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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL CAMPUS MARIA AUXILIADORA Vagner Ferreira EXÉRCITO BRASILEIRO E AMAZÔNIA: intervenções educativas sociocomunitárias, intersubjetividade e tecnologias sociais no 3º Pelotão Especial de Fronteira - 3º PEF, em Pacaraima-RR. Americana 2016

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA

Vagner Ferreira

EXÉRCITO BRASILEIRO E AMAZÔNIA: intervenções educativas

sociocomunitárias, intersubjetividade e tecnologias sociais no

3º Pelotão Especial de Fronteira - 3º PEF, em Pacaraima-RR.

Americana

2016

Vagner Ferreira

EXÉRCITO BRASILEIRO E AMAZÔNIA: intervenções educativas

sociocomunitárias, intersubjetividade e tecnologias sociais no

3º Pelotão Especial de Fronteira - 3º PEF, em Pacaraima-RR.

Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Renato Kraide Soffner.

Americana

2016

F444e

Ferreira, Vagner Exército Brasileiro e Amazônia: intervenções educativas sociocomunitárias, intersubjetividade e tecnologias sociais no 3º Pelotão Especial de Fronteira (3°PEF), em Pacaraima-RR / Vagner Ferreira. – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2016. 134f. Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Renato Kraide Soffner. Inclui Bibliografia. 1. Educação sociocomunitária. 2. Exército Brasileiro. 3. Amazônia. I. Título. II. Autor. CDD – 370.115

VAGNER FERREIRA

EXÉRCITO BRASILEIRO E AMAZÔNIA: intervenções educativas sociocomunitárias, intersubjetividade e tecnologias sociais no 3º Pelotão Especial de Fronteira – 3º PEF, em Pacaraima – RR.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação – área de concentração: Educação Sociocomunitária. Linha de pesquisa: A intervenção educativa sociocomunitária: linguagem, intersubjetividade e práxis.

Orientador: Prof. Dr. Renato Kraide Soffner

Dissertação defendida e aprovada em 01 de dezembro de 2016, pela comissão julgadora: __________________________________________ Prof. Dr. Renato Kraide Soffner – Orientador Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

__________________________________________

Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa – Membro Interno Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL __________________________________________ Prof. Dr. Carlos Augusto Amaral Moreira – Membro Externo Centro Paula Souza (FATEC - Americana)

Dedico este trabalho:

Ao meu amado pai Aníbal Ferreira (in Memoriam). Mesmo não tendo podido sequer concluir o ensino fundamental, em virtude da sua realidade

de vida, mas que, com uma visão própria de mundo, foi o mais relevante educador informal que conheci; sempre se dedicou à

minha educação e, não raro, me dizia: “Estudando, você está fazendo o seu futuro!”;

À minha amada mãe Ercília, que, educando da sua maneira singular, esteve

sempre atenta a todos os meus passos, quando mais precisei;

Aos meus amados: Léia, Julia e João Felipe; a primeira, aquela que tem sido amiga, incentivadora e é parte indissociável da minha existência; a

estes - bênçãos do Senhor – como sinal do meu amor e do maior legado que lhes deixarei: a incansável busca de educá-los

(eu com vocês);

A todo(a)s homens e mulheres honrado(a)s do Exército Brasileiro, Instituição que tem um significado concreto em minha vida.

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente a Deus, Senhor da minha vida, sem o qual não

sou nada e, por isso, foi quem permitiu que realizasse este trabalho.

Ao meu orientador e amigo, Prof. Dr. Renato Kraide Soffner, exemplo de

educador e quem sempre acreditou no meu projeto de pesquisa. Compartilhou o

conhecimento científico e foi corresponsável direto pelo êxito deste trabalho.

Ao Professor Homero Tadeu Colinas, Diretor de Operações do

UNISAL/Americana-SP, perene incentivador da minha jornada.

Ao Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa, o qual prestou valiosas

contribuições, concretas e cheias de significado, para este trabalho e para minha

incipiente empreitada como professor e educador.

A todo(a)s o(a)s Professore(a)s do Programa de Mestrado em Educação

do UNISAL, pelo exemplo, apoio e incentivo demonstrados. À caríssima Vaníria.

Ao General-de-Exército Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, pelo

seu indelével interesse sobre a Amazônia brasileira, o que fortaleceu a minha

motivação em desvelar, para a Academia, apenas um singular recorte do trabalho

exercido pelo Exército Brasileiro naquela região.

Ao General Franklimberg Ribeiro de Freitas, Gerente do Programa

PROAMAZÔNIA, que atendeu e deliberou, prestimosamente, todas as

solicitações por mim emanadas, em relação ao necessário apoio logístico e

demais ações para a consecução deste trabalho.

Aos seguintes militares: General Algacir Antônio Polsin, Tenente-Coronel

João Roberto Bandeira Menezes e seus comandados: Tenente-Coronel Saint

Just, Major Zanini, Capitão Andrews, 1º Tenente Ramiro e 1º Sargento Massena,

sem os quais, não seria possível realizar esta pesquisa. E a todo(a)s

abnegado(a)s militares do 3º PEF/Pacaraima-RR. Aos “meninos do Profesp”, em

Pacaraima-RR.

Aos queridos Professores e colegas: José Eduardo Rossilho Figueiredo,

Maricê Léo Sartori Balducci, Carlos Henrique Menezes Garcia, Carlos Augusto

Amaral Moreira, Anderson Luiz Barbosa, José Antonio Padoveze, Jarbas Martins,

Wildison Jone Jobim de Souza – que sempre acreditaram em mim e são

educadores exemplares, em quem busco me apoiar, constantemente.

A todo(a)s colegas, alunos do Programa, com quem tive a felicidade de

conviver.

Vocês são o sal para a humanidade; mas, se o sal perde o gosto, deixa de ser sal e não serve para mais nada. É jogado fora e pisado

pelas pessoas que passam.

(JESUS CRISTO)

RESUMO

Este trabalho trata de um projeto socioeducativo, derivado do “Programa

Segundo Tempo/Forças no Esporte”, o qual é implementado por militares do

Exército Brasileiro, na Amazônia, pelos integrantes do 3º Pelotão Especial de

Fronteira (3º PEF). O projeto é chamado de Profesp e está sendo desenvolvido

em benefício de crianças da comunidade de Pacaraima-RR. O problema de

pesquisa foi formulado mediante a propositura da seguinte questão: De que modo

o Exército está praticando essas ações socioeducativas na Amazônia – ou seja -

como isso é realizado? Assim, o principal objetivo desta dissertação consiste em

investigar se essa intervenção específica evidencia algumas das características

fundantes do conceito, ainda em construção, de educação sociocomunitária, bem

como produzir reflexões sobre o apoio que o campo das tecnologias sociais possa

prestar àquele projeto. A metodologia empregada, nesta pesquisa, ocorre em uma

abordagem qualitativa, por meio de um estudo de caso no 3º PEF e, além da

pesquisa bibliográfica, os procedimentos de coleta de dados escolhidos são:

entrevistas, observação e análise de documentos. O referencial teórico

selecionado para o desenvolvimento desta pesquisa está suportado nas ideias de:

João Melchior Bosco (Dom Bosco), Manoel Isaú dos Santos e Paulo de Tarso

Gomes, em relação à educação sociocomunitária; Paulo Freire, sobre educação

popular e autonomia dos sujeitos; Pierre Lévy, Renato Peixoto Dagnino e Maíra

Baumgarten, em relação às tecnologias sociais. Como resultados obtidos,

verificou-se que o trabalho promovido pelo 3º PEF, em favor dos

supramencionados sujeitos, apresenta traços marcantes que são típicos da

educação sociocomunitária, em particular, a interação com a comunidade, as

noções de intersubjetividade, concentração sobre sujeitos em situação de

vulnerabilidade e contribuição para a transformação social destes; e, ainda, que

há oportunidades a serem exploradas, por meio de ações na área de tecnologias

sociais, para incrementar o êxito do processo educacional, no escopo do projeto,

inerente ao caso estudado.

Palavras-chave: Educação sociocomunitária. Exército Brasileiro.

Amazônia. 3º PEF. Profesp. Pacaraima-RR.

ABSTRACT

This work is a socio-educational project, derived from the “Programa Segundo

Tempo/Forças no Esporte,” implemented by the Brazilian Army in the Amazon, by

members of the 3rd Special Border Platoon (3o PEF). The project is called Profesp

and benefitted of children of Pacaraima-RR. The project focused around the

following issues: How does the Army conduct social and educational activities in

the Amazon? Thus, the main objective of this work is to investigate whether this

specific intervention demonstrates some of the basic features of the emerging

concept of socio-communitarian education and contemplate the support that the

field of social technologies can provide to that project. The methodology to be

used in this research is a qualitative approach by means of a case study in the 3o

PEF and in addition to a bibliographical review, the data collection procedures will

be interviews, observation and document analysis. The theoretical framework

chosen for the development of this research is supported on the ideas of: João

Melchior Bosco (Dom Bosco), Manoel Isaú dos Santos and Paulo de Tarso

Gomes in relation to socio-communitarian education; Paulo Freire on popular

education and subject autonomy; Pierre Lévy, Renato Peixoto Dagnino and Maíra

Baumgarten, about social technologies. Results achieved that the work promoted

by 3o PEF in favor of the subjects mentioned above, presents typical traits of

socio-communitarian education, particularly, interaction with the community the

notions of intersubjectivity, focus on subjects in state of vulnerability and

contribution to their social transformation; the results also indicate that there are

opportunities to be explored, through actions in the area of social technologies, to

increase the success of the educational process of the case studied.

Keywords: Socio-communitarian Education. Brazilian Army. Amazon. 3o PEF.

Profesp. Pacaraima-RR.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Conquista do Amazonas............................................... 17

Ilustração 2 - Localidades do CMA onde há OM e PEF do Exército...

33

Ilustração 3 – ACISO: educação sobre higiene pessoal na Amazônia ...........................................................................................

38

Ilustração 4 – A “Tríade da Soberania” do PEF .................................

45

Ilustração 5 – Encontro inicial com militares do 3º PEF .....................

123

Ilustração 6 – Estrutura de TI (Antenas/Internet) ...............................

123

Ilustração 7 – Acolhimento dos meninos do Profesp .........................

124

Ilustração 8 – Café da manhã no refeitório do PEF............................

124

Ilustração 9 – Atividade educativa: valores cívicos ............................

125

Ilustração 10 – Atividade educativa/saúde:hidratação/uso de protetor solar......................................................................................

125

Ilustração 11 – Atividade esportiva: futebol .......................................

126

Ilustração 12 – Aula prática na horta: plantio de mudas ....................

126

Ilustração 13 – Aula de reforço escolar de matemática......................

127

Ilustração 14 – Entrevista: educadoras sociais da comunidade (CREAS) ............................................................................................

127

Ilustração 15 – Entrevista com a Coordenadora Municipal de Educação ........................................................................................... 128

Ilustração 16 – Atividade recreativa: militares e crianças ..................

128

Ilustração 17 – Atividade esportiva (vôlei) ..........................................

129

Ilustração 18 – Galpão (possível área p/ laboratório de informática).. 129

Ilustração 19 – Moradia de menino participante do Profesp .............. 130

Ilustração 20 – Moradia de menino participante do Profesp .............. 130

Ilustração 21 – Primeira folha do livro de registros do 3º PEF............ 131

Ilustração 22 – Distância entre Pacaraima-RR e Boa Vista-RR ....... 133

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACISO – Ação Cívico-Social

AM – Amazonas

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

AVA - Ambiente Virtual de Aprendizagem

BIS – Batalhão de Infantaria de Selva

BV-8 – Marco Brasil-Venezuela número 8

C Fron RR/7º BIS – Comando de Fronteira de Roraima e Sétimo Batalhão de

Infantaria de Selva

Cia Esp Fron – Companhia Especial de Fronteira

CID’s - Centros de Inclusão Digital

CMA – Comando Militar da Amazônia

CMN – Comando Militar do Norte

COTER – Comando de Operações Terrestres

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social

ºC – Graus Celsius

DEPA - Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial

DF – Distrito Federal

DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis

EAD/CMM - Ensino à Distância do Colégio Militar de Manaus

EBNet – Rede Corporativa de Dados do Exército Brasileiro

END – Estratégia Nacional de Defesa

EsSA - Escola de Sargentos das Armas

FNLIJ - Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

GO – Goiás

GESAC -Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

KM – Quilômetro

KM² - Quilômetro quadrado

MD – Ministério da Defesa

ME – Ministério do Esporte

MEC – Ministério da Educação

mm – milímetros

OM – Organização(ões) Militar(es)

ONG’s - Organizações Não Governamentais

PC – Personal Computer (computador pessoal)

PCN – Programa Calha Norte

PEF - Pelotão Especial de Fronteira

PF – Polícia Federal

PND – Política Nacional de Defesa

PNR - Próprios Nacionais Residenciais

PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação

Profesp - Programa Segundo Tempo/Forças no Esporte

PRF – Polícia Rodoviária Federal

PST - Programa Segundo Tempo

RFB – Receita Federal do Brasil

RR – Roraima

SCMB - Sistema Colégio Militar do Brasil

SEDUC/AM – Secretaria Estadual de Educação do Amazonas

SIPAM - Sistema de Proteção da Amazônia

TG – Tiro-de-Guerra

TI – Tecnologia da Informação

TIC’s - Tecnologia da Informação e das Comunicações

UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 13

2 O EXÉRCITO BRASILEIRO E A AMAZÔNIA ........................................

17

2.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS: PRESENÇA MILITAR E OCUPAÇÃO ...............................................................................................

17

2.2 A AMAZÔNIA BRASILEIRA: ASPECTOS FISIOGRÁFICOS E SOCIOECONÔMICOS ...............................................................................

26

2.3 ARTICULAÇÃO ATUAL DO EXÉRCITO NA AMAZÔNIA ..................

29

2.4 O EXÉRCITO, AS ESTRATÉGIAS NACIONAIS VIGENTES E O DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA ......................................................

34

2.5 EXÉRCITO, AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS E AS COMUNIDADES AMAZÔNIDAS ............................................................................................

38

2.6 OS PELOTÕES ESPECIAIS DE FRONTEIRA – A TRÍADE: VIDA (EDUCAÇÃO), COMBATE E TRABALHO..................................................

43

3. EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E TECNOLOGIAS SOCIAIS ...... 48

3.1 SOBRE EDUCAÇÃO: BREVES CONSIDERAÇÕES .......................... 48

3.2 EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA ................................................... 51

3.3 TECNOLOGIAS SOCIAIS .................................................................... 60

4. ESTUDO DE CASO ............................................................................... 71

4.1 PREÂMBULO ....................................................................................... 71

4.2 RELATÓRIO DE ESTUDO DE CASO................................................... 76

4.3 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS E RESULTADOS OBTIDOS.... 103

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 113

REFERÊNCIAS ......................................................................................... 119

APÊNDICE A – Fotografias/Profesp 3ºPEF)............................................ 123

APÊNDICE B – Foto/primeiro registro histórico-fundação/3º PEF ........

131

APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTAS/MILITARES DO 3º PEF... 132

APÊNDICE D – RESUMO/DADOS RELEVANTES DE PACARAIMA ...... 133

ANEXO A – DIRETRIZ PARA O PROGRAMA SEGUNDO TEMPO-FORÇAS NO ESPORTE-2016 (Extrato)....................................................

134

13

1. INTRODUÇÃO

Nesses quase vinte anos do novo milênio, vivemos, inegavelmente, em um

mundo impregnado de avanços tecnológicos, acesso a um volume exponencial de

informação e, sobretudo, em um cotidiano marcado por constantes e velozes

mudanças, impactando sobremaneira nas relações sociais que permeiam a vida

humana, em suas diferentes dimensões. No que diz respeito a discussões presentes

no campo da educação, muitos pesquisadores e estudiosos, dessa relevante

matéria da nossa vida, têm defendido um pensamento de que tal dinâmica social se

dá em diversos locais que, não necessariamente, os restritos ao ambiente escolar.

Assim, novas demandas e novas realidades intrínsecas à sociedade globalizada do

século XXI impõem um fazer educação em múltiplos espaços, além do tradicional e

institucional, o que na verdade, desta mesma forma, sempre ocorreu histórica e

socialmente na humanidade.

Nesse contexto, sendo o mundo a composição de vários mundos

idiossincráticos, portanto pluricultural, formado por comunidades, regionalidades,

sociedades, nações, Estados completamente diversificados, então se fazem

presentes, na mesma medida, diferentes ambientes possíveis e propícios para a

implementação de práticas e projetos educativos. Nesses múltiplos locais, a

iniciativa de algumas pessoas ou de organizações das quais elas fazem parte, ou

têm algum vínculo, externas ao universo escolar formal, possibilita a atuação

educativa em proveito de outros.

No caso aqui tratado, consonante com a grandeza físico-espacial brasileira,

existem variadas realidades sociais, econômicas e educativas, cujas especificidades

espelham um modo peculiar de vida regional e as suas vivências culturais. Em

algumas regiões, como por exemplo, na Amazônia, o Exército Brasileiro, instituição

nacional permanente do Estado, contribui secularmente para desenvolvimento social

daquele importante e estratégico local do nosso país, inclusive, em matéria de

educação. A Amazônia é um vastíssimo ambiente geopolítico inerente ao Estado

Brasileiro e o Exército, por sua vez, tem ampla capilaridade na região. Cabe

delimitar, então, que a presente pesquisa diz respeito à ação específica

desenvolvida por uma Unidade Organizacional de pequeno porte, daquela

14

Instituição, no município de Pacaraima-RR, em benefício de pessoas da comunidade

local.

A ação enunciada indica ser um exemplo de prática associada à ideia de

educação sociocomunitária. Esta, embora não possua um conceito unívoco, mas

ainda em construção, pode significar uma proposta proativa de intervenção que, por

meio de um ou mais projetos, venha fortalecer e contribuir na articulação de sujeitos

de uma comunidade para transformações sociais desejadas. Portanto, entende-se

haver e serão desveladas, neste trabalho, algumas práticas educativas

sociocomunitárias promovidas por pessoas do Exército, em favor de sujeitos de uma

comunidade amazônida, na supramencionada localidade. Na pesquisa, também,

será estudado o conceito de tecnologias sociais e sua aplicabilidade na educação,

sobretudo, em seu viés sociocomunitário. Entretanto, para melhor delimitar o escopo

do trabalho, na fase de investigação exploratória, o problema foi concentrado para

dar resposta à seguinte pergunta: De que modo o Exército está praticando essas

ações socioeducativas na Amazônia – ou seja - como isso é realizado?

Isto posto, o tema deste trabalho é Exército Brasileiro e Amazônia:

intervenções educativas sociocomunitárias, intersubjetividade e tecnologias sociais

no 3º Pelotão Especial de Fronteira – 3º PEF, em Pacaraima-RR.

O objetivo geral desta pesquisa consiste em investigar as ações

socioeducativas praticadas por militares do Exército, no 3º PEF, em um projeto

específico voltado para sujeitos da comunidade de Pacaraima-RR, identificando,

nesse conjunto de intervenções, as características da educação sociocomunitária,

em particular, as noções de intersubjetividade, bem como, produzir reflexões sobre o

suporte das tecnologias sociais para essas ações. Os objetivos específicos são:

realizar um resgate histórico sobre a presença militar na Amazônia; descrever a

articulação do Exército Brasileiro e a sua participação em programas para o

desenvolvimento social da região, inclusive, no campo da educação; analisar

criticamente o conceito de educação sociocomunitária; explorar o significado de

tecnologias sociais e a sua colaboração em práticas socioeducativas e conhecer o

papel desenvolvido pelo Exército Brasileiro, em Pacaraima-RR, sob a perspectiva

sociocomunitária.

15

Como justificativas deste trabalho, pretende-se, primeiramente, problematizar

acerca da possibilidade de a educação, no caso em pauta, estar sendo praticada por

meio de outras experiências, que não necessariamente em seu caráter formal. Outro

aspecto relevante diz respeito à possibilidade de ouvir, interpretar e trazer, para o

ambiente acadêmico, as vozes dos sujeitos afetados pelas ações

supramencionadas, numa perspectiva sociocomunitária e como tal processo poderá

contribuir para futuras transformações sociais almejadas. No prosseguimento e,

ampliando as argumentações anteriores, haverá condições de estudar uma situação

específica em um PEF do Exército, na Amazônia, e, a partir deste, vislumbrar, no

futuro, um possível modelo suportado em tecnologias sociais que possam fortalecer

ações socioeducativas em outros locais semelhantes. Pretende-se, também,

descrever o papel do Exército Brasileiro, instituição permanente do Estado, como

agente colaborador na vida de comunidades carentes que habitam locais longínquos

dos centros de poder, especificamente, no entorno dos PEF instalados e operados

por aquele órgão. Também, tratando-se de educação sociocomunitária praticada por

um ente externo, a pesquisa poderá desvelar, ainda, o grau da natureza dialógica e

a intersubjetividade vivenciada durante o encontro entre aqueles que promovem as

ações e os que são afetados na comunidade local. Justifica-se, ainda, conhecer o

trabalho de um PEF do Exército, cujas missões precípuas naqueles locais são

outras, como por exemplo, a vigilância das fronteiras, mas ainda assim,

subsidiariamente, contribui para a educação das pessoas que ali se encontram

vivendo em comunidade. Esse tema é relevante, por ser pouco conhecido na

Academia, notadamente, nos programas de pós-graduação stricto sensu. Por fim,

este aluno-pesquisador desenvolveu a sua trajetória profissional, precedente a de

professor, no Exército Brasileiro, em boa parte, em alguns órgãos atuantes no

campo da educação. Também, chegou a viver por dois anos e oito meses na

Amazônia Oriental, especificamente, na cidade de Marabá-PA, onde foi possível

atestar as dificuldades sociais, particularmente no campo da educação, e

econômicas dos habitantes daquela região. Tudo isso, vem corroborar, também,

numa motivação pessoal para a busca do compartilhamento junto à comunidade

acadêmica, por meio da presente pesquisa, sobre conhecimentos que estejam

alinhados ao Programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano

de São Paulo (UNISAL) e que sejam de interesse para o viés da educação

sociocomunitária.

