hangra reis- desgustação

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Hangra Reis Muitas vieram para ficar. Ela veio para fazer história. Por Danka Maia

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Page 1: Hangra Reis- Desgustação

Hangra

Reis Muitas vieram para ficar. Ela veio para fazer história.

Por

Danka Maia

Page 2: Hangra Reis- Desgustação

Primeira edição publicada no Brasil, em Outubro de 2013.

TÍTULO ORIGINAL

Hangra Reis-Muitas vieram para ficar. Ela veio para fazer história.

REVISÃO, DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO.

Danka Maia

IMAGEM DA CAPA

Google:Autor Desconhecido

DESIGN de CAPA

Dhan Rebouças

Copyright © por danka maia

Todos os direitos são reservados de acordo com as Normas de Leis e das Convenções Internacionais. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito do autor.

www.dankamachine.blogspot.com.br

Hangra nasceu de um desejo antigo de criar uma versão feminina no Brasil colonial do por mim estimado Sherlock Holmes.

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Numa época onde ser negra, abastada, formada e mulher definitivamente não caberia na mesma frase.

Uma mulher à frente do seu tempo. Uma guerreira desvendando mistérios humanos, sobrenaturais e políticos de

sua época. Descubram Hangra Reis Do Brasil.

"Isto Agradece sua leitura." Danka Maia

PREFÁCIO O livro de contos de Hangra Reis oferece ao leitor inúmeras oportunidades de entrar

em uma verdadeira máquina do tempo, mergulhando em um passado que ainda marca

a História do Brasil: o início do século XX, com todas as mudanças trazidas pouco

depois da Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, um ano depois.

É exatamente no dia da Abolição, 13 de maio de 1888, que começa a jornada da nossa

personagem principal, Hangra Reis do Brasil, nascida nesta data e filha de pais negros

alforriados. Com a morte dos mesmos, é criada pelo Barão e pela Baronesa donos da

Fazenda Progresso, onde nasceu. E para completo assombro de todos, algo inusitado

acontece quando é adotada por eles e se torna sua única herdeira.

Sua história já começa surpreendente. Em meio a uma sociedade completamente

racista, que se acostumou a tratar o negro como escravo, que via no branqueamento da

população uma maneira de desenvolver o Brasil, como se seu atraso fosse a cor escura

da pele, Hangra se torna ímpar. O que dizer de uma negra rica, bem educada e

extremamente inteligente? Não bastasse isso, enfrenta também o preconceito de ser

mulher em uma época que mulheres não estudam, não votam e são submissas ao

marido.

Em meio a tudo isso, Hangra ainda encontra em seu caminho alguns mistérios e casos

não resolvidos que chamam a sua atenção e passa a dedicar a eles seu tempo e sua

dedicação, se tornando então uma investigadora mais do que diferente de todos os

outros, decidida a provar que para cada suspense ou paranormalidade, existe uma

explicação. Quem acredita nela? Um amigo e eterno apaixonado, que a ajuda a resolver

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os casos como fiel escudeiro. E uma senhora negra que acaba salvando e se torna sua

companheira inseparável, cuidando de Hangra como uma verdadeira filha.

Mistérios marcam os diversos contos deste volume, que além de muito bem escritos

pela autora Danka Maia, trazem a figura inquestionavelmente atraente e inteligente de

Hangra Reis, retratam como era a época em que se passa a história, entre 1910 e 1920

no Rio de Janeiro, e mergulham o leitor em um desejo alucinado de acompanhar cada

aventura e se surpreender no final.

Tem Hangra Reis para todos os gostos. Apaixone-se também por ela e vivencie seus

dramas e também as ameaças e preconceitos que sofre, mas que não conseguem pará-

la. Hangra Reis chegou para ficar e mudar a História dos suspenses policiais. Por ser

única e prezar pela alta qualidade da escrita. Prepare-se para entrar nessa máquina do

tempo.

