gomes_urbanismo na america do sul

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros GOMES, MAAF., org. Urbanismo na América do Sul: circulação de ideias e constituição do campo, 1920-1960 [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. 298 p. ISBN 978-85-232-0612-3. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Urbanismo na América do Sul circulação de ideias e constituição do campo, 1920-1960 Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes (org.)

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    SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

    GOMES, MAAF., org. Urbanismo na Amrica do Sul: circulao de ideias e constituio do campo,

    1920-1960

    [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. 298 p. ISBN 978-85-232-0612-3. Available fromSciELO Books .

    All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non

    Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

    Todo o contedo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio -Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.

    Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, est bajo licencia de la licencia Creative Commons

    Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

    Urbanismo na Amrica do Sulcirculao de ideias e constituio do campo, 1920-1960

    Marco Aurlio A. de Filgueiras Gomes(org.)

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    EDITORADAUNIVERSIDADEFEDERALDABAHIA

    DIRETORA

    Flvia Goullart Mota Garcia Rosa

    CONSELHOEDITORIAL

    TITULARES

    Angelo Szaniecki Perret SerpaCaiuby lves da Costa

    Charbel Nio El HaniDante Eustachio Lucchesi RamacciottiJos Teixeira Cavalcante FilhoMaria do Carmo Soares Freitas

    SUPLENTES

    Alberto Brum NovaesAntnio Fernando Guerreiro de Freitas

    Armindo Jorge de Carvalho BioEvelina de Carvalho S Hoisel

    Cleise Furtado MendesMaria Vidal de Negreiros Camargo

    U F B

    R

    Naomar de Almeida Filho

    Vice-R

    Francisco Jos Gomes Mesquita

    APOIO

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    Marco Aurlio A. de Filgueiras Gomes (Org.)

    EDUFBASalvador - BA2009

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    Urbanismo na Amrica do Sul : circulao de ideias e constituio do campo, 1920-1960 /Marco Aurlio A. de Filgueiras Gomes (Org.) . - Salvador : EDUFBA, 2009.298 p.

    ISBN 978-85-232-0612-3

    1. Planejamento urbano - Amrica do Sul - 1920-1960. I. Gomes, Marco Aurlio A.de Filgueiras.

    CDD - 711.43

    Sistema de Bibliotecas - UFBA

    Editora filiada :

    Rua Baro de Jeremoabo s/n Campus de Ondina40.170-115 Salvador Bahia Brasil

    Telefax: 0055 (71) 3283-6160/6164/6777

    [email protected] - www.edufba.ufba.br

    2009 by Marco Aurlio A. de Filgueiras Gomes (org.)Direitos para esta edio cedidos Editora da Universidade Federal da Bahia. Feito o depsito legal.

    NORMALIZAONormaci Correia dos Santos

    PROJETOGRFICOECAPALcia Valeska Sokolowicz

    REVISO

    Paula Berbert

    Fotos da capa, de baixo para cima:Conjunto Habitacional Pedregulho, Rio de Janeiro, Brasil;

    Unidad Vecinal Matute, Lima, Peru;e Urbanizacin 23 de Enero, Caracas, Venezuela.

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    Agradeo aos colegas coautores que participam deste livro;

    EDUFBA, particularmente na pessoa de sua diretora,

    Flvia Goulart Mota Garcia Rosa, que desde o primeiro

    momento apoiou este projeto, e a Lcia, Paula e Norma, quecuidaram de sua viabilizao; Comisso Organizadora do XIII

    Encontro da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao

    em Planejamento Urbano e Regional Anpur, que aceitou a

    proposta de realizao de uma Sesso Livre em que diversos dos

    trabalhos aqui reunidos foram apresentados e discutidos; ao

    CNPq, cujo apoio foi decisivo para o desenvolvimento do projeto

    em que se insere a publicao deste livro; ao Programa de Ps-

    Graduao em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, onde ele vem

    sendo desenvolvido; e, por fim mas no menos importante , a

    todos os amigos e colegas que, de alguma forma, contriburam com

    ideias e sugestes sobre os textos e a formatao do conjunto que

    eles compem.

    O Organizador

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    Sumrio

    7 ApresentaoEXPERINCIASSUL-AMERICANAS: UMALACUNA

    NAHISTORIOGRAFIABRASILEIRA SOBREACIDADEEOURBANISMO

    13 Olhares cruzados: vises do urbanismo moderno na

    Amrica do Sul, 1930-1960

    MARCOAURLIOA. DEFILGUEIRASGOMES

    JOSCARLOSHUAPAYAESPINOZA

    41 Articulaes profissionais: os Congressos Pan-

    Americanos de Arquitetos e o amadurecimento de uma

    profisso no Brasil, 1920-1940

    FERNANDOATIQUE

    93 Mestres e discpulos no urbanismo latino-

    americano (1920-1960): Buenos Aires e Havana, duas

    cidades paradigmticas

    ROBERTOSEGRE

    119 Circulao de ideias e academicismo: os projetos

    urbanos para as capitais do Cone Sul, entre 1920 e 1940

    ELOSAPETTIPINHEIRO

    149 Dilogos modernistas com a paisagem: Sert e o

    Town Planning Associates na Amrica do Sul, 1943-1951

    MARCOAURLIOA. DEFILGUEIRASGOMES

    JOSCARLOSHUAPAYAESPINOZA

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    175 Fronteiras intercambiveis:

    o urbanismo que veio do Uruguai

    CELIAFERRAZDESOUZA

    MARIASOARESDEALMEIDA

    203 A construo do Peru pelos peruanos: a

    experincia urbanstica em Lima, 1919-1963

    JOSCARLOSHUAPAYAESPINOZA

    231 Mudanas polticas e institucionais para o

    planejamento latino-americano do segundo ps-guerra

    ARTUROALMANDOZ

    261 Notas sobre a Amrica do Sul na historiografia

    urbana brasileira

    RICARDOHERNNMEDRANO

    295 Sobre os Autores

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    Apresentao

    Experincias sul-americanas: uma lacuna na historiografia

    brasileira sobre a cidade e o urbanismo

    Apesar do grande espao que as discusses relativas histria dacidade e do urbanismo ganharam, nas duas ltimas dcadas, na pautados pesquisadores brasileiros, notadamente daqueles vinculados reade arquitetura e urbanismo, persistem algumas importantes lacunas ques mais recentemente vm sendo enfrentadas. Uma delas diz respeito histria das trocas intelectuais e da circulao de ideias no mbito latino-americano (ou mais especificamente sul-americano), no obstante existammuitos pontos em comum entre as experincias urbansticas de diversospases do continente.

    Os textos reunidos nesta coletnea visam justamente contribuir parasanar esta lacuna e ampliar as possibilidades de discusso sobre a histriado urbanismo nessas dcadas cruciais em que as cidades sul-americanasconhecem expressivas taxas de crescimento demogrfico, a emergncia(ou o agravamento) de problemas urbanos e a busca, em vrias frentes e dediferentes maneiras, de solues para enfrent-los; ao mesmo tempo emque prticas urbansticas ainda impregnadas pela herana acadmica cedemespao aos ditames do Movimento Moderno e crescente divulgao dasexperincias norte-americanas em planejamento. A partir de perspectivasdiversas, os textos que o leitor tem em mos vo buscar aproximarexperincias nacionais, explorar singularidades, rastrear o surgimento deredes profissionais, mapear discusses, identificar caminhos e descaminhosda construo de uma cultura urbanstica no mbito continental, rever,

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    8 URBANISMONAAMRICADOSUL: CIRCULAODEIDEIASECONSTITUIODOCAMPO, 1920-1960

    enfim, o lugar da experincia sul-americana na histria do urbanismo dosculo XX.

    Assim, abrindo a coletnea, o texto Olhares cruzados: vises do urbanismomoderno na Amrica do Sul, 1930-1960, de Marco Aurlio A. de FilgueirasGomes e Jos Carlos Huapaya Espinoza, discute a circulao de ideias nomeio profissional da arquitetura e do urbanismo sul-americano entre osanos 1930 e 1960, buscando uma contraposio entre, de um lado, oque era divulgado sobre a produo sul-americana nos Estados Unidose na Europa nesse perodo, atravs de exposies, livros e revistas cujocontedo impregnaram anlises posteriores; e, de outro, as discussesdesenvolvidas pelos especialistas locais, atravs de seus prprios fruns,como os congressos profissionais a nvel pan-americano e as revistasespecializadas por eles criadas. A partir das concluses desse primeirobalano comea a ser delineado um percurso que, pouco a pouco, sercomplementado, ampliado e enriquecido pelos textos que lhe seguem.

    Explorar em profundidade um desses fruns de interlocuo profissional o objetivo de Fernando Atique no texto Articulaes profissionais: osCongressos Pan-Americanos de Arquitetos e o amadurecimento de uma profissono Brasil, 1920 1940, onde ele mostra como, entre a sua primeira e asua quinta edio, em 1920 e em 1940, respectivamente, esses congressosno s gozaram de grande notoriedade, como foram palco de intensosdebates entre os profissionais do continente americano. Ao longo dessepercurso, percebemos o desenvolvimento da discusso e da difuso dourbanismo como atividade inerente arquitetura; a importncia crescenteatribuda formulao de polticas habitacionais; e a formao de um

    consenso sobre a importncia da agregao dos arquitetos em sociedadesprofissionais como forma de obter reconhecimento e de melhor atuar

    junto sociedade. Apesar de terem sido canais privilegiados para a difusode ideologias norte-americanas, esses eventos iro constituir-se em umpoderoso instrumento para um intercmbio constante de ideias entreprofissionais latino-americanos, com a consequente disseminao deimportantes experincias locais.

