express oes 21

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  • 7/28/2019 Express Oes 21

    1/41

    EXPRESSES!EXPRESSES!Mais que dizer - Transmitir.Ed. 21 Ano 2

    Leo VinceyLaisa WinterSaulo de SousaJssica MayumiRenato GomezIsabel AlmeidaRomulo ZanonRafael de Andrade

    Guilherme SanjuanLuiz Otvio OlianiJ. Alberto HernndezBruno HonoratoJos Danilo Rangel

    CONTOS,CRNICAS,POESIAS,FOTOS E UMTANTO MAIS

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    2/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 02

    EDITOR

    Jos Danilo Rangel

    CO-EDITORA

    Vanessa Galvo

    COLABORADORES:

    Isabel Almeida - Capa

    Rafael de Andrade - Literatura em Rede

    Leo Vincey - Conto

    Bruno Honorato - Poesia

    Renato Gomez - Crnica

    Jssica Mayumi - Decodificando

    Laisa Winter - Entressees

    J. Alberto Hernndez - PoesiaRomulo Zanon - Poesia

    Saulo de Sousa - Traduo

    Guilherme Sanjuan - Poesia

    Luiz Otvio Oliani - Poesia

    Capa: Foto de Isabel Almeida (detalhe)

    e x p e d i e n t e

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    3/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 03

    NDICE

    Prembulo..................................................................04Zoraide............................................................................06Literatura de Viagem.....................................................................10Decodicando: Msica e Desenvolvimento Humano.......................15Literatura em Rede: O Retrato de R.......................19Poesia: O Tempo...............................................24Velho........................................................................25Mos Desunidas.........................................................26Alto Mar..........................................................27O Poeta e o Operrio...............................................28Medo de Fogo................................................................29Bonsai.................................................................32En La Puesta Del Mar....................................................33Ca(f)na..............................................................36FotoLegenda...............................................................38Do Leitor..............................................................................39Envio de Material........................................................................40

    ZORAIDEPor Leo Vincey

    Conto

    Literatura de ViagemPor Renato Gomez

    Crnica

    pg. 06

    pg. 10

    O Retrato de R.Por Rafael de Andrade

    Decodificando

    pg. 19

    Msica e Desenvolvimento HumanoPor Jssica Mayumi

    Decodificando

    pg. 15

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    4/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 04

    Eis mais um nmero da EXPRESSES! (mais que dizer -persistir!), seu vigsimo primeiro. E para comear alando de novidades,temos Jssica Mayumi apontando a relao da Msica com o desenvolvi-mento humano, no Decodicando desse ms.

    Alm disso, temos duas participaes especiais: primeiro, apoesia En la Puesta del Mar, do mexicano J. Alberto Hernndez, traduzi-da pelo nosso amigo poeta Saulo de Sousa. Segundo: Luiz Otvio Olianique l do Rio de Janeiro ouviu alar da gente, pelo acebook de outrogrande amigo, Selmo Vasconsellos, e decidiu mandar algumas das suaspoesias. Alis, estamos bem de poesia. Temos Bruno Honorato, Guilher-me Sanjuan, Romulo Zanon, dentre outros.

    No conto, temos Leo Vincey que, em Zoraide, nos apresentaum modelo de mulher um tanto dicil de agradar. um relato, um

    depoimento, um desabao de um amor bem guardado que de repentevem tona e... S lendo para saber. Mais adiante, temos Literatura deViagem, crnica de Renato Gomez. Ele nos conta as vicissitudes de ir deum municpio a outro , como teve a epiania de que os ones de ouvidoso a maior inveno da humanidade e, no m, mostra por que valeu (esempre vale) a pena a viagem, suas venturas e desventuras.

    Mais algumas pginas e temos, em Literatura em Rede, umconto do Raael de Andrade, O Retrato de R., conto escrito em 2009. Oconto tem um tanto de mistrio e outro tanto de romantizao da ima-gem do artista. Segundo Raael, produto das leituras Gogol e Poe.

    A capa? Foto de Isabel de Almeida, da eira internacional deartesanato, acontecida por aqui mesmo. E no entressees, o trabalhode Laisa Winter - eu sugiro que voc salte para a pgina 09 e conra queeeito interessante o lado de ora registrado a partir do lado de dentro, olado de l, olhado daqui.

    No mais, espero que goste!

    Porto Velho - Abril de 2013Jos Danilo Rangel

    PREMBULO

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    5/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 05

    p a r c e i r o s :

    http://www.flasheslapoa.com/http://www.selmovasconcellos.com.br/http://bandavuaderafatal.webnode.com//http://www.moshphotography.com/http://www.newsrondonia.com.br/http://www.expressoespvh.blogspot.com/http://www.facebook.com/pages/Revista-EXPRESS%C3%B5ES/219207738122421
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    6/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 06

    Conto

    ZORAIDELeo Vincey

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    7/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 07

    Quando nasci, um pssaro demetal alava voo. Foi mame quem disse, masisso comeou a me encantar assim que comeceia entender o mundo. Minha infncia no foi nadafcil, nada fcil nessa vida. Mame por no ter

    condies, entregou-me a minha av para queela me criasse, se foi bom ou no agora no im-porta mais. O meu desejo de ser criado por paie me nunca foi levado em conta. Vov sempreme deu o que precisava, meus primos tinhame ainda tem um grande cime de mim. Desdecriana brotou um sonho em mim. O estudo eraa nica sada nesse mundo injusto. Como medediquei, me isolava mais do que o normal dosprazeres que a infncia tem a oferecer. No me

    arrependo, aprendi que isso no leva a nada.

    O mistrio do espao e o fascnio queele proporciona entranharam-se em mim de ma-neira inevitvel. Nunca fui o primeiro de minhaclasse, mas no cava em ltimo. Guardo na

    memria doces e amargas lembranas de minhainfncia. Quem me v pode at no depositartanta conana em meu potencial, consideram--me pacato demais.

    Na adolescncia tive experinciasfrustrantes no amor. Quando amo me entregode corpo e alma a esse amor, eu s sei ser as-sim. O meu primeiro beijo foi no mnimo cmico.No sabia o que fazer, era imperioso um beijo,sempre fui falante e falava muito nesse encon-tro, alm da conta. Minhas mos tremiam e omeu corpo mais ainda, ela, ento, nem se fala,nervosa, gaguejava, foi ento que pedi paracada um de ns aproximar o rosto um do outro,meus olhos s viam os lbios dela, vi que elafechou os olhos, achei estranho, mas resolvi fa-zer o mesmo. Tinha visto isso muitas vezes emnovelas e lmes. Como nossos lbios demora-ram a se encontrar e como estvamos de olhosfechados beijei o queixo dela e ela o meu nariz.Rimos at no poder mais.

