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AS “INAUDÍVEIS”

ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS

MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

AS “INAUDÍVEIS” ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS

MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Centro de Estudos Urbanos de Moçambique (CeUrbe)

Maputo, Janeiro de 2019

Copyright © As “inaudíveis”: Estudo sobre violência contra a mulher nas eleições: o caso dos Municípios

de Mocuba e Chókwè. 2018

FICHA TÉCNICA

Título As “inaudíveis”: Estudo sobre violência contra a mulher nas eleições: o caso dos Municípios de Mocuba e Chókwè

Propriedade Centro de Estudos Urbanos de Moçambique (CeUrbe)

Coordenação de Pesquisa Elísio Muendane

Pesquisadores Elísio Muendane, Egídio Guambe, Jaime Guiliche e Géssica Macamo

Assistentes de campo Dias Muandichalira e Benedito Mabjaia

Revisor Linguístico Leonardo Vicente

Projecto Gráfico Nelton Gemo

Tiragem 100 exemplares

Financiador Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID)

Ano 2019

Direitos e Autorizações

Todos os direitos reservados.

O texto e dados desta publicação podem ser usados desde que as fontes sejam citadas. Reproduções com fins comerciais são proibidas.

As opiniões expressas nesta publicação são da responsabilidade dos seus autores e não representam necessariamente as opiniões da Counterpart International, da USAID ou qualquer das suas

organizações afiliadas, assim como, das pessoas entrevistadas ao longo da pesquisa.

Mais informações de contacto:

Centro de Estudos Urbanos de Moçambique (CeUrbe)

Endereço: Rua da Imprensa, 256, Porta 501, Maputo - Moçambique Contacto: Tel. +258 21 316 665 | Fax: + 258 21 216 665| +258 85 207 2443 Email: [email protected]

Website: www.ceurbe.org.mz

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Mapa 1. Localização geográfica das áreas de estudo

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

EDITORIAL

A inauguração das eleições nos contextos africanos nos inícios dos anos 1980 foi acompanhada por abertura do campo político a multiplicidade de actores. As eleições passaram a ser o maior símbolo de democratização e de compromisso de pacificação dos novos Estados transitados do autoritarismo pós-colonial. A legitimação dos Estados e dos seus dirigentes seriam assim construída a partir de mecanismos transparentes, credíveis e pacíficos de realização das eleições. Porém, se os pressupostos democráticos estruturam os ideias e a vontade de todos, as recidivas autoritárias ainda persistem. Por essa via, embora a aprendizagem das práticas democráticas se manifeste, ela se consolida de forma lenta e com certos recuos em alguns casos. Efectivamente, a realização de eleições regulares é um ganho para o ideal democrático nos países africanos. No entanto, tais eleições servem, na maioria das vezes, de simples instrumentos de encenação autoritária para entronização de lideranças políticas sem um compromisso com transparência e credibilidade o que afecta sobremaneira o tipo de legitimidade das autoridades públicas saídas das eleições. Assim as eleições se caracterizam, contrariamente ao previsto, em momentos de violência quase que institucionalizada, onde a mulher ocupa a posição dos “inaudíveis”.

Moçambique realizou as suas eleições fundadoras de 1994 depois de um longo período de autoritarismo sem paz, ou seja, caracterizado por uma violência que veio a se transformar em guerra civil entre o partido governamental Frelimo e a Renamo cessada em 1992. Desde as primeiras eleições, sobretudo a partir das segundas eleições gerais de 1999, a onda de violência conhece proporções variadas em locais também variáveis. Ciclicamente todas eleições se acompanham de conflitos seja no acordo sobre as regras de jogos de realização, seja no momento de campanha ou ainda na enunciação de resultados, os confrontos eleitorais são recorrentes. A instauração de eleições autárquicas agravou ainda mais os focos de

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conflitos. No entanto, são pouco os estudos que mapeiam os espaços, os perpetradores, as vítimas assim como os momentos de ocorrência. Por isso mesmo a monitoria e atenção para desenvolver acções que reduzam a incidência de violência eleitoral são muito reduzidas por conta de falta de uma sistematização dum conhecimento testável sobre a violência eleitoral.

O CeUrbe, tendo em consideração esta limitação, enveredou por uma metodologia relativamente inovadora no contexto moçambicano — estudar a violência eleitoral a partir da perspectiva de género — como forma de incitar uma sistematização de conhecimento sobre as facetas da violência nos processos eleitorais que afligem a mulher, a maior base social de apoio ao processo democrático no país. O CeUrbe entende que a partir desta abordagem seja possível apreender de forma mais perspicaz os contornos da violência e propor mecanismos de acção interventiva para mudanças imediatas e de longo prazo. Com efeito a violência nos processos eleitorais tem faces: geralmente ela encontra na mulher o campo, o instrumento e o meio pelo qual se faz e se transforma em recursos de competição política e de intimidação entre os concorrentes bem como da população no geral.

Este cenário é contornável assim que uma informação mais sistematizada possa gerar modalidades de acção mais criativas e é esta linha acção do CeUrbe — gerar conhecimento e formas criativas de intervir para proporcionar espaços de vida colectiva mais pacíficos legitimando as instituições políticas. Nisso uma abordagem de violência eleitoral contra a mulher é estimulante como forma de dar voz as “inaudíveis” e dar rosto as “invisíveis” das eleições, isto é, as mulheres nas suas múltiplas posições e papéis nos processos eleitorais que por inerência são susceptíveis a acção violenta recorrente nos processos eleitorais, nomeadamente: mulheres eleitoras, jornalistas, observadoras, militantes dos partidos, candidatas, edis, membros das assembleias municipais, enfim, as mulheres na política local.

Egídio Paulo GUAMBE

Director Executivo, CeUrbe

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AGRADECIMENTOS A equipa de pesquisadores agradece, em primeiro lugar, à Counterpart International pelo acompanha-mento em todos os estágios de produção do estudo.

Este estudo foi possível graças ao generoso apoio do povo americano através da Agência dos Esta-dos Unidos para o Desenvolvimento Internacio-nal (USAID) sob o Acordo Cooperativo No. AID--656-A-16-00003. As opiniões aqui expressas são dos autores e não refletem necessariamente as opi-niões da USAID / USG.

Os nossos agradecimentos são extensivos às Pre-sidentes dos Conselhos Municipais de Mocuba e Chókwè, respectivamente, Beatriz Gulamo e Lídia Cossa e aos Presidentes das Assembleias Munici-pais dos respectivos municípios, nomeadamente Salomone António e Artur Niruaca. Às mulheres e homens membros das Assembleias Municipais vai, igualmente, o nosso caloroso agradecimento pelo acolhimento, informações prestadas e pela interação permanente.

Em última instância, mas não menos importante, endereçamos o nosso muitíssimo obrigado aos mi-litantes dos partidos políticos, à polícia, às unidades sanitárias, aos órgãos de administração eleitoral, às organizações da sociedade civil, aos jornalistas, ob-servadores eleitorais e eleitores com quem interagi-mos durante a pesquisa e que prestaram informa-ções de grande valor para a riqueza do estudo que ora se apresenta.

Sem a colaboração de todos estes actores, esta pes-quisa não passaria de projeto à consumação.

Muito Obrigado!

Foto por: Neide Gwesela/Counterpart International

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ÍndiceEDITORIAL .........................................................................................................................IIAGRADECIMENTOS ..........................................................................................................IVACRÓNIMOS E ABREVIATURAS .................................................................................. VIIEXECUTIVE SUMMARY .................................................................................................. VIIISUMÁRIO EXECUTIVO .................................................................................................XVIII

I. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 1O QUE SABEMOS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES? ........ 1

1.1. ESTRUTURA DO RELATÓRIO DE PESQUISA ................................................................................................... 6

1.2. VAWIE: QUADRO TEÓRICO E CONCEPTUAL ...................................................................................................7

1.3. MODELO DE ANÁLISE ............................................................................................................................................12

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ .................................................................................................. 19

II. METODOLOGIA ................................................................................................................... 15

III. RESULTADOS ..................................................................................................................... 193. ESTATUTO DA MULHER EM MOÇAMBIQUE E NOS MUNICÍPIOS ...............................................................20

4. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA MULHER NOS MUNICÍPIOS DE CHÓKWÈ E MOCUBA .......................... 25

5. TENDÊNCIAS DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NAS ELEIÇÕES .................................................... 32

5.1. MOCUBA: EXPERIÊNCIAS E NARRATIVAS DE VIOLÊNCIA ELEITORAL CONTRA A MULHER ...... 33

5.1.1. Tipologia da violência contra a mulher em Mocuba ........................................ 385.1.1.1. Violência física: “guarnição do voto” como factor de violência .................................................. 385.1.1.2. Violência económica: Ostracismo económico como instrumento de violência ..................... 425.1.1.3. Violência psicológica: da família às práticas administrativas e discriminatórias .............. 46

5.2. MUNICÍPIO DE CHÓKWÈ E A EXPERIÊNCIA DE “VIOLÊNCIA PARTIDARIA FEMINIZADA” ............51

5.2.1. Tipologias de violência eleitoral contra a mulher em Chókwè ...................525.2.1.1.. Violência física : os grupos de choque e os desafios tipicamente partidários ................... 535.2.1.3. Violência económica: efeitos políticos da privação económica ...................................................61

6. RESPOSTAS À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: CASOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ 64

IV. CONCLUSÃO ......................................................................................................................69UMA COMPREENSÃO COMPARATIVA DA VAWIE - MOCUBA E CHÓKWÈ ................69

V. RECOMENDAÇÕES.............................................................................................................. 74

VI. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 77

VI. ANEXOS ..............................................................................................................................83

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GráficosGráfico 1. Distribuição de mulheres por actividade remunerável nos municípios ....22Gráfico 2. Tendência de nomeação das mulheres a cargos de liderança dentro dos partidos ....................................................................................................................................................23Gráfico 3. Nível de representação das mulheres nas assembleias municipais .......... 26Gráfico 4. Liberdade das mulheres para circulação no espaço público .........................27Gráfico 5. Preferência para a liderança do município com base no género ................ 28Gráfico 6. Vítimas de violência eleitoral em Mocuba ............................................................ 35Gráfico 7. Perpetradores da VAWIE ............................................................................................... 35Gráfico 8. Perfil dos perpetradores de VAWIE ........................................................................... 35Gráfico 9. Locais de ocorrência da VAWIE .................................................................................. 36Gráfico 10. Período de ocorrência da VAWIE ..............................................................................37Gráfico 11. Tendência dos tipos de violência eleitoral por género .................................. 38Gráfico 12. Manifestações mais recorrentes de violência psicológica contra as mulheres ..................................................................................................................................................47Gráfico 13. Tipologia de VAWIE em Chókwè ................................................................................52Gráfico 14. Tendência de voto no município de Chókwè ..................................................... 54Gráfico 15. Vítima de violência por gênero em Chókwè ....................................................... 56Gráfico 16. Local de ocorrência de violência contra a mulher em Chókwè ................. 58Gráfico 17. Perfil dos perpetradores da VAWIE em Chókwè ................................................. 59Gráfico 18. Perpetradores de violência contra mulher em Chókwè ................................. 59Gráfico 19. Tendência da violência psicológica por género no município de Chókwè . ..................................................................................................................................................................... 60Gráfico 20. Conhecimento de episódios de violência em Chókwè e Mocuba .............. 64Gráfico 21. Nível de denúncia de VAWIE em Chókwè e Mocuba ........................................ 65Gráfico 22. Desfecho dos casos de VAWIE .................................................................................. 65Gráfico 23. Acções de resposta à VAWIE .......................................................................................67

MapasMapa 1. Localização geográfica das áreas de estudo ................................................................I

Mapa 2. Municípios de Chókwè e de Mocuba ............................................................................16

TabelasTabela 1. Framework para a compreensão do VAWIE .............................................................13

Tabela 2. Amostra do estudo ............................................................................................................ 17

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ACRÓNIMOS E ABREVIATURAS ATLAS TI The qualitative data analysis & research software

AMUDHF Associação das Mulheres para a promoção dos Direitos Humanos e Combate à Fístula

CEDES Comité Ecuménico para o Desenvolvimento Social

CNE Comissão Nacional de Eleições

CRM Constituição da República de Moçambique

Frelimo Partido Frente de Libertação de Moçambique

HIV/SIDA Vírus da Imunodeficiência Humana/ Síndrome de Imunodeficiência Adquirida

MAMO Movimento Alternativo de Moçambique

MDM Partido Movimento Democrático de Moçambique

OGE Órgãos de Gestão Eleitoral

OJM Organização da Juventude Moçambicana

PCBG Parceria Cívica para Boa Governação

PRM Polícia da República de Moçambique

Renamo Partido Resistência Nacional de Moçambique

SADC Southern Africa Development Community

SPSS Statistical Package for the Social Sciences

STAE Secretariado Técnico de Administração Eleitoral

VAWIE Violence Against Women In Elections

VAWIP Violence Against Women In Political

VBG Violência Baseda no Género

VEBG Violência Eleitoral Baseada no Género

WLSA Women and Law in Southern Africa

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EXECUTIVE SUMMARY

The “inaudible”: a study of violence against women in the elections: the case of the Municipalities of Mocu-

ba and Chókwè, is a pioneering study that documents the narratives and experienc-es of violence against women during elec-tions in Mozambique. Electoral violence is a common problem in Mozambican elections but how it affects women is deeply misun-derstood. Violence against women in elec-tions (VAWIE) is defined as a threat or act of physical, psychological, sexual, domes-tic or economic nature perpetrated against women in any of their roles as electoral ac-tors (female candidates, voters, journalists, party workers, sympathizers and members of parties, campaign supporters, etc.) occur-ring in the public or private space, before, during and after the vote with the intention of interfering with free and equal participa-

1 Jessica Huber and Lisa Kammerud, « Violence Against Women in Elections: A Framework for Assessment, Monitoring, and Response », Arlington, Interna onal Founda on for Electoral Systems, 2017. Gabrielle Bardall, «  Violence Against Women in Elections in Zimbabwe: An IFES Assessment  », Arlington, International Foundation for Electoral Systems, 2018. Gabrielle Bardall, « Violence Against Women in Elections in Haiti: An IFES Assessment », Arlington, International Foundation for Electoral Systems, 2018. Silja Paasilinna, Palmer Wetherald and Megan Ritchie, «  The Effect of Violence on Women’s Electoral and Political Participation in Bangladesh », Arlington, International Foundation for Electoral Systems, 2017.

2 Gender-based violence (GBV) is the general term used to capture violence that occurs as a result of the normative role expectations associated with each gender, along with the unequal power relationships between the two genders, within the context of a specific society. Shelah Bloom, « Violence against women and girls: A compendium of monitoring and evaluation indicators », USAID East Africa Regional, 2008, p.14. In short, Gender-based violence is violence directed against a person because of their gender. Both women and men experience gender-based violence but the majority of victims are women and girls.

tion of women in the electoral processes1. VAWIE is a specific form of gender-based violence (GBV)2 that occurs ‘normally’ and continues through the election cycle target-ed against women because they are women.

For this study, data was collected from two case studies conducted in the Mocuba and Chókwè municipalities. Three factors gov-erned the choice of these two municipali-ties: firstly, because they are municipalities covered by the Civic Partnership for Good Governance, a program led by the Counter-part International; in second place, they are municipalities with a historical trajectory of female leadership, Mocuba (Beatriz Gu-lamo) and Chókwè (Lídia Cossa Camele); and, finally, the two municipalities present differentiated trajectories of violence, that is, the municipality of Chókwè presents rates of electoral violence without real political

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competition, while Mocuba presents lev-els of electoral violence in contexts of high political competition. Frelimo and Renamo are the main political parties and MDM is a weak third party. However, since the first local elections held in 1998 until the last one held in 2018, Frelimo is the electoral domi-nant party in both municipalities.

The City of Mocuba is located at the north-central extreme in the heart of the Mocuba District at the confluence of the Licungo and Lugela Rivers about 150 km northwest of the City of Quelimane in the northern province of Zambézia. According to the 2007 census the municipality has a population of 154,704 inhabitants. Mocuba was elevated to the category of City on February 12, 1971 and has hosted municipal elections since 1998. At present, the municipality is presided over by Geraldo Sotomane who replaced the first female president of the municipal council Beatriz Gulamo. The City of Chókwè is located in the province of Gaza in the south of Mozambique. The physical boundaries are the Guijá District to the north and the Limpopo River to the northeast. With an area of 85km2, it has a population of 89, 633 inhabitants, according to the 2007 census. Chókwè was elevated to the category of City on August 17, 1971 and has hosted municipal elections since 1998. The municipality is currently presided over by Sérgio Moiane who succeeded the first

3 ATLAS.ti is a powerful workbench for the qualitative analysis for large bodies of textual, graphical, audio and video data.

4 Marcello Beckert Zappellini e Simone Ghisi Feuerschütte, «  O uso da triangulação na pesquisa científica brasileira em administração », Administração: Ensino e Pesquisa, vol. 16 / 2, 2015, p. 241-273.

female president of the municipality Lídia Cossa Camela.

The fieldwork took place in two phases, one before the election day on October 10, 2018 and one after: Phase First, from September 10-19, 2018, and second from November 12-17, 2018. Quantitative and qualitative data was collected during both phases of the study. Qualitative data, in addition to documentary analysis, included 20 semi-structured interviews and 17 focus group interviews. A quantitative survey was applied to a sample of 204 respondents, including voters, members of political parties and civil society organizations. In order to ensure that the study captured the perspective of women during the election cycle, the distribution sample included a higher percentage of female respondents than male respondents. Women made up 68% of the respondents and men 32%. Qualitative data was processed from ATLAS.ti 3 while quantitative data was processed based on Statistical package for the social science (SPSS). Data analysis was based on the triangulation method. Triangulation is understood as a procedure that combines different methods of data collection, distinct populations (or samples), different theoretical perspectives and different moments in time, to consolidate their conclusions about the phenomenon being investigated4.

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The main limitations of the study were: the time frame did not allow the study to start in the voter registration phase; the inaccessibility of some actors in terms of not being able to speak, such as the electoral governing bodies and the Frelimo party; lack of financial resources to conduct the study across other municipalities, finally, the fact that women have been socially conditioned to not speak out about issues related to electoral violence, and GBV in general.

The analysis of electoral violence against women during the election period was based on five analytical categories: (i) perpetrators; (ii) victims (iii) types of violence (physical, sexual, psychological and economic); (iv) the places where violence occurs (on the street, at home, in political parties,); and, lastly, (v) the time during the election period when women are most likely to experience violence.

This research posed the following questions:

1. How does violence perpetrated against women affect their engagement in the political process?

2. What are the specific forms of violence experienced by women during the electoral process in the public and private spheres?

3. What is the gender distribution of the group of individuals who commit violence against women in elections?

4. What is the profile of the perpetrators of electoral violence against women?

5. What are the places where violence occurs?

6. When does it occur (before, the day or after) the election?

7. What are the instruments of action?

The Findings

Electoral violence is experienced indiscriminately by both men and women. However, women are not only victims of physical violence, they are also victims of economic and psychological violence; and they experience this violence more significantly than their male counterparts. Electoral violence experienced by women affects their political and electoral participation. Women are prevented from voting because of family pressures and the fear of the “political game”, as well as women self-exclude themselves or are excluded to be candidates because of the asymmetry of resources. Female journalists and observers have lower civic participation rates because of the high rate of violence against women. There are clear trends regarding the actors involved, the location of the act, time and action resources depending on whether it is a physical, economic or psychological act of violence.

Physical Violence: The Municipality of Chókwè is one with little political competition between parties and yet it has historically been a municipality with high levels of violence in general. On the contrary, in the municipality of Mocuba, the high

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level of political competition is the cause of electoral violence. In the former 2018 local elections, the Municipality of Mocuba registered peaceful elections compared to the Municipality of Chókwè. Violence between political parties is common in the two municipalities analyzed. In Mocuba, women experience more circumstances and collectivized forms of physical violence that derive from the practice of social control of the vote5. This type of violence usually occurs in the polling stations whose perpetrator is the police and is aimed at women voters tending to be supporters of opposition parties. In Chókwè, in contrast, women suffer from physical electoral violence within the motive of party disputes. Physical violence against women has a partisan, organized and structured sense. For example: The “Shock Group” of women affiliated to the Frelimo Party. During the election campaign the shock group attacked many women who wore Renamo Party t-shirts and were compulsively forced to

5 The article 84 of the Electoral Law No. 7/2018 on the election of the members of Local Authorities indicates that citizens who have already exercised their right to vote are not allowed to attend polling stations. However, voters of the opposition parties remain in polling stations violating the law as a way of controlling their vote and avoiding fraud during the counting and tabulation phase. This illegal electoral observation mechanism directly made by voters not properly accredited is called social control of the vote and constitutes a potential source of violence between the police and the voters tending to be supporters of the opposition parties.

6 Economic harm, coercion or abuse comes in institutional as well as personal forms. It includes harm or threats to harm a business, termination or threat of termination of employment, or other threats or theft related to one’s livelihood. In families or between spouses, it may include situations where one member or spouse partner intentionally denies access to financial resources to another to enforce dependency and coerce her or his electoral decisions and/or participation. May include theft, preventing a spouse from acquiring resources, forcibly limiting spouse’s expenditure on essential goods, creating debts or spending a spouse’s resources without her or his consent, preventing a spouse from seeking employment/education/assets, etc. Spousal economic harm disproportionately affects women. Gabrielle Bardall, « Breaking the Mold: Understanding Gender and Electoral Violence », Arlington, International Foundation for Electoral Systems, 2011.

7 The International Convention on Civil Rights, the Beijing Declaration and Platform for Action, the Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women - CEDAW, the 3rd Sustainable Development Objective; the African Charter on Human and Peoples’ Rights on the Rights of Women in Africa and the SADC Protocol on Gender and Development are examples of international and regional agreements ratified by Mozambique in order to recognize the place for women in political institutions.

wear T-shirts from the Frelimo Party. It was exactly in this act that one of the women wearing a Renamo T-shirts was stabbed for refusing to take it. In general, public spaces, especially markets and streets, are the places with the highest incidence of physical violence. Additionally, violence more often takes place between women during the pre-election, although there are still male perpetrators of violence in this phase.

Economic Violence6: In Chókwè, the economic dimension of violence is, in part, a tributary of the social division of labor. Men reinforce the local culture of male domination of the public sphere and also the role of women in society and their place in political institutions7. Elections are the “man” issue as a result of family economic dynamics. In the electoral processes, economic violence decreases the likelihood of women exercising their right to vote or, under the yoke of domestic responsibility, they find their participation in elections

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conditioned by the wills of their husbands. In Mocuba, economic violence manifests itself in a different way. There, women who are members of opposition parties suffer mainly economic and discriminatory sanctions, and intimidation is perpetrated mainly by male members and sympathizers of contending parties. Men lead boycotts of the spaces of sociability of the women supporters of opposition parties. This type of violence has a long duration (it begins prior to the elections and intensifies on in the election day) and occurs usually in the market. Female party members and potential candidates are also subject to economic violence from within their own parties. The unequal distribution of resources between men and women within political parties constrains the participation and political ambitions of women to present themselves as candidates. This type of violence is common among parties and has more a symbolic and structural dimension; that is, of a long duration in which women participate as agents of their own domination because of the economic deprivation situation in which they find themselves.

Psychological Violence: The studies in Mocuba and Chókwè illustrate that this specific form of violence happens simultaneously when the other violence occurs. Psychological violence perpetrated by men, by the families, by the women themselves builds an environment of censorship and stigmatization of women

and their participation in the political public sphere. In Chókwè, the women are stigmatized and associated with pre-judgments in terms of women’s behavior (prostitution, clientelism, favoritism, etc.). These attitudes prevent women from gaining access to political life as party supporters and candidates. In Mocuba, psychological violence affects women in terms of ostracism, intimidation and discriminatory administrative practices perpetrated by the neighborhood as well as members of the community and local authorities. The denial of formal and informal social protection helps perpetuate this kind of violence.

The study concluded that:

• There are patterns of electoral violence experienced by women that differ significantly from the experiences of men. In addition to physical violence, women experience economic and psychological forms of violence during electoral processes in the public and private spheres. Both men and women perpetrate acts of violence against women in elections, so women are not only victims but also perpetrators of violence.

• The female victims of violence in elections are women with strong, transparent party ties, and the pro-file of the perpetrators is mainly members of political parties and the administrative and law enforcement authorities themselves. Victims and perpetrators vary according to the type

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of violence. In Chókwè victims of physical violence are main-ly female members and sym-pathizers of political parties, victims of economic violence are mainly female voters, and psychological violence affects all women, regardless of the level of their engagement in the political process. In Mocuba, members and sympathizers of political parties are the main victims of physical, economic and psychological violence. As for the profile of the perpetra-tors, there is a strong partisan-ship, with the Frelimo Party being held accountable for the violence against its compet-itors. Economic violence is gendered and, men are singled out as the greatest perpetrators against their female counter-parts and female party mem-bers. Psychological violence affects all the female actors in the electoral process, but with some relative association with party differences;

• Violence against women in elections occurs both in public spaces and in private spaces, and it varies according to the type of violence. In general, public spaces correspond to polling places, markets and

streets, which are the places with the highest incidence of physical violence. Economic and psychological violence occurs mainly in the home, political party, and in the work environment, that is, in private spaces that are relatively more difficult to observe.

• With regard to the timing, electoral violence against women occurs throughout the course of the election cycle. In this context, the intensity of acts of violence will vary according to the type of violence. Physical violence, for Mocuba, is mainly in the period after the vote. In Chókwè, physical violence obeys an average time, with a higher incidence during the electoral campaign period. Economic and psychological violence in both municipalities intensifies close to the day of voting, but it is continuous throughout the election cycle. Family, social, and partisan pressures tend to gain momentum at the time of the vote.

• Finally, the treatment of cases of electoral violence is only observed in cases of physical violence. If there is no witness to the physical

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violence, these cases are not addressed. The role of media and social networks has been important in revealing the extent of physical violence during the election period. However, for the two cases under study, prosecution of complaints has been undermined by party influence in the institutions of the administration of justice. The cases have not been given due treatment as a result of partisan interference with public institutions. Feelings of impunity for acts of violence is an incentive structure that allows the spread of electoral violence against women in elections.

Finally, the study produced the following recommendations:

• Awareness about VAWIE for behavior change. Violence against women in their different dimensions is a new concept in Mozambique and is not discussed, although the study shows its real existence. Therefore, it is necessary to develop a communication strategy, in order to educate, publicize, and disseminate messages on the problem, thereby making the issue of violence against women public. Regular and regional dissemination of research results, promotion of public radio and television debates, printing of communication materials, promotion of campaigns on social networks involving men and women, workshops with political parties are part of a broad

strategy that can raise awareness of the problem and remove it from obscurity. Consider creating a platform online where women can anonymously discuss violence perpetrated against them. Knowing what is happening to other women makes women (or people in general) more inclined to speak publicly.

• Continue to map, at the national level, the situation of women, elections and electoral violence. One of the limitations of the pilot study was the limited geographic coverage of the study which was only conducted in two municipalities. It is recommended to extend the scope of the study to a national or regional dimension as a way of seeking more evidence on the phenomenon to better understand and coordinate prevention and mitigation actions.

• CSO training in monitoring violence against women in elections. Gender issues do not make up part of the election observation process. It is important to continue to train civil society organizations that intend to observe elections in order to equip them with the necessary skills, techniques and tools to observe elections with a gender point of view. The goal is to integrate VAWIE into their monitoring and election observation instruments.