16

Os principais referenciais teóricos são: João Melchior Bosco (Dom Bosco),

Manoel Isaú dos Santos e Paulo de Tarso Gomes, em relação à educação

sociocomunitária; Paulo Freire, sobre educação popular e autonomia dos sujeitos;

Pierre Lévy, Renato Peixoto Dagnino e Maíra Baumgarten, em relação às

tecnologias sociais.

A metodologia empregada nesta dissertação transcorreu em uma abordagem

qualitativa, mediante a condução de um estudo de caso no 3º PEF, do Exército

Brasileiro, em Pacaraima-RR. Além da pesquisa bibliográfica, os instrumentos de

coleta de dados empregados foram: observação direta, levantamento de dados e

entrevistas.

O trabalho está organizado da seguinte forma: no capítulo 2, será realizada

uma contextualização sobre a relação histórica entre o Exército e a Amazônia,

resgatando antecedentes desde o século XVII, uma breve descrição do ambiente

fisiográfico regional, a articulação atual da instituição no ambiente, programas e

projetos estratégicos nacionais dos quais o Exército faz parte ou implementa para o

desenvolvimento da região e a caracterização dos PEF. O capítulo 3 será dedicado

à exploração dos conceitos do referencial teórico, sobre educação sociocomunitária

e tecnologias sociais. O capítulo 4 tratará do estudo de caso no 3º PEF, em

Pacaraima-RR e o capítulo 5 será destinado às considerações finais.

17

2. O EXÉRCITO BRASILEIRO E A AMAZÔNIA

“Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistá-la e mantê-la”.

(General Rodrigo Octávio Jordão Ramos)

Ilustração 1 - Conquista do Amazonas, 1907. ANTONIO PARREIRAS (1860-1937): Belém, Museu

Histórico do Estado do Pará. Sobre a expedição de Pedro Teixeira.

Fonte: http://www.dezenovevinte.net/obras/

2.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS: PRESENÇA MILITAR E OCUPAÇÃO

Como abordagem inicial do presente trabalho, em busca de uma necessária

contextualização, pretende-se descrever o processo de ocupação da Amazônia

brasileira, historicamente construído, em termos da presença militar na região, com

vistas à busca do posterior entendimento sobre como o Exército Brasileiro encontra-

se, hoje, exercendo sua atuação nessa complexa área do território nacional.

Estabelecido o marco linear-positivista, adotado como início oficial das

narrativas sobre a chegada dos portugueses no Brasil, a partir do ano de 1500,

mostram-se significativos os episódios de atuação militar, no que diz respeito ao

contexto de ocupação da Amazônia e da faixa norte brasileira. Assim que, no início

do século XVII, contingentes militares combateram na região, a saber. Sobre essa

18

composição de forças na porção setentrional das terras brasileiras, pode-se dizer

que havia, de um lado, efetivos europeus motivados a explorar comercialmente as

colônias do “Novo Mundo”, notadamente: holandeses, ingleses e franceses. “A

fixação de franceses na costa maranhense [...] obrigou os portugueses se

posicionarem contra os intrusos antes que maiores raízes pudessem fixá-los na

região”. (FROTA, 2000, p. 68). Mas, além da vontade de obtenção das riquezas

nativas, também, aqui desejaram se instalar por intenções de expansão religiosa,

sob os pilares da Reforma na Europa; “Os espanhóis souberam que estrangeiros,

partidários da reforma religiosa, estavam explorando a foz do Amazonas.

Holandeses haviam fundado os fortes de Nassau e Orange”. (FROTA, 2000, p. 70).

De outro, em oposição àqueles supracitados, estavam presentes contingentes

lusitanos dotados de recursos de natureza militar, armamentos e equipamentos.

Aqui já fixados, passaram a repelir os interesses daqueles antagonistas, por ordem

de Portugal, ainda que sob a vigência da União Ibérica com a Corte de Madri

(dinastia Habsburga: dos Felipes, entre 1580 e 1640) – por isso, a citação anterior

sobre a preocupação por parte dos espanhóis. Devido a essa configuração política

“Pareceu mais acertado à Corte de Madri, deixar aos portugueses a tarefa de

combater os ‘hereges’, uma vez que tão próximos, isto é, no Maranhão se

encontravam”. (FROTA, 2000, p. 70). Esse engajamento de forças locais existentes,

conduzidas mediante diretrizes que partiam de Lisboa, impulsionou a penetração em

terras amazônicas, favorecendo a ocupação e o domínio geográfico regional.

Em conformidade a essas argumentações e, segundo Castro (2012), também

é pertinente mencionar que, no Brasil daquela época, não havia uma estrutura militar

regularmente constituída e institucionalizada. Na verdade, o que funcionava era um

aparelhamento do tipo senhorial, aos moldes do legado da era medieva, no qual os

senhores de terra deveriam manter efetivos e meios de combate (armas,

equipamentos, animais, provisões) sob o seu domínio. Somente nos idos de 1570 a

1574, foram criadas as Companhias de Ordenanças, de modelagem e

regulamentação portuguesa, para disciplinar razoavelmente uma organização típica

militar. Mais tarde, a partir de 1640, portanto em tempos de pós-União Ibérica, foram

instituídas as “Tropas de Linha”, as quais foram estruturadas, articuladas,

organizadas e dotadas de um sistema hierárquico, sendo assim, um novo modelo de

emprego militar e mais profissionalizado, em termos de um Exército regular luso.

19

Deve-se compreender, entretanto, logo de início, que a gênese das ações

militares na Amazônia não pode ser atribuída a um Exército genuinamente Brasileiro

e formalmente constituído, aos moldes de hoje, pois como tal ainda não existia.

Atualmente, essa Instituição, juntamente com a Marinha do Brasil e com a Força

Aérea Brasileira, integra as Forças Armadas; conforme o disposto na Carta Magna

de 1988, pois

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela

Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,

organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob autoridade

suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da

Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de

qualquer destes, da lei e da ordem. (BRASIL. Constituição, 1998, Art.

142).

Como se vê no diploma legal, as condicionantes que regulam o perfil do

Exército, enquanto Força Armada brasileira, não estavam ainda satisfeitas naquele

contexto. Justifica-se tal preocupação, no sentido de esclarecer possíveis

interpretações equivocadas a respeito do tema, por vezes, tomando como

conhecimento verdadeiro o senso comum de algo muito significativo. Isso é

imprescindível, principalmente, quando mais a frente, serão abordados aspectos

marcantes sobre o papel desempenhado pelo Exército, no tocante à consolidação

de um projeto unificador em torno da Amazônia.

Coube, entretanto, a um personagem hispânico, o primeiro registro da

presença europeia na Amazônia, ainda no século XVI, porque

Deve-se ao espanhol Francisco Orellana a descoberta do vale do Rio

Amazonas; juntamente com Gonçalo Pizarro, internou-se em 1539,

partindo de Quito, em busca de riquezas. Com um bergantim desceu

o rio, vivendo várias aventuras descritas por Frei Gaspar de Carbajal.

Orellana atingiu o Atlântico em 24.08.1542 [...]. (FROTA, 2000, p 70).

Sob um viés prioritariamente exploratório, a despeito de que fora decorrente

de uma campanha contra a presença de franceses no Maranhão e, aliado ao fato de

a Espanha ter incumbido os portugueses de expulsar os holandeses na região mais

ao norte das terras brasileiras, partiu de São Luís, em 25 de dezembro de 1615, uma

20

expedição comandada por Francisco Caldeira Castelo Branco em direção ao

Amazonas. Assim, já no início do ano seguinte, ao se deparar com terreno favorável,

após contornar o que hoje é a Ilha de Marajó, deu ordem para erigir um pequeno

forte, origem da atual capital do estado do Pará, o que marcou o início da

colonização lusa na região, daí que “Chegados à Baía de Guajará, fundaram o Forte

do Presépio (12.01.1616) e lançaram as bases da vila de Santa Maria de Belém”.

(FROTA, 2000, p. 70).

Cultuado até os dias de hoje, pelo Exército Brasileiro, como sendo o maior

desbravador da Amazônia, cabe agora registrar o papel desempenhado pelo

português Pedro Teixeira que, tendo participado da campanha anteriormente

relatada, recebeu, mais tarde, a missão de percorrer o rio Amazonas na direção

oeste, tendo chegado até a atual capital equatoriana, então

O capitão Pedro Teixeira, nomeado comandante da expedição,

deixou a vila de Cametá, no Pará, em outubro de 1637. [...] A

expedição durou 26 meses, retornando ao Pará em dezembro de

1639. Apesar de não ter acertado acordos com os negociantes de

Quito, a expedição foi um sucesso absoluto. Foi a primeira a

percorrer o rio Amazonas em toda a sua extensão, indo até ao mar.

(CASTRO, 2012, p. 209).

Tamanho significado histórico tem a aludida empreitada, que, nos dias de

hoje, quando da realização da cerimônia militar de entrega da Medalha de Serviço

Amazônico, aos militares do Exército que servem na região, nos termos da Portaria

n° 580, de 8 de outubro de 2003, reproduz-se o gesto simbólico daquele Oficial, que

teria apanhado uma certa porção de terra e soltado no ar, proferindo

Tomo posse destas terras, em nome de El Rei Felippe IV, nosso

senhor pela Coroa de Portugal, se houver entre os presentes alguém

que a contradiga ou a embargue, que o escrivão da expedição o

registre; porquanto, ali vinham religiosos da Companhia de Jesus,

por ordem da Real Audiência de Quito. (TEIXEIRA, 1639 in

EXÉRCITO BRASILERO, 2009, p. 32).

Resta inegável, com tal simbolismo, a intenção de o Exército, no ideário de

pertencimento e de identificação indissociáveis em relação ao desenvolvimento da

21

Amazônia, deslocar-se na dimensão temporal e construir historicamente a sua

presença há mais de três séculos, naquele espaço.

Décadas depois dos feitos de Pedro Teixeira, merecem registro outras

inaugurações de localidades amazônicas, a cargo de tropas portuguesas, que deram

origem a cidades de reconhecida concentração populacional. Sendo assim que,

Possivelmente em 1669, o Capitão Francisco da Mota Falcão

levantou a casa-forte de São José do Rio Negro pouco acima da foz

deste rio, origem da cidade de Manaus [...] A capitania de São José

do Rio Negro nasceu por carta-régia de 5 de março de 1755.

(FROTA, 2000, p. 71).

Há que se discorrer, também, no recorte temporal em torno da primeira

metade do século XVII, as investidas Bandeirantes que, partindo originariamente de

terras paulistas, consistiam em expedições exploratórias com perfil de estrutura

militar, em direção ao interior do Brasil, com o objetivo precípuo de apoderar-se de

riquezas minerais e também de aprisionar índios para comercializá-los como

escravos. Interessa-nos aqui, especificamente, sublinhar um trajeto percorrido em

terras amazônicas, em que

Já veterano, Raposo Tavares percorreu, entre 1648 e 1652, um

roteiro de 12 mil quilômetros: caminhou em direção ao Paraguai até

os contrafortes dos Andes, seguiu depois rumo ao nordeste,

atravessando o atual estado de Rondônia, para em seguida descer

os rios Mamoré e Madeira e, pelo Amazonas, chegar afinal a Belém.

(FAUSTO, 2011, p. 51).

Vê-se, portanto, que o trânsito de grupamentos de estrutura militar na inóspita

região, no tempo marcado, notadamente, se desenvolveu promovendo campanhas

para repelir outros povos europeus intrusos, indesejados e antagônicos a Portugal e

Espanha ou explorando economicamente terras desconhecidas, o que favoreceu

uma maior penetração em áreas do interior norte-brasileiro, sobretudo percorrendo a

sua extensa malha fluvial. A exploração de recursos naturais e de produtos de

interesse colonial, como por exemplo, “as chamadas ‘drogas do sertão’, como a

22

baunilha, a salsaparrilha e sobretudo o cacau nativo” (FAUSTO, 2011, p.49)

potencializaram, também, o volume de jornadas em direção ao interior da Amazônia.

Registre-se, ainda, o empreendimento de cunho religioso promovido pela

Igreja Católica, em particular, pelos Jesuítas, no sentido de impor a conversão dos

povos indígenas da região.

Todo esse amálgama de intenções aparentemente dispersas e desconexas,

entre as quais a religiosa e a comercial-exploratória, convergiram-se no processo de

ocupação do espaço amazônico e, assim, criaram as bases para a consolidação do

povoamento regional, a despeito do fato de que os principais núcleos de

concentração e de desenvolvimento social estavam localizados na faixa litorânea.

Nesse contexto, é relevante mencionar que

No Extremo-Norte, na bacia amazônica, intervém outro fator, de

caráter local: são as missões católicas catequizadoras do gentio,

sobretudo os padres da Companhia de Jesus; seguidas de perto pela

colonização leiga, provocada e animada pela política da metrópole,

tão ativa neste setor, e sustentada pela exploração dos produtos

naturais da floresta amazônica: o cacau, a salsaparrilha e outros.

(PRADO JÚNIOR, 1999, p. 37).

No decorrer das empreitadas de conquista e colonização e, conforme as

expedições exploratórias foram se desenvolvendo para o interior, particularmente,

ao longo do curso dos rios, foram construídas fortificações em várias localidades.

Essas construções tinham por objetivos defender as posições conquistadas e

manter domínio nas principais áreas de passagem. Assim,

As sentinelas de pedra, os fortes da Amazônia, erigidos pelos luso-

brasileiros, passaram a barrar o caminho daqueles estrangeiros que

pretendiam negar-nos a posse de tão valiosa terra. (EXÉRCITO

BRASILEIRO, 2009, p. 28).

São os seguintes, e os respectivos anos de construção: Gurupá (1633),

Macapá (1688), São José da Barra do Rio Negro (1669), Óbidos (1697); Santarém

(1697); São Gabriel da Cachoeira (1761); São José do Marabitanas (1761), São

Joaquim (1775) e São Francisco Xavier de Tabatinga (1776).

23

Ao caminhar-se pela “linha do tempo”, centrando o olhar agora para uma nova

chamada simbólica, no tocante a uma necessária reflexão sobre a construção da

identidade do Exército Brasileiro, é preciso se fazer um deslocamento espacial,

portanto fora do ambiente amazônico, mas ainda no contexto do Brasil-Colônia, para

enfatizar o que a instituição considera o marco fundante das suas raízes, como

sendo a vitória contra os holandeses, em 19 de abril de 1648, na Primeira Batalha

dos Guararapes, em Pernambuco.

Com base no cenário anteriormente descortinado, cabe ressaltar que,

corroborando com esse um fluxo humano presente na macrorregião, à época

delimitada, Portugal não respeitou efetivamente os limites fronteiriços delimitados

pelo Tratado de Tordesilhas (1494), instrumento celebrado para demarcar os

espaços geográficos da América com a Espanha, até porque, estavam ambas as

Coroas sob a égide da União Ibérica. Somente em 1750, ou seja, mais de um século

depois do fim dessa configuração político-administrativa luso-hispânica e,

respaldado no princípio da “Posse do Uso” (Uti Possidetis), o Tratado de Madri

assegurou a Portugal o relevante alargamento das fronteiras brasileiras, à

semelhança do que hoje é o atual mapa político do país, inclusive em sua porção

norte.

Nessa mesma faixa temporal, já sob o reinado luso de D. José I, seu

secretário: Sebastião José de Carvalho e Melo (o Marquês de Pombal) enviou ao

Brasil o próprio irmão: Francisco Xavier de Mendonça Furtado para gerir a porção

setentrional da colônia, sendo nomeado Governador do estado do Grão-Pará e

Maranhão. No campo militar, percebendo a fragilidade de meios e a carência de

tropas na região, aquela autoridade promoveu a instalação de duas unidades de

“Exército de Linha”, em 1753.

Conforme Castro (2012), para se clarificar o quadro militar na região, em

termos de uma síntese parcial da abordagem histórica aqui pretendida, e avançando

até o Império, as principais “Tropas de Linha” presentes na Amazônia brasileira

consistiam em três Unidades de Infantaria e uma de Artilharia (Pará, até 1807). Mais

tarde, após o ano de 1858, já com a criada província do Amazonas, esta foi

aparelhada com efetivos fixos de Infantaria e de Artilharia. Entretanto, até o final do

século XIX, o contingente total pouco ultrapassava o número de trezentos militares.

24

Prosseguindo nesse percorrer histórico-narrativo, deve-se explanar de forma

marcante, também, o elevado grau de valorização que o Exército Brasileiro atribui,

até hoje, a um outro ilustre integrante dos seus Quadros, cuja imagem esteve

sempre muito associada à contribuição para o desenvolvimento regional de áreas

longínquas e isoladas dos grandes centros político-administrativos e de

concentração populacional, sobretudo o Centro-Oeste e o Norte brasileiros. Trata-se

do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, oriundo do estado do Mato Grosso,

nascido na cidade de Mimoso, em 1865. A carreira “das Armas” de Rondon teve

início no ano de 1881; dois anos depois, passou a cursar a Escola Militar do Rio de

Janeiro, onde mais tarde seria docente daquela Instituição de Ensino Superior.

Desenvolveu, então, sua trajetória profissional no Exército, tendo chegado à mais

elevada patente da hierarquia. No que diz respeito ao interesse do presente

trabalho, cabe registrar que havia, à época em recorte - limiar do século XX -

grandes dificuldades de comunicações por telégrafo na região, o que motivou o

Governo a criar as “Comissões de Linhas Telegráficas Estratégicas”. Coube a

Rondon, ainda recém-formado, no posto de Tenente, desempenhar funções de

Oficial de Engenharia Militar, passando a integrar a Comissão que ligaria Cuiabá até

o Araguaia. Posteriormente, comandou várias expedições que integraram a Região

Sudeste ao interior/Oeste e a Amazônia, mediante lançamento de extensa malha

telegráfica em várias localidades, até então, desconectadas do restante do país. Por

isso, sobre Rondon, em relação à relevância do seu trabalho em proveito do

desenvolvimento daquela vasta porção geográfica do Brasil, afirma-se que

Foi ele o fundador da primeira estação telegráfica do Brasil, em

Capim Branco, a 126 km de Cuiabá. Mais tarde implantou uma linha

telegráfica de mais de 3.000 Km, ligando Mato Grosso ao Amazonas,

integrando essa desconhecida região do território brasileiro.

(CAMARGO, 1986, p. 309).

Nessa epopeia empreendedora, Rondon percorreu com a sua tropa alguns

dos principais eixos de ligação estabelecidos por fio, dentre os quais, partindo de

Cuiabá, chegou a Santo Antonio do Rio Madeira, a menos de dez quilômetros de

Porto Velho-RO. Deslocou-se pela calha de diversos rios da Amazônia brasileira e

ainda prestou relevantes serviços nos campos da hidrografia, botânica e atividades

de levantamento topográfico. Na busca de respaldar o reconhecimento deferido ao

25

aludido militar, pela sua contribuição para o incremento social na região amazônica,

CASTRO (2007), anotou que Rondon abriu uma “picada”, a qual cinco décadas após

sua passagem, transformou-se na BR-364, construída por Unidades do Exército. Ao

longo do percurso dessa rodovia, localizam-se, hoje, importantes cidades do estado

de Rondônia, a saber: Vilhena, Pimenta Bueno, Ji-Paraná, Jaru, Ariquemes, entre

outras, as quais surgiram no entorno de pequenas estações telegráficas implantadas

durante as expedições conduzidas por Rondon. Sua vida foi, inegavelmente,

dedicada às ações exploratórias e integradoras dos rincões brasileiros, vindo a

falecer no Rio de Janeiro, em 1958. Por isso e, em coerência ao acima narrado, o

Exército Brasileiro, até os dias de hoje, reverencia o Marechal Rondon como um dos

grandes colaboradores desse complexo processo de desenvolvimento da Amazônia.

