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INVESTIGAÇÃO ETNOMATEMÁTICA NO OFÍCIO DO
PEDREIRO: MÉTODOS DE DETERMINAR O ÂNGULO RETO NA
CONSTRUÇÃO DE UMA CASA
Luiza Helena Félix de Andrade, UFERSA, [email protected]
Jakson Ney da Costa Reis, UFERSA, [email protected]
Andréa Maria Ferreira Moura, UFERSA, [email protected]
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo investigar a presença de uma Matemática
própria no ofício do pedreiro e correlacioná-la com a matemática escolar. Para uma melhor
análise, foi escolhida uma técnica comum usada nesta profissão: a formação do “esquadro”.
A escolha dessa técnica não foi por acaso, teve-se a preocupação de tomar como exemplo
uma prática utilizada no início e comum ao processo de construção de qualquer casa. O
referencial teórico utilizado é a tendência Etnomatemática, visto que trata da investigação da
matemática inerente a certo grupo sociocultural.
Palavras chaves: Etnomatemática, matemática do pedreiro, ângulo reto.
ABSTRACT
The present study aims to investigate the presence of a mathematic itself in the job of
the builder and to correlate it with school mathematics. For a better analysis, it was chosen a
common technique used in this profession: the formation of the "square". The choice of this
technique was not random, there was the concern to take the example of a practice used at
the beginning and common to the construction of any home. The theoretical basis is the
tendency Ethnomathematic, as is the research of mathematics inherent in a certain
sociocultural group.
Keywords: Ethnomathematics, mathematics Mason, right angle
1. Introdução
Aprender é uma ação constante ao longo da vida do ser humano. O simples
contato com o mundo que nos rodeia já gera uma gama de conhecimentos, que são
adquiridos e ampliados tanto por meio das instituições formais de ensino, como
também das experiências vividas, que por sua vez, são os chamados
conhecimentos empíricos. É fácil encontrar exemplos em que a matemática contribui
na resolução de problemas concretos e práticos, associados à atividades cotidianas.
Profissões como: comerciante, agricultor, costureira, rendeira, carpinteiro,
pedreiro, entre outras, apresentam cálculos elaborados, regras e procedimentos
aceitos e suficientes para as necessidades cotidianas. Vale ainda salientar que na
grande maioria das vezes essas atividades são desempenhadas por pessoas com
baixo grau de escolaridade ou até sem nenhuma escolaridade.
Ao observar a atividade do pedreiro, percebemos que, mesmo tendo um
déficit em sua base escolar, muitos pedreiros apresentam técnicas sofisticadas de
construção que demandam todo um embasamento matemático, embora essa
Matemática não seja notada por eles mesmos. Nesse sentido, pensou-se em
desenvolver uma pesquisa que teve como produto final um trabalho de conclusão de
curso, intitulado: Uma visão Etnomatemática: a Matemática usada no ofício do
pedreiro. O presente artigo é fruto deste trabalho e busca elencar os processos
matemáticos do cotidiano dos pedreiros, sendo o foco central entender esse
processo sob a ótica desse profissional e, posteriormente, analisar seu raciocínio
com um olhar científico.
Ao analisar os dados coletados percebeu-se que, na execução profissional de
um pedreiro existem diversas práticas que satisfazem nosso objetivo. Optou-se pela
determinação do ângulo reto, ou em linguagem coloquial “bater o esquadro” por ser
uma das práticas que todo pedreiro deve possuir, já que é a etapa inicial de qualquer
construção.
2. Objetivos e Metodologia
2.1. Objetivos
Este estudo teve os seguintes objetivos: Identificar a Matemática empregada
no ofício do pedreiro; mais especificamente na determinação do ângulo reto;
correlacionar esses saberes com a Matemática estudada em sala de aula e por meio
desta, averiguar cientificamente, a sua veracidade; identificar como e onde o
pedreiro obteve esses saberes utilizados na sua profissão.
2.1. Metodologia
A metodologia adotada na realização deste trabalho consiste numa pesquisa
de campo, e por se tratar de uma observação que visa o entendimento do
comportamento de um grupo social. A abordagem metodológica terá caráter
qualitativo de forte influência etnográfica (VIÉGAS, 2007).
