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GRAVEL ISSN 1678-5975 Novembro - 2005 Nº 3 85-102 Porto Alegre Gênese dos Sedimentos da Plataforma Continental Atlântica entre o Rio Grande do Sul (Brasil) e Tierra del Fuego (Argentina) L. R. Martins 1 ; C. M. Urien 1 & I. R. Martins 1 1 South West Atlantic Coastal and Marine Geology Group. RESUMO Foram identificadas e classificadas conforme seus aspectos litológicos e morfológicos na plataforma continental do sul do Brasil, do Uruguai e da Argentina quatro grandes unidades, denominadas de: Rio Grande do Sul / Uruguai, Buenos Aires, Patagônia e Tierra del Fuego, O estudo da evolução paleogeográfica do Quaternário através de episódios transgressivos / regressivos e as proeminentes feições esculpidas, bem como os tipos de sedimentos desenvolvidos na área, representam uma base importante na compreensão da origem, idade e ambientes da seqüência sedimentar. As rochas fontes continentais dessas quatro unidades descritas na área contribuíram com sedimentos, mobilizados ao longo da planície costeira e da margem continental através de processos fluviais, fluvioglaciais e costeiros (praias, restingas, deltas, estuários). Os sedimentos ocorrentes na área estudada são produtos desses diferentes ambientes desenvolvidos durante eventos do Pleistoceno / Holoceno relacionados com o conceito dinâmico do tipo onlap/offlap, provenientes do retrabalhamento do material sedimentar liberado das terras altas continentais adjacentes. Eles apresentam diferentes estágios de maturidade textural e mineralógica, de acordo com o controle climático e o nível de energia do agente depositante. Sedimentos autóctones ocorrentes seja em água rasa como profunda (mas de idade distinta), estão representados especialmente por carbonato bioclástico (conchas, fragmentos de conchas e de arenito de praia e de coquinas) enquanto os componentes autigênicos estão representados por concreções fosfáticas e areias glauconíticas. ABSTRACT Four large units: Rio Grande do Sul / Uruguay, Buenos Aires, Patagonia and Tierra del Fuego, classified according to continental lithological and morphological aspects, were identified along Southern Brazil, Uruguay and Argentina continental shelf. The study of the Quaternary paleogeographic evolution through transgressive / regressive episodes and its prominent sculptured features and types of sediments developed in the area are an important base to the understanding of the origin and environments of the sedimentary sequence. Continental source rocks of these four units described in the region contributed to the formation of sediments initially mobilized along the Pleistocene coastal plain and margin, through fluvial, and sometimes fluvioglacial and nearshore processes. The sediments currently occurring in the margin are products of different environments developed during Pleistocene / Holocene events related with an onlap / offlap dynamic concept with a primary provenance from the reworked material delivered by the adjacent highlands continental rocks. The sediments show different stages of mineralogical and textural maturity, following a climate control and the energy level of the depositional agent. Autochtonous sediments present either in shallow or deep waters (of diverse ages) are mainly bioclastic carbonate, while authigenic components are represented by phosphorite concretions and glauconitic sands. Palavras chave: gênese, sedimentos, plataforma continental.

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Page 1: Gênese dos Sedimentos da Plataforma Continental Atlântica entre o

GRAVEL ISSN 1678-5975 Novembro - 2005 Nº 3 85-102 Porto Alegre

Gênese dos Sedimentos da Plataforma Continental Atlântica entre o Rio Grande do Sul (Brasil) e Tierra del Fuego (Argentina) L. R. Martins1; C. M. Urien1 & I. R. Martins1 1 South West Atlantic Coastal and Marine Geology Group.

RESUMO Foram identificadas e classificadas conforme seus aspectos litológicos e

morfológicos na plataforma continental do sul do Brasil, do Uruguai e da Argentina quatro grandes unidades, denominadas de: Rio Grande do Sul / Uruguai, Buenos Aires, Patagônia e Tierra del Fuego,

O estudo da evolução paleogeográfica do Quaternário através de episódios transgressivos / regressivos e as proeminentes feições esculpidas, bem como os tipos de sedimentos desenvolvidos na área, representam uma base importante na compreensão da origem, idade e ambientes da seqüência sedimentar.

As rochas fontes continentais dessas quatro unidades descritas na área contribuíram com sedimentos, mobilizados ao longo da planície costeira e da margem continental através de processos fluviais, fluvioglaciais e costeiros (praias, restingas, deltas, estuários).

Os sedimentos ocorrentes na área estudada são produtos desses diferentes ambientes desenvolvidos durante eventos do Pleistoceno / Holoceno relacionados com o conceito dinâmico do tipo onlap/offlap, provenientes do retrabalhamento do material sedimentar liberado das terras altas continentais adjacentes. Eles apresentam diferentes estágios de maturidade textural e mineralógica, de acordo com o controle climático e o nível de energia do agente depositante.