Com o passar do tempo, gradativamente, foi ganhando robustez a ideia de

que o Estado brasileiro, em particular, as Forças Armadas deveriam exercer uma

maior efetividade, em termos de estrutura, organização e consolidação de presença

institucional na Amazônia. No que tange ao Exército, então, no ano de 1956,

portanto no Governo do Presidente Juscelino Kubitschek, foi criado o Comando

Militar da Amazônia (CMA), na cidade de Belém-PA. Em 1969, houve a mudança da

sede para Manaus-AM. Daquele tempo, até os dias de hoje, ocorreram algumas

variações sobre a unicidade de Comando da região amazônica, sendo que a

organização atual e a responsabilidade territorial terrestre, a cargo do Exército,

foram desmembradas, desde 2013, em dois Grandes Comandos Operacionais: o

próprio CMA, em Manaus e o Comando Militar do Norte (CMN), na capital do Pará.

Este último, com o objetivo de prover melhor segurança sobre a porção oriental da

região. É importante destacar que essa configuração explicita o caráter prioritário

atribuído pelo Exército em relação a Amazônia, buscando paulatina e

estrategicamente aumentar e melhorar sua capacidade operacional na região, em

relação a efetivos e recursos materiais e tecnológicos.

Invariavelmente, a instituição considera que o espaço geográfico amazônico,

grandioso, complexo e multifacetado é alvo permanente da cobiça global, bem como

adjacente a graves atuações de garimpo ilegal, de tráfico de entorpecentes e de

armas, além de porta de entrada para o Brasil de outros ilícitos transnacionais,

demandando, assim uma compatível capacidade de resposta a essas sensíveis

26

ameaças à soberania nacional. No decorrer do trabalho, em segmento oportuno,

será apresentada a atual articulação do Exército na Amazônia.

Como breve reflexão parcial, entende-se que, desde a gênese positivista da

história brasileira, mormente a partir do século XVII, a região Amazônica foi palco de

contendas entre os que aqui viviam com outros povos europeus; isso motivou o

permanente esforço de conquistar e manter aquela vasta porção territorial. O viés

explorador, mediante emprego de meios militares até a consolidação de estruturas

mais organizadas e sistematizadas: as chamadas “Tropas de Linha”, culminou com

a ação de um Exército genuinamente Brasileiro. Destaque-se, ainda, o trabalho

integrador do Marechal Rondon, validando, esses aspetos, assim, um sentido de

pertencimento e significado de presença militar na região. Isso tudo, como natural

consequência, fomentou a ocupação desse amplo e singular espaço natural, o qual

é formado de múltiplas singularidades. Aliás, cabe imediatamente em seguida,

discorrer sobre a sua pluralidade fisiográfica.

2.2 A AMAZÔNIA BRASILEIRA: ASPECTOS FISIOGRÁFICOS E

SOCIOECONÔMICOS

“Só se ama o que se conhece!”, foram essas palavras que o General-de-

Exército Guilherme Teophilo Gaspar de Oliveira proferiu, em 27 de novembro de

2015, na cidade de Americana-SP, ao iniciar sua palestra aos alunos e docentes do

Programa de Mestrado em Educação do UNISAL. Aquela frase causou impacto nos

presentes e, muito mais, marcou consideravelmente a trajetória preliminar de

pesquisa exploratória desta dissertação. Nesse contexto, com o fulcro de conhecer-

se o panorama fisiográfico natural da região amazônica, há que se descrever alguns

de seus aspectos mais relevantes, a saber.

Dotada de uma exuberância natural singular no contexto global, quase tudo a

que se refere essa região é traduzido em dados significativos. Politicamente,

engloba os estados do(e): Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. A

expressão Amazônia Legal - empregada para delimitar o espaço que é contemplado

para o provimento de um conjunto de ações de desenvolvimento social e econômico

a cargo do Estado - compreende grande parte do Mato Grosso, Tocantins e a

27

porção noroeste do Maranhão. Possui uma área de 5,2 milhões de Km², o que

corresponde a 61% do território nacional. (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2009, p. 6).

Segundo Tamdijan (2004), o relevo da região, conforme a classificação

adotada pelo Geógrafo Aziz Ab’Saber, é organizado da seguinte forma: ao norte, o

Planalto das Guianas, contendo a região serrana e o planalto Norte-Amazônico;

abaixo desta formação, as Planícies e Terras Baixas Amazônicas; e ao sul, o

Planalto Central, sendo que na parte oeste de Rondônia faz-se presente parte da

Planície do Pantanal.

No que tange à hidrografia, a Bacia Amazônica é a maior do planeta. A

principal artéria fluvial desse complexo e que corta, de oeste para leste a sua

planície – O Rio Amazonas – tem sua nascente localizada na Cordilheira dos Andes,

em território Peruano, entrando no Brasil com o nome de Solimões e sua extensão

no território nacional é da ordem de 7.000 km, sendo o maior em volume de água do

Globo. Apresenta apenas um suave desnível, inferior a 80 metros, viabilizando

grande potencial de navegabilidade em torno de 20.000 Km das suas vias fluviais.

Alguns dos seus principais afluentes são os rios, na margem direita: Juruá, Jutaí,

Coari, Purus, Tapajós, Madeira e Xingu e, na margem esquerda: Negro, Japurá e

Trombetas. Na Bacia Amazônica existem mais de 3.000 espécies de peixes

(TAMDIJAN, 2004, p. 54-55).

Na região Amazônica, em sua maior parte, predomina o clima equatorial,

notadamente quente e úmido, com níveis de umidade do ar, em geral, acima dos

80%. Apresenta elevado volume de chuvas praticamente durante todo o ano, assim,

o índice médio pluviométrico gira em torno dos 2.300 mm/ano, sendo que em

algumas regiões, em particular na faixa noroeste, pode alcançar os 3.600 mm

anuais. A amplitude térmica é baixa, em média em torno de 2ºC e, no máximo,

chegando a 10ºC; a temperatura média varia em entre 24ºC e 26ºC. Um fenômeno

singular climático é a evatotranspiração: significa um movimento cíclico de água

proveniente das chuvas que, após cair na floresta, devido ao porte das folhas

arbóreas, retorna à atmosfera, condensa-se novamente, reproduzindo o ciclo.

No tocante à vegetação, a maioria das fontes bibliográficas de Geografia

indica a formação predominante da chamada Floresta Amazônica. Entretanto, trata-

se de um amálgama de subsistemas peculiares. Segundo o Atlas Geográfico

28

Escolar (2011), pode-se adotar uma classificação em que há a presença da Floresta

Pluvial Densa e Floresta Pluvial Aberta, bem como Cerrado e Campos, estes na

porção NE do estado de Roraima. Para detalhar a paisagem natural, tem-se a Mata

(ou Floresta) de Terra Firme, afastada das águas fluviais, com árvores de copa

fechada e com alturas maiores de 20 metros, na qual se destaca a existência das

castanheiras e das palmeiras. Outras categorias são as Matas de Várzea, inundadas

em algumas épocas do ano e as Matas de Igapó, normalmente, permeadas

constantemente pelas águas dos rios.

Em termos socioeconômicos, o Atlas Geográfico Escolar (2011), aponta que a

participação dos estados da região no PIB nacional é da ordem de 1% a 2%, no

Amazonas e Pará, e de menos de 1% nos demais estados. O IDH no Acre está na

faixa de 0,635 a 0,699; nos demais entes federativos regionais, entre 0,700 e 0,764.

A taxa de urbanização nos estados do Pará, Amazonas e Amapá situa-se entre 71%

e 80%, e nos demais, entre 62% e 70%.

Trata-se, portanto, o macroambiente geográfico em estudo, de um

ecossistema complexo e que abriga uma incrível diversidade de fauna e flora, além

de inexploradas riquezas no seu subsolo. Conforme números apresentados pelos

órgãos governamentais de meio-ambiente, existem mais de 4.200 espécies de

animais, 2.500 de árvores e 30 mil plantas catalogados. Acrescente-se que detém

“20% da água doce não congelada do planeta e 80% da água doce brasileira [...]

maior banco genético do planeta [...] 30% das florestas mundiais, 11.248 km de

fronteiras terrestres, 20.000.000 de habitantes”(EXÉRCITO BRASILERO, 2009,p. 8).

Para ampliar o campo de visão sobre tais elementos naturais e o grau de relevância

nos contextos nacional e global, diz-se que

A Amazônia brasileira é, atualmente, prioridade nacional, de acordo

com a Estratégia Nacional de Defesa. Abrange uma área de 5,2

milhões de Km2, com densidade populacional de 3,2 hab/km2, 1/3

das florestas tropicais da Terra, maior diversidade biológica do

planeta e maior bacia de água doce do mundo. Essa região é

detentora de exuberante fauna e flora. Suas riquezas estão

praticamente intocadas e minuciosos levantamentos indicam que

abriga uma das mais extraordinárias províncias minerais do planeta.

(BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2012, p. 13).

29

Outrossim, espera-se ter despertado, objetiva e sinteticamente, a magnitude

do espaço geográfico amazônico, com vistas a subsidiar o prosseguimento das

reflexões acerca do seu protagonismo no contexto nacional. Cabe, portanto, já

sublinhar a necessidade de se promover ações permanentes, por parte dos atores

interessados, no sentido de desenvolver social e economicamente a região, nos

seus diversos vetores de crescimento, dentre os quais: científico-tecnológico e,

prioritariamente, o campo da educação. Crê-se que a sustentabilidade e a

otimização racional dos recursos regionais serão mais bem conduzidas se houver

investimentos e a consolidação de um pensamento estratégico em favor dos seus

viventes, invariavelmente, deixados em plano subjacente, se comparados aos que

habitam em espaços nacionais de melhor qualidade de vida.

Para melhor abordar o impacto da expressão de poder militar, seguem-se

outras considerações, logo adiante, mais específicas sobre o desdobramento de

meios na região, operados pelo Exército Brasileiro, na Amazônia.

2.3 ARTICULAÇÃO ATUAL DO EXÉRCITO NA AMAZÔNIA

Compreendida a dimensão, não só territorial, mas principalmente a sua

potencialidade como incontestável e riquíssimo patrimônio da nação brasileira, há

que se pensar em como preservar, defender, garantir a soberania e, não menos

importante, colaborar com o desenvolvimento da Amazônia, todas essas ações

impulsionadoras para uma melhor integração à grandeza do país. Nesse espectro,

as Forças Armadas brasileiras desempenham um papel preponderante, muitas

vezes, sendo os exclusivos elementos de presença do Estado, e que suprem uma

gama de demandas locais. Sobre isso, em sua fala perante a Rádio Gaúcha, na

cidade de Porto Alegre, em 7 de janeiro de 2015, o General-de-Exército Eduardo

Dias da Costa Villas Bôas, Comandante do Exército Brasileiro, assim disse

O Brasil ainda tem uma grande parte do seu território a ser completamente integrado à dinâmica do desenvolvimento nacional. E Forças Armadas são indutoras do desenvolvimento. Muitas vezes são a única prestadora das necessidades básicas à população. Falo da região Amazônica. (VILLAS BÔAS, 2015).

30

Portanto, de maneira coerente ao discurso acima, há décadas, o Comando da

Força Terrestre esforça-se para implementar continuadas ações de melhoria sobre a

capacidade de operar efetivamente na região, a despeito do vultoso volume de

investimentos financeiros e materiais necessários para suportar a presença de

maiores efetivos, notadamente, na faixa de fronteira.

É notório, também, o juízo de valor sobre o qual a Instituição se posiciona, no

tocante à visão de um difuso e permanente interesse externo sobre as riquezas

naturais e a pluralidade do bioma amazônico, o que enseja a adoção de

planejamentos e estratégias que possam mitigar tais intenções indesejadas. Sendo

assim, a preocupação com a vigilância territorial e a preservação de um staus quo

de estabilidade e de pleno domínio nacional sobre a região são pautas presentes e

prioritárias no pensamento do Alto-Comando do Exército. Em outra vertente, é muito

provável que essa postura seria ineficaz, se não houvesse a consolidação de uma

ideia de pertencimento e de amplo compromisso em colaborar com o

desenvolvimento regional. Assim, predomina nesse mesmo perfil de atitude, uma

constante vontade de somar forças em favor do bem-estar das numerosas

comunidades amazônidas, no plano socioeconômico, mas, ao mesmo tempo,

reconhecendo e preservando os variados traços culturais dos seus sujeitos; daí que

A Amazônia Brasileira é um patrimônio fabuloso [...]. Os olhos do mundo estão voltados para ela, pelo imenso potencial ali presente [...]. O momento atual traz consigo oportunidades e desafios: desenvolver, de forma sustentável, sem maniqueísmos, esta vasta região; garantir a presença soberana do Estado Brasileiro em uma área sujeita à cobiça internacional; melhorar as condições de vida da nossa população ali instalada, levando-lhe alternativas econômicas viáveis, serviços públicos de qualidade e preservar a riquíssima cultura local. (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2009, p. 6).

Realizada essa breve ambientação preliminar, cabe então descrever agora de

que forma o Exército se organiza na região amazônica, em termos de

posicionamento de suas Unidades militares, geograficamente distribuídas no

extenso espaço territorial em estudo. Será então demonstrada a sua articulação na

porção que compreende o CMA, como já descrito, cuja sede central de Comando

está situada em Manaus-AM, responsável pela área de jurisdição militar terrestre

nos estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima.

31

Para proporcionar um melhor entendimento sobre essa estrutura, deve-se

esclarecer que, além dos Órgãos de Direção Geral e Setoriais e outros de

Assessoramento ao Comando do Exército - os quais compõem o Alto-Comando

(Alta Administração), como por exemplo: Estado-Maior do Exército, Departamento

Geral do Pessoal, Departamento de Engenharia e Construção, Departamento de

Educação e Cultura do Exército, Secretaria de Economia e Finanças, Comando de

Operações Terrestres, Comando Logístico, entre outros, a maioria sediados em

Brasília-DF - a Força Terrestre se desdobra em oito Grandes Comandos

Operacionais (que também integram o Alto-Comando) ao longo do território

nacional, a saber: Comando Militar do Sul, Comando Militar do Sudeste, Comando

Militar do Leste, Comando Militar do Oeste, Comando Militar do Planalto, Comando

Militar do Nordeste, Comando Militar do Norte e Comando Militar da Amazônia.

No âmbito desses Grandes Comandos Operacionais regionais, existem

Organizações Militares (OM) de naturezas: Administrativa, Logística, de Engenharia

e Construção, de Saúde (hospitais militares e postos médicos) e as Operacionais.

No caso do CMA, no que diz respeito as desta última categoria, encontram-se

presentes algumas Brigadas, que são Grandes Unidades operacionais enquadrantes

de OM chamadas de “valor Batalhão”: os Batalhões de Infantaria de Selva (BIS),

tropas leves; o Grupo de Artilharia de Selva, Unidade com alto poder de fogo e

Esquadrão de Cavalaria, para o cumprimento de missões que exigem grande

mobilidade. Existem, ainda, os Comandos de Fronteira que também são Batalhões

de Infantaria de Selva – C Fron/BIS, localizados em algumas capitais (ou cidades

relevantes). Os C Fron/BIS são responsáveis pelos Pelotões Especiais de Fronteira

(PEF), estes localizados nos pontos limítrofes com os países vizinhos na área do

CMA: Venezuela, Guiana Inglesa, Bolívia, Colômbia, Peru e Equador.

Conforme disponível no próprio sítio eletrônico do Exército, as principais OM

do CMA são:

- Em Roraima: 10º Grupo de Artilharia de Campanha de Selva, 12º Esquadrão

de Cavalaria Mecanizado, 1º Batalhão Logístico de Selva, 1º Pelotão de

Comunicações de Selva, 32º Pelotão de Polícia do Exército, 6º Batalhão de

Engenharia de Construção, Comando da 1ª Brigada de Infantaria de Selva,

Comando de Fronteira Roraima e 7º Batalhão de Infantaria de Selva e Companhia

de Comando da 1ª Brigada de Infantaria de Selva.

32

- No Acre: 61º Batalhão de Infantaria de Selva, 7º Batalhão de Engenharia de

Construção e Comando de Fronteira Acre e 4º Batalhão de Infantaria de Selva.

- No Amazonas: 12ª Inspetoria de Contabilidade e Finanças do Exército, 12º

Batalhão de Suprimento, 16ª Base Logística, 16º Pelotão de Comunicações de

Selva, 17º Batalhão de Infantaria de Selva, 1º Batalhão de Comunicações de Selva,

1º Batalhão de Infantaria de Selva (Aeromóvel), 21ª Companhia de Engenharia de

Construção, 22º Pelotão de Polícia do Exército, 2º Pelotão de Comunicações de

Selva, 34º Pelotão de Polícia do Exército, 3ª Companhia de Forças Especiais, 3º

Batalhão de Infantaria de Selva, 4º Batalhão de Aviação do Exército, 4º Centro de

Telemática de Área, 54º Batalhão de Infantaria de Selva, 7º Batalhão de Polícia do

Exército, Centro de Embarcações do Comando Militar da Amazônia, Centro de

Instrução de Guerra na Selva, Colégio Militar de Manaus, Comando da 12ª Região

Militar, Comando da 16ª Brigada de Infantaria de Selva, Comando da 2ª Brigada de

Infantaria de Selva, Comando de Fronteira -Rio Negro e 5º Batalhão de Infantaria de

Selva, Comando de Fronteira -Solimões e 8º Batalhão de Infantaria de Selva,

Comando do 2º Grupamento de Engenharia, Comando do Comando Militar da

Amazônia, Hospital Militar de Área de Manaus, Hospital de Guarnição de São

Gabriel da Cachoeira, Hospital de Guarnição de Tabatinga e Parque Regional de

Manutenção da 12ª Região Militar.

- Em Rondônia: 17ª Base Logística, Comando da 17ª Brigada de Infantaria de

Selva, 17ª Companhia de Infantaria de Selva, 17º Pelotão de Comunicações de

Selva, 17º Pelotão de Polícia do Exército, 5º Batalhão de Engenharia de Construção,

Comando de Fronteira Rondônia / 6º Batalhão de Infantaria de Selva e Hospital de

Guarnição de Porto Velho.

Conforme, também exposto pelo Comandante do CMA, durante a sua visita

ao UNISAL, em novembro de 2015, no evento já descrito anteriormente neste texto,

o Exército contava, àquela data, com um efetivo de dezessete mil e duzentos

militares na área daquele Grande Comando, ou seja, integrando as Unidades acima

descritas e seus elementos avançados, como por exemplo, os PEF.

Há que se sublinhar, ainda, que atualmente existem vinte e quatro PEF

instalados e funcionando, os quais são os Sentinelas Avançados ao longo da linha

delimitadora do contorno geográfico brasileiro na Amazônia. Haverá, no decorrer do

trabalho, mais adiante, uma abordagem em separado sobre essas Unidades

específicas. Apenas, cabe já mencionar que no estado de Roraima, em particular,

33

encontram-se em operação, os seguintes PEF, assim nominados e suas respectivas

localidades: 1º PEF, em Bonfim; 2º PEF, em Normandia; 3º PEF em Pacaraima (BV-

8); 4º PEF em Surucucu; 5º PEF em Auaris e 6º PEF em Uiramutã.

Pode-se compreender a capilaridade das Organizações do Exército, no

espaço do CMA, incluindo todos os seus PEF, mediante observação da ilustração

abaixo apresentada.

Ilustração 2 - Localidades do CMA onde há OM e PEF do Exército

Fonte: CMA (2015).

Isto posto, é possível concluir parcialmente que, ao longo das últimas

décadas, o Exército defende e reforça um pensamento alinhado à necessidade de

assunção de protagonismo da Amazônia, no contexto da soberania do Estado

Brasileiro. Ao que fica evidenciado, a Instituição manifesta estar presente e atuante

na região, com os meios militares disponíveis para, simultaneamente, cumprir seu

papel finalístico, no tocante à segurança e vigilância das fronteiras e colaborar com o

desenvolvimento social dos sujeitos viventes nas comunidades onde há OM

instaladas.

34

A seguir, serão explorados alguns programas e projetos de envergadura

governamental dos quais o Exército integra, e ainda, outros que implementa a partir

de iniciativa própria.

2.4 O EXÉRCITO, AS ESTRATÉGIAS NACIONAIS VIGENTES E O

DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA

Principiando essa abordagem, é preciso, necessariamente, resgatar que, em

1999, foi criado o Ministério da Defesa (MD), cujo detentor da Pasta exerce a

Direção Superior das três Forças Armadas brasileiras. Assim, a Marinha, o Exército

e a Aeronáutica, em vez de serem lideradas por Ministros de Estado, agora,

possuem no topo da sua hierarquia organizacional, seus respectivos Comandantes,

que são Oficiais-Generais do último posto, nomeados pelo Presidente da República,

este que é o Comandante Supremo das Forças.

