faculdade maria milza licenciatura em histÓria...
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FACULDADE MARIA MILZA
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
JOSENE ANTONIA DE PAULA NERES DE JESUS
“E DIANTE DO MITO A HISTÓRIA SE RENDE:”
MEMÓRIAS SOBRE TÚNEIS SUBTERRÂNEOS DE JAGUARIPE-BA - 1936.
GOVERNADOR MANGABEIRA-BA
2015
JOSENE ANTONIA DE PAULA NERES DE JESUS
“E DIANTE DO MITO A HISTÓRIA SE RENDE.”
MEMÓRIAS SOBRE TÚNEIS SUBTERRÂNEOS DE JAGUARIPE-BA- 1936.
Monografia apresentada ao curso Licenciatura em História da Faculdade Maria Milza, como requisito parcial para a obtenção do título de graduada.
Prof.ª Orientadora: MsC. Alaize dos Santos Conceição
GOVERNADOR MANGABEIRA – BA
2015
JOSENE ANTONIA DE PAULA NERES DE JESUS
“E DIANTE DO MITO A HISTÓRIA SE RENDE.”
MEMÓRIAS SOBRE TÚNEIS SUBTERRÂNEOS DE JAGUARIPE-BA- 1936.
Aprovada em _____/_____/_________
BANCA DE APRESENTAÇÃO
______________________________________________________
Prof.ª Orientadora MsC. Alaize dos Santos Conceição
Faculdade Maria Milza
_____________________________________________________
Professor MsC. Hamilton Rodrigues Santos
Faculdade Maria Milza
_____________________________________________
Professora Dr.ª Elizabete Rodrigues da Silva
Faculdade Maria Milza
GOVERNADOR MANGABEIRA – BA
2015
Dados Internacionais de Catalogação
Jesus, Josene Antonia de Paula Neres de
J58d “E diante do mito a história se rende”: memórias sobre túneis subterrâneos de Jaguaripe – Ba – 1936 / Josene Antonia de Paula Neres de Jesus. – 2015
52 f.
Orientadora: Profa. Ma. Alaize dos Santos Conceição
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) –
Faculdade Maria Milza, 2015.
1. Patrimônio Cultural. 2. Identidade Histórica. 3. Jaguaripe - Bahia. I. Conceição, Alaize dos Santos. II. Título.
CDD 900
Dedico este trabalho a minha vó, Antónia Rosália, por compartilhar comigo suas memórias, provocando em mim o gosto por escutar as narrativas do tempo passado.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus, pela sua forte presença, nas diversas
situações de medo que enfrentei nesse período e em todos os demais momentos da
minha vida. Obrigada Senhor!
Agradeço a todos os professores que somaram à minha formação. A prof.ª
Sílvia pela firmeza e pelos encorajamentos. Ao prof°. Hamilton, um ser inesquecível.
Inspira luz! Ao prof° Kléber pela forma gentil e simples de conduzir seu trabalho, no
processo sempre árduo e prazeroso de construções e desconstruções. A prof.ª
Cinthia pela alegria contagiante. À coordenadora do curso de História, prof.ª
Elizabeth por ter nos acolhido com tanto entusiasmo, assim como toda equipe da
Faculdade Maria Milza.
E de forma muito especial à minha orientadora, prof.ª. Alaize, nunca a
esquecerei. Pessoa linda! Um coração enorme! Obrigada por dividir o gosto e o
encanto pela História.
Aos amigos que fizeram essa caminhada mais especial, Marina, Mariane,
Júlio, Ilma, Nilmar. Obrigada pelas experiências compartilhadas. Agradeço a Paula
Macena, que tanto contribuiu para a concretização dessa etapa.
Aos colegas de trabalho da Escola Luciana Góes e aos alunos, por ter
permitido que eu vivenciasse na prática, minhas aprendizagens. Aos colegas da
Escola Paroquial Nossa Senhora D`Ajuda pela ajuda mútua e as crianças pelo
carinho partilhado.
A todos que contribuíram à sua maneira para a realização deste trabalho.
Assim, sou grata, a Genário, a Elisângela, pela atenção dispensada. A Railton e
Expedito por tanto ajudar nas minhas idas e vindas nessa estrada. Aos meus
queridos depoentes, obrigada pela atenção e as significativas contribuições.
Expresso minha sincera gratidão aos meus familiares, meus tios, Djalma,
Geraldo, Gerson, Mário, pelos incentivos e ajuda desde a infância. Aos meus
sobrinhos lindos, Lysmara e Gustavo, que enchem meus dias de felicidade.
Aos meus irmãos, Leila, Josana, Agnaldo. Obrigada pela amizade verdadeira e pelo
amor que nutrimos apesar das adversidades. A meus avós Antónia Rosália e
Geraldo Bispo (In Memorian). Agradeço infinitamente, a minha mãe Rosenil, a ela,
todo meu reconhecimento e gratidão!
Qualquer coisa que diga algo sobre o
presente ou o passado do nosso espaço
vivido fala mais sobre as nossas vidas e o
estado de espírito de cada um... O lugar e
a região não tem outro centro que não
nós.
Marcos Lobato Martins
RESUMO
A possível existência de tesouros escondidos nos subterrâneos da cidade de Jaguaripe-Ba, sempre permeou a memória dos seus moradores, tendo em vista o pensamento instituído que os jesuítas possuíam o domínio das riquezas no período colonial e as escondiam. Assim, esta pesquisa que se constrói a luz da História Cultural, versa acerca da existência dos túneis subterrâneos da cidade de Jaguaripe, buscando problematizar representações e implicações desse episódio na história local. Notou-se a contribuição do episódio para o fortalecimento identitário dos indivíduos que através dos depoimentos orais revelaram o quão emblemática é o capítulo dessa história. Como marco inicial, tivemos a década de 1936 que correspondeu à publicação da obra memorialística Maria Cabocla, de autoria de Anísio Melhor, que se constitui como principal fonte escrita responsável pela propagação do mito analisado. Contudo, reflexões acerca de memória, patrimônio e cultura irão subsidiar a pesquisa, possibilitando a recomposição e percepção dos indivíduos acerca do mito fundador. Percebe-se que o fortalecimento de uma memória coletiva contribuiu para pensarmos na composição de pertenças identitárias dos sujeitos com a região que transcendem as representações estáticas com vistas a características meramente geográficas do lugar. Palavras chaves: Patrimônio. Identidade. Memórias. Historia Oral.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 2 “ELES FICAM, A RAÇA NÃO MORRE” - O LEGADO IMATERIAL DOS JESUÍTAS. ................................................................................................................ 15 2.1 A CIDADE ENCOBERTA: JAGUARIPE “A PRIMEIRA VILA DO RECÔNCAVO DO BAIANO.” ............................................................................................................ 17 2.2 O MITO ACERCA DOS TÚNEIS SUBTERRÂNEOS .......................................... 22 2.3 MARIA CABOCLA: “UM LUGAR DE MEMÓRIA.” ............................................... 26 3 OS TÚNEIS SUBTERRÂNEOS NA MEMÓRIA COLETIVA. ................................. 31 3.1 QUEM FOI A GENTE! QUEM É A GENTE! O QUE VAI SER A GENTE? TÚNEIS SUBTERRÂNEOS E IDENTIDADE. .......................................................................... 36 3.2 OS TÚNEIS SUBTERRÂNEOS-PATRIMÔNIO IMATERIAL. .............................. 41 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 46 LISTA DE FONTES .................................................................................................. 48 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 50
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1 INTRODUÇÃO
A possível existência de tesouros escondidos nos subterrâneos da cidade de
Jaguaripe-Ba sempre permeou a memória dos seus moradores, tendo em vista o
pensamento instituído de que os jesuítas possuíam o domínio das riquezas na era
colonial e as escondiam. Assim, a presente pesquisa versa acerca dos túneis
subterrâneos da cidade de Jaguaripe, buscando entender sobre as representações
do referido episódio e em que medida contribuiu para reflexões em torno das
relações de poder presentes na era colonial. E ainda, como tais crenças
influenciaram os indivíduos na formação e fortalecimento do vínculo identitário com a
região.
No que tange à perspectiva historiográfica, o referido trabalho constrói-se à luz
da História cultural que segundo BARROS (2014) se torna mais preciso e evidente a
partir das últimas décadas do século XX e que tem claros antecedentes no início do
mesmo século. A História cultural, tal como define Roger Chartier “tem por principal
objetivo identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade cultural é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990,
p.16).
Roger Chartier por manifestar interesse “pelas transferências entre cultura oral
e cultura escrita, mostrando como indivíduos não letrados podem participar da
cultura letrada através de práticas culturais diversas” (BARROS, 2004.p.76). Nos
permitem entender a importância do livro Maria Cabocla de Anísio Melhor, um
romance histórico, que retrata a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal1 em
1759, e a suposta criação de esconderijos estratégicos para garantir a segurança de
toda riqueza construída pela ordem dos jesuítas, sobretudo como objeto cultural.
A partir das considerações de Chartier (1990) as representações são como
classificações e divisões que organizam a apreensão do mundo social em categorias
de percepção do mundo real. Desse modo, as representações não são identificadas
como discursos neutros, mas, enquanto principais responsáveis por sistematizar as
1 Evento que ocorreu na segunda metade do século XVIII, em 1759. Vale ressaltar que apesar de Sebastião José de Carvalho e Melo o Pombal, ser conhecido como principal responsável pela expulsão dos jesuítas existe uma série de estudos que demonstram que tal acontecimento pode ser analisado por outros víeis. Mais informações consultar: José Caeiro. História da expulsão da companhia de Jesus da província de Portugal. (século XVIII). Volume II.Lisboa:Editorial Verbo, 1995.
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compreensões do mundo real. Neste sentido, o livro Maria Cabocla permite-nos
observar as leituras e as releituras feitas pelos indivíduos e os novos sentidos
construídos historicamente, tornando assim, uma representação social.
Os romances históricos sofrem algumas críticas historiográficas pela forte
imaginação artística presentes neles, pela relação paradoxal entre a verdade e da
verossimilhança, bem como, por suas especificidades que consistem na produção
de grandes efeitos estéticos2·. Todavia, apesar dos termos artísticos presentes
nestes romances, os mesmos estão diretamente relacionados com o imaginário
presente na cultura de Jaguaripe, pois oportunizam um discurso acerca de um mito
que aqui transcorre desde a era colonial. Neste sentido, sua análise é
imprescindível, pois contribui para a materialização e fortalecimento identitário dos
moradores com a região de Jaguaripe.
Vale ressaltar que a crença da existência de riquezas nos túneis subterrâneos,
herança dos jesuítas na estadia da Colônia Portuguesa, não se restringe somente
ao “imaginário coletivo” da pequena cidade de Jaguaripe. Atualmente os estudos
históricos têm se debruçado na investigação da sonância desses mitos em diversas
cidades do Brasil, a saber: São Paulo, Rio de Janeiro, etc. Sendo que historiadores
e demais pesquisadores, como Carlos Kreb, Paula Janovitch, Carlos Kessel e
Leandro Antônio de Almeida têm habilitado a temática como possibilidade
investigativa.3 Logo, a ideia do tesouro oculto nas galerias subterrâneas de
Jaguaripe, bem como seus segredos e mistérios se integram na construção das
memórias coletivas, memorias estas que se configuram como eventos chave nesta
pesquisa, visto que “O que está em jogo na memória é também o sentido da
identidade individual e do grupo”. (POLLAK, 1989, p.10).
