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POLÍTICAS PÚBLICAS, SOCIEDADE E AMBIENTE
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior1
Elena Steinhorst Damasceno2
INTRODUÇÃO
Desde a década de 1960, a problemática ecológico/ambiental tem sido
cada vez mais percebida, em todo o planeta, como um dos problemas centrais dos
tempos em que vivemos. O exame mais detido dos profundos e crescentes
problemas ecológicos e ambientais que estão sendo amplamente difundidos,
alcançando os mais variados espaços, territórios, povos e grupos sociais, permite
relacioná-los com os modos de produção material que proporcionaram, nos dois
últimos séculos, um crescimento econômico global sem precedentes. Essa relação
entre crescimento econômico e problemas ambientais, de certa forma, orientou as
análises feitas nas principais correntes ambientalistas surgidas nos anos 1960 e
1970. Segundo Leff (2001, p. 150), “La crisis ambiental se hace evidente en los años
60, reflejándose en la irracionalidad ecológica de los patrones dominantes de
producción y consumo, y marcando los límites del crecimiento económico”.
A permanente disseminação da produção industrial pelo planeta, desde o
século XVIII, e seu extraordinário incremento a partir da segunda metade do século
XX trouxeram consequências oriundas da indústria, de seus produtos e de sua
influência sobre outras atividades produtivas. Como exemplo, podemos citar:
poluição de rios, do ar e do solo; profundas transformações na agricultura,
conhecidas como Revolução Verde3; desmatamentos em grande escala e destruição
crescente de ecossistemas; comprometimentos à biodiversidade, com ampliação
permanente de espécies ameaçadas de extinção; urbanização crescente e
1 Sociólogo, Professor Doutor do Departamento de Sociologia e Antropologia e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Políticas Públicas; Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. 2 Bióloga, Mestre em Saúde e Ambiente, Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e pesquisadora do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. 3 “Foi chamado de Revolução Verde um amplo processo internacional de incorporação de sementes manipuladas geneticamente, insumos agrícolas, fertilizantes, maquinário pesado na agricultura, alterando formas tradicionais e locais de produção” (MUNIZ; SANT’ANA JÚNIOR, 2009, p. 256). Esse tipo de agricultura é marcado pela monocultura extensiva, homogeneização de paisagens e redução do uso de mão de obra humana na atividade agrícola.
desordenada; efeito estufa e consequentes alterações climáticas; buraco na camada
de ozônio; problemas à saúde humana e à qualidade de vida.
O problema ambiental se caracterizou, principalmente, como um dos
resultados da revolução industrial; com a consequente e grande quantidade de
geração de resíduos, o que hoje é chamado, pela economia ecológica, de
“externalidades do processo produtivo” ou externalidades ambientais. Isto é, o valor
das externalidades ambientais não está inserido no custo total do produto e quem
paga este custo é o meio ambiente e a sociedade – principalmente as classes e
grupos sociais menos favorecidos economicamente e mais vulneráveis por estarem,
geralmente, localizados espacialmente mais proximamente às áreas degradadas.
Externalidades de processos produtivos passaram a ter repercussão
internacional a partir de grandes desastres ambientais, dentre os quais podemos
destacar, a título de exemplo, a contaminação da baía de Minamata, no Japão, em
1962, fazendo com que centenas de pessoas fossem envenenadas por mercúrio ao
comerem peixes ali pescados; o fenômeno da chuva ácida, nos anos 1960,
resultante da emissão de compostos de enxofre (SOᵪ) na Europa continental e que
atingiram os lagos da Escandinávia; os acidentes envolvendo contaminação por
radioatividade na central nuclear Three Mile Island, nos EUA, em 1979, na central
nuclear Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, e o acidente radiológico de Goiânia, no
Brasil, em 1987; o acidente na indústria química de Bhopal, na Índia, em 1984; a
difusão mundial, na década de 1980, de imagens dos grandes desmatamentos na
Amazônia e de seus efeitos para povos indígenas, populações tradicionais e para a
biodiversidade.
Considerando a crescente visibilidade, dimensão e gravidade dos
problemas ambientais, o presente capítulo, a partir de uma análise do processo
dialético entre o global e o local, tem como objetivos principais apresentar os
momentos mais relevantes de como essa percepção emerge enquanto uma
problemática de alcance planetário, envolvendo organismos multilaterais e Estados
nacionais; destacar os aspectos conflitivos que marcam a problemática ecológico-
ambiental; discutir a constituição de políticas públicas a partir dessa problemática,
relacionando-as com os conflitos envolvidos e, por fim, mas não menos importante,
como problemas e conflitos ambientais se configuram no Maranhão e se articulam
dialeticamente com suas dimensões globais. O capítulo é resultado da pesquisa
“Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão”4, realizada
pelo Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente
(GEDMMA) – vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC) e
aos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e Políticas
Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – e que visa
examinar projetos de desenvolvimento e modernização econômica e suas
consequências socioambientais.
EMERGÊNCIA DA PROBLEMÁTICA ECOLÓGICO/AMBIENTAL
A emergência da problemática ecológico-ambiental como questão
mundial foi estimulada por grandes desastres que se constituem nos seus
momentos mais dramáticos e pela crescente constatação de seus efeitos cotidianos
na qualidade de vida das grandes cidades, na saúde de pessoas atingidas por
poluição industrial ou resultante da agricultura no modelo revolução verde. Esta
emergência também se deve à constatação científica e empírica das mudanças
climáticas e à percepção pública da gravidade e dimensão dos problemas
ambientais que, num primeiro momento, provocou crescentes demandas por outra
lógica de civilização, baseada em outros valores, outros modelos societários e
outras formas de produção, segundo modos diferenciados de relacionamento com a
natureza. Em outras palavras, a constatação dos problemas ambientais provocou a
discussão pública e acadêmica sobre estilos de vida e consumo, ética e cultura,
dinâmicas políticas e sociais, organização do espaço.
