imagens do materialismo nos contos de voltaire · nascimento, m. das g.s. - imagens do materialismo...

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Trans/Forml Ação, São Paulo 7:3 7-48, 1 984. IMAGENS DO MATERIALISMO NOS CONTOS DE VOLTAIRE Maria das Graças S. NASCIMENTO* RESUMO: Os contos filosóficos d e Voltaire organizam-se a partir de dois pólos d e reflexão: de um lado, a discussão sobre a noção de uma providência divina benfeitora, e, em alguns casos, mais precisa- mente, sobre o otimismo leibniziano; de outro, a polêmica em torno do materialismo ateu. Procuramos demonstrar de que modo, através de situações e personagens dos contos voltaireanos, a crítica das teo- rias pro videncialistas contribui para delinear o universo próprio dos conceitos do materialismo clássico. UNI TER MOS: Voltaire; materialismo; materialismo ateu; contos filosóficos; o t imismo filosófico; providência divina. Jacques van den Heuvel, em seu excelente trabalho sobe os contos de Voltaire (8) , havia observado a existência de dois períodos no processo de produção dos contos. O primeiro, anterior aos anos 67-68, ou seja, a época que se estende desde a publicação dos primeiros contos até o aparecimento do Ingênuo, incluindo portanto Micrômegas, Zadig e Cândido como os mais conhecidos, corresponderia a uma espécie de ficção on- de o elo entre as experiências pessoais do autor e as suas próprias produções aparece em toda a sua transparência. Poder-se-ia dizer, em outras palavras, que nesta primeira fa- se, Voltaire, um introvertido quando se tratava de falar de si mesmo, teria conseguido expressar nos contos suas próprias angústias e·interrogações. Tal la ço vivo entre o au- tor e sua obra teria dado origem a uma produção de grande q ualidade. De o utro lado, os contos posteriores a O Ingênuo são considerados por Van den Heuvel como simples reedições ou sombras apagadas dos primeiros. A causa deste decréscimo de qualidade na ficção voltaireana estaria no fato de, após 1 768, os contos terem se transformado em atividade panfIe tária, pois a intenção do au tor de u tilizar tais obras para servir a objetivos determinados é por demais evidente. Tal seria o caso principalmente do conto História de Jenni, concebido por Voltaire especificamente para servir de arma de com- bate contra o materialismo ateu. Pensamos todavia que, se de um lado o julgamento de Van den Heuvel sobre a di- ferença de qualidade dos contos se justifica (não se pode negar a excelência do Cândido em relação a outros contos), de outro lado, a afirmação pura e simples de q ue o contis- ta em idade avançada repete, e mal, o contista mais jovem precisa ser melhor esclareci- da. Não há dúvida de que Voltaire se repete nos seus contos, no sentido de que certos temas, como o da providência e o da existência do mal, são retomados incansavelmente em quase todas as narrações. Quanto ao caráter panfIetário deste tipo de obra de Vol- * Departamento de Filosofia - Faculdade d e Educação, Filosofia, Ciências Sociai s e da Documcntaào - UNESP _ 17 .5 - Marília - SP. 37

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Page 1: IMAGENS DO MATERIALISMO NOS CONTOS DE VOLTAIRE · NASCIMENTO, M. das G.S. - Imagens do materialismo nos contos de Voltaire. Trans/Form/ Ação, São Paulo, 7:37-48, 1984. taire, pode-se

Trans/Forml Ação, São P a u l o 7 : 37-48, 1 98 4 .

IMAGENS DO MATERIALISMO NOS CONTOS DE VOLTAIRE

Maria das G raças S . N A SC I M E N T O *

R ES UMO: Os con tos filosóficos d e Voltaire organizam -se a partir de dois pólos d e reflexão: de um

lado, a discussão sobre a noção de uma pro vidência divina benfeitora, e, em alguns casos, mais precisa­

mente, sobre o otimismo leibn iziano; de outro, a polêm ica em torno do materialismo ateu . Procuramos

demonstrar de que modo, atra vés de situações e personagens dos contos voltaireanos, a crítica das teo­

rias pro videncialistas con tribu i para delinear o u n iverso próprio dos conceitos do materialismo clássico.

UNI TER MOS: Voltaire; materialismo; materialismo ateu; con tos filosóficos; otimismo filosófico;

providência divina.

J acques van den Heuvel , em seu excelente trabalho sob.re os contos de V oltaire ( 8 ) , havia observado a existência d e dois períodos no processo d e produção dos contos . O primeiro, anterior aos anos 67-68 , ou sej a , a época que se estende desde a publ icação dos primeiros contos até o aparec imento do Ingênuo, inc luindo portanto Micrômegas, Zadig e Cândido como os mais conhecidos , corresponderia a uma espécie de ficção on­de o elo entre as experiências pessoais d o autor e as suas próprias produções aparece em toda a sua transparência . Poder-se-ia d izer , em outras palavras , que nesta pr imeira fa­se, Voltaire, um i ntrovertido quando se tratava de falar de s i mesm o , teria conseguido expressar nos contos suas próprias angúst ias e · i nterrogações . Tal laço vivo en tre o au­tor e sua obra teria dado origem a uma produção de grande qual idade . De outro lado, os contos posteriores a O Ingênuo são considerados por Van den H euvel como s imples reedições ou sombras apagadas dos primeiros . A causa deste decréscimo de qual idade na ficção voltaireana estaria no fato de , após 1 76 8 , os contos terem se transformado em atividade pan fIetária, pois a i n tenção do autor de ut i l izar tais obras para servir a objetivos determ inados é por demais evidente . Tal seria o caso principalmente do conto História de Jenn i, concebido por V o l taire espec ificamente para servir de arma de com­bate contra o material ismo ateu .

Pensamos todavia que, se de um lado o j u lgamento de Van den H euvel sobre a d i ­ferença de qual idade dos contos se j ust i fica ( não se p o d e negar a excelência do Cândido em relação a outros contos) , de outro lado, a afirmação pura e s imples de que o contis­ta em idade avançada repete, e mal , o contista mais j ovem precisa ser melhor esclareci­da. N ão h á dúvida de que V ol taire se repete nos seus contos, no sentido de que certos temas , como o da providência e o da existência do mal , são retomados incansavelmente em quase todas as narrações . Quanto ao caráter panfIetário deste t ipo de obra de Vol-

* Departamento d e F i l osofia - Faculdade d e Educação, Filosofia, Ciências Sociais e d a Documcntaí;ào - UNESP _

17 .500 - M arí l i a - SP.

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N A SC I M E N T O , M . das G . S . - I magens do m a t e r i a l i s m o nos contos de V o l t a i r e . Trans/Form/ Ação, São Paulo, 7 : 37-48, 1 98 4 .

taire, pode-se d izer que ele se estende a todos os contos, mesmo àqueles que Van den Heuvel situa na primeira fase, na medida em que os propósitos aos quais a ficção serve de pretexto são sempre fac i l mente identi ficáveis . O Cândido não deixa de ser um pan­fleto contra o ot imismo de Pope e Leibniz , O Ingênuo, ou tro contra os j esu í tas ou a mental idade j es u í t ica, da mesma forma como a ' História de Jenni se d i rige c laramente contra o ateísm o .

