hta e diabetes
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Temas da Aula
Introdução
Importância da oftalmoscopia
Fundo ocular normal
Hipertensão arterial – Diabetes mellitus
Repercussão da hipertensão arterial no sistema visual
Alterações do fundo ocular
Classificação de Keith-Wagener-Barker
Clínica da diabetes ocular
Alterações do fundo ocular
Classificação da retinopatia diabética
Fotocoagulação
Descolamento traccional da retina e vitrectomia
Caso clínico final
Bibliografia
Anotada correspondente de 2006/2007, Lídia Maria Roque Ramos
Lang, G; Ophthalmology – A Pocket Textbook Atlas, 1ª edição (2000) Thieme.
Seidel, et al.; Mosby’s Guide to Physical Examination, 6ª edição (2006) Mosby
Anotadas do 4º Ano – 2007/08 Data: 13 de Dezembro de 2007
Disciplina: Oftalmologia Prof.: M. Monteiro Grillo
Tema da Aula Teórica: Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus
Autores: Teresa Guerra Carreira
Equipa Revisora: Carlos Vila Nova e Pedro Freitas
Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus
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Introdução
IMPORTÂNCIA DA OFTALMOSCOPIA
No corpo humano, o globo ocular é o único órgão no qual é possível observar
directamente as estruturas vasculares e nervosas, através de métodos não cruentos
(não invasivos). Para além das doenças do sistema visual, as alterações deste
órgão podem fazer suspeitar de doenças sistémicas. De facto, manifestações
patológicas que surjam, por exemplo, nos vasos retinianos, são possivelmente
equiparáveis às que estejam presentes noutros órgãos, como o rim e o coração.
Assim, a simples observação do fundo e do globo ocular pode permitir:
O diagnóstico precoce de certas patologias sistémicas.
Ex: Uma hemorragia subconjuntival pode ser resultante de um traumatismo
ou ser a primeira manifestação de hipertensão arterial (HTA). Nestas
situações é importante fazer uma anamnese cuidada.
O acompanhamento da eficácia de uma determinada terapêutica, através
da observação da evolução das alterações do globo ocular.
Definir um prognóstico, permitindo que seja feita uma estimativa da
gravidade do quadro clínico do doente.
No entanto, a retina reage de forma semelhante a diferentes tipos de agentes,
não havendo por isso, no fundo ocular, sinais patognomónicos de nenhuma
patologia. Assim sendo, a história clínica (idade, sexo, patologias existentes,
diagnóstico provisório, etc. e exame objectivo) reveste-se de grande importância na
atribuição de um significado correcto às imagens do fundo ocular.
É importante que todos os médicos, independentemente de virem ou não a
seguir Oftalmologia, saibam identificar alterações do fundo ocular, uma vez que a
observação do doente só será completa se for efectuada uma fundoscopia.
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FUNDO OCULAR NORMAL
No fundo ocular normal (fig.1), deve-
se considerar quatro estruturas principais:
Disco óptico,
Vasos sanguíneos,
Mácula lútea,
Retina.
Disco Óptico
O disco óptico tem uma forma arredondada de contornos bem definidos
(especialmente na margem temporal), e cerca de 1,5 mm de diâmetro. A sua
coloração é amarelo-rosada, sendo mais pálida na região temporal. Apresenta uma
depressão central, de onde emergem os vasos sanguíneos, que raramente se
estende para a região temporal e nunca para a nasal.
Vasos Sanguíneos
Os vasos sanguíneos dividem-se dicotomicamente, primeiro em ramos
superiores e inferiores, depois em ramos temporais e nasais. As artérias são mais
estreitas e brilhantes do que as veias, que têm maior calibre (1,5 vezes superior) e
uma cor mais escura. As artérias não são pulsáteis, enquanto que as veias podem
mostrar pulsação espontânea no disco óptico.
Normalmente, a relação entre artérias e veias é de duas veias para uma
artéria, embora possa haver variações individuais. As alterações ligeiras do calibre
arteriolar são difíceis de identificar. Por isso, deve-se recorrer a métodos fotográficos
para eliminar o componente subjectivo de cada observador, tornando assim a
detecção das pequenas alterações mais rigorosa.