    Ia a festas demais em minha adoles-cncia, sempre tomando suco ou refrigerante, foinela que o meu desejo de me tornar funcionriode empresa de aviao cresceu e estudei tudosobre o assunto, z cursos de ingls, pois sa-

    bia que esse idioma fundamental nesse meio.Aprendi a falar uentemente e quando terminei

    o Ensino Mdio, consegui, atravs de um ami-go, o Geraldo, uma oportunidade de trabalhar

    na Varig. Nesse perodo comecei a fazer facul-dade de Letras, lecionar no era o meu objetivoe nem , mas adoro ler e gosto do poder que apalavra exerce nas pessoas. Minha vida ia tudobem, salvo o problema familiar da minha avque precisava constantemente de auxlio mdi-co, eram idas e vindas ao hospital e eu o nico afazer isso por ela de maneira incondicional, meuirmo se escora em mim at hoje.

    Na Varig tudo corria s mil maravi-lhas, o aeroporto o meu lar, no sei se o pri-meiro ou o segundo, at nos dias de folga euvou l. E foi num desses passeios que vi Zo-raide, ela trabalha na Pan An Air. No aeroportoeu sou descolado e argumento o que no mefalta, comecei a conversar com ela e minha almadizia pra lutar por ela. Ficamos amigos e pass-vamos muito tempo juntos, tudo nela medido,calculado. Ela no fria que tem um jeito todosistemtico de ser, ela esconde as emoes, euacho, pois nunca vi algo espontneo ou surpre-

    O meu primeiro

    beijo foi no mnimo cmico.

    No sabia o que fazer, era

    imperioso um beijo,sempre fui falante e falava

    muito nesse encontro,

    alm da conta.

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    8/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 08

    endente, planejvamos tudo, tnhamos sonhosem comum, como conhecer o Oriente juntos,comprar nossas casas.

    Um amor surgiu em mim e eu nopude evitar, nem queria, meus olhos, pele de-nunciavam o que sentia por ela ou sinto. De-clarar amor a ela estava fora de cogitao, poisnossa amizade j era tanta que ela poderiaachar estranho, ou quem sabe j sabia e nuncame deu a oportunidade de falar pra ela. A vidatem caminhos estranhos e quando eu achavaque ia falar, uma intriga na empresa ocasionoua minha demisso, comecei a vender jias parapoder sustentar a mim e ajudar a minha av.

    Os amigos mais prximos sabem doque sinto por Zoraide e me incentivam a decla-rar o amor que tenho por ela. Amo-a de paixo,meu eu sem ela no existe e isso di em mim,mas di por saber que algo improvvel, porque ela assim, dura, no mostrando o que sen-te, nunca a vi falar de rapazes como namorados.Lembro das noites que passamos acordados equantas vezes eu tentei falar, mas contive-me.Vou sempre que posso ou fao tudo pra ir ao ae-

    roporto, s pra v-la ou manter em mim a chamade trabalhar novamente numa empresa de avia-o. Tenho muitos amigos por l, sempre lutocom unhas e garras pelo que quero, meus ami-gos sabem disso e reclamam porque no luto

    por ela.

    A loucura tomou conta de mim e re-solvi fazer algo por amor, comprei uma cestacaf, vrias ores e contratei at seresteiros pra

    fazer uma serenata pra ela. Tudo bem planeja-do, como ela gosta, s que esqueci de avis-la.Fiz tudo o que planejei e como ela no esboa-va nenhuma reao, fui duro com ela. Resolvimat-la dentro de mim para poder ser um novo

    homem, mas no se mata um amor assim. Paraos outros eu sou fortaleza, mas tenho um dese-jo enorme de gritar, chorar, espernear em pbli-co, no digo que j z isso nas paredes do meu

    quarto, o meu refgio, s l que confesso sparedes todo o meu sofrimento, se ela sofre, euno sei, s sei que o apelido que dei a ela ecoaem meu corao constantemente. Enterrei devez a oportunidade de ser feliz com ela.

    Sigo minha vida, no sei com que for-as, mas cada segundo to dolorido sem elaem minha vida. Zoraide, por que voc assim?

    .......................................................

    Fonte: http://www.recantodasletras.com.br/contos/2028434

    A loucura tomou conta de

    mim e resolvi fazer algo por

    amor, comprei uma cesta

    caf, vrias flores e contra-tei at seresteiros pra fazer

    uma serenata pra ela.

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    9/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 09Fotos: Laisa Winter

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    10/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 10

    LITERATURA DE VIAGEMRenato Gomez

    Crnica

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    11/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 11

    Cheguei rodoviria s duas emeia da tarde. Como de costume, deixei meucarro no estacionamento que administradopela Associao dos Portadores de Necessida-des Especiais da Cidade. Dirigi-me ao guich da

    empresa que detm o monoplio de transportede passageiros dentro do Estado, o que, diga-sede passagem, faz com que a viagem seja impre-visvel quanto ao tempo, uma vez que o nibuspara em todos os municpios pelos quais pas-sa. Para minha surpresa (nem tanto) a empresano est trabalhando com cartes de crdito edbito, associando notcia que havia lido nodia anterior, deduzo o motivo: a empresa deveimpostos para o Estado e por suas ligaes pol-

    ticas no havia cobranas, as autoridades com-petentes ordenaram a cobrana e se operaremcom cartes, o dinheiro vai automaticamentepara a conta que pode ser congelada, pagandoem dinheiro ca mais fcil de manter o calote,

    pelo menos temporariamente.

    Compro a passagem, me dirijo at oespao do embarque e, no curto caminho, vis-lumbro as dependncias da horrenda rodoviria,

    sou interpelado por um mendigo que me pededinheiro para comer, nisso me lembro que tenhoque comprar algo para comer durante a viagemde tempo indeterminado. Ento o chamo parair at a lanchonete, o deixo livre pra escolher oque quiser, pensando que ele escolheria algopara saciar a fome de imediato e pediria algopara comer depois, a lanchonete tem uma vastaopo de lanches, e me surpreendo quando elepede uma minscula empada de camaro e umrefrigerante de seiscentos mls.