Problemas ambientais podem ultrapassar fronteiras regionais e nacionais,
conforme sua escala (por exemplo, os fenômenos de chuva ácida ou o acidente
radiológico de Chernobyl), suas consequências podem ser globais (por exemplo,
buraco na camada de ozônio, aquecimento global, derretimento das calotas polares)
e os atores envolvidos transcenderem uma única região ou país. Na década de
1970, duas iniciativas internacionais procuram discutir, conhecer melhor e buscar
4 Pesquisa apoiada pelo CNPq, através do Edital MCT/CNPq 02/2009 – Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas e de Bolsa de Doutorado para Elena Steinhorst Damasceno; e pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), através do Edital FAPEMA 010/2009 Universal e de Bolsa de Pós-Doutorado – BPD, para Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior.
saídas para esses problemas que se tornavam cada vez mais evidentes e cuja
crítica vinha colocando em questão as formas dominantes de produção e consumo.
De um lado, uma iniciativa reunindo grandes empresas multinacionais, governos,
organismos multilaterais e acadêmicos altamente qualificados e reconhecidos
constituiu o chamado Clube de Roma, cujo produto mais conhecido foi o Relatório
“Limites do Crescimento”, publicado em 1972. De outro lado, a Organização das
Nações Unidas (ONU), convocou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente Humano, que ocorreu em 1972, em Estocolmo, na Suécia.
O Clube de Roma originou-se de um encontro em abril de 1968 na
Academia Dei Lincei, em Roma. Segundo informações contidas no relatório,
envolvia pesquisadores, dentre outros, da OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico); do Battelle Institute (Suiça); do Japan Economy
Research Center (Japão); da Technical University of Hannover (Alemanha) e do
Massachussets Institute of Technology (EUA). Tinha o apoio de grandes empresas
como a Fiat, a Olivetti, Wolkswagen, Italconsult (uma das maiores consultorias para
o desenvolvimento econômico e de engenharia da Europa) (MEADOWS et al.,
1978).
O relatório “Limites do Crescimento” foi resultado de encontros mantidos
no verão de 1970 em Berna, Suíça, e em Cambridge, Estado de Massachusetts,
EUA. Segundo o próprio relatório,
O objetivo de “Limites do Conhecimento” é examinar o complexo de problemas que afligem os povos de todas as nações: pobreza em meio à abundância, deterioração do meio ambiente, perda de confiança nas instituições, expansão urbana descontrolada, insegurança de emprego, rejeição de valores tradicionais, alienação da juventude, inflação e outros transtornos econômicos e monetários (MEADOWS et al., 1978, p. 11).
Marcado por um tom neomalthusiano, pois, em grande medida, procura
fazer a relação entre “os problemas que afligem os povos de todas as nações” e o
crescente aumento da população humana no planeta, o relatório não deixa de
evidenciar que as atividades produtivas contemporâneas constituem-se em fontes
substanciais dos citados problemas, por exemplo, quando se refere às substâncias
poluentes:
a ignorância sobre os limites da capacidade do globo para absorver poluentes, deveria ser razão suficiente de cautela na liberação de substâncias contaminantes. O perigo de se atingirem esses limites é especialmente grande porque há, tipicamente, uma longa demora entre a liberação de um poluente no meio ambiente e o aparecimento de seus efeitos negativos no sistema ecológico (MEADOWS et al., 1978, p. 77).
Nos vários capítulos do relatório, são apresentados dados e informações
que permitem fazer projeções que demonstram que a capacidade do planeta de
suportar o ritmo de crescimento econômico que vinha se acelerando poderia ser
brevemente alcançada. O título do mesmo refere-se claramente a limites do
crescimento, pois essa era sua questão central.
Se as atuais tendências do crescimento da população mundial – industrialização, poluição, produção de alimentos e disseminação de recursos naturais – continuarem imutáveis, os limites do crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável tanto da população quanto da capacidade industrial (MEADOWS et al., 1978, p. 20).
O “Limites do Crescimento” refletiram a preocupação existente naquele
momento nas elites econômicas mundiais com a continuidade do sistema econômico
capitalista, na medida em que cada vez mais ficava evidente que se colocava a
possibilidade de colapso do sistema. Segundo Carvalho (1990), os
constrangimentos ecológicos passavam a ser inseridos na lógica capitalista,
deixando de ser somente uma questão para diletantes e acadêmicos. No entanto, o
relatório assume um tom otimista, buscando apontar saídas que garantissem o
equilíbrio entre ecologia e economia, garantindo, portanto, a própria perpetuação do
sistema capitalista. O tom catastrófico dominante no relatório é amenizado por
proposições gerais que tratam a “população do mundo” como se fosse um todo
homogêneo e com o mesmo interesse comum: garantir o futuro, até então
ameaçado.
É possível modificar estas tendências de crescimento e formar uma condição de estabilidade ecológica e econômica que se possa manter até um futuro remoto. Quanto mais cedo a população do mundo começar a trabalhar para alcançá-lo, maiores serão suas possibilidades de êxito (MEADOWS et al., 1978, p. 20).
