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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Experiências de Economia Popular Solidária na Região Metropolitana de Belo Horizonte: observações, percepções e papéis de agentes mediadores e de atores sociais Carlúcia Maria Silva Belo Horizonte 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Experiências de Economia Popular Solidária na Região Metropolitana de

Belo Horizonte: observações, percepções e papéis de agentes mediadores e

de atores sociais

Carlúcia Maria Silva

Belo Horizonte

2009

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Carlúcia Maria Silva

Experiências de Economia Popular Solidária na Região Metropolitana de

Belo Horizonte: observações, percepções e papéis de agentes mediadores e

de atores sociais

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências

Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências

Sociais.

Orientadora: Prof.ª Drª. Magda Maria Bello de Almeida Neves

Belo Horizonte

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Silva, Carlúcia Maria S586e Experiências de economia popular solidária na Região Metropolitana de Belo

Horizonte : observações, percepções e papéis de agentes mediadores e atores sociais / Carlúcia Maria Silva. Belo Horizonte, 2009.

189f. : il. Orientadora: Magda Maria Bello de Almeida Neves Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. 1. Economia social – Belo Horizonte (MG). 2. Integração social. 3. Relações

de trabalho. 4. Mulheres pobres. 5. Relações sociais. 6. Vulnerabilidade. I. Neves, Magda Maria Bello de Almeida. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. III. Título.

CDU: 331.16

“Revisão Ortográfica e Normalização Padrão PUC Minas de responsabilidade do autor”

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Experiências de Economia Popular Solidária na Região Metropolitana de Belo

Horizonte: observações, percepções e papéis de agentes mediadores e de atores sociais

Carlúcia Maria Silva

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre em Ciências Sociais.

Belo Horizonte, 2009.

____________________________________

Prof.ª Drª. Magda Maria Bello de Almeida Neves

Orientadora – PUC MINAS

_____________________________________

Profª. Drª. Antônia Vitória Soares Aranha

UFMG

______________________________________

Prof. Dr. João Batista Moreira Pinto ESDHC

______________________________________ Prof. Dr. André Junqueira Caetano

PUC-MINAS

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DEDICATÓRIA

A todas as Mulheres que com criatividade e teimosia gestam uma nova história. Em

especial, às Mulheres da Vila e às Mulheres Criativas, cuja generosidade e confiança

possibilitaram, através de suas experiências e histórias de vida, o estudo, a pesquisa e um

olhar mais atento para o desejável e o factível, presentes na Economia Popular Solidária.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela Vida, que é dom e busca em plenitude. Apesar das contradições do

cotidiano, acredito neste “Outro Mundo Possível, processo em construção!”

A meus pais, pela história de vida a mim proporcionada e, nesta história, a coragem de

avançar sempre!

A Pedro Gabriel e Mariana Terra, meus filhos e dádiva maior recebida de Deus. Sua

generosidade, compreensão e maturidade, em plena adolescência, possibilitaram-me

condições favoráveis para o estudo e a pesquisa.

À ADVENIAT, cuja bolsa de estudos a mim concedida possibilitou a realização desse

Projeto.

À Anísia de Paulo Figueiredo, plantadora de sonhos; grande amiga e incentivadora

deste Projeto. Uma presença fiel e generosa nos momentos mais difíceis.

À Maria Célia e Leandro Marçal. Dizer “agradecida” é muito pouco. Tenho certeza de

que Deus os continuará recompensando por tudo. Os levarei sempre comigo!

Às Entidades de Apoio e Fomento e Gestores Públicos que, apesar de tantos desafios,

acreditam na Economia Popular Solidária como instrumento, ferramenta e espaços de novas

sociabilidades e inserção social.

Um agradecimento muito especial à professora Magda Maria Bello de Almeida Neves.

Tive o privilégio de tê-la como orientadora; sua disponibilidade na orientação deste estudo foi

fundamental para o aprendizado na elaboração de um trabalho científico. Seu jeito simples e

profundo de ser ficará para sempre guardado em minha memória e meu coração.

Aos Professores e Colegas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da

PUC Minas. Agradeço a todos e a cada um pelo aprendizado obtido e trocas estabelecidas no

decorrer do curso.

Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC Minas,

sempre disponíveis. O carinho especial para Ângela e Valéria. Muito obrigada! Sinto-me feliz

pela oportunidade da convivência e aprendizado silencioso.

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RESUMO

Esta dissertação se propõe analisar, a partir de duas experiências de Economia Popular

Solidária na Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH, como as mulheres em

situação de pobreza e vulnerabilidade social vivenciam processos de inserção social e o papel

dos agentes mediadores nas iniciativas de experiências de economia popular solidária. Esse

foi o principal objetivo da pesquisa.

O percurso realizado para o seu desenvolvimento priorizou o entendimento da

precarização das relações de trabalho, a feminização da pobreza, as relações sociais de gênero

e a vulnerabilidade social, perseguindo, assim, o problema colocado, ou seja, até que ponto a

economia popular solidária é uma alternativa ao desemprego e que tipo de inserção social

possibilita às mulheres.

Alimentada por um conjunto de práticas e valores que interagem tanto no plano

econômico como nas relações sociais estabelecidas, a economia popular solidária na RMBH

transita entre o desejável e o factível. As experiências analisadas evidenciaram que essas

iniciativas remetem a uma nova questão social. O estudo demonstrou que os

empreendimentos solidários, nas condições em que se encontram, possibilitam inserção social

às mulheres; no entanto, simultaneamente transformam-se em um colchão amortecedor da

pobreza e da vulnerabilidade social. Vivências e sobrevivências que, nas relações de trabalho,

funcionalizam a pobreza e formalizam a informalidade.

Palavras-chave: precarização das relações de trabalho, feminização da pobreza, relações

sociais de gênero, vulnerabilidade social.

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ABSTRACT

This work intends to comprehend, from two experiences of solidary popular economy

in the Metropolitan Area of Belo Horizonte how women in situation of poverty and social

vulnerability deal with processes of social insertion and the role of mediator agents in

iniciatives of experiences of solidary popular economy. This was the main goal of this

research. The route followed for its development focalized the understanding of the increasing

precariousness in relations of work, in female poverty, in social relations of gender and social

vulnerability, pursuing how much solidary popular economy is an alternative for

unemployment and what kind of social insertion it represents to these women.

Provided by a set of practices and values that interact not only in the economic level

but in the established social relations, solidary popular economy in Belo Horizonte

Metropolitan Area transits from the desirable to the factualization. The analized experiences

show that these iniciatives refer to a new social question. This study displayed that solidary

enterprises, in the condition in which they stand, make possible social insertion to women.

Yet, simultaneously, they turn into a sort of mattress that softens and absorbs the shock of

poverty and social vulnerability. Livings and survivals that, in relations of work, give function

to poverty while shape informality.

Key words: precariousness of relations of work, female poverty, social relations of gender,

social vulnerability.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Economia Solidária................................................................................................110

Figura 2: Estrutura do Fórum Brasileiro de Economia Solidária..........................................110

Quadro 01: Nível de Escolaridade: Entidades e Gestores Públicos.......................................74

Quadro 02: Faixa etária participantes dos empreendimentos econômicos solidários entrevistados. ......................................................................................................................... 118

Quadro 03: Nível de escolaridade dos participantes dos empreendimentos econômicos solidários entrevistados .........................................................................................................119

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABICRED - Associação Brasileira de Instituições de Micro-Crédito

ADS/CUT - Agência de Desenvolvimento Solidário/Central Única dos Trabalhadores

AL - Alagoas

AM – Amazonas

ANTEAG - Associação Nacional dos Trabalhadores de Empresas em Autogestão

AP – Amapá

APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados

APRECIA - Associação Preparatória do Cidadão do Amanhã

ASPA - Ação Social e Política da Arquidiocese de Belo Horizonte

BA – Bahia

CADEB – Centro de Autodesenvolvimento de Betim

CERSAM – Centro de Referência em Saúde Mental

CDPI - Coordenadoria de Direitos das Pessoas Idosas

CDPPD - Coordenadoria de Direitos de Pessoas com Deficiência

CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe

CGE - Comissão Gestora Estadual

CMDH - Coordenadoria de Direitos Humanos

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CODEFAT – Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador

COHAB – Companhia Habitacional de Minas Gerais

COMACON – Coordenadoria de Assuntos da Comunidade Negra

COMDIM - Coordenadoria Municipal dos Direitos da Mulher

CONCRAB - Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil

CPES/BH – Centro Público de Economia Solidária de Belo Horizonte

CPES/Contagem – Centro Público de Economia Solidária de Contagem

DPA/SEDESE – Diretoria de Promoção do Associativismo/Secretaria de Estado de

Desenvolvimento Social

EAF – Entidade de Apoio e Fomento

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

ECOSOL – Sistema Nacional de Cooperativas de Economia e Crédito Solidário

EPS – Economia Popular Solidária

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ESDDHC – Escola Superior de Direito Dom Hélder Câmara

FASE - Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional

FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador

FBES - Fórum Brasileiro de Economia Solidária

FEPS/RMBH - Fórum de Economia Popular Solidária da Região Metropolitana de

Belo Horizonte

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FMES - Fórum Mineiro de Economia Solidária

FNPETI - Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil

FSM - Fórum Social Mundial

FUMEC - Fundação Mineira de Educação e Cultura

GT - Grupo de Trabalho

GT/Brasileiro - Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária

IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMS – Instituto Marista de Solidariedade

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano

LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

MST/CONCRAB - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra/Confederação das

Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil

MTE - Ministério do Trabalho e Emprego

NGTR/EPS –Núcleo de Geração de Trabalho e Renda

OCEMG – Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais

OIT - Organização Internacional do Trabalho

ONGs – Organizações não governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

PACS - Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul

PB - Paraíba

PBH - Prefeitura de Belo Horizonte

PE – Pernambuco

PIA – População em Idade Ativa

PEA – População Economicamente Ativa

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PIM - Produção Industrial Mensal

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PROCON - Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor

PUC-Minas – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

RBSES - Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária

Rede ITCPs - Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas

Populares

RIPESS - Rede Intercontinental para a Promoção da Economia Solidária

RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte

RN – Rio Grande do Norte

SE – Sergipe

SEDES - Secretaria Estadual de Defesa Social

SEDESE - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social

SENAES/MTE - Secretaria Nacional de Economia Solidária/Ministério do Trabalho e

Emprego

SIES – Sistema de Informações sobre Economia Solidária

SINE – Serviço Nacional de Empregos

SMATCD - Secretaria Municipal Adjunta de Trabalho e de Direitos e Cidadania

SOSF – Serviço de Orientação Sócio Familiar

SRTE/MG - Superintendência Regional do Trabalho e Emprego/Minas Gerais

SUAS – Sistema Único de Assistência Social

UBEE - União Brasileira de Educação e Ensino

UD – Unidade Doméstica

UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UNICAFES – União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia

Solidária

UNICEF – Fundo de Emergência das Nações Unidas para a Infância

UNISOL – Associação Civil Universidade Solidária

UNITRABALHO – Rede Universitária Nacional

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................14

1. ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA: REVENDO CONCEITOS ..................................20

1.1 A economia popular solidária: história e trajetórias ..........................................................20

1.2. A economia popular solidária: conceitos e concepções ....................................................27

1 2 1 Uma nova economia e nova cultura do trabalho?............................................................30

1.3. A economia popular solidária entre o desejável e o factível .............................................35

2. POBREZA E VULNERABILIDADE SOCIAL NA PERSPECTIVA DE GÊNERO ........48

2.1. Pobreza, vulnerabilidade social e segregação socioespacial na RMBH............................48

2.1.1. Um olhar sobre a cidade: o fenômeno urbano, sua complexidade e contradições .........49

2.2. Pobreza e vulnerabilidade social numa perspectiva de gênero..........................................57

2.3. Gênero e economia popular solidária ................................................................................68

3.A ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE: CONCEPÇÕES, PERCEPÇÕES E PAPÉIS DOS AGENTES MEDIADORES..................................................................................................................................................71

3.1. Perfil, concepções e percepções dos agentes mediadores .................................................74

3.2.As entidades de apoio e fomento à economia popular solidária na RMBH. ......................80

3.2.1. Ação Social Política Arquidiocesana (ASPA) ...............................................................80

3.2.2. Cáritas Brasileira...........................................................................................................81

3.2.3. Instituto Marista de Solidariedade (IMS) ......................................................................82

3.3. Observações e percepções de entidades de apoio e fomento na RMBH sobre a economia popular solidária .......................................................................................................................86

3.4. Gestores públicos e economia popular solidária na Região Metropolitana de Belo Horizonte ..................................................................................................................................90

3.4.1. O Centro Público de Apoio à Economia Solidária de Belo Horizonte...........................90

3.4.2. A Coordenadoria Municipal dos Direitos da Mulher/PBH (COMDIM) .......................91

3.4.3. O Centro Público de Apoio à Economia Solidária de Contagem...................................93

3.4.4. A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE-MG)..95

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3.4.5. A Diretoria de Promoção do Associativismo – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (DPA-SEDESE) ..............................................................................97

3.4.6. Limites e possibilidades da economia popular solidária na RMBH – a visão dos gestores públicos ......................................................................................................................98

3.5. Os fóruns de economia popular solidária: espaços de mobilização, organização e articulação...............................................................................................................................108

3.5.1. O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) ....................................................108

3.5.2. O Fórum Mineiro de Economia Popular Solidária (FMEPS).......................................112

3.5.3. Fórum de Economia Popular Solidária da Região Metropolitana de Belo Horizonte (FEPS/RMBH) .......................................................................................................................112

3.5.4. Os fóruns enquanto espaços de formação, mobilização, organização e articulação ....113

4.SOBRE/VIVÊNCIAS – A ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE: A EXPERIÊNCIA DAS MULHERES (DA VILA/CRIATIVAS)...............................................................................................................116

4.1. Mulheres da Vila e Criativas: o perfil das entrevistadas .................................................117

4.2. Mulheres da Vila e Criativas. Quem são essas mulheres? ..............................................122

4. 2.1. Mulheres da Vila: histórias e trajetórias ......................................................................122

4.3. Percepções e experiências sobre a economia popular solidária na RMBH - a visão das mulheres .................................................................................................................................131

4.4. Dilemas e possibilidades nas experiências da economia popular solidária na RMBH. ..138

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................149

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................152

APÊNDICE A - Roteiro semiestruturado de entrevistas com entidades de apoio e fomento e gestores públicos parceiros.....................................................................................................160

APÊNDICE B - Roteiro semiestruturado de entrevistas - Fóruns (FBES, FMES, FEPS, RMBH) ...................................................................................................................................161

APÊNDICE C - Roteiro semiestruturado de entrevistas para os empreendimentos econômicos solidários.................................................................................................................................162

APÊNDICE D - Perfil dos Entrevistados - Entidades de Apoio e Fomento ..........................164

APÊNDICE E - Perfil dos Entrevistados - Gestores Públicos ...............................................166

APÊNDICE F - Perfil dos Entrevistados – Fóruns de Mobilização, Articulação e Organização................................................................................................................................................168

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APÊNDICE G - Perfil dos Entrevistados – Empreendimento Econômico Solidário Mulheres da Vila ....................................................................................................................................169

ANEXO A – Fotos Centro Público de Apoio à Economia Solidária .....................................178

ANEXO B – Fotos Centro Público de Apoio à Economia Solidária .....................................180

ANEXO C – Fotos Espaço Cidadania....................................................................................181

ANEXO D – Fotos Mulheres da Vila.....................................................................................183

ANEXO E – Fotos Mulheres Criativas ..................................................................................186

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14

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a crise do trabalho, assim como o avanço das políticas

neoliberais, ocasionou o aumento da precarização do trabalho e do desemprego. Como

resultado disso foi configurada uma política macroeconômica que contribuiu para o aumento

da vulnerabilidade social e cujas ações compensatórias de combate à fome não

contrabalancearam tais efeitos.

Neste cenário acentuam-se as situações de pobreza e desemprego. O crescimento do

desemprego foi acompanhado por uma modificação na composição da estrutura ocupacional,

redução gradativa de mão de obra, tanto na indústria como no setor primário, e aumento do

terciário, o qual cresceu deteriorando-se, absorvendo ocupações instáveis e mal remuneradas.

Somando-se a isso, o setor assalariado fez inchar mais ainda o setor informal, aumentando a

dificuldade de sobreviver em um mercado globalizado que se estreitava cada vez mais,

tornando-se altamente competitivo e excludente.

No Brasil, no início da década de 1990, intensificam-se os fenômenos conjunturais,

com a abertura indiscriminada do mercado brasileiro às importações e adoção de uma política

nacional de altas taxas de juros. Aumentam o desemprego, o subemprego e a informalidade.

Com o agravamento da pobreza, desigualdade e desemprego, proliferaram iniciativas

populares e heterogêneas de organização do trabalho com base na autogestão, na cooperação,

no desenvolvimento sustentável e na solidariedade. Empreendimentos econômicos, situados

no contexto da informalidade urbana capitalista. As Incubadoras Tecnológicas de

Cooperativas Populares (ITCP)1 surgiram a partir dessas iniciativas, integrando universidades,

setores populares e entidades de apoio ligadas ao movimento sindical, eclesial e organizações

não governamentais. Nesse sentido, as ITCPs, na busca de soluções em vistas de inclusão

social, têm desenvolvido inúmeros projetos e participado de programas de governos,

impulsionando políticas públicas de geração de trabalho e renda. Nos últimos anos, como

enfrentamento ao desafio do desemprego e precarização do trabalho, são inseridas políticas

públicas de geração de trabalho e renda no campo da economia solidária, através do

1 A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) é um programa de extensão universitária que tem como objetivo disponibilizar os conhecimentos e os recursos acumulados na universidade pública para gerar, por meio do suporte à formação e desenvolvimento (incubação) de empreendimentos solidários autogestionários, alternativas de trabalho, renda e cidadania para indivíduos e grupos em situação de vulnerabilidade social e econômica. Disponível em: http://www.itcp.coppe.ufrj.br/a_itcp_somos.php

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Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Secretaria Nacional de Economia Solidária

(SENAES).

Objetivando ser para os cooperados uma alternativa de trabalho e renda, a economia

popular solidária recobre uma realidade heterogênea e diversa de motivações e iniciativas,

subsistindo nessas iniciativas uma tensão fundamental entre o possível e o desejável e, nesse

sentido, tem a dupla tarefa de superar os limites colocados pela ordem econômica vigente e

avançar na construção de novos parâmetros, organização e articulação. Muitos de seus

trabalhadores se encontram em condições precárias e sem trabalho; compõem a chamada

“economia submersa”, onde mulheres, migrantes, negros, pessoas com deficiência física ou

mental, idosos, adolescentes, pessoas com baixos níveis de escolaridade e qualificação

profissional se refugiam na informalidade. O desemprego está na raiz dos problemas sociais e

agrava as condições da pobreza.

É importante observar que os princípios da economia popular solidária estão presentes

em diferentes iniciativas, numa variedade de organizações que compõem os campos de sua

atividade econômica e social. Nesse sentido, os empreendimentos econômicos solidários

possibilitam experiências de participação e resgate da autoestima e se tornam espaços de

aprendizado para uma nova alteridade.

A análise das experiências dos empreendimentos econômicos solidários pressupõe ter

presente o caráter ontológico do trabalho e sua centralidade na produção da vida social, o que

traz consigo práticas sociais, valores e representações interiorizadas pelos trabalhadores, ou

seja, fatores objetivos e subjetivos que não se esgotam no processo de trabalho e um conjunto

de práticas, valores e conhecimentos que se materializam e se manifestam tanto no plano

econômico, como no plano da sociabilidade.

O fio condutor da pesquisa “Experiências de Economia Popular Solidária na Região

Metropolitana de Belo Horizonte: observações, percepções e papéis de agentes mediadores e

de atores sociais” constituiu-se na análise, a partir do estudo de duas experiências na Região

Metropolitana de Belo Horizonte, de como as mulheres pobres, em situação de

vulnerabilidade social, vivenciam, através da economia popular solidária, processos de

inserção social. Para isso, o trabalho foi direcionado na busca de rever a história, trajetória e

conceitos da economia popular solidária, sua relação com pobreza e vulnerabilidade social na

perspectiva de gênero, o perfil dos empreendimentos econômicos solidários pesquisados na

Região Metropolitana de Belo Horizonte e o papel dos agentes mediadores nesses processos.

Procedimentos que procuraram também compreender as mudanças no mundo do trabalho nas

últimas décadas e suas consequências para os trabalhadores. A partir da pesquisa ficaram

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evidenciados os dilemas da economia popular solidária, como também seus limites e

possibilidades.

A pesquisa de campo foi desenvolvida com participantes de dois empreendimentos

solidários da Região Metropolitana de Belo Horizonte: os empreendimentos solidários

Mulheres da Vila e Mulheres Criativas.

O primeiro grupo pesquisado foi constituído enquanto empreendimento solidário em

2005. Conta com a participação de 30 integrantes procedentes da Vila Apolônia, em Belo

Horizonte, e do Morro Alto, em Vespasiano. O segundo grupo, Mulheres Criativas, também

surgiu em 2005, como resultado de um trabalho pastoral e missionário, denominado “missões

populares”, promovido pela Arquidiocese de Belo Horizonte. Participam do empreendimento

26 mulheres oriundas dos bairros Palmital, Cristina e Nova Conquista, no município de Santa

Luzia.

A escolha por esta temática foi motivada pela necessidade de compreender melhor as

nuances da Economia Popular Solidária, compreender essa nova cultura do trabalho e seus

processos em construção, marcados pelo novo que surge, com suas leituras e releituras. A

escolha dessas duas experiências, dentre tantas outras na RMBH, se deu pelas características e

processos de cada um dos empreendimentos escolhidos. O fato de serem grupos de mulheres

em situação de vulnerabilidade social e desemprego foi um elemento forte na definição dos

grupos e da metodologia utilizada. Muitas dessas mulheres são mães sem marido ou

companheiro e com vários filhos, algumas casadas e com sérios problemas familiares; outras,

têm vida familiar razoável, mas enfrentam o desemprego ou trabalho informal. As entrevistas

realizadas trouxeram elementos valiosos para esta pesquisa.

Pobreza e desigualdade marcam a trajetória dessas mulheres em busca de inserção

pelo trabalho. Vítimas da segregação sócio-ocupacional e residencial vivenciam no cotidiano

a quebra de vínculos sociais. Um cenário multiforme marcado pelas condições de gênero, no

qual a vulnerabilidade feminina se torna destaque também nas esferas produtivas.

Na realização deste estudo foram priorizadas ferramentas que contribuíram no

levantamento de dados, tanto de caráter primário como secundário, uma vez que esses dois

aspectos são extremamente úteis e complementares para atingir os objetivos propostos. Para a

realização da dissertação foram priorizados os seguintes instrumentos:

1. Leitura sistemática e análise de documentos secundários sobre as temáticas:

pobreza, vulnerabilidade social, gênero, precarização do trabalho e economia popular

solidária;

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2. Pesquisa qualitativa sobre a temática em questão, por meio de entrevistas

semiestruturadas com integrantes de dois empreendimentos econômicos solidários e agentes

mediadores da economia popular solidária na RMBH. A observação participante nos

empreendimentos econômicos solidários pesquisados e outras atividades por eles

desenvolvidas tais como: feiras, exposições, reuniões e confraternizações, bem como a

participação em reuniões do Fórum de Economia Popular Solidária da Região Metropolitana

de Belo Horizonte (FEPS/RMBH) 2 , foram instrumentos valiosos neste processo.

As entrevistas foram realizadas no período de maio a dezembro de 2008, as quais

foram gravadas e transcritas. Todas as entrevistas foram realizadas na sede dos

empreendimentos solidários, durante o período de trabalho das mulheres e a sugestão de

horário e local partiu das próprias trabalhadoras. Participaram da pesquisa de campo, além de

dez representantes de cada um dos empreendimentos econômicos solidários em estudo, cinco

gestores públicos, quatro representantes de entidades de apoio e fomento e dois representantes

de fóruns, totalizando o número de trinta e um entrevistados. A definição numérica dos atores

sociais entrevistados, ou seja, dez representantes de cada iniciativa solidária, busca garantir a

proporcionalidade entre os atores sociais e obter, por meio das entrevistas, maior número de

depoimentos. Vale destacar que foram entrevistados dezenove mulheres e um homem: o único

homem integrante dos empreendimentos pesquisados. Quanto aos agentes mediadores, foram

priorizados aqueles com maior presença e envolvimento na construção da economia popular

solidária na RMBH.

Os agentes mediadores entrevistados foram os seguintes: Ação Social e Política da

Arquidiocese de Belo Horizonte (ASPA), Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais; Instituto

Marista de Solidariedade (IMS) e Movimento do Graal do Brasil. Quanto aos gestores

públicos, foram entrevistados representantes dos seguintes órgãos públicos: Centro Público de

Apoio à Economia Solidária de Belo Horizonte; Centro Público de Apoio à Economia

Solidária de Contagem; Coordenadoria Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM);

Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE-MG) e Diretoria

2 O FEPS/RMBH é um instrumento não institucional do Movimento de Economia Solidária. Um espaço permanente de deliberação, formação e de articulação política e social da economia popular solidária que reúne representantes de empreendimentos solidários, entidades de assessoria e fomento, gestores públicos e outras pessoas comprometidas com os princípios e valores da economia popular solidária. As reuniões do FEPS/RMBH acontecem mensalmente no Centro Público de Economia Solidária de Belo Horizonte. Nessas reuniões são repassados os informes das Comissões de Trabalho (Marco Legal; Formação; Comunicação; Finanças Solidárias; Produção, Comercialização e Consumo; Gestão e Sustentabilidade) e deliberam-se as ações sociais e políticas da Economia Solidária na RMBH. A cada três anos são realizadas plenárias com o objetivo de eleger a coordenação do Fórum e definir as linhas de ação.

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de Promoção do Associativismo/Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (DPA-

SEDESE).

Considerando a importância dos fóruns enquanto espaços de formação, mobilização,

organização e articulação de movimentos sociais, foram também entrevistados representantes

da coordenação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, (FBES); Fórum Mineiro de

Economia Solidária, (FMES); e do Fórum de Economia Popular Solidária da Região

Metropolitana de Belo Horizonte, (FEPS/RMBH). A identificação e a definição dos

entrevistados foram feitas a partir de informações levantadas com integrantes de entidades de

apoio e fomento e nos empreendimentos econômicos solidários integrantes dos movimentos

sociais e especificamente do movimento da Economia Popular Solidária na RMBH. Vale

destacar que, no contato inicial, algumas entidades não governamentais, ligadas aos

movimentos sociais, tiveram um papel articulador fundamental.

Nesse sentido, com o objetivo de analisar as vivências e suas apropriações, a partir dos

depoimentos dos entrevistados, o estudo foi estruturado em quatro eixos: o perfil dos

entrevistados; o papel dos agentes mediadores; concepções, olhares e percepções em relação à

economia popular na RMBH; e, por último, foram elencados alguns dilemas e possibilidades.

A pesquisa de campo realizada permitiu também identificar a complexidade da EPS na

RMBH, o perfil dos atores sociais envolvidos, os aspectos conjunturais e estruturais que

interferem no desenvolvimento desses empreendimentos e a rede relações sociais construída.

Durante as entrevistas, a busca de uma interação com os entrevistados foi relevante para

compreender melhor a Economia Popular Solidária na RMBH e a análise qualitativa dos

conteúdos possibilitou a percepção dos olhares dos atores sociais no que diz respeito à sua

viabilidade, sustentabilidade, caráter cooperativo, inserção social e eficiência nas práticas das

experiências pesquisadas.

Alem desta introdução, a presente dissertação está organizada em quatro capítulos. O

primeiro, “A ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA: REVENDO CONCEITOS”, discute a

trajetória da Economia Popular Solidária, suas diferentes concepções, bem como os dilemas e

paradoxos entre o desejável e o factível. A abordagem teórica contou com o pensamento de

Barbosa (2007), Bertucci e Marinho (2003), Campos (2004), Cattani (2002, 2003a, 2003b),

Coraggio (1997b, 2003), Ferreira (2004), Ferreira e Bertucci (2005), Gaiger (2000a, 2000b,

2002, 2004), Laville e França Filho (2004) Laville e et.al. (2006), Nobre (2003), Santos

(2002, 2003), Singer (2000a, 2000b, 2002), Souza (2000a, 2000b), Tiriba (2000) e Wautier

(2003)

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O capítulo “POBREZA E VULNERABILIDADE SOCIAL NA PERSPECTIVA DE

GÊNERO” tem como eixo norteador a crescente exclusão social e a questão urbana frente à

crise do Estado-Providência. Discute a pobreza, vulnerabilidade social e segregação

socioespacial na RMBH e, sob este olhar, o fenômeno urbano com suas complexidades e

contradições. Ressalta a pobreza e vulnerabilidade social numa perspectiva de gênero e, sob

esta ótica, a economia popular solidária. Na abordagem sobre esta temática destacam-se o

pensamento dos seguintes autores: Araújo e Scalon (2005), Barros e Henriques (2000), Castel

(1998), Carvalho (2006), Carvalho (1996, 2003), Costa (1992), Demo (2005, 2006), Heilborn

(1992), Kaztman e Filgueira (1999), Kaztman (2001), Castro e Lavinas (1992), Lavinas

(2002), Martins (2002), Melo (2005), Mendonça (2003), Monte-Mor (2006), Neves (2000,

2004, 2007a, 2007b) Nobre (2003), Preteceille e Valladares (2000), Ribeiro (2003, 2008),

Rocha (2006), Rosa (2008), Santos (2005a, 2005b) Schwartzman (2004), Sorj (1992) e Souki

(2006).

O capítulo “A ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA NA REGIÃO

METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE: CONCEPÇÕES, PERCEPÇÕES E PAPÉIS

DOS AGENTES MEDIADORES” descreve as entidades de apoio e fomento, gestores

públicos e os fóruns de mobilização, organização e articulação da economia popular solidária

na RMBH, retrata a realidade da economia popular solidária na RMBH sob a ótica desses

agentes mediadores pesquisados e discute o papel desses atores sociais na construção da

economia popular solidária na RMBH.

Por fim, o quarto capítulo, “SOBRE/VIVÊNCIAS – A ECONOMIA POPULAR

SOLIDÁRIA NA RMBH: A EXPERIÊNCIA DAS MULHERES (DA VILA/CRIATIVAS)”,

apresenta a história e trajetórias dessas mulheres, sua visão sobre a economia popular

solidária e alguns dilemas e possibilidades constatados tanto pelas mulheres como pelos

agentes mediadores. Frente a esses dilemas são apontadas possibilidades nessa trajetória ainda

em construção; possibilidades, que segundo os depoimentos, se encontram condicionadas à

superação de tais desafios constatados nessas iniciativas solidárias. Nesse sentido, os desafios

colocados são também metas a perseguir.

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1 ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA: REVENDO CONCEITOS

1. 1. A ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA: HISTÓRIA E TRAJ ETÓRIAS

As formas cooperativas de produção não são uma tarefa nova. Surgem nos debates de

organizações oriundas do movimento operário e sindical do século XIX, não pertencentes ao

modelo capitalista, nem tampouco à esfera pública. Nascem como possibilidade da construção

de uma nova sociedade socialista, tendo como referência a experiência da Comuna de Paris e,

embora não tenham sido uma unanimidade no movimento operário, incorporaram os projetos

dos socialistas utópicos. Por meio dessas experiências e debates, em 1905 é criada a Aliança

Cooperativa Internacional. O crescimento das cooperativas de trabalho e de produção,

historicamente, é associado a períodos de depressão ou transformações econômicas.

Nos séculos XVIII e XIX, até a I Guerra Mundial, com as primeiras manufaturas, as

cooperativas se vinculavam ao movimento operário e sindical. Na Inglaterra, seu surgimento

ocorre na década de 1790. O movimento se expandiu com as agitações operárias de 1811-

1813, com experiências de curta duração. Experiências de proteção para os operários, nas

comunidades operárias de produção ou colônias comunistas realizadas na Escócia e Irlanda,

cuja experiência chega à América, por meio de uma reforma social que não deu certo. (LIMA,

2002, p.33). Na França, as experiências cooperativas se manifestaram por volta de 1823,

como uma reação à pauperização de camponeses e pequenos produtores convertidos em

trabalhadores nas fábricas. Fundadas por operários, as cooperativas nascem da organização,

sob protesto, das condições do trabalho nas fábricas. Em 1867, por meio de suas lutas sociais,

foi desencadeada a criação e regulamentação das cooperativas na França. A partir de 1849 as

mutualidades são legalmente reconhecidas e as cooperativas, em 1894.

Na Inglaterra, essas experiências cooperativas surgiram por volta de 1826. As

cooperativas de consumidores de Rochdale, em 1844, são o modelo pioneiro de

cooperativismo contemporâneo. Surgiram com o objetivo de atender a população atingida

pelas condições desumanas do trabalho fabril. (BIRCHALL APUD SANTOS; RODRÍGUEZ,

2002, p. 9-10).

Após a II Guerra Mundial, a economia social pouco a pouco foi sendo

instrumentalizada pelo Estado-Providência. A solidariedade que mobilizava a ajuda mútua e

auto-organização, bem como o vínculo social voluntário, foi assumindo outros contornos,

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fazendo com que a economia social se tornasse um subaparelho do Estado. (LIPIETZ APUD

WAUTIER, 2003, p.111).

Na primeira metade do século XIX a economia mercantil introduziu fraturas no direito

e proteção social, cabendo aí a intervenção reparadora de um Estado protetor e a defesa de

uma economia plural, originada em diversos princípios econômicos e não exclusivamente no

mercado, provocando assim uma cisão entre o econômico e o social. E foi nos séculos XIX e

XX que se configurou o duplo movimento em direção ao mercado autorregulado e à

intervenção política, cujo movimento colocou o futuro da sociedade nas mãos do Estado e do

Mercado.

Até a metade do século XIX, manteve-se na Europa a economia tradicional,

caracterizada pela pequena empresa de economia familiar, marcada pela economia de

subsistência, que, mais do que o lucro, assegurava os meios de sobrevivência aos membros de

um grupo familiar. Inexistia a separação clara entre o domicílio e a empresa. Relações

herdadas na família ou etnia, frente ao crescimento urbano, ultrapassaram a capacidade de

controle do Estado, desenvolvendo assim atividades artesanais, comerciais e fabris, graças ao

reagrupamento familiar e étnico. Trabalhadores sobreviviam graças à solidariedade e à renda

não monetária, cuja jornada de trabalho possibilitava uma importante reserva de mão de obra.

A precarização de mão de obra facilitava as rápidas adaptações na economia mercantil

(LAVILLE; FRANÇA FILHO, 2004, p. 37-38).

O século XX é marcado por grandes transformações nas relações de trabalho e

emprego nos países centrais do sistema. O trabalho, na sua configuração moderna de trabalho

assalariado, tinha um papel importante e estruturante no que se refere à inserção dos

indivíduos na sociedade e no que diz respeito à sociabilidade humana. Sendo a matriz de uma

condição social estável, possibilitava direitos e garantias que assegurados pelo Estado de

Bem-Estar Social, protegiam os trabalhadores de riscos sociais tais como a doença, a velhice e

o desemprego. Essa condição social estável marcou o chamado “regime de acumulação

fordista” que permitia a transferência aos salários dos trabalhadores parte dos ganhos de

produtividade, possibilitando uma progressão do poder aquisitivo daquela mão-de-obra e o

Estado de Bem-Estar Social - “Welfare State”, considerado a mais avançada conquista do

chamado capitalismo civilizado. Um compromisso social entre capital e trabalho que dava

sustentação ao crescimento econômico dos países desenvolvidos e que, através do Estado de

Bem-Estar Social, “assegurava um mínimo de consumo, mesmo em situação de ruptura com o

vínculo de emprego”. (FERREIRA; BERTUCCI, 2005, p. 7).

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Nos anos 1970, com o esgotamento do regime de acumulação fordista, o sistema

econômico mundial entra em crise. Um lento processo de deterioração da condição salarial e

uma macroeconomia marcada pela hegemonia de políticas de corte neoliberal provocaram o

desemprego em massa e a precarização das relações de trabalho e emprego, situação que se

agravou com o avanço da globalização da economia, marcando a crescente hegemonia do

capital financeiro internacional, subjugando o capital produtivo. O desemprego atingiu níveis

preocupantes e, em consequência, o trabalho precário e a informalidade. A globalização e a

financeirização do capital marcaram um novo regime de acumulação capitalista em âmbito

mundial. E, nesse cenário,

o crescimento das atividades de serviços de alto nível e turismo internacional, paralelamente ao declínio do emprego manufatureiro e ao aumento descontrolado das atividades informais, somados ao crescimento demográfico e econômico desigual, promove nas grandes cidades, em todo o mundo, o surgimento de áreas vizinhas completamente contraditórias. Cidades cujo esplender obscurece a pobreza na qual sua riqueza é baseada. (FRIEDMANN APUD FERREIRA; BERTUCCI, 2005, 6).

Essa situação afetou profundamente os trabalhadores. Os sistemas de proteção social

do trabalho e dos trabalhadores, construídos e garantidos nos Estados Nacionais, se fragilizam

e, nesta crise, os Estados Nacionais também foram atingidos. (FERREIRA; BERTUCCI,

2005, p.8). Além disto, as mudanças tecnológicas e organizacionais procedentes da

reestruturação produtiva flexibilizaram o mercado de trabalho e o próprio trabalho.

Disseminaram-se políticas e práticas que reforçaram a insegurança e a incerteza dos

trabalhadores. Antes, o trabalhador era contratado por tempo indeterminado; agora, é

substituído e visto simplesmente como um “prestador de serviços”, sem nenhum vínculo

empregatício e nenhuma estabilidade na proteção social. Um trabalhador precarizado.

A Economia Popular Solidária, na América Latina, emerge nesse contexto, como

resposta à crise do desemprego e precarização das relações de trabalho. Em sociedades

marcadas por crescentes processos de pobreza e exclusão social, a economia solidária

configura formas precárias de organização como garantia de sobrevivência e os

empreendimentos econômicos solidários surgem da ambígua relação entre “necessidade

econômica e ação voluntária permeada de valores”. Iniciativas que nascem em decorrência da

fragilidade da sinergia entre mercado e Estado, principais agentes reguladores da sociedade e

da crise econômica acompanhada da crise de valores que questionam o trabalho e suas formas

de organização e produção. Essas iniciativas se transformam em espaços públicos de

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proximidade, redistribuição e reciprocidade, onde se articulam, para além do mercado, da

economia e da política. (LAVILLE; FRANÇA FILHO, 2004, p.21).

José Coraggio, em seus estudos sobre essa temática, contextualiza o significado da

passagem de uma economia popular para uma economia do trabalho. Resgata o processo da

colonização na América Latina e as mudanças na organização da produção e do trabalho,

tanto no âmbito rural, quanto nas metrópoles. Em sua reflexão discorre sobre o processo de

industrialização regulado pelo Estado, dinamizado pelo investimento público e capitais

nacionais, processo que se conformou numa estrutura de classes e a contraditória relação

trabalhadores, capital e Estado desenvolvimentista. E nesse contexto, a crise da economia

mundial capitalista, seu impacto e reconfigurações nos Estados e, como consequência, a

reorganização das formas de trabalho e a emergência do setor informal urbano. (CORAGGIO,

1997b p. 31).

Nos anos 1980, segundo Coraggio (1997b), o impulso neoliberal e sua política de

privatização, flexibilização das relações de trabalho e mudanças no mundo do trabalho

contribuíram para que trabalhadores públicos fossem expulsos ou precarizados (com ou sem

indenizações). Milhões de trabalhadores assalariados urbanos ou imigrantes de zonas rurais

buscaram no trabalho “por conta própria” e na formação de empreendimentos familiares um

refúgio contra o desemprego e a exclusão. As taxas de mortalidade das microempresas recém-

nascidas foram altíssimas. Só os mais aptos ou mais espertos conseguiram sobreviver. Esse

fracasso contou com a participação de programas de apoio aos microempreendimentos

concebidos sob o paradigma da grande empresa moderna, além de obstáculos econômicos,

burocráticos e uma legislação complicada, cujo papel, mais que promover a regularização dos

empreendimentos, levava muitos a desistir. Somando-se a isso, o setor assalariado fez inchar

ainda mais o setor informal, aumentando a dificuldade de sobreviver no mercado que cada vez

mais se estreitava, tornava-se altamente competitivo e sem uma base adequada de bens

públicos.

Intelectuais latinoamericanos3 começaram a levantar a possibilidade de promover uma

economia popular, porém, entendida de modo diferente. Uma economia popular não definida

apenas pela categoria social de seus atores - pobres e excluídos do trabalho informal, mas

também por relações de solidariedade, reciprocidade, cooperação, escala organizativa.

Pequenos grupos de relações econômicas, de modo que possibilitassem relações interpessoais

3 Paralelamente, já desde os anos 80, intelectuais latinoamericanos como Luis Razetto começavam a levantar a possibilidade de se promover uma “economia popular”, mas entendida de uma outra maneira. (CORAGGIO, 1997, p.34).

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não mediadas pelo mercado e a competição. Uma proposta muito valorizada nos círculos

religiosos cristãos das comunidades eclesiais de base – CEBs, combinadas à tradição de Paulo

Freire (1992) e práticas de organizações não governamentais dedicadas à promoção de

empreendimentos econômicos populares. Outro fator importante foi a crise do cooperativismo

corrente, que se encontrava debilitado, burocratizado, institucionalizado em alguns países, por

exemplo, o Uruguai, paralisado na estrutura e na ideologia, absorvido e cooptado por

empresas capitalistas. (CORAGGIO, 1997, p. 34).

No Brasil, essas transformações atingiram os trabalhadores de modo particular, muito

em função das especificidades da economia e da sociedade brasileira. Os impactos da

globalização da economia e da reestruturação produtiva nas relações de trabalho e emprego

foram mais negativos e mais perversos em termos sociais do que nos países centrais. Ocorre

aqui “uma forma bastarda” de fordismo ou fordismo periférico, de caráter socialmente

excludente, relações de trabalho e emprego precárias, bem como precário também o acesso a

direitos e proteção social. (FERREIRA; BERTUCCI, 2005, p.9).

O impacto das mudanças na economia mundial sobre a realidade brasileira foi intenso,

sobretudo nas grandes metrópoles, gerando um processo de desemprego e precarização do

trabalho e uma massa de trabalhadores despreparados, excluídos do mercado de trabalho

tradicional e desprotegidos do Estado. Em decorrência dessas mudanças intensificaram-se

também os conflitos sociais, resultantes de uma economia mundial, cuja finalidade e sentido

da atividade econômica são entendidos como acumulação do capital, e não a reprodução

harmoniosa da sociedade. (SOUZA, 2000a, p. 245-246). Na busca de alternativas para

sobreviver, muitos buscaram no apoio a pequenos empreendimentos a proposta de uma nova

cultura do trabalho, fundada em princípios da solidariedade e cooperação.

Segundo Gaiger (2000b), a Economia Popular Solidária é um fenômeno amplo, para

além do Brasil, da América Latina e dos países em desenvolvimento. Um fenômeno mundial,

sendo algumas experiências já bem conhecidas, como a experiência do Banco Bangladesh ou

as LETS, que são os clubes ou redes de troca.

Estudos4 apontam que a Economia Popular Solidária tem o seu início no Brasil, na

década de 1980. Um conjunto variado e numericamente importante de pequenos

empreendimentos, denominados inicialmente de Projetos Alternativos Comunitários (PACs),

que, apoiados por organismos da Igreja, sobretudo a Cáritas Brasileira, surgem de modo

esparso. Inicialmente eram caracterizados, em sua maioria, como obra assistencial ou

4 Merecem destaque: CORAGGIO (1997); CORAGGIO (2000); KAYCHETTE (2000); GAIGER (2000); SINGER (2000).

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filantrópica, de caráter emergencial ou paliativo e objetivavam prover as condições mínimas

de sobrevivência. Esses pequenos projetos comunitários surgem no contexto da pobreza, que

passa a ser um componente estrutural do modelo de desenvolvimento, e não mais um

resquício a ser superado progressivamente, como se supunha nos anos 1970 e 1980.

A partir da década de 1990, mudanças ocorreram no foco de ação e intervenção nos

projetos alternativos comunitários. A campanha “Ação da Cidadania contra a Fome e a

Miséria e pela Vida”, realizada entre 1992 e 1994 e coordenada pelo sociólogo Herbert de

Souza, o Betinho, mobilizou milhões de pessoas. Processo que gestou as Incubadoras

Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), integrando universidades, setores populares

e entidades de apoio ligadas ao movimento sindical, eclesial e assessoria técnica. Esses

projetos alternativos ganharam visibilidade social e política e passaram a ser denominados de

Economia Solidária. Com a aproximação de organizações não governamentais e

universidades, essas iniciativas foram se fortalecendo, constituindo redes, fóruns e espaços de

aglutinação compostos por representantes dos empreendimentos econômicos solidários, de

entidades de apoio e fomento, bem como de gestores públicos. (GAIGER, 2000a, 170).

Merecem destaque também as ações do PNUD nos anos 1990 ao substituir suas

bandeiras desenvolvimentistas e metodologias de crescimento econômico planejado para os

países da periferia. O Estado e organismos internacionais assistencialistas passam a ocupar o

centro da proposta de um novo paradigma de desenvolvimento, acompanhados por

diagnósticos e recomendações de políticas compensatórias, a fim de que os mais pobres

suportassem as consequências da globalização. E, para isso, o Estado e a sociedade civil

foram chamados a assumir a responsabilidade social na redução dos índices da pobreza. Uma

política de redistribuição (empréstimo) do excedente investido diretamente nas pessoas, pois

se fazia necessário orientar as políticas públicas por indicativos sociais, e não apenas por

indicativos econômicos. Na visão de José Coraggio, uma política clientelista, dirigida, não

para reverter, mas tornar governável o modelo políticoeconômico neoliberal que integrava a

periferia de maneira subordinada ao mercado global e a um sistema dominado pelos Estados

Unidos. (CORAGGIO, 1997ª, p.34). Aos movimentos feministas se deve a inclusão das

mulheres nos programas de desenvolvimento. Redes e encontros internacionais “women in

development – WID” foram promovidos já em meados dos anos 1970, desencadeando passos

e conquistas importantes. Temas como preservação do meio ambiente e biodiversidade,

diversidade cultural e impacto do desenvolvimento convencional sobre os países pobres

contribuíram para abrir o debate sobre a realidade, numa perspectiva planetária.

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Segundo Gabriel Kraychete, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) referentes à década de 1990, em relação aos anos 1980, demonstram que em todas as

regiões brasileiras as taxas de desemprego não somente duplicaram como também duplicou o

tempo médio em que o trabalhador permaneceu desempregado. (KRAYCHETE, 2000, p.3).

Na região Sudeste, por exemplo, principal polo industrial do país, ocorreu nos anos 1990, um

decréscimo de 10% das ocupações industriais. Esse crescimento do desemprego foi

acompanhado por uma modificação na composição da estrutura ocupacional, redução

gradativa de mão-de-obra, tanto na indústria como no setor primário, e aumento do setor

terciário, o qual cresceu deteriorando-se e absorvendo ocupações instáveis e mal remuneradas.

Nesse período também o IBGE apontou dados que confirmaram a presença de atividades

informais em todos os setores. No entanto, foi o setor serviços que absorveu quase a metade;

o comércio ficou com 26%; e a indústria da construção civil, 15,5%.5 Essas transformações

ocorridas na estrutura do mercado de trabalho contribuíram para uma visão compatível com as

crenças ultraliberais propondo àqueles, cujo acesso ao mercado formal de trabalho foi negado,

que adquirissem tal empregabilidade e se transformassem em empresários de si mesmos; isto

é, que mantivessem seu próprio empreendimento e se transformassem em pequenos

empresários individuais.

A concepção que se tinha de pobreza nos anos 1970 era entendida como algo “residual

e transitório a ser superado pelo desenvolvimento industrial”. (KRAYCHETE, 2000, p.7).

Imperava o paradigma da integração social, o mercado capitalista era visto como mecanismo

de integração-proletarização e o Estado como elemento compensatório dessa integração. Ao

longo das duas últimas décadas do século XX, a ilusão da “empregabilidade”, de que se

transformariam em empresários de si mesmos e a precariedade das condições da reprodução

da vida em parcelas crescentes da população foram fatores que contribuíram para novos

olhares e perspectivas em relação à informalidade.

Estudos apontam que nas regiões metropolitanas a redução do emprego assalariado

com carteira assinada teve uma redução de 4%, enquanto o número de trabalhadores

denominados “por conta própria” aumentou em 61%. Crescimento da informalidade,

resultante do desemprego e do processo de desassalariamento, trabalhadores sem registro e

ocupações por “conta própria”, um fenômeno que já mostrava sinais nos anos 1980, mas que

em 1990 ficou mais visível ainda. Esses fatos são acrescidos ao tempo médio em que o

5 “Segundo o IBGE, os critérios adotados para a Pesquisa Economia Informal Urbana se baseiam nas recomendações da 15ª Conferência de Estatísticas do Trabalho promovida pela Organização Internacional do trabalho (OIT)”. In: KRAYCHETE, Gabriel. Economia dos Setores Populares: entre a realidade e a utopia, p. 10 nota de rodapé nº11. Disponível em: http://www.caritasbrasileira.org/textos/populares.pdf

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trabalhador permanece desempregado, em total desamparo, fazendo com que, cada vez mais,

parcelas maiores da população buscassem alternativas de ocupações, acarretando, assim,

novos problemas a um mercado de trabalho historicamente desigual e excludente.

