exmº sr. dr. juiz de direito da vara empresarial...
TRANSCRIPT
1
EXMº SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA
CAPITAL DO RIO DE JANEIRO
Ref.: Inquérito Civil nº 1513/10
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pelo
Promotor de Justiça que esta subscreve, vem, por meio da presente, promover
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido liminar
em face de MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A. inscrita sob o CNPJ/MF nº
08.343.492/0001-20, com endereço sede na Av. Raja Gabaglia nº 2720, exceto lado direito
do 1º andar e sala 21, bairro Estoril, Belo Horizonte, Minas Gerais, CEP.: 30.494-170,
pelas razões de fato e de direito que passa a expor:
DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O MINISTÉRIO PÚBLICO possui legitimidade para a propositura de ações em
defesa dos direitos transindividuais dos consumidores, ex vi do art. 81, parágrafo único, II e
III c/c art. 82, I da lei nº 8.078/90. Ainda mais em hipóteses como a vertente, em que o
2
número de lesados é extremamente expressivo e se encontra disperso, dificultando a defesa
dos respectivos direitos individuais.
Constata-se, ainda, que os valores em jogo são relevantes, já que o produto vendido
pela empresa ré abrange um número ingente de consumidores, eis que se trata de empresa
construtora de grande porte, revelando, por conseguinte, o interesse social que justifica a
atuação do Ministério Público.
Neste sentido, podem ser citados vários acórdãos do E. Superior Tribunal de Justiça,
entre os quais:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DIREITOS
COLETIVOS, INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E DIFUSOS.
MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. JURISPRUDÊNCIA.
AGRAVO DESPROVIDO.
O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de
proteção ao consumidor, inclusive para tutela de interesses e
direitos coletivos e individuais homogêneos. (AGA 2523686/SP, 4ª
Turma, DJ 05/06/2000, pág. 176)”.
“Processo: EDcl no REsp 373636 / SC ; EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL
2001/0127592-8 - Relator(a): Ministro HUMBERTO GOMES DE
BARROS (1096) - Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA
TURMAData do Julgamento: 19/05/2005, Data da
Publicação/Fonte: DJ 20.06.2005 p. 265 Ementa:EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO. PROCESSO CIVIL. OMISSÃO.
CONTRADIÇÃO.AUSÊNCIA.
- “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da
3
oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal
a quo.”
- O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil
pública em defesa de interesses sociais homogêneos, de relevante
interesse social, em contratos por adesão, como no caso, os
contratos de arrendamento mercantil. (GRIFOS NOSSOS)
- Embargos de declaração rejeitados.”
Fonte: Sítio eletrônico do STJ.
DOS FATOS
Consoante estatuto social da empresa ré, esta tem por objeto o seguinte: i) a
administração de bens próprios; ii) a incorporação, construção e comercialização de
imóveis próprios ou de terceiros; iii) a prestação de serviços de engenharia pertinentes às
atribuições dos responsáveis técnicos e iv) a participação em outras sociedades na
qualidade de sócia ou acionista.
No exercício de sua atividade empresarial, a ré aliena unidades imobiliárias
mediante contrato particular de promessa de compra e venda. Ocorre que quando da venda
da unidade imobiliária, cobra do comprador/consumidor taxa de corretagem cujo ônus deve
ser por ela arcada, já que foi quem contratou terceiro – corretor de imóveis – para fazer a
intermediação do negócio, e, não, o consumidor, mero adquirente da referida unidade.
Ressalte-se que não há previsão expressa nos referidos contratos de que seria do
consumidor o ônus de arcar com a referida taxa de corretagem, não tendo este, assim,
conhecimento prévio da mesma, o que, por sua vez, viola vários dispositivos da lei
consumerista como se verá a diante.