Paralelamente às iniciativas do Clube Roma, a Organização das Nações
Unidas (ONU) convocou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, que foi realizada em 1972, em Estocolmo (Suécia) e, por isso, também
ficou conhecia como a Conferência de Estocolmo. Essa conferência, de acordo com
Sachs (2000, p. 118) foi provocada principalmente pela Suécia, que se via às voltas
com os efeitos da chuva ácida, poluição no mar Báltico e altos níveis de pesticidas e
metais pesados em peixes e aves, oriundos de atividades industriais e agrícolas de
outros países europeus e alegava que, por não respeitar fronteiras, a poluição
deveria ser discutida a partir de um organismo internacional. O autor lembra que:
o lixo industrial escapa à sobra nacional, não se apresenta na alfândega, não usa passaporte. Os países descobriram que não eram entidades auto-suficientes (sic), mas sujeitos à ação de outros países. Assim surgiu uma nova categoria de problemas: as “questões globais” (SACHS, 2000, p. 118).
A partir dessa Conferência, os temas relativos ao meio ambiente
passaram a ser objeto de preocupação e debate por parte da mídia, das pessoas
comuns, da sociedade civil organizada, dos governos, de organismos multilaterais,
como o Banco Mundial e da Organização das Nações Unidas (ONU).
Um dos principais desdobramentos da Conferência de Estocolmo foi a
criação da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD)
pela Assembleia Geral da ONU, em 1983. A Comissão foi presidida pela senhora
Gro Harlen Bruntland, ex-Primeira Ministra da Noruega, e, após estudos, discussões
e audiências públicas, em 1987, publicou o relatório “Nosso Futuro Comum”,
também conhecido como Relatório Bruntland (CMMAD, 1991).
O Relatório Bruntland incorporou a noção de desenvolvimento sustentável
que passou a ser apresentada como alternativa para a crise ecológica global na
medida em que procura fazer a união entre desenvolvimento e meio ambiente.
Vinculado à noção, estava o estabelecimento de princípios gerais que norteariam um
compromisso político em escala mundial apresentado como instrumento para
garantir a continuidade do crescimento econômico sem implicar na destruição da
natureza (CMMAD, 1991). Dessa forma, buscava-se uma saída para a cada vez
mais evidente incompatibilidade entre crescimento econômico e sobrevivência
planetária, entre modo de produção capitalista/industrial e conservação ambiental.
A proposta de desenvolvimento sustentável foi consagrada em 1992, no
Rio de Janeiro, na Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como ECO-92, Rio-92, Cúpula ou
Cimeira da Terra. Essa foi a maior conferência já realizada pela ONU e reuniu um
grande número de representantes de países de todos os continentes, marcando a
incorporação da questão ambiental na lista de temas que compõem a agenda das
negociações internacionais. Entre seus principais produtos, pode ser destacada a
Agenda 21, que se constituiu em um protocolo internacional de metas a serem
alcançadas com relação ao meio ambiente e que deveria ser replicado nos países
signatários, através de suas agendas 21 nacionais, regionais e locais, refletindo em
políticas públicas orientadas para a recuperação ambiental e para a prevenção de
novos processos de degradação.
Desde a Conferência de Estocolmo, inúmeros tratados, acordos e
reuniões internacionais foram firmados e realizados, com maior ou menor adesão
dos vários países, tendo em vista a busca da conciliação entre crescimento
econômico e desenvolvimento com conservação ambiental. É, assim, difundida
pelas instituições multilaterais e pelos Estados nacionais a necessidade de criação
de organismos voltados para o meio ambiente. Legislações internacionais,
nacionais, regionais e locais surgem e se renovam a cada dia, políticas públicas são
criadas e recriadas. A consciência da necessidade de cuidados com o meio
ambiente se torna cada vez mais difundida, atingindo amplos e diversos setores
sociais.
Mesmo com toda a mobilização, desde o nível internacional até o local,
em torno da problemática ecológico/ambiental, os sinais vermelhos de perigo
continuam acesos e não há uma efetiva reversão da situação constatada nos finais
dos anos 1960. Pelo contrário, a degradação do planeta se amplia de forma
inimaginável. Para Muniz e Sant’Ana Júnior (2009), a noção de desenvolvimento
sustentável tornou-se um instrumento de neutralização da forte crítica feita pelo
movimento ambientalista à difusão do modo industrial de produção. Para Foster
(2002), o desenvolvimento sustentável é nada mais que uma forma de perpetuação
das relações capitalistas e consequentemente de destruição da natureza. Tal como
está proposto, portanto, promove apenas a sustentabilidade do sistema capitalista.
Como exemplo, pode ser citado o Quarto Relatório do Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC)5, publicado em 2007, que alertou para o fato de que o
planeta está passando por um processo acelerado de aquecimento (conhecido como
aquecimento global) que, além de estar diretamente relacionado com as atividade
produtivas humanas, tem se intensificado grandemente desde a década de 1960
(IPCC, 2007). No entanto, medidas efetivas para reverter essa situação implicariam
em profundas mudanças nos sistemas político e econômico dominantes
mundialmente, exigindo uma grande mudança de rumo. Essas mudanças não se
realizam, pois a lógica do pensamento social, político e econômico que surgiu com a
5 Criado pela Organização Meteorológica Mundial (WMO) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em 1988, reunindo mais de 2500 cientistas de mais de 130 países,
expansão do capitalismo no século XIX e se consolidou no século XX orienta as
políticas e ações dos grandes organismos internacionais e da maior parte dos
Estados nacionais, afirmando-se como lógica dominante mundialmente.