• Work with political parties for the prevention and mitigation of intra

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and inter-party VAWIE. One of the main findings of the study is that electoral violence against women has a partisan tendency. It is necessary for parties to develop a code of conduct that establishes the commitment among political parties to eliminate violence against women in elections. At the intra-party level, it is necessary to work with political parties to adopt affirmative action plans within the party in order to break the barriers and ensure gender balance in the internal elections process.

• Appropriation of VAWIE approach in the electoral institutions. Despite the existence of a vast and rich normative framework on gender-based violence in Mozambique, there is no legal framework that prevents and penalizes violence against women in elections. The study recommends advocacy in order to integrate violence against women in elections in the different

legal and normative instruments, codes of conduct, protocols, etc. that regulate the electoral processes in Mozambique.

• Ensuring that perpetrators are held accountable. It is true that the sense of impunity for acts of electoral violence in general, and against women in particular, functions as an incentive structure for the spread of electoral violence. The study recommends creating a platform of reference for the victims, jointly with civil society, police and judicial bodies, in order to: ensure perpetrators of electoral violence are held accountable; provide security for potential victims; and provide access to justice for victims of electoral violence. Consider women support groups – maybe support groups for violence in general, but certainly during the election cycle the conversation would shift to the intersection of other forms of violence and elections violence.

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Foto por: Neide Gwesela/Counterpart International

The study concluded that:

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There are patterns of electoral violence experienced by women that differ significantly from the experiences of men.

The female victims of violence in elections are women with strong, transparent party ties, and the profile of the perpetrators is mainly members of political parties and the administrative and law enforcement authorities themselves.

Violence against women in elections occurs both in public spaces and in private spaces, and it varies according to the type of violence.

As regards to the timing, electoral violence against women occurs throughout the course of the election cycle.

The treatment of cases of electoral violence is only observed for cases of physical violence.

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SUMÁRIO EXECUTIVO

“As inaudíveis”: estudo sobre a violência contra as mulheres nas eleições os casos dos mu-

nicípios de Mocuba e Chókwè, é um estudo pioneiro que tem como objectivo documen-tar as narrativas e experiências da violência contra a mulher nas eleições (VAWIE) em Moçambique. A violência contra as mulhe-res nas eleições é qualquer ameaça ou acto nocivo de natureza física, psicológica, se-xual, doméstica ou económica perpetrado contra as mulheres, em qualquer de seus papéis como actores eleitorais (candidatas, eleitoras, jornalistas, simpatizantes e mem-bros de partidos, apoiantes de campanha, etc.) que ocorre no espaço público ou pri-vado, antes, durante e após a votação com a intenção de interferir na participação livre e igualitária da mulher no processo eleitoral. Portanto, a violência contra a mulher nas eleições vai para além da violência eleitoral.

As evidências foram produzidas a partir de dois estudos de caso, nomeadamente Mocuba e Chókwè. Três factores justificaram a escolha destes dois municípios: em primeiro lugar, por se tratar de municípios abrangidos pela Parceria Cívica para Boa Governação, programa liderado pelo Counterpart Internacional;

em segundo lugar, são municípios com trajectórias de liderança feminina, Mocuba (Beatriz Gulamo) e Chókwè (Lídia Cossa Camele); e, por último, os dois municípios apresentam trajetórias diferenciadas de violência, ou seja , o município de Chókwè apresenta índices de violência eleitoral sem competição política real enquanto que Mocuba apresenta níveis de violência eleitoral em contextos de alta competição política.

A Cidade de Mocuba situa-se no extre-mo centro-norte no coração Distrito de Mocuba na confluência dos Rios Licungo e Lugela a cerca de 150 Km a noroeste da Cidade de Quelimane na província norte-nha da Zambézia. De acordo com o censo 2007 o município possui uma população de 154.704 habitantes. Mocuba foi elevada a categoria de Cidade em 12 de Fevereiro de 1971 e acolhe eleições autárquicas desde 1998. Actualmente, o município é presidido por Geraldo Sotomane em substituição da primeira presidente do conselho autárquico Beatriz Gulamo. A cidade de Chókwè situa--se na província de Gaza a Sul do país. tem como limites físicos o distrito de Guijá ao Norte e o rio Limpopo ao Nordeste. Com uma área de 85km2 possui uma população

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de 89, 633 habitantes, de acordo com o cen-so 2007. Chókwè foi elevado a categoria de Cidade em 17 de Agosto de 1971 e acolhe eleições autárquicas desde 1998. Actual-mente o município é presidido por Sérgio Moiana em sucessão da primeira presidente do município mulher Lídia Cossa Camela.

O trabalho de campo decorreu em duas fa-ses: a primeira teve lugar de 10 a 19 de Se-tembro de 2018, período antes das eleições e a segunda de 12 a 17 de Novembro do mesmo ano, após a realização das eleições autárquicas de 10 de Outubro. Os dados do estudo foram colectados a partir da combi-nação de metodologias qualitativas e quan-titativas. No que concerne às técnicas qua-litativas, para além da análise documental, foram feitas pouco mais de 20 entrevistas semi-estruturadas e 17 entrevistas de grupo focal. No que concerne às técnicas quantita-tivas, foi aplicado um inquérito quantitativo a uma amostra de 204 entrevistados, entre eleitores, membros de partidos políticos e organizações da sociedade civil. Tratando--se duma pesquisa com um foco centrado na mulher, a distribuição da amostra ba-seou-se no critério de acção afirmativa na escolha dos respondentes com vista a privi-legiar as mulheres. Deste modo, as mulheres representam 68% da amostra enquanto que os homens têm um peso de 32%. Os dados qualitativos foram processados a partir do ATLAS TI enquanto os dados quantitativos foram processados com base no SPSS. A análise de dados foi baseada no método da triangulação.

A questão temporal que não permitiu ini-ciar o estudo na fase do recenseamento elei-toral; a inacessibilidade de alguns actores, tais como a polícia, os órgãos de governa-ção eleitoral e o partido Frelimo em dispor informação; questões financeiras que invia-bilizaram a expansão do estudo para outros terrenos e daí oferecer um grau mais alto de confiança nas generalizações das conclusões do estudo e, por último, as barreiras de gé-nero e o sentimento de intolerância política que de certa forma condicionou o discurso das mulheres obrigando-as a serem, muitas vezes, politicamente correctas na aborda-gem de assuntos relacionados com a vio-lência eleitoral, figuram como as principais limitações do estudo.

A análise da violência eleitoral contra a mulher baseou-se em cinco categorias analíticas, nomeadamente (i) perpetradores; (ii) as vítimas (iii) os tipos de violência (física, sexual, psicológica e económica); (iv) os locais onde ocorre (na rua, em casa, nos partidos políticos, na social media e nas redes sociais); E, por último, (v) o tempo de maior frequência: se antes, no dia das eleições ou depois das eleições.

Esta pesquisa colocou as seguintes questões: existem padrões de violência eleitoral vivida pelas mulheres significativamente diferentes das experiências vividas pelos homens? Quais são as formas específicas de violência que as mulheres experimentam durante os processos eleitorais nas esferas públicas e privada? Homens e mulheres são igualmente perpetradores da violência

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contra a mulher nas eleições? Qual é o perfil dos perpetradores da violência eleitoral contra as mulheres? Quais são os locais em que a violência ocorre? Em que momento ocorre? Quais são os recursos de acção? Finalmente, em que medida as experiências de violência eleitoral vivida por homens e mulheres afectam as formas de participação política?

As principais constatações do estudo são:

• A violência eleitoral é experimentada indiscriminadamente, tanto por homens assim como por mulheres. Todavia, as mulheres, para além da violência física, são, sobretudo, vítimas da violência económica e psicológica de forma significativa em relação à sua contraparte masculina. As experiências de violência eleitoral vivida por mulheres afectam as formas de participação política tanto como eleitoras que se vêm impedidas de votar por causa das pressões familiares e pelo receio do jogo político, tanto como candidatas a cargos pela autoexclusão ou pela exclusão induzida pela assimetria de recursos e tanto como jornalistas e observadoras pelos receios da violência como um todo. A tipologia de violência contra a mulher informa sobre a natureza de actores, espaços, a temporalidade e os recursos de acção.

• Quanto à violência física, o Município da cidade de  Chókwè é historicamente reportado como sendo um espaço de ocorrência recorrente de violência eleitoral num contexto de baixa

competição política; no município de Mocuba, ao contrário, a competição política está na ordem dos incidentes de violência eleitoral. Entretanto, apesar do nível alto de competição política, o município de Mocuba registou eleições pacíficas comparativamente ao município de Chókwè. Um aspecto em comum em relação aos dois casos em análise é a partidarização da violência, ou seja, baseada nas rivalidades entre partidos. O partido no poder é geralmente apontado como o principal municiador da violência com recurso à privatização da violência do Estado. Tomando o caso de Mocuba, as mulheres experimentam formas mais circunstânciais e coletivizadas de violência física que derivam da prática do controlo social do voto após a votação, numa temporalidade de curta duração, ou seja no período pós-votação e ocorre geralmente nos postos de votação cujo perpetrador é a polícia. No município de Chókwè, contrariamente, a violência física contra a mulher tem um sentido partidarizado, organizado e estruturado. De uma forma geral, os espaços públicos, sobretudo, os mercados e as ruas são os locais de maior incidência de violência física e, geralmente, a violência procede de mulheres para mulheres, embora a contraparte masculina não seja negligenciada. A mulher sofre da violência física eleitoral dentro do móbil dos diferendos partidários.

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• No que concerne à violência económi-ca, o factor económico exerce dinâmicas diferenciadas para os municípios em es-tudo. Para o caso de Chókwè, a dimen-são económica da violência é, em parte, tributária da divisão social do trabalho. O trabalho migratório, fortemente do-minado pelos homens, reforça a cultura local de dominação masculina da esfe-ra pública. Esta estrutura igualmente o papel da mulher na sociedade e o lugar que elas ocupam nas instituições polí-ticas. As eleições masculinizam-se em resultado das dinâmicas económicas fa-miliares. Nos processos eleitorais, a vio-lência económica afecta a possibilidade de a mulher exercer ou não o seu direito de votar; sob o jugo de responsabilidade doméstica, esta encontra a sua partici-pação em pleitos eleitorais condiciona-da pelas vontades dos seus esposos. A violência económica no município de Chókwè tem correspondência mais do-méstica, afecta a mulher eleitora e é mais intensa no momento da votação e tem recurso a pressões familiares. Em rela-ção a Mocuba, a violência económica manifesta-se de forma diferenciada: por um lado, as mulheres com identificação partidária expressiva sofrem sobretudo sanções económicas e discriminató-rias perpetrada sobretudo por homens membros e simpatizantes de partidos contendores, que protagonizam um boicote aos espaços de sociabilidade das mulheres dos “outros”. Este tipo de violência é de longa duração e ocorre,

sobretudo, no mercado e na arena dos negócios. Por outro lado, a assimetria de recursos entre homens e mulheres den-tro dos partidos políticos constrange a participação e as ambições políticas das mulheres, o que concorre para a repro-dução da violência simbólica por inter-médio da distribuição assimétrica de re-cursos. Este tipo de violência ocorre no quotidiano das relações intrapartidárias e tem uma dimensão mais simbólica e estrutural, isto é, de longa duração, em que as mulheres participam como agen-tes da sua própria dominação.

• Por último, no que concerne à violência psicológica, os casos de Mocuba e Chókwè ilustram que esta forma específica de violência é transversal e funciona como um dispositivo tanto da violência económica como física, isto é, ela é inerente e coerente com as outras formas de exercício da violência contra as mulheres nas eleições. Perpetrada pelos homens, pela família, pelas próprias mulheres, a violência psicológica constrói um ambiente de (auto)censura da (auto)estigmatização da mulher e da sua participação na esfera pública política. Em Chókwè, os actos de participação política da mulher são assim estigmatizados e associados a pré-julgamentos em termos de comportamentos da mulher (prostituição, clientelismo, favoritismo, etc.). Para o caso de Mocuba, a violência psicológica afecta as mulheres ao nível

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do bairro e da família e tem recurso ao ostracismo e a práticas administrativas intimidatórias e discriminatórias perpetradas tanto pelas autoridades do bairro assim como por membros da comunidade e vizinhança. A sonegação da proteção social formal e informar é o recurso de acção privilegiado.

O estudo concluiu que:

• Existem padrões de violência eleitoral vivida pelas mulheres significativamen-te diferentes das experiências vividas pelos homens. Para além da violência fí-sica, as mulheres experimentam formas económicas e psicológicas de exercício da violência durante os processos eleito-rais nas esferas pública e privada. Tanto homens como mulheres são igualmente perpetradores da violência contra a mu-lher nas eleições, o que faz das mulheres não somente vítimas mas igualmente perpetradoras da violência.

• No que concerne aos actores, o perfil das vítimas da violência contra a mulher nas eleições são, sobretudo, mulheres com identificação partidária expressiva e revelada enquanto o perfil dos perpetradores são sobretudo homens e mulheres membros de partidos políticos e as próprias autoridades administrativas e da lei e ordem. Todavia, o perfil das vítimas e dos perpetradores varia de acordo com o tipo de violência. Neste âmbito, para o caso de Chókwè, no que concerne à violência física, as vítimas são sobretudo

mulheres membros e simpatizantes de partidos políticos; quanto à violência económica, afecta mais as eleitoras. A violência psicológica é transversal afectando as mulheres nos seus diferentes papéis no processo eleitoral. Para o caso de Mocuba, membros e simpatizantes de partidos políticos são os principais rostos da violência tanto física, económica e psicológica. Quanto ao perfil dos perpetradores, existe uma forte partidarização, sendo que o partido Frelimo é o responsabilizado pela violência contra os seus concorrentes, portanto, membros de outros partidos. Enquanto a violência económica tende a ser generalizada na base de género, ou seja, os homens são apontados como os maiores perpetradores contra as suas parceiras e mulheres membros de partidos contendores. A violência psicológica, por sua vez, é indicada como tendo igualmente tendência generalizada, mas com alguma relativa associação a diferenças partidárias.

• Quanto aos locais de ocorrência da violência contra a mulher nas eleições, ela ocorre tanto em espaços públicos assim como em espaços privados e varia de acordo com o tipo de violência, embora não se possa, de forma nítida, diferenciar as dimensões nos diferentes espaços, uma vez, que estes vão se metamorfoseando. De uma forma geral, os espaços públicos correspondem aos locais de votação, os mercados e as ruas, que são os locais de maior incidência

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da violência física, enquanto a violência económica e psicológica ocorre, sobretudo, no seio familiar, partidário, no meio de trabalho, isto é, nos espaços privados, relativamente mais difíceis de apreender.

• Quanto à periodicidade, a violência eleitoral contra as mulheres ocorre no tempo longo das eleições, isto é, antes, no dia da votação e no pós votação. Neste contexto, a intensidade dos actos de violência vai variar em função do tipo de violência em alusão. A violência física, para Mocuba, é de curta duração e ocorre sobretudo no período após a votação; por seu turno, em Chókwè a violência física obedece a um tempo médio, com maior incidência para o período de campanha eleitoral. A violência económica e psicológica, para ambos municípios, tem um padrão mais longo e tende a intensificar-se quanto mais se aproxima o dia da votação; as pressões familiares, sociais e partidárias tendem a ganhar ímpeto no momento das escolhas.

• Por último, o tratamento dos casos de violência eleitoral é apenas observado para os casos de violência física, onde se pode observar a denúncia de alguns casos, onde o papel da media e das redes sociais tem sido importante. Tanto para Mocuba bem como para Chókwè houve, de facto, casos reportados à polícia e alguns submetidos às instâncias judiciárias. No entanto, para

os dois casos em estudo a prossecução das denúncias tem sido minada por uma grande influência partidária nas instituições da administração da justiça. Por isso mesmo, muitos casos não têm tido o tratamento devido em resultado da interferência partidária sobre as instituições públicas. O sentimento de impunidade dos actos de violência funciona como uma estrutura de incentivo para a propagação da violência eleitoral e contra a mulher nas eleições.

Finalmente, o estudo produziu as seguintes recomendações:

• Consciencializar sobre VAWIE para mudança do comportamento. A violên-cia contra a mulher nas suas diferentes dimensões é uma concepção e aborda-gem nova no território moçambicano e totalmente desconhecida, embora o estudo mostre a sua existência real. Por essa razão, é necessário que se desen-volva uma estratégia de comunicação de modo a problematizar, publicitar e disseminar tornando pública a noção de violência contra a mulher nas eleições. Portanto, disseminação regular e regio-nal dos resultados da pesquisa, promo-ção de debates públicos radiofónicos, televisivos, impressão de matérias de comunicação, promoção de campanhas nas redes sociais envolvendo homens e mulheres, workshops com partidos po-líticos enquadram-se numa estratégia ampla capaz de despertar atenção sobre o problema, tirando-o do anonimato;

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• Continuar a mapear, ao nível nacional, a situação da mulher, eleições e violên-cia eleitoral. Uma das limitações do es-tudo piloto ora iniciado é o âmbito da pesquisa, que se circunscreveu apenas a dois municípios, o que, de certa forma, torna ineficiente o processo de genera-lização dos resultados. Neste sentido, recomenda-se o alargamento do âmbito do estudo para uma dimensão nacional ou regional dos estudos VAWIE como forma de buscar mais evidências sobre o fenómeno para melhor compreensão e coordenação das acções de prevenção e de mitigação;

• Capacitação das OSC em Monitoria da violência contra a mulher nas eleições. Dar continuidade ao processo de capacitação das organizações da sociedade civil que têm a pretensão de observar eleições, de modo a dotá-las de capacidades, técnicas e ferramentas necessárias para a observação das eleições numa perspectiva de género. O fim último consistirá na integração da VAWIE nos instrumentos de monitoria e observação eleitoral;

• Trabalhar com partidos políticos para a prevenção e mitigação da VAWIE intra e interpartidária. Uma das constatações principais do estudo é que a violência eleitoral contra as mulheres tem um sentido partidário. Neste sentido, numa dimensão interpartidária, é necessário, junto dos partidos políticos, desenvolver um código de conduta que firme o compromisso entre os partidos

políticos de eliminação da violência contra a mulher nas eleições. Na dimensão intrapartidária, é necessário trabalhar com os partidos políticos para que adoptem planos de acção afirmativa dentro do partido de modo a romper com as barreiras e assegurar o equilíbrio do género no processo de eleições internas;

• Inclusão normativa da VAWIE. O es-tudo constatou que, apesar da existên-cia dum quadro normativo vasto e rico sobre a violência baseada no género em Moçambique, nada existe em relação à violência contra a mulher nas eleições especificamente. Neste sentido, é neces-sário desenvolver acções para a integra-ção e reconhecimento da violência con-tra a mulher nas eleições nos diferentes instrumentos normativos e legais, có-digos de conduta, protocolos, etc. que regulam os processos eleitorais em Mo-çambique;

• Garantir a responsabilização dos per-petradores. É factual que o sentimento de impunidade dos actos de violência eleitoral no geral e contra a mulher, em particular, funciona como uma estru-tura de incentivo para a propagação da violência eleitoral. Deste modo, é neces-sário criar um comité multissectorial, constituído pela sociedade civil, polícia e órgãos de justiça com vista a garantir a responsabilização dos perpetradores da violência eleitoral, a oferta de seguran-ça e o acesso à justiça para as vítimas da violência eleitoral.

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O estudo concluiu que:

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Existem padrões de violência eleitoral vivida pelas mulheres significativamente diferentes das experiências vividas pelos homens.

O perfil das vítimas da violência contra a mulher nas eleições são, sobretudo, mulheres com identificação partidária expressiva e revelada enquanto o perfil dos perpetradores são sobretudo homens e mulheres membros de partidos políticos e as próprias autoridades administrativas e da lei e ordem.

A violência contra a mulher nas eleições ocorre tanto em espaços públicos assim como em espaços privados e varia de acordo com o tipo de violência.

Quanto à periodicidade, a violência eleitoral contra as mulheres ocorre no tempo longo das eleições, isto é, antes, no dia da votação e no pós votação.

O tratamento dos casos de violência eleitoral é apenas observado para os casos de violência física, onde se pode observar a denúncia de alguns casos, onde o papel da media e das redes sociais tem sido importante.

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O QUE SABEMOS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS

ELEIÇÕES?

I. INTRODUÇÃO

Este estudo pioneiro tem como objectivo documentar as narrativas e experiências da violência contra a mulher nas eleições (VAWIE)8 tendo como base dois estudos de caso, os municípios de Mocuba e Chókwè. Enquanto a violência eleitoral é simples-mente o uso deliberado da coerção física ou a ameaça do seu uso para propósitos políti-cos9, a violência contra as mulheres nas elei-ções, por seu turno, é qualquer ameaça ou acto nocivo de natureza física, psicológica,

8 Violence against women in elections. Ao longo do texto, será utilizada a abreviatura de violência contra a mulher nas eleições em inglês.

9 Isto inclui: detenções, encerramento e confiscação de jornais; confrontos de rua entre caravanas de partidos políticos, ataque e destruição de propriedade alheia e a matérias de campanha; repressão violenta de líderes e candidatos de partidos em competição, com o recurso à desqualificação dos oponentes de concorrer, prisão, tortura e, no extremo, assassinato; repressão do eleitorado, no período do anúncio dos resultados. Dorina A. Bekoe, « The scope, nature, and pattern of electoral violence in Sub-Saharan Africa », in Dorina Bekoe (ed.) Voting in Fear: electoral violence in Sub-Saharan Africa, Washington, D.C, United States Institute for Peace, 2012, p. 1-14.

sexual, doméstica ou económica perpetra-do contra as mulheres, em qualquer de seus papéis como actores eleitorais (candidatas, eleitoras, jornalistas, party workers, simpa-tizantes e membros de partidos, apoiantes de campanha, etc.), que ocorre no espaço público ou privado, antes, durante e após a votação com a intenção de interferir na participação livre e igualitária da mulher no processo eleitoral. Portanto, a violência contra a mulher nas eleições vai para além

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da violência eleitoral.

Em Moçambique ainda não existem estu-dos nem debates sobre a violência contra a mulher nas eleições. Na literatura moçam-bicana, quatro são as principais tendências de estudo sobre violência e mulheres, em primeiro lugar, uma série de estudos de-senvolvidos por organizações da sociedade civil subordinados à violência doméstica”10; em segundo lugar, uma literatura embrio-nária que reconstitui a violência baseada no

10 « www.wlsa.org.mz | WLSA – Mulher e Lei na África Austral  », . Neste website, existe uma larga produção científica em torno da temática sobre a violência contra a mulher e sobre relações de género.

11 Gracinda Mataveia, Célia Buque e Quitéria Cossa, «  Relatório do estudo exploratório sobre a situação de violência contra as mulheres e raparigas nos espaços públicos da Cidade de Maputo », Maputo, ONU Mulheres, 2016.

12 Conceição Osório, Subverting political power? Gender analysis of the 2004 legislative elections in Mozambique, Maputo, WLSA Mozambique, 2007. Edda Van den Bergh-Collier, «  Um perfil das relações de género: Para a igualdade de género em Moçambique », Maputo, Asdi, 2007. Conceição Osório, Género e Democracia: As eleições de 2009 em Moçambique, Maputo, WLSA Moçambique, 2010. Conceição Osório e Ernesto Macuácua, Eleições autárquicas de 2013: Participação e representação de mulheres e homens, Maputo, WLSA Moçambique, 2014. Domingos do Rosário, Egídio Guambe, Elísio E. Muendane[al.], « Mulheres na política », Maputo, Ibis Moçambique, 2014. Wilma J. M Bernardo, As mulheres na elite parlamentar: o paradoxo moçambicano, Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa, 2014. Conceição Osório e Ernesto Macuácua, Participação política de mulheres e homens em contexto eleitoral, Maputo, WLSA Moçambique, 2015. Sindy Karberg, «  Participação política das mulheres e a sua influência para uma maior capacitação da mulher em Moçambique », Maputo, Friedrich Ebert Stftung, 2015. Domingos do Rosário, Egídio Guambe e Elísio E. Muendane, « Estudo sobre a liderança feminina nos municípios de Metangula e Mocuba. », Maputo, CEURBE-Fórum Mulher, 2017. Sara Vidal, A Participação política das Mulheres em Moçambique e na Tanzânia: um estudo comparado, Dissertação de Mestrado, ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, 2017. Delton Muianga, Delma Comissário e Venâncio Munhangane, « Qual é o espaço político da mulher em Moçambique? Estudo sobre a representação parlamentar da mulher », Maputo, Instituto para a Democracia Multipartidária, 2018.

13 Teresa Cunha, « As memórias das guerras e as guerras de memórias. Mulheres, Moçambique e Timor Leste », Revista Crítica de Ciências Sociais, 2012, p. 67-86. Harry G. West, « Girls with guns: Narrating the experience of war of Frelimo’s “female detachment”  », Anthropological Quarterly, vol.  73  /  4, 2000, p.  180-194. Nikkie Wiegink, « Desmobilizadas: Analyzing the narratives of Renamo’s female combatants in Post-independence Mozambique ». Isabel Maria Casimiro, Paz na terra, guerra em casa”. Feminismo e organizações de mulheres em Moçambique, Maputo, Promédia, .

14 Michel Cahen, «  Mozambique : l’instabilité comme gouvernance ?, Instablilty as a mode of governance  », Politique africaine, 2000, p.  111-135. Anne Gloor, «  Electoral conflicts: Conflict triggers and approaches for conflict management: case Study Mozambique: General elections 2004 », Peace, Conflict and Development, vol. 7, 2005, p. 281-303. Luís De Brito, « Revisão da legislação eleitoral: algumas propostas para o debate », in Luís de Brito et. al, Desafios para Moçambique 2011, Maputo, IESE, 2011, p. 91-107. Isac Sansão Nuvunga, Violência eleitoral em Moçambique: um estudo sobre as eleições autárquicas de 2013, Monografia para obtenção do grau de Licenciatura, Universidade Eduardo Mondlane, 2015. Lázaro Mabunda, « Polícia e violência eleitoral: as eleições autárquicas de 2013 em Quelimane e no Chókwé  », Maputo, 2017. Lázaro Mabunda, O papel da Polícia na prevenção da violência eleitoral? O Caso das eleições autárquicas de 2013 nos municípios de Quelimane e Chókwè, Monografia para obtenção do grau de Licenciatura, Universidade Eduardo Mondlane, 2017. Adriano Nuvunga, «  Mozambique’s 2014 elections: a repeat of misconduct, political tension and Frelimo dominance  », Journal of African Elections, vol.  16  /  2, 2017, p.  71-94. Roudabeh Kishi, «  Election-related conflict in Mozambique

género nos espaços públicos11; em terceiro lugar, um conjunto de estudos sobre as mu-lheres na política com foco para as barrei-ras à participação e sobre as modalidades de governação das lideranças femininas nas autarquias12; em quarto lugar, uma linha de pesquisa que reconstitui o papel das mu-lheres na(s) história(s) das guerra(s)13 e por último, uma linha de pesquisa com foco na violência política e eleitoral14.