(KRAYCHETE, 2000, p.5).

1. 2. A economia popular solidária: conceitos e concepções

O conceito de Economia Solidária, segundo Gaiger (2000a), é algo construído

coletivamente com outros autores nesse processo. São diversos os conceitos e nomes:

socioeconomia solidária, economia popular solidária, economia do trabalho, empresas

autogestionárias, novo cooperativismo, investimento ético, empresa social, redes de consumo

solidário e outros tantos. Fenômenos que, segundo Antônio Cattani, correspondem

simultaneamente a dimensões concretas e abstratas e que não correspondem à economia e à

prática capitalista. (CATTANI, 2003, p.11).

Luiz Inácio Gaiger entende a economia solidária como um conjunto de atividades

heterogêneas. Refere-se a empreendimentos que combinam a busca de eficiência e viabilidade

bem como o aprimoramento dos princípios cooperativos e democráticos. E, ainda, autonomia

de gestão como atitude de responsabilidade e envolvimento social, conjugando a obtenção de

resultados econômicos com outros benefícios. (GAIGER, 2000b, p. 177).

Gabriel Kraychete denomina essas iniciativas como a economia dos setores populares.

Iniciativas que possuem uma racionalidade econômica ancorada na geração de recursos

(monetários ou não), cuja destinação visa prover e repor meios de vida, utilização de recursos

humanos próprios, agregados em unidades de trabalho, e não de inversão de capital. Uma

racionalidade econômica distinta da empresa capitalista em que os setores populares realizam,

de modo individual ou familiar, modalidades de trabalho associativo, formalizados ou não,

isto é, cooperativas, empreendimentos autogestionários, oficinas de produção associada,

centrais de comercialização de agricultores familiares, associações de artesãos, dente outros.

(KRAYCHETE, 2000, p.15-16).

Para Kraychete (2000), a economia dos setores populares não se confunde nem se

reduz a um âmbito do setor informal e essas iniciativas não são iniciativas isoladas. Interagem

com seu entorno, com os mercados e circuitos produtivos dominantes; no entanto, são

modalidades de trabalho determinadas, que têm uma lógica econômica específica e não se

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confundem com a economia capitalista. E nessa reflexão afirma que as condições de trabalho,

necessárias à reprodução da vida de parcelas crescentes da população, não vêm sendo

proporcionadas nem pelo mercado capitalista de trabalho, nem pelas ações compensatórias do

Estado. Sua eficiência está na capacidade de gerar postos de trabalho e renda para um grande

número de pessoas. Sua racionalidade está ancorada na lógica da necessidade do trabalho

enquanto geração de renda para prover e repor os meios de vida da unidade familiar, e não na

racionalidade econômica que visa o lucro e a acumulação do capital.

Na concepção de Jean-Louis Laville e Genauto Carvalho de França Filho, a Economia

Popular Solidária não é um fenômeno emergente, pois muitas de suas formas de ações

coletivas e populares são antigas. Compreender a Economia Solidária exige outra concepção

de economia. Uma visão plural em que economia não se resume à economia de mercado; é

mais ampla e interage em lógicas diferenciadas. (LAVILLE; FRANÇA FILHO, 2004, p.17).

Sua ação organizacional tem uma dimensão pública, pois carrega consigo uma crescente

preocupação com a questão do desenvolvimento local. Valoriza a dimensão pública de sua

ação e seu impacto na organização local. Esse agir no espaço público lhe confere uma

dimensão política fundamental, que vai além de sua dimensão social e econômica. No

entendimento desses autores, não se busca implantar uma outra economia, mas pensar as

formas de economia solidária como um modo de agir no espaço público. Uma ação política

que provoca transformação institucional, valores coletivos e democráticos, cotidianamente

construídos em diferentes contextos da realidade, possibilitando diferentes configurações

dessas iniciativas.

Para Laville e França Filho (2004), a economia popular solidária difere da economia

informal, pois tem como referência o tecido social local e suas práticas de reciprocidade,

como meio de elaboração de atividades econômicas. A economia informal, na maioria dos

casos, é realizada a partir de microprojetos individuais. Já a economia popular solidária

compreende um amplo leque de iniciativas socioeconômicas e sociocomunitárias, em que as

situações de vida e preocupações comuns são partilhadas pelo grupo e refletem as condições

desses grupos sociais, implicando muitas vezes sua sobrevivência, uma expressiva

instabilidade e condições precárias para seu desenvolvimento.

Segundo Anne Marie Wautier, tanto na França como em outros países, é difícil o

consenso na caracterização dessa “outra economia”, uma vez que a economia social abrange

um leque de organizações amplamente questionadas em sua estrutura e prática. A autora

afirma também a forte associação entre economia social e economia solidária. A economia

social é definida como um conjunto de organizações e empresas cujas atividades produtivas

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respondem a princípios prioritários, tais como: adesão livre, democracia interna, lucratividade

limitada, respeito e solidariedade e têm como propósito corrigir os efeitos do mercado

capitalista e conciliar interesse e justiça. Na economia social é acentuada a ideia de

desenvolvimento local e pluralidade das iniciativas econômicas tendo em vista a utilidade

pública e prestação de serviços para a população, mas não necessária e exclusivamente para a

parcela carente ou excluída. (WAUTIER, 2003, p.109-110). A ação é orientada por um

critério sociológico, cuja abordagem para uns é específica e limitada à economia social e, para

outros, é retorno à ação solidária autêntica. Seu papel seria a solidariedade tanto

redistribuidora como reciprocitária. Entendida como democratização da economia, nega o

ressurgimento da filantropia e assim revela seu caráter político. Muitos, porém, segundo a

autora, preferem a expressão economia social e solidária.

José Coraggio, referindo-se à economia do trabalho, remete ao conceito de economia

formulado por Cattani (2003) e enfatiza a construção de um setor da economia centrado no

trabalho como projeto político. Uma economia cujo “sistema gera, define e distribui recursos

materiais, capacidades humanas e institucionais, de modo que satisfaçam as necessidades de

todos segundo as definições, valorações e prioridades que democraticamente as diversas

sociedades tenham resolvido” . (CORAGGIO, 1997b p. 36). O autor discorre sobre

experiências bem sucedidas na Nicarágua em 1986, baseadas no conjunto das células

primárias e constituídas pelas unidades domésticas. Essas unidades domésticas eram

organizações econômicas características da economia popular, fundadas sobre relações de

afinidades, parentesco ou étnicas, que organizavam recursos e capacidades e tinham como

objetivo principal a reprodução ampliada da vida de seus membros. Na experiência

vivenciada, um misto de solidariedade e contradição. Abarcavam um amplo aspecto social e

de relações humanas, mas também relações patriarcais, explorações do trabalho alheio

baseado na forma do trabalho assalariado, em diferenças de gênero, idade e raça. No entanto,

sua característica positiva distintiva era o forte componente de relações de reciprocidade e de

corresponsabilidade. (CORAGGIO, 1997b, p. 37).

Arruda e Quintela (2000) criticam o modelo de desenvolvimento no contexto da

globalização capitalista, cuja centralidade se encontra na ilusão de que o crescimento

econômico e ilimitado seja sinônimo de mais empregos, bem-estar e felicidade para todos.

Segundo esses autores, uma afirmação ilusória, motivo de frustração e destruição, trazendo

como resultado a crescente acumulação da riqueza, da renda e o aprofundamento da exclusão.

A economia popular solidária ou socioeconomia solidária, segundo Marcos Arruda,

não é apenas uma etapa. Sua raiz brota da crítica da globalização do capital como sistema de

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relações sociais e interpessoais e exige uma revolução cultural e transformações profundas.

Baseando nos princípios da valorização da diversidade cultural, do respeito ao outro, do

acolhimento, da busca de complementaridades, da colaboração solidária e do associativismo

autogestionário, o autor afirma que a economia popular solidária persegue a globalização

cooperativa e solidária e outra cultura ética, superior à cultura neoliberal. Uma economia não

dominante nem fundamentada no pragmatismo que endeusa o mercado capitalista, mas

fundamentada na alteridade e que tem como paradigma uma ordem mundial mais harmônica e

sustentável, que exercita valores, atitudes e modos de interação no cotidiano. Uma verdadeira

revolução intelectual e moral na “sintaxe gramsciana”, cuja relação de subjetividade torna o

trabalhador sujeito de si e de sua história, tanto como indivíduo, como coletividade, articulado

em redes cooperativas e solidárias, superando o velho sistema dominado pelo capital.

(ARRUDA, 2006, p.14). Um conceito que coloca a economia ligada à produção e à

reprodução da vida, a serviço do humano e do social, tendo como qualificadores a autogestão

e a solidariedade.

Segundo Arruda (2006), a economia popular solidária exige uma expansão planejada

entre empresas e cooperativas solidárias. Redes cooperativas e solidárias, de intercâmbio

comercial, técnico, financeiro, cultural e afetivo, tecidas nos diferentes espaços, e a

democratização do poder político que possibilite o empoderamento dos cidadãos e a

construção de um Estado democratizado, cujo papel fundamental é “servir a sociedade,

orquestrar consensos conscientes, negociados em torno de um projeto de desenvolvimento

humano” na esfera local, nacional e global. Nesse sentido, a importância de estabelecer

limites ao crescimento econômico, valorizar a ética do suficiente e uma educação para o

autodesenvolvimento individual e coletivo, em que novos valores sejam propagados.

1.2.1 Uma nova economia e nova cultura do trabalho?

A crise salarial e o desemprego estrutural, segundo Tiriba (2000), exigiram pensar

outras formas de organização do trabalho e contribuiu para uma proliferação de formas

alternativas de sobrevivência, fundadas no trabalho participativo e solidário, ou seja, a busca

de uma organização do trabalho cuja racionalidade econômica não se caracteriza pela

acumulação do capital, mas pela reprodução da própria vida. Na visão da autora, a Economia

Popular Solidária surgiu como uma estratégia de sobrevivência dos marginalizados do

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mercado de trabalho, pois, através dos empreendimentos econômicos solidários, os meios de

produção são socializados na busca de unir posse e uso dos meios de produção e cooperação

recíproca.

Segundo argumento de Paul Singer, a economia popular solidária emerge como um

modo de produção e distribuição, “uma criação em processo contínuo de trabalhadores em

luta contra o capitalismo (...) e que parece, à primeira vista, um híbrido entre o capitalismo e a

pequena produção de mercadorias. Mas, na verdade, constitui uma síntese que supera a

ambos”. (SINGER, 2000a, p.13). Um projeto em construção em que homens e mulheres

vitimados pelo “capital” se organizam não apenas para “ganhar a vida”, mas também para

reintegrar-se na divisão de trabalho. Iniciativas não capitalistas em que produção e

distribuição se interagem e cujos princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de

produção, gestão democrática e divisão da receita líquida entre os cooperados mediante

critérios pré-determinados, por todos discutidos e aprovados.

Na visão de Paul Singer, apesar dos desafios enfrentados e contradições constatadas,

são múltiplas as motivações que mantêm os empreendimentos econômicos solidários;

sobretudo uma grande esperança de se organizarem de modo economicamente viável.

Argumenta que a afirmação de que a economia solidária apenas compete com o capital, mas

não o elimina de imediato, é falsa sob todos os pontos de vista, uma vez que o capital,

segundo o autor, somente poderá ser eliminado quando os trabalhadores estiverem aptos para

a autogestão, o que exige aprendizado e esse aprendizado só se adquire na prática; pois “as

experiências de Economia Solidária melhoram as condições de trabalho mesmo quando estas

deixam a desejar”. Destaca que esta economia “diminui o exército de reserva e reforça a

organização dos trabalhadores assalariados”. Uma opção simultaneamente política e

ideológica e por isso exige de seus integrantes uma opção clara “contra os valores dominantes

de competição individual e de primazia do capital sobre o trabalho”. Nesse nadar contra a

maré do modelo capitalista são construídas parcerias que ajudam a fortalecer laços

comunitários e sociais, a interação e a autogestão. (SINGER, 2000a, p. 18; 21-22).

Tendo em vista o quadro ocupacional brasileiro, em termos quantitativos os

empreendimentos econômicos solidários representam um conjunto ínfimo; “representam

cerca de 0,5% do total de trabalhadores ocupados, de acordo com a estimativa da população

ocupada do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”. (SOUZA, 2000a, p.10).

Entretanto, o autor destaca nessas experiências sua grande significância cultural e educativa, a

evidente importância, expansão e processos de mudança qualitativa das relações e condições

de trabalho, cujo peso econômico ainda é muito pequeno, pois são muito novas. E assim,

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entende que uma nova cultura do trabalho está sendo gestada, possibilitando outros ganhos

diferentes do economicofinanceiro: um capital social importante na construção de uma “outra

economia”, não-hegemônica.

Para Tiriba (2000) a análise das experiências dos empreendimentos econômicos

solidários pressupõe ter presente o caráter ontológico do trabalho e sua centralidade na

produção da vida social, que traz consigo práticas sociais, valores e representações

interiorizadas pelos trabalhadores. A autora concebe o trabalho como uma mediação dialética

entre o homem e a natureza, que é também fator cultural. Uma concepção do trabalho que

leva em conta os elementos materiais e imateriais da produção, ou seja, um conjunto de

práticas, valores e conhecimentos que se materializam e se manifestam tanto no plano

econômico como no plano das relações estabelecidas. Fatores objetivos e subjetivos que não

se esgotam no processo de trabalho. Nesse sentido, a cultura do trabalho somente será

entendida na complexidade e transversalidade dos elementos que a compõem. Um processo

simultaneamente complexo e contraditório de produção e de novas relações sociais e

econômicas. Além da geração de renda que garanta a sobrevivência biológica, os

empreendimentos econômicos solidários objetivam também o desenvolvimento comunitário,

ou seja, a satisfação de outras necessidades humanas, tais como educação, saúde, lazer,

socialização do saber e da cultura.

Essa nova cultura do trabalho, segundo Lia Tiriba, nega a figura do patrão como

proprietário dos meios de produção e dos frutos do trabalho. Cabe ao trabalhador ditar o ritmo

e a intensidade do trabalho, embora o tempo de produção às vezes exceda a jornada

estabelecida. A desmercantilização da força de trabalho não significa falta de disciplina no

trabalho ou ausência de compromisso com os interesses coletivos. Muitas vezes faz-se

necessário intensificar o ritmo e sacrificar o tempo livre. O que está em jogo não é

necessariamente o quantum, mas o quando e o como trabalhar. (TIRIBA, 2000, p. 223). A

autora destaca que para apreender a cultura de trabalho que se constitui nas organizações

populares é preciso analisar a ordem econômica em seu sentido mais amplo, considerando os

aspectos sociais, políticos, educativos e culturais, as motivações dos sujeitos envolvidos nos

processos, os vínculos estabelecidos e as redes construídas. Mais do que o nome dado ao

empreendimento, importa a produção resultante de sua organização social e as relações

estabelecidas entre os diferentes sujeitos sociais.

Como argumenta José Coraggio, a economia sempre é vista pela lógica do capital, sua

acumulação e sistema de interesses. No entanto, a economia do trabalho somente poderá ser

compreendida quando em contraponto com a economia do capital e suas contradições. Requer

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a contribuição da economia social e a economia crítica e deve ser vista como uma construção

aberta a ser enriquecida e posta à prova pelas experiências reflexivas que a oriente. “Uma

economia mediada por relações de solidariedade e focada no trabalho para satisfazer as

necessidades de todos”, a partir de uma mudança cultural em relação ao trabalho, produção e

consumo, rompendo assim a cultura predatória e consumista, tão valorizada na economia

capitalista. (CORAGGIO, 2003, p.90).

Essa nova economia do trabalho, segundo José Coraggio, parte da lógica do trabalho,

da reprodução ampliada da vida e da hegemonia dos interesses do conjunto dos trabalhadores,

sendo a unidade doméstica (UD) 6, a forma elementar de organização do trabalho numa

perspectiva microssocial e econômica, para organizar-se em redes, por meio de associações,

grupos, comunidades, sindicatos e/ou cooperativas de autogestão, podendo os mesmos ser

formais ou informais. O objetivo não é a lógica do lucro e da acumulação, mas a melhoria das

condições de reprodução da vida de seus membros, tanto na busca do acesso aos bens e

serviços, como também na articulação em movimentos reivindicatórios, ecológicos, de

direitos humanos e pela igualdade de gênero e por políticas públicas. Essa reprodução

ampliada da vida não se restringe apenas ao acesso ao consumo de bens e serviços materiais.

Inclui também afetos, identidades e outras relações interpessoais. (CORAGGIO, 2003, p.90-

92).

As iniciativas associativas no contexto da economia do trabalho, segundo Coraggio

(2003), ganham uma dimensão holística e ampliam as capacidades das pessoas. O trabalho

associado e cooperativo possibilita redes de coalizão do poder de compra, tendo em vista o

acesso aos bens e serviços, a ocupação dos espaços públicos, fortalece os movimentos

reivindicatórios e a melhoria das condições de vida do entorno. No entanto, segundo José

Coraggio, as unidades domésticas também apresentam contradições, pois não existe um tipo

ideal de UD. Existe, sim, uma variedade de idiossincrasias de seus integrantes os quais são

influenciados tanto pelas culturas como pelas conjunturas econômicas, daí a necessidade de

mudanças estruturais no sistema atual, o que não é possível conseguir por meio de programas

unidimensionais, o que torna necessária a busca de estratégias e recursos consistentes que

possibilitem importantes mudanças na correlação de forças entre os desiguais. (CORAGGIO,

2003, p.92). É necessário também, segundo o autor, articular elementos tecnológicos,

econômicos, políticos e culturais, tendo em vista potencializar as iniciativas dos

6 Unidade Doméstica – UD, segundo Coraggio (2003) é entendida “como microunidade de organização dos sistemas de produção, a célula da economia popular, da mesma forma que as empresas, como microunidades da reprodução do capital, são as células da economia capitalista”. (CORAGGIO, 2003, p.95).

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trabalhadores, bem como o exercício da democracia participativa coordenado pelo Estado,

com vistas a um desenvolvimento local integral e integrado.

Na visão de Coraggio (2003), o capital é um fim em si mesmo e sua finalidade é

acumular. O trabalho, porém, tem um objetivo que o transcende: sua meta é a reprodução

ampliada da vida dos trabalhadores e é sob essa ótica que diferem os conceitos de valor,

eficiência e conhecimento. A cooperação e o associativismo são indispensáveis para a

sobrevivência destes grupos, embora a prática associativa possa ter metodologias distintas.

Nesse sentido a economia popular solidária não constitui uma nova forma de economia que

viria acrescentar-se às formas dominantes da economia mercantil e não mercantil. (SINGER,

2004, p.7-9). Constitui, segundo Jean-Louis Laville e Genauto Carvalho França Filho, muito

mais numa tentativa inédita de articulação entre as economias mercantil, não mercantil e não

monetária gestada a partir de iniciativas associativistas e cooperativistas oriundas da

sociedade civil e dos meios populares. Incorpora a solidariedade no centro das atividades

econômicas, cuja atividade econômica é apenas “um meio para a realização de outros

objetivos, sejam eles de natureza social, política ou cultural”. (LAVILLE; FRANÇA FILHO,

2004, p. 16).

A realidade da grande maioria da população latinoamericana e brasileira é precária. A

busca pela garantia da satisfação das necessidades primárias, como comer, vestir, ter acesso a

serviços indispensáveis, exigem a organização solidária das unidades domésticas dos

trabalhadores e a conexão em redes com universidade, sistema educacional público e sistema

científico-tecnológico, ou seja, uma integração com as diferentes forças sociais. E, assim, a

economia popular em expansão pode e deve dar lugar a um “sistema de economia do trabalho,

capaz de representar e de dar força efetiva aos projetos de qualidade de vida em uma

sociedade mais igualitária, mais justa e autodeterminada”. (CORAGGIO, 2003, p.96).

O desafio que se coloca para a “outra economia”, segundo Cattani (2003), é reafirmar

a importância fundamental do trabalho para os indivíduos e para a sociedade, dadas pelas

dimensões libertárias ou opressoras. Outro desafio a ser enfrentado é a capacidade de

demarcar o campo das alternativas verdadeiras e práticas conservadoras, em que são

internalizados os mesmos princípios concorrenciais da economia capitalista, permeados de

ações caritativas. A outra economia é plural e não objetiva retornar à era pré-capitalista e ser

uma alternativa para os pobres e excluídos. Quer proporcionar avanços em todas as

dimensões, envolver de maneira responsável os diferentes segmentos da sociedade, recuperar

a criatividade humana na construção do progresso, do conforto e da qualidade de vida para

todos, isso associado ao reforço das lutas sociais, à democratização do ambiente do trabalho e

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ao controle social, numa perspectiva crítica, sob o prisma da capacidade de discernir racional

e avaliativamente, indiferente a preconceitos, convenções ou dogmas. (CATTANI, 2003,

p.13).

1.3. A Economia Popular Solidária entre o desejável e o factível

Nos últimos anos muito se tem discutido sobre a economia popular solidária. Estudos

sobre essa temática têm possibilitado um importante debate teórico sobre sua natureza e

definição.

Os empreendimentos populares, tendo como base de sustentação o trabalho associado,

cooperativo e autogestionário, segundo Gaiger (2003), são fatos cada vez mais presentes e

visíveis em nossa paisagem social. Tanto no Brasil, como em outros países, têm sido

observadas iniciativas econômicas exercidas pelos segmentos sociais de baixa renda,

sobretudo mulheres, fortemente atingidas pelo quadro de desocupação estrutural e pelo

empobrecimento. Questões como a viabilidade dos empreendimentos a médio e longo prazos,

sua natureza e significado, a socialização dos bens de produção e do trabalho têm suscitado o

interesse e a preocupação de estudiosos, bem como o apoio de organizações não

governamentais e gestores públicos a programas sociais voltados para a Economia Popular

Solidária.

Neste sentido, para Gaiger (2000b) a Economia Popular Solidária é um conceito ainda

em construção e apresenta sinais consistentes de viabilidade, podendo evoluir para sua

autossustentação, denominado por ele de “solidarismo empreendedor”. Uma iniciativa que

resulta não da justaposição, mas da fusão de princípios, que na economia convencional são

separados, ocorrendo assim uma contraposição entre o social e o econômico e uma dicotomia

entre ser cooperativo, associativo, filantrópico e eficiente. O autor ressalta que nos

empreendimentos econômicos solidários, solidariedade e eficiência se retroalimentam e

destaca sinais e evidências importantes, nas experiências observadas, quanto à sua viabilidade

e possibilidade de autossustentação, admitindo, porém, que muitas destas iniciativas não têm

experimentado uma ascensão social e econômica tal como têm mostrado alguns estudos feitos

no Rio Grande do Sul, em assentamentos rurais e cooperativas de produção industrial

(GAIGER, 2000b, p.180).

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O que leva a apostar na economia popular solidária não é a relação construída com

base na distinção e separação da lógica do modelo capitalista. O que a economia popular

solidária propõe é uma ampliação no usufruto das benesses do desenvolvimento, de modo que

tais benefícios não se restrinjam apenas aos “capazes” de uma acumulação do capital. Não se

trata aqui, na visão de Gaiger (2000b), de superar o modo de produção capitalista, pois a

economia solidária remete ao princípio basilar de organização da vida social e

desenvolvimento material e humano. As relações de trabalho são definidas por regras

mínimas, e a jornada de trabalho, salário e rateio do lucro são coletivamente decididos entre

os integrantes do empreendimento. Relações sociais estabelecidas de modo diferente no

processo material de trabalho. Uma forma social de produção que vai conviver com o modo

de produção capitalista, com seus desafios e impasses, sobretudo no que diz respeito à

incorporação de tecnologias apropriadas e mais adequadas. (GAIGER, 2000b, p. 188). A

potencialização de recursos humanos, materiais e culturais já existentes, bem como as práticas

que ajudem na caminhada dos empreendimentos econômicos solidários são fatores de êxito.

Segundo Laville e França Filho (2004), a Economia Solidária na Europa se apresenta

como um fenômeno pela sua multiplicidade de iniciativas. Frente aos limites da chamada

sociedade salarial, (Castel, 1998) e a crise do trabalho, a Economia Popular Solidária busca

novas formas de regulação da sociedade de modo ainda incipiente, bem como processos auto-

organizativos sociais em ações simultaneamente econômicas e políticas. Práticas econômicas

basicamente desenvolvidas pelas mulheres e que propõem, nas iniciativas locais, “serviços de

proximidades”, ou seja, “serviços solidários”. Uma economia não necessariamente contra o

mercado, mas como mercado sob outros princípios e um conjunto de atividades que

contribuem para a democratização da economia, a partir de engajamentos de cidadania. No

entanto, segundo esses autores, as experiências de economia solidária apontam resultados bem

abaixo das expectativas suscitadas.

Estudos feitos por Laville e França Filho (2004) apontam que, no contexto europeu, o

que também é perceptível no Brasil, a Economia Solidária apresenta quatro universos de

experiências: comércio justo, finanças solidárias, economia sem dinheiro e empresas sociais.

As experiências denominadas “comércio justo” buscam construir uma solidariedade

interna, fundada em novas relações econômicas e comerciais. Relações comerciais mais justas

entre produtores e consumidores, eliminando os intermediários. Busca-se também sensibilizar

a opinião pública sobre as condições injustas no comércio internacional.

O segundo modelo, denominado “finanças solidárias”, estabelece outro tipo de relação

com o dinheiro nas experiências de microcrédito e poupança solidária. Frente ao desafio de

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democratizar o acesso ao crédito, a seletividade limita a oferta e a busca de rentabilidade das

instituições financeiras. Busca-se, por meio do fomento de pequenos empreendimentos locais,

a aplicação ética do dinheiro e seu investimento em projetos sociais, de desenvolvimento

local, preservação ambiental e contra a exclusão social. Algumas dessas experiências

apresentam certa vulnerabilidade do ponto de vista econômico.

O terceiro modelo, denominado “economia sem dinheiro”, é concretizado a partir de

redes e clubes de troca recíprocas, não mercantis, fruto da autoprodução coletiva. Sistemas de

trocas locais e redes de trocas de saberes recíprocos. O intercâmbio é compatibilizado através

de uma moeda fictícia e as dívidas reguladas por um sistema de cooperação. São diversos os

bens e serviços trocados. Um sistema de dívidas e créditos dinamicamente fomentado,

perpetuando relações sociais. Não se adota moeda local. Trocam-se saberes e busca-se a

construção de uma cultura de reciprocidade, em que alteridade e igualdade se encontram.

(LAVILLE; FRANÇA FILHO, 2004, p. 126).

Já as “empresas sociais” fundamentam-se na prestação de serviços de proximidade ou

serviços solidários, através da atividade privada, de interesse geral, sem fins lucrativos, com

objetivos econômicos e sociais, produção de bens e serviços e soluções inovadoras para

problemas de exclusão e desemprego. Inscrevem-se muito mais numa perspectiva

socioeconômica do que sociopolítica. São mais uma economia social do que uma economia

solidária. Têm uma dimensão democrática e seu funcionamento e o lucro gerado tem

objetivos sociais, com experiências de inserção pelo econômico, resultante de práticas locais e

controladas pelo poder público. Constituem-se em projetos emanados da sociedade civil que

são vetores de políticas públicas. Nessas experiências merecem destaque as cooperativas

sociais italianas – cooperativas de solidariedade social e as empresas sociais na França, as

quais são dependentes de financiamentos públicos.

A questão colocada, segundo Laville e França Filho (2004), e que remete também para

nossas experiências de economia popular solidária é: como distinguir uma economia de

inserção de caráter assistencialista e uma economia propriamente solidária? Outra questão

importante também diz respeito à autonomia dos empreendimentos econômicos solidários.

Frente às injunções do mercado e dos poderes públicos, como garantir a autonomia e

preservar o projeto inicial?

Merece destaque a observação de Anne Marie Wautier, em seus estudos sobre o tema

em questão. A autora retoma os anos 1980 na França e o cenário econômico e social

inaugurado: envelhecimento da população, aumento da oferta de serviços, da mão de obra

feminina e a progressão das desigualdades, dentre outras mudanças, que favoreceram o

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crescimento do desemprego, da exclusão e a “petrificação” da previdência social.

(WAUTIER, 2003, p.111). Como resposta a esse cenário, ocorrem reações tanto por parte da

sociedade civil, como do poder público. Segundo a autora, a sociedade civil buscou em suas

ações elaborar outras formas de trabalho como enfrentamento dessa realidade. Já o poder

público investiu na criação de empregos financiados por fundos públicos direcionados às

organizações de economia solidária. Nesse contexto é consolidada a união estável entre a

economia social e a economia solidária, o que possibilitou, nos anos 1990, a reflexão e o

debate, muitas vezes acirrado, polêmico e controverso no mundo acadêmico, sobretudo entre

economistas e sociólogos.

Nessa reflexão e debate concluiu-se que a economia moderna não se reduz ao

mercado, mas também “pode ser analisada como uma construção social e interação entre

poder público e iniciativas privadas” , pautadas pela reciprocidade e redistribuição dos bens e

serviços (LAVILLE APUD WAUTIER, 2003, p.112). O terceiro setor solidário é

caracterizado pela multidimensionalidade e entendido como espaço intermediário e mediador

entre o Estado, o mercado e o setor informal, exercendo assim um papel político e social, e

não apenas econômico. Essa concepção aponta o caráter fundamentalmente político da

economia popular solidária, uma vez que esta enfatiza o modelo de desenvolvimento

intimamente ligado à democracia participativa.

As diferentes e divergentes abordagens que surgiram no debate acadêmico revelam,

segundo Anne Marie Wautier, a busca da identidade da economia solidária na sua

diversidade, bem como a indispensável análise histórica para compreender os diferentes

papéis dos atores e o peso político e econômico da ação social e solidária. (WAUTIER, 2003,

p.113). Em seus estudos a autora relata que a atividade associativa na França, entre os anos

1980 e 1990, encontrava-se em evidência e representava um grande percentual de empregos.

Nesse cenário, a procura de uma identidade, a legitimação de uma “outra economia”, sua

abordagem sociológica e jurídica, bem como a discussão sobre solidariedade e eficiência em

um contexto de desigualdade, a concorrência muitas vezes desleal e o risco da reprodução do

modelo de gestão capitalista foram desafios já enfrentados naquela época pela economia

social e solidária na França.

O caráter ideológico na tomada de posição dos atores da economia social não facilita o

diálogo, mas, para Anne Marie Wautier, o maior desafio diz respeito à ética e à fidelidade ao

projeto social, tendo como princípio básico a participação democrática e cidadã, o que não é,

em hipótese alguma, exclusividade da economia social e solidária. Muitas são as críticas em

relação à confusão conceitual e teórica e as perversas ambiguidades entre esfera mercantil e

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não mercantil, sem contar o perigo do adestramento por parte de alguns “partidos e caciques

locais”. A burocratização e ausência de transparência, democracia interna e gestão das

relações interpessoais entre seus membros são também outros desafios. (WAUTIER, 2003,

p.114). No entanto, na França, segundo Anne Marie Wautier, o que podemos aplicar ao caso

brasileiro, esse debate não se polariza apenas sobre os impasses e limites da economia social e

solidária. Trabalhar as políticas mais do que as idéias é algo imprescindível. Um debate que

vai prosseguir, pois, para muitos setores, “a economia social e solidária não tem mais

nenhuma razão de ser”, postura que encontra eco no mundo político. (WAUTIER, 2003,

p.115).

Laville e França Filho (2004) afirmam a inegável importância dessas iniciativas; no

entanto, constatam também algumas contradições. Segundo esses autores, percebem-se

ambiguidades entre autonomia e institucionalização. O papel das iniciativas solidárias é

reconhecido e legitimado pelo poder público, mas criam-se estruturas não previstas em lei. A

heterogeneidade de suas formas assumidas e sua autonomia institucional frente às injunções

do mercado e do poder público desafiam as experiências de inserção pelo econômico, que

parte da constatação dos limites das políticas públicas, especialmente ao chamado tratamento

social do desemprego: uma crítica aos modos de inserção assistencialista e uma tensão

dialética entre o reconhecimento e a instrumentalização. Na visão desses autores a emergência

atual da Economia Solidária, tanto na Europa como no Brasil, está intimamente ligada à

problemática da crescente exclusão social e à questão urbana frente à crise do Estado-

Providência. Uma nova questão social, a partir da década de 1980, vivida nos países centrais e

decorrente de algumas mudanças no cenário do chamado novo capitalismo, que parece

definir-se mais em termos de exclusão dos espaços de trabalho do que de exploração no

interior do trabalho. Um conflito social que, mais do que dominação de classe, se revela

enquanto segregação social, conduzindo os indivíduos a uma relação social de indiferença.

(LAVILLE; FRANÇA FILHO, 2004, p. 110-118).

Na América Latina, segundo esses autores, a economia popular solidária não se

resume a algumas formas de cooperativismo, mas numa diversidade de experiências. Para

enfrentar os desafios locais, novas formas de trabalho e geração de renda são experimentadas

em diferentes iniciativas populares, através de atividades econômicas e organizadas sob os

princípios da solidariedade e democracia. Uma diversidade não apenas quanto à sua

organização, mas também quanto à sua estruturação e institucionalização. Essa diversidade

desafiadora é perceptível no contexto nacional e suas diferentes regiões geográficas.

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Diferenças que se manifestam tanto no plano econômico como no plano político e cultural,

permitindo assim uma complexidade de olhares.

A economia popular solidária, teimosamente desenvolvida pelos setores populares,

aponta para um cenário desafiador. O desafio é projetar entre a realidade e a utopia e provocar

a reflexão sobre os limites, fragilidades, impasses e potencialidades que permeiam essa

economia dos setores populares em tempos de globalização. É, ainda, desvelar sua existência

e sobrevivência, muitas vezes precária, dispersa e fragmentada, cuja viabilidade e crescimento

têm uma forte dependência de aportes políticos sociais e econômicos e requerem processos e

ações convergentes e complementares dos múltiplos atores nos diferentes campos sociais,

políticos e econômicos, bem como a construção progressiva de redes sociais. Sem idealizar

valores nem dourar a pílula, tem a árdua tarefa de redescobrir a dimensão cidadã do trabalho e

suas implicações políticas, econômicas e sociais, de modo que políticas públicas efetivas,

direitos sociais e fortalecimento da cidadania sejam de fato seus princípios reguladores.

Construir práticas novas de produtividade e competitividade, cujo sentido aponte para a

reprodução ampliada da vida, reprodução de núcleos ou unidades domiciliares de

sustentabilidade humana, e não para a precarização das relações de trabalho e acumulação do

lucro. (KRAYCHETE, 2000, p. 19.36-37).

A partir da realidade dos empreendimentos econômicos solidários na RMBH, faz-se

necessário analisar as práticas dos trabalhadores e compreender suas motivações e

organização construída nas relações de trabalho. Compreender também em que medida essas

alternativas de geração de trabalho e renda se configuram como algo “alternativo”. São

alternativos à lógica do capital, ou um refúgio frente à crise do emprego? São questões

inquietantes, uma vez que a lógica do mercado capitalista direciona as relações de trabalho em

vista de seus objetivos. Em meio a tantas interrogações, cabe também aos empreendimentos

econômicos solidários, gestores públicos e entidades de apoio e fomento a seguinte questão:

por meio da Economia Popular Solidária é possível ainda contribuir para que o mercado seja

lugar da troca de bens e de serviços produzidos pelo trabalho, de modo que sustente a

reprodução da vida, ou, os empreendimentos econômicos solidários estão se tornando um

colchão amortecedor da exclusão? Um universo de interrogações, que seja fecundo de novas

pistas e dê sentido às antigas e novas práticas sociais, de modo que tais práticas respondam

aos desafios da realidade.

A Economia Popular Solidária no Brasil encontra-se em processo de estruturação. A

maioria dos empreendimentos econômicos solidários é apoiada por órgãos governamentais e

não governamentais que buscam incorporar nesses empreendimentos um processo educativo,

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tendo a reciprocidade como princípio e a construção democrática como metodologia de

gestão. (LAVILLE; FRANÇA FILHO, 2004, p.150). Com a criação da Secretaria Nacional de

Economia Solidária, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (SENAES/MTE) e a

constituição de redes de iniciativas e fóruns (nacional, estadual e regional), essas experiências

contam com uma série de entidades que atuam como agentes mediadores no fomento e

desenvolvimento dessas iniciativas.

Movida pela necessidade de produzir renda suficiente para a satisfação do consumo

básico e de sobrevivência, a Economia Popular Solidária não consegue romper a precariedade

da estruturação interna das atividades e evitar a subordinação à lógica do capital. Garante

apenas a reprodução imediata das condições materiais de vida das pessoas e de articulação

externa, isto é, a construção de redes e parcerias institucionais. Sua capacidade de ação no

espaço público de atacar os problemas sociais é pequena e restrita à esfera da comunidade

local. (LAVILLE; FRANÇA FILHO, 2004, p. 164). É importante observar que os princípios

da Economia Popular Solidária estão presentes em diferentes iniciativas, numa variedade de

organizações que compõem os campos de sua atividade econômica e social7. Garantir bases

de sustentação, fontes de financiamento, redes de comercialização, assessoria, apoio

institucional e legal são algumas das condições essenciais de sustentação desse novo jeito de

fazer economia.

Luiz Inácio Gaiger afirma que o conceito de Economia Popular Solidária recobre uma

realidade diversa de motivações, iniciativas e natureza distintas, em que alguns traços da

realidade histórica de projetos assistenciais, projetos de promoção humana e projetos

alternativos, marcam a heterogeneidade e diversidade das iniciativas populares. Nessas

iniciativas subsiste uma tensão fundamental entre o possível e o desejável. Situando limites e

demarcando possibilidades, não resta dúvida de que o sentido que os empreendimentos

solidários trazem à prática econômica é inovador e inconfundível: retira do trabalho a

condição de mercadoria e atividade alienada à lógica do lucro e à apropriação capitalista. Têm

a dupla tarefa de superar os limites colocados pela ordem econômica vigente e avançar na

construção de novos parâmetros de organização e articulação. (GAIGER, 2000a, p.278-281).

7 Na visão de Singer (2000) os princípios da Economia Solidária operam em diversas empresas e cooperativas, desde cooperativas de produção industrial e serviços, dotadas de capital abundante, tecnologia avançada e competitividade no mercado, passando por cooperativas de trabalho, cooperativas de crédito, de habitação, de consumidores e experiência de pequenas associações de trabalhadores socialmente marginalizados, estigmatizados e segregados, associações estas muitas vezes vivendo de doações e ajuda externa. Há uma grande diferença entre as diferentes experiências em andamento, o que reafirma a necessidade de efetivas políticas públicas de fomento que viabilizem esta economia como alternativa ao capitalismo. (SINGER, 2000a, p.22-24).

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Segundo os estudiosos é inovadora a articulação política e econômica dos

empreendimentos solidários quando o binômio pobreza e vulnerabilidade social assumem

novos contornos. Trata-se de novos desempregados, vítimas do agravamento da situação de

pobreza existente na sociedade e excluídos do mercado formal; são as “novas”, melhor

dizendo, antigas vítimas de um modelo de desenvolvimento centrado no crescimento

econômico, na lógica exclusiva do mercado, no individualismo, na busca excessiva do ganho

material, nos hábitos de consumo, no imediatismo e utilitarismo. Nesse universo tão

complexo, agentes mediadores e atores sociais da economia popular solidária buscam nas

atividades econômicas articular solidariedade e práticas de reciprocidade. A produção e

desenvolvimento da atividade econômica têm uma dimensão comunitária em que

necessidades (demandas) e saberes (competências) estão intimamente articulados tanto no

plano local quanto no plano institucional, por meio do reconhecimento pelo poder público,

deste “saber popular” e o apoio técnico. O “mutirão”, sistema de auto-organização popular e

comunitária para a realização e concretização de projetos e práticas de reciprocidade, tão

comum nos meios populares, é exemplo dessa articulação. (LAVILLE; FRANÇA FILHO,

2004, p. 163).

Ao evidenciar a complexidade de fatores em jogo nesse emaranhado de contradições e

dilemas, ocorrem diferentes olhares e leituras sobre a realidade da economia solidária. E

assim, fica estremecida a afirmação de que “a economia popular solidária é uma alternativa ao

capitalismo” (GAIGER, 2003, p.16-17. Para os estudiosos desta temática8, as iniciativas

solidárias vivem simultaneamente um momento de profusão e debilidade. Paradoxalmente,

apesar de sua precariedade, há elementos que sinalizam para seu potencial: surgem novas

organizações de crédito, redes de trocas e consumo solidário, bancos populares e moedas

sociais. No entanto, são experiências, cuja validade é maior pelo seu significado do que pelo

impacto. Carecem de políticas efetivas de intercâmbio e maior envolvimento de outros

segmentos e atores sociais.

Segundo as observações de Antônio Cattani, são múltiplas, complexas e controversas

as alternativas na esfera produtiva e abrigam incontáveis adeptos bem intencionados, com

seus nobres propósitos; no entanto, apenas boas intenções não bastam. Assim, entre projetos

sólidos há também iniciativas inconsistentes e inconsequentes, cujo resultado não agrega

transformações efetivas. E, num misto de confusões e dúvidas, há também elaborações e

8 Coraggio (1997b, 2003), Ferreira (2004), Ferreira e Bertucci (2005), Gaiger (2000a, 2000b, 2002, 2004), Laville e França Filho (2004) Laville e et.al. (2006), Singer (2000a, 2000b, 2002), Souza (2000a, 2000b), Tiriba (2000) e Wautier (2003).

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representações da realidade. Teorias e conceitos que contribuem para a apropriação correta da

natureza e potencialidade da economia popular solidária. (CATTANI, 2003, p.11).

Na visão de Luiz Inácio Gaiger, cabe aos cientistas sociais traçar hipóteses e observar

algumas experiências, sem fazer generalizações. Sem cair em euforismos e mistificações

quanto ao seu potencial nem recair no ceticismo e pessimismo paralisante; é importante

perscrutar a realidade com seus condicionantes, impasses e desafios, compreendendo a

economia solidária também enquanto meta que pressupõe possibilidades nem sempre

acessíveis. E, assim, ter a consciência e clareza necessárias do contexto, das circunstâncias e

dos problemas que essa realidade aponta, sem confundir o desejável com o factível, mas

buscar evidências empíricas quanto ao seu potencial, seu papel, função e viabilidade, para

efetivamente posicionar-se frente à questão; pois, a Economia Solidária carrega em si algo de

projeção, algo de desejo. (GAIGER, 2000b, p. 178-179). Percepções e idealizações que

prefiguram o que é a Economia Solidária: um misto de meta e desafio.

Fala-se muito em viabilidade e eficiência e, sem dúvida, são elementos muito

importantes. Mas de qual viabilidade e eficiência estamos falando? Diz respeito apenas à

autossustentação e à plena independência financeira, social e econômica? Como aponta Luiz

Inácio Gaiger, essa independência não existe em nenhum setor econômico, nem mesmo na

poderosa Ford, que fica “passando o chapéu” nos Estados Unidos, para ver onde corre mais

dinheiro. Daí a legitimidade da economia solidária em buscar políticas de alavancagem. Não é

possível pensar viabilidade como uma espécie de conjunto de empreendimentos autárquicos

que, por própria conta, vão dando resposta a tudo o que é necessário. (GAIGER, 2000b p.

180). A Economia Solidária tem outro caráter. Buscam-se resultados para todos os envolvidos

no empreendimento, o que difere de uma empresa capitalista, que, em nome da redução dos

custos e da maximização do lucro, promove demissões, reduz salários, desrespeita direitos

sociais constitucionalmente adquiridos. O critério de eficiência numa empresa capitalista

muitas vezes não leva em consideração a sustentabilidade social e ambiental. Daí que falar em

viabilidade e eficiência para os empreendimentos econômicos solidários não diz respeito

apenas ao custo-benefício, mas envolve também o fator trabalho, em que os trabalhadores são

sujeitos e protagonistas no empreendimento. Para esses empreendimentos o lucro não é a sua

finalidade última e a eficácia tem em vista a reprodução ampliada da vida.

Viabilidade e eficiência são duas coisas inseparáveis, que remetem também ao

conceito de justiça e igualdade, de modo que os resultados nessa perspectiva mais ampla

envolvam também o fator econômico. Um desafio colocado tanto para as organizações

protagonistas da Economia Solidária, como também para a sociedade como um todo;

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condição necessária para construção de novas relações de cooperação, de modo a dar

condições e possibilidades de construir uma sociedade justa e igualitária. (GAIGER, 2000b, p.

180-181).

Os últimos anos no Brasil revelam um novo cenário socioeconômico que aponta para

novas perspectivas no mundo do trabalho, sinalizando, a partir do Governo Lula e do

aquecimento da economia brasileira, a formalização de novos postos de trabalho. Segundo

dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), só durante o mês de maio de

2008 foram criados 202.984 postos formais de trabalho no Brasil. Os setores que mais

geraram vagas foram os de serviços, agropecuária e indústria de transformação. Em relação

aos cinco primeiros meses de 2008, foram geradas 1.051.946 vagas de trabalho, número

15,11% maior que o registrado nos cinco primeiros meses de 2007. Segundo o indicador da

PIM (Produção Industrial Mensal) 9, "a produção industrial da PIM encerrou o primeiro

semestre de 2008 mantendo um ritmo de crescimento bastante elevado” e na comparação com

o mesmo período de 2007, a variação foi de 6,3%, a maior taxa desde 2004 nesta base de

comparação10.

Uma importante questão é colocada a partir desse novo cenário: quais serão os novos

rumos adotados pelos empreendimentos de economia solidária no Brasil? Frente à ampliação

do mercado de trabalho e sua absorção de mão de obra, a economia solidária desaparecerá, ou

ela terá condições e energias próprias de se manter alicerçada, permitindo assim a

consolidação dos empreendimentos econômicos solidários?

Longe de qualquer pretensão conclusiva, cabe aqui colocar alguns pontos de análise.

Em primeiro lugar, convém destacar que o público que trabalha nos empreendimentos

econômicos solidários geralmente é composto por mulheres pobres com baixa qualificação,

mães chefes de família, com idades bem variadas, sendo que muitas delas têm idade acima de

30 anos. Trata-se, de fato, de uma parcela significativa da população historicamente excluída

do mercado formal de trabalho. Nesse ponto, cabe questionar em que medida esse novo

processo de formalização dos postos de trabalho atingirá os atores envolvidos em iniciativas

solidárias.

Já em segundo lugar, cabe ressaltar que, embora uma grande parte dos envolvidos nos

empreendimentos solidários esteja ali por “falta de opção” e como refúgio ao desemprego,

muitos optaram por continuar em função de benefícios extraeconômicos, atrelados

9 Documento do IPEA, que projeta um crescimento de 7,6% na produção de julho daquele ano. comparada com a produção do mesmo mês no ano anterior. 10 Dados obtidos no site do IPEA www.ipea.gov.br/default.jsp acessados em 29 de agosto de 2008, às 18:46.

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especificamente às formas autogestionárias de produção. Nesse ponto, as restrições

econômicas, restrições estas relacionadas geralmente às dificuldades de inserção desses

empreendimentos, em relação aos circuitos gerais de comercialização, não retiram dessas

iniciativas seu potencial emancipador enquanto espaços democráticos e de fomento de valores

potencialmente ligados à reciprocidade, autonomia e respeito às diferenças.

É importante salientar também que as novas ofertas de trabalho formal são

direcionadas a um público que não é especificamente o público presente nos

empreendimentos econômicos solidários, pois, em sua maioria, não dispõe da qualificação

exigida para ocupar as vagas oferecidas no mercado formal.

É possível construir uma economia centrada na expansão do desenvolvimento local e

global, onde Estado e sociedade estejam juntos, interagindo trabalho e reprodução ampliada

da vida para todos? Isso exige a centralidade do trabalho como direito e condição material,

combinados com respeito, equilíbrio ecológico, direitos humanos e um programa estratégico

que oriente as ações e gere situações de aprendizagem em diversas escalas, baseadas na

reflexão e na prática.

Na visão de Coraggio (1997b), a economia popular solidária não se esgota em si

mesma e deverá coexistir, gerindo suas necessidades e conflitos internos. Já Lia Tiriba faz

referência a uma nova cultura do trabalho a qual não se esgota no interior do processo de

trabalho, mas sintetiza as relações estabelecidas entre os trabalhadores e a sociedade. Para ela,

o grande desafio é estender esta nova cultura do trabalho para além de seu espaço

comunitário-social, de modo que possa efetivamente configurar algo alternativo à lógica do

capital e “tornar real uma cultura do trabalho baseada em relações em que o educativo e o

cultural sejam parte integrante do projeto econômico”. (TIRIBA, 2000, p.235).