4
Vejamos algumas reclamações que retratam este tipo de abusividade:
Reclamante: Monique
Data: 23/09/2010
Protocolo nº 111473
TRATA-SE DE DENÚNCIA CONTRA A CONSTRUTORA
CONHECIDA COMO MRV CONSTRUÇÕES E BLAS
ENGENHARIA, NA QUAL COLOCA OS CONSUMIDORES EM
DESVANTAGEM EM CONTRATO DE ADESÃO. COBRANDO
NA RESCISÃO MULTA DE 10% SOBRE O VALOR DO
CONTRATO E RETENÇÃO DE 50% NAS PARCELAS PAGAS,
SEM DEVOLUÇÃO DA TAXA RELATIVA A
CORRETAGEM, QUE É OMITIDA SENDO PASSADA
COMO SINAL.
E AINDA, PARA FORMALIZAR A RESCISÃO, DEVE SER
FEITA PELO SITE OU TELEFONE EM MINAS GERAIS,
LOCAL FORA DA CONTRATAÇÃO. E NÃO ENVIA O
ADENDO DA RESCISÃO, COBRANDO AS PARCELAS. NÃO
RESPEITA O CONSUMIDOR E NEM OS PRAZOS. NO RIO
NÃO TEM SETOR PARA RESCISÃO, NINGUÉM RECEBE O
PEDIDO.
O CORRETOR VENDE UM PRODUTO, COM OMISSÕES,
PEDE DOCUMENTOS E O SINAL, E APÓS ENVIAM UM
CONTRATO QUE NÃO É PERMITIDO A ALTERAÇÃO (OU
ACEITA OU NÃO ACEITA), CRIANDO EXPECTATIVA NO
CONSUMIDOR. APÓS A ASSINATURA, A OUTRA VIA VEM
ATRAVÉS DE CORREIO EM 1 MÊS. APÓS, LIGAM
MARCANDO PARA LIBERAR O CRÉDITO NA CEF, PORÉM
5
QUANDO VOCÊ VAI AO ESCRITÓRIO DELES, ELES DIZEM
TODAS AS VERDADES SOBRE OS VALORES,
AUMENTANDO SUBSTANCIALMENTE A CONDIÇÃO
APRESENTADA. E COMO SOLUÇÃO, NO CASO DA PESSOA
NÃO CONSEGUIR HONRAR O COMPROMISSO, PEDEM
PARA O CONSUMIDOR RESCINDIR O CONTRATO QUE
DEVE SER FEITO POR UM A CENTRAL DE
TELEMARKETING. E DEPOIS DISSO, NÃO RESPOSDEM
MAIS NADA E NEM ENVIAM O ADENDO DA RESCISÃO.
Rio de Janeiro – RJ
Quarta-feira, 18 de Maio de 2011 – 13:14
Eu e minha noiva compramos um apartamento da MRV no mês de
novembro, porém devido a imprevistos o contrato foi cancelado.
Pagamos 6 parcelas de 100 reais e uma entrada de 2.600 reais pelo
imóvel. Agora fomos pleitear a devolução dos valores, porém eles
informam que não vão devolver os 2.600 pois se trata de taxa de
corretagem. Eu comprei diretamente com o vendedor deles, ou
seja, quem deve pagar a comissão é a MRV ou eu? lógico que são
eles, pois eles que contratam os vendedores.
Vou entrar no tribunal de pequenas causas pois acho isso um
absurdo, eles querem enriquecer através das pessoas que se matam
de trabalhar pra conseguir sua casa própria?
Quero explicações urgentes sobre isso. O empreendimento é o
Riviera do Campo de Bangu e o ap é o 104 do bl 7
Att,
Éderson Martins e Thaís Silva Lopes
http://www.reclameaqui.com.br/1309567/mrv-engenharia/taxa-de-
6
corretagem/
Rio de Janeiro – RJ
Quarta-feira, 22 de dezembro de 2010 – 15:11
Em 11/2009 quando comprei o imovel no Spazio Riverside, tive
que pagar um valor de $3.690 referente ao sinal do apartamento,
valor esse que de acordo com o vendedor seria deduzido no valor
total do imovel, assinei o contrato de pre venda onde paguei essa
quantia em especie e recebi um recibo onde esta escrito que o valor
pago é TAXA DE CORRETAGEM, na hora questionei mas fui
bombardeada pelo vendedor, pelo seu gerente e pelos funcionários
da Estrutura Consultoria que eu estava errada e desde então venho
correndo atras de informações que comprove que esse valor que eu
paguei é indevido.