O recorte temporal em questão trata-se da década de 1936, apresentando
somente a temporalidade inicial, delimitada a partir da publicação da primeira edição
do livro Maria Cabocla, de autoria de Anísio Melhor, que se constitui como principal
fonte escrita responsável pela propagação da crença nas existências dos túneis. O
período também foi estabelecido frente às lembranças dos entrevistados, idosos,
2Ver mais informações em: CATROGA, Fernando. Memória, História e Historiografia. Quarteto Editora, Coimbra, 2001. 3 Paula Janovitch-O subterrâneo do Morro de Castelo: Uma metáfora arqueológica (2000), Carlos Kessel: Os tesouros do Morro de Castelo: o ouro dos jesuítas no imaginário do Rio de Janeiro (1997), Leandro Antônio de Almeida: A São Paulo subterrânea de João de Minas: versão ficcional de uma lenda urbana(2011)
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com mais de 79 anos de idade, todos natural da cidade de Jaguaripe, denotando o
quão impactante foi à introdução da literatura memorialística para os moradores.
Diante disso, a escolha do recorte temporal, apesar das idas e vindas da memória,
demarca as possíveis repercussões do livro na comunidade, sobretudo atrelada à
eminência do fortalecimento de uma memória histórica contribuinte para pensarmos
numa perspectiva de pertença identitária ao lugar de origem.
Observar a História regional e local tem um caráter fundamental por oportunizar
o entendimento do cotidiano.
A História regional e local consiste numa proposta de estudo de atividades de determinado grupo social historicamente constituído, conectado numa base territorial com vínculos de afinidades, como manifestações culturais, organização comunitária, práticas econômicas, identificando-se suas interações internas e articulações exteriores e mantendo-se a perspectiva da totalidade Histórica. (NEVES, 2002, p. 45).
Voltar-se para os estudos locais e suas especificidades é resultado das
inovações historiográficas. Na História, dita positivista, predominava uma narrativa
única e linear, contudo, o revisionismo historiográfico desenvolvido a partir da
década de 1929 pela chamada Escola dos Annales possibilitou a investigação de
novos temas e problemas, cujo destaque se tratou enfaticamente das possibilidades
de pesquisas lidando com a interdisciplinaridade e (res) significações de conceitos e
métodos.4 Nesse processo, estudar a história local é perceber na prática que a
História não se constrói tão somente das grandes estruturas econômicas e politicas,
mas, sobretudo da vida cotidiana, das relações com a natureza, de temas comuns,
quebrando a falsa ideia de que a História é única e universal.5
Considerando que “tempo, memória, espaço e história caminham juntos”.
(DELGADO, 2003, p.10) podemos entender que aspectos comuns a uma
comunidade é o resultado dessa integração que ocorre naturalmente e que podem
estar ligados na relação de pertencimento e valorização da comunidade local. Dessa
forma, analisar como as memórias acerca da existência dos túneis subterrâneos de
Jaguaripe contribuem para o fortalecimento identitário dos indivíduos, constituindo
assim, a problemática principal desta pesquisa. Pesquisa esta que tem como
4 Ver mais informações em: REIS, José Carlos. Escola dos Annales. A inovação historiográfica. São Paulo. Paz e terra, 2000. 5 Ver mais informações em: Barros, José de Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis, RJ. Vozes, 2004.
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objetivo entender a forma como as crenças como esses túneis subterrâneos se
configuraram a partir do ano de 1936 e tornaram-se duradouras e atraentes na
memória histórica da cidade. Os objetivos específicos estão em perceber a dinâmica
da interpretação histórica a partir das concepções de identidade coletiva e na
compreensão de como as memórias coletivas se apropriam da existência de túneis
subterrâneos transformando tal evento em patrimônio cultural.
A fim de analisar as memórias acerca dos túneis subterrâneos, faz-se
necessário considerar as experiências compartilhadas no espaço comum de
Jaguaripe-Ba, sendo determinantes os relatos dos moradores da cidade que tiveram
suas trajetórias de vidas relacionadas à região, por essa razão, ouvir os idosos e
perceber as vivências compartilhadas, constitui um elemento fundamental para o
entendimento das construções e representações presentes na memória coletiva da
cidade. Outrossim, a presente pesquisa se tornou possível, sobretudo, em virtude da
institucionalização da História oral como sua metodologia. Para Joutard, “A História
oral, tem mais do que nunca, o imperativo de testemunhar, tendo a coragem de
permanecer diante da memória de testemunhos fragmentados que têm o sentimento
de uma experiência única e intransmissível.” (JOUTARD, 2000. p.35).
Na perspectiva metodológica das tipologias de pesquisa, o estudo proposto
utilizou de abordagens qualitativas, realizando entrevistas com os seguintes
moradores Maria José Santana Teixeira, Jayme Pereira de Queiros, Gerson
Patrocínio dos Santos, Cícero Azevedo de Carvalho, Benedito F. da Silva, Joselice
de Paula Carvalho, José Gualberto Xavier, Lamartine Augusto de Souza Vieira. Tais
entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas, com exceção do depoimento de
um entrevistado que não aceitou a utilização do gravador, sendo nesse caso,
necessário a escrita direta do relato. As entrevistas tiveram diferentes durações,
variando entre 40 minutos a mais de 1 hora por depoente. Sendo realizadas na sua
maioria, na própria casa dos depoentes.
Vale ressaltar que todo o procedimento para as entrevistas em si, perpassaram
por uma visita prévia aos idosos, sem os instrumentos de pesquisa, com vistas a
convidá-los a contribuir com o trabalho e informá-los dos objetivos e propostas de
pesquisa. Momento muito importante, pois foi visível a satisfação e alegria de muitos
em participar do trabalho. Como bem explanou o senhor Gerson, “Vou gostar muito
de falar! Porque quem sabe das coisas, somos nós, nascidos e criados nesse lugar”.
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No primeiro capítulo intitulado “Eles ficam. A raça não morre”. O legado
imaterial dos jesuítas. Evidencia a herança dos Jesuítas no âmbito imaterial,
apresentando a cidade de Jaguaripe e seu contexto, a fim de refletir acerca da
existência de Túneis. Foram traçadas discussões teóricas, cujos conceitos
circundaram cultura e memória, contando com o amparo de pesquisadores como
Mircea Elíade, Gerrtz e Pierre Nora. Nessa etapa, também foi apresentado o livro
Maria Cabocla como fonte literária significativa da pesquisa, objetivando
compreender as repercussões da obra na vida de cada indivíduo.
No segundo capítulo, foram apresentados conceitos para o entendimento da
memória, identidade e patrimônio envoltos à realidade da pesquisa, permitindo uma
discussão acerca da memória, como principal via de acesso para construção da
história oral, que se evidencia pela superação de uma História positivista, e para
isso, foram analisados, os relatos de memória dos entrevistados. Buscou-se ainda,
investigar, como as memórias sobre a existência dos túneis subterrâneos, que em
referência as construções identitárias, subitem, como elemento expressivo. Outra
observação possível levantada no capítulo, com vistas às novas categorias de
análise, foi a identificação das memórias coletivas, enquanto patrimônio cultural do
povo jaguaripense.
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2 “ELES FICAM, A RAÇA NÃO MORRE” - O LEGADO IMATERIAL DOS
JESUÍTAS.
Deves cavar ahi. Há seis caixões com dobrões de ouro, dois com prata, e mais nove barras de ouro, e mais quatro garrafões também de ouro em pó. Anísio Melhor
Por ocasião da estadia dos jesuítas no Brasil, muitas foram às especulações
frente às suas riquezas e bens. Tornando-se comum em vários lugares onde a
presença dos Jesuítas foi constante a concepção de que estes teriam guardado
tesouros nos subterrâneos das regiões, principalmente em virtude do episódio da
expulsão da companhia de Jesus, solicitada pelo Marquês de Pombal, em 1759.
Este “imaginário” que evidencia os jesuítas como detentores de poderes e domínio
econômico no período colonial perpetuou-se de várias formas no território brasileiro,
a saber, em Jaguaripe, Recôncavo Sul da Bahia. Com isso, a crença da existência
de túneis subterrâneos se manifestou nas memórias coletivas e foram propagadas,
sobretudo pela oralidade. Atentemo-nos para o que sinalizou o depoente Gerson.
Hoje você tem rádio, televisão, tem tudo. Naquele tempo a gente não tinha nada, só as histórias do passado... Os túneis foram construídos pelos jesuítas, os jesuítas fugiam, entrava no de lá e fugia para o rio daqui. Lá é o Rio Jaguaripe, aqui é o Rio da Dona, aqui é uma península... Aqui é uma península!6
O depoimento do Senhor Gerson viabiliza o entendimento de que essas
histórias foram contadas num tempo onde a oralidade era importante já que não se
tinha outros mecanismos de socialização, logo, não se pode afirmar quando essas
histórias foram construídas. Entretanto, vale ressaltar que a notoriedade desses
supostos túneis como esconderijo secreto se concentra no entendimento acerca de
um legado dos Jesuítas. Uma leitura que demonstra as ações dos mesmos nos
espaços coloniais e que contribui para o significado de poder que estes mantinham e
que foram consolidadas nas memórias dos moradores.
Nesse sentido, por mais que os Jesuítas tivessem sido expulsos do Brasil,
deixaram como legado, entre os moradores da região, a crença na existência dos
6 Gerson patrocínio dos Santos. Data de Nascimento: 14/02/1935. Agricultor aposentado, natural e
morador da cidade de Jaguaripe-Ba. Entrevista concedida em 01 de setembro de 2015.
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túneis subterrâneos e, por conseguinte, de metais preciosos, a saber, ouro. Em que
no seu livro Maria Cabocla, Anísio Melhor7 assinala o que em sua opinião teria sido
o episódio de despedida dos jesuítas.
Elles ficam. A raça não morre. Eu já sou como o tronco que o tempo corroeu no cerne e na raiz. Elles ficam...
-Irmão... Disse o velho Jacinto apertando nos braços o jesuíta.
(MELHOR, 1936, p.152)
Assim, podemos perceber que a marca da ordem religiosa se perpetuou não
apenas nos monumentos materiais, mas, ainda que não existam fontes escritas
oficiais que comprovem a veracidade dos subterrâneos, eles compõem um campo
significativo nas memorias coletivas o que permite observar a interferência da
religião católica, conforme nos relatou o senhor José.
Aqui os padres quando saíram daqui, de Jaguaripe, pra Bahia, pra depois ir pra Portugal, eles, os jesuítas, quando saíram, acabaram as orações dele, tudo, eles chegaram (pausa) ele fez uma alerta para o povo de Jaguaripe, pediu que os filhos Jaguaripense tratassem do nosso Jaguaripe e trabalhasse por nosso Jaguaripe e não esquecesse o nosso Jaguaripe8.