Passado o tempo necessário para que fossem realizados os naturais ajustes

políticos e de estrutura organizacional, a Alta Administração do MD, com seus

Órgãos de Assessoramento, bem como em alinhamento às três Forças, passou a

intensificar a produção de debates em torno do fortalecimento de uma Política

Nacional de Defesa. Com previsão legal prevista na Lei Complementar 97/1999,

modificada pela Lei Complementar 136/2010, foi encaminhado ao Congresso

Nacional, em 2012 - e ato contínuo, passando a vigorar - um documento específico

sobre esse grande tema, o qual foi nominado de Livro Branco de Defesa. Seus

objetivos, em linhas gerais, são: fomentar as discussões de tal eixo temático no

âmbito do Poder Legislativo, do próprio Governo Federal, no meio acadêmico; bem

como expor à sociedade as ações promovidas pelo poder público nessa matéria.

Nesse contexto de sistematização e de melhor integração entre os Órgãos de

Estado diretamente interessados, outros dois instrumentos normativos merecem ser

anunciados, a saber: a Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de

Defesa (END). O primeiro “fixa os objetivos da Defesa Nacional e orienta o Estado

sobre o que fazer para alcançá-los. A END, por sua vez, estabelece como fazer o

que foi estabelecido pela Política”. (BRASIL. MD, 2012, p. 7). Como informação

35

importante, há que se mencionar que a END já tinha sido aprovada pelo Presidente

da República, por meio do Decreto Nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008.

Desperta especial atenção, trecho da END que, após ter indicado sobre a

necessidade de transformação do Exército Brasileiro para a aquisição de um novo

status de vanguarda e inserido na era do conhecimento, tenha melhores condições

de atuar e se fazer presente na Amazônia. A parte destacada do aludido documento

elucida o pensamento político-estratégico do Estado, em relação ao papel

desempenhado pelo Exército naquela região de relevante interesse; por isso, então

A transformação será, porém, compatibilizada com a estratégia da

presença, em especial na região amazônica, em face dos obstáculos

à mobilidade e à concentração de forças. Em todas as

circunstâncias, as unidades militares situadas nas fronteiras

funcionarão como destacamentos avançados de vigilância e de

dissuasão. (BRASIL. MD, 2012, p. 78).

Inseridas, então, essas informações preliminares que tratam do emprego

político-estratégico das Forças Armadas, no contexto da Defesa Nacional, incluindo

o que se pensa sobre a participação do Exército, inclusive em relação a Amazônia,

no prosseguimento, serão descritos os principais programas e projetos de interesse

social para aquele ambiente, nos quais a Instituição participa ou desenvolve sob sua

própria condução.

Conforme o que está escrito e preconizado na página eletrônica do MD, o

Programa Calha Norte (PCN) foi concebido pelo Governo Federal no ano de 1985 e,

estando vigente trinta anos depois, tem por maior finalidade a promoção do

desenvolvimento sustentável na porção norte da região amazônica. Sua

implementação ocorre por meio de transferência de recursos orçamentários para

estados e municípios, através da celebração de convênios. No caso das Forças

Armadas, quando executarem ações sob sua responsabilidade, serão alocados

recursos diretamente para as suas Unidades executoras. Para o Exército, o PCN

direciona o emprego dessas rubricas que contemplem, entre outros, os projetos de:

implantação de infraestrutura básica nos municípios da região; implantação de

unidades militares; conservação de rodovias; manutenção de pequenas centrais

elétricas e manutenção da infraestrutura instalada nos Pelotões Especiais de

36

Fronteira. (<http://www.defesa.gov.br/index.php/programas-sociais/programa-calha-

norte/>. Acesso em 11 mai. 2016).

Fazendo parte do PCN e, portanto, sendo provisionado por recursos de tal

origem, o Exército está desenvolvendo o Projeto Amazônia Protegida, o qual,

previsto para ser concluído até 2022, em sua concepção geral visa a implantar e

melhorar a infraestrutura das OM e dos PEF na Amazônia. Está sustentado,

entretanto, em idéias-força como, por exemplo: o desenvolvimento sustentável, a

preservação ambiental e melhoria das condições de vida das comunidades

adjacentes aos PEF. Na visão do Exército, essas ações viabilizarão o

estabelecimento de parcerias com outros Órgãos Governamentais, uma vez que

disporão de instalações físicas e estrutura compatíveis, nos PEF, para apoiar seus

agentes nas missões que lhes forem atribuídas.

Aprovado por meio da Portaria Interministerial Nº - 586, DE 22 de julho de

2015, o Programa Amazônia Conectada foi instituído para ampliar a infraestrutura de

comunicações, mediante a expansão do serviço de banda larga na região, através

de redes de fibra ótica subfluviais. O Programa está sob a Direção e a Gerência do

Centro Integrado de Telemática do Exército, com a previsão inicial de término em

2017. Além de benefícios que serão gerados no tocante a uma melhor integração e

viabilidade de acesso a internet em diversas comunidades, onde hoje isso não é

possível, tudo suportado em base tecnológica, destaca-se o papel de contribuição

que irá maximizar o desenvolvimento de ações nas áreas de pesquisa e educação

na Amazônia; assim, diz-se que

Quando o Programa estiver concluído será possível oferecer para a

população do interior da Amazônia uma série de serviços de rede de

dados com a mesma qualidade das Capitais, como internet,

telemedicina, Universidade à distância, interconexão entre saúde,

segurança pública, trânsito e turismo. (EXÉRCITO BRASILEIRO,

2015).

Registre-se que, no mês de março do corrente ano, foi lançado um cabo

fluvial de 242 km de distância, interligando as cidades amazonenses de Coari e

Tefé. A extensão total prevista de lançamento das linhas de comunicação é da

ordem de 7.403 km, perfazendo um montante orçamentário de R$ 600.000.000,00

(seiscentos milhões de reais).

37

O Projeto Rondon foi criado durante o Governo Militar, especificamente, no

ano de 1967, entretanto, foi abandonado em 1989, tendo sido reativado em 2005 e,

atualmente, está sendo coordenado pelo Ministério da Defesa. Em linhas gerais,

esse instrumento viabiliza a presença de universitários e docentes que desenvolvem

ações sociais em proveito de comunidades carentes, situadas em pontos longínquos

dos grandes centros, notadamente, nas regiões Nordeste e Norte do país. Nestes

espaços, os chamados Rondonistas trabalham focados no desenvolvimento social,

com intuito de promover e colaborar na implementação de projetos comunitários

locais, ao lado dos sujeitos alcançados. As ações estão concentradas nas áreas de:

cultura, direitos humanos, justiça, educação, saúde, tecnologia e produção, meio

ambiente, entre outras. O Exército, juntamente com as demais Forças singulares,

colabora no apoio logístico, transporte, alojamento e alimentação daqueles agentes,

durante sua permanência nos locais assistidos, principalmente no espaço

amazônico. Sem isso, incontestavelmente, a execução do Projeto seria inviável,

face às notórias dificuldades de acesso e permanência nas comunidades procuradas

na região.

O Programa PROAMAZÔNIA é uma iniciativa própria do Exército, sob a

gestão do CMA e foi criado no ano de 2014. Consiste em um modelo que visa a

estabelecer intercâmbio e aproximação com o meio acadêmico, com vistas à

realização de pesquisas científicas na Amazônia. Em seu escopo, a instituição

viabilizará a inserção e permanência de pesquisadores, com apoio da Aeronáutica,

por meio de transporte aéreo de Manaus-AM até as localidades de interesse,

normalmente, no entorno dos PEF, onde será prestado apoio de alojamento e

alimentação aos docentes e discentes envolvidos, tudo isso, sem nenhum custo a

estes. O projeto encontra-se em pleno funcionamento e já estão em curso

pesquisas, prioritariamente, na área ambiental. Também, à guisa de informação, o

Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) do UNISAL aderiu ao

PROAMAZÔNIA e realizará pesquisas científicas em educação. O projeto, em linhas

gerais, procura incentivar a construção de conhecimentos no ambiente amazônico,

no sentido de colaborar com o desenvolvimento das comunidades que serão

alcançadas.

38

2.5 EXÉRCITO, AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS E AS COMUNIDADES

AMAZÔNIDAS

Embora também possam se caracterizar como programas ou projetos, neste

tópico, serão descritas algumas ações específicas de maior impacto direto

promovidas, articuladas ou executadas, pelo Exército, em prol de viventes

amazônidas, sob um olhar socioeducativo.

A criação do PCN, já descrito anteriormente, previa a atuação de vários

representantes de instituições governamentais, onde se fazia necessária a adoção

de medidas de cunho social, em particular, nas comunidades mais excluídas de

prestação de serviços sociais, localizadas na faixa norte do Rio Amazonas; porém,

isso não aconteceu. Em contrapartida, as Forças Armadas sempre proferiram um

discurso, com total respaldo, em relação ao papel subsidiário à sua missão principal,

entretanto, tão importante quanto, que é a promoção de ações voltadas para o

desenvolvimento da Amazônia, inclusive no âmbito do PCN.

O Exército promove, periodicamente, as chamadas Ações Cívico-Sociais

(ACISO). Essas atividades mobilizam, na maioria dos casos, contingentes da área

de saúde que são deslocados para comunidades desassitidas, prestando serviços

médico-odontológicos gratuitos aos seus moradores. Além disso, os militares

ensinam-lhes sobre os cuidados com higiene pessoal para prevenção de doenças

que possam lhes acometer.

Ilustração 3 – ACISO: educação sobre higiene pessoal na Amazônia

Fonte: Revista Verde-Oliva Nº 230 (2015, p. 16)

39

Nos PEF, distribuídos na faixa de fronteira, é situação muito comum as

esposas dos militares que estão ali servindo, estarem diretamente envolvidas em

ações educativas com membros da comunidade. Por haver um déficit considerável

de infraestrutura, de escolas e de professores, os familiares acabam se engajando

em atividades dessa natureza, com o objetivo de mitigar tais óbices.

Desde o ano de 2004, o Projeto Soldado Cidadão é um outro instrumento

coordenado pelo MD e executado pelas Forças Armadas. Trata-se de uma ação

educativa, por meio da oferta de cursos profissionalizantes gratuitos aos jovens

recrutas que prestam o serviço militar para que, quando retornarem à vida civil,

tenham uma formação em alguma área técnica. Geralmente, essa categoria de ação

socioeducativa ocorre em Unidades militares dotadas de infraestrutura adequada,

como por exemplo, o Parque Regional de Manutenção da 12ª Região Militar, em

Manaus-AM, vocacionado para missões de assistência técnica automotiva, dentre

outras, no campo da logística. Mas, mesmo assim, o projeto também é viável em

locais mais afastados. Conforme disponível na página eletrônica do MD, entre as

principais áreas trabalhadas no projeto, podem ser elencadas: telecomunicações,

mecânica, alimentação, confecção, têxtil, eletricidade, transportes. Além da

formação técnica, propriamente dita, são ministradas aulas aos jovens sobre ética e

cidadania. Para proporcionar uma melhor compreensão sobre o alcance social

desse projeto, por exemplo, no ano de 2014

Ao todo, 1.425 homens foram qualificados, este ano, no estado do Amazonas em 28 especialidades, como pedreiro, pintor predial, eletricista, mecânico, marceneiro, garçom e cozinheiro. A maior parte, 825, é da cidade de Manaus. Os 600 restantes são de São Gabriel da Cachoeira, Barcelos, Tefé, Tabatinga e Humaitá. Nos pelotões de fronteira houve a participação no programa de militares das etnias indígenas Baré, Werekena, Tucano, Arapaco, Desana, Kubeo, Wanamo, Kuripaco, Yanomani, Hupda e Baniwa. (<http://www.brasil.gov.br/defesa-e-seguranca>. Acesso 13 mai. 2016).

Uma outra experiência que necessita ser anunciada neste trecho da pesquisa

diz respeito ao Projeto Ensino à Distância do Colégio Militar de Manaus (EAD/CMM).

O Colégio Militar de Manaus (CMM) é um dos doze existentes no país que integra o

Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), inserido na macroárea funcional de

educação do Exército. Esses estabelecimentos de ensino fundamental II e médio

40

funcionam para suprir as demandas do(a)s filho(a)s do(a)s militares que

acompanham seus pais (e mães) nas diversas transferências ao longo das suas

carreiras. Entretanto, qualquer jovem brasileiro(a) que desejar, pode submeter-se a

concurso público para ingressar no 6º ano do ensino fundamental II ou no 1º ano do

ensino médio, conforme número de vagas ofertadas. Sobre tal assunto, diz-se que

O SCMB preocupa-se em formar jovens ativos e criativos,

autônomos e autores, providos de competências, habilidades e de

valores éticos e morais cultuados pelo Exército Brasileiro, ou seja,

indivíduos mais responsáveis, atuantes e transformadores.

(<http://www.depa.ensino.eb.br/>. Acesso 13 mai. 2016).

Interessa, aqui, registrar que o EAD/CMM - operando em um Ambiente Virtual

de Aprendizagem (AVA), no contexto de Tecnologia da Informação e das

Comunicações (TIC) aplicada à educação - foi criado em 2002 e uma das suas

finalidades principais é viabilizar a continuidade dos estudos dos filhos de militares

que estão fora de Manaus-AM, em particular, nos PEF. Conforme relato obtido do

Tenente-Coronel (da reserva) Robson Santos da Silva - que é Mestre em Educação

pela Universidade Federal do Amazonas e foi gestor do projeto em comento - entre

os anos de 2006 e 2008, o EAD/CMM foi expandido para jovens civis de algumas

comunidades adjacentes aos PEF da Amazônia, mediante o estabelecimento de um

instrumento de parceria entre o Exército e outros órgãos públicos interessados.

Entretanto, segundo aquele Oficial, a ação não prosperou, pois um dos entes

participantes, o Ministério da Educação, não conseguiu alocar recursos por mais de

um ano. Ainda assim, para que o ciclo trienal dos matriculados não fosse

interrompido, o próprio Exército arcou com os custos. Há que se sublinhar,

entretanto, que os Cabos e Soldados que servem nos PEF são nativos daquelas

localidades e, portanto, seus filhos continuam sendo também beneficiados pelo

projeto. Daí que

A partir dos resultados alcançados, a partir de 2006, o Ministério da

Educação (MEC), a Secretaria de Educação do Estado do Amazonas

(SEDUC/AM) e o Comando do Exército assinaram convênio para que

o Projeto também pudesse atender à comunidade civil de quatro

Pelotões Especiais de Fronteira (PEF): Vila Bittencourt, Palmeiras do

Javari, Estirão do Equador e Ipiranga, todas áreas sob influência do

8º. Batalhão de Infantaria de Selva (8º. BIS) localizado na cidade de

Tabatinga – AM. (SILVA, 2008, p. 125 -126).

41

O Programa Segundo Tempo/Forças no Esporte (Profesp) teve suas bases

de criação em 2003 e trata-se de um instrumento gerido, conjuntamente, pelo

Ministério do Esporte (ME) e pelo MD. A concepção é baseada na disponibilização

de atividades esportivas a jovens, no contraturno escolar, visando a promover

inclusão social, principalmente, em relação aos adolescentes que estejam em

situação de vulnerabilidade, com prioridade para os estudantes da rede pública. Há

também, sempre que possível, a inserção de outros temas, tais como cidadania e

até mesmo apoio complementar em algumas disciplinas escolares. Para isso,

ocorrem parcerias com governos estaduais e com as prefeituras dos municípios

onde houver demanda, mediante cumprimento das diretrizes do programa. O

Exército, como parte interessada, disponibiliza o uso de instalações das suas OM e

emprega alguns militares como monitores para o desenvolvimento dessas

atividades. Uma das ações marcantes, em relação ao impacto social do Profesp na

Amazônia pode ser esclarecido, tendo como exemplo, a sua implementação em São

Gabriel da Cachoeira-AM, no final de 2013. O público beneficiado abrangeu sujeitos

menores de doze anos, oriundos de algumas comunidades indígenas locais. Sobre

isso

O núcleo de atendimento do Programa Segundo Tempo

(PST)/Forças no Esporte, inaugurado nesta sexta-feira (11.10) pelo

ministro do Esporte, Aldo Rebelo, pelo secretário nacional de

Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social, Ricardo Cappelli, e pelo

comandante militar da Amazônia, general Villas Bôas, funciona na

Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira, no

Amazonas. O núcleo do PST é o primeiro do Brasil em regiões de

fronteira. O município tem 40 mil habitantes distribuídos na zona

urbana e na floresta. Mais de 90% deles são indígenas ou

descendentes de indígenas.[...] São 100 crianças, entre 10 e 11

anos, de origem indígena, em sua maioria provenientes das etnias

Baré, Tukáno e Baniwa, que receberão gratuitamente reforço

escolar, alimentação, noções de higiene, cidadania e civismo,

somados à prática de modalidades esportivas regulares e

tradicionais da cultura indígena. Aulas de futebol de salão, basquete,

vôlei, corrida de orientação e tênis de mesa serão oferecidas, assim

como arco e flecha e zarabatana, estas como uma forma de

valorização e resgate da cultura dos povos indígenas.

(<http://www.esporte.gov.br/>. Acesso em 14 mai. 2016).

42

Cabe explanar, também, que o supracitado programa continua funcionando e,

conforme informação obtida junto ao CMA, o Profesp será desenvolvido a partir do

mês de maio deste ano em vários PEF, inclusive no estado de Roraima.

Embora tenha partido de uma iniciativa pessoal e que se desenvolveu durante

uma faixa de tempo delimitada, é necessário discorrer sobre a ação chamada

Letramento na Amazônia Ocidental Brasileira, criada pela Major Célia Cristina de

Almeida Gauté, pertencente ao Quadro Complementar de Oficiais do Exército

(QCO), que é Mestre em Letras/Linguística, pela Universidade Federal de Santa

Maria - RS. Essa militar, entre 2009 e 2011, quando servia em Tefé-AM e, ao

participar de ACISO promovidas pela sua OM, esteve presente nos seguintes locais:

Comunidade Ribeirinha Catuiri de Cima (Nogueira-AM), PEF de Palmeira do Javari-

AM e PEF de Estirão do Equador-AM, bem como em escolas municipais e na

Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) da própria cidade de Tefé-

AM. Nesses locais, no âmbito da mencionada ação, conduziu a prática de Contador

de Histórias, para crianças das comunidades ribeirinhas, tendo alcançado, somente

em 2009, um total de oitocentos e vinte crianças beneficiadas. Contou, durante esse

tempo, com a doação de livros oriundos de colegas seus que serviam nos Colégios

Militares e na Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial (DEPA), bem como da

Academia Brasileira de Letras e da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

(FNLIJ). Em sua específica experiência, registre-se o anúncio sobre a realidade que

encontrou nos sujeitos daquelas comunidades:

Pude observar que o isolamento é enorme. Os moradores só saem

do local de voadeira (barco com motor) [...]. A diversão das crianças

é nadar no Rio Solimões. As casas possuem televisão, mas

nenhuma tem livros.[...] Em todas as ocasiões em que realizei o

trabalho com letramento, verifiquei que as crianças eram altamente

receptivas e se deslumbravam com o cenário, a variedade dos livros

e das atividades proporcionadas.[...] Elas queriam, ao mesmo tempo,

ouvir as histórias, manusear os livros, brincar com os fantoches e,

claro, com as outras crianças.[...] Agradeço, ainda, aos moradores de

Tefé e aos Pelotões Especiais de Fronteira, os quais tive o privilégio

de conhecer e de levar um pouco de leitura a esses rincões tão

esquecidos. Na maioria deles, o único representante do Governo é o

Exército Brasileiro, que acolhe, protege e cuida dos ribeirinhos com

muita dedicação e amor. (GAUTÉ, 2011, p. 43-44).

43

Isto posto, é possível firmar um entendimento acerca das diversas ações

socioeducativas, nas quais o Exército vem desempenhando, há muito tempo, um

papel colaborativo para o desenvolvimento da Amazônia. Em particular, tais projetos

ocorrem junto a comunidades marginalmente deslocadas de uma gama de serviços

públicos básicos, oportunizando aos seus sujeitos o acesso a elementos

estruturantes para a melhoria das suas condições de vida e alcance de dignidade,

no plano social.

2.6 OS PELOTÕES ESPECIAIS DE FRONTEIRA – A TRÍADE: VIDA (EDUCAÇÃO),

COMBATE E TRABALHO.

O significado do termo “Pelotão” diz respeito a uma Fração de Tropa, em

geral, comandada por um Aspirante-a-Oficial, Primeiro ou Segundo Tenente, estes

sendo os postos iniciais na carreira do Oficialato do Exército. O Pelotão está inserido

em uma Subunidade, chamada de Companhia e, esta, por sua vez, faz parte de uma

OM, também sendo nominada Unidade “valor Batalhão”. Um Pelotão, geralmente,

engloba um efetivo aproximado de trinta militares, entre os quais: Sargentos, Cabos

e Soldados. O Pelotão é dotado dos meios orgânicos (equipamentos) para cumprir

suas missões funcionais.