Sedimentos autóctones ocorrentes seja em água rasa como profunda (mas de idade distinta), estão representados especialmente por carbonato bioclástico (conchas, fragmentos de conchas e de arenito de praia e de coquinas) enquanto os componentes autigênicos estão representados por concreções fosfáticas e areias glauconíticas.

ABSTRACT Four large units: Rio Grande do Sul / Uruguay, Buenos Aires, Patagonia and

Tierra del Fuego, classified according to continental lithological and morphological aspects, were identified along Southern Brazil, Uruguay and Argentina continental shelf.

The study of the Quaternary paleogeographic evolution through transgressive / regressive episodes and its prominent sculptured features and types of sediments developed in the area are an important base to the understanding of the origin and environments of the sedimentary sequence.

Continental source rocks of these four units described in the region contributed to the formation of sediments initially mobilized along the Pleistocene coastal plain and margin, through fluvial, and sometimes fluvioglacial and nearshore processes.

The sediments currently occurring in the margin are products of different environments developed during Pleistocene / Holocene events related with an onlap / offlap dynamic concept with a primary provenance from the reworked material delivered by the adjacent highlands continental rocks.

The sediments show different stages of mineralogical and textural maturity, following a climate control and the energy level of the depositional agent.

Autochtonous sediments present either in shallow or deep waters (of diverse ages) are mainly bioclastic carbonate, while authigenic components are represented by phosphorite concretions and glauconitic sands.

Palavras chave: gênese, sedimentos, plataforma continental.

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Gênese dos Sedimentos da Plataforma Continental Atlântica entre o Rio Grande do Sul (Brasil) e Tierra del Fuego (Argentina)

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INTRODUÇÃO A plataforma continental do sul do

Brasil, Uruguai e da Argentina compreende quatro grandes unidades regionais: Rio Grande do Sul / Uruguai, Buenos Aires, Patagônia e Tierra del Fuego (Fig. 1), descritas originalmente por URIEN (1970).

Os setores propostos relacionam-se com as principais unidades morfo-estruturais da costa Atlântica da América do Sul, presentes nessa região, ou seja, o escudo brasileiro, as formações do pampa, o platô patagônico e a cordilheira da Tierra del Fuego.

A região estudada situa-se entre as latitudes de 29° S e 55° S, apresentando uma largura variável de 120 km ao norte, aumentando gradativamente em direção ao sul, a partir da latitude 32° S, até atingir 380 km de largura na altura das ilhas Malvinas. A profundidade na zona de quebra varia de 180 a 60 m.

Com relação ao Quaternário, em razão dos estudos realizados até o momento, é possível reconhecer uma série de ambientes deposicionais resultantes da transgressão holocênica e provavelmente remanescentes de seqüências sedimentares vinculadas à última regressão do Pleistoceno. A distinção efetuada entre feições topográficas erosionais e / ou deposicionais combinada com as propriedades mecânicas e mineralógicas dos sedimentos, conduziram à preparação de documentos expressivos relativos à história de transporte e deposição dos sedimentos presentes.

Segundo URIEN & MARTINS (1989a), desde o final da última glaciação pleistocênica, o nível do mar começou a elevar-se de sua posição mais baixa, iniciando uma transgressão marinha que marcou o início do Holoceno. Na margem continental Atlântica, o registro geológico mostra numerosas seqüências sedimentares com indicativos da presença de flutuações no nível do mar desde a abertura oceânica. Paleoplataformas e paleodeltas como resposta aos processos de transgressão / regressão foram reconhecidos através de perfis sísmicos de reflexão, com a identificação de sistemas de estratos progradantes e retrogradantes (onlap/offlap).

O Pleistoceno comportou-se dessa forma em relação ao nível do mar, gerando pelo menos dois salientes estágios representados por

uma paisagem regressiva (lowstand system track) quando o nível do mar atingiu sua posição mais baixa. A plataforma continental foi convertida em uma extensa planície costeira, na qual desenvolveu-se um sistema fluvial, cujos rios atingiram a borda da plataforma, construindo uma série de complexos deltaicos, a maioria deles conectados com canyons submarinos e leques, produzindo depocentros como um prisma sedimentar na elevação continental, como o Cone de Rio Grande (desenvolvido a partir do Mioceno) (MARTINS, 1984).

Na região mais ao sul, nas vizinhanças das áreas continentais glaciadas, depósitos periglaciais e fluvioglaciais foram distribuídos como planos de pseudo-till sobre a plataforma exposta.