A coleta de dados foi por meio de entrevistas exploratórias, observações e o
registro audiovisual do cotidiano de um pedreiro no exercício de sua atividade
profissional. As entrevistas consistiram em duas etapas: a primeira voltada às
questões referentes ao início de carreira, com quem ele aprendeu a profissão, o
grau de escolaridade e as possíveis relações dos conhecimentos matemáticos com
a profissão; a segunda etapa, foi formada de questões voltadas ao exercício de sua
função profissional, onde o objetivo foi levantar informações sobre quais
conhecimentos matemáticos são utilizados por eles em seu fazer profissional, na
determinação do ângulo reto.
A pesquisa culminou com a análise dos dados coletados durante as
entrevistas e dos registros audiovisuais, considerando o raciocínio do pedreiro por
uma ótica científica, em busca de compreender e interpretar os dados colhidos e
interligar as relações entre os saberes matemáticos ali presentes e os saberes
matemáticos tradicionalmente estudados na escola.
3. Etnomatemática e a profissão do pedreiro
A Etnomatemática é uma das importantes tendências dentro da Educação
Matemática, que tem como um dos seus principais defensores o autor Ubiratan
D’Ambrósio e tem sua obra atualmente reconhecida e respeitada mundialmente.
Esta tendência chama a atenção para o relativismo cultural na Matemática.
Segundo D’Ambrósio:
A dupla necessidade da espécie homo sapiens de ter que lidar com situações que a realidade propõe para poder sobreviver e o ao mesmo tempo procurar transcender a sua própria existência através de explicações e de criação (ou criatividade como comumente se diz), está presente em todas as civilizações e sistemas culturais através dos tempos. Isso determina o aparecimento de ticas de matema, em todas as culturas (D'AMBRÓSIO, 2002 , p.10).
Ideias semelhantes às defendidas por D’Ambrósio no Programa
Etnomátemática podem ser encontradas anteriormente em Zaslawsky (1973) na
Sóciomatemática, Posner(1982) com a Matemática Informal, Caraher (1982)/
Kane(1987)- Matemática Oral , Mellin/ Olsen (1986)- Matemática Popular, Sebastiani
Ferreira (1987)- Matemática codificada no saber-fazer, Sebastiani Ferreira (1993)-
Matemática Materna, o próprio D’Ambrosio (1998)- Matemática Antropológica.
Ubiratan D'Ambrósio consegue sintetizar todas essas ideias quando cria o termo
Etnomatemática, utilizado pela primeira vez no seu livro: “Etnomathematics and its
Place in the History of Mathematics”, em 1985. Em uma de suas publicações
posteriores, podemos encontrar o próprio autor definindo Etnomatemática como
sendo:
Numa mesma cultura, os indivíduos dão as mesmas explicações e utilizam os mesmos instrumentos materiais e intelectuais no seu dia a dia. O conjunto desses instrumentos se manifesta nas maneiras, nos modos, nas habilidades, nas artes, nas técnicas, nas ticas de lidar com o ambiente, de entender e explicar fatos e fenômenos, de ensinar e compartilhar tudo isso, que é o matema próprio ao grupo, à comunidade, ao etno. Isto é, na sua etnomatemática. (D'AMBRÓSIO, 2009, p.35).
Nesse sentido, a Etnomatemática interpreta a matemática como um
conhecimento diretamente relacionado à cultura, a construção social e vincula seu
surgimento e desenvolvimento às necessidades do homem, assim como qualquer
outro conhecimento a matemática e, está intrinsecamente ligada a grupos culturais e
seus interesses. Com esse enfoque, a Etnomatemática contrapõe-se a concepção
de matemática como ciência neutra, livre de valor e desvinculada de como as
pessoas a usam.
Dessa forma pode-se dizer que existem várias “matemáticas” e que todas
elas tem seu grau de importância, não havendo assim a supremacia de nenhuma
delas. Isso significa que, a Matemática escolar e "as matemáticas" produzidas em contextos
sociais diversos são aqui entendidas não como diferentes matemáticas, mas sim, como
diferentes manifestações da Matemática.
