freud mal estar na civilização sandra n. flanzer

15
CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI – INTENSIVO UERJ 2015 – Psicologia Clínica CURSO PREPARATÓRIO CONCURSO UERJ 2015 PSICANÁLISE Prof.ª Sandra N. Flanzer

Upload: rebecca-dorneles

Post on 06-Nov-2015

10 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Mal estar na civilização. Freud

TRANSCRIPT

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    CURSO PREPARATRIO CONCURSO UERJ 2015

    PSICANLISE

    Prof. Sandra N. Flanzer

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    2

    2

    Freud, S. O MAL-ESTAR NA CIVILIZAO (1930)1

    I

    Sentimento Ocenico

    Freud inicia o texto comentando a correspondncia que trocou com um amigo.

    Enviei-lhe o meu pequeno livro (trata-se de O Futuro de uma Iluso, de 1927) que trata a religio como sendo uma iluso, e ele me respondeu que concordava inteiramente com esse

    meu juzo, lamentando, porm, que eu no tivesse apreciado corretamente a verdadeira

    fonte da religiosidade. Esta, diz ele, consiste num sentimento peculiar, que ele mesmo

    jamais deixou de ter presente em si, que encontra confirmado por muitos outros e que pode

    imaginar atuante em milhes de pessoas. Trata-se de um sentimento que ele gostaria de

    designar como uma sensao de eternidade, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras ocenico, por assim dizer. Esse sentimento, acrescenta, configura um fato puramente subjetivo, e no um artigo de f; no traz consigo qualquer garantia de

    imortalidade pessoal, mas constitui a fonte da energia religiosa de que se apoderam as

    diversas Igrejas e sistemas religiosos, por eles veiculado para canais especficos e,

    indubitavelmente, tambm por eles exaurido. Acredita ele que uma pessoa, embora rejeite

    toda crena e toda iluso, pode corretamente chamar-se a si mesma de religiosa com

    fundamento apenas nesse sentimento ocenico (p. 81).

    Formao do Ego

    Normalmente, no h nada de que possamos estar mais certos do que do sentimento de nosso eu, do nosso prprio ego. O ego nos aparece como algo autnomo e unitrio,

    distintamente demarcado de tudo o mais. Ser essa aparncia enganadora apesar de que, pelo contrrio, o ego seja continuado para dentro, sem qualquer delimitao ntida, por

    uma entidade mental inconsciente que designamos como id, qual o ego serve como uma

    espcie de fachada (...) (p. 83). Uma reflexo mais apurada nos diz que o sentimento do ego do adulto no pode ter sido o

    mesmo desde o incio. Deve ter passado por um processo de desenvolvimento, que, se no

    pode ser demonstrado, pode ser construdo com um razovel grau de probabilidade. Uma criana recm-nascida ainda no distingue o seu ego do mundo externo como fonte das

    sensaes que fluem sobre ela. Aprende gradativamente a faz-lo, reagindo a diversos

    estmulos (p.84): 1- estmulos do seu prprio corpo

    2- estmulos provenientes da falta de algumas fontes, entre as quais, o seio da me.

    Contrastado por um objeto externo, o ego forado a surgir por uma ao especfica.

    3- sensaes de sofrimento e desprazer

    Surge, ento, uma tendncia a isolar do ego tudo que pode tornar-se fonte de tal desprazer, a lan-lo para fora e a criar um puro ego em busca de prazer, que sofre o

    confronto de um exterior estranho e ameaador (p. 85). Desse modo, d-se o primeiro passo no sentido da introduo do princpio da realidade, que

    deve dominar o desenvolvimento futuro.

    1 Utilizamos em grande parte o texto freudiano literal. FREUD, S. Mal-estar na civilizao (1930) In: Edio

    Standard Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    3

    3

    O princpio de prazer e o princpio de realidade regem o funcionamento do aparelho

    psquico. O princpio de prazer o propsito dominante dos processos inconscientes e

    busca proporcionar prazer e evitar o desprazer, afastando-se de qualquer evento que possa

    despertar desprazer. Por outro lado, o princpio de realidade regula a busca pela satisfao

    levando em conta as condies impostas pelo mundo externo e, segundo Freud, vem

    substituir o princpio de prazer como uma proteo e no como uma deposio deste

    ltimo. A introduo do princpio de realidade produz transformaes no ego; de um ego-

    prazer dominado pelo princpio de prazer forma-se um ego-realidade. O prazer

    momentneo e incerto abandonado por um prazer seguro, porm mais tardio.

    Assim, estamos perfeitamente dispostos a reconhecer que o sentimento ocenico existe em muitas pessoas, e nos inclinamos a fazer sua origem remontar a uma fase primitiva do

    sentimento do ego (p. 90).

    Destino

    A derivao das necessidades religiosas, a partir do desamparo do beb e do anseio pelo pai

    que aquela necessidade desperta, parece-me incontrovertvel, desde que, em particular, o

    sentimento no seja simplesmente prolongado a partir dos dias da infncia, mas

    permanentemente sustentado pelo medo do poder superior do Destino.

    No consigo pensar em nenhuma necessidade da infncia to intensa quanto a da proteo de um pai. Dessa maneira, o papel desempenhado pelo sentimento ocenico, que

    poderia buscar algo como a restaurao do narcisismo ilimitado, deslocado de um lugar

    em primeiro plano. A origem da atitude religiosa pode ser remontada, em linhas muito

    claras, at o sentimento de desamparo infantil (p. 90)

    II

    Segundo Freud, a vida tal como a encontramos, rdua demais, proporcionando muitos

    sofrimentos, decepes e tarefas impossveis. A fim de suport-las lanamos mo de trs

    medidas paliativas:

    Derivativos poderosos que nos fazem extrair luz de nossas desgraas

    Satisfaes substitutivas (ex. : arte) que a diminuem

    Substncias txicas que nos tornam insensveis a ela.

