introduÇÃo À ontologia dos tropos qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente...

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INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS TROPOS Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos. D. C. Williams

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Page 1: INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS TROPOS Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos. D. C. Williams

INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS

TROPOS

Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos.

D. C. Williams

Page 2: INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS TROPOS Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos. D. C. Williams

Há vários nomes para nosso assunto:Há vários nomes para nosso assunto:

propriedades concretizadas,propriedades concretizadas,

qualidades particularizadas,qualidades particularizadas,

acidentes individuais,acidentes individuais,

bitesbites de qualidades, de qualidades,

particulares abstratosparticulares abstratos e ainda outros. e ainda outros.

Mas o mais usual é a palavrinha Mas o mais usual é a palavrinha tropotropo, que pelo , que pelo menos tem a vantagem de ser pequena.menos tem a vantagem de ser pequena.

Page 3: INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS TROPOS Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos. D. C. Williams

A teoria dos tropos é uma aquisição ontológica A teoria dos tropos é uma aquisição ontológica bastante recente.bastante recente.

Embora o conceito de tropo tenha existido no Embora o conceito de tropo tenha existido no mínimo desde Aristóteles, somente nos últimos mínimo desde Aristóteles, somente nos últimos cinqüenta anos filósofos tiveram a idéia de tomar cinqüenta anos filósofos tiveram a idéia de tomar os tropos como as pedrinhas de construção os tropos como as pedrinhas de construção ontológicas fundamentais do mundo, tentando ontológicas fundamentais do mundo, tentando resolver os tradicionais problemas dos universais resolver os tradicionais problemas dos universais e da natureza dos particulares concretos e da natureza dos particulares concretos somente através deles.somente através deles.

De fato, meu palpite é o de que a teoria dos De fato, meu palpite é o de que a teoria dos tropos é tão revolucionariamente simples em tropos é tão revolucionariamente simples em seus aspectos fundamentais, que ela será capaz seus aspectos fundamentais, que ela será capaz de produzir em ontologia uma revolução similar à de produzir em ontologia uma revolução similar à introdução de novas teorias fisicalistas na introdução de novas teorias fisicalistas na solução do problema mente-corpo na segunda solução do problema mente-corpo na segunda metade do século vinte. metade do século vinte.

Page 4: INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS TROPOS Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos. D. C. Williams

Infelizmente, como as novas teorias da relação Infelizmente, como as novas teorias da relação mente-corpo, a teoria dos tropos tem se mente-corpo, a teoria dos tropos tem se ramificando em uma variedade crescente, cada ramificando em uma variedade crescente, cada uma tentando realizar ao seu próprio modo a uma tentando realizar ao seu próprio modo a tarefa de pesar valores ontológicos quase tarefa de pesar valores ontológicos quase imperceptíveis.imperceptíveis.

No que se segue quero apenas introduzir as No que se segue quero apenas introduzir as idéias gerais, além de fazer algumas sugestões, idéias gerais, além de fazer algumas sugestões, com o objetivo de despertar o interesse das com o objetivo de despertar o interesse das pessoas no assunto. pessoas no assunto.

Page 5: INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS TROPOS Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos. D. C. Williams

Mas afinal, o que são tropos?!Mas afinal, o que são tropos?!

Tropos são Tropos são primitivosprimitivos, e como tais, eles não , e como tais, eles não podem ser propriamente definidos.podem ser propriamente definidos.

No entanto, a coisa fundamental No entanto, a coisa fundamental acerca dos tropos é que eles sãoacerca dos tropos é que eles são propriedades localizadas no propriedades localizadas no espaço e no tempo, espaço e no tempo, onde o termo ‘propriedade’ deve onde o termo ‘propriedade’ deve ser entendido no mais amplo ser entendido no mais amplo sentido possível, incluindo sentido possível, incluindo relações e espécies naturais.relações e espécies naturais.

Page 6: INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS TROPOS Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos. D. C. Williams

Exemplos de tropos podem ser a cor Exemplos de tropos podem ser a cor vermelha da torre Eiffel, a sua forma, o seu vermelha da torre Eiffel, a sua forma, o seu peso, a sua dureza, a sua altura etc.peso, a sua dureza, a sua altura etc.

Outros tropos são o grito de um hipopótamo Outros tropos são o grito de um hipopótamo particular chamando a fêmea e o odor particular chamando a fêmea e o odor particular exalado por uma margarida.particular exalado por uma margarida...................

Tropos diferem de particulares concretos Tropos diferem de particulares concretos como a torre, o hipopótamo e a margarida.como a torre, o hipopótamo e a margarida.

Apesar disso eles são particulares, posto Apesar disso eles são particulares, posto que estão localizados no espaço e no que estão localizados no espaço e no tempo.tempo.

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Tropos são usualmente Tropos são usualmente compostos de troposcompostos de tropos,,

e algumas composições de tropos são e algumas composições de tropos são altamente complexas, como, por altamente complexas, como, por exemplo, uma performance da exemplo, uma performance da quinta sinfonia de Beethoven.quinta sinfonia de Beethoven.

E tropos podem ser objetos de E tropos podem ser objetos de percepção seletiva: ao olharmos percepção seletiva: ao olharmos para o oceano podemos nos para o oceano podemos nos concentrar alternativamente em sua concentrar alternativamente em sua cor, nas formas de suas ondas, ou cor, nas formas de suas ondas, ou em seus sons.em seus sons.