A limitação das linhas de pesquisa supra-

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citadas deriva do facto de não dialogarem entre si na base do principio da interdisci-plinaridade. Por exemplo, a linha de pesqui-sa sobre a violência baseada no género está completamente desprovida duma referência eleitoral; de igual modo, que as linhas de pesquisa sobre a violência política e eleito-ral encontram-se completamente distantes de um referencial de género. Contudo, um grande avanço foi dado pela literatura que se preocupa com as barreiras à participação política das mulheres, embora a mesma seja insuficiente pelo seu carácter “elitista”, isto é, por se orientar exclusivamente para as mu-lheres candidatas e as que ocupam posições de liderança, tanto ao nível municipal como parlamentar e governamental, ignorando as experiências de violência vivida por outras mulheres com papéis de menos visibilidade, nos processos eleitorais, tanto como eleito-ras, jornalistas, observadoras e militantes dos partidos, breve, todas as mulheres que actuam no street level da política eleitoral.

– Acleddata – Crisis ». Julião C. Notiço Alar, A violência eleitoral no município da Beira: Um olhar sobre as eleições autárquicas de 2013 e 2018, Monografia para obtenção do grau de Licenciatura, Universidade Eduardo Mondlane, 2018.

Neste âmbito, esta pesquisa se propõe a estudar a violência eleitoral como um “fenómeno social” total na medida em que para a sua compreensão foram mobilizados não só dimensão física da violência mais também as dimensões psicológica e económica. Procurou-se igualmente, abranger a maior configuração de actores no feminino envolvidos no processo eleitoral – jornalistas, militantes dos partidos políticos, observadoras, membros das Assembleias Municipais, eleitoras e funcionárias dos órgãos de governação eleitoral. – os múltiplos espaços de sua ocorrência – casa, comunidade, rua, na sede do partido, no posto de votação – e sua temporalidade diversificada – antes, no dia e depois da votação -. Este exercício foi realizado com o intuito de extrair o impacto da violência eleitoral como uma estrutura de incentivos e constrangimentos para a participação Política da mulher nas eleições.

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1. PROBLEMA E QUESTÕES DE PESQUISA De acordo com os dados do recen-seamento populacional (2017)8, as mulheres em Moçambique repre-sentam pouco mais de 55% da po-pulação total. Dados da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e Se-cretariado Técnico da Administra-ção Eleitoral (STAE) indicam que,

para as últimas eleições locais de 10 de Outubro de 2018, o número da população, politicamente activa, foi composto por mulheres (53%)

8 Instituto Nacional de Estatística, «  Divulgação dos resultados preliminares do IV Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH) », Maputo, INE, 2017.

9 « Home: Notícias », [Online: http://www.stae.org.mz/Artigo/Ler/43]. Consultado no dia 28 de Dezembro de 2018.

contra 47% de homens9. Todavia, as mulheres têm, histórica e siste-maticamente, vindo a experimentar formas particulares de violência du-rante os processos políticos e eleito-rais que ainda não estão objectiva e metodologicamente tipificadas e estudadas com profundidade. Em-

bora constituam a maioria do eleitorado, são as que menos direitos políticos usufruem e, por conseguinte, são as que têm mais constrangimentos para se imiscuir na vida polí-tica, tanto como eleitoras, can-didatas assim como jornalis-tas, party workers e activistas, etc. As mulheres tem mais bar-reiras, não só por serem impe-didas pelos homens, seus ma-ridos, para ficarem em casa a tratar de assuntos domésticos, mas também porque, em Mo-çambique, existe uma cultura e convicção de que a política é assunto dos homens. A baixa escolaridade, resultado do fra-co acesso à educação, questões culturais e outras situações

fazem com que as mulheres sejam vítimas da dominação masculina, consequentemente, excluídas da política.

� Existem padrões de violência eleitoral vivida pelas mulheres significativamente diferentes das experiências vividas pelos homens?

� Quais são as formas específicas de violência que as mulheres experimentam durante os processos eleitorais nas esferas públicas e privada?

� Homens e mulheres são igualmente perpetradores da violência contra a mulher nas eleições?

� Qual é o perfil dos perpetradores da violência eleitoral contra as mulheres?

� Quais são os locais em que a violência ocorre? Em que momento ocorre? Quais são os recursos de acção?

� Em que medida as experiências de violência eleitoral vivida por homens e mulheres afectam nas formas de participação política?

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Como exemplo, nas últimas eleições muni-cipais de 2018, dos pouco mais de 165 can-didatos a cabeça de lista para as 53 autar-quias, os principais partidos participaram com apenas 6 mulheres10, e dessas apenas 4 transitaram à condição de edis municipais, isto é, menos uma mulher na liderança dos municípios comparativamente às eleições autárquicas de 201311. Estes dados realçam a posição subalterna que as mulheres ainda ocupam no processo político moçambicano, caracterizado por um histórico de sucessões violentas, desde a luta de libertação, guerra civil, conflitos antes, durante e pós eleitorais, o que evidencia que a política moçambica-na ostenta um potencial de agressão alto e efervescente. A face da mulher, nestes even-tos, tanto como perpetradora, assim como vítima é ainda invisível ou, pelo menos, não bem identificada e divulgada.

Em Moçambique, a violência contra as mu-lheres atinge diversas formas, sendo as mais comuns a agressão física, a violência sexual, os casamentos prematuros, entre outras for-mas de violência e práticas discriminatórias que atentam contra a liberdade e a autono-mia das mulheres, atingindo a sua integri-dade física, psicológica e a sua dignidade12. No entanto, a violência contra a mulher na política e nas eleições ainda constituiu um

10 Candidatas da Frelimo (5) - Mandlakazi (Maria Helena Langa); Sussundenga (Lídia Luís); Metangula (Sara Mustafa); Beira (Augusta Maíta); Marromeu (Vitória Cristina Artur). Candidata do MDM (1) – Xai-Xai (Judite Sitoe Macuacua). A Renamo não apresentou nenhuma mulher como cabeça de lista.

11 Conselho Constitucional, «  Acórdão atinente à Validação e Proclamação dos Resultados das Eleições Autárquicas », 04/CC/2014, 22 de Janeiro.

12 Ministério do Género, Criança e Acção Social, «  Perfil do género em Moçambique  », Maputo, MGCAS - República de Moçambique, 2016.

13 Denis Martin, Sur la piste des OPNI (objets politiques non identifiés), Paris, Karthala, 2002.14 Gabrielle Simon Bardall, «  Tackling violence women in politics: towards a global consensus  », Roundtable,

National Democratic Institute, 2015.

“objecto político não identificado”13, ou seja, um sujeito “tabu”. Certo é que esta forma particular de violência, ao contrário das outras, mais do que uma questão criminal, representa um sério desafio à democra-cia participativa, aos direitos humanos e à igualdade de gênero.14

A presente pesquisa parte do pressupos-to de que a fraca participação política das mulheres nos processos eleitorais resulta das diferentes modalidades de violência ex-perimentada pelas mulheres (candidatas, apoiantes de candidaturas, eleitoras, obser-vadoras, profissionais dos OGE, presiden-tes e membros das assembleias municipais eleitas) em diferentes estágios do ciclo elei-toral (recenseamento, formação das listas, submissão de candidaturas, campanha elei-toral, votação, apuramento, divulgação dos resultados, tomada de posse e a governa-ção). Neste contexto, a questão da violência contra as mulheres nas eleições é tida como a variável explicativa para o fraco nível de empoderamento da mulher na vida política do país.

A tentativa de conceptualizar e tipificar as formas específicas de violência contra mu-lheres nas eleições é relevante, pois, apesar de o fenômeno da violência contra as mu-lheres nas eleições estar a ganhar atenção

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crescente e urgente dos atores de todo o mundo, esta temática tem recebido quase nenhuma atenção, quer nos estudos sobre a violência política em Moçambique, quer nos estudos sobre a violência contra a mu-lher, e ainda menos na tradição de estudos eleitorais, em particular.

Deste modo, esta pesquisa coloca as seguin-tes questões: existem padrões de violência eleitoral vivida pelas mulheres significati-vamente diferentes das experiências vividas pelos homens? Quais são as formas espe-cíficas de violência que as mulheres expe-rimentam durante os processos eleitorais nas esferas públicas e privada? Homens e mulheres são igualmente perpetradores da violência contra a mulher nas eleições? Qual é o perfil dos perpetradores da violên-cia eleitoral contra as mulheres? Quais são os locais em que a violência ocorre? Em que momento ocorre? Quais são os recursos de acção? Finalmente, em que medida as ex-periências de violência eleitoral vivida por homens e mulheres afectam nas formas de participação política?

O argumento central deste estudo é que homens e mulheres experimentam padrões diferenciados de violência durante os processos eleitorais que, por consequência, afetam diferentemente na decisão de participar activamente nos processos eleitorais. A conceptualização e tipificação dos efeitos da violência na participação

política de mulheres e homens é uma chave indispensável para o desenvolvimento e implementação de modelos de antecipação e de resposta à violência eleitoral baseada no género concorrentes para a promoção de eleições credíveis e pacíficas.

1.1. ESTRUTURA DO RELATÓRIO DE PESQUISA

O presente relatório é composto por três partes: a primeira parte, introdutória, introduz a problemática da violência contra as mulheres nas eleições, assim como compulsa sobre o quadro teórico e metodológico mobilizado para o estudo sobre a violência eleitoral baseada no género. A segunda parte está orientada para a apresentação e discussão dos resultados da pesquisa e encontra-se estruturada em quatro subcapítulos: o primeiro aborda o estatuto da mulher nos municípios, destacando as normas culturais; o segundo discute as dinâmicas do acesso e participação das mulheres nos processos políticos e eleitorais, o terceiro apresenta e analisa as tendências da violência contra as mulheres nas eleições e o último explora as respostas à violência contra a mulher nas eleições. A terceira e última parte do estudo está orientada para a apresentação das conclusões e recomendações do estudo.

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

1.2. VAWIE: QUADRO TEÓRICO E CONCEPTUAL

“War is not an independent phenomenon, but the continuation of politics by different means.”15

A violência é inerente à política. Por essa ra-zão, a política é a continuação da violência por meios pacíficos e civilizados. Parte con-siderável da literatura em sociologia política é dedicada à compreensão da violência, suas causas, suas dinâmicas e suas consequên-cias. Numa perspectiva funcionalista, os meios da violência organizada participam na construção Estado16. A violência é vista aqui como um factor de regulação social e de construção duma ordem social. Como se pode constatar na concepção Weberiana de Estado, a violência encontra-se dispersa na sociedade mas o Estado é o único em-preendimento que reivindica com sucesso o monopólio do seu uso de forma legítima na sociedade. Esta concepção de violência é significativa, pois estabelece os limites do

15 Carl von Clausewitz, Michael Eliot Howard e Peter Paret, On war, Princeton, New Jersey, Princeton University Press, 1989, p. 7.

16 Charles Tilly, « La guerre la construction de l’État en tant que crime organisé », Politix. Revue des sciences sociales du politique, vol. 13 / 49, 2000, p. 97-117.

17 Vincenzo Ruggiero, Understanding political violence: A criminological analysis, Maidenhead, Open University Press, 2006, p. 1.

18 Timothy C. Lim, « What makes a terrorist? Explaining “violent substate activism” », in Timothy C. Lim (ed.) Doing comparative politics: An introduction to approaches and issues, 2nd Ed., Lynne Rienner Publishers, 2010, p. 221-252, p. 224.

19 Patrick H. O’Neil, Essentials of comparative politics, 3rd Ed., New York, W.W. Norton & Co, 2010, p. 263.

exercício da violência numa sociedade, ou seja, o exercício da violência é prerrogativa do Estado e todas as formas de privação da violência que não sejam estatais são ilegais, informais e passíveis de criminalização17.

Entretanto, reconhecendo que o Estado é idealmente o empreendimento que formalmente reivindica com sucesso o monopólio da violência, não é menos verdade que o assédio pela privatização da violência do Estado é uma condição permanente e peculiar até para a justificação da existência do Estado. As revoluções, o putsch, as guerras civis, guerras de guerrilha, proto-guerras, motins e greves, terrorismo financiado pelo Estado (genocídio, crimes de guerra e tortura) e, mais recentemente, o terrorismo percebido como uma forma particular de “activismo violento não estatal”18 participam na configuração do conceito de violência política. Esta última, é entendida como um tipo particular de “violência fora do controlo do Estado e politicamente motivada”19, isto é, orientada para a captura e manutenção do poder. Violência política é, portanto, o uso ou ameaça do uso da força dentro de uma comunidade política contra o regime com vista a atingir objectivos, essencialmente

“A violência é vista aqui como um

factor de regulação social e de

construção duma ordem social.”

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políticos20. Portanto, a violência política é uma variante da luta pelo poder21.

Existem um consenso mínimo de que a violência política é a marca de uma socie-dade de baixa institucionalização política22 e, por essa via, os regimes democráticos são aqueles que permitem participação políti-ca suficiente para prostrar a possibilidade de violência política, oferecendo mais op-ções para a oposição política. Na teoria, as eleições constituem um pilar fundamental da governança democrática, facilitando a representação, assegurando a responsabili-zação e regulando pacificamente o acesso, partilha e socialização do poder político

20 Ted. R Gurr, Why men rebel, New Jersey, Princeton University Press, 1970, p. 3‑4.21 Paul Collier, Wars, guns, and votes: democracy in dangerous places, 1st Ed., New York, Harper, 2009, p. 3.22 Timothy Besley e Torsten Persson, «  The logic of political violence  », The Quarterly Journal of Economics,

vol. 126 / 3, 2011, p. 1411-1445.23 Robert A. Dahl, Polyarchy: Participation and opposition, New Haven, Yale University Press, 1972. Guillermo

O′donnell, Philippe C. Schmitter e Laurence Whitehead, Transitions from authoritarian rule – tentative conclusions about uncertain democracies, Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1986. Samuel P. Huntington, The third wave: Democratization in the late 20th century, Norman, University of Oklahoma Press, 1993. Dem Yalcin Mousseau, «  Democratizing with ethnic divisions: A source of conflict?  », Journal of Peace Research, vol.  38  /  5, 2001, p.  547-567. Daniel Posner e Daniel Young, «  The institutionalization of political power in Africa », Journal of Democracy, vol. 18 / 3, 2007, p. 126-140. Michael Bratton e Nicolas van de Walle, Democratic experiments in Africa: Regime transitions in comparative perspective, Cambridge, U.K. ; New York, NY, USA, Cambridge University Press, 2010.

24 Steven I. Wilkinson, Votes and violence: electoral competition and ethnic riots in India, Cambridge, Cambridge University Press, 2006. Paul Collier, op.  cit.. Hanne Fjelde e Kristine Höglund, «  Electoral institutions and electoral violence in Sub-Saharan Africa », British Journal of Political Science, vol. 46 / 2, 2016, p. 297–320. Dorina A. Bekoe, « Democracy and African conflicts: Inciting, mitigating, or reducing Violence? », Democratization in Africa: What progress toward Institutionalization?, 2008. Dorina A. Bekoe, Voting in Fear: Electoral violence in Sub-Saharan Africa, Washington, D.C, United Nation Institute of Peace, 2012.

25 Scott Straus e Charlie Taylor, « Democratization and electoral violence in Sub-Saharan (1990-2008) », in Dorina Bekoe (ed.) Voting in fear: electoral violence in Sub-Saharan Africa, Washington, D.C, United States Institute for Peace, 2012, p. 15-38, p. 19.

26 Adam Przeworski, Democracy and the market: Political and economic reforms in Eastern Europe and Latin America, Cambridge, Cambridge University Press, 1991.

entre uma multiplicidade de actores anta-gónicos, com interesses políticos expres-sivos23. No entanto, em pouco mais de 11 países que realizaram eleições, em 2011, em Africa, 60% registaram eventos violentos de alguma maneira. Este dado mostra que as eleições podem, em algumas circunstâncias, realmente, aumentar, e não necessariamen-te reduzir, a ameaça de violência política24.

A violência eleitoral é entendida como o uso deliberado da coerção física ou a ameaça do seu uso para propósitos políticos. A violência física aberta pode tomar a forma de espancamento, tortura e assassinato. Em suma, violência eleitoral consiste em violência física e intimidação coerciva, que ocorre durante e após o dia das eleições25, com o intuito de reduzir a “incerteza do jogo eleitoral”26, impedindo a participação e a contestação eleitoral. A violência eleitoral é uma derivação da violência política;

“Em pouco mais de 11 países que

realizaram eleições, em 2011, em

Africa, 60% registaram eventos

violentos de alguma maneira.”

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

no entanto, as duas diferem pelo tempo em que ocorrem, os perpetradores e as vítimas, os objectivos e os métodos27. Uma outra distinção é que a violência eleitoral, ao contrário da violência política, ocorre dentro dum frame democrático, que todos os actores subscrevem, mas poucos se conformam.

Numa análise tendo em conta as categorias tempo, perpetradores e formas de ação, a literatura revista informa que, quanto ao período, a violência eleitoral é mais frequente no período anterior ao dia da eleição, sobretudo, na campanha eleitoral. No entanto, se a violência ocorre no período pós eleições, é bem provável que se transforme em violência política, o nível mais alto da violência eleitoral, caracterizado pela guerra civil. Quanto aos perpetradores, os incumbentes são os principais perpetradores da violência, seguidos pelos seus detratores. Por último, quanto à forma, a violência eleitoral pode tomar 6 formas: (i) assédio e intimidação feitos pelo aparelho securitário contra opositores e seus aliados e simpatizantes; ocasionalmente, pode culminar com detenções, encerramento e confiscação de jornais; (ii) confronto de rua entre caravanas de partidos políticos, ataque e destruição de propriedade

27 Dorina A. Bekoe, op. cit., p. 2.28 Scott Straus and Charlie Taylor, “Democratization and…”op. cit.29 Edward Mansfield e Jack Snyder, « Turbulent transitions: Why emerging democracies go to war in the twenty-

first century », in Fen Hampson e Chester Crocker (ed.) Leashing the dogs of war: conflict management in a divided World, Washington, D.C, United States Institute for Peace, 2007, p. 161-176. Shola Omotola, « Explaining electoral violence in Africa’s ‘new’ democracies  », African Journal on Conflict Resolution, vol.  10  /  3, 2010. Timothy Sisk, « Evaluation election-related violence: Nigeria and Sudan in comparative perspective », in Dorina Bekoe (ed.) Voting in fear: electoral violence in Sub-saharan Africa, Washington, D.C, United States Institute for Peace, 2012, p. 39-74.

alheia e aos matérias de campanha; (iii) repressão violenta de líderes e candidatos de partidos em competição, com recurso à desqualificação dos oponentes de concorrer, prisão, tortura e, no extremo, assassinato; (iv) repressão do eleitorado, a violência transita das elites partidárias e jornalistas para os eleitores sobretudo, dos distritos eleitorais favoráveis a oposição, de modo a reduzir a sua capacidade eleitoral activa, e por último, (v) a repressão da violência eleitoral; após o anuncio dos resultados das eleições, as forças do Estado descem à rua para, por um lado, desmoralizar mas, por outro, reprimir manifestações de contestação dos resultados eleitorais28.

Ora, a violência eleitoral tem mais probabi-lidades de ocorrer em contextos de pobre-za extrema, neopatrimonialismo, clivagens étnicas, factores estes que, combinados, concorrem para a fraca institucionalização do Estado e dos órgãos de administração eleitoral29. Como resultado, os mecanismos democráticos podem ser manipulados ou politizados, alimentando dissidência entre grupos mais marginalizados. Kenya, Zimba-bwe, Côte d’Ivoire, Sudão, Burundi, Nigéria e Etiópia produziram, nos últimos tempos, notáveis episódios de violência eleitoral. Moçambique não é excepção, desde 2013 à

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

2017 fruto do conflito pós- eleitoral o país foi conduzido para uma situação de proto--guerra30, com consequências graves para a economia e para o funcionamento normal do Estado. De facto, a violência eleitoral, em última, instância, afecta a legitimidade dos resultados finais duma eleição, por determi-nar a participação de eleitores e candidatos, em particular, e de todos os actores relevan-tes do processo eleitoral, no geral31.

Entretanto, para o propósito do estudo, o conceito de violência eleitoral, à semelhança do conceito de violência política, pecam por serem reducionista e minimalista ao interpretar a violência eleitoral como aquela que é passível de ser objectivamente verificável, inerente ao espaço público - a rua, a delegação do partido, a redacção do jornal, etc. – e, por último, subentende-se que tanto homens como mulheres experimentam-na nas mesmas modalidades. Esta concepção objectiva da violência é limitada, pois, para além de reduzir o repertório da ação coercitiva a mera violência física, remete para uma condição de invisíveis e inaudíveis, as mulheres que, para além da violência física, experimentam modalidades particulares de coerção politicamente motivadas que são, na sua essência, simbólicas e subjectivas e que ultrapassam o contexto do espaço público e enraízam-se no domínio da esfera

30 Éric Morier-Genoud, «Proto-war and negotiations: Mozambique in crisis (2013-2016) », Politique africaine, 2017, p. 153-175.

31 Kristine Höglund, «  Electoral violence in conflict-ridden societies: Concepts, causes, and consequences  », Terrorism and Political Violence, vol. 21 / 3, 2009, p. 412-427.

32 Thomas Luckmann e Peter L. Berger;, The Social Construction of Reality: A Treatise in the Sociology of Knowledge, Penguin, 1991.

privada – lar, vizinhança, comunidade.

Portanto, a ausência de uma démarche ba-seada no género tem, por efeito, a subal-ternização das experiências particulares de violência eleitoral das mulheres, tanto como vítimas ou perpetradoras. Neste sentido, a abordagem violência eleitoral contra as mu-lheres nas eleições vem enriquecer e alargar o espectro da análise dos estudos da violên-cia eleitoral, tendo em conta uma perspec-tiva teórica constructivista, que combina objectividades e subjectividades32, no pro-cesso interpretativo.

Num contexto que mais mulheres tem vindo a ganhar espaço como atores-chaves nos processos políticos de seus países como eleitoras, candidatas, membros e simpatizantes de partidos políticos, representantes, jornalistas, activistas e membros dos OGE, cresce a tendência para uma maior visibilidade das mulheres no espaço público, por excelência, um espaço de dominação masculina e, por conseguinte, aumenta a intolerância e consolidam-se os estereótipos relativos à mulher, tanto no espaço público assim como no espaço privado. Estes estereótipos configuram um tipo particular de violência, que, no contexto eleitoral, é denominado de violência contra as mulheres nas eleições.

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

A violência contra a mulher nas eleições ou VAWIE é uma abordagem33 recente e, por essa razão, ainda são imprecisos os quadros teóricos, metodológicos e conceptuais

para a sua compreensão. Contudo, VAWIE é essencialmente uma modalidade da violência baseada no género (VBG)34, isto é, violência eleitoral baseada no género (VEBG)35 e, igualmente, uma forma particular de exercício da violência contra a mulher na política. A abordagem VAWIE surge como uma tentativa de tipificar o papel e as formas específicas de violência que as mulheres experimentam durante os processos eleitorais.

33 A literatura faz referência à VAWIE como “conceito” ou “noção”. No entanto, VAWIE mais do que um conceito ou noção etc. é uma abordagem para a compreensão do fenómeno da violência eleitoral, através das experiências sexualmente estruturadas.

34 Shelah Bloom, « Violence against women and girls – A compendium of monitoring and evaluation indicators », USAID, 2008.

35 Gabrielle Bardall, Voices, votes and violence : essays on select dynamics of electoral authoritarian regimes, Thèse de doctorat, Université de Montréal, 2016.

36 Lena Krook e Juliana R. Sanín, «  Violence against women in politics: a defense of the concept  », Política y gobierno, XXIII, 2016, p. 459-490.

37 Julie Ballington, Gabrielle Bardall e Gabriella Borovsky, « Preventing violence against women in elections: a programming guide », UNWomen, 2017.

38 Inter-Parliamentary Union, «  Sexism, harassment and violence against women parliamentarians  », Geneva, Inter-Parliamentary Union, 2016.

É importante precisar que a violência contra a mulher nas eleições, embora derive da “violência contra a mulher na política”36, diferencia-se desta última por orientar-se somente para os processos eleitorais e não para a política no seu todo. Portanto, existe uma diferença de âmbito e temporalidade, pois, enquanto a VAWIP é mais ampla, cobre todas as relações de poder na longa duração, a VAWIE resulta da análise restrita do ciclo eleitoral na curta-duração37. Ademais, VAWIE é também o reconhecimento do impacto da violência baseada no género (VBG) na esfera política, isto é, o reconhecimento de que as mulheres (como candidatas, eleitoras, apoiantes partidárias, observadoras, jornalistas, etc.) sofrem discriminação nos processos eleitorais pelo facto de serem mulheres, ou seja, os constrangimentos e tensões que  as mulheres enfrentam na arena política estão geralmente associadas a um estereótipo mais amplo de que a mulher “não foi feita para” ou “não devia estar” no meio político38.

Em termos conceptuais, existe um consenso mínimo na literatura de que violência contra a mulher nas eleições deve ser entendida

“violência contra a mulher nas

eleições deve ser entendida como

qualquer nocividade ou ameaça

de nocividade física, psicológica

ou económica perpetrado por

indivíduos ou grupos contra as

mulheres em qualquer de seus

papéis como atores eleitorais”

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

como qualquer nocividade ou ameaça de nocividade física, psicológica ou económica perpetrado por indivíduos ou grupos contra as mulheres em qualquer de seus papéis como atores eleitorais (candidatas, eleitoras, jornalistas, party workers, simpatizantes e membros de partidos, apoiantes de campanha) que ocorre no espaço público ou privado, com a intenção de interferir na sua participação livre e igualitária no processo eleitoral durante o período eleitoral39.

A VAWIE, mais do que influenciar sobre os resultados eleitorais, pode inibir a participação da mulher na política de forma geral. VAWIE estaria também ligada ao conceito de “violência simbólica contra mulher na política”40, que, ao contrário da violência psicológica que as mulheres sofrem, que tem um impacto mais individualizado como stress e ansiedade, a violência simbólica tem uma representação mais ampla, com vista a anular a presença da mulher na política, pois as mulheres passam a ser agentes da sua própria dominação excluindo e principalmente, autoexcluindo-se dos processos eleitorais, por não se reconhecerem competência

39 Jessica Huber e Lisa Kammerud, op. cit.. Gabrielle Bardall, op. cit.. Gabrielle Bardall, op. cit.. Silja Paasilinna, Palmer.Wetherald et Megan Ritchie, op. cit.

40 Elin Bjarnegård, « Gender and election violence - the case of the Maldives - », Poznan, 2016.41 Gabrielle Bardall, «  Gender-Specific election violence: The role of information and communication

technologies », International Journal of Security and Development, vol. 2 / 3, 2013, p. 1-11.42 Gabrielle Bardall, op. cit.. Gabrielle Bardall, op. cit.

política necessária para se imiscuírem nos processos políticos.

1.3. MODELO DE ANÁLISE A análise da VAWIE relaciona cinco categorias e seus indicadores de mensuração, nomeadamente (i) perpetradores  (o sujeito que violenta), podendo ser indivíduos ou grupos de qualquer género, membros da família, do partido ou mesmo o Estado; (ii) as vítimas (perfil da mulher violentada) se é candidata, membro de um partido,  eleitora, observadora eleitoral, etc. (iii) os tipos de violência (física, sexual, psicológica e económica); (iv) os locais onde ocorre (na rua, em casa, nos partidos políticos, na social media e nas redes sociais41); o tempo (maior frequência antes, no dia das eleições ou depois das eleições). Por último, (v) as barreiras à participação: os constrangimentos sociais, políticos, económicos e culturais que inibem a participação eleitoral da mulher42. A tabela abaixo resume o modelo de análise da violência contra a mulher nas eleições adoptada neste estudo.