Ocorre que a ideia de PEF é consideravelmente diferente. Esses Pelotões

atuam de forma isolada e descentralizada dos seus Comandos enquadrantes, na

faixa de fronteira e, conforme já mostrado em momento anterior, existem,

atualmente, vinte e quatro na área do CMA. São vinculados a um determinado

Batalhão e respondem, imediatamente, a uma Companhia Especial de Fronteira (Cia

Esp Fron), esta que se localiza no interior da área do Batalhão, na sua sede. Como

exemplo, no estado de Roraima, especificamente, localizado na capital Boa Vista-

RR, existe o 7º Batalhão de Infantaria de Selva (7º BIS) – que agrega o nome de

Comando de Fronteira Roraima, então sua abreviatura: é C Fron RR/7º BIS. Dentro

das instalações desta OM, encontra-se a sua Cia Esp Fron, a qual tem a

responsabilidade de coordenar as ações dos: 1º PEF, em Bonfim; 2º PEF, em

Normandia; 3º PEF, em Pacaraima; 4º PEF, em Surucucu; 5º PEF, em Auaris e 6º

PEF, em Uiramutã.

44

Os PEF contam com efetivos maiores do que os de um Pelotão convencional

e, normalmente, tendo neles lotados alguns militares - homens e mulheres - do

Serviço de Saúde: médicos, dentistas, farmacêuticos e auxiliares de enfermagem. O

seu Comandante, em geral, é um jovem Tenente e acumula uma gama de

atribuições, principalmente, quando o PEF é muito destacado geograficamente dos

órgãos político-administrativos locais. Assim,

Cada pelotão é chefiado por um tenente com pouco mais de 25 anos

que exerce o papel de comandante militar, prefeito, juiz de paz,

delegado, gestor de assistência médico-odontológica, administrador

do programa de inclusão digital e o que mais for necessário assumir

nas comunidades carentes das imediações, esquecidas pelas

autoridades municipais, estaduais e federais. (VARELLA, 2006, p.

12).

Na maioria dos casos, os Cabos e Soldados são pessoas nascidas nas

localidades do PEF. De uma maneira geral, as instalações de um PEF são:

alojamentos, refeitório, Seção de Saúde, pavilhão de atividades administrativas,

salas para guarda de equipamentos, área para prática desportiva, horta, etc. Além

dessa estrutura tipicamente militar, existem algumas residências, chamadas de

Próprios Nacionais Residenciais (PNR), construídas para acomodar os familiares

dos Oficiais e Sargentos que, via de regra, passam um ou dois anos no PEF e,

depois desse tempo, são substituídos por outros militares que estão na sede: no

Comando do Batalhão - no caso de RR, por exemplo - na capital Boa Vista. Na

maioria desses Pelotões, também existe o chamado Pavilhão de Terceiros, local

destinado para receber agentes públicos de outros órgãos de Governo, caso algum

dia venham se instalar para exercer suas funções (por exemplo: Polícia Federal,

Ministério da Saúde, Ministério do Meio Ambiente, entre outros). O PEF é

autossuficiente, ou seja, tem vida própria para cumprir sua importante missão, que é

a manutenção da segurança das vias de acesso de entrada no país, resguardando a

soberania do Estado e marcando a sua presença nos limites demarcatórios

nacionais, em relação aos países fronteiriços. Os militares executam tarefas de

patrulhamento fluvial e a pé, através da selva, além de ocuparem postos fixos de

vigilância. Cabe ressaltar que o ressuprimento dos PEF em gêneros de alimentação

e medicamentos - estes, inclusive, para atender às comunidades locais – é

realizado, na maioria dos casos, com o apoio de voos periódicos da Aeronáutica.

45

Entretanto, importa aqui destacar, de forma muito relevante, o papel social

que o PEF protagoniza em relação aos sujeitos das comunidades onde estão

instalados. Existem vilas e povoados vizinhos dos Pelotões que são carentes das

mais variadas categorias de serviços públicos básicos, principalmente, em se

tratando de saúde e educação. Se o PEF não estivesse ali, haveria um enorme grau

de dificuldade a ser superado pela população local. Sobre o apoio no campo da

educação, é recorrente a participação das famílias dos Oficiais e Sargentos que vêm

de fora, notadamente as suas esposas, oriundas dos grandes centros do país, mas

que, ao se deparar com a realidade amazônida no entorno dos PEF, motivam-se a

colaborar em tarefas no Pelotão, ou atuam como professoras, contratadas pelas

prefeituras locais ou, ainda, prestando trabalho voluntário. Sobre isso, pode-se ver

que “Algumas esposas contribuem com algumas tarefas como a produção de

alimentos, há aquelas que se dedicam à área educacional, seja lecionando na

comunidade ou oferecendo cursos na própria vila militar” (SILVA, 2007, p. 160).

O lema dos PEF da Amazônia está sustentado na chamada “Tríade da

Soberania”: Vida, Combate e Trabalho! Para entender tal proposta, observe-se o

quadro a seguir:

Ilustração 4 – A “Tríade da Soberania” do PEF.

Fonte: Revista Verde-Oliva Nº 230 (2006, p. 49)

46

Entende-se, portanto, que o PEF constitui-se em um núcleo de vivência, ao

redor do qual, muitas pessoas são mobilizadas de forma constante para, em um

movimento colaborativo, minorar as barreiras impostas pela falta ou insuficiência de

atuação do poder público, no que diz respeito à sua operação funcional em diversos

vetores de promoção social. Assim, os habitantes das comunidades locais são

assistidos pelos militares e suas respectivas famílias, a despeito do fato de que

aquela fração de Combate ali esteja na condição de Sentinela Avançada do

Exército, na região amazônica. Isso pode fomentar significativas reflexões sobre a

complexidade e a representatividade de participação de tal estrutura, em particular

nas áreas de saúde e educação.

Em conformidade a essas argumentações, diz-se que

Os PEF representam a linha de frente na vigilância e na defesa da

soberania brasileira, [...] As gerações de jovens militares

acompanhados de suas famílias fizeram e fazem a diferença nos

pontos mais ermos do território brasileiro [...] Merece destaque a

participação das famílias, em especial das esposas [...] Cumprem-na

com amor, determinação e entusiasmo, em prol das causas sociais

das comunidades, assumindo funções de ensino, transmitindo o que

sabem, e o mais importante, acompanhado de carinho e atenção,

muitas vezes a maior necessidade daquela gente.[...] Já a

contribuição à educação ocorre em forma de pura solidariedade.

Esse importante vetor de desenvolvimento sociocultural é exercido

no isolamento da selva, por intermédio, mais uma vez, das

abnegadas esposas que invariavelmente são professoras,

coordenadoras pedagógicas, orientadoras educacionais,

desenvolvem trabalhos de cunho social, estimulam e organizam os

comunitários para o artesanato, ensinam ofícios diversos, enfim,

amparam a diversidade da cultura local, seja indígena ou ribeirinha.

[...] Os Oficiais e Sargentos, quando nas horas vagas e de lazer,

também exercem funções de professores e educadores das

comunidades do entorno e próximas dos PEF.(NETO,2012.p.19-21).

Procurou-se, dessa forma, no capítulo ora encerrado, descrever o grau de

pertencimento e de significado que o Exército Brasileiro carrega consigo e o sentido

dado em relação ao fenômeno amazônico, desde a sua ocupação, a partir de

meados do século XVII, pelos antecessores portugueses. Foi possível compreender

a ênfase em relação a Amazônia, enquanto tema estratégico de notável interesse,

bem como sua imbricada relação com programas e projetos que pautam pelo

47

desenvolvimento da região. Particularmente, mostrou-se o engajamento dos

militares e de seus acompanhantes, quando se encontram lotados nos quase trinta

PEF da vastíssima faixa de fronteira amazônica, sobretudo, na contribuição social às

comunidades lindeiras, até mesmo no campo da educação. Assim, tentou-se

explicitar o caráter de apoio social e comunitário, em benefício dos sujeitos nativos

de tão longínquas localidades amazônidas.

Para que se possa, mais a frente, neste trabalho, compreender melhor essas

ações socioeducativas praticadas em uma determinada comunidade, tratar-se-á, no

capítulo seguinte, sobre o embasamento teórico a respeito de educação

sociocomunitária e de tecnologias sociais, tudo com o objetivo de construir conexões

relacionais entre a teoria que suporta esses conceitos e sua investigação, na prática,

em um PEF, na Amazônia.

48

3. EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E TECNOLOGIAS SOCIAIS

“A educação é obra do coração”.

(João Bosco)

3.1 SOBRE EDUCAÇÃO: BREVES CONSIDERAÇÕES

Neste recorte da presente dissertação, será abordada a noção de educação

sociocomunitária, como possível caminho para contribuir com a transformação social

de sujeitos, partindo destes, em suas comunidades, mas também apoiados por meio

de iniciativas em projetos socioeducativos, como alguns dos elencados

anteriormente, pelo Exército, na Amazônia. Será tratado, também, como tema de

interesse e aderente às mesmas ações educativas, o conceito de tecnologias sociais

e sua possível aplicabilidade colaborativa em apoio a comunidades amazônidas.

Antes disso, porém, como breve e conveniente contextualização, entende-se

que educação, em sentido amplo, é um vastíssimo campo que permeia a vida

humana e, necessariamente, está presente nas relações que ocorrem entre

diferentes sujeitos, pois todos nós, desde quando nascemos, nas mais diversas e

pluriculturais sociedades do mundo, estamos imersos em processos educacionais.

Para se estabelecer uma reflexão de tão complexo e longevo tema da

humanidade, já na Antiguidade Clássica, por exemplo, essa prática social é tomada

à noção do que os gregos chamavam de Paideia, um modelo praticado para a

educação da criança visando à formação do homem, naquele contexto histórico.

Entretanto, para se definir educação, relacionada ao que se pretende

discorrer neste espaço, há que se pensar em alguns dos seus possíveis

significados. A etimologia da palavra remete-nos ao termo, do latim: Educare, o qual

denota um sentido de “cuidado”; outra possibilidade é referir-se a Educere, que diz

respeito aos atos de conduzir, guiar, levar para fora, mas sobretudo, em uma ideia

de fazer parte do processo de “liberar o potencial” de uma pessoa. Portanto, se

alguém cuida de outro e, de alguma forma, participa conjuntamente para a

emergência do que o outro pode e deseja saber, conhecer e fazer, a educação,

assim, é um processo social e dotado de uma ação prática.

49

Nesse sentido, não importa aqui explorar sistematicamente o

desenvolvimento histórico do conceito de educação, mas entender como esse

campo da dinâmica social contemporânea acontece em diferentes espaços e

mediante propostas, não necessariamente implementadas na escola, que é, por

excelência, o local mais comum que vem à nossa mente, quando se trata de praticar

e de se falar sobre educação.

Ao mesmo tempo, a posição em que nos encontramos atualmente, em um

planeta dito globalizado, sinaliza para a busca de alternativas que oportunizem

ações educativas em proveito das pessoas, não somente para que adquiram

competências e dominem habilidades que as tornem capazes de viver nesse

amálgama de demandas do mundo contemporâneo, o que parece ser uma

necessidade irrefutável. Igualmente relevante, é o pensar em uma educação – ou

em várias – que viabilizem a construção da visão própria de mundo de cada sujeito,

aliada às noções de autonomia, criticidade e empoderamento, para ser capaz, ele

próprio, de decidir aquilo que seja o melhor para a sua vida. A educação, portanto,

também pode ser entendida como um processo gradativo e constante, que se dá ao

longo da vida e nos transforma em pessoas menos ignorantes em relação ao

momento em que nascemos e, assim numa crescente de competências, sejamos

capazes de decidir, de forma autônoma, um projeto de vida pretendido e tudo aquilo

que deve ser feito para efetivamente transformá-lo em realidade. (CHAVES, 2007).

É, assim, a educação, um campo de forças no qual se tangenciam e se

conflitam diferentes interesses e, portanto, não caberia, em um discurso minimalista,

afirmar que esse ou aquele modelo de educação é certo ou errado. A

problematização ora anunciada intenciona refletir sobre possibilidades de colaborar

com o processo de tomada de consciência dos sujeitos, a respeito do que possa,

neles despertar - e, a partir da iniciativa deles, ainda que apoiados por agentes

externos - transformações sociais que venham ao encontro dos seus interesses.

Com essas considerações iniciais, é conveniente tratar agora, no escopo do

presente trabalho, sobre como a educação pode ser manifesta em outros locais e

por parte de outros atores, que não obrigatoriamente os que integram o sistema

formal de educação, notadamente, em seu local mais característico, que é a escola.

Dessa forma, é coerente e possível, portanto, ratificar que algumas organizações -

50

sejam privadas ou públicas, tais como: Igreja, associações de moradores,

movimentos culturais, ONG’s, clubes, entidades de classe, fundações e, até mesmo

Instituições do Estado, excluídas as da seara educacional - são capazes de criar e

operar programas e projetos educativos em ambientes próprios. Por isso, há

conexão dessa realidade aqui discutida com, por exemplo, um conjunto de ações

promovidas pelo Exército Brasileiro na região amazônica, como já foi apresentado

previamente.

Esse movimento de se fazer educação fora da escola tem se mostrado mais

frequente e intenso nas últimas décadas como própria consequência das

especificidades do novo contexto social do qual fazemos parte. Entretanto, é preciso

afirmar que, histórica e socialmente, essa prática sempre se fez presente ao longo

de toda a existência humana. Mas acontece que hoje, a família tornou-se, em

grande parte, nuclear, com menos integrantes e, em muitos casos, pais e mães

buscam inserção no mercado de trabalho, conduzindo as crianças para uma

convivência, também educativa, em creches, por exemplo. A vida urbana, não raro,

apresenta cenários de violência e de encurtamento dos espaços públicos de lazer e

dos relacionamentos mais próximos, limitando, muitas vezes, as possibilidades de

encontros entre crianças umas com as outras, em um ambiente educativo seguro e

agradável. Aliado a tudo isso e, em função da própria complexidade contemporânea,

a escola não suporta mais, total e exclusivamente, atender às crescentes demandas

sociais que se apresentam, resultantes dos problemas supramencionados. Tomada

como aquele local único e ideal para se fazer educação, essa noção de escola

supridora de todas as lacunas presentes é um problema concreto na realidade dos

dias de hoje, o que tem sido repensado e criticado sob outros olhares. Sobre isso,

Alfonso (2001) e Garcia (2009 apud Groppo, 2013) afirmam haver uma crise de

legitimidade no sistema escolar, devido à sobrecarga de atribuições impostas à

educação institucionalizada, em função da redução da família, bem como dos óbices

existentes nos espaços comunitários de convivência nas grandes cidades.

Conforme Caro (2012), aceita-se, atualmente, como algo bastante comum, o

fato de a educação não ser um campo exclusivo do ambiente escolar. Como

consequência da realidade apresentada, em que a escola, contraditoriamente,

deveria abarcar um volume cada vez maior de responsabilidades, mas isso não é

possível em termos práticos, então, gradativamente, vem se consolidando um

51

posicionamento de que essa instituição, hoje em dia – e, aliás, assim sempre foi,

histórica e socialmente em todo o percurso da humanidade - não é o único lugar

onde se aprende e se ensina, ou onde somente se educa. É necessário, pois,

conhecer outras maneiras de fazê-lo. Em virtude desse panorama, muitos

pesquisadores e educadores têm se debruçado sobre tal questão, corroborando com

(e sobre) a necessidade de problematizar a respeito de importante pauta, a qual

afeta diretamente o papel de tomada de iniciativas educacionais extraescolares.

A seguir, pretende-se discorrer sobre uma base conceitual em relação à

educação sociocomunitária, como alternativa ao modelo tradicional.

3.2 EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA

Em consonância com as ideias supramencionadas, intenciona-se anunciar a

ideia de uma educação sociocomunitária, enquanto uma possibilidade diversa

daquela formal, já abordada. Entretanto, cabe dizer que não se exclui a possibilidade

de virem a ocorrer práticas educativas sociocomunitárias, mesmo no ambiente

escolar. Entre outros aspectos, segundo Gomes (2008), trata-se de uma proposta a

ser estudada e que é inerente à investigação sobre a educação, mas não se

apresenta, totalmente, como sendo uma solução definitiva para os seus grandes

problemas. O mesmo autor menciona, ainda, que é real o fato de o Estado

considerar que a escola possa, também, ser uma articuladora da comunidade.

Entretanto, na maior parte dos casos, em seu desenvolvimento, a educação

sociocomunitária é mais evidenciada no ambiente extraescolar. Pretende-se, ainda,

explorar alguns possíveis entendimentos a seu respeito, uma vez que não há, sobre

si, uma definição unívoca e tomada como pronta e verdadeira. Trata-se, portanto, de

um conceito em construção, no plano socioeducativo, bem como, trazendo consigo

uma constante reflexão sobre teoria e prática, portanto práxis, que possa ser

desenvolvida junto de sujeitos, em suas comunidades, contribuindo para uma

postura autonômica dos mesmos e, a partir destes, vislumbrando a consolidação de

transformações sociais.

Para aclarar esses elementos afirmados, é necessário apoio de referenciais

teóricos que exploram o tema, em seguida a serem enunciados.

52

A educação sociocomunitária, sendo plurívoca, tem encontrado um espaço

fecundo no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) do UNISAL, sendo,

muito provavelmente, seu maior fórum de discussão na Academia brasileira. Pode-

se dizer que a sua concepção guarda forte vínculo com a obra de João Melchior

Bosco que, em meados do século XIX, na Itália, idealizou e pôs em prática um

Sistema Preventivo de educação. Baseava-se, em linhas gerais, em ações voltadas

para o cuidado social e acolhimento de jovens rapazes que se encontravam em

situação de vulnerabilidade nas vilas de Turim, educando-os no Oratório Festivo,

local do seu projeto, ao qual o nominou referenciando a São Francisco de Sales –

daí o esclarecimento sobre a correlação existente entre as Instituições de Ensino

ditas Salesianas e o seu patrono: João Bosco. Tratava-se, portanto, de uma

iniciativa intencionalmente proposta para incentivar a motivação de transformação

social daqueles sujeitos, considerados marginalizados, à época, e erigiu tal

empreitada, agregando outras pessoas para apoiá-lo (SOFFNER; SANDRINI, 2012).

Uma primeira tentativa de dar sentido à educação sociocomunitária,

historicamente ligada ao projeto de João Bosco, alinha-se ao contexto de uma busca

transformadora, por meio de uma reflexiva relação entre teoria e prática – práxis.

Bosco construiu um modelo de prevenção sustentado em sólidas bases racionais,

espirituais e afetivas (Razão, Religião e Amorevolezza/carinho) e com inegável

intencionalidade prática. Daí, sublinhando sua práxis, não apenas idealizou um

arcabouço teórico, mas observava e o aplicava em sua experiência prática, por meio

de atividades esportivas, de lazer e, posteriormente, até criando escolas

profissionais.

Entende-se, também, que o projeto articulado por João Bosco desenvolveu-se

em uma instituição singular, externa à escolar-tradicional, inspirado em consistentes

valores morais. Enquanto religioso por vocação e, portanto, sustentado em um

modelo de vida cristã, entendia que a catequese, a oração e os ensinamentos da

Igreja Católica eram seguros pilares para a prevenção e proteção dos meninos por

ele acolhidos. Mas, ampliando o alcance operativo da sua obra, procurou atuar em

outros campos da vida social que pudessem aglutinar a consolidação formativa de

um homem integral, não abrindo mão, por exemplo, das práticas de ensino escolar.

Assim, o Sistema Preventivo do Oratório englobava a partilha de vários vieses:

afetivo, convivência intersubjetiva perante os jovens, estudos regulares. Conforme

53

Braido (apud João Bosco, 2005), algumas lições registradas nas Memórias do

Oratório mencionam a presença educativa, as oficinas, as aulas próprias, o meio

disciplinar manifestado como vigilância e presença, estando junto dos jovens. João

Bosco descreveu, ainda, no seu supracitado texto, as ações educativas que tomou

em relação aos aspectos da disciplina e da moralidade, mediante participação

colaborativa de outros jovens que viviam no entorno do Oratório de São Francisco.

Registrou, também, que, concomitantemente, aos planos religioso e moral, procurou

oferecer aulas sobre áreas do conhecimento tradicional, como por exemplo:

aritmética, desenho, leitura e escrita.

Não limitando, mas explicando em sentido amplo, pode-se dizer que a sua

obra visava a educar e a acolher jovens, no seio das suas comunidades – aliás, o

que era o Oratório, se não uma comunidade de jovens? - em um caminho voltado

para a conquista de autonomia, de melhoria das condições de vida e exercício pleno

de cidadania diante do contexto de efervescência política e de exploração trabalhista

em que viviam - mediante ações colaborativas e intersubjetivas entre educadores e

aprendentes. Por isso, ao se descrever a concepção de educação sociocomunitária,

no âmbito do PPGE do UNISAL, diz-se que

[...] a sua denominação de “educação sócio-comunitária”. Entende-se

o “comunitário” como “como o predomínio das relações de interesses

comuns, com características de intersubjetividade propiciadoras de

modalidades organizacionais que podem construir autonomia”; e o

“societário” como “como a expressão da convivência caracterizada

pelo conflito entre a normatização instaurada pela racionalidade

burocrática e os direitos conquistados pela cidadania, este Programa

se propõe investigar as condições de práxis educativa que intensifique

esses processos de autonomia e cidadania”. (REZENDE, 2004, apud

SANTOS, 2007, p. 21).