Os jesuítas mencionados no relato “eram os membros da ordem chamada
Companhia de Jesus, criado por Inácio de Loyola na Universidade de Paris em
1540, para defender o catolicismo.” (MESGRAVIS, 2015, p.25). No Brasil, os
jesuítas desenvolveram trabalhos não apenas religiosos, mas também na
administração colonial, como no caso de Jaguaripe, que tem a formação da
localidade associados à contribuição das “santas” missões.
A importância creditada pelo depoente aos Jesuítas demonstra o quanto a
ordem religiosa estava vinculada à coroa portuguesa e representava seus
interesses.
7 Escritor, autor do livro Maria Cabocla. 8 José Gualberto Xavier dos Santos. Data de nascimento: 11/07 / 1936. Funcionário público aposentado. Morador e natural da cidade de Jaguaripe. Entrevista concedida em 22 de setembro de 2015.
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2.1 A CIDADE ENCOBERTA: JAGUARIPE “A PRIMEIRA VILA DO RECÔNCAVO
DO BAIANO.”
Objetivando melhor compreender as experiências culturais presentes na cidade
de Jaguaripe-Ba, localizada “ao sul da Baía de Todos os Santos, ha duas léguas da
desembocadura do Rio Jaguaripe.” (ANDRADE, 2013, p.119) faz-se necessário
esboçar características do espaço geográfico ocupado, bem como as dimensões
históricas provenientes da região.
O então município de Jaguaripe-Ba, “termo de origem tupi que significa rio da
onça foi primeiramente habitado por indígenas tupinambás”. (NUNES, 1996, p.268).
No período setecentista, vivenciando o processo de colonização Portuguesa, o
Recôncavo Baiano desempenhou importante papel, por conta “da produção e
exportação de cana-de-açúcar, tabaco e madeiras, além de lavouras de mandioca
que atendiam a subsistência regional.” (ANDRADE, 2013 p.77).
Segundo Andrade, em seus estudos sobre a Rede urbana colonial, existiu
também uma articulação entre as vilas e as demandas da justiça e Coroa
Portuguesa para garantir a unidade administrativa e os interesses econômicos. Ele
enfatiza ainda, um conjunto de ações políticas que favorecia “status urbano e
estabelecia poderes formais em cinco unidades do entorno da Baia de todos os
Santos (Jaguaripe, Cachoeira, São Francisco do Conde, Maragogipe e Santo
Amaro, que, com Salvador, configurava uma incipiente rede urbana).”. (ANDRADE,
2013 p.85).
18
Figura 01. Recôncavo Baiano em meados do séc.XVIII.
Fonte: ANDRADE, Adriano. O outro lado da baia, 2013.
O conceito de região “marcado pela noção de circunscrever num dado espaço
(extensão e localização), determinadas variáveis que o diferenciam do entorno.”
(ANDRADE, 2013 p.50) viabiliza a noção de centro dado ao Recôncavo que apesar
dos aspectos comuns, não é homogêneo. Sobre essa diversidade, Santos (1960)
sinaliza as atividades econômicas que, por vezes, foram habilitadas para
caracterizar a região: “O Recôncavo canavieiro, Recôncavo fumageiro, Recôncavo
mandioqueiro e da cerâmica, sem falar nas zonas pesqueiras beirando mais
aproximadamente o litoral e do Recôncavo ao Norte.” (SANTOS, 1960, p.4).
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Nesta microdivisão geoeconômica, Jaguaripe teve como marca registrada a
atividade econômica “principalmente no cultivo de mandioca e no fornecimento de
lenha e madeira para Salvador e as demais áreas do Recôncavo.” (SCHWARTZ,
1988 p.83). Dessa forma é possível perceber a importância de Jaguaripe enquanto
“Primeira vila do recôncavo (criada por meio de carta régia de 1693, instalada pelo
governador geral D. João de Lencastro em 1697).” (NUNES, 2000. p.159) pela sua
contribuição na formação econômica, política e territorial do país. Um dos fatores
determinante que caracteriza a importância econômica de Jaguaripe refere-se à
localização estratégica favorável a circulação de pessoas e mercadorias. O acesso
se dava por meio do sistema fluiviomaritimo. Assim, realizava o “papel de escoar a
produção interior e articular a malha hídrica com a terrestre que cruzava a região.”
(ANDRADE, 2013 p. 280).
Figura 02. Cartograma com caminhos hierárquicos da Rede urbana do Recôncavo ao final do século XVIII.
Fonte: ANDRADE, Adriano. O outro lado da baia, 2013.
20
Dessa forma, pode-se concluir que:
As Vilas, fundadas pelos donatários ou pela coroa, tinham sempre o papel
estratégico de controle sobre um território e, nesse sentido, possuíam o seu
sitio estabelecido também segundo as possibilidades de alcance ao
termo/ou conexão com outras unidades do poder colonizador. (ANDRADE,
2013, p. 42)
Partindo deste pressuposto, pode-se afirmar que a localização geográfica foi
fator decisivo na implantação das vilas do Recôncavo pela articulação que elas
propiciavam. Jaguaripe que está situada de um lado pelo Rio da Dona e do outro
pelo rio Jaguaripe e por conta disso sendo muitas vezes carinhosamente chamada
de “mesopotâmia baiana”. Foi estruturada enquanto vila por atender aos interesses
do domínio Português.
Outro aspecto que também demarcaram a instauração do poder e do controle
da Coroa Portuguesa sobre as vilas do Recôncavo está na organização da
paisagem espacial, o cenário presente em Jaguaripe, por exemplo, evidencia tal
aspecto e características de poder, notáveis nos edifícios, que são uma herança da
ocupação colonial. Como exemplos notáveis temos a Igreja Nossa Senhora D´Ajuda,
construída no ponto mais alto da cidade, que apresenta planta típica das igrejas
matrizes desse período. Além da casa de câmara e da cadeia que foi instalada logo
que Jaguaripe foi elevada a categoria de Vila. A antiga casa de câmara e cadeia,
atualmente é sede do poder Executivo respectivamente. Além de serem grandes
atrativos turísticos, pois atestam a exuberância de um tempo de glória.
Figura 03. Território de Jaguaripe.
Fonte: ANDRADE, Adriano. O outro lado da baia, 2013.
21
Na busca de identificar quem ocupava as formações urbanas, pode-se
ressaltar que a população urbana, segundo Andrade era composta por: “Agentes da
coroa, funcionários da câmara e militares; um efetivo significativo que passava por
juízes, oficiais e outros empregados da câmara, além dos que estavam vinculados a
função de defesa através dos terços de ordenança e das milícias”. (ANDRADE,
2013, p.181). Todavia, por meio do levantamento eclesiástico da população da
Bahia em análise do ano de 1724, segundo Stuart Schwartz (1988), na paróquia de
Jaguaripe eram visíveis 720 homens livres, 626 mulheres, 16 criados e 1096
escravos. Assim, é coerente afirmar que a população de Jaguaripe era composta
principalmente por negros e indígenas escravizados.
A influência dos jesuítas transcendia o âmbito religioso, Stuart Schwartz
salienta que “Os jesuítas eram os maiores senhores de engenho entre as ordens
religiosas.” (SCHWARTZ, 1988, p.93) o que demonstra a posse de terra destes e
sua relação intrínseca com a economia. Entretanto, em 1759, chegara ao fim à
ordem jesuítica no Brasil. Este acontecimento norteado pela ação política do
Márquez de Pombal se configurou como evento singular no olhar da comunidade
local e as possíveis especulações sobre a construção de esconderijos subterrâneos
para guardar as riquezas da ordem jesuítica em virtude da eminente expulsão.
A hierarquia imposta à cidade de Jaguaripe enquanto parte de uma rede
urbana organizada no período colonial, favoreceu seu declínio no cenário posterior
em virtude de transformações promovidas pela própria queda do sistema colonial.
Miguel Cerqueira dos Santos (2011) aponta que um dos motivos para explicar tais
mudanças, foi a perda do sistema de navegação de cabotagem em detrimento da
expansão da malha rodoviária. Neste sentido, observemos como o depoente José
Gualberto descreve seu olhar acerca dessas inovações:
Os padres consagrou Jaguaripe, dominando do Rio Paraguaçu ao Rio Jiquiriçar, entre varias cidades que Jaguaripe já governou! E às vezes, eu brinco até dizendo aquele negócio que muitas vezes os pais e as mães criam os filhos e depois de criado bate azas e avoa. O que tá acontecendo com Jaguaripe, porque Jaguaripe governava Aratuípe, Nazaré, Santo Antônio de Jesus, um bocado de lugar por ai! Bateu azas Voaram E deixaram a gente sozinho!9
9 Depoimento do senhor José Gualberto. Já citado.
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O relato do depoente sinaliza o processo de transformação pelo qual passou
a cidade de Jaguaripe, que possuía essencial função no período colonial. Deste
modo, o conhecimento demonstrado no relato acima, nos permite refletir como as
noções de rede urbana estão em constante movimento ao longo do tempo. Diante
desta nova dinâmica, tanto Jaguaripe quanto as outras cidades que representavam
a rede urbana colonial desta região tiveram suas dinâmicas reorganizadas, sofrendo
assim, grandes transformações em virtude da ampliação de uma nova rota de
comunicação e localização que também englobam os novos instrumentos
tecnológicos. A partir da comparação de que Jaguaripe seria a “mãe” de outras
cidades, permite-nos pensar a ideia do nascimento dos novos centros urbanos
impulsionados pela importância político-econômica jaguaripense.
2.2 O MITO ACERCA DOS TÚNEIS SUBTERRÂNEOS
A temática da referida pesquisa, por si só, carrega a dimensão e a importância
do mito entre a população de Jaguaripe. Fazendo alusão ao pensamento do
historiador Ronaldo Vainfas: “E diante do mito a História se rende.” Assim, o mito
possui conotações diversas, sendo visto muitas vezes tão somente como inverdades
e falsas ideias. Contudo, no âmbito acadêmico, o conceito acerca do mito, depara-se
quase de forma específica nas narrativas sobre deuses e heróis.