Um elemento fundamental dessa lógica é a crença no crescimento infinito,
pois, para a acumulação capitalista, o crescimento é imprecindível, fazendo com que
o capital fique preso a uma mecânica da qual dificilmente poderá sair, por ser
orientada pela concorrência entre os capitalistas e alimentada pela necessidade do
lucro. Alia-se a isso, a crença generalizada no progresso técnico, associada com a
crença na ciência moderna, que leva a supor que novos conhecimentos são gerados
de forma a criar condições de controlar as atividades produtivas e seus efeitos,
conduzindo à superação das variadas formas de degradação ambiental, por elas
produzidas. Nas trilhas da noção de desenvolvimento sustentável, reforça-se a
crença de que o mercado proporcionará as soluções necessárias para a saída dos
enormes problemas ambientais com os quais convivemos.
De outro lado, essa cadeia é permanentemente alimentada pelo desejo
de consumir, constantemente fomentado pela propaganda, que busca incorporar
sempre novos grupos sociais e novas gerações à roda do consumo. Tecnologia e
novidade tornam-se sinônimos, gerando e reforçando demandas inexistentes até
muito pouco tempo atrás. Cada demanda surgida/gerada implica em mais matéria-
prima, mais consumo de energia, mais ação produtiva, mais dejetos, mais lixo, mais
poluição.
Assim, a anunciada desmaterialização da economia que seria promovida
pelos avanços tecnológicos, transformando a sociedade industrial em uma
sociedade de serviços e atividades “limpas”, ou “sociedade pós-industrial”, não tem
se efetivado. A ampliação da indústria e suas ameaças à manutenção da vida no
planeta continuam sendo a principal característica da economia contemporânea.
CONFLITOS AMBIENTAIS
A difusão do modo industrial de produção sempre provocou confrontos
entre lógicas diferenciadas de apropriação do ambiente, pois altera modos de vida,
interfere em organizações sociais, compromete sistemas produtivos, impõe a
convivência com externalidades, dificulta ou impede a reprodução social de povos e
grupos sociais, gerando os maiores prejuízos, principalmente, para aqueles grupos
ou pessoas desprovidos de poder econômico, social e/ou político. As populações
locais, em boa medida, constituem um modo de vida peculiar (cultura, sociabilidade,
trabalho), adaptado às condições ecológicas, predominando economia polivalente,
ou seja, agricultura, pesca, extrativismo, artesanato, com um calendário sazonal
anual, conforme os recursos naturais explorados, normalmente, sob o regime
familiar de organização do trabalho (ALMEIDA e CUNHA, 2001; LITTLE, 2002).
Escobar (2005), a partir do estudo de situações variadas de resistência, aponta para
o potencial crítico das lutas populares e da busca de afirmação do saber local como
forma de confronto com a lógica mundialmente dominante.
A existência de diferentes visões da natureza leva a diferentes
racionalidades e, consequentemente, a conflitos em relação aos tipos de uso que se
faz desta em um mesmo território, ou territórios contíguos. Assim, as diferentes
visões que se possam ter da natureza são determinantes do tipo de uso que será
feito dela, sendo este um fator desencadeante dos conflitos socioambientais.
De acordo com os códigos culturais, algo que é visto como uma “solução”
para alguns pode, também, ser compreendido como um “problema” para outros. Tal
antagonismo, exemplificado de forma simplificada, não se refere, apenas, a uma
questão de consciência individual - as posições que tomamos e os entendimentos
que assumimos são frutos dos códigos sociais que compartilhamos. Para uma
reflexão sobre as diferentes formas de percepção, acesso, domínio e gestão da
natureza, é necessário observar que estas diferentes visões são construídas
histórica e culturalmente e, portanto, existem variadas representações da natureza
circulantes na sociedade, implicando em modos diferenciais de estabelecimento de
relações dos seres humanos com esta (WORTMANN, 2001).
Fuks (1998, p. 2) já atentava para a especificidade da dinâmica de
incorporação social da variável ambiental, levando em consideração dois aspectos:
a sua dimensão local e o contexto de conflito. Desta forma, as preocupações difusas
em relação ao meio ambiente dão lugar à compreensão do conflito local entre
setores sociais específicos, em torno do qual são geradas, sedimentadas e
veiculadas ações e compreensões distintas associadas ao meio ambiente enquanto
problema social. Historicamente, em várias situações, esse cenário foi conduzido
para disputas que se configuram como “conflitos ambientais”, pois envolvem
diferentes formas de significação do ambiente, a partir das diferentes categorias,
representações e atores sociais que neles buscam legitimidade (ACSELRAD, 2004).
A crescente necessidade de incorporação de novos espaços que tem
marcado os processos de acumulação do capital (HARVEY, 2005) desconsidera, ou
considera como entraves, a existência de inúmeros grupos sociais e povos que
milenar ou secularmente ocupavam as regiões pretendidas e aí constituem relações
produtivas, sociais e culturais, com características próprias. Esses povos, em maior
ou menor intensidade (o que somente pode ser verificado em cada caso empírico),
reagem, enfrentam e propõem alternativas ao modelo de desenvolvimento que os
atinge. Essas reações, em boa parte dos casos, se iniciam como um conflito de
caráter social, em torno da posse de territórios (ALMEIDA, 1996) e passam,
crescentemente, por processos que Leite Lopes (2004) define como
“ambientalização dos conflitos sociais”, podendo ser configurados como “conflitos
ambientais”, que podem se manter como “conflitos pelo acesso e uso dos recursos
naturais” (em especial pelo controle do território) quanto incorporar, nos casos,
principalmente vinculados à industrialização ou à agricultura com uso intensivo de
produtos químicos, a dimensão de “conflitos por distribuição de externalidades”, isto
é, conflitos em torno de situações em que “o desenvolvimento de uma atividade
comprometa a possibilidade de outras práticas se manterem” (ACSELRAD, 2004, p.