Professora e Escritora Jana Bragança

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BIOGRAFIA Final do século XIX,no dia 13 de maio de 1888, em pleno dia onde extingui-se a escravidão no Brasil.Uma menina, filha de escravos já alforriados consegue sobreviver a um parto extremamente difícil que acarreta na morte de sua mãe,Antônia. Os donos da Fazenda Progresso, o Barão Heleno de Bourbon primo em segundo grau da família da corte francesa, agraciado em bens e sua esposa a Baronesa Belina, que jamais conseguiram ter filhos, haja vista que os que nasceram foram natimortos. Sempre conhecidos por ser tão solícitos aos seus criados, porque foi um dos pioneiros a reconhecer o trabalho e pagar em moeda corrente pelos préstimos daquele povo africano. Decidiram para o assombro de toda comunidade Carioca da época adotar como filha menina que nascera naquele dia, chama-la de Hangra Reis do Brasil sobrenome que os pais adotaram quando aqui chegaram da África. Hangra Reis fora uma homenagem que a Baronesa desejou fazer ao vilarejo Angra dos Reis - Estado do Rio de Janeiro, que tanto amava e que para si o local que mais dignificava o solo sagrado brasileiro. Hangra recebeu a melhor educação que o poder aquisitivo da época comportava, no entanto, muitas vezes esbarrou no mesmo contexto:O preconceito Racial.Era intolerável para a sociedade aristocrata da época aceitar um casal de senhores feudais ter como filha além de adotada também negra.Contudo, isso jamais impediu a menina que virou adolescente e então mulher, dominar seis idiomas, completar os estudos, formar-se com louvor em direito inda que tivesse que assistir algumas aulas no fundo da sala com dois metros de distância da penúltima fileira por exigência dos demais pais e mestres e sendo a única mulher e negra dentro da sala. No entanto, em seu coração ela incansavelmente teve o mesmo ideal, investigar casos cujos não havia explicações ou era absurdamente abafados dadas as circunstâncias ora política ora social-econômica dos indivíduos envolvidos.Seu pai era reticente quanto a isto, no fundo o Barão julgava que filha conseguiria uma vez sendo mulher e principalmente negra.Após a morte de Belina, sua

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mãe,ele também logo sucumbiu deixando todos os bens para sua única herdeira, que vendeu a propriedade, e atirou-se a sua jornada crendo que essa era sua sina e paixão.

Faltava pouco para Hangra conseguir a Pousada dos Ventos com a finalidade de pernoitar

e seguir viagem rumo a Capital Carioca onde estava decidida a alugar uma pequena sala já previamente separada de um dos imóveis que seu pai lhe deixara em herança para ser seu escritório e ultrapassar metas,barreiras, preconceitos e o que fosse necessário para alcançar uma clientela. Foi virando uma esquina de chão batido e o barulho de uma única charrete que vinha em sentido contrário ao dela e que ameaçou parar, entretanto quando o cocheiro notou que se tratava de uma "pessoa de cor", termo utilizada no maior dos requintes para não chamar de negra, deu imediata partida em plena oito da noite, madrugada para época que ao constatar a ação preconceituosa e tosca do homem que a fez resmungar: _Santa mediocridade!- ajeitando seu vestido com formato cônico e com anáguas de cor amarelo constante, uma vez que Hangra não abria mão de vestir-se com autenticidade continuamente