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Tabela 1. Framework para a compreensão do VAWIE

Categorias

TIPOS DE VIOLÊNCIA

Física Não-física

Física Psicológica Económica

Indicadores

• Assassinato/tentativa de homicídio, agressão física e lesão,

• Espancamento, mutilação, ferimentos;• Estupro/tentativa de estupro,• Agressão sexual, • Agressão sexual por parceiro íntimo, • Forçar uma pessoa a praticar atos sexuais.

• Intimidação,• Ameaças à

vítima ou à família da vítima,

• Assédio verbal, • Vergonha, • Difamação.

• Negação/ameaça constante negação de recursos/serviços,

• Controle e monitoramento ilegais do uso e distribuição de dinheiro e acesso a serviços.

VÍTIMAS

Categoria Políticos InstitucionaisProfissionais (não

estatal- e não político)

Privado (não estatal- não político)

Indicadores

• Candidatos,• autoridades eleitas,• aspirantes

políticos (isto é, que procuram nomeação),

• funcionários partidários,

• membros do partido e militantes.

• Órgão de administração eleitoral (EMB)

• Trabalhadores do processo de votação,

• Polícia e forças de segurança,

• Dirigentes do estado• Funcionários públicos.

• Jornalistas,• Observadores• educadores

cívicos,• ativistas civis, • líderes

comunitários

• Eleitores, • blogueiros,• professores

universitários,• Líderes de opinião

ESPAÇOS

Categorias Público Privado Doméstico Virtual

Indicadores Ruas, sede do partido político, igrejas

Casas particulares, escritórios

Espaço entre parceiros íntimos, onde quer que estejam fisicamente localizados

Espaços públicos on-line, como televisão, blogs, media de internet, salas de bate-papo, YouTube, Facebook, Instagram. Espaços virtuais particulares, como e-mail pessoal, mensagens de texto SMS (Short Message Service), conexões telefónicas celulares e fixas.

PERPETRADORES

Categorias Institucionais Actores políticos não estatais Sociedade

Indicadores

• Segurança do Estado, • Polícia, • Forças armadas • Instituições governamentais (executivas, judiciais

e legislativas),• Agentes eleitorais (funcionários eleitorais,

funcionários da EMB, agentes de segurança eleitoral).

• Candidatos,• líderes partidários,• membros

interpartidários e intrapartidários,

• Grupos anti-sistémicos (milícias, gangues, insurgentes, mercenários, segurança privada).

• Jornalistas / media,• Eleitores, • Membros da

comunidade, • Líderes religiosos,• Líderes tradicionais,• Empregadores, • Actores criminosos,• Parceiros íntimos /

cônjuges, • Membros da família,• Observadores eleitorais.

Fonte: IFES (2017)

Foto por: Neide Gwesela/Counterpart International

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METODOLOGIA

O presente estudo foi realizado a partir de evidências produzidas em dois estudos de caso, refentes aos municípios de Mocuba e de Chókwè. Três factores justificaram a escolha destes dois municípios: em primeiro lugar, por se tratar de municípios abrangidos pela Parceria Cívica para Boa Governação, programa liderado pelo Counterpart Internacional; em segundo lugar, são municípios com trajectórias de liderança feminina, Mocuba (Beatriz Gulamo) e Chókwè (Lídia Cossa Camele); e, por último, os dois municípios apresentam trajetórias diferenciadas de violência, ou seja , o município de Chókwè apresenta índices de violência eleitoral sem competição política real enquanto que Mocuba apresenta níveis de violência eleitoral em contextos de alta competição política.

O trabalho de campo decorreu em duas fases. A primeira teve lugar de 10 a 19 de

Setembro de 2018, período antes das elei-ções e a segunda fase foi de 12 a 17 de No-vembro do mesmo ano, após a realização das eleições autárquicas de 10 de Outubro. Esta técnica permitiu estudar as dinâmicas da violência por um período relativamente estável bem como perceber como mudam as perceções dos actores antes e depois das eleições. Embora insuficiente, por exigui-dade de recursos, a inovação do presente estudo foi a tentativa de compreender a vio-lência eleitoral contra as mulheres no tempo longo das eleições.

Os dados do estudo foram colectados a par-tir da combinação de metodologias quali-tativas e quantitativas. No que concerne às técnicas qualitativas, para além da análise documental, foram aplicadas pouco mais de 20 entrevistas semi-estruturadas e 16 entrevistas de grupo focal. Estas entrevis-tas tiveram como alvo homens e mulheres

II. METODOLOGIA

II

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

no seguinte leque de actores: a polícia, lide-ranças comunitárias, lideranças dos parti-dos políticos, Gabinete de Apoio à Mulher e Criança Vítima de Violência, membros e simpatizantes dos partidos políticos, uni-dades sanitárias, organizações da sociedade civil, organizações de observação eleitoral, membros das assembleias municipais, ór-gãos de administração eleitoral, meios de

comunicação social nacional e local. No que concerne às técnicas quantitativas, foi aplicado um inquérito quantitativo a uma amostra de 204 entrevistados, entre eleito-res, membros de partidos políticos e orga-nizações da sociedade civil. A definição do tamanho da amostra foi efectuada tendo em conta o universo populacional de cada município.

Mapa 2. Municípios de Chókwè e de Mocuba

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Tabela 2. Amostra do estudo

MunicípiosAmplitude

da população (Universo N)

Distribuição por género Amplitude da amostra com a

margem de erro

Mulheres Homens 9.8%

Mocuba 422,681 92 24 116

Chókwè 240,244 47 41 88

Total 662, 925 139 65 204

A fórmula para o cálculo da amostra foi a seguinte:

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Onde:

n = Número de indivíduos na amostra

= Valor crítico que corresponde ao grau de confiança desejado

p = Proporção populacional de indivíduos que pertencem à categoria que se está a estudar

q = proporção de indivíduos que não pertencem à categoria que se está a estudar

E = Margem de erro que identifica a diferença máxima entre a proporção amostral e a proporção populacional.

Tratando-se duma pesquisa com um foco centrado na mulher, a distribuição da amostra baseou-se no critério de acção afir-mativa na escolha dos respondentes. É por essa razão que se verifica um desequilíbrio intencional de género com o intuito de pri-vilegiar e dar voz às mulheres em qualquer de seus papéis como atores nas eleições, no-meadamente: candidatas, eleitoras, jornalis-tas, simpatizantes e membros de partidos, apoiantes de campanhas, etc. As mulheres representam 68% amostra.

Os dados qualitativos foram processados a partir do ATLAS TI e os quantitativos foram processados com base no SPSS. A análise dos dados foi baseada no método da triangulação da informação. Isto significa que as informações e os dados colectados de diferentes informantes e diferentes fontes foram cruzadas de forma a obter correlações significativas das informações disponibilizadas e possibilitar a construção

de ideias mais consistentes com a realidade.

Finalmente, para além de questões ligadas à interiorização do conceito de violência contra as mulheres nas eleições, o presente estudo teve como limitações a questão temporal, que não permitiu iniciar o estudo na fase do recenseamento eleitoral; a inacessibilidade de alguns actores, tais como a polícia, os órgãos de governação eleitoral e o partido Frelimo em dispor informação; questões financeiras que inviabilizaram a expansão do estudo para outros terrenos e daí oferecer um grau mais alto de confiança nas generalizações das conclusões do estudo e, por último, as barreiras de género e o sentimento de intolerância política que de certa forma condicionavam o discurso das mulheres, obrigando-as a serem, muitas vezes, politicamente correctas na abordagem de assuntos relacionados com a violência eleitoral.

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III. RESULTADOS

III

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS

DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Esta secção está orientada para apresentação dos resultados da pesquisa. Deste modo, para abordar eficazmente a violência contra as mulheres nas eleições, esta parte está estruturada em quatro fatores-chave que influenciam a incidência e a extensão da violência contra a mulher nas eleições. O primeiro factor aborda o estatuto da mulher nos municípios, destacando as normas culturais, socioeconómicas e políticas que informam a dinâmica de género e poder, ajudando a identificar as causas de raiz da violência contra as mulheres em geral e nas eleições. O segundo factor discute as dinâmicas do acesso e participação das mulheres nos processos políticos e eleitorais,

bem como na democracia, de forma mais ampla. A análise explora as janelas de oportunidade e de constrangimento para a participação política das mulheres como eleitoras, candidatas e activistas e observadoras. O terceiro factor discute as tendências da violência contra as mulheres nas eleições que ocorrem no contexto do ciclo eleitoral, seus actores, espaços, momentos e recursos de acção. Por último, o quarto factor explora as respostas à violência contra a mulher nas eleições, implementadas por agentes oficiais e pela sociedade civil, incluindo partidos políticos e meios de comunicação.

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

3. ESTATUTO DA MULHER EM MOÇAMBIQUE E NOS MUNICÍPIOS

Moçambique possui um quadro institucional com capacidade potencial para proteger os direitos das mulheres. O Estado moçambicano é signatário do Protocolo da SADC sobre o Género e Desenvolvimento (2008), que estabelece, entre vários princípios, a representação de, pelo menos, 50% das mulheres em todas as áreas de decisão política. Este protocolo exige igualmente o respeito pela igualdade de oportunidades, a proteção contra o assédio sexual e violação, igual acesso ao emprego e aos recursos e propriedades, a não discriminação por HIV/SIDA, a participação na resolução de conflitos e na edificação da paz, acesso à informação, financiamento e tecnologia. Acima de tudo, deve assegurar-se que os autores de violência baseada em género sejam julgados por um tribunal competente.

Constitucionalmente, Moçambique consagra, de forma abrangente, os princípios da universalidade e igualdade, em que “todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão” ( CRM, 35). Mais concretamente no artigo 36 da CRM, estabelece-se o princípio de

1 Jornal a Verdade - http://www.verdade.co.mz/newsflash/66728-governo-aprova-plano-de-prevencao-e-combate-a-violencia-baseada-no-genero. Consultado no dia 12 de Novembro de 2018.

igualdade de género: “o homem e a mulher são iguais perante a lei em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural”. O país conta igualmente com demais leis ou instrumentos para prevenção da violência contra a mulher:

• Lei da Família (Lei 10/2004 de 25 de Agosto);

• Lei sobre o tráfico de Pessoas Humanas, especialmente de Mulheres e Crianças (Lei número 06/2008 de 9 de Julho);

• Lei sobre a Violência Doméstica praticada contra a Mulher (Lei número 29/2008, de 29 de Setembro);

• Adopção do Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Baseada no Género (2018-2021).

Destaca-se também a criação do Ministério da Mulher, Criança e Ação Social, que tem como um dos seus compromissos a garantia de proteção da equidade de género. Este conjunto de estratégias ou esforços, acima descritos, surge num contexto em que a violência baseada no género tendia a atingir proporções assustadoras. Em 2009, o problema atingia perto de 20.000 pessoas, tendo-se agravado para 25.3561 em 2016. Ou seja, seis em cada dez mulheres são vítimas de violência.

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Apesar da extensa legislação sobre a proteção ou prevenção de violência baseada no género, o quadro institucional sobre as eleições não prevê, em nenhum momento, medidas de prevenção da violência política e ou eleitoral contra a mulher, limitando-se apenas a referir-se de forma generalista à possibilidade de participação de todos os cidadãos nacionais como um direito cívico. Veja-se que, do ponto de vista formal, existem vários mecanismos, quer nacionais, regionais ou internacionais, que estruturam o foco de actuação sobre a promoção da igualdade de género, o que é bastante positivo, porém, do ponto de vista de implementação, bem como do impacto dos mesmos, parece existir um hiato entre a teoria e a prática.

Apesar das normas formais estabelecidas, as normas culturas ainda se sobrepõem e detêm um poder de constranger as representações dos indivíduos sobre o papel da mulher. A pesquisa constatou que muitas mulheres ainda entendem que as mulheres ainda estão numa posição de inferioridade em relação ao homem, não obstante haja uma certa abertura para a igualdade de tarefas e papéis.

O homem sempre vai à esquina, fazemos os mesmos trabalhos, vivemos na mesma casa, vivemos, fazemos quase tudo juntos mas a mulher é sempre inferior ao homem. Na machamba vamos juntos, voltamos, quando deixamos enxada, a mulher deve sentar, começa a pegar

2 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido Renamo, Mocuba, 11 de Setembro de 2018. 3 Entrevista com AD, membro do partido MDM, Chókwè, 9 de Outubro de 2018.

balde para o papá tomar banho, pilar, cozinhar, ele sentado, levar para lá tirar água, lavar loiça, lhe servir, a mulher até hoje ainda mantêm2.

Nos grupos focais e entrevistas realizadas individualmente, embora parte dos intervenientes, assumam uma postura mais universalista em relação aos direitos da mulher, e reconheçam que tem estado a haver uma certa transição de valores, a cultura aparece como o fundamento da subalternização da mulher como um actor relevante na esfera pública. É consensual o argumento de culpabilização da mulher pela sua própria condição de exclusão da vida pública, como se pode ilustrar com o depoimento da cabeça de lista do MDM para o município de Chókwè:

Temos mulheres como chefes de família onde os maridos ficam em casa e a mulher é que sustenta a casa. Notamos que há uma evolução bastante positiva em colocar a mulher nas tarefas para além de doméstica. Entretanto, são as mulheres, as próprias mulheres não aceitam que seja homem a fazer trabalhos domésticos, apenas o homem auxilia a mulher mas não é ele responsável. Essa situação tem a ver com a cultura. A mulher foi educada para assumir tarefas domésticas3.

Apesar deste depoimento ter sido resultante da partilha de opiniões por parte dos homens, as mulheres corroboram com a mesm, afirmando que a estrutura social e cultural constitui o principal desafio para a

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sua afirmação, bem como para a promoção de um tratamento igual em qualquer fórum social.

Eu vi o caso de um homem que cozinhava e pegava vassoura em casa ia ao mercado, era estranho e eram as próprias mulheres que riam e diziam aquele homem está maluco ou foi metido na garrafa. Mesmo quando uma mulher diz eu vou para ali ser ajudante de um pedreiro é um problema sério, vou para carpintaria ir ajudar, ir aprender a fazer a cadeira é um problema sério para as pessoas que ainda não percebem o que é ser mulher e a diferença que existe entre sexo e género4.

A mulher combina um duplo papel de vítima e de agente da sua própria dominação, isto é, a própria mulher disciplina os quadros de dominação baseada no género chegando a participar da sua própria dominação. As práticas tradicionais e religiosas relegam às mulheres papéis familiares tradicionais e os homens papéis públicos, muitas vezes deixando homens assim como mulheres com medo de ostracismo e rejeição ou até mesmo uma reação violenta de suas famílias no caso de inversão de papéis socialmente construídos. Este status quo é atribuído fundamentalmente à estrutura cultural prevalecente; à trajectória histórica de evolução da humanidade; à religião, que desafiam o quadro institucional nacional que tenta promover a atribuição de direitos e tratamento igual entre homens e mulheres, bem como a promoção de campanhas para

4 Entrevista de grupo focal, Parlamento Juvenil, 11 de Setembro de 2018.

aumentar a frequência de raparigas à escola.

Muito embora os dados do estudo mostrem, quase que de forma generalizada, que gran-de parte das mulheres ainda se dedica qua-se que exclusivamente à gestão doméstica, algumas delas contribuem timidamente na esfera económica através de actividades no sector informal como vendedeiras nos mer-cados. A monetarização das relações sociais e a crescente necessidade de suprir as pri-vações económicas tem estruturado a actual divisão social do trabalho, na qual várias mulheres têm ganho espaço público por via do mercado, sobretudo informal, conforme ilustra o gráfico a seguir:

Gráfico 1. Distribuição de mulheres por actividade remunerável nos municípios

Chókwè

Actividade remunerável por município

Mocuba

SimNão0%

10%14%

86%

18%

82%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Se, por um lado, do universo das 204 mulheres, a maioria exerce alguma actividade remunerável, o que é bastante encorajador, por outro, do ponto de vista familiar, constatou-se que parte das mulheres que exercem actividades remuneradas não possui um pleno domínio da gestão das finanças domésticas, prevalecendo o

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cenário da dominação masculina:

Há mulheres que vendem produtos no mercado, mas no fim do dia devem explicar aos maridos quanto produziram ou mesmo entregam o papá lá em casa para guardar.5

O aumento do acesso à esfera pública ou económica não reforça o espaço de barganha das mulheres, quer ao nível doméstico, quer ao nível das organizações partidárias. Apesar da ambição das mulheres em ocupar cargos ao nível do partido, estas ainda continuam relegadas a posições subalternas dentro do partido, como ilustra o gráfico abaixo:

Gráfico 2. Tendência de nomeação das mulheres a cargos de liderança dentro dos

partidos

Não

Nomeação para cargos de liderança por município

Sim

MocubaChókwè44%

45%

46%

47%47%

48%48%

49%

50%

51%

52%52%

53%53%

54%

No município de Mocuba, por exemplo, algumas mulheres comentavam sobre o espaço da sua intervenção ao nível dos processos eleitorais:

Aqui no nosso município quando chega período de campanhas eleitorais,

5 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido MDM, Mocuba, 14 de Setembro de 2018. 6 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido MDM, Mocuba, 15 de Novembro de 2018.

algumas de nós até abandonam suas bancas no mercado para receber e acompanhar os candidatos políticos, mas quando chega o período de ocupar os cargos, nós mulheres ficamos para trás e praticamente apenas os homens é que dirigem6.

O município de Mocuba oferece menores oportunidades de nomeação de mulheres para cargos de liderança partidária em comparação com Chókwè. A exclusão da mulher na família encontra uma reprodução na esfera pública, quer de forma consciente ou inconsciente, constrangendo as possibilidades efectivas de acesso destas a espaços e cargos de liderança em igualdade com os homens. Todavia, deve destacar-se que, apesar destes constrangimentos, há uma tendência encorajadora de promoção da equidade de género. Dos municípios alvo do estudo, existe um histórico de serem dirigidos por mulheres na qualidade de presidentes do Conselho Municipal. Todavia, ao nível de Mocuba, a edil não mereceu a confiança do partido para um segundo mandato consecutivo, uma excepção à prática do partido Frelimo, segundo a qual o primeiro mandato é de reconhecimento e o segundo de realizações.

Ainda que não se possa generalizar que o cenário acima indicado seja aplicável para todos os municípios moçambicanos, acredi-ta-se que os dados analisados neste estudo oferecem bases relevantes de análise que aju-dam a compreender que em Moçambique

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vive-se um contexto de extremo controlo e dominação masculina, onde as mulheres permanecem personagens mais sacrificadas e vivendo maioritariamente numa pobreza extrema em suas comunidades. A constan-te preocupação com o estatuto das mulhe-res em Moçambique e nos municípios, em particular, impõe que seja aperfeiçoada a ideia de democratização dos espaços públi-cos que permitam fortalecer as possibilida-des de construção de uma sociedade mais

inclusiva e sensível às questões de género. Ou seja, o tratamento diferenciado de que a mulher é alvo, quer em processos eleitorais ou de qualquer outra natureza, não deriva da ausência de um quadro legislativo, seja de ordem constitucional ou infraconstitu-cional, mas, sim, da postura despreocupada no seio das famílias para abordar as ques-tões, bem como no seio das organizações partidárias.

Fotopor: Neide Gwesela/Counterpart International

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4. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA MULHER NOS MUNICÍPIOS DE CHÓKWÈ E MOCUBA

Os acordos, convenções e protoco-los internacionais e regionais que promovem os direitos políticos das mulheres e a equidade de género nos espaços políticos de tomada de deci-são que Moçambique vem ratifican-do7 têm sido fundamentais para a produção de dispositivos legais e/ou institucionais que ampliam a parti-cipação política das mulheres. Con-tundo, se, por um lado, a presença das mulheres na política viabilizou a entrada da temática de género na agenda política nacional, por outro, a exposição da mulher nesta arena dá maior visibilidade às assimetrias existentes entre homens e mulhe-res8. Como apontam os dados do Monitor do Género e Desenvolvi-mento da SADC9, embora os nú-mero de participação da mulher nas estruturas de poder se projecte de forma crescente ao longo do tempo, elas ainda exercem uma influência minúscula nos processos de tomada

7 A convenção Internacional dos Direitos Civís, a Declaração e Plataforma de Acção de Beeijin, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres- CEDAW, o 3º Objectivo de Desenvolvimento sustentável ; a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo aos Direitos das Mulheres em África e o Protocolo da SADC sobre Género e Desenvolvimento são alguns exemplos de acordos internacionais e regionais ratificados por Moçambique.

8 Conceição Osório, Acesso e exercício do poder político pelas mulheres, Maputo, WLSA Moçambique, 2007.

9 SADC e SARDC, « Monitor do género e desenvolvimento da SADC 2016 », Harare, SADC e SARDC, 2016.

10 Ibidem.11 Wilma J. M Bernardo, op. cit.12 Delton Muianga, Delma Comissário e Venâncio Munhangane, op. cit.

de decisão10. Esse facto por ser com-preendido como consequência de uma estrutura social assente num sistema patriarcal que se reproduz e estrutura também o funcionamen-to da esfera política, onde a mulher continua sendo assumida como um actor secundário11.

No caso da governação local, um estudo recente sobre representação da mulher nas assembleias munici-pais nas legislaturas de 2009 – 2013 e 2014 – 2019, em todas assembleias municipais do país, demonstra que o nível de representação das mulhe-res corresponde a uma taxa de equi-dade de 37% na primeira legislatu-ra e na legislatura subsequente de aproximadamente 38%. Inhamba-ne, Gaza e Zambézia são as provín-cias que albergavam os municípios com menor índice de equidade de género12

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Gráfico 3. Nível de representação das mulheres nas assembleias municipais

2009 - 2013

Representação parlamentar da mulher nas assembleias municipais

2014 - 2018

MulheresHomens0%

10%

63%

37%

62.5%

37.5%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Fonte: IMD (2018)

A nível da direcção por parte das mulheres nos Conselhos Municipais, os dados são pouco animadores. Dos primeiros 33 municípios, apenas uma mulher havia sido eleita à Presidência do Conselho Municipal nas primeiras eleições, em 1998, e esse número só se alterou nas eleições de 2008, quando 10 vilas foram elevadas a categoria de município13 e três (3) mulheres passaram a Presidir o Conselho Municipal. Nas eleições autárquicas de 2013, mais uma vez, 10 vilas foram elevadas à categoria de município, totalizando 53 autarquias14. Dessas autarquias, apenas cinco (5) mulheres foram eleitas. Nas últimas eleições autárquicas (2018), as mulheres conquistaram seis (6) municípios. Todas as mulheres que presidiram os municípios, tanto a nível de Conselho Municipal como da Assembleia Municipal, são membros

13 Lei nº 3/2008, Boletim da República, I Série, nº 16, de 2 de Maio de 2008.14 Lei nº 11/2013, de 3 de Junho, Boletim da República, Ia Série, n°44, Suplemento.15 « Moçambique para todos: Abaixo, a lista dos 53 cabeças de lista da Frelimo », [Online: https://macua.blogs.

com/moambique_para_todos/2018/08/abaixo-a-lista-dos-53-cabe%C3%A7as-de-lista-da-frelimo.html]. Consultado no dia 29 de Dezembro de 2018.

16 CNE, 2018. Site www.stae.org.mz consultado no dia 07 de Dezembro de 2018

do partido Frelimo. Nas últimas eleições, dos 159 cabeças de lista dos três principais partidos, apenas onze (11) eram mulheres, sendo seis (6) candidatos do partido Frelimo e quatro (4) do partido MDM e nenhuma da Renamo.

É triste notar como a Frelimo está a regredir na emancipação das mulheres. Menos de 10% é muito vergonhoso para o partido que havia sido um exemplo entre os emancipadores do gênero. E a Renamo que não tem nenhuma? Não se pode fazer comparações com a Renamo e o MDM, por excelência, partidos machistas e sem recursos humanos quanto a Frelimo os tem, mas a Frelimo pode fazer mais e melhor. A masculinização da política e a secundarização das mulheres deveriam ir para o caixote da história15.

O extracto de discurso acima revela o depoimento de um internauta em relação ao processo excludente de formação das listas pelos partidos. Ao partido Frelimo, com mais possibilidades de eleição, é atribuída maior responsabilidade na integração do género comparativamente aos partidos da oposição, que pelas baixas possibilidades de serem eleitos, as mulheres acabam ocupando sempre posições subalternas.

As eleições municipais de 2018 registaram uma participação de 49.5% no município de Mocuba e de 56.9 % no município de Chókwè.16 Contudo, os dados dos órgãos

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de governação eleitoral não permitem apreender a proporção da participação eleitoral por género. Deste modo, é impossível saber o nível de participação das mulheres com acurácia. Todavia, dados do inquérito quantitativo indicam que as mulheres apresentam um nível de participação eleitoral elevado. É verdade que são recorrentes respostas politicamente correctas nos inquéritos por receio de represálias, o que justifica que grande parte das mulheres tenha afirmado que votaram nos últimos pleitos eleitorais. A participação massiva das mulheres nos processos eleitorais é um indicador de emancipação da mulher do espaço privado, o que entra em contraste com dinâmicas das relações domésticas. Ou seja, grande parte das mulheres afirmou perentoriamente que a sua circulação pelo espaço público está dependente da anuência, sobretudo, dos seus esposos, conforme ilustra o gráfico a seguir:

Gráfico 4. Liberdade das mulheres para circulação no espaço público

Não

Permissão para sair de casa sem autorização

Sim

MocubaChókwè0%

10%

78%72%

22%28%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

17 Haleh Afshar, Women and politics in the Third World, London and New York, Routledge, 1996.

Os dados acima indicam que o direito de frequentar o espaço público, neste caso particular, o espaço do voto, está condicionado à vontade dos esposos. Embora muitas mulheres eleitoras nos grupos focais não o aceitem publicamente, estas passam por uma série de constrangimentos no dia da votação, primeiro por causa das distâncias e do tempo de espera para votar, que tem dificultado o desempenho das suas actividades domésticas (cuidar das crianças e preparar a refeição), desencadeando em conflitos com os seus parceiros. Por essa razão, como forma de evitar conflitos domésticos, as mulheres preferem não votar, delegando ao esposo o poder de votar por procuração, pois o voto do esposo é o voto da família.

No que concerne à participação política das mulheres como candidatas, é importante notar que houve um retrocesso ao nível dos dois municípios. Os dois municípios tiveram recentemente experiências de liderança feminina, contudo nenhuma delas renovou o mandato. Uma das explicações podem ser encontradas no estereótipo da masculinização da política17, que reproduz a ideia da superioridade do homem em relação à mulher, assim como a teatralização de que o campo político é domínio exclusivo dos homens. Como se pode observar a partir dos dados do inquérito, a maioria dos inquiridos, dentre homens e mulheres, afirmou que prefere um homem para a liderança do município.

