geografia médica e regulamentação do espaço carioca oitocentista

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Geografia médica e regulamentação do espaço carioca oitocentista. Alexandre da Silva Chaves Universidade Federal do Rio de Janeiro Resumo: No período oitocentista os médicos começam a orientar as normas de fiscalização e regulamentação do espaço urbano no Rio de Janeiro, criando uma ideia de “purificação” urbana. Os usos que causam externalidades negativas terão seus lugares determinados por lei, os pântanos, mangues, cemitérios etc. serão considerados lugares emanadores de ares doentios, causadores de doenças e serão alvos de reformas urbanistas. O principal paradigma ambiental dessa época estava calcado na teoria dos ares infecciosos, conhecidos também como miasmas. Destaca-se, nesta fase, o poder dos higienistas. Esses defendiam que as enfermidades eram um produto social, daí a grande frequência de se encontrar, em seus trabalhos, ampla gama de informações sobre o meio geográfico, econômico e social em que se desenvolviam as doenças. As investigações empíricas articuladas com a estatística foram também pilares para os higienistas e a contribuição geográfica para essas investigações ficaram conhecidas como Geografias e Topografias médicas. Segundo Maurício de Almeida Abreu (1997), "não há notícia da realização de topografias médicas no Brasil colonial”, porém encontramos, posteriormente, documentos que seguiam a mesma lógica das topografias médicas sobre descrições da cidade a partir de 1835, como no caso do médico Francisco de Paula Cândido com o trabalho intitulado de “Considerações médico-topográficas sobre a cidade do Rio de Janeiro e suas imediações”. As Topografias médicas utilizavam, desde o final do período setecentista, uma série de dados geográficos e estatísticos e levavam em consideração a origem e o desenvolvimento das epidemias e sua morbidade em geral. Essas monografias médicas estavam associadas, geralmente, a localidades e consideravam que a gênese e a evolução das enfermidades era fortemente influenciada, e até mesmo determinada, pelo clima e pelo meio ambiente local. O presente trabalho se insere na linha de investigações que foi desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas de Geografia Histórica da UFRJ que foi coordenado pelo saudoso professor Maurício de Almeida Abreu. Este é um trabalho de Geografia Histórica, portanto, utilizamos diversas fontes primárias de instituições como o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro - AGCRJ, a Biblioteca Nacional BN, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, além do rico acervo do próprio Núcleo de Pesquisas de Geografia Histórica. Introdução

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Alexandre da Silva ChavesUniversidade Federal do Rio de Janeiro

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  • Geografia mdica e regulamentao do espao carioca oitocentista.

    Alexandre da Silva Chaves

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Resumo:

    No perodo oitocentista os mdicos comeam a orientar as normas de fiscalizao e

    regulamentao do espao urbano no Rio de Janeiro, criando uma ideia de purificao urbana.

    Os usos que causam externalidades negativas tero seus lugares determinados por lei, os

    pntanos, mangues, cemitrios etc. sero considerados lugares emanadores de ares doentios,

    causadores de doenas e sero alvos de reformas urbanistas. O principal paradigma ambiental

    dessa poca estava calcado na teoria dos ares infecciosos, conhecidos tambm como miasmas.

    Destaca-se, nesta fase, o poder dos higienistas. Esses defendiam que as enfermidades

    eram um produto social, da a grande frequncia de se encontrar, em seus trabalhos, ampla

    gama de informaes sobre o meio geogrfico, econmico e social em que se desenvolviam as

    doenas. As investigaes empricas articuladas com a estatstica foram tambm pilares para os

    higienistas e a contribuio geogrfica para essas investigaes ficaram conhecidas como

    Geografias e Topografias mdicas.

    Segundo Maurcio de Almeida Abreu (1997), "no h notcia da realizao de topografias

    mdicas no Brasil colonial, porm encontramos, posteriormente, documentos que seguiam a

    mesma lgica das topografias mdicas sobre descries da cidade a partir de 1835, como no

    caso do mdico Francisco de Paula Cndido com o trabalho intitulado de Consideraes

    mdico-topogrficas sobre a cidade do Rio de Janeiro e suas imediaes.

    As Topografias mdicas utilizavam, desde o final do perodo setecentista, uma srie de

    dados geogrficos e estatsticos e levavam em considerao a origem e o desenvolvimento das

    epidemias e sua morbidade em geral. Essas monografias mdicas estavam associadas,

    geralmente, a localidades e consideravam que a gnese e a evoluo das enfermidades era

    fortemente influenciada, e at mesmo determinada, pelo clima e pelo meio ambiente local.

    O presente trabalho se insere na linha de investigaes que foi desenvolvida pelo

    Ncleo de Pesquisas de Geografia Histrica da UFRJ que foi coordenado pelo saudoso

    professor Maurcio de Almeida Abreu. Este um trabalho de Geografia Histrica, portanto,

    utilizamos diversas fontes primrias de instituies como o Arquivo Geral da Cidade do Rio de

    Janeiro - AGCRJ, a Biblioteca Nacional BN, o Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro - IHGB,

    alm do rico acervo do prprio Ncleo de Pesquisas de Geografia Histrica.

    Introduo

  • O trabalho objetiva analisar algumas importantes transformaes ocorridas na cidade

    carioca no sculo XIX, principalmente a partir da valorao negativa de ambientes e usos que

    culminaram com a extino de mangues e transferncia do espao dos mortos do interior das

    igrejas para fora das cidades.

    As pesquisas sobre a geografia do passado da cidade do Rio de Janeiro vm se

    desenvolvendo desde longa data e so de extrema importncia para o entendimento da lgica

    de ocupao da cidade durante o tempo, pois esta, como produto social, reflete as aes dos

    diversos agentes que estiveram envolvidos na sua construo.

    Entretanto, as lacunas ainda so grandes para o entendimento do espao pretrito da

    cidade carioca. o caso, por exemplo, da relao higienismo/espao. Apesar da grande

    quantidade de trabalhos desenvolvidos1, principalmente por historiadores, a verdade que ainda

    subsistem inmeras questes referentes influncia da medicina sobre a estruturao do

    espao urbano carioca no sculo XIX.

    O Rio de Janeiro, dentro do contexto da poca, se apresenta como um bom estudo de

    caso. Ao mesmo tempo em que se caracteriza por possuir um stio considerado insalubre,

    devido, sobretudo, presena de reas paludosas, se apresenta igualmente como palco

    privilegiado da reflexo sobre a valorao de ambientes naturais e usos intra-urbanos,

    sobretudo, pelos mdicos.