Fig.1 Fundo ocular normal.
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Mácula Lútea
A mácula lútea é uma mancha avermelhada abraçada pelos vasos temporais
localizada aproximadamente a dois discos ópticos da linha média, em direcção à
região temporal, ocupando, assim, uma posição mais externa no globo ocular, em
relação ao disco óptico. O centro da mácula apresenta uma depressão central mais
escura e vermelha, a fóvea central, avascular (sem vasos retinianos), irrigada por
difusão directa a partir dos vasos coroideus. Por não ser vascularizada, o que
permite que não haja interferência dos vasos na captação das radiações luminosas,
e só conter cones (não tem bastonetes), cada um com uma ligação neuronal
individual, a fóvea é a zona de maior acuidade visual.
Retina
A retina é uma estrutura transparente de pequena espessura e fácil acesso,
quer através do oftalmoscópio (amplia 16 vezes o fundo do olho), quer do
retinógrafo. É possível observá-la repetidamente em condições fisiológicas, sem
implicar lesão para o doente.
Através da fundoscopia, pode-se observar o epitélio pigmentar da retina. No
caso dos albinos, não existe pigmentação, ao passo que nas pessoas de raça negra
o pigmento é mais escuro e obscurece os vasos coroideus. Dado que a retina é uma
estrutura transparente, esta permite observar a coroideia e a coreo-capilar, que
confere ao fundo ocular a tonalidade laranja-avermelhada característica.
HIPERTENSÃO ARTERIAL – DIABETES MELLITUS
A retinopatia hipertensiva e a retinopatia diabética consistem nas
manifestações oftalmológicas, nomeadamente no fundo ocular, de duas importantes
patologias sistémicas: a Hipertensão Arterial (HTA) e a Diabetes Mellitus (DM). O
exame do fundo ocular nestas patologias é indispensável.
A HTA é relativamente benigna no que diz respeito à função visual, apenas
originando alterações visuais em situações de gravidade extrema. Por esta razão,
um hipertenso com HTA não controlada não virá à consulta com queixas
oftalmológicas. Por outro lado, um doente com DM queixa-se frequentemente de
perturbações na função visual, que se podem apresentar de várias formas.
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Repercussão da Hipertensão Arterial no Sistema Visual
A Hipertensão Arterial (HTA) é uma doença muito incidente nos países
desenvolvidos e uma importante causa de mortalidade, uma vez que está associada
a:
Doença cardíaca,
Acidentes vasculares cerebrais,
Insuficiência renal.
Em Portugal, a HTA é muito prevalente e é considerada uma doença de saúde
pública. A oftalmoscopia é fundamental para a monitorização desta doença,
permitindo analisar as alterações vasculares resultantes da HTA através de um
método não cruento.
ALTERAÇÕES DO FUNDO OCULAR
Retinopatia Hipertensiva
Vasoespasmo
Retinopatia Arterioesclerótica
Esclerose vascular
Saber o grupo etário do doente é
fundamental para que seja feita uma interpretação
correcta do que é observado no fundo ocular. As
modificações que a HTA origina nos vasos são
diferentes de acordo com a idade.
Um doente de um grupo etário mais jovem
terá as artérias mais elásticas e saudáveis. Assim,
os seus vasos vão responder à HTA com
vasoespasmo (fig.2). Fig.2 Vasoespasmo.
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Fig.3 Artérias em fio de prata.
Indivíduos com 60-70 anos têm retinopatia arterioesclerótica, que cursa com
esclerose vascular (vasos mais rígidos), como consequência normal do
envelhecimento, pelo que não ocorre vasoespasmo clinicamente perceptível. Deste
modo, num idoso com HTA não muito elevada, encontra-se esclerose vascular, mas
é difícil afirmar pela oftalmoscopia que tem HTA. A HTA pode acelerar a esclerose
vascular, assim se explicando o aparecimento precoce de esclerose vascular em
indivíduos de meia-idade. Esta surge principalmente em doentes com a HTA não
controlada.