Mais tarde, ao final do estágio de nível de mar baixo, este se elevou e começou a inundar a planície costeira, os deltas, estuários e outros ambientes transicionais, formando uma superfície básica transgressiva com grande remobilização de sedimentos. A linha de costa retrocedeu de forma rápida, mas intermitente em direção oeste. Escarpas, ilhas de barreira alinhadas em relação à linha de costa e vales fluviais preenchidos, representam evidencias dessas estabilizações temporárias. Cascalho bioclástico arenoso, areias carbonáticas e fragmentos de coquina e de arenito de praia (beachrock), também comprovam esse comportamento, produzindo relíquias da linha de costa, recobertas por areias e cascalhos do tipo palimpsest.

Nas áreas relacionadas com grandes estuários (Rio de la Plata, Colorado) ou baías, maciços arenosos alongados edificaram ilhas de barreira englobando corpos de água costeiros (lagunas costeiras do Rio Grande do Sul e do Rio de La Plata) e lagos, preenchidos por lama, a maioria deles cobertos por sedimentos transgressivos. URIEN et al. (1987a), URIEN & MARTINS (1989a) e MARTINS et al. (1996) denominam esse pacote sedimentar como sendo uma cobertura arenosa basal transgressiva (blanket of basal transgressive sands), constituindo um evento retrogradacional que assenta de forma discordante sobre a seqüência pré-Holoceno, atingindo mais tarde a fase de sua ingressão máxima, inundando vales fluviais como o Rio de la Plata e as baías do Uruguai.

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Martins et al.

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Figura 1. Regiões fisiográficas da área estudada: 1. Rio Grande do Sul - Uruguai, 2. Buenos Aires, 3.

Patagônia, 4. Tierra del Fuego (modificado de Urien, 1970).

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Posteriormente, num movimento contrário de retrocesso do nível do mar, iniciou-se a progradação moderna com o desenvolvimento de deltas, estuários e lagunas costeiras. Areias e lamas fluviais preencheram os estuários e novos deltas progradantes evoluíram (Paraná, Colorado, Camaquã e Jacuí).

Toda essa evolução apresenta exemplos sólidos na região estudada, como as lagunas costeiras do Rio Grande do Sul e do Uruguai e seus sistemas de barreiras, o estuário do Rio de La Plata com um delta interno moderno, a região de Bahia Blanca / San Blás com o delta afogado do Rio Colorado, destrutivo dominado por marés.

A Patagônia apresenta uma costa com presença de falésias e praias de cascalho, devido à alta energia de ondas e marés. Terraços elevados representam fósseis de plataforma de abrasão, esculpidas durante o máximo transgressivo, e que, devido a movimentos neotectônicos, permanecem elevados. Exemplos são encontrados também na Tierra del Fuego e nas ilhas Malvinas.

DISCUSSÃO

A compreensão desse modelo é

fundamental nos estudos relativos à gênese dos sedimentos ora presentes na plataforma continental, objetivo principal deste trabalho.

A plataforma continental do Rio Grande do Sul e do Uruguai, até aproximadamente Cabo Polônio, possui uma morfologia bastante regular e homogênea, apresentando uma largura de 120 km e presença de zona de quebra na profundidade de 160 m.

Ao sul da cidade de Rio Grande, a superfície da plataforma torna-se irregular, com a presença de ondulações de direção norte-sul, intercalando-se com canais que representam relíquias de paleocanais fluviais do Rio de La Plata (poços de lama). Canais fluviais afogados vinculados à drenagem das terras altas gaúchas (Jacuí, Camaquã e Jaguarão) foram igualmente identificados através da perfilagem sísmica (MARTINS et al., 1967, URIEN et al., 1980 - Fig. 2), CALLIARI et al., 1983), similares aos identificados por FURTADO et al. (1996), na plataforma continental de São Paulo.

Na região de Buenos Aires, a largura da plataforma aumenta de 200 a 300 km, sendo a

mesma ornamentada por uma série de feições erosionais e deposicionais.

São identificados dois setores nessa região. O primeiro, que se estende do Rio de La Plata até Mar del Plata, é influenciado pelos antigos cursos fluviais que deixaram uma série de paleocanais até o bordo da plataforma, gerando o desenvolvimento de um complexo deltaico pré-Holoceno imbricado sobre outros deltas, mais antigos, conforme revelado pela perfilagem sísmica (Fig. 3). Esses deltas sofreram migrações laterais em sua progradação sedimentar, e posteriormente deslocamentos de caráter horizontal com a migração da linha de costa em direção oeste durante a transgressão holocênica.

Esse mesmo movimento foi responsável pelo recobrimento desses canais fluviais e das feições erosionais (degraus) por um sistema de cordões litorâneos alinhados segundo norte-sul, e correspondentes a linhas de costa de uma ilha de barreira, que durante o Holoceno recobriram depósitos de uma antiga planície costeira. Canyons submarinos vinculados a esses canais fluviais foram identificados na região do talude, através da perfilagem sísmica. A feição deposicional mais expressiva encontra-se representada pela presença na isóbata de 30/40 m do banco de La Plata.