Abri um chamado onde eu obtive a seguinte resposta de vocês
(MRV)
Sobre a taxa de corretagem, informamos que de acordo com o
código civil brasileiro Art. 725-, a remuneração é devida ao corretor
uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de
mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de
arrependimento das partes.
Em replica eu coloquei a seguinte resposta:
Apesar de corriqueira, a referida prática é irregular, uma vez que os
honorários de corretagem são de responsabilidade do vendedor, e
não do comprador. Segundo o Código Civil Brasileiro, artigos 722 e
seguintes, no contrato de corretagem, o corretor se obriga a obter
para o vendedor um ou mais negócios, conforme instruções
previamente recebidas, ou seja, em nada vincula o comprador. Em
7
sendo a referida prática irregular é possível, requerer a restituição
do valor na via judicial.
Como eu não obtive resposta, resolvi abrir um outro chamado
registrado com o numero MRV-719955-CW95VB e como resposta
eu recebi:
Prezado(a) Sr(a) cliente
Bom dia!
Sua solicitação referente Taxa Despachante foi concluída.
Para informações quanto a Taxa Despachante é necessário entrar
em contato com a empresa que está prestando assessoria ou o
crédito imobiliário através do telefone (21) 3613-4000 ).
Demais dúvidas, o Relacionamento com clientes da MRV está à
disposição através do telefone 0 XX 31 4005-1313, de segunda a
sexta de 08:00 as 20:00 hs, ou pelo Portal de Relacionamento.
Favor não utilizar este email como canal de comunicação.
E eu pergunto cade a resposta da minha pergunta, pra refrerscar a
memoria de quem ler vou escrever de novo, quero saber qual é o
artigo que vale o que beneficia a empresa ou o que beneficia o
cliente. Dá para alguem me
responderrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
A resposta da pergunta feita na resposta enviada a empresa que esta
prestando assessoria é a BLAS ENGENHARIA parceira de vocês e
de acordo com a responsavel pelo setor de credito imobiliario, eles
cumprem o que vocês MRV ordenam e por isso não sabem se
posicionar sobre a cobrança da taxa de corretagem.
Espero que tenha alguem capacitado a responder a minha duvida.
http://www.reclameaqui.com.br/936844/mrv-engenharia/taxa-de-
corretagem-qual-o-artigo-correto-o-que-beneficia-a/
8
Insta, ainda, salientar que às fls. 91 a própria ré (MRV) afirma ser impossível a
devolução dos valores adimplidos a título de corretagem ao consumidor, confessando a
prática abusiva ora combatida.
No contrato de adesão denominado “Contrato Particular de Promessa de Compra e
Venda”, consta ainda cláusula na qual a ré cobra do consumidor, em caso de resolução
contratual, o valor de 8% (oito por cento) do valor do contrato a fim de cobrir as despesas
iniciais com publicidade, comercialização, etc. e 1% (um por cento) do valor atualizado do
contrato por mês, a título de fruição (cláusula 7). Ou seja, a ré, de todas as formas,
pretende onerar o consumidor, efetuando cobranças abusivas.
DO DIREITO
Da prática abusiva – da cobrança da taxa de corretagem
Inicialmente, ante o disposto nos artigos 1º e 2º do Código de Defesa do
Consumidor, não há dúvida de que é de consumo a relação que surge entre as construtoras
ou incorporadoras e os adquirentes de unidades imobiliárias. Desta forma, inafastável a
sujeição dos citados fornecedores às regras do referido diploma legal (CDC), como se
qualifica a ré.
Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“PROMESSA DE COMPRA E VENDA. Empresa imobiliária.
incidência do Código de Defesa do Consumidor. Rege-se pela Lei
4.591/64, no que tem de específico para a incorporação e
construção de imóveis, e pelo CDC o contrato de promessa de
compra e venda celebrado entre a companhia imobiliária e o
9
promissário comprador. Recurso conhecido e provido.” (STJ – 4ª
Turma, REsp nº 299.445/PR, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ
20.08.2001, p. 477).
Assim sendo, resta evidenciado que o serviço prestado pela ré se configura como
relação de consumo, conforme visto acima.