As paredes dos vasos retinianos são
normalmente transparentes, sendo só possível
visualizar as colunas de sangue, de cor vermelha.
No caso de as artérias estarem esclerosadas, têm
um aspecto característico de artérias em fio de
prata (fig.3), impedindo a visualização normal do
sangue no seu interior.
Um cruzamento arterio-venoso (A/V)
patológico (fig.4) é caracterizado por uma dilatação
a jusante e a montante do cruzamento, no qual a
veia é deprimida pela artéria (com um espessamento
da parede). Isto sucede porque as veias da retina
partilham a adventícia com as artérias na zona do
cruzamento A/V.
A HTA surge associada a outras modificações patológicas do fundo ocular que
resultam da alteração da barreira hematorretiniana – são as alterações mais
visíveis e podem ocorrer em muitas outras patologias:
Hemorragias,
Exsudados duros (lipídicos),
Exsudados moles/algodonosos (isquémia).
Fig.4 Cruzamento artério-venoso patológico.
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As hemorragias surgem no seguimento do aumento
da pressão arterial, que causa ruptura da barreira
hematorretiniana, podendo ser de dois tipos.
Hemorragia superficial, com a forma de chama de
vela (fig.5)
,Hemorragia mais compactada, situada nas
camadas mais profundas da retina (fig.6).
Os exsudados moles ou algodonosos são
designados incorrectamente de exsudados. De facto,
consistem numa zona de isquémia das fibras nervosas (à
superfície da retina), como consequência da diminuição do
aporte sanguíneo. Apresentam-se como manchas brancas
de bordos mal definidos, semelhantes a algodão em rama,
com uma localização peripapilar e junto aos vasos (fig.6).
Constituem uma situação complexa de compromisso
vascular grave que surge associada a lesões renais, cerebrais e isquémia do
miocárdio, o que justifica que num hipertenso a observação de exsudados
algodonosos aponte para uma situação de urgência médica. Este tipo de exsudados
pode estar relacionado com outro tipo de patologias como a leucemia ou a
endocardite bacteriana, por exemplo. Nesta última há libertação de êmbolos sépticos
que podem obstruir a circulação retiniana e originar enfartes isquémicos da retina.
O edema lesa a retina e as células necrosadas
libertam lípidos que, não sendo reabsorvidos com o
edema, são captados e digeridos por macrófagos. Os
exsudados duros correspondem ao conjunto de lípidos e
macrófagos esponjosos, que lhes confere a cor amarelada
e localizam-se na camada plexiforme externa (mais
profundos que os exsudados moles). Quando os
exsudados se encontram na camada de fibras de Henle,
dispõem-se de acordo com a orientação das fibras e
adquirem uma disposição estrelada com irradiação para a
mácula, formando um exsudado em estrela macular.(fig.7).
Fig.5 Hemorragia superficial.
Fig.6 Hemorragia profunda.
Fig.7 Exsudados moles, duros, em estrela macular e edema do disco óptico.
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Também se podem observar veias dilatadas (sinal
de estase venosa), hiperémia e alterações do bordo do
disco óptico, que se encontra mal definido, apontando
para um edema do disco óptico.
Esta é uma situação que surge em casos de HTA
maligna e que requer uma acção rápida. O edema do
disco óptico também pode surgir devido a hipertensão
intracraniana (provocada, por exemplo, por um tumor).
Se um edema de qualquer etiologia persistir, a situação poderá progredir para
atrofia do disco óptico (fig.8). Nesta situação, o disco óptico adquire um aspecto
nacarado e apresenta bordos bem definidos.
As sequelas da arterioesclerose e HTA
incluem a oclusão da artéria e veia retinianas
(fig.9) e a formação de macroaneurismas que
podem originar uma hemorragia do vítreo
(hemovítreo). O disco óptico torna-se não visível.
Na presença de papiledema, a atrofia
subsequente do nervo óptico pode originar, em
última instância e ocasionalmente, uma perda de
visão muito grave. A oclusão da veia central da
retina é uma das causas de perda súbita de visão.