O segundo setor tem influência dos rios Colorado e Negro, que formaram uma planície costeira atualmente submersa que se estende por 380 km de largura, formando grande baía e provavelmente um delta nas proximidades do bordo da plataforma (Fig. 4).

Ao sul do Rio Negro (40° S), a isóbata de 100 m se aproxima da costa, sendo que a plataforma continental se apresenta ampla com 480 km de largura, e um marcado declive de 1:3.000.

A partir dos 50° de latitude sul, a plataforma continental é bastante acidentada, com um gradiente de 1:5.000 e uma ruptura brusca na altura da isóbata de 140 m.

A presença de geleiras cordilheiranas e pré-cordilheiranas nas proximidades do litoral imprimiram uma morfologia tipicamente periglacial, particularmente ao sul do estreito de Magalhães, San Sebastian e Rio Grande, com presença de morainas, drumlins, planos de till e de pseudo till que provavelmente se estenderam

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Figura 2. Morfologia e sedimentos da plataforma continental do Rio Grande do Sul/Uruguai, indicando a

contribuição fluvial na sedimentação pré-Holoceno.

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Figura 3. A) Rio de La Plata Exterior e Plataforma Continental apresentando baixios, canais fluviais, canyons

submarinos e bordo deltaico abandonado e B) interpretações de seções sísmicas de reflexão mostrando aspectos significantes da progradação deltaica.

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pela plataforma exposta durante o nível de mar abatido no Pleistoceno. Importante ação fluvial sobre antigos depósitos glaciais modelou boa parte das feições ora submersas.

Os sedimentos presentes na plataforma continental em razão da fonte e dinâmica a que foram submetidos (transporte de gelo e sedimento, água e sedimento em diferentes densidades e posterior retrabalhamento) são bastante heterogêneos variando de cascalho, areia a areia bioclástica, na região média, passando a cascalhos e blocos com silte argiloso, na zona costeira. A topografia é irregular e em geral bastante abrupta, apresentando bancos cobertos por areias e em algumas vezes por

cascalho. Tanto os aspectos topográficos como os sedimentos presentes confirmam a vinculação com eventos periglaciais do Pleistoceno.

As amostras e testemunhos geológicos, bem como os perfis sísmicos de reflexão e de sonar de varredura lateral referentes a trabalhos prévios desenvolvidos pelos autores, bem como o novo material coletado, analisado e interpretado na área estudada, encontram-se arquivados no Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica – CECO, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (Porto Alegre, Brasil) e no Centro de Oceanografia do Instituto Tecnológico de Buenos Aires – COBA – ITBA (Buenos Aires, Argentina).

Figura 4. Progradação deltaica (D1, D2, D3) presente na zona de quebra da plataforma na região do Rio

Colorado.

SEDIMENTOLOGIA

A cobertura sedimentar presente na

plataforma continental é formada por sedimentos cuja distribuição encontra-se vinculada à história evolutiva da área durante o Quaternário, tendo como agentes governantes principais as transgressões e regressões marinhas.

De conformidade com os estudos realizados por MARTINS et al. (1967, 1973, 1974, 1975, 1978, 1996), URIEN (1967a e b, 1970), MARTINS & URIEN (1969, 1979, 2004) URIEN & MOUZO (1968), URIEN & OTTMANN (1971), URIEN & EWING (1974), URIEN et al. (1972, 1973, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1987a e b, 1992, 1993, 1994, 1995), URIEN & MARTINS (1974, 1977, 1979 a e b, 1987 a e b, 1989, 1990, 1991), PARKER et al. (1982), AYUP-ZOUAIN (1985), MARTINS (1984, 1987), MARTINS & VILLWOCK (1987), GELOS et al. (1988), GELÓS & CHAAR (1988), SCHNACK (1969), o piso

sedimentar é caracterizado pela presença de um domínio sedimentar arenoso do tipo mantiforme. Essa cobertura está vinculada em origem a uma deposição pretérita bastante incisiva em termos de volume de sedimentos e à presença de ambientes transicionais sobre uma extensa planície costeira de idade pleistocênica, posteriormente remobilizada e retrabalhada pela conseqüente migração da linha de costa em direção oeste, através da elevação progressiva do nível do mar durante o Holoceno.

O afogamento da antiga fisiografia e seus sedimentos geraram o retorno das antigas condições de plataforma continental. Estudos relativos à textura e à mineralogia dos sedimentos da região foram desenvolvidos por ETCHICHURY & REMIRO (1960), SHN (1974), MARTINS et al. (1972, 1974, 1975), URIEN & MARTINS (1974, 1977).

No primeiro estudo integrado sobre os sedimentos da margem continental Atlântica da América do Sul desde o Amapá (Brasil) até Tierra del Fuego (Argentina), MARTINS et al.