Muito interessante a reflexão feita por Barbosa (2007). Segundo a autora, o termo

economia solidária traz consigo objeto de “controversa teórica” porque apresenta duas

imprecisões: supõe segmentos diferenciados e autônomos de economia e a classificação por

um dos segmentos como solidariedade, numa sociedade capitalista com seus valores e

objetivos distintos. No entendimento da autora, a economia solidária se vincula à

“desobrigação pública com a oferta de emprego e à fragilização dos sindicatos e ganha

expressão nas periferias das cidades e na zona rural do país a partir da ação direta de igrejas,

sindicatos e organizações não governamentais”. O trabalho associado aparece como resposta à

nova sociabilidade imposta pelo capital, envolvendo segmentos de trabalhadores desde os

mais vulnerabilizados com a baixa escolarização e qualificação e que nunca interagem no

mercado de trabalho formal, até trabalhadores desempregados que se submetem ao trabalho

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precarizados pela via do autoemprego. A autora aponta para o descomprometimento do

Estado, no que se refere à universalização dos direitos, a começar pelo direito ao trabalho

assalariado e suas garantias sociais e chama atenção ao que ela denomina de “autonomização

civil” 11, que tem como lema “a sociedade por conta própria”. Segundo esta autora, a economia

solidária é considerada uma variante de política pública, e não um movimento social, apesar

de suas motivações e potencialidades utópicas de transformação social. (BARBOSA, 2007, p.

22-23).

Para Barbosa (2007), a economia solidária é um fenômeno recente que se apresenta

numa conjuntura marcada por incertezas. Um fenômeno ainda em curso que apresenta um

modo de produzir, mas não um modo de produção diferente. Práticas econômicas não

convencionais, como alternativas à crise no mundo do trabalho, mas subordinadas à lógica do

capital. Alternativas que não ameaçam o modelo capitalista, pois tratam de atividades de

subsistência que pouco interessam ao capital e contribuem para o rebaixamento dos custos do

trabalho, pois estão presas a processos determinados pelo movimento do capital que

produzem, recriando práticas econômicas não capitalistas.

Portanto, a autora deixa transparecer uma preocupação em relação a essas iniciativas,

pois, na sua visão, a Economia Popular Solidária contribui para o aprofundamento e

ampliação da informalidade ligada à lógica produtiva, favorece a redução de custos de

produção e a restrição de direitos trabalhistas, sendo os riscos transferidos para os próprios

trabalhadores. Uma ligação consentida pelo Estado e subordinada à organização produtiva do

capital. A informalidade é caracterizada em duas dimensões: as atividades informais sem

vínculo com a acumulação capitalista e aquelas subordinadas contratualmente às empresas, na

organização produtiva, sendo terceirizadas e subordinadas à flexibilização do trabalho,

podendo ser associadas a práticas de gestão da pobreza e cuja informalização mal remunerada

visa ao barateamento da reprodução da força de trabalho, conta com a gestão direta do Estado,

por meio da constituição de políticas públicas, delineando novos sentidos para a

informalidade. Práticas autônomas e locais, restritas a agrupamentos pequenos que reafirmam

o dualismo social. Para ela a ideologia do empreendedorismo vem a fortalecer a reafirmação

do dualismo social, por meio de adesão, consentimento e sua dissimulação nas práticas sociais

concretas. Um desdobramento da ideologia neoliberal que retoma o espírito do capitalismo e

visa mais que tudo à liberalização da economia e ao rompimento das regulamentações sociais.

O pequeno negócio ressurge como possibilidade de ocupação para os trabalhadores

11 Mudanças na ação e concepção em relação ao trabalho, à vida e à convivência social.

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desempregados, tendo em vista o enxugamento das grandes empresas e a necessidade de

inserção no mercado de trabalho sem garantias de emprego ou estabilidade.

Enfim, são muitos os desafios e o maior deles é prosseguir na busca dos “fios” que aos

poucos tecem a teia de uma educação para a autonomia e a construção de uma identidade

coletiva que contraponha o modelo hegemônico e traga consigo a tão desejada viabilidade

econômica. Uma história que ainda está sendo escrita nesta conjuntura de tantas mudanças

econômicas e sociais.

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2. POBREZA E VULNERABILIDADE SOCIAL NA PERSPECTIVA DE

GÊNERO

2. 1. Pobreza, vulnerabilidade social e segregação socioespacial na RMBH

Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a forte presença do Estado marcou sua

formação e expansão no final do século XIX. Segundo Mendonça (2003), a nova capital do

Estado esteve “integralmente nas mãos do Estado” no planejamento, execução das obras,

controle e ocupação da cidade. Belo Horizonte já nasce “duplamente periférica”, tanto no

sistema capitalista mundial, como internamente, com anéis periféricos urbanos definidos.

O processo de urbanização, segundo Santos (2005a), remonta à revolução demográfica

na década de 1950, e a transição de uma urbanização aglomerada nos anos 1970 torna-se

concentrada. As cidades e a população crescem, o que possibilita a metropolização12. Como

consequência, a especulação imobiliária acentua o problema de acesso à terra e à moradia,

produzindo assim a periferização da população mais pobre. O serviço de transporte torna-se

mais dispendioso para os pobres, pois a eles sobra a alternativa de viverem mais distantes. A

organização interna das cidades sejam elas, grandes, pequenas ou médias, revela um problema

estrutural cuja análise sistêmica permite verificar como todos os fatores mutuamente se

causam, perpetuando a problemática. (MENDONÇA, 2003, p. 107).

Na RMBH, o processo de segregação socioespacial não foi diferente de outras

metrópoles brasileiras. A Cidade Industrial foi planejada nos anos 1940 e nela foram

estabelecidas as bases da RMBH e seu eixo industrial operário. Nas décadas seguintes,

grandes obras definiram os eixos de expansão urbana. No entanto, quase metade da população

de Belo Horizonte vivia de modo precário e os anéis da periferia já cuidavam de separar as

chamadas camadas sociais populares inferiores das camadas superiores. (MENDONÇA,

2003, p.110). Os anos 1970 marcam o grande crescimento populacional nos municípios

vizinhos de Belo Horizonte13, e, na década de 1980, decresce a geração de emprego no setor

12 Para Milton Santos o fenômeno da metropolização vai muito além de sua denominação legal. “O fenômeno da macro-urbanização e metropolização nos últimos 20 anos concentrou não somente a população, mas também a pobreza. Concentrou também as atividades modernas e tornou-se localização privilegiada da crise de ajustamento às mudanças na divisão internacional do trabalho e suas repercussões internas.” (SANTOS, 2005a, 87). 13 “Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Vespasiano, Contagem, Betim, Igarapé e Ibirité foram os municípios que mais cresceram populacionalmente, atraídos pela dinâmica produtiva” .(MENDONÇA, 2003, p.121).

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industrial e aumenta o mercado informal. A crise do modelo de desenvolvimento mostra nesse

período as alterações da estrutura social, a precarização das relações de trabalho, a diminuição

dos rendimentos e a maior entrada de mulheres no mercado de trabalho. E assim, nos anos

1990, a RMBH apresenta uma estrutura social complexa. (MENDONÇA, 2003, p. 127).

Estudos recentes têm demonstrado o crescimento dos índices de vulnerabilidade social

na RMBH, fato este relacionado ao desemprego e a disparidades no mercado de trabalho.

Constata-se também um processo de envelhecimento da população e um número maior de

pessoas da terceira idade no mercado de trabalho. Em Belo Horizonte, por exemplo, ao longo

dos últimos sete anos, a parcela da população em idade ativa (PIA) com 40 anos ou mais se

elevou. Um movimento concomitante com as retrações dos segmentos etários mais jovens,

cujo processo foi mais intenso nas áreas socialmente mais vulneráveis, provocando intensas

mudanças na RMBH. Merece destaque também a constatação de que, na RMBH as intensas

mudanças provocadas no mundo do trabalho estão relacionadas à elevação do nível de

instrução da população; fenômeno marcado pela “perda da representatividade de segmentos

menos escolarizados para os níveis de instrução mais elevados”. (RODARTE; GARCIA;

GUERRA, 2007, p. 19).

2. 1. 1. Um olhar sobre a cidade: o fenômeno urbano, sua complexidade e contradições

A cidade, desde os clássicos da sociologia, tem sido pensada como o lugar da

modernidade e da democracia. As transformações econômicas e seus impactos marcam uma

nova ordem socioespacial, e a estrutura urbana não afeta apenas a estrutura social de uma

sociedade. Expressa também as desigualdades de oportunidades, tanto na localização

residencial como no acesso aos recursos materiais, equipamentos, serviços urbanos e bem-

estar social. Apresenta muitas vezes uma estrutura social e política dualizada e organização

espacial fragmentada e segregada, que interferem no exercício da cidadania.

Do surgimento da “polis” emerge um contínuo processo de transformação e a relação

de submissão e dominação resultante do aprofundamento da divisão socioespacial do

trabalho. Com a Revolução Industrial, novas transformações ocorrem no processo de

urbanização e a cidade industrial marca a entrada da produção no seio do espaço do poder.

Além de manter o controle e a comercialização da produção do campo, a cidade passa

também a transformá-la e, nessa transformação, a extrema dependência do campo, antes

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isolado e autosuficiente, agora numa relação total de subordinação, inclusive de alimentos e

bens de consumo básico. A indústria impõe à cidade a lógica da produção e do consumo. O

espaço da cidade torna-se o lugar do excedente econômico, do poder coletivo, político, da

festa e da cultura. Espaço privativizado e subordinado ao valor de troca. Lugar da reprodução

coletiva da força do trabalho. E, nas grandes cidades industriais, a extensão das periferias e do

proletariado, porta de entrada de amplas regiões urbanizadas em seu entorno. (MONTE-

MOR, 2006, p.7).

Segundo Monte-Mor (2006), “a cidade expressa a divisão socioespacial do trabalho”,

pois sua paisagem é marcada pela indústria e, com ela, a produção, o proletariado, o espaço

do poder e da festa. Espaço privilegiado de relações e reprodução social, cujo tecido urbano

traz consigo o germe da polis e da civitas, cuja práxis urbana permeia todo o espaço social. Da

polis vem o conceito de cidadão, cidadania, cidade, civilização, e os adjetivos urbano e rural

dizem respeito a uma gama de relações socioeconômicas, espaciais e culturais, cuja fronteira

entre o espaço rural e o espaço urbano é cada vez mais difusa e de difícil identificação.

Campo e cidade tornam-se assim elementos socioespaciais opostos e complementares. Ambos

representam diversidades e homogeneidades.

O que é urbano no mundo contemporâneo? Segundo Roberto Luis de Melo Monte-

Mor, o urbano é esse tecido que nasce nas cidades e se estende para além delas, sobre o

campo e suas regiões. Uma síntese dialética da superada dicotomia campo-cidade que se

estende através do “tecido urbano” por todo o território. (MONTE-MOR, 2006, p. 9).

O tecido urbano prolifera, estende-se, corrói os resíduos de vida agrária. Estas palavras, “o tecido urbano”, não designam, de maneira restrita, o domínio edificado nas cidades, mas o conjunto das manifestações do predomínio da cidade sobre o campo. Nessa acepção, uma segunda residência, uma rodovia, um supermercado em pleno campo, fazem parte do tecido urbano. (LEFEBVRE APUD MONTE-MOR, 2006, p. 10).

No Brasil, entre as décadas de 1940 – 1980, um grande contingente de pobres migrou

para as cidades, motivado pelo modelo de desenvolvimento urbano. Já nos anos 1940 essa

população representava 32,2%, e até os anos 1960 a população urbana era menor que a

população rural. Nos anos 1970, São Paulo e Rio de Janeiro concentravam respectivamente

15,63% e 13,23% da população urbana brasileira, e Belém, Belo Horizonte, Curitiba,

Fortaleza, Porto Alegre, Recife e Salvador evidenciavam o fenômeno da metropolização com

16,7%. Nos anos 1980, porém, segundo Carvalho (2006), o Brasil tornou-se

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predominantemente urbano, tendo 67,6% de seus habitantes nos centros urbanos, percentual

que chegou a 81,2% em 2000. A antiga sociedade agrária da metade do século XX se

transformava em um país urbano industrial moderno, bastante desigual e excludente, atraindo

expressivos contingentes populacionais movidos pela oportunidade de acesso a vários

serviços, oportunidades de trabalho e ascensão social, sendo que prosperidade e pobreza

caminhavam juntas. No entanto, na reflexão da autora, a urbanização e o desenvolvimento

brasileiro não asseguraram para o conjunto da população melhores condições de vida e de

trabalho. As relações de contrato de trabalho eram precárias, os direitos sociais universais não

eram universalizados e havia uma grande disponibilidade de mão de obra, que permitia um

exército de reserva. Somavam-se a esses fatores os interesses do capital imobiliário e a

conivência do Estado, incapaz de intervir nos conflitos entre capital e trabalho, promover a

regulação e redistribuição, o que também contribuiu para a confirmação das “cidades

extremamente desiguais e injustas”, com suas periferias desprovidas dos serviços básicos,

carentes de infra-estrutura e serviços adequados e populações sobrevivendo com baixos

rendimentos. (CARVALHO, 2006, p.8-9).

Vale destacar também que, em decorrência da migração, 60% da população urbana

vivem hoje em 224 municípios com mais de 100 mil habitantes, dos quais 94 apresentam em

sua paisagem aglomerados urbanos e regiões metropolitanas com mais de um milhão de

habitantes (ROLNIK, 2008, p. 10).

Segundo Oliveira (2004), o Brasil é hoje um país nitidamente urbano. Processo

decorrente da industrialização que produziu uma urbanização acelerada, a migração e a

expulsão dos trabalhadores rurais ocorrida, sobretudo, na década dos anos de 1970,

denominada de desruralização, e da adoção do transporte rodoviário, marcando assim o

chamado “milagre brasileiro”. O crescimento econômico e a concentração de renda que

culminou naquela década apresentaram estagnação e queda nos anos subseqüentes. No

entanto, a retração do crescimento econômico não levou de volta para a zona rural a

população que inchava as cidades e suas metrópoles. E, assim, o espaço urbano destinado a

essas populações transformou-se em vastos acampamentos de miseráveis, marcados pelo

desemprego e a informalização da população economicamente ativa. Uma decantação

social14.

14 “Um darwismo social onde somente sobrevivem os mais aptos, não por suas qualidades, mas pela capacidade de adaptar-se à selva urbana brasileira”. OLIVEIRA, Francisco. In As contradições do Ao: Globalização, Nação, Região, Metropolização. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 2004: 30.

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Algumas tendências mundiais adquirem na cidade periférica dimensões trágicas. O “informal” é a não mercadoria do trabalho como exceção do emprego; o mutirão é a não mercadoria da moradia como exceção dela mesma e do desemprego; a bolsa-família é o não salário como excesso da informalização; as políticas focadas são a exceção da universalização. (OLIVEIRA, 2004, p.30).

Nos últimos anos, as transformações nas metrópoles brasileiras afetaram as condições

ocupacionais, ampliando a situação de pobreza, vulnerabilidade e degradação das condições

de vida. Estudos recentes analisam as transformações ocorridas, tais como o declínio da

atividade industrial, o expansionismo das atividades financeiras e de serviços e a

intensificação da dualização social das metrópoles. Segundo Carvalho (2006), estas

transformações têm produzido uma nova estrutura social marcada pela polarização entre as

categorias superiores e categorias inferiores da hierarquia social, a concentração de renda e a

redução da classe média, pois a nova economia urbana reforça as desigualdades existentes e

contribui para que novas desigualdades surjam. Em decorrência desse modelo de

desenvolvimento, crescem a pobreza, a economia informal e uma nova marginalidade urbana.

A atração pela cidade, segundo Martins (2002), parte do pressuposto de uma mudança

social, econômica e política entendida por civilização em relação ao atraso do mundo rural e

camponês. O moderno é apenas uma aparência. Uma situação de anomia, com repercussões

desestruturadoras no grupo de referência e de origem, quando novos valores incorporados e

valores sociais e éticos são reformulados. Famílias se desagregam e o “ethos” camponês cede

lugar à desordem, à incerteza e à insegurança. A vulnerabilidade social é associada à

delinquência, à criminalidade e à violência. Uma delinquência não diretamente ligada aos

migrantes primários que ali chegaram, quase sempre tímidos e recalcados, mas gestada pelo

tipo de socialização das gerações que ali cresceram ou até nasceram nesses aglomerados

urbanos, vítimas de uma sociabilidade que já não é tão comunitária, de vizinhanças muitas

vezes indesejáveis, que se constituíram à força, pela pobreza, miséria e degradação.

Realidade dramática, segundo Martins (2002). O pobre é descartado e para ele estão

fechadas todas as portas para uma ascensão social. Já não carrega consigo a esperança de um

destino melhor para seus filhos e netos como no passado, pois lhe é tirado o sentido de destino

e de esperança. A cidade já não oferece a muitos alternativa de vida. Valores relacionados à

cidadania, emancipação, consciência de direitos e de pertencimento perdem seu poder e a

exclusão social torna-se cada vez mais evidente, deixa de ser temporária e torna-se um modo

de inserção social permanente.

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Nesse cenário surgem os novos guetos urbanos, cuja concentração espacial reforça a

precariedade do grupo e projeta a heterogeneidade da pobreza, maior nível de isolamento

social e menor vínculo no mercado e no acesso a serviços oferecidos pelo Estado. Carência

material e condições precárias de vida, de mobilidade social e de bases para construir ou

reconstruir a autoestima já comprometida. Perde-se a referência laboral como referência de

vida digna, de metas e de capacidade de acumulação de capital social. Uma subcultura

marginal, resultante de um condicionante estrutural, que difere da cultura da pobreza. Um

condicionante estrutural proveniente do posicionamento das instituições básicas da ordem

social, ou seja, o mercado, o Estado e a sociedade e suas barreiras para a apropriação das

condições necessárias de oportunidades. (KAZTMAN, 2001, p. 20).

Segundo Carvalho (2006), a segregação socioespacial é uma importante característica

das cidades. A situação de pobreza e as desigualdades que marcam a trajetória da sociedade e

das metrópoles brasileiras se acentuam frente ao fenômeno da globalização e seus impactos

têm contribuído para uma hierarquização socioespacial dinâmica que integra determinadas

áreas e segmentos da população e excluem outros. Os contornos da pobreza tornam-se cada

vez mais delimitados e o local de moradia afeta as condições de vida e as relações sociais de

cada pessoa, bem como a qualidade dos serviços públicos disponíveis e as condições de

empregabilidade. Como resultado da pobreza, constatam-se nessas áreas alto índice de

abandono à escola, atraso escolar e gravidez na adolescência, sem contar o estigma que atinge

certos bairros em decorrência da carência de segurança, dificuldade de acesso, bem como total

ausência de mobilidade social. Uma multidão dos “sem”, vivendo na precariedade e

inadequação de qualidade de vida. Em condições indignas de sobrevivência, são degradados

os padrões de sociabilidade, aumenta a conflitividade, a violência, a ausência de perspectivas

em seus jovens, o conflito e a contradição entre aspirações de consumo e a possibilidade de

realizá-las. Tal impossibilidade, como busca de realização pessoal, conduz ao tráfico de

drogas e à criminalidade, tendo como suas vítimas principais os jovens pardos, pretos e

pobres. Somando-se à precariedade ocupacional, o desemprego é uma realidade assustadora

nas regiões metropolitanas, não poupando somente os que possuem experiência limitada ou os

sem qualificação, mas até os mais instruídos, isto é, os que possuem o 2º grau completo ou

curso superior. (CARVALHO, 2006, p.13) Vale destacar que os dotados de menor

escolaridade e os jovens são os mais atingidos pelo desemprego, que vem, nesse segmento,

atingindo proporções dramáticas.

Na análise feita por Ribeiro e Junior Orlando (2003), no antigo modelo de segregação

socioespacial, as favelas eram unidades territoriais cuja identidade se fundava na

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homogeneidade social e se construíam múltiplas relações entre a favela e o bairro. Muitas

mudanças ocorreram neste cenário e hoje, segundo estudiosos, os lugares de moradia dos

pobres urbanos exercem papel inverso. Dados recentes15 indicam que a favelização está

presente em todas as grandes cidades e nesses espaços é difundida a cultura do risco e a lógica

da desconfiança; o individualismo mina redes de solidariedade e “filiação social”. Formas

criminosas e perversas de sociabilidade se expandem, reforçando e disseminando a cultura do

medo. Os pobres são diabolizados e estigmatizados como origem e lugar da violência urbana

e os lugares de moradia destes segregados e empobrecidos urbanos são identificados como

lugar da desestruturação, insegurança, abandono, desconfiança em relação aos vizinhos,

rompendo assim a sociabilidade e processos identitários construídos no passado.

O tema da desigualdade na cidade, segundo Ribeiro e Junior Orlando (2003)16, tem

três eixos: os serviços urbanos, a renda e as oportunidades. Ativos sociais que permitem a

inserção das pessoas na sociedade, por meio da escolaridade e do trabalho. A vulnerabilidade

aparece quando o regime de bem-estar social fica fragilizado e atinge pessoas ou grupos

sociais fragilizados; crise que se configura e se conecta com as transformações sociais e tem

como consequência a reprodução das desigualdades.

Rolnik (2008), em seus estudos, aborda sobre a realidade de um movimento

concentrador, também no nível intraurbano. Os terrenos legalmente urbanizados, bem como

as políticas de financiamento de crédito imobiliário, são reservados a um círculo restrito dos

que dispõem de recursos, bens e propriedade da terra formalizada em seu nome. Um vasto

sistema de leis, normas e contatos, como condição necessária e através das quais as

qualidades urbanísticas se acumulam e se restringem a um mercado regulado, cuja condição

de entrada quase sempre é a propriedade escriturada e registrada. E assim, para as maiorias,

sobram terras vetadas pela legislação urbanística ou ambiental. Restam-lhes os espaços

precários das periferias, loteamentos clandestinos ou outras formas de assentamentos

irregulares, autoproduzidos por seus próprios moradores com os meios de que dispõem.

Rolnik afirma que “no vasto e diverso universo dos 5.564 municípios que existem hoje no

Brasil, são raras as cidades que não têm uma parte significativa de sua população assentada

precariamente”. (ROLNIK, 2008, p.10). A autora faz referência à pesquisa “Perfil dos

15 Ribeiro e Junior Orlando (2003), em seu trabalho “Democracia e segregação urbana: reflexões sobre a relação entre cidade e cidadania na sociedade brasileira” abordam questões tendo como referência a realidade socioespacial da Região Metropolitana do Rio de Janeiro; realidade que não difere da realidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte. (grifo nosso) 16 Luiz César de Queiroz Ribeiro, durante uma palestra proferida, em setembro de 2007, para os alunos do curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC - Minas, na disciplina “Metrópoles: desigualdades espaciais, trabalho, vulnerabilidade e identidade”. (grifo nosso)

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Municípios Brasileiros” 17, a qual revela a presença de assentamentos irregulares em quase

100% das cidades com mais de 500.000 habitantes; 80% das cidades entre 100.000 e 500.000;

e, nos municípios com menos de 20.000, aparecem mais de 30%. Já o IPEA, com base na

metodologia do UM-Habitat18 e em dados do Censo demográfico, revela que cerca de 40,5%

do total dos domicílios urbanos brasileiros têm renda familiar abaixo de cinco salários

mínimos.

Em áreas frágeis e não passíveis de urbanização, marcadas por íngremes encostas e

várzeas inundáveis, é construída a cidade fora da cidade, desprovida de infraestrutura, de

serviços essenciais e equipamentos necessários à vida urbana digna. Uma população ausente

de mapas e cadastros do poder público, inexistente para os cartórios, registros de propriedade

e serviços públicos. Segundo Raquel Rolnik é clara a divisão entre a “porção rica”, legal e

infraestruturada e a “porção pobre”, ilegal, precária, em situação desfavorável, com um acesso

muito restrito às oportunidades econômicas e culturais oferecidas pelo ambiente urbano. Uma

lógica denominada pela autora como “a lógica da desordem”, pois se estrutura em um modelo

urbanístico concentrador e perverso que se completa ao padrão insustentável, tanto do ponto

de vista ambiental, quanto do ponto de vista econômico. Um modelo regido por um mercado

insaciável, cuja origem se encontra na formação da histórica política brasileira e sua obsessão

pela riqueza fácil. (ROLNIK, 2008, p.10).

A captura de assentamentos precários, territórios de comércios varejistas de drogas,

impõe nova sociabilidade implementada de forma paralela aos aparatos da segurança do

Estado. E, no imaginário urbano, as favelas e periferias precárias são caracterizadas

indistintamente como lugares violentos, apesar de que tal realidade seja configurada em

alguns assentamentos precários do país. Já os chamados “lugares seguros” são espaços

fechados, murados, vigiados por câmaras e protegidos por dispositivos eletrônicos e um

exército de segurança privada, nos quais a multiplicidade não penetra. (ROLNIK, 2008, p.11).

Para Luiz César de Queiroz Ribeiro e Orlando Alves dos Santos, trata-se de uma

“marginalidade avançada”, resultante de novos mecanismos de segregação, isolamento e

“alienação territorial”. O resultado dessa segregação denominada de “dessolidarização” entre

as chamadas “classes superiores” e “classes inferiores” é marcado por dinâmicas sociais e

políticas que fragmentam os “de baixo” e unificam os “de cima”. Práticas e linguagem

discriminatórias que passam despercebidas. O que se observa no cotidiano é um verdadeiro

pânico em relação aos territórios e classes populares e fundamenta o discurso e intervenções

17 Dados obtidos no censo de 2000, em (Munic-IBGE 2000), segundo Rolnik (2008), nota de rodapé nº 1. 18 www.unihabitat.org/categories

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públicas19 que muitas vezes contribuem para a exclusão urbana e processos de produção dos

“condenados da cidade”. (RIBEIRO; JUNIOR ORLANDO, 2003, p. 84-93).

Na reflexão de Ruben Kaztman, o território não é neutro, e nem expressa somente a

desigualdade. O lugar de origem e de moradia muitas vezes explicita a vulnerabilidade e

reproduz a desigualdade. Segundo o autor, a segregação residencial refere-se ao processo pelo

qual a população das cidades vai se localizando nos espaços de composição social

homogênea. A concentração dos pobres em determinados bairros da cidade, onde se

concentram uma densidade de privação material, contrasta com a concentração espacial da

população mais abastada em outros bairros. O crescente isolamento social dos pobres urbanos

se converte em um obstáculo importante na conquista dos ativos necessários à sua

emancipação e contribui para que a pobreza urbana se constitua em um caso paradigmático de

vulnerabilidade social. Junto a isso, a precariedade e a instabilidade no trabalho

comprometem a dimensão do capital social e a dimensão da cidadania20 (KAZTMAN, 2001,

p. 5-7).

O destino das metrópoles, segundo Ribeiro (2008), está no centro dos dilemas das

sociedades contemporâneas. A assimetria que progressivamente ganha proporções

assustadoras revela duas condições urbanas: de um lado uma vertiginosa concentração

populacional, em grandes cidades, fruto do processo denominado por Ribeiro (2008) de

desruralização e seus desequilíbrios; e, do outro, a concentração de recursos de bem-estar

social, do poder e do capital.

No paradoxo entre sua capacidade de inovação, coesão, confiança e importante ativo

para o desenvolvimento nacional, concentram-se também desafios que exigem enfrentamento.

Hoje, despreparadas material, social e institucionalmente para o crescimento econômico

baseado na dinâmica da inovação, na economia do conhecimento e eficácia, tanto para a

lógica do mercado, como para os efeitos positivos da coesão social, as metrópoles enfrentam

sérios desafios e crise de sociabilidade, sendo a exacerbação da violência, o seu lado mais

19 Está sendo construído nas imediações do Morro Alto, o Centro Administrativo do Governo de Minas Gerais, fato que tem trazido preocupações para os moradores do Aglomerado. Há uma consciência por parte deles de que esta é, na RMBH, uma área passível de expansão e temem que o mercado imobiliário, em vistas de atender suas novas demandas, estimule os moradores das imediações do Centro Administrativo a vender seu imóvel e buscar outros espaços mais distantes e periféricos, ocorrendo assim uma “limpeza da área”. Afirmam que, após o início da construção do Centro Administrativo, o IPTU aumentou e os imóveis tornaram-se mais valorizados. 20 Ao referir-se a essas dimensões, enfatiza o trabalho enquanto lugar privilegiado para a construção de redes de amizade, de informação e de acesso a determinados serviços. A estabilidade no trabalho aumenta a oportunidade de acessos institucionais eficientes na defesa de seus interesses laborais e a preservação de direitos adquiridos. No que diz respeito à dimensão da cidadania, enfatiza seus aspectos subjetivos, objetivos e as conquistas relacionadas ao trabalho assalariado. (KAZTMAN, 2001, p. 5-7)

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dramático; a difusão de uma sociabilidade violenta como ordem social e suas consequências

na vida coletiva prevalecente nesses territórios. (RIBEIRO, 2008, p.12-13).

Ao referir-se à mobilidade espacial o autor a classifica de uma “política urbana

perversa”, na qual “inexistem sistemas públicos e coletivos de transportes urbanos nas

metrópoles” capazes de atendimento qualitativo para a demanda de uso e ocupação do espaço,

que contraponha a submissão ao transporte individual e privado. A reprodução da

precariedade do habitat humano e a imobilidade são também expressões desse desafio das

metrópoles. No que diz respeito ao habitat humano, as favelas são a sua mais evidente

expressão: são marcadas pela precariedade habitacional, ilegalidade, irregularidade e

construção desordenada em lugares pouco propícios à função residencial. Tais características,

segundo Ribeiro (2008), não são homogêneas em todas as metrópoles. Sua história, conquista

do território, modo de produção de moradia popular e o modelo político de gestão do

território urbano são questões importantes que influenciam suas características.

2. 2. Pobreza e vulnerabilidade social numa perspectiva de gênero

A formação da sociedade brasileira está associada não somente à herança escravocrata,

mas também a grandes iniquidades na distribuição de benefícios sociais, corrupção na

distribuição dos recursos públicos e privilégio no atendimento aos interesses privados ou

internacionais. A ausência de consciência e de igualdade de direitos não estimulou a criação

de leis e, assim, a escravidão tornou-se um “componente central, onde a pobreza e a miséria

humanas eram consideradas naturais e imutáveis”. A ajuda aos pobres era tarefa da Igreja

Católica “através de suas irmandades e santas casas de misericórdia”. (SCHWARTZMAN,

2004, p.17).

Nas décadas de 1950 – 1960, a questão social ressurge nos marginalizados na periferia

do sistema econômico e sem direitos à participação e ao consumo. A marginalidade é

reconhecida como consequência do modelo capitalista, e a pobreza, como expansão dos

excedentes populacionais dos favelados sem trabalho na economia formal. Os pobres

permanecem no mercado informal, marginalizados do setor moderno da economia e “não

conseguem romper com a cultura da pobreza e adotar novos valores urbanos industriais das

sociedades capitalistas desenvolvidas”. Destituídos de uma identidade e necessitados de

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assistência, são inseridos em um padrão de extrema desigualdade, sendo-lhes negada a

cidadania econômica e social. (LAVINAS, 2002, p.38-39).

Segundo Simon Schwartzman, pobreza e desigualdade não são frutos de uma

dualidade existente entre diferentes segmentos da sociedade. A pobreza é urbana, embora

parte dela esteja na zona rural, sendo constituída por pessoas que não conseguem produzir

para o mercado e investem precariamente na economia de subsistência. A pobreza é urbana e

se instala na periferia das grandes cidades, e em pessoas oriundas da zona rural, sem acesso ao

mercado formal de trabalho e nem ao mercado de consumo. Realidade complexa em que, na

visão de Simon Schwartzman, a simples vontade política ou a redistribuição da riqueza e da

renda para os pobres, sem um investimento efetivo e de qualidade na educação, não poderão

eliminar a pobreza e as desigualdades. (SCHWARTZMAN, 2004, p.34).

Para Lavinas (2002), moradia e mercado de trabalho são faces inseparáveis do

fenômeno da pobreza. Pobreza que não é apenas carência material. Essa pobreza hoje, mais

do que nunca, tem um rosto feminino e seu enfrentamento vai além das ações locais. São

pobrezas que se multiplicam, se multifacetam e contaminam novos âmbitos da vida. Sua

reprodução é mediada pela reprodução do modo urbano das condições de vida, através da

dinâmica do mercado de trabalho, da natureza do sistema de proteção social e do pacto de

coesão social que é o que estrutura o conjunto de relações e interações entre sociedade civil,

Estado e mercado. Uma pobreza, cada vez mais urbana, que desafia a governabilidade e seu

enfrentamento, vai além das ações locais, pois a cada momento é re-configurada e re-

contextualizada. Transita entre o universo do não atendimento de suas necessidades básicas e

vitais e o espaço da equidade, participação, emancipação, gestão urbana e construção da

cidadania.

Uma definição criteriosa da pobreza requer, segundo Lavinas (2002), um olhar para

além da carência de renda ou privação. Segundo a autora é considerado pobre aquele cuja

condição humana se encontra em risco pela não satisfação de suas necessidades básicas;

necessidades humanas aqui entendidas como inter-relação e interação. Necessidades

existenciais na esfera do ser, ter, fazer, interagir e necessidades axiológicas que dizem

respeito à subsistência, proteção, afeto, compreensão, participação, identidade, liberdade. Não

há dicotomia ou hierarquização entre necessidades existenciais e necessidades axiológicas e

ambas devem ser suficientemente garantidas. (LAVINAS, 2002, p. 25-30). Por necessidade

básica, segundo Lavinas (2002), entende-se alimentação adequada, vestuário, moradia

decente, acesso aos serviços essenciais. Assim, os serviços culturais também se inserem no

contexto de desenvolvimento econômico e social e a concepção de necessidade se fundamenta

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no sentido de universalidade, objetividade e compreensão da necessidade de satisfação das

carências, sob pena de comprometer seriamente a trajetória de vida. A problematização da

pobreza como questão social e a definição de “necessidades” é uma construção progressiva.

Nessa concepção, necessidades básicas e necessidades intermediárias são também

entendidas como intermediárias de saúde, emancipação e autonomia, e as políticas sociais,

como um sistema de proteção social universal e pública, que vão além de suprir apenas as

necessidades básicas. A análise da pobreza, segundo Lavinas (2002), está centrada na

capacidade e habilidades compatíveis com as necessidades do indivíduo. Deixa de ser um

estado de carência de bem-estar e passa ser interpretado como carência de habilidades e meios

para alcançar bem-estar necessário e qualidade de vida.

Em seus estudos, a autora remete a Simmel, ao referir-se à sociologia da pobreza, que

relaciona o pobre à assistência. Dado seu caráter relacional, a pobreza expressa também “a

existência de uma relação de interdependência e existência de vínculos” entre os pobres e os

demais. É pela assistência que os pobres são incluídos na sociedade e essa “assistência” é

fator de equilíbrio e entendida como proteção da sociedade em benefício próprio. E, assim,

pobreza está relacionada a direitos e deveres. Um direito legítimo, mas limitado, que não

promove a igualdade de oportunidades, apenas assegura “elos sociais”. Políticas sociais com

patamares mínimos em que direitos e deveres variam conforme o “modelo de solidariedade

nacional e harmonia social”. (LAVINAS, 2002, p. 33-35).

Para Kaztman e Filgueira (1999), a pobreza ocupa o centro da questão social nos

países da América Latina, daí os esforços realizados para conceituar e medir a pobreza, bem

como desenhar e implementar políticas que mitiguem ou erradiquem o problema e bloqueiem

os mecanismos de sua reprodução. Rever com clareza o instrumento conceitual torna-se cada

vez mais necessário, pois, apesar dos investimentos em programas específicos de combate à

pobreza, o fenômeno persiste. O fracasso não pode ser atribuído apenas à insuficiência de

recursos ou erros em sua implementação. Os autores evidenciam a complexidade dos

fenômenos da desigualdade e pobreza, a multiplicidade de seus determinantes e a inadequação

dos novos conceitos em sua abordagem. (KAZTMAN; FILGUEIRA, 1999, p. 7).

O conceito de pobreza na América Latina, segundo Lavinas (2002), é controverso, está

em constante mutação e associado a outras categorias como “exclusão, marginalidade,

desigualdade, vulnerabilidade, estado de risco”. A pobreza e a desigualdade se reproduzem no

contexto institucional, pois o direito à integração dos pobres na sociedade de bem-estar, de

produção de riqueza e de consumo nunca é legitimado.

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Nos anos 1960, pobreza e indigência estavam relacionadas a consumo, quando situado

abaixo do mínimo vital em razão do déficit de renda. A partir dos anos 1970, os determinantes

da pobreza passam a ser entendidos como reflexo da exclusão do mercado de trabalho; não

uma exclusão total, mas uma inserção precária e instável, cuja renda não permite viver

dignamente e o “status” de trabalhador é constantemente questionado. Perde-se o elo nesse

espaço descontínuo, em que trajetórias fragmentadas entre emprego formal e informal

desconstroem a identidade da classe trabalhadora e interrompem a construção da cidadania.

Ser pobre, além do déficit de renda, traz consigo a falta de acesso a bens e serviços.

A partir da década de 1980, as grandes transformações que modificam as relações

sociais e políticas são dadas não pelo trabalho, mas pelo consumo, e novas formas de pobreza

afetam as classes trabalhadoras. A pobreza é consequência da exclusão, passa ser heterogênea

e sua intensidade tem a desigualdade como parâmetro de cálculo. (LAVINAS, 2002, p. 41-

43). Não é mais apenas estado de carência de bens materiais. É também um “status social

específico, inferior e desvalorizado” que atinge de forma profunda a identidade do

empobrecido.

Hoje, os “novos pobres” constituem uma categoria mais instável e flutuante,

vulneráveis ao fracasso social e marcados pela degradação humana e moral. Um status social

desvalorizado, incorporado por parte dos pobres que muitas vezes legitimam o estigma de ser

assistido. Com o objetivo de identificar e classificar os pobres e focalizar as ações do Estado

no combate à pobreza, aqueles são descritos não mais como vadios ou marginais, mas como

“trabalhadores expropriados”. A pobreza passa a ser consequência da desigualdade e

segregação urbana.

Trabalhadores empobrecidos em decorrência das transformações do mercado de trabalho e na política social, evidência incontestável e incontornável do padrão de desigualdade que presidiu a expansão da sociedade capitalista no século XX, no continente latinoamericano. (LAVINAS, 2002, p. 44).

A grande contradição, segundo Lavinas (2002), é que não se trata apenas de

trabalhadores da economia informal. Grande parte desses empobrecidos se encontram

ocupados na economia formal, seja no poder público ou privado. A pobreza na América

Latina é resultado da desigualdade extrema imposta no mercado de trabalho, através de

empregos pouco qualificados e, sobretudo, níveis salariais extremamente baixos, instituídos

aquém dos patamares de subsistência. Um fenômeno social imposto à maioria da população

trabalhadora, cujo agravamento se dá na década de 1990, com o advento das políticas

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neoliberais21. E as políticas neoliberais, segundo Lavinas (2002), só fizeram agravar a

intensidade da pobreza, pois restringiram o acesso a melhores condições de emprego e

remuneração, esgarçaram as redes de sociabilidade, aumentaram a desproteção e a

vulnerabilidade social.

Segundo alguns autores como Martins (2002); Lavinas (2002); Santos (2005); Demo

(2003); Mendonça (2003); Dupas (1999); Jesus e Mance (2003); Ribeiro e Junior (2003),

pobreza e vulnerabilidade são fenômenos quase inseparáveis que mutuamente se reforçam.

Apoiada na reflexão da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Lavinas (2002) salienta

as três dimensões essenciais do fenômeno: a dimensão econômica, enquanto impossibilidade

de suprimento das necessidades básicas, em decorrência da ausência de emprego e salário; a

dimensão institucional, em decorrência da não participação nas diferentes formas de

regulação da vida social; e a dimensão cultural, enquanto ausência no compartilhamento de

principais valores. (LAVINAS, 2002, p. 47). Nessa perspectiva, a noção de pobreza e

vulnerabilidade evidencia “processos e trajetórias de empobrecimento”, rompe redes de

sociabilidade, apreende novas dinâmicas de reprodução da pobreza e da desigualdade. Os

pobres e não pobres, cada vez mais, assistem à redução de sua renda e à piora da qualidade de

vida.

A reflexão desenvolvida por estudiosos sobre a pobreza sinaliza as diferentes visões e

imagens da pobreza e a negligência de organismos internacionais, tais como o Banco Mundial

e a CEPAL, no debate sobre a pobreza. (LAVINAS, 2002, p.48). Uma visão e definição do

problema cuja solução passa por uma enxurrada de benefícios para os mais pobres, através de

um somatório de políticas macroeconômicas e consensos, sem discutir a questão da

redistribuição da riqueza e da renda. Neste sentido, os pobres “transitam por esta zona de

vulnerabilidade”, marcados pela insuficiência de renda, cuja fonte e ingresso advêm do

emprego remunerado. (LAVINAS, 2002, p.49).

Para os estudiosos dessa temática, o agravamento das condições sociais aprofunda a

pobreza, fato que tem sido analisado sob diferentes perspectivas.

A pobreza no Brasil, durante o período colonial, era condicionada à condição social,

fruto de uma organização societária de diferenciações sociais rígidas. As pessoas eram

desiguais porque nasciam desiguais, e ter direitos e privilégios era consequência de uma

“condição social”. Vulnerabilidade, pobreza, desigualdade social, hoje, mais que a mudança

de nome, muda de forma, de âmbito, de consequências. A velha pobreza que antes

21 A nova ordem liberal, na visão de Lavinas (2002, p. 46), altera o papel do Estado, compromete o papel integrador e de coesão social das políticas sociais.

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possibilitava aos pobres perspectiva de ascensão social apresenta-se a eles como destino e

condição irremediável.

Segundo Lavinas (2002), René Lenoir, em 1974, desvela as várias categorias de

pobres, que através da assistência integram o sistema econômico social, mas não se apropriam

da riqueza constituída. A esses grupos, René Lenoir, pela primeira vez, segundo a autora,

utilizou a terminologia “exclusão”. Trata-se de grupos vulneráveis e famílias monoparentais,

de segregados, discriminados e desagregados, em completa desproteção social, vítimas de

uma instabilidade e debilidade que os conduzem à anomia, isolamento e não pertencimento.

Mulheres e homens pouco qualificados, com trajetórias sócio-ocupacionais fragmentadas,

atividades mal remuneradas que afetam e aprofundam os problemas socioeconômicos. E,

como consequência, ocorre uma dessocialização, ou seja, a ruptura de vínculos sociais

básicos, o empobrecimento, não apenas do indivíduo, mas também das relações que definem

seu lugar e sua identidade social, o sentido de não pertencimento, perda da identidade,

segregação socioespacial, deteriorização urbana, isolamento, falta de oportunidades.

(LAVINAS, 2002, p. 37; 52). Mais do que estado de carência é uma trajetória, na qual

carência de renda e outras necessidades acumulam desvantagens, aprofundam rupturas e

reduzem as oportunidades de ressocialização. (LAVINAS, 2002, p. 37 e 52).

Para Dupas (1999) a pobreza é vista como “a principal dimensão da exclusão”. O

autor relaciona as desigualdades econômicas, política, cultural e étnica e, nessa análise, foca

sua reflexão na desigualdade social, sob o enfoque da igualdade de oportunidades e de

capacidades para além do enfoque de renda. De acordo com o autor, o enfoque baseado nas

“capacidades” (entitlements) é, portanto, complementar e mais profundo do que aquele que

analisa a pobreza segundo a perspectiva de baixa renda ou da posse escassa de bens e recursos

primários. Entende que medições de limites de linhas de pobreza são apenas ponto de partida,

já que isso

(...) não contempla a distribuição de renda entre os mais pobres, falseando o tipo de políticas públicas que deveriam ser assumidas para combater a pobreza, (...) visualiza processos de transferência de renda, (...) ignora a miséria gerada por esse tipo de transferência. (DUPAS, 1999, p. 29-34).

Nessa mesma linha, Kaztman e Filgueira (1999) e Kaztman (2001) trabalham o

conceito de vulnerabilidade sob a ótica de recursos e estruturas de oportunidades. Segundo

os autores, estrutura de oportunidades refere-se à possibilidade de acesso a bens e serviços;

oportunidades que incidem sobre o bem-estar das pessoas, permitindo ou facilitando aos

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membros desse domicílio o uso de seus próprios recursos. Neste sentido, o mercado, o Estado

e a sociedade, instituições básicas da ordem social, são fontes de oportunidade de acesso ao

bem-estar; contudo, há um consenso entre Estado e sociedade, em concentrar esforços na

eficiência do mercado, aderir à sua racionalidade econômica e colocar-se a serviço dessa

racionalidade e competitividade. A centralidade do mercado, na definição das estruturas de

oportunidades segundo Kaztman (2001), não consegue responder às necessidades de bem-

estar geral e traz consigo incertezas em relação ao trabalho enquanto principal via na

construção do futuro, contribuindo assim para o aumento do desemprego, precarização e

flexibilização do trabalho e enfraquecimento das instituições sindicais.

Para Kaztman e Filgueira (1999), tais mudanças afetam as estruturas primordiais

(família e comunidade) e se refletem na vida dos indivíduos. Do enfraquecimento das

instituições primordiais emerge um novo padrão familiar e comunitário com suas

manifestações mais visíveis: dentre outras, a desagregação e instabilidade da família, aumento

dos índices de divórcios e separações, gravidez na adolescência, nascimentos não planejados

e/ou fruto de relacionamentos fortuitos e imaturos. A família perde sua função integradora

prejudicando-se, sobretudo, as crianças e os adolescentes.

Na reflexão feita por Ruben Kaztman e Carlos Filgueira, o Estado é peça fundamental

para que as estruturas de oportunidades se concretizem. Nesse sentido, ocorre também um

retrocesso do Estado, em seu papel na garantia de proteção social. Reformas sociais são

implementadas, reduzindo assim as atribuições do Estado e transferindo para o mercado e

instituições da sociedade civil aquilo que até então era função estatal. Simultaneamente

fatores estruturais e políticos contribuem para esse cenário. Produtividade e competitividade

são palavras de ordem, resultando um modelo de crescimento virtualmente hegemônico e

globalizado, regulado por organismos e instâncias internacionais e multilaterais que reduzem

o grau de liberdade das unidades nacionais. (KAZTMAN; FILGUEIRA, 1999, p. 9-10)

A crescente centralidade do conhecimento como instrumento para o progresso

reafirma o papel dado à educação como principal instrumento de mobilidade e integração

social para as novas gerações. A educação, assim, é vista como o meio mais eficaz de romper

os mecanismos de reprodução da pobreza e segmentação social. No entanto, paradoxalmente,

percebe-se também, que o sistema educativo nem sempre consegue responder aos desafios da

pobreza e da desigualdade, como também promover a equidade e a integração social.

Em decorrência desse modelo emergem os vulneráveis e uma mudança na matriz

sociocultural e do consumo. Jovens, vitimados pelo desalento e abandono, pautam-se por

outros valores e papéis sociais. Não trabalham, não estudam nem procuram emprego.

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Segundo Ruben Kaztman e Carlos Filgueira, uma desfiliação institucional. Homens e

mulheres em condições de vulnerabilidade social e cuja escassez de recursos respondem

apenas à sobrevivência cotidiana. Pessoas e famílias com dificuldade de satisfazer suas

necessidades básicas e com “activos” insuficientes que reduzem sua expectativa de qualidade

de vida, sem estímulos para nada, desesperançados de efetiva integração social. Um mundo de

mendicância e delinquência: meninos de rua, prostituição, alcoolismo e drogas. Nesse cenário

se enquadram também trabalhadores em ocupações de baixa estabilidade e inserção precária

no mercado. Uma massa de vulneráveis, “seducidos por una sociedad moderna en que solo

puedem participar simbolicamente, no pudiendo superar por sus propios medios los

obstáculos para alcanzar una participación material equivalente”. (KAZTMAN, 2001, p. 23).

Ruben Kaztman e Carlos Filgueira também destacam outro segmento social, composto

por pessoas de classe média, que ainda geram ingressos relativamente baixos, mantêm sua

participação e confiança nas instituições de trabalho como meio de melhoria de vida e bem-

estar para si e seus filhos, somando-se a estes os vulneráveis à exclusão da modernidade; ou

seja, os jovens capazes de adquirir os “activos” que os habilitam para aproveitar os novos

canais de mobilidade e integração. (KAZTMAN; FILGUEIRA, 1999, p. 15).

A desigualdade costuma ser analisada sob o ângulo das diferenças entre ricos e pobres,

desigualdade de renda e de educação. No entanto, não há uma definição única e universal para

a pobreza e “nem todos os pobres são iguais, havendo, assim, desigualdades na pobreza,

sobretudo entre os diferentes espaços sociais e territórios”. (PRETECEILLE;

VALLADARES, 2000, p. 459). E embora renda e educação sejam elementos importantes na

diferenciação social, a dimensão espacial da desigualdade se manifesta em diferentes

modalidades de segregação socioespacial e não deve ser negligenciada.