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- Como todos os particulares, tropos têm condições de - Como todos os particulares, tropos têm condições de identidade. identidade.

Parece que a condição de identidade fundamental é Parece que a condição de identidade fundamental é a sua localização espaço-temporal sob certo a sua localização espaço-temporal sob certo modo epistêmico de acesso e avaliação.modo epistêmico de acesso e avaliação.

Por exemplo: o par de sapatos que eu estou usando agora é Por exemplo: o par de sapatos que eu estou usando agora é marrom. A propriedade do sapato direito de ser marrom é marrom. A propriedade do sapato direito de ser marrom é um tropo, uma vez que está localizada em meu sapato um tropo, uma vez que está localizada em meu sapato direito, e a propriedade do sapato da esquerda de ser direito, e a propriedade do sapato da esquerda de ser marrom pode ser considerada outro tropo, uma vez que marrom pode ser considerada outro tropo, uma vez que está localizada em meu sapato esquerdo.está localizada em meu sapato esquerdo.

Como os sapatos têm diferentes localizações espaciais, Como os sapatos têm diferentes localizações espaciais, temos ao menos dois tropos de marrom. A maciez do couro temos ao menos dois tropos de marrom. A maciez do couro de meu sapato esquerdo é também um tropo que tem mais de meu sapato esquerdo é também um tropo que tem mais ou menos a mesma extensão de sua cor marrom. Isso ou menos a mesma extensão de sua cor marrom. Isso significa que esse marrom e essa maciez são o mesmo significa que esse marrom e essa maciez são o mesmo tropo? Não, posto que eles são perceptualmente acessados tropo? Não, posto que eles são perceptualmente acessados de modos diferentes, no caso, por sentidos diferentes.de modos diferentes, no caso, por sentidos diferentes.

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Para a próxima questão de saber o quanto Para a próxima questão de saber o quanto o tropo de marrom do meu sapato o tropo de marrom do meu sapato esquerdo pode ser subdividido, uma esquerdo pode ser subdividido, uma resposta razoável seria: até onde ainda resposta razoável seria: até onde ainda formos capazes de distinguir a cor formos capazes de distinguir a cor marrom.marrom.

Quanto tempo o tropo de marrom do meu Quanto tempo o tropo de marrom do meu sapato esquerdo irá durar? sapato esquerdo irá durar? Provavelmente não mais do que o próprio Provavelmente não mais do que o próprio sapato. Um tropo dura enquanto ele sapato. Um tropo dura enquanto ele permanecer essencialmente o mesmo permanecer essencialmente o mesmo sem deixar de manter a sua continuidade sem deixar de manter a sua continuidade temporal.temporal.

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Menciono essas coisas porque um Menciono essas coisas porque um entendimento inadequado pode entendimento inadequado pode facilmente dar azo a tentativas de facilmente dar azo a tentativas de desacreditar as condições de identidade desacreditar as condições de identidade dos tropos, por exemplo, empurrando a dos tropos, por exemplo, empurrando a precisão para além dos seus limites precisão para além dos seus limites contextualmente razoáveis.contextualmente razoáveis.

A vaguidade de nossas condições de A vaguidade de nossas condições de identidade para os tropos é uma identidade para os tropos é uma conseqüência direta de nossas práticas conseqüência direta de nossas práticas lingüísticas, sendo tais condições lingüísticas, sendo tais condições fortemente baseadas em convenções e fortemente baseadas em convenções e apenas suficientemente precisas para apenas suficientemente precisas para servirem aos nossos propósitos.servirem aos nossos propósitos.

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Como os tropos estão localizados no espaço e no Como os tropos estão localizados no espaço e no tempo, eles são particulares existentes. Pois tempo, eles são particulares existentes. Pois existência é a comprovadamente contínua existência é a comprovadamente contínua aplicabilidade de um predicado a um particular, aplicabilidade de um predicado a um particular, que no caso do tropo é uma propriedade espaço-que no caso do tropo é uma propriedade espaço-temporalmente localizável.temporalmente localizável.

Alguns tropos podem ser experienciados de forma Alguns tropos podem ser experienciados de forma isolada, por exemplo, o perfume da margarida, o isolada, por exemplo, o perfume da margarida, o som do vento. Outros não.som do vento. Outros não.

Tropos visuais e táteis, por exemplo, devem ter Tropos visuais e táteis, por exemplo, devem ter alguma forma,alguma forma,e todos os tropos devem ter certa duração no e todos os tropos devem ter certa duração no tempo.tempo.

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São formas espaciais e durações temporais tropos?São formas espaciais e durações temporais tropos?

Bom, essas coisas não parecem poder existir sem Bom, essas coisas não parecem poder existir sem estarem associadas com tropos, uma forma com estarem associadas com tropos, uma forma com uma cor, um volume com o seu peso, uma duração uma cor, um volume com o seu peso, uma duração no tempo com um agregado de tropos persistindo no tempo com um agregado de tropos persistindo em sua existência etc.em sua existência etc.

Keith Campbell, discordando de D. C. Williams, não Keith Campbell, discordando de D. C. Williams, não admite que formas sejam tropos, devido a sua admite que formas sejam tropos, devido a sua dependência de outros tropos.dependência de outros tropos.