    O propsito da vida: programa do Princpio do Prazer

    Os homens: Esforam-se para obter felicidade; querem ser felizes e assim permanecer. Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta negativa. Por um

    lado, visa a uma ausncia de sofrimento e de desprazer; por outro, experincia de

    intensos sentimentos de prazer. Em seu sentido mais restrito, a palavra felicidade s se relaciona a esses ltimos (p. 94). O que chamamos de felicidade no sentido mais restrito provm da satisfao (de preferncia, repentina) de necessidades represadas em alto grau, sendo, por sua natureza,

    possvel apenas como uma manifestao episdica. Quando qualquer situao desejada

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    4

    4

    pelo princpio do prazer se prolonga, ela produz to-somente um sentimento de

    contentamento muito tnue. Somos feitos de modo a s podermos derivar prazer intenso de

    um contraste, e muito pouco de um determinado estado de coisas (p.95).

    As fontes de sofrimento e as estratgias humanas para evit-lo

    Assim, nossas possibilidades de felicidade sempre so restringidas por nossa prpria

    constituio. J a infelicidade muito menos difcil de experimentar.

    O sofrimento nos ameaa a partir de trs direes:

    de nosso prprio corpo, condenado decadncia e dissoluo, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertncia;

    do mundo externo, que pode voltar-se contra ns com foras de destruio esmagadoras e impiedosas;

    e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provm dessa ltima fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer

    outro. Tendemos a encar-lo como uma espcie de acrscimo gratuito, embora ele no

    possa ser menos fatidicamente inevitvel do que o sofrimento oriundo de outras fontes.

    Freud enumera alguns procedimentos e processos que o homem utiliza para conduzir sua

    vida evitando o desprazer ou buscando o prazer:

    1. Gozo: Uma satisfao irrestrita de todas as necessidades, apresenta-se-nos como o

    mtodo mais tentador de conduzir nossas vidas; isso, porm, significa colocar o gozo antes

    da cautela, acarretando logo o seu prprio castigo.

    2. Isolamento: Contra o sofrimento que pode advir dos relacionamentos humanos, a defesa

    mais imediata o isolamento voluntrio, o manter-se distncia das outras pessoas. A

    felicidade passvel de ser conseguida atravs desse mtodo , como vemos, a felicidade da

    quietude.

    3. Cincia: (...) tornar-se membro da comunidade humana e, com o auxlio de uma tcnica

    orientada pela cincia, passar para o ataque natureza e sujeit-la vontade humana.

    4. Intoxicao: Em ltima anlise, todo sofrimento nada mais do que sensao; s existe

    na medida em que o sentimos, e s o sentimos como conseqncia de certos modos pelos

    quais nosso organismo est regulado. O mais grosseiro, embora tambm o mais eficaz,

    desses mtodos de influncia o qumico: a intoxicao.

    5. Neurotransmissores: No entanto, possvel que haja substncias na qumica de nossos

    prprios corpos que apresentem efeitos semelhante pois conhecemos pelo menos um estado

    patolgico, a mania, no qual uma condio semelhante intoxicao surge sem

    administrao de qualquer droga intoxicante. Alm disso, nossa vida psquica normal

    apresenta oscilaes entre uma liberao de prazer relativamente fcil e outra

    comparativamente difcil, paralela qual ocorre uma receptividade, diminuda ou

    aumentada, ao desprazer. extremamente lamentvel que at agora esse lado txico dos

    processos mentais tenha escapado ao exame cientfico.

    Importante: O servio prestado pelos veculos intoxicantes na luta pela felicidade e no

    afastamento da desgraa to altamente apreciado como um benefcio, que tanto

    indivduos quanto povos lhes concederam um lugar permanente na economia de sua libido.

    Devemos a tais veculos no s a produo imediata de prazer, mas tambm um grau

    altamente desejado de independncia do mundo externo, pois sabe-se que, com o auxlio

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    5

    5

    desse amortecedor de preocupaes, possvel, em qualquer ocasio, afastar-se da presso da realidade e encontrar refgio num mundo prprio, com melhores condies de

    sensibilidade. Sabe-se igualmente que exatamente essa propriedade dos intoxicantes que

    determina o seu perigo e a sua capacidade de causar danos. So responsveis, em certas

    circunstncias, pelo desperdcio de uma grande quota de energia que poderia ser empregada

    para o aperfeioamento do destino humano.

    6. Controle dos impulsos: Esse tipo de defesa contra o sofrimento se aplica mais ao

    aparelho sensorial; ele procura dominar as fontes internas de nossas necessidades. A forma

    extrema disso ocasionada pelo aniquilamento dos instintos, tal como prescrito pela

    sabedoria do mundo peculiar ao Oriente e praticada pelo ioga. Caso obtenha xito, o

    indivduo, verdade, abandona tambm todas as outras atividades: sacrifica a sua vida e,

    por outra via, mais uma vez atinge apenas a felicidade da quietude. Seguimos o mesmo

    caminho quando os nossos objetivos so menos extremados e simplesmente tentamos

    controlar nossa vida instintiva. Nesse caso, os elementos controladores so os agentes

    psquicos superiores, que se sujeitaram ao princpio da realidade. Aqui, a meta da satisfao

    no , de modo algum, abandonada, mas garante-se uma certa proteo contra o sofrimento

    no sentido de que a no-satisfao no to penosamente sentida no caso dos instintos

    mantidos sob dependncia como no caso dos instintos desinibidos.