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utilizando uma tipo de echarpe de seda de cor forte contrastando com a vestimenta, viu um garoto parado remexendo o chão sem notar sua presença.Fato curioso,pensou. _Olá! Boa noite criança. - saudou não obtendo resposta. O que não a impediu de observar seus detalhes.Roupas esfarrapas, de pelo menos dez anos atrás, botas marrons e meia no tom de pele, loiro e um predicado que aguçou a curiosidade sobre o menino,faltava lhe uma luva na mão direita, a outra evidente jazia na mão esquerda e era de cor vermelha. _Onde estão seus pais?- ele persistia em revolver o solo. Num respiro profundo,Hangra deixou a mala ao lado da criança e tentou ver alguma habitação ali por perto, creu que de certo era de lá que ele advinha.Porém, ao virar-se o pequeno não mais jazia ali.Tinha simplesmente desaparecido como se nunca estivera ali. Hangra achou estranho, olhou a sua volta, poderia estar pregando-lhe uma peça e voltado para sua casa que já permanecia com os candeeiros apagados.Mas, ao agachar-se para apanhar sua mala,viu no chão algo escrito feito pela criança que ali tanto mexia enquanto a ignorava. Frisou o olhar com veemência, e para seu espanto leu: _Me ajude, por favor. A jovem fora invadida por uma estranha sensação, um misto de aflição e gana, e um gosto muito de forte de sangue lhe veio aos lábios, apesar de não brotar literalmente. Intrigada, apanhou a mala e prosseguiu para a tal pousada. Lá chegando, sob olhares preconceituosos como lascivos da maioria dos homens que ali se encontravam aproximou do balcão e educadamente solicitou um quarto ao sujeito de brava avantajada e pouca expressão. _Não sirvo quartos para gente da sua laia. Saia daqui!- limpando com força o balcão. Com muita serenidade, ela retirou o dinheiro mais que suficiente de sua bolsa de mão como também sua carteira que comprovava o curso de direito. O semblante do homem atenuou-se mediante o dinheiro ,a carteira e de fato de uma mulher negra tem tanto e tamanha coragem. _Siga-me. - respingou num tom imponente. Enquanto ele alumiava o corredor bruno com o pequeno castiçal, Hangra decidiu perguntar: _Inda pouco vindo para cá, falei com um menino, entre seus sete ou oito anos que me pareceu um tanto perdido. Saberia me dizer se ele mora pelas redondezas?- esboçando esperança, contudo conseguiu assombro: _Menino? Criança? Não há crianças neste vilarejo senhora.- objetou com certa agonia. _Como não? Uma vila sem crianças? Mas este eu posso assegurar que vi, roupa surrada, botas marrons, meias cor da pele e apenas um luva vermelha na mão esquerda. _O que?- o homem espantou-se deveras. _Estou descrevendo como o garoto se encontrava. - justificando-se. _Sinceramente acho que deve partir pela manhã senhora. E não conte a ninguém sobre o que viu.Não seria prudente de sua parte!- afirmou como ordem. _Mas?- Hangra queria compreender de onde viera tanto pânico nos olhos daquele senhor. _Este é seu quarto, espero que tenha uma boa noite de sono. O café será posto as sete em ponto. Passar bem. - sem dar um talho de mais nenhuma palavra.Na manhã seguinte, antes das seis Hangra desceu a escada que tanto rangia avisando de sua presença, onde notou uma senhora com roupas serviçais. Negra como ela, e ao avista-la educadamente indagou:

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_Bom dia senhora, como vai? A consorte estranhou a natureza de alguém como ela ali diante de si com modos de sinhá. Olhou torto, mas jeitosa a jovem tratou de consertar a questão: _Meu nome é Hangra. Hangra Reis.-Estendendo uma das mãos para um fraterno gesto de educação, mas que na época pesava por demais entre senhores e criados, brancos e negros. A senhora simplesmente não soube como reagir. Aquilo era deverás inusitado para si: _A senhora trabalha aqui?- segurando a mão dela com delicadeza mostrando igualdade. _Sim...Sou Donana- redarguiu meio atrapalhada com a circunstância. _Ah que maravilha!- ressaltou a jovem. -Então, certamente a senhora é a pessoa que talvez possa me ajudar a procurar por um menino de uns oito anos que vi ontem a beira das ruas perto daqui e... A consorte soltou sua mão da dela e de novo o mesmo assombro que invadira os olhos do atendente na noite anterior pôde ser constatado nos dela: _Moleque menino?- perguntou afoita. _Realmente me preocupei com ele porque num instante estava ali na minha frente logo depois já se fora, deixando somente um pedido de "me ajude, por favor!".Gostaria de socorrer a família talvez e... _A senhorita não faz ideia do que está falando! - corendo e fechando as postas do salão. - É impossível que tenha visto esse menino sinhazinha! _Apenas Hangra, por favor. - solicitou com as mãos arqueadas solicitando calma devido a agitação da mulher. _Creia em mim, a senhorita não o viu!- apetecendo. _Qual é o problema de vocês, homessa! Eu o vi,ele me convocou socorro tão somente penso em lhe valer e... _Ele morreu!- gritou num tom imperativo. Hangra emudeceu com os olhos sobressaltados com o impacto da notícia. _Vê-lo nunca é um bom sinal sinhazinha. É mau agouro. Por causa dele nenhuma criança mais vinga neste lugar. E os que conseguem nascerem dias depois falecem de causa que o Doutor Fonseca e as parteiras não sabem explicar. Ele é uma maldição!- afirmando com intensidade. _E quem é ele?- A moça disparou aflita por mais informações. _Demétrio. O menino da luva vermelha. Hangra sentou-se numa das cadeiras pensativa enquanto a mulher disparou a falar sem reservas. _Ele morreu há dez anos. Seu corpo foi encontrado as margens do rio que passa rente a estrada pela qual veio.E o local que surge é exatamente na mesma direção que seu pequenino corpo foi achado sem vida.Dizem que foi estrangulado e a única coisa que levaram dele foi o outro par luva que usava que a mãe tricotou para ele. _E quem eram seus pais? _O povo fala que a mãe era costureira. Pereceu pouco tempo depois dele, a língua do povo fiz que foi pelo desgosto de perde o único filho.Mas cá entre nós, para mim a história foi outra. _Qual?- aguçando cada vez mais a jovem atenta a todos os detalhes. _ Todo mundo sabia que Elizabeth a mãe do menino era amante do Barão Das Oliveiras, e que a baronesa sabia do caso e que a boca miúda sempre correu o boato que Demétrio era filho

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bastardo do Barão, filho que a Baronesa nunca Pôde da-lo porque só teve três filhas e depois não segurou mais criança alguma. O fato não era peculiar para aquela época,pelo contrário, era muito comum depois da alforria, os ainda barões, condes, viscondes e duques passarem a migrar seus casos amorosos para suas criadas e mulheres de poucas posses que jaziam em vilarejos vizinhos.E foi aí que Hangra argumentou: _Por que matariam o menino? E por que a mãe seria morta, Donana? _Esse caso é cheio de mistério, crueldade e mandingas sinhazinha. Se quiser escutar um bom conselho de uma preta velha que já viveu muito mais que "vosmicê", esqueça esse assunto e tome seu rumo. Não se envolva, não mexa nisso não.Porque a Baronesa dos Bruxedos não é flor que se cheire! _Baronesa dos Bruxedos?- Hangra torceu o pescoço. _Todo mundo em Várzeas das Moças sabe que aquela madama fez um pacto como "coisa ruim", e que maldade no coração dela é algo que não lhe falta!- benzendo-se três vezes. A jovem ensaiou um riso e tentou apaziguar Donana. _Donana... - num tom bem sereno. - Você não acha que se o que vi foi um espírito, se ele parou para me pedir algum tipo de socorro é porque sua alma não está em paz? E se posso ajudar de alguma maneira, como aceitar que a alma deste menino perambule a eternidade sem descanso? Se Demétrio apareceu para mim, é porque certamente sabe que sua história foi ignorada por todos habitantes deste lugar. Acha justiçoso que o ignore? A sua descendência Afro-brasileira não era ignorada por Hangra. Ela cria em espíritos, e no passado de seus antepassados. E que uma alma não encontra paz se não houver justiça ou respeito a sua passagem. Donana enfim serviu-lhe o café, e sacudindo a cabeça, concordou: _"Vosmicê" tem razão.Mas não pense que vai ser coisa fácil remexer nessa caldeira, inda mais sendo gente da nossa raça.- repousando bule outra vez em cima da mesa quando Hangra a tocou na mão e olhando-a no fundo dos olhos replicou: _Só existe uma raça do nosso mundo Donana. A Raça Humana. - o que fez a senhora o admirá-la com orgulho de enfim ter alguém que não acreditou que o tom da sua pele poderia fazer dela cativa de sua própria existência. _Você é diferente menina. Você é diferente. - e retirou-se a cantarolar uma cantiga macabra da época:

"Ponham uma coroa de rosas, Encham o bolso de flores,

Eliê ,Eliê, Todos nós cairemos senhores..."