Mas isso parece insuficiente.Mas isso parece insuficiente.Afinal, por que os limites espaciais e temporais dos Afinal, por que os limites espaciais e temporais dos tropos não poderiam ser tropos, se eles também tropos não poderiam ser tropos, se eles também são descritíveis como propriedades espaço-são descritíveis como propriedades espaço-temporalmente localizáveis?temporalmente localizáveis?

- Chamá-los-ei de - Chamá-los-ei de tropostropos limitadoreslimitadores..

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I. TROPOS E UNIVERSAISI. TROPOS E UNIVERSAIS

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A teoria dos tropos é importante porque promete A teoria dos tropos é importante porque promete uma nova solução para pelo menos dois perenes uma nova solução para pelo menos dois perenes problemas ontológicos:problemas ontológicos:

o problema dos universais e o problema dos o problema dos universais e o problema dos particulares concretos. particulares concretos.

Começo com o problema dos universais,Começo com o problema dos universais, quequeontologicamente colocado se entende como a ontologicamente colocado se entende como a questão de se saber como é possível que muitos questão de se saber como é possível que muitos particulares diferentes possam compartilhar da particulares diferentes possam compartilhar da mesma mesma propriedade,propriedade, eelingüisticamente colocado se entende como a lingüisticamente colocado se entende como a questão de como podemos aplicar o mesmo questão de como podemos aplicar o mesmo predicado a muitos particulares diferentes.predicado a muitos particulares diferentes.

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Filósofos realistas (platonistas ou Filósofos realistas (platonistas ou aristotélicos) sugeriram que essa aristotélicos) sugeriram que essa predicação de um de muitos só é possível predicação de um de muitos só é possível porque um predicado designa um universal, porque um predicado designa um universal, entendido como um objeto abstrato em que entendido como um objeto abstrato em que particulares de algum modo participam, ou, particulares de algum modo participam, ou, como é usualmente dito, como é usualmente dito, exemplificam ou exemplificam ou instanciaminstanciam o universal. o universal.

Assim, para o realista dizemos que essa Assim, para o realista dizemos que essa rosa e esse morango são vermelhos porque rosa e esse morango são vermelhos porque eles participam do universal ‘vermelho’, ou eles participam do universal ‘vermelho’, ou porque eles exemplificam ou instanciam o porque eles exemplificam ou instanciam o universal. A solução traz consigo universal. A solução traz consigo dificuldades profundas que não poderão ser dificuldades profundas que não poderão ser consideradas aqui.consideradas aqui.

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Para resolver o problema dos universais apelando Para resolver o problema dos universais apelando para os tropos precisamos introduzir a idéia de para os tropos precisamos introduzir a idéia de igualdade, igualdade, entendida no sentido de entendida no sentido de similaridade similaridade exataexata, que também é um primitiva., que também é um primitiva.

Filósofos como D. C. Williams e Keith Campbell Filósofos como D. C. Williams e Keith Campbell conceberam o universal conceberam o universal como uma classe de como uma classe de tropos similares.tropos similares.

Assim, a palavra ‘vermelho’ se refere à classe de Assim, a palavra ‘vermelho’ se refere à classe de todos os tropos de vermelho, que é unida pelo fato todos os tropos de vermelho, que é unida pelo fato de que tais tropos são idênticos uns com os outros.de que tais tropos são idênticos uns com os outros. Para Williams, quando nós dizemos “Essa rosa é Para Williams, quando nós dizemos “Essa rosa é vermelha”, queremos dizer que essa rosa tem um vermelha”, queremos dizer que essa rosa tem um tropo de vermelho que pertence à classe dos tropo de vermelho que pertence à classe dos tropos de vermelho.tropos de vermelho. E quando nós dizemos que o vermelho é uma E quando nós dizemos que o vermelho é uma cor, o que queremos dizer é que a classe de todos cor, o que queremos dizer é que a classe de todos os tropos de vermelho está incluída na classe de os tropos de vermelho está incluída na classe de todos os tropos de cor.todos os tropos de cor.

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Contudo, há problemas com esse modo de Contudo, há problemas com esse modo de ver:ver:

Primeiro, há um problema com o tamanho: Primeiro, há um problema com o tamanho: uma classe pode tornar-se maior ou menor; uma classe pode tornar-se maior ou menor; mas um universal não pode mudar o seu mas um universal não pode mudar o seu tamanho, pois um universal não parece ter tamanho, pois um universal não parece ter tamanho.tamanho.

Segundo, o que é uma classe? Se não é um Segundo, o que é uma classe? Se não é um tropo, mas um objeto abstrato, parece que tropo, mas um objeto abstrato, parece que estamos abandonando as vantagens da estamos abandonando as vantagens da teoria.teoria.

Terceiro, podemos desenvolver objeções Terceiro, podemos desenvolver objeções concernentes ao status ontológico das concernentes ao status ontológico das igualdades e ao problema da igualdade igualdades e ao problema da igualdade entre as igualdades.entre as igualdades.