    7. Sublimao da pulso: A tarefa aqui consiste em reorientar os objetivos instintivos de

    maneira que eludam a frustrao do mundo externo. Para isso, ela conta com a assistncia

    da sublimao dos instintos. Obtm-se o mximo quando se consegue intensificar

    suficientemente a produo de prazer a partir das fontes do trabalho psquico e intelectual.

    Quando isso acontece, o destino pouco pode fazer contra ns. Uma satisfao desse tipo,

    como, por exemplo, a alegria do artista em criar, em dar corpo s suas fantasias, ou a do

    cientista em solucionar problemas ou descobrir verdades, possui uma qualidade especial

    que, sem dvida, um dia poderemos caracterizar em termos metapsicolgicos. Atualmente,

    apenas de forma figurada podemos dizer que tais satisfaes parecem mais refinadas e mais altas. Contudo, sua intensidade se revela muito tnue quando comparada com a que se origina da satisfao de impulsos instintivos grosseiros e primrios; ela no convulsiona

    o nosso ser fsico. E o ponto fraco desse mtodo reside em no ser geralmente aplicvel, de

    uma vez que s acessvel a poucas pessoas.

    8. Vida da imaginao: ... a satisfao obtida atravs de iluses, reconhecidas como tais,

    sem que se verifique permisso para que a discrepncia entre elas e a realidade interfira na

    sua fruio. A regio onde essas iluses se originam a vida da imaginao; na poca em

    que o desenvolvimento do senso de realidade se efetuou, essa regio foi expressamente

    isentada das exigncias do teste de realidade e posta de lado a fim de realizar desejos

    difceis de serem levados a termo. frente das satisfaes obtidas atravs da fantasia

    ergue-se a fruio das obras de arte, fruio que, por intermdio do artista, tornada

    acessvel inclusive queles que no so criadores. No obstante, a suave narcose a que a

    arte nos induz, no faz mais do que ocasionar um afastamento passageiro das presses das

    necessidades vitais, no sendo suficientemente forte para nos levar a esquecer a aflio real.

    9. Loucura/Delrios: Considera a realidade como a nica inimiga e a fonte de todo

    sofrimento, com a qual impossvel viver, de maneira que, se quisermos ser de algum

    modo felizes, temos de romper todas as relaes com ela. (...) Pode-se, porm, fazer mais

    do que isso; pode-se tentar recriar o mundo, em seu lugar construir um outro mundo, no

    qual os seus aspectos mais insuportveis sejam eliminados e substitudos por outros mais

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    6

    6

    adequados a nossos prprios desejos. (...) Afirma-se, contudo, que cada um de ns se

    comporta, sob determinado aspecto, como um paranico, corrige algum aspecto do mundo

    que lhe insuportvel pela elaborao de um desejo e introduz esse delrio na realidade.

    (...) As religies da humanidade devem ser classificadas entre os delrios de massa desse

    tipo. desnecessrio dizer que todo aquele que partilha um delrio jamais o reconhece

    como tal.

    10. Amor: (...) Evidentemente, estou falando da modalidade de vida que faz do amor o

    centro de tudo, que busca toda satisfao em amar e ser amado. Uma atitude psquica desse

    tipo chega de modo bastante natural a todos ns; uma das formas atravs da qual o amor se

    manifesta o amor sexual nos proporcionou nossa mais intensa experincia de uma transbordante sensao de prazer, fornecendo-nos assim um modelo para nossa busca da

    felicidade. H, porventura, algo mais natural do que persistirmos na busca da felicidade do

    modo como a encontramos pela primeira vez? O lado fraco dessa tcnica de viver de fcil

    percepo, pois, do contrrio, nenhum ser humano pensaria em abandonar esse caminho da

    felicidade por qualquer outro. que nunca nos achamos to indefesos contra o sofrimento

    como quando amamos, nunca to desamparadamente infelizes como quando perdemos o

    nosso objeto amado ou o seu amor.

    11. Fruio da beleza: Daqui podemos passar considerao do interessante caso em que

    a felicidade na vida predominantemente buscada na fruio da beleza, onde quer que esta

    se apresente a nossos sentidos e a nosso julgamento a beleza das formas e a dos gestos humanos, a dos objetos naturais e das paisagens e a das criaes artsticas e mesmo

    cientficas. A atitude esttica em relao ao objetivo da vida oferece muito pouca proteo

    contra a ameaa do sofrimento, embora possa compens-lo bastante. A fruio da beleza

    dispe de uma qualidade peculiar de sentimento, tenuemente intoxicante. A beleza no

    conta com um emprego evidente; tampouco existe claramente qualquer necessidade cultural

    sua. Apesar disso, a civilizao no pode dispens-la. O amor da beleza parece um exemplo

    perfeito de um impulso inibido em sua finalidade. Beleza e atrao so, originalmente, atributos do objeto sexual.

    Importante: Nenhum desses caminhos nos leva a tudo o que desejamos. A felicidade, no

    reduzido sentido em que a reconhecemos como possvel, constitui um problema da

    economia da libido do indivduo. No existe uma regra de ouro que se aplique a todos:

    todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo especfico ele pode ser salvo.

    Todos os tipos de diferentes fatores operaro a fim de dirigir sua escolha. uma questo

    de quanta satisfao real ele pode esperar obter do mundo externo, de at onde levado

    para tornar-se independente dele, e, finalmente, de quanta fora sente sua disposio

    para alterar o mundo, a fim de adapt-lo a seus desejos. Nisso, sua constituio psquica

    desempenhar papel decisivo, independentemente das circunstncias externas. O homem

    predominantemente ertico dar preferncia aos seus relacionamentos emocionais com

    outras pessoas; o narcisista que tende a ser auto-suficiente, buscar suas satisfaes

    principais em seus processos mentais internos; o homem de ao nunca abandonar o

    mundo externo, onde pode testar sua fora.