    O estudo enfoca o perodo oitocentista, pois este o sculo em que a cidade passa por

    profundas transformaes, deslanchadas pela chegada da Famlia Real. A emergncia do

    pensamento mdico e das teorias higienistas tambm so sentidas nesse perodo, assim como

    sua influncia nos usos e espaos da cidade carioca. O final do sculo XIX abre espao para as

    futuras reformas urbanas do incio do sculo XX, como a Reforma Passos.

    Nesse contexto, este trabalho tem por finalidade procurar entender, em parte, como se

    deu a transformao de ambientes naturais em viles, sobretudo os manguezais e tambm

    como usos da cidade ganharam a pecha de negativos perante a sociedade oitocentista. Para

    1 Ver BENCHIMOL, Jaime Larry, Dos Micrbios aos Mosquitos: febre amarela e a revoluo pasteuriana no Brasil.

    Rio de Janeiro: ed. Fiocruz./ed. U.F.R.J.. 1999. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: Cortios e epidemias na Corte

    Imperial. So Paulo: Companhia das Letras, 1996. BENCHIMOL, J. L., Pereira Passos: Um Haussmann Tropical.

    Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1990. Entre outros.

  • isso de fundamental importncia compreender o papel que as epidemias e teorias higienistas

    tiveram na mudana de concepo sobre usos e ambientes naturais na cidade do Rio de

    Janeiro.

    Ressaltamos que o presente trabalho encontra-se em fase inicial e, portanto no

    chegaremos a concluses, mas sim em algumas consideraes sobre os dispositivos de controle

    do espao carioca com a influncia da geografia mdica e saberes mdicos da poca.

    Parafraseando ABREU, (2000) tentando construir uma geografia do passado.

    A contextualizao do espao carioca e o problema do stio

    O relevo carioca, segundo COELHO NETO (1992:109), constitudo por macios

    (Pedra Branca, Tijuca e Gericin), zonas de baixadas circundantes (Jacarepagu e Fluminense)

    e cordes de restingas que individualizam formaes lagunares de pequena profundidade, onde

    se destacam as lagoas de Tijuca, Jacarepagu, Rodrigo de Freitas e Camorim e ainda os

    manguezais que as cercam. No passado, os estudiosos do relevo da cidade j mencionavam o

    fato de a cidade estar assentada sobre uma plancie no nvel do mar e rodeada por montanhas,

    o que dificultava a circulao do ar. Mencionavam tambm uma infinidade de reas alagadias

    (mangues, charcos, pntanos etc.) e ainda o clima quente e mido.

    BERNARDES (1959: 21) espelha o argumento da problemtica do stio carioca quando

    diz que a cidade cresceu em pontas, aumentando consideravelmente as distncias do centro.

    Para resolver esse impasse a autora destaca a necessidade de frequentes retomadas de

    crescimento no ncleo primitivo, onde os morros vo sendo arrasados, o mar aterrado e a

    montanha perfurada para se diminurem as distncias. Pierre Deffontaines (1947:1453), tambm

    mostra a situao do stio carioca como obstculo urbanizao. O autor destaca os elementos

    naturais simultaneamente hostis urbe, como o fato de estar apertada entre o mar, a montanha

    e a floresta, o clima e as diversas reas paludosas da cidade.

    As justificativas para as sucessivas intervenes que estes ambientes sofreram, foram

    as mais diversas e se basearam nas ideias predominantes de cada perodo histrico, pois

    sabemos que cada momento histrico atribuiu diferentes valoraes aos ambientes e usos nas

    cidades. No caso carioca um dos alicerces do paradigma ambiental foi a teoria dos ares

    deletrios, conhecidos tambm como miasmas, apesar da teoria pasteuriana dos micrbios ter

    surgida no final do perodo estudado2.

    2 No final do sculo XIX a teoria pasteuriana dos micrbios ganha destaque no meio cientfico necessrio advertir, entretanto, que as teorias balizadas no discurso miasmtico no desapareceram, pois, de acordo com BENCHIMOL

  • Somente a partir do sculo XIX que a cidade do Rio de Janeiro vai sofrer profundas

    modificaes no seu espao, pois comea a apresentar uma estrutura espacial estratificada em

    termos de classes sociais. At ento, o Rio era uma cidade apertada, limitada pelos Morros do

    Castelo, de So Bento, de Santo Antnio e da Conceio. Sua populao era constituda na sua

    maioria por escravos, era uma cidade de grande circulao de mercadorias, e como o poder de

    mobilidade era reduzido, quase inexistente, a forma de diferenciao das classes no espao se

    dava mais pela forma-aparncia das residncias do que pela localizao.

    A chegada da Famlia Real na cidade foi um evento que provocou grandes alteraes no

    contexto carioca, pois agora a cidade passou a possuir uma classe social praticamente

    inexistente, ou seja, a elite Real. Esta vai impor suas necessidades a partir de seus anseios.

    Nesse momento a cidade vai passar por profundas alteraes, tanto na sua aparncia quanto no

    seu contedo.

    O sculo XIX tambm foi marcado pela ecloso de vrias epidemias. E a partir de 1850,

    com grande epidemia de febre amarela, o Estado obrigado a tomar medidas, muitas vezes

    drsticas, para afastar os ambientes emanadores de ares ptridos do centro da cidade, pois

    acreditava-se que estes miasmas eram os culpados pelas epidemias que arrasavam cidade.

    O iderio higienista e a geografia mdica3

    Diversos autores destacaram a importncia do iderio higienista em suas obras como foi

    o caso de MUMFORD (1982), de LACAZ (1972) e de GLACKEN (1996). Esses autores mostram

    que a gnese desse iderio, isto , da inquietao com as condies ambientais e da sua

    relao com as condies de vida nas cidades, tm suas razes histricas nas teorias

    desenvolvidas por Hipcrates no sculo V a.C.

