio de Janeiro, o qual autoriza a redução de 50% do IPTU sobre as glebas de loteamento urbano, desde o início das obras de urbanização impostas pelo Poder Pú-blico até a expedição definitiva do “habite-se” da construção em cada lote edificado.

Afirmou também que a municipalidade já havia reconhecido o bene-fício fiscal nos exercícios financeiros de 1993 a 1998, não podendo agora retornar sobre os próprios passos e tornar sem efeito benefício fiscal oneroso que ela mesma reconheceu como legítimo por muito tempo.

Pois bem, resta analisar, primeiramente, a questão prejudicial acerca da compatibilidade do art. 63, § 8º do Código Tributário do Município do Rio de Janeiro em face da Lei Orgânica Municipal e da Constituição da República.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 743.480/RG, consolidou o entendimento de que não existe reserva de iniciativa ao chefe do Poder Executivo para propor leis que impliquem redução ou extinção de tributos. Veja-se:

Tributário. Processo legislativo. Iniciativa de lei. 2. Reserva de iniciativa em matéria tributária. Inexistência. 3. Lei municipal que revoga tributo. Inicia-

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tiva parlamentar. Constitucionalidade. 4. Iniciativa geral. Inexiste, no atual texto constitucional, previsão de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo em matéria tributária. 5. Repercussão geral reconhecida. 6. Recurso provido. Reafirmação de jurisprudência. (ARE 743480-RG, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, J. 10.10.2013, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-228 Divulg. 19.11.2013, Public. 20.11.2013)

Diante de tal entendimento, podemos concluir que não há a incons-titucionalidade por omissão no art. 77, inciso II, e da Lei Orgânica do Mu-nicípio do Rio de Janeiro.

Apesar de o § 8º do art. 63 do Código Tributário Municipal ter sido acrescentado pela Lei Municipal nº 1.936/1992, de iniciativa do Poder Le-gislativo, podemos afirmar que a isenção parcial concedida não padece de invalidade.

Argumentou a apelante que a sentença é nula por cerceamento de defesa, já que impossibilitou a realização da prova pericial, meio pelo qual pretendia comprovar o excesso de execução.

De fato, ultrapassada a questão da inconstitucionalidade da legisla-ção municipal que concede o benefício fiscal, para adentrarmos ao mérito dos presentes embargos à execução faz-se necessária ao menos uma análise técnica a respeito do cumprimento dos requisitos de urbanização da gleba, tal como previsto na legislação e regulamentação sobre o tema.

Por sua vez, com o intuito de comprovar a irregularidade da cobrança na execução fiscal, a embargante requereu a realização de prova pericial técnica de engenharia e contábil (arq. 108/110). No entanto, a prova não chegou a ser realizada em razão do reconhecimento da inconstitucionalida-de do benefício fiscal pelo magistrado sentenciante.

Assim, considerando que a prova imprescindível para resolução da controvérsia nestes embargos à execução, impõe-se acolher a preliminar de cerceamento de defesa arguida no apelo para anular a sentença e deter-minar o prosseguimento da demanda com a realização da prova requerida.

Em vistas destas considerações, voto no sentido de dar provimento ao recurso para anular a sentença e determinar o prosseguimento do feito com a realização de prova pericial.

Rio de Janeiro,

Des. Lindolpho Morais Marinho Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulAgravo de Instrumento nº 70060746690CNJ 0267232‑50.2014.8.21.7000Décima Oitava Câmara CívelComarca de GuaíbaAgravante: Patricia Farias DiasAgravante: Jose Ronaldo Soares Nievinski Agravado: Guilherme Agostinho Krolow Valeirao e outros

AGRAVO DE INSTRUMENTO – POSSE – BENS IMÓVEIS – DIREITO CIVIL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – INVASÃO DE PARTE DE TERRENO LIMÍTROFE – REINTEGRAÇÃO – FATOS CONSTITUTIVOS – ÔNUS DA PROVA

Na ação possessória de procedimento especial incumbe à parte au-tora provar os fatos constitutivos do direito alegado, ou seja, a posse anterior e a ofensa ao seu direito pela parte requerida em menos de ano e dia.

Recurso desprovido.

decisão monocráticA

Vistos.

Patrícia Faria Dias e Jose Ronaldo Soares Nievinski interpõem agravo de instrumento contra a decisão proferida nos autos da ação de reintegração de posse que move contra Guilherme Agostinho Krolow Valeirao e outros. Constou da decisão agravada:

Defiro a AJG. O deferimento de liminar, em ação de reintegração de posse, requer o preenchimento dos requisitos dispostos no art. 927 do CPC, quais sejam: posse anterior, esbulho, data do esbulho e perda da posse. No caso em tela, a parte autora relata que adquiriu os direitos sobre o imóvel em 27.12.2013, sendo que tomou ciência de que o vizinho estava a invadir seu lote apenas quando se defrontou com a planta do Residência Noli. As-sim, não preenchidos os requisitos legais, indefiro o pedido liminar. Cite-se. Intime-se.

Nas razões sustentam que talvez a informação não ficou esclarecida na inicial, o que ocasionou o indeferimento da liminar pleiteada; que o bo-

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letim de ocorrência demonstra claramente o esbulho que os autores estão sofrendo; que a versão correta dos fatos não é como constou no despacho, de que somente de posse da planta é que evidenciaram a invasão; que após várias investidas dos agravantes na tentativa de construir o muro, a fim de evitar violência, procuraram ajuda jurídica junto ao escritório de advocacia, o que providenciou imediatamente a notificação por escrito; que estão sen-do esbulhados em sua posse, já que a requerida tomou para si o imóvel dos mesmos, insistindo em permanecer no imóvel que é dos requerentes. Postula o provimento do recurso.

Contrarrazões às fls. 162-182.

Vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

O art. 557 do Código de Processo Civil admite julgamento monocrá-tico facultando ao relator negar seguimento ao recurso quando se afigura manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicado; ou a pretensão deduzida se confrontar com súmula ou jurisprudência predominante do res-pectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Superior Tribunal de Justiça. E provê-lo quando, ao contrário, a decisão recorrida estiver em con-fronto com súmula ou jurisprudência dominante daqueles tribunais supe-riores. E a situação dos autos autoriza a aplicação daquele dispositivo legal.

Os pressupostos à admissibilidade do recurso estão presentes. Assim, passo a decidir.

REINTEGRAÇÃO DE POSSE. FATOS CONSTITUTIVOS. PROVA. ÔNUS DA PROVA

A reintegração de posse é o remédio processual adequado á restitui-ção da posse àquele que a tenha perdido em razão de um esbulho, sendo privado do poder físico sobre a coisa. No ensinamento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

A pretensão contida na ação de reintegração de posse é a reposição do pos-suidor à situação pregressa ao ato de exclusão da posse, recuperando o po-der fático de ingerência socioeconômica sobre a coisa. Não é suficiente o incômodo e a perturbação; essencial é que a agressão provoque a perda da possibilidade de controle e atuação material no bem antes possuído.

(In Direitos Reais. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2010. p. 208)

A proteção no caso de esbulho vem garantida no Código de Processo Civil e no Código Civil, respectivamente:

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RDI Nº 22 – Jul-Ago/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������������������������������������� 161

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turba-ção, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

Art. 926. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turba-ção e reintegrado no de esbulho.

Na ação possessória cabe à parte autora fazer prova constitutiva do seu direito, como dispõe o CPC:

Art. 927. Incumbe ao autor provar:

I – a sua posse;

Il – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III – a data da turbação ou do esbulho;

IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.

Assim, para procedência da ação possessória de procedimento espe-cial deve a parte autora provar que exercia a posse do bem, a turbação ou o esbulho, a data da ofensa em menos de ano e dia. Indicam ss precedentes deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL – POSSE (BENS IMÓVEIS) – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC – COMPROVAÇÃO – PROCEDÊNCIA RECONHECIDA – I – Os requisitos da reintegração de posse são aqueles elencados no art. 927 do Código de Processo Civil, quais sejam: a) posse anterior; b) a turbação ou o esbulho praticados pelo réu; c) data da turbação ou do esbulho; d) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração. II – Posse da autora comprovada na prova oral, bem como no contrato de cessão de posse firmado com comodatário do requerido. Comodato estabelecido entre requerido e cedente da posse que, por si só, não é suficiente para descaracte-rizar a posse justa da autora. Esbulho consistente na invasão do imóvel pelo réu, aproveitando-se do afastamento temporário da demandante, no intuito de reaver o bem. III – Preenchidos os requisitos para o pleito reitengrató-rio (art. 927 do Código de Processo Civil), os quais sequer foram atacados nas razões de apelo, merece procedência a ação. Apelo provido. Unânime. (Apelação Cível nº 70056683121, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, J. em 19.12.2013)

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – NATUREZA DA OCUPAÇÃO DA RÉ – VERSÕES ANTAGÔNICAS – APLICAÇÃO DAS REGRAS DO ÔNUS DA PROVA – O êxito na ação possessória está vin-culado à comprovação, pelo autor, dos requisitos do art. 927 do CPC, da

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posse anterior do postulante, esbulho praticado pelo réu e perda da posse em decorrência deste esbulho. Conquanto demonstrada a prévia ocupação do imóvel pela requerente, não há prova do propalado esbulho. Versão da autora de que a ocupação da ré teve início com base em contrato de como-dato verbal. Alegação da ré, em defesa, que adquiriu da autora os direitos possessórios sobre o bem (compra e venda), inexistindo o esbulho. Prova testemunhal também contraditória. Versões conflitantes. Uma vez antagôni-cas as versões acerca da natureza da utilização do imóvel, pela ré, caberá ao julgador examinar a produzida, e optar por uma delas, quando existente um, existente nos autos, bastante, para dirimir a controvérsia. Preponderância da prova da ré. Ausência da prova do esbulho. Sentença confirmada. Negaram provimento ao recurso. Unânime. (Apelação Cível nº 70047882212, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Nelson José Gonzaga, J. 28.11.2013)

APELAÇÃO CÍVEL – POSSE (BENS IMÓVEIS) – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – EXERCÍCIO POSSESSÓRIO ANTERIOR DA AUTORA E ESBU-LHO NÃO DEMONSTRADOS – REQUISITOS DO ART. 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AUSENTES – O acolhimento do pedido de reintegra-ção de posse requer o preenchimento dos requisitos dispostos no art. 927 do Código de Processo Civil, em especial a prova da posse anterior da parte au-tora. No caso, a prova colacionada aos autos não tem força para demonstrar a posse anterior da demandante e a prática de esbulho pelo réu, que ergueu muro no mesmo local em que se encontrava a linha divisória dos terrenos. Negaram provimento. Unânime. (Apelação Cível nº 70054084389, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 25.04.2013)

Com efeito, na ação possessória de procedimento especial incumbe à parte autora provar os fatos constitutivos do direito alegado, ou seja, a posse anterior e a ofensa ao seu direito pela parte requerida em menos de ano e dia.

No caso dos autos, trata-se de ação de reintegração de posse – inva-são de parte de terreno limítrofe com pedido liminar, na qual os autores, aqui agravantes, alegam que os réus invadiram o equivalente a 1,66m de largura x 36,38m de frente a fundo de seu lote (08), afirmando que “de posse da planta do Residencial do Noli os proprietários do lote 08 identificaram que a cerca de tela da divisa do lote 07 como o lote 08 pé que estava inva-dindo o equivalente a 1,66m de largura x 36,38m de frente a fundo do lote 08”. Agora, em razões de agravo, os requerentes alegam que “[...] talvez esta informação não ficou bem esclarecida na inicial, o que ocasionou o indeferimento da liminar pleiteada”, bem como que “esta é a versão correta,

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e não como constou no despacho, de que somente de posse da planta é que evidenciaram a invasão, não foi assim que ocorreu”.

Ocorre que, quando do ajuizamento da ação, deveriam os autores exporem os fatos e fundamento de forma clara e precisa, não podendo em sede recursal alegar que “a informação não ficou esclarecida na inicial”.

Além do mais, há nos autos provas da invasão de 1,66m de largura x 36,38m de frente a fundo do lote 08, de propriedade dos agravantes.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

Intimem-se.

Dil. Legais.

Porto Alegre, 18 de julho de 2014.

Des. João Moreno Pomar, Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de Santa CatarinaApelação Cível nº 2013.065968‑3, de OrleansRelator: Des. João Henrique Blasi

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ALEGADA CONSTRUÇÃO SOBRE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – EVIDÊNCIA, PORÉM, DE RESPEITO AOS LIMITES DA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO (Nº 6.766/1979) E DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL (LCM 2.147/2004) – APLICABILIDADE DESTES ÉDITOS E NÃO DO CÓDIGO FLORESTAL [QUER O ANTERIOR (LEI Nº 4.771/1965), QUER O ATUAL (LEI Nº 12.651/1912)] – REGIÃO ANTROPIZADA – PRECEDENTES DA CORTE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO

Inexistindo dúvida quanto a que, devido à sua localização, a obra erguida está cônsona com os limites edificáveis prescritos pela cogno-minada Lei de Parcelamento do Solo Urbano (nº 6.766/1979) e pelo Plano Diretor do Município (LCM 2.147/2004), e, ainda, em região antropizada, desnuda-se descabida a exigência da aplicabilidade do Código Florestal anterior (Lei nº 4.771/1965), à vista dos inúmeros precedentes desta Corte assentado a prevalência das primeiras, por conta do princípio da maior especialidade, bem como do atual (Lei nº 12.651/1912), eis que superveniente à data de concessão do al-vará, daí porque é de ser mantido o decreto de improcedência do pedido inicial.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2013.065968-3, da Comarca de Orleans (2ª Vara), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e são apelados Silvia Cristina Bernardo Vieira e outro:

A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Sem custas.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Sérgio Baasch Luz, que o presidiu, e Francisco Oliveira Neto.

Florianópolis, 3 de junho de 2014

João Henrique Blasi Relator

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relAtório

Cuida-se de apelação do Ministério Público do Estado, via Promotora de Justiça Lara Zappelini Souza, contrastando sentença proferida pela Juíza Fabiane Alice Müller Heinzen, que julgou improcedente o pedido inicial de ação civil pública – tendente à demolição de construção e à recuperação de área alegadamente non aedificandi – por ele proposta contra Sílvia Cristina Bernardo Vieira, representada pelo Advogado Odirlei de Oliveira, e tam-bém contra Fundação do Meio Ambiente de Orleans – Famor, representada pelo Advogado Aurivam Marcos Simionatto, (fls. 391 a 394).

Irresignado, o Parquet estadual requer:

[...] seja reformada a sentença atacada, a fim de que seja declarada a incons-titucionalidade do art. 19, § 2º, do Plano Diretor do Município de Orleans (Lei Complementar nº 2.147/2004), aplicando-se, no caso concreto, as dis-posições previstas no Código Florestal, e que as apeladas sejam condena-das solidariamente a realizar a demolição da obra, a recuperação da área degradada por meio da execução de um Projeto de Recuperação de Área Degradada (PRAD) e ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados, além da condenação da apelada FAMOR na obrigação de não fazer consistente em se abster de licenciar obras e atividades em desacordo com os limites de APP’s previstos no Código Florestal, conforme pedidos declinados na inicial. (fl. 418)

Houve contrarrazões de aplauso ao decidido (fls. 561 a 586).

O Procurador de Justiça Paulo Cezar Ramos de Oliveira opinou pelo provimento do recurso (fls. 592 a 599).

É o relatório.

voto

Anoto, de início, haver sido relator de agravo de instrumento contraposto à decisão que indeferiu provimento liminar na presente actio, tendo decidido com esteio na seguinte suma:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PEDIDO DE DE-MOLIÇÃO DE OBRA – ALEGATIVA DE CONSTRUÇÃO SOBRE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – EVIDÊNCIA, PORÉM, DE RESPEITO AOS LINDES DA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO (Nº 6.766/1979) E DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL – FALTA DE PROVA DO ALEGADO PELO ACIONANTE – DECISÃO INTERLOCUTÓRIA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.

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Inexistindo dúvida acerca da efetiva localização da obra erguida, uma vez que dentro dos limites edificáveis previstos na Lei de Parcelamento do Solo Urbano (nº 6.766/1979) e no Plano Diretor do Município, cumpria mesmo o indeferimento da pretensão liminar à demolição ou ao embargo, porquan-to ausentes indícios justificativos de sua concessão. (AI 2012.028218-0, de Orleans, Rel. Des. João Henrique Blasi, J. 04.12.2012)

A sentença apelada, de sua vez, possui a fundamentação que segue:

Alega o Ministério Público que a construção realizada pela ré Silvia Cristina Bernardo Vieira, e que fora licenciada pela ré FAMOR, estaria sendo edifi-cada irregularmente, ante estar a uma distância de 22 (vinte e dois) metros da área onde foi verificado indícios e marcas deixadas pela água na última sazonal.

Segundo o órgão ministerial, esta distância de 22 metros enquadraria a obra em área de preservação permanente, consoante o Código Florestal vigente à época dos fatos. De acordo com o antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), as APPs podem ser caracterizadas a partir da metragem do curso da água. Vejamos:

Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

1. de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

2. de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;

3. de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

4. de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (du-zentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5. de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreen- didas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal e nas regiões me-tropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obser-var-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo. (grifo meu)

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Assim, afirma o Ministério Público que, sendo a largura do rio, na-quele ponto, de 52 (cinquenta e dois) metros, a ré Silvia Cristina “deveria ter observado a distância mínima de pelo menos 100 (cem) metros em relação ao nível mais alto em faixa marginal do Rio Tubarão” (fl. 10), o que de fato não teria sido feito. Afirma também que a licença expedida pela ré Famor seria ilegal, visto que não observou os critérios fixados na legislação nacio-nal para estas áreas especialmente protegidas.

Entretanto, é mister salientar que é pacífico nas decisões proferidas pelo Tribunal deste Estado de que as metragens para as APPs previstas no Código Florestal aplicar-se-iam somente às áreas rurais, vez que o parágrafo único do art. 2º da referida lei (acima grifado) afirma que para as áreas urba-nas definidas por leis municipais seriam observados o disposto nos respecti-vos planos diretores e leis de uso do solo.

Ante esta previsão legal, o município de Orleans fez constar em seu Plano Diretor que a distância necessária a ser protegida ao longo dos cursos d’água seria diversa daquela normatizada no referido código para as áreas rurais. O art. 19 do Plano Diretor do Município de Orleans (Lei Comple-mentar nº 2.147/2007) traz a seguinte redação:

O município de Orleans deve criar e pôr em prática um programa de pro-teção aos mananciais, inclusive no perímetro urbano, de forma a garantir as Áreas de Preservação Permanente – APPs de toda a rede hídrica do Mu-nicípio, em potencial risco de assoreamento e lançamentos irregulares de resíduos.

[...]

§ 2º As áreas de Preservação Permanente – APPs, na área urbana, ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal, deverão estar protegidas por faixa de 20 metros, podendo parte dela ser destinada ao sistema viário público. Nestes casos, poder-se-á reduzir as dimensões das APPs, comprovado o interesse público, mediante autoriza-ção do Conselho da Cidade, nos termos da Lei Federal nº 6.766/1979.

Assim, o que se permeia nos autos é uma discussão acerca de qual legislação deva ser utilizada para caracterizar a metragem das áreas de pre-servação permanente necessárias a serem resguardadas para a proteção do meio ambiente.

Como é possível visualizar, o Plano diretor municipal fixou distâncias de áreas non edificantes ao longo das margens de rios, inferiores daquelas fixadas na legislação geral.

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A Constituição Federal, em seu art. 23, inc. VI, disciplina ser com-petência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-pios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.

Já o art. 24, inc. VI, limita à União, aos Estados e ao Distrito Federal a competência concorrente para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e o controle da poluição. O art. 30 da CF, por sua fez, atribui competência aos Municípios para legislar sobre assuntos de interes-ses locais, neste compreendidos os que buscam proteger, entre outros, o meio ambiente

Em áreas urbanas, o art. 4º, inc. III, da Lei de Parcelamento do Solo Urbano nº 6.766/1979 (na redação da Lei nº 10.932/2004) dispõe nestes termos:

Art. 4º Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

[...]

III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio pú-blico das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não--edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;

[...]

Evidencia-se neste ponto então que o Município de Orleans editou o Plano Diretor Municipal – obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes (art. 182, § 1º, CRFB/1988) – em acordo ao que prevê a Lei de Parcelamento do Solo, sendo, inclusive, mais restritivo do que essa, demar-cando 20 metros a serem protegidos ao longo dos cursos d’águas.

É posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado aplicar a casos similares a esse a lei mais específica, ou seja, o Plano Diretor muni-cipal. Nesse passo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LOTEAMENTO URBANO – DISTÂNCIA PARA CONSTRUIR A PARTIR DA MARGEM DE RIO – DECISÃO LIMINAR QUE DETERMINOU A DEMOLIÇÃO DE MURO DE CONTENÇÃO DA AGRAVANTE – OBSERVÂNCIA DE 30 (TRINTA) ME-TROS CONFORME ESTABELECIDO PELO ANTIGO CÓDIGO FLORESTAL (LEI FEDERAL Nº 4.771/1965) – APLICAÇÃO DA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO (LEI FEDERAL Nº 6.766/1979), QUE PREVÊ O RECUO DE 15 (QUINZE) METROS – PREVALÊNCIA DA LEI MAIS ESPECÍFICA – PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA – INAPLICABILIDADE DO

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NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI Nº 12.651/2012) – PERIGO DA DEMO-RA INVERSO – PREJUÍZO MAIOR À AGRAVANTE – RECURSO PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento nº 2011.036170-6, de Pomerode, Rel. Des. Nelson Schaefer Martins, J. 19.02.2013)

Administrativo. Construção em área urbana. Distância da margem de rio. Aplicação da Lei Nacional do Parcelamento do Solo Urbano, por consubs-tanciar lei especial em relação ao Código Florestal vigente ao tempo em que praticado o ato administrativo impugnado. Decisão concisa. Alegada ausên-cia de fundamentação. Inocorrência. Distância mínima de quinze metros. Recurso desprovido. Em se tratando de área urbana, a distância para cons-truções das margens de rios, córregos e canais deve ser aquela estabelecida pela Lei Federal nº 6.766/1979, qual seja, 15 metros, salvo limite maior im-posto por lei municipal (Des. Newton Janke). (TJSC, Agravo de Instrumento nº 2011.029114-8, de Joinville, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, J. 19.06.2012)

No caso concreto, o Relatório de Vistoria Ambiental (fls. 55/64) e o Laudo de Constatação (fls. 66/70) indicam que a ré Silvia Cristina respeitou a distância mínima estabelecida para construção em área urbana consolidada ao longo do rio Tubarão. Logo, se a área não é considerada especialmente protegida, não há que se falar em licença ambiental expedida ilegalmente pela FAMOR – que no uso de suas atribuições cumpriu seu dever de resguardar o meio ambiente-, ou que a construção esteja sendo realizada irregularmente pela ré Silvia Cristina Bernardo Vieira.

Importa-se frisar que no local já existia uma construção, que como demons-tra a própria autora, estava no local desde data anterior a 1927. Seria um contrassenso que no local litigioso, marcado por intensa intervenção huma-na, se buscasse retroceder a épocas muito antigas, quando o local ainda não havia passado pelo mesmo processo. Em outros termos, ali há uma situação de fato absolutamente consolidada.

Cumpre salientar que Silvia Cristina deflagrou o procedimento administra-tivo para a obtenção do alvará de construção em 2011 (fl. 38), anterior-mente portanto à promulgação do novo Código Florestal, Lei nº 12.651, de 25.05.2012, que considera como Área de Preservação Permanente as faixas marginais de qualquer curso da água natural em largura mínima de 30 (trinta) metros mesmo em zona urbana, a teor do disposto em seu art. 4º, inc. I, e § 10. Logo não há que se falar em aplicação do Novo Código Florestal.

[...] Ante o exposto, julgo improcedente a presente ação civil pública, decla-rando constitucional o art. 19, § 2º, da Lei Complementar do Município de Orleans) pela via difusa de controle de constitucionalidade. (fls. 392 a 394)

Tenho a mesma compreensão.

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Afinal, o alvará de construção (fl. 46) foi emitido sob a vigência da Lei nº 4.771/1965 (antigo Código Florestal), e, como visto, esta Corte firmou o entendimento de que, em área urbana, deve-se aplicar a Lei do Parce-lamento do Solo Urbano em detrimento do antigo Código Florestal, pela especialidade daquela em relação a este.

Outrossim, reitere-se que o alvará de construção foi deferido em 2011 (fl. 46), anteriormente, portanto, à edição do atual Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que considera como Área de Preservação Permanente (APP) a faixa marginal de qualquer curso d’água natural em largura mínima de 30 (trinta) metros mesmo em zona urbana, a teor do disposto em seu art. 4º, inc. I, e § 10. Logo não há falar na aplicação retroativa deste édito.

Quanto à alegada inconstitucionalidade do art. 19, § 2º, do Plano Diretor Municipal (LCM 2.147/2004), assinalo que a ação civil pública sob exame tem como pedido principal a demolição da indigitada obra e a re-cuperação da área em que edificada, sendo a invocação de contrariedade à Constituição outro pedido e não causa de pedir remota, motivo pelo qual não há necessidade do emprego da cláusula de reserva de Plenário. Aliás, a Suprema Corte já deixou assentado que:

[...] Não se admite ação que se intitula ação civil pública, mas, como de-corre do pedido, é, em realidade, verdadeira ação direta de inconstitucio-nalidade de atos normativos municipais em face da Constituição Federal, ação essa não admitida pela Carta Magna. Agravo a que se nega provimento. (AI 189601-AgR, Rel. Min. Moreira Alves, J. 26.08.1997)

Enfim, é de desprover-se o recurso.

Eis o voto.

Gabinete Des. João Henrique Blasi

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1601

Tribunal de Justiça do Estado de São PauloConselho Superior da MagistraturaApelação Cível nº 0012529‑40.2013.8.26.0602Apelante: Posto Cic Sorocaba Ltda.Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de SorocabaVoto nº 34.044

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – REGISTRO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE BEM IMÓVEL – INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE VIGÊNCIA – INADMISSIBILIDADE – ART. 167, I, 3, DA LEI Nº 6.015/1973 – EVENTUAL POSSIBILIDADE DE AVERBAÇÃO, A FIM DE ASSEGURAR O DIREITO DE PREFERÊNCIA DA LOCATÁRIA, NOS TERMOS DO ART 167, II, 16, DA LEI Nº 6.015/1973 – NECESSIDADE, ENTRETANTO, DE PRÉVIO CANCELAMENTO DO REGISTRO DE ANTERIOR CONTRATO DE LOCAÇÃO CONSTANTE DA MATRÍCULA DO IMÓVEL – ELEMENTOS SUFICIENTES À AUTORIZÁ-LO, O QUE, CONTUDO, DEVERÁ SER PROVIDENCIADO EM REQUERIMENTO AUTÔNOMO AO REGISTRADOR E NÃO NESTES AUTOS – RECURSO NÃO PROVIDO.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0012529-40.2013.8.26.0602, da Comarca de Sorocaba, em que é apelante Posto Cic Sorocaba Ltda., é apelado 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Docu-mentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Sorocaba.

Acordam, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Jus-tiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “negaram provimento, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Renato Nalini, Eros Piceli, Guerrieri Rezende, Artur Marques, Pinheiro Franco e Ricardo Anafe.

São Paulo, 7 de julho de 2014.

Elliot Akel Relator

Trata-se de apelação interposta por contra decisão do MM. Juiz Cor-regedor Permanente do Primeiro Registro de Imóveis, Títulos e Documentos

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e Civil de Pessoa Jurídica de Sorocaba, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial, mantendo a recusa de registro de contrato de locação comercial ante a ausência de cláusula de vigência e de comprovação da extinção do contrato de locação anterior, constante do R.1, Av. 2 e Av. 3 da matrícula do imóvel.