Consonante com essa linha de pensamento, ao privilegiar a autonomia do

sujeito, parece coerente entender a educação sociocomunitária como aquela que

também propicia a escuta do aprendente e mostra-se aberta e disponível ao diálogo,

bem como atenta às vozes de quem sente necessidade se manifestar. Seria

incongruente se falar de uma educação que visa, entre outros aspectos, a colaborar

na transformação social, mas não ouve o seu principal interessado. Então, estando o

aluno-sujeito imerso nessa relação proativa e transformadora, deve ser capaz de

54

participar, de se expressar, de ser percebido e ser valorizado em tal dinâmica; por

isso o próprio João Bosco afirmava que “Dê-se aos alunos oportunidade de expor

livremente seus pensamentos[...]Escutem-nos, deixem-nos falar muito”. (JOÃO

BOSCO, apud BIANCO, 1987, p. 23). Há, portanto, um elemento fundamental

presente na educação sociocomunitária, com base no pensamento de João Bosco: o

diálogo.

No transcurso de sua análise, essa categoria de educação em tela apresenta-

se consistentemente sólida no cotidiano dos debates salesianos, em que pese uma

notória ênfase no PPGE do UNISAL. Alinhado ao pensamento expresso pelo

referencial anterior, Paulo de Tarso Gomes - que foi um dos primeiros

Coordenadores do Programa - por exemplo, lembra que “a proposta da investigação

em Educação Sócio-comunitária surgiu do estudo da identidade histórica de uma

prática educativa, a educação salesiana”. (GOMES, 2008, p. 43). Com isso, é

possível compreender quão marcante é a aproximação com a obra de João Bosco.

A educação sociocomunitária pode ser compreendida, ainda, em um sentido

de proposta educativa estruturada, originada de forma intencional, pela própria

comunidade. Neste caso, os sujeitos podem se mobilizar, a partir da discussão

sobre os seus problemas para que, em continuidade, deliberem sobre o

estabelecimento das consequentes ações, em torno de se criar e manter

determinado projeto educativo do seu interesse. De outro modo, é possível que uma

entidade de fora da comunidade proponha a estruturação e a implementação de um

plano, de forma conjunta e colaborativa com os sujeitos interessados nas

transformações sociais que imaginam, o que, efetivamente deve ser realizado por

estes. Sobre isso,

A Educação Sócio-comunitária é, assim, numa primeira visão, o

estudo de uma tática pela qual a comunidade intencionalmente

busca mudar algo na sociedade por meio de processos educativos.

[...] Porém, é preciso ser um pouco menos otimista e admitir outra

visão, que é aquela que nos leva a incluir no âmbito da Educação

Sócio-comunitária os casos em que a comunidade é articulada para

mudanças na sociedade. Nesse caso, é preciso admitir que uma

entidade ou instituição externa, provoque, fortaleça e ofereça um

projeto à comunidade, para que ela faça o trabalho final de efetivar

mudanças. (GOMES, 2008, p. 45).

55

Deve-se sublinhar no trecho anterior a ideia de que algum órgão que não

pertença, necessariamente, do cotidiano da comunidade, participe como um

colaborador, mediante proposta de ação educativa sociocomunitária, o que,

novamente, aproxima este conceito com algumas práticas desenvolvidas pelo

Exército, na Amazônia, elencadas no capítulo anterior.

Interessa afirmar, também, a inseparável relação dessa prática educativa com

a realidade de vida da comunidade, onde se encontram os sujeitos afetados,

aqueles que irão, de alguma forma, se beneficiar da construção de um projeto

sociocomunitário, É assim que Gomes (2008), ainda, reforça essa evidência, uma

vez que, em se tratando de educação sociocomunitária, deve haver “seu necessário

envolvimento com o cotidiano e a impossibilidade de ela acontecer sem que haja,

em seu entorno espacial e histórico, uma comunidade”. (GOMES, 2008, p. 43).

Conforme já afirmado anteriormente, a educação sociocomunitária não teve

seu conceito esgotado e/ou reduzido a uma definição restrita; ao contrário, surgem

constantes reflexões a seu respeito, em relação à sua teoria e ao seu caráter prático

e, portanto, uma construção epistemológica polissêmica, por assim dizer. Como se

preocupa com o sujeito social, pertencente a um contexto histórico do qual faz parte

e está imbricada com outros segmentos das Ciências da Educação, é muito provável

que deva se entretecer com essas áreas do conhecimento, o que, opostamente ao

que se poderia pensar de forma mais imediatista, fortalecerá o seu desenvolvimento

enquanto um caminho para ser educação práxica. Conforme Gomes (2008), a

educação sociocomunitária, ao cuidar também dos processos educativos que

permeiam os sujeitos que são sociais e históricos, tal evidência, então, enseja na

ideia de que esse diálogo multidisciplinar seja necessário.

Para Chaves e Soffner (2012), devido ao fato de a educação sociocomunitária

estar relacionada aos problemas da comunidade, visando a transformações sociais,

os próprios sujeitos afetados podem passar a compreender e questionar o modelo

formal-tradicional escolar como insuficiente para a consecução dos seus projetos de

autonomia, vindo, tal fato, a motivar outras possíveis alternativas que facilitem as

ações almejadas.

Isto posto e, após a necessária contextualização teórica, é possível anunciar,

também, uma aproximação entre a educação sociocomunitária e um modelo

56

pedagógico chamado de educação popular, cujo seu maior representante, nacional

e internacionalmente reconhecido, como pensador e disseminador dessa

concepção, foi Paulo Freire.

Em linhas gerais, sobre Freire, pode-se dizer que, inicialmente, experimentou

um método de alfabetização voltado para pessoas adultas, promovidas no interior do

Nordeste brasileiro, na década de 60, cuja ação didática se dava por meio de

palavras geradoras, pertencentes ao contexto social da comunidade no seu

momento histórico. Obviamente, seria descaso e, ao mesmo tempo pretensão

inadequada, reduzir a sua obra à ideia aqui posta ou querer esgotá-la neste espaço,

o qual é insuficiente para tal. Entretanto, é indispensável afirmar que Paulo Freire,

entre outras convicções, e mediante, também, a prática marcante já citada, defendia

a autonomia do sujeito, a possibilidade deste fazer a leitura crítica da sua visão

própria de mundo e ser protagonista dele em seu contexto histórico, bem como que

a educação pudesse ser um campo que viabilizasse a transformação social dos que

dela fossem partícipes ativos. Sua obra e pensamento, via de regra, carregavam

uma preocupação muito significativa em relação aos sujeitos marginalizados na

sociedade, aos que se referiu, em consonância com a expressão proferida por Josué

de Castro, de os esfarrapados do mundo e/ou os “condenados da Terra”, os

excluídos (FREIRE, 1996). Lutava por uma educação que os fizesse se posicionar

ativamente em busca do alcance da autonomia, como forma de libertação contra as

graves injustiças sociais de toda ordem que os assolava. Assim, a educação deveria

ser transformadora, então que fosse permeada por uma relação intersubjetiva entre

educador e educando, em que ambos aprendessem uns com os outros, uma vez

que “Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si

mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. (FREIRE,

1987, p. 69). Questionava o modelo tradicional, ao qual lhe atribuía a noção de uma

educação bancária, em que aquele primeiro (educador) era o depositante de

conteúdos no segundo (educando), este o mero sujeito passivo do processo; isto

porque “Na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam

sábios aos que julgam nada saber.” (FREIRE, 1987, p. 58).

Note-se, acima apontado, o seu posicionamento crítico e questionador em

relação à educação escolar, mas não se deve afirmar que, por isso, a considerava

dispensável. Para Freire (1996), o educador não deveria se restringir somente a

57

ensinar conteúdos, mais do que isso, seu papel era de mostrar aos educandos sua

capacidade de conhecer o mundo e nele intervir, assim, como dizia, o professor

estaria pensando certo e ensinando seus alunos a pensarem certo.

Em seu modo de pensar, os sujeitos “Revelam-se, assim, como realmente

são: dimensões concretas e históricas de uma dada realidade” (FREIRE, 1987, p.90)

e, por isso, percebe-se outra aproximação evidente com a educação

sociocomunitária, uma vez que também, nesta alternativa, a intervenção a ser

praticada valorizará os saberes comunitários presentes nos seus sujeitos, em seus

modos de vida próprios e inerentes à realidade histórica em que convivem, pois

“Esta educação parte do princípio de que a comunidade já possui sua história e,

portanto, deve ser respeitada em sua realidade, com suas limitações e

potencialidades” (CARO, 2012, p. 45). Além do que, parece inviável falar-se de uma

educação transformadora, seja sociocomunitária ou popular, que imponha

conhecimentos, saberes e conteúdos desalinhados da situação concreta daquela

que a comunidade vivencia.

É, portanto, justamente nos vieses de transformação social, de práxis

educativa e do sentido de autonomia do sujeito que se mostram convergentes a

educação popular e a educação sociocomunitária. Ambas concepções fazem um

contraponto ao sistema formal-tradicional. Este, muitas vezes, obriga meramente a

transmissão de conteúdos, afastados do compromisso com a formação de uma

pessoa verdadeiramente atuante em seu ambiente comunitário e que possa se

posicionar por mudanças sociais de interesse. Da mesma forma, a educação

sociocomunitária, colaborando com ações e projetos planejados, mas privilegiando a

ideia de que a própria comunidade promova as mudanças sociais pretendidas, não

poderia negar o protagonismo dos seus sujeitos e, assim, o educador e o educando

devem estar em sintonia de propósitos, em torno de práticas que favoreçam o

relacionamento intersubjetivo desses partícipes. Isso traz, novamente, uma forte

proximidade epistemológica com a educação popular.

De forma coerente, há que se refletir, necessariamente também, que, se a

educação sociocomunitária identifica-se com a noção de práxis, sendo “Práxis –

porque prática inseparável da teoria e transformadora da realidade.” (ANTÔNIO,

2012, p. 59), em semelhante convicção, Paulo Freire pensava sobre esse mesmo

58

conceito, ao descrever a noção de uma educação problematizadora, imbricada na

ideia de inconclusão do homem, enquanto ser histórico, portanto, em “um quefazer

permanente[...] Desta maneira, a educação se refaz constantemente na práxis. Para

ser tem que estar sendo”. (FREIRE, 1987, p. 73). Na práxis freireana, coincide outro

componente com a educação sociocomunitária, uma vez que, conforme afirmava, “A

reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática [...]”

(FREIRE, 1996, p. 22). Daí que, ambas as propostas educativas não prescindem de

um permanente esforço voltado para, efetivamente, oferecer projetos que sejam

dotados de ações concretas, provocadoras de reflexões para, se necessário,

modificarem o modelo teórico presente, apropriar-se de outros referenciais,

conquanto, em um movimento investigativo permanente, que oportunize

transformações sociais em favor dos sujeitos, por meio de processos educativos. A

práxis é, portanto, um conceito comum, pois se é um ir e vir sistemático entre teoria

e prática na educação sociocomunitária, também assim o é, uma dinâmica perene

em termos de uma educação popular. Também, conforme o mesmo Freire (1996),

mesmo a formação docente, enquanto componente da educação, também necessita

de uma reflexão crítica sobre a sua prática, bem como em relação à própria teoria,

em que tal processo indissociável acabe por confundir uma com a outra.

Chama a atenção também, outro ponto de congruência entre a educação

sociocomunitária e a educação popular, o fato de que, enquanto a primeira oferece-

se como opção para auxiliar na construção de autonomia e de transformações

sociais, notadamente, se referem essas bases teóricas em favor daqueles que, em

geral, possam se encontrar em situação de vulnerabilidade social, ideia muito

semelhante à defendida pela educação popular de Freire, em relação aos seus

esfarrapados (que poderiam ser, histórica e temporalmente aqui deslocados, os

mesmos jovens dos guetos de Turim, acolhidos por João Bosco no Oratório Festivo).

Quer-se dizer, com isso, parecer incoerente haver uma educação sociocomunitária

em que não haja o sentido de comunidade, sendo este, também, aquele local onde,

segundo Gomes (2008), predominam o preconceito e as exclusões que menos são

notadas.

Dessa forma, não excluindo outras possíveis interpretações a seu respeito,

pode-se compreender a educação sociocomunitária como uma categoria estudada a

partir de diversos olhares e vozes, que deve interagir com outras humanidades e

59

pode ser desenvolvida em múltiplos ambientes, inclusive, no extraescolar. Também,

entre outros aspectos - a exemplo do Sistema Preventivo de João Bosco e com

aproximações com a educação popular, associada à obra de Paulo Freire – apoia-se

na noção de práxis, reflexão entre teoria e prática, sinalizando para a autonomia dos

sujeitos e transformação social destes. Cabem, na sua abrangência de atuação,

projetos iniciados pela própria comunidade, ou, em vez disso, planejados e

estruturados por agentes externos a ela. Espera-se, assim, que esse entendimento

contribua com tantos outros que possam surgir no debate acadêmico a respeito do

seu significado.

Entretanto, com base nesse conjunto de referenciais teóricos enunciados,

deve-se pontuar, como aspecto de interesse específico no presente trabalho, o fato

de que o Exército Brasileiro, na Amazônia, planeja e desenvolve projetos

socioeducativos, como por exemplo, alguns daqueles já descritos neste texto,

pensando em auxiliar no benefício de sujeitos viventes em comunidades carentes da

região. Acredita-se, portanto, que aquele ente externo esteja atuando, no campo da

educação, com traços de natureza sociocomunitária, intencionando contribuir na

melhoria de vida de algumas pessoas e, por assim dizer, que tais instrumentos

possam subsidiar possíveis e futuras transformações sociais desses sujeitos

amazônidas; o que será estudado no decorrer desta dissertação. Cabe pontuar,

entretanto, neste caso, o sentido de transformação notadamente comunitária e, não

significando o modelo de reorganização ou de ruptura das estruturas sociais

vigentes, sob a ótica freireana.

Conforme anunciado nas primeiras linhas deste capítulo, será explorada, a

partir de agora, a noção de tecnologias sociais, bem como a aplicabilidade de tal

conceito ser factível, colaborativamente, com práticas no âmbito da educação

sociocomunitária.

60

3.3 TECNOLOGIAS SOCIAIS

É preciso, já no início desta abordagem, afirmar que o conceito de tecnologias

sociais não é mesmo de tecnologias da informação e das comunicações (TIC’s), o

que, se não explicitado adequadamente, poderia conduzir a um entendimento

errôneo. Não raro, tal confusão conceitual ocorre devido ao fato de que, no senso

comum, parece haver uma tendência de se considerar o termo “tecnologia” como

totalizante, único, completo e cabível para tudo aquilo que pode ser categorizado no

campo dos recursos e sistemas digitais ou computacionais. Em outro sentido e de

amplitude muito mais abrangente, as tecnologias sociais tratam de instrumentos,

métodos, procedimentos, programas, projetos, iniciativas, práticas e ações concretas

direcionadas para a inclusão social e busca de soluções para problemas sociais de

sujeitos em suas comunidades. Então, além das TIC’s, as tecnologias sociais, a

título de exemplos bastante realistas, entre outros, podem ser materializadas em:

técnicas de plantio e cultivo, geração alternativa de energia, cooperativas planejadas

e instrumentadas de reciclados para melhoria de renda, captação de águas pluviais,

projetos educativos comunitários de inclusão social, etc. Neste trabalho, porém, a

abordagem focal será em torno das TIC’s, estas como dimensão integrante das

tecnologias sociais. As tecnologias sociais, portanto, englobam múltiplos esforços

para o atendimento de demandas, em que se mobilizem diversos agentes e órgãos

promotores de programas e projetos – também, e não somente TIC’s - voltados para

a comunidade. Tal processo deve ser interativo e iniciado a partir do anúncio da voz

de quem deseja solucionar os seus problemas sociais. Assim, é possível adotar o

conceito de tecnologias sociais como o

Conjunto de técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida. Tecnologia Social implica: compromisso com a transformação social, criação de um espaço de descoberta e escuta de demandas e necessidades sociais, relevância e eficácia social, sustentabilidade socioambiental e econômica, inovação, organização e sistematização dos conhecimentos, acessibilidade e apropriação das tecnologias, um processo pedagógico para todos os envolvidos, o diálogo entre diferentes saberes, difusão e ação educativa, processos participativos de planejamento, acompanhamento e avaliação, a construção cidadã do processo democrático. (Disponível em<http://www.itsbrasil.org.br/conceito-de-tecnologia-social>. Acesso em 26 abr. 2016).

61

Assim, parece bem razoável se pensar que este mundo globalizado do século

XXI está experimentando descobertas inéditas e crescentes nos campos da

robótica, da nanotecnologia, da biotecnologia, soluções integradas de comunicação

cada vez mais interativas, bem como na oferta de equipamentos, serviços e

sistemas computacionais de última geração. Conforme Lévy (2001), pode-se, hoje

em dia, por meio de um computador e de uma conexão telefônica acessar a quase

todas as informações disponíveis no mundo. As TIC’s têm se desenvolvido em larga

capilaridade mundo afora e, face tal realidade, entende-se que o galopante

desenvolvimento tecnológico da atualidade, como também as constantes

transformações dessa tecnologia, impactam na vida das pessoas e nas suas

dinâmicas sociais cotidianas, inclusive, em matéria de educação e nos processos de

ensino e de aprendizagem. A variabilidade do uso da tecnologia produz reflexos

diretos sobre as pessoas, comunidades, instituições de ensino, empresas e onde

houver possibilidade de acesso e de compartilhamento, uma vez que

Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no

mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os

homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da

metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os

tipos. Escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são

capturados por uma informática cada vez mais avançada.

(LÉVY,1993, p.7).

Já entendida, em momento anterior, a diferença conceitual entre TIC’s e

tecnologias sociais, cabe agora, necessariamente, compreender o significado de

“tecnologia” em sentido amplo, com vistas a, posteriormente, compreender-se as

maneiras pelas quais essa área do conhecimento possa estabelecer um vínculo de

empregabilidade com projetos socioeducativos. Na sua etimologia, diz-se da “techné

grega como sendo arte ou destreza, enquanto o logos diz respeito à palavra;

tecnologia é, portanto, o sentido e a finalidade das artes”. (SANCHO, 1998 apud

SOFFNER, 2007, p. 40). Na tentativa de entendê-la melhor, a tecnologia, além de

ser o estudo sobre a técnica, em linhas gerais, engloba um conjunto de

possibilidades que podem, de alguma forma, contribuir para a melhoria da vida das

pessoas nas mais variadas faces de convívio social, até mesmo, tratando-se de

educação e dos processos de ensino-aprendizagem nela contidos, e, por isso, é que

62

“a tecnologia é tudo que amplia os sentidos humanos, inclusive no seu papel dentro

dos processos de aprendizagem, já que amplia nossos sentidos e nossa visão de

mundo”. (SOFFNER, 2007, p. 40).

Segundo Baumgarten (2006), a tecnologia é uma atividade socialmente

organizada e planejada para ações práticas; dessa maneira, é razoável pensar que

seu conceito pressupõe o envolvimento dos atores sociais que a implementam, em

proveito de melhorias que venham atender aos interesses das pessoas, mas que,

assim como a educação, exige a adoção de planos que resultem efetivamente em

impactos concretos para os sujeitos afetados. É preciso, assim, se falar que

tecnologias sociais, também, em uma noção de práxis, podem apoiar planejamentos

calcados em modelos teóricos preestabelecidos e suas aplicações correlatas

(apostilas digitais, jogos interativos, ensino à distância, pesquisa sistematizada em

sites da Internet, leitura de livros eletrônicos, etc.) e, reflexivamente, implementar

práticas educativas envolvendo educadores e aprendentes, levando em conta a

necessidade de haver eficácia no processo, ou seja, uma prática que resulte em

resultado prático para os sujeitos beneficiados. Tal resultado, portanto, deve abarcar

em si o que seja realmente concreto para a comunidade, concreto porque tem um

sentido, um significado próprio para ela, faz parte da sua realidade e pode

transformá-la, se assim seus sujeitos conduzirem tal movimento. Daí, então, que as

tecnologias sociais tangenciam a noção de práxis, reflexão perene entre teoria e

prática para possíveis transformações. Justamente, no ponto central que mais nos

interessa e, especificamente, no plano de inclusão social e digital atrelados à

educação, aí reside uma importante discussão, em torno da qual percebe-se que,

não raro, confunde-se o uso dos equipamentos de informática e de vários artefatos,

como por exemplo: computadores pessoais, tablets, smartphones, entre outros,

firmando-se uma convicção incompleta de que isso, por si só, esgota a amplitude do

emprego da tecnologia. Coloca-se no centro da discussão, portanto, os fins a que se

pretendem alcançar, quando se pensa em maximizar o emprego da tecnologia em

prol da educação e não somente os meios existentes para informatizar ou digitalizar

conteúdos em plataformas e/ou em softwares disponíveis no mercado. Parece muito

coerente afirmar que o acesso e a disponibilidade àqueles dispositivos, nas últimas

décadas, estão crescendo exponencialmente e, por isso mesmo, torna-se

necessária uma abordagem finalística para a educação, ou seja, que gere resultados

63

concretos nos processos educacionais, por parte da tecnologia. De acordo com

Chaves e Soffner (2012), o mundo atual atingiu um estágio em que os recursos

tecnológicos informacionais são considerados commodities, em função de tamanha

disponibilidade e onipresença e, por isso, a educação é uma variável que depende

diretamente do emprego racional e dotado de finalidade, tanto da tecnologia, quanto

da informação, amplamente ofertadas nos dias de hoje.