Ao buscar identificar a matemática presente no ofício do pedreiro percebe-se
que, esta prática encontra-se impregnada de saberes e fazeres próprios à sua
realidade e ao seu contexto sociocultural e, consequentemente, aproxima esta
pesquisa das ideias defendidas por Ubiratan D’Ambrósio. Para ilustrar melhor esse
fato citemos como exemplo a preenchimento do alicerce. Nesta etapa embora os
pedreiros se utilizem da noção de volume, trabalham com unidade de medida
própria, no caso, a lata de querosene de 20 litros ou o carro de mão. Sem saber
explicar detalhadamente o porquê, eles fazem a seguinte relação “1m3 vale 50 latas”
ou “1m3 vale 20 carradas de carro de mão”.
No decorrer da pesquisa constatou-se que estes profissionais utilizam
diariamente na execução de suas tarefas, um amplo número de conceitos
matemáticos como: proporção, importante na mistura da massa (cimento e areia),
cálculo de área e volume, utilizados na estimativa de compra de material,
porcentagem, empregada na inclinação do telhado. Porém, identificou-se também
que na maioria das vezes tais conceitos não se apresentam claros para eles, o que
fortalece ainda mais a hipótese de que estes profissionais fazem uso de uma
matemática aprendida empiricamente1 e própria de seu grupo, nesta perspectiva,
podemos dizer que o pedreiro tem sua Etnomatemática.
4. Caracterização: do ambiente e dos profissionais estudados.
4.1. O ambiente de investigação
O local escolhido foi a construção de uma casa situada no município de
Icapuí2 no Ceará, com 70m2 de área, composta de dois quartos, uma sala, um
banheiro, uma área de serviço e uma cozinha. No entanto, para efeito de
simplificação da análise, considerou-se apenas um croqui com alguns elementos
apresentados, elementos estes que fazem parte do estudo em questão. O croqui
apresenta elementos suficientes para estudar as técnicas utilizadas pelos pedreiros.
O croqui rudimentar segue na Figura 1:
1 O termo empiricamente refere-se a empirismo que denota Doutrina filosófica que encara a
experiência sensível como a única fonte fidedigna de conhecimento. O filósofo empirista baseia-se na observação e na experimentação para decidir o que é verdadeiro. Chega a conclusões através do emprego do método indutivo, baseado no que observou. 2 Município situado no litoral leste do Ceará à 208 km de Fortaleza.
Figura 1-Croqui da casa estudada.
4.2. Caracterização dos pedreiros
A profissão de pedreiro exige muitas ações intimamente ligadas com a
Matemática, tais como: medir, calcular, misturar, cortar, etc. Tais ações implicam na
utilização de técnicas empíricas da Matemática.
A matemática praticada pelo pedreiro e a estudada na escola, são
conhecimentos interligados, mas com perspectivas diferentes. Assim, o pedreiro
possui sua “identidade” etnomatemática própria, que se distancia da Matemática
estudada pelo aluno em sala de aula. No entanto, não podemos esquecer que na
perspectiva da etnomatemática não se pode desvalorizar os saberes de um grupo
em detrimento de outro. Sobre isso D’Ambrosio (2009, p.42) afirma que “Reconhecer
e respeitar as raízes de um indivíduo não significa ignorar e rejeitar as raízes do
outro, mas, num processo de síntese, reforçar suas próprias raízes (...)”.
Apresentaremos a seguir o perfil dos profissionais investigados:
Nome: Francisco Vladimir da Silva
Apelido: Menena
Idade: 43 anos
Grau de escolaridade: 6ª série do ensino fundamental
O Senhor Vladimir é nativo do município de Icapuí, trabalha no ramo da
construção desde os 18 anos de idade, inicialmente ele trabalhou como ajudante de
pedreiro, função conhecida como “servente”. Suas atividades eram simples, como
preparar a argamassa, carregar os tijolos, levar as telhas para cima da coberta,
limpar os instrumentos de trabalho do pedreiro, entre outras. Com tempo,
observando o dia a dia da profissão e aproveitando as horas vagas da função de
servente, ele começou a realizar outras atividades mais sofisticadas, segundo o
próprio, “não queria trabalhar de servente a vida toda, tinha que aprender alguma
coisa pra mudar, pra pegar uma profissão melhor”. Com isso, o Sr. Vladimir
considera que a base de conhecimento da sua profissão vem totalmente de suas
experiências de vida, como diz o próprio, “aprendi com meus esforços, e um pouco
de inteligência ajudou, e a vontade, né?”. Perguntado na entrevista se ele usa
alguma coisa que ele estudou em sua profissão, o Sr. Vladimir foi enfático e
imediato: “Não, nada, não uso é nada, o estudo foi pouco”.