Porém, antes de adentramos ao mérito da questão propriamente dita, necessário se
faz tecer alguns comentários. Senão vejamos:
A Lei nº 6.530/78 dispõe sobre o exercício da profissão de corretor de imóveis,
disciplinando o funcionamento de seus órgãos de fiscalização e dá outras providências.
Estabelecem os art. 2º e 3º da referida Lei que:
Art. 2º O exercício da profissão de Corretor de Imóveis será
permitido ao possuidor de título de Técnico em Transações
Imobiliárias.
Art. 3º Compete ao Corretor de Imóveis exercer a intermediação na
compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda,
opinar quanto à comercialização imobiliária.
Parágrafo único. As atribuições constantes deste artigo poderão ser
exercidas, também, por pessoa jurídica inscrita nos termos desta lei.
O Código Civil de 1916 não tratava acerca do contrato de corretagem, mas os art.
722 a 729 do Código Civil de 2002 disciplinam o aludido contrato, verbis:
Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a
outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por
10
qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda
um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.
Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com a
diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao cliente,
espontaneamente, todas as informações sobre o andamento dos
negócios; deve, ainda, sob pena de responder por perdas e danos,
prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu
alcance, acerca da segurança ou risco do negócio, das alterações de
valores e do mais que possa influir nos resultados da incumbência.
Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei,
nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do
negócio e os usos locais.
Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que
tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação,
ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento
das partes.
Art. 726. Iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes,
nenhuma remuneração será devida ao corretor; mas se, por escrito,
for ajustada a corretagem com exclusividade, terá o corretor direito
à remuneração integral, ainda que realizado o negócio sem a sua
mediação, salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade.
Art. 727. Se, por não haver prazo determinado, o dono do negócio
dispensar o corretor, e o negócio se realizar posteriormente, como
fruto da sua mediação, a corretagem lhe será devida; igual solução
se adotará se o negócio se realizar após a decorrência do prazo
contratual, mas por efeito dos trabalhos do corretor.
Art. 728. Se o negócio se concluir com a intermediação de mais de
um corretor, a remuneração será paga a todos em partes iguais,
salvo ajuste em contrário.
11
Art. 729. Os preceitos sobre corretagem constantes deste Código
não excluem a aplicação de outras normas da legislação especial.
(grifos nossos).
Segundo Maria Helena Diniz, a corretagem é um contrato de intermediação, cuja
função do corretor é a de aproximar pessoas que pretendem contratar, aconselhando a
conclusão do negócio, informando as condições de sua celebração, procurando conciliar os
seus interesses. Realizará, portanto, uma intermediação, colocando o contratante em contato
com pessoas interessadas em celebrar algum ato negocial, obtendo informações ou
conseguindo o que aquele necessita (...). Todavia, seria de bom alvitre lembrar que desde o
período do direito romano o corretor ou mediador é considerado como o conciliador, que
conduz os interessados a efetivarem um contrato, garantindo ao cliente o resultado do
serviço da intermediação: a obtenção do acordo volitivo para a conclusão do negócio.
(DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais, v. 3, 23 ed. São Paulo: Saraiva, p. 442).
Assim, diante de tais fundamentos, se infere que quem deve pagar a comissão, em
princípio, é a pessoa que contratou o corretor para prestar-lhe assistência. Nesse sentido já
decidiu o Superior Tribunal de Justiça, como se vê arestos que se verão a seguir.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 035060249915 – QUARTA CÂMARA
CÍVEL – 24/03/09
APTE.: FLORINDA MOSKEN
APDO.: DEIR DE PAULA E SILVA
RELATOR: O SR. DESEMBARGADOR NEY BATISTA
COUTINHO
REVISOR: O SR. DESEMBARGADOR MAURÍLIO ALMEIDA
DE ABREU
R E L A T Ó R I O
O SR. DESEMBARGADOR NEY BATISTA COUTINHO
(RELATOR):-
Lido o que exarado às folhas pelo Eminente
Relator.
12
*
V O T O
Preenchidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de
admissibilidade, conheço do recurso.