    Indago-o do porqu de no escolherum sanduche repleto de ingredientes delicio-sos, uma bolacha para mais tarde e um suco na-tural, ele ignora meu comentrio e pega o lancheindo embora sem nem dizer obrigado. Fico ob-servando, um homem forte que poderia muitobem estar trabalhando dignamente e conseguin-do pelo menos um salrio mnimo, que por maisridculo que seja um homem ganhar quase sete-centos reais enquanto ladres ganham milharesde reais por ms na poltica, daria para ele pagarum aluguel e sair das ruas. Compro minhas bo-

    lachas e um suco, que saram mais barato quea empada com refrigerante do transeunte e mealimentaram por horas.

    Ao sair da lanchonete, paro em fren-te loja ao lado para guardar o troco em mi-nha carteira e vislumbro um pai com seu lho.

    O menino pede desesperadamente para o pailhe comprar um brinquedo, o pai com o mesmodesespero se nega alegando que o dinheiro que

    possui contemplar somente o lanche do percor-rer da viagem. A discusso parecia que durariaa eternidade, porm o menino tirou um coelhoda cartola e apontou pro pai que queria a rplicada camisa do time do corao do pai, que tinhao nome do craque do time escrito nas costas eque coincidentemente era o nome do genitor. Opai cedeu sem pensar muito.

    Dirigi-me ao nibus, entreguei o bi-lhete ao motorista e embarquei. Poltrona vintee oito. Acomodei-me prontamente, do meu as-sento pude ver uma briga devido a um overbookgerado pela empresa. Dois homens possuampassagem para mesma poltrona, e discutiamum com o outro sobre terem pagado pelo lugar.Um deles chegou a mencionar sobre o alto custoda passagem, ambos no reetiam sobre serem

    vtimas e a empresa culpada, mas o motoristasabendo bem disso contornou a situao condu-zindo um deles a um assento na qual o passa-geiro cancelara a passagem.

    Finalmente, a viagem iniciou-se. Em

    Sou interpelado por um

    mendigo que me pede

    dinheiro para comer, nisso

    me lembro que tenho quecomprar algo para comer

    durante a viagem de tempo

    indeterminado.

    ...

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    12/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 12

    pouco mais de dez minutos descobri que os fo-nes de ouvido so a maior inveno do homem.Uma senhora ouvia msicas religiosas em altovolume em seu celular na poltrona atrs de mim.Enquanto algum que no pude ver ouvia umaespcie de funk de baixo calo l pela frente donibus. Tentei colocar meu fone de ouvido no l-timo volume para que aquela orgia musical nome incomodasse. Impossvel. Acho que aquilopoderia ser ouvido at do lado de fora do nibus.

    O motorista mesmo com a porta que o separados passageiros se incomodou com a sinfonia eparou o nibus, dirigiu-se aos dois pessoalmen-te e pediu que desligassem seus aparelhos oucolocassem os fones de ouvido. Mais uma vez,uma discusso teve incio. A senhora alegou quesua msica era de Deus e que faria bem a todose que, alm disso, estava pagando passageme poderia fazer o que bem entendesse, pormos demais passageiros comearam uma mani-festao contrria e ela cedeu ao uso da maiorinveno da humanidade.

    Fui novamente incomodado quandoouvi novamente uma conversa entre o pai e o -lho da camisa de time, estavam algumas poltro-nas atrs de mim, o menino reclamava de fomee o pai no sabia o que fazer. Levantei-me prapegar gua e como se no soubesse de nadaofereci metade das minhas bolachas ao garotoque prontamente aceitou.

    Nesse ponto entre um cochilo e outropude observar a paisagem ao longo da rodovia

    e toda devastao causada pelo homem na na-tureza para formao de pastos para criao degado. Tudo em nome de riquezas, esquecendoque as riquezas naturais formam o ecossistemaem que vivemos e que somos extremamente

    dependentes disto. Fui telespectador tambmdos ribeirinhos que moram ao longo da rodoviavivendo custa das cheias dos rios para poderpescar e vender os peixes. Enquanto reetia em

    como pessoas que levam uma vida to simplespodem ser to organizadas quanto ao equil-brio em sua economia sustentvel e outras bemabastadas de recursos no do a mnima paraisso, chegamos cidade que marca uma esp-cie de meio do caminho entre meus pontos de

    origem e de chegada.

    Desci na rodoviria enquanto o mo-torista procedia o embarque e desembarque depassageiros. Precisava comprar uma gua gela-da, j que a fornecida pela empresa no nibusestava com temperatura apropriada para fazerch. Essa rodoviria melhor em estrutura e hi-giene do que a da cidade que resido, mas emalguns momentos mais parece um cameldro-

    mo do que uma rodoviria. Voc encontra attablets e smartphones venda. A indstria doconsumo realmente atinge todas as camadassociais e possibilidade de mercado.

    Volto para o nibus e me acomodoem minha poltrona. Enquanto o nibus encon-tra-se no permetro urbano da cidade, os celula-res funcionam e todos checam suas ligaes ge-ralmente. Porm um rapaz sentado a noroestede mim resolveu retornar uma de suas ligaes:``Oi me! Como est a Olvia? ... No! No mediz isso no, me! C acha que ela aguenta ateu chegar ai? T bom me! Faz o possvel! Bei-jo! Tchau!

    Confesso que quei o resto do ca-minho pensando em quem seria a Olvia, pelopouco que conseguia avistar do rapaz de ondeeu estava podia ver a aio. Ainda ouvi mui-tas histrias, mas Olvia no me saa da cabe-a. Um homem dizia ter conseguido colocar 12pessoas em um carro minsculo e ter chegadoa duzentos quilmetros por hora com tamanha

    Finalmentem a viagem

    iniciou-se. Em pouco mais

    de dez minutos descobri que

    os fones de ouvido so amaior inveno do homem.

    ...

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    lotao. Um casal que nitidamente no se co-nhecia, comeou a se conhecer bem, bem noslugares a minha frente, chegando at a fazer ba-rulhos obscenos com seus beijos. Mas o que meincomodara quela altura era Olvia.

    Cheguei ao meu destino s setee meia da noite. Ao descer do nibus vi que orapaz da Olvia, se me permitem a intimidade,tambm desceria ali. Aproximei-me e esbarreipropositalmente nele, pedi desculpas e ofereciajuda com a bagagem. No sou dos mais curio-sos, mas Olvia me intrigava. Era melhor no terperguntado. Olvia era o computador a quem eleatribura nome e estima e estava com defeito

    aguardando-o para consertar.

    Peguei um txi e fui buscar meu lho.