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(1974) estabeleceram quatro tipos principais de domínios sedimentares para a plataforma continental, integrados por: a) áreas de acumulação atual de sedimentos lamosos ou arenosos, b) zonas com presença de sedimentos pretéritos (relíquias) ou retrabalhados (palimpsest), c) setores com atividade orgânica ou presença de seus derivados bioclásticos e d) sítios ornamentados com presença de sedimentos de origem glacial. Mais tarde URIEN & MARTINS (1974, 1977), levando em conta tal classificação, indicaram cinco zonas morfo-sedimentares distintas para a região compreendida entre Tierra del Fuego e Rio Grande do Sul:

1. Tierra del Fuego; 2. Patagônia;

2.1 Santa Cruz – Ilhas Malvinas; 2.2 Chubut – Rio Negro;

3. Buenos Aires; 4. Uruguai; 5. Rio Grande do Sul. Os autores envolvidos nos primeiros

estudos (décadas de 60 e 70) detalharam posteriormente a cobertura sedimentar presente, apresentando outras variedades texturais e mineralógicas, bem como apresentando indicativos de aproveitamento econômico de algumas fácies sedimentares detalhadas (URIEN et al., 1992, 1993, 1995; MARTINS et al., 1999, 2003; MARTINS & URIEN, 2004 e MARTINS & MARTINS, 2004). Nestes trabalhos foram indicadas novas linhas de evidência relativas à fonte, ao transporte e à distribuição desses sedimentos e que enriqueceram os esquemas de classificação anteriormente adotados.

Os elementos faciológicos a seguir discutidos (Tab. 1) referem-se a cobertura moderna, relíquia e retrabalhada (palimpsest), resultantes dos episódios ocorrentes inicialmente na paisagem de planície costeira (Pleistoceno) e posterior afogamento e conseqüente consolidação da plataforma continental:

A) Lamas de plataforma (Fig. 5): São consideradas nessa categoria as

acumulações pelíticas sem vínculo atual com os deságües costeiros ora presentes na linha de costa.

Considerando tal situação, duas áreas mais expressivas são identificadas, respectivamente na plataforma externa do Rio Grande do Sul (Brasil) e na plataforma continental da Argentina, na altura do Golfo San Jorge, ambas separadas da linha de costa por areias e cascalhos.

As primeiras descrições da lama ocorrente na plataforma externa gaúcha foram realizadas por MARTINS et al. (1967) e MARTINS & URIEN (1969), que indicaram que os sedimentos lutáceos ali presentes são relíquias de material transportado e depositado durante o Pleistoceno, especialmente pelo sistema de drenagem captado das terras altas do RS, pré-geração de uma costa de barreira. Mais tarde, MARTINS (1984) determinaria uma influência parcial das lamas distais platinas como igualmente um agente de contribuição da porção sul do Cone de Rio Grande, confirmado mais tarde por estudos palinológicos de LORSCHEITER & ROMERO (1985).

Em realidade, tais sedimentos representam o resíduo de uma paisagem instalada no limite externo da antiga planície costeira pleistocênica, desenvolvida a 18 ka. e refletida na presença de ambientes transicionais (lagunas, deltas, estuários) com forte influência da descarga fluvial. A identificação de antigos canais da drenagem fluvial do Pleistoceno foi realizada através da perfilagem sísmica, estando estes canais atualmente recobertos pelo pacote arenoso transgressivo do Holoceno.

B) Areias de praia e ilhas de barreira: Estão incluídos nessa categoria os

componentes arenosos que recobrem praticamente toda a plataforma continental, formando muitas vezes formas alongadas paralelas e subparalelas à atual linha de costa, e misturados em proporções variáveis com material carbonático, proveniente da atividade organógena litorânea.

Seu desenvolvimento foi governado pelo apreciável estoque arenoso contido em praias, restingas, dunas e outras formas existentes na pretérita planície costeira pleistocênica, e retrabalhada durante a subida do nível do mar, formando uma seqüência denominada por URIEN & MARTINS (1987), de cobertura arenosa basal transgressiva.

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Tabela 1. Variedades texturais presentes nas diferentes porções da Plataforma Continental.

REGIÃO TEXTURA OCORRÊNCIA ORIGEM

AREIA: Quartzosa com proporções variáveis de areia e

cascalho bioclástico

Areias quartzosas retrabalhadas pelo regime hidráulico recente de águas rasas da zona costeira.

CASCALHO e AREIA BIOCLÁSTICA

Rio Grande do Sul, Uruguai, Buenos Aires

Areias e cascalhos bioclásticos retrabalhados a partir de antigas linhas de praia (sedimentos palimpsest).

LAMA (silte e argila)

Rio Grande do Sul

Lamas provenientes da carga de suspensão da Lagoa dos

Patos (sedimentos modernos).