Compulsando os autos, observo que a apelante adquiriu, mediante
contrato de compra e venda celebrado com terceiro (fls. 12/22), um
apartamento valorado em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sendo tal
negócio intermediado pela apelada, que é corretora de imóveis.
Consta ainda, que a apelante entregou para a apelada a importância
de R$ 3.000,00 (três mil reais), que não foi utilizada no negócio,
sendo que desse valor, a recorrente afirma que a metade lhe foi
devolvida após a compra do imóvel e a outra metade, ou seja, R$
1.500,00 (mil e quinhentos reais), ficou retida pela apelada como
pagamento pelos seus serviços de corretagem. No concernente à
alegação da apelante de que o valor entregue à apelada foi efetuado
somente a título de sinal pela compra do apartamento, entendo que
lhe assiste razão, uma vez não haver no recibo constante de fl. 11
qualquer menção acerca de que no valor pago estaria inserido o
pagamento pelo trabalho de corretagem efetuado. Somado a isso,
observo do conteúdo do aludido recibo a informação de que o
mesmo faz parte do contrato de compra e venda efetuado. Quanto à
afirmação de que a apelada poderia ter feito um contrato para
demonstrar o destino que seria dado ao sinal pago pela apelante,
não há como prosperar, tendo em vista que o já citado recibo
demonstra claramente que a importância paga pela apelante teve
como objetivo o “pagamento de 10% (dez por cento) do valor de R$
30.000,00 (trinta mil reais) pela compra do apto 304 do ed.
Seringueira Boa Vista II.”
Todavia, convém ressaltar que não constam dos autos qualquer
documento que comprove que a importância paga pela apelante a
13
título de sinal tenha sido efetivamente entregue pela apelada à
vendedora do imóvel. No que tange à sustentação de que é a ex-
proprietária (vendedora) do imóvel que deve arcar com a comissão
da apelada, tenho que merece acolhida, posto que, conforme
disciplina o artigo 724 do Código Civil, se não estiver fixada em lei,
nem ajustada entre as partes, a comissão do corretor será arbitrada
segundo a natureza do negócio e os usos locais.
Assim, como não consta dos autos a existência de contrato de
corretagem entre as partes envolvidas no negócio (vendedor,
comprador e corretor), aplicar-se-á o costume local, devendo,
portanto, a remuneração do corretor ser paga pelo vendedor do
imóvel, no percentual de 5% (cinco por cento) do valor deste,
conforme a tabela de honorários do Conselho Regional de
Corretores de Imóveis do Espírito Santo - CRECI/ES, elaborada nos
termos do art. 17, inciso IV, da Lei nº 6.530/78 e art. 16, inciso
VIII, do Decreto nº 81.871/78. No caso em tela, deflui da
documentação carreada para os autos que a apelante foi beneficiada
com um desconto de R$ 2.992,50 (dois mil, novecentos e noventa e
dois reais e cinquenta centavos), junto à Caixa Econômica Federal,
na hora que efetuou o pagamento à vendedora do imóvel. Com isso,
pagou apenas R$ 7,50 (sete reais e cinqüenta centavos) e financiou
R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais), tornando-se desnecessários os
R$ 3.000,00 (três mil reais) que havia adiantado a título de sinal.
Dessa forma, ao devolver somente a metade do citado valor (R$
3.000,00), restou evidente ter a apelada retido indevidamente a
importância de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) que devem ser
restituídos à apelante. Por oportuno, deixo claro que à mesma
assiste o direito de receber pelo serviço que prestou às partes,
todavia, não é a apelante quem tem o dever de efetuar o
14
pagamento, mas a vendedora do imóvel, razão pela qual pode a
primeira valer-se dos meios cabíveis para buscar o que lhe é devido.