Ao analisarmos pois os contos de V o l taire, entramos e m contato d i reto com o s te­mas de sua f i losofia, que se apresentam nos contos com as mesmas características com as quais se m an i festam nos textos ditos " teóricos " . É por tal razão que um trabalho so­bre as imagens de m ateria l i smo nos contos de Vol taire não pode de modo algum consi� derar apenas os contos q u e tratam especificamente dos temas da fi losofia material ista , como , por exem plo , A s orelhas do conde de Chesterfield ou a História de Jenni. A to­mada em consideração dos outros contos é mesmo necessária, pois , mesmo quando Voltaire não discute d i retamente o materia l i smo, a coincidência de seus temas de refle­xão com os da f i losofia material ista é inegável .

Tomados em seu conj unto , podemos observar i mediatamente nos contos a perma­nência de três q uestões fundamentai s . São elas : a afirmação da existência do mal no mundo contra a idéia de u m a providência div ina benfeitora, a defesa do sensual ismo contra a teoria das idéias i natas e , por fim , a proposição segundo a qual as determina­ções que atuam sobre o dest ino dos homens são de natureza puramente material , mes­mo banal , contra a idéia de um destino sobrenatural do ser humano . Ao discutir tais questões através dos episódios e personagens dos contos, Vol taire est imula o leitor a concluir por respostas- l i m ite e mesmo paradoxais . Ass im, embora o anj o J esrad , no Zadig, apareça para tentar concil iar o absurdo dos fatos com a idéia de providência di­vina, as desventuras sucessivas do personagem levam faci lmente à conclusão de que tal providência é ineficaz _ Do mesmo modo, no Cândido, ainda que o fato de poder cul t i ­var o j ardim sugira que , fei to o balanço gera l , o mundo não ser ia tão mau e a v ida não seria tão d i f í c i l , o autor, entretanto, através de exageros e da caricatura, j á havia sut i l ­mente conduzido seus le i tores à conclusão de que esse nosso mundo é realmente o pior dos mundos possíveis . E m bora em q uase todos os contos existam propostas conci l iado­ras para os paradoxos, elas são , na maioria das vezes , afastadas pelo autor, que propo­sitadamente i nterrompe a d i scussão . Findo o conto, restam na mente do leitor respos­tas radicais . N o entanto, História de Jenni, cuj o alvo preciso é a fi losofia material ista e ateísta, encerra u m a proposta essencialmente conci l iadora _ Em bora o texto apresen­te, no diálogo entre o sábio e o fanático, uma das investidas mais irônicas e violentas de Voltaire contra o crist ian ismo, no diálogo seguinte , entre o sábio e o ateu , a solução deísta é vitoriosa precisamente porque evita os excessos do fanatismo e d o ateí smo .

Ass i m , vemos que ocorre nos contos voltaireanos o mesmo processo ocorr ido em suas obras teóricas, ou sej a , existem proposições ni t idamente de caráter material ista subj acentes a ambas as espécies de textos . V o l taire, todavia, l imita o alcance das con­clusões materia l i s tas no momento em que elas atingem a q uestão da existência de Deu s . Aqui o autor recorre a o deísmo, solução i ntermediária, insatisfatóda certamente, co­mo o próprio Yol taire reconhece, mas isenta do risco do dogmatismo e mais apropria­da a fundamentar a moral .

Retomentos pois a série dos contos . A pr incipal pergunta à qual V o ltaire procura responder através das aventuras de Zadig é colocada de uma maneira mais gera l , se o homem pode ser fel i z , e de uma maneira mais particular, se a sabedoria e a virtude po­dem trazer a fel ic idade _ O conto Zadig ou o destino foi publ icado i n icialmente em 1 747 . Alguns episódios d o conto só aparecem na segunda edição , de 1 74 8 , outros fo-

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ram acrescentados só em 1 75 6 , e ainda dois capítulos , "A dansa " e "Os olhos azu i s " s ó foram publ icados e m edições póstumas. O personagem central , Zadig , é um homem puro, l ivre oe preconceitos , j ovem r ico, desprovido de paixões , sem orgu l h o , generoso. I nstruído nas c iências , Zadig possui todas as qual idades para ser fel iz e v iver tranq ü i l a­mente (23 , p. 5 ). Mas os acontec imentos que sobrevêm só concorrem para sua desgraça. Todo o Zadig é a h i stória da intromissão de um " porém " no curso da fel ic idade.

Ass im , ás vésperas de seu casamento, Zadig é agredido por bandidos a mando de um rival e perde a visão de um olho; perde em segu ida a própria noiva que não pôde aceitar sua semi-cegueira. E scolhe então para esposa uma mulher do povo, que ele crê mais virtuosa, mas que acaba também por traí- lo. Após tais desventuras conj ugaís , o herói resolve retirar-se no campo , onde, por sua vez , toda a sua intel igência e perspicá­cia lhe valem u m mal-entendido que o condena ao ex í l io. Desfeito o mal-entend ido , Zadig tenta encontrar na f i losofia a consolação para seus males , mas sua sabedoria só provoca invej a s , e um caluniador consegue, através de engenhoso art i f íc io , colocá-lo na ·pr isão. Fel izmente a calúnia é desmascarada e nosso herói passa por um período de paz, e mesmo de certa glór ia. Mas a i n fel ic idade logo está de volta e Zadig é obr igado a fugir. Apris ionado como escravo, suas virtudes atraem a benevolência de seu mestre, que decide l ibertá-lo. N o entanto , novas desventuras o esperam , e ass im sucessivamen­te. Até as cenas f inais do conto, a v ida de Zadig se apresenta como um fluxo e refluxo , onde as promessas de fel ic idade são constantemente desmentidas pe los fatos.

Em meio a este vaivém da tranqu i l idade, o herói faz as suas reflexões. Após o pr i c meiro desgosto , Zadig j ulga que é d i f íc i l ser fel i z , e que mesmo a sabedoria pode ser causa dos nossos males (23 , p. 1 2). Quando surgem per íodos de paz, ele recomeça a crer na fel icidade (23 , p. 1 6). Tantas desventuras , todavia, acabam por torná- lo desconfia­do, mesmo durante as fases fel izes da v ida. Tal é o s igni ficado do sonho de Zadig des­crito no episódio sobre as d isputas e audiências. A imagem do le ito de rosas do qual s u rge uma serpen te venenosa retrata a própria vida do herói, aco m e t ido por constan tes

desgraças exatamente em ocasiões em que ele j u lgava ter f inalmente encontrado a paz. H á momentos em que ele se desespera : " O que é pois a v ida humana? Ó virtude ! Para que me serviste? Tudo o que fiz de bom sempre foi para mim uma fonte de maldições ... Se eu tivesse s ido mau como tantos outros, eu teria s ido fel iz como eles o são " (23 , p. 26). " E nfim , escapou- lhe murmurar contra a providência, e ele foi tentado a acredi ­tar que tudo era governado por u m dest ino crue l que opr imia os bons" (23 , p. 5 7 ). A questão aqui se apresenta nos segui n tes termo s : ou a providência d iv ina não existe , o u , s e e l a existe , trata-se de uma providência cruel. Neste momento , Vol taire faz intervir um personagem que tenta responder ás i n terrogações de Zadig de maneira conci l iató­ria. Tal personagem , u m eremita que se transforma num dado momento no anj o J es­rad, procura j ust i ficar a existência do mal sobre a terra. Todo mal se j u st i fica então na medida em que concorre para u m bem geral. " N ão ex is te , d iz o anj o , nenhum mal do qual não nasça u m bem". E J esrad cont inua: " O acaso não existe , tudo é prova, puni­ção , recompensa ou prevenção" (23 , p. 62-63 ). Segundo esta solução, o mal é pois u m constitu inte menor m a s necessário no interior de um m u n d o q u e , considerado de ma-neira gera l , obedece a um. des ígnio b�n ft;ito�. . . . , . _