LAMA (silte e argila)

Uruguai, Rio Grande do Sul

Lamas arenosas vinculadas à antiga drenagem pleistocênica (lamas distais) e ao atual deságüe (lamas proximais) do Rio de La Plata (sedimentos relíquias e

modernos).

LAMA (silte e argila)

Tierra del Fuego

Lamas arenosas de origem fluvio-glacial redistribuídas por correntes litorâneas ao longo da costa (sedimentos

palimpsésticos e modernos).

PLA

TAFO

RM

A IN

TER

NA

LAMA (silte e argila)

Patagônia (Chubut, Golfo

San Jorge) Sedimentos dos golfos com suprimento de material fino

(sedimentos palimpsésticos).

AREIA: Quartzosa com proporções variáveis de areia e

cascalho bioclástico

Rio Grande do Sul, Uruguai, Buenos Aires,

Patagônia

Areias e cascalhos vinculados à cobertura transgressiva, produto do deslocamento para oeste da linha de costa

durante o Holoceno.

Concentrações mais expressivas de areia e cascalho bioclástico associados a níveis de estabilização temporária

do nível do mar (sedimentos relíquias).

AREIA e CASCALHO TERRÍGENO com associação variável de material conchífero

Tierra del Fuego Componentes grossos (areia e cascalho) vinculados à atividade glacial e periglacial (gelo e fluvioglacial,

especialmente) (sedimentos relíquias).

PLA

TAFO

RM

A M

ÉDIA

AREIA e CONCHAS com cascalho em proporções

variáveis

Patagônia (Chubut – Rio Negro, Santa Cruz – Ilhas

Malvinas)

Cobertura sedimentar decorrente da remobilização da cobertura pleistocênica (sedimentos palimpsest).

LAMA (silte e argila) Rio Grande do Sul

Depósitos produzidos pela drenagem pleistocênica (fluvial) ou de sistemas lagunares existentes no bordo da plataforma

pré-transgressão holocênica ou produzidos durante os níveis de estabilização (sedimentos relíquias).

LAMA (silte e argila) Tierra del Fuego Sedimentos mais finos que os encontrados na plataforma

interna, acumulados em condições de nível de mar abatido (sedimentos relíquias).

PLA

TAFO

RM

A E

XTE

RN

A

AREIA QUARTZOSA E BIOCLÁSTICA

Rio Grande do Sul, Uruguai, Buenos Aires,

Patagônia

Sedimentos produzidos em nível de mar abatido (Pleistoceno) e vinculados ao complexo deltaico, praias e

ilhas de barreira (sedimentos relíquias).

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Figura 5. Distribuição geral dos sedimentos da plataforma continental do Rio Grande do Sul à Tierra del

Fuego: A - lamas de plataforma, B - areias de praia e barreiras, C - lamas fluviais, estuarinas e lagunares, D - sedimentos glaciomarinhos.

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A transgressão holocênica foi responsável pela remobilização desse material através de episódios de estabilizações temporárias, zonas de grande energia, redistribuindo e retrabalhando grande parte desse material, sendo, portanto uma cobertura relíquia (relict sand blanket). Somente nas batimetrias menores é que esse material é novamente retrabalhado pelas condições hidráulicas atuais, ajustando-se às mesmas e formando o chamado prisma arenoso moderno (modern sand prism) (MARTINS et al., 2003).

O material carbonático bioclástico associado, gerado na bacia de sedimentação, representa uma nova população textural, constituída por cascalho e mobilizada durante as estabilizações do nível relativo do mar. Essa textura por vezes predomina na plataforma interna do Rio Grande do Sul (Albardão, Carpinteiro), na zona adjacente a desembocadura do Rio de La Plata e em Mar del Plata.

As ocorrências dessa textura na zona externa da plataforma continental indicam situação de nível elevado de energia na borda atual durante o Pleistoceno em nível de mar abatido.

Ao sul de 40° S, a areia encontra-se misturada com seixos bem arredondados, similares aos que atapetaram os platôs patagônicos, conferindo à areia uma textura mais grossa.

Nos seus aspectos gerais, a cobertura é bastante homogênea, variando de areia fina a média (2,5 Ø), bem selecionada, com grãos subarredondados de quartzo e plagioclásio, fragmentos de rochas e minerais pesados. Os constituintes terrígenos dos sedimentos arenosos consistem, na região do Uruguai e do Rio Grande do Sul, de minerais predominantemente derivados de rochas ácidas (quartzo, epidoto, granada, turmalina). Na plataforma da Argentina, os componentes são derivados de rochas básicas (plagioclásio, hiperstênio, augita e fragmentos de rochas) descritas por TERUGGI et al. (1959) por suíte Pampeano-Patagônica.