Mediante tais fundamentos, DOU PROVIMENTO ao recurso, para
reformar a sentença recorrida e rejeitar os embargos apresentados
pela apelada, constituindo de pleno direito o título executivo
judicial e prosseguindo a demanda na forma prevista no Livro I,
Título VIII, Capítulo X, do CPC. No mais, condeno a apelada ao
pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios,
estes fixados nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, razão pela qual
passo a analisar as normas das alíneas “a, b e c” do § 3º do referido
artigo: Quanto ao grau de zelo do profissional, tenho que o
causídico atuou de forma zelosa, apresentando todas as peças que se
fizeram necessárias a garantir o direito da apelante e dentro dos
prazos que lhe foram concedidos. No tocante ao lugar da prestação
do serviço, observo que a demanda não implicou em locomoção do
advogado à comarca distante de sua sede profissional, pois seu
escritório situa-se na mesma comarca em que tramitou o feito em
primeiro grau. No que pertine a natureza e a importância da causa, o
feito não sugere grandes dificuldades, eis que se trata de matéria
costumeiramente enfrentada por este Eg. Tribunal.
Finalmente, quanto ao tempo exigido para o seu serviço, verifico
que o processo tramita por quase 3 (três) anos, todavia, não pela
complexidade da causa, excesso de diligências ou de atos praticados
pelo juiz ou pelas partes, mas pela própria morosidade do trâmite
processual.
Assim, diante de tais considerações, fixo os honorários
advocatícios, equitativamente, em R$ 400,00 (quatrocentos reais),
com espeque no art. 20, § 4º, do CPC.
É como voto. (grifos nossos)
15
CORRETAGEM DE IMÓVEL. CONTRATO. OBRIGAÇÃO DE
PAGAR A COMISSÃO, SE DO ADQUIRENTE OU DO
VENDEDOR. MATÉRIA DE PROVA.
- Em princípio, quem responde pelo pagamento da comissão é
aquele que contratou o corretor, ou seja, o comitente.
- Em sede de apelo especial não se reexamina matéria de natureza
fático-probatória (Súmula n.º 7-STJ).
Recurso especial não conhecido. (Resp 188324/BA, Recurso
Especial 1998/0067708-9, Relator: Ministro Barros Monteiro,
Orgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA, Data do Julgamento:
07/03/2002 - Data da Publicação/Fonte: DJ 24/06/2002 p. 307,
RSTJ vol. 159 p. 419) grifos nossos.
Cumpre asseverar que disposição contratual no sentido de que cabe ao
consumidor/comprador arcar com os custos da comissão do corretor não pode ser imposta,
como ocorre nos denominados contratos de adesão, devendo ser pactuada livremente entre
as partes. Caso assim não ocorra, tal cláusula deverá ser reputada nula, a teor do art. 51,
inciso IV da lei nº 8.078/90.
No caso em comento, todavia, a obrigação de pagar a comissão fica totalmente a
cargo do comprador/consumidor, como se vê do recibo de fls. 34, abaixo digitalizado:
16
17
Ressalta-se que a ré informa, ainda, que seria impossível a devolução da taxa de
corretagem, sob o argumento de que o art. 722 do Código Civil se aplicaria ao caso em
questão, o que não ocorre. In verbis:
“Todavia, conforme já cediço no ordenamento jurídico pátrio, resta
impossível à Construtora a devolução dos valores adimplidos a
título de corretagem.” (fls. 91 do IC 1513/2010)
Dessa forma, a cobrança de corretagem constitui-se nitidamente em prática abusiva,
imposta ilegalmente ao consumidor, revelando, pois, ato praticado pela ré contra a boa-fé
do adquirente dos imóveis que comercializa.
Prevê o art. 6º, IV do Código de Defesa do Consumidor que é direito do consumidor
a proteção contra práticas coercitivas, bem como prática abusiva, in verbis:
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos
comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e
cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e
serviços;” - grifos nossos
Como se vê, a prática adotada pela ré fere frontalmente o artigo acima mencionado,
já que cabe a ela, e não ao consumidor/comprador, o ônus de arcar com a taxa de
corretagem. Se é ela quem contrata o serviço do corretor de imóveis – um terceiro – para
fazer a intermediação do negócio a ser firmado, ou seja, vender imóvel de sua propriedade,
descabida é a imposição da comissão ao consumidor, vez que este não contratou os serviços
correlatos.