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Suponhamos, para começar, que igualdades Suponhamos, para começar, que igualdades são tropos. Nesse caso, se temos o conjunto são tropos. Nesse caso, se temos o conjunto de tropos iguais de tropos iguais T1, T2, T3 e T4T1, T2, T3 e T4, podemos , podemos dizer (usando ‘=’ para abreviar igualdade):dizer (usando ‘=’ para abreviar igualdade):

T1 = T2, T2 = T3, T3 = T4 etc.T1 = T2, T2 = T3, T3 = T4 etc.

Mas aqui surge um problema. De modo a Mas aqui surge um problema. De modo a construir uma classe de tropos similares construir uma classe de tropos similares precisamos saber que o primeiro tropo de precisamos saber que o primeiro tropo de igualdade é similar ao segundo tropo de igualdade é similar ao segundo tropo de igualdade, e que o segundo é igual ao igualdade, e que o segundo é igual ao terceiro etc. terceiro etc.

Mas como sabemos disso?Mas como sabemos disso?

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Bom, como não podemos apelar para uma idéia Bom, como não podemos apelar para uma idéia abstrata de igualdade, deve ser por apelar para um abstrata de igualdade, deve ser por apelar para um terceiro tropo de igualdade.terceiro tropo de igualdade.Assim, a igualdade entre T1 e T2 é igual à Assim, a igualdade entre T1 e T2 é igual à igualdade entre T2 e T3, e essa igualdade entre as igualdade entre T2 e T3, e essa igualdade entre as duas igualdades é um novo tropo de igualdade. duas igualdades é um novo tropo de igualdade. Como a mesma questão pode ser colocada com Como a mesma questão pode ser colocada com respeito à igualdade entre os tropos de igualdade respeito à igualdade entre os tropos de igualdade desse segundo nível e assim por diante, parece que desse segundo nível e assim por diante, parece que caímos em uma espécie de regresso piramidal, que caímos em uma espécie de regresso piramidal, que pode ser parcialmente representado no esquema pode ser parcialmente representado no esquema seguinte:seguinte:

(1) (1) T’’1 =...T’’1 =... T’1 = T’2 =...T’1 = T’2 =... T1 = T2 = T3 = T4…T1 = T2 = T3 = T4…

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(1) (1) T’’1 =...T’’1 =... T’1 = T’2 =...T’1 = T’2 =... T1 = T2 = T3 = T4…T1 = T2 = T3 = T4…

Mesmo que não seja infinito esse regresso parece Mesmo que não seja infinito esse regresso parece suficientemente esmagador para o intelecto suficientemente esmagador para o intelecto humano. Além disso, não parece que ele seja humano. Além disso, não parece que ele seja algo realmente experienciado.algo realmente experienciado.

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I. TROPOS E UNIVERSAIS

(CONTINUAÇÃO)

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Na tentativa de ultrapassar essas dificuldades, Na tentativa de ultrapassar essas dificuldades, quero propor uma concepção algo diferente dos quero propor uma concepção algo diferente dos universais, inspirada pelo tipo de tratamento que universais, inspirada pelo tipo de tratamento que filósofos empiristas como Berkeley deram as filósofos empiristas como Berkeley deram as “idéias”, de modo a assegurar a sua unidade. A luz “idéias”, de modo a assegurar a sua unidade. A luz desse tratamento sugiro que um universal possa desse tratamento sugiro que um universal possa ser definido de maneira muito simples como:ser definido de maneira muito simples como:

UNIVERSALUNIVERSAL(df)(df)::

Um tropo T* qualquer Um tropo T* qualquer tomado tomado como modelo,como modelo, ou qualquer outro tropo ou qualquer outro tropo igual a igual a eleele..

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(i) Aceitando essa definição, o problema do tamanho (i) Aceitando essa definição, o problema do tamanho desaparece, pois é indiferente à definição quantos tropos desaparece, pois é indiferente à definição quantos tropos são iguais a T*.são iguais a T*.

(ii) O problema do status ontológico da classe também (ii) O problema do status ontológico da classe também desaparece, pois nessa análise nenhuma menção precisa desaparece, pois nessa análise nenhuma menção precisa ser feita ao conceito de classe.ser feita ao conceito de classe.

Para exemplificar: Quando alguém profere a sentença Para exemplificar: Quando alguém profere a sentença “Essa rosa é vermelha”, a pessoa quer dizer que essa rosa “Essa rosa é vermelha”, a pessoa quer dizer que essa rosa tem um tropo Tr que é similar ao tropo Tr* tomado como tem um tropo Tr que é similar ao tropo Tr* tomado como um modelo na memória do falante, o qual remonta à sua um modelo na memória do falante, o qual remonta à sua experiência de coisas vermelhas (não penso em T* como experiência de coisas vermelhas (não penso em T* como sendo um único: qualquer T pode ser tomado como T* e o sendo um único: qualquer T pode ser tomado como T* e o modelo usado pelo ouvinte não precisará ser o mesmo modelo usado pelo ouvinte não precisará ser o mesmo usado pelo falante, o qual não precisa permanecer o usado pelo falante, o qual não precisa permanecer o mesmo a cada proferimento).mesmo a cada proferimento).

E quando o falante profere a sentença “Vermelho é uma E quando o falante profere a sentença “Vermelho é uma cor” ele quer dizer que sempre que nos for dado um tropo cor” ele quer dizer que sempre que nos for dado um tropo de vermelho, ele será também um tropo de cor.de vermelho, ele será também um tropo de cor.