    Segundo GLACKEN (1996:106), a obra de Hipcrates intitulada Dos ares, das guas e

    dos lugares, constitui-se como el primer tratado sistemtico sobre las influencias del medio en la

    cultura humana e oferece relevantes subsdios para a histria da medicina, da geografia e da

    (1999), a reforma urbanstica haussmaniana conduzida pelo prefeito Pereira Passos, no incio do sculo XX, e por outros engenheiros mantiveram seus alicerces mergulhados nas teorias do solo e na higiene dos miasmas. 3 Atualmente esse tipo de conhecimento chamado tambm de Geografia da Sade em diversos pases com vasta bibliografia, porm no intuito do presente trabalho discutir a evoluo desse campo do conhecimento ao longo de toda sua histria, para isso melhor ver a tese de PEITER, Paulo Csar. Geografia da Sade na Faixa de Fronteira Continental do Brasil na Passagem do Milnio. Rio de Janeiro. UFRJ/IGEO/PPGG, 2005 ou ainda Pickenhayn, Jorge A. Fundamentos tericos de la geografa de la salud. Em Revista del Departamento de Geografia, San Miguel de Tucumn, Universidade Nacional de Tucumn, ao V. N 5. 1999, pp. 45 a 59, 1999.

  • antropologia. Glacken demonstra, cabalmente, que as contribuies de Hipcrates ultrapassam

    em muito a discusso da importncia e influncia do meio.

    Fatores como o clima e a relao com a temperatura foram determinantes para a

    construo de um carter distintivo da civilizao grega. Pode-se dividir a teoria do meio em dois

    pontos principais: um baseado na fisiologia, como no caso da teoria dos humores, e outro

    referente situao geogrfica; ambos os casos se encontram no Corpus Hippocraticum. Em

    geral as teorias do meio calcadas na fisiologia se desenvolveram a partir da bipolaridade sade-

    enfermidade ou ainda a partir da noo de equilbrio e falta de equilbrio humoral,

    respectivamente. A observao que aponta para as vantagens que certas cidades possuam em

    funo dos efeitos da altitude, possivelmente devido aos lugares altos estarem bem acima de

    reas pantanosas, um dos exemplos da aplicao da teoria do meio mencionada.

    A teoria humoral, que inicialmente estava embasada no corpo humano, logo foi

    transposta para a relao com o meio circundante, e a partir da relao de desequilbrio ento

    verificada (excesso de umidade), que se chegou a valorao negativa de diversas reas e usos.

    A teoria hipocrtica propunha que em terras quentes, pantanosas e florestadas com acumulao

    de gua estagnada, a populao no conseguia se desenvolver devido a esse excesso de gua,

    j que respirava um ar mido e turvo.

    Clarence J. Glacken (1996) discorre intensamente sobre outras influncias das ideias

    hipocrticas para a compreenso de problemas relacionados diversidade cultural, etnologia,

    arquitetura, entre tantas outras influncias, mas eles no sero objeto desta anlise.

    Luis Urteaga (1980) demonstra que os higienistas anteciparam as discusses sobre o

    problema da influncia do meio ambiente na vida do homem, que seriam mais tarde objeto de

    preocupao de eclogos e gegrafos. Segundo esse autor, o higienismo uma corrente de

    pensamento que se desenvolveu a partir do final do sculo XVIII, animada principalmente pelos

    mdicos.

    Partindo da ideia da grande influncia do entorno ambiental e do meio social sobre o

    desenvolvimento das enfermidades, os higienistas criticavam a falta de salubridade nas cidades

    industriais, assim como as condies de vida dos trabalhadores, propondo, a partir disso, uma

    srie de medidas de controle higinico-social, que pudessem contribuir para a melhoria das

    condies de salubridade da populao.

  • Os higienistas defendiam que as enfermidades eram um produto social, da a grande

    frequncia de se encontrar, em seus trabalhos, ampla gama de informaes sobre o meio

    geogrfico, econmico e social em que se desenvolviam as doenas. As investigaes empricas

    articuladas com a estatstica foram tambm pilares para os higienistas e a contribuio

    geogrfica para essas investigaes ficaram conhecidas, como j foi dito, como geografias e

    topografias mdicas.

    Para o presente estudo o mais relevante que os higienistas trataram tambm de

    problemas relacionados ao espao urbano, como a limpeza e a salubridade das cidades,

    fazendo aparecer preocupaes com determinados tipos de servios, usos e ambientes, como

    os cemitrios, os esgotos, os matadouros, os hospitais, os mangues etc. As inquietaes

    surgiam a partir dos efeitos desses usos, de sua localizao e da melhor forma de combat-los

    para evitar maiores prejuzos s populaes das cidades.

    Tanto URTEAGA (1980) como FOUCAULT (2004) do destaque ao mdico ingls

    Thomas Sydenham4. Para URTEAGA, Sydenham foi o grande sistematizador dos preceitos

    hipocrticos na Era Moderna5, pois deu destaque, no sculo XVII, relao entre a natureza

    (meio) e o aparecimento de doenas. Para FOUCAULT, a contribuio desse mdico foi

    fundamental para o desenvolvimento da nosografia, isto , dos tratados com descries ou

    explicaes das doenas. Porm, existem divergncias sobre o papel desempenhado pela obra

    do mdico ingls, uma vez que para Lain Entralgo (apud Urteaga,1980) as concepes de

    Sydenham esto mais ligadas a causas meteorolgicas, enquanto Michel Foucault (2004)

    sustenta que elas no possuem uma natureza autnoma, mas sim um complexo conjunto de

    acontecimentos naturais, tais como: qualidade do solo, climas, estaes do ano, chuvas, aridez,

    ambientes de pestilncia, penria etc. O mais importante a ressaltar que a partir de Sydenham

    a medicina europeia do sculo XVIII renovar a tradio hipocrtica, dando origem a uma

    corrente higienista que prestar especial vigilncia ao meio natural e uma singular ateno

    sua relao com os problemas patolgicos.

    Segundo ARMSTRONG (1983) a geografia mdica tornou se parte da filosofia grega e

    do ensino da medicina, alm de uma ferramenta de fundamental importncia para tratamentos

    4 Em diversas partes da sua obra O Nascimento da Clnica, Michel Foucault recorre aos estudos desse mdico e sua obra Mdicine Pratique, trad., Paris, 1784. 5 Segundo PEITER (2005) Guillaume Billou (1538-1616) foi o mdico francs que sistematizou essas ideias, aprofundadas posteriormente por Thomas Sydenham (1624-1689) na Inglaterra, quem criou a denominao constituio epidmica.