Desigualdade educacional que gera desigualdade de renda, que por sua vez acarreta desigualdade de poder político, reforçando e reiterando a desigualdade de oportunidade. Desigualdade que exclui parte significativa da população do acesso às mínimas condições de dignidade e cidadania. (HENRIQUES, 2000, p.1-7).

Segundo Renata Adriana Rosa, no Brasil as mulheres compõem uma categoria

heterogênea e nessa heterogeneidade há aquelas mulheres que, segundo a classe social ou

raça, confirmam em sua trajetória o legado do passado. E, assim, em decorrência da

vulnerabilidade social e da pobreza, cada vez mais feminizada, “quando se traça um recorte

de raça e classe – a identidade de gênero encontra-se em permanente estado de tensão”, uma

vez que as diferenças entre homens e mulheres ficam mais evidentes. (ROSA, 2008, p.33).

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Relações de dominação e desigualdades estruturantes na organização social que mascaram a

realidade e que marcam a formação e estruturação da sociedade brasileira, sua organização

social e trazem à memória sua herança escravocrata, patriarcal, latifundiária e católica.

Diferenças regionais, sociais, culturais, bem como relações sociais e interações culturais de

um povo com suas nuances e uma incidência maior ainda na questão de gênero.

Como conceito pertinente para pensar as relações no trabalho, as quais são apenas um

aspecto das relações sociais entre homens e mulheres, Lobo (1992) argumenta que a divisão

sexual do trabalho não esgota a problemática dessas relações, na medida em que elas

comportam construções culturais e históricas interdependentes e complementares. As relações

entre homens e mulheres são vividas e pensadas enquanto relações entre o que é definido

como masculino e feminino: os gêneros.

O conceito de gênero remete a uma questão estrutural e à construção de significados

culturais. Fornece critérios para definição de políticas sociais e estratégias de gestão e

organização do trabalho, ainda que as diferenças não estejam explicitadas no discurso sobre o

masculino e o feminino. A classe operária, embora tenha sido incansavelmente afirmado que

“tem dois sexos”, na verdade, era preciso reconhecer que “era masculina”. (LOBO, 1992, p.

254). Portanto, “a divisão sexual do trabalho é um dos muitos lócus das relações de gênero”.

Abre espaço para novas questões relacionadas às “metamorfoses” do trabalho e seu

questionamento, questões relacionadas à subjetividade e às identidades, o problema da

igualdade e diferenças, bem como as formas contemporâneas de gestão e de políticas sociais.

(LOBO, 1992, p. 260). Mesmo quando parecia ser exclusivamente “uma relação técnico-

organizativa neutra, não hierarquizada em função dos sexos dos autores “a relação de trabalho

como relação social traz embutida uma relação de poder entre os sexos”, e, assim, a definição

de carreira, promoção e qualificação são diferentes para homens e mulheres. (LOBO, 1992, p.

262).

Vale destacar que, “diferentemente de sexo, gênero é um produto social, aprendido,

representado, institucionalizado e transmitido ao longo das gerações”. (SORJ, 1992, p.15). Na

linguagem antropológica significa também “a distinção entre os atributos culturais alocados a

cada um dos sexos e a dimensão biológica dos seres humanos”. (HEILBORN, 1992, p.98),

uma vez que o poder é distribuído desigualmente entre os sexos, cabendo às mulheres posição

subalterna na organização social. Múltiplas são as identidades que coexistem neste universo

de subjetividades; e reconhecer tal multiplicidade é condição básica na constituição e

compreensão dos sujeitos.

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Não obstante a desigualdade de gênero, estudos recentes têm demonstrado que, além

da desigualdade racial, há também uma tendência de maior escolaridade entre as mulheres.

Dados do IPEA22 demonstram que, em 2006, 96,6% das mulheres em idade adequada

cursavam o ensino fundamental, enquanto 52,3% estavam no ensino médio. Já os dados

referentes aos homens apontavam que 94,7% cursavam o ensino fundamental, enquanto 42%

estavam matriculados no ensino médio. Outro dado apontado no estudo feito pelo IPEA faz

referência às famílias chefiadas por mulheres. Se comparados com os dados de 199323, cujo

índice era 19, 7%, chegam a 28,8% em 2006.

No entanto, apesar de apresentar maior escolaridade, as mulheres continuam tendo

menor participação nos índices referentes à população economicamente ativa (PEA). A

tendência de maior escolaridade das mulheres não se reflete no mercado de trabalho, pois elas

recebem salários inferiores aos homens, mesmo executando tarefas semelhantes. Mulheres,

em sua maioria, submetidas a condições de precariedade no trabalho e vulnerabilidade social,

“afetadas pelo desemprego, a economia informal, ocupações precárias e sem remuneração”,

sem contar que, muitas vezes, ao retornar do trabalho externo, restam-lhes ainda o trabalho da

casa e o cuidado dos filhos. (ROSA, 2008, p.34).

Considerando o nível de instrução como uma das dimensões da cidadania, na

avaliação sobre o índice de vulnerabilidade social (IVS), realizada na pesquisa sobre o

mercado de trabalho e o novo perfil dos morados de Belo Horizonte, ficou patente a relação

direta entre inserção na força de trabalho, vulnerabilidade social e nível de escolaridade.

(RODARTE; GARCIA; GUERRA, 2007, p.19-21).

A valorização da escolaridade como condição básica de acesso ao mercado de trabalho

tem estimulado o retorno das mulheres ao ambiente escolar. No entanto, suas escolhas

profissionais continuam por áreas tradicionalmente femininas, sendo o emprego doméstico

remunerado “o nicho ocupacional por excelência”. Segundo Rosa (2008), 90% dos

trabalhadores domésticos são mulheres. Uma categoria cuja cor predominante (59%) é negra;

apenas 19% delas têm carteira de trabalho assinada, sendo que o percentual das empregadas

domésticas brancas com carteira de trabalho assinada corresponde a 24%.

Segundo Nobre (2003), 70% da população feminina são mulheres pobres e detêm 1%

da propriedade. (NOBRE, 2003:208). No Brasil, as mulheres recebem 69,6% do rendimento

médio dos homens e apresentam taxas de desemprego superiores, devido ao “crescimento da

população economicamente ativa feminina, superior à oferta de emprego para as mulheres”.

22 Dados obtidos no site: www.ipea.gov.br acessados em 29 de agosto de 2008, às 18h46min. 23 Dados obtidos no site: www.ipea.gov.br acessados em 29 de agosto de 2008, às 18h46min.

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São minorias em casos de chefia e, em muitos casos, são vítimas de assédio sexual ou

executam tarefas controladas por homens (Marcha Mundial das Mulheres, 2002, citado por

NOBRE, 2003, p. 208).

As divisões capital/trabalho/econômico/social correspondem também a uma divisão

sexuada, segundo a autora. O capital em sua maioria é representado pelos homens e às

mulheres competem as representações do social; profissões muitas vezes desqualificadas,

consideradas supérfluas e improdutivas pelo discurso neoliberal. (ALIANCE POR UM

MUNDO RESPONSÁVEL E SOLIDÁRIO APUD NOBRE, 2003, p.208).

Como argumenta Clara Araújo e Celi Scalon , o trabalho como inserção profissional e

atividade remunerada ocupa lugar de destaque na vida das mulheres, por nele encontrarem “a

fonte de realização pessoal e a melhoria das condições de vida da família”. (ARAUJO;

SCALON, 2005, p. 69). Segundo as autoras, a afirmação generalizante de que as mulheres

querem “ficar em casa” não se sustenta. As tensões decorrentes da relação trabalho-vida

familiar não decorrem da insatisfação com o trabalho, mas da crítica às práticas tradicionais e

à busca pela igualdade de gênero. Valores e práticas comportando dimensões contraditórias,

pois, embora tendam para o moderno, convivem com outras práticas e valores bastantes

conservadores. Um processo complexo e dialético em que convivem simultaneamente, dada

nossas características históricas e geográficas com suas nuances e peculiaridades, o moderno e

o tradicional.

Segundo Matos (2005), conjugar trabalho fora de casa e as tarefas do lar torna-se um

desafio a ser enfrentado e superado. Nas relações de gênero permanece o descompasso entre

as práticas e percepções que se manifestam, sobretudo, entre a compatibilização do trabalho

realizado na esfera pública e esfera privada. As mulheres continuam “prisioneiras” do

tradicionalismo dos papéis de gênero. Cuidar da casa e dos filhos ainda é considerado tarefa

eminentemente feminina, havendo por parte dos parceiros pouquíssima ou quase nenhuma

participação e co-responsabilidade, o que para a autora significa um “impensado de gênero”,

ou seja, um vazio deixado pelos movimentos feministas do Brasil, que, apesar das conquistas

e avanços em suas lutas por direitos, participação e maior simetria nas relações, mantêm ainda

intocados antigos papéis e padrões culturais mais íntimos de gênero. Uma “esquizofrenia”

entre percepções dos valores e percepções de vivências práticas no cotidiano familiar,

sobretudo nas relações entre sexos, o que demonstra, segundo a autora, uma contradição; pois,

não obstante tantas conquistas na esfera pública, na esfera íntima continuam o exercício das

funções de donas-de-casa e da maternidade, de esposas afetuosas e mães racionais. Nesse

sentido, mantém uma nova e tradicional domesticidade, reafirmando assim sua inabilidade em

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negociar essas tarefas, o que é contraditório à sua identidade profissional no mercado de

trabalho. (MATOS, 2005, p.112.124).

Ao longo da história tem sido identificado nas relações sociais entre homens e

mulheres, um padrão característico dominante no tempo e no espaço de relações de gênero e a

divisão sexual do trabalho marcada por uma hierarquia entre os sujeitos. Os homens assumem

posição dominante e uma divisão de atribuições assimetricamente valorizadas. Às mulheres,

apesar de sua co-responsabilidade na provisão financeira, cabe a responsabilidade pela

reprodução e tarefas domésticas, bem como aquelas menos valorizadas. Apesar do

crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho desde a década de 1960,

sua participação no mercado de trabalho (formal ou informal) não se traduziu ainda em

práticas mais igualitárias. Neste século que se inicia, constata-se a diversidade de arranjos

familiares e o enfraquecimento das relações entre as gerações e famílias; no entanto, no que se

refere à divisão sexual do trabalho e ao lugar do homem e da mulher, permanecem ainda

antigos padrões e representações antagônicas e dicotômicas.

Pesquisas recentes24 têm demonstrado mudanças no cenário socioeconômico nos

últimos anos e apontam para novas perspectivas no mundo do trabalho, aquecimento da

economia, formalização de novos postos de trabalho formal e melhoria da qualidade de vida

da população mais pobre. Segundo o IPEA, não obstante esses dados, se comparado com

dados de 1990, o percentual de renda do trabalho hoje é menor ainda.

2.3. Gênero e Economia Popular Solidária

O debate sobre mulher e gênero na Economia Popular Solidária ainda é muito

incipiente. Nesse debate, a abordagem de gênero tem um significado que tem como ponto de

partida o lugar das mulheres na sociedade e sua contribuição na construção de outro

paradigma de economia.

Considerando que a Economia Popular Solidária é predominantemente composta por

mulheres, e mulheres pobres, como o ingresso destas mulheres nos empreendimentos

solidários vem alterando (ou não) os padrões de domesticidade e as práticas tradicionais da

divisão sexual do trabalho na família? É possível falar de relações de gênero mais

24 Dados obtidos no site: www.ipea.gov.br acessados em 29 de agosto de 2008, às 18h46min.

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igualitárias? Em que medida fatores socioeconômicos e culturais influenciam as práticas e

percepções das mulheres acerca dessas dinâmicas?

As transformações sociais na contemporaneidade25 e, com elas, as mudanças nas

relações de gênero e sua repercussão na instituição familiar são marcadas por imperativos

pragmáticos e um crescente processo de individuação e maior autonomia dos sujeitos,

alterando as relações de poder e enfraquecendo a autoridade patriarcal. As famílias estão

ficando menores, a partir dos anos 1970, ocorrendo simultaneamente alterações nos tipos de

arranjos familiares e padrões de conjugalidade. Aumentam, segundo as estatísticas, as

famílias monoparentais e muitos valores patriarcais se declinam. Se de um lado constatam-se

nas relações de gênero a crescente afirmação da individualidade e a ampliação das

possibilidades de escolhas, constatam-se também limitações estruturais que inviabilizam ou

limitam tais escolhas.

O trabalho na sociedade contemporânea pode ser pensado sob três ângulos. Como

fonte de realização pessoal, que pode conferir status e afirmação econômica; como elemento

de autonomia dos indivíduos, por meio do qual a realização se torna secundária e a

necessidade econômica e viabilização monetária imperativa, de modo que o tempo dedicado

ao trabalho é inversamente proporcional às possibilidades de ganho para a realização pessoal;

e, por último, o significado do trabalho como elemento central na constituição das identidades

dos indivíduos. (ARAÚJO; SCALON, 2005, p. 19). Segundo as autoras esses três ângulos não

são necessariamente antagônicos e remetem à autonomia, a qual tem um duplo significado:

maior independência em relação ao parceiro, genitor ou figura masculina que exerça essa

autoridade nas relações assimétricas de poder e também inclusão pelo consumo para si e todos

de sua família, uma vez que

Trabalhar ou não trabalhar significa além de uma satisfação com a atividade exercida cotidianamente, dependendo do contexto socioeconômico pode oferecer a si e seus familiares condições materiais de sobrevivências mais ou menos satisfatórias; ter (ou acreditar que tem) alguma possibilidade de escolha no mercado de consumo, o que lhe confirma um sentido subjetivo de autonomia para escolher/comprar e identificar seu lugar na satisfação dessas necessidades. (ARAÚJO; SCALON, 2005, p.20).

Lima (2007) chama a atenção para o ideário neoliberal, que traz como proposta a

“reengenharia do Estado”, com o enxugamento de custos e cortes nos benefícios sociais,

25 Segundo as autoras, refere-se a algo relacionado mais com os valores modernos do que com os valores tradicionais (ARAÚJO e SCALON, 2005, p.18.7).

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condicionando a manutenção dos empregos à desvinculação dos benefícios sociais no contrato

de trabalho, precarização das relações de trabalho e desterritorialização da produção.

A nova questão social, segundo Rosenfield (2007) e Castel (1998), é marcada pela

desregulamentação e flexibilização da estrutura social e remete os indivíduos em situação

vulnerável ao que esses autores denominam de “flutuação na estrutura social”. Assim, o

trabalho torna-se suporte e instrumento de inserção social. Uma nova sociabilidade marcada

por trajetórias individuais e enfraquecimento do coletivo. Estratégias de inserção individual

marcadas pela vulnerabilidade social e a falta de opção dos trabalhadores frente à

precariedade e fluidez social. Desprovido de “suportes’ que lhes servem de apoio e condições

de possibilidades para se tornarem sujeitos e protagonistas com capacidade de desenvolver

estratégias pessoais, autonomia e independência, esses trabalhadores não dispõem de

liberdade de escolha na condução de sua vida. O social não é mais garantia de trajetórias

seguras e de inserção social, e o indivíduo toma para si a responsabilidade de sua história,

aumentando sua “autonomia individual’ em relação ao “todo social”.

O trabalho enquanto inserção social e projeto coletivo perde sua característica. A crise

do Estado Social e da sociedade salarial coloca em risco o pertencimento coletivo e

compromete a existência do indivíduo moderno. Uma desproteção social que deixa o

indivíduo à revelia, desfiliado, relegado a uma individualidade negativa, marcada pela perda

da referência, a solidão e a ausência de suportes relacionais, culturais e econômicos. Um

sentido de descoletivização que acarreta sérias consequências destrutivas para o indivíduo.

CASTEL; HAROCHE APUD ROSENFIELD, 2007, p. 118 - 120).

Enfim, um quadro difuso e complexo e uma condição salarial sem direitos garantidos

no contrato de trabalho, configurando assim um retrocesso às relações de trabalho do século

XIX. Por outro lado, flexibilização, segundo Carlos Jacob Lima, não significa

necessariamente precarização, pois as mulheres “despossuídas” sempre estiveram fora de

relações trabalhistas protegidas, daí que o ideal do trabalho assalariado e com direitos não foi

substituído; o retorno ao assalariamento é até desejado, mas não em qualquer condição.

(LIMA, 2007, p. 165-166).

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3. A ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA NA REGIÃO METROPOLI TANA DE

BELO HORIZONTE: CONCEPÇÕES, PERCEPÇÕES E PAPÉIS DOS

AGENTES MEDIADORES

Este capítulo tem como objetivo analisar a economia popular solidária na RMBH a

partir da percepção dos agentes mediadores entrevistados, ou seja, gestores públicos,

entidades de apoio e fomento e representantes de fóruns de economia popular solidária na

Região Metropolitana de Belo Horizonte. Objetiva, também, compreender o papel destes

agentes mediadores na implementação das iniciativas de economia popular solidária na

RMBH.

A busca de um olhar mais atento e perspicaz para compreender e identificar a

complexidade da Economia Popular Solidária na RMBH, bem como seus aspectos

conjunturais, estruturais, organização e desenvolvimento das experiências analisadas foi o fio

condutor da análise desta pesquisa de campo. Nesse sentido as entrevistas semi-estruturadas

realizadas com os agentes mediadores foram de fundamental importância, pois possibilitaram

compreender a concepção desses atores frente às possibilidades e limites da Economia

Popular Solidária na RMBH. A observação participante em reuniões, seminários e feiras

promovidas pelo FEPS/RMBH foi também um importante instrumento de análise para a

coleta dos dados.

Os entrevistados, em seus depoimentos, não souberam quantificar o número exato da

totalidade de gestores públicos e entidades de apoio e fomento que, na RMBH, acompanham

os empreendimentos de economia popular solidária, uma vez que inexiste um mapeamento

desses agentes mediadores. O número aproximado por eles apresentado chega à casa de 10

entidades de apoio e fomento e 20 gestores públicos. No entanto, nem todos participam dos

fóruns e suas atividades. Vale destacar que a participação nos fóruns de economia solidária,

espaço de mobilização, organização e articulação do movimento de economia popular

solidária foi um dos elementos privilegiados na condução do estudo proposto. Foram

entrevistados cinco representantes de gestores públicos, quatro de entidades de apoio e

fomento e dois representantes de fóruns de economia solidária, totalizando onze entrevistas. A

definição desses números se justifica na busca de priorizar os agentes mediadores mais

presentes na construção da economia popular solidária na RMBH. Outro fator importante, no

que diz respeito aos gestores públicos, foi que nas entrevistas buscou-se ter presente

depoimentos desses mediadores nas esferas municipal, estadual e federal.

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Participaram da pesquisa o Centro Público de Economia Solidária de Belo Horizonte,

o Centro Público de Economia Solidária de Contagem e a Coordenadoria Municipal dos

Direitos da Mulher, da PBH – COMDIM/PBH. Além de gestores públicos municipais,

participaram da entrevistas a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas

Gerais (DRT-MG), órgão relacionado ao Ministério do Trabalho e Emprego e a Diretoria de

Promoção do Associativismo, ligada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social

(DPA-SEDESE). As entidades de apoio e fomento entrevistadas foram: a Ação Pastoral da

Arquidiocese de Belo Horizonte (ASPA), a Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, o

Instituto Marista de Solidariedade (IMS) e o Movimento do Graal do Brasil. Foram também

entrevistadas, representantes do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), Fórum

Mineiro de Economia Solidária (FMES) e Fórum de Economia Popular Solidária da Região

Metropolitana de Belo Horizonte (FEPS/RMBH).

A pesquisa realizada com essas entidades governamentais e não governamentais teve

como motivação compreender o envolvimento, papel e contribuição dos agentes mediadores

nas iniciativas de economia popular solidária na RMBH. Os agentes mediadores entrevistados

são para o público da economia popular solidária uma referência importante. Merece destaque

os diferentes olhares e concepções, tanto entre as entidades de apoio e fomento como também

em relação aos gestores públicos.

Para a análise dos dados da pesquisa foi utilizada a seguinte metodologia: análise das

respostas obtidas nos roteiros de entrevistas26 divididas em dois eixos:

1. O perfil27 dos entrevistados, bem como concepções e percepções dos agentes

mediadores em relação à economia popular solidária (questões 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 11 e 12 do

roteiro de entrevistas para as Entidades de Apoio e Fomento – EAF, Gestores Públicos e

questões 4, 5, 6, 7, dos Fóruns);

2. A identificação dos agentes mediadores e seu papel junto aos atores sociais da

economia popular solidária da RMBH (questões 2, 3 e 4 do roteiro de entrevistas para as

EAF, Gestores Públicos e Fóruns);

26 Os roteiros de entrevistas se encontram nos Apêndices A, B e C. As entrevistas com os participantes da pesquisa foram realizadas nos meses de julho a dezembro de 2008, sendo as mesmas gravadas e transcritas. 27 O perfil dos entrevistados se encontra nos Apêndices D, F, G e H.

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Originária dos movimentos e organizações populares e sociais, a Economia Popular

Solidária ganha crescente importância nas últimas décadas, em decorrência das

transformações ocorridas nas relações de trabalho e emprego e suas consequências para os

trabalhadores. A emergência da Economia Popular Solidária enquanto fonte de renda e de

melhor qualidade de vida para os que sofrem os efeitos da lógica do mercado e dos processos

de exclusão social vem sendo pautada na agenda de políticas públicas, ONGs, movimentos

sociais, eventos em nível nacional e internacional. Por meio dela, formas inovadoras de

solidariedade e práticas tradicionais de ajuda mútua são revitalizadas e reinventadas. O

trabalho autogestionário é valorizado; uma proposta permanentemente educativa e em

processo. Tem um significado político e, nesse processo, um aprendizado difícil, nem sempre

incorporado e, em muitos casos, percebido como transitório (LIMA, 2007, p. 165-166).

Pesquisas recentes, segundo o Boletim Mercado de Trabalho - Conjuntura e Análise,

da Revista Desafios do Mercado (IPEA, 2008)28, sinalizam queda do desemprego entre os

anos 2002 - 2008 e crescimento da oferta de trabalho formal. Os dados demonstram também

que esse fenômeno não ocorreu de modo homogêneo entre os diversos segmentos do mercado

de trabalho analisados e constata-se uma assimetria entre os salários.

O principal destaque nos dados divulgados para o ano foi a taxa de desemprego metropolitana, que passou de um patamar de 9,9% na média do primeiro semestre de 2007, para 8,3% na média do mesmo período de 2008, o que equivale a uma diminuição de 1,6 ponto percentual no período. (IPEA, 2008, p. 9) 29.

Apesar do otimismo sobre o desempenho do mercado do trabalho nos últimos anos no

Brasil, para a grande maioria dos envolvidos nos empreendimentos econômicos solidários são

mínimas as possibilidades de inserção no mercado de trabalho formal. Esse público, em sua

grande maioria, é composto por mulheres pobres, mães chefes de família, destituídas de

qualificação profissional para o mercado de trabalho formal. Não se enquadra no perfil

exigido pelas empresas e, por não dispor da qualificação exigida, nem preencher os requisitos

necessários para as profissões em oferta é excluído do mercado de trabalho formal.

28 Acesso: www.ipea.gov.br/default.jsp. 29 Acesso: www.ipea.gov.br/default.jsp.

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3.1. Perfil, concepções e percepções dos agentes mediadores

Nos empreendimentos econômicos solidários é marcante o papel das entidades de

apoio e fomento e dos gestores públicos, que, num contínuo ir e vir contribuem na construção

de alternativas de trabalho e renda e novas formas de sociabilidade.

As entidades de apoio e fomento que assessoram a economia popular solidária na

RMBH têm à sua frente homens e mulheres que juntos compõem um grupo multidisciplinar,

cuja competência técnica é indiscutível. Além de curso superior, quase todos têm

especialização e/ou mestrado. Integra esse grupo multidisciplinar uma socióloga, um filósofo,

um psicólogo, uma advogada, dois engenheiros agrônomos, uma comunicadora social, duas

administradoras de empresas, uma bibliotecária e uma assistente social. Observando a tabela

abaixo, constata-se que, dos onze assessores entrevistados, sete são mulheres; um dado

importante a ser destacado.

Entidade de Apoio e Fomento/Gestores Públicos

Sexo Ensino

Superior Especialização Mestrado

ASPA F Sim Sim IMS M Sim Sim Sim Cáritas Minas Gerais M Sim Sim Movimento do Graal F Sim CPES – Belo Horizonte F Sim Sim CPES – Contagem M Sim Sim COMDIM F Sim SDRT/MG F Sim Mestranda SEDESE F Sim Sim Sim FBES F Sim Sim FMES/FEPS/RMBH M

Quadro 01 - Nível de Escolaridade: Entidades e Gestores Públicos

Fonte: Entrevistas realizadas com os gestores públicos e entidades de apoio e fomento dos empreendimentos de

economia popular solidária na RMBH, realizada de julho a dezembro de 2008.

Desafios constantes marcam a caminhada da economia popular solidária na Região

Metropolitana de Belo Horizonte, que transita entre o desejável e o factível. O fato é que, na

RMBH, segundo observação dos agentes mediadores entrevistados, o trabalhador envolvido

nos empreendimentos econômicos solidários traz consigo não apenas o problema do

desemprego e precarização do trabalho, mas também enfrenta de forma mais direta a questão

urbana. Além de seu despreparo para o mercado formal, carrega consigo as consequências da

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baixa autoestima, que em alguns casos comprometem a autoconfiança e os valores humanos e

éticos. Sua história de vida muitas vezes é marcada também pela dependência química,

alcoolismo e outras drogas. Vem para estes espaços em busca de socialização, mas tem um

limite claro por sua precarização e história vivida.

Na RMBH é mais complicado, pois junto à questão do trabalho, tem também a questão urbana. O trabalhador que vem para a EPS é aquele que foi desprezado pelo mundo do trabalho, não está mais colocado e em condições de capacidade de ser empregado no mercado. Tem todo um problema de auto-estima, cujos valores e confiança já estão comprometidos. (...) Além de serem pessoas que por sua trajetória de vida perderam valores, ladroagem é tranqüilo, vão para os grupos tirar de um, tirar do outro. Todos esses valores, que chamamos de contra-valores, estão colocados pra eles e eles encaram como normal e, além disso, não querem enfrentamento, não querem ir à luta, porque querem ser favorecidos por esse regime de trocas e favores. (ENTIDADES DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 03) 30.

Os desafios da questão urbana, sobretudo em regiões metropolitanas, interferem de

modo significativo nos processos dos empreendimentos econômicos solidários. Constata-se

também, segundo os depoimentos, uma perceptível diferença do nível de envolvimento e

comprometimento entre homens e mulheres em situação de vulnerabilidade social.

O trabalhador que vem para a economia popular solidária tem um limite claro por sua precarização e história vivida. A ociosidade lhe possibilita a inércia. Assiste o dia todo a todos os programas de TV, o capitalismo e individualismo correm nas suas veias mais que no trabalhador rural. É menos politizado, acredita menos na luta. É mais corruptível, aberto a contra-valores e mais voltado para o econômico. No grupo estabelece muitas vezes relações de esperteza. Vende o produto e não presta conta, passa o companheiro para trás para se favorecer. É muito despolitizado e interessado apenas no econômico; algo que é perceptível nas reuniões. Estão ali porque querem particularmente se favorecer. Isto é um elemento dificultador. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 03) 31.

“Meu marido agora só fica em casa, bebendo cachaça. Antes trabalhava, mas agora

não, fica lá. As mulheres veem os filhos querendo alguma coisa e não têm condição, têm é a

falta de serviço”. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 7) 32.

30 Entrevista concedida em 07/05/2008. 31 Entrevista concedida em 07/05/2008. 32 Entrevista concedida em 07/05/2008.

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Vale destacar também que, nos espaços observados da economia popular solidária, a

participação de homens é muito pequena. As mulheres não são tão jovens e as que participam

das reuniões do FEPS/RMBH são mais maduras, sendo que algumas nunca tiveram

oportunidade de emprego formal. Muitas dessas mulheres são alvo de políticas municipais,

principalmente na área da assistência social. Algumas dessas políticas são direcionadas para

formar as mulheres em ações de reposição e continuidade da casa e não contribuem para sua

autonomia financeira. A renda ainda é de subsistência. O grande desafio também é ampliar

suas lutas e articulações políticas, não apenas em vista de políticas públicas, mas também

enquanto iniciativas populares em redes, que possam dialogar com fóruns e outros

movimentos sociais e populares.

No que diz respeito aos empreendimentos econômicos solidários, estes passam por

várias fases, as quais são complexas, desafiadoras e exigentes. Processos que exigem a

superação de fatores elementares como pré-condição à sua autoafirmação e, dada a

precariedade das condições de manutenção dos grupos, muitas vezes estes não sobrevivem à

lentidão dos processos. Segundo os agentes mediadores, a economia popular solidária

apresenta inúmeras dificuldades para sua implantação e, na RMBH, os desafios são maiores

ainda.

A Economia Solidária na RMBH é complexa, porque a região é complexa. A região metropolitana tem uma organização e uma forma de constituição que é gigantesca, com seus inúmeros detalhamentos, diversidades e aqui convive tudo. A RMBH em qualquer questão de política pública ela é complexa (trânsito, saúde, trabalho, educação, etc.). Alguns limites percebidos estão na própria consolidação dos empreendimentos. Alguns empreendimentos de alguns setores se consolidam muito bem, por exemplo, reciclagem. Já os grupos de artesanato têm maiores dificuldades em articular sua produção. Dependendo do ramo da atividade produtiva, tem possibilidades ou limites de mercado. (...) Na zona rural a tendência para a organização, essa cultura de associação e cooperação, é muito mais antiga. Você vai lá e encontra maiores experiências de assembléia no meio rural No meio urbano, numa Região Metropolitana, fica muito mais difícil em alguns momentos. A desigualdade convive muito perto. Há grandes extremos, e isso influencia na proposição de política pública. Uma complexidade, limites de setores, carência de maior estrutura. As pessoas têm uma questão concreta, muito imediata. Elas precisam de dinheiro para se alimentar, comprar roupa, o leite das crianças, comida. No meio rural a segurança alimentar e a subsistência conseguem segurar um pouco mais. Aqui, se não tiver dinheiro pra comprar o leite do filho, não compra. A emergência de ter trabalho e renda é muito concreta. (GESTORES PÚBLICOS -ENTREVISTA Nº 5) 33.

Os empreendimentos passam por várias fases. Para funcionar, precisam de uma liderança, capaz de aglutinar um número de pessoas, necessitam de alguns

33 Entrevista concedida em 26/08/2008.

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equipamentos, o grupo tem dificuldade de acesso a financiamento e fica sempre na expectativa de como conseguir. (...) O grupo, a princípio, não tem a visão da necessidade de um capital de giro e da necessidade de guardar uma parte do recurso e apenas devolver o restante ao grupo, porque aquilo que entra, vai atender a necessidade imediata: é pagar a matéria prima que foi comprada, é pagar a conta de um e de outro ali. Superado isso, vem a questão da comercialização dos produtos ou dos serviços. Como fazer uma venda mais organizada? Normalmente, quando tem uma entidade de apoio, o empreendimento funciona melhor, porque acaba assessorando o como fazer, mas quando não tem ele não consegue. Superada a questão da comercialização, vem a questão da formação dos membros. A Economia Solidária não é apenas um aglutinado de pessoas ali, mas pessoas que se aglutinam em torno de princípios que devem ser respeitados, valorizados e promovidos. (...) A questão de políticas públicas focadas na Economia Solidária. Temos uma ação de Governo, uma SENAES, que provoca algumas ações e apoia alguns projetos, mas efetivamente não é aquilo que corresponde à necessidade real dos empreendimentos. Ainda tem muita coisa que fica fora. (ENTIDADES DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 03) 34.

Segundo os agentes mediadores, a economia popular solidária apresenta um enorme

desafio, para desenvolver uma prática de trabalho regida pelos valores de autogestão,

democracia, cooperação, solidariedade, respeito à natureza, promoção da dignidade e

valorização do trabalho humano, tendo em vista um projeto de desenvolvimento sustentável,

global e coletivo, a partir da concepção de um novo modelo de sociedade. Um projeto de

sociedade baseado não apenas no valor monetário, mas em outros valores que permeiam a

construção de outra “economia possível”, na valorização da pluralidade e da solidariedade

humana.

Uma economia alternativa que se pauta pela solidariedade, e não pela competição. A proposta não é competir, é incluir, e isso envolve a partilha do saber, da clientela, de se organizar em rede para que seu produto seja viável e a matéria prima de outro grupo se torne empreendimento viável e que a organização possa acontecer numa rede de alternativa a este capitalismo selvagem. Uma política de inclusão e de partilha e que promove esses pequenos empreendimentos, ecologicamente sustentável, de modo que seja algo diferenciado do que se tem por aí. (...) Esta política envolve os relacionamentos, os desenhos, esta expectativa e uma metodologia que é construída com erros e acertos. Tudo isso é um grande desafio que temos, mas que também levam a uma política diferenciada porque é uma política de fato de inclusão social e de alternativa ao capitalismo. É uma política revolucionária, que nasce das bases, vem das bases e que agora um Governo como o nosso, o Governo Lula, propõe que ela se torne uma política pública. Isso é de uma riqueza que chega a ser até emocionante. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 02).35

Uma proposta também entendida como uma estratégia de enfrentamento da exclusão

social e da precarização do trabalho, procurando organizar formas coletivas e solidárias de

34 Entrevista concedida em 07/05/2008. 35 Entrevista concedida em 17/12/2008.

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geração de trabalho e renda. De acordo com alguns entrevistados, quando um coletivo de

trabalhadores se reúne para produzir um bem, prestar um serviço, realizar uma compra

coletiva ou trocar produtos e serviços, dividindo responsabilidades, obrigações e

principalmente os frutos gerados pelo desempenho da atividade econômica, eles estão

praticando economia solidária. A economia popular solidária emerge da expressão e forma de

atuação, enquanto questão econômica e financeira; uma alternativa a princípio de renda para

as pessoas, enquanto pequeno empreendimento. No depoimento dos entrevistados, essas

experiências podem representar uma nova maneira de pensar o desenvolvimento econômico

da sociedade, pautado na preservação do meio ambiente, distribuição mais equitativa dos

ganhos dos frutos e da negociação e venda.

Vejo a EPS como uma estratégia de desenvolvimento. Ela é muito diferente do que é proposto pela economia vigente, que propõe o lucro em detrimento das pessoas e a EPS propõe exatamente o contrário. É colocar as pessoas no centro, a valorização das pessoas, a questão de gênero, de trabalhar a mulher e trazer a mulher para o centro, pois a maioria dos empreendimentos solidários é formada por mulheres. Tem ainda outra questão, que é a questão do meio ambiente, a preservação do meio ambiente, a sustentabilidade. É um movimento amplo em que se propõe uma mudança muito grande, de pensamento, de contexto. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 01) 36.

A economia popular solidária na RMBH é vista sob diferentes enfoques. É visível nos

depoimentos dos gestores públicos e entidades de apoio e fomento que, não obstante as

tensões e conflitos inerentes aos processos dessas iniciativas na RMBH, há um entendimento

comum quanto aos seus princípios e valores. Para as entidades de apoio e fomento, bem como

os gestores públicos entrevistados, a economia popular solidária não somente é uma

alternativa ao desemprego como também é um espaço político de mobilização, organização,

inclusão produtiva, e de maior coesão social.

A economia solidária, a economia popular solidária, se insere na proposta do Programa Fome Zero, que sinaliza outras possibilidades e grandes oportunidades, tendo como viés a intersetorialidade e o trabalho em redes. (...) É uma alternativa de inserção. Além da inserção no trabalho, é também inserção social a partir do encontro. O encontro promove a recuperação da autoestima das pessoas. Elas se encontram, produzem, conversam sobre suas vidas e adquirem um sentido de pertença a uma rede social. Percebem que neste encontro sua vida começa a ter um sentido. Ela não precisa mais tomar o remédio para seu problema de saúde mental. Ela se emancipa e reconstrói sua cidadania. Quando uma pessoa está oprimida pela pressão da economia, pela pobreza e miséria, quando ela tem oportunidade de

36 Entrevista concedida em 06/05/2008.

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participar de um equipamento público, de um grupo, ela acaba se reconstruindo. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 02).37

Os agentes mediadores entrevistados convergem na afirmação de que a participação

nos empreendimentos solidários muda a vida dos participantes, apesar de ser uma batalha

árdua, uma vez que busca ser uma alternativa ao modelo de mercado existente. Assim sendo,

exige a superação de barreiras, sendo a primeira delas a exigência de mudança cultural. No

entanto, há também uma preocupação com o tempo de vida dos empreendimentos, pois,

segundo os entrevistados e os dados da SENAES38, 80% das empresas morrem antes de

completar dois anos de existência. Outro fator importante destacado nas entrevistas foi a

política de economia solidária, algo ainda em construção, pois

a política está nascendo, não existe uma cartilha com receitas prontas, a metodologia está sendo criada e por isso trabalha-se com erros e acertos. Não é difícil encontrar grupos que foram arduamente trabalhados por nós, e que estão insatisfeitos. (...) Há insatisfação por parte dos grupos porque há uma expectativa. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 02).39

A economia popular solidária na RMBH, segundo os depoimentos dos entrevistados,

exige, por parte de todos, maturidade, interação, cooperação e capacidade de diálogo. Não

obstante tantos desafios, há também avanços, embora muitas vezes pouco perceptíveis.

Avanços não econômicos, de caráter comunitário, organizacional e de inclusão em vários

níveis, de pessoas que estão fora do mercado de trabalho ou sem perspectivas mais concretas.

Avanços que contribuem para a geração de uma rede de sociabilidade, de cooperação,

amizade e de coesão social. Um processo que caminha a passos lentos, mas que tem sua

importância.

A economia popular solidária avança na RMBH, porque já faz cinco ou seis anos que estou no Movimento e acompanho os empreendimentos solidários e vejo que eles se apropriaram muito mais do processo. Estão na frente, querem fazer parte da discussão da economia popular solidária, do que a RMBH tem proposto. (...) Avançou principalmente pelo protagonismo dos empreendimentos econômicos solidários. Conseguimos fazer um planejamento, com proposta de ação prevista para

37 Entrevista concedida em 17/12/2008. 38 “A Secretaria Nacional de Economia Solidária, com o objetivo de proporcionar a visibilidade, a articulação da economia solidária e oferecer subsídios nos processos de formulação de políticas públicas, está realizando o mapeamento da economia solidária no Brasil. Para isso, foi desenvolvido o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES), composto por informações de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) e de Entidades de Apoio, Assessoria e Fomento (EAF). Dados obtidos no site www.mte.gov.br/ecosolidaria/sies.asp. 39 Entrevista concedida em 18/12/2008.

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dois anos, em vistas a uma atuação da Economia Popular Solidária na RMBH. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 01) 40.

3.2. As entidades de apoio e fomento e economia popular solidária na região

metropolitana de Belo Horizonte.

Foram cinco as entidades de apoio entrevistadas. A definição dessas entidades de

apoio e fomento e sua quantificação tiveram como critério a escolha de entidades da RMBH

marcadas pela efetiva participação nas iniciativas de economia popular solidária e o cuidado

em não perder o foco do objeto pesquisado. Como critério de escolha para as entrevistas

foram priorizadas entidades de apoio e fomento envolvidas na implementação da economia

popular solidária na RMBH e integrantes nos fóruns de economia popular solidária.

As entidades de apoio e fomento compreendem que seu papel fundamental é apoiar o

desenvolvimento desses empreendimentos, e que sem esse acompanhamento será muito difícil

a consolidação das iniciativas. Desenvolvem ações nas diversas modalidades de apoio direto

junto aos empreendimentos solidários, tais como: capacitação, assessoria, incubação,

pesquisa, acompanhamento, fomento a crédito, assistência técnica e organizativa e,

juntamente com os gestores públicos, elaboram, executam, implementam e/ou coordenam

políticas de economia solidária de prefeituras e governos estaduais.

3.2.1. Ação Social Política Arquidiocesana (ASPA) 41

A Ação Social Política Arquidiocesana (ASPA) integra um dos eixos de ação da

Arquidiocese de Belo Horizonte, abrangendo 28 municípios da Região Metropolitana. Sua

atuação no campo social, desde 1952, é desenvolvida pela Providência Nossa Senhora da

Conceição, cujo nome fantasia é: “ASPA”. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos e

de natureza essencialmente filantrópica que promove diversos projetos sociais, destinados a

grupos e famílias em situação de vulnerabilidade social.

40 Entrevista concedida em 15/07/2008. 41 Informações obtidas da Entrevistada nº 01, em entrevista concedida no dia 06/05/2008, às 9:00 horas, na Ação Social e Política da Arquidiocese de Belo Horizonte – ASPA e complementações enviadas via e-mail em 15/09/2008.

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As atividades da ASPA estão embasadas nos conceitos, princípios e valores da

Economia Popular Solidária. O Núcleo de Geração de Trabalho e Renda (NGTR/EPS) é um

dos projetos que integram a ASPA e tem como missão coordenar programas de geração de

trabalho e renda, em consonância com os princípios e metodologias da EPS no âmbito

arquidiocesano. Inclui planejamento, gerenciamento e avaliação de suas ações e projetos

sociais, visando à inserção produtiva para o público beneficiário das ações sociais

desenvolvidas. A Ação Social e Política Arquidiocesana, através do NGTR/EPS, coordena as

atividades de inclusão social pelo trabalho solidário e oferece ao público beneficiário a

oportunidade de desenvolver suas potencialidades humanas, através de oficinas e cursos de

capacitação, envolvendo a preparação técnica e a reflexão em torno de temas de formação

para o exercício da cidadania, bem como aulas práticas e teóricas de economia popular

solidária.

A ASPA é uma das entidades mais presentes e atuantes nas iniciativas de economia

popular solidária. Participa da coordenação do Fórum Metropolitano, do Fórum Mineiro e da

Rede de Economia Solidária.

3.2.2. Cáritas Brasileira42

A Cáritas Brasileira é um organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB) e é reconhecida como de utilidade pública federal. Faz parte da Rede Cáritas

Internationalis, uma rede da Igreja Católica, de atuação social, composta por 162

organizações, presentes em 200 países e territórios, com sede em Roma.

Fundada por Dom Hélder Câmara, então secretário-geral da CNBB, em 12 de

novembro de 1956, a Cáritas Brasileira nasceu com o objetivo de articular nacionalmente

todas as obras sociais católicas e coordenar o Programa de Alimentos doados ao Brasil,

através da CNBB, pelo governo norte-americano. O programa de distribuição de alimentos

desenvolveu-se dentro da concepção de “Desenvolvimento da Comunidade”. Essa concepção

marcou a Cáritas Brasileira, sobretudo até os anos de 1960.

Em 1966, a Cáritas Brasileira desligou-se oficialmente do Secretariado Nacional de

Ação Social da CNBB, constituindo-se em entidade jurídica autônoma, porém vinculada

42 Informações obtidas pelos Entrevistados nº 02, em entrevista concedida em 02/07/2008, bem como por meio do site da Cáritas Brasileira (www.caritasbrasileira.org.br) em 31 de julho de 2008, às 8:30 horas.

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filosófica e doutrinalmente à CNBB. Com o passar dos anos, a Cáritas Brasileira foi

redimensionando sua prática no que diz respeito à sua metodologia de trabalho e prioridades

de ação. Aos poucos, a entidade passou a dar ênfase à construção de relações democráticas,

políticas sociais públicas articuladas com as demais pastorais sociais e com o movimento

popular, tendo em vista a construção e conquista da cidadania.

Na ação Cáritas é priorizada a defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento

sustentável e solidário e as políticas públicas. Seus agentes, movidos por uma mística

ecumênica, trabalham junto aos excluídos e muitas vezes em parceria com outras instituições

e movimentos sociais. Atualmente, a Cáritas Brasileira tem quatro diretrizes institucionais:

defesa e promoção de direitos; incidência e controle social de políticas públicas; construção

de um projeto de desenvolvimento solidário e sustentável; fortalecimento da Rede Cáritas. A

entidade possui 170 entidades-membros em todo o Brasil e atua em 10 regionais: Ceará,

Maranhão, Minas Gerais, Nordeste II (AL, PB, PE, RN), Nordeste III (BA, SE), Norte II (AP,

PA), Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Estão em processo de formação a

Cáritas Regional no Espírito Santo, Amazonas e Rio de Janeiro.

A Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais tem a economia popular solidária como

uma de suas prioridades e eixos de ação. Acompanha vários grupos de economia popular

solidária nas diversas regiões do Estado, exceto na RMBH. É membro da Rede de Economia

Solidária, do Fórum Mineiro de Economia Solidária e do Fórum Brasileiro de Economia

Solidária.

3. 2. 3. Instituto Marista de Solidariedade (IMS) 43

O IMS, com sede em Brasília (DF), tem como objetivo realizar sua ação

socioeducativa promovendo a inclusão social e a solidariedade humana por meio de apoio a

projetos sociais, coordenados por organizações de assistência social provenientes da

sociedade civil, sobretudo aquelas voltadas à política de proteção e garantia dos direitos da

criança, do adolescente e do jovem, economia popular solidária e apoio às pessoas em

situação de vulnerabilidade e risco social.

43 Informações obtidas pelo Entrevistado nº 03, em entrevista realizada em 07/05/2008 e por meio do site do Instituto Marista de Solidariedade (www.ims.marista.edu.br), em 31 de julho de 2008, às 9:00 horas.

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Desde a sua fundação, os investimentos em pequenos e médios projetos responderam a

diversos apelos sociais, priorizando as seguintes áreas: proteção e garantia de direitos de

crianças, adolescentes e jovens; fomento à economia solidária e ao consumo consciente;

humanização do cárcere; cidadania, cultura e educação popular; fortalecimento institucional.

Atualmente o IMS atua em 17 unidades da federação: Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará,

Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco,

Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins. O Instituto articula e

estabelece convênios e parcerias com órgãos governamentais e não-governamentais, nacionais

e internacionais, na perspectiva de contribuir para a redução das desigualdades sociais,

enfrentar situações de pobreza e vulnerabilidade e promover a inclusão social.

Entre as ações do Instituto Marista de Solidariedade, destaca-se o Programa de Apoio

à Economia Solidária, uma ação realizada com o objetivo de promover inclusão social

produtiva. O Programa criou e estimulou ações de enfrentamento à pobreza. Dentre elas, o

Programa Nacional de Fomento às Feiras de Economia Solidária, iniciado em 2005. Vale

destacar ainda a parceria estabelecida com a OIT e o Fórum Nacional de Prevenção e

Erradicação do Trabalho Infantil.

Como princípio fundamental, o IMS se propõe a ser não apenas um agente

financiador, mas também parceiro das entidades que a ele recorrem. A partir dessa

determinação, importantes parcerias foram construídas. Em cada uma esteve presente o desejo

de fortalecer novos caminhos de organização e consolidação de experiências no meio popular

que instituam uma nova sociabilidade e apontem para experiências que recuperem a

centralidade de uma ética do cuidado com o ser humano e todas as formas de vida.

O IMS tem atuação significativa nos espaços sociais de discussão, monitoramento,

construção de políticas públicas e articulação da sociedade civil, fazendo-se presente em

várias instâncias nos diferentes níveis de representação: Fórum Nacional de Prevenção e

Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e nos estaduais de Minas Gerais e Distrito

Federal, Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal, Conselho de

Assistência Social do Distrito Federal, Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente do

Distrito Federal, Comitê Mineiro do Fórum Social Brasileiro, Fórum Brasileiro de Economia

Solidária, Articulação Pakari de Plantas Medicinais, Fórum Mineiro de Economia Popular

Solidária, Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária, Fórum Mineiro de Segurança

Alimentar, Articulação Nacional de Fundos de Pequenos Projetos, Governo Federal – por

meio da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, do Ministério do Trabalho e

Emprego e Fundação Banco do Brasil, entre outros.

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Os recursos do Fundo de Apoio a Pequenos Projetos do IMS são provenientes de uma

mantenedora, a União Brasileira de Educação e Ensino (UBEE), resultado da concessão de

benefício fiscal atribuído a organizações sem fins lucrativos de assistência social. Em toda a

sua atuação, os valores que impulsionam o trabalho do Instituto estão baseados na

solidariedade, na busca por uma sociedade mais fraterna, justa, inclusiva e cidadã, em todos

os segmentos da sociedade.

3.2.4. O Movimento do Graal no Brasil44

O Movimento do Graal é um movimento religioso leigo de mulheres que enfatiza, em

nível de intercâmbio internacional, o papel da mulher na sociedade. Foi fundando na Holanda,

em 1921, e tem atuação hoje em 18 países, nos quatro continentes: África, Ásia, América e

Europa.