25), devido a seus efeitos. De acordo com Acselrad (2004, p. 26), conflitos
ambientais podem ser definidos como:
... aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis ... decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.
POLÍTICAS PÚBLICAS E OS PROBLEMAS ECOLÓGICO-AMBIENT AIS
Para se pensar a relação entre problemas ecológico-ambientais e políticas
públicas é necessário discutir, pelo menos dois aspectos fundantes dessas políticas.
Entre estes aspectos, a emergência dos complexos problemas ecológico-ambientais
com dimensões internacionais como foco de interesse de governos e grandes
agências multilaterais foram provocadores de conferências, acordos e protocolos
que estimulam e, mesmo, demandam a criação de legislações e organismos
nacionais, regionais e locais referidos ao meio ambiente e, consequentemente, de
políticas públicas orientadas por essa preocupação. Outro aspecto é o caráter
conflitivo envolvido na problemática ecológico-ambiental, principalmente em função
da desigual distribuição de seus efeitos, tendendo, majoritariamente, a atingir grupos
e classes sociais desprovidos de poder econômico, social e político, que produz
demandas permanentes às várias instâncias do Estado de intervenção, controle e/ou
mediação nas situações conflitivas.
Silva (2008, p. 90), ao refletir sobre o processo de constituição de
políticas públicas, afirma que essas se configuram em movimentos e são
consideradas uma forma de regulação e intervenção na sociedade. Ainda segundo a
autora:
Trata-se de um processo que articula diferentes sujeitos, que apresentam interesses e expectativas diversas. Representa um conjunto de ações ou omissões do Estado, decorrente das decisões e não-decisões, constituída por jogos de interesses, tendo como limites e condicionantes os processos econômicos, políticos, sociais e culturais de uma sociedade historicamente determinada.
Silva (2008) também destaca que toda política pública é um mecanismo
de mudança social, orientada para promover o bem estar de segmentos sociais,
principalmente os mais destituídos. Mas, é também um mecanismo de distribuição
de renda e de equidade social e pode ser vista como uma mecanismo social que
contém contradições, contrapondo-se a concepção de política pública como mero
recurso de legitimação política ou de uma intervenção estatal subordinada tão
somente à lógica de acumulação capitalista.
No caso de políticas públicas relacionadas ao meio ambiente, no Brasil, é
possível perceber vários conjuntos de interesses que, pressionando o Estado
brasileiro, levaram a: elaboração de um complexo conjunto de legislações, cujo
marco mais significativo foi a adoção da centralidade do meio ambiente na
Constituição Federal de 1988 e a legislação infraconstitucional daí decorrente;
constituição de um amplo sistema nacional de meio ambiente, que vai do Ministério
às Secretarias Municipais, passando por Promotorias Federais e Estaduais;
instalação de variadas formas de unidades de conservação, legisladas no Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), criado pela Lei Federal 9.985, de 18
de julho de 2000.
Políticas ambientais de caráter nacional, regional ou local são elaboradas
com maior ou menor celeridade e sua implementação é mais ou menos efetiva
segundo as forças sociais que atuam em torno das mesmas e de seus interesses.
Segundo Silva (2008, p. 90)
... uma política pública se estrutura, se organiza e se concretiza a partir de interesses sociais organizados em torno de recursos que também são produzidos socialmente. Seu desenvolvimento se expressa por movimentos articulados e, muitas vezes, concomitantes e interdependentes, constituídos de ações em forma de respostas, mais ou menos institucionalizadas, a situações consideradas problemáticas, materializadas mediante programas, projetos e serviços.
No movimento de construção das políticas públicas estão envolvidos
diversos sujeitos com interesses variados, entre eles destacam-se as instituições, os
sujeitos políticos, grupos de interesses, partidos políticos, burocratas, legisladores e
a mídia, entre outros. Como exemplos das dinâmicas que envolvem políticas
ambientais, podemos destacar duas situações.
Em primeiro lugar, a importância obtida pelo movimento dos seringueiros
na década de 1980, que reagindo às políticas de pecuarização de grandes parcelas
da floresta amazônica, implementadas por governos da ditadura de 1964,
conseguiram criar um movimento com grande capacidade de resistência e
proposição, obter apoio internacional à sua causa, intervir em reuniões do Banco
Mundial bloqueando financiamento para expansão de rodovias e, finalmente,
demandar e criar as condições para que o Governo brasileiro, em 1990, criasse as
primeiras Reservas Extrativistas6, como forma de garantia de controle de territórios e
de conservação da natureza e modos de vida tradicionais7. Essas reservas passam
a compor o sistema nacional de meio ambiente e a legislação ambiental brasileira a
partir da institucionalização do SNUC, em 2000.