  • teraputicos e na elaborao de diagnsticos. Geralmente os pacientes sofriam um tipo de

    questionamento para saber a respeito dos lugares e como viviam. A partir desse levantamento

    os mdicos da poca poderiam sugerir tratamentos que poderiam designar mudanas no padro

    de comportamento, estilos de vida ou de ambiente. Segundo esse mesmo autor a geografia

    mdica tornou-se, assim, parte da medicina ocidental at o final do sculo XIX.

    no perodo oitocentista que as topografias mdicas ganham destaque no cenrio

    cientfico da poca. O estudo desses trabalhos de grande valia, pois destacavam

    caractersticas naturais dos lugares, estudos demogrficos, caractersticas sociais, urbanas e at

    agrrias. Vale ressaltar que o receiturio das topografias mdicas no era sempre o mesmo,

    dependia muito do que o autor queria privilegiar.

    Concordamos com URTEAGA (1980) quando diz que se ficarmos com os testemunhos

    dos mdicos-gegrafos do sculo XIX a geografia mdica pode ser definida como a cincia que

    estuda as relaes entre o ambiente fsico, social e o estado de sade da populao. Em uma

    topografia mdica de uma vila espanhola no ano de 1820 o autor da topografia traz a seguinte

    definio: a correlao que existe entre o clima, agricultura, temperamento, hbitos, costumes

    e doenas 6. Urteaga afirma tambm que em seu nvel mais geral podemos resumir a definio

    de geografia mdica no sculo XIX como o estudo do meio ecolgico-social e sua influncia

    sobre a sade das pessoas7.

    No Brasil a criao de instituies oficiais relacionadas a medicina no sculo XIX

    proporcionou o surgimento de geografias e topografias mdicas entre outros documentos que

    seguem as mesmas trilhas que nos ajudaro a entender, em parte, o papel da medicina como

    dispositivo de controle do espao urbano da poca.

    Ascenso do olfato e do medo

    A eficcia da teoria dos miasmas est associada ascenso, no imaginrio ocidental, de

    um sentido pouco considerado em perodos anteriores ao sculo XVIII que o olfato. CORBIN

    6 ARDEVOL, Jayme: Ensayo sobre la topografa y estadstica de la villa de Reus. Madrid, 1820. Disponvel em http://books.google.com.br/books/about/Ensayo_sobre_la_topografia_y_estad%C3%ADstic.html?id=0vt9Gq9ixzsC&redir_esc=y 7 Este autor chama a ateno que muitos autores usam indistintamente "Geografia" ou "Topografia" para se referir ao mesmo tipo de trabalho e que a diferenciao entre a geografia e a topografia mdica era algo mal abordado por estudiosos do tema. Para a melhor compreenso ver: URTEAGA, L. (1980), Miseria, miasmas y microbios. Las topografias medicas y el estudio del medio ambiente en el siglo XIX, Revista Geo Critica, n 29, set., Barcelona.

  • (1987) destacou a importncia dos sentidos, especificamente o olfativo, e suas interferncias no

    imaginrio social nos sculos XVIII e XIX. O elemento gua comeou a ser visto como um dos

    grandes responsveis pelas emanaes de odores ptridos considerados extremamente

    prejudiciais a sade. Descrevendo o aparecimento de uma hiperestesia coletiva em relao aos

    odores, Corbin explicita bem o horror que os ares da cidade, cheios de miasmas, causavam no

    perodo oitocentista.

    O ar de um lugar um caldo pavoroso no qual se misturam as fumaas, os enxofres, os

    vapores aquosos, volteis, oleosos e salinos que exalam da terra, e, se for o caso, as matrias

    fulminantes que ela vomita, a morrinha que sai dos pantanais (...) (CORBIN, 1987: 21).

    O autor chamou tambm a ateno para a obra de Condillac, sobretudo o Ensaio sobre

    as origens dos conhecimentos humanos (1746) e, principalmente, o Tratado das sensaes

    (1754), que seriam obras de grande estima para os estudos sobre a valorao dos sentidos.

    HAZARD (1946) tambm ressaltou a obra de Condillac sobre as sensaes. Para

    Condillac, nossos conhecimentos procederiam dos sentidos e nossas sensaes no seriam

    mais do que modos de ser. O mundo exterior existiria e o sentiramos pela resistncia que

    exporamos aos objetos exteriores a ns. Essas consideraes sobre a valorizao dos sentidos,

    principalmente do olfato, so importantes no contexto oitocentista, pois at ento o olfato era

    pouco considerado em relao a outros sentidos tidos como mais nobres pela cincia, em

    especial a viso. Essa valorizao do sentido olfativo tambm ter grandes consequncias no

    imaginrio social carioca no perodo oitocentista e perdurar, com menor fora, at ao sculo

    XX.

    Yi-Fu Tuan (2005), no livro Paisagens do medo, discorre sobre o medo das doenas e

    em diversos pontos menciona a fobia que alguns lugares causavam devido aos eflvios

    malvolos, que supostamente produziam. O autor destaca que no sculo XIX a cincia mdica,

    em grande parte, j tinha se separado das explicaes associadas aos espritos, demnios e

    elementos astrolgicos mais rudimentares, mas ainda se manteve aferrada s preocupaes de

    praxe: o ar e a gua.

    A partir da teoria dos miasmas, a relao entre o ar e o odor se constitui em pea

    fundamental para a valorao negativa de diversos ambientes, sobretudo, das reas paludosas.

    Michel Foucault (2003:51) descreve o surgimento do medo urbano no seu clssico Microfsica do

    Poder:

  • Nasce o que chamarei medo urbano, medo da cidade, angstia diante da cidade que vai se

    caracterizar por vrios elementos: medo das oficinas e fbricas que esto se construindo, do

    amontoamento da populao, das casas altas demais, da populao numerosa demais;

    medo, tambm, das epidemias urbanas, dos cemitrios que se tornam cada vez mais

    numerosos e invadem pouco a pouco a cidade; medo dos esgotos, das caves sobre as quais

    so construdas as casas que esto sempre correndo o perigo de desmoronar.

    Esses medos citados por Michel Foucault sero utilizados por diversos agentes

    modeladores do espao urbano no perodo oitocentista na cidade do Rio de Janeiro.