Nesse mesmo contexto, Lévy (1993) insiste que deve-se mudar o foco, o qual

está direcionado aos objetos (equipamentos e programas) para o projeto, este sim,

voltado para a criação de um ambiente cognitivo e de relacionamento intersubjetivo

que se pretende construir com a tecnologia. Busca-se, então, ratificar que o mero

uso dos equipamentos e acesso a uma gama de aplicativos ou sistemas e softwares

de informática não garantem a prática socioeducativa mais consistente, preterindo o

alcance dos seus fins. Ou seja, justamente o pilar social de melhoria das condições

de vida e de postura transformadora não será necessariamente sustentado, se a

concepção teórica, reflexivamente, não mudar a prática do emprego da tecnologia

em educação. Portanto, em um panorama de viés educativo que prioriza a

autonomia dos sujeitos em suas comunidades, visando a transformações sociais, há

que se imaginar um (ou mais) modelos de educação notadamente comprometidos

com o atendimento das demandas sociais que se apresentam e que possam ser

supridas pelo binômio: tecnologia-educação.

Como foi discutido previamente, a própria instituição escolar, sob um olhar

crítico de quem atenta-se em torno da problematização de que tal agência oficial da

educação formal não consegue operar com exclusividade todas as ações

necessárias e expectadas pela sociedade, ela mesma, a escola, falha na incompleta

e equivocada ação de promover o emprego mais adequado da tecnologia em favor

dos educandos. Paradoxalmente, mesmo na rede pública, onde tem havido uma

massificação de computadores e de sistemas, incluindo o acesso à Internet - o que

é, em uma primeira análise, algo extremamente positivo - não se pode afirmar que a

tecnologia esteja na mesma proporção de um alcance mais efetivo. Então, reitera-se

que reproduzir conteúdos em instrumentos tecnológicos e/ou em sistemas

pedagógicos digitais - slogans supostamente inovadores - não significa adotar uma

postura eficaz para os fins pretendidos no já mencionado “bipé”: tecnologia-

educação. Pode-se, inclusive, retomar-se a ideia sustentada na educação popular e

64

sua aproximação com a educação sociocomunitária, acerca da marcante e

mandatória relação intersubjetiva entre educador e educando, em que seja muito

difícil se pensar em construir autonomia e colaborar com transformações sociais,

mediante apenas a inserção e a reprodução de conteúdos, notadamente, cumpridas

essas etapas no modelo tradicional. Outra questão que se apresenta, coerente com

o acima descrito e, conforme Chaves e Soffner (2012), é a reflexão sobre qual

resultado que se espera dos processos pedagógicos, também daqueles de natureza

comunitária, uma vez que, como já visto, houve (e continua havendo) investimentos

financeiros, materiais, humanos, alocação de tempo e do próprio avanço

tecnológico, a despeito da grande oferta e ubiquidade de equipamentos e canais de

acesso à Internet, tanto nas escolas como nas residências. Ou seja, deve-se

responder a seguinte questão: em que medida os processos de ensino-

aprendizagem tiveram (estão apresentando) ganhos qualitativos, tendo em vista

que, quantitativamente, as demandas materiais e de acesso foram supridas pelo

incremento daqueles recursos?

Discute-se, portanto, a ideia de um conceito mais abrangente, que componha

um rol de opções práticas socioeducativas, voltadas para as comunidades e que

contribua com o desenvolvimento de projetos que preencham as lacunas deixadas

pelo esforço focado somente nos meios, e não nos fins de (e para) uma educação

verdadeiramente transformadora.

Essa abordagem supramencionada traz em seu teor muitos dos elementos

presentes no escopo da educação sociocomunitária, o que nos leva, com certo grau

de segurança, à consolidação de uma real possibilidade de aproximá-la ao campo

das tecnologias sociais. Por outro lado, a complexidade da vida contemporânea

exige apropriar-se de oportunidades - como é a tecnologia - que surgem como

opções inclusivas, mas também que o sejam planejadas e operadas de modo ético,

crítico e proativo em benefício das pessoas, em particular, das que podem se

articular em torno de um projeto socioeducativo. Talvez, por isso, é interessante que

sejam problematizadas, discutidas e não relegadas, desde que o objetivo principal

seja o de oportunizar e não obstaculizar a autonomia do sujeito. Mesmo Paulo Freire

(2015) compreendia o significado e o potencial da tecnologia, a partir de uma visão

crítica e ética, como sendo um componente imbricado à educação, no mundo de

hoje. Ratificando seu posicionamento sobre o papel da tecnologia e, reconhecendo a

65

sua capacidade de desafiar a curiosidade nas crianças e adolescentes, promoveu a

instalação de computadores nas escolas de municipais, quando foi Secretário

Municipal de Educação da cidade de São Paulo (FREIRE, 1996). Tal gesto, não

apenas simbólico, mas pensado e problematizado em um contexto histórico-social,

fortalece a ideia de que as tecnologias sociais contribuem sobremaneira com

projetos socioeducativos, mesmo no ambiente escolar formal.

Com apoio de Baumgarten, novamente é imperativo esclarecer que

tecnologias sociais devem servir para propósitos prioritários que busquem atender à

inclusão social em diversos campos da vida, em que

é possível relacionar os conceitos de tecnologia e de inovação com a ideia de necessidade (carências humanas), buscando suas possibilidades para a inclusão social. (BAUMGARTEN, 2006, p. 343)

Pode-se, então, a partir das argumentações explanadas e embasadas até

agora, explorar-se algumas idéias que, de certa forma intencionais, permitem

estabelecer conexões e evidenciar áreas comuns entre as tecnologias sociais e a

educação sociocomunitária.

É preciso, portanto, a partir dessas idéias de abundante disponibilidade de

recursos tecnológicos na sociedade, nos tempos atuais, pensar-se em planejar e

construir um ou mais modelos que auxiliem, finalisticamente, os sujeitos em suas

comunidades a se mobilizar, por meio do compartilhamento de conhecimentos

aderentes a uma proposta sociocomunitária. Para isso, é razoável imaginar, entre

outras ações, a criação de grupos de pessoas que possam interagir, em redes

colaborativas, na discussão dos seus problemas e, numa espiral de crescimento,

debater e elaborar soluções que mitiguem as dificuldades que lhes atingem. A

própria dinâmica ensino-aprendizagem pode ser favoravelmente impactada, uma

vez que, tendo acesso a dispositivos eletrônicos e aos sistemas de informação, os

sujeitos podem adicionar no seu cotidiano, enquanto aprendentes ativos, um

conjunto de saberes necessários, inclusive aqueles que possam, de alguma

maneira, auxiliar no acompanhamento dos conteúdos escolares formais, os quais

não podem ser desprezados.

66

Nesse contexto, cabe anunciar, sob uma ótica investigativa, a ocorrência de

projetos socioeducativos em que as tecnologias sociais afetam muitas pessoas

desfavorecidas nas suas condições socioeconômicas e, por isso, ainda possuem

algumas dificuldades para usufruir de instrumentos de tecnologia próprios,

principalmente em localidades mais afastadas dos grandes centros. Não raro, hoje

em dia, ocorrem diversas iniciativas que conseguem implantar e manter, seja por

meio de órgãos públicos ou mesmo por entidades do terceiro setor, as chamadas

Organizações Não Governamentais (ONG’s), locais de compartilhamento e de

acesso à Internet, sendo conhecidos como Centros de Inclusão Digital (CID’s).

Como um exemplo a ser citado, o Instituto Federal de Educação no Ceará¹ vem

promovendo uma experiência com a implantação desses CID’s em proveito de

comunidades mais carentes do interior e distantes dos municípios daquele estado,

para que tenham acesso à educação e à inovação tecnológica.

Complementando essa abordagem, segundo Gohn (2001), a aprendizagem

política dos direitos dos indivíduos, enquanto cidadãos, e a aprendizagem sobre

conteúdos da escolarização formal, escolar - em formas e espaços diferenciados -

são relevantes indicadores inseridos nas tecnologias sociais. Nesse enfoque, uma

outra vertente do emprego concreto das tecnologias sociais trata da implantação ou

do fortalecimento de programas, inclusive da esfera pública, em espaços abertos à

comunidade, que potencializem o exercício da cidadania e até mesmo a amplitude

de capilaridade na oferta de cursos à distância ou similares, visando aumentar,

sobretudo qualitativamente, a capacidade de inclusão digital e social de pessoas que

não o fazem nos seus ambientes mais próximos (residência, escola, local de

trabalho).

____________________

¹ (Disponível em <http://www2.cefetce.br/extensao/cid-e-nit.html>. Acesso em 24 jun. 2016.).

67

Para ilustrar essa realidade, uma iniciativa relevante, implementada há mais

de 15 anos pela administração pública do estado São Paulo, é o programa de

inclusão digital AcessaSP², que consiste em oferecer, gratuitamente à população,

serviços como: acesso gratuito à Internet, obtenção de informações sobre prestação

de serviços públicos, minicursos, cadernos eletrônicos educativos, entre outros.

De outra maneira, é perfeitamente possível, então, não só imaginar, mas

como também discutir efetivamente, a implementação de projetos socioeducativos

que possam conectar pessoas de uma comunidade, entre si, com o auxílio das

redes sociais e, por exemplo, criarem grupos auto-organizados em que haja o

compartilhamento de ideias, articulação de planos e tomada de ações concretas que

minimizem ou eliminem parte dos seus problemas comunitários, o que parece ser

um verdadeiro exercício de autonomia e de caráter transformador, Assim, as

tecnologias sociais também “buscam o desenvolvimento autônomo das

comunidades em suas diferentes demandas – alimentação, habitação, renda,

educação, energia, saúde, meio ambiente [...]”. (SOFFNER, 2014. p. 313).

Nessa mesma perspectiva valorizadora de uma construção de cidadania,

novamente, então, evidencia-se a ideia de práxis, pois ao discutir a teoria a seu

respeito, bem como observando e refletindo sobre o seu caráter prático, as

tecnologias sociais podem auxiliar na tomada de uma postura transformadora, por

parte de sujeitos em suas comunidades.

Continuando essas reflexões, espera-se, portanto, que as tecnologias sociais

sejam empregadas sob uma perspectiva sociocomunitária, mediante esforço

racional, planejado e estruturado, em que os sujeitos das comunidades apropriem-se

do uso de equipamentos e sistemas computacionais disponíveis, entretanto,

mobilizados a partir de um espírito colaborativo.

_________________

² Criado em julho de 2000, o Programa Acessa São Paulo oferece para a população do Estado o

acesso às novas tecnologias da informação e comunicação (TIC’s), em especial à internet,

contribuindo para o desenvolvimento social, cultural, intelectual e econômico dos cidadãos paulistas.

Para atingir seus objetivos, o Programa Acessa São Paulo abre e mantém espaços públicos com

computadores para acesso gratuito e livre à internet. (Disponível em

<http://www.acessasp.sp.gov.br>. Acesso em 27 jun. de 2016).

68

Para Lévy (1993), é possível criar-se programas interativos (para equipes de

trabalho), em que o seu usuário é, notadamente, coletivo.

Algumas intervenções sugeridas, então, podem ser as que fortaleçam ações

coordenadas, em tono do atendimento das demandas comunitárias e que

consolidem o sentido de cidadania, bem como possam construir um

compartilhamento de informações, saberes e conhecimentos de interesse da

comunidade.

Além disso, acesso e inserção em redes sociais e à própria Internet, como

atividades de busca, de interpretação, de leitura, não só de conteúdos escolares,

mas também que auxilie os sujeitos na construção da sua visão de mundo mediante

a possibilidade de conhecerem o mundo por intermédio desse canal planetário. Para

Soffner (2005), alinhado ao pensamento de Lévy (1993), deve-se atentar para o fato

de que, em vez de individual, surge, em tempos atuais, o conceito de uma

Inteligência Coletiva, esta que, mediante o uso cada vez mais frequente das

tecnologias de informação e comunicação, viabiliza a criação de comunidades

virtuais de aprendizagem.

Ainda, como dito antes, a tecnologia tem, em geral, um enorme potencial de

influenciar a ativação da curiosidade, consequentemente, adicionando, na maior

parte das vezes, soluções criativas e inovadoras obtidas mediante, por exemplo,

pesquisas realizadas de forma on-line. Assim, Bonk (apud SOFFNER; CHAVES,

2012, p. 133), sugere várias possibilidades de se exercer aprendizagem

descentralizada, dentre as quais, destacam-se como de maior interesse, nesta

abordagem: buscas na internet a partir de livros digitais; comunidades de informação

aberta; colaboração eletrônica; e-learning e o modelo blended learning (educação

presencial tradicional associada à forma à distância).

Dagnino (2011), por sua vez, amplia o conceito de tecnologias sociais, a partir

de um envolvimento de diversos agentes: gestores de políticas sociais e de ciência e

tecnologia, professores, alunos, entre outros, os quais podem conduzir ações de

promoção, planejamento, capacitação e desenvolvimento das tecnologias, em

alinhamento a projetos de cunho social, em particular aos que se refere como

“Empreendimentos Solidários”.

69

Cabe, então, como ponto focal e conclusivo da presente problematização,

refletir e perseverar, no plano teórico, sobre a possibilidade de melhor

aproveitamento dos recursos tecnológicos, com vistas a alcançar, em uma dimensão

prática, os objetivos concretos em benefícios de sujeitos, na busca destes por sua

autonomia e transformação social, em um contexto de educação sociocomunitária.

Reiterando a necessidade de confrontar os dois temas acima descritos:

educação sociocomunitária e tecnologias sociais, com algumas ações

desencadeadas pelo Exército Brasileiro na Amazônia, nesses mesmos aspectos,

abordados no capítulo anterior, entende-se que a modalidade Ensino à Distância do

Colégio Militar de Manaus, entre os anos de 2006 e 2008 , em proveito de jovens de

comunidades lindeiras a Tabatinga-AM, bem como o Programa Amazônia

Conectada, em curso desde 2015, caracterizam-se como modelos ou práticas

finalísticas no campo das tecnologias sociais, em um contexto educativo

sociocomunitário. Cabe, ainda, inserir nessa reflexão, agora sob a ótica das

tecnologias sociais, o trabalho executado pelo Marechal Rondon (também já

explorado nesta pesquisa), no que diz respeito ao lançamento de milhares de

quilômetros de linhas telegráficas, inclusive na Amazônia. Entre outros aspectos,

sua empreitada, ao início do século XX, contribuiu para a disseminação do fluxo de

informações a inóspitos e desconectados rincões do território nacional. Conforme

Maciel (2001), Rondon entendia que o telégrafo era extremamente útil para o

progresso da nação, bem como afirma que

o modo de comunicação ancestral da Internet, o telégrafo foi a

primeira tecnologia de informação utilizada em rede mundial. Sua

difusão e seu desenvolvimento criaram uma cultura própria, com

vocabulário, linguagem, ritmo e formas de comunicar compartilhados

por milhões de pessoas em todo o mundo. (MACIEL, 2001, p. 127).

Feitas essas necessárias considerações em que se aproximam algumas

iniciativas da instituição em comento, na região amazônica, as quais perpassam o

objeto de estudo do trabalho, quer-se dizer, então, que as tecnologias sociais se

constituem, também, por meio de projetos planejados e implementados que, a partir

do entendimento das demandas de uma comunidade, mediante o emprego de

equipamentos, infraestrutura e sistemas computacionais, podem envolver e integrar

70

educadores, educandos, agentes públicos, governos, empresas e outras

organizações. Esse mosaico de atores e de instrumentos podem proporcionar

acesso, compartilhamento de conhecimentos e articulação dos sujeitos em que

estes participem ativamente e comunguem saberes entre si, portanto em uma noção

de rede colaborativa, para a busca da resolução dos seus problemas e, em última

análise, contribuindo para a sua autonomia e transformação social.

Tudo isto posto, firma-se uma convicção de que educação sociocomunitária e

tecnologias sociais são conceitos que se entretecem, em que o primeiro,

intencionando colaborar com projetos convergentes para a transformação social de

sujeitos autônomos, pode se beneficiar das amplas oportunidades que o segundo

oferece, desde que mediante seu uso planejado e racional, visando ao alcance dos

objetivos finalísticos de ações socioeducativas.

Cabe reiterar que as TIC’s, muito exploradas neste capítulo, pertencem ao

grupo de possibilidades abarcadas em um contexto mais amplo, que é o das

tecnologias sociais. Estas que, por sua vez, visam à inclusão social de pessoas mais

carentes, em múltiplas demandas que podem ser atendidas por outras técnicas,

métodos, procedimentos e iniciativas, não limitados ao universo da informática.

Assim, a despeito do fato de que recursos e sistemas computacionais sejam de

interesse para a aplicação em proveito dos fins educativos para sujeitos

participantes de projetos socioeducativos, tecnologia da informação e tecnologias

sociais não são sinônimos, pois estas englobam, também, aquelas.

O próximo capítulo deste trabalho consiste em um estudo de caso, em um

PEF do Exército, na Amazônia e que, entre outras investigações, tratará de saber

sobre intervenções educativas sociocomunitárias que possam ser apoiadas por

tecnologias sociais, em benefício de sujeitos interessados.

71

4. ESTUDO DE CASO

“A visão contemporânea do campo educacional, filosófico e ético nos remete à noção de pessoa – o sujeito –

relacionada ao outro, também sujeito; ambos, eu e o Outro, como sujeitos e objetos, reciprocamente se

constituindo na intersubjetividade”.

(Sonia Stella Araújo-Oliveira)

4.1 PREÂMBULO

Como necessária contextualização, cabe discorrer preliminarmente sobre os

possíveis entendimentos a respeito do significado de “metodologia” e, portanto, do

que representa tal conceito para o desenvolvimento de uma pesquisa científica. Ao

buscar a raiz etimológica, vê-se que o “logos” pressupõe os sentidos de: teoria,

reflexão, discurso ou estudo; “hodos”, por sua vez, transmite um significado de

caminho; e, por fim, “meta”, que traduz uma ideia de ir para além de, mais

precisamente em termos de um objetivo ou de uma finalidade. Assim, metodologia

quer dizer o estudo sobre o caminho a ser percorrido durante a pesquisa, ou seja, a

maneira sistematizada (como) elaborar o trabalho de pesquisa científica para

alcançar o objetivo pretendido. Por isso é que

A princípio, é possível dizer que a metodologia trata do “como” se pretende encontrar as respostas ao problema delimitado. A metodologia é o anúncio dos caminhos a serem percorridos para que se possa responder à pergunta elaborada no “problema”; melhor dizendo, a metodologia é a forma como se imagina abordar o objeto da pesquisa para conhecê-lo naquilo que é de particular interesse ao pesquisador. (GROPPO; MARTINS, 2006, p. 23).

Sendo, portanto, aspecto intrínseco à metodologia a ser adotada, o alcance

dos resultados pretendidos que estejam aderentes ao problema apresentado,

decidiu-se adotar o método denominado estudo de caso. Esta escolha se justifica,

por se entender que se mostra como a mais apropriada para conhecer uma

determinada situação, tratada como o objeto da pesquisa, em que sua

especificidade possa ser analisada de per si, mediante observação e interpretação

dos dados coletados, os quais visam a elucidar as características peculiares do

problema elencado na pesquisa.

72

O estudo de caso, por excelência, é um método em que o pesquisador

concentra a sua observação sobre um objeto específico que deve ser compreendido,

na amplitude e na complexidade dos seus elementos constitutivos e,

concomitantemente, em atenção aos seus aspectos mais peculiares. Requer

interpretação dessas situações idiossincráticas, mas inseparáveis do contexto

histórico-temporal ao qual pertence. Após realizado o levantamento dos dados

necessários, submetidos à visão crítica do pesquisador, há que se relatar a gama de

conhecimentos compartilhados, de forma qualitativa e, a partir disso, entender sua

aplicabilidade em outros eventos similares que possam surgir. Então,

O caso é tomado como unidade significativa do todo e, por isso, suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma intervenção. É considerado também como um marco de referência de complexas condições socioculturais que envolvem uma situação e tanto retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade de aspectos globais, postos em uma situação. (CHIZZOTTI, 2010, p. 102).

Nessa perspectiva, “o estudo de caso é usado em muitas situações, para

contribuir ao nosso conhecimento dos fenômenos individuais, grupais,

organizacionais, sociais, políticos e relacionados.” (YIN, 2010, p. 24).

Em se tratando de pesquisa que envolva o relacionamento de pessoas em

seu contexto histórico-social e, também, estando tais sujeitos em posição de

protagonismo, sob a mira de diversos campos do conhecimento científico, o estudo

de caso é um método notadamente interdisciplinar. Assim,

Naturalmente, o estudo de caso é um método de pesquisa comum na psicologia, sociologia, ciência política, antropologia, assistência social, administração, educação, enfermagem e planejamento

comunitário. (YIN, 2010, p. 24).