A intervenção do anJ o J esrad , a pnmelra Vista, podela slgm flcar duas concessoes

de Voltaire. A primeira, feita ao sobrenatural , a segunda, ao otimismo de Pope e Leib­

niz. E m relação à primeira concessão , o fato de V o l taire i ntroduzir um ser sobrenatu�al

pode s ignificar que a solução para o problema do mal só se encontra �esm� para a lem

do mundo terreno, e , no caso tratar-se-ia mais de uma ironia de V o l talre , pOiS , segundo

suas próprias palavras , " nós só possuímos a razão natural , tudo o que é sobrenatur�l

está acima da nossa razão " ( \ 1 , p. 440) . O que não deixa de ser um outro modo de dl-

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N ASC I M E N TO , M . das G . S . - I m agens do mater ia l ismo nos contos de V o l t a i r e . Trans/Form/ Ação, São P a u l o , 7 : 3 7-48, 1 98 4 .

zer que q ualquer expl icação do mundo que for incompreensível ao homem ser-Ihe-á também inút i l . Assim , a solução ao problema do mal por J esrad , sendo sobrenatural , e portanto incompreensível , não pode satisfazer aos anseios da razão . Tal seria talvez o motivo pelo qual V o l taire teria interrompido a tentativa que faz Zadig de questionar as proposiçÕes do anj o . " Frágil mortal , d iz J esrad , cessa de d isputar contra aqui lo que é preciso adorar . M as , d iz Zadig , . . . E enq uanto e le diz ia " m as" , o anj o voava em d i re­ção da déc i m a esfera " (23 , p. (3 ) . Zadig en tão se submete .

A subm issão de Zadig às exortações do anj o J esrad seria uma concessão feita por Voltaire ao ot imismo de Leibniz e Pope? Tal é a opinião de Van den Heuvel quando dá a entender que, nos anos 1 745 -47 , V o l taire, ainda não t inha usado o seu principal trun­fo contra a teod icéia (7 , p . 1 0 1 ) , que seria, como sabemos, o Cândido.

No conto int i tulado Visão de Babouc, de 1 748 , o personagem principal , chamado a j ulgar uma imaginária cidade de Persépol is , hesita constantemente em dar sua pala­vra definit iva, porque, se Persépol i s tem defei tos, também tem qual idades . Entre os seus cidadãos , alguns são capazes de extrema baixeza, mas outros de extrema virtud e . O m u n d o , represen tado por Persépol is , é uma mistura de b e m e de mal . O m e l h o r é aceitá-lo como ele é, nem bom nem mau , mas apenas sofrível ( \ 6, p . 8 8 ) . Entretan to, Babouc é um estranho à cidade, e o mal que pode ex ist ir nela não o atinge pessoal men­te . Daí a imparcial idade de seu j ulgamento . Tal não acontece com Menon, o persona­gem de outro conto do mesmo nome, datado de 1 749 . O projeto i n icial de Menon é se­melhante ao de Zadig : ser sábio, sem grandes paixões, sóbrio, independente . " Tendo assim em mente seu pequeno plano de sabedoria, Menon se pôs à j anela" ( \ 6 , p . 90) . Basta este pequeno gesto, o de olhar o mundo pela j anela, e o mal se introduz imediata­mente em sua v i d a . E n tre sed ições , chantagens e a l terações , Menon perde um o l h o ( c o ­m o Zad ig, al iás) . Ao refletir sobre s u a s desgraças, o personagem considera que entre o s vários m u n d o s , " o n o s s o pequeno g l o b o terrestre pode b e m ser o hospício do univer­so " , onde todos são com pletamente loucos . Se alguém dissesse que " tudo está bem " , ele s ó acred itaria s e pudesse recuperar sua visão perdida ( 1 6 , p . 94) . A l ição d o conto pode pois ser formulada da seguinte maneira: a idéia de que o mundo é ordenado pro­videncialmente por um princípio benfeitor não resiste à simples apresentação de um fa­to singular que prove a existência do mal e da desordem . A crença na providência div i ­na não basta nem para consolar os homens, e muito menos para satis fazer sua razão .

Um outro pequeno conto, Os dois consolados, apresenta a mesma conclusão . N e­nhuma expl icação teórica do mal satisfaz o homem . Apenas o tempo pode consolá-lo de suas tristezas . Já Scarmentad o , v iaj ante do conto do mesmo nome, após ter presen­ciado d iscussões, perseguições, violências e guerras, é o herói que se recusa a refletir so­bre o que vê . Ele não diz uma palavra, ele não tem nada a responder quando o interro­gam ( 1 3 , p-97 - 1 04) .

Mas a grande investida de V ol taire contra a idéia de providência benfeitora é sem dúvida o Cândido, de 1 7 5 9 . N este conto, a abundância de relatos onde os sintomas do mal no mundo se opõem a qualquer ot imismo fi losó fico chega mesmo a um grau de sa­tu ração . Cândido , personagem q u e , como o próprio nome indica , é ingênuo, puro , so l í c i to , p resen c i a , d u rante suas aventuras , tudo o q u e a imaginação de V o l ta ire pode conceber como desgraça e m i sér ia : guerras sem sen t i d o , terremotos, a i n q u is ição espa­nhola e as fogueiras de h ereges , a escrav idão, a doença, assass i natos a velhice, a fe i u r a . O m u n d o descrito no conto, com exceção do epi sód io do E l dorad o , é uma caricatura onde tudo o que é mau está incr ive lmente acentuado e onde não resta nada de bom e agradável . Completamente aturd ido , Cândido p rocura constantemente com preender a razão de tanta m i sér ia , mas só encontra novas inter rogações . Se acompanharmos as re­flexões do personagem através dos acontec imentos , observaremos que elas são sempre

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N A SC I M E N T O , M . das G . S . - I magens do m a t e r i a l i s m o nos contos de V ol t a i r e . Trans/Forml A<;ão, S ã o P a u l o , 7 : 3 7 - 4 8 , 1 98 4 .

ex pressas como dúvidas e q ues t ões , j a m a is como respos tas . "Como é que uma boa causa pode produzir efei tos abo m i n ávei s? " ( 1 0 , p . I S S ) . " Se este é o melhor dos m u n ­dos poss í veis , como serão e n t ão o s outros? ( 1 0 , p . 1 6 I - I (2 ) . " F ui cruel m e n t e enganado quando acred itei que tudo vai o melhor poss ível n o m u n d o " ( 1 0 , p . 1 (6 ) . " T alvez o mundo das A m éricas sej a m el h o r , pois é preciso con fessar q ue só podemos l a m e n t a r este em que vivem os" ( 1 0 . p . 1 70 ) . " Q ue tudo está bem , sej a ; m a s con fesso q u e é b e m cruel t e r perd ido Cu negundes e a inda s e r q ueimado p e l o s orel h ões " ( 1 0 , p . 1 8 6 ) . " O q ue é e s t e m u ndo? A l g u m a coisa bem l o u c a e abomin ável " ( 1 0 , p . 2 1 3 ) .