Sustenta, a recorrente, que a cláusula de vigência está patente na par-te final da cláusula 14ª, reforçada no parágrafo único, da cláusula 15ª. Ale-ga, ainda, que a extinção do contrato de locação constante do R.1, Av. 2 e Av. 3, da matrícula nº 38.261 está comprovada por declaração dos loca-dores (fl. 38), além do que referido contrato tinha término previsto para 01.01.1991, não havendo notícia de prorrogação e existindo, ainda, bole-tim de ocorrência, registrado pelo proprietário do imóvel aos 14.02.2007, no sentido do abandono do imóvel por quem detinha a posse em locação, o que resultou na perda do objeto da Ação de Despejo nº 2006/020329.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do re-curso (fls. 113/117 e 123/125).

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

Trata-se de contrato de locação comercial do imóvel matriculado sob o nº 38.261, apresentado para registro ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Sorocaba, em que figura como locatária a recorrente, sendo locadores José Ferraz de Oliveira e Eva Lúcia Seidl.

A recusa do registrador baseia-se no fato de não haver no contrato cláusula de vigência, mas apenas cláusula que assegura o direito de o loca-dor ceder o crédito locatício (cláusula 14ª) e cláusula que assegura o direito de preferência do locatário (cláusula 15ª), no caso de alienação do imóvel. Entende o registrador, ainda, que o imóvel já se encontra alugado a tercei-ro, conforme R.1, Av. 2 e Av. 3 da matrícula, cabendo ao interessado fazer prova segura da extinção da referida relação locatícia antes que uma nova possa ser lançada na matrícula.

Nos termos do art. 167, I, 3, da Lei nº 6.015/1973, o contrato de locação de bem imóvel poderá ser registrado quando contiver cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada.

No caso dos autos, entretanto, o contrato de locação apresentado para registro não contém referida cláusula, exatamente como constou da recusa do registrador.

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A cláusula 14ª do contrato, ao contrário do alegado pelo apelante, apenas estipula a possibilidade de cessão do crédito locatício, o que não se confunde com a cláusula de vigência exigida pela lei para registro do contrato.

Neste sentido:

LOCAÇÃO – CLÁUSULA DE VIGÊNCIA – Prevista legalmente a necessidade expressa de inserção de cláusula específica de vigência do contrato de loca-ção em caso de alienação do imóvel, a simples menção genérica “obriga a herdeiros ou sucessores” não cumpre a exigência legal.1

A cláusula 15ª, por sua vez, dispõe sobre o direito de preferência da locatária no caso de eventual alienação do imóvel.

Legítima, portanto, a recusa do registrador.

Apenas para orientar futuras qualificações, esclareça-se que, da for-ma como redigido o instrumento, e diante do disposto na cláusula 15ª, é possível, se assim a interessada desejar, a averbação do contrato para lhe assegurar o direito de preferência na aquisição do bem, com base no art. 167, II, 16, da Lei nº 6.015/1973.

Para possibilitar a referida averbação, entretanto, necessário o prévio cancelamento do contrato de locação registrado no R.1 da matrícula do imóvel, onde figura como locatária Shell Brasil S/A (fls. 64/67) e isso porque, de acordo com o art. 252, da Lei nº 6.015/1973, o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais, ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.

Neste sentido:

LOCAÇÃO – IMÓVEL JÁ LOCADO A TERCEIRO – Se o imóvel já está locado a terceiro, por contrato devidamente registrado, impossível se torna o registro de nova locação feita a outra pessoa.2

E, para o cancelamento do registro, necessário um dos títulos descri-tos no art. 250 da LRP:

Art. 250. Far-se-á o cancelamento: (incluído pela Lei nº 6.216, de 1975)

1 1VRPSP – Processo: 0046161­45.2012.8.26.0100; 1VRPSP – Processo Localidade: São Paulo; Data Julgamento: 19.02.2013 Data DJ: 21.03.2013, Rel. Marcelo Martins Berthe.

2 CSMSP – Apelação Cível nº 010854­0/5 CSMSP – Apelação Cível; Localidade: São Paulo; Data Julgamento: 15.12.1989 Rel. Milton Evaristo dos Santos.

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I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado; (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975)

II – a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato re-gistrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião; (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975)

III – A requerimento do interessado, instruído com documento hábil. (Incluí-do pela Lei nº 6.216, de 1975)

Walter Ceneviva, ao examinar o que é documento hábil previsto no inciso III do art. 250, conclui:

“[...] Diz-se hábil, e nesse sentido o registrador o avalia, o documento apto a produzir, sem restrições, o efeito pretendido pelo requerente, seja no alu-sivo à natureza (público ou privado), à condição afirmada pelo peticionário, quanto ao bem, ao lugar em que se acha e ao registro a ser cancelado [...]”3

No presente caso, a recorrente instruiu os autos satisfatoriamente de-monstrando a rescisão do referido contrato de locação.

Apesar de a declaração de fls. 38 não ter validade para o fim de cancelamento do registro, porque firmada de forma unilateral, verifica-se que o contrato registrado, com prazo de término inicialmente previsto para 01.01.86, fora prorrogado para vigorar até 01.01.91, não constando da ma-trícula qualquer outra prorrogação (fls. 09/11).

Há nos autos, ainda, notícia da existência de Ação de Despejo contra a locatária Shell Brasil S/A (fl. 35).

Também a indicar o término da locação registrada, veja-se a cópia do boletim de ocorrência demonstrando que houve locação posterior do imóvel a Auto Posto Manu, em 03.05.2004 (fls. 95/96), a qual deu origem à Ação de Despejo nº 912/2006, que perdeu o objeto pelo abandono do imó-vel pelo locatário e consequente retomada da posse pelo locador (fl. 98).

Se o imóvel esteve locado a Auto Posto Manu a partir de 2004, ob-viamente a locação registrada sob o R.1 da matrícula nº 38.261 já havia se encerrado.

É sabido que o Registro Imobiliário deve reproduzir a realidade fáti-ca da propriedade e dos seus respectivos negócios jurídicos. A atualização dessas informações é, portanto, essencial para que os dados que constam no registro sirvam como fonte segura de consulta para terceiros.

3 Lei de registros públicos. 17. ed. Saraiva, p. 275.

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Assim, diante de elementos suficientes que demonstram a extinção do contrato de locação lançado no R.1 da matrícula, da inexistência de prejuízos a terceiros ou mesmo à segurança jurídica necessária aos Regis-tros Imobiliários, caso a recorrente tenha interesse – a ser manifestado em requerimento autônomo ao registrador e não nestes autos – possível o can-celamento do referido registro e respectivas averbações Av. 2 e Av. 3, a fim de possibilitar a averbação do novo contrato de locação.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

Hamilton Elliot Akel Corregedor Geral da Justiça e Relator

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência1602 – ação de cobrança – corretagem – concretização da compra e venda do imóvel – in-

termediação – prova insuficiente

“Direito civil. Ação de cobrança. Contrato de corretagem. Concretização da compra e venda do imóvel. Prova insuficiente para demonstrar a intermediação. 1. Cabe ao corretor de imó-veis que afirma ter prestado os seus serviços à parte vendedora do imóvel demonstrar com inteireza o sucesso da intermediação que realizou e a vantagem que ela obteve com o seu trabalho. Não produzida essa prova, não tem como subsistir o pedido de cobrança de co-missão de corretagem. 2. Recurso desprovido.” (TJDFT – Proc. 20120110383832 – (801657) – Rel. Des. Antoninho Lopes – DJe 14.07.2014)

1603 – ação de cobrança – taxa condominial – prescrição quinquenal

“Agravo regimental no recurso especial. Ação de cobrança. Taxa condominial. Prescrição quinquenal. Súmula nº 83/STJ. Improvimento. 1. Estando o acórdão de origem em sintonia com o entendimento jurisprudencial deste Tribunal acerca do prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança de taxas condominiais, inafastável a incidência da Súmula nº 83/STJ. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.449.577 – (2014/0090533-6) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 04.06.2014)

1604 – ação de rescisão – ação de cobrança e reintegração de posse – contrato de parceria agrícola – cumprimento de obrigação – entrega de sacas – objeto de arresto – hono-rários de advogado

“Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de rescisão contratual cumulada com ação de cobrança e reintegração de posse. Contrato de parceria agrícola. Cumprimento de obrigação. Entrega de sacas. Objeto de arresto. Honorários advocatícios. Alteração do valor fixado. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. Incidência da Súmula nº 7/STJ. Artigos analisados 587 e 475-O do CPC. 1. Ação de rescisão contratual, cumulada com cobrança e reintegração de posse ajuizada em 13.05.2005. Recurso especial concluso ao Gabinete em 14.04.2010. 2. Demanda em que se discute o cumprimento da obrigação objeto de contrato de parceria agrícola ante o arresto de sacas da produção destinadas à garantia de dívida, objeto de execução em ação autônoma movida contra os recorrentes autores da pre-sente demanda. 3. Ainda que se discuta a titularidade da dívida em embargos à execução, o arresto regularmente realizado destinou-se a assegurar a dívida executada contra os par-ceiros proprietários, razão pela qual deve a constrição considerar-se realizada nas sacas de sua propriedade, resultando no reconhecimento do cumprimento da obrigação. 4. Eventual reconhecimento de que o parceiro proprietário não é o devedor resultará na restituição do status quo no bojo da própria execução, processada por conta e risco do credor, nos termos dos arts. 587 e 475-O do CPC. 5. A alteração do valor fixado a título de honorários advo-catícios somente é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 6. Negado provimento aos recursos especiais.” (STJ – REsp 1.186.875 – (2010/0049463-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 30.05.2014)

1605 – ação monitória – embargos do devedor – instrumento particular de compra e venda

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação monitória. Embargos do devedor. Instrumento particular de compra e venda. Ausência de prequestionamento. Decisão funda-da em análise contratual. Acórdão mantido pelos próprios fundamentos. Agravo regimental não provido. 1. Não há falar em violação ao art. 535 do CPC, por omissão do acórdão re-

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corrido, quando houve análise das matérias relevantes à lide e sobre elas o julgador emitiu pronunciamento, ainda que desconformidade com a vontade do recorrente. Ademais, na hipótese de oposição dos aclaratórios, persistindo ausência de debate acerca dos dispositivos arrolados, também não há falar em conhecimento do recurso, ante os óbices das Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ. 2. Tendo o Tribunal a quo decidido a lide a partir da análise dos ter-mos do contrato e não dos dispositivos tidos como violados, não há falar em conhecimento do recurso, ante o Enunciado na Súmula nº 5/STJ. 3. Na ausência de qualquer subsídio capaz de alterá-los, deve a decisão recorrida ser mantida pelos próprios fundamentos. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 277.864 – (2012/0275082-5) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 02.06.2014)

1606 – ação pauliana – cerceamento de defesa – inocorrência

“Recurso de apelação cível. Ação pauliana. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Intimação da parte interessada. Endereço inexistente. Ônus da parte atualizar o endereço nos autos. Fraude contra credores. Ocorrência dos requisitos ensejadores da fraude. Existência de crédi-to anterior. Alienação de imóvel ao empregado. Estado de insolvência comprovado. Recurso conhecido e improvido. I – A nulidade fundada na falta de intimação para inquirição de testemunha por carta precatória deve ser arguida na primeira oportunidade em que couber a parte falar nos autos, sob pena de tornar preclusa, portanto, a sua pretensão. II – A fraude contra credores ocorre quando o devedor tenta frustrar seus credores, com a participação de terceiro, no intuito de esvaziar o seu patrimônio.” (TJMT – Ap 87915/2011 – Relª Desª Serly Marcondes Alves – DJe 11.07.2014)

1607 – ação renovatória – despejo – ausência de intimação pessoal da locatária – prazo de 30 (trinta) dias a fim de desocupar o imóvel – nulidade

“Civil. Agravo regimental. Ação renovatória. Ausência de intimação pessoal da locatária por mandado de despejo para a contagem do prazo de 30 (trinta) dias a fim de desocupar o imó-vel. Nulidade. Acórdão recorrido em dissonância com a jurisprudência dessa Corte. Recurso especial da parte ad versa parcialmente provido. Agravo a que se nega provimento, com aplicação de multa. 1. De acordo com a jurisprudência do STJ, é indispensável a notificação pessoal da locatária por meio de mandado de despejo, no qual conste o prazo de 30 dias dis-posto no art. 74 da Lei nº 8.245/1991, para que proceda à desocupação do imóvel em execu-ção provisória de sentença que julgou improcedente ação renovatória. Precedente. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa.” (STJ – AgRg-EDcl-Ag-RE 389.671 – (2013/0291303-1) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 03.06.2014)

1608 – Bem público – doação – ilegalidade

“Agravo regimental. Administrativo. Doação. Imóvel público. Ilegalidade. Poder-dever de autotutela. Decadência. Transcurso do prazo. Impossibilidade de anulação do ato. Agravo desprovido. 1. ‘A administração decai do direito de anular atos administrativos de que decor-ram efeitos favoráveis aos destinatários após cinco anos, contados da data em que foram pra-ticados [art. 54 da Lei nº 9.784/1999]’, uma vez que ‘a anulação tardia de ato administrativo, após a consolidação de situação de fato e de direito, ofende o princípio da segurança jurídica’ (MS 26117, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, Julgado em 20.05.2009, DJe 06.11.2009). 2. Agravo regimental improvido.” (TJMA – AgRg 18462/2014 – (147683/2014) – Rel. Des. Kleber Costa Carvalho – DJe 28.05.2014)

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Destaque Editorial SÍNTESESelecionamos os seguintes julgados no mesmo sentido:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DOAÇÃO DE BEM PÚBLICO – DESVIO DE FINALIDADE – NULIDADE DA DOAÇÃO – Na doação de bem público, não restando demonstrado o interesse público, mas sim o desvio de finalidade caracterizado pela inexistência de motivação fática e de amparo legal, requisito indispensável a justificação do interesse publico,deve a aludida doação ser anulada e o imóvel em discussão ser revertido ao município. Apelação conhecida e provida.” (TJGO, AC 200704189385, 1ª C.Cív., Relª Desª Maria das Graças Carneiro Requi, DJe 12.05.2014, p. 102) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 144000173325. Acesso em: 10 jun. 2014)

“BEM PÚBLICO – DOAÇÃO COM ENCARGO – Terreno doado pela Municipalidade de Marília para a instalação de microempresa. Donatário que não cumpriu os encargos que lhe com­petiam. Situação incompatível com o interesse público que deve informar a doação de bem público. Revogação da doação. Credor do donatário que pede subsista a hipoteca constituída em seu favor. Inadmissibilidade. Sentença que julgou procedente a ação. Recurso não provido.” (TJSP, Ap 0016769­12.2009.8.26.0344, Marília, 10ª CDPúb., Rel. Antonio Carlos Villen, DJe 16.05.2014, p. 1647) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 161001622506. Acesso em: 10 jun. 2014)

1609 – Bem público – reintegração de posse – imóvel funcional – permissionário – exonera-ção – direito de ocupação – ausência

“Administrativo. Reintegração de posse. Imóvel funcional. Exoneração do permissionário e nomeação em outro cargo público. Direito de ocupação não configurado. Redução da verba honorária. Recurso da união não conhecido porque intempestivo. I – A exoneração do ocupante de imóvel funcional do cargo em comissão que ensejou o uso do próprio na-cional faz cessar o direito de ocupação do bem público, de modo que a permanência após o prazo concedido para desocupação caracteriza esbulho possessório e autoriza a ordem judicial de reintegração de posse. II – A exoneração do ex-permissionário e a consequente nomeação para outro cargo público não tem o potencial de legitimar automaticamente o direito de permanência no imóvel funcional ocupado em razão das funções exercidas no cargo que deu origem ao direito de uso do próprio nacional. A orientação das duas Turmas integrantes da 3ª Seção desta Corte é no sentido de que o cessionário que passa a ocupar outro cargo distinto do que deu origem à permissão do uso da residência funcional só tem o direito de permanência quando houver permuta de imóveis equivalentes entre os entes da Administração Pública. III – A fixação dos honorários advocatícios em R$ 3.000,00 (três mil reais) revela-se desproporcional diante da resumida atuação jurídica do advogado públi-co, consistente, basicamente, na redação da petição inicial e nas contrarrazões ao recurso de apelação, razão pela qual a verba honorária deve ser reduzida para o importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a fim de ajustar-se à realidade dos fatos e remunerar o trabalho do Causídico Público. IV – Recurso da União manifestamente intempestivo, uma vez que foi in-timada pessoalmente da prolação da sentença em 11.10.2011 e só enviou eletronicamente a apelação em 25.06.2012. V – Apelação do réu parcialmente provida para reduzir a verba ho-norária para R$ 2.000,00 (dois mil reais). Recurso da União não conhecido porque intempes-tivo.” (TRF 1ª R. – AC 0012074-57.2010.4.01.3400 – Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian – DJe 15.05.2014)

1610 – compromisso de compra e venda – imóvel – arras – retenção

“Apelação cível. Ação de rescisão. Compromisso de compra e venda de imóvel. Recurso que não ataca fundamentos da sentença. Seguimento negado. Cabe ao recorrente atacar os fun-damentos da sentença (art. 514, II, CPC), expondo as razões pela qual sustenta o seu pedido

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de reforma (art. 514, III, CPC). A fundamentação dissociada daquilo que foi decidido não confere ao recurso as condições mínimas de processabilidade. Rescindido o contrato de for-ma motivada, por causa imputada à promitente vendedora, não há de se falar na retenção do sinal ou arras, nem de qualquer outro valor pago pelo promitente comprador.” (TJMG – AC 1.0024.10.248208-0/001 – 13ª C.Cív. – Rel. Luiz Carlos Gomes da Mata – DJe 04.07.2014)

1611 – compromisso de compra e venda – imóvel rural – manutenção do contrato pela aplicação da teoria do adimplemento substancial – boa-fé objetiva

“Apelação cível. Resolução de contrato de compromisso de compra e venda. Imóvel rural. Manutenção do contrato pela aplicação da teoria do adimplemento substancial. Boa-fé ob-jetiva. Recurso provido. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contra-tantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade (REsp 758.518/ PR). A teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato (REsp 1.051.270/RS). No caso concreto, se o devedor quitou aproximadamente 90% da obrigação vencida, há de se prestigiar a conservação do contrato por adimplemento substancial, cuja pequena parcela de descumprimento contratual é inapta a ensejar a res-cisão da compra e venda de imóvel rural, com o perdimento de arras, multa contratual e fruição, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença.” (TJMS – Ap 0008336-76.2011.8.12.0008 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte – DJe 26.06.2014)

1612 – condomínio – ação de alienação judicial de imóvel – extinção

“Agravo de instrumento. Ação de alienação judicial de imóvel. Extinção de condomínio. In-teligência do art. 95 do Código de Processo Civil. Deve ser feita em dois passos a interpreta-ção de tal dispositivo. No primeiro, há a fixação de uma regra de competência territorial, por-tanto relativa, que, de uma forma geral, inclui o foro da situação do imóvel como competente para todas as ações fundadas em título de propriedade imobiliária. No segundo, está fixada uma competência de natureza absoluta, que alcança os litígios que versam diretamente so-bre os direitos elencados na segunda parte do dispositivo (propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova). A ação e alienação judicial que visa à extinção de condomínio sobre imóvel deve ser processada, em regra, no foro de sua situação, mas tal competência é territorial e, portanto, relativa (art. 111 do CPC). Deve ser reconhecido como de eleição o foro escolhido pelas partes para o processamento de tal ação, em exercício da opção prevista na segunda parte do art. 95 do Código de Processo Civil, salvo exceção proposta em razão do foro de domicílio (art. 94 do CPC). Observada a Súmula nº 33 do STJ, a competência relativa não pode ser declarada de ofício.” (TJMG – AI 1.0027.14.008570-8/001 – 13ª C.Cív. – Rel. Luiz Carlos Gomes da Mata – DJe 11.06.2014)

1613 – condomínio – cotas – execução – embargos de terceiro – constrição do bem – impos-sibilidade

“Agravo regimental no recurso especial. Cotas condominiais. Execução. Embargos de tercei-ro. Constrição do bem. Impossibilidade. Ausência de participação do adquirente na ação de cobrança. 1. ‘Se o condomínio, visando à cobrança de cotas condominiais vencidas após a ocupação, propõe ação de cobrança em face do promitente vendedor, não pode o imóvel adquirido pelo promissário comprador, em sede de execução de sentença, ser penhorado para garantir o pagamento da dívida, na medida em que essa não lhe foi atribuída e não foi

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em face dele proposta a ação de cobrança’ (REsp 326.159/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado em 24.06.2002, DJ 02.09.2002). 2. Agravo regimental não provi-do.” (STJ – AgRg-REsp 1.196.373 – (2010/0097820-0) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 02.06.2014)

1614 – condomínio – débito – natureza – legitimidade passiva

“Processo civil e civil. Condomínio. Débito. Natureza. Legitimidade passiva. Execução. Pe-nhora do imóvel. Posterior confisco em processo criminal. Arrematação. Produto. Repasse à União. Prévio pagamento de lesados e terceiros de boa-fé. Possibilidade. Limites. Dispo-sitivos legais analisados. Arts. 307 do CC/2002, 42, § 3º, e 472 do CPC, 91, II, do CP, 133, parágrafo único, do CPP, e 3º, IV, da Lei nº 8.009/1990. 1. Ação ajuizada em 29.11.2010. Recurso especial concluso ao gabinete da relatora em 30.09.2013. 2. Recurso especial em que se discute se, na hipótese específica dos autos, embora os imóveis penhorados em exe-cução movida pelo condomínio tenham sido objeto de confisco em processo criminal, antes do repasse do produto da arrematação à União, devem ser resguardados valores para paga-mento da dívida condominial relativa aos próprios bens e pensão alimentícia da filha do réu (alcançado pela declaração de perdimento). 3. A dívida condominial constitui uma obriga-ção propter rem, cuja prestação não deriva da vontade do devedor, mas de sua condição de titular do direito real. Aquele que possui a unidade e que, efetivamente, exerce os direitos e obrigações de condômino, responde pela contribuição de pagar as cotas condominiais, na proporção de sua fração ideal. 4. O adquirente de imóvel em condomínio responde pelas cotas condominiais em atraso, ainda que anteriores à aquisição, ressalvado o seu direito de regresso contra o antigo proprietário. Entendimento que se aplica à União na hipótese de ingresso de imóveis em seu patrimônio em decorrência de pena de perdimento aplicada em processo criminal. 5. O condomínio se enquadra no conceito de lesado previsto nos arts. 91, II, do CP, e 133, parágrafo único, do CPP, não podendo ser prejudicado em virtude do con-fisco do bem em prol da União, cujo direito de propriedade, nesse caso, subsiste apenas em caráter precário (até que haja a arrematação do bem em hasta pública) e residual (recebendo o saldo credor, após o ressarcimento das vítimas, lesados e terceiros de boa-fé). 6. Sendo o imóvel confiscado pela União objeto de execução para pagamento de dívida condominial, o bem é litigioso, sujeitando-se ao comando do art. 42, § 3º, do CPC, que excepciona a regra do art. 472 do CPC, possibilitando que a sentença proferida entre as partes originárias repercuta na esfera jurídica do terceiro adquirente. 7. Nada impede a realização das hastas públicas nos autos da execução movida pelo condomínio, devendo o produto da arremata-ção dos imóveis confiscados ser primeiro destinado à satisfação do débito condominial, re-passando-se o saldo à União, que passará a ter direito de regresso contra os executados pelo período anterior ao perdimento dos imóveis. 8. Dívidas do réu na ação penal surgidas após a aplicação da pena de perdimento não podem ser satisfeitas com o produto da arrematação do imóvel confiscado, na medida em que o bem não pertence mais à sua esfera patrimonial. 9. O lesado ou terceiro de boa-fé a que se referem os arts. 91, II, do CP e 133, parágrafo único, do CPP, são aqueles diretamente prejudicados pelo confisco do bem, como é o caso, por exemplo, do condomínio ou do comprador de boa-fé. Aqueles que estejam sendo apenas obliquamente prejudicados pelo confisco, que jamais tenham estabelecido relação jurídica que envolvesse diretamente o bem perdido, não se enquadram nesse conceito de lesado ou terceiro de boa-fé. 9. A utilização do produto da arrematação para pagamento de verba alimentar significaria permitir, por via transversa, que o executado – condenado na esfera criminal à pena de perdimento – se beneficiasse do crime por ele praticado para quitar dívida

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autônoma sua, sem qualquer relação com os imóveis confiscados, espírito de que certamente não estava imbuído o legislador ao estabelecer a pena de perdimento. 10. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.366.894 – (2013/0030874-4) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 02.06.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuida­se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região.

Foi ajuizada ação de execução por um condomínio em desfavor de condômino inadimplente tendo por objeto débito condominial.

Depreende­se dos autos que os embargos de terceiro foram opostos após a União ter sido inti­mada da realização de hasta pública dos próprios imóveis que deram origem à dívida executada.

Houve, ainda, pedido no sentido de que do produto de eventual arrematação fosse resguardada a quantia de R$ 23.000,00, correspondente a acordo por ela firmado relativos à pensão ali­mentícia.

A União aduz que os bens em questão fariam parte do seu patrimônio imobiliário, tendo sido objeto de confisco no âmbito de processo criminal, sendo, pois, impenhoráveis e inalienáveis.

A sentença de 1º grau julgou improcedentes os pedidos, sob a alegação de que “não há se falar em inalienabilidade ou impenhorabilidade dos bens em favor da União, uma vez que o próprio título judicial ressalvou a possibilidade de realizar­se o leilão dos bens para ressarcimento das vítimas, lesados e terceiros de boa­fé”.

O TRF da 4ª Região negou provimento à apelação da União, mantendo na integra a sentença, com a ressalva de que “o direito do ente público, no processo em tela, é subsidiário aos lesados e terceiros de boa­fé, incluindo­se nessa condição a credora de alimentos”.

Houve embargos de declaração que foram interpostos pela União e rejeitados pelo TRF da 4ª Região.

No recurso especial o recorrente alegou violação dos arts. 267, V, 535 e 649, I, do CPC; e 307 do CC/2002.

Cinge­se a lide a determinar se, embora os imóveis penhorados em execução movida por con­domínio tenham sido objeto de confisco em processo criminal, antes do repasse do produto da arrematação à União, devem ser resguardados valores para pagamento de dívida condominial relativa aos próprios bens e pensão alimentícia da filha do réu (alcançado pela declaração de perdimento).

O STJ deu parcial provimento ao recurso especial, julgando parcialmente procedentes os pedidos contidos nos embargos de terceiro opostos pela União, para que, alienados os bens confiscados em hasta pública, não haja reserva de numerário visando à satisfação do crédito.

O Relator aduziu que, tendo em vista que a parcial reforma da sentença não alcançou o condo­mínio embargado, a verba honorária fica mantida tal como fixada na sentença.

Jacques Marcello Antunes Stefanes, analisando os juros aplicados nas taxas de condomínio, assim elucida:

“O novel Código Civil, segundo a redação do § 1º do art. 1.336, voltou a liberar a taxa de juros, não mais estando a prevalecer as disposições legais da Lei de Usura. Para o caso dos condo­mínios edilícios, é imperiosa a liberdade da convenção dos juros moratórios, pois terá o condão de elidir uma carga de inadimplência que coloque em risco a administração do condomínio em decorrência da redução da multa ao patamar de 2% (dois por cento).

A sanção pecuniária para o condômino faltoso é a aplicação de multa e juros de mora, e, como visto a multa, por infelicidade de nossos legisladores, a partir da vigência da Lei nº 10.406, será de dois por cento, e os juros serão os convencionais e, na falta, os legais.