18
Constitui preocupação do legislador, inserta no Código de Consumo, a preservação
da lealdade do fornecedor e do consumidor, essenciais ao desenvolvimento normal dos
vínculos contratuais de consumo. Como corolário, torna-se reprimível a prática comercial
que desatender aos princípios e normas prescritas, sendo, assim, de se conceituar como
prática abusiva a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em
relação ao consumidor.
Ademais, a ré, ao exigir do consumidor o pagamento da referida taxa de corretagem,
está obtendo vantagem manifestamente excessiva, sendo tal prática vedada, como se vê do
art. 39, inciso V, da lei nº 8.078/90. Isto porque, frise-se mais uma vez, cabe à ré, que foi
quem contratou os serviços do corretor de imóveis, e não ao consumidor, arcar com os
custos advindos desta contratação. À medida que transfere ao consumidor tal ônus, acaba
por incorrer em vantagem manifestamente excessiva.
Do direito à informação
Dispõe ainda o art. 6º, III do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade e preço bem como sobre os riscos que
apresentem;”
Cumpre frisar que a autora viola, ainda, o mencionado artigo, pois não é dada, ao
consumidor/comprador, a informação clara e adequada sobre a natureza da taxa que
assume.
19
Cumpre salientar que a ré insere em seu contrato de adesão cláusula contratual com
a seguinte redação:
“A resolução contratual implica em imediata extinção das
obrigações anteriormente assumidas e na devolução dos valores
pagos pelo (a) PROMITENTE COMPRADOR(A), deduzidos 8%
(oito por cento) do valor do contrato para cobrir as despesas iniciais
de publicidade, comercialização, etc; e 1% (um por cento) do valor
atualizado do Contrato por mês, à título de fruição”.
Como se vê do acima descrito, a ré se vale de tal cláusula para cobrar a taxa de
corretagem. Contudo, como vimos no item anterior à referida taxa de corretagem deve ficar
a cargo do vendedor, pois é ele quem contrata o corretor de imóveis para intermediar a
venda de imóvel que é de sua propriedade. Aliás, mesmo que tal taxa estivesse incerta
explicitamente no contrato, seria nula de pleno direito. Isto porque, por se tratar de contrato
de adesão a liberdade contratual não é livremente exercida, já que não cabe ao consumidor
discutir as cláusulas ali inseridas, cabendo a ele aceitar ou não o negócio na forma que lhe
está sendo proposto, sob pena de não o ver concluído.
É obrigação do fornecedor de serviços prestar ao consumidor informações concisas,
claras e corretas, ainda que na fase pré-contratual, em prestígio ao princípio da
transparência. Esse princípio busca, justamente, uma relação mais próxima e adequada
entre fornecedor e consumidor, visando à sinceridade no negócio entre os contratantes. A
transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o
contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e
consumidor, mesmo na fase pré-contratual.
A informação, assim, é fundamental no sistema de consumo. Informação falha ou
defeituosa gera responsabilidade. É dever de o fornecedor fazer chegar ao consumidor, de
20
forma simples e acessível, as informações relevantes relativas ao serviço, o que não
acontece no caso em questão.
Da violação ao Princípio da Boa-fé
É previsto de forma explícita no inciso III do artigo 4º do CDC, in verbis:
“Art. 4º. A Política Nacional de Relações de Consumo tem
por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e
segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transferência
e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios:
(...)
III – harmonização dos interesses dos participantes das
relações de consumo e compatibilização da proteção do
consumidor com a necessidade de desenvolvimento
econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios
nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da
Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;”
Conforme Paulo V. Jacobina em sua obra, “A Publicidade no Direito do
Consumidor, Rio de Janeiro, Forense, 1996. pág. 66” "o certo é que as partes devem,
mutuamente, manter o mínimo de confiança e lealdade, durante todo o processo
obrigacional; o seu comportamento deve ser coerente com a intenção manifestada,
evitando-se o elemento surpresa, tanto na fase de informação, quanto na de execução, e
até mesmo na fase posterior, que se pode chamar de fase de garantia e reposição.