    O taxista me contou suas lamrias sem nenhu-ma cerimnia. Havia perdido tudo que construiuem 20 anos de trabalho e de um casamento fali-do, a mulher nunca trabalhou, nunca quis lhe darum lho e levou metade de tudo que ele tinha

    conseguido juntar nesses anos. Ao m da hist-ria s tive coragem de dizer que ele conseguiria

    construir tudo de novo enquanto ela torrava aparte dela. Nem me lembro se disse a parte so-bre ela.

    J na companhia de meu lho mar-quei a passagem de volta para dali a duas horas,ou seja, dez da noite. Fomos jantar (vale lem-brar que comi as bolachas parcialmente e tomeio suco e s ento voltei a comer, enquanto issoa empada com refrigerante j deve ter sido dige-rida por completo pelo transeunte). O restauran-te era prximo rodoviria, o garom chegou mesa, z o pedido, ele trouxe logo depois e s

    retornou quando pedi a conta que trouxe comseu percentual embutido, paguei contrariado.

    Voltamos rodoviria e aguardamosa chegada de nosso nibus assistindo televiso.Esta rodoviria est num nvel intermedirio en-tre a que originou a viagem e a do meio do ca-minho. Meu lho j est meio sonolento e deita

    ao meu colo. Nisso olho ao meu redor e perceboque as rodovirias acabam sendo recanto paraos desabrigados. um cenrio triste e ao mes-

    mo tempo conituoso, uma vez que vemos pes-soas que fazem da rodoviria o seu ganha po,vendendo doces, pipoca e outras comilanas ouainda engraxando sapatos. O nibus chega.

    Geralmente, na viagem de volta eu

    e meu lho dormimos at a chegada em nosso

    destino, mas desta vez pude observar as estre-las e as lgrimas da chuva que tocavam o vidrodemarcando a distncia entre ns e a lua cheia

    que brilhava no cu, enquanto afagava o cabelode meu lho e devaneava sobre o futuro. Um

    futuro onde as riquezas da humanidade sejampaisagens como aquela. Adormeci. Talvez estefuturo tenha sido o tema de meu sonhar.

    Quando desci do nibus, s trs ho-ras da madrugada, e pude me esticar s pensa-va em chegar em casa para poder dormir, pelomenos por mseras horas, o sono dos justos.No caminho at meu carro tive tempo de avistaro pedinte do incio da jornada, deitado em umbanco tentava se cobrir com um pedao de sacode estopa. A imagem e tudo que se passou emminha cabea eram to desconfortveis quantoo nibus, a viagem e a certeza de nova jornadaem trinta e seis horas para lev-lo de volta, maso conforto de t-lo nos braos innitamente

    maior e no pode ser comprado por dinheiro ne-nhum no mundo.

    ...............................................................

    Ao fm da histria s tive

    coragem de dizer que ele

    conseguiria construir tudo

    de novo enquanto elatorrava a parte dela. Nem me

    lembro se disse a parte

    sobre ela.

    ...

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    14/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 14Foto: Laisa Winter

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    15/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 15

    D3C0D1F1C4NDO

    MSICA EDESENVOLVIMENTO HUMANOJssica Mayumi

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    16/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 16

    A Msica acompanha a huma-nidade desde seus primrdios, tendo os histo-riadores datando os primeiros registros antesde Cristo, sendo usada em rituais religiosos eacompanhando-nos ao passar dos tempos com

    diferentes funes em distintas pocas, cultu-ras, pases.

    Segundo A. Schopenhauer a Msicaexprime a mais alta losoa numa linguagem que

    a razo no compreende. Vemos isso ao longoda Histria, onde a msica como uma expres-so artstica, alm das artes plsticas, arquite-tura e literatura, exprime o zeitgeist (esprito dapoca). Tendo assim cada perodo da histria damsica uma caracterstica peculiar, inuencian-do tambm no aperfeioamento e surgimento deinstrumentos musicais.

    As culturas por muito tempo forampassadas de geraes atravs da Msica. Prin-cpios e valores eram repassados atravs docanto antes mesmo do surgimento da escrita.Nos dias atuais, vemos o reexo disso nas can-tigas de roda, canes folclricas e cantigas de

    ninar. Nestas, vemos as particularidades cultu-rais de cada pas em sua melodia, ritmo, harmo-nia e principalmente em suas letras.

    Um exemplo disso so nossas can-es de ninar, que em sua maioria so de ori-gem portuguesa com inuncias indgenas e

    africanas. Segundo alguns pesquisadores suasletras reetem a inferioridade, a cultura de te-mor e explorao sofrida no perodo de escra-vido. Podemos citar: Boi, boi, boi, boi da carapreta, pega essa menina que tem medo de care-ta.... Que contrasta com canes americanas,por exemplo: Boa noite, linda menina, durmabem. Sonhos doces venham para voc, sonhosdoces por toda noite....

    Algum sculo atrs, pensava-se nofeto como isolado do mundo dentro do tero.Porm, hoje sabe-se que o feto tem seus pri-meiros contatos sonoros com o mundo exteriora partir da 21 semana de gestao. E desdeento, comea criar memrias auditivas, porisso reconhece a voz materna e paterna. En-

    to, as cantigas brasileiras inuenciariam em

    uma construo de sentimento de inferioridade?Nesse perodo, acredita-se que no. J que asmelodias normalmente so entoadas com suavi-dade, e o que o feto absorve. As letras ainda

    no tm signicado para eles.

    A musicoterapia, que a utilizao daMsica para ns teraputicos utilizada desde

    o surgimento da msica. H relatos na Bblia (1Samuel 16:23) de Davi tocando harpa para o reiSaul. Mas o estudo da Msica comeou no s-culo XX. E uma das reas de pesquisa comgestantes. Pesquisas tm mostrado que o can-to principalmente entoado pela me acalma as

    crianas e cria laos emocionais maiores, dandosensao de proteo e acolhimento.

    Em alguns pases comearam experi-mentos para que a alfabetizao se inicie antesmesmo do parto. Experimento esse fundamen-tado em comprovaes cientcas que a criana

    ao iniciar o processo da fala tem sotaque ca-racterstico de sua me biolgica, caractersticaessa encontrada inclusive em crianas adotadas

    que no tiveram ou tiveram pouco contato comsua me biolgica aps o parto. Isso por contada memria auditiva da voz materna que esteteve no tero.