No presente trabalho, por mito consideremos a definição de Elíade:
O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “principio”. Em outros termos, o mito narra como graças às façanhas dos Entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. (ELÍADE, 2002, p.9)
A forma como as narrações acerca dos túneis são consolidadas pode ser
caracterizada como mitológicas, pois expressam um universo com elementos
metafóricos e secretos. Elementos estes, criados para explicar a construção de
espaços e passagens, que perduram, sobretudo dentro de uma dimensão
fantasiosa, já que não existe nenhuma documentação ou evidências concretas da
23
existência e estrutura desses lugares. Todavia, tais crenças foram incorporadas à
cultura desta comunidade. Sobre isso, o depoente, o senhor José Gualberto, relatou:
Os jesuítas tinham isso como um segredo, como um segredo! Onde eles talvez se dedicassem assim, a se aproximar de túneis pra outro corpo... Eles fazem isso como segredo. Eu não sei explicar diretamente como acontecia isso... Se era sonho... Um negócio assim... E ele não podia jogar diretamente para o povo... Então o povo tinha aquilo como uma coisa mesmo de poder... Eu não sei explicar diretamente, é realmente como aquela história de Itaparica, tinha Filipa e outras e outras... Tinha uma mulher que quando ela chegava na praia e tinha guerra, ai, bala, bala, bala e não atingia ninguém e as balas chegavam nos pés dela e não atingia ninguém! Era um milagre! Então eram essas coisas com o Jaguaripe, talvez os padres fizessem isso, representando quase um milagre!10
O relato do senhor Zé da colônia, traz uma relação significativa no que tange à
incorporação mitológica e às tradições da comunidade, mediando uma legitimidade
que faz do mito e a História, conhecimentos que caminham juntos e não naturezas
antagônicas e separáveis. Por isso, que a partir das narrativas orais, a existência
dos túneis subterrâneos foi se consolidando no imaginário da população através do
processo de ouvir as narrativas e repassar as informações de geração a geração.
Neste tempo não havia preocupação em saber que se tratava de uma verdade
apodítica. Mas em certa medida, favoreceu uma compreensão que se tornou visível,
por conta da ligação intensa, entre as memórias que foram contadas e a própria
história do lugar que permitia essas nuance. Nesse contexto, por meio da dualidade
entre passado e o presente, de forma intrínseca se configura o universo do mito
acerca dos túneis subterrâneos em Jaguaripe, conforme também observado no
seguinte depoimento:
Minha mãe foi contando as histórias de Jaguaripe E passou pra nós... Tinha o padre Getúlio Que quando a gente ia jogar bola, nós ia conversar com ele, Com o padre Getúlio. E ele passava quem era o nosso Jaguaripe. Naquele prédio onde é o fórum tinha uma passagem e que saia na igreja D´Ajuda. Então na hora da missa eles ficavam rezando e depois eles desciam. Tinha até uma parede falsa.11
10Depoimento do senhor José Gualberto. Já citado. 11 Depoimento do senhor Gerson Patrocínio. Já citado.
24
Diante disso, atentando-se para a forma que o depoente deixa transparecer
sua interpretação, é perceptível que ele se reporta às suas lembranças e encontra
nesta, sentido. Demonstrando sobremaneira, que seu conhecimento foi fruto
também dos seus diálogos com um padre. A partir daí, podemos considerar que a
cultura popular possui resquícios visíveis da cultura religiosa, eurocêntrica, letrada,
que os jesuítas representavam. Neste aspecto Chartier (1995) enfatiza que, a
autonomia simbólica da cultura popular possui dependência com a cultura
dominante. Sendo “aculturadas e aculturantes.” (CHARTIER, 1995, p.6)
O que fundamental demonstra a relação entre cultura dominante e cultura
popular é a dinâmica de circularidade cultural. Temática muito bem discutida por
Ginzburg na obra O queijo e os vermes, (2006) que diz respeito à inserção de um
indivíduo anônimo, Menocchio, um moleiro, com o mundo letrado. Todavia, este não
perdeu a sua cultura, acentuando uma teia de imbricações e reapropriações que
permite observar as conexões entre as culturas subalternas e as classes
dominantes. Carlo Ginzburg ao propor o conceito de circularidade cultural, fomenta
discussões teóricas quebrando assim, o conceito que se opõe ao paradigma: cultura
popular x cultura erudita, que desta forma, provoca um olhar mais abrangente nessa
dimensão sócio cultural.
Com vistas a estas análises, podemos dizer que a permanência do mito e suas
dimensões na oralidade são sinais expressivos da cultura local. Le Goff, (1990)
sinaliza que o mito tem um papel enriquecedor no trabalho do historiador e aponta a
necessidade de olhar mais atentamente para as mentalidades históricas, que dizem
muito sobre uma época. Para ele, todas as evocações poéticas, míticas, utópicas,
fazem parte do universo historiográfico. Assim, a obra literária de caráter
memorialístico, Maria Cabocla, permite explorar o campo mitológico que se confere
a tais espaços:
Agora, vem até cá. E o frade pegando a candela seguiu adeante. Atravessaram nova galeria e pararam em frente a um portão. Estamos aqui debaixo da câmara do senado. Adeante deste quartel, (e abriu o portão) está um enorme cano donde vem a agua do rio. Neste portão, apontou para uma arcada, à direita, está a passagem para as galerias, para o caminho, para tudo, menos a sala de reunião que tu viste, porque a agua, tendo coberto tudo isso,parará de encontro a parede cuja altura foi feita para dete-la.Uns golpes vibrados na travessa que se vê na entrada da galeria suspenderão a peça de madeira, de forma que se levantará esse portão aqui, e dará acesso a agua .Fizemos isso para que o fruto do nosso labor e as riquezas da casa de Deus não caiam, um dia, as mãos dos nossos perseguidores. (MELHOR, 1936, p.82)
25
É importante ressaltar que os depoentes que não tiveram contato direto com o
livro em estudo tem uma interpretação comum ao falar das passagens subterrâneas,
o que Michael Pollak (1992) chama de fenômeno de projeção ou de identificação
com determinado passado. Porque por meio de uma memória herdada e não
vivenciada na sua essência se construiu ao longo do tempo uma identificação forte
com as narrativas que foram solidificadas, movidas pelo grau de identificação
marcante com o espaço no qual, estas memorias foram estruturadas e organizadas.
Sabemos ainda, da ficção contida na literatura, porém, existe um elo visível e
presente nas memórias dos sujeitos da comunidade que não se pode afirmar como
foram configuradas, apenas fazemos inferências de como teriam sido repassadas.
Observemos o trecho do livro Maria Cabocla, que aponta elementos simbólicos que
direcionam o acesso aos túneis:
Olha bem a organização destes tijolos e vê se podes ler alguma coisa? Nada, padrinho. E se eu te dissesse: cava o quartel vazio onde estiveste por ultimo, onde cavarias? Aqui, disse ele, caminhando com o padre, e apontando para junto de um banco de pedra, ao canto da sala. Estarias morto. Dahi viria a agua em cataduplas. Agora, vem cá: reúne estas duas fiadas de tijolos largos que se estendem entre os outros de tamanho inferior. O que lerias, se eles estivessem juntos? O mancebo depois de atentar bem no caseado do ladrilho disse: Pax Christi! Perfeitamente. Deves cavar ahi. Há seis caixões com dobrões de ouro, dois com prata, e mais nove barras de ouro, e mais quatro garrafões também de ouro em pó. (MELHOR, 1936, p.83)
A narrativa literária em questão demonstra a existência de uma simbologia de
acesso aos tesouros nos subterrâneos, construídos e pautados em uma releitura do
passado colonial. E chama atenção para o fato da existência de um segredo em
forma de símbolo como um caminho para alcançar as riquezas baseadas nas
possibilidades de inundações pelas passagens que se trancam automaticamente,
logo, estaria para sempre dentro do universo mitológico.
O mito pode ser aqui também entendido em sua dimensão cultural, pois,
consideremos a contribuição de Geertz na sua obra, A interpretação das Culturas
(1926), ao afirmar que o homem é um ser amarrado em teias de significados, que
ele mesmo teceu. Assim, dois conceitos apresentados por Geertz, ethos e visão de
mundo, são fundamentais para entender os símbolos acerca dos túneis
subterrâneos por ilustrar a relação que se estabeleceu harmonicamente entre o
26
comportamento de um povo e sua visão sobre a ordenação das coisas. Dessa
forma, é visível que a religião católica, via as ordens jesuítas, presente no contexto
colonial e fundamentada pelo poder e ideais de monopolização social, mantinham
um controle sobre os indivíduos, por conta do trabalho espiritual desenvolvido por
esses.
Para Geertz uma religião consiste em:
Um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas. (GEERTZ, 1926, p.67)
Contudo, os símbolos podem ser analisados como acontecimentos sociais
que veiculam uma concepção na qual, influencia o comportamento e as ações
concretas dos sujeitos históricos, como é possível verificar no depoimento do senhor
Gerson:
Aquele calçamento da igreja d Ajuda Tem outro por baixo Que o prefeito não quis bulir Pra não abrir um buraco sem fim12.
Para o depoente, por mais que a cidade sofra alterações físicas e modificações
comuns de infraestrutura nas paisagens, as galerias subterrâneas estão no plano do
intocável, do sagrado. Desse modo, é possível observar como o mito está
impregnado na cultura da comunidade. Ainda segundo Geertz (1926), a cultura
possui esse padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em
símbolos que fazem parte de concepções herdadas pelas quais os homens
comunicam, perpetuam e desenvolvem seus conhecimentos e atividades em relação
à vida.
2.3 MARIA CABOCLA: “UM LUGAR DE MEMÓRIA.”
Maria Cabocla é um romance histórico de um escritor local, que conhecia a
região do Recôncavo e os encantos da cidade de Jaguaripe-Ba. A obra foi editada
em 1936, a autoria é de Anísio Melhor, poeta e romancista regional que também
12 Depoimento do senhor Gerson Patrocínio. Já citado.
27
escreveu outras obras literárias e foi definido pelo professor e bacharel em Direito
Lamartine da seguinte forma,
Anísio melhor é considerado até hoje, como o maior intelectual Nazareno, situando-se numa época em que Nazaré viveu um período áureo da literatura, com grandes poetas como Castelar Sampaio, José Bonfim, escritores como Alexandre Bittencourt, Pedro Embiraçu. Escreveu romances destacando Maria Lucia, Maria Cabocla e Maria do Céu, foi poeta, poliglota, tendo inclusive escrito alguns versos em Espanhol e Italiano. Dos romances citados, Maria Cabocla ganhou mais popularidade não só em Nazaré como em outras localidades do Brasil. O romance descreve uma história praieira e fala da paixão de um jesuíta com uma cabocla da região, com a forçada transferência dos jesuítas para Portugal, a obra vai ao ponto máximo, o religioso antes de sua partida faz um relato dos caminhos que levaria aos túneis subterrâneos. O autor revela todo seu poder como escritor ao assinalar a despedida dos jesuítas... O autor não deixa dúvida quanto à existência das passagens secretas13.
Conforme nos descreve o senhor Lamartine, no romance é notável a
visualização de elementos difundidos de geração a geração, como os segredos para
se chegar às galerias e a dimensão que a obra representou, se constituindo como
principal fonte escrita responsável pela propagação do “mito”.
Assim, à Luz de uma historiografia que busca construir evidências e
interpretações, para melhor adentrar os saberes contidos nos objetos e sistemas de
análises memorialísticas, Delgado esclarece que, “entre as diferentes formas de
tradução da multiculturalidade e das memórias individuais e coletivas pelo ser
humano, a literatura talvez se constitua no terreno mais fértil, já que se caracteriza
por forte liberdade criativa.” (DELGADO, 2010, p.64). Neste sentido, percebemos
que tal observação evidencia que a história tem sua metodologia precisa, mas pode
encontrar na literatura reflexões importantes para a produção do conhecimento
histórico. É verdade, porém, que nem sempre foi assim, pois, mudanças como estas
foram possibilitadas pela revolução metodológica protagonizada principalmente pela
Escola dos Annales.