O Movimento do Graal Internacional tem uma estrutura própria, com uma equipe de

presidência internacional formada por três mulheres de diferentes países e um conselho

internacional formado por representante de cada um dos países. O Graal internacional conta

ainda com várias redes de trabalho que trocam informações, produzem materiais e projetos de

intervenção em comunidades, dentre eles a Rede de Mulheres das Américas, que conta com

mulheres do Brasil, México, Honduras, Estados Unidos, Canadá; a Rede de Mulheres com

Filhos; e a Rede de Mulheres lutando contra a globalização, pela superação da pobreza e

contra o analfabetismo econômico.

No Brasil, o Movimento do Graal se instalou entre os anos de 1949 e 1951. O trabalho

desenvolvido no Brasil sofreu várias modificações ao longo dos anos; entretanto, sempre foi

um trabalho voltado para a educação popular na área de desenvolvimento de comunidades

rurais e urbanas. Sua sede no Brasil está localizada em Belo Horizonte - MG, na Rua

Pirapetinga, nº 390 – Bairro Serra.

Em julho de 1955, durante a gestão do prefeito Dr. Américo René Giannetti, de acordo

com a Lei Municipal n. 332, de 18/05/1953, o Movimento do Graal recebeu da Prefeitura de

Belo Horizonte o terreno para construção de sua sede. Em 1958, iniciam-se as atividades

sociais do bairro Serra, principalmente através do Posto de Saúde Dr. Otávio Magalhães. Em

44 Informações obtidas pela entrevistada nº 04, em entrevista concedida em 02/07/2008 e histórico da Entidade enviado via correio eletrônico em 26/08/2008.

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maio de 1961, já funcionando na sua nova sede, foram promovidas as seguintes atividades:

programa de formação para equipes de jovens; programa social no bairro Serra; centro dos

programas de pré e pós-natal (partos em domicílios); clube de mães, corte e costura, arte

culinária, programas recreativos para jovens, clubes infantis, cooperativa (sapataria e costura

popular).

Com o Golpe Militar, várias participantes foram perseguidas, obrigando-as, assim, a

redirecionar o foco de atuação para a formação interna. Dada a questão política nacional, a

Prefeitura de Belo Horizonte interrompeu a disponibilização do trabalho de assistência social.

O período de 1978 a 1980 foi dedicado à formação preparatória de jovens inseridas em

trabalhos na capital e no interior do Estado. Em 1980 chegam a Belo Horizonte jovens

estudantes para formarem uma comunidade do Graal e contribuírem com trabalhos sociais. A

maioria dessas jovens eram educadoras e começaram a prestar serviços em favelas. Em

seguida organizaram equipes para desenvolvimento e apoio a projetos nas comunidades do

Palmares (região metropolitana de Belo Horizonte, município de Ibirité) e na Favela Ventosa

(bairro Jardim América, na capital). Nos anos de 1987 a 1990, o Movimento do Graal no

Brasil inicia um trabalho de assessoria a mulheres trabalhadoras rurais, no interior do Estado

(Brasilândia, Unaí, Bonfinópolis de Minas e região).

No ano de 1990, inicia-se a organização do Projeto Centro da Mulher. Esse projeto

tem como objetivo ser um espaço de formação sociopolítica e de fomento de metodologias

participativas para grupos populares de mulheres, por meio de intervenções educativas no

campo da saúde, sexualidade, direitos reprodutivos, meio ambiente e da economia popular

solidária e o incentivo na busca conjunta de mudanças no seu cotidiano. Desde o início de sua

fundação, tanto no Brasil, como em outros países, tem desenvolvido ações, proporcionando

espaços de organização das mulheres através de cursos de corte e costura, oficinas de

bordados e bazares. Essas ações, antes denominadas de “Geração de Renda ou Pequenos

Grupos de Produção”, foram embrionárias para o surgimento da economia popular solidária.

O Movimento do Graal atualmente desenvolve projetos sociais, tendo em vista o

desenvolvimento local e sustentável de comunidades urbanas e rurais, tendo como princípio

fundamental privilegiar ações voltadas para a dimensão de gênero, raça e a equidade social.

Sua missão se concretiza no trabalho com organizações comunitárias, principalmente com

grupos de mulheres de comunidades urbanas e rurais. Um trabalho com enfoque na

metodologia participativa, a partir da educação popular, tendo em vista o empoderamento das

mulheres, a superação da pobreza, a equidade social e de gênero.

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Nesse sentido o Movimento do Graal tem desempenhado, juntamente com outras

entidades, dentre elas a Cáritas e a ASPA, um papel importante na proposição de ações que

proporcionem maior visibilidade para a economia popular solidária na RMBH e no Brasil.

Essas entidades têm contribuído na realização de feiras de economia solidária, na construção

do mapeamento e também na realização das conferências nacional e estadual de economia

solidária.

3.3. Observações e percepções de entidades de apoio e fomento na RMBH sobre a

economia popular solidária

Movidas pelo objetivo de uma atuação em causas cívicas, execução e gerenciamento

de políticas e programas em colaboração com governos, o terceiro setor entra em cena,

objetivando o interesse público e contrapor o Estado. No entanto, paradoxalmente, suas ações

muitas vezes acabam substituindo o Estado em sua responsabilidade com a questão social.

Cresce o universo de entidades que se transformam em o braço do Estado, cuja

sustentabilidade é vinculada aos serviços que em nome dos governos contratantes prestam à

população, limitando cada vez mais as fronteiras entre o público e o privado.

A relação entre o Estado e as organizações não governamentais, apesar de sua

heterogeneidade, gravita entre o contestatório e o colaboracionista. (BARBOSA, 2007,

p.177). Revela uma tensão no que diz respeito à gestão e à mobilização social, pois para o

Estado, as ONGs, por seu conhecimento e vínculo com determinados atores sociais, são

interlocutores representativos. No entanto, essas organizações não governamentais, na relação

com o Estado, são também representantes da sociedade civil. A interface com os gestores

públicos, segundo o depoimento de alguns entrevistados, revela tensões e ambiguidades. Isso

é explicitado na dificuldade de inserção da temática sobre economia popular solidária nos

programas de avaliação de resultados.

Há uma precarização do trabalho no Movimento da EPS e a gente não consegue mudar esta situação. (...) O Poder Público poderia estar investindo mais e isso é uma perda muito grande. Temos o Poder Público como aliado, mas até que ponto ele é nosso aliado? Não se pode contar muito com ele, ainda mais nas circunstâncias que estamos, onde são feitas tantas alianças. Que aliança é esta que o Poder Público faz com o Movimento da EPS? E o Movimento fica refém dele. Como lutar contra o poder público se ele é seu aliado? (...) É preciso que as entidades de apoio e gestores públicos desçam de onde estão e acompanhem os empreendimentos econômicos

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solidários mais nas bases, com o olhar no processo dos empreendimentos. Como é que a gente pode caminhar junto com os empreendimentos, contribuir com a proposta que eles têm, sem atropelar os processos dos empreendimentos? Às vezes os gestores públicos atropelam os processos dos EES. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 01) 45.

A Economia Solidária ter passado a ser uma política pública foi um avanço e uma conquista, mas também uma apropriação indevida, inclusive de grupos e de pessoas que não estão neste perfil de participantes pobres e se apropriam de uma forma inadequada, de uma forma de poder e de recursos, para alimentar muitas vezes o capitalismo. Uma guerra de poder de grandes organizações que falam em nome da Economia Solidária. O SEBRAE é um exemplo claro. Está a serviço de quem? Dos empresários ou na ajuda aos pobres a terem esta inserção social? Há grupos que não têm nada de Economia Solidária. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 04) 46.

Dados do Sistema de Informações de Economia Solidária – SIES apontam que em

Minas Gerais há 1.23647 empreendimentos mapeados. A produção abrange produtos da

agricultura familiar; pecuária; artesanato em geral; artigos de cama, mesa e banho, vestuário

em geral; calçados, bolsas; acessórios. Existem também muitos empreendimentos que prestam

diversos tipos de serviços, como lavagem de roupas, buffet, entre outros.

Na RMBH, os dados do mapeamento do SIES registram 260 empreendimentos

econômicos solidários na RMBH, estando 170 desses empreendimentos no município de Belo

Horizonte. Segundo os entrevistados, não obstante os dados do mapeamento oficial, muitas

empreendimentos solidários que estão em funcionamento ainda não foram mapeados por uma

série de questões, dentre elas, a falta de tempo e de recursos necessários na época do

mapeamento e o surgimento de outras iniciativas após o levantamento.

O mapeamento feito apresentou uma diversidade de iniciativas, em que se fazem

presentes população de rua, idosos, pessoas com deficiência e mulheres. Os principais

produtos são os seguintes: artesanato com uma produção diversificada (cama e mesa,

bordado, artigo de decoração, vestuário, confecção); reciclagem, no que diz respeito à triagem

de material reciclado, pois o trabalho de coleta é muito pouco; serviços de alimentação;

higiene pessoal e limpeza; e papelaria à base de material reciclado.

É inegável a importância do papel das entidades de apoio e fomento dos

empreendimentos econômicos solidários na RMBH. As ações de mobilização, organização e

capacitação das mulheres nesses empreendimentos têm contado muito com a assessoria dessas

entidades, que, motivada pela questão de gênero e por valores e princípios cristãos, investem

45 Entrevista concedida em 06/05/2008. 46 Entrevista concedida em 02/07/2008. 47 Dados obtidos no SDRT/MG, por meio de entrevista concedida em 15/07 e 26/08/2008.

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na economia popular solidária enquanto alternativa de trabalho e renda e acreditam que é

possível construir um novo olhar sobre a economia e uma nova proposta de desenvolvimento.

A Cáritas Brasileira é um organismo da CNBB, que tem como opção de vida e missão trabalhar a organização dos excluídos. Para isso tem como linhas de ação programas no semi-árido brasileiro, economia solidária, defesa dos direitos da criança e do adolescente, segurança alimentar e nutricional. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 02) 48.

Penso que enquanto Igreja é muito importante a presença e participação da ASPA no movimento de economia popular solidária, uma proposta que lembra os primeiros cristãos. A ASPA tem que ser um testemunho e ajudar a puxar isso no fomento da EPS. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 01) 49.

Aqui na RMBH, o Movimento do Graal acompanha o FEPS/RMBH, o grupo do aglomerado da Serra, as “Meninas do Cafezal” e cinco grupos de produção da Feira da Afonso Pena. Contribui no processo de discussão sobre autogestão, relações de gênero, identidade do grupo. Acompanha esses grupos até sua definição se serão cooperativas ou associação e sua criação; depois, o grupo caminha sozinho. No interior, temos um projeto no Norte de Minas que é Economia Popular Solidária e fortalecimento da cultura local – o Projeto “Chico Fulô”, que trabalha com produtos extraídos do cerrado (panetone de jatobá, compota de cagaita, bombom de pequi, castanha de baru, licores de murici, pequi e cagaita). (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 04) 50.

Os estudos sobre movimentos sociais e ONGs têm mostrado o protagonismo das

entidades civis na prestação de assessoria e execução de serviços voltados para o

desenvolvimento social. As entidades de apoio e fomento têm um papel-chave na negociação

com o poder público e, em conjunto com representantes dos empreendimentos solidários, têm

direcionado as proposições da Economia Popular Solidária e forjado sua direção política. Este

tem sido o papel dos fóruns de economia solidária, que, superando as divergências e

articulando-se em torno de proposições comuns, vão se adentrando na construção de uma

plataforma de lutas, garantindo a unidade na diversidade e construindo redes de articulação,

merecendo, inclusive, o destaque do Banco Mundial, que qualificou a rede de ONGs

brasileiras como uma das mais dinâmicas da América Latina. (BARBOSA, 2007, p.178).

A relação das ONGs com os aparelhos do Estado tem suscitado dilemas políticos

significativos. A capacidade de independência e autonomia necessária, tanto para as entidades

de apoio e fomento como para os empreendimentos solidários, tem acarretado impasses em

48 Entrevista concedida em 02/07/2008. 49 Entrevista concedida em 06/05/2008. 50 Entrevista concedida em 02/07/2008.

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seu papel avaliativo, quanto ao seu resultado efetivo e no controle social dos recursos públicos

disponibilizados. Marcadas por uma simbiose intensa e dependência de verbas públicas, as

entidades de apoio e fomento têm consciência de que os dilemas decorrentes desses processos

põem a descoberto a questão da autonomia e da representação política dos movimentos

sociais. Segundo Rosângela Nair de Carvalho Barbosa,

ocorreu uma migração do financiamento destas entidades, antes procedentes “de fontes de recursos do exterior, de agências de cooperação internacional, de igrejas (...) para certa dependência dos orçamentos públicos nacionais”, em decorrência da redução da colaboração internacional, que passou a priorizar outros contextos sociais, e da abertura do Estado para parcerias. Neste sentido, as Agências Multilaterais Internacionais também passaram a compor direta ou indiretamente o quadro de remessas de recursos para as ONGs. (BARBOSA, 2007, p.180).

Muitas entidades de apoio e fomento se encontram fragilizadas e precarizadas, não são

auto-sustentáveis, dependem de recursos financeiros para esse trabalho com os grupos, o que

compromete a sustentabilidade institucional e/ou continuidade no acompanhamento a essas

iniciativas. O trabalho muitas vezes é desenvolvido de forma precária, sem nenhuma

seguridade social para seu representante institucional e, contraditoriamente ao que se propõe,

acaba formalizando a informalidade.

As ONGs não são auto-sustentáveis. A maioria delas dependem de recursos neste trabalho com os grupos e a sustentabilidade institucional é o principal desafio. (...) Infelizmente, há muitas dificuldades, inclusive, faltam recursos internos, porque o pessoal acha que quem trabalha em ONG tem que ser voluntário e quase que a tempo mais que integral. O governo brasileiro propagandeia uma conjuntura mostrando que o país está em fase de desenvolvimento, que está entre as primeiras potências e por isso não precisa da cooperação internacional. Fala para as cooperações internacionais que tem recursos sim, que é incompetência das organizações não acessar esses recursos. E o recurso público que se consegue acessar é restrito, porque financia apenas o trabalho na base. (...) A cooperação internacional acaba levando os recursos para outras áreas que realmente precisam mais; os países vitimados pela guerra, a AIDS, a fome do mundo. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 04). 51.

A necessidade de maior clareza de objetivos a serem atingidos, como também quanto à

implementação das ações, torna-se fundamental, de modo que seja superado não apenas o

desafio da gestão participativa, mas também o da inclusão social de inúmeros trabalhadores.

Jogar luz nesses dilemas exige, por parte de todos os atores sociais da economia popular

51 Entrevista concedida em 02/07/2008.

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solidária na RMBH, maior percepção e capacidade de encarar a realidade das unidades

econômicas autogeridas e os recursos de que dispõem para garantir sua viabilidade.

3.4. Gestores públicos e economia popular solidária na Região Metropolitana de Belo

Horizonte

As entrevistas feitas com os gestores públicos possibilitaram não somente a reflexão

sobre a temática em estudo, como também perceber os diferentes olhares e as ações que

constroem e complementam a economia popular solidária na RMBH. Conscientes de que têm

um papel fundamental no apoio e desenvolvimento dos empreendimentos econômicos

solidários e que sem esse acompanhamento seria muito difícil a consolidação da Economia

Popular Solidária, os gestores públicos entrevistados demonstraram preocupação quanto à

construção da economia popular solidária na RMBH.

3.4.1. Centro Público de Economia Solidária de Belo Horizonte52

O Centro Público de Economia Solidária de Belo Horizonte53 foi criado em 2005. Está

vinculado à Gerência de Coordenação de Programa de Emprego e Qualificação Profissional

da Prefeitura de Belo Horizonte e tem como objetivo discutir, implementar e articular

iniciativas que ajudem na constituição de um programa mais consistente de apoio e fomento à

economia solidária.

Segundo a entrevistada, que atualmente assume a gerência do Centro Público de

Economia Solidária de Belo Horizonte, a Prefeitura de Belo Horizonte, a cada quatro anos ou

a cada dois anos, realiza mudanças em sua estrutura administrativa, no sentido de adequar

suas funções às demandas que a sociedade propõe e, também, em função de uma

programática estabelecida pelo seu governo. Destacou que, no caso da Economia Solidária,

isso tem muito a ver com algumas ações já desenvolvidas anteriormente, pela Prefeitura de

Belo Horizonte, no campo da geração de trabalho e renda, na perspectiva de inclusão social, e

que foram incorporadas ao programa Economia Popular Solidária.

52 Informações obtidas por meio de entrevista concedida em 15 de julho de 2008. 53 As fotos ilustrativas se encontram no Anexo A.

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As iniciativas de desenvolvimento econômico, de apoio à micro e à pequena empresa

desenvolvidas pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) antes de 2005, segundo a

entrevistada, não contemplavam a especificidade do público com que a assistência social

trabalhava.

Um público muito à margem, que não se enquadrava e nem atendia os pré-requisitos que o mercado formal de trabalho colocava para que essas pessoas pudessem ser incluídas no mercado de trabalho, ou seja: baixa escolaridade, nenhuma experiência comprovada, todos os aspectos de baixa autoestima, problemas de cidadania, de reconhecimento, de falta de condições, de uma população que não tem condições para abrir seu próprio negócio no formato tradicional. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 01) 54.

Durante a entrevista, a representante do Centro Público de Economia Solidária de Belo

Horizonte lembrou a experiência adquirida pela Prefeitura de Belo Horizonte, através de sua

Secretaria Municipal de Assistência Social antes de 2005, cujo objetivo era incluir produtiva e

socialmente os trabalhadores desempregados, por meio de qualificação e capacitações com

metodologias adequadas, de modo que esse público pudesse produzir e avançar para a

autogestão. Salientou que tal experiência direcionou o trabalho da Assistência Social em 2004

e 2005, integrou o plano de governo dos candidatos à PBH nas eleições em 2004 e início do

Governo Pimentel. Essa mudança, segundo depoimento da entrevistada, é o resultado da

mobilização feita pelos atores sociais dos empreendimentos econômicos solidários e entidades

de apoio e fomento, que demandavam mais empenho do Governo em relação a iniciativas no

campo da Economia Popular Solidária, tema que pautava o plano de Governo desde o início.

Em seu depoimento destacou a importância e a necessidade do Centro Público de Economia

Solidária de Belo Horizonte (CPES/BH) enquanto espaço de inclusão social e produtiva.

3.4.2. Coordenadoria Municipal dos Direitos da Mulher/PBH (COMDIM) 55

A Coordenadoria Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM) é uma das entidades

parceiras da Economia Popular Solidária na RMBH. Esta Coordenadoria, elabora, propõe e

coordena, na Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), as políticas sociais de atendimento às

54 Entrevista concedida em 15/07/2008. 55 Informações obtidas pelo Gestor Público entrevistado nº 03 e Revista Espaço da Cidadania: protagonismo, renda, autonomia, reconhecimento, publicada pela Prefeitura de Belo Horizonte em parceria com a Faculdade Pitágoras. Belo Horizonte, março de 2008.

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mulheres em situação de risco social, tendo em vista a superação das desigualdades e

discriminação de gênero e, em suas ações, promove a articulação de redes de entidades

parceiras, tanto na esfera governamental quanto organizações não governamentais. É destaque

o serviço de atendimento e orientação às mulheres em situação de violência de gênero e tem

como um dos eixos de ação a inclusão social produtiva, sendo a Economia Popular Solidária

um de seus instrumentos.

A COMDIM pertence à Secretaria Municipal Adjunta de Trabalho e Direitos de

Cidadania (SMATCD). Essa Secretaria tem como finalidade elaborar políticas públicas

voltadas para a promoção e defesa de direitos e é composta por seis coordenadorias:

Coordenadoria de Direitos Humanos (CMDH);

Coordenadoria dos Direitos das Mulheres (COMDIM);

Coordenadoria de Direitos de Pessoas com Deficiência (CDPPD);

Coordenadoria de Direitos das Pessoas Idosas (CDPI);

Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON).

Integram também a Secretaria cinco conselhos municipais (Conselho Municipal

Antidrogas, Conselho Municipal de Defesa do Consumidor, Conselho Municipal dos Direitos

da Mulher, Conselho Municipal do Idoso e Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência).

Programas e convênios são desenvolvidos pela SMATDC na perspectiva de agregar

transversalmente as diferentes ações das Coordenadorias, potencializar resultados e melhorar

a prestação dos serviços.

O Espaço Cidadania56 é uma das iniciativas da Prefeitura de Belo Horizonte, ligado à

Secretaria Municipal Adjunta de Trabalho, Direitos de Cidadania – SMATDC, e uma das

ações da COMDIM, que tem como objetivo contribuir para a garantia de direitos e possibilitar

o desenvolvimento de atividades que ajudem na geração de oportunidades, trabalho e renda,

fortalecimento de vínculos sociais inclusivos e desenvolvimento de ações associativas

articuladas com órgãos públicos e organizações não governamentais. Os grupos são

vulneráveis, marcados pela exclusão do mercado de trabalho e são atendidos pela SMATDC,

dentre os quais se destacam mulheres em diferentes contextos socioculturais, pessoas idosas

ou com deficiência, pessoas com sofrimento mental e minorias étnicas. São metas e desafios

colocados: promover uma nova cultura voltada para o respeito aos direitos fundamentais, a

56 Fotos ilustrativas no Anexo C.

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convivência com a pluralidade e a diferença, o reconhecimento do outro enquanto sujeito de

direitos e protagonista de uma nova cultura.

Nesse espaço57, os grupos atendidos pelas políticas sociais da SMATDC se reúnem

semanalmente às sextas-feiras, das 8:00 às 18:00 horas, na Avenida Bernardo Monteiro, onde

têm a oportunidade de desenvolver a comercialização de seus produtos, a interação e a

convivência sociocultural. Apesar das inúmeras ações realizadas, o desafio constante é tornar

o Espaço Cidadania conhecido da população, enquanto ação concreta de política pública que

visa garantir direitos e assim possibilitar maior visibilidade aos grupos.

3.4.3. Centro Público de Economia Solidária de Contagem58

Contagem se consolidou como referência na economia popular solidária ao inaugurar

o Centro Público de Economia Solidária, em abril de 2008, após um investimento de R$ 900

mil reais, feito pela Prefeitura Municipal, na recuperação do espaço localizado no bairro Água

Branca, que possui três mil metros quadrados, sendo 1.750 metros quadrados de área

construída.

(...) o Centro Público de Economia Solidária de Contagem59 tem como objetivo ser mais um espaço público para pensar, implementar e fortalecer as políticas públicas, bem como ser espaço de organização e qualificação de trabalhadores beneficiados por programas sociais como o Bolsa-Família e desempregados. Neste espaço é também potencializada a valorização do trabalho e a geração de oportunidades, a

57 Observe as fotos no Anexo C. 58 Dados obtidos no site www.contagem.mg.org.br em 08/10/2008, referentes à notícia veiculada em 15/04/2008 e entrevista concedida pelo Gestor Público nº 02, no dia 17/12/2008. 59 Foram várias as tentativas de realizar a entrevista com a Coordenadora do Centro Público de Economia Solidária de Contagem. Por duas vezes a entrevista foi pré-agendada, mas, por compromissos internos da coordenadora, não foi possível que a responsável pelo Centro Público cumprisse o compromisso agendado. Após nova tentativa, houve recusa por parte da mesma em gravar a entrevista, alegando que os entrevistadores não costumavam respeitar o que foi dito pelos entrevistados, daí que mandaria as respostas do roteiro de entrevistas por escrito, via e-mail, no prazo de no máximo cinco dias. Inclusive assinou o termo de consentimento para a a utilização das informações dadas na referida entrevista. Temerosa de alterações dos depoimentos, colocou uma observação de que a pesquisa seria encaminhada por escrito, conforme combinado. Mesmo assim, houve recusa de sua parte em conceder a referida entrevista, alegando, quinze dias depois, que o Subsecretário de Trabalho e Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de Contagem enviara um artigo para publicação, o qual atenderia as questões colocadas na entrevistas e seria publicado no prazo máximo de vinte dias, ficando o referido texto disponível para pesquisa. Diante disto, buscamos, sem sucesso, a possibilidade de entrevistar outro gestor público que pudesse conceder a referida entrevista. Devido ao momento eleitoral, vários desencontros de agenda ocorreram, sendo possível a realização da entrevista somente após o 2º turno das eleições municipais. Finalmente, a entrevista foi concedida pelo Subsecretário de Trabalho e Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de Contagem.

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participação de grupos produtivos, como os de Economia Solidária. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 02) 60.

Com vinte e seis lojas e dois galpões, o equipamento público, segundo o entrevistado,

é o maior do gênero na América Latina e atende pessoas excluídas do mercado de trabalho,

incentivando ações cooperativas como alternativa viável ao processo de qualificação. A

estrutura física do Centro Público de Economia Solidária de Contagem61 conta também com

os seguintes laboratórios: beleza estética; padaria escola; marcenaria e mecânica de autos -

cuja aula prática é dada na oficina da esquina, uma importante parceria construída de modo

espontâneo; uma incubação na área de olaria com a parceira de ONGs que oferecem espaços

para qualificação e produção; a Cooperativa de Catadores e Material Reciclados (TRAMAR);

o Centro de Artesão, espaço onde é feita a qualificação da área de artesanato; auditório onde

acontecem as aulas e lojas de comercialização. Uma das lojas será destinada ao Projeto Pontos

de Cultura a ser implementado em parceria com o Ministério de Cultura para elaboração e

gravação de CDs: os músicos se organizarão em cooperativas para troca de saberes, de

culturas e possibilidade de comercialização. Está no projeto também a realização de oficinas

de calçados. A expectativa é que diariamente o Centro Público de Economia Solidária atenda

mais de duas mil famílias, as quais serão qualificadas e mobilizadas para a autogestão e

cooperativismo, a partir dos princípios da Economia Solidária.

Em Contagem, segundo o entrevistado, o trabalho de economia popular solidária

busca em sua realização a integração intersetorial das políticas sociais implementadas pela

Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social, cuja ênfase é dada nos programas de

geração de emprego e transferência de renda, através de suas três coordenadorias: a

Coordenadoria de Assistência Social, a Coordenadoria de Segurança Alimentar e

Abastecimento e a Coordenadoria de Trabalho e Renda, bem como a política do sistema único

60 Entrevista concedida em 17/12/2008. 61 Fotos ilustrativas no Anexo B.

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de assistência social, o SUAS 62.

Sob a responsabilidade da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social da

Prefeitura Municipal de Contagem, o Centro Público tem como marco regulatório a Lei

Municipal de Economia Solidária, de 18 de junho de 2006, que estabelece os critérios e

objetivos da política pública de Economia Solidária em Contagem. Os principais objetivos

são contribuir com a redução da pobreza e desigualdades sociais, o acesso dos cidadãos ao

trabalho e à renda, incentivo e apoio à criação de cooperativas, grupos e outras formas de

organização, o estimulo à produção e ao consumo de bens e serviços e o apoio à criação de

redes de empreendimentos econômicos solidários.

3.4.4. Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE-MG)63

A SRTE é uma unidade descentralizada do Ministério do Trabalho e Emprego, a quem

compete a execução, supervisão e monitoramento de ações relacionadas a políticas públicas

do Ministério do Trabalho e Emprego na sua área de jurisdição, especialmente as de fomento

ao trabalho, emprego e renda, execução do sistema público de emprego, fiscalização do

trabalho, mediação e arbitragem em negociação coletiva, melhoria contínua nas relações do

trabalho, orientação e apoio ao cidadão. Em Minas Gerais, a SRTE passou a desenvolver

ações de apoio e fomento à economia solidária a partir de 2004, após a instituição da

Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, pelo Decreto nº 4.764, de 24 de junho

de 2003, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego.

62 O Sistema Único de Assistência Social – SUAS constitui-se na regulação e organização em todo território nacional dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassitenciais, de caráter continuado ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público, sob critério universal e lógica de ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil. Além disso, define e organiza os elementos essenciais e imprescindíveis à execução da política pública de assistência social, possibilitando a normatização dos padrões nos serviços, qualidade no atendimento aos usuários, indicadores de avaliação e resultado, nomenclatura dos serviços e da rede prestadora de serviços socioassistenciais. O SUAS foi a principal deliberação da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Brasília (DF), em 2003, e se inscreve no esforço de viabilização de um projeto de desenvolvimento nacional que pleiteia a universalização dos direitos à Seguridade Social e da proteção social pública com a composição da política pública de assistência social em nível nacional. É, finalmente, uma forma de operacionalização da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que viabiliza o sistema descentralizado e participativo e a sua regulação em todo o território nacional. Fonte: www.mds.org.br/programas/rede-suas. 63 Dados obtidos no site www.srte.mg.gov.br/delegacias/mg/default.asp, acessados no dia 19/08/2008, às 20:30 horas e informações obtidas por Norma Valentina de Almeida dos Anjos, Agente de Desenvolvimento Solidário da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais.

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As principais ações de economia solidária na Região Metropolitana de Belo Horizonte

(RMBH), realizadas ou acompanhadas pelo SRTE/MG, são:

a. Apoio na organização e participação das reuniões mensais do FEPS da RMBH;

b. Apoio na organização e participação dos encontros do Fórum Estadual de Economia

Solidária;

c. Elaboração e implementação do projeto em conjunto com o FEPS/RMBH que

viabiliza a participação dos empreendimentos do Fórum Mineiro de Economia Solidária

(FMES), na Feira de Economia Solidária do MERCOSUL, realizada anualmente na cidade de

Santa Maria – Rio Grande do Sul;

d. Realização anual das Feiras Estaduais de Economia Solidária e Agricultura Familiar

em conjunto com o FMES;

e. Constituição e organização da Comissão Gestora Estadual (CGE) do II Mapeamento

de Economia Solidária64 em Minas Gerais;

f. Capacitação dos pesquisadores do Mapeamento 2007 juntamente com outros

representantes da CGE, representantes do FMES e das duas Universidades - Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais e Universidade Federal de Uberlândia, responsáveis

pelo II Mapeamento em Minas Gerais;

g. Realização de Palestras e Seminários, tendo em vista divulgar a Economia Solidária;

h. Participação no Comitê Gestor do Centro Público de Economia Solidária de Belo

Horizonte;

i. Participação no Fórum Estadual Lixo e Cidadania, que atua dentro dos princípios do

programa nacional criado pelo UNICEF, com o objetivo de erradicar o trabalho infantil nos

lixões e promover a inclusão social dos catadores de materiais recicláveis. A SRTE/MG

participa das ações do fórum, que se reúne mensalmente e tem como missão apoiar os

municípios mineiros na erradicação dos lixões e na incorporação dos catadores nos programas

de coleta seletiva. Junto com outras instituições a SRTE/MG compõe o Grupo de Trabalho

(GT), que tem por objetivo discutir com toda a categoria nacional dos catadores de materiais

recicláveis e trabalhadores em cooperativas e associações de materiais recicláveis uma

legislação específica de aposentadoria para a categoria;

j. Elaboração e implementação do Projeto da Coleta Seletiva na SRTE/MG. (Decreto

5.940/060).

64 Os principais objetivos do II Mapeamento de Economia Solidária são, entre outros: constituir uma base nacional de informações, fortalecer e integrar esses empreendimentos econômicos solidários em redes e arranjos produtivos, favorecer a visibilidade da Economia Solidária e subsidiar a formulação de políticas públicas.

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3.4.5. Diretoria de Promoção do Associativismo – Secretaria de Estado de Desenvolvimento

Social (DPA-SEDESE) 65

A Diretoria de Promoção do Associativismo (DPA) é uma diretoria ligada à

Superintendência de Política de Trabalho, Emprego e Renda, vinculada a Subsecretaria de

Trabalho Emprego e Renda, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE).

A SEDESE tem como objetivo, dentre outros, a formulação e coordenação da política

estadual de desenvolvimento social relacionada ao trabalho, à geração de emprego e renda, ao

fomento de políticas de inclusão produtiva, tendo em vista promover o desenvolvimento

social nas regiões do Estado.

A SEDESE tem um caráter social e atua em conjunto com a Subsecretaria de Direitos

Humanos e a Subsecretaria de Assistência Social, entendendo que o trabalho está vinculado a

essas três dimensões, porque é um direito humano universal. Concebe o trabalho numa

perspectiva não somente de desenvolvimento econômico, mas também de desenvolvimento

social e inclusão produtiva, de desenvolvimento comunitário, sustentável e local, sempre em

parceria com os municípios. Desenvolve uma ação denominada Política Estadual de Fomento

à Economia Solidária, fundamentada na Lei 1.508/2004, cujas ações estão sob a

responsabilidade da Diretoria de Promoção do Associativismo. Essas ações voltadas para o

associativismo e cooperativismo, segundo depoimentos de agentes mediadores, sempre

integraram as ações do Estado, por meio das diretorias e superintendências da Secretaria de

Estado de Desenvolvimento Social.

A Superintendência de Política de Trabalho, Emprego e Renda trabalha com

intermediação de mão de obra através dos postos do Serviço Nacional de Empregos (SINE),

qualificação profissional, fundamentalmente com os recursos do Fundo de Amparo ao

Trabalhador (FAT) advindos do MTE e a com associativismo, ou seja, não somente através da

qualificação profissional, mas também na criação de alternativas de Geração de Trabalho e

Renda. No Estado o acompanhamento é feito com dificuldades, pois com um número tão

grande de municípios, 853, e a complexidade dessa composição, torna-se grande desafio

atingir a todos, bem como a elaboração de políticas públicas. Outra dificuldade colocada é

que o gestor público fica muito distante dos empreendimentos, apenas encaminhando os

recursos, sem um acompanhamento mais efetivo aos grupos.

65 Informações obtidas pelo Gestor Público nº 05, em entrevista concedida em 26/08/2008.

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As ações voltadas para o associativismo e cooperativismo, segundo a entrevistada,

nunca foram novidades no Estado e muito menos na SEDESE, mas a implementação de uma

política estadual de fomento à economia popular solidária é um dado recente. Segundo o

depoimento da entrevistada, anteriormente diversas ações denominadas promoção do

associativismo não eram executadas pela SEDESE, mas por outros órgãos, como SERVAS e

EMATER.

Na RMBH, a DPA/SEDESE desenvolve ações voltadas para formação, infraestrutura,

assessoria e qualificação social dos grupos, além do apoio à comercialização através de

eventos e feiras. A qualificação e a formação se dão mediante um processo de habilitação das

entidades executoras e de acordo com as demandas que chegam dos municípios ou dos polos

organizados, ocorre a seleção das ações e a contratação de entidades para desenvolvê-las.

Na RMBH para o ano de 2008, está previsto a realização do curso “Gestão de

Empreendimentos” através do Centro de Autodesenvolvimento de Betim (CADEB),

envolvendo os municípios de Ribeirão das Neves, Ibirité, Belo Horizonte e Santa Luzia.

Como Belo Horizonte tem um plano municipal de qualificação, com recursos próprios, a

SEDESE tem priorizado sua intervenção mais no interior do Estado.

3.4.6. Limites e possibilidades da economia popular solidária na RMBH – a visão dos

gestores públicos

Atualmente muitas ações governamentais priorizam parcerias com as ONGs para o

desenvolvimento de projetos e programas visando à geração de renda. Segundo os

depoimentos, as práticas e programas sociais desenvolvidos, além de agregar expectativa de

direitos sociais e participação popular, engendram, através de seus programas e projetos,

iniciativas atenuantes do problema do desemprego e da pobreza.

De acordo com os gestores públicos entrevistados, não obstante o empenho nos

projetos referentes à economia popular solidária, nem sempre se consegue atingir as metas e

resultados almejados. A precariedade dos recursos desafia a realização do planejamento

proposto e, em muitos casos, dispõem apenas da estrutura com água, luz, telefone e salas para

cursos, faltando recursos disponíveis para os grupos de economia popular solidária. Afirmam

também que a continuidade do trabalho nem sempre está garantida, uma vez que em muitas

ações não há consenso entre os governos no investimento realizado.

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Às vezes, a continuidade do trabalho é questionada em função das metas e resultados e pode mudar a perspectiva, pois se esta política pública é importante neste momento, pode não ser tão importante em um segundo momento. E os grupos ficam no meio do caminho. Dependendo do próximo passo, o Poder Público pode priorizar ou não a Economia Solidária. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 5) 66.

Uma das grandes dificuldades dos empreendimentos passa pela legislação brasileira relacionada às cooperativas. A legislação das cooperativas foi criada durante a ditadura militar. Por que será? Será que nossos legisladores daquela época estavam preocupados com os pobres? Não. Estavam preocupados com o agro-business, os grandes produtores de leite; a máfia da Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (OCEMG), cuja filiação é obrigatória e contradiz o principio constitucional da livre associação. Não são estimuladas cooperativas de consumo e o investimento em produtos orgânicos, agroecológicos, nem facilita a formalização dos empreendimentos. Esses empreendimentos não se formalizam não é porque não querem, mas porque a legislação não permite. O máximo que o empreendimento tem é o simples. Uma grande indústria no Brasil tem apoio, infraestrutura e subsídios dos governos por 10 anos; depois, vai embora. (...) Este modelo de fazer política é um modelo que está sacralizado. E algumas pessoas não conseguem pensar outro modelo. A estrutura da economia hoje permite que aberrações sejam feitas em nome de sua manutenção. O mercado é um ser que fica nervoso, amanhece agitado, tem poderes. Mercado não amanhece. Para nós, mercado é o espaço das trocas. Foi feito para facilitar a vida e permitir a idéia da abundância. (ENTREVISTA FBES) 67 .

O apoio dos órgãos governamentais na organização dos empreendimentos de

economia solidária tem ocorrido em função de demandas advindas da sociedade civil, em

especial das entidades de apoio e fomento, como também a partir de programas estabelecidos

pelos governos municipais, estadual e federal. Na PBH, por exemplo, segundo a entrevistada,

a assistência social já vinha experimentando algumas iniciativas no sentido de incluir

produtiva e socialmente vários grupos, através de qualificação e capacitações com

metodologias adequadas. Essa experiência direcionou a Assistência Social e, no processo

eleitoral de 2004, integrou o plano de governo dos candidatos, que posteriormente incluíram

na formulação de políticas de geração de trabalho e renda a proposta de implantação de

experiências de economia popular solidária como hoje se propõe. As iniciativas que existiam

em Belo Horizonte, antes de 2005, não contemplavam a especificidade desse público

acompanhado pela assistência e não se enquadrava no atendimento dos pré-requisitos exigidos

para a inclusão no mercado formal de trabalho. Nesse sentido,

(...) a PBH entende que estão sendo reconhecidas outras formas de trabalho, para além do emprego de carteira assinada. Reconhecendo também que nem todos vão conseguir esta vaga no emprego. O público das políticas sociais, nem todos vão

66 Entrevista concedida em 26/08/2008. 67 Entrevista concedida em 24/07/2008.

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conseguir essa vaga, pelas características que apresentam: pessoas com mais de 40 anos, com baixa escolaridade, com quase nenhuma experiência profissional concreta e comprovada, porque as empresas exigem que a experiência seja comprovada. Não é apenas a prática e o saber do dia-a-dia que vai valer. Às vezes, essas pessoas tiveram alguma ocupação durante a sua vida, ou têm alguma habilidade que podem desenvolver e adequar e pensar uma atividade econômica, não individualmente. A proposta da EPS é isso; um dos princípios e valores. Não é pelo individual, sozinho que você vai conseguir. Esse público, sozinho, não vai conseguir, mesmo. Por isso, voltam o desejo, atuação e participação para dentro de um coletivo e esse coletivo é que motivou o surgimento desta Gerência de EPS, na PBH. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 01) 68.

Nos depoimentos dos entrevistados ficou visível a ênfase dada ao público dessas

iniciativas; um público muito à margem, com baixa escolaridade, nenhuma experiência

comprovada, todos os aspectos de baixa autoestima, problemas de cidadania, de

reconhecimento. Além disso, a exclusão desses trabalhadores não está relacionada apenas à

renda, ela é muito mais abrangente, pois envolve aspectos relacionados à moradia, transporte,

educação, cultura, serviços de saúde, entre outros. Uma realidade socioeconômica marcada

pela precariedade de uma população que não tem condições para abrir seu próprio negócio no

formato tradicional e que, por suas características é também beneficiada pelos programas de

transferência de renda. Não são novos desempregados e novos excluídos. São os

historicamente desempregados e excluídos.

Os gestores públicos salientaram que a qualificação profissional e o programa Bolsa-

Família se inserem entre as políticas públicas emancipatórias porque têm como diretriz a

inclusão social. Neste sentido, segundo os entrevistados, as políticas para a implantação da

Economia Popular Solidária, desenvolvidas pelo poder público, têm como objetivo a inclusão

social.

No depoimento dos entrevistados foi possível identificar a importância dada às

iniciativas implementadas pelo poder público; pois, através da experiência do trabalho

comunitário e coletivo, além da geração de renda, as ações governamentais visam também, a

cooperação mútua, à coesão social e à construção de novas redes de sociabilidade.

Antes do Espaço Cidadania, no início, o pessoal não parava no empreendimento. Surgia uma faxina e as mulheres saíam. Hoje não é mais assim, há uma perenidade. Tem mulheres, por exemplo, que estão na Pastoral da Mulher Marginalizada, que estão no empreendimento há 10 anos. Isso vai muito do jeito. O COMDIM tem uma parceria com a Faculdade Metropolitana em que é trabalhada com as mulheres não somente a renda, mas também a psicologia do trabalho e a terapia individual, porque as coisas são mais amplas e multidisciplinares. Não dá para ficar apenas

68 Entrevista concedida em 15/07/2008.

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voltado para a questão da renda. A renda é fundamental, mas não é o único objetivo. Muitas renunciam ao trabalho com carteira assinada e se contentam com a renda adquirida no empreendimento, pois no trabalho formal elas não vão ganhar mais do que um salário mínino e na economia solidária o trabalho é mais agradável; é um fazer partilhado e as relações sociais construídas no empreendimento são valorizadas. Por outro lado, pesquisas têm mostrado que o mercado, nos últimos meses, está aquecido, mas a oferta de trabalho formal não é para esse público. O nosso público não tem o perfil requerido para as novas oportunidades de emprego. Além disso, essas mulheres são beneficiadas por programas sociais de transferência de renda e o Bolsa-Família possibilita maior capacidade de consumo e aumenta a circulação do dinheiro. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 03).

O acompanhamento aos grupos de economia solidária pela COMDIM teve seu início

em 1991, através de alguns cursos realizados com recursos do FAT. Em 1993 foi montado o

1º grupo de geração de renda. Uma demanda das mulheres que, segundo a entrevistada, não se

restringia e ainda hoje não se restringe apenas à questão da renda, mas tem também outros

fatores e questões importantes a serem trabalhados.

A experiência da COMDIM no atendimento de mulheres vítimas de violência

doméstica e mães chefes de família ampliou a discussão sobre temas como: saúde, relações de

gênero, educação dos filhos, baixa renda e desemprego, motivando a criação de iniciativas de

geração de renda, sobretudo nas áreas de alimentação e artesanato. Em seus equipamentos de

atendimento público, como o Benvinda – Centro de Apoio à Mulher e a Casa Abrigo, além do

acompanhamento social e psicológico, treinam-se essas mulheres para a produção e

comercialização de artesanato, como uma estratégia de resgate da autoestima, geração de

trabalho e renda e inserção social.

Embora a PBH tenha delimitado que o público para essas políticas sejam mulheres

domiciliadas na cidade de Belo Horizonte, a proximidade e interação geográfica entre os

municípios da RMBH, faz com que cheguem à Casa Abrigo muitas mulheres agredidas, e, nas

condições em que se encontram, torna-se impossível para as gestoras públicas da PBH

impedi-las de permanecerem ali. Mulheres totalmente vulneráveis, marcadas pela violência de

gênero, e muitas delas com trajetória de sucessivas violências, em total baixa estima e grande

rotatividade nos espaços de trabalho, tendo em vista que a maioria dessas mulheres trabalha

como empregadas domésticas.

O público da COMDIM são mulheres vítimas de violência doméstica que ao denunciar seus agressores são acolhidas na Casa Abrigo. Essas mulheres precisavam da renda para sobreviver, pois tinham abandonado a casa e/ou o companheiro e

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precisavam se manter. E uma forma de conseguir estruturar aquela família para que a mulher pudesse dar conta de prosseguir foi a criação de empreendimentos econômicos solidários, enquanto possibilidade de trabalho e renda. (...) A relação de sucessiva violência estabelecida com o companheiro, a humilhação e constrangimentos sofridos levavam estas mulheres a procurar o Benvinda – Centro de Apoio à Mulher. Ela é ameaçada, humilhada, machucada no físico e na alma; é marcada também por uma trajetória de sucessivas mudanças no trabalho e/ou abandono, seja porque está ferida ou com marcas de espancamento, ou porque está no limite do constrangimento pelas investidas inoportunas e vexatórias de seu companheiro em seu local de trabalho. Este é o perfil destas mulheres. E a COMDIM encontra na EPS uma forma de a mulher resgatar a consciência de seu valor, a busca por cidadania e inclusão social e produtiva. E, junto a este trabalho, constrói redes de parcerias com universidades, organizações não governamentais e gestores públicos, em vista do trabalho a ser feito com essas mulheres, inclusive na geração de trabalho e renda como alternativa e possibilidade de melhores condições de vida. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 03) 69.

Para os empreendimentos solidários acompanhados pelas outras coordenadorias da

Secretaria Municipal Adjunta de Trabalho e Direitos de Cidadania (SMATCD), ou seja, a

Coordenadoria Municipal de Direitos Humanos (CMDH); a Coordenadoria de Direitos de

Pessoas com Deficiência (CDPPD); e a Coordenadoria de Direitos das Pessoas Idosas (CDPI)

há uma complementação da renda, seja porque seu público é beneficiado por programas de

transferência de renda e outros benefícios, ou porque têm outra fonte de renda. A COMDIM,

segundo a entrevistada, acompanha 67 empreendimentos, sendo 90% deles composto por

mulheres que não têm outra fonte de renda, por tratar-se de famílias monoparentais.

Outro gestor público importante neste processo é a Diretoria de Promoção do

Associativismo, da Superintendência de Política de Trabalho, Emprego e Renda, que

desenvolve uma ação denominada Política Estadual de Fomento à Economia Solidária. Uma

ação baseada na Lei nº 1.508/2004, desenvolvida através dos postos do SINE, com a

qualificação profissional, fundamentalmente com os recursos do FAT, advindos do MTE.

Muitas dessas ações são voltadas para o associativismo e cooperativismo. Um trabalho que,

na visão dos gestores públicos, vai encontrando novos formatos para esse tipo de ação.

Desde 2007 vem sendo desenvolvida esta ação aqui, mas isso não é novo. Não estamos começando nada porque através da qualificação profissional de outras ações da Superintendência isso já também era desenvolvido. (...) Nós visualizamos o trabalho como um trabalho social, não só de desenvolvimento econômico, mas também de desenvolvimento social, de inclusão produtiva, de desenvolvimento comunitário, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento local, e isso sempre em parceria com os municípios. Dentro desta estrutura, que é uma estrutura nova, ter o associativismo e a economia popular solidária é interessante, porque você consegue articular outras políticas, não só a política de assistência social, mas também a

69 Entrevista concedida em 18/08/2008.

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política de trabalho e geração de renda. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 05) 70.

Tanto os gestores públicos, como as entidades de apoio e fomento, estão convencidos

de que nesse processo em que novas roupagens e novos formatos vão se agregando, o trabalho

a ser desenvolvido exige não somente integração entre os empreendimentos solidários,

gestores públicos e entidades de apoio e fomento, como também articulação e

intersetorialidade nas ações, além dos elementos integradores do trabalho em conjunto; e a

metodologia participativa é de fundamental importância para uma efetiva articulação entre os

diferentes sujeitos sociais.

Tem diversas associações e empreendimentos que já estão sendo apoiadas há muito tempo. Eu não inventei nada, apenas estamos dando continuidade e trazendo mais esta questão ideológica da cooperação da economia solidária para que as pessoas não se organizem só por se organizar, mas tenham essa perspectiva, mas este é um processo longo e precisa ter cuidado. Quando se entra no Estado e se pensa em desenvolver uma política de âmbito estadual, é amplo e muito difícil. Tem que ter articulação, porque sozinho ninguém faz nada. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 05) 71.

Vale ressaltar que, no caso do Estado, as ações no campo da economia popular

solidária são assumidas a partir da criação da Lei 1.5028/2004, que institui a Política Estadual

de Fomento à Economia Popular Solidária no Estado de Minas Gerais. A SEDESE, a partir

dessa lei, foi criada uma diretoria específica de economia solidária e organizou-se a 1ª

Conferência Estadual de Economia Solidária, realizada em 2006. A lei 1.5028/2004 foi

sancionada apenas no ano de 2007, fruto da mobilização e organização do Movimento de

Economia Solidária em Minas Gerais. No entanto, segundo os entrevistados, a existência da

lei, não significa que a continuidade das ações desenvolvidas no campo da economia popular

solidária esteja garantida, pois

Às vezes a própria entidade e os gestores públicos também vivem o risco da não continuidade do trabalho, pois se esta política pública é importante neste momento pode não ser tão importante em um segundo momento. Os grupos ficam no meio do caminho. Dependendo do próximo passo, o poder público pode priorizar ou não a Economia Solidária. (...) A EPS não é consenso no poder público e o investimento é questionado. Para as entidades sim, mas para o Poder Público, não. Os resultados e seus custos são questionados. No nosso caso, a lei garante alguma coisa enquanto

70 Entrevista concedida em 26/08/2008. 71 Entrevista concedida em 26/08/2008.

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política e tenta garantir alguma continuidade na opção que a gente faz. Vários municípios mineiros já têm a lei de Economia Solidária e várias outras cidades estão trabalhando com isso. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 05).