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Gráfico 5. Preferência para a liderança do município com base no género

Chókwè

Preferência para liderar o município entre homens e mulheres

Mocuba

Mulher Tanto fazHomem0%

10%

57%

20%23%

45%

16%

39%

20%

30%

40%

50%

60%

Estas evidências ilustram que a mulher ainda é concebida como o centro da casa, o que significa que as mulheres devem servir suas famílias. O movimento para fora do domicílio para tarefas que não sejam de meios de subsistência é ainda limitado e desencorajado. O discurso sobre a competência é muito mais intenso quando se trata de uma mulher a governar, para quem as expectativas de desempenho são maiores. Tanto em Chókwè como em Mocuba, o facto de a presidência do município estar a cargo de uma mulher hibridiza-se num discurso sobre a competência da mulher, como ilustra o depoimento seguinte:

Por ser mulher e não ter desempenhado seu manifesto de forma integral. A gestão do município é sempre melhor quando é homem. A forma de tratar outras mulheres não foi satisfatória. Desde a candidatura dela, os munícipes não concordaram muito pelas atitudes dela, a falta de respeito aos munícipes, sobretudo com as mulheres. O processo de governação dela não foi positivo. Os munícipes acabaram votando nela, apenas por pertencer ao partido Frelimo1

1 Entrevista de grupo focal, eleitoras, Chókwè, 15 de Setembro de 2018.

A confluência entre o género, a competência e o desempenho é mais escrutinada quando se trata de uma mulher na governação. Em termos gerais, as mulheres na governação têm sido alvo de intolerância, tanto da sociedade em geral, como das elites dentro do partido. As mulheres que exercem a actividade política, por exemplo, membros activas do partido (que compõe as organizações de base dos partidos), as que ocupam cargos liderança nos altos escalões do partido, são as que experimentam com mais frequência os constrangimentos de estar na política entendida como um espaço de dominação masculina. Expressões como “querem nos dominar”, “estão a competir com os homens” são comuns nos discursos dos homens dos municípios de Mocuba e de Chókwè em relação à sua apreciação sobre a presença da mulher na vida política dos respectivos municípios.

A maioria das mulheres que exercem actividade política entraram para o meio muito jovens por influência dos seus pais ou por “conversão” partidária após o casamento. Um dos principais dilemas que

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as mulheres que exercem actividade política enfrentam é conseguir conciliar a agenda política com o seu papel doméstico, pois, de certa forma, a competência política da mulher é medida também pela capacidade que ela tem de gerir a família. Relatos das entrevistas de grupo mostram que o estado civil da mulher é um factor determinante para o engajamento político das mulheres. Na sua maioria, as mulheres afirmam que o estado civil solteiro produz menos contradições e confere maior liberdade para o exercício dos direitos políticos. Por sua vez, o casamento foi adjectivado como uma janela de oportunidades para tensões conjugais e negociações permanentes, sobretudo, quando a mulher é casada com alguém que não exerce actividade política ou pertence a uma formação política distinta.

Seria melhor assim todos [casais] fossem políticos porque, sinceramente, quando um fica em casa e você enquanto foi lá[ partido] já começa a pensar muita coisa, será que foi lá mesmo na política? Está a fazer política, mesmo? Começa já a desconfiar. Mas quando estão todos juntos no mesmo caminho já sabe que naquele programa ali naquele dia ouvi que há um programa X 2.

Para além das dificuldades em entender as dinâmicas de funcionamento e os horários que a vida política acarreta, quando o marido é alheio à vida política, tal não afecta somente a rotina doméstica da mulher mas também se invertem os papéis sociais

2 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido Renamo, Chókwè, 11 de Setembro de 2018. 3 Entrevista de grupo focal, homens do partido Renamo, Mocuba, 10 de Setembro de 2018.

do casal, como ilustra o depoimento de António Luís, membro do partido Renamo:

A mulher quando atinge esses níveis que o homem deu para dirigir uma instituição então esquece que sou uma mulher, ela tem uma tarefa de cuidar a família, esquece que tem essa outra parte como mulher, chegar em casa tratar meu esposo como marido e olhar para os meus filhos. Eu assisti dois casos aqui no partido em que as mulheres (…) chegaram no parlamento e acabaram esquecendo os seus próprios maridos (…) então aqui é preciso também arranjar uma forma de nós também educarmos essa mulher.3

A exigência de que as actividades domésticas das fazedoras de política devem estar em dia constitui também uma auto-exigência para as próprias mulheres membros dos partidos políticos, resultante de como é que elas próprias compreendem o seu papel enquanto mulheres na sua comunidade. Para além da partilha das compensações económicas com o esposo e a família, como resultado do exercício de cargos políticos pelas mulheres ao nível das assembleias municipais, a teatralização permanente do controlo efectivo dos papéis domésticos é a moeda de barganha para a continuidade das mulheres no campo político, sobretudo para as militantes que não vivem da política mas sim para a política, como é o caso da Maria Joana, militante do partido MDM:

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Tem que saber dividir o seu processo de tempo, agora que é verão nós não temos água nos poços. Tenho que acordar de madrugada ir procurar água, na procura daquela água no rio lavo os pratos, roupas. 7:30h se tem uma criança pequena deixa ali com uma boa orientação a pessoa vai fazer aquilo você mandou criança faz e eu sigo com minha ambição da minha cabeça é assim. Se você não tem ninguém em casa acorda cedo faz seu serviço, faz seu matabicho, arruma na mesa, água de banho arruma tudo deixa e você vai4.

As mulheres pouco efectivas na conciliação das missões domésticas e políticas afirmaram que nunca encontraram resistências familiares por diversas razões: por um lado, pelo facto de serem solteiras e, por outro lado, pelo facto de a actividade política não só produzir benefícios materiais mas também simbólicos para os seus esposos e família. O exemplo da edil de Mocuba expressa esta constatação. Beatriz Gulamo afirmou não ser uma mulher caseira, porque para além da vida política, é empresária e ainda é estudante universitária, papéis estes que a colocam integralmente no espaço público do que privado. A sua continuidade na vida pública é tributária do apoio incondicional de Gulamo, seu esposo, muçulmano, antigo polícia e membro do partido Frelimo.

Em relação ao caso bem sucedido da edil de Mocuba, que, mesmo sendo ausente da vida doméstica, contornou com sucesso a estrutura de pressões familiares, foi

4 Entrevista de grupo focal, mulher da Assembleia Municipal de Mocuba, Mocuba, 15 de Setembro de 2018. 5 Entrevista de grupo focal, membros do Parlamento Juvenil, Mocuba, 13 de Setembro 2018.

construída uma percepção social de que o equilíbrio estabelecido entre o lar e a política deriva da ideia de uma certa instrumentalização da mulher, no sentido em que elas governam por procuração, como se pode observar no extracto do discurso abaixo:

Irmão Pinto, eu confirmo porque ele [Sr. Gulamo, esposo da edil do Município de Mocuba] já esteve no partido Frelimo, foi colega da minha mãe, foi secretário aqui em Mocuba, quando eu ainda tinha 8 anos, o Sr. Gulamo já estava na Frelimo, não o conheci hoje nem ontem, eu tinha 8 anos, foi há muito tempo, por isso, eu disse é experiente nessa coisa de política aí, o Sr. Gulamo é um político secreto, por isso, que ajudou a mulher a fazer a melhor propaganda para vocês lhe votarem porque eu não lhe votei, votei em ninguém, eu fiz voto nulo. É sério.5

Embora se acredite nas capacidades da mulher para desempenhar papéis políticos, as evidencias acima indicam que, por um lado, as mulheres que entram e se mantêm na política, pela natureza subserviente, é graças à anuência da família ou do seu esposo e, por outro lado, as mulheres não governam por si mas pilotadas pelos seus esposos, que, para evitarem a exposição directa na vida política, governam à distância por intermédio das suas esposas. Esta modalidade de governação por intermediação, para além de significar uma transferência do risco político para as esposas, possibilita igualmente aos

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homens o acúmulo de capitais económicos e simbólicos.

Finalmente, da mesma forma que o casa-mento serve de entrada e estabilidade das mulheres na vida política, este pode tam-bém afectar as suas convicções políticas, principalmente nos casos em que a mulher não partilhe do mesmo credo político ideo-lógico do seu esposo. Existe uma expectati-va social de que as mulheres se submetam à vida ou às escolhas do seu cônjuge e isso inclui: religião, localização geográfica e fi-liação partidária e quando ocorre uma re-sistência por parte da mulher em ceder tal pode gerar mais conflitos, e até mesmo ca-sos de divórcio.

“Muitas das vezes são os homens que tentam puxar as mulheres para a [política], eu tenho que gostar aquilo que ele gosta mas não pode ser assim cada um é cada um, somos marido e mulher mas cada um é cada um. E nos deixamos assim mesmo e eu fiquei no meu partido e ele foi com outra mulher. Renamo é que

6 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido Renamo, Mocuba, 11 de Novembro de 2018.

nem igreja para mim, meus pais foram daqui, eu nasci aqui e estou a educar meus filhos aqui”6.

A entrada e estabilidade das mulheres na política estão correlacionadas com a dinâmica das relações sociais e domésticas culturalmente estabelecidas. O estado civil das mulheres é uma condição que funciona tanto como uma estrutura de incentivo mas também de constrangimento para a participação política da mulher. As mulheres solteiras dispõem de uma maior liberdade para entrarem e se estabilizarem na vida política enquanto que as mulheres casadas a sua transição para a política é um acto de permanente negociação e fortemente dependente da anuência do seu conjugue. O apoio dos maridos às mulheres que entram na política não é trivial, mas sim instrumental. A acumulação de capital económico e simbólico funciona como um elemento de transação do apoio político às mulheres pelos seus esposos.

Foto por: Neide Gwesela/Counterpart International

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5. TENDÊNCIAS DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NAS ELEIÇÕES

Esta parte do trabalho examina as tendências da violência contra as mulheres que ocorrem no contexto do ciclo eleitoral. A mesma irá apoiar-se em experiências e narrativas das mulheres nos municípios de Mocuba e Chókwè. Para análise da violência eleitoral contra a mulher nas eleições foi mobilizada não só a dimensão física da violência mais também as dimensões psicológica e económica. Procurou-se, igualmente, abranger uma maior configuração de actores no feminino envolvidos no processo eleitoral (jornalistas, militantes

dos partidos políticos, observadoras, membros das Assembleias Municipais, eleitoras e funcionárias dos órgãos de governação eleitoral; os múltiplos espaços de sua ocorrência (casa, comunidade, rua, sede do partido, posto de votação) e sua temporalidade (antes, no dia e depois da votação). Este exercício foi realizado com o intuito de extrair o impacto da violência eleitoral como uma estrutura de incentivos e constrangimentos para a participação política da mulher nas eleições.

Foto por: Géssica Macamo/CeUrbe

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5.1. MOCUBA: EXPERIÊNCIAS E NARRATIVAS DE VIOLÊNCIA ELEITORAL CONTRA A MULHER

As mulheres em Mocuba não tem barreiras (...) temos a nossa presidente é uma mulher1.

O extracto do discurso acima mos-tra o mal entendido gerado após a eleição de Beatriz Gulamo para pre-sidente da autarquia de Mocuba. O efémero facto de Mocuba ter sido li-derado por uma mulher entre 2013-2018 gerou heurísticas que politi-camente mobilizadas e socialmente reproduzidas contribuem para jus-tificar e evidenciar o “fim” das as-simetrias de género e das barreiras sociais, culturais, administrativas e políticas para a participação política das mulheres naquela territorialida-de municipal. A liderança feminina no município, para além de frustrar as expectativas dos sectores sociais femininos2,igualmente, dissimulou a subserviência feminina nos seus diversos papéis sociais na políti-ca. Os extractos de discurso abaixo ilustram a dissonância entre o dis-curso de afirmação das capacidades da mulher e as práticas partidárias discriminatórias, ou seja, apesar da narrativa do “bom desempenho go-vernativo” da liderança feminina,

1 Entrevista de grupo focal, mulheres membros da Assembleia Municipal de Mocuba, Mocuba, 12 de Setembro de 2018.

2 Domingos do Rosário, Egídio Guambe et Elísio Emanuel Muendane, op. cit.3 Entrevista com AS, Conselho Municipal de Mocuba, Mocuba, 15 de Novembro de 2018.

houve uma descontinuidade na tra-dição do partido na medida em que Beatriz Gulamo não teve voto de continuidade dos membros do par-tido, tanto homens como mulheres, para um segundo mandato conse-cutivo, embora tenha manifestado vontade de continuar, tendo se sub-metido as eleições primárias donde saiu vencido o candidato, ora edil de Mocuba Geraldo Sotomane.

Ao nível do Município de Mocuba tivemos a sorte de termos uma mulher. Nós, como assessores, em particular eu, que estive durante cinco anos lado a lado com ela, testemunhei que a mulher é capaz. A mulher é capaz de fazer trabalho tal como o homem. E isto mostrou durante o mandato, através do cumprimento do Plano Quinquenal (PQ). No entanto, quanto a sua saída está ligada a necessidade de dar oportunidades aos outros quadros do partido, que são muitos. 3

Este discurso traduz uma imagem triunfalista de que a mulher em Mocuba superou as barreiras à

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sua participação efectiva no poder, de tal sorte que, medidas de ação afirmativa são necessárias para habilitar que os homens também assumam posições de liderança. Com a saída de Beatriz Gulamo, gerou-se a impressão de que, no seio do partido Frelimo, a circulação das elites do poder (xitique do poder)4 é mais relevante do que a consolidação do desempenho governativo, que só se faz segundo a tradição do partido com a realização de dois mandatos.

Quanto à minha retirada sem completar dois mandatos deriva do facto de a Frelimo ter vários quadros e é preciso dar oportunidade a todos, foi isso que aconteceu. A política é aceitação do partido. Por mim gostaria de continuar, mas o partido é que decide.5

Todavia, a ideia do xitique do poder na ordem da descontinuidade da liderança feminina no município é necessária mas não suficiente. A candidatura e liderança do território por uma mulher gerou uma certa animosidade por parte dos sectores masculinos assim como femininos e machistas mais conservadores do município. Expressões como: “Dhabuno muthabwa”6, “agora queremos ver”, “ela está sendo alvo de sabotagem” e “ela foi insolada dentro do partido” circulavam no município durante todo processo da sua governação. Estes eventos discursivos ilustram um

4 Domingos Manuel do Rosário, « Os Municípios dos “Outros”. Alternância do poder local em Moçambique? O caso de Angoche », Cadernos de Estudos Africanos, 2015, p. 135-165.

5 Entrevista com GB, Conselho Municipal de Mocuba, Mocuba, 12 de Novembro 2018.6 Na tradução literal significa “vocês mulheres agora estão a piorar” Dulce Passades, « DHABUNO MUTHABWA:

redefinindo o papel das mulheres no campo político », Quelimane, NAFEZA, 2015.7 Delton Muianga, Delma Comissário et Venâncio Munhangane, op. cit.

cenário de fragilidade das mulheres que ocupam cargos de liderança, que estão estruturalmente dependentes das vontades da elite do partido do que necessariamente do seu desempenho governativo.

A disciplina partidária impede-as de reivin-dicar por um maior espaço de participação dentro dos partidos e nos espaços em que são confiadas pelo partido para exercerem funções, ou seja, elas não têm autonomia7. As barreiras à participação política das mu-lheres têm contornos simbólicos e com-plexos de apreender, pois reproduzem-se por intermédio dum discurso político de afirmação feminina com enorme poder de fazer das vítimas agentes da sua própria do-minação. De forma geral, as dinâmicas e ex-periências vivenciadas de violência eleitoral contra a mulher no município de Mocuba, se ordenam em três tendências gerais:

Em primeiro lugar, constata-se que apesar de a violência eleitoral ter sido construída como uma problemática exclusivamente masculina, metade dos inquiridos afirmou que a violência eleitoral afecta no geral e indiscriminadamente tanto homens quanto mulheres, como ilustra o gráfico abaixo. As mulheres vítimas da violência são sobretu-do as mulheres membros e simpatizantes de partidos políticos com uma forte identifica-ção partidária, expressiva e pública.

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Gráfico 6. Vítimas de violência eleitoral em Mocuba

Quem é vítima da violência eleitoral? Mocuba

AmbosHomem Mulher0%

10%

30%

50%

20%20%

30%

40%

50%

60%

Num contexto que as mulheres têm vindo a ganhar espaço nos processos políticos como eleitoras, candidatas, membros e sim-patizantes de partidos políticos, jornalistas, activistas e membros dos Órgãos de gover-nação eleitoral, membros das mesas de vo-tação, observadoras, etc. cresce igualmente a tendência para uma maior visibilidade das mulheres no espaço público, por excelência, um espaço de dominação masculina e, por conseguinte, aumenta a intolerância e con-solidam-se os estereótipos relativos à mu-lher, tanto no espaço público assim como no espaço privado. A profusão de mulheres nos espaços histórica e culturalmente cons-truídos como espaços masculinos justifica a sua condição de vítimas da violência eleito-ral.

Em segundo lugar, no que concerne aos perpetradores da violência contra as mulheres, os dados do inquérito de opinião indicam que tanto homens como mulheres são agentes da violência. Portanto, as mulheres combinam um duplo estatuto de vítimas e de perpetradoras da violência, o

que indica que as mulheres não são sujeitos mas agentes do processo, participando da fábrica de hostilidade tanto quanto os homens.

Gráfico 7. Perpetradores da VAWIE

Perpetradores da violência contra as mulheres nas eleições

Um grupo de homens

Um grupo de homens

Um grupo de homens e mulheres

0%

10%

35%

8%

56%

20%

30%

40%

50%

60%

Ademais, quanto ao perfil dos perpetradores, a violência contra as mulheres tem um cariz marcadamente partidário. Em outras palavras, a violência transaciona-se grosso modo de forma interpartidária. Mais de metade dos inquiridos afirmou que a proveniência dos perpetradores da violência era partidária, contra 29% que afirmou que provinham da polícia, como ilustra o gráfico abaixo:

Gráfico 8. Perfil dos perpetradores de VAWIE

Proviniência do perpetrador da violência contra a mulher nas eleições

PolíciaDesconhecido/a Membros do partido

0%

10%10%

29%

61%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

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“O polícia é nosso filho, ele só faz o que o partido manda”8. Este discurso demonstra que a polícia não é necessariamente o agen-te da violência mas sim o intermediário da violência partidária responsável pela inti-midação e detenção de membros e simpa-tizantes de partidos políticos da oposição9. Dados do grupo focal indicam que mem-bros do partido no poder, pela capacidade de controlo dos dispositivos de agressão do Estado, constituem os maiores protagonis-tas da violência eleitoral contra a mulher. O facto de o partido e a polícia serem apon-tados como os principais perpetradores da violência contra a mulher confere uma dinâmica estrutural e organizacional e não necessariamente episódica e circunstancial ao fenómeno. Contudo, a configuração de perpetradores varia em função do tipo de

8 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido MDM, 12 de Novembro de 2018. 9 Isac Sansão Nuvunga, op. cit.. Adriano Nuvunga, op. cit.. Lázaro Mabunda, op. cit.. Lázaro Mabunda, op. cit.

violência em alusão, ou seja, a violência físi-ca é mais associada à acção interpartidária, enquanto na violência psicológica e econó-mica multiplicam-se e diversificam-se mais os actores, entre partidários, comunitários e domésticos.

Em terceiro lugar, quanto ao espaço de ocorrência, existe uma forte tendência que aponta para os espaços públicos como o campo de ocorrência da violência. Mais de metade dos inquiridos afirmou que a violência perpetrada contra as mulheres ocorre na rua, contra pouco mais de um terço que afirmou que a mesma ocorre no local de votação. As sedes dos partidos e o espaço doméstico configuram os espaços de menor ocorrência por se tratar de locais onde a violência tem um cariz mais invisível e de difícil objectivação.

Gráfico 9. Locais de ocorrência da VAWIE

Locais de ocorrência da violência contra a mulher

Local de votaçãoCasa Sede do partidoRuaComunidade0%

10%3%

9%

61%

1%

26%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

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Por último, quanto à temporalidade, é notável que a violência contra a mulher reproduz-se no tempo longo das eleições. O período de maior intensidade da violência é a fase da campanha eleitoral, por sinal, o momento de maior exposição da mulher, seguida pelo dia de votação. A campanha eleitoral e o dia da votação são os momentos cruciais do processo eleitoral e de agudização das animosidades partidárias.

O período de campanha eleitoral é o mais fértil para a violência contra as mulheres porque trata-se de mulheres com uma forte identificação partidária expressiva e pública que no período de campanha eleitoral desempenham um papel fundamental na construção e teatralização

da imagem e programas da sua formação política. Portanto, a campanha eleitoral é um momento não só de exposição da materialidade do voto, mas também de objectivação das crenças políticas ocultas que funcionam como elementos de estratificação do campo e de redefinição dos protocolos e maneiras de interação entre os indivíduos, de tal sorte que, em função da identificação partidária (comum

ou divergente), as interações podem ser de solidariedade ou de conflitualidade. Deste modo, as mulheres que expressam publicamente a sua filiação partidária aumentam as possibilidade de ser objecto de coação nas diferentes dimensões.

Gráfico 10. Período de ocorrência da VAWIE

Período de ocorrência da violência contra a mulher - Mocuba

0%

10%

Recenseamento

5%

Campanha eleitoral

73%

Dia da votação

12%

Pós votação

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

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5.1.1. Tipologia da violência contra a mulher em Mocuba

Os dados do inquérito quantitativo aplicado no Município de Mocuba apontam que os homens constituem o grupo mais vulnerável à violência eleitoral, sendo que 30% dos respondentes afirmaram que os homens são as principais vítimas da violência eleitoral. Esta percepção deriva da perspectiva unívoca com que o fenómeno foi historicamente construído, ou seja, a violência física, aquela objetivamente verificável, ganhou preponderância em detrimento dos outros tipos de violência eleitoral, como a económica e a psicológica. A perspectiva minimalista e unívoca que domina o pensamento social sobre a violência eleitoral vai dar lugar à perspectiva holística. Nesta perspectiva, constata-se que apesar de as mulheres representarem apenas 23% do total das vítimas da violência física, estas têm um peso significativo e equiparado ao dos homens em relação às vítimas das

outras formas de violência, nomeadamente violência económica (50%) e psicológica (78%). O gráfico a seguir ilustra o peso do tipo de violência eleitoral entre homens e mulheres.

Os dados acima atestam que as mulheres, para além da violência física, vivenciam o fardo de formas mais subtis de exercício da violência eleitoral (económica e psicológica) vivenciando mais a violência psicológica do que a sua contraparte masculina. Portanto, homens e mulheres experimentam padrões diferenciados de violência durante os processos eleitorais que, por consequência, afetam diferentemente na decisão de participar activamente nos processos eleitorais.

5.1.1.1. Violência f ísica: “guarnição do voto” como factor de violência

Apesar de o histórico das eleições de 2013 ter apontado para uma forte possibilidade de recrudescimento de eventos de violência

Gráfico 11. Tendência dos tipos de violência eleitoral por género

Homem

Tipos de Violência por género - Mocuba

Mulher

Violência económica Violência psicológicaViolência física0%

10%

77%

72%

22%23%

28%

78%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

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física nas eleições autárquicas de 2018 na municipalidade, devido à migração de eleitores10, tal não se confirmou no terreno. Tanto as autoridades policiais, partidos políticos, unidades sanitárias, jornalistas assim como os partidos políticos, sobretudo da oposição, foram unânimes em considerar as últimas eleições como pacíficas do que as anteriores11. As confrontações entre caravanas no período de campanha eleitoral deram lugar a incidentes relacionados com a destruição de material de campanha, detenções e dispersão de apoiantes e simpatizantes dos partidos nos postos de votação com o recurso à força policial.

Durante as entrevistas, foi notório que as narrações espontâneas de eventos de violência física, por parte das mulheres como dos homens, eram todas extraídas de experiências masculinas, o que revela que este tipo de violência é interpretado como uma “prerrogativa masculina”12. Esta imagem socialmente construída de violência eleitoral coloca, sem dúvidas, os homens como os principais agentes e vítimas da violência. Dados do inquérito mostram que embora a violência psicológica e económica sejam as mais predominantes entre as mulheres, estas também experimentam formas de violência física no contexto eleitoral dignas de realce.

10 Entrevista de grupo focal, homens do partido Renamo, Mocuba, 12 de Setembro de 2018. 11 Entrevista com DE, Comando Distrital da Polícia, Mocuba, 11 de Novembro de 2018. Entrevista com AF, partido

MDM, Mocuba, 14 de Novembro 2018; Entrevista com PD, Hospital Distrital de Mocuba, 15 de Novembro de 2018.

12 Gabrielle Bardall, op. cit., p. 13.

Os dados das entrevistas de fundo e de grupo focal corroboram estas estatísticas. Sem prejuízo das outras narrativas, o caso da Sra. Maria Nara ilustra a experiência de violência contra a mulher nas eleições. Maria Nara, viúva de um antigo regressado da Alemanha, funcionária da Têxtil de Mocuba até 1999, membro do Movimento Democrático de Moçambique desde 2009, adere à vida política como uma reação política a um sentimento de injustiça laboral que decorreu do despedimento da Têxtil de Mocuba sem nenhuma indeminização. Maria Nara retraça o histórico da sua experiência pessoal de violência física nos seguintes moldes:

No dia de votação na escola pré-univer-sitária, nós depois de votarmos saímos para esperar os resultados, apareceu depois o Comandante da Polícia que nos identificou, ele veio pessoalmente e começou a nos bater com arma, muita gente perdeu membros inclusive eu que estou a falar, levei uma coronhada com arma caí e desloquei o braço, hoje tenho defeito, este punho já não está natural, o osso até hoje não entrou no lugar, você olha para o braço e consegue ver o osso a andar. Eu fiquei com gesso quase três meses neste braço por causa dessas ma-nifestações. Este é um punho já com problemas assim por isso falamos que

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política às vezes morre-se, muita coisa mas estamos a insistir porque queremos governar.13

O caso da Maria Nara é a narrativa mais ex-pressiva dos efeitos da violência física sobre as mulheres. Este evento, entretanto, não foi um acto insolado mas que visava um grupo específico de actores do processo eleitoral, nomeadamente eleitores, com a particula-ridade de pertencerem ao Movimento De-mocrático de Moçambique. O móbil da vio-lência derivou do processo de “guarnição do voto”, como retrata Cândida Orlanda, mem-bro do MDM, de 45 anos de idade:

Aquela violência surgiu no momento de guarnição porque nós votamos e estávamos a guarnecer os nossos votos então ali já não podia ficar ninguém por isso a Polícia tinha que dar porrada como forma de afastar as pessoas, automaticamente era só com arma, estar a dar coronhadas, estar a bater e lançar gases dum lado para outro. Eu sofri com aquele gás, eles lançaram, tem um fumo que eles lançam e a pessoa fica mal, sabe eu sair ir na casa de banho, ir beber água da casa de banho fiquei duas semanas a tomar leite fresco mas aquele cheiro quase que desmaiei sabe? Então são essas coisas também na política nos discriminam às vezes nós mulheres, estamos ali

13 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido MDM, Mocuba, 18 de Setembro de 2018.14 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido MDM, Mocuba, 14 de Setembro de 2018.15 As alíneas a) e b) do número 1 do Artigo 84 da Lei nº 7/2018 relativa à eleição dos titulares dos Órgãos das

Autarquias Locais indica que não é permitida a presença nas assembleia de voto de cidadãos que já tenham exercido o seu direito de voto naquela mesa da assembleia ou noutra. Todavia, existe uma prática segundo a qual eleitores dos partidos da oposição permanecem nas assembleias do voto violando a Lei como forma de controlar o seu voto e evitar a fraude durante a fase de contagem e apuramento dos votos. Este mecanismo de observação eleitoral ilegal directamente feita pelos eleitores não devidamente credenciados é denominado por controlo social do voto é constitui uma fonte potencial de violência entre a polícia e os eleitores tendencialmente apoiantes dos partidos da oposição.

queremos controlar aquilo que é nosso, não é possível uma mulher está fazer um almoço depois sair dali deixar a panela ir noutro sítio sem guarnecer e se a panela se queima quem é culpado? Então temos que votar e controlar para o prato sair bonito agora o outro diz não, não pode controlar eu é quem posso controlar mas vou chamar vizinha para controlar meu caril? Quando chega o ladrão é mais forte, tem que me bater, tem que fazer aquilo que quer, tem que me matar para ficar a comer aquele caril que eu preparei é o que acontece nessas eleições, somos maltratadas.14

Estes relatos ilustram que o móbil da violência física contra as mulheres, para o caso de Mocuba, deriva dum processo extralegal de controlo social do voto, socialmente percebido como guarnição do voto, que acontece logo após a votação. A guarnição do voto é uma prática introduzida pelo MDM, que pela falta de confiança nas instituições de governação eleitoral, um grupo de membros se junta em torno dos postos de votação para controlar o seu voto para que não seja desviado. É um mecanismo de controlo social do processo eleitoral para supostamente evitar a fraude eleitoral e credibilizar a votação15. Entretanto, por ser um mecanismo extralegal, a Polícia

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tem recorrido à violência com o intuito de dispersar os eleitores, com particular tendência de voto para o MDM. Portanto, a violência resulta da ambivalência entre o legítimo e o legal, na medida em que, para os membros do MDM, é uma acção legítima enquanto para a Polícia é uma acção ilegal.