Nome: Raimundo Nonato dos Reis
Apelido: Nonato
Idade: 63 anos
Grau de escolaridade: 5ª série do ensino fundamental
O Senhor Nonato também é nativo do município de Icapuí. Sua profissão teve
início ao observar o pai, Epifânio Domingos, no exercício do ofício de carpinteiro,
sendo assim, sua profissão inicial foi carpinteiro naval, porém, com a diminuição da
atividade pesqueira na região e por consequência a diminuição da construção de
embarcações, ele se enveredou há vários anos na área da construção,
principalmente na etapa da coberta e instalação de portas e janelas, tendo também
experiência em todas as etapas de construção de uma casa. Suas experiências na
construção foram frutos de muita observação, inicialmente ele atuava apenas na
realização das cobertas, porém, com o tempo, observando os colegas pedreiros,
sentiu-se na necessidade de ampliar sua área de atuação e assim começou a
praticar as atividades essenciais do pedreiro, como “sentar tijolos”, medir o traçado
de massa, “bater esquadro”, entre outras.
Segundo o mesmo, os conhecimentos adquiridos na escola não se aplicam a
sua profissão, de acordo com o Sr. Nonato, a educação de antigamente era muito
diferente da de hoje, praticamente só se aprendia a ler, escrever e contar. Para ele,
o que mais contribuiu na sua profissão de pedreiro foi os anos que passou como
balconista de um comércio, pois com isso ele adquiriu um bom domínio das
operações básicas da Matemática que o ajudam na realização de seus trabalhos.
Atualmente, ele encontra-se aposentado por idade, entretanto ainda atua
como pedreiro.
Diante do exposto, fica claro que o perfil dos entrevistados condiz exatamente
com os objetivos desta investigação.
5. A prática utilizada: a formação do “esquadro”.
Nesta seção serão apresentadas detalhadamente as entrevistas realizadas in
loco, sobre a prática da formação do esquadro na construção de uma casa. O
objetivo desta prática é encontrar ângulos de 90 graus que dão forma às paredes, já
que estas podem ficar tortas caso o “esquadro” não seja realizado adequadamente.
Tudo começa com a demarcação do alicerce utilizando-se uma linha e
estacas fincadas no chão. Na linguagem dos pedreiros, é feita a “marcação do
baldame de fora”. Caso o quadro principal do alicerce esteja em “esquadro”, a
construção das paredes divisórias no interior da casa serão facilitadas.
Existem duas técnicas para a obtenção destes ângulos retos. De acordo com
os entrevistados, por muitos anos eles usaram uma forma que descrevem como
mais difícil e, hoje em dia, usam uma técnica que consideram mais fácil e com a
mesma eficiência. Vamos descrevê-las de acordo com a explicação do senhor
Vladimir sem nos preocuparmos inicialmente com a sua eficiência.
5.1. Modo 01- Modo atual (mais fácil)
Entrevistador: Sr. Vladimir, como o senhor faz para obter o esquadro de uma
casa?
Entrevistado: Primeiro determinamos o tamanho da casa, colocamos os
quatro “piquetes” que marcam o quadro de fora do “baldame”, colocamos a linha de
fora e usamos a escala para “bater” os pontos. O esquadro da gente a gente bate de
canto a canto (diagonal) e a mesma medida que de um canto a outro, tem que ser a
mesma nos outros cantos. Terminou de bater esse esquadro aqui a gente começa a
cavar o alicerce. (sic) (O Sr. Vladimir mostrou o procedimento em um desenho na
folha de caderno. Para entender melhor, vamos ilustrar conforme a Figura 2).
Entrevistador: Vamos supor agora que eu queira fazer um quarto, qual
procedimento?
Entrevistado: Como eu já estou no esquadro, para fazer um quarto é fácil.