Os juros de mora têm por escopo compor uma indenização em virtude da falta de pagamento da obrigação principal no tempo e modo devido.” (A taxa de juros no condomínio edilício. Jornal Síntese, n. 76, p. 16, jun. 2003)

O ilustre jurista Caio Mário da Silva Pereira, ao discursar sobre a Lei nº 4.591/1964, assim nos ensina:

“A Lei nº 4.591/1964 estabelece, no art. 12, que cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, inclusive as com obras que visem a melhorar o edifício, aumentar­lhe a comodidade e o conforto, recolhendo, nos prazos previstos na convenção, a quota­parte que lhe couber em

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182 �����������������������������������������������������������������������������RDI Nº 22 – Jul-Ago/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

rateio. E ao mesmo tempo instituiu o critério de sua fixação, mandando em primeiro plano obser­var o disposto na convenção e, em segundo, ou seja, no silêncio desta, a proporcionalidade com a fração ideal de terreno de cada unidade. É ainda a mesma lei que atribui ao síndico a legitima­ção para arrecadar, amigável ou judicialmente, sujeitando­se os condôminos em atraso aos juros moratórios e à multa de até 20% sobre o débito. Pode este, ainda, ser atualizado com aplicação dos índices de correção monetária, se assim a convenção condominial dispuser a autorizar.Incorrendo o condômino em mora, pode­se­lhe ser judicialmente exigido o débito (principal e acessório), subordinado o exercício do direito de ação a certos requisitos. [...]O cumprimento das obrigações atinentes aos encargos condominiais, sujeitando o devedor às cominações previstas (juros moratórios, multa, correção monetária), todas exigíveis judicial­mente, constitui uma espécie peculiar de ônus real, gravando a própria unidade, uma vez que a lei lhe imprime poder de seqüela. Com efeito, estabelece o art. 4º, parágrafo único, da Lei do Condomínio e Incorporações que o adquirente responde pelos débitos da unidade adquirida. O objetivo da norma é defender o condomínio contra a alegação de que o novo proprietário não pode responder pelos encargos correspondentes a tempo anterior a seu ingresso na comunidade. [...]” (Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 188­189)

1615 – contrato de financiamento – ação revisional – cédula de crédito bancário – inexis-tência de julgamento extra petita

“Direito civil. Apelação. Ação revisional. Contrato de financiamento. Cédula de crédito ban-cário. Inexistência de julgamento extra petita. Capitalização mensal de juros e consectários. Tabela Price. Apelo improvido. 1. Não há que se falar em julgamento extra petita no caso dos autos, porquanto o juiz atendeu ao disposto no art. 128 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que ‘o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defe-so conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte’. 2. Em virtude de o ajuste ter sido entabulado após 31.03.2000, a demanda deve ser aprecia-da à luz da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, que, em seu art. 5º, autoriza, nas operações realizadas pelas instituições integrantes do sistema financeiro nacional, a capitalização de juros em período inferior a um ano. 2.1 É de se ressaltar que a constitucionalidade da MP 2.1270-36/2001 deve ser presumida até pronunciamento final do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a suspensão da referida medida provisória pela ADIn 2.316-1 não teme feito erga omnes, tampouco a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo conselho espe-cial deste eg. TJDFT tem efeito vinculativo. 3. Não é a simples presença do Sistema Price que leva à ilicitude da relação contratual, como salientado em julgado da relatoria do Desem-bargador Luciano Moreira Vasconcelos no sentido de que, ‘em contratos de financiamento, legítimo se mostra o uso da Tabela Price como sistema de amortização, não só porque re-sultante da liberdade de contratar, como por não ser feridora de qualquer disposição legal’ (20100110327510-APC, 5ª Turma Cível, Julgado em 29.06.2011, DJ 05.07.2011, p. 135). 4. Apelo improvido.” (TJDFT – Proc. 20130510106502 – (798712) – Rel. Des. João Egmont – DJe 14.07.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuida­se de apelação interposta contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pe­didos formulados em ação ordinária com pedido de revisão de contrato de cédula de crédito bancário.De acordo com a inicial, o autor afirma que entabulou com o réu um contrato de financiamento (cédula de crédito bancário) para a aquisição de um veículo a ser pago em 60 parcelas de R$ 811,93. Afirmou, entre outros, que há ilegalidades no contrato consistentes em: a) utilização da Tabela Price; b) cobrança de capitalização mensal de juros; c) cobrança de comissão de permanência cumulada com outros encargos; d) tarifas de avaliação de bens, de registro de contrato, de aber­tura de crédito (TAC), de emissão de boleto (TEB); e) cobrança de IOF; f) repetição de indébito dos valores cobrados indevidamente.

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Nos termos da sentença, os pedidos iniciais foram julgados parcialmente procedentes para li­mitar a comissão de permanência à taxa de 1,52% ao mês, mais 2%. Diante da sucumbência parcial, as partes foram condenadas ao pagamento das custas processuais e dos honorários ad­vocatícios, na proporção de 70% para a autora e 30% para a ré, estes fixados em R$ 1.000,00.Em sua apelação, o autor requereu a reforma da sentença ao argumento de que houve julgamen­to extra petita, em virtude de uma má percepção da situação fática, porquanto o pedido inicial foi pela exclusão da aplicação da Tabela Price como sistema de amortização, substituindo­o pelo sistema SAC.Quanto ao mérito, afirmou que há ilegalidades no contrato consistentes em: a) utilização da Tabela Price; b) cobrança de capitalização mensal de juros. Por fim, pugna pela modificação dos honorários sucumbenciais, porquanto foram fixados em “valor discrepante com a realidade dos autos”, considerando que teve a maioria dos seus pedidos acolhidos.O TJDFT negou provimento ao apelo.Alcio Manoel de Sousa Figueiredo, discorrendo sobre a revisão de contratos de financiamento, assim disciplina:“Nesse interregno, mesmo que não se considere o contrato como relação de consumo, os finan­ciamentos habitacionais avençados sob a égide do SFH possibilitam, em qualquer das hipóte­ses – consumidor ou não consumidor –, a revisão do contrato ou a modificação das cláusulas contratuais. Isto quer dizer que a revisão ou modificação do contrato habitacional não exige que o acontecimento superveniente seja imprevisível e excepcional, basta a quebra do equilíbrio contratual, a ausência de equivalência entre as prestações que gerem, dessa forma, onerosidade excessiva para o consumidor.Exemplificando, temos o mutuário que, após pagar por vários anos a prestação do imóvel finan­ciado pelo Sistema Financeiro da Habitação e que teve sua renda familiar reduzida (pela perda do emprego, pela mudança de emprego, pela aposentadoria, etc.), tem o direito que as presta­ções mensais do financiamento sejam adequadas à nova renda familiar, devendo o Magistrado, com lastro nos princípios constitucionais e infraconstitucionais suprarreferenciados, modificar ou revisar judicialmente o contrato habitacional.Nessa moldura, verificando­se desequilíbrio contratual em decorrência da ausência de equiva­lência das prestações do financiamento habitacional, haja vista a redução da renda familiar em razão de fato superveniente, deverá o Poder Judiciário revisar a cláusula contratual de reajusta­mento das prestações mensais ou, ainda, modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, em atendimento aos princípios da boa­fé, da equidade e do equilí­brio que devem presidir as relações no trânsito jurídico.” (Revisão do contrato habitacional numa perspectiva civil­consumerista­constitucional. Juris Síntese, nº 53, maio/jun. 2005)

1616 – corretagem – comissão – rescisão de contrato – restituição – quantias pagas – taxa

“Código de defesa do consumidor. Processo civil. Ação. Rescisão de contrato. Restituição. Quantias pagas. Comissão de corretagem. Taxa. Assessoria. Construtora e incorporadora. Legitimidade passiva. 1. A construtora e incorporadora tem legitimidade passiva para figurar na ação com pedido de rescisão de contrato cumulada com restituição de comissão de cor-retagem e taxa de assessoria, mormente em face da responsabilidade que detém para com os atos de seus prepostos. Inteligência do art. 34 da Lei nº 8.078/1990. 2. Na hipótese em que a rescisão do contrato se dá em função do inadimplemento da construtora, deve esta ser compelida a restituir os valores pagos, inclusive àqueles efetuados a título de comis-são de corretagem e taxa de assessoria. 3. Negado provimento ao recurso.” (TJDFT – Proc. 20130110876302 – (794600) – Rel. Des. Getúlio de Moraes Oliveira – DJe 05.06.2014)

1617 – dano moral e material – construção civil – atraso na entrega da obra – caso fortuito e força maior

“Direito civil e consumidor. Apelação cível. Ação de indenização por danos morais e mate-riais. Construção civil. Atraso na entrega da obra. Caso fortuito e força maior. Não eviden-ciados. Dano material devido. Juros e correção monetária. Taxa Selic. Recurso conhecido

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e parcialmente provido. Na hipótese vertente, não se verifica a ocorrência de caso fortuito ou força maior, uma vez que estes devem decorrer de eventos imprevisíveis e inevitáveis para excluir a responsabilidade pelo inadimplemento contratual, cujos efeitos impossibili-tam de forma absoluta a execução da obra. Constatando-se o atraso na entrega do imóvel, é evidente o dano material sofrido pelo recorrido, uma vez que não foi possível a locação de seu imóvel. Recurso conhecido e parcialmente provido, determinando tão somente que a incidência dos juros de mora e correção monetária sejam efetivados por meio da Taxa Selic.” (TJAM – Proc. 0700279-37.2012.8.04.0001 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Aristóteles Lima Thury – DJe 07.07.2014)

1618 – desapropriação – reforma agrária – juros moratórios – termo a quo

“Processual civil e administrativo. Agravo regimental no agravo regimental no recurso es-pecial. Cumprimento de sentença. Desapropriação para reforma agrária. Juros moratórios. Termo a quo. Trânsito em julgado posterior à inovação trazida pela Medida Provisória nº 1.901-31/1999. 1. O acórdão recorrido, com cognição plenária e exauriente, assentou que a sentença do processo expropriatório transitou em julgado em 21.08.2001 (fl. 134). Por outro lado, insta expor que a inclusão do art. 15-B no Decreto-Lei nº 3.365/1941 ocorreu por força da Edição da Medida Provisória nº 1.901-90, de 24.07.1999, ou seja, em momento anterior ao trânsito em julgado. Logo, os juros moratórios devem incidir a partir do dia pri-meiro de janeiro do exercício seguinte àquele no qual o pagamento deveria ter sido efetuado. 2. Agravo regimental provido.” (STJ – AgRg-AgRg-REsp 1.292.821 – (2011/0270518-0) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 03.06.2014)

1619 – desapropriação – utilidade pública – imissão provisória – avaliação unilateral – im-possibilidade

“Administrativo. Desapropriação. Utilidade pública. Imissão provisória. Avaliação unilateral do bem. Impossibilidade. 1. Conforme entendimento assentado no eg. STJ, ‘a imissão provi-sória em imóvel expropriando somente é possível mediante prévio depósito do valor apurado em avaliação judicial provisória, não havendo de ser substituída por mera avaliação efetuada por entidade particular’ (STJ, 2ª T., REsp 181407/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 25.04.2005, p. 256). 2. Hipótese em que a oferta apresentada pelo DNIT considerou a ava-liação do imóvel expropriado tomando por base laudo confeccionado unilateralmente por empresa por ele contratada, com valor, em princípio, muito abaixo do preço de mercado, a exigir a realização de perícia, nos moldes do entendimento pretoriano. 3. A decisão atacada louvou-se na existência de documento trazido ao feito, onde consta o registro de hipoteca de imóvel dentro do qual a área desapropriada está inserida, em que ‘o metro quadrado da área é calculado em aproximadamente R$ 90,625, enquanto o metro quadrado calculado pelo DNIT foi de R$ 26,85’, evidenciando, em princípio, a diminuta avaliação estatal. 4. Agravo de instrumento desprovido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0001582-68.2014.4.05.0000 – (137044/CE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel – DJe 30.05.2014)

1620 – desapropriação – utilidade pública – sede única da Justiça Federal – construção – decreto expropriatório – revogação – prejuízo ao Erário – inocorrência

“Administrativo. Desapropriação por utilidade pública. Construção da sede única da Justiça Federal da primeira instância em Belo Horizonte. Revogação do decreto expropriatório. Au-sência de motivação. Desvio de finalidade. Prejuízo ao Erário. Inocorrência. 1. A motivação do ato administrativo de revogação do decreto de 07.05.2003, que declarara de utilidade pública, para fins de desapropriação, imóveis urbanos destinados à futura sede da Justiça

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Federal de Minas Gerais, resta satisfeita com a minudente explicitação dos pressupostos de fato levados em conta pelo Executivo. Basta que a motivação indique que o ato foi praticado em razão do que consta no processo administrativo – várias situações fáticas relevadas na edição do decreto, em verdade não correspondiam à realidade –, que o autor popular não desautorizou. 2. Como o ato revogatório do decreto expropriatório fez referência a elemen-tos constantes do processo administrativo (representação apresentada pela expropriada), que demonstram, por meio de farta documentação, os motivos que ensejaram a mudança de entendimento pela administração, não há falar-se, com proveito, em ausência de motivação. Não houve desvio de finalidade no ato administrativo objeto da ação popular. Prevaleceu o interesse público da União e da Justiça Federal. O valor depositado a titulo de oferta foi devolvido (corrigido) ao Tesouro Nacional. 3. A administração pode fazer opções adminis-trativas com certa margem de discricionariedade, para atender aos interesses públicos. Não faria sentido, razoáveis que fossem as razões do apelante, que, estando a Justiça Federal hoje localizada em prédios próprios no centro de Belo Horizonte, que atendem às suas ple-nas finalidades, se voltasse ao passado para ‘ressuscitar’ um decreto expropriatório há anos revogado, tendente à edificação da sua futura sede, que não teve eficácia no seu tempo, e que se encontra ultrapassado por situações fático-jurídico-sociais consolidadas no tempo e (materialmente) irreversíveis. 4. Parecer técnico do TRF-1 destaca que ‘a mudança da loca-lização do terreno necessário para construção do edifício sede da Justiça Federal de 1º Grau em Minas Gerais, acarretará na necessidade de se executar adequações nos projetos já licita-dos e entregues. Entretanto, serão adequações onde grande parte do serviço já entregue será aproveitado ao novo terreno, não acarretando prejuízos, nem custos adicionais à União’. 5. Apelação e remessa oficial desprovidas.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 2003.38.00.045808-5/MG – Rel. Des. Fed. Olindo Herculano de Menezes – DJe 28.04.2014)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator, destacamos:

“[...] A revogação do decreto expropriatório, e a opção por outro imóvel, também não acarretou nenhum prejuízo ao Erário, como revela o parecer técnico anexado ao Ofício/Presi/600 – 921, de 15.09.2003 (fl. 422), onde se lê que ‘a mudança da localização do terreno necessário para construção do edifício sede da Justiça Federal de 1º Grau em Minas Gerais, acarretará na necessidade de se executar adequações nos projetos já licitados e entregues. Entretanto, serão adequações onde grande parte do serviço já entregue será aproveitado ao novo terreno, não acarretando prejuízos, nem custos adicionais à União’ (fl. 423).

Conquanto não se tenha consolidado o domínio da União do imóvel contíguo à nova área desa­propriada, doado pelo Município de Belo Horizonte para que nele fosse instalada parte da sede da Justiça Federal, não se pode negar que o processo de transferência da titularidade do bem não sofreu solução de continuidade, tudo a indicar que vai se concretizar. (Esse aspecto, na atualidade, também já não tem relevância, pois a Justiça Federal de Minas Gerais hoje dispõe de sedes próprias no centro de Belo Horizonte.)

Quanto ao fato de que a nova área desapropriada encontra­se inserida em unidade de conserva­ção – a Estação Ecológica do Cercadinho, é de se ponderar que a afetação se deu por força da Lei Estadual nº 15.979, de 13.01.2006, logo depois do ajuizamento da desapropriação, restando a nova área imune à desapropriação pelo Estado, nos termos do art. 1º, § 2º, do Decreto­Lei nº 3.365/1941.

A questão, de toda forma, ainda está em aberto, não havendo elementos técnicos conclusivos nos autos que autorizem a ilação de que a construção da sede da Justiça Federal naquela área seria inviável.

Consta também da sentença que a ação de desapropriação da nova área, situada nas imediações da primeira (Processo nº 2004.38.00.000085­4), que tramitou perante a 19ª Vara Federal da SJMG, restou consumada, ‘ao mesmo tempo evoluiu e foi concluída a obra do Hipermercado Extra, hoje realidade fática a contribuir positivamente com a economia local’ (fl. 1.802), por­

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menores que confirmam o acerto da sentença, quando afirma não se justificar a restauração do ato revogado.

Comprovado que o ato de revogação do decreto expropriatório teve por único fim o interesse público, isto é, o interesse da coletividade, não há falar em desvio de finalidade. [...]”

1621 – desmatamento – área de preservação ambiental – ação popular – extinção do pro-cesso sem resolução do mérito – acordo celebrado em ação civil pública com os mesmos pedidos – possibilidade

“Ação popular. Desmatamento de área de preservação ambiental. Suape/PE. Perda superve-niente do interesse de agir. Extinção do processo sem resolução de mérito. Acordo celebrado em ação civil pública com os mesmos pedidos. 1. Remessa oficial e apelação interposta por particular em face da sentença que extinguiu sem resolução de mérito ação popular, por ausência de interesse processual. 2. Constatada a existência de acordo judicial em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal que abarca o mesmo pedido e causa de pedir da presente ação popular, impõe-se o reconhecimento da perda de objeto desta. 3. Por ser condição da ação, nos termos do art. 267, VI, do CPC a carência de interesse processual implica na extinção do feito sem julgamento de mérito. 4. Apelação e remessa oficial impro-vidas.” (TRF 5ª R. – Ap-Reex 0007818-07.2010.4.05.8300 – (30135/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro Ribeiro Dantas – DJe 15.04.2014 – p. 197)

Comentário Editorial SÍNTESETrata­se de remessa oficial e apelação interposta por particular em face da sentença que extin­guiu sem resolução de mérito ação popular, por ausência de interesse processual.

Os autores ajuizaram ação popular em desfavor da União, do Instituto Brasileiro do Meio Am­biente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, do Estado de Pernambuco, da Agência Estadual de Meio Ambiente – CPRH e do Município de Cabo de Santo Agostinho, com o fito de obter provimento jurisdicional que determine a suspensão de processo de licenciamento e desmatamento em área de mangue na região do Porto de Suape/PE.

Houve contrarrazões.

O Ministério Público Federal que atua perante este Tribunal apresentou parecer opinando pelo não provimento da apelação e da remessa oficial.

Segundo o voto do Relator:

“O cerne da demanda cinge­se na definição acerca dos elementos necessários para a propositura da demanda popular.

Entendo não merecer reforma a sentença vergastada. Vejamos.

A ação popular ora proposta tem, em suma, o escopo de evitar o desmatamento das regiões de proteção permanente na área de Suape/PE.

Para tanto, pleita­se através dela que: a) o Estado de Pernambuco se abstenha de realizar des­matamento em Suape ou que contrate serviço acessório que importe no mesmo resultado; b) o CPRH cumpra de forma fiel suas finalidades como Agência de Proteção Ambiental; c) o Ibama realize uma avaliação dos riscos de uma futura ação sobre a área mencionada, bem como uma atuação fiscalizadora na defesa do meio ambiente, determinando a suspensão do processo de licenciamento; d) a União Federal cumpra sua missão institucional em defesa da referida área de preservação permanente.

Entretanto, em virtude da existência de Ação Civil Pública nº 010033­53.2010.4.05.8300 ingressada pelo Ministério Público Federal com um objetivo similar, considera­se, na sentença, que o pedido exposto em ação popular limita­se a uma reprodução de causa que já é objeto daquela ação civil pública.

Acrescenta­se, ainda, que nos autos da referida ação civil pública, foi homologada (fls. 738) transação judicial envolvendo o Ministério Público, CPRH, Ibama, Estado de Pernambuco e SUAPE, cujo conteúdo, presente nas fls. 727­737, versa sobre a obrigação de fiscalização por parte dos órgãos responsáveis, o reconhecimento de áreas de proteção, a compensação a ser

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realizada em razão da obra nessas áreas e as sanções a serem aplicadas em caso de descum­primento da transação. Sendo assim, ainda que não se trate de continência ou litispendência, visto que possuem partes legitimadas diferentes, há uma identidade de causas de pedir e de finalidade entre as duas demandas, fator que torna flagrante a ausência de interesse processual.”

Dispõe o CPC, em seu art. 267 que:

“Art. 267. Extingue­se o processo, sem resolução de mérito:

Vl – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”Segundo o Relator, por ser o interesse processual condição de ação, é imprescindível que o processo seja extinto sem que haja julgamento do mérito.Nesse sentido:“AÇÃO POPULAR – ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – ILEGALIDADES NA EDIFICAÇÃO DE SHOPPING CENTER – ACORDO JUDICIAL CELEBRADO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM CAUSA DE PEDIR IDÊNTICA – PERDA DE OBJETO.Celebrado acordo judicial em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e que versa sobre os mesmos fatos que embasam a causa de pedir da ação popular, impõe­se o reco­nhecimento da perda de objeto desta.O descumprimento do ajuste não enseja interesse na perpetuação da tramitação da ação popu­lar, devendo ser buscada sua execução nos autos da ação civil pública respectiva.” (TRF 4ª R., AC 2005.72.00.000104­5, 4ª T., Rel. Edgard Antônio Lippmann Júnior, DE 19.12.2008)“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO POPULAR – ESGOTAMENTO DO OBJETO – FALTA DE INTERES­SE PROCESSUAL – CARÊNCIA SUPERVENIENTE DA AÇÃO – ARTS. 3º E 267, VI, E § 3º, DO CPC – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.1. Considerando que, após o ajuizamento da ação, restou esgotado, por motivo superveniente, o objeto da demanda, evidencia­se a carência de ação, pela perda do interesse processual. Extin­ção do processo sem resolução do mérito.2. Remessa necessária improvida.” (Processo nº 00110513020104058100, REO516154/CE, Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano, 3ª T., J. 28.02.2013, Publicação: DJe 12.03.2013, p. 203)Dessa forma, entendeu o ilustre Relator que a sentença encontra­se em consonância com o Código de Processo Civil no tocante à ausência das condições de ação e seus efeitos.

1622 – despejo – inadimplência configurada – alegação de abusividade no aumento dos aluguéis

“Processual civil e civil. Ação de despejo. Inadimplência configurada. Alegação de abusi-vidade no aumento dos aluguéis. Arguição descabida. Cláusula de renúncia à indenização por benfeitorias. Sentença decretando o despejo mantida. I – Constatada a inadimplência do locatário e frustrada a tentativa de recebimento das parcelas devidas na via adminis-trativa, rescinde-se o contrato de locação, nos termos do art. 9º, III, da Lei nº 8.245/1991 e da cláusula décima primeira do contrato. II – Descabida justificativa feita com alega-ções de abusividade do valor dos aluguéis, devendo a locatária intentar as medidas ju-diciais próprias para a revisão dos locativos cobrados. III – Incabível a indenização por benfeitorias realizadas no imóvel, por haver cláusula convencionada de renúncia, cuja va-lidade encontra respaldo na Súmula nº 335 do STJ. IV – Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0010169-45.2009.4.03.6100/SP – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Peixoto Junior – DJe 03.07.2014)

1623 – direito de vizinhança – abuso do direito de propriedade – perturbação ao sossego – nível de ruído acima do tolerável

“Juizado Especial Cível. Direito civil. Vizinhança. Abuso do direito de propriedade. Pertur-bação ao sossego. Nível de ruído acima do tolerável. Sentença mantida. 1. O julgamento antecipado da lide não caracteriza cerceamento ao direito de defesa ou violação ao devido processo legal, se as questões apresentadas nos autos são unicamente de direito ou, sendo

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de direito e de fato, não houver necessidade de outras provas, nos termos preconizados no art. 330, inciso I, do CPC. 2. Sendo o juiz o destinatário da prova, cabe ao mesmo avaliar a necessidade de outros elementos para formar o seu livre convencimento. Encontrando-se seguro, não se justifica dilação probatória, mormente por ser a prolação da sentença, em tais casos, uma obrigação do julgador, à vista dos princípios da economia e celeridade proces-sual. No caso específico, as provas colacionadas aos autos são suficientes para comprovar que houve excesso no nível de ruído produzido na residência, o que dispensa a produção de prova pericial. 3. Pratica ato ilícito aquele que permite a utilização da propriedade resi-dencial para realizar festas de forma contumaz, ainda que não tenham finalidade comercial, com nível de ruído que extrapola o aceitável, prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos vizinhos (art. 1.277 do Código Civil). Abuso do direito de propriedade comprovado. 4. Não se mostra desproporcional ou desarrazoada a multa de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), por evento realizado, de natureza comercial ou não, que impeça a utilização das vias públi-cas de trânsito ou que gerem ruídos acima de 50 decibéis no período diurno ou 45 decibéis no período noturno. 5. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida pelos próprios fundamentos. Custas e honorários advocatícios, fixados em R$ 400,00, pelos recorrentes.” (TJDFT – Proc. 20130111886132 – (803209) – Rel. Juiz Leandro Borges de Figueiredo – DJe 18.07.2014)

1624 – direito de vizinhança – ação cominatória – uso ilegal e nocivo da propriedade

“Direito de vizinhança. Ação cominatória. Uso ilegal e nocivo da propriedade. Armazena-mento de resíduos sem licença ambiental. Indenização por danos morais. Prova in re ipsa. Quantum razoável e proporcionalmente fixado. 1. No caso concreto, a autora se desin-cumbiu do ônus probatório que lhe impõe o art. 333, I, do CPC, demonstrando via prova documental, fotográfica e oral que a empresa vizinha faz uso ilegal e nocivo da propriedade ao armazenar resíduos sem licença ambiental e cuidados necessários. Assim sendo, resta configurado o espezinhamento e agressão ao direito à moradia, saúde, isonomia e demais representações da autora, situação que desafia a atenção e proteção do Poder Judiciário, via indenização por dano moral. 2. Quantificação do dano moral que atende as especificidades do caso concreto. Apelação desprovida.” (TJRS – AC 70051266716 – 20ª C.Cív. – Rel. Des. Glênio José Wasserstein Hekman – J. 02.07.2014)

1625 – direito urbanístico – demolição de imóvel em processo de tombamento – inexistência de questão ambiental – competência recursal da câmara de direito Público – reco-nhecimento

“Ação civil pública. Demolição de imóvel. Processo de tombamento. Inexistência de questão ambiental. Competência recursal da 12ª Câmara da Seção de Direito Público comum por prevenção recurso não conhecido. Suscitação de conflito de competência. Tratando-se de ação civil pública que visa à imposição de cumprimento de obrigação de não fazer, consis-tente na abstenção de realizar qualquer intervenção em imóvel em processo de tombamento, falece competência a esta 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente para apreciar do tema, mas sim da 12ª Câmara da Seção de Direito Público do TJSP, em razão de prevenção. Susci-tação de Dúvida de Competência perante o col. Órgão Especial deste eg. Tribunal de Justiça, nos termos do art. 197 do Regimento Interno do Tribunal. Recurso não conhecido.” (TJSP – Ap 0005537-25.2010.8.26.0099 – Bragança Paulista – 2ª C.Res.MA – Rel. Paulo Ayrosa – DJe 16.01.2014 – p. 1128)

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1626 – direito urbanístico – expansão de loteamento – área de preservação permanente – prejuízos ao ecossistema – demolição – obrigatoriedade

“Ação civil pública. Meio ambiente. Expansão de loteamento. Área de preservação perma-nente/ecológica. Prejuízo ao ecossistema e aos padrões urbanísticos comprovados. Dever de demolição e recomposição da vegetação. Obrigação ambiental de natureza objetiva e propter rem. Responsabilidade civil em matéria ambiental disciplinada por regime jurídico próprio, caracteriza por ser solidária e imprescritível. Permanência das construções, com base no art. 61-A, § 12, da LF 12.651/2012. Questão a ser analisada na fase de cumprimen-to de sentença. Prejudiciais afastadas. Sentença mantida. Recurso desprovido, com obser-vação.” (TJSP – Ap 0007464-46.2010.8.26.0642 – Ubatuba – 1ª C.Res.MA – Rel. Moreira Viegas – DJe 07.04.2014 – p. 1294)

1627 – direito urbanístico – imóvel ampliado além do máximo legal de ocupação (50%), sem alvará – regularização – inocorrência – demolição – admissibilidade

“1. Direito administrativo e urbanístico. Imóvel ampliado além do máximo legal de ocupa-ção (50%), sem alvará. Ausência de tentativa de regularizar. Demolição. Poder de polícia. Lei Municipal nº 11.095/1994, de Curitiba. razoabilidade, proporcionalidade e função social que não afastam a incidência da norma. a) Para que os princípios constitucionais afastem a subsunção de regras, devem ser aplicados de modo técnico e fundamentado. Vale dizer, sua mera invocação, sozinha, não autoriza o Magistrado a atribuir-lhes qualquer significado e deixar de aplicar o direito positivado. b) Para aplicação da proporcionalidade, deve haver a ponderação entre necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. c) A razoabilidade impede a incidência de normas jurídicas que, na prática, produzam efeitos absurdos. Não é irrazoável nem absurdo a demolição parcial de imóvel que não respeite os regulamentos administrativos, pois o Código Civil expressamente prevê, de maneira isonô-mica, tal medida (art. 1.312). d) A função social da propriedade trata do condicionamento coletivo do direito individual. Assim, além da própria moradia da proprietária e sua família, cumpre a função social a propriedade que respeita o meio ambiente, a sustentabilidade, di-reitos de vizinhança, o escoamento das águas pluviais, etc., devendo ser adequadas aquelas que não o fazem. e) A supremacia do interesse público sobre o particular, fundamentada na promoção dos direitos constitucionais coletivos, aliada ao poder de polícia da Administração Pública, faz com que o Poder Público possa determinar aos particulares limitações ao direito de edificar. Na desobediência de tais regulamentos, é consectária a demolição da reforma irregular, construída sem alvará. 2. Apelação cível a que se dá provimento.” (TJPR – AC-RN 1138816-2 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Leonel Cunha – DJe 26.02.2014 – p. 65)

Comentário Editorial SÍNTESEO Município de Curitiba ajuizou ação cominatória em face de Angélica Skrutnik Ribeiro Portes, alegando que: a) a ré é proprietária do imóvel localizado na Rua Cascavel, nº 165, casa 13, Boqueirão, Curitiba, Matrícula nº 9.612 do Cartório da 7ª Circunscrição Imobiliária, Indicação Fiscal nº 84.271.013.012­5; b) foi realizada uma obra de ampliação em aproximadamente 126,14m², em alvenaria, com dois pavimentos; c) a ampliação possui as seguintes irregulari­dades: i) não possui alvará de construção; ii) as construções ocupam 80% da área do imóvel, quando o limite máximo permitido por lei é de 50%; iii) a edificação está construída sobre o recuo da rua interna; d) foi notificada da irregularidade e, após, foram lavrados autos de infração; e) a ré não se dispôs a regularizar a situação, dando ensejo ao ajuizamento da demanda; f) a Administração possui poder de polícia para regulamentar as normas a respeito das edificações que, se não forem cumpridas, podem levar à demolição do imóvel; g) assim, requereu fosse determinada a regularização da obra, com a demolição daquilo que estiver irregular.