N a verdade, existem três proposições s u bj acentes a o conto que apontam para a so­lução do impasse criado pela constatação do mal no mundo face à idéia de um princípio providencial ben fei tor . A primeira, sustentada por Pangloss , é o ot imismo d o fi lósofo L e i b n i z , e se expressa através do personagem d a seguinte form a : " E stá d e ­monstrado que as coisas n ã o podem s e r de o u t r a forma, p o i s , t u d o tendo s i d o feito p a ­ra um fim , t u d o é feito necessariamente tendo em vista o m e l h o r f im " ( 1 0 , p . I SO) . Ora , na primeira parte de seus Ensaios de Teodicéia, Leibniz se expressava de forma seme­lhante: "Ora , esta suprema sabedoria (de Deus) , reu nida a uma bondade que não é me­nos i n fin i ta , não pode deixar de escolher o melhor . . . H averia alguma coisa a corrigir nas ações de Deus se ele t ivesse podido fazer melho r . . . Se não houvesse o melhor entre todos os mundos poss íveis , Deus não teria produzido nen h u m " (6, p . I SO) . E n tretanto , a seq üência da fala de Pangloss no Cândido acrescenta ao ot imismo de Leibniz um fi­nalismo extremamente ingênuo que nada mais tem a ver com a Teodicéia . " O bserve, continua Pangloss , que os narizes foram feitos para sustentar os óculos, e nós usamos óculos . As pernas foram feitas para usarem calças, e nós as usamos . . . " ( \ 0 , p. I SO) . Ora, ao deturpar assim o chamado ot imismo fi losófico, V oltaire está visando outros adversários , alguns apologistas cr is tãos q u e , tal como Pangloss , sustentavam uma con­cepção final ista dos fenômenos, que era ao mesmo tempo ingênua e ni t idamente antro­pomórfica. Mais tarde, ao retomar a q uestão das causas finais nas Questões sobre a Enciclopédia, Voltaire vol tará a insist ir sobre os l i m i tes da atr ibu ição de u m a final ida­de a todos os fenômenos ( 1 1 , p . 1 99-200) .

Evidentemente, o d iscurso ot imista de Pangloss é j ustamente a tese contra a qual se constrói todo o edif íc io d o conto . A pr inc ípio , Cândido o " escutava atenciosamen­te, e acred itava i nocentemente " ; em meio às v iagens , que o colocam em contato com a realidade do mal , ele se pergunta se não teria s ido enganad o ; ele hesita mas não af irma nad a . Mas, curiosamente, Cândido não opõem ao d iscurso de Pangloss nenhum outro d iscurso . O personagem que representa o ot imismo fi losó fico sustenta a sua posição até a cena final do conto . Cândido, porém , não d iscute . Sua proposta é prática: cul t i ­vemos o nosso j ardim .

A segunda solução para a questão do mal e da providência é sustentada pelo per­sonagem M art in . "- Qual é , pergunta Cândido a M art in , sua opinião sobre o mal mo­rai e o mal f ís ico? - Senhor, responde Mart in , meus padres me acusaram de ser soci­niano; mas a verdade é que eu sou maniq ueísta . - Você está zombando de m i m , diz Cândido, não existem mais maniq ueístas no m u n d o . - Existe, sou eu; eu não sei o que fazer, mas não posso pensar de outra forma . " ( \ 0 , p . 20 1 ) . Diante do problema do sen­tido do mal no mundo, a posição de Mart in é exatamente oposta a de Pangloss . Para este, nosso mundo é o melhor entre os mundos possíveis de serem criados por Deus; Martin , ao contrário , confessa que " dando uma olhada neste globo , ou melhor, neste glóbulo " , ele não pode deixar de pensar que " Deus o abandonou a algum ser malfei­tor " . Todavia, o maniqueísmo de M arti n , embora admita a ação de dois seres no curso dos acontecimentos, um benigno, outro maligno , inc l i na-se muito .mais a considerar o

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N A SC I M E NT O , M . das G . S . - I magens do mater ia l ismo nos contos de V ohaire . Trans/l'orml Ação, São Paulo, 7 : 3 7 -4 8 , 1 98 4 .

mal sobrepondo-se e como que escondendo o bem que possa existi r . O próprio Cândi­do, que já viveu desgraças sem f im, espanta-se diante do pessimismo de M arti n . " ­

Mas então, para q u e foi formado este mundo? pergunta Cândido . - P ara nos deixar furiosos , responde Marti n " ( \ O , p . 204) .

A terceira proposta ao problema do sentido do mal no mundo só aparece no capítulo f inal d o conto, na voz de u m derviche . Curiosamente, seu discurso é extrema­mente curto . M a s ainda, ele se recusa a proferir um discurso qualquer sobre o mal ou sobre o bem . A nsiosamente, Pangloss e Cândido esperavam ouvir do ancião uma res­posta às suas questões . Para que o homem foi formado? Por que há tanto mal sobre a terra? O derviche apenas l h es devolve a q uestão : " Por que vocês se envolvem" nisto? Que importa se há o mal sobre a terra? O melhor é calar diante destas q uestões ( 1 O , p . 23 3 -234) . Mart in e Pangloss i nsistem , e acabam levando a porta no nariz . A proposta do derviche é pois a do s i lêncio , a da não investigação , a da recusa da investigação fi lo­sófica sobre o sentido do m u n d o . Cândido, por sua vez, não se renderá definit ivamente nem ao otimismo de Pangloss, nem ao pessimismo de Martin, nem ao ceticismo do der­viche. Quanto à proposta f inal d o cu l t ivo do j ardim, é evidente que a seu respeito vá­rias i n terpretações são possívei s . Nenhuma delas, entretanto, inval ida o fato de que o Cândido se apresenta como as " Co n fissões " de V o l taire, onde é narrada a decepção de um homem que procura a verdade absoluta . O conto se apresenta como investigação que ao final se nega como i nvestigação .

P u demos observar, pois , que V o l taire, durante mais de dez anos, desde a publ ica­ção de Zadig, em 1 74 8 , até a p u b licação de Cândido, em 1 7 5 9 , retoma em seus contos a questão fi losó fica d o m a l , recusando-se a dar a ela uma solução defin i t iva . Que sentido poderíamos atrib u i r a esta longa batalha sem desfecho? De que maneira esta q uestão do mal se situa no contexto fi losó fico da época das l uzes , e , mais precisamente, em que medida ela se mani festa no d i scurso da corrente material ista?