O controlo da HTA e o exame oftalmoscópico são necessários para controlar a
retinopatia hipertensiva e minimizar o risco de complicações.
No fundo ocular de um doente com leucemia
(fig.10) observam exsudados algodonosos, sem
alterações nos vasos. Como este caso justifica, é
importante enquadrar sempre as observações com a
história clínica do doente. De facto, apesar de os
exsudados moles surgirem em casos de HTA, não são
exclusivos dessa patologia.
Fig.8 Atrofia do disco óptico.
Fig.10 Doente com leucemia.
Fig.9 Oclusão da veia central da retina com hemorragia extensa e vasos dilatados – “explosão em granada” ou “tempestade de pôr-do-sol”.
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CLASSIFICAÇÃO DE KEITH-WAGENER-BARKER
As alterações retinianas associadas à HTA são geralmente classificadas de
acordo com a classificação de Keith-Wagener-Barker (KWB):
Grau I
Estreitamento arteriolar moderado – pode eventualmente estar
relacionado com o vasoespasmo mantido ou com esclerose vascular.
Grau II
Estreitamento arteriolar marcado – mais relacionado com esclerose
vascular que com vasoespasmo;
Aumento do reflexo – a parede arteriolar sofre um processo de fibrose e
espessamento, que origina a perda da sua transparência, pelo que a
coluna de sangue deixa de ser visível;
Cruzamentos artério-venosos patológicos – sinal de esclerose vascular.
Grau III
Hemorragias e exsudados moles e duros.
Grau IV
Edema do disco óptico.
Esta classificação, apesar de antiga (1939), continua a ser utilizada1.
Normalmente, as veias retinianas têm
um calibre superior ao das artérias. Para
facilitar a monitorização do calibre arteriolar e
venoso dos doentes com HTA, o Hospital de
Santa Maria e a Universidade Nova
colaboraram na criação de um programa que
permite estabelecer com maior acuidade o
calibre dos diferentes vasos retinianos (fig.11).
1 Os oftalmologistas preferem fazer uma referência directa às alterações observadas no fundo ocular
(vasoespasmo, esclerose vascular…), embora a classificação KWB seja útil para a comunicação com outros colegas, nomeadamente internistas.
Fig.11 Programa de monitorização.
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Clínica da Diabetes Ocular
A Retinopatia Diabética (RD) é uma microangiopatia ocular e uma das
principais causas de cegueira2 adquirida nos países industrializados.
Aproximadamente 90% dos diabéticos têm RD ao fim de 20 anos. Existem cada vez
mais doentes diabéticos a viverem até mais tarde.
A RD não evolui obrigatoriamente do mesmo modo que a Diabetes,
dependendo de:
O doente tenha DM tipo I ou tipo II,
Tempo de evolução da DM.
Por isso é necessário considerar a história clínica do doente para se poder
considerar há quanto tempo é que a Diabetes foi diagnosticada, o que pode dar uma
ideia da iminência ou não do aparecimento da RD. Ao fim de 10-15 anos de doença
cerca de 40-50% dos doentes diabéticos têm sinais de retinopatia diabética.
A DM pode levar a alterações em quase todos os tecidos do sistema visual:
Córnea – hipostesia, queratopatia, queratoconjuntivite sicca,
Cristalino – catarata, alterações de refracção (miopia),
Úvea – glaucoma,
Vítreo – hemivítreo,
Retina – retinopatia, descolamento traccional da retina,
Nervo óptico – neuropatia,
Músculos oculomotores – paralisia,
Cavidade orbitária - infecções orbitárias micóticas,
Pálpebras – xantelasmas.
No entanto, 90% de todas as diminuições na acuidade visual nos doentes com
DM são causadas por RD.
2 Não tão importante no caso da retinopatia resultante da hipertensão arterial.
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ALTERAÇÕES DO FUNDO OCULAR
A RD é caracterizada pelo aparecimento no
fundo ocular de (fig.12):
microaneurismas (não patognomónicos),
manifestações de alterações da
permeabilidade, tais como edema,
exsudados ou hemorragias.
