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Formação dos Estados Modernos e do Poder
Aula 3 – Origem medieval do Estado moderno
Prof.: Rodrigo Cantu
Origens medievais do Estado moderno (1970)
Joseph Strayer (1904-87)
Atualmente aceitamos o estado como um dado adquirido e fora de
questão. Queixamo-nos das suas exigências, lamentamos o facto de
ele se imiscuir cada vez mais em assuntos que costumávamos
considerar privados, mas dificilmente concebemos a vida sem a
sua existência. No mundo de hoje, o pior que o destino pode
reservar a um ser humano é reduzi-lo à condição de apátrida. As
antigas formas de identificação social já não são de todo em todo
necessárias. Um homem pode levar uma vida razoavelmente
satisfatória sem família, sem um local fixo de residência, sem
confissão religiosa; sem o estado, porém, não é nada. Carece de
direitos e de segurança e as suas oportunidades de desenvolver
uma atividade útil são escassas. Não há salvação na Terra fora do
quadro de um estado organizado.
Nem sempre foi assim. Épocas houve, não muito remotas, de
acordo com o conceito de medição do tempo partilhado pelos
historiadores, em que o estado não existia e em que ninguém se
preocupava com isso. Nesses tempos era o homem sem família ou
sem senhor; sem vinculação a uma comunidade local ou a um
grupo religioso dominante, que não tinha segurança nem
oportunidades, que só podia sobreviver convertendo-se em servo
ou escravo. Os valores desse tipo de sociedade eram diferentes dos
nossos; os supremos sacrifícios da propriedade e da vida faziam-se
pela família, pelo senhor, pela comunidade ou pela religião, e não
pelo estado.
A capacidade de organização dessas sociedades era menorque a nossa; era difícil conseguir que um númeroconsiderável de pessoas trabalhasse em conjunto durantealgum tempo. Havia um forte sentimento da existência deobrigações recíprocas entre os que se conheciampessoalmente, mas a distância rapidamente fazia desapareceresse sentimento. O carácter imperfeito e limitado no espaçodesses tipos de organização traduzia-se na incapacidade dasociedade para extrair o melhor proveito dos seus recursoshumanos e naturais, no baixo nível de vida e no facto de osindivíduos capazes se verem impossibilitados de desenvolverplenamente as suas potencialidades. O desenvolvimento doestado moderno, por outro lado, tornou possível uma talconcentração da utilização dos recursos humanos quenenhum outro tipo de organização social pode evitar serrelegado para um papel secundário.
É necessária uma certa permanência no espaço e no tempo paraque uma comunidade humana se transforme num estado. Umgrupo de pessoas só pode desenvolver os modelos de organizaçãoessenciais para a construção de um estado se viver e trabalhar emconjunto, numa dada região, ao longo de muitas gerações. Ascoligações temporárias de grupos unidos por alguns interessescomuns não costumam ser núcleos de estados, a menos que aemergência que deu origem a essa união se prolongue durante otempo necessário, ou se repita com a frequência suficiente, paraque a coligação se tome, pouco a pouco, permanente, comoaconteceu, por exemplo, no caso dos Francos. Mesmo osencontros regulares e as repetidas alianças entre grupos que sereconhecem uma origem comum não bastam para constituir umestado; os contatos devem ser contínuos, e não intermitentes. Ahistória da Grécia antiga é um exemplo destes dois pontos: nem ascoligações contra a Pérsia, nem os Jogos Olímpicos foramsuficientes para reunir num estado único as cidades gregas.
Estabelecida a continuidade no espaço e no tempo, surge o sinal
seguinte da possível emergência de um estado: a formação de
instituições políticas impessoais relativamente permanentes. Os
agrupamentos políticos primitivos ou temporários podem
funcionar através de relações pessoais não estruturadas, tais
como as reuniões de homens preeminentes ou as assembleias de
vizinhos; mas, mesmo a este nível, estabelecem-se certas formas
consuetudinárias de tratar os assuntos de carácter geral; haverá
processos para resolver disputas internas e para organizar grupos
armados em caso de guerra.
Contudo, só isso não chega para a comunidade poder perdurar no
tempo e manter o seu domínio sobre uma dada área geográfica, para
os débeis laços de vizinhança se converterem numa efetiva unidade
política e para que seja possível uma utilização mais eficaz dos
variados recursos e potencialidades do povo. Terá de haver
instituições capazes de sobreviver às alterações da liderança e às
flutuações do grau de cooperação entre os vários subgrupos,
instituições que permitam um certo grau de especialização nas
questões políticas, aumentando assim a eficiência do processo
político, instituições que fortaleçam o sentimento de identidade
política do grupo. Quando tais instituições surgem atingiu-se um
ponto-chave na constituição do estado.