(iii) Finalmente, o terceiro problema também parece (iii) Finalmente, o terceiro problema também parece desaparecer, pois não precisamos comparar uma desaparecer, pois não precisamos comparar uma similaridade com a outra, mas somente os tropos T1, T2... similaridade com a outra, mas somente os tropos T1, T2... Tn individualmente com o tropo T*.Tn individualmente com o tropo T*.

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Ao invés do regresso piramidal, o esquema toma Ao invés do regresso piramidal, o esquema toma uma forma mais razoável:uma forma mais razoável:

(2) (2) T1T1 llll T2 = T* = T3T2 = T* = T3 llll T4…T4…

Alguém poderá redarguir que uma Alguém poderá redarguir que uma solução tão simples não elimina solução tão simples não elimina totalmente o problema. Afinal, suponha totalmente o problema. Afinal, suponha que queiramos saber se T1 é similar a T4? que queiramos saber se T1 é similar a T4? Se precisamos nos valer de um modelo T*, Se precisamos nos valer de um modelo T*, isso é feito por comparação com esse isso é feito por comparação com esse modelo, como no esquema seguinte: modelo, como no esquema seguinte:

T1 = T* = T4T1 = T* = T4

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Certamente, surge aqui a questão de se Certamente, surge aqui a questão de se saber se a primeira igualdade é igual à saber se a primeira igualdade é igual à última igualdade, o que nos força a recorrer última igualdade, o que nos força a recorrer a uma igualdade de segunda ordem.a uma igualdade de segunda ordem. Apesar disso, a atual solução é mais Apesar disso, a atual solução é mais econômica do que a inicialmente econômica do que a inicialmente considerada:considerada:

Pois segundo a primeira solução, Pois segundo a primeira solução, considerando que T1 = T2 = T3 = T4 considerando que T1 = T2 = T3 = T4 chegávamos à conclusão de que T1 = chegávamos à conclusão de que T1 = T4 pela lei da transitividade, mas T4 pela lei da transitividade, mas precisávamos justificar a aplicação precisávamos justificar a aplicação dessa lei pelo recurso a uma pirâmide dessa lei pelo recurso a uma pirâmide de igualdades de ordens superiores.de igualdades de ordens superiores.

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Existe um outro caminho pelo qual Existe um outro caminho pelo qual precisamos recorrer a similaridades exatas precisamos recorrer a similaridades exatas de ordem superior. Afinal, se igualdades são de ordem superior. Afinal, se igualdades são tropos, o universal ‘igualdade’ precisa ser tropos, o universal ‘igualdade’ precisa ser construído de tal modo que certo tropo de construído de tal modo que certo tropo de igualdade, que pode ser chamado de Ts*, igualdade, que pode ser chamado de Ts*, seja admitido como modelo para os outros seja admitido como modelo para os outros tropos de igualdade. Nosso esquema será:tropos de igualdade. Nosso esquema será:

(3) (3) Ts1Ts1 llll Ts2 = Ts* = Ts3Ts2 = Ts* = Ts3 ll ll Ts4…Ts4…

Page 27: INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS TROPOS Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos. D. C. Williams

(3) (3) Ts1Ts1 llll Ts2 = Ts* = Ts3Ts2 = Ts* = Ts3 ll ll Ts4…Ts4…

Ora, sendo as igualdades tropos, então parece que Ora, sendo as igualdades tropos, então parece que podemos ter tropos de igualdade de segunda podemos ter tropos de igualdade de segunda ordem referidos pelos signos de igualdade que ordem referidos pelos signos de igualdade que estão entre Ts1 and Ts*, entre Ts2 e Ts*, e assim estão entre Ts1 and Ts*, entre Ts2 e Ts*, e assim por diante – chamemo-los Tss1, Tss2 etc.por diante – chamemo-los Tss1, Tss2 etc. De maneira a fazer referência ao universal De maneira a fazer referência ao universal composto por essas igualdades de igualdades composto por essas igualdades de igualdades precisaremos de um novo tropo modelar de precisaremos de um novo tropo modelar de igualdades de igualdades, que será Tss*. É fácil igualdades de igualdades, que será Tss*. É fácil predizer que poderíamos criar um número predizer que poderíamos criar um número indeterminado de ordens superiores de tropos de indeterminado de ordens superiores de tropos de igualdade dessa maneira.igualdade dessa maneira.

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Uma resposta razoável a esta suposta objeção é Uma resposta razoável a esta suposta objeção é a de que a conseqüência predita é inofensiva:a de que a conseqüência predita é inofensiva:

Nada nos impede de parar quando não Nada nos impede de parar quando não

encontramos mais vantagem explanatória em encontramos mais vantagem explanatória em prosseguir.prosseguir.

Como H. H. Price notou, as mesmas Como H. H. Price notou, as mesmas conseqüências resultam da adoção do realismo: a conseqüências resultam da adoção do realismo: a idéia da idéia na filosofia de Platão nada mais é idéia da idéia na filosofia de Platão nada mais é do que uma idéia de segunda ordem.do que uma idéia de segunda ordem.