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A ré contestou, alegando que: a) vem tentando de todas as formas regularizar seu imóvel junto ao Município de Curitiba, que indefere todos os seus pedidos; b) “as irregularidades apontadas pelo Município se referem a uma área de serviço ampliada pela requerida. Esta ampliação é de suma importância para a família, eis que o imóvel é pequeno e foi adaptado para que uma filha da proprietária fosse ali residir com ela para dar dois tipos de atendimento: primeiro para que possa cuidar da requerida, pois é viúva, aposentada e com quase 70 anos de idade; segundo porque a filha não tem onde morar e não pode pagar aluguel”; c) a construção não oferece risco a terceiros. Assim, requereu a improcedência da demanda.

A sentença julgou improcedente a pretensão do Município pelos seguintes fundamentos: a) de fato o Poder Público pode impor limitações ao direito de construir, inclusive podendo demolir imóveis que estiverem irregulares; b) o imóvel está irregular; c) apesar disso, há tentativas incessantes da ré em regularizar o imóvel; d) por razoabilidade e proporcionalidade as normas municipais devem ser mitigadas no caso concreto; e) pelo fim social, o interesse público não se sobrepõe ao particular.

O autor apelou, observando que: a) não houve impugnação específica dos fatos narrados na inicial; b) as razões de decidir são equivocadas; c) não houve tentativa de regularização da obra; d) “a aplicação do comando normativo não pode ficar ao alvedrio de situações particulares, por mais lamentáveis que sejam”; e) há risco presumido; f) a regra de ocupação serve para garantir a permeabilidade do solo; g) “o Magistrado simplesmente invoca os princípios para justificar o descumprimento da norma, em face de ter se sensibilizado com a situação da ré, o que, com o devido respeito, não pode ser tolerado”; h) “não se pretende a demolição integral do imóvel da ré, de modo a deixá­la sem ter onde morar; pretende­se tão somente que sejam demolidas as áreas construídas irregularmente”. Assim, requereu fosse reformada a sentença.

Segundo a sentença do ilustre Relator:

“Inicialmente, observe­se que, de fato, não é possível admitir­se como verdadeira a informação de que a apelada buscou regularizar sua construção perante a Administração municipal. O que se observa nos movimentos 8 e 12 (fls. 58/78), é de que a apelada sabia da condição irregular do seu imóvel e tentou apenas se justificar perante o Município – jamais demonstrou vontade de adequar­se às exigências urbanísticas. Inclusive, nota­se na página 69 que a apelada afirmou: ‘Venho recendo multas por não ter alvará de construção. Não tenho como pagar multas, pois sou viúva e aposentada. Peço por favor cancelamento da multa e solicito que seja arquivado o Processo de irregularidade da construção’. Portanto, é evidente que não se trata de tentativa de regularização, mas somente de explicar à Administração o porquê de estar inadimplente. Não há, nos autos, nenhum documento que demonstre tal tentativa.

Ademais, observe­se que ‘o agente fiscalizador, em 27.12.2011, constatou no lote a ampliação de aproximadamente 126,14m², em alvenaria, 2 pavimentos, uso residencial, sobre o recuo interno onde a área total está com 176,00m². Existe o alvará de construção nº 81.608­A refe­rente à construção de um conjunto habitacional com 2401,04m², onde a casa 13 foi aprovada com área de 49,86m² com certificado de vistoria e conclusão de obras. A construção não é regularizável perante a legislação vigente (Decreto nº 212/2007), visto que a taxa de ocupação está em aproximadamente 80% onde o máximo é 50% e a edificação está construída sobre o recuo interno que é de 3 metros para a rua interna’.

Ocorre, portanto, inegavelmente, que sempre foi notificada e autuada (fls. 12 e ss.), sem tomar qualquer atitude para adequar o imóvel às exigências decorrentes do poder de polícia municipal.

Assim, não é possível dar­se guarida ao argumento de que tentou regularizar o imóvel adminis­trativamente, uma vez que o que de fato ocorreu é justamente o contrário: mesmo diante das notificações e autuações, jamais buscou promover a adequação do bem.

Igualmente, no que tange à aplicação do direito, não há falar­se em proporcionalidade, razoa­bilidade e função social da propriedade que, apenas por sua simples invocação, afastem a inci­dência da norma de direito urbanístico. Vale dizer, é evidente que, em um sistema constitucional pós­positivista, determinados princípios podem ser invocados para afastar algumas regras do caso concreto. No entanto, são princípios dotados de alta carga valorativa e conceitos jurídicos indeterminados – o que, entretanto, não autoriza ao Magistrado dar­lhes qualquer interpretação que lhe pareça conveniente. Assim, afastar a incidência da norma legal é possível, mas, no caso, não se vê mínimos critérios técnicos na fundamentação.

Nesse aspecto, não se pode utilizar a razoabilidade e a proporcionalidade sem os preceitos específicos de sua aplicação. A proporcionalidade, por exemplo, é método de ponderação de

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princípios ou de princípios e regras, pelo qual há três etapas sucessivas de circunspecção: o plano da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito, que não foram avaliados. A razoabilidade, de mesmo modo, não é subterfúgio para ignorar o regramento jurídico, mas, sim, aplicá­lo de modo que não haja discrepâncias ou efeitos absurdos que decor­ram da aplicação mecânica da lei.”

No caso, a eventual demolição de parte irregular da propriedade não é, sem dúvida, um efeito absurdo – é, ao revés, perfeitamente adequado com o ordenamento jurídico, como estabelece o Código Civil:

“Seção VII do Direito de Construir

Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.

Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos.”

Continuando com o raciocínio do ilustre Relator:

“Irrazoável é a aplicação da lei que gere efeitos que não cumpram com a finalidade legal – o que não é o caso. Igualmente, não há que se falar que a propriedade não possui risco e que está cumprindo sua função social. É evidente que o imóvel cumpre com a funcionalização ao servir de moradia à apelada e sua filha, mas nem por isso deve desrespeitar as regras de direito urba­nístico, uma vez que a mesma função será atendida com um imóvel menor, reduzindo apenas o conforto. Ademais, as limitações urbanísticas são justamente o que previnem o risco e também fazem parte da função social da propriedade, uma vez que tal função não se observa unicamente através do direito individual de moradia, mas deve ser visto coletivamente, em conjunto com a sustentabilidade ambiental das cidades, zoneamento urbano e direitos de vizinhança.

Nesse tocante, como informa o Município, a ocupação de no máximo 50% da área do imóvel, e não de 80% (fato incontroverso nos autos), garante o escoamento da água pluvial, o que é essencial para o sistema hídrico, evitando alagamentos, enchentes e diversos outros problemas decorrentes da falta de irrigação do solo. Assim, justamente em decorrência da função social da propriedade – entendida no viés de que o imóvel não é um direito absoluto e sagrado da apelada, mas deve ser fruído apenas na medida em que não atrapalhe a coletividade – é que a adequação às regras de direito urbanístico se faz necessária.

Donde, igualmente, o risco resta suficientemente comprovado: ainda que não haja prova de risco direto, há, sempre, o risco indireto de manter a ocupação do solo urbano de modo irresponsável e não sustentável, o que não pode ser excetuado para atender aos interesses ou ao conforto de determinados cidadãos específicos.

Vale, portanto, a supremacia do interesse público sobre o particular, onde, no caso, o interesse público primário de restringir a construção a 50% da área do imóvel, decorrente da Lei municipal nº 11.095/2004, sobrepõe­se aos interesses, por mais dignos que sejam, da Apelante viúva em viver com sua filha, sem pagar aluguel, em um amplo espaço. Assim, ‘é justamente por esse motivo que não há qualquer incompatibilidade com o Estado Democrático de Direito e com o regime jurídico dos direitos fundamentais a ele inerente o atual reconhecimento da supremacia do interesse público como princípio jurídico. Pelo contrário: como assevera de forma contun­dente Luciano Parejo Alfonso, ‘a supremacia do interesse geral ou público sobre o interesse privado ou particular [...] deriva do Estado de Direito e, mais concretamente, da sujeição de todos os cidadãos à Constituição e ao ordenamento jurídico’’ (GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel Wunder. O suposto caráter autoritário da supremacia do interesse público e das origens do Direito Administrativo: uma crítica da crítica. In: DI PIETRO, Maia Sylvia Zanella (Coord.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 42).

Importante destacar que, no caso, não se está suprimindo direito algum, nem impossibilitando alguém de ter moradia, mas apenas adequando tal direito às limitações pré­existentes. A apelan­te não ficará sem habitação digna, nem sem a assistência de sua filha; apenas terão que demolir a parte irregular do imóvel, já que nunca poderiam tê­la construído, ante a total ausência de alvará para ampliação.

O que não é possível é o Poder Judiciário ratificar atos ilegais e que, concomitantemente, resva­lem em diversos princípios constitucionais de ordem coletiva.

Logo: i) a apelada, diferentemente dos demais moradores do conjunto habitacional, expandiu indevidamente sua casa, sem alvará; ii) alega, posteriormente, falta de recursos; iii) desres­

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192 �����������������������������������������������������������������������������RDI Nº 22 – Jul-Ago/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

peitou o recuo interno da rua; iv) ocupou 80% da área do imóvel, sendo que a Lei Municipal nº 11.095/2004 limita a ocupação a 50%, em respeito à função social da propriedade; v) não há como afastar a incidência da norma; vi) foi, por diversas vezes, notificada e autuada para que regularizasse a obra; vii) deve, assim, demolir a área edificada sem alvará, sem óbice, inclusive, do débito referente às autuações que incidiram ante o descumprimento da regularização.”

1628 – direito urbanístico – ocupação irregular de imóvel público – demolição – legalidade

“Agravo de instrumento. Suspensão. Ato administrativo. Demolição. Ocupação irregular de imóvel público. Direito de moradia. Ausência dos requisitos legais. 1. A concessão de limi-nar condiciona-se à presença simultânea dos requisitos consubstanciados na lesão grave e de difícil ou incerta reparação e relevante fundamentação, nos termos dos arts. 527, inciso III, e 558, ambos do Código de Processo Civil. 2. A permanência no imóvel decorre de mera tolerância do Poder Público, que exerce a posse indireta sobre seus imóveis de maneira permanente, como decorrência necessária de sua própria autoridade. A detenção possui natureza precária e não induz a posse. É cediço que as irregularidades fundiárias no Distrito Federal são decorrência de sucessivas e famigeradas cessões de direitos, que deram origem ao parcelamento ilegal de propriedade e porções de terra pública, como a que se apresenta nos autos, não tendo que se falar, portanto, em posse mansa e pacífica apta a legitimar a ocupação da propriedade. 3. O direito social de moradia (CF, art. 6º) não deve ser entendido de forma isolada na constituição vigente, mas em conjunto com outros valores constitucio-nalmente insculpidos, e de mesma hierarquia, especialmente no que diz respeito à ordem urbanística (CF, art. 182) e à tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), por envolver a ocupação irregular de terrenos públicos. 4. Administração Pública, por intermédio de sua entidade administrativa competente – Agefis – agiu conforme a legalidade ao determinar a demolição do imóvel construído em propriedade pública. Por se tratar do exercício do poder de polícia, externado por meio da prática de ato administrativo, este é dotado de propriedades jurídicas específicas a fim de conferir prerrogativas ao Poder Público para que este consiga atingir os seus desideratos. Cumpre salientar a configuração dos atributos concernentes a imperativida-de e autoexecutoriedade dos atos administrativos, amparados pelo código de edificações (Lei nº 2.015/1998). 5. Constam autos de infração lavrados pela Administração Pública, decor-rente de desobediência do auto de embargo e em virtude de descumprimento de intimação demolitória emitida. Assim, em virtude da recalcitrância do agravante em obedecer às ordens do Poder Público, deve-se dar guarida à atuação administrativa, inclusive, para se evitar o fomento de atividades ilícitas como as perpetradas pelo agravante, tão comuns no âmbito do distrito federal. 6. Agravo desprovido.” (TJDFT – AI 20130020263928 – (750227) – Relª Desª Ana Cantarino – DJe 21.01.2014 – p. 187)

1629 – direito urbanístico – projeto de mobilidade urbana – construção de viaduto – Parque do cocó – Epia – licenciamento e autorização em favor das obras – tutela antecipada – concessão

“Questão de ordem. Agravo de instrumento. Administrativo. Ambiental. Ação ordinária. An-tecipação dos efeitos da tutela. Projeto de mobilidade urbana. Construção de viaduto. Parque do Cocó/CE. Estudo prévio de impacto ambiental. Licenciamento e autorização de órgãos de proteção do meio ambiente em favor das obras. Autorização da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Verossimilhança do direito e perigo da demora presentes. Concessão subs-titutiva da tutela. Decisões da primeira instância supervenientes à tutela do órgão ad quem. Alegação de ‘impossibilidade momentânea de cumprimento integral’ da decisão do tribunal. Indício de insurgência. Irrelevância da reintegração liminar de posse. Ratificação da tutela antecipada deferida monocraticamente pelo colegiado fracionário. Reverência a decisórios

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em igual sentido, inclusive do Plenário deste Tribunal. Questão de ordem acolhida. Pedido de reconsideração do instituto ambiental viramundo denegado. 1. No Agravo de Instrumento nº 134.694-CE monocraticamente se determinou que a primeira instância tomasse todas as providências necessárias ao restabelecimento do status quo ante para o pleno andamento das obras relacionadas ao Parque do Cocó, dentro do prazo de 03 (três dias) em decisum proferido no dia 26 (vinte e seis) de setembro do corrente. 2. O Juiz Substituto, entretanto, ao invés de dar fiel e célere cumprimento a tal comando emanado deste e. Tribunal, houve por bem profe-rir duas novas decisões no dia 30 (trinta) de setembro na pretensão de inviabilizar totalmente, na prática, a eficácia da tutela de urgência, embora afirme que as obras poderiam continuar. Além disso, deixou consignado que o juiz titular designaria uma audiência de tentativa de conciliação entre as partes, após o retorno deste das férias. 3. O juiz de piso se serviu de um subterfúgio retórico para não dar o devido cumprimento à antecipação dos efeitos da tutela, criando mais um óbice à continuidade das obras em detrimento, ao fim de tudo, de três pro-nunciamentos já emanados deste eg. Tribunal: um monocrático do ilustre Desembargador Federal Edilson Nobre Júnior, na qualidade de Vice-Presidente da Corte, outra do Plenário a referendá-lo, em sede de agravo regimental em suspensão de segurança, e, agora, a decisão liminar do relator no bojo deste agravo de instrumento descumprida. 4. Primeiro, observe-se que ele foi cientificado da decisão proferida no agravo de instrumento no dia 26 (vinte e seis) de setembro via malote digital, no mesmo dia. No entanto, prolatou esses decisórios dias depois, no dia 30 (trinta), quando foi expressamente estabelecido o prazo de 03 (três) dias para o restabelecimento do status quo ante. Qual era esse status quo ante? Sem dúvida ne-nhuma, o da ocupação pelo Município de Fortaleza/CE, com o apoio da guarda municipal, para proteger o local das obras de engenharia e garantir a sua continuidade. Nesse ponto, atente-se que a invasão da área só ocorreu após a desocupação dela pela Guarda Municipal, por força de liminar deferida pelo Juiz titular da Vara em 08 (oito) de agosto. 5. Segundo, o próprio decisório de primeiro grau, o novel ora sob análise, expressamente reconhece ‘ter a SPU – Órgão da União – Autorizado a realização da obra pelo Município de Fortaleza, para os fins previstos no projeto Transfor,...’. A despeito disso, o Juiz Substituto desenvolve sua argumentação relativa à posse forçando uma conclusão ilógica e incompatível, de modo a inviabilizar a continuidade das obras. 6. Importa ressaltar que a União autorizou a realiza-ção delas no local e ela tem interesse inequívoco e hialino que assim o seja, inclusive para a Copa do Mundo 2014, de importância ímpar para o Governo Federal. Nessa óptica, essa insurgência da esfera de primeiro grau do Poder Judiciário apenas serve para retardar a im-plantação de um sistema eficaz de mobilidade urbana urgente. Por conseguinte, o periculum in mora, aliado à presença efetiva da verossimilhança do direito, não nos autoriza a criar empecilhos à execução incontinenti das complexas obras de engenharia civil. 7. Aliás, dian-te da autorização da Secretaria de Patrimônio da União – SPU, a reintegração de posse para a União não tem nenhuma relevância, em nada prejudicando o sentido e o alcance da antecipação dos efeitos da tutela. Ao revés, apenas a corrobora. Nessa moldura, há ne-cessidade de outra prova da insurgência do árbitro contra a decisão desta Corte Regional? 8. Reverenciando-se todas as decisões deste Tribunal a convergir em favor da urbe e por não se antever qualquer ‘impossibilidade momentânea’ para o seu imediato cumprimento, suscita-se a presente questão de ordem para ratificar a antecipação dos efeitos da tutela em favor do Município de Fortaleza/CE na Ação Civil Pública nº 000974096.2013.4.05.8100, a de determinar que a primeira instância adote, incontinenti, todas as medidas indispensáveis ao prosseguimento da obra em liça e ao restabelecimento pleno do status quo ante no terreno dela no Parque do Cocó – a saber, a ocupação da área pela Municipalidade, com a vigilân-cia da Guarda Municipal –, a contar do conhecimento do teor deste decisório via malote

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digital, requisitando para tanto o juiz de piso o apoio, se necessário, de órgãos de segurança ou policiais de nível federal, estadual e/ou municipal. 9. Expeça-se carta de ordem, com o teor deste decisum, para o Juiz a quo com a máxima urgência. Questão de ordem acolhida. Pedido de reconsideração do Instituto Ambiental Viramundo denegado.” (TRF 5ª R. – AgTR 0040490-34.2013.4.05.0000/01 – (134694/CE) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. José Maria de Oliveira Lucena – DJe 10.10.2013 – p. 139)

Comentário Editorial SÍNTESECuida­se de agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão de minha relatoria que deferiu pedido de suspensão de liminar formulado pelo Município de Fortaleza/CE, assegurando a continuidade das obras do Transfor na confluência das Avenidas Antonio Sales e Engenheiro Santana Junior.

Inconformado com o aludido decisum, o Ministério Público Federal argumentou que não se está diante de circunstância que autorize a suspensão da liminar, já que ausente grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Reconheceu, no recurso, a importância da obra para a municipalidade, mas ressaltou que, em casos como esse, deve­se atentar para a forma com que as intervenções no meio ambiente são conduzidas, obedecendo­se as normas do Direito Ambiental. Ainda sobre a questão, afirmou que o Plano de Controle Ambiental específico – PCA elaborado para a construção em tela não pode substituir o EIA/Rima, já que se trata de um procedimento bem menos rigoroso. Destacou, tam­bém, que o EIA/Rima realizado, por sua vez, além de ultrapassado, licenciou o projeto Transfor como um todo, sem levar em conta as especificidades de cada uma das obras inclusas.

Argumentou, outrossim, que o Ibama constatou uma supressão de área do Parque do Cocó superior a que havia sido, em tese, autorizada pela Seuma.

Ressaltou que, embora reconheça que tais questões devam ser apreciadas pelo Magistrado de primeiro grau, elas já demonstram que as irregularidades vêm ocorrendo. Por tal razão, susten­tou, não se discute o cumprimento de mero formalismo, mas busca­se uma forma de assegurar a diminuição dos efeitos do impacto ambiental decorrente da construção das obras no Parque do Cocó.

Defendeu, ademais, que, no caso de confronto entre dois interesses públicos, ou seja, o direito à mobilidade urbana e o direito ao meio ambiente equilibrado, deve­se aplicar o princípio da proporcionalidade, para que se analise qual deles deve preponderar. No caso, destaca, o direito ao meio ambiente saudável, em razão de sua importância e abrangência, deveria prevalecer.

Discorreu, ainda, sobre os princípios da prevenção, da precaução e colaciona julgados que, sob sua ótica, corroboram a tese por ele defendida.

Ao final, reiterou a inexistência de grave lesão advinda da suspensão das obras bem como a ausência de urgência, mormente em se considerando que o citado empreendimento está em estudo desde o ano de 2002.

Requereu, assim, a reforma do decisum que deferiu o pleito de suspensão em debate restauran­do­se os efeitos mencionados na decisão de primeiro grau.

Sobre a preliminar de competência, assim se manifestou o d. Relator:

“Inicialmente, cumpre registrar que, conquanto não tenha sido questionada a competência para julgamento deste recurso, tenho por bem tecer breves considerações acerca da matéria, a fim de afastar eventual alegação de incompetência deste Órgão Plenário.

Na verdade, como a ação originária do feito se trata de uma ação civil pública, poder­se­ia alegar que a competência para julgamento de agravo contra decisão proferida em suspensão de liminar seria da Turma, em razão do que dispõe o art. 12, § 1º, da Lei nº 7.347/1985.

Considero, todavia, não ser esse o melhor posicionamento a ser adotado, já que há vários outros aspectos que devem ser levados em consideração na hipótese e que conduzem a um entendi­mento diverso.

Com efeito, a Lei nº 8.437/1992, que trata das medidas cautelares contra atos do Poder Pú­blico, é expressa, em seu art. 4º, § 1º, ao prever a sua aplicação ao Mandado de Segurança e à ação civil pública. Esse mesmo diploma legal previu, ainda, no § 3º do art. 4º, a interposição de recurso de agravo contra o decisum que conceder ou negar a suspensão. Nesse ponto, penso que o legislador silenciou, propositadamente, acerca da competência para o seu julgamento, em

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razão do que dispõe o art. 96, I, a, da CF/1988 – que deixa a critério de cada um dos Tribunais, através de seus regimentos internos, a definição da competência de seus órgãos jurisdicionais e administrativos.Por sua vez, o Regimento Interno do TRF da 5ª Região, em seu art. 228, ao dispor sobre a sus­pensão de liminar, afirma que o recurso cabível contra decisão do Presidente é o ‘agravo interno’, cujo julgamento é de competência do Pleno, conforme expressamente reconhecido no art. 6º, b, do mencionado diploma infralegal.A própria doutrina, inclusive, já se debruçou sobre o tema, consoante se pode verificar em trecho da obra de Elton Venturi, in verbis:‘De fato, muito embora o art. 12, § 1º, da Lei nº 7.347/1985 refira o cabimento do agravo interno ‘para uma das turmas julgadoras’, adotando­se como parâmetro os regimentos internos do STF (art. 297) e do STJ (art. 271), o agravo deve ser dirigido ao juiz Presidente do Tribunal, o qual, se mantiver sua decisão originária, deve submeter o recurso ao plenário ou ao órgão especial para julgamento imediato.’Por fim, nunca é demais lembrar que este Órgão Plenário julgou, recentemente, um Agravo em Suspensão de Liminar (de nº 4275/SE) manejado contra a decisão proferida pelo então presidente desta Corte, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, em que o feito originário se tratava de uma ação civil pública.Não há, portanto, razões para se afastar a competência do Pleno deste Tribunal para o julgamen­to do agravo regimental, cujo mérito ora se passa a apreciar.”Quanto ao mérito, o entendimento do ilustre Relator foi:“A decisão com que o il. Vice­Presidente desta Corte, Desembargador Federal Edilson Nobre, no exercício da Presidência, deferiu a suspensão de liminar pleiteada no feito em referência encontra­se vazada nos seguintes termos:‘[...] Cumpre­me ressaltar, inicialmente, que a medida de que ora se trata, prevista nos arts. 15 da Lei nº 12.016/2009 e 4º da Lei nº 8.437/1992, está adstrita à análise da ocorrência de aspectos relacionados à potencialidade lesiva do ato decisório em face dos interesses públicos consagrados naqueles preceitos normativos, quais sejam, a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas. Confiram­se, porque oportuno, os regramentos contidos naqueles disposi­tivos legais:‘Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Minis­tério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.’‘Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recur­so, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.’Decerto, consoante se pode inferir, o legislador valeu­se do adjetivo ‘grave’ justamente como forma de evidenciar a excepcionalidade da medida suspensiva almejada, de modo que somente uma avaliação efetiva acerca da gravidade da lesão pode autorizar a concessão legítima da providência reclamada. Nesse sentido, elucidativo é o voto do ex­Ministro do STF, Sepúlveda Pertence, no julgamento do AgRg­SS 432/DF, DJU 12.02.1993:‘[...] é medida excepcional de contracautela, destinada à salvaguarda de relevantes interesses públicos sob risco iminente, na hipótese de execução, ainda que provisória, da ordem judicial. [...] O que a singulariza é, precisamente, que esses requisitos do periculum in mora, na sus­pensão de segurança, são qualificados. Não é qualquer risco que a justifica, não é qualquer possibilidade, não é, nem mesmo, a probabilidade de um risco qualquer: é apenas o risco de grave dano a interesses públicos relevantíssimos.’Com efeito, no exame desse instrumento extraordinário, o Judiciário deve agir com extrema cautela, pois, nos pedidos de suspensão, não há que se cogitar de lesão à ordem jurídica nem tampouco de exame de questões relativas ao próprio mérito da controvérsia, sabido serem estas matérias suscetíveis ao debate nas vias recursais ordinárias, instrumentos que ressabidamente permitem a verificação do acerto ou desacerto da decisão impugnada.