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    Os dois textos seguintes exploram o momento de transio entre astradies acadmicas e historicistas que prevalecem at os anos 1930 nasprticas urbansticas locais e o emergente modernismo que teve comoum de seus marcos a primeira viagem de Le Corbusier Amrica do Sul,em 1929. EmMestres e discpulos no urbanismo latino-americano (1920-1960): Buenos Aires e Havana, duas cidades paradigmticas, RobertoSegre mostra como, na primeira metade do sculo XX, os especialistasestrangeiros que atuaram no continente foram acompanhados por alguns

    jovens especialistas locais, que, por sua vez, encarregar-se-o de disseminaras ideias de seus mestres. Por volta do final dos anos 1930, comeam adeclinar as experincias relacionadas s tradies acadmicas e s liesdo Instituto de Urbanismo de Paris e ganham expresso as intervenesmarcadas pelas ideias do Movimento Moderno e do CIAM, como o PlanoDiretor para Buenos Aires, de Le Corbusier, Ferrari Hardoy e Kurchan(1938-1947), de um lado, e, de outro, o Plano Diretor de Havana, deSert, Wiener e Schulz, j nos anos 1950. Particularmente reveladora doambiente intelectual e profissional desse momento a converso aomodernismo de Pedro Martnez Incln, em Havana, ao buscar adaptarpara a regio a Carta de Atenas. O tema da herana acadmica tambmexplorado por Elosa Petti Pinheiro em Circulao de ideias e academicismo:os projetos urbanos para as capitais do Cone Sul, entre 1920 e 1940, apartir de exemplos emblemticos colhidos no Rio de Janeiro, Buenos

    Aires, Montevidu e Santiago do Chile, ocasio em que a autora discutea formao dos urbanistas responsveis pelas propostas analisadas, bemcomo as convergncias e eventuais divergncias entre estas.

    Explorando especificamente a vertente modernista, o texto Dilogosmodernistas com a paisagem: Sert e o Town Planning Associates na Amricado Sul, 1943-1951, de Marco Aurlio A. de Filgueiras Gomes e Jos CarlosHuapaya Espinoza, busca as intersees entre os estudos da paisageme a histria do urbanismo, ao discutir um captulo da configurao dapaisagem urbana no sculo XX: a experincia na Amrica do Sul do TownPlanning Associates, escritrio fundado em Nova York em 1941, por Jos

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    Luis Sert e Paul Lester Wiener, e responsvel, entre 1945 e 1957, porvrios projetos urbanos na Amrica do Sul. Embora mantendo fidelidadeao ideal da Cidade Funcional, alguns desses projetos distanciavam-se dosmodelos abstratos da primeira fase do urbanismo modernista, embasavam-se em uma reflexo terica antecipadora de novos temas e propunhamuma paisagem urbana nascida do encontro entre pressupostos gerais,condies locais e sensibilidade s diferenas culturais. Os autores buscamencontrar um dilogo entre esses projetos e alguns textos em que Sert,sozinho ou em coautoria, explora novos caminhos para o urbanismo,aps a publicao de Can Our Cities Survive?Dentre eles, Nine Pointson Monumentality (1943), The Human Scale in City Planning (1944),Centros para la vida en Comunidad(1951) e Can patios make cities?(1953),estes dois ltimos j dentro de uma estratgica discusso desenvolvida noCIAM como forma de responder s crticas que lhe eram endereas e quese generalizam no ps-guerra. Isto marca uma guinada no pensamentourbanstico modernista e no de Sert, em particular , introduzindo umaviso mais regionalista e mais sensvel aos aspectos culturais do meio,voltada para o enfrentamento de problemas reais em cidades reais eno mais para cidades abstratas.

    Em Fronteiras intercambiveis: o urbanismo que veio do Uruguai,Clia Ferraz de Souza e Maria Soares de Almeida discutem o processode trocas acadmicas e profissionais no territrio que abrange partemeridional do continente, especificamente o Uruguai, a Argentina e oestado do Rio Grande do Sul, colocando no centro dessa investigaoa figura do arquiteto e urbanista uruguaio Maurcio Cravotto. Por suas

    ideias, ensinamentos, planos e projetos, Cravotto influenciou toda umagerao de urbanistas que atuaram na regio, transformando o Institutode Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade da RepublicaUruguaia, no qual atuou, em uma referncia que marcou intensamente asideias e as prticas do urbanismo no sul do continente.

    A partir de um caso nacional o do Peru , Jos Carlos HuapayaEspinoza, emA construo do Peru pelos peruanos: a experincia urbanstica

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    em Lima, 1919-1963, mostra como a institucionalizao do urbanismonaquele pas (com a criao de rgos como o Instituto de Urbanismodel Peru, a Corporacin Nacional de la Vivienda e, posteriormente, aOficina Nacional de Planeamiento y Urbanismo) e a criao de frunsde discusso profissional (a exemplo da revista El Arquitecto Peruano)tiveram papel essencial na interlocuo profissional continental. No bojodessa discusso, particular destaque concedido discusso do papel doarquiteto Fernando Belande Terry, formado nos Estados Unidos e imbudode ideais modernos, e que, para alm de sua liderana profissional nocontinente, coroaria sua carreira poltica chegando a ocupar a presidnciado pas.

    Em Mudanas polticas e institucionais para o planejamento latino-americano no segundo ps-guerra, Arturo Almandoz busca traar, a partirde uma perspectiva panormica e comparativa rara na literatura publicadano pas, algumas mudanas polticas, econmicas e institucionais queajudaram a estabelecer uma nova agenda para os estudos urbanos e parao planejamento latino-americano depois da Segunda Guerra Mundial.Ele mostra como, no novo cenrio internacional ento vivenciado pelas

    Amricas (o qual incluiu um amplo leque de aes, indo da criaoda Organizao dos Estados Americanos ao programa Aliana para oProgresso, adotado pela administrao Kennedy depois da RevoluoCubana) novas polticas, modelos econmicos e aes de cooperaoinstitucional ensejaram reformas acadmicas, organizao de eventos epublicaes que evidenciaram novos enfoques para a pesquisa urbana epara o planejamento nos pases latino-americanos.

    Fechando o percurso demarcado pelos textos acima, Ricardo HernnMedrano, emNotas sobre a Amrica do Sul na historiografia urbana brasileira,passa em revista importantes referncias na construo da historiografiabrasileira e latino-americana na primeira metade do sculo XX. Ele constrisua anlise a partir dos polos demarcados pelas obras referenciais de SrgioBuarque de Holanda (Razes do Brasil, 1936) e de Nestor Goulart Reis(Evoluo urbana do Brasil, 1968) e a fecha assinalando alguns desafios

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    que enfrenta a historiografia atual como, por exemplo, a necessidadede superar o uso de fronteiras nacionais ao se lidar com problemassupracionais; a tendncia eurocntrica que privilegia as interlocuesNorte-Sul; e a segmentao entre o Brasil e os pases de colonizaoespanhola. Alertar para a necessidade de superarmos essa fragmentaono significa, obviamente, nem busca de vises homogeneizadoras nemtampouco superficiais.

    Esperamos que a publicao deste livro caminhe neste sentido e possacontribuir efetivamente para o descortinio de novas frentes de estudospara os nossos pesquisadores.

    Marco Aurlio A. de Filgueiras GomesOrganizador

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    Olhares cruzados: vises do urbanismo

    moderno na Amrica do Sul, 1930-1960*

    MARCOAURLIOA. DEFILGUEIRASGOMES

    JOSCARLOSHUAPAYAESPINOZA

    Introduo

    Entre os anos 1930-1960, a emergncia de novas experincias naarquitetura e no urbanismo em vrios pases sul-americanos foi favo-recida por uma conjuntura especial, onde se destacaram o rpido desen-

    volvimento da urbanizao1, movimentos favorveis da economia, expansoda industrializao e presena marcante do Estado atravs de grandesinvestimentos pblicos de carter social. Se acrescentarmos a isto o processode institucionalizao do urbanismo, a criao de escolas de arquitetura, atraduo de autores europeus e norte-americanos e a emergncia local defruns profissionais de discusso alm, claro, do otimismo caractersticoda conjuntura internacional do ps-guerra , teremos a um conjunto

    de elementos que ajudam a entender o florescimento de experinciasinovadoras nessas dcadas, marcadas tanto pela disseminao do idealda Cidade Funcional atravs do continente com numerosas realizaesque ganharam visibilidade e rpido reconhecimento internacional quanto pela penetrao das prticas norte-americanas relacionadas aoplanejamento e gesto urbana.

    Vrias etapas marcaram o reconhecimento internacional das experincias

    em curso na Amrica do Sul, como as exposies no Museum of Modern

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    Art (MoMA), de Nova York (Brazil builds, em 1943; Two cities, planningin North and South America, em 1947; e Latin American architecturesince 1945, em 1955), e a publicao dos livros que as acompanhavam iniciativas, alis, indissociveis da poltica de boa vizinhana entodesenvolvida pelos Estados Unidos com relao a seus vizinhos do sul.

    A esses livros, somam-se ainda o de S. Giedion (A decade of new architecture,1951) e de Henrique E. Mindlin (Modern architecture in Brazil, 1956).Tambm teve papel importante para essa difuso a publicao de matriasnas mais importantes revistas especializadas do mundo sobre arquitetura eurbanismo no continente, mostrando projetos de cidades novas, conjuntosresidenciais, cidades universitrias e edifcios pblicos projetados porarquitetos locais.

    Dada a importncia desses registros, podemos dizer que muito doque conhecemos sobre a experincia urbanstica continental nessasdcadas tributrio desse olhar estrangeiro2, expresso em exposies,depoimentos e publicaes de arquitetos, crticos e historiadores europeuse norte-americanos. Como esse momento coincide com a emergncia deuma vasta produo editorial local, buscaremos explorar aqui as possibili-dades de uma troca de olhares, colocando-nos como desafio algumasquestes: como os arquitetos e urbanistas sul-americanos viam as suasprprias realizaes e expressavam a busca de solues para os problemasurbanos que ento enfrentavam? O que percebiam como realizaesurbansticas emblemticas do outro lado do Atlntico? Como circulavamno meio especializado local as informaes sobre experincias dos pasesvizinhos nesse campo? Qual o papel dos congressos e outros eventos

    profissionais locais na discusso dos problemas enfrentados pelas cidadessul-americanas?

    Na realidade, estas questes colocam-nos no centro do processo deformao de uma cultura urbanstica no mbito continental. De maneirageral, conhecemos bem as redes de relaes que conectavam profissionaisde um determinado pas a lideranas europeias (como Le Corbusier, porexemplo) ou um pouco menos a uma organizao como os Congressos

    Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs). Porm, as eventuais

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    redes profissionais de circulao de ideias no mbito continental so temaainda pouco explorado pela bibliografia, particularmente a brasileira.