    12. Neurose: Como uma ltima tcnica de vida, pelo que menos lhe trar satisfaes

    substitutivas, -lhe oferecida a fuga para a enfermidade neurtica, fuga que geralmente

    efetua quando ainda jovem.

    13. Religio: A religio restringe esse jogo de escolha e adaptao, desde que impe

    igualmente a todos o seu prprio caminho para a aquisio da felicidade e da proteo

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    7

    7

    contra o sofrimento. Sua tcnica consiste em depreciar o valor da vida e deformar o

    quadro do mundo real de maneira delirante maneira que pressupe uma intimidao da inteligncia. A esse preo, por fix-las fora num estado de infantilismo psicolgico e por

    arrast-las a um delrio de massa, a religio consegue poupar a muitas pessoas uma

    neurose individual.

    III

    Freud retoma as 3 fontes de sofrimento que dificulta ao homem ser feliz: o poder superior

    da natureza; a fragilidade de nossos prprios corpos e a inadequao das regras que

    procuram ajustar os relacionamentos mtuos dos seres humanos na famlia, no Estado e na

    sociedade.

    Sobre a Fonte Social do Sofrimento Humano: Quanto terceira fonte, a fonte social de sofrimento, nossa atitude diferente. No a admitimos de modo algum; no podemos perceber por que os regulamentos estabelecidos

    por ns mesmos no representam, ao contrrio, proteo e benefcio para cada um de ns.

    Contudo, quando consideramos o quanto fomos malsucedidos exatamente nesse campo de

    preveno do sofrimento, surge em ns a suspeita de que tambm aqui possvel jazer, por

    trs desse fato, uma parcela de natureza inconquistvel dessa vez, uma parcela de nossa prpria constituio psquica (p. 105).

    Argumento: (...) o que chamamos de nossa civilizao em grande parte responsvel por nossa desgraa e que seramos muito mais felizes se a abandonssemos e retornssemos s

    condies primitivas (p. 105).

    Questo: Como foi que tantas pessoas vieram a assumir essa estranha atitude de hostilidade para com a civilizao? (p. 106). Freud acredita que seu fundamento consistiu numa longa e duradoura insatisfao com o estado de civilizao ento existente e que,

    nessa base, se construiu uma condenao dela, ocasionada por certos acontecimentos

    histricos especficos:

    1. A vitria do cristianismo e o papel secundrio da vida terrena sobre as religies pags.

    2. A descoberta da inocncia, simplicidade e felicidade dos povos americanos e africanos

    por ocasio das Grandes Navegaes.

    3. Descobriu-se que uma pessoa se torna neurtica porque no pode tolerar a frustrao

    que a sociedade lhe impe, a servio de seus ideais culturais, inferindo-se disso que a

    abolio ou reduo dessas exigncias resultaria num retorno a possibilidades de

    felicidade.

    4. O poder cada vez maior do homem sobre a natureza no proporcionou mais felicidade

    para cada um.

    A Civilizao: Descreve a soma integral das realizaes e regulamentos que distinguem

    nossas vidas das de nossos antepassados animais, e que servem a dois intuitos, a saber: o de

    proteger os homens contra a natureza e o de ajustar os seus relacionamentos mtuos.

    Freud rene as caractersticas da civilizao, citando as grandes criaes e alguns aspectos

    singulares: O controle sobre o fogo sobressai como uma realizao extraordinria e sem

    precedentes. A potncia motora coloca foras gigantescas sua disposio, as quais, como

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    8

    8

    os seus msculos, ele pode empregar em qualquer direo. A escrita foi, em sua origem, a

    voz de uma pessoa ausente, e a casa para moradia constituiu um substituto do tero

    materno, o primeiro alojamento, pelo qual, com toda probabilidade, o homem ainda anseia,

    e no qual se achava seguro e se sentia vontade. Evidentemente, a beleza, a limpeza e a

    ordem ocupam uma posio especial entre as exigncias da civilizao. Nenhum aspecto,

    porm, parece caracterizar melhor a civilizao do que sua estima e seu incentivo em

    relao s mais elevadas atividades mentais do homem suas realizaes intelectuais, cientficas e artsticas e o papel fundamental que atribui s idias na vida humana.

    Freud adverte para a caracterstica talvez mais importante da civilizao: a maneira

    pela qual os relacionamentos mtuos dos homens, seus relacionamentos sociais, so

    regulados relacionamentos estes que afetam uma pessoa como prximo, como fonte de auxlio, como objeto sexual de outra pessoa, como membro de uma famlia e de um Estado.

    Talvez possamos comear pela explicao de que o elemento de civilizao entra em cena

    com a primeira tentativa de regular esses relacionamentos sociais. Se essa tentativa no

    fosse feita, os relacionamentos ficariam sujeitos vontade arbitrria do indivduo, o que

    equivale a dizer que o homem fisicamente mais forte decidiria a respeito deles no sentido

    de seus prprios interesses e impulsos instintivos.