António Celso Ferreira (2012) também chama atenção para a riqueza de
significados presentes nos textos literários, justificando que:
13 Depoimento do senhor Lamartine Augusto de Souza Vieira. Data de nascimento, 22/10/1933. Professor, jornalista, bacharel em direito, historiador, membro fundador da Academia de Letras do Recôncavo. Natural e morador de Nazaré-Ba. Entrevista concedida em 02 de outubro de 2015.
28
Toda ficção está sempre enraizada na sociedade, pois é em determinadas condições de espaço, tempo, cultura e relações sociais que o escritor cria seus mundos de sonhos, utopias ou desejos, explorando ou inventando formas de linguagem. (FERREIRA, 2012, p.67)
.
É exatamente esta realidade que transborda no romance histórico Maria
Cabocla, e por isso, pode ser considerada uma fonte importante, que em certa
medida, sintetiza pluralismos e subjeções de um tempo histórico. Consideremos
ainda neste mesmo limiar, as reflexões de Roger Chartier, que se posiciona frente
às vertentes tradicionais da crítica literária e propõem um olhar mais atento aos
estudos culturais dentro da História. Dessa forma a literatura passa a ser importante
objeto de seus estudos, e visa, por sua vez, a superação do estruturalismo que
“reduzia o sentido dos textos ao funcionamento automático e impessoal da
linguagem.” (CHARTIER, 2002 p.255).
Observando que a forma de transmissão oral do texto literário implica nas mais
variáveis formas de interpretar, Chartier sugere estratégias de reconstituição dessas
transmissões orais.14 Assim, é possível observar no romance histórico Maria
Cabocla, o uso de um português culto, com ortografias em desusos na atualidade,
entretanto, ele foi reproduzido oralmente, com corruptelas e conseguiu alcançar
grande representatividade entre os moradores. Todo texto remete a uma linguagem
estética e fictícia, Chartier afirma que acerca disso não há uma relação unilateral e
sim um dialogo entre a sociedade e as representações artísticas presente no texto
literário, uma fonte que carrega em si as marcas da historicidade.
Podemos ilustrar essa característica, observando o trecho do livro em
discussão:
Meu filho disse ele, aqui estão guardadas algumas economia da Ordem das quais eu sou o depositório. Da Comarca da Bahia, guardamos também alguns haveres que o superior achou melhor sitio nos nossos subterrâneos. Nesta sala fizeram-se três saídas: a que por uma escada escondida atrás daquelle muro se sobe a igreja: a que se torcendo por esse portiço a esquerda, e atravessando estreita galeria vae ter a fonte junto ao edifício do paço do senado e a estrada por onde passamos. Quis mostrar-te tudo isso por um motivo, talvez algum dia venha a ser muito rico... Há dois anos que a companhia de Jesus sente-se abalado e temores com a politica de Sebastião de Carvalho e Mello, cujos ódios acentuados a esta humilde casa de Deus se vão aparecendo em atos de perseguições e de embaraços a cabeça da ordem, na metrópole. E ameaças, se elle não amparar os seus soldados de fé irão talvez ao extermínio desta santa instituição... (MELHOR, 1936, p.81)
14 Ver mais informações sobre estratégias de reconstituição das transformações orais em:
CHARTIER, Roger. Do palco a página 2002, p.13.
29
Assim, podemos associar tais escritos aos mistérios que cercam a comunidade
de Jaguaripe e às especulações acerca dos túneis que teriam sidos construídos em
virtude da iminência de expulsão dos jesuítas em 1759, os quais apresentavam três
principais saídas: Igreja Matriz, Casa de Câmara e Cadeia e Fórum que eram
utilizados como casa dos jesuítas no período colonial.
Dessa forma, ao acompanhar as descrições presentes no livro Maria cabocla,
são notórios os elementos difundidos, como os segredos para se chegar às galerias
e os riscos ao invadir um espaço restrito. “Esta porta tem um importante segredo,
disse ele, o inexperiente que passar ao primeiro jogo das bisagras ficará preso do
lado interior, porque as peças chocar-se-ão na volta, não dando as molas o duplo
encontro.” (MELHOR, 1936. p.78).
A esse respeito, Chartier chama atenção ao questionar o historiador: “Como
podem se reconstruir os sistemas, os esquemas pelos quais diversas comunidades
de espectadores ou de leitores pensam, recebem, organizam e classificam os
textos? (CHARTIER, p.90). No caso do livro Maria Cabocla, pode-se entender que
se trata sobretudo da interpretação que a comunidade fez das experiências culturais
e apropriação dos elementos apresentados subjetivamente. Nesse sentido, Chartier
enfatiza que:
(...) A publicação das obras implica sempre uma pluralidade de atores sociais de lugares e dispositivos, de técnicas e gestos. Tanto a produção de textos quanto a construção de seus significados dependem de momentos diferentes de sua transmissão: a redação ou o texto ditado pelo autor, a transcrição em cópias manuscritas, as decisões editoriais, a composição tipográfica, a correção, a impressão, a representação teatral, as leituras. É nesse sentido que se podem entender as obras como produções coletivas. (CHARTIER, 2002 p.10)
Logo é perceptível a multiplicidade de sujeitos envolvidos na construção da
obra literária, que se utiliza de experiências individuais e coletivas, identificando o
quanto as coletividades pressupõem a organização do autor. No que tange a
expressão literária, pode-se observar no livro Maria Cabocla a representação
histórico-social e, principalmente, a obra como testemunha das experiências
partilhadas na comunidade. Além disso, a seguinte literatura contribui para o passeio
nos “lugares de memória”, expressão defendida pelo historiador francês Pierre Nora.
Este tinha a concepção de que a memória precisa de locais para serem conservadas
para que não se perdessem nas sociedades modernas e contemporâneas. Segundo
30
Nora (1993), é preciso criar arquivos como marcos testemunhais de um passado,
porque os lugares de memória são explicados dentro das percepções do material,
funcional e simbólico.
É material por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante ao mesmo tempo, a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por definição, visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vivida por um pequeno número uma maioria que deles não participou (NORA, 1993.p.22).
Dessa forma, os “lugares de memória” podem “guardar” aquilo que a sociedade
no seu tempo histórico pode vir a desconsiderar ou ignorar, mas, que por sua vez,
são essências para lhe conferir valor identitário. Voltar-se para o registro literário
viabiliza assim, localizar o “imaginário social” da época. De modo que lidar com essa
fonte, por sua vez, traz um diferencial frente às outras fontes ditas oficiais por
evidenciar características que outros documentos não fossem capazes de captar.
A obra literária Maria Cabocla, viabiliza ainda, o acesso às memórias sobre os
túneis subterrâneos, se constituindo como testemunhas de um passado,
favorecendo assim, a construção de um “lugar de memória”, que age como ponte,
para percepções de vivências de outro tempo histórico, que por sua vez, legitima
uma memória coletiva, preservando, sobretudo, características culturais e
identitárias.
31
3 OS TÚNEIS SUBTERRÂNEOS NA MEMÓRIA COLETIVA
A memória, onde cresce a História, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para salvar o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens. (GOFF, 1990, p.477)
A memória conforme Jacques Le Goff (1990) funciona como propriedade de
conservar certas informações ao remeter a um conjunto de funções psíquicas, pelas
quais pode atualizar impressões passadas. Nesse aspecto a fim de compreender
melhor o universo memorialístico acerca dos túneis subterrâneos faz-se necessário
entender a relação da História e memória, afinal, os túneis em estudo existem dentro
dessa dimensão e evocação do passado.
Dentro de uma concepção positivista, História e memória demonstraram
sempre uma relação ambígua, no século XIX, houve a defesa da separação entre
História e memória, “sustentando que esta termina onde começa aquela”.
(VAINFAS/CARDOSO. Apud HARTOG, 1990.p.15).
Em virtude das inovações historiográficas e as transformações interdisplinares
nas ciências é que se transformou a percepção da memória, vista até então de
forma simplista. Segundo Lucília de Almeida Neves (2000) na Grécia antiga a
memória era considerada prioritária ao conferir imortalidade ao ser humano,
integrada ao tempo através da História, fazendo do passado, o suporte do presente,
tendo a função de evitar o esquecimento. Portanto, vale ressaltar que as memórias,
enquanto objeto historiográfico funciona com um caráter problematizador, ao mesmo
tempo em que torna perceptíveis as lembranças de determinado tempo, também
viabilizam questionamentos sobre os interesses que circundaram as construções
dessas memórias. É Pierre Nora que sinaliza: “A necessidade de memória é uma
necessidade da História”. (NORA, 1993, p.14).
Ancorando-nos, nesse sentido maior conferido a memória, acreditamos que o
uso das entrevistas ou relatos nesse estudo, acentua essa aproximação entre a
História e memórias, considerando que os relatos orais se constituem como registro
da memória que ao ser interpretado tornaram-se históricos.
Ainda no que tange tais reflexões, Lucília Delgado (2010) afirma que a História
oral é um procedimento que traz ensinamentos sobre uma época e a reconstituição
32
dessa dinâmica, pelo processo de recordação, inclui ênfases, lapsos, esquecimento,
que ajuda na reconstituição do que passou, segundo o olhar de cada depoente.
A história oral que surge via as inovações historiográficas do século XX, tem
um caráter fundamental ao utilizar as memórias como objeto e fontes de análises
que permite compreender os mitos, tradições e cultura de uma comunidade. Apesar
das críticas direcionadas as fontes orais, Alessandro Portelli (1997) esclarece que
essas são aceitáveis, uma vez que passe pela credibilidade factual com todos os
critérios estabelecidos de criticismo e verificação de rigor científico presente em
qualquer outro tipo de fonte.
O que a História oral propõe a luz das inovações no campo da História é o
acolhimento ao sujeito histórico, muitas vezes excluído, pela própria dinâmica da
pesquisa científica, que valorizava apenas os grandes feitos políticos e diplomáticos.
Assim, segundo Portelli, “fontes orais contam nos não apenas o que o povo fez, mas
o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o que agora pensa que fez”.
(PORTELLI, 1997, p.31) Essa subjetividade é significante por permitir o estudo de
estruturas que também inspiram o saber histórico.
Segundo Neves, “A História oral possibilita o afloramento de múltiplas versões
da História e potencializa o registro de diferentes testemunhas sobre o passado,
contribuindo para a construção da consciência histórica individual e coletiva.”
(NEVES, 2000, p.115). E é esse aspecto que viabiliza a multiplicidade das versões
históricas que é imprescindível neste estudo, por dinamizar as experiências dos
sujeitos e suas vozes, o que permite analisar as diferentes versões acerca da
História e os significados construídos por meio desses. São através dos relatos de
memória que podemos perceber as representações acerca dos túneis subterrâneos,
como elucida dona Joselice Carvalho, através das suas lembranças.
Quando eu era criança já ouvia falar dos túneis... Eu chamava Manoel Antônio que era cuidador da igreja, um homem muito culto e eu conversava com ele e ele achava engraçado minha curiosidade. Eu sempre o chamava: -Vamos descobrir os caminhos dos subterrâneos? -E nós íamos, andava, procurava, batia as coisas por lá... Mas nunca encontramos nada15.