De um modo geral , pode-se d i zer que a f i losofia do século X V I I I , na medida em que afastou , através da cr í t ica da revelação cristã, os conceitos de pecado origina l , imortalidade da a lma e de castigo ou recompensa após a morte, v iu-se às vo l tas com o problema do sentido do mal no m u n d o e da j ust i ficação da existência de Deu s . Ora, do ponto de vista da f i losofia material ista d o barão d ' H olbac h , a questão deixa de exist ir através de u m a explicação determinista dos fenômenos . A natureza, afirma H o l bach , é totalmente desprovida de bondade ou de mal íc ia ; os fenômenos são s implesmente o que são . A noção de desordem é sempre subj etiva . O que chamamos o mal é sempre o efeito de causas especí ficas , j á conhecidas ou ainda ignoradas .

Diderot, no Sonh o de d 'A lembert, ao conceber a natureza como expressão de um surgimento cont ínuo de formas e fenômenos devidos ao acaso e à probabil idade, esca­pa a um determinismo r ígid o . Mas sua concepção afasta também de certo modo a ques­tão do mal . " N ascer , viver e m orrer é mudar de forma; que importa uma forma ou ou­tra? Cada forma possui a fel icidade ou a i n fel icidade que lhe é própria" ( 2 , p . 9 5 ) . As­s im, tanto para H o l bach como para Diderot , a q uestão do mal é resolvida na medida em que o consideramos como tal se apresenta, como efeito necessário no curso dos fe­nômenos natura i s .

O q u adro das m i sérias d o m u n d o descrito nos Diálogos sobre a religião natural, d e H u m e , é semelhante à q u e l e em que o C â n d i d o de V o l taire v i v e s u a s aventuras . " Se um estrangeiro viesse a aparecer de repente neste mundo, eu lhe apontaria, como uma amostra de seus males , um hospital cheio de doença, uma prisão cheia de mal feitores e devedores , u m campo de batalha coberto de cadáveres, uma frota nau fragando no oceano, uma nação definhando sob a t irania, a fome ou a peste" (4 , p . 1 3 8- 1 3 9 ) . À questão de onde p rovém o m a l , o personagem Fí lon tem uma resposta : " M as q ual é , eu

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N A S C [ M E NTO, M . das G . S . - I magens do mater ial ismo nos contos de V o [ t a i r e . Trans/ Form/ Ação, São Paulo, 7 : 37-48, [ 984.

lhe pergunto, o objeto deste art if íc io e deste mecanismo delicados que ela ( a natru reza) faz agir em todos os animais? U nicamente a preservação dos indivíduos e a propagação da espécie . Parece bastar à sua final idade que tal ordem se mantenha no universo, sem nenhum cuidado ou preocupação acerca d o bem-estar dos membros que a compõem " (4, p . 1 42) . Trata-se, mais u m a vez, da i n d i ferença da natu reza q u anto ao que possa ser qualificado de bem ou de mal .

As proposições ' de H olbac h , Diderot e H u m e , embora de naturezas d i ferentes , possuem em comum o fato de, de um lado, não atri b u í rem a natureza nenhum fim que lhe sej a exterior , e de outro, de não atri buí rem ao ser humano nenhuma superioridade em relação aos outros seres . Tais propostas vêm acompanhadas pelo tema da contin­gência humana, presente na grande maioria dos textos da f i losofia das l uzes . L a M et­trie, ao se perguntar sobre a razão da existência do homem , afirma que ela está possi­velmente na sua própria existênc ia . " Talvez tenha s ido ele j ogado ao acaso sobre u m ponto da superfície da terra, s e m que se possa saber n e m c o m o , n e m p o r que , m a s so­mente que ele deve viver e morrer, como aqueles cogumelos que aparecem de u m dia para outro, ou como aquelas flores que bordej am os fossos e cobrem as muralhas" ( 5 , p . 1 26) . H olbach s e expressa d e forma semelhante, a o exortar o s homens a aceitarem o fato de que são seres efêmeros ( 3 , cap o V I , p . 1 05 ) . Tal tema , o da contingência do h o ­mem , é comum tam bém , c o m o j á v i m o s em capítulos anteriores , a o s textos de V o l tai-re.

A expl icação do mal pelas leis naturais e necessárias não satisfaz V oltaire . Já no Poema sobre o desastre de L isboa, Voltaire havia levantado as respostas poss íveis para j ust ificar a existência d o mal : a explicação pelo pecado ( " Ou o homem nasceu culpado, e Deus puniu a raça " ) ; a idéia de um deus i n d i ferente ao mundo ( " Ou este mestre abso­luto do ser e do espaço/ sem cólera , sem piedade, tranq ü i l o , indi feren te/ De seus pri­meiros decretos segue a eterna torrente " ) ; e , por fim , a solução mais próxima d o m ate­rialismo ( " Ou a matéria i n forme, rebelde a seu mestre, carrega em si defeitos necessá­rios como ela " ) (22, p. 3 07 ) . O poeta , entretanto , recusa as soluções : " N ão , não apre­sentem mais ao meu coração agitado estas leis imutáveis da necessidade" (22, p. 305 ) . É que, ao d i lu í rem o problema d o mal n o curso necessário dos acontecimentos, tais so­l uções explicam o mal , mas não o j ust ificam nem lhe dão sentido . M as se V o l taire pro­cura esta j usti ficação , é porque o deísmo por ele adotado também não é sat isfatório . Donde o i mpasse de Cândido, o seu s i lêncio, a sua proposta prática de abandonar a es­peculação e cu ltivar o j ardim .

A partir da análise dos contos citados até agora, poderíamos d izer que , se e les , ao retomarem incansavelmente o problema d o mal , se constituem i negavelmente como um argumento v igoroso contra a idéia de u m a providência benfeitora, são também uma cr í t ica menos manifesta, mas nem por isso menos rea l , às soluções da corrente ma­terial ista ao problema da desordem d o mundo e da cond ição do homem , na medida em que, embora à disposição d o autor, tais soluções não foram ut i l izadas como respostas ás indagações de seus personagens .

Após a q uestão da providência e do m al , o segundo tema subj acente à grande par­te dos contos se refere à natureza, origem e alcance do conhecimento humano . No i n te­rior desse tema , coloca-se pr imeiramente a necessidade da cr í tica do conhecimento me­tafísico . Os procedimentos de V o l taire em relação à metafísica são de caráter irônico . Zadig , por exemplo , conhecia da metafísica " tudo o que se poderia saber no seu tem­po, quer dizer, q u ase nada" (23 , p. 5 ) . O mesmo tratamento irônico é dado à " metafísico-teólogo-cosmolonigologia" de Pangloss . E o final i nesperado do conto Micrômegas, em que o l ivro d o mundo se apresenta totalmente em branco, s igni fica exatamente a descrença do que possa ser metafís ica .

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N A SC I M E NTO, M . das G . S . - I m agens do mater ia l ismo nos contos de V ol t a i r e . Trans/Form/ Ação, São Paulo, 7 : 3 7-48, 1 98 4 .