Estabelecida a continuidade no espaço e no tempo, surge o sinal seguinte
da possível emergência de um estado: a formação de instituições políticas
impessoais relativamente permanentes. Os agrupamentos políticos
primitivos ou temporários podem funcionar através de relações pessoais
não estruturadas, tais como as reuniões de homens preeminentes ou as
assembleias de vizinhos; mas, mesmo a este nível, estabelecem-se certas
formas consuetudinárias de tratar os assuntos de carácter geral; haverá
processos para resolver disputas internas e para organizar grupos armados
em caso de guerra.
Contudo, só isso não chega para a comunidade poder perdurar no tempo e
manter o seu domínio sobre uma dada área geográfica, para os débeis laços
de vizinhança se converterem numa efectiva unidade política e para que
seja possível uma utilização mais eficaz dos variados recursos e
potencialidades do povo. Terá de haver instituições capazes de sobreviver
às alterações da liderança e às flutuações do grau de cooperação entre os
vários subgrupos, instituições que permitam um certo grau de
especialização nas questões políticas, aumentando assim a eficiência do
processo político, instituições que fortaleçam o sentimento de identidade
política do grupo. Quando tais instituições surgem atingiu-se um ponto-
chave na constituição do estado.
Por outro lado, o aparecimento de instituições especializadas nãoconduz inevitavelmente à criação de um estado. As instituiçõespodem desenvolver-se simplesmente, para proteger os interessesprivados dos ricos e dos poderosos. Um chefe tribal, por exemplo,pode pretender ter uma contabilidade regular da renda das suasterras e rebanhos, como qualquer proprietário. Uma contabilidadedesse tipo não estabelece necessariamente as bases de umMinistério das Finanças. Um grupo de terratenentes aristocráticos,desejando resolver antigas disputas que prejudicam as suaspropriedades ou dizimam os seus homens, pode ser levado aconstituir um sistema de tribunais. Como o demonstra, porém, ahistória antiga da Islândia, a existência desses tribunais nãoconduz forçosamente à aceitação da supremacia da lei, nem aoaparecimento de uma autoridade que a faça cumprir. Os tribunaispodem ser apenas um instrumento cómodo, susceptível de serutilizado ou não, conforme as circunstâncias.
No entanto, precisamente porque, na época anterior aoaparecimento do estado, não é possível traçar uma distinção claraentre público e privado, qualquer instituição duradoura pode, como tempo, vir a tomar-se parte de uma estrutura estatal, ainda queoriginalmente não tenha sido criada para desempenhar essafunção. Assistimos a um processo semelhante em temposrelativamente recentes. A Commonwealth de Massachusetts e oImpério Britânico da índia tiveram origem em instituiçõesestabelecidas por corporações privadas. Atualmente. um doscargos públicos mais antigos do mundo é o de xerife (oficial dejustiça): os primeiros xerifes, porém, mais não eram do quesimples administradores das propriedades dos reis anglo-saxónicos.
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Tudo isto nos conduz ao último dos nossos critérios, que é
simultaneamente o mais importante e nebuloso: a substituição dos laços
de lealdade à família, à comunidade local ou à organização religiosa por
idênticos laços, agora em relação ao estado, e a aquisição por parte deste
de uma autoridade moral capaz de servir de suporte à sua estrutura
organizativa e à sua teórica supremacia legal. No final de todo este
processo, os súditos passam a aceitar a ideia de que os interesses do
estado devem prevalecer sobre todos os outros e a considerar que a
preservação do estado é o maior dos bens sociais. Porém, essa mudança
é, em regra, tão gradual que se toma difícil documentar as suas
sucessivas fases; é impossível afirmar que, num determinado momento,
a lealdade ao estado se tornou dominante.
O problema complica-se pelo facto de a lealdade ao estado não ser o
mesmo que nacionalismo; na realidade, nalgumas zonas, o nacionalismo
opôs-se tenazmente à lealdade aos estados existentes. Mesmo nos países
afortunados, em que o nacionalismo veio reforçar a lealdade ao estado,
esta já existia anteriormente e suscitava sentimentos muito mais frios.
Tais sentimentos eram semelhantes aos que, em regra, andam ligados à
ideia de humanitarismo e, de certa forma, essa lealdade era uma espécie
de humanitarismo. O estado vinha proporcionar uma paz e uma
segurança maiores e melhores oportunidades de uma vida desafogada
do que as frágeis associações de comunidades; por isso, devia ser
apoiado.
• Permanência no tempo
• Impessoalidade das instituições
• Lealdade e dependência do Estado
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Quais fatores impulsionaram o surgimento do Estado moderno na Idade Média europeia segundo Strayer?
Por que?
Trechos do texto