Na RMBH, as ações são voltadas para formação, assessoria e qualificação social dos

grupos e apoio à comercialização, através de eventos, feiras ou questões específicas. A

qualificação e formação se dão mediante um processo de habilitação de entidades executoras

e, de acordo com a chegada de demandas procedentes dos municípios ou polos organizados, é

feita a seleção destas ações e a contratação de entidades para desenvolver as ações de

qualificação, formação ou assessoria. Em 2008, um curso de gestão de empreendimento foi

realizado, envolvendo lideranças integrantes de empreendimentos econômicos solidários dos

municípios de Ribeirão das Neves, Ibirité, Belo Horizonte e Santa Luzia.

É importante salientar que Belo Horizonte tem um plano municipal de qualificação,

com recursos próprios e, por isso, as ações do Estado estão mais voltadas para o interior,

porque seus cidadãos dispõem de menos recursos financeiros.

Merece destaque o apoio financeiro disponibilizado pela SEDESE, destinado à

infraestrutura, organização e participação em feiras (regional e estadual), bem como à

viabilidade de recursos que possibilitem a participação de empreendimentos solidários da

RMBH e do Estado, na Feira Nacional e do MERCOSUL, que acontece anualmente em Santa

Maria (RS).

A SRTE-MG é outro gestor público importante, pois no trabalho desenvolvido são

priorizadas ações de apoio e fomento à economia solidária no Estado. Segundo a entrevistada,

o Governo Federal, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego, a partir de demandas do

movimento da economia solidária, assumiu o desafio de implementar políticas que

possibilitassem ações de inclusão, proteção e fomento aos trabalhadores que participam de

outras formas de organização do mundo do trabalho, entre elas as iniciativas de economia

solidária.

A SRTE em MG tem uma atuação junto aos fóruns estaduais. Em conjunto com outros

agentes mediadores vem contribuindo não somente para o fortalecimento dos fóruns regionais

e metropolitano, como também para o desenvolvimento de ações no campo da orientação,

apoio à estruturação de grupos produtivos e implementação de projetos. Além disso, a

SRTE/MG tem se empenhado em promover a articulação entre empreendimentos econômicos

solidários, gestores públicos e entidades de assessoria, apoio e fomento, buscando, assim, o

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fortalecimento e a integração das iniciativas de economia solidária. Segundo a entrevista, o

Programa Economia Solidária em desenvolvimento tem esse objetivo, pois

Ao constituírem um modo de produção alternativo ao capitalismo, em que os próprios trabalhadores/as assumem coletivamente a gestão de seus empreendimentos econômicos, as iniciativas de economia solidária vêm apontando para soluções mais definitivas à falta de trabalho e renda. E foi para apoiar o fortalecimento e expansão dos empreendimentos que se construiu o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento. (GESTORES PÚBLICOS – ENTREVISTA Nº 04) 72.

A pesquisa demonstrou que a mobilização inicial das iniciativas solidárias é feita por

ONGs ou gestores públicos, cabendo a eles em muitos casos um empenho inicial maior,

assessoria técnica e disponibilizar infraestrutura física e/ou recursos financeiros. Essas

entidades de apoio e fomento, muitas vezes, têm um papel importante na construção da

identidade do empreendimento e se tornam forte referência: motivações e mediações

importantes e decisivas para o funcionamento dessas iniciativas. As políticas e programas

sociais desenvolvidos pelas administrações locais, através de equipamentos públicos, alem de

agregar a expectativa de direitos sociais e participação popular, engendram, através de seus

projetos e programas, iniciativas atenuantes ao problema do desemprego e da pobreza.

Percebe-se, no entanto, certa insatisfação na fala dos agentes mediadores. Segundo os

entrevistados, como principais desafios a falta de intersetorialidade, a escassez de recursos, o

desencontro entre a política implementada pelo Governo Federal e as políticas públicas locais,

a confusão dos papéis dos Conselhos e o impasse em relação à deliberação da criação de um

Conselho de Gestores para os Centros Públicos de Economia Solidária.

Falta escala, vende o produto para almoçar e jantar. Tem que buscar um produto que agregue mais valor, porque se produz para a classe popular e o lucro está na hora que você vende o produto. É aí que você ganha. Se você quer inovar e fazer as coisas da moda tem um custo e as coisas da moda são sempre mais caras. Daí que você está sempre depois da moda. Daí que a dificuldade incide em compreender a pequena produção e o Governo apoiar mais com créditos, com mais postos de comercialização. O Governo investe 60 bilhões para o agronegócio e 20 milhões para o bolsa-família, 60 milhões para o agroecologia em quantidade maior para a agricultura familiar, mas somados foi muito mais para o agronegócio. A pequena produção não tem crédito rotativo, não tem apoio e tecnologia para melhorar o custo dela; não tem apoio para a comercialização. Se você faz em escala você pode fazer mais rápido, diferente. A economia solidária não tem acesso à tecnologia social; não tem apoio à comercialização e nem a formação. Só tem as costureiras. Tem a máquina, mas não tem como costurar. Não tem dinheiro para comprar pano. Precisa

72 Entrevista concedida em 15/07 e 26/08/2008.

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de mais políticas de apoio e acesso. (GESTOR PÚBLICO - ENTREVISTA Nº 03) 73.

A implementação do Conselho Geral Gestor do Centro Público de Economia Solidária é uma polêmica porque conselho é controle social, e não gestor. Quem é gestor é o Governo. Uma composição tripartite. (...) A SENAES pensou, pensou, sistematizou e depois ficou perdida. Foi bacana que o Governo Federal mandou os recursos para o Centro Público, o convênio foi executado e o Centro Público foi criado. Isso cria uma motivação, mas o Governo local tem investido mais do que o Governo Federal está mandando. (...) O município sensibilizado cria muito mais. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº02) 74

Nos depoimentos fica evidenciada a preocupação com os rumos dados à economia

popular solidária como política pública. Isso fica claro nos desafios colocados e nos

depoimentos em que se destaca a falta de diálogo e integração entre as instâncias do Governo.

O MTE nunca mais cobrou o funcionamento do Conselho de Gestores. Quem é o gestor? É o Governo. Em nível municipal, o gestor é o Governo. Já a SENAES está investindo nos Conselhos enquanto controle social – tripartite, mas não é gestor. (...) A economia popular solidária, por ser uma política de trabalho e renda, deveria estar inserida na Comissão Municipal de Trabalho, no CODEFAT. Mas nunca se ouviu falar no CODEFAT nas políticas de Economia Solidária. É uma coisa como se fossem dois Ministérios, totalmente distintos um do outro. O SUAS foi exaustivamente discutido nas conferências e a economia popular solidária foi colocada como parte integrante deste Sistema, mas na prática não está acontecendo. A começar pelo MTE. Quando faz o Convênio Plurianual Único com o município, o Governo Federal não manda recursos para implementar políticas de economia solidária. Teoricamente o recurso está neste pacote, mas ele não vem. O máximo que vem é uma porcentagem de recursos que pode ser aplicada na qualificação profissional, mas não para implantação. Os recursos vêm da SENAES, mas não do MTE. A integração não acontece, porque os técnicos do SINE não se apropriaram que a economia solidária também faz parte da organicidade da política que está sendo desenhada. Na SENAES há uma articulação com as ONGs históricas que criaram a economia solidária. Prioriza a organização a partir das ONGs e deixa a desejar a rede de gestores que está tentando implantar a economia solidária enquanto Política Pública de Estado, e não de Governo. Pela aproximação histórica com as ONGs, na SENAES as coisas estão se desenhando desta maneira. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 02).75

Não obstante reconhecer a importância da capacitação profissional, os entrevistados

destacaram em seus depoimentos que somente a capacitação profissional não consegue

atender os objetivos propostos de criar novas políticas públicas de trabalho e renda. Salientam

a necessidade de mais recursos para implementar essa nova política e responder a questão do

desemprego, como também a importância e necessidade de se organizarem em redes.

73 Entrevista concedida em 07/05/2008. 74 Entrevista concedida em 17/12/2008. 75 Entrevista concedida em 17/12/2008.

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Neste sentido, não dá para separar qualificação, produção e incubação. É algo dialético, em que se aprende e produz ao mesmo tempo. Isso é totalmente novo em termos de qualificação. (...) Com a implantação da Rede de Gestores haveria uma complementação no que se refere às políticas publicas. As ONGs entram nos conselhos como complemento, como contribuidores. Um desenho diferenciado. Uma política nova que nem a estrutura do CODEFAT dá conta disto. Quem é este empreendedor? No nosso caso é o próprio trabalhador. Mas o Governo Federal tem uma estruturação diferente; nas diferentes instâncias, nos Conselhos estão as ONGs e é o próprio Governo que cria a política. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 02).76

Um dos limites é a questão dos princípios. Os grupos não trabalham os princípios de uma forma que realmente ajude a EPS. Outro limite é a falta de vontade e de interesse do poder público. Não avança. Não sei qual o interesse do poder público. (...) O Centro Público de Belo Horizonte funciona de forma precária. Funciona mais até por força de vontade e impulso da sociedade civil, do que da própria vontade do poder público. A Feira da Afonso Pena, onde é dado um espaço para os empreendimentos exporem e comercializarem seus produtos, é um exemplo. Cada vez mais vem sendo reduzido o espaço destinado a estes grupos, há muita imposição como se estivesse fazendo favor. Se não fosse a resistência destes grupos, a PBH já teriam tirado este espaço. E o próprio Centro Público de Economia Solidária de Belo Horizonte funciona de forma precária, efetivamente não tem visibilidade. (...) Outros municípios, como Contagem, Governador Valadares, que praticamente começaram a se organizar mais recentemente, conseguiram se alavancar mais. Belo Horizonte é um entrave. Falta vontade política. Nada contra quem está na Gerência. Os entraves são maiores que eles. (...) Depois da reforma da PBH foi criada a gerência de EPS, passaram por lá quatro gerentes, mas os próprios gerentes não têm uma resposta e se desiludem. Com a SENAES melhorou um pouco, mas ainda falta andar mais. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 04) 77.

Outro elemento dificultador importante apresentado pelos gestores públicos

entrevistados é a falta de dados quanto aos resultados alcançados. Daí a exigência de esforço

conjunto por parte daqueles e dos segmentos da sociedade civil na construção de políticas

públicas voltadas para a economia popular solidária, de modo a garantir a prioridade em sua

implantação e implementação.

São em dificuldades deste tipo que a gente esbarra a todo o momento e são enfrentadas pelos grupos. Faltam recursos financeiros, pois ainda não é uma política prioritária. É uma política necessária, mas não prioritária. Uma política que ainda precisa encontrar o potencial que tem. E, dentro da gestão pública, os gestores buscam superar desconfianças em relação ao poder público e conquistar mais espaços para a política de EPS; investir num esforço conjunto de conquistar mentes e corações, onde gestores públicos, entidades da sociedade e empreendimentos cumpram seu papel mobilizador. (...) A sociedade tem um papel fundamental de

76 Entrevista concedida em 17/12/2008. 77 Entrevista concedida em 02/07/2008.

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pressionar para que a ES seja também uma prioridade. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 03) 78.

3.5. Os fóruns de economia popular solidária: espaços de mobilização, organização e

articulação

3.5.1. O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES)

O FBES é fruto do processo histórico que culminou no I Fórum Social Mundial (FSM)

em janeiro de 2001. Nesse evento foi constituído um Grupo de Trabalho Brasileiro de

Economia Solidária (GT/Brasileiro), composto de redes e organizações de uma diversidade de

práticas associativas do segmento popular solidário. As doze entidades e redes nacionais que

em momentos e níveis diferentes participavam do GT/Brasileiro eram: Rede Brasileira de

Socioeconomia Solidária (RBSES); Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS);

Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE); Associação Nacional

dos Trabalhadores de Empresas em Autogestão (ANTEAG); Instituto Brasileiro de Análises

Sócio-Econômico (IBASE); Cáritas Brasileira; Movimento dos Trabalhadores Sem

Terra/Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (MST/CONCRAB);

Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede ITCPs);

Agência de Desenvolvimento Solidário/Central Única dos Trabalhadores (ADS/CUT);

UNITRABALHO; Associação Brasileira de Instituições de Micro-Crédito (ABICRED); e

alguns gestores públicos que futuramente constituíram a Rede de Gestores de Políticas

Públicas de Economia Solidária.

Da articulação desse grupo foi constituído um fórum de âmbito nacional. A realização

das plenárias e a elaboração dos princípios da Economia Solidária foram decisivas para

ampliar e caracterizar seu campo de ação. Faltava uma política pública nacional de Economia

Solidária e um processo de enraizamento, constituído por meio de empreendimentos de

economia solidária e empresas de autogestão nas diversas regiões do país. E assim, durante a I

Plenária Brasileira de Economia Solidária, realizada em São Paulo, nos dias 9 e 10 de

dezembro de 2002, contando com mais de 200 pessoas - entre trabalhadoras/es de

empreendimentos associativos, entidades de representação, entidades de assessoria/fomento e 78 Entrevista concedida em 18/08/2008.

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gestores de políticas públicas – foi aprovada e encaminhada a Carta ao Governo Lula

intitulada “Economia Solidária como Estratégia Política de Desenvolvimento”, um

documento que apresentava ao futuro Governo as diretrizes gerais da Economia Solidária e

reivindicava a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES).

A II Plenária foi realizada em janeiro de 2003, durante o FSM, em Porto Alegre. Neste

evento foi publicado e distribuído o livro: “Do Fórum Social Mundial ao Fórum Brasileiro de

Economia Solidária” para os 800 participantes, constituídos principalmente por representantes

de empreendimentos, entidades de fomento e redes internacionais. A Plenária definiu agenda

de mobilização de debates e sensibilização pelas regiões do país e legitimou o GT/Brasileiro

como promotor do processo de mobilização da Economia Solidária.

No FSM, em 2004, foi realizada a III Plenária de que participaram 900 pessoas,

representantes de 17 estados e foi criada a denominação Fórum Brasileiro de Economia

Solidária (FBES). A SENAES foi constituída pouco antes desse evento. O FBES saiu desta III

Plenária com a incumbência de articular e mobilizar as bases da Economia Solidária pelo país

tendo como fundamento a Carta de Princípios e a Plataforma de Lutas aprovadas naquela

oportunidade. Foi realizada também, durante o III FSM, uma reunião de dezenas de

representantes da América Latina, o que promoveu, por meio de seminários, encontros e

feiras, a ampliação das perspectivas de integração regional do Movimento de Economia

Solidária e, com isso, o trabalho de articulação com a América Latina entrou definitivamente

na agenda do FBES. Além de se definir sua composição e funcionamento, foi iniciado

também um processo de interlocução do FBES com a SENAES, com o compromisso de

promover um intercâmbio qualificado de interesses econômicos, sociais e políticos, numa

perspectiva de superar práticas tradicionais de dependência, que tanto têm comprometido a

autonomia necessária ao desenvolvimento das organizações sociais. A partir daí foram criados

fóruns estaduais e regionais que puderam garantir, por sua vez, a realização do I Encontro

Nacional de Empreendimentos de Economia Solidária, com trabalhadores advindos de todos

os estados. Esse encontro teve um total de 2.500 pessoas e aconteceu nos dias 13, 14 e 15 de

agosto de 2004.

Nesse processo, a Economia Solidária foi desafiada a gerir abastecimento,

comercialização, trabalhar com moeda social, promover rodadas de negócios, realizar feiras

em todos os estados, fazer campanha de consumo consciente, comércio justo e solidário,

constituir redes, cadeias produtivas, finanças solidárias, trabalhar no campo do marco legal

(especialmente: lei geral do cooperativismo e cooperativa de trabalho).

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Em 2006, após a realização das Conferências Estaduais, quando foram escolhidos os

delegados e definidas as reivindicações e propostas, realizou-se a I Conferência Nacional de

Economia Solidária, em Brasília, no período de 26 a 29 de junho. Na Conferência foram

discutidas as resoluções voltadas à participação no Conselho Nacional de Economia Solidária

e propostas políticas públicas para a Economia Solidária.

Quanto à organização e funcionamento, observe-se o organograma abaixo.

Figura 1: Economia Solidária

Fonte: www.fbes.org.br , acessado em 22/08/2008.

Figura 2: Estrutura do Fórum Brasileiro de Economia Solidária

Fonte: www.fbes.org.br , acessado em 04/03/2009.

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Integram o FBES os três segmentos do campo da Economia Solidária:

empreendimentos da economia solidária, entidades de assessoria e/ou de fomento e gestores

públicos. A articulação e a representação nacional se dão através da Coordenação Nacional.

Dela participam 16 entidades e redes nacionais, além de três representantes de cada Fórum

Estadual de Economia Solidária. Destes, integram a Coordenação Nacional três representantes

estaduais, sendo que dois são trabalhadores de empreendimentos (buscando contemplar o

setor rural e o urbano) e um de entidade ou de rede de gestores. Para o trabalho de

interlocução com movimentos sociais e instituições privadas e públicas, além de gestão

política do cotidiano, existe a Coordenação Executiva Nacional, composta por 21

representantes: 10 representantes de empreendimentos das regiões do país, 10 representantes

das entidades e redes nacionais e um representante da Rede de Gestores de Políticas Públicas

de Economia Solidária. Além disso, a Coordenação Executiva tem a função de acompanhar os

trabalhos da Secretaria Executiva Nacional, sediada em Brasília.

Na estrutura atual das instâncias nacionais do FBES, as entidades e redes nacionais são

de diferentes naturezas: há entidades e redes nacionais de representação de empreendimentos

{ABCRED, ANTEAG, Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil

(CONCRAB), Sistema Nacional de Cooperativas de Economia e Crédito Solidário

(ECOSOL), União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária

(UNICAFES), Associação Civil Universidade Solidária (UNISOL) Brasil}; entidades e redes

nacionais de assessoria, pesquisa e fomento (ADS/CUT, Cáritas Brasileira, FASE Nacional,

IBASE, IMS, PACS, Rede ITCPs, Rede Universitária Nacional (UNITRABALHO); redes

mistas (Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária); e a rede de Gestores de Políticas

Públicas de Economia Solidária.

A Rede Nacional de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária é uma

articulação de gestores de políticas de economia solidária de prefeituras, governos estaduais e

do governo federal que surgiu por iniciativa de gestores e gestoras de políticas públicas que

participaram do processo de criação do FBES desde 2001, com a missão de ampliar cada vez

mais o debate e a proposição de ferramentas adequadas dentro do Estado brasileiro para o

fomento ao desenvolvimento da economia solidária, bem como estimular e fortalecer a

organização e participação social desse segmento nas decisões sobre as políticas públicas.

A Economia Solidária, segundo avaliação do FBES, alcançou, em parte, o

reconhecimento, a visibilidade e a legitimidade necessária. Agora, caracterizar e identificar o

FBES são ações prioritárias no sentido de demarcar o campo da denominada Economia

Solidária. Nisso, o Mapeamento da Economia Solidária e a elaboração do Atlas da Economia

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Solidária no Brasil são, ao mesmo tempo, frutos da política de integração do movimento da

economia solidária com o governo (Ministério do Trabalho e Emprego, através da SENAES)

e instrumentos para a qualificação do trabalho e demarcação do campo da Economia

Solidária.

3.5.2. O Fórum Mineiro de Economia Popular Solidária (FMEPS)

O FMEPS é organizado pelo conjunto dos fóruns regionais. São doze os fóruns

regionais em Minas Gerias: Fórum Regional de Economia Popular Solidária do Sul de

Minas, Fórum Regional de Economia Popular Solidária das Vertentes, Fórum Regional de

Economia Popular Solidária do Triângulo, Fórum Regional de Economia Popular Solidária

do Vale do Mucuri, Fórum Regional de Economia Popular Solidária do Vale do

Jequitinhonha, Fórum Regional de Economia Popular Solidária do Norte I, Fórum Regional

de Economia Popular Solidária do Norte II , Fórum Regional de Economia Popular Solidária

do Vale do Rio Doce, Fórum Regional de Economia Popular Solidária do Noroeste I, Fórum

Regional de Economia Popular Solidária do Noroeste II, Fórum Regional de Economia

Popular Solidária da Zona da Mata, FEPS/RMBH . São autônomos na sua organização e

integram a coordenação estadual do Fórum Mineiro de Economia Popular Solidária. Uns se

organizam em microrregiões e cada microrregião tem uma coordenação; outros se organizam

por movimentos sociais.

Essa articulação em fóruns regionais foi possível graças à organização que

anteriormente já existia tanto no apoio e suporte dado a estes grupos, quanto na presença dos

movimentos sociais e eclesiais ligados às CEBs, bem como algumas organizações ligadas às

centrais sindicais como a CUT, ADS e outras organizações.

3.5.3. Fórum de Economia Popular Solidária da Região Metropolitana de Belo Horizonte

(FEPS/RMBH)

O FEPS/RMBH é um espaço permanente de representação, diálogo, articulação,

discussão, proposição, troca de saberes, formação, deliberação, fomento e desenvolvimento da

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Economia Popular Solidária. Um movimento não institucional, que reúne entidades de apoio e

fomento, gestores públicos, empreendimentos econômicos solidários e outras pessoas

comprometidas com os princípios e valores da Economia Popular Solidária.

Seus objetivos são: ser espaço de fortalecimento, articulação, discussão, deliberação e

representação da Economia Popular Solidária; promover estratégias de ação voltadas para o

desenvolvimento e a sustentabilidade dos empreendimentos econômicos solidários, o fomento

de redes de produção, distribuição, comercialização, consumo e compras coletivas, de

cooperativas e associações, de políticas públicas e espaços de comercialização.

O FEPS/RMBH, como os demais fóruns, é um movimento não apenas reivindicativo,

mas também propositivo, pois discute e propõe ao Poder Público políticas públicas, de

fomento e desenvolvimento sustentável. As reuniões acontecem mensalmente no Centro

Público de Economia Solidária de Belo Horizonte. Existe uma coordenação eleita pela

Plenária, composta por quatro representantes de empreendimentos, um gestor público e um

representante de entidade de apoio e fomento.

3.5.4. Os fóruns enquanto espaços de formação, mobilização, organização e articulação

As entidades de apoio e fomento, bem como dos gestores públicos entrevistados, têm

uma visão bastante positiva em relação a essas iniciativas, não obstante a clareza quanto aos

desafios e dilemas que a economia popular solidária apresenta. Há quem defina a EPS como

“um movimento de resistência para um dia fazer o enfrentamento capital e trabalho”79. É essa

motivação que permeia as ações dos fóruns.

A participação nos fóruns, segundo os depoimentos, possibilita o fortalecimento em

diversos sentidos: na formação política, na autogestão e participação. Uma articulação através

da qual os participantes se organizam em redes. Esses fóruns, além de serem espaços onde o

movimento constrói suas reivindicações, são também, espaços de representação, diálogo e

articulação onde os diversos atores se encontram para exercer a democracia, socializar

experiências, deliberar sobre suas lutas, fortalecer sua articulação; são também espaços

propícios para a troca de saberes, discussão de políticas públicas e fortalecimento no campo

da economia popular solidária.

79 Depoimento do entrevistado nº 2 dos fóruns de mobilização, articulação e organização em entrevista realizada em 03/11/2008.

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O Fórum tem como objetivos: ser espaço de fortalecimento, articulação, discussão, deliberação e representação da economia popular solidária. São também objetivos principais do Fórum de Economia Popular Solidária, além da articulação e promoção de estratégias de ação voltadas para o desenvolvimento e a sustentabilidade dos empreendimentos econômicos solidários, o fomento de redes de produção, distribuição, comercialização, consumo e compras coletivas. A implementação de políticas públicas é nossa grande meta e desafio (ENTREVISTA FÓRUM FMES E FEPS/RMBH) 80.

Nos depoimentos foi destacada a importância dos fóruns e seu papel estratégico para

que a economia popular solidária, mais que uma política de governo se constitua enquanto

política pública. Segundo os entrevistados, participam dos Fóruns de Economia Popular

Solidária entidades de apoio e fomento, gestores públicos, empreendimentos econômicos

solidários e outras pessoas comprometidas como os princípios e valores da Economia Popular

Solidária. Sua estrutura organizativa tem os mesmos modelos, tanto na esfera nacional, como

nas esferas estadual e regional. As comissões de trabalho são constituídas com a finalidade de

dar maior organicidade às bandeiras de lutas e propostas de ação. Tanto na observação

participante em reuniões do Fórum Metropolitano, como nas entrevistas, foi possível perceber

a insatisfação dos diferentes atores sociais quanto aos dilemas e desafios do movimento de

economia solidária, ficando evidenciadas, inclusive, divergências entre os participantes e

situações conflituosas quanto ao posicionamento político.

Nós não queremos migalhas. Queremos mudar o foco da política, queremos mudar o foco da economia, queremos mudar o foco do país. Um país que até agora trabalha numa perspectiva de desenvolvimento avassalador, com grandes obras e grandes indústrias, tem que ser questionado. Onde está o desenvolvimento endógeno defendido na década de 1960? Não é possível pensar, a partir do local, como pensar o bairro, a sobrevivência, a cultura, a economia voltada em prol da comunidade? Como pensar o município, o Estado nesta perspectiva? Mudar totalmente o paradigma de desenvolvimento. E aí também a Economia Solidária faz uma denúncia. Não adianta ficar com pequenas coisas, com o discurso; é preciso fazer mudanças radicais. Repensar a economia, repensar o Estado. (...) São grandes desafios, mas também alegria em saber que o povo está se empoderando e vendo que é possível. Vendo que um outro mundo é possível e uma outra economia de fato acontece, mas que se faz necessário mudanças na política e também nas nossas finanças, porque da forma como o sistema financeiro está estruturado, seja no Brasil, seja no mundo, é um impeditivo para o crescimento da proposta da Economia Solidária. Ele acaba permitindo algumas migalhas, algumas concessões. A gente sabe que a política faz isso, ela cria concessões, algumas brechas onde as pessoas conseguem ter algumas participações, mas ela não faz mudança no eixo. O eixo político ainda é patriarcal, autoritário, de cima para baixo, em que uma minoria

80 Entrevista concedida em 03/11/2008.

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pensante pensa para uma maioria e tenta ser beneficiária desta proposta, contra a proposta de democracia, contra o povo e para o povo. (ENTREVISTA FBES) 81

No FEPS/RMBH, depois da aprovação do estatuto, agentes mediadores e integrantes

dos empreendimentos estão em processo de elaboração do regimento interno. Atualmente são

seis as comissões de trabalho constituídas: marco legal; formação; comunicação; finanças

solidárias; redes de produção, comercialização e consumo e gestão e organização interna.

Todas as comissões, de acordo as possibilidades dos integrantes, organizam uma agenda de

trabalho e calendário de reuniões em que são deliberadas ações e estratégias comuns. As

reuniões plenárias acontecem mensalmente no Centro Público de Economia Solidária de Belo

Horizonte, onde ocorre o encontro de todas as comissões.

81 Entrevista concedida em 24/07/2008.

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4. SOBRE/VIVÊNCIAS – A ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA N A REGIÃO

METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE: A EXPERIÊNCIA DAS MULHERES

(DA VILA/CRIATIVAS).

O presente capítulo tem como objetivo analisar o caso de duas experiências de

economia popular solidária na RMBH, como as mulheres vivenciam essas experiências e

detectar, a partir dos dados coletados, até que ponto os gestores públicos e entidades de apoio

e fomento contribuem (ou não) nos processos de inserção social das mulheres e

fortalecimento dos empreendimentos econômicos solidários

Os dados da pesquisa foram analisados tendo como base as questões do roteiro de

entrevistas para os empreendimentos82, os quais foram trabalhados tendo como eixos de

análise e reflexão:

1. Perfil dos entrevistados83, (questões 1, 2, 3, 4, 5, 7 e 12);

2. Concepções e percepções das mulheres em relação à economia popular na RMBH

(questões 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 15);

3. A economia popular solidária possibilita (ou não) a inserção social dos

participantes (questões 14 e 15).

Para a pesquisa de campo foram realizadas entrevistas semiestruturadas, aplicadas em

dois empreendimentos econômicos solidários urbanos, ambos do setor artesanato e

confecções, na RMBH. Além das entrevistas, foi também um importante instrumento para a

coleta dos dados a observação participante em reuniões e confraternizações promovidas pelos

empreendimentos entrevistados, bem como a participação em reuniões, seminários e feiras

promovidas pelo FEPS/RMBH.

Participaram das entrevistas dez integrantes do empreendimento econômico solidário

Mulheres da Vila, sendo nove mulheres e um homem – o único do empreendimento; e dez

mulheres do empreendimento econômico solidário Mulheres Criativas.

Na avaliação das mulheres entrevistadas, os empreendimentos econômicos solidários

vivem e sobrevivem da esperança e da teimosia. Esperança e teimosia fundamentadas muitas

vezes na experiência religiosa, que para muitos dos envolvidos nos empreendimentos é razão

e sentido de prosseguir em busca de seus projetos e sonhos.

82 Os roteiros de entrevistas se encontram no Apêndice C. 83 As entrevistas com os participantes da pesquisa foram realizadas nos meses de julho de 2008 a janeiro de 2009, sendo as mesmas gravadas e transcritas.

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Um fato marcante é a questão da espiritualidade, a espiritualidade libertadora que aprendi com a minha mãe, no trabalho de CEBs. Depois da morte da minha mãe, fiz o compromisso comigo mesma de ser uma pessoa melhor. A perda da minha mãe, há dois anos atrás, me marcou muito, no sentido de que preciso do grupo e por isso quero colocar a serviço os dons que minha mãe me ensinou. Me sinto na obrigação de levar adiante o que aprendi com ela. Ela gostava da reciclagem, de participar na política; era uma mulher muito ativa, muito presente, muito atual e atuante. Preservava os valores da roça. Sabia conciliar o antigo e o atual. Não parou no tempo e este fato foi marcante. Depois disso assumi o compromisso mais firme. Por necessidade e por gratidão, porque a gente ganha muito. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 03) 84.

O que ajuda mais é a gente estar junto. Conseguir reunir as pessoas em torno de algo concreto, que não é só teoria. As oficinas ajudam muito, são espaços de formação. Mas o que facilita mesmo é a participação, de fazer o trabalho coletivo e comunitário, a troca de experiência e partilha de vida e os problemas de cada um e tudo isso; sem qualquer tipo de preconceito de ninguém. Buscamos sempre desdramatizar. (...) O que dificulta é o entorno. A coisa mais chata é provar para os outros, maridos, vizinhos, que está dando certo. Enfrentar o que vem de fora para dentro é um desafio permanente, pois muitas vezes a gente tem que ficar à mercê de uma sociedade que não está nem aí pra isso. A gente sofre muito com isso. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 01) 85.

4. 1. Mulheres da vila e criativas: o perfil das entrevistadas

A economia popular solidária na RMBH, segundo os depoimentos, resulta de

inúmeras iniciativas do trabalho social anteriormente desenvolvido nos grupos, comunidades

e periferias, vinculados, em muitos casos, ao trabalho das comunidades eclesiais de base e de

pastorais sociais na Igreja Católica nos anos de 1970. Desse trabalho comunitário-social

emergem também grupos organizados em associações e cooperativas, interagindo com

organizações não governamentais, cuja presença nessas comunidades, além da mobilização

das forças sociais locais, em vistas de uma participação efetivamente cidadã, desempenhou

também um papel organizativo e articulador.

Ficou perceptível a fragilidade das condições de subsistência, a precarização do

trabalho, a baixa qualificação e a falta de horizontes possíveis a essas mulheres. Segundo o

depoimento das mulheres entrevistadas, tem sido fundamental o apoio de ONGs e

organizações religiosas, a capacitação e assessoria oferecida aos empreendimentos solidários,

bem como a doação de recursos ou cessão da infraestrutura para a produção associada.

84 Entrevista concedida em 20/06/2008. 85 Entrevista concedida em 20/06/2008.

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A mulherada tava isolada, cada uma no seu canto, umas fazendo crochê, outras pintura; outras, bordado. Aí veio a idéia de juntar as forças e fazer o trabalho conjunto, uma terapia. Aí a gente procurou a Ir. Terezinha e ela emprestou pra nós R$ 50,00, quer dizer, doou pra gente comprar o material, né? E começar o artesanato. (...) O grupo se reúne todos os dias, das 8:00 às 12:00 horas, no Galpão da Igreja. Nós temos o apoio de nosso Pároco, das Irmãs da Divina Providência, do APRECIA, que é uma ONG, do Programa Mediação de Conflitos, da SEDS e da Universidade FUMEC. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 06) 86.

O dinamismo, capilaridade e capacidade de articulação, muitas vezes em nível

nacional, apontaram caminhos novos e novos projetos para esses grupos. Experiências que

adquiriram visibilidade local e foram incorporadas em programas de governos regionais como

alternativas ao desemprego. (BARBOSA, 2007, p. 173).

Nos empreendimentos econômicos solidários pesquisados, constata-se que a maioria

de seus integrantes são mulheres, e mulheres procedentes do interior, sobretudo das regiões

Jequitinhonha-Mucuri, Rio Doce e Zona da Mata. Mulheres que vieram para Belo Horizonte,

ainda adolescentes, com o objetivo de trabalhar como domésticas e ajudar os pais que ficaram

em sua cidade de origem. O mapeamento dos entrevistados, quanto à região de origem, ficou

assim distribuído: Vale do Rio Doce, seis integrantes; Jequitinhonha-Mucuri, cinco; Zona da

Mata, quatro; Norte de Minas e Vale do Aço, um integrante de cada. Há também uma

integrante procedente do Estado do Bahia e um homem cuja origem é européia, de

nacionalidade italiana. Quanto à cor da pele, nove delas têm a cor da pele negra.

A idade das mulheres nos empreendimentos pesquisados varia entre os quinze e os

noventa e cinco anos. As dezenove mulheres que participaram das entrevistas são adultas, a

maioria com filhos. Dentre as entrevistadas, a faixa etária transita entre os vinte e cinco e

noventa e cinco anos, assim distribuída: uma, com idade de 25 anos; duas, com idade entre 30

e 40 anos; cinco, com idade entre 40 e 50 anos; oito, com idade entre 50 e 60 anos e quatro

com idade acima de 60 anos. A faixa etária dessas mulheres aponta para uma predominância

maior de mulheres entre 40 e 60 anos. Observe abaixo, no quadro 02.

Faixa etária 20 a 30 anos

30 a 40 anos

41-50 anos

51-60 anos

Acima de 60 anos

Total

Mulheres da Vila 01 02 02 03 02 20 Mulheres Criativas

- - 03 05 02 20

Quadro 02: Faixa etária participantes dos empreendimentos econômicos solidários entrevistados. Fonte: Entrevistas realizadas com representantes dos empreendimentos de economia popular solidária na

RMBH, realizada de julho a dezembro de 2008.

86 Entrevista concedida em 03/10/2008.

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Chama atenção a situação dessas mulheres no que diz respeito à escolaridade. Três são

analfabetas; oito das entrevistadas possuem ensino fundamental incompleto, com estudo entre

a 3ª e 6ª séries; uma possui ensino fundamental completo; seis, completaram o ensino médio,

sendo que dessas, três fizeram o curso de magistério, atividade que chegaram a exercer por

um período de tempo. Há também uma delas que possui curso superior completo e

especialização. No entanto, esta que possui curso superior e especialização, exerce no

empreendimento a função de coordenação e assessoria. O único homem do empreendimento

também possui curso superior completo. Observe abaixo o quadro nº 03.

Empreendimento

Analfabeta

Ensino Fundamental incompleto

Ensino Fundamental

completo

Ensino Médio

incompleto

Ensino Médio

completo

Superior

Mulheres da Vila

3 1 1 - 3 2

Mulheres Criativas

- 7 - - 3 -

Quadro 03: Nível de escolaridade dos participantes dos empreendimentos econômicos solidários entrevistados Fonte: Depoimento dos entrevistados por meio de entrevistas realizadas com representantes dos

empreendimentos de economia popular solidária na RMBH, realizada de julho de 2008 a janeiro de 2009.

As mulheres com maior nível de escolaridade justificam sua permanência no grupo

por percebem nesse trabalho uma “missão”. O trabalho feito no empreendimento, segundo

elas, é exercido como uma “terapia” ou uma forma de “partilhar a vida e o que sabem”;

algumas mulheres têm outra fonte de renda, como aposentadoria, ajuda do marido e dos

filhos.

O que mais motivou a entrada no grupo foi a questão da mulher. Trabalho no Regional Pampulha na PBH, no projeto social Serviço de Orientação Sócio-Familiar (SOSF), com famílias onde as crianças e adolescentes foram ou são vítimas de violência. (...) No serviço público há muitas limitações pelas condições materiais e humanas de que dispõem. Às vezes a instituição não oferece as condições necessárias para a realização deste trabalho. Estou fazendo isso por mim, que quero me realizar no mundo. Gosto do trabalho que faço na PBH, mas o trabalho é feito até certo ponto e não vai mais do que aquele ponto. (...) Acho importante conviver, aprender com elas, participar. (...) A experiência comunitária vivenciada desde criança deixou marcas, fica sempre aquele chamado e a gente não consegue se afastar. A gente precisa da comunidade. Me afastei por um tempo, mas depois retomei o trabalho comunitário, pois sempre fui uma pessoa de comunidade. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 03) 87.

87 Entrevista concedida em 20/09/2008.

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Vim para o grupo para sair um pouco de casa e dar uma contribuição ao grupo. (...) Eu tenho o meu salário do Estado e todo mundo sabe como é. Eu passo meu aperto e me adapto à minha renda. (...) Mas eu não estou aqui em busca de fins lucrativos. Eu pego encomendas também. Eu já fiz muitas toalhas. Eu venho de uma família de bordadeiras, de bordar enxovais completos. Acho bom preservar esses valores e culturas. (MULHERES CRIATIVAS – ENTREVISTA Nº 07) 88

Eu achava muito ruim ficar em casa fazendo a mesma coisa todo dia e depois que terminava o serviço não ter outra coisa pra fazer. Vim para o grupo em busca de aprender a fazer crochê. No início achei muito difícil. Pensei em desistir, mas depois insisti e hoje sou monitora. Trabalho como monitora e nas horas vagas faço trabalhos por encomendas, o que ajuda a passar o tempo e esquecer os problemas. (...) Meu marido e meus filhos até preferem que eu fique em casa e não trabalhar fora. Mas eu gosto de ganhar meu dinheirinho para eu gastar comigo mesma. O bom é que eu não preciso pegar ônibus. Eles ficam fora de casa o dia todo, só chegam depois das nove. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 08) 89.

As entrevistas realizadas com as mulheres, tanto no empreendimento como em sua

moradia, possibilitou o contato com essas mulheres e neste contato pessoal, perceber a dura

realidade em que vivem. Sem isso, seria impossível compreender o universo de significado e

representações dessas iniciativas solidárias. Estimuladas por testemunhos de experiências de

sucesso econômico e solidariedade entre os membros, essas mulheres vislumbram, para si e

seus familiares, percursos semelhantes. Realizam os trabalhos em conjunto e se identificam

como uma família. Porém, além da baixa escolarização - pois algumas dessas mulheres são

analfabetas ou semi-analfabetas, desempregadas, com pouquíssima ou nenhuma experiência

de trabalho com carteira assinada - constata-se também nos depoimentos outro agravante

complicador para o “empreendedorismo” proposto: a renda mensal auferida nos

empreendimentos solidários. A pesquisa mostrou que a renda mensal dessas mulheres varia de

a R$50,00 a R$ 300,00.

Os integrantes do empreendimento Mulheres da Vila apresentam uma situação mais

favorável, pois a produção é diversificada, recebem assessoria do COMDIM e do Movimento

do Graal, estão articuladas em fóruns, participam de movimentos sociais, inclusive integram a

Marcha Mundial das Mulheres, o que lhes possibilita uma rede de contatos. Nesse sentido

expõem seus produtos em vários eventos populares, sociais e feiras, tanto na RMBH, como

em outras cidades do Estado e do país. O fato de um dos integrantes ser de nacionalidade

italiana possibilitou também uma integração na comercialização de seus produtos entre

parentes e amigos de seu país de origem.

88 Entrevista concedida em 23/09/2008. 89 Entrevista concedida em 23/09/2008.

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Já o empreendimento Mulheres Criativas enfrenta uma situação de maior

precariedade, pois a oportunidade de participação em feiras e espaços direcionados à

comercialização dos produtos desses empreendimentos é menor. A Secretaria de Estado e

Defesa Social, a Universidade FUMEC e a Associação APRECIA são os parceiros e

financiadores diretos nas ações desenvolvidas no empreendimento. As Mulheres Criativas não

participam de fóruns de articulação, mobilização e organização e relacionam sua atividade

produtiva como uma terapia no enfrentamento aos problemas da subjetividade, violência

social e doméstica e uma série de outros problemas sociais no bairro em que vivem. A

produção do empreendimento é menos diversificada e a comercialização mais precária, daí

por que as Mulheres Criativas não podem computar os ganhos no orçamento doméstico

mensal, conforme depoimento de uma das entrevistadas.

Essa renda aqui demora. É dois ou três meses para conseguir tirar R$200,00 para cada mulher. Daí a rotatividade de nosso grupo. Algumas mudam do bairro, outras, arranjam emprego fixo ou vão tomar conta de crianças em sua casa. Mas nosso grupo é um grupo solidário (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 06)90.

Na produção, não estamos preparadas para a produção grande. Tivemos a oportunidade de uma encomenda de cem peças e não pegamos por causa da dificuldade que a gente tem ainda. O grupo tem só um ano de formação para a produção e geração de renda - antes nóis só fazia pano de prato - e não aguenta o escoamento. Vende uma peça e às vezes a pessoa tem necessidade de receber o dinheiro rápido. (MULHERES CRIATIVAS – ENTREVISTA Nº 06) 91.

A baixa escolaridade das pessoas que participam da ES é um complicador muito sério, pois Economia Solidária pressupõe que o empreendimento tenha capacidade de autogestionar seu negócio e a autogestão pressupõe leitura, capacidade de interpretar os números, habilidade cognitiva, elementos importantes para o empreendimento e para as pessoas. E, na medida em que falta este nível de escolaridade e esta habilidade, somente a vivência das pessoas não é suficiente para dar conta daquele processo todo. E aí se esbarra na questão do tempo para produzir, cuidar da família e ainda escola? Paira uma angústia nos participantes dos empreendimentos, no sentido de que se darão conta ou não de frequentar uma escola para melhorar. Além dessa dificuldade pessoal, tem a questão do próprio interesse, as inseguranças, pois acham que lidar com os números é muito complicado e não vão dar conta daquilo. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO – ENTREVISTA Nº 03) 92.

90 Entrevista concedida em 03/10/2008. 91 Entrevista concedida em 03/10/2008. 92 Entrevista concedida em 07/05/2008.

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Para compreender as situações de injustiça social engendradas pelas condições

precárias de vida torna-se necessário analisar o binômio situação das famílias e distribuição de

renda e perceber que o mercado de trabalho exige um olhar atento aos segmentos que o

compõem: mulheres, negros, jovens, moradores de rua, pessoas com necessidades especiais,

dentre outros, e considerar os problemas que atinge especificamente a cada um desses grupos

e as desigualdades criadas ou reproduzidas. Faz-se necessário também perceber que os que

trabalham para viver têm rosto, cor e corpo.

4.2. As mulheres da vila e criativas. Quem são essas mulheres?

4. 2. 1. Mulheres da Vila: histórias e trajetórias

O grupo “Mulheres da Vila”, como assim é chamado por elas, tem seu início em 2005.

É composto por um grupo de mulheres que têm uma história comum e se conhecem há mais

de vinte anos. O grupo surgiu a partir da organização comunitária por infraestrutura básica na

Vila Apolônia, resultante de uma ocupação e luta por moradia na década de 1980, processo

que gestou a organização comunitária e algumas conquistas.

A ocupação da Vila foi lenta e progressiva. Uma área geograficamente acidentada que

foi sendo ocupada há cerca de 30 anos. Essa ocupação hoje já tomou uma nova característica.

A vila já possui alguma infraestrutura, mas as edificações ainda não estão regularizadas. Até

os anos 1990 as lutas por infraestrutura básica eram feitas pelos próprios moradores, uma vez

que o poder público local não reconhecia a ocupação e alegava ser aquela área apenas um

loteamento. Segundo as mulheres do empreendimento Mulheres da Vila, “o povo então se

virava, fazia bicos para ter acesso à água e a luz também era clandestina. O povo se

organizava em mutirão”. Ao recontar a história da vila, as mulheres re-memorizam as lutas

travadas com o Poder Público e afirmam que, somente no Governo Patrus é que a Vila foi

reconhecida, recebeu o nome de Vila Apolônia e passou a integrar as políticas públicas da

Prefeitura de Belo Horizonte.

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O nome da Vila foi escolhido de cima para baixo. Antes era a Favela. Depois o grupo passou a se identificar por Vila, por entender que o nome Vila inspirava mais dignidade do que a denominação favela. O povo passou a participar mais na luta por conquistas para a comunidade. Todas as conquistas foram feitas a partir da organização e mobilização da comunidade local. O trabalho inicial foi feito pelos jovens da Igreja Católica, o que foi fundamental para aquela comunidade, época em que passei a participar, enquanto grupo de jovens. (...) Hoje já tem muita coisa bacana. O povo a partir do orçamento participativo conseguiu a canalização do córrego. Esta área foi integrada no orçamento por estar próxima de uma área mais nobre, cujo acesso era imprescindível. O Córrego foi canalizado e construída uma avenida. Mas o povo da Vila continuou sofrendo e ainda sofre preconceito. Até hoje é uma área de muita violência, em todos os sentidos, e exclusão. Uma das maiores vilas da região de Venda Nova. Hoje os barracos foram transformados em moradias extensivas aos filhos que constituíram família. Os dados oficiais registram 8.000 moradias, mas não contam os agregados, pois numa residência tem até três famílias e hoje tem uma população aproximada de 20.000 pessoas. (MULHERES DA VILA -ENTREVISTA Nº 01) 93.

Participam desse empreendimento vinte e nove mulheres e um homem.

Algumas dessas mulheres são procedentes da Vila Apolônia, outras do bairro Jardim

Leblon, na região de Venda Nova, e outras, do Morro Alto94, na cidade de

Vespasiano95, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A idade dessas mulheres varia entre

15 e 95 anos, sendo assim distribuída: de oito mulheres a idade é variável entre quinze e vinte

e cinco anos; doze mulheres, dos vinte e cinco aos quarenta e cinco anos; quatro mulheres,

dos quarenta e cinco aos sessenta e cinco; e cinco mulheres dos sessenta e cinco aos noventa e

cinco anos de idade. O único homem integrante do empreendimento Mulheres da Vila tem 51

anos de idade, é ex-padre e casado com uma das mulheres do grupo.

A maioria dessas mulheres são mães sem marido ou companheiro e com vários filhos.

Enfrentam sérios problemas familiares; outras têm vida familiar razoável, mas o desemprego

ou o trabalho informal integra o seu cotidiano. Muitas são analfabetas ou semianalfabetas.

Segundo o depoimento de algumas dessas mulheres, todas sofrem do que é denominado por

93 Entrevista concedida em 16/07/ e 13/08/2008. 94 Morro Alto é um aglomerado que integra o Conjunto Morro Alto e outros bairros (Nova Pampulha, 4ª e 5ª Seção, Novo Horizonte e Nova York). Este aglomerado se localiza no município de Vespasiano e limita-se com o município de Santa Luzia. O Aglomerado surge no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, em decorrência do grande número de desabrigados das fortes chuvas que atingiram Belo Horizonte e das enchentes provocadas pela inundação do Rio Arrudas. A Companhia Habitacional de Minas Gerais, órgão do Governo do Estado, objetivando abrigar esses desabrigados, construiu o Conjunto Morro Alto, dando origem ao Aglomerado. Essa área, antes de ser construída, era uma Fazenda. (Informações obtidas por meio de Adriana Lara, moradora em Vespasiano e integrante do empreendimento Mulheres da Vila). 95 No município de Vespasiano grande parte dos loteamentos não são regularizados. Em função disso, já está em andamento no Aglomerado a efetivação de um Programa de Regulamentação Fundiária, com recursos oriundos dos governos federal e estadual, para construção de moradias para população de vilas e favelas, a exemplo da Prefeitura de Belo Horizonte. (Informações obtidas por meio de Adriana Lara, moradora em Vespasiano e integrante do empreendimento Mulheres da Vila).