Como segundo exemplo da relação entre dinâmicas sociais e políticas
ambientais, podemos citar a demanda pela criação da Reserva Extrativista de Tauá-
Mirim, no município de São Luís-MA. Desde 2003, em função de constantes
ameaças de deslocamento compulsório de seu território ancestralmente ocupado,
feitas por governos estaduais e municipais e visando a instalação de projetos
industriais, várias organizações sociais de povoados da Zona Rural de São Luís 6 Reservas Extrativistas são unidades de conservação criadas inicialmente por Decreto Presidencial, caso a caso, a partir de 1990 e, posteriormente, incorporadas à legislação federal através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei Nº 9.985 de 18 de julho de 2000. Nessa modalidade de unidade de conservação, a permanência de populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, está aliada aos objetivos básicos de proteger os meios de vida e a cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos seus recursos naturais. 7 Para uma descrição mais detalhada desse processo, ver Sant’Ana Júnior (2004, p. 167-242)
demandam a criação da referida Reserva Extrativista junto ao Ministério do Meio
Ambiente. A demanda pela Reserva Extrativista de Tauá-Mirim se enquadra no tipo
de estratégias de formulação de política chamada de botton down – ou que vem de
baixo para cima (DYE, 2005 apud SILVA, 2008). No entanto, por se tratar de uma
região considerada industrialmente estratégica por planejadores governamentais e
empresas, devido sua proximidade do Complexo Portuário de São Luís, da Estrada
de Ferro Carajás e da rodovia BR 135, fortes interesses governamentais e
empresariais atuam junto ao Governo Federal na tentativa de impedir a realização
dessa demanda. Por seu turno, as organizações sociais dos povoados buscam
aliados em órgãos governamentais, na universidade e outras organizações sociais e
religiosas na busca de fazer valer o que consideram um direito de seus moradores,
além da conservação ambiental de sistema ecológico sob constante ameaça e do
qual dependem para manter suas atividades produtivas: o manguezal. Esse quadro
de disputas faz com que o processo de criação da Reserva Extrativista de Tauá-
Mirim, até o momento em que este capítulo está sendo escrito, permaneça na Casa
Civil do Governo Federal sem uma solução e os vários grupos e organizações
continuam agindo, buscando criar estratégias que garantam a adoção, pelo Estado,
de seus interesses8.
Segundo Silva (2008, p. 93), há certo consenso de que nas sociedades
democráticas, a identificação de problemas é dada pela demanda colocada por
certos indivíduos ou grupos para o Estado a partir de situações que se constituem
necessidades ou insatisfações, como pode ser percebido no caso do movimentos
dos seringueiros da década de 1980 e a criação das Reservas Extrativistas em
1990. Por outro lado sabe-se que estas demandas nem sempre chegam a constituir
políticas públicas, na medida em que seus demandadores não conseguem inseri-las
nas agendas dos decisores políticos, o que pode vir a ser o caso da demanda pela
Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, caso o pleito não seja atendido.
SILVA (2008) destaca também a importância da organização dos
grupos de interesses e sujeitos políticos no sentido influenciar e pressionar os
indivíduos e diversos segmentos da sociedade através da utilização de estratégias
de ação, para que haja maior possibilidade da questão ser colocada na agenda
pública. As políticas públicas, assim, têm seus limites: avançam até onde a
8 Sant’Ana Júnior et al. (2009) reúnem um conjunto de estudos que detalham melhor essa situação.
sociedade permite e segundo a capacidade de organização e o poder econômico,
social e político de cada um dos grupos ou classes sociais nelas envolvidas.
No Brasil e no mundo contemporâneo é possível perceber que há uma
consciência crescente da população com relação aos problemas ambientais e à
necessidade de que medidas governamentais ou não sejam tomadas rapidamente
para reverter a ameaça geral sobre a vida no planeta. Porém, os limites colocados
às possibilidades de alteração de práticas produtivas e dos padrões de consumo
que, em linhas gerais, são os principais causadores dessas ameaças são também
evidentes. Discursos genéricos de defesa do meio ambiente confrontam-se
cotidianamente com afirmação de políticas e práticas que implicam necessária e
diretamente em sua degradação. A elaboração de complexas e amplas leis
ambientais; a implantação de amplos sistemas nacionais de meio ambiente; a
criação de unidades de conservação não têm se constituído em garantia de que se
efetive a necessária ação estatal para a reversão das principais causas dos
problemas ambientais no Brasil e no mundo.
PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E OS PROBLEMAS SOCIOAMB IENTAIS
NO MARANHÃO
A primeira década do século XXI, no Brasil, pode ser caracterizada pela
retomada da capacidade de investimento do Estado, que vem sendo acompanhada
com uma nova onda do desenvolvimentismo que marcou os governos ditatoriais nas
décadas de 1960 e 1970. Nos anos 1990, foram feitos os primeiros ensaios dessa
retomada com a formulação do Programa Avança Brasil, nos dois mandatos do
Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que previa a recuperação,
continuidade ou implantação de novas obras de infraestrutura (estradas, portos,
aeroportos, usinas produtoras de energia elétrica, transposição de águas fluviais
etc.), a serem levadas a cabo pelo Estado ou em parceria com a iniciativa privada e
que garantiriam à implantação de empreendimentos empresariais privados,
percebidos como indutores do desenvolvimento.
Esse ímpeto desenvolvimentista foi bastante ampliado com a
implementação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), nos mandatos
do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), ampliando o escopo do
Programa anterior e se beneficiando do significativo aumento da capacidade Estatal
de investir, de momentos macroeconômicos favoráveis e do enfrentamento bem
sucedido da crise econômica internacional de 2008/2009.
No Maranhão, acompanhando o planejamento feito tanto para a
Amazônia brasileira quanto para o Nordeste no âmbito do Avança Brasil e do PAC,
há uma expressiva recuperação de projetos apresentados como de desenvolvimento
e planejados, em boa parte dos casos, nos governos ditatoriais decorrentes do golpe
de 1964, através de seus Planos de Integração Nacional (PIN). Além desses, novos
projetos e programas são elaborados, anunciados publicamente e, em alguns casos,
implementados, envolvendo agências governamentais e/ou privadas. Esses velhos e
novos projetos e programas são retomados ou elaborados com uma ampla
justificação na busca de superação da pobreza e dos baixos Índices de
Desenvolvimento Humano (IDH) que, no caso do Maranhão, em especial,
apresenta-se recorrentemente entre os piores do país.