Para conhecer é preciso viaj a r . O tema da viagem , freq üente em toda a l i teratura do século X V I I I , adquire nos contos fi losó ficos um papel fundamental . M icrômegas se põe a " viaj ar de planeta em planeta para acabar de formar o espírito e o coração " ( \ 9 , p . 1 06 ) . Em O branco e o negro, o sonho d e R u stan s e dá também como viagem . É d u ­rante inú meras v iagens que se dá o l o n g o aprendizado de Cândido . O r a , a ut i l ização deste tema não é s im plesmente um recurso de est i l o . A viagem possui para o persona­gem dos contos de V oltaire uma força demonstrativa ( 1 , p. 1 20- 1 70) . Viajar é olhar o mundo . A visão , como u m dos sentidos mais completos, tem a função de alargar o co­nhecimento e permite também o j u lgamento na medida em que sugere comparações . O tema da viagem está d i retamente l igado ao empirismo de Voltaire .

A tese de q u e todo conhecimento se produz pelos sentidos aparece em observações esparsas em diversos conto s . Vemos assim que os dois personagens do Micrômegas possuem , o saturnian o , setenta e dois sentidos, o s ir iano, perto de m i l ; donde a peque­nez do conhecimento do homem , pobre ser dotado de apenas cinco sentidos, em rela­ção à ciência dos dois v iaj antes extraterrestres . O diálogo de M icrômegas com os filó­sofos terrestres faz aparecer como r idícu las todas as teorias que não estabeleçam os sentidos como fonte de todo conhecimento . Assim, a enteléq uia de Aristótele.s , as idéias inatas de Descartes , a harmonia preestabelecida de Leibniz , são , para M icrôme­gas, apenas a prova d e orgu l h o desta raça microscópica . Um só dentre os fi lóso fos ter­restres , partidário de Locke, lhe pareceu mais sensato : " E u não sei , diz tal sáb i o , como eu penso, mas sei que só penso através dos meus sentidos " .

As percepções oriundas dos sentidos, e armazenadas pela memória, constituem o fundamento de todo conhecimento h u mano . É esta a l ição da peq uena parábola, A venturas da Memória (9 , p. 5 0 1 -504), um c;onto que narra a confusão geral que se ins­tauraria no mundo se nos faltasse a capacidade de guardar e de comparar as percepções vindas dos sentid o s .

A contrapartida deste empir ismo, no caso de V oltaire bastante primário, é o esta­belecimento d e l im i tes in transponíveis ao conhecimento h umano . Ass im, em Micrômegas, o l ivro prometido pelo habitante de S ir ius , no qual se poderia ver a f inal i­dade do mundo, estava em branco . N a História de um bom brâmane, o sacerdote de Brahma enumera como impossíveis de serem atingidos, os conhecimentos sobre a eter­nidade, o i n fin i to , a matéria, a natureza do pensar, o princípio do movimento . Trata-se de uma con fissão, ao mesmo tempo das ambições de conhecer do homem e da ignorân­cia que o impede de satis fazer tais amb ições ( 1 4 , p . 1 24) .

Alguns dentre os personagens dos contos são , temporária ou definit ivamente, pri­vados de meia visão . Zadig, M en o n , M esrour são personagens caol hos . Trata-se da vi ­são i n fel iz , imagem dos próprios l im ites do homem , cuj a razão está su bordinada à ex­periência dos sentidos . Há momentos em que a viagem do conhecimento é interrompi­da. Assim, Zadig ainda insiste em discutir , mas o anj o J esrad voa para os céu s . Do mesmo modo, Cândido silencia Pangloss e M artin e propõe que abandonem a especu­lação para cult ivarem o j ardim _

A recusa das idéias i n atas e a afirmação da experiência dos sentidos como fonte de todo conhecimento é u m denominador comum à fi losofia do século X V 1 1 I , sobretudo à corrente materia l i s ta . A tese do empirismo encontra-se na oi tava prova das Memórias de Mesl ier , na ciência proposta por La Mettr ie no Homem-máquina, no oi tavo capí tu­lo do Sistema da natureza. Mesmo Diderot , que dá uma importância muito grande à imaginação , permanece ainda u m partidário do empirism o _

Voltaire assume e s t a epistemologia dos sentidos, m a s se nega a propor afirmações que estej am além dos l i m ites da percepção . O sensualismo dos fi lósofos mater ial istas, embora admita, como no caso de H olbac h , o mecanismo de pensar que vai da s imples

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N A S C I M E N T O , M . das G . S . - I m agens do m a t e r i a l i s m o nos c o n t o s de V o l t a i r e . T rans / F o r m / Ação , S ã o P a u l o , 7 : 3 7 - 4 8 , 1 9 X 4 .

sensa(,:ão à percep(,:ão e ao conce i t o , não os i m pediu de en unciar p r i n c í p i o s m c t a fí s icos . Em bora ex is ta um personagem n i t i damente mater ia l i s ta apenas n u m dos c o n t o s d c Volta ire , a História de Jenni, o q u e se nota nos o u t r o s contos é uma c r í t ica ao mater ia­l i smo que , segundo V o l ta i re , sus tcnta pos i(,:ões dogmát icas a res pei to d e q uestões ina­cess í ve is à mente humana, ta i s como o pr inc íp io do movimento , a n a t u rcza d a matér ia e do pen s a r .

M ergulhado n u m m u n d o do qua l e le n ã o a t i nge o sc n t i d o , c o n s t rangido a l i m i t ar o seu conhecimento a poucas certezas, o homem dos contos dc V o l ta i re se vê tam bém de­terminado por forças sobre as quais não tem nenhum cont role . N ão sc t ra ta aq u i , abso­lu tam ente , de for(,:as de u m dest i no m i ster ioso e sobrenat ural , mas de cond i(,:ões p u ra­mente materia i s , fortu i tas , e que desencadeiam o curso dos acontec imentos c o t i d i a n o s a n t e s mesmo q u e p o s s a m o s reag i r . M u i tas vezes , o q ue é mais g r a v e , ta i s c o n d i (,: õ e s for­tui tas e aparentemente sem i m portânc ia são capazes de provocar e fei tos c o m p l etamen­te desproporc ionais às suas causas .