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elas de preconceito comum: a violência social e doméstica e a discriminação reservada para

quem mora na favela, o que torna quase impossível o acesso ao trabalho e a vida social no

sentido amplo. Para elas, o trabalho se fundamenta na “pedagogia do nós”. Tudo que é

produzido e comercializado é repartido entre todas, não apenas com o critério da justiça, mas

também conforme as necessidades mais urgentes. O trabalho é coletivo, os saberes e

conhecimentos são partilhados e as tarefas e responsabilidades divididas.

O que produzem? Reaproveitam retalhos de tecidos e produzem bolsas, saias, vestidos,

colchas, colares. Bolsas bordadas, feitas em tecidos ou retalhos coloridos; colares em retalhos

de malhas, miçangas e sementes; saias e vestidos bordados à mão. Com muita arte e

criatividade, decoram espelhos e porta-retratos em madeira reciclada; fazem colchas de

retalhos, chinelos “havaianos” forrados e decorados com caracóis e trouxinhas de retalhos.

Promovem com frequência oficinas para a partilha de experiências e de conhecimentos, bem

como o intercâmbio com outros grupos como espaço de formação e socialização. Participam

do FEPS/RMBH, da Rede de Economia Solidária e em atividades promovidas pela COMDIM

e o Movimento do Graal do Brasil.

Aqui nossas ideias e ideais se juntam, se amarram, se enrolam e se reciclam entre agulhas, linhas, retalhos e contas. E nesse papo vai, levando nossas angústias, tristezas, solidão, dificuldades, medos; papo vem, trazendo alegrias, encanto, esperanças, possibilidades, mudanças, socializações, cidadania. A gente vai rompendo o dia nessa costura, bordando a realidade com sonhos, cores, trouxinhas, caracóis, contas, contos e encantos 96. (MULHERES DA VILA, MARKETING) 2007.

A pesquisa de campo mostrou que a maioria dessas mulheres tem histórias e trajetórias

semelhantes. Ainda adolescentes saíram do Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha e Mucuri

e se mudaram para Belo Horizonte, em busca de trabalho, ajudar sua família e estudar. Muitas

encontraram seu 1º emprego em casa de família.

Sou natural de Bertópolis, Vale do Mucuri, vim pra cá com 14 anos de idade. Vim para BH com vontade de trabalhar. Vontade de ajudar minha mãe e meu pai. Foi meu tio Fernando que me trouxe pra cá. Ele também já foi visitar Deus. Só numa casa trabalhei nove anos e saí casada com este homem que é o pai de meus filhos. Eu trabalhava e todo mês a patroa mandava o dinheirinho para minha mãe. (...) Fui casada e hoje sou separada do meu marido. Sempre tratei dos meus filhos e sempre precisei trabalhar pra cuidar deles. Já morei debaixo da lona. Já rolou tudo isso por cima de mim Quando vim para a Vila Apolônia foi duro, véio! Quando vim, o

96 Texto retirado do cartão de apresentação do empreendimento Mulheres da Vila, utilizado como marketing nas feiras, exposições e vendas dos produtos por elas confeccionados.

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Giovane tinha cinco anos e o Viviano, que hoje tem dezoito anos, tinha apenas quatro meses. Vim porque foi meu destino. Eu pagava aluguel, não dei conta de pagar aluguel e saí caçando esconderijo e achei, graças a Deus. Conheço todo mundo. Aqui eu vivo muito bem, com meus filhos, mas bem mesmo. Não tenho reclamação. Não tenho arrependimento e vivo muito bem aqui. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 06) 97.

A Comunidade Maloca98 é o espaço de trabalho onde as mulheres realizam as

atividades do artesanato. É também um projeto de vida social e comunitária, resultado de uma

longa caminhada e lutas. A experiência teve início em 2000, resultante de um trabalho social e

pastoral iniciado na Vila Apolônia há mais de 20 anos, realizado por lideranças das CEBs e

dos grupos de Fé e Política da Igreja Católica.

O artesanato, além de fonte de renda é também uma forma de expressar a arte, a

mística e a visão de mundo. Um jeito de partilhar trabalhos, saberes e espiritualidade. Velas,

ícones orientais em madeira reciclada, bijuterias, mosaicos, colares e confecções são feitas do

reaproveitamento de retalhos reciclados. Resgata a arte antiga de suas avós que tudo

reaproveitavam. Segundo essas mulheres, o trabalho

(...) resgata a arte original e antiga das nossas avós, lá na roça. Elas também eram pobres, reaproveitavam e reciclavam tudo que podia ser útil. Hoje, quem conhece a nossa arte comenta, “minha avó fazia assim” (...) idéias e ideais que se juntam, se amarram, se enrolam e se reciclam entre agulhas, linhas, retalhos e contas... azuis, amarelas, lilás, verdes e vermelhas... e nesse papo vai... (vai levando nossas angústias, tristezas, solidão, dificuldades, medos), papo vem... (vem trazendo alegrias, encanto, esperança, possibilidades, mudanças, socializações, cidadania). A gente vai rompendo o dia nessa costura de realidade, sonhos, cores, trouxinhas, caracóis, contas, cantos e encantos. (...) Em toda nossa arte destaca-se a reciclagem, a originalidade e a liberdade de expressão de cada mulher99 .

Quando se chega à Comunidade Maloca100, local onde as mulheres se reúnem,

produzem e convivem, a impressão é que se chegou à casa de uma família do interior. Nos

quintal, aos fundos, um grupo de mulheres trabalha embaixo de um pé de feijão andu101.

Sentadas em círculos, confeccionam pequenas mandalas de retalhos e miçangas. Enquanto

“enrolam trouxinhas e enfiam bolinhas”, falam da vida e suas lidas.

97 Entrevista concedida em 08/06/2008. 98 Espaço físico em que as Mulheres da Vila além das atividades de confecção e artesanato, promovem as oficinas de formação e eventos de confraternização. Fotos no Anexo D. 99 Apresentação do empreendimento Mulheres da Vila, retirado do documento denominado “Arte e Artesanato Maloca. Mulheres da Vila: um jeito solidário de reciclar”. (mimeografado) 100 Veja a foto no Anexo D. 101 Feijão típico do nordeste e norte de Minas Gerais.

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Uma pequena edificação circular, denominada “lojinha” 102, lembra uma moradia

indígena. Em seu interior um ambiente simples e rústico e, ali, o sagrado e o místico se

mesclam. Uma Bíblia, algumas imagens sagradas e frases de esperança e compromisso com

os pobres ornamentam o espaço. Peças de vestuário e artesanato são expostos e colocados à

venda, organizados em cabides e araras.

A casa-sede da Comunidade Maloca também é circular. Nela predomina a madeira

rústica na sua estrutura, muitas janelas, a cobertura é de telhas e uma escadaria em madeira

que conduz ao andar superior. Com estilo de um casarão de fazenda, tem como ornamentos

principais fotos de paisagens e personagens comuns dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri,

bem como gamelas, cochos, cabaças e cocás indígenas103. Ali reside um casal participante do

empreendimento Mulheres da Vila, com seus dois filhos ainda pequenos.

As mulheres trabalham em grupos e desempenham as atividades do cotidiano da casa,

dentre elas, as tarefas domésticas: é feito um rodízio no preparo do café e almoço, que é

servido a todos que chegam. A mesa é lugar da partilha do pão e da palavra; um momento

privilegiado que, segundo os depoimentos, alimenta sonhos e nutre desejos. Segundo as

mulheres entrevistadas, a busca de viver cotidianamente a partilha e a solidariedade tem como

referência o exemplo dos primeiros cristãos, que colocavam em comum tudo que possuíam. E

assim a casa foi estruturada. Sem chave no portão, sem campainha nem muros de concreto;

apenas uma cerca viva com seus flamboyants e portas abertas a quem chega. Algo que

impressiona e faz pensar.

4. 2. 2. Mulheres Criativas – entre angústias e esperanças

O grupo “Mulheres Criativas” é composto por 26 mulheres dos bairros Palmital,

Cristina e Nova Conquista, no município de Santa Luzia. Uma iniciativa resultante de um

trabalho pastoral e missionário da Igreja Católica, denominado “missões populares”,

promovido pela Arquidiocese de Belo Horizonte.

Os bairros Cristina e Palmital são constituídos por um grande conjunto habitacional,

subdividido em setores “A”, “B”, “C” e “D”, construído pela Companhia Habitacional de

102 Veja fotos no Anexo D. 103 Ornamento indígena feito com penas coloridas de aves, utilizado nas festas e ocasiões especiais. O cocá é colocado na cabeça do cacique.

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Minas Gerais (COHAB) na década de 1980, com o objetivo de atender à demanda

habitacional para a população carente e, ao mesmo tempo, povoar aquela região em Santa

Luzia, que estava totalmente desabitada. Esses bairros têm uma história de segregação

sócioespacial e violência em vários âmbitos, sendo a mais grave a violência de gênero. Já o

bairro Nova Conquista é fruto de uma ocupação desordenada no início dos anos 1990, de

populações segregadas vindas de várias regiões de Belo Horizonte, desabrigadas pelas fortes

chuvas e inundações ocorridas no Rio Arrudas.

As experiências de exclusão vivenciadas, bem como as consequências da segregação

socioespacial decorrente do processo ocupacional do espaço urbano, contribuíram para que a

população dos bairros Palmital e Nova Conquista, desde o início, fosse marcada por situações

de violência e discriminações, cujo estigma está presente até na relação com os bairros

vizinhos.

Eu não moro neste bairro. Moro no Cristina. E a gente tinha preconceito em relação aos que moravam aqui no Palmital. Moro no Cristina já vai pra 18 anos. No começo, esta história da malandragem, a gente tinha medo de vir aqui, de pegar o ônibus do bairro Palmital que passa na porta de minha casa, passava já lotado. Falava que o povo do Palmital não gostava da gente porque a gente era metida à besta e a gente não gostava dele porque era marginal. E hoje eu vejo que não é nada disto. Aqui é cheio de gente boa, de gente trabalhadora, honesta, muita gente vinda do interior, que é a minha origem e elas vem com uma sabedoria e dignidade que elas aprendem de berço. Tem pessoas, sim, que têm desvio de conduta, esta rapaziada, mas em todo lugar tem. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 09) 104.

A violência foi crescendo, crescendo e as pessoas que moravam aqui no Palmital já não conseguiam arrumar emprego, porque as pessoas não chamavam, excluíam. A violência espalhou em todo canto, mas a fama só ficou com o bairro Palmital. Meu marido ficou desempregado quase quatro anos, e eu, nem daqui eu tirava, pois meu serviço aqui era voluntário. Acho que hoje já não é mais assim. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 02) 105.

Inicialmente, o grupo era composto por oito mulheres e tinha objetivos terapêuticos,

no sentido de possibilitar às mulheres condições para enfrentar seus problemas familiares e a

violência doméstica a que eram cotidianamente submetidas. Depois, assumiram a proposta da

Economia Popular Solidária. Atualmente essas mulheres se reúnem106 todas as manhãs, no

Centro Comunitário da Igreja Nossa Senhora da Penha, no Bairro Palmital, de oito ao meio

104 Entrevista concedida em 24/09/2008. 105 Entrevista concedida em 25/09/2008. 106 Fotos no Anexo E.

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dia. O empreendimento é subdivido em dois grupos: um, denominado de “Geração de renda”

e o outro, “Terapia Ocupacional”. As mulheres que participam do “Terapia Ocupacional” se

encontram de oito às dez horas da manhã e o compromisso do comparecimento diário nas

atividades não é obrigatório. Entre os grupos há distinção de objetivos e tarefas. O primeiro

tem como objetivo a geração de renda. O segundo, as mulheres produzem para si mesmas e o

aprendizado é feito por meio da participação em oficinas e cursos ministrados pelas próprias

mulheres integrantes dos grupos. Uma vez concluída as oficinas, as mulheres do Grupo

Terapia são livres para optar a que grupo quer se integrar. Têm consciência de que se unem

não apenas pelo resultado econômico, mas também pelos valores afetivos e sociais. Nos dois

grupos são valorizadas a troca de saberes, a socialização de experiências e a ajuda mútua; os

trabalhos são realizados em conjunto e as mulheres se identificam como uma família.

A idade dessas mulheres varia de 15 a 75 anos e algumas já são aposentadas. Uma

rede de sociabilidade e de cooperação é construída, ou seja, um tipo de amizade e coesão

social que fundamentalmente se fortalece. Durante o aprendizado e convivência algumas

mulheres do subgrupo “Terapia Ocupacional” decidem integrar o subgrupo “Geração de

Renda”. É grande a rotatividade nos grupos, porque as mulheres permanecem ali até encontrar

trabalho formal ou resolver as pendências familiares.

O projeto começou com muita dificuldade, como temos dificuldade até hoje. Nada é sem dificuldade. Já passaram muitas mulheres e jovens por aqui. A gente já tinha oficina muito antes de chegar o “Fica Vivo”. Tem uma senhora de quase oitenta anos que começou junto com a gente, que aprendeu a fazer tapete aqui e está até hoje. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 02) 107.

O que atrapalha é que muitas estão desenvolvendo o trabalho e de repente elas saem; elas não têm o compromisso firmado. Se pinta uma oportunidade de emprego fixo, elas têm que sair porque lá fora oferece mais e elas têm uma necessidade muito grande, que nós não podemos suprir. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 09) 108.

Os trabalhos realizados no empreendimento são expostos e comercializados na feira

do Mineirinho, às 5ª feiras, de 18:00 às 23:00 horas, e aos domingos, de 8:00 às 16:00 horas.

Participam também de outras feiras, como a Feira Nacional de Artesanato e outros eventos

realizados no Expominas. Contam com apoio da Fundação Mineira de Educação

107 Entrevista concedida em 25/09/2008. 108 Entrevista concedida em 24/09/2008.

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(Universidade FUMEC), da Associação Preparatória do Cidadão do Amanhã (APRECIA) e

de projetos sociais ligados à Secretaria Estadual de Defesa Social (SEDS).

No início tava muito difícil, mas agora a gente conta com o apoio da Secretaria Estadual de Defesa Social, a Associação Preparatória do Cidadão do Amanhã - APRECIA, o Programa “Mediação de Conflitos” e a Universidade FUMEC. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 06) 109.

De tanto correr atrás conseguimos estas máquinas através de parcerias. Temos várias parcerias: a FUMEC, a APRECIA e o Mediação de Conflitos. E eu mais a Tina sempre correndo atrás de pessoas que podem nos ajudar. No início era só essa máquina pequenininha que as Irmãs deram pra gente. Agora temos mais três. É bom esse trabalho. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 02) 110.

Na entrevista algumas dessas mulheres relatam em suas histórias de vida o significado

do grupo, salientando as mudanças ocorridas e destacando o antes e o depois do

empreendimento. Essas mulheres, conscientes da precariedade e vulnerabilidade social em

que se encontram, não têm dúvida de que participar dos empreendimentos foi a luz no fim do

túnel e a porta de saída que lhes restava.

Inicialmente as mulheres não sabiam fazer nada do artesanato que fazem hoje. Um aprendizado que exigiu paciência e perseverança. Depois foram se agregando outras mulheres que sabiam fazer colchas de retalhos e bordar. Para essas mulheres, o fato de darem conta de criar, de estabelecer uma interlocução com o cliente no momento da comercialização e participar de feiras fora de Belo Horizonte são exemplos de melhoria de sua autoestima tão comprometida por suas histórias de vida. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 01) 111.

A convivência e a autoestima são fatores muito valorizados, o que faz com que o fator

econômico, apesar da necessidade, seja relativizado. A troca de experiências em relação aos

elementos que compõem a vida: a subjetividade, a intimidade, os problemas familiares e de

convivência são destaques importantes nos depoimentos dos entrevistados. Para as integrantes

dos empreendimentos solidários, a participação nos grupos marca uma nova fase de suas

vidas; coisas simples, tais como ir sozinha ao centro da cidade, participar de reuniões e feiras,

109 Entrevista concedida em 03/10/2008. 110 Entrevista concedida em 25/09/2008. 111 Entrevista concedida em 16/07 e 13/08/2008.

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liberdade, alegria, prazer, amizade, aprender coisas novas. Em todos os depoimentos foram

relatados o caráter terapêutico do empreendimento e a positividade das mudanças ocorridas.

Teve muitas mudanças, sim. Como eu te disse, eu estava me sentindo um lixo. Eu me sentia muito sozinha, como se a minha vida tivesse acabado. Eu tinha parado de trabalhar e não tinha mais contato com o mundo exterior e aquele mundinho pequeno de casa estava tolhendo a minha mente. E eu, vindo para cá, eu acho, retornei para este mundo, embora não é o mercado de trabalho competitivo, mas agora nós estamos quase nos tornando. A gente agora está com o objetivo de produção, de ganhar dinheiro. Antes era mais terapia, aprendizado e oficina; hoje, a gente já tá mais com o objetivo de gerar renda. Então, tá melhor, né? (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 09) 112.

Só Deus sabe o que passei. Agora estou tranquila, venho pra aqui, fico o dia todo e ninguém me aborrece. (...) Antes eu me sentia muito deprimida. Já tive depressão, minha vida era só chorar ali dentro. Nossa Senhora, sofri demais! Hoje eu tô bem mesmo. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 09) 113.

Mudou, porque a angústia que a gente sentia, isso desapareceu. (...) As pessoas já não sabiam mais falar de outra coisa e contar sobre os mortos era o assunto de todos. As notícias eram só sobre isso: fulano tá baleado, sicrano de tal morreu; só assuntos desagradáveis, e isso foi mexendo com a gente. Agora não tem mais aquela conversa: matou fulano, matou sicrano. (...) Nosso papo agora é organizar, a gente tem outras coisas na cabeça e pensar outras coisas pra fazer. A convivência é boa. Agora, mexer com gente é muito difícil. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 02) 114.

Percebe-se nos depoimentos que, além da autoestima, são valorizadas também a

melhoria da qualidade de vida e a inserção no mercado de consumo. Constata-se também, na

fala de parte das entrevistadas, a preocupação com a improvisação e a ausência de

planejamento nos empreendimentos, o que é percebido como fator negativo.

Minha vida mudou muito depois que eu vim pra aqui. Hoje tenho cozinha completa, meu banheiro é muito bem arrumado, o quarto da minha filha também. Tudo com dinheiro tirado daqui. Hoje junto um tantinho, amanhã junto outro. Como e bebo daqui. Nós come, bebe, veste com o dinheiro daqui. Tudo sai daqui. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 06) 115.

O que ajuda é a valorização das pessoas buscando um maior envolvimento de todas; a disponibilidade para ir para as feiras, participar das reuniões, o envolver de cada

112 Entrevista concedida em 23/09/2008. 113 Entrevista concedida em 20/09/2008. 114 Entrevista concedida em 24/09/2008. 115 Entrevista concedida em 08/06/2008.

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um em um pouco de tudo. Os contatos estabelecidos, a participação nas reuniões e no Fórum. Atrapalha a falta de planejamento e a improvisação. Às vezes eu questiono essas coisas, talvez por cultura, temperamento e formação. Às vezes as coisas são feitas de improviso, falta planejamento. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 04) 116.

4.3. Percepções e experiências sobre a economia popular solidária na RMBH - a visão

das mulheres

A questão de gênero na Economia Solidária tem seu início com a evidência

demonstrada em diversos estudos da invisibilidade, da marginalização e do não

reconhecimento do protagonismo das mulheres. Quem são essas mulheres e quais as suas

experiências na sociedade? Marcadas pelas relações de classe, gênero e etnia, muitas vezes

atribuladas e silenciadas, essas mulheres, ao integrar os grupos produtivos, buscam

compreender e ampliar seu olhar, tendo em vista as relações sociais de gênero e raça e seu

impacto nas alternativas que constroem. Empenham-se nessas iniciativas de geração de renda

em vistas de garantir o funcionamento do próprio grupo e ao mesmo tempo justificar, para si e

seus familiares, o tempo das ausências do lar dedicado ao empreendimento. Não obstante a

vulnerabilidade e precariedade em que se encontram, a motivação para investir no

empreendimento, não é apenas financeira, mas também a ajuda mútua. “Aqui a gente pensa

além do dinheiro. Todos se juntam para ajudar, não só financeiramente, mas para o que

precisar; e se uma está doente a gente vai visitar e ajuda no que precisar”. (MULHERES DA

VILA - ENTREVISTA Nº 01) 117.

O nosso objetivo não é a renda e o “para mim ficou lá fora”. E se não quer ficar no grupo “Mulheres Criativas” e quer ficar apenas no “Terapia”, elas são livres. A D. Efigênia faz cada tapete lindo, mas ela não quer ficar no grupo Mulheres Criativas, quer ser monitora no “Terapia”, ela fica. E aí a gente compra a peça dela e vende. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 06) 118.

Para mim melhorou muito, pois sempre tenho algo para fazer, mas para meu marido não há diferença, não. Meu marido e meus filhos até preferem que eu fique em casa do que trabalhar fora. Mas eu gosto de ganhar meu dinheirinho para eu gastar comigo mesma. É bom que eu não preciso pegar ônibus. Eles ficam fora de casa o

116 Entrevista concedida em 28/09/2008. 117 Entrevista concedida em 20/06/2008. 118 Entrevista concedida em 22/08/2008.

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dia todo, só chegam depois das nove. Eu achava muito ruim ficar em casa fazendo a mesma coisa todo dia e depois que terminava o serviço não ter outra coisa prá fazer. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 08) 119.

No depoimento das mulheres ficou evidenciada a preocupação em conciliar o trabalho

por elas desenvolvido e os afazeres domésticos. Nesse sentido, segundo as entrevistadas, a

Economia Popular Solidária possibilita a articulação entre vida profissional e doméstica,

território mais específico das mulheres e vivenciado de modo negativo pelos homens, que

estão vinculados ao trabalho assalariado formal e cuja participação é transitória.

As experiências a que as mulheres denominam de experiências alternativas de geração

de renda surgem para elas como possibilidade de crescimento pessoal e aprendizado coletivo,

acesso à propriedade dos meios de produção e contribuem na construção de redes sociais. No

entanto, vale destacar olhares diferenciados quanto à participação nas iniciativas solidárias

entre as mulheres mais velhas e as novas gerações. Foi observado também nos depoimentos,

que as mulheres mais velhas, mesmo exercendo atividades produtivas fora do ambiente

doméstico, elas se apresentam como “donas de casa”. Representações que nas novas gerações

ganham novo caráter, pois quando se encontram fora do mercado formal se identificam como

“desempregadas”.

A mulher, não que ela não procure o trabalho formal, mas o mercado de trabalho ainda favorece mais o homem e, quando é mulher, paga menos pela mesma prestação de serviços. A mulher busca trabalho que pode ser feito em casa, para não descuidar da família. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 03) 120.

Por meio dessas experiências, não obstante o estado de penúria e desalento frente ao

desemprego e ao empobrecimento, lhes foi possível reconstituir espaços de trabalho,

viabilizando ainda espaços de convivência e resgate da autoestima. Esta solidariedade

agregadora atua também como vetor de viabilidade, eficiência e sustentabilidade que garante

a continuidade no empreendimento e exige outra racionalidade econômica. A autogestão é

concebida como repartição de poder e esforços para a ação produtiva cooperativa com o

objetivo de humanizar o trabalho e ampliar a democratização na sociedade. (BARBOSA,

2007, p.96). Processos muitas vezes vivenciados em conflito com instituições públicas, na

busca de fazer valer acordos políticos anteriormente acertados.

119 Entrevista concedida em 22/08/2008. 120 Entrevista concedida em 20/05/2008.

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As mulheres lamentam a rotatividade nos grupos, pois, segundo elas, muitas

permanecem ali até encontrarem trabalho formal ou resolverem as pendências familiares.

Constatam-se entre as entrevistadas diferentes níveis de compreensão quanto ao significado

das experiências de economia popular solidária. A compreensão teórica é muito pequena e

poucas têm clareza do que a economia popular solidária propõe. Isto ficou muito visível nos

depoimentos. Algumas mulheres entrevistadas e integrantes do empreendimento Mulheres da

Vila demonstraram maior conhecimento e apropriação teórica sobre a proposta da economia

popular solidária, talvez devido à trajetória em ações comunitárias, sociais e políticas.

A própria palavra diz. As palavras são importantes. Uma forma de produzir bens para sustentar a casa, a vida econômica. É popular porque vem do povo, congrega o povo pobre, que sempre é usado e excluído. Não vem de cima, mas do povo que se une e se organiza, se junta e sabe que se não se unir não tem futuro, pois a experiência já sinaliza isso. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 04) 121.

É uma nova forma de pensar os números. Sempre falo no grupo que metade é matemática e a outra metade é coração. É você fazer diferente, agregar valores diferentes. A economia solidária por si só é uma forma de lidar com o ganho que não é só financeiro. Uma outra maneira de pensar um mundo diferente. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 01) 122.

Porém, no empreendimento Mulheres Criativas, é interessante observar que não há

uma preocupação em entender o significado e a concepção sobre economia popular solidária.

De dez mulheres que participaram das entrevistas, oito delas, ao serem perguntadas se já

tinham ouvido falar em economia popular solidária, a resposta quase unânime foi: “já escutei

falar. (...) Eu não sei o que é, mas eu já ouvi falar”. Apenas as coordenadoras do grupo tinham

conhecimento da proposta e somente uma delas se identificou como parte integrante da

proposta de economia solidária, embora admitisse sua ausência nas reuniões do Fórum de

Economia Popular Solidária da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Essas mulheres

desconhecem o que vem a ser efetivamente essa proposta, mas vivenciam no cotidiano seus

princípios e valores. Muitas não participam de outros fóruns e a participação em feiras e

eventos é mais restrita, devido à falta de oportunidades para isso. “Nós somos da Economia

Solidária, só que nós estamos falhos porque nós não estamos indo na reunião. A Tina já foi

121 Entrevista concedida em 28/09/2008. 122 Entrevista concedida em 16/07 e 13/08/2008.

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até ao Rio Grande do Sul participar da feira. Até isso!”. (MULHERES CRIATIVAS -

ENTREVISTA Nº 02) 123.

É um projeto bacana o projeto deles, já viajei com eles. É cooperativismo, né ? Uma coisa muito boa e eu gostei muito de trabalhar com eles e a dimensão é a contribuição, a troca de experiência, é um ajudando o outro, é troca mesmo, não tem exploração. Apesar das peças deles serem muito caras. Se é Economia Solidária, né? Então? Mas é muito bacana. Mas nós estamos em falta com a Economia Solidária. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 06) 124.

No empreendimento Mulheres Criativas, os dados da pesquisa evidenciam que o ritmo

do trabalho, a proximidade e autoajuda e o interesse valorativo dos sujeitos têm sido a

motivação primeira. E, não obstante as dificuldades, ali permanecem, porque acreditam na

proposta e confiam em seu sucesso. A motivação financeira vem por acréscimo: mais como

suplemento, uma vez que aprenderam a viver na precariedade e, em alguns casos, o dinheiro

da aposentadoria garante a manutenção de uma precária sobrevivência. Foi também possível

observar nos depoimentos dados a preocupação com uma maior integração entre os diferentes

projetos desenvolvidos na comunidade. Isso ficou patente nos depoimentos, bem como a

crítica em relação à falta de diálogo entre os projetos em execução.

Chega um projeto no bairro, um ‘projetão’. O que o projeto faz? Não dialoga com a comunidade, com os núcleos, com as lideranças, com nossas associações. Capacitam os jovens, mas ao terminar a capacitação o jovem não é encaminhado para um trabalho. Não há integração entre o Estado e a comunidade. Moro no Palmital há 25 anos e trabalho na comunidade há 13 anos. É sempre assim. O que esses projetos têm para oferecer para eles? Nada. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 06) 125.

A economia popular solidária é vista como “uma coisa desafiadora”. Um desafio

complexo, pois também é preciso trabalhar as emoções, o coletivo e opiniões divergentes, não

apenas no interior do empreendimento, mas também na relação com os agentes mediadores.

Isso é perceptível nos depoimentos.

A economia solidária tem apoio e ao mesmo tempo não tem. Tem algumas pessoas que ajudam, mas a maioria dos grupos trabalha sem dinheiro. Muitos preferem trabalhar sozinhos do que em grupo, porque é partilhado. Mas não tem apoio de

123 Entrevista concedida em 24/09/2008. 124 Entrevista concedida em 03/12/2008. 125 Entrevista concedida em 03/10/2008.

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fora, há muitas promessas que não são cumpridas. Muitos prometem ajudar, mas na hora não aparece. O mais complicado é manter o grupo. Muitos grupos estão morrendo: isso a gente vê nos centros públicos. As pessoas de cima, porque a maioria dos assessores é de cima e não têm noção do que o grupo vive e colocam normas que prejudicam e só vão prejudicando mais o grupo. (MULHERES DA VILA, ENTREVISTA Nº 02) 126.

Muito interessante o posicionamento frente à pergunta sobre o que fariam se tivessem

oportunidade de trabalhar com carteira assinada. Eis a resposta de algumas dessas mulheres:

“Eu ia. Forçava minha saúde e ia. Deixava aqui sim. Ia pra ganhar. Pra receber salário. Mas

eu ia sentir falta daqui”. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 01)127 (...) “Eu

pegaria. Nem que eu tivesse que vir neste projeto um dia da semana, eu iria, porque eu tenho

necessidade de um ganho”. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 02)128. (...) “Eu

tinha coragem. Eu ia. Eu ia porque a carteira a gente tem mais segurança. Eu não sei como

falar, mas eu acho que é bom a gente ter e segurança”. (MULHERES CRIATIVAS -

ENTREVISTA Nº 10)129. “Eu fiquei bem acomodada trabalhando em casa, mas, se fosse

alguma coisa no bairro e eu soubesse, eu iria” (risos). (MULHERES CRIATIVAS -

ENTREVISTA Nº 08)130.

As respostas dos entrevistados evidenciaram olhares distintos para essa questão. As

mulheres do empreendimento Mulheres Criativas deixaram transparecer que a inserção nos

empreendimentos econômicos solidários atende a emergência da busca pela sobrevivência.

Uma sobrevivência precária, cuja divisão da renda apurada na venda dos produtos é muito

pequena. De tão pequena nem é possível ser quantificada, pois a divisão é feita a cada dois ou

três meses e nessa divisão cada uma apura em torno de R$150 a R$ 200,00. Embora tenha

sido unânime a afirmação dos benefícios para a subjetividade do “estar juntos” no grupo,

ficaram evidentes também seus limites e dilemas.

Renda mensal? Não tem renda não. Aqui é pouquinho e de vez em quando. Uns R$50,00. O que me motiva continuar aqui é que todo dia aparece uma novidade diferente pra gente fazer. E igual agora, eu tenho que ajudar ela a cortar o pano. Às vezes eu fico pensando, na dúvida: será que eu vou, será que eu não vou? Aí eu venho. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 10 ) 131

126 Entrevista concedida em 20/09/2008. 127 Entrevista concedida em 23/09 e 03/10/2008. 128 Entrevista concedida em 24/09/2008. 129 Entrevista concedida em 24/09/2008. 130 Entrevista concedida em 23/09/2008. 131 Entrevista concedida em 24/09/2008.

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Trabalhar com carteira assinada? (Risos.) Peguei tanto amor a este grupo. A gente formando a cooperativa e tendo um público que a gente possa atender, a gente pode pagar nosso INSS. A cota não é tão alta, parece que é R$ 40,00. Meu objetivo não é ter carteira assinada, mas ter nosso sustento e pagar nosso benefício e garantir nossa aposentadoria. A gente não tem o nosso direito aqui, mas tem aquela outra responsabilidade. Lá tem que ter experiência, tem que gostar, tem que pegar ônibus. Aqui tem uma união muito forte, uma raiz e estamos sempre acolhendo o novo. É muita mulher que passa por aqui, mais de cem, de 2005 para cá. (MULHERES CRIATIVAS - ENTREVISTA Nº 06) 132.

Já no empreendimento Mulheres da Vila, percebe-se por parte dos entrevistados, uma

maior adesão quanto a sua inserção no empreendimento algumas, inclusive, deixando

transparecer sua opção pelo trabalho no artesanato, ainda que surgisse uma oportunidade de

trabalho com carteira assinada. Algumas afirmaram que, devido à idade em que se encontram,

o emprego formal já não lhes é acessível. Foi dado destaque aos benefícios do trabalho formal

e a segurança que ele possibilita, bem como experiências de relações trabalhistas

anteriormente vivenciadas, marcadas pela decepção, ressentimentos e insatisfações na relação

patrão-empregado.

Não vou mais não. Trabalhar de carteira assinada pode aparecer 50. Uma porque não aguento outra porque já acostumei aqui. Já aposentei mesmo. Já dei o que tinha que dar. Não aguento mais. Nem se eu estivesse mais nova. Se alguém pedir para ajudar lavar, passar eu vou, mas assinar carteira, nem se tivesse mais nova. Já aguentei muita humilhação. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 09) 133.

Se tivesse oportunidade de trabalhar com carteira assinada... Já não tenho mais esta ilusão... Antes eu tinha carteira. Era doida com carteira assinada. A 1ª vez foi uma alegria. Era uma alegria receber vale transporte. Hoje eu acho que carteira assinada, trabalhar por conta própria, é do jeito que dá. Tirando seu sustento, contribuindo com o INSS, acho que carteira assinada é segurança, tem FGTS, seguro desemprego, mas é também escravidão. Fico vendo as pessoas que trabalham, tem que esperar dar 7 horas, ficam em pé o tempo todo. Hoje já não tenho mais esta ilusão. Até porque ninguém mais dá esta chance a quem passou dos 30, 40, 54 nem se fala. (MULHERES DA VILA – ENTREVISTA Nº 07)

Nos depoimentos foi possível constatar também as dificuldades e inseguranças que

permeiam a economia solidária, em que o quantum da renda mensal não é certo, ficando sua

dependência do que é comercializado nas feiras e exposições.

132 Entrevista concedida em 03/10/2008. 133 Entrevista concedida em 20/09/2008.

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O trabalho da economia solidária é uma coisa muito insegura. Não tem segurança do amanhã, não temos certeza de nada. Hoje está bom, está crescendo, mas.... Se vier uma proposta de trabalho formal é difícil renunciar, pois tenho dois filhos e preciso de segurança para oferecer para eles. Mas não é qualquer trabalho, quero algo que permita certa liberdade. (MULHERES DA VILA - ENTREVISTA Nº 04) 134.

Algumas respostas, porém, evidenciaram engajamento e adesão ao projeto do

empreendimento, não obstante o que Rosenfield (2007) denomina de flutuação135. Houve

quem afirmasse que “não saía daqui mais nunca. Não é por conta de carteira assinada que eu

ia sair daqui. Continuava aqui porque eu gosto daqui e gosto do meu serviço”. (MULHERES

DA VILA - ENTREVISTA Nº 06) 136. “No meu caso, tenho dificuldade com o trabalho

formal, pois gosto de ser livre e penso que o trabalho formal limita, prende, não combina

muito comigo. Mas não é coisa fechada, um dia posso mudar de ideia”. (MULHERES DA

VILA - ENTREVISTA Nº 01) 137.

O fato é que, nos empreendimentos solidários, é constatada uma questão muito

concreta e imediata: os sujeitos envolvidos nesses processos precisam de dinheiro para viver,

se alimentar, comprar roupa e comida, garantir o leite das crianças. No meio rural, de um

modo geral, a segurança alimentar e a subsistência ficam mais resguardadas, uma vez que da

terra podem tirar o sustento e conseguem segurar um pouco mais. Mas na cidade, se não tiver

dinheiro para comprar o leite do filho, não compra. A emergência de ter trabalho e renda é

muito concreta. A qualidade de vida para o público dos empreendimentos econômicos

solidários é menor, mais precária e seriamente comprometida.

Essas experiências, segundo Barbosa (2007), têm sido desenvolvidas revelando uma

clara desconfiança em relação ao Estado. Talvez o medo de ser cooptado, ou então a

indignação frente à passividade ou omissão do poder público diante dos problemas das classes

populares, sem contar o perigo da dependência da ajuda estatal. As relações entre o Estado e

os grupos alternativos de produção solidária sempre foram complexas e ambíguas, pois o

Estado ora assume o papel de catalisador dessas experiências, ora passa do apoio ao

abandono, colocando em risco a sobrevivência das organizações do segmento.

134 Entrevista concedida em 28/09/2008. 135 O trabalho significa relativa solidez, contrapondo a insegurança daqueles que não tem trabalho. (ROSENFIELD, 2007, p.118-119). 136 Entrevista concedida em 08/06/2008. 137 Entrevista concedida em 16/07/2008.

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4.4. Dilemas e possibilidades nas experiências da economia popular solidária na RMBH.

Este estudo apontou dilemas e possibilidades nas experiências de economia popular

solidária na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Nas entrevistas realizadas ficaram evidenciadas as relações de gênero e as

consequências de toda opressão histórica sofrida ao longo dos tempos. A questão de gênero

perpassa também uma questão de re-educação e de mudança de paradigma de sociedade, e

isso, segundo os depoimentos, tem sido observado entre o público dos empreendimentos

solidários; a situação da mulher muitas vezes reflete a lógica patriarcal, na qual elas são

responsáveis pelo trabalho doméstico, o cuidado do marido e dos filhos. O trabalho é visto

apenas como “bico”, um complemento de renda. O modelo ainda é aquele em que a mulher é

responsável pela reprodução da vida e o homem, provedor da família, com poder de decisão.

O fato de muitas dessas mulheres serem procedentes da zona rural, nos depoimentos foram

também salientadas as diferenças entre tarefas desenvolvidas pelas mulheres no meio rural em

relação ao meio urbano. Importante destacar que, nas feiras de economia solidária, nas

reuniões do FEPS/RMBH e no Espaço Cidadania predomina a presença das mulheres, pois a

maioria dos empreendimentos solidários da RMBH as têm como protagonistas. Já na

agricultura familiar, segundo as entrevistadas, quem mais aparece são os homens.

Na zona rural as mulheres trabalham muito mais, mas quem dá entrevista, fala em nome do empreendimento é o homem. A mulher fica em casa e seu companheiro participa da reunião da Associação. A mulher não participa da associação porque fica cuidando da casa e das crianças. Ela faz o doce, mas a função de presidir é do homem e é ele que fala em nome da cooperativa. (ENTREVISTA FÓRUNS - FMES E FEPS/RMBH)138

A baixa escolaridade das pessoas que participam dos empreendimentos solidários é

um complicador muito sério, pois a Economia Popular Solidária pressupõe que o

empreendimento tenha capacidade de autogestionar seu negócio e, na medida em que falta

este nível de escolaridade e essa habilidade, somente a vivência das pessoas não é suficiente

para dar conta de todo o processo. O desafio da renda, da falta de espaço físico e infra-

estrutura foram outros elementos salientados, tanto por parte dos agentes mediadores, como 138 Entrevista em 24/07/2008.

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pelos integrantes dos empreendimentos. Quem chega naquele empreendimento vem apenas

com a mão de obra e a força de vontade. Falta equipamento, crédito, uma sede, capital de

giro, formação, qualificação e ob nde vender esses produtos. Os participantes dos

empreendimentos solidários a princípio não têm visão da necessidade de um capital de giro e

da necessidade de guardar uma parte do recurso e devolver apenas o restante ao grupo, porque

aquilo que entra vai atender a necessidades imediatas.

Ficou evidenciada nos depoimentos a queixa de que existem políticas públicas para

micro, pequenas e grandes empresas, mas quando se pensa na Economia Popular Solidária, as

políticas públicas são focadas. Segundo os entrevistados, a SENAES, Secretaria Nacional de

Economia Solidária, provoca algumas ações, apoia alguns projetos, mas efetivamente não

corresponde à necessidade real dos empreendimentos. Quanto aos recursos, grande parte vem

de instâncias do governo federal. Foi destacado também que os governos não dialogam com

seus pares, as iniciativas não são assumidas como política pública e os projetos desenvolvidos

pelas entidades de apoio e fomento não oferecem garantia de continuidade.

Nas entrevistas realizadas com os agentes mediadores houve manifestação de dúvida

em relação aos ganhos efetivos dos empreendimentos. Alguns depoimentos destacaram que

nos empreendimentos onde há maior consolidação, estes têm mostrado uma evolução no nível

de renda. No entanto, essa evolução está relacionada a uma série de ações acontecendo em

nível de governo, cujo trabalho desenvolvido numa perspectiva multidisciplinar tem

favorecido mais a comercialização e expansão dos empreendimentos, a estruturação dos

fóruns e o surgimento de vários centros públicos de apoio à economia solidária. Um conjunto

de novas iniciativas atingindo vários âmbitos e setores da economia que antes não atuavam.

Uma visão muito otimista por parte de alguns entrevistados e nem tanto em relação a outros

depoimentos.

As entidades têm um sofrimento muito grande com a continuidade. Funcionam com projetos e quando o projeto acaba as atividades são interrompidas. Muitas entidades fundadoras da Economia Solidária desenvolveram seus projetos com ajuda de projetos de cooperação internacional. Essas entidades cooperadoras investiam no Brasil, mas as coisas estão mudando e essas agências estão destinando seus recursos para outras regiões, por exemplo, para as regiões norte, nordeste, e países mais pobres. (...) As entidades então se voltaram muito para a execução de projetos financiados pelos governos, cujo recurso é muito burocrático. Muitas vezes vira braço do governo porque tem que ficar quatro ou cinco meses fazendo processo de licitação e se submetem a isso, sem a garantia de continuidade. O projeto acaba e os grupos ficam desamparados e as entidades sofrem muito com tudo isso.

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Interrompem a continuidade. (...) Há um trabalho voluntário por um tempo, mas depois as pessoas deixam, pois precisam garantir sua sobrevivência. Quem consegue segurar um pouco são as universidades, talvez porque consigam um professor, um aluno, uma bolsa mais específica. Com as mudanças tudo se fragiliza. (GESTORES PÚBLICO - ENTREVISTA Nº 05)139.

Ainda não se conseguiu vislumbrar o que vai acontecer após o Governo Lula, em termos de uma política pública voltada para a economia solidária. Atualmente o estágio de discussão do Governo está na criação de grandes centros de formação de economia solidária, organizados em nível regional e nacional. Uma ação financiada pelo Programa Nacional de Desenvolvimento da Economia Solidária – PRONADES, que assegura recursos públicos destinados às ações no campo da formação. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 03).140.

A participação dos agentes mediadores e integrantes dos empreendimentos solidários

nos fóruns e nas comissões de trabalho foi muito destacada nos depoimentos. Segundo os

entrevistados, os centros públicos têm como proposta originária ser espaços de construção de

uma política pública. Os fóruns, além de serem espaços de encontro e debate, em vista de

deliberar ações concretas para que a economia popular solidária, mais do que uma política de

governo, se constitua numa política de Estado, são também lugar de participação política e

formação pedagógica. Espaços onde o conflito político e as divergências quanto às escolhas

estratégicas e rumos do movimento são manifestadas.

Na observação participante em reuniões do Fórum Metropolitano, foi possível

perceber o envolvimento e assessoria prestada pelos agentes mediadores, o trabalho

desenvolvido pelas comissões constituídas e a busca conjunta na definição das prioridades. A

metodologia participativa na busca de uma construção coletiva dos rumos da economia

popular solidária evidenciou situações de conflito entre os participantes.

Há uma rotatividade quanto à frequência nas reuniões do Fórum e alguns representantes de empreendimentos só visam interesses pessoais; desconhecem os objetivos do Fórum. Há um desconhecimento também por parte de algumas entidades sobre o trabalho feito no FPES-RMBH. Essas coisas enfraquecem o movimento. Algumas ONGs não vêm mais; muitas que antes participavam não vêm mais e outras nunca vieram. Os movimentos sociais urbanos também não. Não percebem que a economia popular solidária é ao mesmo tempo estruturante e transversal. Como estruturante podemos ser pequenos, mas, se conseguirmos nos enxergar como estruturante e transversal, aí é diferente, representa muito. Como transversal nós somos muito fortes, porque estamos na cultura, no meio ambiente, nas relações de gênero; em todas as esferas. As pessoas não enxergam isso. Esse é o

139 Entrevista concedida em 26/08/2008. 140 Entrevista concedida em 07/05/2008.

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pulo do gato! Elas não conseguem perceber uma reciprocidade tanto no enfraquecimento como no fortalecimento de nossa organização social. (...) Tentamos fazer uma gestão articulada do Fórum com movimentos sociais urbanos, mas não conseguimos (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 03)141.

Outro dilema apresentado nos depoimentos se relaciona ao processo de constituição

dos grupos. A formação inicial de um empreendimento de economia popular solidária é

extremamente desafiadora. O desenvolvimento humano e envolvimento de equipe é um

processo contínuo e precisa ser trabalhado no cotidiano, exigindo metodologias que

possibilitem isso. Formas emancipatórias e não doutrinárias que ajudem os integrantes dos

empreendimentos solidários a perceber que aquele caminho é viável porque possibilita a

cooperação e promove qualidade de vida não somente para seus integrantes, mas para a

comunidade toda, para seus filhos e para as gerações futuras.

Houve manifestação dos agentes mediadores em seus depoimentos de que nas

iniciativas solidárias há também aqueles que vêm para os empreendimentos com objetivos

estritamente econômicos, não têm uma formação política e acham que as coisas virão do céu,

de um “político bom”. Em muitos casos almejam cestas básicas, ganhar as coisas prontas ou

saber o que vão receber em troca; portanto, nos grupos é muito difícil mobilizar para o

trabalho coletivo e para uma participação efetivamente cidadã. Segundo os entrevistados, o

grande desafio é construir formas pedagógicas de um processo educativo, a partir do olhar e

do lugar dos sujeitos, de modo que todos os envolvidos nessas iniciativas entendam que cabe

a todos e a cada um a disposição para participar dessa construção. Garantir a sobrevivência do

empreendimento de modo autônomo, sem o apoio financeiro externo é o grande dilema.

Outro desafio é a questão da educação. Nossa educação não é uma educação para o coletivo, é para o individualismo. Você vai ser o dono da empresa ou o empregado da empresa. Não se educa para o coletivo, nem se estimula o trabalho associado. (...) Temos o desafio de uma educação denominada contextualizada à realidade dos empreendimentos solidários, no sentido de entender e ajudá-los a mudar a consciência. E entender que modelo de educação vigente, seja através da escola, da mídia, da comunicação, deseduca (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO- ENTREVISTA Nº03) 142.

Alguns integrantes dos grupos, muitas vezes, não conseguem se enxergar enquanto empreendedores, donos do próprio negócio e responsáveis pela gestão do mesmo,

141 Entrevista concedida em 18/08/2008. 142 Entrevista concedida em 07/05/2005.

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transferindo para os outros colegas essa responsabilidade. Em outros momentos, esperam que as entidades de apoio e fomento desempenhem funções que cabem essencialmente aos empreendedores. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 04)143.

Como desvantagem? Não sei se chamo essa morosidade de desvantagem. É um empecilho, uma angústia, porque as coisas vão muito lentas. Você trabalha, trabalha nos empreendimentos e não vê a renda chegar até eles. A renda para em nós, que somos os assessores, mas não chega até eles. Nós temos remuneração certa, os empreendimentos não têm. Para mim isso é uma angústia muito grande (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 01) 144.

Pobreza e concentração de renda retratam, hoje, o pano de fundo consequente da

aplicação de políticas neoliberais, ou seja, dos processos globais de abertura econômica,

programas macroeconômicos de ajuste estrutural, políticas de desregulamentação financeira,

enxugamento do aparelho estatal e desnacionalização da economia mundial. Desse modelo de

crescimento econômico emerge uma nova categoria de pobres, representada pela incorporação

de trabalhadores ocupados em atividades de subsistência não capitalistas. Uma parcela

significativa da população desocupada, que se caracteriza pela baixa escolaridade e pela falta

de qualificação, cuja inclusão na produção capitalista e no consumo é possibilitada a partir de

ganhos monetários relativamente regulares; formas de inclusão num contexto de

flexibilização da produção e das relações de trabalho, assalariamento precário e instabilidade

nas relações de parceria. Novos empobrecidos vinculados a atividades informais, em que o

discurso da autonomia significa ausência de direitos. (LIMA, 2002, p.109).

No Brasil e em vários países da América Latina, as políticas sociais e trabalhistas têm

sido reformuladas, tendo em vista a desregulamentação dos direitos trabalhistas, redução dos

gastos sociais e adequação às políticas de ajuste fiscal, em cumprimento da agenda das

políticas neoliberais em implementação. Novos lugares são apropriados e surgem novos

desocupados sem direitos, sem salários e sem perspectivas. As mudanças na estrutura de

emprego e na capacidade de geração de trabalho contribuíram para um grande crescimento da

desocupação de longa permanência e expansão dos trabalhadores precarizados, atingindo,

sobretudo, os jovens, as mulheres e trabalhadores com mais de 40 anos. Uma legião de

desempregados, socialmente excluídos e destituídos de qualquer possibilidade cívica e

política na sociedade. (LIMA, 2002, p.137-138). 143 Entrevista concedida em 15/07/2008. 144 Entrevista concedida em 06/05/2008.