    Mesmo conscientes dos limites das generalizaes sobre situaesque, apesar de pontos em comum, guardam diferenas importantes,consideramos que a anlise (ainda que preliminar) das atividades editoriaisde alguns peridicos de destaque na Amrica do Sul durante o perodopode ser reveladora dos rumos da constituio do campo do urbanismono continente. Assim, optamos por analisar quatro revistas especializadasque se destacaram por sua durao, penetrao no meio especializado eintercmbios a nvel continental. So elas: Nuestra Arquitectura, criadaem Buenos Aires, em 1929, pelo engenheiro norte-americano WalterHylton Scott;Revista da Diretoria de Engenharia, mais conhecida comoPDF, sigla estampada em suas capas e que remetia Prefeitura do Rio de

    Janeiro, ento distrito federal, que a criou em 19323; El Arquitecto Peruano,criada em Lima, em 1937, por Fernando Belande Terry, arquiteto que,posteriormente, tornar-se-ia presidente da Repblica do Peru; e Proa,criada em Bogot, em 1946, pelo arquiteto, urbanista e historiador CarlosMartinez, que a dirigiu durante 30 anos. Subsidiariamente, recorremos anlise deAustral (na realidade quase uma revista-manifestocriada na

    Argentina, em 1939, e que lanou apenas trs edies, inseridas comoencarte em Nuestra Arquitectura); e a revista La Arquitectura de Hoy,tambm criada na Argentina, em 1947.

    De cada uma dessas revistas, buscamos levantar o perfil editorial,os temas das matrias sobre urbanismo, os colaboradores que nelasescreviam e as relaes que mantinham com outras revistas estrangeiras.

    Para completarmos este levantamento, realizamos um mapeamento dasprincipais discusses relacionadas cidade e ao urbanismo desenvolvidasem alguns congressos pan-americanos de especialistas. Com isto busc-vamos entender o universo de preocupaes dos profissionais sul-ame-ricanos e os mecanismos de circulao de ideias na escala continental,em um percurso onde emergem questes que nos auxiliam a repensar ahistria do urbanismo no continente.

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    Figura 1 Capas da Revista da Diretoria de Engenharia (jul. 1932); El Arquitecto Peruano(set. 1949); Nuestra Arquitectura (jul. 1946) e Proa (fev. 1957).

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    Difuso internacional das realizaes sul-americanas

    Henry-Russell Hitchcock (1955, p. 12), em Latin American architecture

    since 1945, diz que the eyes of the world were first focused on Latin Americaduring World War II, (when) by 1942 [...] the Museum of Modern Artheld its exhibition Brazil Builds4. Nenhuma dvida sobre a importnciadessa exposio para a divulgao internacional da arquitetura brasileirae, com ela, da arquitetura latino-americana como um todo. Porm, desde1936, com o projeto para o Ministrio da Educao e Sade, no Rio de

    Janeiro, o meio profissional internacional comea a perceber sinais de que

    promessas de renovao da arquitetura estavam surgindo do outro lado doAtlntico, rapidamente confirmadas pelo reconhecimento do Pavilho doBrasil na Feira Mundial de Nova York (Lucio Costa e Oscar Niemeyer, comPaul Lester Wiener, 1939) e do Conjunto da Pampulha (Oscar Niemeyer,1940-1943). Ainda que o Brasil continuasse no centro das atenes, entreos anos 1940-50, uma srie de projetos, em diversos pases do continente,chama a ateno do meio profissional internacional para a qualidade que

    os latino-americanos estavam imprimindo arquitetura e ao urbanismonessa parte do mundo, sobretudo em resposta a encomendas institucionaisde interesse social.

    Primeiro livro em data, com projeo internacional, a tratar da arqui-tetura moderna na Amrica do Sul, Brazil builds, com texto de PhilipGoodwin e fotos de George Everard Kidder Smith, no contempla, a rigor,nenhum projeto urbanstico, exceo do conjunto residencial construdo

    pelo Instituto de Aposentadoria e Penses dos Industririos (IAPI), noRealengo, Rio de Janeiro (Carlos Frederico Ferreira, com Waldir Leale Mario H.G.Torres, 1942). J no livro de Giedion (1951), A decadeof new architecture, a Amrica do Sul e a Escandinvia aparecem comoos grandes destaques do balano que ele faz das realizaes entre 1937-1947, perodo em que os CIAMs no puderam acontecer devido guerra.It was a surprise for everyone, conta Giedion (1951, p. 3), to discoverhow much the CIAM outlook had kept alive in the isolated groups who hadbeen obliged to work quite independently from one another during this

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    period5. Constatando que o Movimento Moderno havia criado razes nosrecantos mais distantes do mundo, ele atribua aos impulsos de sua origemlatina o sucesso das solues ousadas que caracterizavam a arquiteturalatino-americana. Apesar do conjunto dos pases europeus corresponderema mais da metade dos exemplos citados, os Estados Unidos so, de longe, opas mais representado, seguido pela Sua, Inglaterra e Brasil. No captuloTown planning, estavam includos quatro casos sul-americanos: o PlanoDiretor para Buenos Aires (Le Corbusier, Ferrari Hardoy e Kurchan,1937), a Cidade dos Motores, no Brasil (Paul Lester Wiener e Jos LuisSert, 1947), o Centro de Lazer Punta Ballena, no Uruguai (Antonio Bonet,1945-1948), e o Conjunto Residencial Pedregulho (Affonso Eduardo Reidy,1950-52), no Rio de Janeiro. Como lembra Ballent (1995, p. 27), com apublicao desse livro, o moderno deixa de ser exclusivamente europeu,pois a refundao da modernidade, propiciada pelo fim da guerra, deviaincluir as margens, os confins, nos quais se descobriam novas fontesde criatividade.

    O livro de Hitchcock (1955), Latin American architecture since 1945,de certa forma dialogava com outro livro do autor, Built in U.S.A.:

    post-war architecture, publicado dois anos antes, tambm por encomendado MoMA. Para a preparao do livro sobre a Amrica Latina, Hitchcockvisitou 11 pases e, dentre suas concluses, uma chama ateno: a de que aarquitetura do Novo Mundo tanto ao Norte quanto ao Sul ultrapassaraa da velha Europa, naquele momento apenas emergindo do desastrerepresentado pela guerra. Vrios exemplos urbansticos apresentadospor Hitchcock referiam-se a conjuntos residenciais: Centro Urbano

    Presidente Jurez (Mario Pani, 1950-1952), no Mxico; Pedregulho, noRio; Unidade de Vizinhana de Matute (Santiago Agurto Calvo, 1952),em Lima; Unidade de Habitao de Cerro Grande (Guido Bermdez,1951-54), em Caracas; alm de um conjunto de casas econmicas, deCuellar, Serrano e Gmez (1952-53), em Bogot. A eles, Hitchcockacrescentou ainda o Parque Guinle, com apartamentos de luxo, no Riode Janeiro (Lucio Costa, 1947-1953). Outros exemplos destacados pelo

    autor referiam-se s cidades universitrias do Brasil, Mxico e Panam.

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    Figura 2 Plano Diretor para Buenos Aires, Argentina.

    Fonte: Molina Y Vedia (1999)

    Figura 3 Projeto para Cidade dos Motores , Brasil.

    Fonte: Progressive Architecture v.XXVII n.9 set.

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    Figura 4 - Unidad Vecinal Matute, em Lima, Peru.

    Fonte: Hitchcock (1955)

    Figura 5 Centro de Lazer em Punta Ballena, Uruguai.

    Fonte: Giedion (1951)

    Modern architecture in Brazil(1956), de Henrique E. Mindlin, pu-blicado logo aps o lanamento do livro de Hitchcock, com verses emtrs lnguas (ingls, francs e alemo). Ele buscava fornecer um amplopanorama da arquitetura (e do urbanismo) produzida no pas e, apesar deorganizada por um brasileiro, esta obra reproduz, de certa forma, o mesmoolhar daquelas mencionadas acima, s que atravs de um conjunto maior

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    de obras afinal, os treze anos que o separam da publicao de Brazilbuildsforam determinantes para o espraiamento dos ideais modernos nopas. Alm de alguns conjuntos habitacionais aquele construdo peloIAPI em Santo Andr, de autoria de Carlos Frederico Ferreira (1949); o

    j mencionado Pedregulho; e o de Paquet, encomendado pela prefeiturado Rio de Janeiro a Francisco Bolonha (1952) , ele incluiu o PlanoDiretor do Rio de Janeiro (1938-1948), o estudo de urbanizao da rearesultante do desmonte do Morro de Santo Antonio, de Reidy (1948); aCidade Universitria do Rio de Janeiro, na proposta do Escritrio Tcnicoda Universidade (1955); e o seu prprio projeto de urbanizao para aPraia de Pernambuco (1953), no Guaruj, SP.

    s exposies no MoMA e a estas publicaes, acrescentemos asmuitas reportagens e edies especiais que revistas de prestgio, comoLArchitecture dAujourdHui, na Frana; The Architectural Forum, nosEstados Unidos;The Architectural Review, na Inglaterra; e Domus, na Itlia,dedicaram s realizaes latino-americanas. At os anos quarenta, essesartigos focalizavam basicamente projetos de arquitetura no Brasil, porm

    j com referncias tambm a projetos na Venezuela ou na Colmbia. Doimediato ps-guerra ao incio dos anos sessenta, o interesse amplia-se paraoutros pases, como Argentina, Peru, Uruguai, Cuba, Panam e Mxico.No mais apenas a arquitetura interessa, mas tambm as experinciasurbansticas que a comeavam a ser desenvolvidas, em grande parteinspiradas nos ideais veiculados pelos CIAMs.

    No final da dcada de 40, The Architectural Forumpublicou uma sriede artigos dedicados a pases da Amrica do Sul (Colmbia, Venezuela,

    Argentina e Uruguai), escritos por Chloethiel Woodward6, ento professorada Universidad de Bolviae representante sul-americana da revista. Essesartigos buscavam oferecer um panorama da arquitetura e do urbanismono continente, apresentando projetos de arquitetos locais para residncias,edifcios pblicos, conjuntos habitacionais etc.

    Os artigos e edies especiais de LArchitecture dAujourdHui, publicadosdesde os anos 40, tambm tiveram papel de destaque na divulgao das

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    realizaes sul-americanas. Desde o incio dos anos 50, eles passam acontemplar tambm planos urbanos, conjuntos habitacionais, projetos deexpanso urbana e cidades universitrias, como os planos de Jos Luis Sert ePaul Lester Wiener para vrias cidades do continente; o estudo de Reidy paraa urbanizao da rea resultante do desmonte do Morro de Santo Antnio;conjuntos residenciais, como o brasileiro Pedregulho ou os venezuelanos ElSilencio, El Paraiso, General Rafael Urdaneta e 2 de Diciembre, todos deCarlos Raul Villanueva, ou Cerro Grande, de Guido Bermudez.