15 Joselice Carvalho. Data de nascimento: 13/01/1923 Professora aposentada estudou ciências sociais (geografia e História) natural de Jaguaripe-Ba. Entrevista concedida em 09 de agosto de 2015.
33
Neste depoimento é possível observar que as motivações da depoente em
querer descobrir os caminhos dos subterrâneos é fruto do que ela ouvia sempre,
nesse aspecto Pollak (1992) define como elementos constitutivos da memória, o que
ele chama de vividos por tabela. Acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre
participou diretamente, mas que no imaginário ganhou uma dimensão que se
relaciona com os acontecimentos vividos na sua essência e que assim tende a
experimentá-los.
Michael Pollak (1992) sinaliza que as são memórias concebidas num
dinamismo, que ele mesmo interpreta como transferências por herança. Este
aspecto também pode ser visualizado no relato do senhor Gerson, quando o mesmo
explica para que foram construído os subterrâneos.
Eu me lembrei (agora que mim lembrei) Era tipo um esconderijo... Mudei a palavra! Aquilo ali era um esconderijo. O que esconderijo? É tipo de roubo! Hoje é um contrabando... Sei lá, chama tudo. Porque o Brasil era colônia... Então os portugueses colhia todo ouro nosso e levava para Portugal e se apropriava de um recanto desses, Jaguaripe!16
A partir do relato supra, é possível observar suas interpretações e percepções
adquiridas ao longo da vida sobre determinados assuntos, ou seja, para ele, os
portugueses exploraram as riquezas brasileiras e se apropriou do espaço de
Jaguaripe.
Nesse interim, consideramos pertinente falarmos de memória coletiva, afinal,
como esclarece Fernando Catroga (2001) a memória individual é formada pela
coexistência tensional de varias memórias pessoais, familiares, grupais, regionais,
nacionais, o que evidencia que ainda que guardada por um indivíduo esta memória
se formou pelas vivências dentro de um campo social.
Foi Maurice Halbwachs, por meio da obra, A Memória Coletiva (1950) que
contribuiu para o despertar da comunidade dos historiadores no que tange aos
estudos desta natureza. Halbwachs traça reflexões nas quais, problematizam como
a individualidade é fruto dos sentimentos e emoções inspirados pela convivência em
grupo. Afirma ainda que “não percebemos que somos apenas um eco”.
(HALBWACHS, 2003, p.64), é esse pensamento que motiva desdobramentos para a
16 Depoimento do senhor Gerson Patrocínio. Já citado.
34
percepção de que as recordações não existem em um universo isolado, mas é parte
de um processo social, portanto coletivo.
Segundo Halbwachs (2003), a memória coletiva tira sua força e sua duração
por ter como base o conjunto de pessoas que se lembram enquanto integrantes de
um grupo. Isso explica a forma sólida como se profere o discurso acerca dos túneis,
pelo fato de sintetizar uma construção vivida em comunidade. Assim, tais fontes
orais construídas por meio dos relatos de memória assegurou ao historiador
vislumbrar a memória coletiva como importante via de pesquisa, e carregam em si
uma esfera de poder, essencial na compreensão das relações sociais, como nos
assegura Le Goff:
Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da História são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva. (GOFF, 1990, p.426)
Desse modo, a memória coletiva precisa ser revisionada, porque aquilo que é
lembrado ou esquecido por determinado grupo, em qualquer que seja o lugar, não
permaneceu “vivo” nas lembranças por simples acaso. Atento para tais provocações,
observemos o relato do senhor Jayme Queiros.
Segundo as histórias, esses túneis foram construídos pelos jesuítas, então era refugio das ordens maiores... Eles se refugiavam nesses túneis... Contam de boca em boca... Iam contando que tinha muito ouro e largaram tudo ai, que os navios na época vinham buscar os jesuítas presos17.
É possível identificar que a representação que o depoente nutre, acerca dos
túneis, se desenvolve pela expressiva noção, de que os jesuítas se caracterizavam,
enquanto, “ordens maiores”. Essa interpretação demonstra as relações de poder
movidas pela hierarquia religiosa dominante desde o período colonial. Este exercício
de problematização por meio da utilização da memória como forma de inserir
reflexões de cunho historiográfico, ainda há fortes críticas por parte de demandas
mais conservacionistas. Todavia, Pollak esclarece:
17 Jayme Pereira de Queiros. Data de Nascimento: 23/10/1942. Aposentado. Morador de Salvador e
natural de Jaguaripe. Entrevista concedida em 06 de setembro de 2015.
35
Se a memória é socialmente construída, é obvio que toda documentação também o é. Para mim não há diferença fundamental entre fonte escrita e fonte oral. A crítica da fonte, tal como todo historiador aprende fazer, deve, a meu ver, ser aplicada a fontes de tudo quanto é tipo... Nem a fonte escrita pode ser tomada tal qual ela se apresenta. (POLLAK, 1992, p.207)
Sob este prisma, consideramos que a História oral não descaracteriza de forma
alguma, o caráter científico da pesquisa, mas, pode designar um novo instrumento
para dar “alteridade” à multiplicidade de histórias que dentro de um rigor positivista
seria sempre esquecida. Como exemplo, temos o próprio contar das narrativas
acerca dos túneis subterrâneos, que são e foram viabilizadas pelos idosos, que
trazem de certa maneira, continuidades e uma serie de informações que faz
referência ao processo de transmissão.
Essas histórias dos mais antigos... Os mais velhos, meus tios, meus avós... Sempre no colégio me relatava essas histórias. 18. Quem falava era minha avó, meu avó, através dos compadres dele e também através de um padre que era parente nosso e contava as histórias...19 Eu ouvia falar que aqui descendo a igreja tinha um túnel e saia lá na prefeitura... Eu acredito porque foi os mais velhos que falava isso!20
Dessa forma, podemos entender a importância das narrativas e dos discursos
dos mais velhos, como guardiões da memória, que se incumbiram de transmitir às
novas gerações. E se assim o fizeram, foi porque era importante para a comunidade,
as histórias destes sujeitos, não podem ser esquecidas, como se não fosse parte de
um tempo histórico, pois envolvem experiências de vida, sonhos, papéis sociais.
As histórias sobre os túneis têm desde a minha infância Mim falaram que esses túneis foram feitos pelos padres, os padres, estes que idealizaram, porque era uma maneira deles de esconder dos ataques dos índios e de entrar e sair da igreja sem ser observado21.
18 Depoimento do senhor Jayme Queiros. Já citado. 19 Cícero Azevedo de Carvalho. Data de nascimento: 07/02/1940. Representante comercial. Natural e morador de Jaguaripe. Entrevista concedida em 19 de outubro de 2015.
20 Benedito Francisco da Silva. Data de Nascimento: 25/05/1931. Aposentado. Natural e morador de Jaguaripe. Entrevista concedida em 22 de setembro de 2015. 21 Depoimento do senhor Cícero Azevedo, Já citado.
36
Já o relato do senhor Cícero Azevedo, possui uma versão até então não
apresentada por nenhum depoente, ao sinalizar os túneis subterrâneos como forma
de proteção dos ataques indígenas, mas, igualmente aos demais depoentes também
sinaliza os Jesuítas como idealizadores dos túneis. Contudo, a ideia central
predominante nos depoimentos é de que existem túneis subterrâneos, que possuem
saídas estratégicas, o que permite a interpretação de que os jesuítas tinham
soberania sobre o determinado espaço.
3.1 “QUEM FOI A GENTE! QUEM É A GENTE! O QUE VAI SER A GENTE?”
TÚNEIS SUBTERRÂNEOS E IDENTIDADE
“As identidades são representações coletivas contextualizadas a povos, comunidades, pessoas, já que a comunidade não é genérica nem caracterizada por universalismo abstrato. Ao contrário, encarna-se em expressões e formas originais e específicas”. (DELGADO, 2002, p.61)
Jacques Le Goff (1990), ao abordar sobre a memória medieval no Ocidente,
evidencia como a difusão do cristianismo como religião e ideologia dominante se
estabelece na memória coletiva. Desenvolvidas por meio de uma memória dos
mortos e principalmente dos santos, para ele, foram às ações divinas do passado
que ajudaram na formação da fé e o ato de lembrar teve uma importância essencial
na configuração identitária.
Le Goff ressalta o papel do antigo testamento, principalmente o livro do
Deuteronômio, que motiva a obrigação de recordar a memória constituinte: “Não
esqueças então Yahveh. Teu Deus que te fez sair do Egito, da casa da servidão”,
“Lembra-te de Yahveh Teu Deus: foi ele que te deu esta força.” (GOFF, 1990,
p.443). Ainda outras passagens exaltam a necessidade de lembrar, chamando
atenção para o novo testamento no evento da ultima ceia, onde se funda a redenção
a partir do momento que se faz memória o ato simbólico da ultima ceia. “Pegando no
pão, ele prestou graças, partiu-o e deu-o dizendo: Este é meu corpo que vos é dado,
fazei isto em minha memória”.
É possível perceber o papel da memória caracterizada como importante
instrumento de preservação de acontecimentos, dentro de um universo místico ou
simbólico, que por sua vez, estão estreitamente ligados à formação da identidade de
um povo. Na passagem supracitada, tratou-se de um acontecimento religioso que
37
conseguiu reunir um povo, a partir de uma crença, os concedendo a unidade de
pensamento. É esta unidade que se consolida na partilha de uma memória em
comum. Assim, podemos dizer que a identidade histórico-cultural de Jaguaripe
enquanto comunidade é evidenciada por meio das memórias de seus moradores,
estruturada pelo passado que estes rememoram. Nesse sentido, temos os tuneis
subterrâneos que representam para estes sujeitos, a forte herança da colonização e
que converge para indicar a singularidade do lugar. Como adverte Le Goff, “A
memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual
ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das
sociedades de hoje.” (GOFF, 1990, p.476).
Neste ínterim, as memórias despontam como ponto de partida para pensarmos
nos vínculos imprimidos pelos moradores à região, à cidade de Jaguaripe e aos
valores afetivos que contribuem para a concepção de pertença identitária.
Sou filho daqui Eu sair um pouco, voltei! E voltei pra minha terra Onde eu tenho direito de viver E foi aqui que consegui fazer minha família! Convivendo com minhas raízes! E hoje sou um chefe de família! Sou pai de treze filhos, trinta e tantos netos e já tenho dez bisnetos! E tenho orgulho... De ser gente!22
Voltar para a terra natal representou para o depoente, o reencontro com suas
raízes. A alegria do reencontro contribui para que o mesmo se sinta “gente”. São
estas questões identitárias, que de acordo com Delgado (2010), visa a consolidação
da consciência de pertencimento com o lugar. Sob essa perspectiva, Júlio Pimentel
Pinto (1998) esclarece que a conexão entre o passado e uma memória coletiva,
reitera uma identidade que é nutrida pelo exercício da lembrança, a qual ilustra um
vínculo do homem com seu meio social. Diante disso, percebemos que a disposição
das pessoas a um dado espaço é consequência das construções memorialísticas
que o grupo preserva e uma profunda interação afetiva, havendo manifestações de
sentimentos que perpassam interpretações, construções e reconstruções do lugar.