Vamos supor que eu quero um quarto com 3,5m por 3,5m, assim basta eu medir
daqui do esquadro por essa linha 3,5m, ai eu marco e boto um piquete, na parede
oposta eu tenho que medir os mesmo 3,5m e botar outro piquete, assim eu passo a
primeira linha (Linha C, Figura 3) e já sei que ele também tá no esquadro, o mais
importante de uma casa é o primeiro esquadro, depois fica tudo mais fácil; pronto,
agora pra fazer a outra medição é do mesmo jeito e colocar outra linha (Linha D,
Figura 4), assim eu vou ter mais quatro pontos do mesmo jeito que o esquadro e sei
que o quadro tá no mesmo esquadro. Como já tá feito o alicerce, não tem
dificuldade, é só medir e colocar outra linha. (sic)
Figura 2-Marcação do alicerce da casa
Figura 3-Marcação do alicerce das paredes internas
5.2. Modo 02- Modo antigo (mais difícil)
Entrevistador: Como era a outra maneira?
Entrevistado: Era mais complicado porque a gente tinha que bater o
esquadro em cada canto. Era assim, eu pegava um canto e media 80cm pra um lado
e 60cm para outro, fazia a marcação e depois com a trena tinha que dá 1m de
marcação a marcação, tinha que fazer isso nos quatro cantos pra poder bater o
esquadro, era muito trabalhoso, demorava muito e era comum ter erros, e o pior de
tudo era que a gente esquecia as medidas. (sic)
Enquanto o Sr. Vladimir explicava o procedimento, ele utilizou uma folha de
caderno onde descrevia cada etapa para se obter o esquadro, podemos perceber
melhor o processo através da Figura 4.
Figura 4-Marcação do alicerce pelo modo 02.
Entrevistador: O senhor já ouviu falar no Teorema de Pitágoras?
Entrevistado: Não, não sei nem o que é. (sic)
Analisando os dados colhidos na entrevista, notamos que para a obtenção do
ângulo de 90 graus, o pedreiro utilizou de duas técnicas, duas maneiras distintas
para se obter o mesmo resultado, e é importante frisar que a eficácia de ambas as
técnicas está baseada única e exclusivamente na prática, sendo portanto puramente
empírica. Notamos também que esta é a etapa primordial na construção de uma
casa, portanto merece uma atenção especial por parte do pedreiro.
6. Aspectos matemáticos envolvidos
6.1. Modo 01- Modo atual (mais fácil)
O procedimento consiste em demarcar os vértices de um quadrilátero e traçar
duas diagonais, sendo que para que os ângulos internos deste quadrilátero sejam
retos, ou seja, para que tenhamos um retângulo, é necessário que as duas
diagonais tenham a mesma medida. Para demonstrar tal propriedade, vamos utilizar
o conceito de vetor e a Lei dos Cossenos.
Teorema 1 - Um paralelogramo cujas diagonais são iguais é um retângulo.
Prova: Dado um paralelogramo cujos lados são os vetores , portanto com
diagonais e . Queremos demonstrar que se as diagonais são iguais,
então o paralelogramo é um retângulo. Para tal, iremos utilizar a Lei dos Cossenos.
Vem que:
Lei dos cossenos
Diagonal maior
Diagonal menor
Condição para a igualdade das diagonais
Então . Como são ângulos suplementares, pois são os ângulos
da base de um paralelogramo, vem que,
Demonstramos assim que os ângulos internos do paralelogramo são retos
(90°). Paralelogramo com ângulos retos são retângulos. Portanto, está provada a
eficácia matemática do modo 01 que consiste na igualdade das diagonais do
retângulo. Fica claro que não se trata de um conceito trivial. Sua demonstração
demanda técnicas avançadas que requerem um conhecimento aprofundado, no
entanto, o que importa para o pedreiro é a sua veracidade e eficiência, por isso eles
utilizam este método.
6.2. Modo 02- Modo antigo (mais difícil)
Este procedimento trata-se claramente da recíproca do Teorema de
Pitágoras, mais especificamente, de uma terna pitagórica (60cm, 80cm, 100cm).
Todo triângulo cujos lados formam uma terna pitagórica é um triângulo retângulo.
Para um maior rigor matemático, vamos demonstrar a recíproca do Teorema de
Pitágoras:
Teorema 2 – Um triângulo possui lados medindo a, b e c. Se a² = b² + c²,
então o triângulo é retângulo e sua hipotenusa é o lado que mede a.
Prova: Consideremos então um triângulo ABC com AB = c, BC = a e CA = b.
1° caso: BÂC < 90º. O ponto D é projeção de C sobre o lado AB. Dividindo
AB em dois seguimentos, onde AD = x e DB = c – x, sendo essa projeção CD = h.