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Ao sair do modesto refeitório, Hangra volveu a balcão da hospedaria e simplesmente comunicou que ficaria mais alguns dias e dessa vez fora ela quem não permitiu que o homem rebatesse ou contestasse uma de suas palavras. E célere desfilou com sua majestosa e elegante postura vista somente nas madames da corte parisiense que as mulheres da época tanto se espelhavam. Por onde passava era observada sobre dois pontos de vistas: Preconceito e o Desprezo. Foi na pequena e velha biblioteca local que ela começou a investigar. O senhor que a atendeu também evidenciou a surpresa, no entanto, foi mais contido e educado. _Pois não.- a saudou como fazia com todos. _Bom dia senhor. Meu nome é... Ele sorriu completando: _Hangra. Hangra Reis não é isso?- Embora a jovem não escondesse o susto, ele logo tratou de explicar a informação. - Cidade pequena, tudo corre a boca pequena. - gracejou soltando sem querer.- Afinal, não são todos os dias que temos uma mulher viajando sozinha, tão bem vestida, educada e ... _Negra. -objetou a moça sem frescuras. _A senhora me desculpe. - mostrando certa vergonha pelo dito preconceituoso. -Sou Matias Rezende, ao seu dispor. - estendendo a mão, pela primeira vez a uma mulher negra que não vestia saias coloridas ou turbantes e colares afros e de pés descalços. _Seu Matias, gostaria de saber quais os documentos o senhor tem aqui sobre a morte do menino Demétrio?- indo direto ao ponto. _Demétrio? O filho da costureira e do... - assombrado pela natureza da questão e o interesse da moça. _Sim, o filho da costureira e do Barão Das Oliveiras. - precisou cortante. _Senhora... _Senhorita.- corrigindo-o serena como sempre. _Senhorita Hangra,não sei o que veio fazer nessa Vila, mas se quer um bom conselho não mexa nisso, não procure agruras!- quase apetecendo.- Essa história já rendeu por demais nesse canto, revolvê-la é cutucar pessoas e forças das quais ninguém em sã consciência quer contato. _Creio que o senhor esteja referindo-se a Tal Baronesa Dos Bruxedos. -o que despertou os olhares da poucas pessoas que ali jaziam, uma vez que ninguém se atrevia a mencionar tal alcunha em público. Matias a tocou pelo ombro e segredou: _Peço que volte ao cair da noite, quando fecho,será mais adequado. _Por quê?- Hangra rebateu. - Porque o assunto pede descrição ou por dar uma pessoa como eu, ou seja, uma negra ter acesso ao seu recinto?- deixando numa posição ingrata. _Homessa! De modo algum senhorita Hangra.É o caso que pede tal sensatez de ambas as partes aqui, me faço entender?- fitando-a com certo ar de medo na face. A moça sentou-se numa pequena cadeira e o respondeu: _Então aguardarei aqui até cair da tarde. E lá permaneceu. Matias explanava certo desconforto com a presença majestosa de Hangra, na verdade ela causava isto nas pessoas. Logo após o almoço, quando fechava por duas horas a biblioteca para o almoço que ele a chamou:

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_Me acompanhe, por favor. O corredor era escuro, a pequena sala para análises era uma penumbra e o cheiro de mofo dava as caras do ambiente. O moço retirou do cofre, fato que chamou sua atenção uma pasta que repousou a sua frente e a convidou para sentar-se: _Deixarei que examine isto,entretanto rogo que se alguém indaga-la sobre este acesso negue,não só meu trabalho,mas até minha vida são colocados em risco a partir deste instante em risco,todavia,não concordo, nem nunca concordei com a barbárie que fizeram com aquele menino.E talvez essa seja a única chance que tenho para fazer algo em prol de sua memória. Hangra o questionou: _O que sabe sobre este caso senhor Matias? _Talvez o que todos em Vila Das Moças saibam. O garoto era filho bastardo do Barão com a costureira da Vila e de sua esposa principalmente. A moça abriu rapidamente a pasta e começou analisar minuciosamente os documentos que eram laudos da autópsia, uma foto tirada para o livro dos mortos, um costume macabro da época, tirar retratos dos cadáveres como sua última lembrança. No século XIX, era um costume mórbido e curioso que se espalhou por diversas partes do mundo, o nome: "Post Mortem" vem do Latim, significando "Pós Morte", ou após a morte.As fotos "Post Mortem" aparentemente tiveram origem na Inglaterra, quando a Rainha Victoria pediu que fotografassem um cadáver de uma pessoa conhecida, ou um parente, para que ela guardasse como recordação.A partir desse momento, o "costume" lentamente se espalhou por diversas partes do mundo, sendo que várias famílias passaram a fazer a mesma coisa, guardando para si uma mórbida recordação do ente querido que havia partido.o ato de fotografar os falecidos era bem comum, parecendo um costume natural.Criar álbuns com fotos dos familiares e amigos mortos, era uma espécie de negação da morte, ao mesmo tempo que as fotografias tornavam-se recordações guardadas pela família para se lembrar daqueles que se foram.Além disso, observa-se que "fotografias" naquela época era um grande luxo, devido ao elevado preço para produzi-las e também devido à pouca quantidade de câmeras fotográficas e profissionais disponíveis.A fotografia "Post Mortem" em si era algo bem caro, e funcionava como última homenagem aos falecidos.No ato de fotografar a pessoa que morreu à pouco tempo, estando o corpo em estado "fresco", eram criados verdadeiros cenários elaborados com composições muitas vezes complexas de estúdio para fazer os álbuns dos mortos, e assim tornar a morte menos dolorosa. O laudo cadavérico do menino era taciturno, a sagacidade de Hangra consentiria assegurar que era inconclusivo por questões que pareciam lógicas demais. Um interesse maior. Ela pediu papel e caneta ao bibliotecário, e fez de pronto suas anotações. _Senhor Matias, onde posso encontrar este médico que assinou o atestado de óbito do menino Demétrio? _A senhorita se refere ao Doutor Diógenes Junqueira?- Retrocedendo o corpo para trás. _Se está assinatura fora dele sim.- apontando para o documento. Matias passou as mãos pelos longos fios negros de seus cabelos, tirou do bolso interno de seu paletó um lenço branco, e objetou a jovem: _Senhorita Hangra, não entende? Estás prestes a mexer num vespeiro! Hangra o encarou replicando:

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_E o senhor é alérgico? _Não!- respondeu conciso. _Muito menos eu. Cada vez que me aprofundo mais nessa história solta-me aos olhos um grande lodo misturado há um jogo de interesses emaranhados numa mesma rede, que me conduz a uma só pessoa: Baronesa Dos Bruxedos! _Quantas vezes tenho que lhe pedir para que não se refira a ela desta forma senhorita?- Matias olhava para todos os cantos preocupados. _Homessa Senhor Matias, não estamos sozinhos! Não é a hora de vosso almoço?- averiguou a jovem. _A senhorita não entende. Até quando se está só nesta Vila estamos acompanhados pelo olhar do ocultismo dela!- referindo-se a Baronesa e desta mencionando seu nome de batismo. - A Baronesa Joaquina sabe de tudo sempre! _Acalme-se e tente contar o pouco que sabe. - pediu com tranquilidade. - Apurei até o presente momento que Demétrio foi encontrado sem vida as margens do rio e que faltava-lhe uma das luvas nas mãos. _Sim, como está na foto veja. A mãe não quis tirar a outra luva, repousou a mão por trás de sua nuca. _E por que Elizabeth faria isto?- Hangra deixou no ar. _Não faço a mínima ideia senhorita. _Se tivesse um filho em dada conjuntura e tal desventura sobreviesse sobre ele de tal modo, com que finalidade permitiria que a luva continuasse com ele se a intenção não era mostra-la? Sim, porque se evidenciasse de fato seria uma forma de protesto, contudo se escondeu o intento era outro, mas qual? Por que uma mãe faria tal preza no corpo de seu único filho? _A senhorita faz perguntas demais!- balançou a cabeça o pobre Matias. _Donana também me contou algo sobre a hipótese de que Elizabeth tenha sido morta e não morrido de desgosto como o Barão certamente quis que a notícia corresse para cada vez mais tirar o seu "santo" nome da boca das mexeriqueiras da Vila. _Pelo amor de Deus, cuidado com o que fala senhorita Hangra Reis. - O púbere retorcia-se agoniado com que os lábios da jovem professavam cada vez mais com vigor. _Agora, antes de procurar o Doutor Diógenes, soube também que existe um credo que por causa da morte de Demétrio não há crianças em Vila Das Moças? _Isto não tem como ser negado!- bradou. - Desde que o menino pereceu, nenhuma mulher conseguiu conceber um filho, e as poucas que o fizeram tiveram já em óbito em seus braços. Não permanece vida neste lugar senhorita Hangra. - tirando o chapéu em respeito à memória dos pequenos anjos. _Pois para mim a coisa toda está muito mais nas bandas de cá, entre os vivos, do que nas bandas de lá nos mortos meu caro senhor Matias. - Alçou e demandando o endereço do médico que assinara a certidão de óbito do garoto. De pronto anotou numa folha dobrando em quatro partes e a entregou redarguindo: _Espero que a senhorita realmente saiba o que está fazendo. _Me acompanha até a saída cavalheiro?- gracejou com classe.

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_Claro, pois não, por aqui. - E a levou até a biblioteca onde se despediram como mandava a boa etiqueta. Ao chegar à Casa de Propedêutica, ou seja, consultório, que geralmente ficava na casa do próprio médico, mais uma vez foi alvo de cochichos e olhares altivos de uma gente que quanto mais arrogante, mal sabia o quão atrasados eram comparados à mente daquela mulher. _ Boa tarde. O Doutor Diógenes Junqueira, por gentileza? A senhora que tinha ares de esposa do médico a admirou altiva e tentou rebaixa-la. _Não estamos contratando ex-escravos por aqui . Hangra reclinou a cabeça sorrindo por alguns segundo, mas ao eleva-la outra vez foi talhante com a mulher. _Não tenho a menor dúvida sobre isto senhora, basta que olhos treinados e educados como os meus nos melhores saguões e Casa de Procedimentos de Paris note isso em milésimos fracionários. Para falar a verdade, poderia jurar que na verdade o que vossa senhoria deseja é que alguém dia desses entre por estas portas com os bolsos abarrotados de contos de réis e apeteça comprar essa pocilga que solenemente por ausência de conhecimento naturalmente os habitantes deste vilarejo intitulam como Casa de Propedêutica, me equivoquei?- num riso jocoso que fez a mulher reagir com os nervos a flor da pele arqueando a mão e berrar: _Olhe aqui sua negra insolente... Hangra apenas levantou o dedo indicador esquerdo já que era canhota e a avisou: _Se vai persistir nesta ideia minha cara, que me derrube sem chances de levantar, porque se não for assim, tenha certeza que vai se arrepender de um dia ousar levantar um dos seus lindos dedos cândidos para Hangra Reis Do Brasil. A mulher conteve-se e foi chamar o marido. Que veio rápido uma vez que nem cria na identidade que ela forneceu sobra a jovem. _Em que posso ajuda-la?- Ele foi um Doutor ao recebê-la. _Gostaria de um dedo de prosa se for possível Doutor Junqueira, mas caso julgue necessário pago pela consulta. - colocando a mão sobre a bolsa de punho. _Imagine senhorita. Não é mister, peço somente que me acompanhe, por aqui por favor. A sala era um espaço esquecido nas areia tempo. Livros e mais livros sobre autópsias, cremações e vidros com vários órgãos e fetos em soluções de formol, estes últimos chamou atenção da jovem, que nada comentou guardando tudo para si. _Mas então, a que devo a honra de sua visita, e antes mais nada perdoe a atitude desagradável de minha esposa agora pouco. - sentando-se na cadeira atrás da mesa de madeira crua. _Está no mar do esquecimento Doutor. - gracejou Hangra.-O que me trouxe até o senhor é a sua assinatura na certidão de óbito de um morador da Vila. _Verdade?- mostrando-se irrequieto. - Eu assino pouquíssimas certidões de óbito por aqui, não estaria me confundindo com o colega Doutor Fonseca? _Não. -Hangra foi firme. - Vi e li com muita clareza sua assinatura no laudo de Demétrio Barbosa Silva. O homem emudeceu arregalando os olhos. _Minha intuição me diz que o senhor lembra-se do caso.- o encarando severamente. O doutro recostou os cotovelos sobre a mesa e foi franco:

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_Por que quer bulir nesta história senhorita Reis? Pelo que me chegou aos ouvidos sua presença é passageira em Várzeas das Moças. Por que se ocupar com um caso tão macabro como do pequeno Demétrio? _Tenho minhas razões Doutor, e para mim, se parecer ofensa, é o que basta. _De forma alguma. - com certo desespero nos gestos. _Se o senhor assinou a certidão, presumo que também tenha feito todo laudo cadavérico do menino, eu gostaria de vê-lo rapidamente. O Doutor enfureceu-se: _De modo algum! E a senhorita não tem poderes para exigir tal coisa.Aliás, quem tinha não está mais aqui, que seria a genitora do menino.O caso foi encerrado, e pronto. Hangra contestou: _A mãe feneceu, mas e o pai da criança? O Barão? Não desejou saber o que sobreveio sobre inda que ilegítimo seu único filho homem? _A senhorita não deveria falar assim de tal questão!- Junqueira levantou-se. _Pois saiba Doutor, que como bacharelada em direito pela Universidade de Paris, posso reabrir o caso se avaliar que posso reunir provas suficientes para reabrir o inquérito.E a julgar pelas atitudes que tenho visto de alguns neste lugar a algumas nuances já alcançadas, posso garantir que tenho razões satisfatórias para reaver o Caso Demétrio Barbosa Silva! _Ponha-se daqui para fora senhorita!- mostrando a porta como cortesia da casa. _Do que tem medo Doutor Junqueira?- ela o indagou a finco. _Não tenho que lhe dar satisfações! Saia daqui! _Sairei. Mas voltarei, e com o inquérito reaberto em minhas mãos e aí o senhor será obrigado a me mostrar tais documentações. O que me faz avisa-lo que seu silêncio e provável envolvimento haja vista seu rompante, não durará por muito tempo, isto posso assegura-lo!- e retirou-se. Dias depois Hangra partia para Capital para o alívio de muitos, todavia para tristeza dos mesmos, outros dias se passaram e ela retornara da Capital carioca agora em sua própria carruagem e seu cocheiro e o amigo Bento Vicentin, um moço branco, alto, cabelos escuros, maxilar forte que ela acabara adotando como um irmão desde o tempo da fazenda de seus pais e formado em Psicologia graças a ela, embora fosse dez anos mais velho e o chamasse carinhosamente de novato. E algo mais, a reabertura do caso do menino que astutamente Hangra realizou na Comarca do Rio de janeiro porque sabia que em Várzeas das Moças jamais obteria tamanho êxito.Fora uma jogada de mestre. E mostrava a que veio Hangra Reis do Brasil.