    A Medicina social

    A medicina social um vasto campo de conhecimento, que engloba diversas reas

    cientficas, como as cincias biomdicas e as cincias sociais. Destacamos a medicina social,

    pois diversos mdicos no Brasil tiveram sua formao na Frana e trouxeram como bagagem a

    influncia desse campo de conhecimento. No presente trabalho, vamos discuti-la atravs,

    principalmente, da contribuio de Michel Foucault, que trabalhou com a gnese desse campo

    do conhecimento. O filsofo destaca que a medicina social, de maneira geral, pode ser dividida

    em trs tipos: (a) a medicina de Estado que se desenvolve na Alemanha, (b) a medicina dos

    trabalhadores na Inglaterra e (c) a medicina urbana francesa, sendo esta ltima a que seria mais

    difundida no Brasil. Segundo FOUCAULT (2003), ao surgir, a medicina social praticada na

    Frana tinha trs grandes objetivos:

    Analisar os lugares de acmulo e amontoamento de tudo que, no espao urbano, podia

    provocar doena, lugares de formao e difuso de fenmenos epidmicos ou

    endmicos. nfase especial era dada aos que passaram a ser alvo de protesto nos 1740

    1750; datam de mais ou menos 1780, as primeiras grandes emigraes de cemitrios

    para a periferia da cidade.

    Controlar a circulao. No a circulao dos indivduos, mas das coisas ou dos

    elementos, essencialmente da gua e do ar. Da a questo dos ares infecciosos,

    culpados pelas epidemias.

    Organizar distribuies e seqncias. Onde colocar os diferentes elementos necessrios

    vida comum da cidade? Como, por exemplo, o problema da posio recproca das

    fontes e dos esgotos. Como evitar que se aspire gua de esgoto nas fontes onde se vai

    buscar gua de beber? Essa desordem foi considerada, na segunda metade do sculo

  • XVIII, responsvel pelas principais doenas epidmicas das cidades. Da a elaborao

    do primeiro plano hidrogrfico de Paris, em 1742.

    Podemos ento perceber que, a partir do processo de adensamento urbano francs,

    surgiram preocupaes especficas quanto de usos nocivos que se formavam nas cidades. As

    inquietaes e discusses giravam em torno das noes de insalubridade e salubridade. Sobre

    isso, assim falou FOUCAULT (2003:93)

    Salubridade no a mesma coisa que sade, e sim o estado das coisas, do meio e seus

    elementos constitutivos, que permitem a melhor sade possvel. Salubridade a base

    material e social capaz de assegurar a melhor sade possvel dos indivduos. E

    correlativamente a ela que aparece a noo de higiene pblica, tcnica de controle e de

    modificao dos elementos materiais do meio que so suscetveis de favorecer ou, ao

    contrrio, prejudicar a sade. Salubridade e insalubridade so o estado das coisas e do meio

    enquanto afetam a sade; a higiene pblica (...)

    Esses objetivos da medicina social, to bem discutidos por Michel Foucault, podem ser

    claramente percebidos na cidade do Rio de Janeiro no sculo XIX e incio do sculo XX. Como

    chama ateno ABREU (1997), quando fala sobre a construo das redes de infraestrutura

    carioca, a preocupao com a gua e o ar foi uma constante das autoridades, assim como a

    preocupao com os ambientes que poderiam causar doenas como os matadouros, os

    mangues, brejos etc.

    Deve-se destacar ainda que as epidemias e as teorias higienistas foram ferramentas de

    fundamental importncia para o discurso poltico do Estado, pois atravs delas foi possvel

    implantar normas e mecanismos de controle da sociedade e do espao. LUZ (1982) demonstrou

    bem como o conceito de epidemias, por exemplo, no est enraizado no biolgico, mas

    apresenta-se carregado de sentido poltico. Seguindo esta mesma linha de raciocnio,

    MACHADO (1978) afirmou que a Medicina Social se caracteriza por uma forma de controle

    constante, por uma vigilncia continua sobre o espao e o tempo sociais. A luta contra as

    epidemias, portanto, obedece a um comando poltico e no mdico.

    A inteno da Medicina Social no era devolver a sade aos indivduos, mas sim a

    sade s cidades, isto , objetivava a ordem urbana e isso era feito atravs do enquadramento

    social e do controle da populao, inclusive modificando seus usos e costumes. A doena das

    cidades encontrava no mau funcionamento das instituies, na desordem, no desregramento

    moral, no crescimento desordenado, nas montanhas e pntanos que exalavam miasmas as suas

  • principais causas. (ibidem).

    Os saberes cientficos, que se consolidaram na Europa durante o sculo XVIII, ecoaram

    com fora no Brasil do sculo XIX e no s modificaram a paisagem urbana da cidade do Rio de

    Janeiro, como estimularam o nascimento de novas sensibilidades, alterando a forma de

    pensamento das pessoas. Por fim, contriburam para modificar a relao entre os habitantes e o

    espao em que viviam.

    Para legitimar o crescente poder dos mdicos no Brasil, D. Joo VI fundou vrias

    instituies e tambm incentivou a imigrao de profissionais europeus de medicina. Foi tambm

    no sculo XIX que surgiram no Rio de Janeiro as instituies mais importantes de medicina da

    poca, instituies estas que estavam embebidas dos ideais vindos, principalmente, da Frana.

    O aumento do nmero de epidemias, a partir de meados do sculo XIX, acabou por fornecer a

    medicina social o estmulo que ainda lhe faltava para se tornar um pensamento dominante.

    O filsofo francs Michel Foucault (2003) faz um questionamento sobre as inquietaes

    mdicas e polticas que dominavam o espao francs no sculo XVIII e estas servem tambm

    para a realidade carioca do sculo XIX. Que medidas sero tomadas para dominar os

    fenmenos mdicos e polticos que inquietam to fortemente a populao das cidades,

    particularmente a burguesia?

    Dispositivos de controle do espao carioca

    A instalao da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro em 18298 foi um marco

    divisrio para a institucionalizao e propagao dos saberes mdicos na cidade. Apesar de

    outras instituies terem surgido antes o papel desta sempre foi de destaque e sua criao

    coincide com o vertiginoso crescimento do nmero de bitos por epidemias na cidade.

    No Discurso Inaugural da instalao da Sociedade de Medina do Rio de Janeiro em

    1830 podemos perceber algumas questes levantadas aqui anteriormente. Incialmente e

    obviamente o autor do discurso enaltece Hipcrates e a Grcia quando diz que:

    Os templos colocados nos lugares mais salubres, eram verdadeiras casas de sade, onde

    as regras de Higiene, ento conhecidas, se executavam com o maior rigor. Para eles

    concorria um nmero prodigioso de doente, que procuravam abrandar a clera dos Deuses a

    que se atribuam as molstias; e como os Sacerdotes reconhecessem que as bnos, e as

    cerimnias religiosas no eram bastantes. (...) Finalmente apareceu Hipcrates 7 Sacerdote

    8 Podemos ainda destacar outras instituies mdicas criadas no sculo XIX na cidade do Rio de Janeiro como a: Academia Mdico-Cirrgica em 1815, Faculdade de Medicina em 1832, Instituto Homeoptico em 1843, Instituto Vacnico em 1842, Junta Central de Higiene Pblica em 1850, etc.