Provavelmente Platão, ao criticar a sua doutrina Provavelmente Platão, ao criticar a sua doutrina

das idéias, fazia das idéias, fazia uma idéia de sua idéia da idéia.uma idéia de sua idéia da idéia. Mas ele não precisaria prosseguir neste Mas ele não precisaria prosseguir neste

procedimento indefinidamente, posto que há um procedimento indefinidamente, posto que há um ponto para além do qual as razões explanatórias ponto para além do qual as razões explanatórias cessam. cessam.

Page 29: INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS TROPOS Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos. D. C. Williams

Finalmente, vale a pena observar que a Finalmente, vale a pena observar que a igualdade não precisa ser vista como um tropo igualdade não precisa ser vista como um tropo como os outros. como os outros.

Considere, por exemplo, as condições de Considere, por exemplo, as condições de igualdade para a igualdade. Elas devem igualdade para a igualdade. Elas devem pressupor vaguidade e extensões espaciais pressupor vaguidade e extensões espaciais extremamente variáveis. Muitos diriam que a extremamente variáveis. Muitos diriam que a igualdade não ocupa espaço nem tempo. igualdade não ocupa espaço nem tempo.

Mas não estou certo disso.Mas não estou certo disso.

Quando considero a igualdade entre as cores de Quando considero a igualdade entre as cores de dois sapatos que estou vendo na vitrina da loja, dois sapatos que estou vendo na vitrina da loja, a igualdade entre essas coisas parece estar de a igualdade entre essas coisas parece estar de algum modo por aqui mesmo e não, digamos, lá algum modo por aqui mesmo e não, digamos, lá fora ou em lugar algum. E quando alguém fora ou em lugar algum. E quando alguém considera as igualdades entre a forma de nossa considera as igualdades entre a forma de nossa galáxia e a forma da galáxia de Andrômeda, a galáxia e a forma da galáxia de Andrômeda, a igualdade deve ter algo a ver com toda a região igualdade deve ter algo a ver com toda a região do universo na qual elas se encontram, pois tal do universo na qual elas se encontram, pois tal igualdade não existiria se esses aglomerados de igualdade não existiria se esses aglomerados de estrelas não existissem.estrelas não existissem.

Page 30: INTRODUÇÃO À ONTOLOGIA DOS TROPOS Qualquer mundo possível e, é claro, o nosso, é totalmente constituído de seus tropos. D. C. Williams

Talvez devêssemos agora ser lembrados Talvez devêssemos agora ser lembrados que a similaridade tem a ver com lógica e que a similaridade tem a ver com lógica e que, tal como o espaço e o tempo, a lógica que, tal como o espaço e o tempo, a lógica estaria além do reino dos tropos.estaria além do reino dos tropos.

Contudo, a lógica já foi considerada como Contudo, a lógica já foi considerada como algo algo que só não parece empírico por dizer que só não parece empírico por dizer respeito à realidade empírica como um respeito à realidade empírica como um todo.todo.

É possível sugerir que a igualdade seja É possível sugerir que a igualdade seja também um também um tropo algo diversotropo algo diverso, que vige , que vige entre os operadores lógicos e os tropos entre os operadores lógicos e os tropos perceptíveis mais típicos...perceptíveis mais típicos...

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Comparemos agora a presente solução para o Comparemos agora a presente solução para o problema dos universais com as tradicionais problema dos universais com as tradicionais soluções realista e nominalista:soluções realista e nominalista:

Para o realista, propriedades universais devem Para o realista, propriedades universais devem ser objetos abstratos não-empíricos, acessíveis ser objetos abstratos não-empíricos, acessíveis somente ao intelecto.somente ao intelecto.

Isso nos força à admissão da existência de dois Isso nos força à admissão da existência de dois mundos, nosso mundo empírico e ainda um outro mundos, nosso mundo empírico e ainda um outro mundo com um infinito número de entidades mundo com um infinito número de entidades abstratas, entidades para as quais não temos abstratas, entidades para as quais não temos critérios de identidade, posto que elas não são critérios de identidade, posto que elas não são espaço-temporalmente localizadas.espaço-temporalmente localizadas.

Mais além, o realista é deixado com o Mais além, o realista é deixado com o aparentemente insolúvel problema de como aparentemente insolúvel problema de como explicar a relação entre as entidades abstratas explicar a relação entre as entidades abstratas extramundanas e os particulares que deles extramundanas e os particulares que deles participam e que os instanciam.participam e que os instanciam.

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Por outro lado, a solução nominalista é uma Por outro lado, a solução nominalista é uma espécie de reação reativa contra o realismo, espécie de reação reativa contra o realismo, limitada pelas mesmas assunções.limitada pelas mesmas assunções.

O nominalista consistente “resolve” o O nominalista consistente “resolve” o problema dos universais através de uma problema dos universais através de uma contra-intuitiva negação da existência das contra-intuitiva negação da existência das propriedades; para ele há apenas propriedades; para ele há apenas particulares nus e a predicação é um particulares nus e a predicação é um flatusflatus vocisvocis sem referência real. sem referência real.

Mas essa parece ser uma estratégia de Mas essa parece ser uma estratégia de avestruz… com a qual ele se recusa a fazer avestruz… com a qual ele se recusa a fazer face aos problemas.face aos problemas.

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A teoria dos tropos, ao invés, A teoria dos tropos, ao invés, não duplica os não duplica os mundos como o realismo, nem nos força ao mundos como o realismo, nem nos força ao contra-senso.contra-senso.