Os desdobramentos das iniciativas desenvolvimentistas, desde o período
ditatorial, visaram à constituição de uma ampla rede de infraestrutura com o objetivo
de permitir a exploração e/ou escoamento da produção mineral, florestal, agrícola,
pecuária e industrial do próprio Maranhão e de estados vizinhos, com foco principal
na exportação, fazendo com que a riqueza produzida não seja apropriada
localmente, a não ser por diminutos setores da elite local, que se colocam como
intermediários para a garantia de processos de acumulação do grande capital.
A infraestrutura gerada ao longo das últimas décadas consiste em uma
extensa rede de rodovias; a Estrada de Ferro Carajás, que liga as grandes minas do
sudeste do Pará (gigantescas jazidas de minério de ferro e outros minérios,
controladas pela Companhia Vale do Rio Doce) ao litoral maranhense e está em
processo de licenciamento para duplicação de vários trechos, além de se interligar à
Ferrovia Norte-Sul, em construção; o Complexo Portuário de São Luís, em
permanente expansão, com a construção e planejamento de novos píeres e portos;
a hidrelétrica de Estreito, em construção na divisa com o Tocantins, uma série de
termelétricas em planejamento, processo de licenciamento ambiental ou construção,
dentre as quais destacamos a Termelétrica do Porto do Itaqui, que está sendo
construída no município de São Luís.
Associados a essa infraestrutura, existem oito usinas de processamento
de ferro gusa ao longo da Estrada de Ferro Carajás; uma gigantesca indústria de
alumina e alumínio (Alumar), no município de São Luís; bases para estocagem e
processamento industrial de minério de ferro (Vale), também em São Luís; um centro
de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de Alcântara – CLA),
em Alcântara; grandes fazendas de monocultura agrícola mecanizada (soja, sorgo,
milho) e de plantio de eucalipto no sul e sudeste do estado; exploração madeireira,
principalmente na chamada Pré-Amazônia Maranhense; fazendas de criação de
búfalos, na Baixada Maranhense; ampliação da pecuária bovina extensiva, em todo
o Maranhão; projetos de carcinicultura, no litoral; projetos de expansão do turismo
em várias partes do estado; isto para ficar somente com os exemplos mais
expressivos.
Essas iniciativas, decorrentes de planejamentos governamentais e/ou da
iniciativa privada, permitido a instalação de um grande conjunto de
empreendimentos agropecuários, industriais, madeireiros, de transporte, de
exploração marítima, tem provocado profundos impactos socioambientais, alterando
biomas e modos de vida de populações locais, através de reordenamento social,
econômico e espacial de áreas destinadas à implantação dos mesmos.
Esse cenário desenvolvimentista no Maranhão tem provocado a expulsão
de milhares de agricultores de suas terras e o desmantelamento da produção
familiar rural, como consequência nefasta de um modelo de desenvolvimento
excludente. Sendo a unidade da federação brasileira com a maior porcentagem de
pessoas vivendo no campo, o Maranhão tem como uma de suas marcas a
denominada pobreza rural, principalmente em função da concentração exacerbada
da terra, que dificulta, quando não impede, que camponeses produzam para sua
sobrevivência e para a comercialização. Um dos efeitos nefastos para a população
local é o fato de o Maranhão ter se tornado, nos últimos anos, um dos estados
brasileiros com maior quantidade de migrantes, pois a dificuldade, quando não
impossibilidade, de produzir na própria terra tem levado principalmente homens
jovens a buscar a sorte em outras paragens, sujeitando-se a toda sorte de
exploração. Assim, cabe também ao Maranhão o título de estado maior exportador
de trabalhadores para o trabalho escravo.
Observando os indicadores sociais, percebe-se, assim, que, após
quarenta anos de projetos de desenvolvimento, o Maranhão permanece sendo um
dos estados mais pobres do Brasil, com os piores indicadores de concentração de
terras, riquezas e poder político.
Como esses projetos colocam em evidência as diferentes lógicas de
apropriação dos territórios, no Maranhão, duas lógicas de ocupação e uso territorial
diametralmente confrontantes podem ser destacadas: a lógica dos grandes
empreendedores industriais, agropecuários ou madeireiros e dos planejadores
estatais, que percebe o território como “espaço vazio” e disponível para fortes
intervenções ambientais e sociais, desconsiderando os grupos sociais locais e seus
modos de vida, isto é, invisibilizando-os; a lógica dos grupos locais tradicionalmente
estabelecidos e relativamente pouco impactantes ao meio, pois tendem a perceber o
território como sendo pleno de significados, fonte de subsistência e espaço de
realização de modos de seus modos de vida, demandando, assim, sua conservação.
A expansão da acumulação de capital através de processos produtivos
apresentados como sendo de desenvolvimento, resultando no confronto de lógicas
diferenciadas de ocupação e uso de territórios e recursos, leva a processos
conflitivos, na medida em que os questionamentos das decisões políticas e das
ações associadas aos projetos de desenvolvimento se expressam em forma de
resistência por meio da mobilização coletiva.
Os anos 1980, no Maranhão, foram marcados pelos conflitos por terra,
redundando em altos índices de assassinatos e perseguições no campo, expulsões
de camponeses de suas terras, impedimentos de acesso a recursos naturais
tradicionalmente utilizados. Podem ser destacados os conflitos entre fazendeiros e
posseiros, índios ou quilombolas; fazendeiros e quebradeiras de coco; produtores de
búfalos e agricultores e pescadores da Baixada Maranhense; grandes indústrias
(Alumar, Vale do Rio Doce) e moradores da Zona Rural de São Luís; Centro de
Lançamento de Alcântara e quilombolas.