    Figura 6 Conjunto Residencial El Paraso, em Caracas, Venezuela.

    Fonte: Villanueva e Pint (2000)

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    Figura 7 - Cidade Universitria de Caracas, Venezuela.

    Fonte: Bullrich (1969)

    The Architectural Forume LArchitecture dAujourdHuidivulgaram aindaextensos artigos sobre as cidades universitrias de Caracas, do Mxico e doPanam. Na virada dos anos 1950-60, o impacto da construo de Braslia,cidade capital de um pas que lutava contra o subdesenvolvimento, faz-senotar em diversos artigos nas principais revistas especializadas do mundo.

    Este conjunto de publicaes viria a constituir referncia essencial paraa historiografia da arquitetura e do urbanismo no continente, tornando-se

    elemento-chave de uma persistente trama historiogrfica7.

    Latinos pelos latinos: a atitude sul-americana

    Entretanto, entre 1920 e 1930 comeam a ampliar-se as possibili-dades de interlocuo entre os profissionais e responsveis pblicos

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    de diferentes pases do continente acerca de problemas comuns a suascidades. Dois desses novos fruns interessam-nos de perto: o primeiro representado pelo desenvolvimento das atividades editoriais e, emparticular, pela multiplicao de peridicos especializados; e o segundo,pelo desenvolvimento de eventos profissionais com uma perspectivapan-americana, criando uma espcie de rede, conectando especialistasde vrias cidades do continente.

    As revistas especializadas

    Enquanto as publicaes europeias e norte-americanas mostravam oshighlightsda arquitetura e do urbanismo modernos na Amrica do Sul,principalmente aqueles alinhados aos princpios defendidos nos CIAMs,as revistas especializadas sul-americanas revelavam uma perspectiva bemdiferente. Apesar de valorizarem essas realizaes afinal, vrias delas jnasceram comprometidas com ideais de renovao , elas apontavamtambm para buscas em vrias direes, relacionadas aos problemas

    urbanos enfrentados pelos pases do continente.O acelerado crescimento urbano por que passavam as cidades sul-

    americanas e o consequente boom da construo civil e das obras pblicasestreitavam a vinculao dessas revistas com a indstria da construo ecom o mercado imobilirio. A insero nelas de um grande nmero deanncios publicitrios era, sem dvida, elemento importante para o seufinanciamento e para a manuteno de sua periodicidade (no geral, mensal,

    pelo menos em sua fase inicial). Do ponto de vista temtico, pode-se dizerque essas revistas abordavam, em suas primeiras edies, basicamentetemas arquitetnicos8. A PDF uma exceo a isto; por ser uma revistade engenharia, dedicava-se mais, sobretudo em seus primrdios, a temasespecficos dessa rea (como trfego, hidrulica, drenagem) do que aquestes de arquitetura ou desenho urbano. Durante os anos 30, um temaconstante em todas essas publicaes foi a consolidao e regulamentao

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    da profisso de arquiteto, algumas vezes combinado com a preocupaocom a formao profissional.

    De uma maneira geral, todas as revistas dedicavam espao s obrasde arquitetos modernos de destaque no plano internacional, comoLe Corbusier, Frank Lloyd Wright, Walter Gropius, Mies van der Rohe,ou Richard Neutra. Em alguns casos, elas incluam tambm obras dearquitetos de menor expresso, numa seleo sem dvida tributria dasrelaes pessoais e profissionais de seus editores. Dos arquitetos sul-americanos, as mais frequentes referncias, objeto de vrias matrias,foram sem dvida dirigidas a Oscar Niemeyer, seguido do venezuelanoCarlos Raul Villanueva.

    O espao e a nfase concedidos a determinada questo poderiam mudarde revista para revista ou variar ao longo do tempo em uma mesma revista.Inegavelmente, o foco delas era nacional e, em alguns casos, voltado paraas cidades em que eram produzidas. Elas no se descuidavam, entretanto,do panorama internacional, embora nenhuma tivesse uma clara diretrizinternacionalista.

    A questo habitacional afigura-se, desde o incio, como uma questoimportante, atravs de matrias sobre experincias desenvolvidas emdiferentes pases, particularmente na Inglaterra. Na edio de junho de1938, Nuestra Arquitecturapublica a traduo de um artigo sobre polticahabitacional na Gr Bretanha, de John W. Laing, aparecido originalmenteem The Architectural Record; nele, seu autor defendia a necessidade tantode apoio do estado ao financiamento de moradias populares quanto deuma poltica liberal da terra. Os congressos dedicados a essa temtica

    seriam sistematicamente seguidos por essas revistas e, a partir da realizaodo Primer Congreso Panamericano de la Vivienda Popular, em Buenos

    Aires, em 1939, todas elas dedicaro vrias matrias ao tema.Ao longo da dcada de 30, constata-se a presena crescente de temas

    relacionados a experincias norte-americanas, tanto no campo daarquitetura quanto do urbanismo. Artigos diversos cobriam um vastoleque de temas, indo de projetos de residncias, escolas, hospitais e

    comrcio, at artigos sobre o que se pensava e se fazia nos Estados Unidos

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    em termos de propostas e intervenes urbanas. Mais do que meramenteinformativos, em muitos casos esses exemplos eram apresentados comforte valor referencial para a realidade local.

    A partir da dcada de 40, ganham destaque as questes ligadas cidade,ao urbanismo e gesto urbana. Aumenta a publicao de artigos deespecialistas estrangeiros e os exemplos norte-americanos tornam-se maismarcantes. A edio de agosto de 1940 da revista Nuestra Arquitecturaenftica ao comentar o livro Las ciudades de los Estados Unidos: su legislacinurbanstica, su cdigo de edificacin, do engenheiro Luis Vicente Migone9(1940, p. 717): al mostrarnos la situacin anterior de las ciudadesamericanas y lo que han hecho por mejorarle, nos est enseando elcamino que se debe seguir para curar nuestros prpios males.

    Coincidindo com uma srie de debates urbansticos entre os profissionaislocais, gerados pela necessidade de reconstruir a cidade de San Juan, na

    Argentina, destruda por um terremoto, em 1944, Nuestra Arquitecturapublica um artigo de divulgacin urbanstica, intitulado Urbanismo alalcance de todos10, traduzido da revista American Forum, bem como oartigo Como estn planeando los ingleses sus viviendas del maana, de E.M. Bradley. No mesmo ano, publica uma srie intitulada Discusiones sobreurbanismo, em que, a cada edio, um artigo explorava um tema especfico(como aspectos econmicos e sociais do planejamento, distribuio dapopulao, planejamento e moradia, planejamento industrial), a cargode especialistas norte-americanos11. De certa forma, essa srie sinalizaclaramente um deslocamento de interesse das questes propriamenteurbansticas em direo quelas relacionadas ao planejamento de carter

    multidisciplinar.Com o final da guerra, aumenta o interesse pela divulgao de experin-

    cias urbansticas estrangeiras, sobretudo em pases que enfrentavam odesafio da reconstruo de cidades devastadas, numa conjuntura em queganhavam importncia os projetos relacionados moradia. Os exemplosmostrados no se caracterizavam pela opo por nenhuma vertenteurbanstica em particular, mas apontavam para experincias to diversas

    quanto aquelas desenvolvidas na Frana, Inglaterra, Alemanha, Holanda,

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    Itlia, Japo, URSS. Sem que esta fosse uma tnica de sua linha editorial,a PDF foi uma das que mais espao concedeu publicao de artigossobre urbanismo ou poltica habitacional em pases estrangeiros.

    Com relao s experincias urbansticas no prprio continente, certoque ganharam destaque grandes intervenes projetadas por arquitetoslocais, como as cidades universitrias de Bogot, Rio, Caracas, Panam,Tucumn e Mxico; planos de expanso urbana, como o da Pampulha; ouconjuntos habitacionais em vrios pases do continente. Tambm aqui, aofinal do perodo em estudo, o projeto e a construo de Braslia tornam-sematria presente em todas as revistas. Porm, nem todas elas dedicavamo mesmo espao divulgao das realizaes continentais. Pode-se dizerque na PDF essa divulgao foi limitada a alguns casos na Argentina (maisespecificamente em Buenos Aires) e, bem menos, na Venezuela.

    O exemplo de El Arquitecto Peruano interessante: de sua criao,em agosto de 1937, a dezembro de 1960, encontra-se quase o dobro dereferncias Amrica Latina do que aos Estados Unidos, que, no entanto,eram muito mais numerosas do que as referncias a pases europeus. Secomputarmos os muitos artigos e notas relacionados aos congressos pan-americanos (em geral realizados na Amrica Latina), esses nmeros sobemconsideravelmente. Alm dos congressos, essas matrias referiam-se aprojetos de arquitetura (dentre os estrangeiros, destaque para os brasileiros),a planos e projetos urbansticos, ao ensino profissional e circulao deprofissionais e estudantes de arquitetura. Duas edies especiais foramdedicadas a outros pases latino-americanos: a de janeiro/maro de 1951versava sobre Porto Rico, e a de janeiro/maro de 1960, sobre o Brasil,

    particularmente Braslia.As visitas de arquitetos estrangeiros ao Peru tambm eram bastante

    noticiadas pela revista, como as de Wiener e Neutra, em 1945; a de Sert,em 1948, e a de Gropius, em 1953. El Arquitecto Peruano tambm arevista que mais espao concedia a informaes sobre a circulao deprofissionais e estudantes da prpria Amrica do Sul. Frequentemente, elase referia a visitas de profissionais, professores, comisses de estudantes e

    dirigentes de associaes profissionais de pases do continente ao Peru ou

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    a visitas de arquitetos peruanos ao exterior, algumas vezes acompanhadasde artigos com suas impresses de viagens.

    interessante notar que existia um efetivo intercmbio entre asrevistas (do continente e fora dele), com frequentes indicaes dos ttulosde peridicos e livros recebidos pela redao, em alguns casos, comresumos de trabalhos que poderiam interessar aos profissionais locais.