    A gestao um perodo importan-te para alm da formao auditiva musical doindivduo, tambm para o seu desenvolvimentoemocional. Um ambiente agitado, com muitasestimulaes sonoras agressivas, podem re-meter a um ambiente angustiante, cercado deperigos. Ao contrrio de um ambiente com esti-mulaes sonoras no agressivas, que lhe dosentimento de conforto e acolhimento. Comodito anteriormente, canes folclricas entoa-das de modo agressivo com intuito de transmi-tir a tenso que a letra gera, a criana recebercomo um estmulo opressor. A mesma cano,entoada de modo caloroso, receber como est-mulo relaxante, confortador.

    Alguns compositores eruditos soindicados para o perodo gestacional, por con-ter grande quantidade de estmulos e propiciar

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    17/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 17

    a acelerao das conexes neurais. Sobretudocompositores do perodo barroco (como Bach eVivaldi) e perodo Clssico (como Beethoven,Brahms e Chopin).

    quase impossvel passarmos a vidasem apreciarmos uma msica. S o fato de es-tarmos ouvindo algo que nos remete momentos,que nos tomam de emoo j um grande bene-fcio que a msica nos traz. Porm a relao queum ouvinte tem da msica diferente daqueleque a estuda. de conhecimento que quem co-mea o estudo musical antes dos 7 anos temmaior desenvolvimento cerebral, sobretudo dasregies motoras e sensoriais. Por isso nos lti-

    mos sculos houve a preocupao de antecipara aprendizagem musical.

    Shinishi Suzuki, educador japons,com o intuito de educar musicalmente crian-as no alfabetizadas (o que prope a escolatradicional), desenvolve a Metodologia Suzuki.Onde, assim como aprenderam a linguagem fa-lada, a partir de estmulos sonoros externos edepois a linguagem escrita, o aprendizado do

    instrumento se d na parte prtica executando oinstrumento e depois aprendendo os conceitostericos.

    Interessante citar o contexto em queessa metodologia foi criada, na mesma pocaem que foi desenvolvido o mtodo de matem-tica Kumon, logo aps a segunda guerra mun-dial. Onde o pas precisava se reerguer. E surgeento essas duas metodologias de reas asso-ciadas. Sim! A Msica muito se relaciona com aMatemtica, vemos os princpios de Pitgorasfundamentando desde criao de instrumentos formulaes tericas musicais. Para exempli-car essa relao, recomento o lme da Disney

    Donald no pas da Matemtica.

    H estudos que mostram um melhordesempenho matemtico e de raciocnio lgicoem indivduos que estudam Msica, com predo-minncia nos que iniciaram seus estudos antesdos 7 anos. Mas se voc j passou dessa idadeno desanime! H muitas outras habilidades quepodem ser desenvolvidas atravs da Msica.

    O estudo da Msica propicia, almdo aumento de habilidades motoras, o desen-volvimento da criatividade, controle emocional,expresso e relaes interpessoais. Importanteressaltar, apesar de que at os sete anos h um

    maior desenvolvimento cognitivo, com a desco-berta da neuroplasticidade do crebro, isso ,da regenerao de neurnios perdidos, no hmais limites para aprender.

    A Msica uma atividade para todasas idades. Em diferentes fases h habilidades aserem trabalhadas. Por exemplo, trabalha-se nainfncia e na adolescncia tanto as habilidadessociais, como a desinibio, ao tocar em pbli-

    co, com outras pessoas, o indivduo vai perden-do o medo de palco. Ajudando em trabalhosescolares, apresentao de TCC, entrevistas deemprego e diversas situaes cotidianas.

    Aos adultos e idosos, trabalha-seo relaxamento a expresso das angstias dodia-a-dia. Sendo altamente utilizada como tera-pia. Assim como em todas as fases, trabalha-sea memria. Porm nessa fase como ao pre-

    ventiva de sua perda.

    Esse foi um breve relato dos benef-cios da Msica para o desenvolvimento humano.Estamos em um momento histrico de muitasinformaes, avano da tecnologia que nos au-xiliam, mas tambm nos sobrecarregam. Temosque us-las em nosso favor. A Msica pode seruma ferramenta auxiliar para melhorar a forma-o de mentes mais receptivas a novas infor-maes, tecnologias. Pode ser um agente trans-formador social, como tambm uma ferramentateraputica. Cabe a cada um de ns us-la damaneira que mais nos convm. Porm uma coi-sa inegvel: No somos imunes Msica.Ela est em ns. Friedrich Nietzsche j diziaque sem a Msica, a vida seria um erro. Assimpensa ele, assim penso eu.

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    18/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 18Fotos: Laisa Winter

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    19/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 19

    Literatura em Rede

    O RETRATO DE R.Rafael de Andrade

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    20/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 20

    Apanhei o volume que contava a histria das pinturas.

    Busquei com ansiedade o nmero do retrato oval, aquele

    que, com sua absoluta aparncia de vida, me causara

    tanto impacto

    E. A. Poe.

    ...........................................................

    Me vi quase obrigado a ler Gogol eEdgar Allan Poe para entender um pouco do fascniomgico dos quadros. Passei para Oscar Wilde e porm, passei aos exames psiquitricos. Havia compra-do em um leilo municipal um quadro interessante,que se destacava, aos meus olhos, por sua vida e

    no foi comprado por outros pela feira do modelo.O retrato era intitulado apenas de R. e o compreiporque era barato. Arremeti e quei para a refeio

    que fora servida aps o leilo e uma senhora bemidosa se aproximou.

    A senhora se chamava como Ana Cor-deiro, era loira e usava culos fundos. Se apresen-tou como a antiga diretora da clnica de psiquiatriado municpio e disse que o quadro fora feito por um

    ex-interno da clnica e mais, feito durante um dosseus muitos anos de gesto. Perguntou-me se meinteressava pela histria do pintor, que era um artistaexcepcional, segundo ela.

    Pretendia passar a noite com uma fun-cionria do municpio, h tempos estvamos conver-sando durante os almoos, o local onde desenvolviameu estgio era perto da secretaria em que ela tra-balhava. Declinei o convite da velha, mas ela insis-

    tiu que eu pegasse o seu telefone, me segurandoenquanto eu me afastava. Dei uma volta pelo salo,comi um pouco e ao sair, coloquei o quadro na partede trs do carro e dirigi at o bar em que havamosmarcado o encontro. Bebemos e conversamos sobrerotina e trabalho.