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Feitas, pois, estas considerações iniciais, volto à análise do pleito de suspensão em referência, ponderando desde logo vislumbrar os pressupostos que ensejariam sua concessão.Explico.A obra que está sendo construída e cuja execução foi obstada pela liminar proferida na ação civil pública faz parte do Programa de Transporte Urbano de Fortaleza – Transfor –, em estudo desde o ano de 2002, e que tem por objetivo primordial a melhoria do transporte público coletivo, através de um conjunto de ações e intervenções na malha viária da cidade.É consabido, ainda, que o trecho onde está sendo construído o viaduto – no cruzamento das ave­nidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior – é um dos grandes pontos de congestionamen­to diário em Fortaleza e que a mencionada obra irá interferir no ecossistema do Parque do Cocó.No decisum objeto da suspensão de liminar ora em análise, o douto magistrado singular con­siderou necessário o embargo da obra diante do potencial risco ambiental existente. Tenho, contudo, que as circunstâncias do caso indicam, em verdade, que a paralisação da construção causará maior prejuízo à ordem e à economia públicas, tanto por impossibilitar que a sociedade possa, com maior brevidade, usufruir de melhor trânsito na região, como por impor severos prejuízos a serem suportados com verbas públicas.Por outro lado, não vislumbro o grave dano ambiental a ser causado visto que, como houve a ela­boração de um EIA/Rima para o projeto Transfor – e quanto a isso não há controvérsia –, parece­­me, à primeira vista, desnecessário que uma obra que dele faz parte precise de um novo estudo específico, mormente quando o já existente foi devidamente aprovado pelo órgão competente.Ademais, para cada um dos grupos no qual se dividiu o projeto Transfor foi elaborado um Plano de Controle Ambiental específico, e para esta obra em si, diante da interferência que haveria no Parque do Cocó, foi inserida uma medida mitigadora, consistente na execução de um Plano de Manejo, exatamente para disciplinar o uso da área em consonância com a proteção de seus recursos ambientais.Foram, ainda, previstas outras medidas compensatórias da intervenção nas áreas ambientais diretamente afetadas pela obra, tais como replantio de pelo menos 03 (três) mudas de porte semi­adulto (1,80m a 2,50m) para cada planta sacrificada, conforme condicionante prevista na Autorização para o desmatamento, emitida pela Seuma – Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente – também anexada.Relevante ainda destacar que a Licença de Instalação da Obra foi deferida em novembro de 2006, conforme consta no anexo da inicial, e vem sendo continuamente renovada até os dias atuais.Da mesma forma, considero, a princípio, que a alteração realizada no projeto do viaduto não justifica, por si só, a necessidade de elaboração de um novo estudo de impacto ambiental, prin­cipalmente porque, ao que parece, a modificação inserida previu uma redução na área ambiental a ser afetada – que de 0,30ha, passou a ser de 0,16ha consoante documentação em anexo (p. 213 do PBA e p. 5.16 do PCA acostado pelo Ministério Público Federal – fls. 408).Cumpre salientar, outrossim, que o receio do dano ambiental foi respaldado em relatório que, a despeito de elaborado pelo Ibama, não pode ser tido como conclusivo, vez que, além de ter sido confeccionado após breve vistoria no local – iniciada às 16h05min e finda às 16h48min, conforme expresso no próprio documento – apenas cita uma área aproximada de desmatamento.Insta ressaltar, afinal, ser compreensível que a realização de uma obra de tal monta gere opiniões dissonantes entre os diversos grupos sociais. Todavia, não se pode perder de vista que, diante dos graves problemas enfrentados diariamente nas cidades brasileiras, cabe ao administrador público buscar soluções e escolher, dentre as possíveis, a que melhor atenda aos interesses da sociedade. Esse poder de escolha que compete ao administrador público é o que se denomina, no mundo jurídico, de ‘discricionariedade administrativa’.E é esse mesmo poder de escolha que, embora legitimamente exercido, enfrenta, muitas vezes, resistência de alguns setores da sociedade. Não menos legítimo, outrossim, é o direito daqueles que, por discordarem, buscam, agora, a paralisação da obra. O objetivo buscado, entretanto, não se legitima e, portanto, não deve ser atendido, quando a sua concretização é capaz de causar um dano ainda maior à sociedade do que aquele por eles defendido, como considero ocorrer no caso em deslinde.Desta feita, entendo que o receio de que o Poder Público cause dano ambiental irreparável ou exceda a área contida no projeto inicial – sem um dado específico quanto à sua ocorrência – não é suficiente para justificar a suspensão de uma empreitada cujo objetivo maior é melhorar

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a qualidade de vida da população que diariamente se vê obrigada a enfrentar uma verdadeira jornada em direção ao trabalho e em seu retorno para casa dentro dos coletivos e carros que tentam circular pela cidade.

Com essas considerações, Defiro o pedido de suspensão.

Comunique­se, com urgência, o inteiro teor deste decisum ao douto Juiz Federal prolator do ato judicial vergastado. [...]’

Adoto como razões de decidir os mesmos fundamentos expostos no ato judicial suso transcrito. É que os argumentos lançados pelo Ministério Público Federal em seu recurso não trazem qualquer elemento novo de convicção que justifique a mudança de orientação adotada por ocasião do exame da suspensão de liminar.

Além disso, importa observar que o douto Magistrado a quo adotou, ainda que em segunda decisão, raciocínio diverso ao que deveria empregar na espécie – que cuida de questão da suspensão inaudita altera pars. Concedeu a liminar, embora não a tenha denominado como tal, determinando que, depois, se ouvisse o Município, quando se recomenda que a tivesse ouvido antes de conceder qualquer medida judicial, tendo em vista o interesse público que ele encarna.”

Nesse sentido:

“CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL EM SUSPENSÃO DE LI­MINAR – COMPETÊNCIA DO PLENO – SOBRESTAMENTO DE OBRA – DESCABIMENTO – OCORRÊNCIA DE EFETIVA LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS – HIPÓTESE QUE JUSTIFICA A CONCESSÃO DA CONTRACAUTELA POLÍTICA – MANUTENÇÃO DA DECISÃO CONCESSIVA DO PLEITO DE SUSPENSÃO – IMPROVIMENTO DO RECURSO.

1. Ainda que a suspensão de liminar tenha sido deferida em ação civil pública, o agravo regimen­tal que a impugna deve ser dirigido ao Presidente da Corte, por ser da competência do Pleno des­te Tribunal. Inteligência do art. 12, § 1º, da Lei nº 7.347/1985, em cotejo com os Regimentos Internos do STF (art. 297), do STJ (art. 271) e desta Corte (art. 228). Precedentes desta Corte.

2. A decisão que determinou a suspensão da obra integrante do Programa de Transporte Urbano de Fortaleza –Transfor – traduz clara agressão à ordem e à economia públicas, tanto por impossi­bilitar que a sociedade possa, com maior brevidade, usufruir de melhor trânsito na região, como por impor severos prejuízos a serem suportados com verbas públicas.

3. O receio de que o Poder Público cause dano ambiental irreparável ou exceda a área contida no projeto inicial – sem um dado específico quanto à sua ocorrência – não é suficiente para justificar a suspensão de uma empreitada cujo objetivo maior é melhorar a qualidade de vida da população.

4. Suspensão mantida; agravo regimental improvido.”

Continuando com o raciocínio do Relator:

“Agora começo por apresentar a minha exegese quanto à celeuma, frisando o papel essencial­mente jurídico do agravo de instrumento, diferentemente do caráter tipicamente político das suspensões de liminares regidas pela Lei nº 8.437/1992.

No tangente à plausibilidade jurídica, o Município de Fortaleza/CE aponta relevantes óbices à suspensão das obras, ao demonstrar ter realmente se conduzido de maneira diligente, zelosa para buscar uma solução para o seriíssimo problema que se instaurou, todos sabemos, em todas as grandes cidades do Brasil, qual seja, a de ‘quase imobilidade urbana’, sem descurar do direito fundamental à proteção do meio ambiente, implementando medidas mitigadoras dos danos que qualquer obra urbanística ocasiona, em regra.

Primeiro, sobressai terem sido elaborados estudos quanto ao impacto ambiental do empreendi­mento em embate que findaram por autorizar a expedição de licenças ambientais pelos órgãos competentes em favor do Município de Fortaleza/CE. Cumpre reproduzir os seguintes excertos:

Financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Transfor tem entre suas principais ações a implantação de corredores expressos de ônibus (BRTs).

Tendo isso em vista, o agravante, ainda em 2002, iniciou a confecção de um EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) para as obras, o qual foi precedido, naturalmente, de audiência pública com ampla participação da sociedade.

[...]

Como não podia ser diferente, o estudo e o relatório previram uma série de medidas mitigadoras dos impactos ao meio ambiente. Tais medidas foram devidamente detalhadas em um Projeto Básico Ambiental (PBA), cuja íntegra se encontra em anexo a este agravo.

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[...]

Uma das obras a ser executada neste grupo refere­se à transposição em desnível (viaduto) no cruzamento das Avenidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Junior, historicamente considera­do o mais congestionado da cidade de Fortaleza. [...]

Como adentra em uma posição mínima de uma área verde da cidade de Fortaleza – o Parque do Cocó, que, até a presente data, não foi formalmente instituído como uma unidade de conser­vação –, uma das medidas mitigadoras da obra, prevista no PBA (p. 214) e reforçada pelo PCA inclui a execução de um Plano de Manejo do Cocó, plano este que já foi devidamente iniciado pelo Município de Fortaleza, conforme termo de referência acostado ao feito originário.

Deve­se também salientar, Excelência, que, inicialmente, a previsão da área no Parque do Cocó a ser afetada pelo projeto era de 3.000m2, conforme se depreende de uma leitura da p. 213 do Projeto Básico Ambiental.

Posteriormente, porém, através do Plano de Controle Ambiental definitivo, modificou­se o pro­jeto da obra para reduzir em quase metade a área afetada, que passou a ser de 1.625,75m2, ou aproximadamente 0,16ha, conforme se infere da p. 5.16 do documento apresentado pelo Ministério Público (fl. 408 dos autos originários).

Pois bem. Diante do atendimento das condicionantes previstas na Licença prévia – dentre elas a consecução do Plano de Manejo do Cocó – o órgão competente expediu a Licença de Instalação da Obra em novembro de 2006.

Tal licença foi sucessivamente renovada por duas ocasiões, vigendo atualmente até 8 de no­vembro de 2014.

[...]

Antes, porém, de iniciar as obras, o agravante adotou mais duas cautelas: em primeiro lu­gar, iniciou um procedimento administrativo junto à Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) que culminou com a expedição de uma autorização formal para o corte de 133 (cento e trinta e três) espécies vegetais – das quais apenas 94 estão situadas dentro do Parque do Cocó – localizadas na área da construção do aludido viaduto. [...]

Em segundo lugar, mesmo não existindo demarcação formal da área afetada pela Secretaria do Patrimônio da União – nem conste, no Plano Diretor de Fortaleza, ou mesmo na matrícula do terreno, que a área seja efetivamente terreno de marinha – o Município de Fortaleza, em resposta a ofício encaminhado pela SPU, também enviou a este órgão documentos solicitados para fins de autorização de intervenção nesta mínima parte do Parque, o que foi devidamente deferido conforme a Portaria nº 32/2013, em anexo.

Segundo, a acusação ministerial de um suposto desmatamento no Parque do Cocó superior ao autorizado pelos órgãos ambientais não se mostra provada de plano, exigindo uma análise mais aprofundada na fase probatória da ACP. De fato, o MPF apoia­se numa vistoria do Ibama reali­zada em apenas 40 minutos, com aferições imprecisas topograficamente falando: consta que o dano ambiental abrangeu uma área de ‘0,20ha aproximadamente’, quando a licença ambiental refere­se a 018ha, dimensões extremamente próximas a clamar um levantamento muito mais rigoroso. Ademais, durante a eficácia da primeira liminar deferida pelo Magistrado de primeiro grau, a área foi desocupada pelos guardas municipais e invadida por um contingente superior a 260 (duzentos e sessenta) cidadãos. Ora, a vistoria do Ibama se deu justamente nesse período de ocupação, fragilizando bastante a sua presunção de veracidade. Transcrevo registro do próprio analista da autarquia ambiental, fl. 13:

No dia da vistoria foi constatada a presença de aproximadamente 60 manifestantes acampados no local.

Além disso, houve uma manifestação contra a construção do viaduto, com a participação de aproximadamente 200 pessoas (fig. 1 a 4, Relatório Fotográfico).

Ressalte­se ainda, para não me delongar em demasia, que a urbe detém autorização para su­pressão de espécies vegetais e ela ventila que uma parcela do desmatamento abrangeu plantas invasoras sem direito a qualquer proteção ambiental.

Em suma, tudo isso deixa patente a imprescindibilidade da perícia judicial na ação civil pública, afastando tanto a verossimilhança do direito, quanto a fumaça do bom direito, a legitimar a concessão de tutelas de urgência para o MPF.

No tocante ao perigo da demora, além da iminência da Copa 2014, cumpre por em destaque a inquestionável importância da obra: o viaduto objetiva eliminar um dos principais pontos de

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estrangulamento viário de Fortaleza, por onde circulam diariamente cerca de 70 mil veículos, sendo 294 coletivos, a transportar cerca de 117 mil passageiros por dia, fl. 30. Deve­se atentar, ainda, para as inúmeras ambulâncias e carros de bombeiros a trafegarem diariamente com a no­bre missão de salvaguardar a vida ou segurança dos cidadãos, representando qualquer demora decorrente de engarrafamentos toda a diferença.

Somente este dado estatístico espanca qualquer dúvida quanto à urgência da implementação célere do Transfor para a vida cotidiana de todos os munícipes.

Por tais fundamentos, concedo antecipação dos efeitos da tutela em favor do Município de Fortaleza/CE na Ação Civil Pública nº 0009740­96.2013.4.05.8100, a de determinar que a primeira instância adote todas as medidas indispensáveis ao prosseguimento da obra em liça e ao restabelecimento pleno do status quo ante no terreno dela no Parque do Cocó – a saber, a ocupação da área pela Municipalidade, com a vigilância da Guarda Municipal –, isto devendo executar­se dentro do prazo de 03 (três) dias, a contar do conhecimento do teor deste decisório via malote digital, requisitando para tanto o juiz de piso o apoio, se necessário, de órgãos de segurança ou policiais de nível federal, estadual e/ou municipal.”

Por fim, dispôs o Relator:

“Esta Relatoria, em suma, determinou que a primeira instância tomasse todas as providências necessárias ao restabelecimento do status quo ante para o pleno andamento das obras relacio­nadas ao Parque do Cocó, dentro do prazo de 03 (três dias) em decisum proferido no dia 26 (vinte e seis) de setembro do corrente.

O juiz substituto, entretanto, ao invés de dar fiel e célere cumprimento a tal comando emanado deste eg. Tribunal, houve por bem proferir duas novas decisões no dia 30 (trinta) de setembro na pretensão de inviabilizar totalmente, na prática, a eficácia da tutela de urgência, embora afirme que as obras poderiam continuar. Além disso, numa evidentíssima insurgência contra o decisório liminar da Corte Regional, deixou consignado que o juiz titular designaria uma audiência de tentativa de conciliação entre as partes, após o retorno deste das férias.

Uma delas se deu na Ação de Reintegração de Posse c/c Oposição nº 0011052­10.2013. 4.05.8100, em que figura como autor o Município de Fortaleza.

A parte dispositiva traz o seguinte destaque:

Oficie­se, incontinenti, ao Eminente Desembargador Federal, Dr. José Maria Lucena, o Relator do Agravo nº 134694/CE, comunicando sua Excelência acerca da impossibilidade momentânea de cumprimento integral da decisão tomada naqueles autos (AgTR 134694/CE), em razão de se está reconhecendo a União – e não o Município ou o Estado – como legítima possuidora do pe­rímetro em discussão, deliberação que somente está sendo tomada agora no presente decisum, e que ainda não havia sido objeto de análise por este juízo monocrático.

Registre­se que o Município de Fortaleza encontra­se respaldado, por decisões do TRF da 5ª Região, para dar início/continuidade às obras de construção do viaduto no cruzamento das Av. Antônio Sales com Engº Santana Jr., porém sem que a posse lhe tenha sido assegurada no tocante à área objeto dos autos, por força da decisão em ação possessória (0011052­10.2013.4.05.8100), recém tomada por este juízo. Assim, caso entenda a municipalidade, poderá iniciar a execução do projeto, desde que não atinja o perímetro objeto da ação posses­sória conexa.

A outra ocorreu justamente no seio da ACP objeto deste agravo de instrumento.

Pois bem, ao meu sentir, o juiz de piso se serviu de um subterfúgio retórico para não dar o devido cumprimento à antecipação dos efeitos da tutela, criando mais um óbice à continuidade das obras em detrimento, alfim de tudo, de três pronunciamentos já emanados deste e. Tribu­nal: um monocrático do ilustre Desembargador Federal Edilson Nobre Júnior, na qualidade de Vice­Presidente da Corte, outra do Plenário a referendá­lo, em sede de agravo regimental em suspensão de segurança, e, agora, a decisão que figura no bojo deste agravo de instrumento.

Primeiro, observe­se que ele foi cientificado da decisão proferida no agravo de instrumento no dia 26 (vinte e seis) de setembro via malote digital, no mesmo dia. No entanto, prolatou esses decisórios dias depois, no dia 30 (trinta), quando foi expressamente estabelecido o prazo de 03 (três) dias para o restabelecimento do status quo ante. Qual era esse estado anterior? Sem dúvi­da nenhuma, o da ocupação pelo Município de Fortaleza/CE, com o apoio da guarda municipal, para proteger o local das obras de engenharia e garantir a sua continuidade. Nesse ponto, atente­­se que a invasão dela só ocorreu após a desocupação da área pela Guarda Municipal, por força de liminar deferida pelo Juiz titular da Vara em 08 (oito) de agosto. Transcrevo o dispositivo:

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Assim, defiro a liminar para suspender, até ulterior deliberação judicial, a ocupação, pelo Poder Público Municipal, da área do Parque do Cocó na confluência das Avenidas Antonio Sales e En­genheiro Santana Junior, para fins de realização da obra do Transfor, fixando em R$ 10.000,00 (dez mil reais) a multa diária para caso de transgressão do preceito (§§ 4º e 5º, art. 461, CPC), sem prejuízo de multa e das sanções penais cabíveis aos agentes públicos que de qualquer modo embaraçarem o cumprimento desta (parágrafo único, art. 14, CPC), considerando que, pelo menos à vista das últimas notícias veiculadas pela imprensa, houve ação do Poder Público para continuar a ocupação e desmatamento, sem aguardar qualquer solução judicial, embora o Município já estivesse notificado para prestar informações a juízo.

Eis aí o status quo ante, de propósito, ignorado pelo Juiz Substituto ao seu alvedrio.

Segundo, o próprio decisório de primeiro grau, o novel ora sob análise, expressamente reconhece ‘ter a SPU – órgão da União – autorizado a realização da obra pelo Município de Fortaleza, para os fins previstos no projeto Transfor, [...]’, fl. 1.372, v. 6. A despeito disso, o Juiz Substituto desenvolve sua argumentação relativa à posse forçando uma conclusão ilógica e incompatível, assim me parece, de modo a inviabilizar a continuidade das obras.

Realmente, importa ressaltar que a União autorizou a realização delas no local e ela tem interes­se inequívoco e hialino que assim o seja, inclusive para a Copa do Mundo 2014, de importância ímpar para o governo federal. Nessa óptica, essa insurgência da esfera de primeiro grau do Poder Judiciário apenas serve para retardar a implantação de um sistema eficaz de mobilidade urbana urgente, tendo em mente que faltam apenas 251 (duzentos e cinquenta e um) dias para o seu início. Por conseguinte, o periculum in mora, aliado à presença efetiva da verossimilhança do direito, não nos autoriza a criar empecilhos à execução incontinenti das complexas obras de engenharia civil.

Aliás, diante da autorização da Secretaria de Patrimônio da União – SPU, a reintegração de posse para a União não tem nenhuma relevância, em nada prejudicando o sentido e o alcance da antecipação dos efeitos da tutela. Ao revés, apenas a corrobora.

Nessa moldura, há necessidade de outra prova da insurgência do árbitro contra a decisão desta Corte Regional?

Em síntese, reverenciando todas as decisões deste Tribunal a convergir em favor da urbe e por não antever qualquer ‘impossibilidade momentânea’ para o seu imediato cumprimento, suscito a presente questão de ordem para ratificar a antecipação dos efeitos da tutela em favor do Muni­cípio de Fortaleza/CE na Ação Civil Pública nº 0009740­96.2013.4.05.8100, a de determinar que a primeira instância adote, incontinenti, todas as medidas indispensáveis ao prosseguimento da obra em liça e ao restabelecimento pleno do status quo ante no terreno dela no Parque do Cocó – a saber, a ocupação da área pela Municipalidade, com a vigilância da Guarda Municipal –, a contar do conhecimento do teor deste decisório via malote digital, requisitando para tanto o juiz de piso o apoio, se necessário, de órgãos de segurança ou policiais de nível federal, estadual e/ou municipal e supervisionando­os pessoalmente. Quanto ao pedido de reconsideração do Instituto Ambiental Viramundo, denego­o apoiado nos fundamentos já lançados e por considerar que várias das alegações exigem antes a oitiva de todas as partes envolvidas na lide, além do parecer do MPF de segunda instância.”

1630 – Empreendimento imobiliário – circulação com veículos pesados em via pública – ris-co de dano ambiental – reconhecimento

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Pleito de acesso à via pública com veículos pesados onde se realiza empreendimento imobiliário. Impossibilidade. Risco de dano ao meio ambiente por comodidade do empreendedor. Fato constatado por perícia. Ausência de dano irreparável. Recurso conhecido e desprovido. Pelo conjunto probatório constante dos autos evidencia-se que a permissão pelo Poder Judiciário para que a agravante circule com os veículos (pesados e de grande porte) que entender necessário para a execução de seu empreendimento, implicará dano ao meio ambiente, na medida em que, parte da mata nativa existente no final da via pública que se pretende utilizar teria de ser suprimida apenas por questão de comodidade do empreendedor, conforme constatado em sentença. O direito

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individual ou econômico do agravante não pode se sobrepor ao interesse da coletividade de ter o meio ambiente ecologicamente equilibrado.” (TJPR – AI 1141704-2 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Mateus de Lima – DJe 04.04.2014 – p. 173)

1631 – Execução – citação – efetiva – não localização de bens penhoráveis – extinção do processo

“Processual civil. Ação de execução. Citação. Efetiva. Não localização de bens penhoráveis. Extinção do processo. Ausência de pressuposto para o desenvolvimento válido e regular do processo. Art. 267, IV e VI, c/c art. 598 do CPC. Incabível. Portaria nº 73/2010 e Provimento nº 9/2010 do TJDFT. Inaplicáveis. Afronta ao art. 791 do CPC. Sentença cassada. 1. A não localização de bens penhoráveis não configura ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo apta a levar a extinção do feito, com base na Portaria Conjunta nº 73 e Provimento nº 09/2010 e arts. 267, IV e VI, e 598, ambos do CPC. Diante das particularidades do processo de execução, a medida cabível e a suspensão do processo. 2. Nos termos do art. 791, inciso III, do Código de Processo Civil, citado o devedor e não encontrados bens passíveis de penhora, a execução será suspensa e não extinta, não se aplicando as disposições de normas internas (Portaria Conjunta nº 73 e Provimento nº 9 desta eg. Corte de Justiça). 3. A Portaria Conjunta nº 73, de 6 de outubro de 2010, embora regule hipóteses passíveis de extinção, não pode ser aplicada em detrimento ao princípio constitucional do devido processo legal. A portaria citada, por ser autorização administrati-va, não substitui o mandamento processual. 4. A possibilidade jurídica corresponde à ine-xistência, na ordem jurídica, de proibição à formulação do pedido deduzido. O interesse de agir é verificado pela reunião de duas premissas: necessidade e adequação do provimento e do procedimento para a solução do litígio. A legitimidade ad causam pode ser conceituada como a qualidade processual de titular da ação controvertida. 5. In casu, verifica-se que a extinção não se amolda a nenhuma da hipótese legal (art. 267, IV e VI). 6. Apelação conhe-cida e provida. Sentença cassada.” (TJDFT – PC 20060110232236 – (801761) – Rel. Des. Alfeu Machado – DJe 14.07.2014)

1632 – Execução – título extrajudicial – garantia hipotecária

“Recurso especial. Processo civil e civil. Execução. Título extrajudicial. Garantia hipote-cária. Embargos da interveniente hipotecante, cônjuge do avalista. Nulidade da execução por ausência de citação e por inexistência de prova da entrega do numerário mutuado pelo banco exequente. Intimação da embargante na penhora do imóvel hipotecado. Ausência de prejuízo. Prova do cumprimento da obrigação do banco. Súmulas nºs 282, 283 e 356 do STF. Recurso desprovido. 1. A jurisprudência do Tribunal Superior é no sentido de que ‘o proprietário do imóvel hipotecado em garantia do pagamento da dívida deve ser citado da execução, ainda que não seja o devedor’ (REsp 286.172/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, 3ª Turma, DJ de 23.04.2001). Precedentes. 2. A embargante, esposa do segundo executado (avalista), que figura no contrato como interveniente hipotecante, embora não tenha sido citada para a execução, veio a ser intimada da penhora sobre a totalidade do imóvel dado em garantia, ocasião em que pôde apresentar e apresentou embargos do devedor. Na opor-tunidade, impugnou a execução como um todo, deduzindo matérias próprias de defesa do devedor (inclusive pedido de nulidade da execução), bem como matérias concernentes aos embargos de terceiro (defesa de sua meação). 3. Nesse contexto, não há falar em cerceamen-to do direito de defesa ou existência de algum prejuízo à interveniente hipotecante. 4. Por sua vez, o fundamento do v. aresto recorrido, de que o tema referente ao correto cumprimen-to da obrigação por parte do exequente já fora decidido quando do julgamento de anteriores

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embargos opostos pelos devedores principais, é suficiente para manter o decisório quanto ao ponto e não foi atacado neste recurso especial, o que atrai a incidência, por analogia, do disposto na Súmula nº 283 do Supremo Tribunal Federal. 5. Quanto ao mais, tem-se a ausência de prequestionamento dos artigos tidos por violados, na tentativa da recorrente de ressuscitar tema referente ao não cumprimento da obrigação por parte do Banco exequente, de repasse do numerário mutuado à executada-creditada. 6. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 705.834 – (2004/0167142-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 03.06.2014)

1633 – Hipoteca – medida cautelar de caução – título da dívida pública – substituição por bens – impossibilidade

“Apelação cível. Medida cautelar de caução. Título da dívida pública. Substituição por bens objeto de hipoteca. Impossibilidade. Recurso improvido. Sentença mantida. 1. Na execução de crédito hipotecário, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia, o que afasta a pos-sibilidade de medida cautelar de caução de títulos da dívida pública, como dação em paga-mento. 2. Tratando-se de execução de título executivo extrajudicial, garantido por hipoteca ofertada pelo próprio devedor, a substituição desta garantia por outra é ato de disposição do credor. 3. Não havendo concordância do credor, o Judiciário se vê impedido de impor-lhe o afastamento da garantia privilegiada ofertada pelo próprio devedor para, em seu lugar, tomar em penhora título da dívida pública. 4. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida.” (TJCE – Ap 0011048-19.2000.8.06.0064 – Rel. Francisco Bezerra Cavalcante – DJe 14.07.2014)

1634 – Hipoteca – obrigação de fazer – aquisição de imóvel – quitação – transferência – des-necessidade

“Agravo de instrumento. Obrigação de fazer. Aquisição de imóvel. Quitação. Transferência. Hipoteca constituída sobre o bem. Desnecessidade de oficiar o Cartório de Registro de Imó-veis. Ausência de perigo imediato de dano. 1. Não se autorizam medidas de exceção sem a presença de um perigo de dano imediato, incontornável, absoluto, sob pena de se impor pre-juízo desnecessário e sem justificativa de direito à outra parte. 2. A antecipação dos efeitos da tutela não pode ser deferida quando esgota o objeto da ação originária. 3. Agravo desprovido.” (TJDFT – AI 20130020159003 – (793771) – Rel. Des. Antoninho Lopes – DJe 05.06.2014)

1635 – imóvel em área urbana – tributação ambiental – iPtU exercício pleno de proprieda-de – impossibilidade – isenção – legislação regulamentadora – necessidade

“Apelação cível. Imóvel localizado em área urbana e encravado totalmente em área de pre-servação permanente. Impossibilidade do exercício pleno de propriedade. Isenção de IPTU. Ausência de legislação. Cobrança tributária legítima. Improvimento do recurso. 1. Tratando--se de imóvel inserido totalmente dentro de APP, localizado na zona urbana, inexiste possibi-lidade, à falta de regramento normativo, de isenção do tributo que recai sobre o bem, eis que não há legislação para tanto, ao contrário, o art. 32 do CTN trata do fato gerador do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana, bastando ter o domínio útil ou a posse e, ainda, estar localizado na zona urbana do Município. 2. Para que ocorra a isenção de determina-do tributo, deve esta ser prevista em lei, a teor do art. 176 do Código Tributário Nacional. 3. In casu, em que pese a área correspondente está em sua totalidade em Área de Preservação Permanente e não poder ser utilizada pelo proprietário (art. 3º, II, da Lei nº 12.651/2012), a cobrança do tributo – IPTU é legítima porquanto inexistente legislação que conceda ao ape-lante a isenção pretendida. 4. Recurso improvido.” (TJAC – Ap 0014342-29.2011.8.01.0001 – (733) – 2ª C.Cív. – Relª Desª Waldirene Cordeiro – DJe 02.04.2014 – p. 18)

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Transcrição Editorial SÍNTESE Código Tributário Nacional:“Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por na­tureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.[...]Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que espe­cifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.”