Nos dias de hoje, revestidos com a capa de “modernidade” e utilizando
um discurso que, às vezes ou em um primeiro momento, buscam amenizar os
impactos de suas ações, prometendo empregos, desenvolvimento, melhoria de vida;
velhos e novos empreendimentos, novamente, ameaçam modos de vida locais e
provocam o confronto com grupos sociais mais vulneráveis. A expansão da
monocultura e do eucalipto, quase sempre capitaneada por empresários vindos de
outras regiões, e a afirmação da pecuária extensiva, em boa parte comandada por
empresários rurais instalados há mais tempo, ameaçam camponeses e quilombolas;
a extração, industrialização e comercialização ilegal de madeira invadem terras
indígenas e destroem florestas que ainda restam; a produção irregular de carvão
vegetal para a indústria siderúrgica promove a sobrexploração das matas e das
pessoas, com inúmeros casos de trabalho escravo; a exploração do coco babaçu
para produção de carvão ameaça o modo de vida de quebradeiras de coco; novos
projetos industriais disputam territórios com populações tradicionais; as expansões
de rodovias, ferrovia e do Centro de Lançamentos de Alcântara são acompanhadas
de novas possibilidades de deslocamentos populacionais e de comprometimento do
acesso a recursos naturais.
Boa parte dos grupos sociais ameaçados busca sair da invisibilidade e
reage na tentativa de fazer valer direitos, muitos deles juridicamente garantidos,
procurando resistir ao papel de simples vítimas ofertadas no altar do deus feroz e
devorador do desenvolvimento. Apesar do verniz de “modernidade” com o qual os
empreendimento buscam se apresentar, quando seus objetivos não são
prontamente alcançados, a força bruta é acionada, provocando mortes e ameaças.
Mais uma vez, boa parte das instâncias do poder público apoiam essas ações, com
decisões judiciais favoráveis aos empreendimentos e despejos promovidos pelas
polícias estaduais.
Mesmo que os impactos sejam discursivamente amenizados, por
exemplo, através da incorporação de noções como desenvolvimento sustentável,
sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental, promessas de emprego e de
vida melhor, no momento em que a discussão da questão ambiental toma uma
crescente importância no cenário internacional, estes conflitos continuam a surgir
e/ou a aprofundarem-se, exigindo que seja retomada a discussão pública sobre seus
impactos socioambientais e suas consequências.
CONCLUSÃO
A percepção de problemas ecológico-ambientais e tentativas de sua
superação podem ser remontadas ao século XIX, mas a percepção pública da
gravidade e dimensão desses problemas tomou um alcance planetário, envolvendo
organismos multilaterais e Estados nacionais, nos anos 1960, desencadeando uma
série de conferências, acordos, protocolos internacionais de grande alcance.
Contudo, a constatação cada vez mais irrefutável de que as práticas produtivas e os
padrões de consumo difundidos mundialmente a partir da Revolução Industrial
europeia são os principais motores desses problemas não é suficientemente forte
para reverter essas práticas.
Conferências, acordos e protocolos, a partir do final dos anos 1980
passaram a ser orientados pela noção de desenvolvimento sustentável que, ao invés
de colocar em cheque as práticas degradadoras ambientalmente, passa a fornecer a
construção ideológica de que é possível conciliar crescimento econômico com
conservação ambiental. Sofisticação tecnológica, medidas de regulação da ação
produtiva via mercado e mudança induzida de hábitos de consumo seriam
suficientes para garantir às gerações futuras as condições ambientais de sua
existência. Esta concepção configuraria uma perspectiva geral de tratamento da
questão ambiental que vem sendo denominada de modernização ecológica e busca
evitar o debate sobre as causas principais dos citados problemas e os aspectos
conflitivos nele envolvidos.
O “pensar” os problemas ecológico-ambientais a partir de uma
perspectiva do conflito social vai se impondo, na medida em que a socialização dos
efeitos negativos das práticas produtivas e de consumo atingem principalmente
grupos e classes sociais e desprovidos ou com pouco poder político, social e
econômico, configurando-se em flagrantes situações que podem ser chamadas de
injustiça ambiental (ACSELRAD; HECULANO e PÁDUA, 2004).
A emergência dos problemas ecológico-ambientais levando à atuação
agências multilaterais, por um lado, e o caráter conflitivo envolvido na problemática
ecológico-ambiental, por outro, pressionam os Estados nacionais, em suas várias
instâncias, para a formulação de legislações ambientais, para a criação de sistemas
de meio ambiente e, consequentemente, para a formulação de políticas públicas
ambientais, que estão em permanentes disputas, confrontando os mais diferentes
interesses construídos socialmente e que demandam ou freiam tanto a formulação
quanto a execução dessas políticas, segundo a capacidade de intervenção públicas
desses mesmos interesses.
No Maranhão, conflitos socioambientais se configuram na medida em que
as características impactantes do modelo de desenvolvimento dominante
permanecem, mesmo que discursivamente amenizadas, por exemplo, através da
incorporação de noções como desenvolvimento sustentável, sustentabilidade,
responsabilidade social e ambiental. No momento em que a discussão da questão
ambiental toma uma crescente importância no cenário internacional, localmente os
impactos socioambientais e suas consequências tornam-se cada vez mais
evidentes.
Dessa forma, "o pensar conflitivo" requer uma abordagem dialética tanto
na análise das relações macro ou globais, como micro ou locais. A lógica global, ou
capitalista/industrial, permeia os conflitos que são expressos localmente. Ou seja,
estão imbricados em uma complexa rede de interdependência, conflito e
contradição.
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