    Normalmente dormiria s trs horas damanh, escrevendo, lendo e respondendo a ques-tionamentos de estranhos, sou durante noite umaespcie de consultor. Mas naquela noite eu estavaacompanhado por uma ligeralmente bela mulher ecamos juntos. Mesmo depois que ela dormiu, eu

    ainda estava acordado, assistindo um lme qualquer

    que havamos alugado. O retrato cou no carro e eu

    s fui not-lo no dia seguinte, quando sa para traba-lhar. Olhei para trs e percebi que o retrato pareciame encarar. Associei esta percepo a uma tcnicado artista. O retrato no me causava medo, e sim

    uma sensao estranha de paz. Estagiei com muitosono, como sempre, voltei para casa e coloquei oquadro a me olhar. A imagem do pintor, sua careca, abarba grande, a camisa de fora aberta e o olhar xo

    em quem observava a tela me perseguiam mesmodentro de meus sonhos.

    Ao cair da noite, dormi exatamente sonze horas e acordei s cinco, totalmente descan-sado. O mundo estava ao avesso. Os dias passaram

    e todos estavam se surpreendendo com minha jo-vialidade renovada. Entretanto as coisas mudaramcom o tempo. Passei a car ainda mais desligado

    do mundo. A situao estava cada vez pior quandoresolvi ligar para Ana Cordeiro, a aposentada. Ligueipara ela e ela me pediu que fosse sua casa. Notrajeto adormeci e quase me acidentei. Na casa deAna, ela me entregou uma carta, que segundo ela,fora escrita pelo prprio autor:

    Ao feliz comprador de meu quadro. Cha-mo-me R., meu nome verdadeiro no importa, foi de-vorado pelo tempo, pela histria, pelas sanguessu-gas da arte. Nasci nesta cidade, h vinte e oito anosatrs. Tive uma vida que se pode dizer, normal atque dois grandes eventos a modicaram para sem-pre. Neste momento, sou apenas uma estria, mastente se imaginar vivendo tudo que vou lhe contar.Aos dezesseis anos, minha famlia morreu, me dei-xando totalmente sozinho no mundo.

    Conheci alguns jovens e com eles come-cei a me drogar, por isso no percebi o que haviaacontecido. Quando entrei para a universidade, fuiobrigado a confrontar a realidade. Ento a loucurase apossou de minha vontade. Comecei a sentir faltade ar, palpitaes, a no dormir, a suar frio durantea noite e a ouvir barulhos que no existem, vinte equatro horas por dia, durante toda minha vida.

    Ao mesmo tempo em que descobri a do-ena, descobri o alvio da arte, era um artista plsti-co. Comecei copiando, representando cenas do realassim como as via. Considerei esta parte de minha

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    21/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 21

    produo como um exerccio que me levaria pro-duo seguinte, onde comecei a pintar minha prpriapercepo de mundo, uma mistura do real, concre-to com os demnios e quimeras que representavammeus medos, a morte iminente, a dor de estar vivo.

    Minha produo nunca chegou a estar nas grandesgalerias desta cidade, que so galerias pequenas,mas enm, quase todo artista deseja a glria. Eu de-sejava me livrar de minhas doenas.

    Mesmo nesta condio, procurava teruma vida comum, amigos, emprego, namoradas,lho, concursos e premiaes. Amava tanto minha

    arte e pouco a pouco ela se tornou minha nica for-ma de estar vivo, minha singular perspectiva sobre

    a vida e isto me fazia superior, diferente ou deslo-cado da vala comum do mundo um esprito livre.J havia anos que eu no dormia, que minha menteno descansava e por isso resolvi aceitar uma novadroga que, segundo os especialistas, me faria dormire descansar.

    Comecei a utilizar a droga e realmenteme senti mais vivo, mais concentrado em meu traba-lho e estudos, at mesmo mais socivel. Estar vivo ,

    para o senso comum, estar de acordo com o mundoe este acordo s se d quando estamos drogados,das mais variadas drogas. Fcil, voc pensa. Masno foi assim. Com o passar do tempo, passei a crerem outro conceito de felicidade, que consistia em medrogar e pintar o tempo todo. A arte me consumiu, eupraticava e pensava em novos quadros, molduras,tintas, tcnicas, todo o tempo. Os seres mgicos semisturavam ao concreto at que realmente se torna-ram reais. Eu conversava com eles. Tal de J., uma

    scubos, era to viva que com ela transava todos osdias e no precisava de nenhuma mulher. Largueiamigos, namoradas, famlia e com ajuda daquelesque no me abandonaram, continuei a pintar.

    Trancado em minha casa, defecava portodos os lados e comia pouco. Ningum entrava nacasa ao me visitar, amigos e familiares vinham e ca-vam pelo porto. O pouco que representei do mun-do exterior em minha arte foi produto da interaocom estes visitantes. A casa era s quadros e fedor,e no centro de tudo eu estava, um artista viciado. Umirmo conseguiu uma caixa de minha droga e tudopoderia seguir assim, mas em dois anos, acordei de

    meu mundo psictico, alguns segundos foram o su-ciente para que eu, em contato com a verdade almda arte, engolisse vinte plulas de meu remdio. Nor-malmente ingeria duas por dia. Entrei em coma, nomorri porque havia ligado para minha me minutos

    antes. exatamente deste modo que me lembro detudo que ocorreu naquele dia.

    Estar em coma a imagem da morte. como estou exatamente neste momento, quandomorto. Suando frio, corao acelerado, zumbidos noouvido e o ranger de dentes, por trinta e trs dias.Inferno. Assim que acordei fui internado na clnica depsiquiatria onde graas senhora Ana, pude conti-nuar pintando e aprimorando minha tcnica.

    Comprava algumas tintas baratas e mis-turava todas, buscando desenvolver uma nova tcni-ca. Meu quarto estava repleto de obras e tintas e hmeses trabalho em minha derradeira obra, um au-torretrato. Dei de presente para dona Ana. Coloqueifogo em meus quadros e fui salvo por um dos auxilia-res, fui internado novamente por meses sem pintar.A tinta txica havia afetado meus pulmes e eu norespiraria direito nunca mais.

    Provavelmente morri pintando e comproblemas respiratrios. Quase nada sobrou, todaminha essncia: alma, paixo, est naquele quadro,assim como toda minha dor. R.

    Ana cordeiro sorriu e me abraou. Disseque ele tossia muito nos ltimos dias, e mesmo comremdio, no dormia. Deixei a casa daquela gentilsenhora e voltei para a minha. Assisti televiso e ob-

    servei mais uma vez o quadro. Escrevi sua histriacomo me lembro. E quando desliguei as luzes, dei-tei em minha cama no escuro, meu corao dispa-rou, senti meu corpo gelar e o zumbido no ouvido,um eterno sussurro. Abri meus olhos espantado e oretrato de R. estava me observando. A angstia eaqueles olhos nunca mais me abandonaram.