Não obstante a violência física afecte tanto homens como mulheres, é notável uma cer-ta diferenciação dos repertórios de violência baseada no género. Enquanto a violência fí-sica contra as mulheres resulta da violência endereçada a um coletivo (gás lacrimogénio, coronhadas com recurso a arma de fogo) que ocorre sobretudo no posto de votação, a violência física contra os homens, para além do repertório colectivo, tem tendências in-dividualizadas e individualizantes. Ou seja, as narrativas de encarceramento, uma cor-respondência mais organizada da violência, têm uma tendência masculinizada, como se pode ilustrar a partir da narrativa sobre a detenção do Delegado Distrital da Renamo e também cabeça de Lista do partido, por consequência da denuncia da existência de eleitores do distrito de Lugela mobilizados para se recensearem no município de Mo-cuba16.

Durante o processo de recenseamento, nós passamos por maus bocados aqui, o nosso delegado da cidade ficou preso porque nós encontramos um grupo de pessoas dentre funcionários e quadros

16 Vide o link para aceder à lista « As vigarices da FRELIMO - Lista de residentes no Distrito de Lugela recenseados em Mocuba  », [Online : https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2018/07/as-vigarices-da-frelimo-lista-de-residentes-no-distrito-de-lugela-recenseados-em-mocuba.html]. Consultado no dia 12 de Dezembro de 2018.

17 Entrevista de grupo focal, homens do partido Renamo, Mocuba, 9 de Setembro de 2018.

de distritos vizinhos movimentados para vir recensear que é para engrossar votos deles [Frelimo] no dia 10 de outubro. Nesse processo liderado pelos secretários, estrutura de base do partido Frelimo, os nossos fiscais vieram nos dar informações. Dirigimo-nos para lá e encontramo-los, porque os conhecemos. No entanto, quando os pegamos como eram muitos, por medo de se dispersarem pusemo-los no carro e encaminhamo-los para aqui na sede, porque queríamos perceber o que vinham fazer, de facto? Neste processo de chegar para lhes ouvir, dois minutos depois fomos invadidos aqui com a polícia, isso ficou cercado, não fomos ouvidos, a única coisa que fizeram recolheram o nosso delegado da cidade foram lhe fechar na cela, e soltaram aquelas pessoas que violaram a lei, não estamos a alimentar a violência?17

A partir dos casos de violência expostos ao longo desta parte, é possível observar que geralmente as vítimas da violência, tanto homens como mulheres, são membros e simpatizantes dos partidos da oposição enquanto os perpetradores é a polícia, sob o comando do partido no governo. A violência física contra os homens tem uma temporalidade mais longa, ocorrendo desde o período antes da votação (no recenseamento) até ao dia de votação. A sede do partido e o posto de votação configuram os espaços de ocorrência da violência contra os homens. Todavia, apesar das denúncias dos membros da oposição,

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as autoridades públicas, como a Polícia da República de Moçambique, bem como as unidades sanitárias, não confirmam os casos de violência e de encarceramento de membros da oposição.

Deste modo, por um lado, pode-se assumir que as detenções dos membros da oposição são de facto ilegais e por essa via não foram dignas de registo, mas, por outro lado, pode-se assumir como uma prática inerente à cultura política da oposição fabricar representações com o intuito de maximizar apoiantes e reforçar a identidade e a coesão do grupo. Contudo, a impossibilidade de contactar o partido no poder gera a percepção de que apenas os membros dos partidos da oposição são vítimas de violência. Porém, o contrário seria apreendido ou não caso o partido Frelimo se abrisse para contar as suas próprias narrativas de violência. De facto, pela natureza do controlo político ao nível do município18, não é muito evidente que as instituições contactadas tenham um discurso desalinhado do partido Frelimo, o que, de certa forma, favorece a estabilização da narrativa de vitimização da oposição e de diabolização do partido Frelimo e das instituições envolvidas no processo de administração eleitoral, mormente a Polícia de República de Moçambique.

18 Michel Cahen, Mozambique, la révolution implosée. Études sur douze années d’indépendance (1975-1987), Paris, L’Harmattan, 1987. Luís De Brito, Le Frelimo la construction de L’État national au Mozambique. Le sens de la référence au marxisme (1962-1983), Tese de Doutoramento, Université de Paris VIII - Vincennes, 1991. Elísio E. Muendane, Dynamiques urbaines volatilité du vote lors des élections municipales de 2013: le cas de la ville de Maputo, mémoire de master en science politique, Institut d’études politiques de Bordeaux, 2016.

19 Inge Tvedten, « Gender and poverty in Mozambique », Chr. Michelsen Institute, vol. 9 / 6, 2010, p. 1-4.

5.1.1.2. Violência económica: Ostracismo económico como instrumento de violência

A feminização da pobreza encontra uma correspondência real com os estereótipos sobre o papel da mulher na sociedade moçambicana19. O seu papel, culturalmente atribuído, de cuidadora do lar coloca as mulheres fora do mercado e em situação de privação económica, o que contribui para a reprodução da dependência e da subordinação em relação à contraparte masculina, que assume o estatuto social de “provedor” de renda e da riqueza. A mulher, como o centro da casa, evoluiu, no entanto, para significar que as mulheres devem servir suas famílias, de modo que, o movimento fora do domicílio para tarefas que não sejam meios de meios de subsistência é limitado e desencorajado. Este condicionamento começa em uma idade jovem, onde as meninas são socializadas para se dedicarem a cuidar e servir os outros, enquanto os meninos são encorajados a ir além da casa e explorar o espaço público.

Em Mocuba, a divisão social do trabalho é uma variável económica que participa na estruturação da violência eleitoral sobre as mulheres. Os dados do terreno indicam

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que a coerção económica não é usada pelos esposos para constranger decisões, atitudes e comportamentos das mulheres, mas sim pelos membros dos partidos adversários assim como pelas próprias mulheres dentro dos partidos de pertença. Ou seja, existem duas dinâmicas da violência económica: a primeira, interpartidária, que procede por intermédio do ostracismo económico protagonizado por membros do partido contendor e, a segunda, intrapartidária, que deriva da distribuição assimétrica de recursos entre homens e mulheres dentro do partido.

No que concerne à violência económica interpartidária, os relatos das mulheres vítimas apontam para o partido no poder como o perpetrador. O receio de conotação negativa e de ostracismo político por parte dos membros do partido no poder leva-as ao cometimento da coerção económica. A experiência deste tipo de violência é ilustrada na narrativa de Berta, de 36 anos, membro da Assembleia Municipal e comerciante:

Eu sou uma pequena empreendedora, na altura eu tinha alugado um bar lá no meu bairro, mas quando saí publicamente a fazer campanha para o MDM, o sítio onde eu fui alugar foi confusão, todos os dias estava lá o secretário de bairro para questionar a dona do estabelecimento, porque havia alugado o bar para uma pessoa que não é nossa? Os clientes que eu tive ali muitos eram do partido no poder, mas quando os secretários chegassem e os encontrassem a beber, diziam você está

20 Entrevista de grupo focal, mulheres membros da Assembleia Municipal de Mocuba, Mocuba, 8 de Setembro de 2018.

a beber aqui? Isso implica que você têm os mesmos ideias que desta fulana. Você não sabia que esta fulana é do MDM? A partir daí todos os meus clientes começaram a dar-me costas, e os que vinham era para me provocar como um que apareceu e me disse que eu estava a gerir o meu negócio com o dinheiro da Frelimo. Eu fiquei quase seis meses sem fazer a receita que fazia antes de me identificar como membro do MDM. A minha receita baixou drasticamente e acabei entregando aquele bar, porque nem a própria dona já não me queria.20

A coerção económica não é necessariamen-te um ataque aberto à propriedade privada, mas um boicote económico circunstancial, latente e não deliberadamente organizado, protagonizado por membros do partido no poder contra alvos económicos dos mem-bros da oposição, cuja consequência pode ser a falência e a perda dos meios de sub-sistência. Este repertório de violência ocor-re sobretudo no espaço público e varia de intensidade em função do momento eleito-ral, isto é, quanto mais próximo do dia das eleições maior é a incidência do ostracismo económico. O medo do ostracismo econó-mico e consequente falência económica por motivações políticas tem o poder de desmo-bilizar a participação política das mulheres, que encontram no “desinteresse estratégico” o cálculo de sobrevivência económica.

Em Mocuba, um dos mecanismos sine qua non de ascensão política passa pela acumulação de capital económico. O

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exemplo da Presidente do Município Beatriz Gulamo, uma mestiça, autóctone, casada, proprietária de uma escola de condução, expressa, de facto, o papel que o capital económico joga na emancipação política da mulher. A posse de recursos económicos teve uma correlação significativa para a sua ascensão na política intrapartidária, pois a “vontade do poder” deve ser conciliada com a capacidade de financiar a actividade política do partido, sobretudo, a campanha eleitoral, bem como intermediar com os vários interesses económicos e políticos da territorialidade. Este exemplo demonstra que a ascensão das mulheres é uma excepção do que regra, pois varia, sobretudo, em função do grau de acumulação de recursos de capital que, na essência, são recursos de poder.

É um facto que grande parte das mulhe-res, no jogo político intrapartidário, a sua condição de privação económica reduz as possibilidades de ascensão no campo polí-tico. Neste caso particular, os dados do in-quérito e as entrevistas de grupo ilustram uma aparente contradição, isto é, se, por um lado, a maioria das mulheres entrevis-tadas afirmou que prefere ter uma mulher a governar o município, por outro lado, nos processos de votação para cabeça de lista, as mulheres votam maioritariamente num homem. Ademais, existe uma discrepância entre as ambições das mulheres em ocupar cargos dentro do partido e os cargos que as mulheres ocupam de facto. A título ilustra-tivo, todos os cabeças de lista dos partidos

21 Entrevista de grupo focal, homens do partido Renamo, Mocuba, 12 de Setembro de 2018.

políticos em competição, Frelimo, Renamo, MDM e MAMO foram homens. Apesar de circular o argumento de que o critério de composição das listas fundamenta-se num principio de alternância de género, tal não é factual, pois grande parte dos membros que participaram na composição da lista parti-dária afirmou não ter conhecimento da for-ma como a lista ficou composta e apenas o Delegado Provincial, o cabeça de lista e/ou mandatário detinha total controlo e conhe-cimento, como se pode observar no extrac-to do discurso do mandatário da Renamo:

Para nós se o cabeça de lista é homem, a segunda tem que ser uma mulher, a terceira, há alternância, Não arrumamos de um até dez todos homens, na Renamo isso não acontece, há alternância levamos um dali, um daqui em sectores e principalmente estas organizações de assuntos especiais [Mulher] tem uma vantagem. Nós não temos acesso à lista, talvez se o delegado estivesse aqui ele podia fornecer porque está com ele. Não pode estar assim... [de qualquer maneira]21.

Fruto da entrevista do grupo focal com as mulheres do MDM, foi possível extrair outra evidência da dissonância entre o discurso de acção afirmativa e as práticas partidárias. A narrativa que se segue revela que o recurso estatutário circunscreve-se somente na retórica partidária. O forte poder de controlo das listas partidárias confere às elites do partido, sobretudo aos homens, margem de manobra para manipulação posterior das posições na lista

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consoante a estrutura de jogos de interesses e de recursos de capacidade. De facto, o que determina a ascensão política, quer de homens como de mulheres, é o capital económico acumulado.

Nós votamos mas as listas não são fixadas senão ninguém vai fazer campanha. Então, até ao último dia ninguém sabe quem vai avançar e daí todos nós temos que nos esforçar. Os homens não nos proíbem de concorrer, Nós é que baixamos o braço, nós nos sentimos um pouco assim e começamos a ver que não somos capazes, precisa condições, dinheiro. Podemos concorrer nós mulheres e as outras não te votarem. Nos perguntamos, confia o quê essa mulher? Nem eu, não tenho condições. Quando aparece uma mulher a concorrer, nós mulheres somos as primeiras a não votar. A falta de condições é que obriga[...] é preciso valores monetários, você começa a reparar quem sou eu?[...] no período de campanha começam reclamações, cabeça de lista não compra água, imagina agora eu, uma mulher? Se formos a reparar nas eleições, o cabeça de lista tem que gastar, é preciso você ser um gajo com kanhenhe [dinheiro], com valores monetários na cintura, pode ter apoio mas o muito tem de confiar o teu bolso. Se nós tivéssemos projectos [empreendimentos] podíamos ter dinheiro e nos sentirmos que agora já estou, porque você com possibilidade nada vai custar.22

A condição de privação económica das mulheres exerce um peso significativo na

22 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido MDM, Mocuba,15 de Novembro de 2018. 23 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido MDM, Mocuba, 15 de Novembro de 2018.

possibilidade de participação política assim como nas escolhas das mulheres para quem deve ocupar cargos de liderança. A privação económica, se, por um lado, gera um sentido de autoexclusão, por outro lado, produz as condições suficientes para a exclusão identitária, isto é, as próprias mulheres não se solidarizam reciprocamente umas com as outras e excluem-se mutuamente dos processos pela ausência de crença nas capacidades da mulher de suportar financeiramente a actividade política partidária, mas também pela rivalidade inerente à natureza competitiva da mulher. “As mulheres não aceitam ser mandadas por outras mulheres”23. Embora as mulheres reconheçam que tanto homens como mulheres podem exercer os mesmos papéis na política, a solidariedade é questionada no contexto das preferências práticas para ocupação dos cargos dentro do partido político. As mulheres, sobretudo de partidos da oposição, reportaram que, de facto, são muitas as mulheres com convicções políticas mas são poucas que se fazem eleger e as que concorrem têm menos apoio das próprias mulheres por questões de natureza económica. Portanto, a distribuição assimétrica de recursos económicos entre homens e mulheres afecta sobremaneira a participação efectiva das mulheres na vida política, o que se traduz num repertório subtil de exercício da violência sobre as mulheres. A violência económica intrapartidária tem como

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principal perpetrador a própria mulher, que exerce uma violência simbólica sobre si e sobre as outras. Este tipo de violência ocorre, sobretudo, no período antecedente ao dia de votação, durante o processo de composição das listas dos partidos.

5.1.1.3. Violência psicológica: da família às práticas administrativas e discriminatórias

A violência psicológica contra as mulheres nas eleições é a categoria de exercício da violência mais complexa de ser objectiva-da. Esta compreende a forma mais subtil de exercício da violência contra a mulher, cuja correlação com o processo político é muitas vezes desafiada. No entanto, exis-tem quatro principais repertórios através dos quais a violência psicológica pode ma-nifestar-se, nomeadamente intimidações, sanções sociais e punições, pressão familiar, abuso infantil e violência doméstica. Se, por um lado, o pacifismo das eleições derivou da incidência das comunicações apelan-do por eleições pacíficas, por outro lado, a memória da violência do processo eleitoral anterior, bem como o reforço da violência do Estado, instaurou a cultura do medo na territorialidade municipal.

A faltarem três dias para o dia de votação, nós assistimos o excesso de força policial. Carros a circularem, você via e se assustava, a polícia militar e a PRM armados até aos dentes, aqueles de máscaras para se proteger

24 Entrevista com AM, partido MDM, Mocuba, Novembro de 2018. 25 Haleh Afshar, op. cit.

do gás lacrimogénio, nós não estamos habituados àquilo, a população não sabe para quê serve aquilo, mas os gajos no carro, carros cheios e equipados com armas e aqueles canhões deles e tudo a vermos aqui na cidade. Por um lado, a existência de polícias pode traduzir segurança para o cidadão, mas por outro lado, pode traduzir intimidação. E para nós era intimidação. Nós não estamos habituados a ver polícias nas ruas e tal, estamos habituados até precisar ajuda da polícia e não conseguir, porque não tem meios24.

Neste sentido, embora se tenha considerado (supra) que as eleições foram consensual-mente pacíficas, a ausência de violência fí-sica e objectivamente verificável não signi-ficou necessariamente ausência de violência eleitoral, mas a sua continuidade por outros meios mais subtis, sendo de destacar a tea-tralização do poder coercitivo do Estado, que produziu efeitos dissuasores aos impul-sos para a contestação violenta. É impor-tante notar que o assédio para a violência excluiu as mulheres de cobrirem o processo como uma medida preventiva da redação do jornal comunitário, que nas últimas elei-ções foi encerrado por ter divulgado tem-pestivamente os resultados das eleições, que por sinal eram desfavoráveis ao partido no poder. Esta atitude protectora realça a ideia da masculinização da política25, na medida em que a exclusão da mulher jornalista da vida política, mais do que um acto de pro-teção, constitui um acto de reprodução da

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ideia da dominação masculina e de subver-são da participação política da mulher26.

Os processos eleitorais no município de Mocuba são, na essência, a reprodução das animosidades sociais historicamente cons-truídas. De facto, para membros da comu-nidade que se identificam com partidos po-líticos distintos, os períodos eleitorais são caracterizados pela crispação das relações de vizinhança sem significar um conflito la-tente. Dados do inquérito mostram que os insultos (50%), seguidos por discursos difa-matórios (43%) e, por último, as intimida-ções (7%) são as formas mais frequentes de exercício da violência psicológica contra a mulher durante os processos eleitorais.

Gráfico 12. Manifestações mais recorrentes de violência psicológica contra as mulheres

IntimidaçãoDifamação Insultos0%

10%

43%

7%

50%

20%

30%

40%

50%

60%

Estes dados são corroborados pelas entrevistas de grupo focal, onde grande parte das mulheres relatou ter passado por experiências de ostracismo social em decorrência das preferências políticas e partidárias, como ilustra o extracto de discurso a seguir:

26 CSR UNWOMEN, « Violence against women in politics: a study conducted in India, Nepal and Pakistan », Centre for Social Research and UNWOMEN, 2014.

27 Entrevista de grupo focal, mulheres membros da Assembleia Municipal de Mocuba, Mocuba, 13 de Setembro de 2018.

Aqui no bairro estamos a viver graças a Deus. Nós da Renamo nem que seja um bandido na tua casa você grita ninguém vai sair (...) Quando chega tempo de campanha não pode cumprimentar, não pode pedir sal e nem fogo porque esse é da Frelimo, fulana é da Renamo, etc. Depois quando acaba campanha quer amizade, é assim mesmo?27

Este extracto de discurso revela o contexto social onde se desencadeia o jogo político eleitoral caracterizado por meios informais de controlo social expressos sob forma de uma linguagem de ridicularização sistemática, sarcasmo, crítica, exclusão e discriminação. O bairro e a comunidade compreendem os espaços territoriais e simbólicos onde se desencadeia este tipo específico de violência, muitas vezes perpetrado por outras mulheres membros da comunidade que partilham crenças políticas e ideológicas distintas. As injúrias, calúnias e difamação são mobilizadas como artefactos do exercício da violência. As vítimas deste tipo de violência não são agentes pacíficos e tendem a ripostar verbalmente sem que isso degenere em outras formas de violência.

Ademais, para além dos meios de controlo social e informal, existe uma forte percep-ção de existência de sanções administrati-vas discriminatórias praticadas pelas auto-ridades do bairro, nomeadamente o secre-tário do bairro e chefes dos quarteirões, a

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membros de partidos políticos da oposição. A narrativa de Joana, membro do MDM, retrata a sua experiência de discriminação administrativa no contexto de constituição do dossier de candidatura a membro da As-sembleia Municipal.

É normal você ter seu problema no bairro ir dar queixa no secretário te perguntarem você não é do MDM vai lá no MDM, vão resolver seu problema, você senta com seu caso não resolvem. Nós não temos acesso aos secretários. Eu aqui meu marido quando morreu eu fiz 10 anos quando morreu expulsaram-me do terreno tínhamos 30 chapas me arrancaram com a família do falecido meu marido, fui dar queixa na polícia deram me notificação para lá no dia quando cheguei lá entreguei a notificação, os funcionários de lá disseram vai lá dizer o seu Delegado do MDM para te acompanhar e para assinar esse documento eu fiquei até hoje perdi terreno, perdi chapas mas continuo como uma viúva assim estou em casa.28

Outro caso de descriminação e sanções administrativas com motivações políticas foi a experiência narrada pela Dona Helena, delegada do MDM no Bairro Samora Machel:

Eu fui dar queixa ao secretário do bairro junto com o meu marido sobre um problema de terra que tinha no bairro com a minha vizinha. Quando chegamos lá, disseram-nos: nós não vamos vos resolver o problema porque a senhora

28 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido MDM, Mocuba, 12 de Setembro de 2018. 29 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido MDM, Mocuba, 19 de Novembro de 2018.

tem bandeira do MDM içada em sua casa, portanto, vão procurar o MDM para resolver o vosso caso, nós nunca vamos intervir para esse caso.29

Os casos acima mencionados evidenciam a persistência de sanções administrativas que ocorrem no espaço de jurisdição da autoridade dos secretários do bairro, que são, grosso modo, homens, o que revela o perfil dos perpetradores desta forma específica de coerção sobre as mulheres. Historicamente, as autoridades do bairro jogaram e jogam o papel de instrumentos de controlo social e de enquadramento ao serviço do partido Frelimo, são a extensão da vontade de poder do partido Frelimo ao nível das comunidades. Ademais, as pressões administrativas e autoritárias são extensivas à filiação compulsiva das mulheres ao partido no poder. As entrevistas de grupo revelaram que as mulheres têm experimentado formas de pressão social com o objectivo de condicionarem as suas preferências políticas e partidárias:

No dia em que fiquei doente Matos e Chefe Fonseca vieram me visitar. Ao saírem, o chefe do quarteirão e secretário do bairro me disseram aquele tipo de pessoas não podem frequentar este bairro. Eu como estava com dores e disse, Sr. Matos é irmão do meu pai, e Sr. Fonseca é irmão da minha mãe agora não sei o que vocês podem fazer sendo eles da Renamo enquanto somos familiares. Passaram duas semanas, eles vieram novamente, e me convidaram para ser membro do

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partido Frelimo porque estavam sem membros, outro dia o chefe da zona me apareceu em casa e me convidou para uma festa de partido e exigiu a minha contribuição, eu contribuiu mas não foi à festa. A partir dali, sou descriminada no bairro, eu já não respondo a eles, deixo eles falarem, se não querem parar de falar podem fazer o que querem30.

Por último, a família é uma estrutura de socialização política que constrange as preferências políticas individuais dos seus membros exercendo uma pressão substancial sobre os seus membros para que se conformem com as opções políticas do grupo ou ainda do líder do grupo31. Em Mocuba é notório que as mulheres militantes estão sujeitas a pressões familiares exercidas pela família, sobretudo, pelos esposos, com o intuito de subverter a sua identificação partidária. O divórcio tem sido uma das sanções para mulheres que subvertem o sentido de pertença política do chefe da família. O caso de Isabel, de 45 anos de idade, militante do partido Renamo e comerciante informal, ilustra esta tendência:

O meu marido sempre me puxava para o partido dele, mas ele não queria admitir que eu já não podia ir ao partido dele, os meus pais são da Renamo e eu nasci lá, lhe jurei como se fosse igreja, quando os pais são daquela igreja, isso significa que você também é daquela igreja. Mas quando acabei de voltar do recenseamento eu

30 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido Renamo, Mocuba, 11 de Setembro de 2018. 31 Herbert Hyman, Political socialization, New York, Free Press, 1959. James C. Davies, «  The family’s role in

political socialization », The Annals of the American Academy of Political and Social Science, vol. 361 / 1, 1965, p. 10-19.

32 Entrevista de grupo focal, mulheres do partido Renamo, Mocuba, 12 de Setembro de 2018.

mesmo decidi virei membro. Quando tomei essa decisão, meu marido se separou de mim e foi embora, mas até hoje não me senti mal porque alguém se separou de mim, eu sempre continuei no meu partido no meu canto. Sempre estou a seguir o meu partido, é um partido que eu me habituei, todas as minhas crianças estou a nascer neste partido, por isso, não posso trair o meu partido.32

As barreiras familiares à participação política das mulheres não se limita apenas às mulheres que se identificam com os partidos da oposição. Ao nível do partido Frelimo, dados das entrevistas de grupo evidenciam experiências de mulheres que enfrentaram o divórcio por consequência da sua militância partidária, como ilustra a experiência de Nita narrada pela sua irmã Carla, de 27 anos, professora primária, observadora e membro do parlamento juvenil:

A minha irmã acabou se divorciando por causa do partido. Ela começou por se meter na OJM, era fanática, na altura estava namorando com o meu cunhado, ele aceitou ou aceitava talvez porque lhe conheceu lá naquela correria toda não sei quê. Mas quando se juntam ele logo disse não quero te ver naquele grupo mas acontece que aquilo já estava no sangue dela e não conseguia ficar sem ir às reuniões do partido. Meu cunhado sempre vinha se lhe queixar porque Nita fez isso, Nita estava lá no partido,

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Nita voltou tarde naquela confusão toda meu cunhado começou por arranjar uma namorada, a namorada vimos que engravidou, mas ele disse se ela não tem tempo, acontece que ela até viajava a última confusão que lhe fez separar é porque foi a Pebane na festa da vila da cidade de Pebane no ano passado, a OJM saiu daqui para ir festejar lá , ela ficou com a OJM e meu cunhado se foi [...]33.