1636 – imóvel – meio ambiente – recuperação de área – demolição de residência – possibi-lidade

“Agravo de instrumento. Direito ambiental. ACP. Cumprimento de sentença. Demolição e recuperação da área. A medida deferida possui caráter irreversível e satisfativo, pois de-termina não só a demolição da residência existente no local, como também a retirada de estruturas físicas ainda existentes, recuperando a respectiva área.” (TRF 4ª R. – AI 0001123-30.2013.404.0000/SC – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Cândido Alfredo Silva Leal – DJe 02.04.2014 – p. 85)

Comentário Editorial SÍNTESETrata­se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto contra decisão exarada no cumprimento de sentença 2004.72.08.001001­5 – ACP movida pelo MPF contra o ora agravante, que construiu em área irregular. A decisão agravada possui a seguinte redação: À luz dos argumentos expostos pelo MPF às fls. 591/592, reintime­se o executado do despacho de fl. 584. A parte agravante sustentou que há execução extra petita, na medida em que a obrigação de fazer resultado da sentença da ACP, e em atual execução, já foi cumprida. Narra que o objeto da ACP era a demolição da residência e não se referia à ruela e muro de arrimo, benfeitorias ora guerreadas. Afirmou que essas estruturas já foram alvo de análise pelos órgãos competentes e estão atualmente arquivados. Alegou que não pode ser responsabilizado por situação criada antes de ser proprietário do bem.Foi proferida decisão indeferindo o efeito suspensivo.O MPF manifestou­se pelo desprovimento do recurso.Segundo o voto do Relator:“A decisão inicial, proferida por este relator, que indeferiu o efeito suspensivo, está assim fun­damentada:Para elucidar os fatos, necessários retrospecto dos atos processuais. A sentença condenou Aducci Correia a retirar e demolir a obra construída e elaborar plano de recuperação de área degradada (PRAD), fl. 294. Por maioria, a sentença foi mantida nesta Corte (fl. 357). O feito foi até o STF e a sentença não se alterou.O réu apresentou o PRAD (fls. 478/510). O MPF foi intimado, recusou o PRAD porque va­gamente se referia à remoção das edificações (fl. 517). Houve apresentação de outro Projeto (fls. 522/549). O MPF requereu vistoria do Ibama. Como resultado, o Instituto constatou a presença de muro de arrimo e ruelas na área considerada de preservação permanente (fl. 592), fotos correspondentes às fls. 559/566.Na fl. 584, o juiz determinou ao réu que readequasse o programa de recuperação para a retirada das referidas ruela e muro de arrimo. Em anterior manifestação, o réu afirma que há procedimento administrativo federal, onde o MPF e o Ibama acompanharam todo o projeto de recuperação da área, autorizando as obras ora atacadas. Repisa que a sentença em execução limita­se à demolição da casa existente (fl. 609).

Dada a palavra ao MPF, este explicou que [...] de fato, com a abertura da Rodovia Interpraias, houve um deslocamento de terra e pedras sobre o terreno do réu oriundos dos trabalhos de ter­raplanagem, o que levou o antigo proprietário a elaborar e implementar um projeto denominado de ‘projeto técnico de reurbanização da aguada’, tendo realizado alguns trabalhos de engenharia

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como construção de muro de arrimo, plantio de gramíneas próximo à encosta e canalização das águas oriundas da rodovia. [...]. Assim se vê que o muro de arrimo mencionado nos últimos pareceres do Ibama e do Ministério Público Federal não é o mesmo aludido no projeto do pro­prietário anterior. (fl. 612, verso).

Então, o juiz repisou a determinação de readequação do Projeto pelo réu (fl. 614), ensejando a presente insurgência.”

Para o Relator:

“Primeiro, a petição inicial da ACP aponta que a obra irregular seria uma residência ainda em fase de construção e descrita no procedimento administrativo em anexo (fls. 20/21). Todavia, o referido procedimento administrativo não está acostado aos autos. É ônus da parte agravante carrear aos autos toda a documentação útil a sustentar a sua tese. Não sendo possível delimitar especificamente qual o objeto a ser demolido, fica vago mencionar que há cumprimento de sentença extra petita.

Segundo, a sentença transitada em julgado é genérica sobre a condenação do agravante decor­rente de sua responsabilidade pela edificação em área de preservação permanente. A perfeita delimitação do cumprimento da sentença ocorre justamente na fase ora presente.

Terceiro, cumpre assinalar que sobre a insurgência contra procedimentos já analisados e refuga­dos, o MPF e o Ibama são muito claros em explicitar que são obras diferentes entre si.

Quarto, a remoção do muro e da ruela é parte do cumprimento da sentença, cujo objetivo final é a recuperação da área. O analista ambiental do Ibama afirma que a retirada integral do muro, das ruas e seus entulhos, que a plena recuperação desejada para a área deverá incluir também a remoção do muro de arrimo, bem como das ruelas de acesso a praia e a antiga edificação, para que ali também ocorra, com a aplicação das técnicas de recuperação ambiental, a regeneração do ambiente da Mata Atlântica.”Dessa forma, o Relator indeferiu o pedido de efeito suspensivo.

1637 – locação – execução de título judicial – legitimidade – empresa ocupante do imóvel estranha ao contrato – intervenção em ação de despejo – requisitos

“Recursos especiais. Execução de título judicial. Locação. Legitimidade. Empresa ocupante do imóvel estranha ao contrato. Intervenção em ação de despejo. Requisitos para desconside-ração da personalidade jurídica. Art. 535 do CPC. Violação na origem. Nulidade do acórdão integrativo. Necessidade de novo julgamento pelo Tribunal Estadual. 1. O Tribunal de origem não se pronunciou de forma expressa a respeito dos temas elencados nos embargos de de-claração, fato que caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC, razão pela qual deve ser anulado o acórdão proferido nos embargos de declaração para que sejam supridas as omissões apon-tadas. 2. Recursos especiais providos, anulando-se o acórdão dos embargos de declaração, para novo julgamento pelo Tribunal de origem.” (STJ – REsp 1.322.712 – (2011/0304868-0) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 27.06.2014)

1638 – locação – inviabilidade de uso do – arras confirmatórias – inaplicabilidade

“Apelação. Autor. Ônus de prova. Fatos constitutivos de seu direito. Locação. Inviabilidade de uso do imóvel. Recusa injusta de terceiro. Inimputabilidade do locador. Ausência de inadimplemento. Arras confirmatórias. Locação. Inaplicabilidade. Cumpre ao autor a com-provação dos fatos constitutivos do direito por ele invocado, sob pena de improcedência do pedido. A inviabilidade de uso do imóvel locado em decorrência de injusta recusa pela concessionária de energia elétrica ao fornecimento do produto caracteriza em fato alheio à vontade do locador, obstando a configuração de seu inadimplemento contratual. Prorrogado o contrato de locação por prazo indeterminado, é lícita a denúncia do contrato, sendo exi-gido do locador apenas a notificação extrajudicial do locatário para desocupar o imóvel no prazo legal. A mera apresentação de cheque não libera o devedor da obrigação assumida,

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ocorrendo tal apenas mediante o efetivo pagamento. As arras confirmatórias consistem em instituto jurídico inaplicável ao contrato de locação.” (TJMG – AC 1.0024.09.688806-0/001 – 9ª C.Cív. – Rel. Pedro Bernardes – DJe 10.06.2014)

1639 – moradia – políticas públicas – Programa “morar Bem” – cadastramento – requisitos não preenchidos – inscrição – indeferimento

“Direito administrativo. Cadastramento no Programa ‘Morar Bem’. Requisitos não observa-dos. Propriedade de imóvel no DF. Indeferimento da inscrição. I – Demonstrado que a autora já havia sido anteriormente contemplada com imóvel residencial, correto o indeferimento de sua nova inscrição no Programa Habitacional ‘Morar Bem’ instituído pelo Distrito Federal. II – Negou-se provimento ao recurso.” (TJDFT – Proc. 20120111908130 – (774266) – Rel. Des. José Divino de Oliveira – DJe 01.04.2014)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator, destacamos:

“[...] Compulsando os autos, vislumbra­se que não há qualquer irregularidade quanto ao ato que indeferiu o cadastro da autora no programa habitacional, uma vez que não foram preenchidos os requisitos estabelecidos na lei que dispõe sobre a política habitacional no âmbito do Distrito Federal (Lei nº 3.877/2006).

A autora descumpriu o disposto no art. 4º, inciso III, da Lei nº 3.877/2006 que enuncia estar impossibilitado de participar de programa habitacional, aquele que já foi proprietário/cessionário de imóvel residencial no Distrito Federal.

Consoante documento de fls. 51, a autora já fora beneficiada com imóvel, por intermédio de doação efetuada pelo Distrito Federal, situado no Recanto das Emas/DF, quadra 203, conjunto 18, lote 15, em 1994, inclusive, registrado na Matrícula nº 304406 do 3º Ofício de Registro de Imóveis.

O referido documento, que goza de fé pública, estampa ato consubstanciado na transferência de propriedade ou mesmo uma cessão de uso feita pelo Distrito Federal à autora, sendo que tal ato encontra respaldo na presunção da legitimidade e veracidade dos atos administrativos.

Assim, ficou demonstrado que a autora recebeu lote anteriormente por programa habitacional do Distrito Federal, descumprindo assim, as regras estabelecidas na Lei nº 3.877/2006, e motivando adequadamente o indeferimento da sua inscrição no referido programa estatal. [...]”

1640 – moradia – políticas públicas – Programa habitacional “morar Bem” – proprietário de imóvel residencial – habilitação – vedação

“Direito constitucional e administrativo. Programa habitacional ‘Morar Bem’. Habilitação. Proprietário anterior de imóvel residencial no Distrito Federal. Vedação legal. Art. 4º, III, da Lei Distrital nº 3.877/2006. Manutenção da decisão administrativa que indeferiu a inscrição. Respeito aos princípios da legalidade, isonomia e impessoalidade. I – De acordo com o art. 4º, inciso III, da Lei Distrital nº 3.877/2006, a participação em programa habitacional de inte-resse social pressupõe que o interessado não seja nem tenha sido proprietário, promitente comprador ou cessionário de imóvel residencial no Distrito Federal, salvo nas hipóteses excepcionadas no parágrafo único desse mesmo preceito legal. II – Não pode ser chance-lada judicialmente a habilitação do candidato que se desfez de imóvel residencial após a inscrição no programa habitacional. II – O direito à moradia não pode servir de escudo para contemplar pretensão desprovida de fundamento legal, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, da isonomia e da impessoalidade. IV – Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – AC 20130110178009 – (790674) – 4ª T.Cív. – Rel. Des. James Eduardo Oliveira – DJe 26.05.2014)

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Comentário Editorial SÍNTESEA apelação é oriunda de sentença que julgou improcedente o pedido da autora, qual seja, par­ticipação e habilitação no programa habitacional “Morar Bem”, pois a mesma já foi proprietária de um imóvel no Distrito Federal.Inconformada com a decisão, a autora interpôs o presente recurso contra a Companhia de De­senvolvimento Habitacional do Distrito Federal – CODHAB/DF alegando que é razoável e propor­cional que lhe seja possibilitada a participação e habilitação no referido programa habitacional, apesar de já ter tido imóvel no Distrito Federal.Sustentou que a interpretação das exceções previstas no parágrafo único do art. 4º da Lei Distri­tal nº 3.877/2006 deve ser adequada ao direito social à moradia, que se relaciona com a própria sobrevivência do indivíduo e consiste em um pressuposto para a dignidade humana.Enfatizou, ainda, que o indeferimento do pleito destoará da complexidade fundiária do Distrito Federal, uma vez que não é proprietária de nenhum imóvel residencial desde 1998.Com base nesses argumentos, almeja o provimento da apelação para que a sentença seja inte­gralmente reformada, determinando o recebimento dos documentos e a habilitação da apelante ao programa habitacional para aquisição de imóvel junto ao programa “Morar Bem”.Ao apresentar contrarrazões, a apelada afirmou que pelo fato de que a apelante foi proprietária de um imóvel no Distrito Federal, não pode ser habilitar junto com programa “Morar Bem”, con­forme vedação estabelecida no art. 4º, III, da Lei Distrital nº 3.877/2006, in verbis:“Art. 4º Para participar de programa habitacional de interesse social, o interessado deve atender aos seguintes requisitos:[...]III – não ser, nem ter sido proprietário, promitente comprador ou cessionário de imóvel residen­cial no Distrito Federal; [...]”Ressaltou que a apelante está inscrita no referido programa desde 1996 e em dezembro de 2012 foi convocada pelo Governo do Distrito Federal para apresentar documentação relativa aos requisitos para concessão de imóvel do Programa Habitacional de Interesse Social.A 4ª Turma Cível do TJDFT, ao analisar o recurso, entendeu que o direito social à moradia não pode prevalecer diante do dever de cumprir os requisitos legais para obter a habilitação no programa habitacional.Logo, afirmou que não subsiste amparo legal para determinar que a Administração Pública promova a habilitação da apelante no Programa Habitacional de Interesse Social “Morar Bem”.Do voto do Relator, destacamos o trecho a seguir:“[...] Mesmo já possuindo moradia, já que o referido imóvel residencial só foi objeto de compra e venda em 1998 (fl. 80), no ano de 1996 a recorrente se inscreveu no programa habitacional do Distrito Federal, malgrado a vedação contida no Decreto Distrital nº 29.072/2008.Uma vez evidenciado que a apelante não satisfazia um dos requisitos para habilitação no pro­grama habitacional, na medida em que foi proprietária de imóvel residencial no Distrito Federal do qual se desfez espontaneamente, cabia­lhe demonstrar a ocorrência de alguma das exceções previstas no parágrafo único da Lei Distrital nº 3.877/2006, o que, no entanto, não aconteceu.[...]Calha ressaltar que o direito social à moradia longe está de colocar a apelante a salvo de cumprir os requisitos legais para obter a habilitação no programa habitacional. O direito à moradia ins­culpido no art. 6º da Constituição Federal traz para os entes estatais o dever de implementação de políticas públicas destinadas à sua materialização, todavia não serve como escudo para amparar pretensões desprovidas de substrato legal, sob pena de ofensa aos princípios constitu­cionais da isonomia e da impessoalidade.[...]Nesse sentido, decidiu este Tribunal de Justiça:PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – ANTECIPAÇÃO DE TU­TELA – DEFERIDA CODHAB – CADASTRAMENTO NO PROGRAMA HABITACIONAL ‘MORAR BEM’ – REQUISITOS PARA PARTICIPAÇÃO NÃO OBSERVADOS – PROPRIEDADE DE IMÓVEL NO DF – DESATENDIMENTO DE EXIGÊNCIA LEGAL – LEI DISTRITAL Nº 3.877/2006, ART. 4º, INCISO III – ÓBICE CONFIGURADO – INDEFERIMENTO – SENTENÇA MANTIDA – 1. É legítimo o ato da Administração Pública que indefere a inscrição de candidato a Programa Habitacional do Distrito Federal que já tenha sido proprietário, promitente comprador, cessionário, concessio­nário ou usufrutuário de imóvel residencial no Distrito Federal (art. 4º, inciso III, da Lei nº 3.877,

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de 26 de junho de 2006). 2. Os critérios estabelecidos na legislação vigente visam assegurar a isonomia dos candidatos interessados em participar dos programas habitacionais do Distrito Fe­deral. 3. O princípio da confiança/segurança jurídica não serve a acobertar situações ilegais de­vendo obediência aos pilares constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade, dentre outros. (APC 2012.01.1148065­2, 1ª T., Rel. Des. Alfeu Machado, DJe 09.07.2013). [...]”

1641 – Parcelamento do solo – implantação de loteamento – supressão de floresta em está-gio de regeneração – autorização dos órgãos ambientais competentes – necessidade

“Administrativo. Ambiental. Legitimidade ativa. Nulidade de autos de infração e termo de embargo/interdição. Implantação de loteamento e supressão de floresta em estágio médio e avançado de regeneração em área de Mata Atlântica sem autorização dos órgãos ambien-tais competentes. 1. A primeira autora é parte ilegítima para pedir a anulação de autos de infração que aplicam multas à outra empresa, bem como de termo de embargo/interdição de atividade lavrado contra pessoa jurídica distinta. O fato de ser a proprietária da área e de pertencer ao mesmo grupo econômico da autuada não lhe confere legitimidade para pleitear em nome próprio direito alheio (art. 6º do CPC). 2. Considerando a proteção dispensada ao meio ambiente, uma vez constatada degradação ambiental decorrente da implantação de loteamento sem autorização do órgão competente, com a supressão de vegetação de Mata Atlântica em estágio médio e avançado de regeneração, irreparável a atuação do Ibama com a lavratura dos autos de infração. 3. Tendo em vista que o loteamento já havia sido integralmente implementado e a estrada já alargada quando da autuação, relativamente ao Termo de Embargo nº 043089, não é caso de perda superveniente de objeto, mas sim de procedência do pedido, uma vez que nada há a ser suspenso. 4. Extinção do feito sem reso-lução do mérito em relação à Tapera Agropecuária Ltda., forte o disposto no art. 267, VI, do CPC, e parcial provimento do recurso da Bauhaus Engenharia e Construções Ltda.” (TRF 2ª R. – AC 1999.51.06.552447-5 – 7ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho – DJe 14.02.2014 – p. 279)

1642 – Parcelamento do solo – loteamento – imóvel inserido em topo de morro – área de preservação permanente – conceito introduzido pela mP 2.166-67/2001 – obser-vância

“Meio ambiente. Ação civil pública. Guarujá. Loteamento península. Imóvel inserido em topo de morro. Área de preservação permanente. Conceito introduzido pela Medida Pro-visória nº 2.166-67/2001. Legalidade das construções erigidas anteriormente a esse mar-co temporal, não obstante seja devido o emprego de medidas de compensação ambien-tal. Improcedência do pedido. Sentença reformada. Recurso parcialmente provido.” (TJSP – Ap 0000022-74.2000.8.26.0223 – Guarujá – 1ª C.Res.MA – Rel. João Negrini Filho – DJe 13.03.2014 – p. 1184)

1643 – Parcelamento do solo – loteamento irregular – regularização – possibilidade

“Embargos de declaração. Ação civil pública. Loteamento irregular. Pretensão do autor em compelir o Município e as rés a promover a regularização do loteamento irregular, bem como o pagamento por prejuízos causados ao meio ambiente, à ordem urbanística e à espe-ra jurídica dos adquirentes dos lotes. Responsabilidade da municipalidade. Prazo razoável e cabimento de multa diária. Remoção das edificações existentes no imóvel loteado, caso não seja possível a regularização. Descabimento. Fracionamento dos lotes já consolidado há tempos, a remoção dos moradores dependeria da sua inclusão no polo passivo da ação. Sen-tença mantida. Recursos desprovidos. Embargos de declaração opostos pela rés apelantes,

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aduzindo ter o v. acórdão sido omisso. Inexistência, contudo, do propalado vício. Embargos, outrossim, que visam à concessão de efeitos infringentes ao presente recurso. Não preenchi-mento dos requisitos do art. 535 do Código de Processo Civil. Embargos rejeitados.” (TJSP – EDcl 0004294-12.2011.8.26.0099 – Bragança Paulista – 12ª CDPúb. – Rel. Wanderley José Federighi – DJe 16.04.2014 – p. 1618)

1644 – Parcelamento do solo – venda de lotes – suspensão – realização e aprovação de Eia-rima – necessidade – continuidade de empreendimento – possibilidade

“Meio ambiente. Agravo de instrumento em ação civil pública. Pedido de continuidade de empreendimento somente depois de realizado e aprovado o EIA-RIMA. Tutela antecipada concedida para impedir a continuidade do empreendimento e a venda de lotes até a solução definitiva da lide ou até a aprovação do EIA-RIMA. Órgão ambiental competente que en-tendeu ser dispensável o referido estudo. Tutela antecipada revogada.” (TJSP – AI 0118855-84.2013.8.26.0000 – São Carlos – 1ª C.Res.MA – Rel. João Negrini Filho – DJe 14.03.2014 – p. 1796)

1645 – Posse – ação de reintegração – arrendamento mercantil – comissão de permanência – juros remuneratórios, moratórios e multa contratual

“Direito processual civil. Civil. Consumidor. Ação de reintegração de posse. Arrendamento mercantil. Comissão de permanência. Ilegalidade da cumulação com juros remuneratórios, moratórios e multa contratual. Súmula nº 472 do STJ. Valor residual garantido (VRG). Ile-galidade não configurada. Devolução devida. Abatimento de despesas. Possibilidade. 1. É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da ilegalidade da cumulação da comissão de permanência com juros remuneratórios, moratórios e multa contratual, con-soante entendimento cristalizado no Enunciado nº 472 da súmula daquela Corte Superior. 2. Deve ser privilegiada a comissão de permanência prevista expressamente, afastando-se os demais encargos previstos (juros de mora e multa), posto que inacumuláveis. 3. É flagrante a ilegalidade de indexador flutuante de juros prevista para comissão de permanência, deven-do as disposições contratuais respectivas ser revisadas, a fim de se adequar ao disposto no Enunciado nº 294 da súmula do Superior Tribunal de Justiça, ao prever que a comissão de permanência ‘deva ser calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato’. 4. No caso de arrendamento mercantil, tem o arren-datário as opções de, após o vencimento do contrato, prorrogá-lo, adquirir o bem, pagando o valor residual garantido, ou, ainda, devolvê-lo ao arrendante. 5. Com o conhecimento prévio das obrigações assumidas pelo contratante, que pactuaram livremente a avença, com liberdade para escolher a modalidade de contratação ou a instituição financeira, figura-se regular a prestação exigida a título de VRG, como forma de garantir o ajuste de eventuais perdas e danos oriundos da obrigação mercantil contratada. 6. A devolução do valor resi-dual garantido somente deve ocorrer quando, uma vez consolidada a posse e propriedade do veículo em favor do arrendante, este providenciar sua alienação, apurando-se o saldo remanescente, pois deve ser efetuada a devida compensação com as prestações inadimplidas e demais despesas com a venda, conforme os termos do contrato. 7. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJDFT – Proc. 20130310075729 – (798926) – Rel. Des. Sebastião Coelho – DJe 14.07.2014)

1646 – Posse – ação de reintegração – interesses indígenas – sentença proferida por juízo estadual – execução

“Agravo regimental no conflito de competência. Ação de reintegração de posse envolvendo interesses indígenas. Sentença proferida por Juízo Estadual. Execução. Competência do Juízo

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Prolator. 1. Esta Corte firmou compreensão segundo a qual a competência para o processo e julgamento de eventual ação de execução é do Juízo que proferiu a sentença exequenda. 2. A regra prevista no art. 575, II, do Código de Processo Civil prevalece sobre a norma de competência absoluta em razão da matéria. Inaptidão do conflito de competência para impugnar a sentença transitada em julgado, ainda que proferida por juízo incompetente em face da ação de conhecimento. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-CC 132.063 – (2013/0422585-2) – 1ª S. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 01.07.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata­se de agravo regimental interposto pela Fundação Nacional do Índio – Funai contra decisão que reconheceu a competência do Juízo de Direito da Vara Cível de Salto do Jacuí/RS.Na decisão unipessoal impugnada, ficou assentado que, na linha do entendimento da Primeira Seção desta Corte, competem ao Juízo que decidiu a causa em primeiro grau o processo e o julgamento de eventual ação de execução.Ressaltou­se ainda que o trânsito em julgado de sentença proferida por Juízo incompetente não configura óbice para a aplicação da regra de competência para a execução.No presente agravo regimental, sustentou­se a competência da Justiça Federal de São Paulo para o deslinde da causa, ao fundamento de que: “[...] a sentença proferida pela Justiça Es­tadual na ação de reintegração de posse não tem o condão de produzir quaisquer efeitos, não havendo que se falar em título a embasar a execução, eis que prolatada em desacordo com regra constitucional prevista no art. 109, I”.O STJ negou provimento ao agravo regimental.O Relator afirmou que a irresignação não merece acolhida, já que a agravante não trouxe tese jurídica nova capaz de modificar o posicionamento anteriormente firmado, pois esta Corte firmou compreensão segundo a qual a competência para o processo e julgamento de eventual ação de execução é do Juízo que proferiu a sentença exequenda.Vejamos os ensinamentos de Vicente Grecco Filho:“Julgada procedente a justificação, isto é, suficientemente provada a situação de turbação ou esbulho, o juiz mandará imediatamente expedir mandado de manutenção ou reintegração. Essa decisão, de que cabe agravo de instrumento, não é um prejulgamento, mas um instrumento em cognição provisória de proteção do direito da posse. A liminar, portanto, tem mais natureza de antecipação de execução do que cautelar, mas guarda o caráter de provisoriedade, sujeita que fica ao exame mais profundo na cognição plena que se seguirá.A liminar pose ser revogada se o estado da causa justificar uma revisão da decisão anterior. Há necessidade, porém, de novos elementos para a alteração do entendimento do juiz. Se nada de novo foi produzido, não é a mudança de opinião (que pode ocorrer, p. ex., quando muda o magistrado) que pode autorizar a revogação da liminar que permaneceu sem recurso ou que foi confirmada pelo Tribunal, se houve agravo de instrumento.” (Direito processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1996. p. 224­225)Vale trazer as lições do jurista Carlos José Cordeiro:“A par das teorias ora examinadas, pode­se dizer que a legislação civil brasileira adotou, desde a promulgação do Código Civil, em 1916, uma posição híbrida com relação ao subjetivismo e ao objetivismo da posse, porquanto não houve absoluta fidelidade a este último, dado a algumas concessões à doutrina de Savigny.Deveras, afirma Washington de Barros Monteiro que ‘a teoria de Ihering foi acolhida pela lei civil pátria, que se tornou o 1º Código a consagrá­la, apesar de que em um ou outro lance revele ain­da persistência das ideias de Savigny, como acontece com o art. 493, ao prever a aquisição da posse pela apreensão da coisa, e com o art. 520, ao especificar desnecessariamente as diversas causas de perda da posse’.Em verdade, os Códigos Civis do final do século XIX e início do século XX, diante das ideias romanas sobre a posse esposadas por Savigny e da evolução de ideias embutidas na teoria de Ihering, passaram a adotar esta última, haja vista que, entre outros fatos, conferiam à posse, ao contrário dos seguidores da teoria subjetiva, os limites dos direitos reais.De fato, na análise do art. 485 do Código Civil, o qual define indiretamente a posse, percebe­se que o legislador pátrio, ao definir possuidor, concebe, independentemente da corporificação do