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    23/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 23

    P O E S I A

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    24/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 24

    O TEMPO

    Esses dias.Passados eito tintaQue escorre num quadro novo

    Descobri, ainda so,Da amizade mais puraMais traioeira

    Que de tanto dela alarNo vejo por onde pousaOu se pousa: se esconde.

    Descobri queEsse verme brancoEssa virgem cega

    meu amigo incrduloIndierente

    Mal-humorado s vezes.

    Descobri que esse parceiro mudo um amigo relapso.Certa tarde se senta, nos cumprimenta

    Mostra-nos um pDe Jabuticaba numaEsquina que andamos todo dia.

    E nunca vemos.Sorri, de soslaio.E dele a gente se esquece, se conorma.

    At o dia que surge novamente.Num ponto de nibus ou numa noite sem estrelas.No velrio de um amor perdido:

    Ou de ns mesmos.

    Bruno Honorato

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    25/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 25

    VELHO

    Era de se esperar,no com obviedade,que depois de dcadase geraes de olhares parao refexo de si mesmo, comespelhos turvos, e tantos repensaresem situaes cmicas e sem glria,de tanto ver as aces e as artimanhas

    da natureza humana, ele, sem nenhumapretenso de quem passou pela calvciee incomodou-se com os primeiros osprateados, lembrasse, enquanto esperavaa morte surgir calma pela janela da cozinha,dos encantos de uma vida breve e dosabsurdos que agora nada importavam.Percebeu que cada um merecia o direitode errar como achasse melhor, e chorasseos erros como bem entendesse. Como

    uma reviso j lmpida de uma avaliao eterna,cujo resultado era a prpria clarividncia do passado.

    Bruno Honorato

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    26/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 26

    MOS DESUNIDAS

    no serei o poeta do passadoembora dele me alimente

    canto o presenteque Drummond no v

    nada de seranscartas de suicida

    - os homens aterrarama palavra amornum canteiro de obras

    as mos desunidastraduzem: os espinhosinda suocam as fores

    Luiz Otvio Oliani

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    27/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 27

    ALTO MAR

    teias de solidono oceano

    o navio no mais atraca

    de nada servema ncora enerrujadao mastro sem bandeira

    a quilhao radar

    todos se oram

    s o mar permanececmplice dos desamores do mundo

    Luiz Otvio Oliani

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    28/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 28

    O POETA E O OPERRIOA Maiakvski

    o que diereo poeta do operrio?

    na maquinariao trabalho braald lugar escolhade substantivos

    verbosmetoras

    se um carrega cimentoterra areiao outro esculpe o sertalha a essncia

    se um usa espaador de pisoesptula roldanao outro opera em silnciona construo do poema

    Luiz Otvio Oliani

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    29/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 29

    1.

    Ouo muita gente alando de mudana,mas olhando bem, mas ouvindo bem,d pra perceber que o que queremno mudana.No querem alterar o estabelecido,porque s podem partir dele,

    s podem pensar dentro dele,s podem viver nele,segundo suas condies,ora dele, no.

    Ningum pode, no comeo,mas eles nem podem,nem querem tentar,Porque o movimento que veem

    no veem como um dos movimentosdentre todos os outros movimentos possveis,veem-no como nico movimento possvel.

    2.

    No, eles no querem mudarporque a realidade que concebem,tambm concebem como a nica,para alm dela, no veem nada.

    No, eles no querem mudar,porque no sabem elaborar verdadesa partir do que veem e ouvem e vivem,e a mudana desmontariasuas verdades prontas.

    No, eles no querem mudar,porque verdades se despedaariame sem saber constru-las, teriamde esperar que algum o zessepor eles.

    No intervalo,estariam desamparados.

    MEDO DE FOGO

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    30/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 30

    No, eles no querem mudar,imaginam o desamparo, e calamo que alavam s por alar.

    3.

    Talvez ningum realmentese interesse pela mudana,

    j que mudar jogar dadospara o alto.Se tudo como estno est bem, mas suportvel,por que brincar com a sorte?

    Se tudo como estest bem, satiseito,quem vai querer arriscar?

    4.

    Tudo como est, talvez no esteja bom,pra uns, talvez, esteja para outros,mas sobre tudo como est que est eitoo conhecimento de como tudo est,

    mudando, outro conhecimento serianecessrio.

    Mudasse e muito (talvez tudo)do que vale para agora,no valeria para depois,quando o depois osse o novo agora.

    E seria preciso esperarque as coisas se assentassem

    para ento, assentadas,osse possvel retirar delaso costume de estar com elas.

    5.

    As coisas se organizam de um modo talque alguns esto acima e outros,abaixo, de modo tal que parece interessarpara uns e outros que que assima organizao das coisas.

    Para os de cima, porque esto em cima,s se or para subirem mais,

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    31/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 31

    a mudana.Para os de baixo, porque estando embaixo,no desejam seno estar acima,a mudana que interessa a mudana de lugar querem subir,o resto que continue como est.

    6.

    Concordo com Herclito,a realidade arde, ogo,no sempre que d certomexer nas brasas.

    Tudo em movimento,e mesmo que por um instante,um ogo se mantenha,no se mantm para ldesse instante.

    Eu concordo, emero, uma chama que se ateianum montculo de palhas,qualquer vento apaga.

    Mas por que no sera mo riscando o soro?

    Vai que essa ascaaa um ogo, que no dure,mas que se alastre e incendeie,desdobrando-se em muitos outros ogos,

    No valer o risco, esse incndio,

    das provveis, das quase certasqueimaduras?

    Jos Danilo Rangel

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    32/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 32

    BONSAI

    com a mudanavieram caixase os quadrosgrandes demais para caberna primeira

    as caixas continuam echadase os quadros

    no pendurados

    as pessoas demoram demais para denhare no bastando os objetos como provaez-se necessrio comprar um bonsaipara mostrarque nada sobrevive a essa casa

    Guilherme Sanjuan

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    33/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 33

    ISendamar clarame voumas a salmoura- verso e ventomovimentotempoisca e desassossego

    peleseda entretecidaopresso deriva do riomas o canto persistenteque beijapalmo a palmoao passo vazioregozijogirassol que ruborizoualm dos umbrais

    luz madrigalno, no estou mudominha slaba cria a prxima praia

    velha barcaaa couraa com vozrisonhaque me beijasonoraque me invocou...