Por sua vez, URIEN (1967 a e b, 1970) descreve ao redor da latitude de 35° S uma mineralogia mista dos domínios, sendo que no estuário do Prata duas zonas mineralógicas estão presentes: litorânea norte e fluvial sul. Na primeira, quartzo e epidoto são abundantes, provenientes das rochas ácidas do escudo

brasileiro, enquanto a segunda é rica em minerais da suíte patagônica. A partir dessa latitude para o sul, o quartzo torna-se mais abundante do que o plagioclásio.

Todo esse conjunto resulta de um processo de retrabalhamento, pois não existe suprimento fluvial de areia ao longo da atual linha de costa.

C) Lamas fluviais, estuarinas e

lagunares (Fig. 5): São produtos da contribuição de fontes

fluviais, fluvio-estuarinas ou lagunares presentes na zona costeira ou de retrabalhamento de sedimentos pelíticos mais antigos, através da modificação do regime hidráulico. São lamas, (silte e argila) dominantemente de contribuição moderna ou retrabalhados vinculados aos principais deságües litorâneos, sendo encontrados na plataforma interna junto à desembocadura da Lagoa dos Patos, do Rio de La Plata e das baías de Bahia Blanca, San Blás, San Matias e San Jorge.

Esse componente pelítico recobre ou imbrica-se na seqüência de areias transgressivas que acompanhou o avanço do mar e invadiu os estuários e baías durante a transgressão holocênica nos últimos 11 ka.

No Rio de la Plata exterior norte e costa uruguaia, siltes argilosos que gradacionam para siltes arenosos de cor verde gris cobrem o canal de deságüe atingindo espessura superior a 5 m, constituindo-se numa zona fluvio-marinha com características variáveis de salinidade (Fig. 6). No Rio de La Plata sul e baía de Sambrombon ocorre uma zona de grande acumulação de lamas fluviais cobrindo areias basais transgressivas e mobilizadas dentro da baía por um sistema de correntes circulares.

A diferença entre essas duas zonas é que, no setor norte, os sedimentos em suspensão são mobilizados para a região da plataforma, enquanto os do setor sul ficam trapeados na baía.

Em Bahia Blanca uma cobertura lamosa preenche a baía num sistema de planos e canais de marés. Na baía de San Blás, os sedimentos finos aportados pelo rio Colorado são trapeados junto à zona litorânea, enquanto no Golfo de San Matias os sedimentos finos preenchem uma grande depressão central profunda com um umbral em sua

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desembocadura. Os sedimentos são formados por siltes arenosos e siltes argilosos cuja fração fina foi aportada por uma drenagem continental diferente da atual.

Na plataforma da Tierra del Fuego, paralela à linha de costa e ao sul do estreito de Magalhães, ocorre uma faixa de silte argiloso, que atinge a Ilha dos Estados. Esses sedimentos

lamosos estão separados da atual linha de costa por uma faixa de areia e cascalho, e foram transportados provavelmente por rios desde a zona periglacial continental e distribuídos através de correntes litorâneas ao longo da costa no Recente, sepultando a cobertura de areia e cascalho.

Figura 6. Rio de La Plata Exterior e Plataforma Continental adjacente. Principais características dos

sedimentos lamosos, arenosos e bioclásticos ocorrentes.

D) Sedimentos glaciomarinhos (Fig. 5): Contrastando com o restante da

plataforma Argentina atapetada por uma marcante presença da textura arenosa terrígena, com o ingresso em algumas áreas de fragmentos de conchas (banco La Plata) ou cascalho terrígeno (Patagônia), o setor mais austral possui componentes granulométricos de maior diâmetro, especialmente grânulos e seixos, indicando um aporte de material e agente de dinamização diferentes do restante da região.

Os estudos realizados vinculam tais sedimentos a extensões glaciais e periglaciais,

retrabalhados por processos costeiros, numa ação combinada de eventos transgressivos / regressivos do nível do mar, e que imprimiram a esse setor características sedimentares distintas com relação ao restante da plataforma.

As flutuações holocênicas do nível do mar retrabalharam os sedimentos pré-wisconsinianos de deriva periglacial e praias de cascalho arenoso, por intermédio da presença de condições de energia extremamente severas, resultando em uma cobertura de areia e cascalho arenoso terrígeno (URIEN & MARTINS, 1990; URIEN et al., 1993). Utilizando métodos sísmicos de alta resolução e perfis de sonar de

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varredura lateral, ISLA & SCHNACK (1995) identificaram praias afogadas a 30 e 80 m de profundidade, associadas a depósitos glaciogênicos. Por sua vez, URIEN et al. (1993) descrevem uma série de frentes deltaicas

desenvolvidas sobre planos conglomeráticos de origem glacial do Terciário superior e Pleistoceno inferior, sendo sua distribuição relacionada a uma ação combinada de ondas e correntes de marés.