    A substituio do poder do indivduo pelo poder de uma comunidade constitui o passo

    decisivo da civilizao. Sua essncia reside no fato de os membros da comunidade se

    restringirem em suas possibilidades de satisfao, ao passo que o indivduo desconhece

    tais restries. A primeira exigncia da civilizao, portanto, a da justia, ou seja, a

    garantia de que uma lei, uma vez criada, no ser violada em favor de um indivduo. Isso

    no acarreta nada quanto ao valor tico de tal lei. O curso ulterior do desenvolvimento

    cultural parece tender no sentido de tornar a lei no mais expresso da vontade de uma

    pequena comunidade uma casta ou camada de uma populao ou grupo racial , que, por sua vez, se comporta como um indivduo violento frente a outros agrupamentos de

    pessoas, talvez mais numerosos. O resultado final seria um estatuto legal para o qual todos

    exceto os incapazes de ingressar numa comunidade contriburam com um sacrifcio de seus instintos, que no deixa ningum novamente com a mesma exceo merc da fora bruta.

    O desenvolvimento da civilizao leva a modificaes nas disposies instintivas dos seres

    humanos, empregadas de tal modo que, em lugar dessas disposies, surge no indivduo um

    trao de carter.

    Exemplo: O exemplo mais notvel desse processo encontrado no erotismo anal das

    crianas. Seu interesse original pela funo excretria, por seus rgos e produtos,

    transforma-se, no decurso do crescimento, num grupo de traos que nos so familiares,

    tais como a parcimnia, o sentido da ordem e da limpeza qualidades que, embora valiosas e desejveis em si mesmas, podem ser intensificadas at se tornarem

    acentuadamente dominantes e produzirem o que se chama de carter anal.

    IV

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    9

    9

    Da famlia primitiva2 vida comunal Totem e Tabu

    Em Totem e Tabu [1912-13], tentei demonstrar o caminho que vai dessa famlia etapa subseqente, a da vida comunal, sob a forma de grupos de irmos. Sobrepujando o pai, os

    filhos descobriram que uma combinao pode ser mais forte do que um indivduo isolado.

    A cultura totmica baseia-se nas restries que os filhos tiveram de impor-se mutuamente,

    a fim de conservar esse novo estado de coisas. Os preceitos do tabu constituram o

    primeiro direito ou lei (p. 121). A vida comunitria dos seres humanos teve, portanto, um fundamento duplo: a compulso para o trabalho, criada pela necessidade externa, e o

    poder do amor, que fez o homem relutar em privar-se de seu objeto sexual a mulher e a mulher, em privar-se daquela parte de si prpria que dela fora separada seu filho. Eros e Ananke [Amor e Necessidade] se tornaram os pais tambm da civilizao humana.

    V

    Amars a teu prximo como a ti mesmo. Essa exigncia, conhecida em todo o mundo, , indubitavelmente, mais antiga que o

    cristianismo, que a apresenta como sua reivindicao mais gloriosa. Se adotarmos uma

    atitude ingnua para com ela, como se a estivssemos ouvindo pela primeira vez, no

    poderemos reprimir um sentimento de surpresa e perplexidade. Por que deveremos agir

    desse modo? Que bem isso nos trar? Acima de tudo, como conseguiremos agir desse

    modo? Como isso pode ser possvel? Meu amor, para mim, algo de valioso, que eu no

    devo jogar fora sem reflexo. Se, no entanto, devo am-lo (com esse amor universal)

    meramente porque ele tambm um habitante da Terra, assim como o so um inseto, uma

    minhoca ou uma serpente, receio ento que s uma pequena quantidade de meu amor

    caber sua parte e no, em hiptese alguma, tanto quanto, pelo julgamento de minha razo, tenho o direito de reter para mim.

    Atravs de um exame mais detalhado, descubro ainda outras dificuldades. No meramente

    esse estranho , em geral, indigno de meu amor; honestamente, tenho de confessar que ele

    possui mais direito a minha hostilidade e, at mesmo, meu dio. No parece apresentar o

    mais leve trao de amor por mim e no demonstra a mnima considerao para comigo. Se

    disso ele puder auferir uma vantagem qualquer, no hesitar em me prejudicar; tampouco

    pergunta a si mesmo se a vantagem assim obtida contm alguma proporo com a extenso

    do dano que causa em mim.

    Instinto Agressivo > derivado do Instinto de Morte

    O elemento de verdade por trs disso tudo, elemento que as pessoas esto to dispostas a repudiar, que os homens no so criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no

    mximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrrio, so criaturas entre cujos

    dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade (p 133).

    Freud pontua que a existncia da inclinao para a agresso, que podemos detectar em

    ns mesmos e supor com justia que ela est presente nos outros, constitui o fator que

    perturba nossos relacionamentos com o nosso prximo e fora a civilizao a um to

    elevado dispndio [de energia]. Em conseqncia dessa mtua hostilidade primria dos

    2 Freud refere-se famlia primitiva tambm como horda primeva.

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    10

    10

    seres humanos, a sociedade civilizada se v permanentemente ameaada de desintegrao.

    O interesse pelo trabalho em comum no a manteria unida; as paixes instintivas so mais

    fortes que os interesses razoveis.

    A civilizao tem de utilizar esforos supremos a fim de estabelecer limites para os

    instintos agressivos do homem e manter suas manifestaes sob controle por formaes

    psquicas reativas. Da, portanto, o emprego de mtodos destinados a incitar as pessoas a

    identificaes e relacionamentos amorosos inibidos em sua finalidade, da a restrio vida

    sexual e da, tambm, o mandamento ideal de amar ao prximo como a si mesmo,

    mandamento que realmente justificado pelo fato de nada mais ir to fortemente contra a

    natureza original do homem.

    VI

    Teoria das Pulses A importncia do dualismo O conceito de pulso em Freud sempre comporta um dualismo. At 1914, existe

    um dualismo entre pulses sexuais e pulses do eu ou de autoconservao. As ltimas

    seriam a foras utilizadas pelo eu para se proteger contra as primeiras, j que o sexual

    considerado por Freud como o nico fator forte o suficiente para promover as neuroses.