Esta patologia permanece assintomática durante bastante tempo. Apenas nas
fases mais avançadas da doença, com envolvimento macular ou hemorragia do
vítreo, é que o doente nota diminuição da acuidade visual ou cegueira súbita. Ao
invés da HTA, na qual os doentes raramente têm queixas oculares, os doentes com
RD queixam-se de alterações visuais.
Angiografia Fluoresceínica
Numa observação de um fundo ocular
com retinopatia diabética, observa-se um com
hemorragias profundas, microaneurismas ou
pequenas hemorragias. A nossa discriminação
visual não permite distinguir as pequenas
hemorragias dos microaneurismas, pelo que
nestes casos está indicada a realização de
uma angiografia fluoresceínica (fig.13).
Na angiografia fluoresceínica é injectada fluoresceína sódica, um corante
fluorescente, numa das veias cubitais do doente. O corante atinge a circulação
retiniana após alguns segundos e são captadas imagens – angiogramas. Nos locais
de disrupção da barreira hematorretiniana, a fluoresceína sai dos vasos retinianos,
que assim não retêm o corante. As hemorragias surgem, assim, como pequenas
manchas pretas. Os microaneurismas retêm o corante, sendo observáveis sob a
forma de pontos brancos dilatados.
Fig.12 Retinopatia diabética.
Fig.13 Angiografia fluoresceínica.
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CLASSIFICAÇÃO DA RETINOPATIA DIABÉTICA
O sistema de classificação da RD é amplamente utilizado3.
Retinopatia Diabética de “Fundo” (Background) / Não Proliferativa
Podem observar-se microaneurismas, hemorragias intra-retinianas, exsudados
duros e moles, edema da retina e anomalias microvasculares intra-retinianas. Nesta
fase, não há proliferação de neovasos.
Retinopatia Diabética Proliferativa
Surge na sequência da RD não
proliferativa, havendo nesta fase
proliferação de neovasos, inicialmente
retinianos e mais tarde vítreos. Os
neovasos são caracteristicamente mais
frágeis e com maior tendência para a
ruptura e hemorragia, havendo nesta
fase a possibilidade de aparecimento de
hemovítreo. Devido à tracção provocada
pela cicatrização do vítreo, (fig.14), pode
haver descolamento traccional da retina.
Como consequência de neo-
angiogénese na íris, pode haver oclusão
do ângulo da câmara anterior, o que
aumenta o risco de aparecimento de
glaucoma secundário de ângulo fechado.
Edema / Isquémia Macular
As alterações vasculares observáveis na RD proliferativa progridem para a
mácula, causando uma grande diminuição da acuidade visual e até cegueira.
3 O sistema de classificação da RD tem, ao contrário da classificação KWB, muito interesse prático.
Fig.14 Descolamento traccional da retina.
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FOTOCOAGULAÇÃO
Para evitar a progressão da RD, utiliza-se a fotocoagulação, processo através
do qual, com o uso do efeito térmico do laser, se faz a ablação de determinadas
zonas da retina. Esta técnica é aplicada nas zonas de isquémia retiniana, a partir
das quais se pensa que surgem os factores vasoproliferativos que promovem a neo-
vascularização. Para que estas zonas sejam correctamente identificadas, deve-se
fazer uma angiografia fluoresceínica.
A fotocoagulação é preferencialmente realizada numa fase não-proliferativa da
RD, para impedir a proliferação. No entanto, se o doente já estiver na fase
proliferativa, pode-se executar fotocoagulação nas zonas de isquémia e
eventualmente conseguir que os vasos regridam.
Na fundoscopia, as zonas de
fotocoagulação surgem como pequenos pontos
esbranquiçados (fig.15). Normalmente, a
técnica é utilizada em toda a retina –
fotocoagulação panretiniana – tentando poupar
o pólo posterior, zona de visão central.
Assim, como consequência do tratamento, há alterações do campo visual e,
possivelmente, da visão nocturna, uma vez que os bastonetes ficam alterados. A
visão central (ambulatória) é conservada, permitindo que o doente se aperceba do
que o rodeia.