Ass i m , por ter v i s to , sob sua j an e l a , o cavalo do rei passar ga lopando, Z a d i g é condenado pelos t r i b u i n a i s da B a b i l ô n i a ; por ter sa lvado u m a m u l h e r dc ser agred i d a , s e torna escravo de um m ercador árabe . M e n o n dá i n íc io às s u a s i n fel izes avc n t u ras pondo-se à j an e l a . Um beij o atrás de um parave nto , e i s como come(,:am as i n c r í ve i s dcs­gra(,:as de Când i d o . M as é n o conto i n t i t u lado A s orelhas do conde de Chesteljield quc V ol ta i re leva aos extremos d o absurdo a idéia de q u e o dest i n o do homcm é regido por for(,:as absolutamente mater ia i s , desprov idas de q u a l q uer sent ido moral ou e s p i r i t ual . U ma parte do d iálogo e n t re o bem i n tenc ionado G o l d m a n e o a n a t o m i s t a S id rac é ded i ­cada a destru ir a no(,:ão d e q u e o h o m e m possui u m a a l m a esp i r i t u a l . Os h o m e n s se dão uma a lma por pura va idad e . " Se um pavão pudesse fa l a r , e le se vanglor iar ia d e ter uma alma e dir ia q u e sua alma está na sua cauda" ( 1 7 , p . 5 96 ) . N o sét i m o cap í t u l o . o n d c Goldman e S i d rac d i scutem " q ual é o p r i m e i r o m o t o r de todas as a(,:ões h u m a nas " , Vol ta ire , pela voz d e S i d rac , e d e u m a maneira extremamente i r revere n t e , a f i r m a q u e , e m ú l t i m a ins tânc ia , a h is tór ia dos h o m e n s depende bas icamente dos fenôm enos d a d i ­gestão e d a evacua(,:ão . Não se trata apenas de correl ac ionar o temperamento d o h o ­mem ao bom ou mau func ionamento dos i ntes t i n o s , mas de fazer depender os negócios das nações e a h i s tó r i a , em ú l t i m a instânca, ao m u ito ou pouco uso d o banhe i ro . C r o m ­wel l , a f i r m a S i d rac , ao assass i n a r s e u rei ; H en r i q u e 1 1 1 , ao m a n d a r assass inar o d u q u c de G u i s e ; o re i C a r l o s I X , ao perm i t i r o m assacre da n o i t e de S ã o Barto lomeu , cstavam sem dúv ida sob o efeito dos h u m ores i n test i n a i s q u e l h e s s u b i ram à cabe(,: a . A o se apro­x imar de um m i n is tro d e estad o , é sempre bom saber se e le não so fre de p r i são de ven­tre ( 1 7 , p . 604-606) .

É verdade q ue o tema d a corre la(,:ão entre o f í s ico e o moral é c o m u m à f i losof ia materia l i s ta d a época . É esta , i n c l u s i v e , a tese p r i nc ipa l q u e La M et t r i e pretende de­monstrar n o Homem-máquina. H o l bach , no Sistema da Natureza, def ine o h o m e m co­mo "um ser p u ramente f í s ico ; o homem moral é apenas o homem f ís ico cons iderado sob um deter m inado ponto de v is ta" ( 3 , v . l , p . 3 ) . E n treta n t o , tal red u(,:ão operada pe­lo mater ia l i smo ( redução d o homem a u m ser f ís ico) não exc l u i , dentre as causas poss íve is das a(,:ões dos h o m e n s , a i n fluênc ia das pai xões , da educa(,:ão , do maior ou menor br i lho d e sua imaginação e o u t ras fac u ldades i n te lectuai s . S e , de u m l a d o , ao abandonar a teologia, o mater i a l i s m o recusa ao homem q u a l q uer voca(,:ão para o s u b l i ­me rel igioso , pode-se d i z e r , d e o u t r o l a d o , q u e o s u b l i m e se re insere no dest ino d o h o ­m e m através de outros idea is , ta is c o m o a l u t a contra a i g n o r â n c i a , o anse io d a verda­de, a busca d a verdade etc . O q u e va le d izer q u e ex is te uma moral mater ia l i s ta , h u m a ­n ista e a l t ru í s ta . É , por exemp l o , o c a s o de M es l ier e H o l bach . E , m e s m o La M et t r i e , cuj a f i losof ia c o s t u m a s e r apon tada c o m o i m o ral e a m o r a l , aprese n t a , no

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N A SC I M E NTO , M . das O . S . - I m agens do mater i a l i s m o nos contos de V o l t a i r e . Trans/Form/ Ação, São Paulo, 7 : 3 7-48, 1 984.

Homem-máquina, uma exortação a certos valores morais como a necess idade de pro­curar a verdade e a coragem de d izê- I a . Além disto, o fato de o homem ser concebido sob o modelo mecânico não lhe retira ao menos dois previlégios em relação aos outros animais, que são , segundo L a M ettr ie , sua organização mais sofist icada e sua disposi­ção para ser educad o .

A tese do anatomista S idrac, no conto de V oltaire, desacata até mesmo o s mais sé­rios material istas . É evidente que não podemos considerar suas afirmações ao pé da le­tra. Mas, como imagem , a h ipótese d o personagem se aj usta com perfeição à proposta de V o l taire : persuadi r , através da caricatura, de que, embora o homem procure sempre i lusões consolatórias para sua condição, ele não passa de um ser insigni ficante .

Ainda no ano de 1 77 5 , Vol taoire p u b l ica um outro conto, História de Jenni, ou o ateu e o sábio, no qual a i rreverência do est i lo de Sidrac dá l ugar ao tom de sermão do deísta Freind . O conto reúne todas as obj eções de Vol taire contra o material ismo ateu . Na época de sua publ icação , o Sistema da Natureza e o Bom Senso dei barão d ' Hol­bac h , a l iás expl ic i tamente c i tado na História de Jenni, j á haviam sido objeto de várias crí ticas por parte de V oltaire, e o conto apenas lhes empresta mais vigor, através da ca­racterização dos personagens .

Na per i feria do conto, encontram-se os episódios sobre a inquisição espanhola, onde Voltaire mais u m a vez exerce sua crí t ica da tradição eclesiástica romana. J á no es­pisódio d o Hai t i , vemos ressurgir o mito da pureza do homem selvagem . O tema cen­trai do conto é o d i ál ogo entre o sábio e o ateu . Durante toda a narração observamos a permanência do tema da corrupção moral que o ateí smo pode provocar .

A descrição dos personagens centrais é r ígida e procura realmente criar um tipo padrão de sábio e de ateu . O sáb i o , representado por Frei nd, é cal m o , clemente, tole­rante, virtuoso . Além disso, encarna com perfeição o deísmo de Voltaire . O ateu , por sua vez, apresenta-se como alguém eloqüente, bem i n formado, espirituoso, mas que costuma considerar verossimi lhanças como demonstrações . Curiosamente, V oltaire desdobra o ateu em dois personage n s : o primeiro, Clive Hart, cuj o ateísmo está direta­mente l igado a u m comportamento maldoso e depravado . Trata-se da famosa tese so­bre as más conseqüências morais do ateísmo . O segundo, Birton, é um ateu que V oltai­re converte ao partido do sábio, através de uma longa reflexão sobre os argu mentos que fundam o ateís m o .

Entre o ateu e o sábi o , ex iste J e n n i , f i l h o de Frei n d , educado segundo a religião natura l , e , como alguns personagens de outros contos, inocente, ingênuo e puro . Ele é , entretanto, progressivamente corrompido por um " bando de j ovens ateu s " , " gente perdida " . S u a l i gação com os j ovens ateus só lhe traz compl icações e i n fel icidade . O próprio curso dos acontec imentos e mais sua participação passiva no diálogo entre Bir­ton e Freind o trazem de volta à virtude e à felicidade . Tal como o f i lho pródigo , Jenni volta à casa do pai .