22 Depoimento do senhor Gerson Patrocínio. Já citado.
38
Neves (2000) destaca muito bem tais questões ao inferir que a contribuição da
identidade dos sujeitos envolve um mergulho profundo nas suas histórias e a
memória se constrói como fundamento da identidade.
É a busca de construção e reconhecimento da identidade que motiva os homens a debruçarem-se sobre o passado em busca dos marcos temporais espaciais que se constituem nas referências reais das lembranças. Na verdade, para recordar e para se analisarem os processos históricos, é necessário ativar-se a construção de signos que se constituem como elementos peculiares do reavivamento mental do passado. (NEVES, 2000, p.112)
Por essa razão, as memórias acerca dos túneis subterrâneos transitam e
habitam nessa construção de uma identidade social, visto que existe uma inter-
relação entre passado e presente que aflora visões coletivas e solidificadas. Dessa
forma, as narrações dos depoentes acerca de sua visão do espaço consideram as
significações conferidas por meio das crenças aos túneis subterrâneos.
Em uma bela ocasião, quando foram construir essa praça, porque tudo era areia na minha época de menino A gente jogava bola ali E criou um buraco enorme E ficou todo mundo com medo Naquela época a areia vinha de barco E foi diversos barcos de areia para tapar o buraco! Todo mundo ficava sirmado! Foi o túnel que arriou! E ficou todo mundo com medo! Era a prefeitura que ia cair! Eram as visagens, as almas dos jesuítas! Tinha essas histórias quando eu era menino, pode perguntar aos mais velhos! Ali se criou uma cratera danada! Devido ao tempo, arriou os túneis. Foi um salseiro em Jaguaripe!23
A partir do depoimento acima podemos observar que as referentes lembranças,
expressam sensações cruciais ao falar sobre o processo de transformação do
espaço, que segundo ele, foi partilhado pela comunidade e refletia os medos de
quem viviam sobre uma base comum. As experiências foram vividas dentro de uma
dimensão coletiva, a esse respeito. Neves (2000) assevera que a identidade, além
de seus aspectos estritamente individuais, apresenta uma dimensão coletiva, que se
23 Depoimento do senhor Jayme Queiros. Já citado.
39
refere à integração do homem como sujeito do processo de construção da História
ao envolver o compartilhamento de experiências.
Pollak (1989) esclarece o quanto as interpretações do passado se integram nas
tentativas mais ou menos conscientes, de definir e de reforçar sentimentos de
pertencimento, para ele a “referência do passado serve para manter a coesão dos
grupos e das instituições que compõem uma sociedade”. (POLLAK, 1989, p.9). É
por isso, que vale observar o depoimento do senhor Gerson, quando diz:
Ah! Se passou! Não! Você tem que lê o passado, o presente e o futuro! Quem foi a gente! Quem é a gente! O que vai ser gente?24
O senhor Gerson, conseguiu ilustrar claramente o reconhecimento do passado
como organizador de uma identidade. Nesse contexto, seu Gerson partilha junto
com outros moradores da cidade de Jaguaripe, memórias, na quais, apresentam um
fio condutor que sugere uma forte identificação dos moradores.
Assim, o olhar sobre a cidade, evidencia aspectos identitários que também
podem ser notados a partir do conhecimento sobre um possível passado colonial do
lugar e as implicações da formação étnica na História do país.
“Meus avós, dizem que era senhor de engenho, que tinha escravos naquela época, escravo não! escravizados! Porque ninguém nasceu escravo! Eram escravizados! Porque você vê que Jaguaripe eram um reduto de escravos, muito pouca gente branca, aqui todo mundo é negro, eu não sei se sou oriundos desses, porque sou descendente de portugueses, meus avós eram portugueses, minha mãe cearense, meu avó parte de mãe era índio, então vem a mistura da Bahia em si, pode reparar que Jaguaripe é um reduto de negros, remanescentes da escravatura25.
Minha vó foi pegada a dente de cachorro ali na Taenga...uma mata. Parte de mãe e de pai do mesmo jeito. Meu avô também foi pego a dente de cachorro... São histórias de minha mãe e que passou pra nós26.
O senhor Jaime Queiros descreve que Jaguaripe era um reduto de escravos,
mas ressalta sua descendência enquanto Português, o senhor Gerson expressa sua
origem indígena. A partir dos relatos de ambos, é visível a ação discursiva que
24 Depoimento do senhor Gerson Patrocínio. Já citado. 25 Depoimento do senhor Jayme Queiros. Já citado. 26 Depoimento do senhor Gerson Patrocínio. Já citado.
40
abrange as marcas simbólicas que envolvem a “raça”. No século XIX, definir a
identidade nacional do Brasil era uma questão central. Stuart Hall, um dos principais
autores a discutir o conceito de identidade dentro dos estudos culturais, enfatiza que
as culturas nacionais em que nascemos se constituem como uma das principais
fontes de identidade cultural, compostas de símbolos e representações dentro de
uma dimensão de unificação.
Assim, “uma cultura nacional é um discurso, um modo de construir sentidos
que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós
mesmos”. (HALL, 2002, p.50). Na História do Brasil, é preciso ressaltar, que houve
uma tentativa de se moldar o país a partir da Europa e anular a presença dos
negros, que muito contribuíram para a identidade nacional.
Esta situação é dada a entender por meio do próprio Stuart Hall (2002) quando
sinaliza que a “cultura nacional” construída, não existe em si em uma lealdade, mas
é estruturada frente a um sistema de poder. Desta forma, propõem pensar tais
culturas nacionais, enquanto dispositivos discursivos, pensadas com interesses e
particularidades de poder. Neste contexto, podemos assim dizer, que os relatos dos
depoentes refletem esta ideologia, resquícios de um projeto nacional brasileiro
acerca de uma identidade, que menospreza a cultura afrodescendente. O que
permite também compreender como os indivíduos podem ser formatados dentro de
uma intencionalidade do estado.
A reapropriação do passado, por meio das memórias no âmbito local é
interessante, porque mesmo percebendo sinais de representações dadas via a
operacionalidade nacional, traduz versões que se formaram graças à interpretação
popular, aflorando o sacro, o mito.
Assim como Michael Pollak, Júlio Pimentel Pinto (1998) argumenta que tais
memórias coletivas ou História pública, quando nutrida pelo exercício da lembrança
e ligação à temporalidades passadas e episódios mesmo não sendo vividas
efetivamente foram captados pelos sujeitos, ilustram um vínculo comum entre a
comunidade. A própria interpretação dada à cidade, verificada por meio dos relatos,
ajudam a demonstrar as relações de sentimentos e afetos que perduram no olhar
dos sujeitos com o lugar. Como descreve seu José Gualberto.
41
Deus quando fazia céu, terra, mar e tudo que nele há, o término foi o nosso Jaguaripe. Ele então exausto. Ele chegou e fez o seguinte, ergueu as mãos, abençoou, santificou dizendo: Fica-te Jaguaripe; Benzida, Abençoada, Santificada e abastecida, Pelo não sofrimento dos humildes27.
Desta maneira, o modo como os acontecimentos são imaginados e fortalecidos
via memória, acionam preponderantemente a construção identitária de Jaguaripe. A
partir de tais reflexões, que é uma das interpretações possíveis neste estudo, serve
de reforço à ideia de que as crenças dos túneis subterrâneos e a forma que estão
representados nas memórias dos mais velhos se configuram como elemento
expressivo na construção cultural do povo.
3.2 OS TÚNEIS SUBTERRÂNEOS-PATRIMÔNIO IMATERIAL
Em 1936 foi construído um dos mais sólidos discursos acerca da existência de
túneis subterrâneos, a publicação do livro Maria Cabocla do memorialista Anísio
Melhor. Um romance histórico que permite observar representações sobre os túneis
subterrâneos. Como também o contexto em torno deste evento, a relação dos
jesuítas com a região e a despedida dos mesmos; os segredos e passagens para
alcançar as galerias e, sobretudo, a crença da existência de ouro escondido nas
galerias.
Nas notas explicativas, o autor descreve que em 1916 o secretario da câmara,
Antônio Damásio, ao qual ele chama de moço investigador e inteligente, entrou pela
galeria que compete aos subterrâneos, recuando devido o esboroamento das
paredes. O relato de Anísio Melhor demonstra o imaginário acerca dos túneis a priori
da edição do seu livro. Este mesmo discurso demonstrava a soberania e opulência
jesuítica que levou um sujeito comum da comunidade, um pescador, a infiltrar nos
túneis subterrâneos por volta dos anos de 1950 e procurar pelos túneis conforme
nos narra o depoente Jayme Queiros.
27 Depoimento do senhor José Gualberto. Já citado.
42
Eu era menino, tinha um senhor chamado Silvia que tentou entrar ali pela bica, ai ascendia vela, naquela época não tinha luz elétrica em Jaguaripe, era candeeiro. E quando chegava no meio a vela apagava, porque não tinha oxigênio e ninguém sabia disso...Ai ficaram com medo e nunca mais entraram, tinham medo dos mortos, de vim apagar as velas para que não bisbilhotassem os túneis.28
Tal discurso motivou o senhor Benildo Santos Paulo da Silvia, décadas depois,
a se infiltrar num espaço que ele acredita ser passagens para o subterrâneo,
impressionado pelas histórias contadas pelo pai desde criança e também pela leitura
do livro Maria Cabocla.29
Em 24 de abril de 2005 foi publicado no jornal correio da Bahia a reportagem
com a temática: Cidade Encoberta: Histórias mal contadas de subterrâneos que
permeiam o imaginário popular de Jaguaripe, o jornal narrava que estas histórias
faziam parte das conversas dos velhos e que persistiam na memória dos
moradores.30 A reportagem aborda ainda, a experiência vivida por Benildo Santos e
evidencia que em 1999 a 2000, estudantes da faculdade de arqueologia da UFBA,
num projeto de mapeamento de sítios arqueológicos do litoral sul e Recôncavo
Baiano, experimentaram o convencimento popular acerca dos túneis subterrâneos.
“Eu entrava no buraco e um senhor mim descrevia com exatidão as dimensões da
galeria, incluindo metragens e objetos, mas lá dentro não havia nada disso”. 31
Assim, é possível perceber como as histórias foram inventadas e adaptadas
pela comunidade, tornando-se um discurso socialmente aceito e partilhado.
Atentando para isso, podemos dizer, conforme nos indica Le Goff, que “A memória
coletiva valoriza-se e institui-se em patrimônio cultural”. (GOFF, 1990, p.542).