Em seus princípios, ao menos, ela está em Em seus princípios, ao menos, ela está em perfeito acordo com o perfeito acordo com o senso comum.senso comum.

Se você perguntar ao homem comum onde Se você perguntar ao homem comum onde as propriedades estão, ele irá responder as propriedades estão, ele irá responder apontando para o azul do céu, para a apontando para o azul do céu, para a solidez da mesa, e comprovando a frieza de solidez da mesa, e comprovando a frieza de um cubo de gelo pelo tato.um cubo de gelo pelo tato.

Somente anos de doutrinação filosófica Somente anos de doutrinação filosófica poderão ser bem sucedidos em condicionar poderão ser bem sucedidos em condicionar a sua mente a ver essas coisas de modo a sua mente a ver essas coisas de modo diferente!diferente!

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II. TROPOS E PARTICULARES II. TROPOS E PARTICULARES CONCRETOSCONCRETOS

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Tropos e particulares concretosTropos e particulares concretos

O segundo grande problema é o de como O segundo grande problema é o de como construir particulares concretos com base construir particulares concretos com base em tropos. Para D. C. Williams, um em tropos. Para D. C. Williams, um particular concreto é uma soma de tropos.particular concreto é uma soma de tropos. Tropos podem ser associados de modo a Tropos podem ser associados de modo a formar agregados de tropos e, formar agregados de tropos e, eventualmente, particulares concretos.eventualmente, particulares concretos.

O conceito-chave aqui é o de O conceito-chave aqui é o de co-ocorrência (concurrence):co-ocorrência (concurrence): a a mesmidade da localização mesmidade da localização espaço-temporal dos tropos.espaço-temporal dos tropos.

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Esse conceito de co-ocorrência pode ser Esse conceito de co-ocorrência pode ser analisado como composto de dois outros, analisado como composto de dois outros, a co-a co-localização e a co-temporalidadelocalização e a co-temporalidade.. A co-localização dos tropos é a sua localização A co-localização dos tropos é a sua localização em certa região do espaço, sem levar em em certa região do espaço, sem levar em consideração quando eles se encontram nessa consideração quando eles se encontram nessa região.região. Assim, duas pessoas que tomam turnos em Assim, duas pessoas que tomam turnos em dormir em uma mesma cama não deixam de ser co-dormir em uma mesma cama não deixam de ser co-localizadas nessa região do espaço.localizadas nessa região do espaço. A co-temporalidade de tropos é a sua existência A co-temporalidade de tropos é a sua existência durante um mesmo intervalo de tempo. Assim, o durante um mesmo intervalo de tempo. Assim, o monte Roraima e eu somos co-temporais, mas não monte Roraima e eu somos co-temporais, mas não somos co-localizados.somos co-localizados. A co-ocorrência dos tropos surge quando eles A co-ocorrência dos tropos surge quando eles são co-localizados e co-temporais, ou seja, quando são co-localizados e co-temporais, ou seja, quando eles existem simultaneamente durante certo eles existem simultaneamente durante certo intervalo de tempo em certa região espacial.intervalo de tempo em certa região espacial.A co-ocorrência dos tropos é a co-temporalidade de tropos co-A co-ocorrência dos tropos é a co-temporalidade de tropos co-localizados.localizados.

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Um particular concreto, como uma cadeira, Um particular concreto, como uma cadeira, deve ser totalmente constituído por tropos deve ser totalmente constituído por tropos de peso, dureza, cor, forma etc. que estão de peso, dureza, cor, forma etc. que estão relacionados uns aos outros minimamente relacionados uns aos outros minimamente através de co-ocorrência (através de co-ocorrência (i.e.i.e. por co- por co-localização co-presente).localização co-presente). A vantagem dessa concepção é que ela nos A vantagem dessa concepção é que ela nos permite abandonar o velho conceito de permite abandonar o velho conceito de substância entendido como um substrato substância entendido como um substrato oculto das propriedades.oculto das propriedades.

O particular concreto evidencia-se como O particular concreto evidencia-se como uma alcachofra, que consiste somente em uma alcachofra, que consiste somente em suas folhas, que são os tropos.suas folhas, que são os tropos.

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É preciso lembrar, também, que pode É preciso lembrar, também, que pode haver sentidos da palavra ‘substância’ haver sentidos da palavra ‘substância’ resgatáveis através de uma ontologia resgatáveis através de uma ontologia dos tropos.dos tropos.

Se a substância for entendida como Se a substância for entendida como “aquilo que existe em si mesmo e sem “aquilo que existe em si mesmo e sem a necessidade de outra coisa,”a necessidade de outra coisa,”então então parece que ela pode ser aproximada parece que ela pode ser aproximada do conceito de do conceito de um sistema de tropos um sistema de tropos co-ocorrentes essenciais à co-ocorrentes essenciais à identificação de um tipo de objeto identificação de um tipo de objeto materialmaterial..

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Uma ingênua, mas instrutiva objeção contra essa Uma ingênua, mas instrutiva objeção contra essa maneira de ver é que nesse caso toda predicação maneira de ver é que nesse caso toda predicação se torna tautológica: o proferimentose torna tautológica: o proferimento ““As suas unhas são vermelhas”As suas unhas são vermelhas” é tautológico porque vermelho é predicado de um é tautológico porque vermelho é predicado de um sujeito que já possui tropos de vermelho como sujeito que já possui tropos de vermelho como constituintes. constituintes.