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animus domini para qualificá­lo, que a posse é o pleno exercício de fato dos poderes consti­tutivos do domínio ou somente de alguns deles, como no caso dos direitos reais sobre coisas alheias, hipótese que recebe a denominação de quase­posse, que vem desde os romanos. Logo, tradicionalmente, a posse propriamente dita só se refere à propriedade, sendo a quase­posse o exercício de outros direitos reais, desmembramentos do domínio, que deste se destacam e param em outras mãos, como as servidões, o usufruto, etc. O legislador nacional, na esteira da teoria objetiva, vê o possuidor como quem se apresenta e comporta­se como proprietário, mesmo que não o seja. Ademais, informa Caio Mário da Silva Pereira, ‘a posse em nosso direito positivo não exige, portanto, a intenção de dono e nem recla­ma o poder físico sobre a coisa. É a relação de fato entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a utilização econômica desta. É a exteriorização da conduta de quem procede como normalmente age o dono. É a visibilidade do domínio [...]’.Tem­se, assim, que a posse, para a concepção brasileira, consiste num fato visível para todo o mundo e de um estado de fato que não se traduz forçosamente por um poder de dominação, mas por uma maneira de agir correspondente aos hábitos dos proprietários, conforme, por con­sequência, aos usos da vida real, às práticas econômicas. Corroborando o dissertado, tem­se os arts. 487 e 497 do Código Civil, que, em complemento ao mencionado art. 485, especificam quem não é possuidor, alertando que aquele que se acha em relação de dependência para com outro (fâmulo da posse ou servidor da posse), ou pratica atos de mera permissão ou tolerância, encontra­se, por essa razão, afastado do elemento eco­nômico da posse, bem como usufruindo apenas de uma concessão benévola e revogável, o que não induz posse. Observa­se que, nos casos acima, o sujeito não exerce propriamente posse, mas sim mera detenção, inexistindo, pois, a possibilidade da utilização da proteção possessória, assim como da indicação da posse para o usucapião, por faltar, efetivamente, elemento essencial, ou seja, o animus domini.Em contraposição à total adoção da teoria objetiva pela legislação civil brasileira, veem­se res­quícios da teoria subjetiva no seu corpo de leis, uma vez que, além dos citados arts. 493 e 520, pela interpretação dos arts. 550 e 551 do Código Civil, que se referem, respectivamente, ao usucapião extraordinário e ordinário de imóveis, demonstra­se que o animus é fundamental para caracterizar a subsunção do caso concreto à lei. Os citados dispositivos legais trazem expressamente os dizeres ‘possuir como seu’, significando que a intenção de dono caracteriza­se como um elemento do requisito formal do usucapião, qual seja, posse ad usucapionem, não bastando, assim, um comportamento análogo ao do proprietá­rio, mas sim a intenção de exercer em nome próprio o direito de propriedade.Dessa forma, pode­se dizer que o Código Civil brasileiro, apesar de possuir uma posição híbrida no que diz respeito à adoção das teorias subjetiva e objetiva da posse, apresenta­se como a construção legislativa que mais se aproxima do pensamento de Ihering, haja vista que traz, na essência do art. 485, a base do instituto possessório, ou seja, a posse como aparência de direito, caracterizando­se como a exteriorização da conduta de quem age como dono.” (Posse: aborda­gem do instituto no direito civil brasileiro. Disponível em: online.sintese.com)

1647 – Promessa de compra e venda – arras – cláusula penal – incidência – restituição

“Civil. Rescisão de contrato. Ilegitimidade ativa parcial. Arras. Cláusula penal. Incidência. Restituição. Cumulação. Correção monetária. Juros de mora. 1. O estatuto processual não exige que o cônjuge do promitente comprador figure no polo ativo da ação com pedido de rescisão do contrato de promessa de venda e compra de imóvel. Inteligência do art. 10 do Código de Processo Civil. 2. Inadmissível a cumulação de duas sanções para a mesma hi-pótese, vale dizer, a restituição do valor pago a título de arras e a incidência de multa sobre a quantia a ser restituída ao promitente comprador, em caso de rescisão do contrato, sob pena de configurar bis in idem. 3. A atualização adotada para o pagamento das prestações tem natureza diversa da correção monetária, cuja finalidade é a de manter o poder aquisi-tivo da moeda. 4. O INPC corresponde ao índice utilizado pelas contadorias judiciais nas hipóteses de condenação em obrigação de pagar/restituir valores. 5. Sobre a restituição da quantia paga em face da rescisão do contrato, deve incidir juros de mora a contar da citação

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e correção monetária a partir do efetivo desembolso. Aplicação do art. 219 do Código de Processo Civil. 6. Negou-se provimento ao recurso da ré. Deu-se provimento ao apelo do autor.” (TJDFT – Proc. 20130111110132 – (802707) – Rel. Des. Getúlio de Moraes Oliveira – DJe 15.07.2014)

1648 – Promessa de compra e venda – devolução de valores pagos – arras confirmatórias – perda do sinal

“Promessa de compra e venda. Devolução de valores pagos decorrentes da resolução do contrato por culpa dos compradores. Arras confirmatórias. Negócio concretizado. Não cabi-mento da perda do sinal por não se tratar de arrependimento, mas de inadimplemento, que ensejou a resolução do contrato. Dever de indenizar pela ocupação do bem. Inteligência das Súmulas de nºs 1 a 3 do TJSP. Recurso provido.” (TJSP – Ap 0335894-52.2009.8.26.0000 – São Paulo – 1ª CDPriv. – Rel. Alcides Leopoldo e Silva Júnior – DJe 01.07.2014)

1649 – Protesto – alienação de bens – fundamentação concisa – nulidade – ausência – aver-bação no registro imobiliário

“Agravos regimentais no recurso em mandado de segurança. Protesto contra alienação de bens. Fundamentação concisa. Nulidade. Ausência. Averbação no registro imobiliário. Poder geral de cautela. 1. A jurisprudência desta Corte há muito se encontra pacificada no sentido de que inexiste nulidade do julgamento se a fundamentação, embora concisa, for suficiente para a solução da demanda. 2. O acórdão recorrido está em harmonia com a orientação desta Corte no sentido de que a averbação do protesto contra alienação de bens está inserida no poder geral de cautela do juiz, insculpido no art. 798 do Código de Processo Civil, que dá liberdade ao Magistrado para determinar quaisquer medidas que julgar adequadas a fim de evitar lesão às partes envolvidas. 3. Agravos regimentais não providos.” (STJ – AgRg-Rec.-MS 33.772 – (2011/0032319-4) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 30.05.2014)

1650 – registro público – ação de anulação – baixa de hipoteca e cancelamento da averbação

“Recurso especial. Civil. Registro público. Ação de anulação do ato de baixa de hipoteca e cancelamento da averbação da garantia real no registro imobiliário. Ausência de violação aos arts. 458, II, e 535 do CPC. Renúncia do credor hipotecário à garantia. Forma. Instrumen-to particular de renúncia. Validade (CC/1916, arts. 849, III, e 851; CC/2002, arts. 1.499, IV, e 1.500; Lei nº 6.015/1973, de registros públicos, art. 251). Reexame de documentos. Súmula nº 7/STJ. Recurso desprovido. 1. O Código Civil de 1916, nos arts. 849, III, e 851, aplicáveis à hipótese, correspondentes aos arts. 1.499, IV, e 1.500 do Código Civil de 2002, não faz exigência que leve ao entendimento de que a renúncia do credor à garantia da hipoteca, para ser válida, deva ser formalizada através de instrumento público ou de outra forma expressa-mente estabelecida. De igual modo, a Lei nº 6.015/1973, de Registros Públicos, em seu art. 251, I, não prescreve forma obrigatória. 2. No mais, a controvérsia dos autos foi efetivamente decidida, com a devida fundamentação e clareza, apreciada sob o enfoque que à eg. Corte de origem pareceu pertinente, tendo entendido o col. Tribunal a quo existente renúncia ex-pressa e válida, formalizada em negócio no qual houve a participação voluntária da autora ao emitir autorização para a baixa da hipoteca, não tendo a promovente logrado comprovar o dolo atribuído aos réus. Nesse contexto, a revisão das conclusões a que chegaram as ins-tâncias ordinárias demandaria o reexame do contexto fático-probatório, para além de uma mera revaloração das provas, o que encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. 3. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 665.651 – (2004/0081511-9) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 05.06.2014)

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1651 – registro público – transcrição de registro de nascimento ocorrido no exterior – juris-dição voluntária

“Recurso especial. Processual civil. Registro público. Transcrição de registro de nascimento ocorrido no exterior. Jurisdição voluntária. Procedência do pedido. Sentença. Remessa ne-cessária. Desprovimento. Ministério Público Federal. Recurso. Questionamento acerca do cabimento da remessa ex officio em causas referentes à opção de nacionalidade. Ausência de interesse recursal. Recurso não conhecido. 1. A questão posta no presente recurso espe-cial não está relacionada com a matéria de fundo do requerimento formulado na petição inicial. Transcrição do registro de nascimento ocorrido no exterior. O que questiona o re-curso especial, interposto pelo Ministério Público Federal na qualidade de custos legis é o cabimento do reexame necessário das sentenças referentes à nacionalidade, com ênfase na possível afirmação, constante do v. acórdão recorrido, de ocorrência de repristinação auto-mática de norma de há muito revogada. 2. Ausência de interesse recursal, pois inexistente utilidade prática no resultado do julgamento do recurso; mesmo com eventual provimento e consequente não conhecimento da remessa oficial, a questão de fundo decidida pela r. sentença permaneceria incólume, pois a remessa oficial foi desprovida, por maioria de votos, confirmando-se a sentença. 3. O interesse de recorrer é requisito intrínseco aos recursos, sen-do sua presença fundamental para a admissibilidade das súplicas. O provimento do recurso deve proporcionar ao recorrente benefícios do ponto de vista prático, e não apenas teórico e genérico, como se almeja no presente caso. 4. Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp 806.093 – (2005/0213750-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 30.05.2014)

1652 – SFH – apólice privada – ocorrência de litispendência e coisa julgada – inovação re-cursal

“Agravo regimental. Sistema financeiro da habitação. Apólice privada. Ocorrência de litis-pendência e coisa julgada. Inovação recursal. Ação ajuizada contra seguradora. Competên-cia. Justiça Estadual. Recurso especial. Cobertura securitária. Súmulas nºs 5 e 7/STJ. Denun-ciação da lide. Art. 70 do CPC. Hipótese não configurada. Decisão agravada manutenção. 1. ‘Nos feitos em que se discute a respeito de contrato de seguro privado, apólice de mercado, Ramo 68, adjeto a contrato de mútuo habitacional, por envolver discussão entre a segurado-ra e o mutuário, e não afetar o FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), não existe interesse da Caixa Econômica Federal a justificar a formação de litisconsórcio passivo necessário, sendo, portanto, da Justiça Estadual a competência para o seu julgamento’ (EDcl--REsp 1.091.363, Relatora a Ministra Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe de 28.11.2011). 2. A convicção a que chegou o acórdão quanto à cobertura securitária decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do especial à luz das Súmulas nºs 5 e 7 desta Corte. 3. Quanto à denunciação da lide, o acórdão recorrido não merece reparo, haja vista que a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que, não obstante a literalidade do art. 70 do CPC, a denunciação da lide só se torna obrigatória na hipótese de perda do direito de regresso, o que não se observa no caso em tela, onde tal direito permanece íntegro. Ademais, a denunciação da lide é instituto que objetiva a celeridade e a economia proces-sual que restariam prejudicadas se, no caso concreto, fosse deferida a denunciação por esta Corte. 4. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 481.545 – (2014/0044695-0) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 30.05.2014)

1653 – SFH – cdc – inovação recursal – honorários – sucumbência recíproca

“SFH. CDC. Inovação recursal. Honorários. Sucumbência recíproca. 1. Não há incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos regidos pelo SFH firmados antes de sua

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vigência (STJ, AgRg-REsp 930979/DF). 2. Não é admissível a inovação da tese dos autores em sede de apelação, por violação do art. 264 do CPC e do princípio da dialeticidade, além de implicar supressão de um grau de jurisdição. 3. Vitoriosos os autores somente quanto ao pedido de reajuste das prestações pelo PES/CP, sucumbindo em relação ao pedido de substituição da TR, resta configurada, conforme reconhecido na sentença, a sucumbência recíproca, de modo que se compensam as verbas honorárias, nos termos do art. 21 do CPC. 4. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 1996.51.01.009697-1 – (303075) – 7ª T.Esp. – Rel. Juiz Fed. Conv. Alexandre Libonati de Abreu – DJe 16.07.2014)

1654 – SFH – contrato com cobertura pelo FcVS – duplicidade de financiamento

“Processual civil e administrativo. SFH. Contrato com cobertura pelo FCVS. Duplicidade de financiamento. Entendimento firmado em recurso especial repetitivo. 1. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.133.769/RN, processado conforme a sistemática do art. 543-C do CPC, pacificou o entendimento de que é possível a quitação do resíduo do financiamento do segundo imóvel pelo FCVS nos casos em que os contratos de mútuo te-nham sido firmados até 05.12.1990, hipótese dos autos. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.232.452 – (2011/0012565-5) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 13.06.2014)

1655 – SFH – credor hipotecário – imóvel penhorado – débitos condominiais

“Administrativo. SFH. Embargos de terceiro. Credor hipotecário. Imóvel penhorado para pagamento de débitos condominiais. 1. A sentença, em embargos de terceiros ajuizados pela Caixa em face de Condomínio do Edifício Vivenda das Plantas, dos ex-mutuários e da arrematante Cipris Participações e Consultorias Ltda., acertadamente negou o cancelamento da penhora recaída sobre o imóvel situado à Rua Lopes Quintas 74, apto. 506, Jardim Botâ-nico, Rio de Janeiro/RJ, em ação de cobrança de cotas condominiais ajuizada pelo primeiro réu (condomínio) contra os ex-mutuários na 40ª Vara Cível do Rio de Janeiro. 2. A Caixa insiste que, a despeito da penhora, é credora hipotecária, detentora de crédito privilegiado, e quando realizada a hasta pública e venda a terceiro na Justiça Estadual, o imóvel já havia sido por ela adjudicado em execução extrajudicial. 3. A Caixa, regularmente cientificada em 18.10.2005 da penhora ordenada pelo Juízo da 40ª Vara Cível, adjudicou, em execução extrajudicial, o bem em 08.09.2006, mas não levou a registro no RGI. Todas as certidões de ônus reais anexadas aos autos trazem apenas a penhora ordenada pelo Juízo da 40ª Vara Cível como único registro após o título de compra e venda do imóvel com a hipoteca em favor da CEF. 4. Na esteira do entendimento do STJ, ‘o crédito oriundo de despesas condominiais em atraso prefere ao crédito hipotecário no produto de eventual arrematação’ (REsp 540025/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi 3ª Turma, DJ 30.06.2006, p. 214). 5. Não é possível anular a pe-nhora como quer a Caixa, cabendo salientar que o imóvel, em área nobre do Rio de Janeiro (Jardim Botânico), foi arrematado pela Cipris Participações por R$ 256.000,00, valor mais do que suficiente para pagar a dívida com o condomínio, de R$ 34.216,94, as despesas com o leiloeiro, de R$ 2.109,25, e o débito com a Caixa, de R$ 131.090,80. 6. Apelação despro-vida.” (TRF 2ª R. – AC 2007.51.01.025456-4 – 6ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Maria Alice Paim Lyard – DJe 05.06.2014)

1656 – SFH – revisão do contrato de mútuo – ação cautelar – exclusão do nome do devedor de cadastros restritivos – requisitos não demonstrados

“Civil e processual civil. Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Revisão do contrato de mú-tuo. Ação cautelar. Exclusão do nome do devedor de cadastros restritivos. Requisitos não de-

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monstrados. 1. Para o deferimento da medida cautelar, necessária a demonstração simultânea dos dois requisitos, quais sejam, o fumus boni iuris, consistente na plausibilidade do direito invocado, vale dizer, a probabilidade de êxito do autor na ação principal, e o periculum in mora, concernente ao perigo de ocorrência de lesão grave e de difícil reparação, antes do jul-gamento do processo principal. 2. A Segunda Seção do egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao examinar situações semelhantes à que ora se apresenta, já manifestou o entendimento de que o ajuizamento de ação revisional de contrato, por si só, não tem o condão de tornar o de-vedor imune à inscrição em cadastros negativos de crédito. Entendeu o STJ que, para impedir a inscrição do nome do devedor nos aludidos cadastros, é necessária a presença simultânea de três elementos: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; e c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado. 3. Na hipótese, o pleito do autor não se enqua-dra, de forma concomitante, nos requisitos fixados pela jurisprudência, tanto mais que fo-ram julgados improcedentes os pedidos constantes da ação principal (Processo nº 0031033-91.2001.4.01.3400/DF). 4. Sentença confirmada. 5. Apelação não provida.” (TRF 1ª R. – AC 2002.34.00.005372-1/DF – Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro – DJe 07.07.2014)

1657 – Usucapião – ação declaratória de nulidade – querela nullitatis – prova pericial

“Direito civil e processual civil. Ação declaratória de nulidade de sentença em processo de usucapião. Querela nullitatis. Prova pericial. Reexame de fatos e provas. Súmula nº 7/STJ. Incidência. Não provimento. 1. O Juízo de 1º Grau e o Tribunal de origem verificaram que as partes disputam o mesmo imóvel e que é necessária a citação de quem necessariamen-te deveria constar como réu naquele feito, por meio da análise dos dados e documentos constantes no laudo pericial. Dessa forma, a convicção a que chegou o acórdão acerca da necessidade de citação da ora recorrida no processo de usucapião, decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexa-me do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do especial à luz da Súmula nº 7 desta Corte. 2. Esta Corte entende que é perfeitamente cabível a nulidade de sentença por ausência de citação por meio de ação declaratória de nulidade. Precedentes. 3. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.438.426 – (2013/0334935-6) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 02.06.2014)

1658 – Usucapião – imóvel financiado com recursos do SFH e hipotecado à caixa – ocupa-ção por terceiro

“Processual civil. Embargos de declaração. Ação de usucapião. Imóvel financiado com re-cursos do SFH e hipotecado à Caixa. Ocupação por terceiro. Sem justo título. Manutenção da sentença que julgou improcedente a ação. Desnecessidade de prova testemunhal por tratar-se de questão puramente de direito. Acórdão que apreciou a matéria devolvida ao Tri-bunal, conforme os documentos colacionados aos autos. Inexistência de omissão e contradi-ção. Recurso interposto com a finalidade de rediscutir a matéria. Impossibilidade. Embargos de declaração desprovidos.” (TRF 5ª R.– AC 0003477-28.2011.4.05.8000/01 – (565649/AL) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães – DJe 17.07.2014)

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Seção Especial – Em Poucas Palavras

Relação entre Financiamento Imobiliário Obtido pela Incorporadora, a Hipoteca do Imóvel e o Seu Adquirente

MARCELO MANHÃES DE ALMEIDAAdvogado, Presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP, Vice-Presidente da Mesa de Debates de Direito Imobiliário, Membro do Conpresp e Professor da ESA-OAB-SP.

A maioria dos empreendimentos imobiliários conta com financiamen-to para a construção obtido pela incorporadora imobiliária junto a alguma instituição financeira. São recursos oriundos dos depósitos das cadernetas de poupança (SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e outras linhas específi-cas de financiamento (como, por exemplo, o Programa Minha Casa Minha Vida).

Nesses casos, os empreendedores imobiliários buscam os recursos junto às instituições de crédito que, após avaliarem o produto que se preten-de levar a efeito e o cadastro do empreendedor (incorporador imobiliário), contrata o financiamento dos recursos destinados para a construção e, na medida em que as obras são realizadas e devidamente medidas pela insti-tuição financeira, os recursos são liberados.

O valor liberado pela instituição financeira deverá ser quitado pelo incorporador imobiliário dentro do prazo ajustado no respectivo contrato (usualmente, seis meses após a conclusão das obras e respectiva averbação do “habite-se” junto ao registro de imóveis).

A título de garantia, a instituição financeira exige, entre outras, que o incorporador imobiliário hipoteque o imóvel sobre o qual está sendo levado a efeito o empreendimento para que, no caso de não pagamento do valor financiado, possa a instituição financeira, ao executar o valor vencido e não pago, levar o imóvel e suas acessões e benfeitorias a leilão e, assim, arreca-dar os recursos suficientes para quitar o seu crédito.

Ocorre que a inadimplência do incorporador imobiliário em face da instituição financeira chegou a provocar situações de clara injustiça, repa-rada pela edição da Súmula nº 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Vejamos de qual situação estamos tratando.

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Firmado o contrato de financiamento entre incorporador imobiliário e a instituição financeira, os recursos são devidamente liberados e a obra exe-cutada. Nesse período, o adquirente do imóvel inicia seus pagamentos e, ao final do prazo da construção, quita o saldo do preço. Ou seja, unidade con-cluída pela incorporadora e o preço devidamente quitado pelo adquirente.

Considerando que o imóvel havia sido dado em hipoteca a favor da instituição financeira, cabe ao incorporador quitar a quota parte do finan-ciamento relativo à unidade autônoma cujo preço foi quitado pelo seu ad-quirente, de modo a que possa obter da instituição financeira o respectivo termo de liberação da hipoteca e, assim, não pesar sobre a unidade qual-quer ônus ou gravame.

Supondo, entretanto, que a incorporadora não pague a sua dívida junto à instituição financeira, caberá à instituição financeira iniciar a exe-cução do seu crédito e, portanto, executar a hipoteca que garante a dívida vencida e não paga.

E, como sabemos, executar a hipoteca significa levar o imóvel hipo-tecado a leilão para que, com os recursos advindos dessa venda, seja liqui-dada a dívida objeto da execução.

Mas essa situação provoca um evidente cenário de injustiça ao ad-quirente que tenha quitado a sua unidade, pois estaria ele sujeito a perder o imóvel adquirido por conta de uma dívida que não é sua (comprador), mas sim do incorporador imobiliário.

Para que esta situação de evidente injustiça não mais atingisse vários adquirentes de imóveis, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula nº 308 que adiante transcrevemos: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração do contrato de com-pra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.

Nesse caso, mesmo que o incorporador imobiliário não cumpra com suas obrigações junto à instituição financeira, e ainda que o imóvel tenha sido dado em hipoteca a favor da instituição financeira, essa hipoteca é ineficaz em relação ao adquirente do imóvel, resguardando a este o direito de receber o imóvel, quando da sua quitação, livre e desembaraçado de quaisquer ônus.

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Clipping Jurídico

decretado bloqueio de bens de empresas que não entregaram imóvel a consu-midor

A juíza da 3ª Vara Cível de Mossoró determinou o bloqueio de bens suficientes para garantir o futuro ressarcimento do valor de R$ 15 mil para um consumidor que ad-quiriu um imóvel junto a empresas que não entregaram o imóvel e que ainda não o recebeu. Na ação judicial, o autor alegou ter adquirido junto às duas empresas em 6 de março de 2012, mediante contrato de compra e venda, um imóvel no lotea-mento Alto das Brisas no bairro Rincão, tendo sido exigido, no ato, o pagamento adiantado da importância de R$ 15 mil. Afirmou que o prazo da entrega do imóvel não foi cumprido, razão a qual o contratante resolveu realizar um distrato, sendo acordado entre as partes que o valor pago seria ressarcido em três parcelas de R$ 5 mil a partir do dia 25 de abril de 2013, a qual não foi quitada até a presente data. Salientou, ainda, que o representante da empresa, no momento em que o compra-dor exigiu a devolução integral dos valores pagos (obrigação do primeiro distrato), rasgou o contrato. Sendo necessário firmar um novo acordo para dividir os valores. Narrou também que tentou, de todas as formas, perceber seu dinheiro, não obtendo êxito, tendo em vista que não conseguiu contatar o representante da empresa nos endereços disponibilizados. Pediu o bloqueio de contas e bens dos réus no valor pago pelo imóvel e, assim, garantir a exequibilidade da sentença na fase oportuna. Ao analisar os autos, a Magistrada verificou que a verdadeira intenção da autora é obter uma medida cautelar de arresto, posto que se dirige com o objetivo de as-segurar posterior fase processual de cumprimento de sentença, caso venha a ser julgada procedente a ação. Neste sentido, entendeu que merece prosperar o pedido autoral, tendo em vista que os documentos anexados ao processo demonstram a existência de um contrato entre as partes e em seguida um distrato, existindo assim uma obriga ção a ser cumprida pela empresa, ou seja, ressarcir o autor na quantia de R$ 15 mil, fato esse que não ocorreu. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte)

Usucapião pode fundamentar anulação de negócio por erro essencial

A existência de usucapião a favor do comprador do imóvel pode fundamentar a an-ulação de negócio jurídico de compra e venda por erro essencial. O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao rejeitar recurso interposto contra de-cisão do TJRS, que entendeu que a usucapião, apesar de ainda não reconhecida em sentença, poderia anular o negócio por erro essencial do contratante. O erro essen-cial é aquele sem o qual o contratante não concluiria o negócio. No caso analisado pelo STJ, o comprador alegou que foi pressionado pela imobiliária a adquirir um imóvel em cuja posse já estava havia 16 anos, e que chegou a pagar 216 parcelas do contrato. Tanto o juízo singular quanto o tribunal local entenderam que o com-prador foi induzido a adquirir um bem que já lhe pertencia pelo decurso de prazo. O TJRS ainda reconheceu o direito à devolução das parcelas. O vendedor alegou em recurso ao STJ que as partes pactuaram livremente as condições do contrato e que não teria havido coação, pois o objetivo era apenas regularizar a situação do invasor do imóvel. As instâncias ordinárias entenderam que o comprador era pes-

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soa simples, que não tinha conhecimento de seu direito à declaração de domínio pela prescrição aquisitiva. A jurisprudência do STJ é no sentido de que o erro que motiva a anulação de negócio jurídico, além de essencial, deve ser perdoável em razão do desconhecimento natural das particularidades do negócio jurídico pelo homem mediano. Para ser desculpável, o erro deve ser de tal monta que qualquer pessoa de inteligência mediana o cometeria. No caso julgado, o relator considerou que não parece crível que uma pessoa faria negócio para adquirir uma propriedade que já é do seu domínio. “Parece ter havido também um induzimento malicioso com o propósito de obter uma declaração de vontade que não seria emitida se o declarante não tivesse sido ludibriado”, afirmou o ministro. O dolo que motiva a anulação do negócio jurídico é tanto o comissivo quanto o omissivo, disse Salomão, ao mencionar que o Código Civil de 1916, em seu art. 94, já estabelecia que “nos atos bilaterais o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou quali-dade que a outra parte haja ignorado constitui omissão dolosa”. O relator observou ainda que, “preenchidos os requisitos da usucapião, há, de forma automática, o di-reito à transferência do domínio, não sendo a sentença requisito formal à aquisição da propriedade”. Ele explicou que, decorrido o prazo previsto em lei, o possuidor passa a deter o domínio sobre o imóvel, e que a sentença no processo de usucapião é meramente declaratória, servindo como título para ser levado ao registro de imóveis. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

imóvel não pode ser penhorado até julgamento final de ação de usucapião

Os embargos de terceiro são apresentados por pessoas que, embora não sejam parte no processo de execução, possuem interesse jurídico na causa. No processo traba-lhista, em geral, o terceiro embargante tenta provar que o bem penhorado lhe per-tence e, alegando não ser ele o devedor, pede a anulação da penhora. No caso ana-lisado pela 1ª Turma do TRT-MG, a recorrente alegou que é possuidora do imóvel penhorado há 15 anos, tendo ajuizado ação de usucapião em face dos executados, perante a Justiça Comum. A parte sustentou que detém a posse legítima do imóvel, razão pela qual a penhora seria ilegal. No caso, os embargos de terceiro foram jul-gados improcedentes, por entender o juiz de 1º Grau que a posse do bem não teria ficado provada. Além disso, de acordo com a decisão, a ação de usucapião não constituiria prova de que a embargante, de fato, detinha a posse do imóvel na época da penhora. Mas, ao julgar o recurso, o Desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior chegou à conclusão diferente. Após analisar as provas, ele deu razão à recorrente. Em seu voto, o relator observou que a parte consta como depositária fiel do imóvel penhorado desde 29.06.2005. Ademais, constatou que o imóvel é, de fato, objeto de ação de usucapião, movida pela recorrente em face dos executados no processo principal, conforme documentos apresentados. A notícia existente é a de que o processo se encontra em trâmite no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sem comprovação de decisão transitada em julgado. Neste caso, segundo regis-trou o magistrado, não há como manter a penhora: “Proposta a ação de usucapião, cabe ao Juízo Comum julgar se a embargante exerce ou não a posse legítima do imóvel, sendo certo que, até o julgamento final da ação, o imóvel não se encontra