    A publicao de artigos umas das outras era prtica corrente; assim, artigospublicados em Nuestra Arquitectura eram publicados em El ArquitectoPeruano ou em Proa e vice-versa. Era tambm frequente a publicao deartigos traduzidos diretamente de revistas norte-americanas ou europeias,como The Architectural Review, The Architectural Forumou LArchitecturedAujourdHui. Nessa linha, encontra-se o caso, bastante especial, deLa Arquitectura de Hoy,que no foi mais que uma traduo na ntegra (ouem grande parte) de LArchitecture dAujourdHui, exceo (at onde nosfoi possvel constatar) da edio nmero quatro, integralmente dedicadoao Plano Diretor de Buenos Aires, elaborado alguns anos antes porLe Corbusier, Ferrari Hardoy e Kurchan, conforme j ressaltado.

    Contrariamente ao peso que a historiografia atribui aos CIAMs naformao da experincia urbanstica em pases sul-americanos (como sesabe, no caso do Brasil grande a nfase neste aspecto), interessante notarque eram poucas (em alguns casos, at mesmo inexistentes) as referncias aesses congressos nas revistas sul-americanas: geralmente notas pequenas, queno informavam mais do que o local e a data de sua realizao. Uma exceo a PDF, que publicou alguns artigos sobre eles, principalmente sobre ocongresso de 1933 (que deu origem Carta de Atenas) e o de 1937.

    J a realizao de congressos e seminrios no mbito continental ou mais precisamente, na escala pan-americana , como os CongresosPanamericanos de Arquitectos, os Congresos Panamericanos de la ViviendaPopular ou os Congresos Panamericanos de Municpios, ocupavam umgrande espao em todas as revistas analisadas, que a eles dedicaram diversosartigos sobre sua organizao, sua realizao, as exposies que incluiamem sua programao e as concluses publicadas em seus anais.

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    Os congressos pan-americanos

    No era sem razo o interesse por esses congressos. Entre os anos 1930

    e 1960, alm de seu papel para o campo da arquitetura, eles representaramum importante espao de discusso sobre os problemas urbanos comunsa vrias cidades do continente. Os mais antigos, com mais longa duraoe provavelmente maior audincia eram os Congresos Panamericanosde Arquitectos. Eles tiveram sua origem numa ao desenvolvida pelaSociedad de Arquitectos del Uruguay com a finalidade de regulamentara profisso naquele pas, embora j nascessem com a ideia de agregar

    profissionais de outros pases do continente12

    . Neste sentido, eles e osdemais congressos pan-americanos no podem ser dissociados do debatesobre o congraamento das Amricas, cujos primrdios remontam aoincio do sculo XIX, com a doutrina Monroe13.

    Do I Congreso Panamericano de Arquitectos (Montevidu, 1920) aoIV Congresso14(Rio de Janeiro, 1930), os principais debates giraram emtorno da regulamentao profissional e do ensino de arquitetura. A cada

    edio, incorporavam-se novos temas para a pauta do encontro seguinte(como patrimnio histrico, urbanismo, crescimento urbano) de modo adirecionar o debate para novas questes. No V Congresso (Montevidu,1940), observa-se uma nova etapa na pauta desses eventos, provavelmentedevido a uma confluncia de fatores. Esses dez anos transcorridos desdeo congresso do Rio foram determinantes para o alastramento das ideiasde renovao da arquitetura e do urbanismo. Alm disto, o debate

    sobre as questes urbanas desenvolvera-se nos pases latino-americanos,acompanhando o ritmo de urbanizao por que passavam, bem como aconjuntura gerada pela deflagrao da guerra favorecia revises e redefiniode estratgias polticas e ideolgicas: enquanto o mundo parecia se dividir,os congressos conclamavam a unio dos pases americanos. De umamaneira geral, pode-se dizer que o tema da habitao de baixa renda foiconstante e ganhou progressivamente destaque nesses congressos. Ao longode suas sucessivas edies, nota-se uma evoluo nesse debate, que deixa

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    os vestgios do pensamento higienista do incio do sculo para inserir-seem um modelo de expanso urbana expressa em planos reguladores15.

    Lima foi a cidade escolhida para sediar o VI Congresso. Previsto para1944, ele aconteceu somente em 1947. Nos sete anos que se passaramdesde o congresso anterior, a arquitetura e o urbanismo no Peru apresen-taram um grande avano, principalmente graas ao poltica deBelaunde Terry. Arquiteto formado pela Universidade do Texas, em 1935,e fundador do Partido Accin Popular, em 1956, Belande fora eleitodeputado por Lima em 1945. Em seu mandato, propusera leis sobrehabitao social, uso do solo e planejamento urbano, que representaramavanos no processo de modernizao das cidades peruanas. Desde oincio dos anos 40, Lima passava pela experincia de implantao dasunidades vecinales(UV) como resposta ao problema da moradia, sendoa UV3 (1946) considerada a mais representativa delas. Ela teve, noVI Congresso, o impacto de uma experincia que buscava passar da teoria prtica, sendo recomendada como paradigma para a soluo do problemada habitao coletiva nas Amricas. Como notou um arquiteto argentinodurante o encontro: Nosotros les hemos traido proyectos, ustedes nos estanmostrando realidades...16. Este congresso contou com a participao nadadesprezvel para a poca de mais de 400 arquitetos vindos de diversospases americanos17.

    No VII Congresso (Havana, 1949), as discusses sobre os problemasurbansticos e sobre o ensino e a prtica profissional parecem ter ocupadomais espao do que os problemas relacionados habitao, embora isto nodesminta a tendncia geral de crescimento desse tema, que foi retomado

    como tema central no congresso seguinte (Mxico, 1952).A intensidade com que as questes relacionadas moradia de baixa renda

    eram colocadas nesses congressos de arquitetos era reveladora da extensodo problema na escala continental, sobretudo quando consideramos queelas possuam um frum especfico de discusso desde 1939: os CongresosPanamericanos de la Vivienda Popular18. Estes visavam discutir diferentesaspectos da problemtica da moradia popular como formas de acesso,

    financiamento, legislao, custos, tcnicas construtivas etc. , levando-se

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    em considerao a realidade de cada pas. Interveno estatal e iniciativaprivada eram vistas como aes complementares para a soluo do dficithabitacional no continente. Acompanhando as discusses travadas nascomisses desses congressos, observa-se a existncia de pontos em comumcom os congressos de arquitetos, como a insero dos projetos habitacionaisem planos reguladores e planos de desenvolvimento regional, ou a propostade criao de Institutos de Vivienda Popular em cada pas.

    Figura 8 Inaugurao do VI Congresso Pan-Americano de Arquitetos

    Fonte: Gutierrez, Tartarini e Stagno (2007)

    Quanto aos Congresos Panamericanos de Municpios, sabe-se que elestiveram sua origem na VI Conferencia Internacional Americana (Havana,1928), embora sua primeira edio tenha ocorrido somente dez anosdepois, tambm em Havana. Seguindo a ideologia de fortalecer e estimulara mais estreita relao amistosa entre as comunidades americanas, essescongressos tinham como temas centrais a administrao municipal e agesto dos servios pblicos. Desde suas primeiras edies, contaram coma presena de representantes de vrios pases e, posteriormente, com oapoio de organizaes internacionais, como a Organizao dos Estados

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    Americanos (OEA) e a Organizao das Naes Unidas (ONU). O se-gundo congresso aconteceu em Santiago, em 1941, e contou com apresena de mais de duzentos participantes19. Esses congressos tinhama peculiaridade de constiturem-se em um frum multidisciplinar, con-gregando especialistas de diferentes especialidades arquitetos, juristas,economistas, engenheiros, mdicos etc.

    Figura 9 Unidad Vecinal N 3 - UV3, em Lima, Peru.

    Fonte: El Arquitecto Peruano, set. 1949

    Devido amplitude de suas preocupaes, esses diferentes eventosforam inegavelmente fruns de debate abertos aos mais variados

    enfoques, constituindo-se como espcies de painis de olhares diversosque contribuam para o intercmbio de ideias e troca de experinciasentre os profissionais dos pases participantes. Em um perodo em queas experincias realizadas nos Estados Unidos e na Europa eram objetode ampla divulgao, faz sentido a observao do editor de Nuestra

    Arquitecturaao comentar que, at o advento dos Congresos Panamericanosde la Vivienda Popular: [...] ignorbamos casi totalmente los esfuerzos

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    hechos en el resto de Amrica20[...]. Talvez pudssemos estender estecomentrio aos outros congressos acima referidos.

    Algumas concluses

    Este breve percurso sobre uma parcela da produo editorial sul-americana e sobre as discusses desenvolvidas em alguns congressospan-americanos entre as dcadas de 1920/30 e 1960 sugere-nos algumasconsideraes.

    Em primeiro lugar, chama a ateno a distncia entre o que as publicaeseuropeias e norte-americanos mostravam das realizaes continentais eaquilo que o meio profissional sul-americano revelava em seus frunsprprios de discusso. Evidentemente que revistas como LArchitecturedAujourdHuie The Architectural Forum(que foram as que mais citamosaqui) eram revistas comprometidas com as ideias de renovao daarquitetura e do urbanismo. Mas tambm o eram com maior ou menorintensidade as revistas sul-americanas com que trabalhamos. A PDF,

    por exemplo, estava diretamente envolvida com esses mesmos ideais; orgo que a editava foi responsvel, dentre outros, por um dos cones daarquitetura e do urbanismo modernos no Brasil (e na Amrica do Sul): oconjunto de Pedregulho, elemento de destaque em todas as publicaeseuropeias e norte-americanas aqui citadas. O mesmo poderia ser dito deEl Arquitecto Peruano, cujo criador foi um dos grandes incentivadores dosideais de renovao da arquitetura e do urbanismo em seu pas. Porm,

    enquanto as publicaes europeias e norte-americanas buscavam ilustrarcom alguns highlightsda produo continental as possibilidades de umcerto tipo de arquitetura e urbanismo (principalmente vinculado aosprincpios defendidos nos CIAMs), as publicaes locais revelam que,para alm do brilho excepcional de projetos que se inspiravam nos ideaisdas vanguardas internacionais (ou que os reinterpretavam), era necessrioenfrentar problemas mltiplos, que se acumulavam com a rapidez da

    urbanizao e que exigiam respostas imediatas.