  • do mesmo, e da famlia dos Asclepades, que com uma nobre candura, renuncia reputao

    de santidade concedida a seus antepassados, divulga toda a experincia que lhes era

    prpria, verifica-a com a sua, e assegura para sempre os progressos da Arte de curar9.

    Continua seu discurso enaltecendo um campo de conhecimento cada vez mais

    importante para a medicina e para a cincia da poca como um todo que, na sua viso, a

    qumica. Ora, num momento onde o ar e a matria em putrefao so pilares cientficos,

    nada mais natural do que exaltar a qumica. Refora a opinio de que uma boa sade

    pblica condio primordial de uma sociedade moderna.

    (...) no percamos jamais de vista, que se a sade pblica o resultado de uma civilizao

    j avanada, ela tambm o seu mais certo indcio, e que todas as vezes que virmos um

    povo doentio, sujeito a epidemias, a endemias, ou a um nmero excessivo de molstias

    espordicas podemos logo concluir, que ele ignorante, mal governado, sujeito a leis

    tirnicas e inaplicveis, e que quando mesmo alguma causa natural se ope sua sade, se

    a tirania no sufoca no corao do homem este desejo que lhe natural de melhorar a sua

    sorte, nada h que ele no possa vencer com assiduidade e constncia. Lembrai-vos do

    Egito, vede os Estados Unidos, e vs me direis se a febre amarela continua a fazer os

    mesmos estragos (ibidem)

    Por ltimo acentua a necessidade de ordenar o espao urbano, como por exemplo,

    nortear os arquitetos para que se atentem com a circulao das pessoas e tambm do ar no

    intuito de diminuir as chances de propagao de doenas. O autor mostra ainda a preocupao

    de controlar as epidemias a partir do combate a usos e ambientes considerados malsos entre

    outras normatizaes para uma cidade salubre e imperativo a elaborao de topografias

    mdicas para o conhecimento de diversos fatores naturais e sociais da cidade. Vale destacar

    que a estatstica tornava-se cada vez mais importante no meio cientfico da poca e as

    geografias e topografias mdicas ofereciam muitos dados estatsticos dos lugares que

    descreviam.

    (...) e talvez que um projeto digno da vossa Sociedade seria propor para as nossas

    provncias essas Topografias mdicas de que a Frana, e a Alemanha tm sabido dar to

    belos exemplos ao mundo, e que sem dvida, vista a diversidade de climas, constituiriam

    entre ns a resultados muito mais brilhantes: por meio de pequenas associaes mdicas em

    cada Capital viramos a conhecer minuciosamente de uma parte todas as condies fsicas

    apreciveis da atmosfera, e do solo: a umidade, a temperatura, a eletricidade, as

    estaes, a natureza do terreno, as suas produes, o nmero de indivduos que

    nascem, os que morrem, de que molstias, e com que relaes entre os sexos, as

    idades, os temperamentos, os ofcios (grifo meu), e assim podamos obter as solues de

    vrias questes relativas s epidemias ou endemias, que existam ou possam existir no nosso

    9 Discurso inaugural que na sesso pblica da instalao da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro recitou Jos Martins da Cruz Jobim. Rio de Janeiro: Typ. do Dirio, 1830.

  • pas, e cujo estudo, e tratamento vos podero ser confiados nessas ocorrncias difceis,

    como vs mesmos o declarastes nos vossos Estatutos. (ibidem)

    Diversas teses mdicas produzidas nesse perodo demonstravam a necessidade de

    extinguir as reas alagadias da cidade, assim como a regularizao ou mesmo a expulso da

    cidade de alguns usos considerados insalubres, como no caso dos cemitrios e dos mangues.

    O relatrio dos trabalhos da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro elaborado pelo

    doutor Luiz Vicente de Simoni em 1830, j mostrava uma grande preocupao com os

    ambientes de mangues da cidade. Ao discursar sobre a geografia da cidade e sua influncia nas

    perniciosidades, o mdico afirmava que a cidade era cortada por terras argilosas e, por isso,

    mais sujeita s febres intermitentes. Defendia, ento, que a remoo desse tipo de ambiente era

    de fundamental importncia para que se assinalasse entre os cariocas os primeiros passos para

    a civilizao e o estabelecimento de sistemas polticos e filosficos. Deve-se ressaltar que, na

    dcada de 1830, o Rio de Janeiro j estava sendo assolado por algumas epidemias.

    O mdico-naturalista alemo Robert Christian Berthold Av-Lallemant fez observaes

    acerca da epidemia de febre amarela do ano de 1850, a pior at ento, e demonstrou toda a sua

    apreenso sobre determinados ambientes e usos intra-urbanos. De interesse a analogia que

    apresentou sobre o Golfo do Mxico e a baa do Rio de Janeiro, onde a mistura mortfera da

    gua doce com gua salgada (mangue), gerava temveis prejuzos, pois criava um ambiente rico

    em germes que causavam febres perniciosas.

    Devido ao carter do artigo no poderemos nos estender muito sobre as teses mdicas

    analisadas, porm podemos dizer que as teses mdicas da poca ps-1850 mostram os

    ambientes palustres e alguns usos com valorao extremamente negativa. A partir desse

    momento, meados do sculo XIX, as autoridades competentes iro adotar essa valorao para

    combater estes ambientes e usos, o que veio muito a calhar para o crescimento urbano do Rio

    de Janeiro.

    A batalha contra os mangues

    Analisaremos o caso do Mangue da Cidade Nova e j adiantamos que no

    pretendemos, aqui, explicar em detalhe o Mangue da Cidade Nova como rea, apenas, de

    suporte de diversos acontecimentos no decorrer do tempo. mister, entretanto, analisar

    como ocorreu seu desaparecimento, destacando seu papel no perodo oitocentista e os

    motivos que levaram a sua supresso.

  • Atravs da vasta bibliografia sobre o centro da cidade em tempos pretritos, alm das

    fontes primrias, podemos localizar o Mangue da Cidade Nova. Ele era formado,

    aproximadamente, pela rea constituda na atualidade pelas margens do Canal do Mangue,

    ocupadas pelo Gasmetro, a estao da Leopoldina, a Rodoviria Novo Rio e as instalaes da

    Companhia de Docas, abrangia tambm o Trevo das Foras Armadas at a Praa Onze.