Os casos acima expostos são excepções à regra e retratam exemplos de mulheres que, apesar do divórcio, subrescrevem a crença segundo a qual o “amor não ganha eleições”34. Ou seja, são raros os casos que terminam em divórcio pela resiliência da mulher, a maioria dos casos tem como finalidade o abandono da mulher da vida política como um cálculo da sobrevivência do matrimónio e da família constituída. Isto é, entre a estabilidade familiar e o militantismo, as mulheres, geralmente, preferem morrer cívica e politicamente para viverem familiar e socialmente. As pressões exercidas pelos seus esposos são alimentadas por estereótipos segundo os quais, para além das relações organizacionais, as

33 Entrevista de grupo focal, parlamento juvenil, Mocuba, 11 de Setembro de 2018. 34 Ayisha Osori, Love does not win elections, 1st Ed., Narrative Landscape Press, 2017.

mulheres envolvem-se em relações de promiscuidade com as lideranças do seu partido e a sua ascensão no seio do partido está condicionada à troca de favores sexuais. Os depoimentos de António Muchanga, deputado da Assembleia da República pela bancada parlamentar da Renamo, dirigidos às mulheres do partido Frelimo na sede da Assembleia de República, acusando-as de servirem “chá de calcinha” às suas lideranças, é um reflexo objectivo das representações sociais que circulam nos universos simbólicos sobre o lugar da mulher na política. A competência das mulheres na política é ofuscada pela fábrica de estereótipos de orientação sexual como o móbil da acção política feminina. Esta representação social constitui um mecanismo de controlo social potente que constrange a participação política das mulheres pelo receio de serem conotadas e descriminadas socialmente e de encontrarem instabilidade junto das relações matrimoniais e conjugais em decorrência do militantismo político.

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5.2. MUNICÍPIO DE CHÓKWÈ E A EXPERIÊNCIA DE “VIOLÊNCIA PARTIDARIA FEMINIZADA”

[...] Talvez por serem mulheres, aí no Mercado de N’Tomene mas também no Mercado Senta-Baixo, as mulheres que tivessem camisetes de outros partidos [em referências aos partidos de oposição] eram tirados camisetes e ficavam de sutiãs [...], engraçado é que aquilo parecia organizado e eram mulheres contra outras mulheres. Eu penso que foi a diferença da violência deste ano, eram mulheres e crianças que atacavam, os homens vinham só em apoio. Este tipo de violência ocorria muito nos mercados e nas vias públicas, é lamentável quando são mulheres que atacam outras mulheres1.

O Município da cidade de Chókwè é historicamente reportado como sendo um espaço de ocorrência recorrente de violência eleitoral, com destaque para a violência partidária, ou seja, baseada na oposição entre partidos. Com baixos níveis de competição política, ele conhece uma natureza específica de fechamento à entrada da oposição, o que tem resultado em uma violência com tendência “partidarizada”. O excerto acima recupera muitos

1 Entrevista com AF, observadora eleitoral, Chókwè, 13 de Novembro de 2018.

dos elementos que caracterizam a natureza, as modalidades, os espaços de ocorrência e características dos perpetradores de violência eleitoral no geral e contra a mulher de modo particular no município de Chókwè. Em outras, existe, a priori, uma matriz específica da natureza da violência eleitoral, sobretudo a de natureza física, que fundamenta toda a espécie de violência que se opera contra a mulher no município de Chókwè.

Esta parte do trabalho faz uma breve apresentação da radiografia da vio-lência eleitoral contra a mulher no Município da Cidade de Chókwè a partir das experiências descritas pe-los actores directamente envolvidos, sejam as próprias mulheres, precisa-mente as que já experimentaram a violência eleitoral, bem como mu-lheres e homens que vivenciaram tais situações. O pressuposto de base é que a estrutura de intransigência à oposição ao nível de Chókwè, que gera, em consequência, baixos ní-veis de competição política, incita altos índices de violência. Assim, a violência eleitoral constitui-se pri-meiro ao nível partidário, sobretudo

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em direcção aos partidos da oposição e, fi-nalmente, esta encontra na mulher o “corpo, campo e dispositivo” da sua manifestação. A partir deste pressuposto, como veremos mais abaixo, é possível identificar tanto as vítimas como os perpetradores, assim como os locais manifestos e latentes que explicam a violência eleitoral contra a mulher naque-le município.

Nesta perspectiva, o que se denomina, no título desta parte, de “violência partidária feminizada” é a tentativa de sistematizar as características típicas de violência eleitoral contra a mulher no município da cidade de Chókwè tendo em conta a matriz política local. Obviamente, como será sustentado a seguir, este esforço tende igualmente a va-riar de acordo com o tipo de violência pra-ticada contra a mulher, seja física ou econó-mica, assim como psicológica. Em alguns casos, a intensidade da “violência partidária feminizada” tende a ser mais acentuada, por exemplo quando se trata de violência física na esfera pública (citem-se os mercados, a via públicas e outros locais), enquanto a vio-lência psicológica tende, contrariamente, a ser reportada para além dos limites partidá-rios e até a mobilizar aspectos de natureza

sócio-culturais ao campo político local. Em geral, sobre todas as narrativas de violência contra a mulher, pesam sobremaneira as representações sócio-políticas, os recursos (diversos) de que se dispõe e os interesses em jogo.

5.2.1. Tipologias de violência eleitoral contra a mulher em Chókwè

Os dados do inquérito quantitativo aplicado no município de Chókwè apontam que tanto homens como mulheres são vulneráveis à violência eleitoral. No entanto, existem especificidades em função da tipologia da violência. Nesta perspectiva, constata-se que os homens (40%) são mais susceptíveis à violência física do que as mulheres (25%). As mulheres são mais vulneráveis à violência psicológica (52%) em relação aos homens (37%) e tanto homens (22%) como mulheres (23%) sofrem da violência económica, mas com um peso superior para as mulheres. O gráfico a seguir ilustra o peso do tipo de violência eleitoral distribuído entre homens e mulheres.

Gráfico 13. Tipologia de VAWIE em Chókwè

Homens

Tipologia da violência contra mulher em chókwè

Mulheres

Violência psicológica Violência económicaViolência física0%

10%

77%37%

22%23%

52%

23%20%

30%

40%

50%

60%

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Os dados acima atestam que a violência eleitoral é um elemento transversal a ques-tões de género. No entanto, as mulheres, para além da violência física, experimentam formas mais subtis de exercício da violência eleitoral, nomeadamente a violência econó-mica e psicológica, em relação à sua contra-parte masculina. Portanto, homens e mu-lheres experimentam padrões diferenciados de violência durante os processos eleitorais que, por consequência, afetam diferente-mente na decisão de participar activamente nos processos eleitorais.

5.2.1.1.. Violência f ísica : os grupos de choque e os desafios tipicamente partidários

Elas chegaram aqui e vandalizaram a minha barraca só porque sou da oposição.

2 Entrevista com PA, mulher do partido MDM, Chókwè, 13 de Novembro de 2018.

Todos dias eu sofria insultos, represálias [...], outro dia me tiraram a camisete aí no mercado Senta-Baixo porque sou do MDM e queriam que colocasse da Frelimo mas eu cobri a minha capulana porque fiquei de sutiã só, o pior é que são mulheres como eu que fazem isso. Tinha um grupo de vendedeiras aí no mercado que só fazem isso, não querem ninguém que não seja da Frelimo [...]2

O Município da Cidade de Chókwè, na experiência de eleições em Moçambique, representa, assim como a província de Gaza no geral, um local de forte presença do partido Frelimo, com uma certa hegemonia comparativamente com outros partidos políticos. Desde as eleições gerais de 1994, como as primeiras eleições locais de 1998, os resultados indicam para uma esmagadora dominação da Frelimo cena:

Foto por: Neide Gwesela/Counterpart International

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Gráfico 14. Tendência de voto no município de Chókwè

Resultados eleitorais no município de Chókwè

Frelimo Remano MDM

1998 2003 2008 2013 20180

4690

9941

15596 15239

2853

22368

13601837

430 403

5 000

10 000

15 000

20 000

25 000

Fonte: Fonte: Conselho Constitucional Deliberação nº 16/CC/2004, Acórdão nº04/CC/ 2014, Acórdão nº 27/CC/2018; Boletim Processo Político em Moçambique nº 37b -15 Dezembro 2008, nº

21 – 21 de Julho de 1998.

Das cinco eleições municipais realizadas, apenas em 2013 é que um partido de opo-sição, o MDM, é que conseguiu eleger dois membros para Assembleia Municipal e em 2018 pela primeira vez a Renamo conseguiu eleger um candidato para Assembleia Mu-nicipal. Aliás, a entrada do MDM no cam-po político local é vista como uma ameaça e que pode ter sido uma das razões para a agudização da violência política eleitoral e das suas variantes. Com efeito, alguns estu-dos mostram que foi sobretudo o advento do MDM no cenário político nacional e local e a consequente adesão a este, sobre-tudo, pela juventude e por pequena classe média local (alguns funcionários públicos, com destaque para professores) que refor-çou a onda de violência como estratégia de

3 Lazáro Mabunda, Polícia e violência eleitoral. As eleições autárquicas de 2013 em Moçambique, [não publicado] ; Isac Nuvunga, violência eleitoral em Moçambique. Um estudo sobre as eleições autárquicas de 2013, Maputo, monografia de licenciatura, UEM, 2015.

intransigência e intimidação à entrada de partidos da oposição3.

Existe, com efeito, uma explicação, pela his-toricidade de Moçambique contemporâneo, que justifica a forte presença da Frelimo e a aliança com uma elite política local e a sua hostilidade à diversidade política. A provín-cia de Gaza é, no geral, tributária da histó-ria de luta de emancipação anticolonial, via uma forte presença da elite política local na Frelimo, que era proveniente desta pro-víncia. Desde o princípio da formação da Frelimo, a liderança tinha elementos prove-nientes de Gaza, com destaque para Eduar-do Mondlane, Samora Machel e, no período pós-colonial, Joaquim Chissano, todos eles que ocuparam a posição de presidente da Frelimo e, para o caso dos dois últimos, de

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Presidente da República. Esta forte presença de originários de Gaza nas estruturas de eli-te do movimento criou uma espécie de liga-ção umbilical (e até certo ponto uma coop-tação) entre as populações daquela região e a Frelimo, mesmo no período pós-colonial.

Com o advento do multipartidarismo, inau-gurado pela realização das eleições gerais de 1994, a natureza política e a materialida-de da presença da Frelimo tendeu a cons-tituir-se como autoritária e intransigente. Ou seja, de pouco a pouco, um conjunto de dispositivos de dominação e de impedi-mento da confrontação política com outros actores políticos foi-se instaurando. O cam-po político se desenvolveu com a Frelimo como a única força hegemónica de tal sorte que qualquer outro actor político que inten-te a se investir naquele território se coloca em situação de risco. Assim, a província de Gaza em geral, e Chókwè em particular, constituiu-se numa zona sensível de poten-cial violência para qualquer presença da oposição. Já nas segundas eleições gerais de 1999 reportava-se a existência de um grupo denominado “grupo de choque”, que tinha a tarefa de impedir qualquer tentativa de presença da oposição. Tal grupo agia sobre diversas tácticas de violência e intimidação,

tanto da oposição como da população que queira manifestar-se simpatizando com qualquer outro partido. Um dos primeiros actos populares bem mediatizado perpetra-do por tal grupo foi o bloqueio da entrada da Cidade Chókwè à Renamo-UE e ao seu Presidente, Afonso Dhlakama, na campa-nha das eleições gerais de 1999.

Com efeito, no que concerne à Renamo, a memória local da guerra dos dezasseis anos (mesmo não tendo afectado directamente Chókwè por ataques, por exemplo) e as suas formas violentas pode explicar uma fácil colaboração de uma grande parte da população para a repulsa à Renamo e os actos de violência contra a mesma. No entanto, o mesmo móbil não parece ser fundamental contra o MDM e outros partidos não directamente ligados às armas. A instrumentalização da violência, mesmo para estes partidos não armados, quase instituiu-se como técnica de impedimento do acesso à articulação com as populações. Aliás, a violência também é perpetrada para as populações para impedi-las de se investir em favor da oposição. O supra citado “grupo de choque” estrutura, até certa medida, a forma de violência, os espaços, os perpetradores, as vítimas e as diferentes formas de manifestação de violência eleitoral. Isso não significa, obviamente, resumir a violência eleitoral como modo de acção do partido do poder como o perpetrador e os da oposição como as vítimas. A violência eleitoral é uma construção social colectiva.

A instrumentalização da violência,

mesmo para estes partidos não

armados, quase instituiu-se como

técnica de impedimento do acesso à

articulação com as populações.

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Sublinhe-se que a presença do MDM ao nível de Chókwè a partir das eleições locais de 2013 — recorde-se que o MDM foi criado em 2009, sob a liderança de Daviz Simango e muitos autores4 consideravam-no como a terceira força política que viria pôr fim ao bipartidarismo que caracterizava até então a política moçambicana, desde 1994 — intensificou a natureza subtil da organização da violência eleitoral. Estudos reportam que as eleições locais de 2013 foram, na experiência da jovem democracia moçambicana, as que mais registaram violência eleitoral intensa. Os resultados da pesquisa indicam que, se comparadas com as eleições locais de 2013 e as de 2018, houve uma ligeira redução da intensidade da violência física. Como veremos mais abaixo, diferentes estratégias contaram, sobretudo, a instauração de comités contra a violência eleitoral, os comités de respostas e outras formas de iniciativas que monitoravam e agiam em antecipação contra qualquer tipo de violência eleitoral.

Estas dinâmicas são uma espécie de “estrutura de oportunidade” para uma violência eleitoral com móbil partidário em primeira instância. Ou seja, a primeira perspectiva da violência eleitoral contra a mulher estrutura-se na base de diferendos partidários. Grosso modo, trata-se de uma violência que é direcionada para a mulher

4 Sérgio Chichava, «  Movimento democrático de Moçambique : uma nova força política na democracia moçambicana?  », Instituto de Estudos Sociais e Económicos, 2010. Adriano Nuvunga e José Adalima, «  Mozambique Democratic Movement (MDM): an analysis of a new opposition party in Mozambique  », Friedrich Ebert Stiftung, 2011. Michel Cahen, « “Resistência Nacional Moçambicana”, de la victoire à la déroute, Resistência Nacional Moçambicana : from the victory to the crushing defeat », Politique africaine, 2010, p. 23-43.

em resultado da pertença partidária. O gráfico abaixo indica bem que a violência eleitoral praticada no Município de Chókwè tem como principal vítima a mulher.

Gráfico 15. Vítima de violência por gênero em Chókwè

Vítimas da violência em Chókwè

MulherAmbos Homem0%

10%

18%16%20%

30%

40%

50%

60%

70% 66%

Tanto na opinião dos homens como na das mulheres, embora a diferença não seja grande, quem mais sofre a violência eleitoral é a mulher. Portanto, como se afirmou mais acima, apesar de a violência eleitoral ter uma configuração de género, ela tem uma matriz partidária na base. Para um entendimento mais profundo deste tipo de violência, podemos partir de uma história bem generalizada e bem conhecida em Chókwè, da presença de um conjunto de mulheres mais ou menos organizadas nos mercados que são, segundo os entrevistados, as que marcaram a particularidade da violência eleitoral contra a mulher nas eleições locais de 2018.

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Mercados como espaços de violência. O “Grupo de Choque” das mulheres

vendedeiras do mercado de N’tomene.

No mercado de N’tomene, na cidade de Chókwè, um grupo composto por mulheres vendedeiras que não se tem precisão do número, agia no processo eleitoral, sobretudo na campanha eleitoral, de forma mais ou menos organizada para fazer face a qualquer tentativa de realização da campanha no mercado, impedindo partidos da oposição de aceder ao espaço. Este grupo foi, segundo os entrevistados, responsável de despoletar a grande parte de violência eleitoral em Chókwè. Quando chegasse um partido da oposição, o grupo interpelava-o e, em colaboração com o partido Frelimo, comunicava para este aparecer e inviabilizar qualquer tentativa de campanha no mercado. Foi assim que, no dia 4 de outubro, quando o partido Renamo pretendia fazer campanha no mercado de N’tomene, o grupo de mulheres vendedeiras iniciou actos de sabotagem, proferindo insultos verbais, bloqueando a entrada ao mercado. No mesmo acto, foi chamado o “grupo de choque” da OJM, um braço juvenil do partido no poder, para trazer camisetes e outros materiais de campanha para distribuição em represália às actividade do partido Renamo. No processo, muitas mulheres que traziam camisetes do partido Renamo foram retiradas as camisetes para vestirem as do partido Frelimo. Foi exactamente neste acto que uma das mulheres que trazia uma camisete da Renamo foi esfaqueada e posteriormente levada ao hospital.

A agitação levou com que se chamasse o Comité de Resposta da CEDES que muito rapidamente apareceu e com a presença da media bem como alguma intervenção da polícia, os ânimos foram controlados. Mas de forma geral, os mercados de Chókwè, seja o de Senta-Baixo, o de N’tomene assim como o mercado Central, foram palco de inúmeros conflitos eleitorais, sobretudo perpetrados por mulheres contra outras mulheres.

Aliás, no mercado Central, uma mulher pertencente ao partido MDM, que é igualmente vendedeira naquele mercado, foi por várias vezes vítima de agressões, tanto física como psicológica. Ela conta que o seu local de trabalho, o mercado, virou um lugar de calvário, de tal modo que mesmo os seus clientes eram, em alguns momentos, conotados como membros de partidos da oposição apenas por frequentarem o seu estabelecimento.

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Como se pode verificar a partir deste excerto, a violência física sobre a mulher no processo eleitoral ao nível de Chókwè tem alguma relação intrínseca com identificação partidária, apesar de ser possível encontrar casos não exclusivos a esta variável. De um modo geral, o trabalho de terreno constatou que uma parte não marginal de violência física ocorria nos espaços públicos :

A rua e a comunidade representam os espaços mais significativos de violência contra a mulher. No entanto, não se pode descurar a residência privada da mulher e o local de votação como arenas privilegiadas de exercício da violência eleitoral contra a mulher. A exposição à violência física contra mulher relatada por muitos dos interpelados referia actos como forçar a

5 Entrevista com JM, observadora eleitoral, Chókwè, 14 de Novembro de 2018.

mulher a tirar camisete de algum partido de oposição. Como dizia um dos entrevistados:

[...] grande parte da violência contra as mulheres nestas eleições foi nos mercados e nas ruas, se a mulher fosse encontrada com camisete de algum partido de oposição, era lhe forçada a tirar e obrigavam a pôr camisete da Frelimo. Não sei por ser mulher, porque para os homens não se ouviu muito esse tipo de agressão [...]5.

Se a natureza da violência física contra as mulheres tende mais a ter cores partidárias, como ilustra o gráfico abaixo, que expressa a opinião dos inquiridos sobre o perfil dos perpetradores da violência eleitoral contra as mulheres no município de Chókwè:

Gráfico 16. Local de ocorrência de violência contra a mulher em Chókwè

Locais de ocorrência da violência contra mulher

casa Comunidade Rua Sede do Partido

Local de votação

Local de trabalho

0%

13% 14%

54%

4%

13%

2%10%

20%

30%

40%

50%

60%

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Gráfico 17. Perfil dos perpetradores da VAWIE em Chókwè

Proviniência dos perpetradores da violência contra mulher

PolíciaDesconhecido/a Membros do Partido0%

10%

45%

51%

20%

30%

40%

50%

60%

4%

Um elemento interessante a reter para o caso de Chókwè é o facto de o perpetrador da violência contra a mulher ser igualmente mulher (vide o gráfico abaixo), o que fundamenta ainda mais a constatação de que a violência física vem mais da abordagem partidária. Ou seja, na base de diferendos partidários as mulheres se dividem a tal ponto que se violentam entre elas sob instrumentalização de conflitos entre partidos.

Gráfico 18. Perpetradores de violência contra mulher em Chókwè

Perpetradores da violência contra mulher em Chókwè

Um grupo de mulheres

Um grupo de homens

Um grupo de homens e mulheres

0%

10%

51%

34%

20%

30%

40%

50%

60%

15%

Neste gráfico, podemos notar que a esma-gadora maioria dos perpetradores da vio-lência eleitoral contra a mulher são outras

mulheres. Como se apresentou acima, a or-ganização de um grupo estratégico para ac-tos de violência explica grandemente que a violência tenha sido efectuada por mulheres na base do móbil partidário. Contrariamen-te, as outras formas de violência, como a psicológica e a económica, tendem contra-riamente se generalizar-se por todas as mu-lheres, sejam elas da oposição ou não. Isso, portanto, inclui mulheres que não estejam engajadas directamente em alguma organi-zação política.

5.2.1.2. Violência psicológica: um dispositivo de tortura contra a mulher na política

A violência eleitoral na dimensão psicológica é uma variável muito complexa de tratar porque, por um lado, ela combina-se tanto com a violência física como com a económica, por outro, as suas vítimas têm tendência a omitir a partilha de informação sobre ela, às vezes devido à sua subtilidade. Como foi conceituado mais acima, nesta parte, procuramos apreender as características psicossociológicas ligadas a modos de agir que podem ser classificadas como violência eleitoral contra a mulher. Estas podem ser categorizadas em intimidação, ameaças à vítima ou à família da vítima, assédio verbal, vergonha, difamação. Portanto, trata-se de indicadores, às vezes, difusos, de tal forma que a própria vítima as ignora em resultado da sua socialização. Podemos aqui partir de uma intervenção muito interessante de uma entrevistada:

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Eu não fui votar, era complicado naquele dia [em referência ao dia das eleições], primeiro porque o meu marido estava cá [regressado da República Sul-africana, onde trabalha], não podia abandonar os afazeres de casa [...]. Tinha-me recenseado, mas não consegui, sou dona de casa não e posso abandonar, queria ter ido. Foram os outros6.

Esta intervenção parece-nos estimulan-te para entender o quanto a violência psi-cológica é subtil e afecta, conscientemente ou não, a mulher nos processos eleitoral. A nossa entrevistada não deu a entender, à partida, que ela considerasse que o contexto doméstico lhe impedisse de, efectivamen-te, exercer os seus direitos, embora tivesse vontade para tal. Este tipo de violência, ob-viamente, é imbricado com a historicidade e socialização dos indivíduos, de tal forma que não existe, na consciência manifesta, o seu entendimento. A entrevista com uma mulher membro da Assembleia do municí-pio de Chókwè foi ilustrativa nesta direcção:

Muitas mulheres aqui em Chókwè não entendem ou não sabem que às vezes estão sendo violentadas. Por exemplo, um homem que tem três mulheres e só tem um quarto, quando quer relações sexuais com uma das suas esposas, as outras escutam tudo, isso é uma violência [...]. Estás ver, muitas mulheres não foram votar aqui, algumas tentaram madrugar, mas era antes de se abrir as mesas. Elas tinham que ir às machambas, lá na baixa e isso não lhes deu tempo para irem

6 Entrevista de grupo focal, eleitorais, Chókwè, 13 de Novembro de 2018.7 Entrevista com AP, Assembleia Municipal, Chókwè,14 de Novembro de 2018.

votar, eu penso que isso é uma violência psicológica, ainda existe muito trabalho a se fazer nestas coisas de direitos das mulheres. Isso não é coisa de partidos, é mesmo típico de Moçambique ou de nós de Chókwè.7

Este tipo de intervenção foi muito feito pelos nossos entrevistados, sublinhando sobretudo, algum tipo de violência de natureza doméstica que condicionou a participação da mulher nos processos eleitorais. O gráfico abaixo mostra-nos o cenário geral da tendência da violência psicológica por género no município de Chókwè.

Gráfico 19. Tendência da violência psicológica por género no município de Chókwè

Formas de violência psicológica

IntimidaçãoDifamação Insultos0%

10%

47%48%

20%

30%

40%

50%

60%

5%

O gráfico ilustra que as categorias de insultos e intimidação são as formas mais frequentes no que concerne à violência psicológica. Aliás, com a excepção de categorias ligadas às ameaças, que tendem mais a ser masculinizadas, quase todos os outros tipos de violência por género são tendencialmente mais ligados a uma forma de violência contra a mulher. Uma constatação que surgiu das entrevistas

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

mostrou que a violência eleitoral, na sua vertente psicológica, ultrapassa, em alguns casos, a dimensão partidária. Ou seja, existe alguma relação de género mais acentuada na violência psicológica que ultrapassa os diferendos partidários. Uma entrevista com a Presidente do Município da Cidade de Chókwè é bem ilustrativa deste aspecto:

[...] eu não posso dizer que sofri algum tipo de violência no meu partido, mas penso que algum tipo de atitude dos homens deve ser denunciado e corrigido. Deve acabar esta ideia de que basta uma mulher ascender a posições estratégicas de poder é porque ela tem alguma relação amorosa com algum homem que lhe ajuda. Isso é violento para nós as mulheres e retrai muitas mulheres com capacidade e vontade de entrar na vida política. Muitos pensam que uma mulher que entra na política é porque prostitui-se ou porque vai prostituir-se, isso é muito mau [...]. Há os que pensam que qualquer mulher na política é prostituta8.

Esta intervenção é ilustrativa de uma multiplicidade de formas de violência psicológica que ainda prevalece na esfera pública política. Contrariamente à violência física, este tipo de violência psicológica é relativamente pouco prevenido. Ligado a aspectos culturais, ele participa para a forte ausência da mulher na esfera pública quotidiana, uma vez que ele funciona como um instrumento de autocensura da própria mulher, seja no meio familiar como

8 Entrevista com PM, Conselho Municipal de Chókwè, Chókwè, 16 de Novembro de 2018.9 Alcinda Manuel Honwana, The time of youth: work, social change, and politics in Africa, 1st Ed., Sterling, Va,

no domínio público. Mas como se pode observar, mais do que a violência física, a violência psicológica, tendencialmente, ultrapassa as barreiras partidárias. Encontra grande parte das suas justificações no contexto político-social e, sobretudo, na vertente económica, como veremos logo a seguir. Trata-se de uma variável transversal e que se metamorfoseia de acordo com a cultura política e social dos espaços.

5.2.1.3. Violência económica: efeitos políticos da privação económica

Uma das características económicas de Chókwè é que, historicamente, funcionou, tal como a maior parte do Sul de Moçambique, como repositório da mão-de-obra migrante às minas Sul-Africanas. Com efeito, grande parte da economia do Sul de Moçambique, desde o período colonial, foi dependente e suportada pela migração à África do Sul. Se a migração oficial reduziu nos últimos anos, a migração clandestina nunca baixou. Não existem estatísticas actualizadas sobre os índices de migração assim como da contribuição da economia de emigração para Moçambique ou para Chókwè particularmente. Mas é nula a dúvida de que a cidade de Chókwè sobrevive grandemente das contribuições das migrações. Uma parte não negligenciável de jovens, para entrar na fase adulta, está fortemente relacionada com a migração9.

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

No entanto, historicamente, a actividade migratória foi masculinizada, apesar de, nos últimos anos, o comércio transfronteiriço, sobretudo entre a África do Sul e Moçam-bique, ter uma forte participação da mulher (as mukheristas)10. Esta masculinização da actividade migratória gerou, como mos-tram alguns estudos11, algum papel relevan-te da mulher na esfera familiar, mas subal-ternizou-a na responsabilidade económica, o que participa sobremaneira na violência eleitoral económica, devido à sua vulnera-bilidade para marginalização no processo de decisão. Com efeito, a exclusão económi-ca, partindo mesmo do seio familiar, é um dos elementos que retrai a acção activa da mulher na política. Dependente, muitas das vezes, da boa vontade do seu parceiro, este último influencia todo o tipo de acção da mulher na esfera pública.

Se para nós sairmos de casa é preciso pedir autorização aos nossos maridos, agora ir lá votar e deixar minhas panelas em casa, quem vai ficar a cuidar? Não é para nos arranjar problemas em casa? Você vai lá e demora muito tempo para votar [...] quando chega esse dia de eleição ele [esposo] vai primeiro votar e depois podemos ir se sobrar tempo12.