Fig.15 Fotocoagulação.
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DESCOLAMENTO TRACCIONAL DA RETINA E VITRECTOMIA
Em casos de descolamento traccional da retina os doentes podem permanecer
assintomáticos durante um longo período de tempo. Na fase de descolamento
posterior agudo do vítreo, o doente terá queixas de fotopsias (flashes de luz) e
“chuva negra” – a percepção de pontos negros que se movem com o olhar. Quando
a retina se descola, surge uma sombra negra no campo visual, que o doente
percebe como uma cortina a cair ou uma parede a levantar-se, dependendo se o
descolamento é superior ou inferior. Uma quebra no centro da retina resulta numa
diminuição significativa da acuidade visual, que inclui metamorfopsia (distorção de
imagens), se houver envolvimento macular.
Na fundoscopia, observa-se a perda do aspecto transparente da retina, que se
torna esbranquiçada, pelo desenvolvimento de fibrose e perda do apoio coreo-
capilar (o vítreo puxou a retina para a frente, descolando-o da sua zona de fixação
normal). Não será possível focar a retina correctamente porque a retina entra pelo
vítreo.
A rigidez das pregas retinianas e membranas vítreas complica
significativamente a recolocação da retina. Normalmente, esta situação requer uma
vitrectomia, que consiste na remoção cirúrgica do vítreo (constituído normalmente
por 99% de água e 1% de colagénio e ácido hialurónico) e a sua substituição com
uma outra solução. Em muitas situações nas quais se realizam vitrectomias
(hemovítreo, descolamento traccional da retina, vitreoretinopatia proliferativa,
remoção de lentes intravítreas deslocadas ou corpos estranhos, ou alterações
inflamatórias graves pós-operatórias ou pós-traumáticas do vítreo), é suficiente
voltar a encher o olho com solução de Ringer. No entanto, isto não é suficiente
para tratar descolamentos complicados da retina com membranas epirretinianas ou
subretinianas e contracção da superfície da retina. Nestes casos, a retina descolada
deve ser aplanada num sentido ântero-posterior e segurada com um líquido
tamponado com uma gravidade específica muito alta, como o perfluorocarbono
líquido (fig.16).
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No final da cirurgia, estes líquidos “pesados” devem ser substituídos por:
Gases – espontaneamente absorvidos ao fim de alguns dias,
Óleo de silicone – tem de ser removido numa cirurgia subsequente.
Casos de descolamentos complicados da retina precisarão de tamponamento
interno prolongado, no qual o óleo de silicone tem demonstrado eficácia, enchendo
toda a câmara do vítreo e exercendo pressão permanente em toda a retina.
Fig.16 Reparação da retina num descolamento da retina, com o uso de um líquido com uma gravidade específica elevada. O líquido actua como uma “terceira mão” na manipulação da retina, simplificando manobras como a remoção das membranas epirretinianas e retinotomias.
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Caso Clínico Final
Na figura 17 pode-se observar um fundo
ocular anormal, com exsudados algodonosos,
hemorragias dispersas, dilatação venosa
(estase) e um disco óptico pouco visível (extenso
edema papilar), o que aparenta, portanto, tratar-se
de um caso complicado de retinopatia hipertensiva.
Qual é a primeira coisa que se deve questionar para o correcto diagnóstico?
Deve-se questionar imediatamente qual a história do doente. Na verdade, o
doente era do sexo masculino, de 33 anos, HIV-positivo, sem história de
hipertensão. O doente sofria de retinite por infecção por CMV, sendo, portanto,
tratável através da utilização de um anti-viral (fomivirsem).
Sublinha-se, assim, a importância do enquadramento adequado das
observações oftalmoscópicas na história clínica.
Em suma:
A retina tem formas semelhantes de reagir a diferentes tipos de lesão;
Deve ser atribuída uma grande importância à história clínica do doente
(idade, sexo, patologias, diagnóstico provisório…) e restante exame
objectivo para poder ser possível atribuir o significado correcto às imagens
do fundo ocular.
Fig.17 Retinite por CMV.