    A primeira notcia concreta de que temos notcia, destinada a fazer desaparecer o

    manguezal tem lugar em 1811, quando o Prncipe regente reconhecendo o crescimento cada

    vez mais impetuoso da cidade, e, por conseguinte, a maior necessidade de criar habitaes para

    seus moradores, resolveu incentivar a ocupao do lugar denominado Cidade Nova, e isentou

    do pagamento da Dcima Urbana10 aquelas construes que fossem ali realizadas.

    Havia algumas exigncias quanto forma das habitaes para que se determinasse o

    tempo de iseno de pagamento do mencionado imposto. Assim, todos que edificassem casas

    de sobrado na Cidade Nova, ou em qualquer rea pantanosa ficariam isentos de pagar a Dcima

    no perodo de dez anos. A iseno servia para casas de um sobrado com menos de cinco portas

    ou janelas de frente. J para casas com mais de um sobrado ou de cinco portas ou mais janelas

    de frente, o perodo de iseno chegava a vinte anos. Por ltimo, a lei de 1811 determinava que

    ningum edificasse casas trreas no bairro da Cidade Nova, o que demonstra claramente, o

    intuito de aumentar a densidade populacional da rea. A noo de salubridade tambm estava

    presente na determinao do Prncipe Regente, mesmo que ainda com pouca consistncia, pois

    nela existe uma pequena meno de que os enxugamentos e aterros das reas pantanosas

    seriam de utilidade por trazerem benesses sade pblica.

    Pesquisando sobre mangues nos emaranhados Cdices do Arquivo Geral da Cidade do

    Rio de Janeiro, encontramos diversos documentos chamados termos de medio de marinhas e

    mangues, que incluam toda a rea do Mangue da Cidade Nova, dentre outras localidades.

    Embora, a estrutura e at mesmo as informaes contidas nos termos de medio tenham

    variado muito com o tempo, dificultando, sobretudo, a sistematizao das informaes ali

    encontradas, conseguimos fazer bom uso deles.

    10 Este imposto era, a princpio, cobrado apenas no Municpio da Corte, o Rio de Janeiro, mas pouco depois foi estendido s "cidades, vilas e lugares notveis situados beira-mar. A Dcima Urbana converteu-se, muito mais tarde, no Imposto Predial e Territorial Urbano, que subsiste at hoje. As Superintendncias e as Juntas da Dcima Urbana foram extintas pela Lei de 27/8/1830. Fonte: Leis do Brasil, 1808-1830.

  • de se destacar tambm que os documentos revelavam, a obrigatoriedade de se aterrar

    os terrenos alagadios pertencentes ao Mangue da Cidade Nova. O no cumprimento desse

    dever implicaria a destituio da posse do terreno.

    Apoiado no discurso dos mdicos, principalmente aps a grande epidemia de febre

    amarela de 1850, a Cmara decidiu intensificar o ritmo dos aterros. Para isso foi encomendada,

    pela prpria Cmara, em 1851, a planta topogrfica de todo o mangal, o que permitiria seu

    posterior aterro e tambm a construo do Canal do Mangue, obra do empreendedor Baro de

    Mau11. Na documentao dessa dcada, nota-se tambm que a Casa de Correo continua

    seus trabalhos de aterros. Infelizmente no conseguimos acesso planta topogrfica

    mencionada, pois seria de imensa valia para o presente estudo.

    Com o poder de mobilidade aumentando devido aos dessecamentos do referido mangal,

    as classes sociais pressionaram o Estado para facilitar, ainda mais, a circulao intra-urbana.

    Atrelada aos ideais higienistas da poca, essa presso ajudou ainda mais a conquista do stio,

    em especial dos alagadios da cidade.

    Com as epidemias continuando a devastar grandes contingentes populacionais, e o peso

    da influncia do pensamento mdico ainda podia ser sentido na dcada de 1870, pois apesar da

    vasta parte paludosa do Saco de So Diogo, como era chamada anteriormente, j estar

    aterrada, ainda resistiam terrenos alagados neste stio. Por essa razo, o Decreto n 6.199 de

    17/05/1876 declarou ser de utilidade pblica a desapropriao de diversos terrenos baixos e

    pantanosos no lugar denominado Mangue da Cidade Nova. Neste decreto, a Princesa Imperial

    Regente, em nome do Imperador, afirmava que era urgente a extino dos pntanos que ainda

    restavam, reconhecidamente prejudiciais sade pblica.

    A partir de 1880 no encontramos mais referncias ao Mangue da Cidade Nova nos

    termos de medio e ainda data dessa poca o decreto n. 181, de 8 de maro de 1879 que

    concedeu ao Dr. Posidnio de Carvalho Moreira autorizao para, por si ou por uma empresa,

    arrasar o Morro do Senado e aterrar os pntanos que ainda restavam na cidade no Rio de

    Janeiro. O desmonte do morro, j vinha sendo feito lentamente, mas seria agora intensificado.

    Acabaria por se realizar, cabalmente, na virada do sculo. Foi com o material dele retirado que

    11 No final da dcada de 1850, finalmente, o contrato para a construo do Canal do Mangue, obra

    emblemtica de todo o processo que estavam tentando se construir, foi assinado. Este canal constituiria uma das obras de maior repercusso do sculo XIX e tambm um dos maiores fracassos da engenharia de ento, sobretudo pela sua incapacidade de ser navegvel.

  • se completou, em grande parte, o prolongamento do Canal do Mangue e a extino das ltimas

    partes alagadas do antigo Saco de So Diogo.

    A batalha contra os cemitrios

    Antes de adentrarmos no problema dos cemitrios necessrio voltar um pouco no

    tempo, pois a dinmica espacial entre vivos e mortos foi conflituosa desde muito antes. A

    convivncia entre esses dois mundos sofreu diversas alteraes desde a antiguidade. Pode-se

    perceber tal fenmeno atravs da Lei das Doze Tbuas em Roma, que proibia o enterro in urbe,

    isto , os cemitrios eram fora da cidade, como por exemplo, os cemitrios de Via pia e os

    Alyscamps, em Roma e Arles respectivamente como destacou ARIS (1998).