21
É nesse sentido que o princípio da boa-fé foi positivado pelo CDC, no inciso III do
art. 4º, e é nesse sentido que a lei fala em harmonização de interesses e equilíbrio nas
relações entre fornecedores e consumidores”.(grifo nosso)
Ora, por certo, esta lealdade e confiança manifestada no principio acima exposto
não foram respeitadas pela ré, visto que se utiliza de meios abusivos e/ou desleais ao
incorrer na irregularidade acima descrita.
Desta forma, se faz a presente ação civil pública para se tutelarem os direitos
metaindividuais dos consumidores, eis que têm direito à efetiva prevenção e reparação de
danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos que lhes são ou poderão ser
causados, a teor do art. 6º, VI da lei nº 8.078/90.
DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
É flagrante o fumus bonis iuris que emana da tese ora sustentada, não só à luz dos
preceitos constitucionais que conferem ao consumidor o direito a receber especial proteção
do Estado, mas também do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor que disciplina os
direitos básicos do consumidor e o dever de proteção do Estado contra práticas e cláusulas
abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.
Além disso, a matéria de fato é incontroversa, uma vez que a própria ré afirma
cobrar a taxa de corretagem, portanto, prova inequívoca da verossimilhança da alegação.
O periculum in mora decorre da urgência em se reparar as sérias lesões impostas
aos consumidores. A conduta da ré é abusiva, uma vez que onera demasiadamente o
consumidor, fazendo-se necessária a concessão da antecipação de tutela a fim de fazer
cessar a prática abusiva, ora combatida.
22
Assim, requer o Ministério Público, a título de antecipação de tutela, que a ré se
abstenha de cobrar dos consumidores taxa de corretagem ou outra similar, ainda que
inserida no sinal dado a título de início de pagamento pelo imóvel adquirido ou como forma
de cobrir as despesas iniciais de comercialização, sob pena de pagamento de multa diária de
R$ 10.000,00 (dez mil reais).
DO PEDIDO
Ex positis, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO:
1 – a condenação da ré, em definitivo, na forma do pleito de antecipação de tutela acima
formulado, ou seja, que a ré se abstenha de cobrar dos consumidores taxa de corretagem ou
outra similar, ainda que inserida no sinal dado a título de início de pagamento pelo imóvel
adquirido ou como forma de cobrir as despesas iniciais de comercialização, sob pena de
pagamento de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
2 – a condenação da ré à reparação dos danos materiais e morais causados ao consumidor
em decorrência da prática abusiva acima elencada, a teor do art. 6º, VI da lei nº 8.078/90, a
serem apurados no pertinente processo de habilitação;
3 – a condenação da ré à devolução em dobro de toda e qualquer quantia cobrada
indevidamente dos consumidores pela cobrança de taxa de corretagem ou outra similar,
ainda que inserida no sinal dado a título de início de pagamento pelo imóvel adquirido ou
como forma de cobrir as despesas iniciais de comercialização, ex vi do art. 42, p.u da lei nº
8.078/90, a ser apurado no pertinente processo de habilitação;
23
4 – seja declarada nula de pleno direito a cláusula 7ª: “Da Resolução Contratual”, parágrafo
6º, do contrato de adesão denominado “Contrato Particular de Promessa de Compra e
Venda” na parte relativa à multa contratual de 8% destinada a cobrir despesas inicias
de comercialização, conforme o texto in verbis:
“A resolução contratual implica em imediata extinção das
obrigações anteriormente assumidas e na devolução dos valores
pagos pelo (a) PROMITENTE COMPRADOR(A), deduzidos 8%
(oito por cento) do valor do contrato para cobrir as despesas
iniciais de publicidade, comercialização, etc; e 1% (um por cento)
do valor atualizado do Contrato por mês, à título de fruição”.
5 – a citação da ré para oferecer resposta, querendo, sob pena de revelia na forma da lei;
6 – a publicação de editais, na forma do art. 94 da lei nº 8.078/90;
7 – a produção de todo o meio lícito de provas, notadamente, prova testemunhal, pericial,
documental, depoimento pessoal das partes, etc.
8 – a condenação da ré ao pagamento de honorários advocatícios, na razão de 20% sobre o
valor da causa, devidos ao Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, ex vi da lei estadual nº 2.819/97.
Dá-se à presente o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Rio de Janeiro, 02 de junho de 2011.
24