Segundo José Reginaldo Santos Gonçalves (2009) a palavra patrimônio é
utilizada com frequência no cotidiano e faz referência a diversos tipos de patrimônio,
imobiliários, econômicos, culturais, artísticos. Todavia, Gonçalves, traz um sentido
mais analítico ao fazer um revisionismo sobre o conceito de patrimônio. Para ele:
“Estamos diante de uma categoria de pensamento extremamente importante para a
vida social e mental de qualquer coletividade humana”. (GONCALVES, 2003, p.26). 28 Depoimento de seu Jayme Queiros, já citado. 29 Benildo Santos da Silva entrou em um espaço que ele acreditava ser uma das passagens subterrâneas em 1985. 30 Publicação no jornal correio da Bahia. 24/04/2005. p.7.Não foi possível a visualização do autor da matéria para melhor esclarecimento da fonte. 31 Depoimento do arqueólogo Carlos Costa, em 25/04/2005 ao jornal correio da Bahia.
43
Desta forma ao definir patrimônio como uma categoria de pensamento, outras
noções movidas por uma concepção tradicional que priorizava tão somente escolhas
oficiais e manifestações aceitas por uma elite intelectual também passam a ser
questionadas, abrindo assim, a possibilidade de valorização do que se chamou
patrimônio imaterial.
Para Marcia Sant´Ánna (2009) a preservação da memória de fatos e pessoas é
uma prática que diz respeito a todas as sociedades humanas alertando que é a
função memorial que carrega o sentido original do monumento. Atento também a
tais questões, Le Goff apresenta a seguinte definição:
A palavra latina monuentum remete para a raiz indo-europeia mem, que exprime uma das funções essências do espirito(mens), a memória(memine). O verbo monere significa fazer ‘recordar’, de onde ‘avisar’, ‘iluminar’, ‘instruir’. O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação. (GOFF, 1990, p.535)
No que tange tal interpretação, a memória coletiva atua como monumento, por
expressar através da recordação, vivências e significados de um tempo que passou.
Sabemos, por sua vez, que o espaço da cidade, lugar onde se construiu e se
constrói as memórias não é imutável, sofre mudanças e transformações, mas na
memória tudo é cristalizado. Acreditamos que, no espaço da memória, estes
acontecimentos sejam ressignificados toda vez que são acessados.
Ali na Bica tinha uma água que chamava água da bica... Tinha uma poça que a gente entrava e quando colocava a cabeça... Sentia aquela quentura. E tinha assim feito uns arcos, um jeito de túnel de tijolos... Com esse negócio de fonte de bica... Mexeram ali.32
O calçamento era de tijolinhos Que se configuravam em túneis Era nessa rua aqui, nessa igreja, na ladeira da outra igreja33 Você não alcançou um calçamento que era parecendo de abóboda Ali na ladeira da Matriz Parecia mesmo em forma de túneis...34
Através dos relatos, é possível observar o quanto as imagens e o perfil da
cidade possuem um significado. Para os depoentes, a forma de tijolinhos que
32 Maria José Santana Teixeira. Data de nascimento: 28/08/1927. Funcionária publica aposentada e cuidadora da Igreja Matriz. Moradora e natural de Jaguaripe. Entrevista concedida em 2 de setembro de 2015. 33 Depoimento do senhor Jayme Queiros. Já citado. 34 Depoimento da senhora Maria José. Já citada.
44
estruturava alguns pontos da cidade, demonstravam sinais dos subterrâneos. As
interferências sofridas a partir do processo de urbanização e as novas
configurações, não apagaram das memórias destes idosos nem suas percepções e
crenças.
Os jovens e adolescentes que nasceram num curto período de tempo na
cidade de Jaguaripe, nos anos de 1990, por exemplo, experimentaram outro
contexto sócio-histórico-cultural que são resultado das diversas inovações e das
mudanças físicas estruturais, transformações no campo das mentalidades, também
se evidenciam, por esse motivo se faz necessário à preservação dos valores de
ontem, a valorização das memórias acerca dos túneis enquanto patrimônio.
No Brasil, segundo Marcia Sant´Ánna (2009) a ideia de que o patrimônio não
se compõem apenas de edifícios e obras de arte erudita, mas também, da alma
popular remonta os anos de 1930, período em que segundo ela, também introduziu
na constituição federal o conceito mais amplo de patrimônio que inclui “Os bens de
natureza material e imaterial, portadores de referência a identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. (SANT´ANNA,
2009, p.55).
Cecília Londres Fonseca (2009) também compreende o patrimônio histórico
pelas diversidades culturais e não simplesmente pela evocação de monumentos
antigos. Em Jaguaripe, os monumentos arquitetônicos, são testemunhas materiais
de um passado colonial. Entretanto, é imprescindível ressaltar que, as crenças, os
mitos, estão dentro de uma dimensão do intangível e tem um valor simbólico que os
legitima enquanto patrimônio cultural, porque à sua maneira, também fornece sua
comunicação. Por isso, as narrativas sobre os túneis subterrâneos foram
socialmente aceitas e partilhadas pela comunidade. E ainda persistem bem definidas
no campo das memórias, como demonstra o senhor Gerson:
Ali no jardim, em frente à prefeitura, um lugar tapado... Ali é à entrada de um túnel, onde tem um arco assim (gesticula com as mãos). Quem sabe abrindo aquele arco pode encontrar alguma coisa, Alguma coisa de bem! Quem sabe tem algum depósito de riquezas! Tem que ter curiosidade! O governo é que tinha de fazer... Era com o governo. Se eu fosse fazer... Ia ser preso, um negócio daquele! É que as pessoas não procuraram.35.
35 Depoimento do senhor Gerson Patrocínio. Já citado.
45
O depoente Cícero Azevedo enfatiza ainda, a necessidade de explorar os
túneis, considerando por sua vez, a necessidade de preservação.
Esses túneis chamam atenção, chamam atenção mesmo! E eu acho que tem de ser explorado, Explorado assim, de uma maneira que seja conservado, eu acredito que existe alguma coisa ai da História, mas tem que ser preservado!36
Há neste relato a preocupação de preservar os túneis, do ponto de vista do que
for encontrado de material. Segundo Marcia Sant`Anna (2009) a noção entendida
pelo depoente, permeou o mundo ocidental durante muito tempo, onde o patrimônio
estava associado unicamente a coisas corpóreas. Todavia, como já ressaltado, uma
nova roupagem engloba as percepções de patrimônio na atualidade, a qual,
caracteriza as memórias coletivas como monumentos vivos da História.
36 Depoimento do senhor Cícero Azevedo. Já citado.
46
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A observação das memórias, acerca dos túneis e as diversas formas que eles
foram interpretados podem nos fornecer informações valiosas sobre as percepções
culturais da comunidade. Aspectos que tornam a análise desta interpretação
importante pela exploração de conceitos como: memória, identidade, patrimônio.
Conceitos estes, que estão imbricados dentro das relações simbólicas e
representativas que contribuíram para o fortalecimento identitário dos indivíduos com
a região.
Ao se considerar que o discurso constrói uma realidade representativa e
implica em direcionamentos estruturados no âmbito de poder e dominação, reforça a
importância do presente estudo tanto ao abordar a questão identitária, quanto à
manifestação do que se tratava o patrimônio cultural.
Aventa-se a hipótese de que a comunidade de Jaguaripe, construída com base
nos ideais portugueses, que envolveu não apenas a exploração do território, mas a
intervenção da colonização religiosa católica, seja herdeira de uma mentalidade que
tende a valorizar “mistérios e segredos” contribuintes para a edificação de
identidades culturais individuais e coletivas.
Sendo assim, consideramos o papel essencial da memória neste trabalho,
enquanto transmissora de saberes histórico-cultural. Assim, a forma como a
comunidade concede as crenças referentes à existência dos túneis, permite-nos
entender que o processo de interpretação e (res) significação do passado, atuam
mutuamente.
Ao lidarmos com a fonte memorialística, Maria Cabocla e as fontes orais, foi
possível entender um campo amplo de subjetividades. Porém, profundamente rico
em historicidade. Afinal, “Se deve escrutar as fábulas, os mitos, os sonhos da
imaginação... porque onde o homem passou, onde deixou qualquer marca da sua
vida... ai está a História”. (ed.1901, p.245 apud GOFF, 1990, p.539).
Finalmente, notamos que o patrimônio entendido enquanto categoria de
análise, emerge à inserção das memórias coletivas sobre a existência dos túneis.
Primeiramente pela instância na composição de pertenças identitárias dos sujeitos
com a região. Composição esta, que transcendem as representações estáticas com
47
vistas à características meramente geográficas do lugar. E segundo, pelo
reconhecimento de que o patrimônio histórico-cultural vai além da “pedra e cal”.
Diante dos aspectos analisados, no que tange à temática supra, torna-se
evidente a necessidade de reconhecimento da História de Jaguaripe não apenas no
âmbito oficial e didático, mas, sobretudo, no universo místico que são preservados e
perpetuados pelo seu povo. Portanto a historia de Jaguaripe vai além do vislumbrar
os monumentos arquitetônicos que se impõe com suas características seculares.
Mas também, está impregnada nos monumentos vivos, que sobrevivem ao tempo
por meio de memórias individuais e coletivas movidas pela crença de seus
antepassados e fortalecidas pelos mistérios que encantam os curiosos que as
ouvem e os sábios que as narram.
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LISTA DE FONTES
FONTES ORAIS:
Depoimento do senhor Gerson patrocínio dos Santos. Data de Nascimento:
14/02/1935. Agricultor aposentado, natural e morador da cidade de Jaguaripe-Ba.
Depoimento do senhor José Gualberto Xavier dos Santos. Data de nascimento:
11/07 / 1936. Funcionário público aposentado. Morador e natural da cidade de
Jaguaripe-Ba.
Depoimento do senhor Lamartine Augusto de Souza Vieira. Data de nascimento,
22/10/1933. Professor, jornalista, bacharel em direito, historiador, membro fundador
da Academia de Letras do Recôncavo. Natural e morador de Nazaré-Ba.
Depoimento da senhora Joselice Carvalho, Data de nascimento: 13/01/1923
Professora aposentada estudou ciências sociais (geografia e História) natural de
Jaguaripe-Ba.
Depoimento do senhor Jayme Pereira de Queiros. Data de Nascimento: 23/10; 1942.
Aposentado. Morador de Salvador e natural de Jaguaripe-Ba.
Depoimento do senhor Cícero Azevedo de Carvalho. Data de nascimento:
07/02/1940. Representante comercial. Natural e morador de Jaguaripe-Ba.
Depoimento do senhor Benedito Francisco da Silva. Data de Nascimento:
25/05/1931. Aposentado. Natural e morador de Jaguaripe-Ba.
Depoimento da senhora Maria José Santana Teixeira. Data de nascimento:
28/08/1927. Funcionária pública aposentada e cuidadora da Igreja Matriz. Moradora
e natural de Jaguaripe-Ba.
Literatura memorialística: MELHOR, Anísio. Maria Cabocla. Fac-similar,
Fundação Cultural do estado da Bahia, tipografia do Asilo de meninos desvalidos,
1.Edição,1936.
49
Jornal: correio da Bahia. Matéria: Cidade encoberta. Histórias mal contadas de
subterrâneos permeiam o imaginário popular em Jaguaripe. Publicado em
24/04/2005. p.7.
50
REFERÊNCIAS
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