    No sculo XVII, por exemplo, comea o surgimento de alguns vestgios de incmodo da

    coexistncia dos vivos e dos mortos. Percebe-se isso em um texto de 1657. Em meio a esta

    balbrdia (escribas pblicos, lavadeiras, livreiros vendedoras de roupas de segunda mo, etc.),

    dever-se-ia fazer um sepultamento, abrir um tmulo e retirar os cadveres ainda no

    consumidos; assim, mesmo com o tempo mais frio, o cho do cemitrio exalava odores

    ftidos12. Nota-se, claramente, uma ideia de profanao que representa essa coexistncia entre

    vivos e mortos.

    O que queremos ressaltar que essa coexistncia dos vivos com os mortos no foi nada

    pacfica atravs dos tempos. Houve o perodo em que a coexistncia era tolerada devido ao

    pensamento religioso de ser enterrado perto dos santos. Mas o crescimento das cidades e o

    subsequente adensamento populacional, junto ao pensamento moderno e os medos urbanos j

    mencionados aqui, vo conduzir mudanas no espao das cidades, principalmente na forma-

    aparncia, disciplinando o espao, normatizando- o.

    Voltando a cidade carioca, comea em meados do sculo XIX o combate aos

    sepultamentos dentro das igrejas calcado no discurso de inmeros mdicos que defendiam a

    tese de que os mortos emanavam ares doentios. Foi uma poca em que podemos utilizar a ideia

    de CORBIN (1987) dos plos de vigilncia olfativa, poca do surgimento dos cemitrio pblicos

    fora dos limites da cidade propriamente dita.

    Atravs do discurso mdico calcado nos ares infecciosos surge a noo de

    externalidade negativa dos cemitrios, isto , morar perto de um lugar destinado aos enterros

    12 Berthold, La Ville de Paris, en vers burlesques.Journal dun voyage Paris, en 1657, citado por V. Dufour en Paris travers les ges, Paris, Laporte, 1875-1882, vol. II.

  • considerado extremamente desagradvel. Inclusive um dos motivos citados pelos moradores das

    reas lindeiras dos novos cemitrios, agora pblicos, na cidade e direcionado aos governantes,

    era a desvalorizao de seus imveis.

    As irmandades religiosas da Corte entraram em choque em defesa de seus interesses,

    como foi o caso da Ordem Terceira de So Francisco de Paula, que queria conservar o seu

    cemitrio, localizado no Catumbi. Essa exclusividade incomodou as outras irmandades, uma vez

    que no poderiam manter os seus enterros dentro dos templos, tendo que arcar com custos de

    aquisio de novo terreno onde o governo estabeleceria os cemitrios pblicos da cidade.

    A questo da localidade dos cemitrios tambm tinha as suas normas para a

    construo, o primeiro passo era nomear uma comisso composta de mdicos e um engenheiro

    para indicarem o lugar que melhor satisfizesse em termos de salubridade.

    Depois de vrias negociaes, ficou definido que os cemitrios pblicos ficariam em

    reas afastadas da vizinhana dos vivos, no antigo subrbio da cidade, um com o nome de So

    Francisco Xavier, situado na ponta do Caju, e o outro com a denominao de So Joo Batista,

    localizado nas proximidades da Lagoa Rodrigo de Freitas. No Rio de janeiro, no houve tanta

    intensidade ou revoltas de grande porte contra a lei do cemitrio pblico, isso ocorreu devido

    algumas especificidades da cidade carioca.

    Primeiramente, por ser a sede da corte, a presena desse poder, numa poca de

    consolidao e centralizao poltica, foi um dos pretextos para o cumprimento da lei pelas

    irmandades religiosas. Segundo, o saber mdico foi melhor disseminado no Rio de Janeiro do

    que em outras localidades, justificando a expulso dos mortos da proximidade dos vivos, depois,

    pela prpria aceitao do discurso mdico por parte do clero, e, por ltimo, o fato da

    administrao dos cemitrios pblicos ter ficado a cargo da Santa Casa da Misericrdia, o que

    influenciou para acalmar os nimos, tanto do clero, quanto da populao, uma vez que a Santa

    Casa era uma entidade religiosa, diferentemente do aconteceu em outras reas do Brasil como

    no caso de Salvador na Bahia, onde a administrao ficou por conta de uma empresa privada, o

    que contribuiu decisivamente para a revolta popular.

    Consideraes finais

    Trabalhar com o mtodo da geografia histrica significa no trabalhar com o

    passado propriamente dito, mas com fragmentos que ele deixou, tendo o cuidado de pensar que

  • estes, por sua vez, no so documentos neutros, isto , podem incorporar estruturas de poder

    do seu tempo.

    Percebemos que as teorias higienistas, principalmente as baseadas nos miasmas,

    serviram como ferramentas para auxiliar as intervenes de diversos agentes da poca,

    mormente o Estado no desaparecimento do grande Mangal da Cidade Nova e na mudana de

    localizao dos cemitrios. Todavia, apreendemos tambm que, devido sua posio, o Mangal

    de So Diogo estaria, de uma forma ou de outra, condenado a supresso. A transformao dos

    mangues em viles no perodo oitocentista apenas acelerou o processo de sua destruio.

    No caso dos cemitrios as teorias higienistas vo trazer os olhares para os mortos da cidade.

    quando comea a batalha contra os enterros dentro das igrejas e de cemitrios eclesisticos que ficavam

    dentro da cidade. Isso vai ferir alguns princpios e interesses, causando uma srie de conflitos que sero

    superados, apresentando a vitria de um discurso que tinha a inteno de limpar a cidade dos ares

    infecciosos. Separam-se os usos na cidade carioca, os usos sujos, como os cemitrios, no podem viver

    juntos com uma classe mais abastada.

    Foi neste que se desenvolveu uma medicina autoritria e assistencialista, preocupada com o

    controle da populao, principalmente, pobre. Atravs de mtodos intervencionistas, procurava-se

    "higieniz-las", com a preocupao voltada para o asseio e embelezamento da cidade. Percebe-se,

    dentro desse contexto, um objetivo muito mais poltico do que social.

    Em suma, percebe-se como as autoridades e a elite, utilizaram um tipo de saber como

    dispositivo para o esquadrinhamento urbano da cidade do Rio de Janeiro, isso demonstra como num

    determinado momento histrico, mecanismos de controle so utilizados para intervir nas questes sociais

    e tambm espaciais e a geografia mdica foi importante ferramenta para acelerar mudanas na

    organizao interna da cidade do Rio de Janeiro no sculo XIX.

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