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    A segunda concluso refere-se ao peso dos ideais modernos queinspiraram uma boa parte das realizaes sul-americanas mostradasnas publicaes europeias e norte-americanas, particularmente aquelesrelacionados aos CIAMs e presentes em diversos conjuntos habitacionais,cidades universitrias ou planos urbanos. Em que pese a grande qualidadedas realizaes continentais mostradas nessas publicaes, nossa incursopelas revistas e congressos voltados para os especialistas locais relativizao peso dos CIAMs (e mesmo do pensamento de Le Corbusier) naformao do campo nos pases sul-americanos. Claro que no se colocaem dvida a influncia do pensamento de Le Corbusier na formao etrajetria de vrias geraes de arquitetos locais e, em particular, o carterreferencial que teve a Carta de Atenas para o urbanismo sul-americano(de que Braslia , sem dvida, o exemplo mais espetacular). Os arquitetoslocais tinham conhecimento do que se discutia nos CIAMs; alguns atpodiam manifestar interesse em se envolver mais diretamente com eles,liderando grupos nacionais que, no final das contas, no conseguiramavanar muito em seu processo de organizao21. Os congressos do ps-guerra, que marcam o incio do desmantelamento dessa associao,coincidem tambm com o arrefecimento das tentativas de maior inserodos arquitetos sul-americanos. O que sugere o exame das revistas sul-americanas e dos congressos realizados no mbito continental umapostura menos dogmtica com relao ao pensamento do mainstreamdosCIAMs e mais aberta a outras formas de compreenso e de intervenona cidade, sugerindo que a constituio do campo do urbanismo maismarcada pela heterogeneidade de suas referncias do que pela estrita

    adeso a um nico corpo de ideias22. Sem dvida que os profissionaislocais acompanhavam com maior ou menor assiduidade, com maior oumenor proximidade o que acontecia na Europa e nos Estados Unidos.Porm, a impresso que se tem que, muitas vezes, eles se colocavamem uma posio de observadores distantes, at mesmo aparentementealheios ao reconhecimento que passaram, com suas realizaes, a desfrutar

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    junto crtica internacional. Talvez a preocupao com a busca de umcaminho prprio, capaz de responder s especificidades das demandaslocais, explique esse aparente distanciamento.

    A terceira concluso refora a compreenso de que a penetrao, nomeio profissional local, das ideias defendidas pelo mainstreamdos CIAMsocorre exatamente no mesmo momento em que se difunde a experincianorte-americana no campo do planejamento e da gesto urbana. No nossa inteno aqui desenvolver esse aspecto, mas vale notar como aquesto da gesto urbana e da institucionalizao do urbanismo serocentrais na constituio do campo no continente, fato que acontece emparalelo a muitas das realizaes urbansticas aqui mencionadas.

    Finalmente, as revistas e os congressos pan-americanos aqui apresentadosrevelam-nos a existncia de um processo de trocas profissionaise acadmicas em mbito continental longe de ser negligencivel.Surpreende a intensidade dessas trocas, entretanto pouco estudadascomparativamente s redes que conectavam diretamente os profissionaisatuantes no continente aos seus interlocutores na Europa e EstadosUnidos. Foram muitas as iniciativas editoriais, profissionais e acadmicasque, nos diversos pases, discutiam os problemas locais, mostravamsolues encontradas em outros pases e buscavam seguir as discusses nosgrandes fruns de especialistas, a nvel internacional e particularmentepan-americano. Muitas vezes, esses fruns foram importantes difusoresde formas de pensar a cidade, onde confluam razes tcnicas e clarasvinculaes poltico-ideolgicas (ainda que disto no tenhamos tidocondies de nos ocupar nos limites deste artigo). Assim, longe da

    imagem de profissionais isolados em seus respectivos pases, percebe-se certa ebulio, feita de viagens, visitas, encontros, divulgao deexperincias, que tanto parecem contribuir para a construo ideolgica deuma identidade latino-americana (ou pan-americana), quanto em outravertente contribuiro para a formulao da ideia de uma cidade latino-americana, hiptese, entretanto, a ser discutida em outro trabalho.23

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    Notas

    * Este trabalho foi originalmente apresentado como uma comunicao no X Semi-nrio Histria da Cidade e do Urbanismo, que teve lugar na cidade do Recife,

    entre os dias 8 e 10 de outubro de 2008.1 Os dados sobre o crescimento demogrfico das cidades sul-americanas impres-

    sionam: Lima passa de 661.508 habitantes em 1940, para 1.901.927 em 1960;Buenos Aires, de 4.722.381 habitantes em 1947, para 6.739.045 no incio dosanos 60; Santiago, de 696.000 habitantes em 1930, para 1.907.378, em 1960.So Paulo aumentou mais de seis vezes sua populao entre 1920 e 1960, passandode 579.033 habitantes para 3.781.446. O Rio de Janeiro passou de 1.157.873habitantes para 3.281.908 no mesmo perodo e Caracas pulou de 350.000

    habitantes em 1941, para 1.300.000 em 1961.2 Para usar a feliz expresso que d ttulo ao livro de Nelci Tinen.

    3 At 1937, ela manteve esta denominao, substituda ento por Revista Municipalde Engenharia, que guardou at 1959. De 1960 a 1977, ela se chamou Revistado Estado da Guanabara; e de 1978 em diante, novamente Revista Municipal deEngenharia. Para simplificar, a ela nos referiremos neste texto como PDF. Ela teveem Carmen Portinho uma de suas idealizadoras e principais responsveis.

    4 Os olhos do mundo voltaram-se inicialmente para a Amrica Latina durante

    a Segunda Guerra Mundial, (quando) por volta de 1942 [...] o Museu de ArteModerna realizou a exposio Brazil Builds (traduo nossa).

    5 Foi uma surpresa para todos descobrir o quanto as perspectivas do CIAM man-tiveram-se vivas em grupos isolados que tinham sido obrigados a trabalharindependentemente uns dos outros durante esse perodo (traduo nossa).

    6 Arquiteta norte-americana, conhecida pelo planejamento de grandes conjuntoshabitacionais.

    7 Valemo-nos aqui (aplicando-a ao contexto sul-americano) da anlise que Martins

    (1994) faz para o caso do Brasil.8 Principalmente residncias unifamiliares, edifcios de apartamentos e equipa-

    mentos pblicos e comerciais, alm de arquitetura de interiores e, eventualmente,histria da arquitetura.

    9 Migone graduou-se em 1918 pela Universidade de Buenos Aires. Elaborouprojetos de moradias econmicas, desenvolvidos a partir da racionalizaoe estandardizao construtivas. Seu livro foi publicado em 1940 e resultava depesquisas que desenvolvera, com o Consejo Deliberante de la Municipalidade de

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    Buenos Aires, com o objetivo de propor uma regulamentao das construes quesubstitusse a de 1928.

    10 Edio de junho de 1944.

    11 Dentre eles, Lorin Thompson, Robert Calkins, Svend Riemer etc.

    12 Cf. Atique (2005).

    13 Idem

    14 O II Congresso aconteceu em Santiago, em 1923; e o III em Buenos Aires, em1927.

    15 Atique (2005).

    16 EL ARQUITECTO PERUANO, v. 11, n.123, p. 3, out. 1947.

    17

    LA ARQUITECTURA DE HOY, n. 7, julho de 1947, p.77.18 Sua primeira edio aconteceu em Buenos Aires.

    19 PDF, v. 8, n.6, p. 57, nov. 1941.

    20 NUESTRA ARQUITECTURA, n.11, p. 361, nov. 1939, p. 361.

    21 Sobre isto ver Ballent (1995).

    22 Sobre isto ver, com referncia ao caso do Brasil, GOMES (2005).

    23 Gorelik (2003) faz um excelente apanhado da construo da ideia de cidade latino-

    americana, no perodo 1950-1970, portanto apenas parcialmente coincidentecom o que nos ocupa aqui. Ele no desenvolve, entretanto, a possvel participaodesses congressos pan-americanos nessa formulao.

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    Nuestra Arquitectura

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    Articulaes profissionais:

    os Congressos Pan-Americanos de

    Arquitetos e o amadurecimento de uma

    profisso no Brasil, 1920-1940

    FERNANDOATIQUE

    Americanismo, pan-americanismo e

    interamericanismo: o lugar do Brasil

    Em 1906, uma edificao erigida com estrutura de ao e revestida comos referenciais estticos da bellepoqueadornou-se com todas as bandeirasdos pases americanos, na cidade do Rio de Janeiro. O motivo desteengalanamento era a realizao da TerceiraConferncia Pan-Americana1,que, pela primeira vez, ocorria em terras do sul do continente americano.Montada defronte Baa de Guanabara, no fim da Avenida Central, aedificao imponente era conhecida, entre os brasileiros, como Palcio

    So Luiz, em funo de ter sido, originalmente, destinada a abrigar oBrasil na Exposio Internacional de Saint Louis, nos Estados Unidos,ocorrida em 1904. Entretanto, o nome latino daquela obra de arquiteturaseria esquecido em pouco tempo, uma vez que durante a realizao dasassembleias da referida conferncia, o Baro do Rio Branco,Ministrodas Relaes Exteriores do Brasil, em concordncia com a sugesto doembaixador brasileiro em Washington, Joaquim Nabuco, requereu que o

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    palcio fosse, a partir daquele momento, chamado de Palcio Monroe, emmemria do antigo presidente dos Estados Unidos James Monroe.2

    Figura 1 O Palcio Monroe, no Rio de Janeiro.

    Foto: Augusto Malta, 1906.

    extremamente importante notar que a sugesto dada por JoaquimNabuco ao Baro do Rio Branco tinha por objetivo no apenas fazer boafigura do Brasil perante os Estados Unidos, j que na Conferncia de1906 o Secretrio de Estado daquele pas, Elihu Root3, estava presente,mas intentava-se, tambm, sensibilizar as demais naes americanas acerca

    do pan-americanismo, uma vez que James Monroe passou histria comoo autor da Doutrina Monroe, a qual, se no pode ser vista como a origemdo pan-americanismo, foi, sem dvida, a justificativa para muitas aesneste sentido.

    O Palcio Monroe, enquanto artefato, trazia, em si, muitos dos dilemase das opes estticas, mercantis e polticas disponveis ao Brasil, naquelemomento. O palcio havia sido todo edificado em estrutura metlica4,

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    algo que remetia diretamente ao mundo americano, e havia recebidovedaes que buscavam referncias no universo esttico europeu, dentroda clara postura de recuperao dos pressupostos historicistas daquelemomento, na arquitetura. Era possvel notar atravs daquele edifcio umatriangulao muito importante e vivaz naqueles anos: o Brasil, procurandoseu lugar entre a Amrica e a Europa(SANTOS, 2004, p. 5).