    Em 1914, com o texto Sobre o narcisismo: uma introduo, essa questo fica mais complexa porque Freud supe que as pulses do eu no passam de pulses sexuais que tm

    como objeto o ego. O que temos ento uma pulso sexual em dualidade com uma pulso

    sexual aplicada ao ego. O dualismo pulsional toma ento uma nova forma e passa a ser o

    da libido objetal e da libido do ego. O conceito de libido problematiza essa dualidade, j

    que se trata da mesma pulso, mas com diferentes alvos, objeto ou ego:

    O decisivo passo frente consistiu na introduo do conceito de narcisismo, isto , a descoberta de que o prprio ego se acha catexizado pela libido, de que o ego, na

    verdade, constitui o reduto original dela e continua a ser, at certo ponto, seu quartel-

    general. Essa libido narcsica se volta para os objetos, tornando-se assim libido objetal, e

    podendo transformar-se novamente em libido narcsica. O conceito do narcisismo

    possibilitou a obteno de uma compreenso analtica das neuroses traumticas, de vrias

    das afeces fronteirias s psicoses, bem como destas ltimas. No foi necessrio

    abandonar nossa interpretao das neuroses de transferncia como se fossem tentativas

    feitas pelo ego para se defender contra a sexualidade, mas o conceito de libido ficou

    ameaado (p. 140). Em 1920, com o texto Alm do princpio do prazer, um novo dualismo pulsional se estabelece sob a forma de pulso de vida e pulso de morte.

    Meu passo seguinte foi dado em Mais Alm do Princpio do Prazer (1920g), quando, pela primeira vez, a compulso para repetir e o carter conservador da vida

    instintiva atraram minha ateno. Partindo de especulaes sobre o comeo da vida e de

    paralelos biolgicos, conclu que, ao lado do instinto para preservar a substncia viva e

    para reuni-la em unidades cada vez maiores, deveria haver outro instinto, contrrio

    quele, buscando dissolver essas unidades e conduzi-las de volta a seu estado primevo e

    inorgnico. Isso equivalia a dizer que, assim como Eros, existia tambm um instinto de

    morte. Os fenmenos da vida podiam ser explicados pela ao concorrente, ou

    mutuamente oposta, desses dois instintos (p 141).

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    11

    11

    - O nome libido pode mais uma vez ser utilizado para denotar as manifestaes do poder de Eros, a fim de distingui-las da energia do instinto de morte.

    - Em tudo o que se segue, Freud adota, portanto, o ponto de vista de que a

    inclinao para a agresso constitui, no homem, uma disposio instintiva original e

    auto-subsistente, e retorno minha opinio de que ela o maior impedimento

    civilizao.

    - Posso agora acrescentar que a civilizao constitui um processo a servio de Eros,

    cujo propsito combinar indivduos humanos isolados, depois famlias e, depois

    ainda, raas, povos e naes numa nica grande unidade, a unidade da humanidade.

    VII

    Quais os meios que a civilizao utiliza para inibir a agressividade que se lhe ope,

    torn-la incua ou, talvez, livrar-se dela?

    Segundo Freud, a agressividade introjetada, internalizada; ela , na realidade, enviada de

    volta para o lugar de onde proveio, isto , dirigida no sentido de seu prprio ego. A,

    assumida por uma parte do ego, que se coloca contra o resto do ego, como superego, e que

    ento, sob a forma de conscincia, est pronta para pr em ao contra o ego a mesma agressividade rude que o ego teria gostado de satisfazer sobre outros indivduos, a ele

    estranhos. A tenso entre o severo superego e o ego, que a ele se acha sujeito, chamada

    de sentimento de culpa; expressa-se como uma necessidade de punio. A civilizao,

    portanto, consegue dominar o perigoso desejo de agresso do indivduo, enfraquecendo-o,

    desarmando-o e estabelecendo no seu interior um agente para cuidar dele, como uma

    guarnio numa cidade conquistada.

    Quanto origem do sentimento de culpa: h culpa se a pessoa fez algo mau ou teve a

    inteno de faz-lo.

    Como se chega a esse julgamento? Podemos rejeitar a existncia de uma capacidade

    original, por assim dizer, natural de distinguir o bom do mau. O que mau,

    freqentemente, no de modo algum o que prejudicial ou perigoso ao ego; pelo

    contrrio, pode ser algo desejvel pelo ego e prazeroso para ele.

    Por que motivo uma pessoa de submeteria a esse julgamento? Esse motivo facilmente

    descoberto no desamparo e na dependncia dela em relao a outras pessoas, e pode ser

    mais bem designado como medo da perda de amor. Se ela perde o amor de outra pessoa de

    quem dependente, deixa tambm de ser protegida de uma srie de perigos. Acima de tudo,

    fica exposta ao perigo de que essa pessoa mais forte mostre a sua superioridade sob forma

    de punio. De incio, portanto, mau tudo aquilo que, com a perda do amor, nos faz sentir

    ameaados. Por medo dessa perda, deve-se evit-lo. Esta tambm a razo por que faz to

    pouca diferena que j se tenha feito a coisa m ou apenas se pretenda faz-la. Em qualquer

    um dos casos, o perigo s se instaura, se e quando a autoridade descobri-lo, e, em ambos, a

    autoridade se comporta da mesma maneira.