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livre e desembaraçado. Por esta razão, não pode recair sobre ele qualquer espécie de constrição”, destacou no voto. Por esses motivos, a Turma de julgadores deu provimento ao recurso, para determinar a desconstituição da penhora do imóvel em questão. Na decisão foi ressalvada a possibilidade de se proceder a nova penhora, caso a ação movida perante a Justiça Comum seja julgada improcedente. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais)

aluguel de imóvel de usufruto pode ser objeto de penhora

A Seção Especializada do TRT do Paraná confirmou decisão da Vara do Trabalho de Arapongas que determinou a penhora sobre o aluguel de um imóvel que havia sido doado, com reserva de usufruto vitalício, para a filha do devedor na ação. Em recurso, o devedor pediu a desconstituição da penhora argumentando que o imóvel não lhe pertence, pois havia sido doado em data anterior à execução. Ao examinar a matéria, o desembargador observou que de fato o imóvel foi objeto de escritura pública de doação intervivos em favor da filha do devedor, com reserva de usufruto vitalício aos doadores. Entretanto, disse o magistrado, no contrato de locação assi-nado constam como locadores e beneficiários o devedor e sua esposa e, de acordo com o art. 1.394 do Código Civil, os titulares do usufruto têm direito à posse, uso, administração e recebimento dos frutos do bem. Demonstrado que o contrato de locação foi firmado em nome do devedor, e inexistindo provas de que os aluguéis revertam em benefício de sua filha, os desembargadores da Seção Especializada entenderam que é possível a penhora destes valores. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná)

Bens adquiridos após separação de fato não integram a partilha

Os bens adquiridos após a separação de fato não devem ser divididos. A decisão foi unânime entre os ministros da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recurso especial interposto por uma mulher que buscava incluir na partilha do divórcio bens adquiridos pelo ex-marido após a separação de fato. Casados sob o regime de comunhão parcial de bens desde 1988, marido e esposa se separaram em 2000. Segundo a mulher, quatro meses depois ele adquiriu dois veículos e constituiu firma individual. Ela então moveu ação anulatória de ato ju-rídico, com pedido liminar de bloqueio de bens. Os pedidos foram julgados pro-cedentes em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça reformou a decisão. Segundo o acórdão, “o cônjuge casado, qualquer que seja o regime de comunhão – universal ou parcial –, separado de fato, pode adquirir bens, com esforço próprio, e formar novo patrimônio, o qual não se integra à comunhão, e sobre o qual o outro côn-juge não tem direito à meação”. O relator esclareceu que em casos de separações recentes, ainda que não mais vigendo a presunção legal de que o patrimônio resulta do esforço comum, é possível ao interessado demonstrar que os bens foram adquiri-dos com valores decorrentes desse esforço comum. No entanto, o ministro afirmou que não foi esse o caso dos autos. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

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Esposa consegue anular penhora de imóvel do marido em execução trabalhista

A 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho liberou da penhora um apartamento já arrematado em execução trabalhista. A Turma acolheu recurso interposto pela esposa do ex-sócio da empresa devedora. Embora ela não tivesse direito à metade do bem, o imóvel era o único bem da família e, segundo os ministros, a manutenção da penhora contrariaria o direito à moradia, protegido pela Constituição Federal, e a Lei nº 8.009/1990, que garante a impenhorabilidade. O imóvel, situado em Belo Horizonte (MG), é um apartamento herdado pelo ex-sócio da empresa avaliado em R$ 330 mil, e foi penhorado e arrematado por R$ 200 mil para pagar dívida trabal-hista no valor de R$ 8 mil. Ao ser informada pela Justiça sobre a arrematação, a côn-juge do proprietário, casada sob o regime de comunhão parcial de bens, interpôs embargos de terceiro para anular a penhora e, consequentemente, a arrematação. Ela alegou que não foi citada antes da arrematação e isto, por si só, anularia o processo, pois lhe retirou o direito de saldar a dívida da empresa do marido e, as-sim, não perder o único imóvel da família. Ela também contestou o valor ínfimo da dívida em relação ao valor do imóvel, e argumentou que, mesmo estando alugado, o apartamento seria impenhorável, pois com o valor recebido de aluguel a família custeia o aluguel do imóvel onde reside. Para comprovar que o imóvel seria o único bem de família, apresentou a declaração de imposto de renda do marido. A 35ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte negou o pedido por entender que a esposa não teria legitimidade para embargar a penhora e a arrematação do imóvel, pois não tem se-quer direito à meação do bem, recebido pelo cônjuge em herança. O caso, segundo a ministra, trata da proteção ao patrimônio mínimo e está relacionado aos princípios constitucionais da dignidade humana e do direito à moradia, “dos quais são titulares todos os integrantes do grupo familiar, ainda que não detentores de direito de pro-priedade sobre o bem”. Dessa forma, a esposa não tem direito à meação do apar-tamento por ter sido herdado pelo esposo, mas, mesmo assim “é destinatária direta da proteção do bem de família inscrita na Lei nº 8.009/1990”. A relatora destacou ainda que o fato de o imóvel estar locado não afasta a impenhorabilidade própria do bem de família. Ela citou a Súmula nº 486 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considera impenhorável “o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”. A decisão foi unânime. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Superior do Trabalho)

transferência, de boa-fé, de bens a terceiro não caracteriza fraude à execução

Os desembargadores da 9ª Turma do TRT da 2ª Região decidiram que a compra de bem imóvel por terceiro de boa-fé, não invalida a transação em relação a ele. Ao que consta do processo, o adquirente (terceiro de boa-fé) havia comprado um apar-tamento de 130m² no bairro de Perdizes (São Paulo) pelo valor de 55 mil dólares. Segundo as provas juntadas aos autos, o comprador tomou todas as precauções na transação, investigando a vida financeira da vendedora e adquirindo o bem por preço compatível com o de mercado. No caso, a vendedora é ex-mulher do sócio da executada, em uma empresa que já tinha tido outra transação invalidada pela

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Justiça do Trabalho. Com base nessa decisão anterior, o juízo de primeiro grau pre-sumiu haver fraude nessa segunda negociação. Contudo, a relatora, Juíza convocada Eliane Pedroso, entendeu que o negócio foi lícito e não poderia prejudicar o terceiro de boa-fé. A magistrada fundamentou a decisão nos seguintes termos: “Exige-se a concomitância de três elementos, para proclamação de fraude contra a execução, como se recorda, a saber: a litispendência – a existência de processo judicial em face do titular da propriedade –, a consequência de a operação levar o devedor à insolvência e a má-fé do terceiro adquirente. Neste último aspecto, assentou-se, há muito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a diretriz assumida pela Súmula nº 375: ‘o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente’”. Com base nessas argumentações, os magistrados da 9ª Turma decidiram pela nulidade da penhora sobre o imóvel e determinaram a liberação dele. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região)

direito real de habitação é concedido mesmo sem pedido de reconhecimento de união estável

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que reconhe-ceu o direito real de habitação a companheira em ação de manutenção de posse ajuizada antes mesmo do pedido expresso de reconhecimento de união estável. Após a morte do companheiro, uma mulher moveu ação com fundamento no di-reito real de ha bitação, pois recebera notificação para desocupar o imóvel onde morava com o falecido. O juízo de primeiro grau acolheu o pedido de manutenção de posse. Segundo o magistrado, a autora comprovou que ela e o companheiro mantiveram relação duradoura, contínua e com objetivos voltados para a constitui- ção de família, satisfazendo os requisitos previstos no art. 1.723 do Código Civil (CC). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença. Em seu en-tendimento, a posse da companheira é legítima e de boa-fé. O Ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, explicou que, nos termos do art. 1.784 do CC, com a abertura da sucessão hereditária, há transmissão automática e imediata de todas as relações patrimoniais aos herdeiros (droit de saisine), inclusive a posse e a propriedade do patrimônio pertencente ao falecido. Com base em entendimento pacificado no âmbito do STJ, ele disse que a companheira sobrevivente “tem direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do de cujus em que residia o casal, mesmo na vigência do atual Código Civil”. Segundo o ministro, esse entendi-mento assegura a máxima efetividade do direito à moradia do cônjuge ou com-panheiro sobrevivente, “garantindo-lhe um mínimo existencial e, de alguma forma, acabando por mitigar os poderes inerentes à propriedade do patrimônio herdado pelos sucessores”. Salomão mencionou precedente da 4ª Turma, segundo o qual a constituição do direito real de habitação do cônjuge sobrevivente emana exclusi-vamente da lei, “sendo certo que seu reconhecimento de forma alguma repercute na definição de propriedade dos bens partilhados. Seu reconhecimento não precisa necessariamente dar-se por ocasião da partilha dos bens deixados pelo de cujus” (REsp 1.125.901). “É por isso que a sentença apenas veio a declarar a união estável

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na motivação do decisório, sem repercussão na parte dispositiva e sem alcançar a coisa julgada, mantendo aberta eventual discussão no tocante ao reconhecimento da união estável e seus efeitos decorrentes”, ressaltou o relator. O ministro consid-erou que a posse da ex-companheira deve ser mantida, “uma vez que o direito real de habitação está sendo conferido exatamente para aquela pessoa que residia no imóvel, que realmente exercia poder de fato sobre a coisa, isto é, a proteção pos-sessória da companheira foi outorgada à luz do fato jurídico posse”. A decisão foi acompanhada por todos os ministros do colegiado. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 28�07�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• AExpressão“MaisouMenos”noRegistroImobiliário João Pedro Lamana Paiva Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• BemdeFamílianoNovoCódigoCivileoRegistrodeImóveis Ademar Fioranelli Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• CondomínioEdilício–ReduçãodaMultade20%para2% Fernando Henrique Guedes Zimmermann Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• OCondomínioEdilícionoCódigoCivilde2002 Carlos Alberto Bittar Filho Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• AEstatizaçãodosServiçosdeRegistrosdeImóveis Marcos Sousa e Silva Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto EspecialDOUTRINA

assunto

Boa-Fé – Negociações imoBiliárias

•O Princípio da Boa-Fé e os Negócios JurídicosImobiliários (Paulo Ricardo Silva de Moraes) .......19

•O Programa da Boa-Fé Objetiva e Sua Repercussão nos Contratos Imobiliários (Leonardo Mattietto) ..............................................................................9

autor

leoNarDo mattietto

•O Programa da Boa-Fé Objetiva e Sua Repercus-são nos Contratos Imobiliários ...............................9

paulo ricarDo silva De moraes

•O Princípio da Boa-Fé e os Negócios Jurídicos Imobiliários .........................................................19

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

assunto

sFH

•Habitacional – Sistema financeiro imobiliário – Purgação da mora – Data-limite – Assinatu-ra do auto de arrematação – Dispositivos le-gais analisados: arts. 26, § 1º, e 39, II, da Lei nº 9.514/1997; 34 do DL 70/1966; e 620 doCPC (STJ) ...................................................1578, 47

EMENTÁRIO

assunto

Boa-Fé – Negociações imoBiliárias

•Compra e venda – arras – retenção – erro subs-tancial – boa-fé e função social do contrato –violação .....................................................1579, 55

•Compra e venda – mútuo bancário – juros –princípio da boa-fé objetiva – observância .. 1580, 56

•Compra e venda – promitente vendedor – resci-são – inadimplemento – afronta ao princípio daboa-fé – arras – devolução em dobro .........1581, 56

•Compromisso de compra e venda – hipoteca – terceiro adquirente – boa-fé objetiva – aplicabi-lidade ........................................................1582, 57

•Contrato de mútuo – execução – boa-fé – não caracterização ...........................................1583, 58

•Contrato de mútuo – execução – boa-fé não ca-racterizada – tutela antecipada – indeferimento ..................................................................1584, 58

•Contrato – prestações de serviços educacionais – multa – percentual – boa-fé e função socialdo contrato – observância ..........................1585, 59

•Execução – banco – compra e venda – sucessão – princípio da boa-fé objetiva ....................1586, 59

• Seguro – roubo de valores em estabelecimento comercial – cláusulas abusivas – boa-fé e funçãosocial do contrato – indenização devida ...... 1587, 59

•Seguro de vida em grupo – doença preexistente – omissão – boa-fé não caracterizada – inde-nização indevida .......................................1588, 59

•Seguro-saúde – doença preexistente – boa-fé – bilateralidade .............................................1589, 60

• SFH – hipoteca – imóvel prometido à venda e qui-tado – princípio da boa-fé – negligência ....... 1590, 60

Índice Geral

DOUTRINA

assunto

compra e veNDa

•As Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhora-bilidade e Incomunicabilidade e o Compro-misso de Compra e Venda de Bem Imóvel (IvoWaisberg e Herbert Morgenstern Kugler) .............61

coNDomíNio

•A Boa-Fé Objetiva nas Relações Condominiais (André Luiz Junqueira) .........................................91

iptu

•A Progressividade do IPTU Pós-Constituição de 1988: Uma Breve Resenha da Doutrina e da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Marcio Felipe Lacombe da Cunha) .....................76

loteameNto

•Loteamentos Fechados, Condomínios de Fato e a Obrigatoriedade do Pagamento de Taxa Men-sal (Márcio Rachkorsky) .......................................97

autor

aNDré luiz JuNqueira

•A Boa-Fé Objetiva nas Relações Condominiais ............................................................................91

HerBert morgeNsterN Kugler e ivo WaisBerg

•As Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabi-lidade e Incomunicabilidade e o Compromissode Compra e Venda de Bem Imóvel ....................61

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RDI Nº 22 – Jul-Ago/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������225 ivo WaisBerg e HerBert morgeNsterN Kugler

•As Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabi-lidade e Incomunicabilidade e o Compromissode Compra e Venda de Bem Imóvel ....................61

marcio Felipe lacomBe Da cuNHa

•A Progressividade do IPTU Pós-Constituição de 1988: Uma Breve Resenha da Doutrina e daJurisprudência do Supremo Tribunal Federal .......76

márcio racHKorsKy

•Loteamentos Fechados, Condomínios de Fato e aObrigatoriedade do Pagamento de Taxa Mensal ...97

EM POUCAS PALAVRAS

assunto

FiNaNciameNto

•Relação entre Financiamento Imobiliário Ob-tido pela Incorporadora, a Hipoteca do Imó-vel e o Seu Adquirente (Marcelo Manhães deAlmeida) ............................................................215

autor

marcelo maNHães De almeiDa

•Relação entre Financiamento Imobiliário Obti-do pela Incorporadora, a Hipoteca do Imóvel e o Seu Adquirente ...............................................215

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

ação De NuNciação De oBra Nova

•Ação de nunciação de obra nova – Liminar inde-ferida – Escavação no terreno vizinho concluída – Continuidade da obra incapaz de representar risco de novos danos ou maiores prejuízos – Medida liminar que não pode servir como forma de punição ou coerção à reparação dos danos já causados – Inexistência de nexo de causali-dade – Recurso não provido (TJPR) ..........1597, 152

compra e veNDa

•Direito civil e processual civil – Anulação de negócio jurídico – Compra e venda de imóvel – Existência de usucapião em favor do adquirente – Ocorrência de erro essencial – Induzimento malicioso – Dolo configurado – Anulação do negócio jurídico (STJ) ...............................1591, 100

coNDomíNio

•Administrativo – Inscrição no CNPJ – Condomí-nio pro indiviso – Não configuração – Exigência de estatuto registrado no RCPJ – Irregularida-de não sanada – Inocorrência de decadência (TRF 2ª R.) ...............................................1593, 124

corretagem

•Agravo regimental no recurso especial – Ação ordinária de cobrança decorrente de contrato de corretagem por compra e venda de ativos de empresas – Decisão monocrática que negou seguimento ao apelo extremo – Insurgência dosautores (STJ) .............................................1592, 114

DespeJo

•Agravo interno no agravo de instrumento – Ação de rescisão de contrato c/c despejo de imóvel rural por infração contratual, cobrança de arrendamento, reintegração na posse de bens móveis e indenização por danos materiais – Pe-dido liminar – Análise postergada para após a contestação – Ato judicial sem cunho decisó-rio – Não demonstração de fatos novos – De-cisão mantida (TJGO) ..............................1595, 139

Doação

•Apelação cível – Ação anulatória de registro pú-blico – Condôminos – Doação nula – Escritura de divisão e demarcação – Reconvenção – Coi-sa julgada – Análise de mérito – Extinção nos termos do art. 269, I do CPC – Sentença refor-mada – Negado provimento a apelação (TJMG) ................................................................1596, 145

locação

•Civil – Locação de imóvel comercial – Ação de despejo – Denúncia vazia – Notificação para a desocupação regular – Pedido de indeniza- ção por suposta desvalorização do fundo de co-mércio – Improcedência (TJDFT) .............1594, 132

loteameNto

•Tributário – Embargos à execução fiscal – IPTU – Desmembramento de terreno para loteamento urbano – Isenção fiscal parcial – Art. 63, § 8º do Código Tributário do Município do Rio de Janei-ro – Ausência de vício de iniciativa – Precedente do STF – Prova pericial requerida e não apre-ciada – Cerceamento de defesa – Nulidade dasentença – Provimento do recurso (TJRJ) ... 1598, 156

parcelameNto Do solo

•Apelação cível – Ação civil pública – Alega-da construção sobre área de preservação per-manente – Evidência, porém, de respeito aos limites da lei de parcelamento do solo urbano (nº 6.766/1979) e do plano diretor munici-pal (LCM 2.147/2004) – Aplicabilidade des-tes éditos e não do Código Florestal [quer o anterior (Lei nº 4.771/1965), quer o atual (Lei nº 12.651/1912)] – Região antropizada – Pre-cedentes da Corte – Sentença mantida – Re-curso desprovido (TJSC) ...........................1600, 164

posse

•Agravo de instrumento – Posse – Bens imó-veis – Direito civil – Ação de reintegração de

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226 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 22 – Jul-Ago/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

posse – Invasão de parte de terreno limítrofe – Reintegração – Fatos constitutivos – Ônus daprova (TJRS) .............................................1599, 159

registro De imóveis

•Registro de imóveis – Dúvida – Registro de con-trato de locação de bem imóvel – Inexistência de cláusula de vigência – Inadmissibilidade – Art. 167, I, 3, da Lei nº 6.015/1973 – Eventual possibilidade de averbação, a fim de assegurar o direito de preferência da locatária, nos termos do art. 167, II, 16, da Lei nº 6.015/1973 – Ne-cessidade, entretanto, de prévio cancelamen-to do registro de anterior contrato de locação constante da matrícula do imóvel – Elementos suficientes à autorizá-lo, o que, contudo, de-verá ser providenciado em requerimento autô-nomo ao registrador e não nestes autos – Re-curso não provido (TJSP) ..........................1601, 171

EMENTÁRIO

ação De coBraNça

•Ação de cobrança – corretagem – concretização da compra e venda do imóvel – intermedia-ção – prova insuficiente ..........................1602, 176

•Ação de cobrança – taxa condominial – prescri-ção quinquenal ........................................1603, 176

ação De rescisão

•Ação de rescisão – ação de cobrança e reinte-gração de posse – contrato de parceria agrícola – cumprimento de obrigação – entrega de sacas – objeto de arresto – honorários de advogado ................................................................1604, 176

ação moNitória

•Ação monitória – embargos do devedor – ins-trumento particular de compra e venda ...1605, 176

ação pauliaNa

•Ação pauliana – cerceamento de defesa – ino-corrência .................................................1606, 177

ação reNovatória

•Ação renovatória – despejo – ausência de inti-mação pessoal da locatária – prazo de 30 (trin- ta) dias a fim de desocupar o imóvel – nulidade ................................................................1607, 177

Bem púBlico

•Bem público – doação – ilegalidade ........1608, 177

•Bem público – reintegração de posse – imóvel funcional – permissionário – exoneração – direi-to de ocupação – ausência .....................1609, 178

compromisso De compra e veNDa

•Compromisso de compra e venda – imóvel – arras– retenção ................................................1610, 178

•Compromisso de compra e venda – imóvel ru-ral – manutenção do contrato pela aplicação da teoria do adimplemento substancial – boa-féobjetiva ...................................................1611, 179

coNDomíNio

•Condomínio – ação de alienação judicial deimóvel – extinção ....................................1612, 179

•Condomínio – cotas – execução – embargos de terceiro – constrição do bem – impossibilidade ................................................................1613, 179

•– Condomínio – débito – natureza – legitimidadepassiva .....................................................1614, 180

coNtrato De FiNaNciameNto

•Contrato de financiamento – ação revisional – cédula de crédito bancário – inexistência dejulgamento extra petita ............................1615, 182

corretagem

•Corretagem – comissão – rescisão de contrato –restituição – quantias pagas – taxa ...........1616, 183

DaNo moral

•Dano moral e material – construção civil – atra-so na entrega da obra – caso fortuito e forçamaior .......................................................1617, 183

Desapropriação

•Desapropriação – reforma agrária – juros mora-tórios – termo a quo .................................1618, 184

•Desapropriação – utilidade pública – imissão provisória – avaliação unilateral – impossibili-dade ........................................................1619, 184

•Desapropriação – utilidade pública – sede única da Justiça Federal – construção – decreto ex-propriatório – revogação – prejuízo ao Erário –inocorrência ............................................1620, 184

DesmatameNto

•Desmatamento – área de preservação ambiental – ação popular – extinção do processo sem re-solução do mérito – acordo celebrado em ação civil pública com os mesmos pedidos – possi-bilidade ...................................................1621, 186

DespeJo

•Despejo – inadimplência configurada – alega-ção de abusividade no aumento dos aluguéis ................................................................1622, 187

Direito De viziNHaNça

•Direito de vizinhança – abuso do direito de pro-priedade – perturbação ao sossego – nível de ruído acima do tolerável ..........................1623, 187

•Direito de vizinhança – ação cominatória – uso ilegal e nocivo da propriedade ................1624, 188

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RDI Nº 22 – Jul-Ago/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������227 Direito urBaNístico

•Direito urbanístico – demolição de imóvel em processo de tombamento – inexistência de questão ambiental – competência recursal da Câmara de Direito Público – reconhecimento ................................................................1625, 188

•Direito urbanístico – expansão de loteamento – área de preservação permanente – prejuízos ao ecossistema – demolição – obrigatoriedade ................................................................1626, 189

•Direito urbanístico – imóvel ampliado além do máximo legal de ocupação (50%), sem alva-rá – regularização – inocorrência – demolição– admissibilidade .....................................1627, 189

•Direito urbanístico – ocupação irregular de imóvel público – demolição – legalidade ............1628, 192

•Direito urbanístico – projeto de mobilidade urbana – construção de viaduto – Parque do Cocó – Epia – licenciamento e autorização em favor das obras – tutela antecipada – concessão ................................................................1629, 192

empreeNDimeNto imoBiliário

•Empreendimento imobiliário – circulação com veículos pesados em via pública – risco dedano ambiental – reconhecimento ...........1630, 200

execução

• Execução – citação – efetiva – não localização debens penhoráveis – extinção do processo .. 1631, 201

•Execução – título extrajudicial – garantia hipo-tecária .....................................................1632, 201

Hipoteca

•Hipoteca – medida cautelar de caução – títu-lo da dívida pública – substituição por bens– impossibilidade .....................................1633, 202

•Hipoteca – obrigação de fazer – aquisição de imóvel – quitação – transferência – desnecessi-dade ........................................................1634, 202

imóvel

• Imóvel em área urbana – tributação ambiental – IPTU exercício pleno de propriedade – im-possibilidade – isenção – legislação regulamen-tadora – necessidade ...............................1635, 202

• Imóvel – meio ambiente – recuperação de área – demolição de residência – possibilidade ................................................................1636, 203

locação

•Locação – execução de título judicial – legi-timidade – empresa ocupante do imóvel es-tranha ao contrato – intervenção em ação dedespejo – requisitos .................................1637, 204

•Locação – inviabilidade de uso do – arras con-firmatórias – inaplicabilidade ...................1638, 204

moraDia

•Moradia – políticas públicas – Programa “Morar Bem” – cadastramento – requisitos não preen-chidos – inscrição – indeferimento .........1639, 205

•Moradia – políticas públicas – Programa habi-tacional “Morar Bem” – proprietário de imóvelresidencial – habilitação – vedação ........1640, 205

parcelameNto Do solo

•Parcelamento do solo – implantação de lotea-mento – supressão de floresta em estágio de re-generação – autorização dos órgãos ambientais competentes – necessidade ......................1641, 207

•Parcelamento do solo – loteamento – imóvel inserido em topo de morro – área de preserva-ção permanente – conceito introduzido pelaMP 2.166-67/2001 – observância ............1642, 207

•Parcelamento do solo – loteamento irregular – regularização – possibilidade ...................1643, 207

•Parcelamento do solo – venda de lotes – sus-pensão – realização e aprovação de EIA/RIMA – necessidade – continuidade de empreendi-mento – possibilidade ..............................1644, 208

posse

•Posse – ação de reintegração – arrendamento mercantil – comissão de permanência – juros remuneratórios, moratórios e multa contratual ................................................................1645, 208

•Posse – ação de reintegração – interesses indí-genas – sentença proferida por juízo estadual – execução .................................................1646, 208

promessa De compra e veNDa

•Promessa de compra e venda – arras – cláusula penal – incidência – restituição ..............1647, 210

•Promessa de compra e venda – devolução de valores pagos – arras confirmatórias – perda dosinal .........................................................1648, 211

protesto

•Protesto – alienação de bens – fundamentação concisa – nulidade – ausência – averbação no re-gistro imobiliário .....................................1649, 211

registro púBlico

•Registro público – ação de anulação – baixa dehipoteca e cancelamento da averbação ..... 1650, 211

•Registro público – transcrição de registro de nascimento ocorrido no exterior – jurisdição vo-luntária ....................................................1651, 212

sFH

•SFH – apólice privada – ocorrência de litis-pendência e coisa julgada – inovação recursal ................................................................1652, 212

Page 228: ISSN 2236-1553 Revista SÍNTESE 22_miolo.pdf · 2016-04-20 · Leonardo Mattietto e Paulo Ricardo Silva de Moraes. A boa-fé é um importante princípio ... objetiva apresenta-se

228 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 22 – Jul-Ago/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

•SFH – CDC – inovação recursal – honorários– sucumbência recíproca .........................1653, 212

•SFH – contrato com cobertura pelo FCVS – du-plicidade de financiamento .....................1654, 213

•SFH – credor hipotecário – imóvel penhorado – débitos condominiais ............................1655, 213

• SFH – revisão do contrato de mútuo – ação cau-telar – exclusão do nome do devedor de cadas-tros restritivos – requisitos não demonstrados ................................................................1656, 213

usucapião

•Usucapião – ação declaratória de nulidade – querela nullitatis – prova pericial .............1657, 214

•Usucapião – imóvel financiado com recursos do SFH e hipotecado à Caixa – ocupação porterceiro ....................................................1658, 214

CLIPPING JURÍDICO

•Decretado bloqueio de bens de empresas quenão entregaram imóvel a consumidor ................217

•Usucapião pode fundamentar anulação de ne-gócio por erro essencial .....................................217

• Imóvel não pode ser penhorado até julgamento final de ação de usucapião ................................218

•Aluguel de imóvel de usufruto pode ser objeto depenhora .............................................................219

•Bens adquiridos após separação de fato não in-tegram a partilha ................................................219

•Esposa consegue anular penhora de imóvel domarido em execução trabalhista ........................220

•Transferência, de boa-fé, de bens a terceiro nãocaracteriza fraude à execução ...........................220

•Direito real de habitação é concedido mesmo sem pedido de reconhecimento de união estável ..........................................................................221