    A postura celebradora de James Monroe assumida pelo Baro do RioBranco era justificada por sua interpretao de Monroe como o principalformulador de uma poltica pan-americana. Era justificada, ainda, poracreditar que aquele prdio, que em 1906 recebeu os delegados das naesamericanas e em especial o Secretrio de Estado Elihu Root, havia abrigado,quando em solo estadunidense, o prprio presidente daquela nao,Theodore Roosevelt, o que, com seu ressurgimento em solo brasileiro,parecia indicar, mesmo que metaforicamente, a importncia do Brasilno acolhimento da causa pan-americanista e, de maneira latente, masigualmente importante, da causa americanista(ATIQUE, 2007, p. 22).

    Hoje, como naquela poca, as concepes sobre pan-americanismo,americanismo e interamericanismo dividem opinies polticas e re-percutem, consequentemente, no espao das cidades brasileiras. Sendoassim, desavenas poltico-econmicas ressoaram, inegavelmente, naadeso a programas e a solues tcnico-espaciais dos profissionais doespao,naqueles anos.5Nesta linha, assumem importncia os CongressosPan-Americanos de Arquitetos, uma vez que foram fruns privilegiadospara o debate arquitetnico-urbanstico nas Amricas e, em especial, noBrasil. Assim, historiam-se algumas proposies que foram levadas a estes

    eventos, como forma de suscitar um debate sobre a circulao de ideiasentre os pases participantes dessas reunies, especialmente no que tange divulgao e aproximao do hemisfrio sul com os Estados Unidos,suposta referncia para o arranjo profissional, formal e de educaosuperior em arquitetura e em urbanismo.

    Embora seja praticamente impossvel esquecer as relaes do Brasile dos demais pases do cone sul com a Europa, o pan-americanismo,

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    sobretudo as verses defendidas durante o sculo XX, pode ser lido comoum pronunciamento importante dos pases americanos para si mesmos.Com o Velho Continente permeado por guerras e experimentando regimespolticos cerceadores, no sculo XX, os pases americanos alcanaramimportncia na formulao e na discusso de suas prprias realidades,utilizando-se de referncias localistas e internacionais para tanto. Entretanto,a perspectiva analtica da histria urbana e arquitetnica, sobretudo a dosautores europeus e estadunidenses consagrados nas dcadas centrais dosculo XX, no incorporou em seu escopo as discusses e, muito menos, asmovimentaes especficas do continente americano. Contraditoriamente,at mesmo os Estados Unidos comparecem nessa historiografia comodoador de atitudes seminais da reformulao espacial que seria, defato, praticada na Europa. O caso de Frank Lloyd Wright em relao aomovimento De Stijl, em princpio do sculo XX, um bom exemplo paratanto. Interessante tambm perceber que manuais emblemticos do estudodo espao construdo, no Brasil, formulados contemporaneamente aos maisconhecidos congneres europeus, como o livro de Yves Bruand, apontama vinculao de profissionais como Gregori Warchavchik ao ambiente dosCongressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs), mesmo semo referido arquiteto ter participando pessoalmente de nenhum deles, masno faz meno aos Congressos Pan-Americanos de Arquitetos, a despeitode o Brasil ter sediado uma das mais polmicas edies, em 1930, no Riode Janeiro (BRUAND, 1991, p. 68).

    A necessidade de entender as relaes culturais e profissionais dosarquitetos brasileiros com relao aos demais pases americanos, sobretudo

    com os Estados Unidos, levou constatao de que o estudo detido dosCongressos Pan-Americanos de Arquitetos poderia ser um veculo reveladorde fluxos e redes ainda no to cristalizados na historiografia. Nesta tarefa,o exame da historiografia contempornea internacional, notadamente doslivros de Jeffrey Cody (2003), intitulado Exporting American architetcure:1870-2000, e de Jean-Louis Cohen (1995), denominado Scenes of the worldto come: European architecture and the American challenge, 1893-1960, foram

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    cruciais, pois mostraram relaes consistentes que, certamente, acabarampor repercutir na forma e no pensamento das cidades do continenteamericano. Neste sentido, o estudo dos Congressos Pan-Americanos de

    Arquitetos, durante o perodo entreguerras, possibilitou o reconhecimentode um lugar propositivo para a Amrica, e no de mero receptor. Oentendimento da etimologia da expresso pan-americanismo por meio dahistria revelou, tambm, uma posio poltica, a qual se torna importantepara a compreenso dos prprios Congressos Pan-Americanos de Arquitetose, neste sentido, convm apresentar, brevemente, alguns conceitos de pan-americanismo.

    Etimologicamente, percepes das posturas polticas

    Estes congressos tm sancionado concluses que tm encontrado oapoio imediato de vrios governos americanos, j que as concluses doscongressos so meros votos de aspirao, at que encontrem a sanolegal necessria e indispensvel, das autoridades, para que se tornemeficazes. (ALVAREZ, 1931, p. 114)

    Como aponta o diplomata e historiador Lus Cludio Villafae dosSantos, no livro O Brasil entre a Amrica e a Europa, a expresso pan-americanismo foi empregada pela primeira vez na edio de 27 de

    junho de 1882 do jornal The New York Evening Post, como forma dedenotar uma ideia de integrao continental, dentrodomodelodosmovimentos pan-eslavo e pangermnico na Europa (SANTOS, L.,

    2004, p. 64). A apropriao da expresso pan-americanismo e, alm, deseu entendimento, se deram de maneiras muito diversas do que as queos estadunidenses idearam. Contudo, para um melhor entendimento, necessrio ter em mente o que significou a criao da Doutrina Monroe eas crticas que recebeu.

    A Doutrina Monroe, didaticamente evocada pelo seu lema A Amricapara os americanos,alm de revelar que, em 1823, os Estados Unidos

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    enxergavam o continente Amrica dentro do seu prprio conceito deHemisfrio Ocidental6, tinha por objetivo barrar a interveno da Santa

    Aliana nessa poro do globo. Um dos pontos principais dessa Doutrinaera o realce que os Estados Unidos davam ao seu carter de guardio dasdemais naes, numa demonstrao de superioridade blica, de pontofocal e de referncia de ao para os demais pases do continente.

    As diversas formas pelas quais os Estados Unidos entenderam a Dou-trina Monroe do tambm indcios de como o pan-americanismo foivisto. A historiadora Ktia Gerab Baggio aponta que os Congressos Ame-ricanos, realizados durante todo o sculo XIX7, foram o palco principalde divulgao do pan-americanismo. Segundo ela, especial destaque deveser dado Primeira Conferncia Internacional Americana, cujas sessesocorreram de 02 de outubro de 1889 a 19 de abril de 1890, marcandooficialmente o incio do Pan-Americanismo e que passou a denominar oconjunto de polticas de incentivo integrao dos pases americanos, soba hegemonia dos Estados Unidos (BAGGIO, 2001, p. 3).

    Villafae dos Santos (2004), em seu citado livro, constri uma im-portante narrativa acerca da poltica externa do Imprio Brasileiro noque concerne ao entendimento dessas ideias. Fica ntida a postura dedistanciamento tomada pelo Brasil, no apenas em relao aos EstadosUnidos, como, tambm, em relao s demais naes republicanassurgidas nos oitocentos. Dessa forma, em grande parte do sculo XIX,o Brasil distanciou-se do pan-americanismo, por se ver como um passem relaes comuns com essa ideia (ATIQUE, 2007, p. 25). Por outroprisma, o Brasil tambm era visto pelos pases em questo como um ente

    estranho, j que era uma monarquia detentora de um territrio vasto,com muitas diferenas regionais, porm unificado. O entendimento destaquesto pode partir das ideias do autor (SANTOS, L., 2004, p. 28):

    O Imprio [brasileiro] via-se civilizado e europeu, e assim de uma natu-reza distinta daquela de seus anrquicos vizinhos. Integrar-se a elesseria pr em risco a prpria essncia de sua identidade.

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    Essa afirmativa ajuda a entender o porqu da recusa do Brasil emparticipar dos congressos que reuniram os polticos das diversas naes docontinente ao longo do sculo XIX. Como se sabe, o Imprio Brasileirotomou parte apenas na Conferncia de Washington, bem no perodo demudana de seu regime poltico de Monarquia para Repblica (1889-1890). Havia, por parte do Imprio, uma certa noo de que participardessas reunies era incompatvel com sua prpria essncia monrquica.8Todavia, segundo a anlise da historiadora Miriam Dolhnikoff, a prpriaestrutura federalista, em debate desde a Independncia do Brasil, era juma clara evidncia de aceno aos Estados Unidos. Diz a autora que sea opo pela monarquia tornava o Brasil uma exceo no continente, aescolha de um modelo de tipo federativo denunciava sua inapelvel vocaoamericana (DOLHNIKOFF, 2005, p. 14). O perodo republicanomostra, sem dvida, que esse aceno, um tanto quanto velado no perodoimperial, foi revisto, e sucessivamente ampliado. Como atesta uma cartado Baro do Rio Branco, encaminhada ao secretrio de Estado norte-americano Elihu Root,quando das preparaes da Terceira ConfernciaPan-Americana, no Rio, pode-se notar que a superao perpassou a escolhade uma aliana com os Estados Unidos e no com o mundo hispnico sul-americano:

    O nosso desejo, V. Exa. sabe, poder em tudo estar de acordo com osEstados Unidos, cuja amizade o Brasil muito preza e sempre prezou.Mas V. Exa. no ignora que contra os Estados Unidos e contra o Brasilh na Amrica Espanhola antigas prevenes que s o tempo podertalvez modificar. Verdadeiramente s as no h contra o Brasil no Chile,

    no Equador no Mxico e na Amrica Central. necessrio muito tatoe prudncia de nossa parte para que este 3 Congresso Pan-Americanono torne mais fundas as dissidncias existentes entre vrios grupos denaes latinas. (RIO BRANCO, apud BUENO, 2003, p. 60)

    Entretanto, com a proximidade da Terceira Conferncia Pan-Americana,em 1906, autores das mais variadas tendncias polticas brasileiras passarama escrever sobre o tema, no Brasil, expondo concepes curiosas acerca do

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    pan-americanismo. O Baro do Rio Branco, em linhas gerais, no via osEstados Unidos como os desinteressados guardies do Novo Mundo quese faziam crer (BUENO, 2003, p. 320). Em sua interpretao, os EstadosUnidos eram um importante parceiro comercial para o Brasil, em funodas importaes de produtos brasileiros, sobretudo do caf, mas, almdesta, tambm, das exportaes que comeavam a mandar para o Brasil.Rio Branco, todavia, deixou registrado que no encaminharia a polticaexterna do pas de forma a dar as costas Europa e, muito menos, demaneira a abrir sendas profundas para a atividade norte-americana no pas.Ele mantinha, dessa forma, uma aproximao pragmtica com os EstadosUnidos. Em linhas gerais, embora no cedesse aos interesses americanos,mantendo relaes comerciais com a Europa, Rio Branco demonstrou quedos Estados Unidos esperava a manuteno de sua posio de compradordo produto agrcola brasileiro, ao mesmo tempo em que conservasse seupapel de desinteressado nos territrios amaznicos.