    1 momento: o sentimento de culpa apenas um medo da perda de amor, uma ansiedade

    social. Em crianas, ele nunca pode ser mais do que isso, e em muitos adultos ele s se modifica at o ponto em que o lugar do pai ou dos dois genitores assumido pela

    comunidade humana mais ampla. Por conseguinte, tais pessoas habitualmente se permitem

    fazer qualquer coisa m que lhes prometa prazer, enquanto se sentem seguras de que a

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    12

    12

    autoridade nada saber a respeito, ou no poder culp-las por isso; s tm medo de

    serem descobertas (p. 148).

    2 momento: Uma grande mudana s se realiza quando a autoridade internalizada

    atravs do estabelecimento de um superego. Os fenmenos da conscincia atingem ento

    um estgio mais elevado. Na realidade, ento devemos falar de conscincia ou de

    sentimento de culpa. Nesse ponto, tambm, o medo de ser descoberto se extingue; alm

    disso, a distino entre fazer algo mau e desejar faz-lo desaparece inteiramente, j que

    nada pode ser escondido do superego, sequer os pensamentos.

    Observa-se que quanto mais renncia satisfao, maior a severidade do superego:

    - o virtuosismo: (...) quanto mais virtuoso um homem , mais severo e desconfiado o seu comportamento, de maneira que, em ltima anlise, so precisamente as pessoas que

    levaram mais longe a santidade as que se censuram da pior pecaminosidade. Isso significa

    que a virtude perde direito a uma certa parte da recompensa prometida; o ego dcil e

    continente no desfruta da confiana de seu mentor, e em vo que se esfora, segundo

    parece, por adquiri-la. (p. 149). - os Santos: (...) quando os santos se chamam a si prprios de pecadores, no esto errados considerando-se as tentaes satisfao instintiva a que se encontram expostos em grau especialmente alto , j que, como todos sabem, as tentaes so simplesmente aumentadas pela frustrao constante, ao passo que a sua satisfao

    ocasional as faz diminuir, ao menos por algum tempo (p. 149). - os infortnios: Enquanto tudo corre bem com um homem, a sua conscincia lenitiva e permite que o ego faa todo tipo de coisas; entretanto, quando o infortnio lhe sobrevm,

    ele busca sua alma, reconhece sua pecaminosidade, eleva as exigncias de sua

    conscincia, impe-se abstinncia e se castiga com penitncias. (...) Esclarecimento de

    Freud: O Destino encarado como um substituto do agente parental. Se um homem

    desafortunado, isso significa que no mais amado por esse poder supremo, e, ameaado

    por essa falta de amor, mais uma vez se curva ao representante paterno em seu superego,

    representante que, em seus dias de boa sorte estava pronto a desprezar (ps. 149 e 150).

    Conhecemos, assim, duas origens do sentimento de culpa: uma que surge do medo de uma

    autoridade, e outra, posterior, que surge do medo do superego. A primeira insiste numa

    renncia s satisfaes instintivas; a segunda, ao mesmo tempo em que faz isso exige

    punio, de uma vez que a continuao dos desejos proibidos no pode ser escondida do

    superego.

    Uma ameaa de infelicidade externa perda de amor e castigo por parte da autoridade externa foi permutada por uma permanente infelicidade interna, pela tenso do sentimento de culpa.

    Formao do superego

    A experincia mostra (...) que a severidade do superego que uma criana desenvolve, de maneira nenhuma corresponde severidade de tratamento com que ela prpria se

    defrontou. A severidade do primeiro parece ser independente da do ltimo. Uma criana

    criada de forma muito suave, pode adquirir uma conscincia muito estrita. No entanto,

    tambm seria errado exagerar essa independncia; no difcil nos convencermos de que

    a severidade da criao tambm exerce uma forte influncia na formao do superego da

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    13

    13

    criana. Isso significa que, na formao do superego e no surgimento da conscincia,

    fatores constitucionais inatos e influncias do ambiente real atuam de forma combinada)

    (p. 154).

    O papel da filogentica: No podemos afastar a suposio de que o sentimento de culpa

    do homem se origina do complexo edipiano e foi adquirido quando da morte do pai pelos

    irmos reunidos em bando. Naquela ocasio, um ato de agresso no foi suprimido, mas

    executado; foi, porm, o mesmo ato de agresso cuja represso na criana se imagina ser a

    fonte de seu sentimento de culpa.

    Mas, se o sentimento humano de culpa remonta morte do pai primevo, trata-se, afinal de contas, de um caso de remorso. Esse remorso constituiu o resultado da ambivalncia primordial de sentimentos para com o pai. Seus filhos o odiavam, mas tambm o amavam.

    Depois que o dio foi satisfeito pelo ato de agresso, o amor veio para o primeiro plano,

    no remorso dos filhos pelo ato. Criou o superego pela identificao com o pai; deu a esse

    agente o poder paterno, como uma punio pelo ato de agresso que haviam cometido

    contra aquele, e criou as restries destinadas a impedir uma repetio do ato. E, visto que

    a inclinao agressividade contra o pai se repetiu nas geraes seguintes, o sentimento

    de culpa tambm persistiu, cada vez mais fortalecido por cada parcela de agressividade

    que era reprimida e transferida para o superego. Ora, penso eu, finalmente podemos

    apreender duas coisas de modo perfeitamente claro: o papel desempenhado pelo amor na

    origem da conscincia e a fatal inevitabilidade do sentimento de culpa. Matar o prprio

    pai ou abster-se de mat-lo no , realmente, a coisa decisiva. Em ambos os casos, todos

    esto fadados a sentir culpa, porque o sentimento de culpa expresso tanto do conflito

    devido ambivalncia, quanto da eterna luta entre Eros e o instinto de destruio ou

    morte. Esse conflito posto em ao to logo os homens se defrontem com a tarefa de

    viverem juntos. Enquanto a comunidade no assume outra forma que no seja a da famlia,