Essa objeção pode em princípio ser refutada se Essa objeção pode em princípio ser refutada se pudermos distinguir tropos pudermos distinguir tropos essenciaisessenciais de outros, de outros, não-essenciais.não-essenciais.

Tropos essenciais a um objeto material são Tropos essenciais a um objeto material são aqueles que consideramos como aqueles que consideramos como necessariamentenecessariamente pertencentes a ele, sendo referidos a ele em sua pertencentes a ele, sendo referidos a ele em sua definição.definição.

Diversamente de dureza e forma, os tropos de Diversamente de dureza e forma, os tropos de vermelho de suas unhas não pertencem a elas vermelho de suas unhas não pertencem a elas necessariamente. Portanto, esses tropos não são necessariamente. Portanto, esses tropos não são constitutivos do objeto referido pelo termo singular constitutivos do objeto referido pelo termo singular ‘suas unhas’ e a sentença não é tautológica.‘suas unhas’ e a sentença não é tautológica.

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Uma outra dificuldade, apontada por Cris Daily, nasce do fato Uma outra dificuldade, apontada por Cris Daily, nasce do fato de que a teoria dos tropos é vulnerável a argumentos de de que a teoria dos tropos é vulnerável a argumentos de regresso análogos aos usados contra os objetos abstratos regresso análogos aos usados contra os objetos abstratos assumidos pelo realismo.assumidos pelo realismo.No caso de particulares concretos, Cris Daily mostrou que é possível construir, contra a idéia de co-ocorrência, o seguinte argumento:

1) Suponha que um particular concreto fosse constituído somente pelos tropos T1, T2 e T3. Como a relação de co-ocorrência não pode ser uma entidade abstrata, ela deve ser um tropo.

2) Chamemo-la de relação Tc.

3) Nesse caso parece que nós temos um novo particular concreto, constituído por T1, T2, T3 e Tc.

4) Ora, para dar conta desse particular precisamos de uma nova co-ocorrência para T1, T2, T3 e Tc, a qual poderá ser chamada de Tc’.

5) Mas a adição de Tc’ gera um novo particular, que requer uma nova co-ocorrência e assim infinitamente.

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Uma resposta a essa objeção poderia tomar uma forma Uma resposta a essa objeção poderia tomar uma forma similar àquela que filósofos realistas aplicaram em defesa de similar àquela que filósofos realistas aplicaram em defesa de suas próprias entidades abstratas. suas próprias entidades abstratas.

Para o realista platônico as formas ou idéias possuíam um Para o realista platônico as formas ou idéias possuíam um status status suisui--generisgeneris,, sugerido pelo fato delas resistirem à sugerido pelo fato delas resistirem à autopredicação.autopredicação.

Assim, embora o vermelho se autopredique, pois o vemelho é Assim, embora o vermelho se autopredique, pois o vemelho é vermelho, e o grande também, pois o grande é grande, nem a vermelho, e o grande também, pois o grande é grande, nem a idéia de vermelho é vermelha nem a de grandeza é grande.idéia de vermelho é vermelha nem a de grandeza é grande.

Ora, a co-ocorrência também parece se autopredicar, pois ela Ora, a co-ocorrência também parece se autopredicar, pois ela não é co-ocorrente (se fosse, com o que seria ela co-não é co-ocorrente (se fosse, com o que seria ela co-ocorrente?).ocorrente?).

Do mesmo modo, a co-localização não se co-localiza, a co-Do mesmo modo, a co-localização não se co-localiza, a co-temporalidade não se co-temporaliza, nem a similaridade é temporalidade não se co-temporaliza, nem a similaridade é similar.similar.

Por ser a co-ocorrência um tropo limitador Por ser a co-ocorrência um tropo limitador suisui--generisgeneris, , diferente dos outros, podemos argumentar que não faz diferente dos outros, podemos argumentar que não faz sentido demandar um tropo adicional de co-ocorrência para sentido demandar um tropo adicional de co-ocorrência para garantir a co-localização e co-temporalidade de um agregado garantir a co-localização e co-temporalidade de um agregado de tropos.de tropos.

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O ponto importante que precisa ser notado é que, O ponto importante que precisa ser notado é que, embora possamos ser obrigados, em defesa da embora possamos ser obrigados, em defesa da teoria dos tropos, a aplicar estratégias teoria dos tropos, a aplicar estratégias semelhantes àquelas que foram usadas em defesa semelhantes àquelas que foram usadas em defesa das teorias realistas dos universais, nós estamos das teorias realistas dos universais, nós estamos fazendo isso de um modo fazendo isso de um modo totalmente inexpensivo, totalmente inexpensivo, nem pressupondo nem multiplicando entidades nem pressupondo nem multiplicando entidades questionáveis.questionáveis.

A teoria dos tropos é, pois, uma promessa de se A teoria dos tropos é, pois, uma promessa de se encontrar um fim para mais de dois mil anos de encontrar um fim para mais de dois mil anos de especulação ontológica em torno de coisas especulação ontológica em torno de coisas tão tão misteriosas como idéias platônicas, particulares misteriosas como idéias platônicas, particulares nus e substâncias ocultas.nus e substâncias ocultas.

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fim