Através do discurso de Bir ton, V o l taire enumera cuidadosamente as razões que poderiam fundamentar o ateís m o . S ucessivamente, Birton crit ica o argumento deísta da ordem do universo, assinala nossa ignorância absoluta em relação a um suposto ser supremo , e , por ú l t imo, ut i l iza contra o deísmo de Freind o argumento dos defeitos do mundo e da existência do m a l . Para Freind, a natureza inteira é arte, supondo pois um artesão . Para explicar o mal f ís ico, Freind recorre às leis gerais impressas por Deus na natureza e é exatamente por. tê-Ias criado que Deus não i nter fere mais d iretamente na criação . Por outro lado, o mal moral se explica pelo conceito de l iberdade do homem . Finalmente, Freind recorre à idéia d a possibi l idade da sobrevivência do homem depois da morte, num lugar de recompensa para os j ustos, argumento tantas vezes crit icado por V o l taire em outros conto s .

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N ASC I M E N TO , M . das G . S . - I magens do mater ia l ismo nos contos de V ol t a i r e . Trans/Form/ Ação, São Paulo, 7 : 3 7-48 , 1 984.

A parte final do discurso de Frei nd, que acaba por con verter Birton definit ivamen­te ao part ido do sábio, apresenta o q uadro pin tado por Voltaire sobre os perigos mo­rais do ateísmo: " . . . Os laços da sociedade são rompidos, todos os crimes secretos inun­dam a terra . . . " . O fato de V o l taire recorrer á idéia da ut i l idade social da cren.;a em Deus remunerador da virtude e v ingador dos cr imes tem sido amplamente discut ido . Para alguns crít icos, é perfeitamente normal que V oltaire faça uso deste argu mento, uma vez que se trata de um expediente largamente d i fundido no séc u l o . Tal expl icação deixa entretanto i n tacto o fato de que, na História de Jenni, Voltaire parece desmentir as proposições presentes nos outros contos , nos quais era evidente a recusa de q ualq uer . i lusão consoladora para a condição do homem . Ora, é exatamente isso que Freind pro­põe . " Responda-me, senhor Birton, d iz o sábio Frei n d , que mal pode nos fazer a ado­ração de um deus al iada à fel icidade de ser um homem honesto? Nós podemos todos ser acometidos de uma doença mortal neste momento em que eu lhe fal o : qual de nós então não gostaria de ter v iv ido na inocência? ( 1 2 , p . 5 86) .

É curioso notar que entre o discu rso de Birton e o de Freind, é o primeiro que pa­rece se identi ficar com o próprio discurso de V o l taire em outros textos . " Ainda não é su ficiente que o homem , esta nobre cr iatura, tenha sido tão mal aloj ado , tão mal vesti­do, tão mal a l imentado d u rante tantos séculos . Ele nasce entre a ur ina e a matéria fecal para respirar dois d ias . E d u rante estes dois d ias , compostos de esperanças enganosas e de tr istezas reais , seu corpo, formado com uma arte inút i l , se encontra à mercê de to­dos os males que resultam desta mesma arte; ele vive entre a peste e a varíola ; a fonte de seu ser está envenenad a ; não h á n i nguém que possa guardar na memória a l i s ta de to­das as doenças que nos perseguem " ( l 2 , p . 5 6 9 ; 20 , p . 320; 2 1 , p . 47 8 ) . Em alguns momen­tos do diálogo entre Freind e B i rton , tem-se a impressão de que a reflexão d o j ovem ateu é tão convi ncente que poderá vir a derrotar os argumentos de Frei n d . Ora, é exata­mente o contrário que acontec e . Birton, apesar de todas as suas o bj eções, acaba por re­conhecer a necessidade da crença num ser suprem o .

O longo debate entre B i rton e Freind revela , e m ú l t i m a instância, a tensão p resente no pensamento de V oltaire em relação ao tema da discussão . N a verdade, ele sustenta uma posição deísta sem deixar de reconhecer as obj eções possíveis ao deísmo. Neste sen tido, a maneira pela qual Bi rton cede ao raciocinio de Freind é s igni ficati v a . E l e não diz claramente que está convencido; ele diz: " Sej a ! Existe um Deu s , eu ad mito " . A ex­pressão não sugere um acordo refletido , mas uma espécie de desistência d iante de u m a discussão que poderia n ã o t e r fim .

Por suas característ icas, a História de Jenni ocupa u m l ugar à parte entre o s con­tos de Vol taire . E m certo sentid o , trata-se de um conto mais completo, pois , no primei­ro diálogo, entre o sábio e o fanático, nos mostra a luta de V oltaire contra a tradição .cristã; no episódio d o H ai t i , o elogio da rel igião natural , sem cul to , sem sacerdóc i o ; n o diálogo entre o s á b i o e o ate u , o com bate de Voltaire contra todas as formas de ateís­mo; e , por ú l t imo, através do discurso de Birton sobre a existência d o mal , a retomada do tema da absurdidade do mundo e da j ust i ficação de Deus, presente em todos os ou­tros contos . A História de Jenni também é , ao mesmo tempo, uma espécie de reed ição , sob forma de ficção , do artigo " De u s " das Questões sobre a Enciclopédia, que inaugu­ra a campanha de V o l taire contra o material ismo ateu do barão d ' H ol bach .

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Page 12: IMAGENS DO MATERIALISMO NOS CONTOS DE VOLTAIRE · NASCIMENTO, M. das G.S. - Imagens do materialismo nos contos de Voltaire. Trans/Form/ Ação, São Paulo, 7:37-48, 1984. taire, pode-se

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/1 HS TN/I ('1': Vollaire 's ph ilosuph ic lales urgal/i�e Ihe/llsel ves seling o U I fro /ll I wo reflecliol/ I}O­

les: 01/ one hand, a discl/ssion ahoul lhe I/olion of a henefauor divine fJro viden ce, anti, il/ sO/lle cases.

/I Iore precisely, aboul l h e leibn iúan oplill 1 isll 1; on lhe o l h er hanrl. lhe conlroversy aro l/l /rI lhe alheislic

/I1alerialisll1 . We Iry l O de/l1 onslrale I h rough sO/lle sill/alions anti characlers of lhe vol/airean /ales h o w

l h e cril ique of l h e pro videncialisl I heories cOl/lribú les lO l h e delinealion of l h e c/assical II/{{Ierialislll 's concepls o wn u n iverse.

}"'I:.' Y- WON OS: Voltaire; 1 / /{{lerialislI/; al heisl i, . / I IalerialislI / ; fJh ilosofJh ic lales; fJh ilosofJhic ofJli­

l/ 1ism; divine pro vidence.

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4R

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le de CheslelJield. Romans el Con les. P a r i s . G a l l i l1l a r d , P l é iade. 1 967 .

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!!,esse h u maine. R O /l1ans el COl1 les. P a r i s , G a l l i ­m a r d • P l éiade. 1 96 7 .

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P a r i s , G a r n i e r Freres. 1 87 7 - 1 8 8 2 . v o l . 2 8 .

2 1 . V O L TA I R E • .I . M . A . d e - Oeu vres compléles.

P a r i s , G a r n i e r Freres, 1 8 7 7 - 1 R R 8 . v o l . 3 0 .

2 2 . V O L TA I R E , .I . M . A . de - Poéme sur le désas­

Ire de L isbonne. Mélan!!,es. P a r i s , P lé iade. 1 96 5 .

2 3 . V O L TA I R E , .I . M . A . de - Zadig. Romans el

Conles. P a r i s , G a l l i m a r d . P lé iade, 1 967 .