    o conflito est fadado a se expressar no complexo edipiano, a estabelecer a conscincia e a

    criar o primeiro sentimento de culpa. Quando se faz uma tentativa para ampliar a

    comunidade, o mesmo conflito continua sob formas que dependem do passado;

    fortalecido e resulta numa intensificao adicional do sentimento de culpa. Visto que a

    civilizao obedece a um impulso ertico interno que leva os seres humanos a se unirem

    num grupo estreitamente ligado, ela s pode alcanar seu objetivo atravs de um crescente

    fortalecimento do sentimento de culpa (os. 156 e 157). Freud situa o sentimento inconsciente de culpa como um problema no desenvolvimento da

    civilizao, visto que os avanos da comunidade so pagos com a infelicidade e a

    intensificao do sentimento de culpa de seus membros.

    VIII

    Na clnica

    Numa dessas afeces, a neurose obsessiva, o sentimento de culpa faz-se ruidosamente ouvido na conscincia; domina o quadro clnico e tambm a vida do paciente, mal

    permitindo que aparea algo mais ao lado dele. Entretanto, na maioria dos outros casos e

    formas de neurose, ele permanece completamente inconsciente, sem que, por isso, produza

    efeitos menos importantes. Nossos pacientes no acreditam em ns quando lhes atribumos

    um sentimento de culpa inconsciente. A fim de nos tornarmos inteligveis para eles,

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    14

    14

    falamos-lhes de uma necessidade inconsciente de punio, na qual o sentimento de culpa

    encontra expresso (p. 159). Aqui, talvez, nos possamos alegrar por termos assinalado que, no fundo, o sentimento de culpa nada mais do que uma variedade topogrfica da ansiedade; em suas fases

    posteriores, coincide completamente com o medo do superego (p. 159).

    Conforme aprendemos, os sintomas neurticos so, em sua essncia, satisfaes

    substitutivas para desejos sexuais no realizados. No decorrer de nosso trabalho analtico,

    descobrimos, para nossa surpresa, que talvez toda neurose oculte uma quota de sentimento

    inconsciente de culpa, o qual, por sua vez, fortifica os sintomas, fazendo uso deles como

    punio. Agora parece plausvel formular a seguinte proposio: quando uma tendncia

    instintiva experimenta a represso, seus elementos libidinais so transformados em

    sintomas e seus componentes agressivos em sentimento de culpa. Mesmo que essa

    proposio no passe de uma aproximao mediana verdade, digna de nosso interesse.

    Definies conceituais por Freud:

    O superego um agente que foi por ns inferido e a conscincia constitui uma funo que,

    entre outras, atribumos a esse agente. A funo consiste em manter a vigilncia sobre as

    aes e as intenes do ego e julg-las, exercendo sua censura. O sentimento de culpa, a

    severidade do superego, , portanto, o mesmo que a severidade da conscincia. a

    percepo que o ego tem de estar sendo vigiado dessa maneira, a avaliao da tenso entre

    os seus prprios esforos e as exigncias do superego. O medo desse agente crtico (medo

    que est no fundo de todo relacionamento), a necessidade de punio, constitui uma

    manifestao instintiva por parte do ego, que se tornou masoquista sob a influncia de um

    superego sdico; , por assim dizer, uma parcela do instinto voltado para a destruio

    interna presente no ego, empregado para formar uma ligao ertica com o superego. No

    devemos falar de conscincia at que um superego se ache demonstravelmente presente.

    Quanto ao sentimento de culpa, temos de admitir que existe antes do superego e, portanto,

    antes da conscincia tambm. Nessa ocasio, ele expresso imediata do medo da

    autoridade externa, um reconhecimento da tenso existente entre o ego e essa autoridade.

    o derivado direto do conflito entre a necessidade do amor da autoridade e o impulso no

    sentido da satisfao instintiva, cuja inibio produz a inclinao para a agresso. A

    superposio desses dois estratos do sentimento de culpa um oriundo do medo da autoridade externa; o outro, do medo da autoridade interna dificultou nossa compreenso interna (insight) da posio da conscincia por certo nmero de maneiras.

    Remorso um termo geral para designar a reao do ego num caso de sentimento de culpa.

    Contm, em forma pouco alterada, o material sensorial da ansiedade que opera por trs do

    sentimento de culpa; ele prprio uma punio, ou pode incluir a necessidade de punio,

    podendo, portanto, ser tambm mais antigo do que a conscincia.

    Aproximaes entre processo civilizatrio e desenvolvimento humano individual

    O processo da civilizao da espcie humana , naturalmente, uma abstrao de ordem

    mais elevada do que a do desenvolvimento do indivduo, sendo, portanto, de mais difcil

    apreenso em termos concretos; tampouco devemos perseguir as analogias a um extremo

    obsessivo. Contudo, diante da semelhana entre os objetivos dos dois processos num dos casos, a integrao de um indivduo isolado num grupo humano; no outro, a criao de um

  • CURSO ESTUDO DIRIGIDO PSI INTENSIVO UERJ 2015 Psicologia Clnica

    15

    15

    grupo unificado a partir de muitos indivduos , no podemos surpreender-nos com a similaridade entre os meios empregados e os fenmenos resultantes.

    Diferenas

    No processo de desenvolvimento do indivduo, o programa do princpio do prazer, que

    consiste em encontrar a satisfao da felicidade, mantido como objetivo principal. A

    integrao numa comunidade humana, ou a adaptao a ela, aparece como uma condio

    dificilmente evitvel, que tem de ser preenchida antes que esse objetivo de felicidade possa

    ser alcanado.