Como se pode observar, nos processos eleitorais, a violência económica afecta a

Kumarian Press Pub, 2012.10 Léa Barreau-Tran, « Émergence économique des femmes négociation des rapports de genre au Mozambique »,

Afrique contemporaine, 2013, p. 120-121. Andes Chivangue, « Economia informal e políticas em Moçambique : lógicas e práticas dos Mukheristas », ISEG - CEsA, 2014.

11 Scott T. Yabiku, Victor Agadjanian e Arusyak Sevoyan, « Husbands’ labour migration and wives’ autonomy, Mozambique 2000–2006 », Population Studies, vol. 64 / 3, 2010, p. 293-306. Marvin Harris, « Labour Emigration among the Moçambique Thonga: Cultural and Political Factors », Africa: Journal of the International African Institute, vol. 29 / 1, 1959, p. 50-66.

12 Entrevista de grupo focal, eleitoras, Chókwè, 15 de Novembro de 2018.

possibilidade de a mulher exercer ou não o seu direito de votar. Sob o jugo da respon-sabilidade doméstica, esta encontra a sua participação em pleitos eleitorais condicio-nada pelas vontades dos seus esposos. Este tipo específico de violência afecta a mulher eleitora e é mais intensa no momento da votação e recorre a pressões familiares. As mulheres (eleitoras) passavam por uma sé-rie de constrangimentos no dia da votação, o tempo de espera para votar, que tem difi-cultado o desempenho das suas actividades domésticas (cuidar das crianças e preparar a refeição) é um potencial de conflitos com os seus parceiros. Deste modo, as mulheres eleitoras preferem delegar o seu direito de voto ao seu marido, uma espécie de voto por procuração, de tal sorte que as preferências políticas delas transitam por intermédio do voto do esposo. Portanto, as escolhas po-líticas do esposo são por inerência do ma-trimónio as suas preferências políticas o que justifica a subalternização do seu voto. Per-siste ainda um entendimento de que as ac-ções da mulher dependem grandemente do seu parceiro, a sua decisão não se faz sem o consentimento antecipado da censura mas-culina. A componente económica estrutura tanto a violência física como a psicológica. Ela funciona como a matriz, o produto e produtor das diferenças e estigmatização da mulher. A decisão de ir votar assim como

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

de em quem votar tem estado na base das dinâmicas económicas em causa.

Outrossim, existe, uma relação entre os locais de maior ocorrência da violência e a precariedade económica da mulher. Ou seja, a subalternidade económica da mulher expõe-na aos espaços de maior ocorrência de violência eleitoral, os mercados e, por consequência, a posicionar-se como maior vítima nos processos eleitorais. Do trabalho de terreno, foi possível notar que a questão económica estrutura as condições institu-cionais de tratamento da mulher, incluindo a sua posição nas organizações políticas. Na estrutura social local, à mulher lhe é

atribuída um papel mais de responsabilida-de doméstica enquanto o homem se define como o provedor. Este papel, obviamente, tende a redefinir-se, sobretudo, pela impli-cação da mulher em actividades de remune-ração monetária, como é o caso de activida-des comerciais, como temos vindo a referir. Porém, esta mudança de papel da mulher é acompanhada por uma resistência e relu-tância das práticas sociais, o que justifica, algumas vezes, a violência física como um mecanismo de renegociação da hierarquia e dos jogos de poder dentro das famílias mas igualmente na esfera pública política.

Foto por: Neide Gwesela/Counterpart International

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6. RESPOSTAS À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: CASOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

A responsabilização dos perpetradores da violência, a oferta de segurança e o acesso à justiça para as vítimas da violência nas eleições é a área mais significativa no que tange à resposta à violência contra a mulher nas eleições. Moçambique alcançou um progresso enorme com a aprovação da Lei 29/2009, de 29 de Setembro (Lei da Violência Doméstica Contra a Mulher) e do Mecanismo Multissectorial de Atendimento Integrado à Mulher Vítima de Violência. Entretanto, a Lei 29/2009, de 29 de Setembro é apenas uma resposta normativa à violência contra a mulher no âmbito das relações domésticas e familiares. Em outros termos, tem um âmbito reduzido e, por conseguinte, exclui e não tipifica as formas de violência que a mulher experimente durante as eleições. Deste modo, a violência contra a mulher nas eleições não encontra, à semelhança da violência doméstica, tratamento privilegiado.

Os casos de Mocuba e Chókwè são ilustra-tivos da ausência de conhecimento profun-do, por parte da sociedade civil, de como se

devem tratar os casos de violência contra a mulher nas eleições. Um aspecto comum para os dois casos em análise é a inactivi-dade dos sectores sociais. Por exemplo, em-bora 71% dos inquiridos em Mocuba e 83% dos inquiridos em Chókwè tenham afirma-do que tomaram conhecimento de casos de violência contra a mulher nas eleições, a disponibilidade para denunciar os casos é reduzida. A propensão para a denúncia dos casos foi maior em Chókwè do que em Mo-cuba, como ilustram os gráficos seguintes:

Gráfico 20. Conhecimento de episódios de violência em Chókwè e Mocuba

Não

Conhecimento de episódios de violência

Sim

MocubaChókwè0%

10%

17%

29%

83%

71%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

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Gráfico 21. Nível de denúncia de VAWIE em Chókwè e Mocuba

Não

Denúncia de casos de violência contra mulher

Sim

MocubaChókwè0%

10%

58%

84%

42%

16%20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

O desempenho relativamente satisfatório de Chókwè em relação a Mocuba pode estar associado à intervenção de organizações da sociedade civil. Neste caso, pode-se citar o papel desempenhado pelo CEDES, que foi preponderante na arbitragem, acompanhamento e conciliação entre diferentes actores no processo para reduzir níveis de incidência de conflitos. Contudo,

em termos de entrada no Tribunal, não foi possível apurar todos os casos ligados a ilícitos eleitorais tratados, mas os diversos informantes dos partidos, sobretudo dos da oposição, referiram ter instruído processos ligados à violência no processo das eleições.

Entretanto, para os dois casos em análise, a polícia e os tribunais são as instituições res-ponsáveis pelo enforcement da lei e respon-sabilização dos perpetradores da violência eleitoral. Contudo, e paradoxalmente, estas instituições são as que geralmente aparecem conotadas como intermediárias da própria violência, ao serviço do partido no poder. Esta imagem é reforçada pelo nível de im-punidade a que os ilícitos e crimes eleitorais estão vetados. Como se pode observar no gráfico abaixo, os casos que foram partici-pados às instituições de administração da justiça, neste caso à polícia, tiveram, maiori-tariamente, um desfecho dúbio, como ilus-tra o gráfico a seguir:

Gráfico 22. Desfecho dos casos de VAWIE

Homens

Desfecho dos casos de violência contra a mulher nas eleições

Mulheres

Não SimNão sabe0%

10%

89%

9%2%

65%

25%

10%20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Como se pode observar, 89% dos inquiridos em Mocuba e 65% em Chókwè afirmou não ter conhecimento do desfecho dos casos que foram denunciados, contra 9% e 25%, respectivamente, que afirmaram ter certeza de que os casos não tiveram desfecho. Estes dados revelam a letargia e a impunidade a que os crimes eleitorais contra as mulheres estão votados. A inactividade, inoperância e impunidade dos actos de violência criam uma estrutura de oportunidades para que a violência eleitoral ganhe incentivos para se reproduzir como uma alternativa ra-cional. Por um lado, em contextos onde a violência é rotineira, pode ser “mais fácil” usar a violência física, sexual e psicológica para fins políticos revestidos de situações de insegurança no geral. Por outro lado, em

1 Lena Krook e Juliana R. Sanín, op. cit.

contextos em quais tais formas de violência são altamente condenadas e o Estado tem meios para punir os perpetradores, formas simbólicas de violência podem ser preferi-das, alcançando os efeitos desejados e mais difíceis de provar1.

A experiência das eleições autárquicas nes-tes dois municípios mostrou também a forte politização e controlo partidário das autori-dades policiais. Para o caso de Chókwè, por exemplo, em 2013, a sede do partido MDM teria sido vandalizada por membros do gru-po de choque do partido Frelimo. A polícia, concretamente o Comandantes Distrital, na tentativa de dirimir o conflito, sofreu represálias administrativas de tal sorte que teria sido transferido para um distrito mais para o interior, Chicualacuala, como forma

Foto por: Neide Gwesela/Counterpart International

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de sancioná-lo2. Em Mocuba, a polícia par-ticipou na detenção do cabeça de lista da Renamo aquando da neutralização de um possível grupo de eleitores importados do distrito de Lugela para se recensearem ile-galmente no distrito municipal de Mocuba. A cumplicidade entre as autoridades admi-nistrativas, sobretudo a polícia, e o partido no poder, que é também um dos maiores perpetradores, foi apontada por diversos entrevistados como estando na origem da letargia de tratamento judicial e criminal de muitos casos de violência eleitoral. Deste modo, muitos dos conflitos eleitorais, so-bretudo os perpetrados pelos membros do partido no poder, não resultam em nenhum tratamento judicial, ficam apenas em dis-cursos performativos da polícia.

Em termos práticos, para além dos apelos

2 Lázaro Mabunda, op.cit.

recorrentes dos órgãos de administração eleitoral, são ainda pouco envolventes e incipientes, ao nível dos dois municípios, acções protagonizadas pelos partidos políticos, sociedade civil, autoridades policiais e comunicação social no sentido de reduzir e prevenir a violência contra as mulheres durante o ciclo eleitoral. As mensagens de apelo são muitas vezes conduzidas de forma geral sem a distinção das formas particulares de violência experimentadas pelas mulheres. Entretanto, de uma forma geral, o município de Chókwè, comparativamente com Mocuba, pela sua especificidade no que tange à violência eleitoral, é o que apresenta um registo de mais acções desencadeadas, embora nenhuma delas fosse especificamente orientada para a violência contra as mulheres nas eleições.

Gráfico 23. Acções de resposta à VAWIE

Mocuba

Acções de resposta a violência eleitoral

Chókwè

Marchas ReuniõesComunicados de imprensa0%

10%

18%

48%

30%

5%

12%

78%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

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As acções de prevenção e mitigação da violência eleitoral, tanto para Mocuba como para Chókwè, são geralmente desenvolvidas pelas organizações da sociedade civil, o que revela a indiferença dos partidos políticos e dos órgãos judiciais em relação ao fenómeno. No entanto, existe uma diferenciação dos repertórios de acção de resposta à violência. Se em Mocuba as marchas constituem o repertório de acção, mais frequente, em Chókwè, a interacção com os protagonistas da violência é mais recorrente.

Estes dados revelam que, para além de se reforçar a capacidade do Estado para oferecer melhor tratamento e proteção às

mulheres vítimas da violência, é necessário que se envolva e se criem sinergias entre os diferentes actores do processo eleitoral para o desenvolvimento de mecanismos mais consistentes e planificados de resposta à violência contra a mulher nas eleições. Ultimamente, tem crescido a tendência de violência contra as mulheres na política através das redes sociais devido à profusão do acesso a computadores e telefones celulares, todavia pouco tem-se visto do ponto de vista de posicionamento e antecipação por parte dos stakeholders para responsabilizar os perpetradores deste modo de agir.

Foto por: Neide Gwesela/Counterpart International

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IV. CONCLUSÃO

IV

UMA COMPREENSÃO COMPARATIVA DA VAWIE - MOCUBA E CHÓKWÈ

Este estudo sobre a violência eleitoral contra as mulheres nas eleições propôs-se, a partir de dois casos de estudo (Mocuba e Chókwè), responder à seguinte questões de pesquisa: Existem padrões de violência eleitoral vivida pelas mulheres significativamente diferentes das experiências vividas pelos homens? Quais são as formas específicas de violência que as mulheres experimentam durante os processos eleitorais nas esferas pública e privada? Homens e mulheres são igualmente perpetradores da violência contra a mulher nas eleições? Qual é o perfil dos perpetradores da violência eleitoral contra as mulheres? Quais são os locais em que a violência ocorre? Em que momento ocorre? E em que medida as experiências de violência eleitoral vivida por homens e mulheres afectam nas formas de participação política da mulher?

O uso de entrevistas de grupo focal,

individualizadas e dum inquérito quantitativo permitiram chegar à conclusão de que a violência eleitoral é experimentada indiscriminadamente, tanto por homens como por mulheres. Todavia, as mulheres, para além da violência física, são, sobretudo, vítimas da violência económica e psicológica de forma significativa em relação à sua contraparte masculina. As experiências de violência eleitoral vivida por mulheres afectam nas formas de participação política tanto como eleitoras, que se vêm impedidas de votar por causa das pressões familiares e pelo receio do jogo político, tanto como candidatas a cargos, pela autoexclusão ou pela exclusão induzida pela assimetria de recursos, assim como jornalistas e observadoras, pelo receio da violência que caracteriza os processos eleitorais. A tipologia de violência contra a mulher informa sobre a natureza de actores,

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espaços, a temporalidade e os recursos de acção:

• Quanto à violência física, o Município da cidade de  Chókwè é historicamente reportado como sendo um espaço de ocorrência recorrente de violência eleitoral, num contexto de baixa competição política. No município de Mocuba, ao contrário, a competição política está na ordem dos incidentes de violência eleitoral. Entretanto, apesar do nível alto de competição política, o município de Mocuba registou eleições pacíficas comparativamente ao município de Chókwè. Um aspecto em comum relação aos dois casos em análise é a partidarização da violência, ou seja, baseada nas rivalidades entre partidos. O partido no poder é geralmente apontado como o principal municiador da violência, com o recurso à privatização da violência do Estado, assim como usando os aparelhos coercitivos do Estado. Tomando o caso de Mocuba, as mulheres experimentam formas mais circunstanciais e coletivizadas de violência física que derivam da prática do controlo social do voto após a votação, numa temporalidade de curta duração, ou seja, no período pós-votação, e ocorre geralmente nos postos de votação, sendo o perpetrador dessa violência a polícia. O município de Chókwè, contrariamente, a violência física contra a mulher tem um sentido partidarizado, organizado e estruturado. De uma forma geral, os espaços públicos, sobretudo os mercados e as ruas, são os

locais de maior incidência da violência física e, geralmente, a violência procede de mulheres para mulheres, embora a contraparte masculina não seja negligenciada. A mulher sofre da violência física eleitoral dentro do móbil dos diferendos partidários.

• No que concerne à violência económi-ca, o factor económico exerce dinâmicas diferenciadas para os municípios em es-tudo. Para o caso de Chókwè, a dimen-são económica da violência em Chókwè é, em parte, tributária da divisão social do trabalho. O trabalho migratório, for-temente dominado por homens, reforça a cultura local de dominação masculina da esfera pública. Ele estrutura igual-mente o papel da mulher na sociedade e o lugar que elas ocupam nas instituições políticas. As eleições masculinizam-se em resultado das dinâmicas económi-cas familiares. Nos processos eleitorais, a violência económica afecta a possibi-lidade de a mulher exercer ou não o seu direito de votar. Sob o jugo da responsa-bilidade doméstica, esta encontra a sua participação em pleitos eleitorais con-dicionada pelas vontades dos seus es-posos. A violência económica no muni-cípio de Chókwè tem correspondência mais doméstica, afecta a mulher eleitora e é mais intensa no momento da vota-ção e recorre a pressões familiares. Em relação a Mocuba, a violência económi-ca manifesta-se de forma diferenciada: por um lado, as mulheres com identifi-cação partidária expressiva sofrem so-bretudo sanções económicas e discri-

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

minatórias perpetradas sobretudo por homens membros e simpatizantes de partidos contendores que protagonizam um boicote aos espaços de sociabilidade das mulheres dos “outros”. Este tipo de violência é de longa duração e ocorre, sobretudo, no mercado e na arena dos negócios. Por outro lado, a assimetria de recursos entre homens e mulheres den-tro dos partidos políticos constrange a participação e as ambições políticas das mulheres, o que concorre para a repro-dução da violência simbólica por inter-médio da distribuição assimétrica de re-cursos. Este tipo de violência ocorre no quotidiano das relações intrapartidárias e tem uma dimensão mais simbólica e estrutural, isto é, de longa duração, em que mulheres participam como agentes da sua própria dominação.

• Por último, no que concerne à violên-cia psicológica, os casos de Mocuba e Chókwè ilustram que esta forma espe-cífica de violência é transversal e fun-ciona como um dispositivo tanto da violência económica como física, isto é, ela é inerente e coerente com as outras formas de exercício da violência contra as mulheres nas eleições. Perpetrada pelos homens, pela família, pelas pró-prias mulheres, a violência psicológica constrói um ambiente de (auto)censu-ra, de (auto)estigmatização da mulher e da sua participação na esfera pública política. Em Chókwè, os actos de par-ticipação política da mulher são assim estigmatizados e associados aos pré-jul-gamentos em termos de comportamen-to da mulher (prostituição, clientelismo,

favoritismo, etc.). Para o caso de Mo-cuba, a violência psicológica afecta as mulheres ao nível do bairro e da família e tem recurso ao ostracismo e a práticas administrativas intimidatórias e discri-minatórias, perpetradas tanto pelos au-toridades do bairro como por membros da comunidade e da família.

Esta pesquisa informou-nos que existem padrões de violência eleitoral vivida pelas mulheres significativamente diferentes das experiências vividas pelos homens. Para além da violência física, as mulheres experi-mentam formas económicas e psicológicas de exercício da violência durante os proces-sos eleitorais nas esferas pública e privada. Tanto homens como mulheres são igual-mente perpetradores da violência contra a mulher nas eleições, o que faz das mulheres não somente vítimas mas igualmente per-petradoras da violência.

As vítimas da violência contra a mulher nas eleições são, sobretudo, mulheres com identificação partidária expressiva e revelada enquanto o perfil dos perpetradores são, sobretudo, homens e mulheres membros de partidos políticos e as próprias autoridades administrativas e da lei e ordem. Todavia, o perfil das vítimas e dos perpetradores varia de acordo com o tipo de violência. Neste âmbito, no concerne à violência física, as vítimas são, sobretudo, mulheres membros e simpatizantes de partidos políticos. Quanto à violência económica, as eleitoras, para o caso de Chókwè, e membros e simpatizantes de partidos políticos, para caso de Mocuba, são os principais rostos da violência. Quanto à violência psicológica,

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mais transversal, tem como perfil de vítimas membros e simpatizantes de partidos políticos e eleitoras. No que concerne ao perfil dos perpetradores, existe uma forte partidarização, sendo que o partido Frelimo é o responsabilizado pela violência contra os seus concorrentes, portanto, membros de outros partidos. A violência económica tende a ser generalizada na base do género, ou seja, os homens são apontados como os maiores perpetradores contra as suas parceiras e mulheres membros de partidos contendores. A violência psicológica, por sua vez, é indicada como tendo igualmente tendência generalizada, mas com relativa associação a diferenças partidárias.

Quanto aos locais de ocorrência da violência contra a mulher nas eleições, ela ocorre tanto nos espaços públicos como nos espaços privados e varia de acordo com o tipo de violência, embora não seja possível diferenciar de forma nítida as dimensões nos diferentes espaços, uma vez que estes vão-se metamorfoseando. De uma forma geral, os espaços públicos correspondem aos locais de votação, os mercados e as ruas, que são os locais de maior incidência da violência física, enquanto a violência económica e psicológica ocorrem sobretudo no seio familiar, partidário, no meio de trabalho, isto é, nos espaços privados, relativamente mais difíceis de apreender.

Quanto à periodicidade, a violência eleitoral contra as mulheres ocorre no tempo longo das eleições, isto é, antes, no dia da votação e no pós votação. Neste quadrante, a intensidade dos actos de violência vai variar

em função do tipo de violência em causa. A violência física, para Mocuba, é de curta duração e ocorre sobretudo no período após a votação. Por seu turno, em Chókwè, a violência física obedece a um tempo médio, com maior incidência para o período de campanha eleitoral. A violência eleitoral constitui-se primeiro ao nível partidário, sobretudo em direcção aos partidos da oposição e, finalmente, esta encontra na mulher o “corpo, o campo e o dispositivo” da sua manifestação. A violência económica e psicológica tem um padrão mais longo e tende a intensificar-se quanto mais se aproxima o dia da votação. As pressões familiares, sociais e partidárias tendem a ganhar ímpeto no momento das escolhas.

Por último, o tratamento dos casos de violência eleitoral é apenas observado para os casos de violência física, onde se pode observar a denúncia de alguns casos, onde o papel da media e das redes sociais tem sido importante. Houve, de facto, casos reportados à polícia e alguns submetidos às instâncias judiciárias. No entanto, a prossecução de tais casos tem sido minada por uma grande influência partidária nas instituições da administração da justiça. Por isso mesmo, muitos casos não têm tido o tratamento devido em resultado da interferência partidária sobre as instituições públicas. O sentimento de impunidade dos actos de violência funciona como uma estrutura de incentivo para a propagação da violência eleitoral e contra a mulher nas eleições.

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Foto por: Géssica Macamo/CeUrbe

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V RECOMENDAÇÕES

V

RECOMENDAÇÕES

O objectivo fundamental da pesquisa foi produzir um conjunto de evidencias para o desenho de uma estratégia de prevenção e de mitigação da violência contra a mulher nas eleições, que deverá ser composta pelas seguintes acções de curto, médio e longo prazos:

Acções de curto e médio prazos:

• Consciencializar sobre a VAWIE para a mudança do comportamento. A violên-cia contra a mulher nas suas diferentes dimensões é uma concepção e aborda-gem nova no território moçambicano e totalmente desconhecida, embora o estudo mostre a sua existência real. Por essa razão, é necessário que se desenvol-va uma estratégia de comunicação de modo a problematizar, publicitar e dis-seminar, tornando pública a noção de violência contra a mulher nas eleições.

Portanto, disseminação regular e regio-nal dos resultados da pesquisa, promo-ção de debates públicos radiofónicos, televisivos, impressão de matérias de comunicação, promoção de campanhas nas redes sociais envolvendo homens e mulheres, workshops com partidos po-líticos enquadram-se numa estratégia ampla capaz de despertar atenção sobre o problema, tirando-o do anonimato;

• Continuar a mapear, a nível nacional, a situação da mulher, eleições e violên-cia eleitoral. Uma das limitações do es-tudo piloto ora iniciado é o âmbito da pesquisa, que se circunscreveu apenas a dois municípios, o que, de certa forma, torna ineficiente o processo de genera-lização dos resultados. Neste sentido, recomenda-se o alargamento do âmbito do estudo para uma dimensão nacional

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ou regional dos estudos sobre VAWIE como forma de buscar mais evidências sobre o fenómeno para melhor coorde-nação de acções de prevenção e de mi-tigação;

• Capacitação das OSC em Monitoria da violência contra a mulher nas eleições. Dar continuidade ao processo de capacitação das organizações da sociedade civil que têm a pretensão de observar eleições de modo a dotá-las de capacidades, técnicas e ferramentas necessárias para a observação das eleições numa perspectiva de género. O fim último consistirá na integração da VAWIE nos instrumentos de monitoria e observação eleitoral;

• Trabalhar com os partidos políti-cos para a prevenção e mitigação da VAWIE intra e interpartidária. Uma das constatações principais do estudo é que a violência eleitoral contra as mu-lheres tem um sentido partidário. Neste sentido, numa dimensão interpartidá-ria, é necessário, junto dos partidos po-líticos, desenvolver um código de con-duta que firme o compromisso entre os partidos políticos de eliminação da vio-lência contra a mulher nas eleições. Na dimensão intrapartidária, é necessário trabalhar com os partidos políticos para que adoptem planos de acção afirmati-va dentro do partido de modo a romper

as barreiras e assegurar o equilíbrio do género no processo de eleições internas.

Acções de longo prazo:

• Inclusão normativa da VAWIE. O estudo constatou que, apesar da existência dum quadro normativo vasto e rico sobre a violência baseada no género em Moçambique, nada existe em relação à violência contra a mulher nas eleições especificamente. Neste sentido, é necessário desenvolver acções para a integração e reconhecimento da violência contra a mulher nas eleições nos diferentes instrumentos normativos e legais, códigos de conduta, protocolos, etc. que regulam os processos eleitorais em Moçambique;

• Garantir a responsabilização dos perpetradores. É factual que o sentimento de impunidade dos actos de violência eleitoral no geral e contra a mulher, em particular, funciona como uma estrutura de incentivo para a propagação da violência eleitoral. Deste modo, é necessário criar um comité multissectorial da sociedade civil, polícia e órgãos de justiça com vista a garantir a responsabilização dos perpetradores da violência eleitoral, a oferta de segurança e o acesso à justiça para as vítimas da violência eleitoral.

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1

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4

Consciencializar sobre a VAWIE para a mudança do comportamento.

Inclusão normativa da VAWIE.

Garantir a responsabilização dos

perpetradores.

Continuar a mapear, a nível nacional, a situação da mulher, eleições e violência eleitoral.

Capacitação das OSC em Monitoria da violência contra a mulher nas eleições.

Trabalhar com os partidos políticos para a prevenção e mitigação da VAWIE intra e interpartidária.

Acções de curto e médio prazos:

Acções de longo prazo:

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VI BIBLIOGRAFIA

V

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VI ANEXOS

VI

LISTA DE ENTREVISTADOS

Categoria Instituição contactada

Públicas Secretariado Distrital da Administração Eleitoral Chókwè

Secretariado Distrital da Administração Eleitoral Mocuba

Conselho Municipal da Cidade de Chókwè

Conselho Municipal da Cidade de Mocuba

Comando da Polícia da República de Moçambique Mocuba

Comando da Polícia da República de Moçambique Chókwè

Centro de Saúde Distrital de Mocuba

Hospital Distrital de Chókwè

Delegação Distrital da Televisão de Moçambique

Partidos políticos Movimento Democrático de Moçambique - Chókwè

Movimento Democrático de Moçambique - Mocuba

Resistência Nacional de Moçambique -Mocuba

Resistência Nacional de Moçambique – Chókwè

Secretariado Distrital da Administração Eleitoral - Chókwè

Secretariado Distrital da Administração Eleitoral - Mocuba

Frente de Libertação de Moçambique – Chókwè

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AS “INAUDÍVEIS”: ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS ELEIÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS DE MOCUBA E CHÓKWÈ

Categoria Instituição contactada

Sociedade Civil Comité Ecuménico para o Desenvolvimento Social - Chókwè

Parlamento Juvenil - Mocuba

Rádio Comunitária - Mocuba

Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil

Grupo Focal Grupo Composição numérica

Mocuba Mulheres membros do partido Renamo 12

Homens membros do partido Renamo 12

Mulheres membros do partido MDM 12

Homens membros do partido MDM 12

Mulheres membros da Assembleia Municipal de Mocuba

12

Mulheres membros da Assembleia Municipal de Chókwè

12

Membros do Parlamento Juvenil Homens (6) Mulheres (6)

Membros AMUDHF Homens (4) Mulheres (8)

Chókwè Homens – eleitores 6

Mulheres- eleitoras 6

Homens membros do partido Frelimo 12

Homens membros do partido Renamo 10

Mulheres membros do partido Frelimo 12

Mulheres membros do partido Renamo 12

Mulheres membros do partido MDM 12

Mulheres membros da Assembleia Municipal 12

Mulheres membros do CEDES 12

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