Figura 7. Reconstrução paleogeográfica parcial da plataforma continental apresentando a forte influência

glacial e periglacial nos processos sedimentares operantes na área. Datações realizadas em dois níveis de estabilização holocênica (URIEN et al., 1993).

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Dois níveis de estabilização (stillstands) do nível do mar durante a transgressão holocênica foram identificados (Fig. 7), através dos aspectos de composição mecânica e mineralógica, perfis sísmicos, componentes biogênicos associados e datação por C14, situados respectivamente a 157 m (18 ka) e 119 m (12 ka). URIEN et al. (1993) sintetizaram a litofaciologia da área em: a) lamas de plataforma interna (contribuição moderna ou retrabalhamento de antigos depósitos), b) areias e cascalhos terrígenos de plataforma média e externa (fonte fluvioglacial ou ação direta do gelo) acumulados em nível de mar abatido e retrabalhado em diferentes intensidades durante a transgressão holocênica, c) lamas arenosas de bordo de plataforma similar às encontradas em (a), mas pertencendo a um ambiente pretérito governado pelos mesmos parâmetros presentes na atual linha de costa e d) lamas de talude com saliente espessura apresentando feições clinoformes ou progradantes que modelaram a região durante períodos regressivos, especialmente durante o Terciário tardio e Quaternário inferior (Fig. 8). ASPECTOS CONCLUSIVOS

A plataforma continental Atlântica Sul

Ocidental entre o Rio Grande do Sul (Brasil) e Tierra del Fuego (Argentina) foi modelada pelas flutuações do nível do mar que imprimiu salientes feições topográficas (tanto deposicionais como erosivas) e sedimentares como produto do prisma sedimentar costeiro, que variou horizontal e verticalmente em função das condições hidrodinâmicas da região.

Tais eventos ficaram impressos na plataforma continental e sua análise cuidadosa permite efetuar sua reconstrução evolutiva durante o Quaternário tardio. Nesse aspecto, os numerosos estudos desenvolvidos, especialmente pelos pesquisadores mencionados no presente texto, contribuíram de forma decisiva na interpretação da faciologia sedimentar presente e na conseqüente elaboração de um modelo evolutivo, bem como com um conhecimento adequado dos sedimentos presentes e sua origem.

A partir do modelo evolutivo, é possível efetuar uma análise da proveniência dos sedimentos presentes nas diferentes situações batimétricas. Sob o ponto de vista dinâmico, os

estudos ora realizados na região confirmaram a classificação regional de MARTINS et al. (1973) em modernos, relíquias e palimpsésticos terrígenos ou carbonáticos, podendo exibir propriedades uni ou policíclicas quando examinadas à luz de ciclos sedimentares completos (erosão, transporte, deposição). Os respectivos índices de maturidade textural e / ou mineralógica confirmam as variedades existentes, a idade e a dinâmica sedimentar.

Concluindo, é possível afirmar que a cobertura sedimentar moderna da plataforma continental da área estudada tem como fonte principal os variados ambientes sedimentares que se desenvolveram durante os eventos transgressivos / regressivos do Pleistoceno, com especial ênfase durante o ultimo nível de mar abatido, quando a extensa planície costeira que atingia o atual bordo da plataforma continental recebia suprimento sedimentar expressivo das áreas continentais, através do suprimento fluvial, conforme comprovado pela presença de canais afogados revelados pela perfilagem sísmica.

O material mobilizado era bastante heterogêneo, não só pelo controle climático, a partir da liberação nas áreas continentais, mas também pelas litologias distintas das formações geológicas.

A segunda fonte de suprimento esteve ligada à atividade organógena e seu produto principal, representado pelo material carbonático (conchas, fragmentos de conchas, coquina, arenito de praia, foraminíferos) com incidência igualmente controlada pela latitude e profundidade. Um terceiro componente de contribuição, subordinado às duas primeiras, refere-se à atividade diagenética no meio marinho e é representado pelas concreções fosfáticas e areias glauconíticas.

A remobilização dessa cobertura sedimentar durante a transgressão do Holoceno, a conseqüente migração para oeste da linha de costa, a formação de novos ambientes transicionais a cada etapa de estabilização temporária desse movimento promoveram índices de energia suficientes para criar condições de retrabalhamento desses sedimentos e o afogamento da morfologia de terras baixas, baías e enseadas até atingir, na microfase regressiva (MARTINS et al., 1996), a situação da atual linha de costa. Uma nova progradação ocorre então com a formação de sistemas lagunares holocênicos (lagunas holocênicas do

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Rio Grande do Sul) e de seqüências deltaicas (Paraná, Camaquã, Jacuí) com as fácies fluvio-deltáicas progradando sobre as fácies arenosas

transgressivas (URIEN & MARTINS, 1981; URIEN et al., 1995).

Figura 8. Distribuição das fácies sedimentares ocorrentes na plataforma continental da Tierra del Fuego

(Argentina).

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