Como o triângulo ADC é retângulo, temos b² = h² + x². Como o triângulo BDC
também é retângulo, substituindo vem que:
ou seja, a² < b² + c², o que contradiz a condição inicial.
2° caso: BÂC > 90°
Nesse caso o ponto D é projeção do ponto C de forma que D encontra-se fora
do seguimento AB. Gerando assim os seguimentos DA = x + c e AB = x, sendo essa
projeção CD = h.
Analogamente ao processo anterior,
ou seja, a² > b² + c², novamente contradizendo a condição inicial.
Demonstramos então que em um triângulo ABC, de lados a, b e c,
BÂC < 90º → a² < b² + c², BÂC > 90º → a² > b² + c²
Assim, a condição a² = b² +c² implica necessariamente que BÂC = 90°.
(REIS, 2011,p.41).
Mais uma vez o pedreiro utilizou um conhecimento matemático avançado na
sua prática cotidiana, mesmo sem ter a noção da existência desse Teorema, fica
claro que é um método eficaz.
7. Considerações Finais
Inicialmente, o objetivo do estudo foi identificar a Matemática empregada no
ofício do pedreiro e, descobrir como e onde esses profissionais adquirem os saberes
específicos à profissão, além de correlacionar esses saberes com a Matemática
estudada em sala de aula.
No decorrer da pesquisa, percebeu-se que o ofício do pedreiro encontra-se
impregnado de saberes matemáticos. Por exemplo, na construção das paredes, ele
necessita estimar a quantidade de tijolos e de massa. Já na fabricação desta, ele se
utiliza fortemente da ideia de proporção. Na construção do telhado fazem uso de
geometria para determinar a inclinação. Devido a esta gama de possibilidades,
optou-se por apenas uma prática, a determinação do ângulo reto na construção de
uma casa, ou como designado pelos pedreiros “bater o esquadro”.
De modo geral, observou-se que o pedreiro precisa conhecer as operações
básicas, e necessita ter conhecimento de proporção, deter um grande senso
estatístico, e geométrico. No caso específico do esquadro, percebeu-se que no
primeiro modo, é encontrado o ângulo reto ao igualar as diagonais, para eles
“cantos”, de uma figura de quatro lados. Neste caso, a matemática escolar
relacionada a esse saber é a propriedade geométrica, que diz que todo quadrilátero
cujas diagonais são iguais é um retângulo, um quadrilátero com os quatro ângulos
retos.
No segundo modo, exposto por eles como mais trabalhoso, temos a recíproca
do teorema de Pitágoras, onde faz se o uso de uma terna pitagórica (0,8m, 0,6m e
1m) para garantir a existência do ângulo reto. Foi comentado que lembrar as
componentes dessa terna era uma tarefa difícil, por este fato não ter um
embasamento teórico e uma explicação lógica, visto que quando perguntado sobre o
teorema de Pitágoras a resposta obtida foi: não saberem do que se tratava.
Outro fato importante a destacar, é que os próprios profissionais consideram
a observação a principal arma do pedreiro, pois a maioria deles, em início de
carreira, fez o papel de ajudante de pedreiro. Eles observavam atentamente as
técnicas empregadas e como alunos, em uma espécie de curso profissionalizante,
absorviam o conhecimento que outrora será usado em sua profissão.
Diante do exposto, concluiu-se que todo esse conhecimento foi adquirido de
forma empírica, dentro do seu grupo social.
8. Referências
D´AMBRÓSIO, U. Etnomatemática- Elo entre as tradições e a modernidade. -3ed- Belo Horizonte: Autêntica Editora, (Coleção Tendências em Educação Matemática), 2009. (______.), U. Etnomatemática: um programa. Educação Matemática em Revista, ano 9,nº 1,p. 7-12, 2002 . REIS, J. N. C. Uma visão etnomatemática: A Matemática usada no ofício do pedreiro. Trabalho de Conclusão de Curso. Mossoró: UFERSA, 2011. VIÉGAS, L. S. Reflexões sobre pesquisa etnográfica em Psicologia e Educação. Diálogos Possíveis, 2007. Disponível em: <www.fsba.edu.br/dialogospossiveis>. Acessado em: 27 de Maio de 2012.