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Conforme Ginez Leopoldo Campos,

o desemprego, a desigualdade de salários e renda e o aumento do trabalho precarizado tem se mostrado crescente, tanto entre as nações ricas, como nas pobres, bem como no interior de cada país, principalmente naquelas regiões de menor desenvolvimento social e econômico, e acabaram por estimular a guerra fiscal entre os Estados, ao mesmo tempo em que se utilizaram da estratégia do oferecimento de mão de obra barata a custos cada vez mais decrescentes. (CAMPOS, 2004, p.275).

Alguns autores têm apontado alguns dilemas presentes nas iniciativas de economia

popular solidária.

Segundo Lima (2002), o crescimento do desemprego estrutural nos anos 1990

fortaleceu no Brasil o debate sobre as cooperativas, como alternativa ao desemprego,

organização do trabalho e geração de renda. O autor chama a atenção para essas iniciativas e

práticas de terceirização da produção industrial e de serviços, que trazem o para o risco de

acrescentar “um novo verniz à subcontratação e o crescimento das formas flexíveis de

trabalho, que se manifestam no trabalho temporário, parcial e informal”. Nesse sentido,

permanece a dúvida sobre até que ponto essas iniciativas conseguem manter-se autônomas

frente às empresas que as subcontratam e em que medida a competitividade é mantida sem

que isso signifique a exploração do trabalho pelos próprios trabalhadores.

Ginez Leopoldo Campos chama a atenção para uma reflexão crítica sobre o papel das

cooperativas, sejam elas cooperativas de trabalho ou de serviços. E, nessa análise, perceber

até que ponto essas cooperativas são utilizadas como mecanismo de redução de custos da

mão-de-obra, dos encargos sociais e indenizações trabalhistas. Ou seja, uma forma de

inclusão dos trabalhadores em formas precárias de trabalho, o que remete à necessidade de

repensar as formas perversas de inclusão, típicas do capitalismo globalizado. Uma inclusão

social marginal, injusta e anômala, que pode legitimar a exploração do trabalhador sob o

discurso e a ilusão de inserção social. (MARTINS APUD CAMPOS, 2004, p. 278).

O processo de terceirização é legitimado, transformando-se em instrumento funcional

da lógica da exploração e da precarização das condições de trabalho, pois, em muitos casos,

ela permite ou reafirma mudanças nas condições do trabalho e do emprego, a contratação ou

re-contratação dos trabalhadores em condições bem distintas daquelas anteriormente

vivenciadas no emprego formal. A precarização impõe a flexibilidade no trabalho, afetando

particularmente os salários, os direitos sociais e trabalhistas. E, assim, a sub-remuneração é

justificada, as demissões facilitadas e a qualificação não reconhecida. Atinge a organização

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sindical em sua maior fraqueza estrutural e política e demarca o campo do poder das

prerrogativas do capital.

A baixa remuneração dos cooperados terceirizados revela um quadro preocupante,

pois, conforme argumenta Campos (2004), o cooperativismo de trabalho, longe de se

constituir como uma alternativa social de geração de emprego e renda tem sido reapropriado

como mecanismo exclusivo de redução de custos com mão-de-obra, contribuindo para o

aumento de trabalhadores destituídos de direitos e proteção social. Uma alternativa de “estar

juntos” que pode camuflar em seu bojo uma forma perversa de exclusão de homens e

mulheres, que, por falta de alternativa na garantia do próprio sustento, se submetem à

precariedade. Ambiguidade e contradição que reforçam formas de inclusão precária, instável e

marginal.

A autora chama atenção também para o papel estratégico exercido por esses grupos no

que se refere ao controle político e ideológico na gestão da política partidária local:

“trabalhadores terceirizados que em muitas situações estabelecem ou reforçam relações

clientelistas, tendo como moeda de troca, de um lado o voto, e do outro, o emprego”.

(CAMPOS, 2004, p.279. Nesse sentido, cooperativas de trabalho e seus processos de

terceirização de mão-de-obra, em muitas situações tornam-se mecanismos da precarização do

trabalho, sob o discurso ideológico da cooperação e ajuda mútua.

Paradoxalmente essas alternativas assumem formato redimensionador da exploração

do trabalho e, sob a argumentação de requalificação, contam com recursos públicos.

Ambiguidade que, segundo Rosangela Nair de Carvalho Barbosa, marca um debate acirrado,

visto que para alguns autores apresenta-se como a antecipação do socialismo; para outros, um

processo em construção, marcado pela transitoriedade. Na visão da autora, “trata-se de uma

opção no contexto de novas diretrizes do capital”, de modo que a informalidade ou o trabalho

não assalariado tendem a se tornar mais essenciais ao sistema capitalista. Formas de

assalariamento disfarçado e trabalhadores apresentados como autônomos, mas subordinados,

desonerando os custos do trabalho para o capital. (BARBOSA, 2007, p.118). O novo da

precarização do trabalho se realiza não apenas na perda de direitos sociais, mas, sobretudo na

predominância do “darwismo social” como ideologia do “salve-se quem puder” e “os

melhores sobreviverão no mercado”, sendo essa a maneira de responsabilizar o trabalhador

por sua empregabilidade e, por isso, “deve correr atrás”. Os demais são descartáveis. (LIMA,

2002, p.22).

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Merece destaque a análise feita por Barbosa (2007). Segundo a autora, a

regressividade da ação estatal universalizante em favor do mercado possibilita não somente a

perda dos direitos sociais conquistados, mas também a descaracterização de seu sentido

político e a ressignificação dos elementos fundamentais da tradicional luta dos trabalhadores.

As políticas universalizantes são transformadas em programas focalizados, a previdência

social transfigurada em seguro social. Uma “re-elaboração da cultura, de modo a tornar as

necessidades produtivas, nesse novo contexto, como necessidade de toda a sociedade”. O

trabalho protegido perde sentido e a sociabilidade laborativa não mais se baseia no

assalariamento. Nesse sentido, o Estado perde a função de responsável social pela promoção

do emprego e transfere essa função reguladora para o mercado. À sociedade civil compete

apenas salvaguardar e executar as políticas públicas de modo que o trabalho se torna

fragmentado e a informalidade reconceituada e reconhecida. A economia popular solidária

então vem a ser “a possibilidade de redenção do espúrio trabalho informal que sempre marcou

a história trabalhista do país” e que nos últimos anos cresce de modo estrutural. (BARBOSA,

2007, p.194-195).

Portanto, o trabalho informal associado passa a ser assumido como ação propositiva e

alternativa social, regulada e legalizada. Uma modalidade de trabalho que tende a omitir o

desafio do enfrentamento do desemprego e do desenvolvimento econômico. Uma modalidade

de trabalho que não universaliza o enfrentamento do desemprego e desenvolvimento

econômico e, em nome da solidariedade entre os trabalhadores, fortalece o modelo capitalista

de produção e os grandes grupos econômicos, concentrando ainda mais a riqueza e

centralizando cada vez mais o poder econômico. E, assim, as práticas de economia solidária,

apesar dos esforços e estratégias do poder público, reafirmam a sujeição social dos envolvidos

nos diferentes processos, não ocorrendo o devido enfrentamento político por parte dos

governos em relação ao desemprego e à precarização das relações de trabalho. Uma relação

perversa e promíscua em que a solidariedade social, resultante da luta dos trabalhadores é

fragilizada, a ideia de que não há saída para a precarização do trabalho é disseminada,

ocorrendo uma ressignificação e redefinição dos conceitos e sentidos das lutas sociais no

Brasil. (BARBOSA, 2007, p.196).

A autora destaca o antagonismo do aparente discurso em torno do protagonismo da

sociedade civil, um discurso que traz consigo uma perversidade pelo efeito social que

provoca, pois tem uma linguagem comum, mas sentidos e significados diferenciados e

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antagônicos, que colaboram para uma “maior fragmentação e desassalariamento do trabalho,

constituindo a cultura do autoemprego como benéfica ao enfrentamento da desigualdade

social”. A prática afirmativa da economia solidária, segundo Rosangela Nair de Carvalho

Barbosa, expõe uma relação perversa, pois nega o assalariamento e colabora de modo

enviesado com a dissimulação das relações sociais, por meio da subcontratação e subsistência

com a pequena unidade produtiva, tornando difuso o enfrentamento social dos problemas do

trabalho e da concentração da renda. A naturalização da precarização do trabalho, como algo

definitivo, ampara a construção dessa nova sociabilidade ocupacional. (BARBOSA, 2007,

p.225-229).

Vale destacar que as experiências de economia popular solidária têm crescido,

estimuladas pelo discurso do empreendedorismo, autonomia e independência. No entanto,

dada a heterogeneidade e complexidade dessas iniciativas, foi evidenciado na pesquisa que

muitas das ações empreendidas, paradoxalmente, só foram possíveis em decorrência do apoio

de entidades de fomento e gestores públicos no cotidiano dos empreendimentos, bem como da

ação indutora de governos, universidades, igrejas e movimento sindical.

Segundo os depoimentos, um dos grandes dilemas a serem enfrentados nos

empreendimentos solidários está relacionado à comercialização. Os mecanismos de inserção

na cadeia produtiva e a comercialização dos produtos se dão por meio de feiras e eventos

promovidos por universidades, órgãos públicos e outros apoiadores da economia solidária.

As feiras – estadual, regional e local – são espaços muito valorizados pelos

empreendimentos solidários. Por meio delas é possibilitada também a divulgação das

experiências e para isso contam com o auxílio financeiro da SENAES, da SEDESE e da

articulação dos fóruns no seu processo organizativo. Para viabilizar o recurso financeiro, uma

entidade de apoio e fomento integrante do Fórum assume a responsabilidade administrativa e

jurídica do evento. O IMS tem se destacado na gestão das feiras e a Fundação Banco do Brasil

tem se encarregado do repasse financeiro. E os centros públicos de economia solidária, mais

do que favorecer a rede de comercialização, visam atender a complexidade e diversidade de

experiências, bem como possibilitam a interlocução e integração entre os sujeitos envolvidos.

A construção de estratégias de fomento ao escoamento da produção e serviços, por

meio de feiras, espaços de comercialização e mercados populares, como também a

democratização dos processos licitatórios, são algumas das reivindicações e alternativas

apresentadas, de modo que as exigências sejam menos rígidas para esse público e lhes

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possibilite a participação no fornecimento de produtos e serviços a serem adquiridos pelo

Poder Público.

Rosangela Nair de Carvalho Barbosa chama a atenção para a necessidade de

democratização do que ela denomina de “Estado Consumidor”, uma vez que o conjunto de

compras realizadas pelo Poder Público representa, para os pequenos e médios produtores,

uma grande fatia no mercado, possibilidade de estímulo e fomento à economia local e

regional, gerida pelos pequenos empreendimentos solidários. A autora destaca a

complexidade dos processos licitatórios e exigências que inviabilizam a participação dos

pequenos no volume de compras adquiridos pela máquina estatal, privilegiando as empresas

nacionais e multinacionais, reproduzindo assim a concentração da renda e da riqueza e a

exploração da força de trabalho. (BARBOSA, 2007, p. 146). Esta preocupação também ficou

patente em alguns depoimentos dos entrevistados.

Muitas destas iniciativas são informais, não têm CNPJ, nem forma jurídica definida, pois tal formalização requer tempo. Muitas vezes, a legislação obstaculiza o apoio. Por exemplo: são identificados alguns itens de compras da PBH que poderiam ser atendidos por grupos da Economia Popular Solidária. Porém as cooperativas não podem participar de licitações públicas, os grupos informais, muito menos, pois nem dispõem de nota fiscal. Há uma capacidade de produção, um mercado que é bastante importante para a Economia Solidária e o Estado poderia privilegiar esse mercado e fazer opção por ele, mas a legislação emperra. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 01) 145.

Você até consegue ir vencendo as barreiras, sensibilizar as pessoas para a economia popular solidária e organizar os empreendimentos econômicos solidários; consegue gerir o empreendimento de forma horizontal, com a participação de todos, mas, quando chega ao mercado para comercializar, a concorrência é uma grande barreira. Falta amparo legal para comercializar, uma seguridade social garantida, grande parte destes grupos não tem como fornecer nota fiscal, não tem como legalizar seu empreendimento, nem como contribuir com a Previdência Social, ou garantir sua aposentadoria, e isso compromete a continuidade desses grupos, porque essas barreiras contribuem para que estes grupos sucumbam. Chegam com entusiasmo e de novo afundam. (ENTIDADE DE APOIO E FOMENTO - ENTREVISTA Nº 04) 146.

O grupo de confecção é uma rede mais estruturada e é a que mais atrai pessoas. O uniforme escolar da rede municipal é um nicho de oportunidade para este grupo de confecção. Hoje, na rede municipal, a alimentação das crianças é terceirizada com um custo muito alto. Quem sabe, no futuro pegar esta rede de alimentação e criar uma grande cooperativa para a rede escolar do município, de modo que não tenha

145 Entrevista concedida em 15/07/2008. 146 Entrevista concedida em 02/07/2008.

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mais que terceirizar e São Paulo ganhar a licitação. (GESTORES PÚBLICOS - ENTREVISTA Nº 02) 147.

Não obstante os dilemas do cotidiano apontados na pesquisa, é preciso valorizar

essas experiências e iniciativas, pois são alternativas de produção não apenas econômicas,

mas holísticas. Seu potencial emancipatório, sua perspectiva de êxito e organização

comunitária vão além dos processos econômicos, associados às atividades produtivas e

dinâmicas integradas a processos culturais, sociais, políticos e afetivos. As diferentes e

divergentes abordagens que surgiram, tanto no debate acadêmico como nas entrevistas,

revelam a busca da identidade da economia solidária na sua diversidade, bem como a

indispensável análise histórica para compreender os diferentes papéis dos atores sociais

envolvidos nessas iniciativas. Um debate que vai prosseguir.

147 Entrevista concedida em 17/12/2008.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar, a partir de duas experiências de economia popular solidária na RMBH, como

as mulheres em situação de pobreza e vulnerabilidade social vivenciam processos de inserção

social, bem como o papel e percepção dos agentes mediadores sobre as experiências de

economia popular solidária na RMBH foi o principal objetivo dessa pesquisa. O percurso

realizado neste estudo priorizou a relação precarização das relações de trabalho, feminização

da pobreza, relações sociais de gênero e vulnerabilidade social, perseguindo assim o problema

colocado, ou seja, até que ponto a economia popular solidária é uma alternativa ao

desemprego e que tipo de inserção social possibilita para as mulheres, público por excelência

dos empreendimentos solidários.

Nos últimos anos tem sido desenvolvido um debate polêmico e acirrado no mundo

acadêmico sobre sua natureza e definição. São inegáveis os inúmeros esforços para uma

melhor compreensão da Economia Popular Solidária. Nesse sentido, frente às injunções do

mercado e a situação de vulnerabilidade a que os grupos são submetidos, torna-se cada vez

mais desafiador fazer a distinção entre a economia popular solidária, sua originalidade e

autonomia e a inserção social e econômica de caráter assistencialista.

Alimentada por um conjunto de práticas e valores que interagem tanto no plano

econômico como nas relações sociais estabelecidas, a economia popular solidária somente é

compreensível a partir de uma análise da ordem econômica vigente e o modelo de

desenvolvimento, em seu sentido mais amplo. Essas iniciativas solidárias são passíveis de

melhor compreensão, se vistas no contexto em que elas se desenvolvem, ou seja, as

motivações, aspectos sociais, políticos e culturais, bem como um olhar mais atento ao

problema principal a ser enfrentado: o crescente isolamento social dos pobres urbanos, que se

converte em obstáculo na conquista de ativos necessários à sua emancipação e contribui para

que a pobreza urbana se constitua em um caso paradigmático de vulnerabilidade social.

Outro elemento importante diz respeito à concepção teórica em relação ao mercado.

Segundo depoimentos, o mercado é concebido enquanto lugar para a troca de bens e serviços

produzidos pelo trabalho e cujo objetivo principal é a reprodução da vida. No entanto, o

estudo feito evidenciou que as iniciativas solidárias muitas vezes se transformam em um

colchão amortecedor da exclusão, pois, por sua precariedade estrutural, não conseguem

romper a lógica do capital nem atacar os problemas sociais estruturantes da vulnerabilidade

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social e econômica em que se encontram. Garantem apenas a reprodução imediata das

condições de sobrevivência e a construção de redes de articulação no espaço público.

A crise estrutural do desemprego desafia governos, universidades, organizações não

governamentais e gestores públicos a contribuir na leitura sobre a realidade e a buscar

tecnologias que ajudem descobrir as demandas e carências locais, o potencial produtivo e

como potencializar a economia solidária nas metrópoles.

As experiências analisadas apontaram para a necessidade de investir no trabalho em

redes de produção, beneficiamento, comercialização e consumo solidário e para a importância

de abrir outros campos, a partir de novas possibilidades que estão escondidas no meio urbano,

de modo que não somente apareçam a pobreza e a violência, mas saídas que apontem

efetivamente para a conquista de direitos civis, políticos, sociais e econômicos e resgatem

efetivamente a dívida social que há cinco séculos vem sendo sedimentada. Para isso, segundo

os entrevistados, além do trabalho em redes torna-se imprescindível a implementação de

políticas públicas emancipatórias, agregar valores para o produto certo e na demanda certa e,

assim, reinventar a reprodução da vida e vida de qualidade para este grupo tão vulnerável.

Outro fator positivo são as redes de gestores de políticas públicas, que, no caso da

RMBH, integram os municípios de Belo Horizonte, Contagem, Ribeirão das Neves e Nova

Lima e possibilitam a ampliação do campo de atuação do Fórum Metropolitano. A

organização em redes ultrapassa os limites de gestão municipal, levando benefícios para

outros municípios. Os agentes mediadores têm buscado cumprir esse papel, mas

compreendem que cabe também à sociedade civil discutir estratégias de superação do

desemprego, sem enfraquecer o debate ou simplificar o problema; e, neste debate, fugir,

ainda, do risco de “re-filantropizar” a pobreza e/ou eximir o Estado de sua responsabilidade.

A economia popular solidária, segundo os depoimentos, denuncia uma nova questão

social decorrente do modelo capitalista de produção, manifestada não mais na exploração do

trabalho e do trabalhador, mas na exclusão do trabalhador nas oportunidades do mercado de

trabalho. Para os entrevistados, a inserção no trabalho significa também a busca de uma

inserção no consumo.

Embora os depoimentos da pesquisa tenham apontado questões problemáticas no

contexto do desenvolvimento da economia popular solidária, o estudo feito demonstrou

diversos pontos afirmativos nessas experiências. A inserção nas iniciativas de economia

popular solidária contribui para a formação de uma nova sociabilidade entre seus membros,

assim como um esforço efetivo para a viabilidade dessas experiências. Além da solidariedade

estabelecida, facilita a formação de redes de comercialização, de consumo e crédito solidário.

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Os entrevistados entendem que viabilidade e eficiência não dizem respeito apenas à auto-

sustentação e independência financeira. Na avaliação feita por eles, não obstante os dilemas e

desafios a serem cotidianamente enfrentados e superados, os ganhos não-econômicos

reafirmam mudanças significativas, sendo possível, inclusive, visualizar o antes e o depois de

sua inserção nas iniciativas de economia popular solidária.

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APÊNDICE A - Roteiro semiestruturado das entrevistas com entidades de apoio e

fomento e gestores públicos parceiros

1. Apresentação do entrevistado

2. Fale sobre a entidade na qual você trabalha.

3. Quando e por que passou a apoiar a economia popular solidária e que tipo de

ação é desenvolvido em Belo Horizonte e na RMBH?

4. Quantos grupos e que tipos de produção sua entidade está apoiando

atualmente?

5. O que sua entidade entende por economia popular solidária?

6. Participar de empreendimentos como esses mudam a vida dos cooperados? Dê

exemplos.

7. Principais dificuldades (desafios) encontradas no trabalho com os grupos de

economia popular solidária.

8. Principais potencialidades.

9. Para sua entidade, a economia popular solidária é uma alternativa para a

inserção social dos participantes nos grupos de economia popular solidária? Por quê?

10. Percebe-se que a maioria dos empreendimentos econômicos solidários são

fortemente marcados pela presença de mulheres. O que você tem a dizer sobre isso?

11. Sua entidade percebe a existência de limites da economia popular solidária na

RMBH? Quais?

12. E possibilidades?

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APÊNDICE B - Roteiro semiestruturado das entrevistas - Fóruns -

FBES/FMES/FEPS/RMBH

1. Apresentação do entrevistado.

2. Fale sobre o FBES/FMES/FEPS/RMBH.

3. Fale um pouco sobre os grupos de empreendimentos econômicos solidários que

você conhece?

4. O que o (FBES/FMES/FMES) entende por economia popular solidária?

5. Para o FBES, participar de empreendimentos como esses mudam a vida dos

cooperados? Dê exemplos.

6. Principais dificuldades (limites) encontradas no trabalho com os grupos de

economia popular solidária na RMBH.

7. Principais potencialidades.

8. A EPS é uma alternativa para a inserção social dos participantes nos

empreendimentos econômicos solidários? Por quê?

9. Percebe-se que a maioria dos empreendimentos econômicos solidários é

fortemente marcada pela presença de mulheres. O que você tem a dizer sobre isso?

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APÊNDICE C - Roteiro semiestruturado das entrevistas para os

empreendimentos econômicos solidários

1. Identificação:

1.1. Nome do empreendimento:

1.2. Idade da entrevistada:

1.3. Raça: ( ) Branca ( ) Preta ( ) Parda ( ) Amarela ( ) Indígena

1.4. Nº de filhos:

1.5. Naturalidade:

1.6. Grau de instrução:

1.7. Renda mensal:

1.8. Função/cargo:

1.9. Já teve emprego com carteira assinada? Sim Não Quanto tempo?

1.10. O que você fazia antes de entrar para esse grupo?

2. Há quanto tempo participa desse grupo?

( ) Menos de 6 meses ( ) Entre 6 meses e 1 ano ( ) Mais de 1 ano a 2 anos

( ) Mais de 2. anos a 5 anos ( ) Mais de 5 anos

a. Fale um pouco sobre a história desse grupo.

3. Como entrou para esse grupo (aberta e explorar)

4. Como e por quais motivações você entrou para este grupo?

5. O que você faz nesse grupo e onde o produto é comercializado?

6. Existem diferenças entre essa ocupação e as outras que você desempenhava

antes?

7. Fale sobre sua participação nesse grupo.

8. Ocorreram mudanças em sua vida, a partir da participação nesse grupo? Quais?

9. O que ajuda e o que atrapalha para um melhor desempenho desse

empreendimento?

10. O que motiva sua permanência nesse grupo?

11. Onde você vê maior dificuldade: ( ) na produção ( ) na comercialização ( )

na organização interna ( ) outros? ____. Fale mais sobre isso.

12. Se você tivesse oportunidade de trabalhar com carteira assinada, o que você

faria? Mesmo assim continuaria aqui? ( ) Sim ( ) Não Por quê?

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13. Como é feita a coordenação e a organização deste grupo e suas demandas?

Tem diretoria? Como são tomadas as decisões?

14. Você já ouvir falar em economia popular solidária? Para você que é economia

popular solidária?

15. Por que existem tantas mulheres na economia popular solidária?

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APÊNDICE D - Perfil dos entrevistados - Entidades de Apoio e Fomento

Entrevistado nº 01

A entrevistada trabalha na ASPA - Ação Social e Política da Arquidiocese de Belo

Horizonte, no Núcleo Geração de trabalho e Renda. É assessora de projetos. Tem formação

em Administração de Empresas e há seis anos está inserida no movimento da economia

solidária. Já trabalhou em várias iniciativas de economia popular solidária e atualmente

assessora iniciativas de empreendimentos econômicos solidários, fomentando cursos na linha

da formação e capacitação de lideranças, formação de novos empreendimentos econômicos

solidários e acompanhamento a grupos de economia solidária na Região Metropolitana de

Belo Horizonte. Participa do Fórum Metropolitano de Economia Solidária e representa a

ASPA na coordenação desse Fórum.

Entrevistado nº 02

A entrevista nº 02 teve a participação de dois assessores, considerando sua inserção

em instâncias de assessoria aos empreendimentos econômicos solidários em níveis local,

regional e nacional. Os entrevistados são integrantes da equipe de assessoria técnica, ambos

com escolaridade em nível superior, graduados em Engenharia Agrônoma.

A Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais desenvolve um trabalho mais focado no

interior, nos grupos de produção da agricultura familiar, envolvendo associações de pequenos

produtores, cooperativas e grupos informais, numa perspectiva agroecológica. Na Região

Metropolitana de Belo Horizonte, desenvolve trabalho no Acampamento Pastorinhas, pequena

comunidade na zona rural de Brumadinho, cuja história de luta pela terra como instrumento

de trabalho começou em 2002. Atualmente, esse grupo é constituído por vinte e duas famílias

que trabalham de forma coletiva e produzem hortaliças e frutas com adubação orgânica, agro-

ecológica.

A Cáritas Brasileira Regional Leste II integra a coordenação do Fórum Mineiro de

Economia Solidária e desenvolve algumas ações do Fórum de Economia Popular Solidária da

Região Metropolitana da Belo Horizonte (FEPS/RMBH) (cursos, seminários, reuniões e ações

de articulação).

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Entrevistado nº 03

O entrevistado é analista de projetos sociais no Instituto Marista de Solidariedade.

Graduado em Psicologia, fez mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal

de Santa Catarina e especialização em Gestão de Instituições Religiosas e Filantrópicas pela

Faculdade Marista do Ceará.

Entrevistado nº 04

A entrevistada é natural do Norte de Minas e está em Belo Horizonte desde 2001,

assumindo a coordenação do Projeto Centro da Mulher, do Movimento do Graal do Brasil,

movimento ao qual é associada desde 1990. No Centro da Mulher, além de coordenar o

Projeto, faz o acompanhamento dos grupos de mulheres, por meio da assessoria nas áreas de

saúde, direitos sexuais e direitos reprodutivos. É graduada em Sociologia pela UNIMONTES.

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APÊNDICE E- Perfil dos entrevistados - Gestores Públicos

Entrevistado nº 01

A entrevista é graduada em Administração de Empresas, mestre em Ciências Sociais

em Gestão de Cidades pela PUC Minas e funcionária efetiva na PBH há 14 anos. Desde 2005

ocupa a função-cargo de Gerente de Economia Popular e Solidária, cujo desafio maior,

segundo a entrevistada, é pensar, implementar e articular iniciativas que ajudem a construção

de um programa mais consistente de apoio e fomento em economia solidária.

Entrevistado nº 02

O gestor público entrevistado nº 02 é graduado em Filosofia pela PUC-Minas, com

especialização em Processo Legislativo, pela Escola do Legislativo da Assembléia Legislativa

de Minas Gerais

É Subsecretário Municipal de Trabalho e Desenvolvimento Social na Prefeitura de

Contagem, onde coordena as ações da Coordenadoria de Segurança Alimentar e

Abastecimento e da Coordenadoria de Trabalho e Renda. Coordena também a política pública

de economia popular solidária no município de Contagem e preside o Conselho de Gestores

de Economia Solidária de Contagem. Tem uma história de militância partidária e nos

movimentos sociais.

Entrevistado nº 03

A entrevistada é graduada em Serviço Social e servidora pública municipal exercendo

a função de analista de políticas públicas, na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Atua

nos movimentos sociais há cerca de 30 anos e vem participando, desde então, de diversas

frentes, tais como: a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Movimento

de Luta Pró-Creches, na comunidade indígena Xacriabá, comunidades remanescentes de

quilombos e trabalhadores rurais no Norte de Minas, bem como ações relacionadas à

agroecologia.

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Entrevistado nº 04

A entrevistada ocupa o cargo de Agente de Desenvolvimento Solidário na

Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais, onde desenvolve ações

de apoio e fomento à economia solidária no Estado. É graduada em Direito e mestranda do

programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC Minas. Participa do Fórum Mineiro

de Economia Solidária e do Fórum de Economia Popular Solidária na Região Metropolitana

de Belo Horizonte (FEPS/RMBH).

Entrevistado nº 05

A entrevistada ocupa o cargo de Diretora de Promoção do Associativismo, da

Superintendência de Política de Trabalho, Emprego e Renda, da Subsecretaria de Trabalho,

Emprego e Renda, vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE).

Desenvolve na Diretoria de Promoção do Associativismo uma ação denominada Política

Estadual de Fomento à Economia Popular Solidária, baseada na Lei 15.028/2004.

Graduada em Comunicação Social, possui especialização em Planejamento e Gestão

Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e mestrado em Ciências Sociais pela

PUC - Minas. Tem experiência em projetos sociais, no trabalho em Incubadora Tecnológica

de Cooperativas Populares (ITCP), na Agência de Desenvolvimento Social da Central Única

dos Trabalhadores (ADS/CUT) e também trabalhou no Movimento do Graal do Brasil,

organização não governamental com caráter feminista que desenvolve ações de geração de

trabalho e renda numa perspectiva de gênero.

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APÊNDICE F - Perfil dos entrevistados – Fóruns de Mobilização, Articulação e

Organização

Entrevistado nº 01

A entrevistada é mineira de Pirapora – Buritizeiro. Feminista e mulher negra, é

membro do Movimento do Graal do Brasil, movimento que lhe dá identidade. Integra a

equipe de coordenação internacional do Movimento do Graal. É graduada em

Biblioteconomia e especializada em Projetos Sociais de Cooperação Internacional, com

ênfase no Terceiro Setor. Em Belo Horizonte foi integrante do Fórum Metropolitano de

Economia Solidária.

Atualmente reside em Brasília (DF) e trabalha no Instituto Marista de Solidariedade,

onde exerce a função de analista de projetos sociais, sobretudo projetos de Economia

Solidária e participa da Coordenação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária,

representando o IMS.

Entrevistado nº 02

O entrevistado é diretor do Sindicato dos Bancários e da Direção da CUT/MG. Está na

Economia Solidária da RMBH desde 1999 e representa a CUT no Movimento da Economia

Popular Solidária. Participa do FMES, do FEPS/RMBH e da Coordenação do FBES.

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APÊNDICE G - Perfil dos entrevistados – Empreendimento Econômico Solidário

Mulheres da Vila

Entrevistado n º 01

Migrante do interior, veio de Mutum, próximo à cidade de Aimorés, nos anos 70, em

busca de melhoria de vida, pois o pai era muito doente e sempre precisava de cuidados

médicos; e também para estudar. Seus pais eram produtores rurais e tinham um pequeno sítio,

no qual, com a modernização da agricultura, foi ficando cada vez mais difícil produzir. Veio

para Belo Horizonte morar no bairro Leblon, próximo da Vila Apolônio. Tem 42 anos, é

casada e mãe de dois filhos. Estudou até o 2º grau, mas não concluiu. Abandonou os estudos

por opção, por valorizar muito o trabalho e a sabedoria popular.

Trabalhou em vários lugares, abandonou o trabalho formal em 1996. Decidiu voltar

para estar mais junto da família e trabalhar como autônoma. Primeiro trabalhava como

cabeleireira, depois assumiu o artesanato. Sempre arriscou, se diz decidida em suas escolhas,

que sempre foram muito bem definidas. Antes do grupo já fazia artesanato, costurava e

bordava. Depois foi agregando outras mulheres da Vila, ligadas a um trabalho comunitário

anteriormente realizado na Vila Apolônio. Todo o trabalho é feito com material reciclado.

Entrevistado n º 02

A entrevistada tem 32 anos, é solteira sem filhos, natural de Teófilo Otoni e mora no

bairro Morro Alto em Vespasiano. Possui ensino médio completo e trabalhou com carteira

assinada por um período de apenas sete anos, após um longo período trabalhando como

empregada doméstica, sem registro em carteira. Aprendeu o artesanato aos oito anos de idade,

com a avó. Na associação de moradores do bairro, aprendeu a fazer pintura em tecidos e

crochê. Participa também de outro grupo em Vespasiano denominado Clarearte, que trabalha

com arte negra (bonecas). Sempre participa das feiras pelo fato de ser solteira, saber ler e

escrever. Sua mãe trabalha com saúde popular no bairro, e isso possibilitou o trabalho

comunitário, eclesial e social.

A entrevistada se identifica como “quebra-galho”. Além da participação nas feiras,

uma vez por semana, vem à Comunidade Maloca para cortar as bolsas, ajudar na confecção

das mandalas e trazer as peças costuradas pelo grupo de Vespasiano para serem bordadas

pelas Mulheres da Vila que ficam na Comunidade Maloca.

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Entrevistado nº 03

A entrevistada tem 33 anos, é solteira, sem filhos e natural de Minas Novas. Aos dez

anos de idade, veio para Teófilo Otoni e, após concluir o ensino médio, veio para Belo

Horizonte continuar os estudos. É graduada em Ciências Sociais, com especialização em

Projetos Sociais. É servidora pública efetivada no município de Belo Horizonte, com uma

carga horária de trabalho na PBH de seis horas. O tempo restante dedica às atividades no

empreendimento.

A experiência sociocomunitária vivenciada desde criança foi fundamental para sua

inserção no trabalho realizado tanto na PBH, como no grupo Mulheres da Vila. O fato de

sempre viver em comunidade, desde sua infância, contribuiu para o envolvimento neste

trabalho com as mulheres e suas questões. Na PBH, trabalha no projeto social SOSF - Serviço

de Orientação Sócio-Familiar, com famílias onde há ocorrência de violência em crianças e

adolescentes.

Entrevista nº 04

O entrevistado com 53 anos é ex-sacerdote, de nacionalidade italiana, casado, com a

entrevistada de n 01. Decidiu ser padre aos 33anos. Uma decisão madura, segundo o

entrevistado, fruto da experiência mística-revolucionária e do compromisso com os pobres.

Esteve no Vale do Jequitinhonha em 1985 e 1989, ainda seminarista, em missão

religiosa. Em 1992 voltou para o Vale do Jequitinhonha como padre e em 2001 deixou o

sacerdócio.

Entrevista nº 05

A entrevistada é natural de Mendes Pimentel, próximo de Governador Valadares.

Trabalhou na roça como ajudante do pai e por ter estudado até a 5ª série, dado à precariedade

do local em que morava, foi professora de 2º a 4ª série. Veio para Belo Horizonte em 1980,

depois de casada, sem conhecer nada nem ninguém. Concluiu o 2ª grau aos 43 anos. Agora

está com 48 anos. Está no grupo desde 2005, a convite da entrevista nº 01, de quem há muito

tempo é amiga.

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Casada há 28 anos, vive mais para a família e agora para a comunidade e o grupo

Mulheres da Vila. Tem um casal de filhos e está prestes a ser avó, Trabalho formal só apenas

por um período de cinco anos e quatro meses, em uma ONG denominada “Criança não é

brinquedo”. No interior, o tempo que trabalhou não tinha registro em carteira de trabalho,

apenas contrato, sem garantia, nem direitos sociais.

Entrevista nº 06

A entrevistada tem 54 anos, é analfabeta, natural de Bertópolis, Vale do Mucuri. De

origem Maxacali, veio para Belo Horizonte aos 14 anos de idade para trabalhar em casa de

família e ajudar financeiramente seus pais. Trabalhou como doméstica até casar-se e depois

de casada, trabalhou em vários lugares com carteira assinada, inclusive como gari da PBH.

Foi convidada a entrar no grupo pela entrevistada nº 01 e está no empreendimento há dois

anos.

Entrevista nº 07

A entrevistada nº 07 tem 54 anos e dois filhos. É a 5ª filha de uma família de 11

irmãos, sendo oito mulheres e três homens. Natural de Acampado do Serra, lugarejo próximo

de Ponte Nova, veio para Belo Horizonte aos 21 anos de idade. É moradora da Vila Apolônia

há 30 anos; sempre trabalhou como doméstica e como babá. Já trabalhou com carteira

assinada em períodos curtos. O marido é alcoólatra, freqüenta o CERSAM, cabendo à

entrevistada a manutenção das despesas da casa.

Entrevista nº 08

A entrevistada nº 08 tem 25 anos e é natural de Montes Claros. Mãe de três filhos,

estudou até a 8ª série, sempre como empregada doméstica, trabalho que não gostava de fazer e

nunca trabalhou com carteira assinada.

Veio para Belo Horizonte para trabalhar. Trabalhou em casa de família, até conhecer o

pai de seus filhos com quem foi morar. Chegou para o grupo a convite de entrevistada nº 07,

sua amiga. Tem renda mensal variável de R$300,00 a um salário mínimo. Atualmente seu

companheiro está desempregado.

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Entrevista nº 09

Natural de Santo Antonio de Jacinto, Vale do Jequitinhonha, a entrevistada nº 09 tem

66 anos de idade e vive em Belo Horizonte há 39 anos. Permaneceu em sua terra até que ficou

viúva, com cinco filhos ainda pequenos Depois do falecimento de sua mãe veio para Pedra

Azul e ali “trabalhava por um prato de arroz, uma vida muito difícil”. Casou-se a segunda vez

e continuou trabalhando na roça colhendo café e rachando lenha prá alimentar os fornos em

uma fábrica de tijolos. Quando veio para Belo Horizonte, sua filha mais velha tinha 18 anos e

o mais novo estava com 10.

A entrevistada é analfabeta. Relata que o pai não a deixava frequentar a escola. Já

trabalhou com carteira assinada por 12 anos e seis meses, trabalho este realizado em uma

granja, próximo de Lagoa Santa, na RMBH, o qual lhe possibilitou a aposentadoria por idade.

Entrevista nº 10

A entrevistada nº 10 mora no Morro Alto em Vespasiano. É aposentada, tem 95 anos,

e está no grupo desde 2006. Natural de Serra Azul, povoado próximo da cidade de Serro, veio

para Belo Horizonte há 25 anos, aos 70 anos de idade, após ficar viúva, trazida por um dos

filhos que já morava em Vespasiano. É analfabeta. Não estudou porque quando criança, aos

sete anos de idade, deixou a escola para cuidar da mãe que ficou doente, pois era a filha mais

velha. Nunca trabalhou com carteira assinada, sempre trabalhou na roça. Entrou para o grupo

por meio de uma das fundadoras do grupo Mulheres da Vila, que se interessou em vender uma

colcha de retalhos por ela confeccionada. A partir daí passou a costurar retalhos em casa,

cujas peças são utilizadas para a confecção de saias, bolsas e colchas.

A entrevistada nº 10, teve 10 filhos dos quais 9 estão vivos. Tem 51 netos, 38 bisnetos

e 4 tataranetos; família que em grande parte vive em pequenos barracos construídos nas

proximidades de sua moradia. Aos 95 anos não usa óculos. Diz ter a vista boa e quando

costura os retalhos ainda consegue enfiar linha na agulha. Costura e cozinha. Têm planos para

o futuro de melhorar sua casa e renovar a mobília. Mora com uma das filhas, cuja saúde está

bastante debilitada. Participa do grupo juntamente com uma nora e duas filhas.

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APÊNDICE H - Perfil dos Entrevistados: Empreendimento Econômico

Solidário Mulheres Criativas

Entrevista nº 01

A entrevistada tem 75 anos e mora no bairro Palmital há oito anos. Veio de Ouro Preto

para assumir os cuidados de três netas que ficaram órfãs dos pais ainda crianças. A

entrevistada desde então, assumiu a guarda das meninas. Fala com orgulho e carinho a

respeito de suas netas.

A entrevistada fala pouco. No olhar expressa alegria e esperança no grupo Mulheres

Criativas e a todo tempo insiste em reafirmar ser este um trabalho voluntário, cujo objetivo

“não é a renda e sim ajudar”.

Entrevista nº 02

A entrevistada nº 02 é natural de Virgolândia, tem 54 anos de idade e é um das

lideranças do grupo Mulheres Criativas. Moradora do bairro Palmital, em Santa Luzia, há

vinte e cinco anos, sempre participou das discussões sobre os problemas do bairro. Foi uma

das fundadoras do grupo, fruto de um trabalho pastoral e comunitário junto aos familiares dos

presos da Delegacia do Palmital. É uma referência forte entre as mulheres do grupo.

Entrevista nº 03

A entrevistada nº 03 mora no Palmital há 15 anos, depois que conseguiu comprar sua

casa e sair do aluguel. Veio para Belo Horizonte aos sete anos de idade. A mãe veio trabalhar

como doméstica em casa de família e ao chegar a Belo Horizonte, sua mãe a doou para uma

família.

Relata este fato com mágoa e resignação. Afirma que somente voltou a ver sua mãe no

dia de seu falecimento; tinha treze anos de idade. Refere-se à antiga patroa de modo

ressentido. Relata ter sofrido muito na convivência com esta senhora, com quem esteve até a

idade de vinte e sete anos, idade com que se casou.

O trabalho com carteira assinada foi por apenas um período de cinco anos, na Newton

de Paiva, onde trabalhou no vestiário. Foi também diarista e cuidadora de crianças em sua

casa, prática muito comum nas vilas e bairros pobres da periferia, em que as mães que

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trabalham fora e que por falta de acesso a creches para seus filhos, pagam uma de suas

vizinhas para prestar-lhes este serviço.

Olhar ressentido e expressão facial marcada pelo sofrimento transmitem no tom de voz

e nas frases curtas, a mágoa deixada pela vida ao longo de sua história. A cada narrativa que

faz, volta à experiência vivenciada na infância com a mulher que a criou e deixa fluir no

relato, um misto de dor e revolta.

Entrevista nº 04

A entrevistada veio de Governador Valadares há trinta anos. Morava na roça e há 10

anos trabalhava, juntamente com o marido, em uma fazenda. O marido decidiu vir para Belo

Horizonte em busca de uma vida melhor, pois estava cansado daquela vida. Chegaram em

Belo Horizonte com 10 filhos e seu marido foi trabalhar como servente de pedreiro. Moraram

em General Carneiro e no bairro Sagrada Família. Depois de um tempo, aproveitou o dinheiro

que recebeu de um acerto e comprou a posse de um barraco na favela Santa Lúcia, onde

nasceu o 11º filho.

Na Barragem Santa Lúcia as condições de moradia eram precárias. Um de seus filhos

sempre apresentava problemas respiratórios e outro, portador de sofrimento mental. Depois de

algum tempo, vendeu a posse na Barragem e veio para o Palmital. Relata que no Palmital as

condições de higiene e moradia são melhores.

Mora no Palmital há 23 anos. Hoje apenas três de seus dez filhos ainda vivem em sua

companhia, os outros sete, constituíram família e moram nas proximidades do bairro. O

marido é cardíaco e já não trabalha mais, pois é cardíaco.

Entrevista nº 05

A entrevistada tem 54 anos. Veio para Belo Horizonte com 14 anos de idade para

trabalhar em casa de família. Estudou até a 4ª série do ensino fundamental.

Seu marido é soldador de profissão e ganha muito pouco. Tem dois filhos, sendo que

apenas o mais velho trabalha e contribui com as despesas da casa. Trabalho formal, com

carteira assinada, foi por pouco tempo, quando solteira. Depois que se casou, vieram os filhos

e decidiu dedicar aos cuidados das crianças.

Decidiu entrar para o grupo Mulheres Criativas porque se sentia muito deprimida,

queria aprender a fazer algo mais, além de cuidar da casa. No empreendimento Mulheres

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Criativas não possui renda. Vê com esperança a melhora do empreendimento e a possibilidade

de que este venha gerar renda para as mulheres que dele participam.

Entrevista nº 06

A entrevistada nº 06 é uma das fundadoras e coordenadoras do grupo Mulheres

Criativas. Tem 46 anos. Mora no bairro há 25 anos. Tem três filhos e dois sobrinhos adotivos,

filhos de uma irmã que faleceu e o pai foi assassinado no bairro.

Veio da cidade de Jequitinhonha, no Vale do Jequitinhonha, em busca de trabalho, aos

15 anos de idade e sempre trabalhou como doméstica, mas nunca teve carteira de trabalho.

Estudou até a 6ª série. Morou em outros bairros de Belo Horizonte (Santa Tereza,

Horto, Caetano Furquim). Antes do grupo Mulheres Criativas era “dona de casa” e cuidava da

família. Tem uma atuação na Igreja Católica e por este trabalho tornou-se uma liderança

comunitária. Desenvolve um trabalho com os detentos na delegacia do Palmital e na

Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC, em Santa Luzia, pois é

agente da pastoral carcerária. Em decorrência deste trabalho, que consiste em visitas tanto aos

presidiários na delegacia do Palmital e APAC, como às famílias dos presidiários, foi

percebendo a necessidade de fazer alguma coisa que possibilitasse a coesão social na

comunidade.

Entrevista nº 07

A entrevistada nº 07 veio de Sabinópolis (MG), quanto tinha 25 anos de idade, para

cuidar dos irmãos que vieram morar em Belo Horizonte. Tem três filhos, é servidora do

Estado aposentada e judicialmente separada. Quando veio para Belo Horizonte já tinha

concluído o magistério. Trabalhou por um tempo como balconista e depois voltou para sala de

aula. Morou no bairro São Geraldo.

Veio para o Palmital em 1991. A entrevistada demonstra insatisfação e pouco

entusiasmo com o trabalho que desenvolve no grupo. Lamenta a rotatividade das pessoas que

passam pelo grupo e diz estar sempre à disposição dos interessados. Nos intervalos, faz os

trabalhos que tem recebido por encomenda.

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Entrevista nº 08

A entrevistada nº 08 é natural de Timóteo (MG), tem 54 anos de idade. Mora no

Palmital há 20 anos. É casada e tem dois filhos já maiores de idade. Relata não ter nenhum

problema familiar e que veio para o grupo devido ao stress decorrente do trabalho que fazia

na escola.

Possui curso de magistério, profissão que exerceu por 13 anos, trabalhando em dois

turnos (manhã e tarde), em escola pública. Deixou o trabalho devido a stress emocional. Está

no grupo desde 2006. Veio como aprendiz e hoje é monitora do grupo e nas horas vagas, faz

trabalhos por encomendas, o que ajuda a passar o tempo e esquecer os problemas. Os

trabalhos que faz sob encomenda são feitos com o material próprio, ficando para si o valor

apurado na vendo do trabalho. Quando é solicitada pela coordenação do grupo para fazer

algum trabalho, esta lhe fornece o material e a peça produzida e seu valor apurado fica para o

grupo.

Entrevista nº 09

A entrevistada nº 09 tem 47 anos é baiana, de Palmas de Monte Alto, no sertão da

Bahia. Mora em Minas Gerais há trinta anos. Veio da Bahia aos 14 anos de idade, para

trabalhar e estudar, pois a cidade em que morava era pouco desenvolvida e por questões

políticas a única escola foi fechada. Seus primos que moravam aqui em MG a convidaram

para morar com eles, na condição de cuidar das tarefas domésticas e à noite estudar. E assim

concluiu os estudos até o magistério. Está no Palmital há 18 anos.

Tem um filho excepcional, com síndrome de dawn, e por isso, deixou o trabalho fora

de casa, para cuidar dele, quando este tinha um ano de idade. As dificuldades eram muitas e

não quis colocá-lo nas mãos de pessoas estranhas. Depois que deixou o trabalho teve um

quadro depressivo. Hoje seu filho tem nove anos de idade.

Começou com o artesanato há pouco tempo, pois sempre trabalhou fora e não tinha a

menor paciência com este tipo de trabalho. Está no grupo há dois anos.

Entrevista nº 10

A entrevistada nº10 tem 44 anos, é natural da cidade de Piranga. Veio para Belo

Horizonte com13 anos de idade, para trabalhar em casa de família. Mãe de sete filhos, nunca

trabalhou com carteira assinada. O marido é pedreiro de profissão. Estudou até a 4ª série do

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ensino fundamental e está no empreendimento Mulheres Criativas desde o seu início, em

2005 e nele tem a função de auxiliar na costura. Relata que antes do grupo era dona de casa e

se dedicava ao cuidado da casa e dos filhos. Veio para o grupo a convite de uma religiosa que

faz trabalho social na Igreja Católica de seu bairro.

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ANEXO A – Fotos Centro Público de Apoio à Economia Solidária

Belo Horizonte

Fonte: Karina Rouwe

Fonte: Centro Público de Economia Solidária de Belo Horizonte

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Fonte: Centro Público de Economia Solidária de Belo Horizonte

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ANEXO B – Fotos Centro Público de Apoio à Economia Solidária

Contagem

Fonte: Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social – Prefeitura de Contagem

Fonte: Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social – Prefeitura de Contagem

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ANEXO C – Fotos Espaço Cidadania

Fonte: Acervo da Autora

Fonte: Acervo da autora.

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Fonte: Acervo da autora.

Fonte: Acervo de Rosa Rodrigues

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ANEXO D – Fotos Mulheres da Vila

Fonte: Adriana Lara

Fonte: Acervo de Luciano di Fanti.

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Fonte: Acervo de Luciano di Fanti.

Fonte: Acervo de Luciano di Fanti.

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Fonte: Adriana Lara

Fonte: Adriana Lara

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ANEXO E – Fotos Mulheres Criativas

Fonte: Acervo da autora.

Fonte: Acervo da autora.

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Fonte: Acervo da autora.

Fonte: Acervo da autora.

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Fonte: Acervo da autora.

Fonte: Fonte: Acervo da autora.

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Fonte: Acervo da autora.

Fonte: Acervo da autora.