    IIE, no entantoas conchinhas do mar

    ha! Como gostam beijarsuor a suora nova terra e o solpraia de minha casaespera!espera que as escamas

    se tornem espumaespera o refexo e o salcreio passaro os ventose quando ques atrs

    ISendamarea clarame voypero la salmuera-verso y vientomovimientotiemposeuelo y desasosiego

    pielseda entretejidaopresina la deriva del ropero el canto poroqu besapalmo a palmoal paso vacoregocijotornasol qu ruborizall los umbrales

    luz madrigalno, no estoy mudomi slaba crea la prxima playa

    vieja barcazala coraza con vozrisueaqu me besasonoraqu me invoc

    IIY sin embargolas conchitas del mar

    ha! cmo les gusta besarsudor a sudorla nueva tierra y el solplaya de mi casaespera!espera que las escamas

    se ormen espumaespera el refejo y la salcreo pasarn los vientosy cundo quedes atrs

    EN LA PUESTA DEL MAR(NO CREPSCULO DO MAR)

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    34/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 34

    ljunto ao marbandoa bandocomo soprosde alhos

    ha! como mudas meu cheiroa gua

    areia...

    IIISalmouraSubitamentepela porta passa!

    Vemdiga-meentra devagar

    como as avescrepita-meanima-mepalmeiraa palmeiraenquanto pensoque s um suspiroa bocaconhecedora de lugares secretosme que conhece sua casa

    e a prxima casa que se levantarpensoque tu marconsideras minha alma...

    IVVentoaasta tua carruagemsintoeu alimento as ogueiras

    os saisa praia e meu rosto

    oh! lustro que guardou

    alljunto al marbandadaa bandadacmo bocanadasajadas

    ha! cmo cambias mi olorel agua

    arena

    IIISalmueraSbitamentepor la puerta pasas!

    venplatcameentra de apoco

    cmo las avescreptameembllemepalmeraa palmeramientras piensoque eres el suspirola bocaconocedora de recnditos lugaresmadre que conoce su casa

    y la prxima casa qu se levantarpiensoque t mardeliberas mi alma

    IVVientoaleja t carruajelo sientoyo alimento las piras

    las salesla playa y mi rostro

    oh! lustro que guard

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    35/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 35

    os de luzestrelase essa sedacosturada em cada esconderijo

    couraaagora nada importapois hora aps horaentre a boca

    se vaie no perdoa...

    VUnicamente me restapermanecer na casasurdoe s

    vale

    por ora chove luzno existe portao mar e o pr do solnos entardeceuquem tocarem sombra horizontal?quem olhardiaaps dia?quem ser

    o da barcaa tecida?

    ah! Sorriosob o soleervescente...

    J. Alberto HernndezTraduo: Saulo de Sousa

    hilos de luzestrellasy esa sedaenhebrada en cada rincn

    corazaahora nada importapues hora tras horaentre la boca

    se vay no perdona

    VSlo me queday me quedo en la casasordoy solo

    cuenca

    por auera llueve luzno hay puertael mar y la puestanos atardeciquin tocaren sombra horizontal?quin oteardaa da?quin ser

    l de la barcaza tejida?ha! me risueobajo el soleervescente

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    36/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 36

    CA (F) NA

    Longe da luz que ilumina o lutoLuto contra a liserginia do logus,Contra a ambiguidade da lustre for de lis.

    O copo de caena, - Vida e morte severina - duvido que algumo beberia no deserto,De certo, nem gua gaseicada.

    Pois bem...

    Acorda, acorda. Mas no d corda pro que dizem os outros.O tempo deles.O luto deles.D corda e eles o enorcaro.

    Que claro ideolgico me ousca a vista- o mundo assombrado por demnios angelicais -E mesmo que, aos domingos, pague vista

    Eles ainda pedem mais e mais.

    Pedem a vida, pedem a lucidezPedem que que nu e indeesoE caso no te obriguem a tomar ca no desertoBrincam com sua , no seu crebro!

    Pois bem...

    Acorda, acorda... Dizem os marginais,

    Porm, um pouco antes das 7H engarraamento

    Romulo Zanon

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    37/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 37

    Eu no nasci eu,

    parte de mim, fzeram,

    parte de mim, eu fz.Jos Danilo Rangel

    Tweet Potico

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    38/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 38

    FOTOLEGENDA

    Galo Garniz!-Romulo Zanon

    Jos Danilo Rangel

  • 7/28/2019 Express Oes 21

    39/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 39

    DO LEITOR

    [email protected]

    A EXPRESSES! tem se moldado ao longo do tempo, e por diversasorientaes, uma delas a opinio dos leitores que sempre do interes-santes feedbacks a respeito de toda ela, mas, pelo acebook. Se voc temuma crtica, uma sugesto, mande para ns, temos bons ouvidos,

    Obrigado.

    Jos Danilo Rangel

    mailto:[email protected]:[email protected]
  • 7/28/2019 Express Oes 21

    40/41EXPRESSES! Abr de 2013 | 40

    ENVIO DEMATERIAL

    Para submeter o seu texto, oto ou desenho para a revista EXPRESSES!, muito cil: escreva um e-mail explicitando a vontade de ter o seu tra-balho publicado na revista, anexe o material, na extenso em que ele es-tiver, .doc, .jpeg, e outros, e seus dados (nome, idade, ocupao, cidade)com a extenso .doc, para o endereo:

    [email protected]

    Para contos, a ormatao a seguinte, onte arial, 12, espao simples,mximo de 10 pginas.

    Para crnicas, arial, 12, espao simples, mximo de 5 pginas,

    Para poesia, arial, 12, espao simples, mximo de 10 pginas.

    Ainda temos as sees Decodicando, que abarca leituras de diversostemas, e a 10 Dicas, tambm com proposta de abraar uma temtica di-erenciada, onde voc pode sugerir lmes, revistas, msica, conselhos

    e no sei mais o qu, alm dessas, a seo EXTRA, visa abranger o queainda no couber nas outras sees.

    Para otos ou desenhos, a preerncia por imagens com resoluesgrandes, por conta da edio, e orientao retrato, por conta da estticada revista.

    A revista EXPRESSES! sai todo dia 10, de cada ms, ento, at o dia 20de cada ms aceitamos material.

    Porto Velho - Abril de 2013Jos Danilo Rangel

    mailto:[email protected]:[email protected]
  • 7/28/2019 Express Oes 21

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