    Entretanto, outra parcela dos diplomatas brasileiros, naquele momento,via com ceticismo os objetivos dos Estados Unidos e de seu respectivomonroismo, como a declarao do brasileiro Manuel de Oliveira Lima9,de 1906, deixa claro:

    A doutrina Monroe sempre foi, desde o seu primitivo estgio, uma doutrinaegosta que visava reservar a Amrica, econmica e diplomaticamente,para um apangio da sua poro preponderante, em vez de continuara depender das suas velhas metrpoles, no mais exclusivistas do quea nova. E tanto nunca foi uma doutrina altrusta ou mesmo cujasresponsabilidades fossem comuns, e tambm as vantagens, a todas as

    repblicas americanas, representando uma garantia recproca de defesa,de preservao e de soberania [...] que os Estados Unidos se guardaramciosamente o direito de escolher a ocasio ou o pretexto da sua aplicaode acordo com seus prprios interesses. (LIMA, 1980, p. 37)

    Oliveira Lima no era propriamente um oponente da noo de Pan-Americanismo, mas repudiava a poltica do Big Stick, de TheodoreRoosevelt10. A postura de Oliveira Lima foi definida por Gilberto Freyre,

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    personagem que desfrutou de seu convvio em Washington, como pan-americanista crtica (FREIRE, 1970, p. 11). Esse pan-americanismocrtico deve ser entendido como fruto de uma concepo polticaquevia o mundo estadunidense como modelar at certos aspectos, tais quais ode moldar um capitalismo progressista em solo prprio, paradoxalmentemovido a conquistas externas. Entretanto, a grande crtica de OliveiraLima aos Estados Unidos dizia respeito questo pan-americanista,formada, em suas palavras, por sobre uma base egosta:

    [...] quando a famosa doutrina de Monroe passar, como de direito, deapangio de uma s nao para o domnio comum do continente que

    diz proteger; quando, portanto, pertencer o monroismo ao patrimniode todas as naes americanas e no mais for, na sua edio corrente,uma arma nica de ascendncia dos Estados Unidos, ao mesmo tempoque uma fortaleza erigida contra a interveno europia que, sob colorde manter o equilbrio de poderes no Novo Mundo, poderia querer selimitar marcha da grande Repblica, o Pan-Americanismo [podervir a ser] a articulao das trs Amricas em uma vasta federao oucomunho internacional de interesses polticos, econmicos e morais,com o objetivo de garantir civilizao futura seu pleno desenvolvimento.

    (LIMA, 1980, p. 96)

    Mas, de fato, ele era ctico quanto possibilidade da instaurao dessafraternidade continental. Em texto escrito antes da Conferncia Pan-

    Americana de 1906, em Caracas, Oliveira Lima tergiversou:

    [...] os Estados Unidos procuram com toda a razo alargar a sua esfera

    mercantil no continente sul, o que lcito e at louvvel, alegando,no injustificadamente no nosso caso, que so eles os grandes compra-dores do nosso caf, o que, contudo, no autorizaria o tornarem-seos compradores da nossa absoluta autonomia poltica. (LIMA, 1980,p. 44-45)

    Se, por vezes, indica-se que Oliveira Lima era crtico com relao sconcepes pan-americanistas do Baro do Rio Branco, deve-se ter em

    mente que neste assunto ele se situava em campo diametralmente oposto

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    ao de Joaquim Nabuco (BUENO, 2003; SOUZA NETO, 1980). JoaquimAurlio Barreto Nabuco de Arajo11foi o intelectual brasileiro da PrimeiraRepblica que mais se empenhou em divulgar supostas benesses de umaaliana dos pases da Amrica Latina com os norte-americanos. Em suasconferncias, em algumas universidades e eventos dos quais participou,nos Estados Unidos12, Nabuco exprimiu opinies favorveis no s apenasdessa aliana, como do que chamava de civilizao norte-americana; eleexps em seu discursoA aproximao das duas Amricas, de 1908:

    Vs [Estados Unidos da Amrica], com toda a vossa alta civilizao, nopodeis fazer mal a nenhuma outra nao. O contacto intimo comvosco,

    seja em que condio for, s poder, portanto, trazer beneficio eprogresso outra parte. (NABUCO, 2001, p. 40)

    Num sbio jogo de palavras, Nabuco transmitiu sua noo de pan-ameri-canismo, tentando demonstrar que, para ele, tal atitude de congraamentotraria muitos benefcios s duas partes que se aproximavam:

    O nico effeito que posso enxergar no trato intimo da America Latina

    comvosco que ella viria a ser lentamente americanizada; isto , elase impregnaria, em medida diversa, do vosso optimismo, intrepidez eenergia. [...] No quero dizer que algum dia emparelhemos com o vossopasso. Nem o desejamos. Excedestes toda a actividade humana de queha memoria, sem perturbar o rhythmo da vida. Fizestes novo rhythymos para vs. Ns nunca o poderamos conseguir. Para as raas latinasfestina lente a regra da saude e da estabilidade. E seja-me licito dizerque um bem para a humanidade que todas as raas no marchem a

    passo igual, que todas no corram. (NABUCO, 2001, p. 40)

    Algo que deve ser apontado que o prprio ttulo da conferncia(A aproximao das duas Amricas), proferida na sexagsima assembleia daUniversity of Chicago, em 28 de agosto de 1908, remete ao ttulo do livrode Torres Caicedo13. Alm disso, outro dado importante dessa citao que, para Joaquim Nabuco, aps a proclamao da Repblica, em 1889,o Brasil parece ter sido incorporado ao escopo de naolatina, algo que,

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    como visto, era rechaado tanto pelo Imprio Brasileiro, quanto pelasnaes de origem hispnica durante a maior parte do sculo XIX.

    interessante apontar que, no cenrio continental americano, essasvises diversas sobre os Estados Unidos tambm existiam. Na Argentina,por exemplo, Domingo Faustino Sarmiento, em texto intitulado Conflicto

    y armonia de las razas en Amrica, de 1883, explicita que os EstadosUnidos eram um modelo a ser seguido pelas outras naes americanas.O que os Estados Unidos promoviam, segundo ele, era o caminho para aordem, a liberdade e o progresso (SANTOS, 2004, p. 63). Sua adeso srepercusses das aes norte-americanas pode ser sentida aqui:

    No detenhamos aos Estados Unidos em sua marcha: isso defini-tivamente o que alguns propem. Alcancemos os Estados Unidos.Sejamos a Amrica, como mar o oceano. Sejamos os Estados Unidos.(SARMIENTO, 1883 apud BRUIT, 2004, p. 5, traduo minha)

    muito interessante notar que Nabuco desenvolvia raciocnio namesma linha de Sarmiento e de outros argentinos em prol da amizade

    americana.De fato, Joaquim Nabuco, como aponta Fernando da CruzGouva, transitou entre a Monarquia e a Repblica (GOUVA, 1989),passando de uma extremada defesa do sistema monrquico ingls parauma interpretao mais cuidada do republicanismo norte-americano.Entretanto, como a citao de trecho do livro Minha Formaodeixa ver,Nabuco temia ser visto, pelos seus pares, como partidrio incondicionaldos Estados Unidos, preferindo ser associado ideia de defensor do pan-americanismo:

    O efeito do republicanismo norte-americano s podia ser para mim o decorrigir o que houvesse de supersticioso no meu monarquismo, tirar-lhetudo o que parecesse direito divino, consagrao super-humana. Entreos dois espritos, o ingls e o norte-americano, eu no via oposio,como no h oposio entre as duas raas e as duas sociedades; nohavia nada mais fcil de compreender e conciliar do que a admiraocom que Gladstone fala dos Estados Unidos e a admirao dos escritores

    mais respeitveis da Amrica pela constituio inglesa. Nenhuma das

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    minhas idias polticas se alterou nos Estados Unidos, mas ningumaspira o ar americano sem ach-lo mais vivo, mais leve, mais elstico doque os outros saturados de tradio e autoridade, de convencionalismocerimonial. (NABUCO, 1963, p. 153)

    Por essa passagem, fica um pouco mais ntido que o autor em questono propunha uma equiparao dos pases da Amrica aos EstadosUnidos. Para ele, era natural que a repblica estadunidense fosse a lder dafraternidade das Amricaspor consider-la predestinada por questesde raa, credo e geografia. Em resumo, Joaquim Nabuco aceitava asconcepes do Destino Manifesto.

    Entretanto, no se pode deixar de pontuar as atitudes de repdio econtestao ao pan-americanismo. Especificamente, nesta linha, estinscrita a obra do paulista Eduardo Prado14, autor deA iluso americana,livro datado de 1893. Documento ao mesmo tempo monarquista eantiestadunidense,A iluso americana uma obra que se tornou clssica aoser mobilizada para expor as ideias de repdio ao propalado imperialismoyankee, antes da Primeira Guerra e, sobretudo, aps a Segunda Guerra

    Mundial. A iluso americana acabou sendo confiscado pelas tropas dogoverno federal, no mesmo dia do lanamento, em 1893, e s veio apblico em 1894, em Londres, cidade onde o autor se encontrava exilado(PRADO, 2001). Contudo, a obra pode ser considerada um dos ensaiosinaugurais da linha de combate poltica externa dos Estados Unidos.Eduardo Prado pode ser citado, tambm, como um dos primeiros autoresa se indispor noo de fraternidade americana, preconizada pela

    Doutrina Monroe. Expondo que a fraternidade americana [era