Há muito, algumas áreas do conhecimento científico, como por exemplo, a

medicina e outras das esferas humanas e sociais, a saber: sociolologia,

antropologia, história, psicologia e serviço social, empregam o estudo de caso como

método bastante utilizado, o qual foi apropriado, também, para a produção de

pesquisas em educação. (ANDRÉ, 1984).

73

Para André (1984), algumas características do estudo de caso são

marcantes, dentre as quais podem ser elencadas: a busca de uma descoberta ao se

aprofundar na compreensão de um objeto, a interpretação em um contexto onde o

objeto está inserido e a retratação da realidade em seu todo, mas ao mesmo tempo

observando os seus detalhes. Então diz-se que

[...] sua característica mais distintiva é a ênfase na singularidade, no particular. Isso implica que o objeto de estudo seja examinado como único, uma representação singular da realidade, realidade esta multidimensional e historicamente situada. (ANDRÉ, 1984, p. 52).

Segundo Groppo e Martins (2006), o método em comento é pertinaz à

intenção de o pesquisador debruçar-se sobre um objeto carregado de suas

especificidades, em que se possa verificar a aplicação de um ou mais conceitos

sobre a realidade observada. É fundamental, pois, como consolidação do estudo de

caso, a produção de um relato descritivo sobre os elementos pesquisados. Por isso,

é que

Trata-se de reunir diversas técnicas de pesquisa, que coletam e registram dados de um caso particular, para analisar e compreender uma situação específica, uma experiência singular. O estudo de caso deve criar, enfim, um relatório ordenado e crítico, que aprofunde e revele as características deste caso, seus limites e suas possibilidades. Tal método pode ser usado para “testar” teorias mais gerais ou para propor intervenções práticas em alguns casos concretos. Algumas vezes, a dissertação de mestrado pode ser um estudo de caso - ou uma “monografia” -, uma dissertação de caráter mais ou menos exaustivo sobre dado caso concreto destacado da realidade. (GROPPO; MARTINS, 2006, p. 30).

Entende-se, também, que nesta pesquisa, há que se considerar o

pressuposto de que o trabalho de pesquisa de campo, sobre o objeto central do

objetivo proposto, no local onde os sujeitos se encontram, é permeado de uma

realidade própria, intrínseca, viva, verdadeira, neste momento e naquele espaço

peculiares. Esse conjunto: objeto (sujeitos) e sua realidade histórico-social deve,

portanto, ser submetido a uma perspectiva investigativa em que tais intersecções

possam, ao máximo, serem percebidas e interpretadas. Dessa forma,

74

[...] o estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o

contexto não são claramente evidentes. (YIN, 2010, p. 39).

Outra argumentação sustentada como pertinente, no tocante à opção do

método, diz respeito à forma sobre como o pesquisador propôs investigar o seu

problema. De maneira coerente ao descrito nas primeiras linhas deste texto, a

pesquisa que delimita o problema desta pesquisa é: “Como” – de que modo - o

Exército atua no campo de ações socioeducativas na Amazônia? Daí que, durante o

estudo prévio e no delineamento das etapas de construção estrutural da presente

dissertação, mais precisamente, naquilo que se refere à metodologia mais adequada

a ser desenvolvida, viu-se que, conforme Yin (apud SOFFNER, 2016), ao discorrer

sobre a sustentação teórica de apoio à pesquisa e às técnicas de coleta de dados,

diz que deve-se considerar, no planejamento, justamente questões do tipo: “quem”,

“o que”, “onde”, “como” e “por que”. Estando tudo isso em conformidade aos

objetivos perseguidos durante a pesquisa, mostra-se o método do estudo de caso -

pelas suas características já elucidadas - estando bem adequado aos propósitos em

comento. Por isso é que “as questões ‘como’ e ‘por que’ são mais exploratórias e

provavelmente levam ao uso dos estudos de caso, pesquisa histórica e

experimentos como métodos de pesquisa preferidos.” (YIN, 2010, p. 30).

Ainda, sobre discussões a respeito de metodologia, deve-se posicionar, nesta

pesquisa, a opção adequada por uma abordagem qualitativa, em que as linhas-

mestras de trabalho não se pautaram pela busca de dados estatísticos, numéricos

ou tabulações gráficas decorrentes. Isso se deve, em termos de uma convicção

sobre que, por se tratar de uma pesquisa que investiga um projeto implementado

para pessoas, sujeitos vivos, inegavelmente humanos, em que sentimentos,

escutas, vozes, percepções, gestos constituem o cerne das observações, o

tratamento quantitativo não se mostra ideal. Decorre de tal processo investigativo, a

interpretação sobre o que é concreto e tem sentido próprio naquela experiência que

foi observada; tarefa esta, também, eminentemente humana do pesquisador. Sobre

isso,

75

O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível. Após este tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competências científicas, os significados patentes e ocultos do seu objeto de pesquisa. (CHIZZOTTI, 2006, p. 28-29).

Nesse mesmo prisma de entendimento, no estudo de caso, via de regra, não

se consolidam nem se tabulam excessivos dados quantitativos. Em um outro modo

de se sistematizar a observação das principais características do evento

pesquisado, deve-se privilegiar a percepção do pesquisador em torno do que está

investigando - então, no contexto da metodologia de pesquisa em análise, reitera-se

o “seu como fazer” de forma qualitativa. Conforme Soffner (2016), cabe ao

pesquisador interpretar as informações obtidas durante o seu trabalho, pois o estudo

de caso

é, antes de tudo, uma análise intensiva de uma unidade individual (que pode ser uma pessoa, um grupo, ou mesmo um evento), focando fatores de desenvolvimento do mesmo em relação ao contexto maior em que se insere.(SOFFNER, 2016, p. 233).

Assim, neste segmento do presente trabalho, será apresentado um Relatório

de Estudo de Caso, cujo público-alvo são alguns militares do Exército Brasileiro,

lotados no 3º PEF, situado na localidade de Pacaraima-RR, o qual é subordinado ao

C Fron/7º BIS, sediado em Boa Vista-RR. Esse grupo de militares está praticando

um evento na sua própria OM, intitulado “2º Tempo-Forças no Esporte-Profesp”, de

âmbito nacional, que é um Programa patrocinado pelo ME em parceria com o MD e,

no âmbito do Exército, sob a gestão do Comando de Operações Terrestres

(COTER). É considerado, localmente, no caso em estudo, como um Projeto e mais

comumente conhecido somente pelo termo Profesp. Os sujeitos beneficiados, na

presente observação, são meninos da faixa etária compreendida entre dez e doze

anos, estudantes da rede de ensino pública do município de Pacaraima-RR.

Interpreta-se, portanto, tratar-se de uma intervenção educativa sociocomunitária

articulada por um ente externo à comunidade em proveito de alguns dos seus

sujeitos. Tal entendimento será sustentado no decorrer deste relatório.

76

Um outro propósito significativo desta dissertação é o de produzir algumas

reflexões sobre como as tecnologias sociais podem fortalecer as ações do aludido

projeto em favor dos mesmos sujeitos afetados. Para isso, Soffner (2016) entende

que os questionamentos principais em torno dessa temática concentram-se em

procurar conhecer os objetivos enunciados pela comunidade quando protagonizam

iniciativas baseadas em tecnologias sociais e quais são as estruturas física,

humana, tecnológica e organizacional envolvidas nesse processo educativo, bem

como se existe a necessidade de fontes de financiamento. Dessa forma, buscou-se

colher esses dados, durante o período de observação, no local já assinalado.

Isto posto, ratifica-se a escolha pela abordagem de pesquisa qualitativa de

campo, no contexto de um estudo de caso, bem como esclarecendo que os métodos

de coleta de dados utilizados foram: observação, entrevistas e análise de

documentos. Consequentemente, a elaboração do relatório será construída a partir

de uma narrativa analítica e interpretativa dos dados obtidos, bem como de trechos

de entrevistas realizadas com militares do 3º PEF.

4.2 RELATÓRIO DE ESTUDO DE CASO

A partir do dia 11 de julho de 2016, foram observadas as atividades do

Profesp, conforme a sequência de fatos a seguir relatados. Inicialmente, para

conhecer a concepção geral do projeto, foi realizada uma entrevista na sede do

C Fron-RR/7º BIS, em Boa Vista-RR, com um sargento que tem uma atribuição

específica de assessorar o Comandante da OM nos assuntos de planejamento do

projeto. Assim, optou-se por realizar as entrevistas, mediante um roteiro prévio (em

apêndice) contendo indagações alinhadas ao alcance do objetivo da pesquisa.

Porém, buscou-se estimular que os sujeitos escutados acrescentassem livremente

outras considerações, durante os diálogos. Assim um

[...]meio termo entre a forma totalmente “aberta” e a forma “semi-aberta”. Na maioria dos casos, não convém fechar a entrevista com perguntas estritas, mas também não abri-las demasiadamente, de modo a perder de vista objetivos relativamente bem claros no estudo do tema em questão. (GROPPO; MARTINS, 2006, p. 30).

77

ENTREVISTA Nr 1 – Sargento Auxiliar de Planejamento – Profesp, no CFron-

RR/7º BIS:

A conversa ocorreu, a pedido do pesquisador, na parte da manhã daquela

mencionada data, na sala de trabalho do militar, em tom de mútuo interesse, uma

vez que o entrevistado demonstrou querer colaborar bastante. Foi muito perceptível

seu grau de engajamento na missão de assessorar o Comando da OM nos assuntos

do Profesp. Já nas primeiras falas, evidenciou-se o seu grande entusiasmo ao se

referir ao projeto e, prontamente, mostrar parte dos documentos que já havia

elaborado sobre tal evento. É natural de Porto Alegre-RS, está em Boa Vista há

mais de dois anos, formado em Educação Física. Deseja cursar mestrado na sua

área, já iniciou algumas disciplinas, mas não conseguiu dar prosseguimento. É o

principal “assessor” do Comando do CFron-RR/7º BIS nos assuntos afetos ao

Projeto 2º Tempo/Profesp e, nesse contexto, é o responsável para propor o

planejamento das atividades que são desenvolvidas nos PEF. Informou que, no

corrente ano, o projeto está funcionando em todos os pelotões, a saber: 1º PEF

(Bonfim), 2º PEF (Normandia), 3º PEF (Pacaraima), 4º PEF (Surucucu), 5º PEF

(Auaris) e 6º PEF (Uiramutã), todos subordinados ao Comando do CFron-RR/7º BIS.

As atividades consistem, basicamente, em: café da manhã, escovação dos dentes,

atividade esportiva (futebol, voleibol, handebol e atletismo), banho, reforço escolar,

atividades educativas diversas (horta, meio ambiente, DST, cidadania e civismo).

Relatou que a articulação entre o Exército, em RR, (no caso o Comando do CFron-

RR/7º BIS) com os órgãos públicos das localidades ocorre, de forma

descentralizada, mediante contato pessoal (visita agendada) do Comandante do

PEF com os representantes do CRAS, CREAS, Secretarias Municipais de Educação

e com os próprios prefeitos. Que também, ele e o Subcomandante do BIS, ministram

palestras a esses agentes, explicando a proposta do Profesp. Há um grande

interesse, por parte dos gestores públicos locais, no sentido de serem contemplados

com o Projeto, o que já está ocorrendo. A seleção dos garotos participantes é

conduzida por aqueles órgãos, ou seja, o Exército não se envolve nesse processo.

Informou que o “Projeto-Piloto” ocorreu em 2015, no 1º PEF, em Bonfim e, inclusive,

a equipe de atletismo dos meninos foi competir em Manaus-AM, em um evento

esportivo envolvendo todos os Profesp da Amazônia. Em 2015, ele levou os

meninos para um passeio cultural em Boa Vista-RR e outro em Manaus-AM. Sobre

78

isso disse que “Esses meninos dificilmente saem dos seus locais, talvez seja a única

oportunidade de conhecerem outros locais, Não basta apenas ele passar lá,

importante é ele ter um ganho pessoal, pedagógico”.(ENTREVISTADO Nr 1, 2016).

Informou que ele, pessoalmente, já elaborou uma proposta de projeto para a

implantação de um “laboratório de informática modelo” para os PEF. Na sua visão,

Os garotos querem sair do analfabetismo digital [...] precisa de uma sala para fazer pesquisa na Internet [...] ter acesso à Internet [...] mas faltam recursos, o mais importante são os recursos [...] eu sonho, sou um visionário, a nossa ideia é fazer isso aqui, um em cada PEF. (ENTREVISTADO Nr 1, 2016).

Mostrou, ainda, fotos do Profesp (2016) nos PEF de Surucucu e Auaris com

crianças da etnia Ianomami, que querem aprender o idioma português, mas não

sabem. Os militares precisam de tradutores para as aulas e atividades. A conversa

durou em torno de uma hora. Após isso, terminou essa entrevista.

Em seguida, ocorreu o deslocamento rodoviário de Boa Vista-RR até

Pacaraima-RR. A partir da chegada nesta localidade, iniciaram-se as observações e

entrevistas no 3º PEF.

Como aspecto preliminar, cabe explicar, necessariamente, um possível

significado a respeito da concepção de PEF. Trata-se de uma Organização Militar,

hierarquicamente subordinada a um Comando superior enquadrante, chamado pelo

Exército, de Comando de Fronteira. No caso do 3º PEF, a exemplo dos demais cinco

pelotões do estado de RR, está sob a jurisdição do CFron-RR/7º BIS, sediado em

Boa Vista. Os PEF situam-se no limite geográfico com alguns países vizinhos ao

norte da Amazônia brasileira, sendo que, no caso em estudo, este localiza-se em

Pacaraima-RR, cidade que faz fronteira com Santa Elena de Uairén, na Venezuela.

Em linhas gerais, as principais atribuições do PEF consistem em propiciar vigilância

e segurança da fronteira, em particular, atuando contra ameaças de origem externa,

principalmente, no que diz respeito a contrabando de armas e de drogas. Na cidade

em questão, existe a presença de outros órgãos governamentais, a saber: Receita

Federal do Brasil (RFB), Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), todos mantendo ótimas relações

com o Exército. Foi possível ter acesso a um documento original (anexado a esta

79

dissertação), no qual registra-se a chegada do primeiro núcleo de militares nessa

localidade. Assim, descreve-se que no dia onze de março de mil novecentos e

setenta e três, chegou, à referida região, uma equipe composta de um Sargento, um

Cabo e oito soldados “com a finalidade de se instalarem nas dependências

destinadas ao aquartelamento do Destacamento de Pacaraima, localidade esta,

situada no extremo norte do País, fazendo fronteira com a Venezuela”. (3º PEF,

1973).

Posta tal contextualização, em seguida, serão descritas as atividades de

coleta de dados. A primeira delas consistiu em uma “roda de conversa”,

oportunidade em que tomou-se conhecimento de que a equipe de militares do PEF,

dedicada ao Profesp, é composta de: uma Tenente Farmacêutica (Coordenadora);

uma Sargento do Serviço de Saúde (Auxiliar da Coordenadora); um Sargento

Técnico Agrícola (Sargento Agrário), para as aulas práticas de técnicas de plantio e

criação; um Sargento, para ministrar aulas de patriotismo, cidadania, valores; um

Cabo, para conduzir as atividades esportivas; e um Soldado Auxiliar, para apoio

geral. Essa reunião se deu no início da tarde, no chamado “salão de honra” do

Pelotão, local arejado, onde os participantes se colocaram em um dispositivo “em

círculo” para que, havendo a busca de interação, se pudesse enxergar, escutar e

falar uns com os outros. Durante esse evento, foi explicado o papel da presença do

pesquisador e os mencionados militares falaram, sucintamente, quais são as suas

principais atribuições no PEF e, também, suas incumbências específicas no projeto.

Houve, no início desse primeiro encontro, um certo grau de estranhamento,

considerado natural, pois os militares não conheciam o pesquisador. Aos poucos, a

conversa foi se tornando mais natural e as falas sendo expostas com mais fluidez.

Disseram que, de uma maneira geral, ainda estavam em uma espécie de fase de

adaptação com os meninos participantes, mas que desempenham suas atribuições

no projeto com boa vontade e procurando fazer o melhor de si. Também foi possível

saber que: todos os meninos, em número de trinta, pertencem à mesma escola (EM

Casimiro de Abreu); a faixa etária deles é de dez a doze anos; cursam os 5º e 6º

anos; o processo seletivo dos participantes foi feito exclusivamente a cargo da

escola com sugestões do CREAS, ambos da comunidade; boa parte deles encontra-

se com problemas de grave vulnerabilidade social, inclusive nas suas famílias (por

exemplo: um caso de alcoolismo do pai); houve “uma grande procura” dos

80

pais/responsáveis pelos garotos da comunidade para matricular seus filhos no

projeto; ocorrerá até o fim do mês de novembro de 2016, durante dois dias na

semana, sempre na parte da manhã. Essa reunião durou, aproximadamente, uma

hora e meia.

Em seguida, o pesquisador percorreu a área do PEF, acompanhado do seu

Subcomandante, para conhecer as principais instalações e estrutura do pelotão.

ENTREVISTA Nr 2 – Tenente Subcomandante do 3º PEF:

Após as atividades narradas anteriormente, o pesquisador se reuniu com o

Subcomandante do PEF, na sua sala de trabalho, onde se deu esta entrevista. O

jovem oficial demonstrou estar motivado com o projeto, mas, ao mesmo tempo,

preocupado, devido à grande responsabilidade que recai sobre si e demais militares

envolvidos nesse trabalho. O pesquisador solicitou que ele ficasse bem confortável e

tranquilo para responder as perguntas que iriam ser feitas e que seria muito bom

que se sentisse com total liberdade para fazer suas colocações. Foi-lhe pedido que

contasse um pouco da sua vida, daí disse que nasceu em Manaus-AM, cursou

licenciatura em Educação Física e há seis anos incorporou às fileiras do Exército

como Oficial temporário na sua cidade natal. Após o tempo básico de formação, foi

designado para servir no C Fron-RR/7º BIS, de onde foi designado para trabalhar em

outros Pelotões de Fronteira em RR. No 3º PEF, está há um ano e sete meses; é

casado, possui um casal de filhos e reside em uma casa da Vila Militar, adjacente ao

PEF. Disse que é o responsável pela supervisão das funções administrativas no 3º

PEF. Sobre o desenvolvimento do Profesp, explicou que essa iniciativa já existia em

várias unidades do Exército em âmbito nacional e que, quando o Comandante do C

Fron-RR/7º BIS tomou conhecimento, quis implementar nos Pelotões de Fronteira a

ele vinculados, ou seja, no estado de RR; e que isso “é um meio mais forte de trazer

a sociedade para dentro do PEF.” (ENTREVISTADO Nr 2, 2016). Informou que o

projeto funcionou de forma pioneira, em 2015, no 1º PEF, em Bonfim-RR. Disse que

sua principal atribuição no Profesp é apoiar administrativamente os militares

condutores das atividades. Ressaltou que o projeto foi muito bem aceito em

Pacaraima-RR, tendo em vista que os sujeitos beneficiados - que são as crianças

participantes – obterão conhecimentos importantes para o futuro em suas vidas,

81

tendo citado senso de disciplina, responsabilidade, além de aprenderem cuidados

com criação de animais, plantio em horta, entre outras atividades. Disse, também,

que o projeto

agregará valor na vida de cada uma dessas crianças, tirando eles de qualquer meio que possam trazer coisas e malefícios para essas crianças, ensinando a cada dia que elas devem ter responsabilidade, que elas são responsáveis pelo futuro do nosso Brasil, que o futuro desta cidade está nas mãos delas, que somente o estudo poderá levar a cidade de Pacaraima a dar um salto a mais lá no futuro, e a melhor maneira de ensinar a criança é por meio de atividades que ela goste de estar, então, a melhor atividade para uma criança é o esporte. (ENTREVISTADO Nr 2, 2016).

Informou que, além das atividades esportivas, serão tratados, durante a

execução do projeto, temas como: cuidado com a saúde e higiene. Destacou que

algumas das crianças participantes do projeto passam por dificuldades financeiras

em suas famílias e moram em “áreas com bastante pessoas que são envolvidas com

drogas aqui no município.” (ENTREVISTADO Nr 2, 2016) e que, por isso, farão um

trabalho educativo de prevenção contra o uso de drogas. Afirmou que, ao participar

do projeto, está aprendendo a entender a realidade de vida das outras pessoas da

comunidade e que isso, na sua visão, é muito importante. Ao ser perguntado se

existe alguma atividade, no âmbito do projeto, que envolva uso de ferramentas de

TI, por exemplo: computadores, acesso à Internet ou redes sociais, respondeu que

será possível apenas fazer superficialmente, pois “infelizmente, na prática, nós não

podemos mostrar para elas, pois não temos computador para todos”.

(ENTREVISTADO Nr 2, 2016); ressaltou que seria muito bom se houvesse tal

possibilidade. Essa entrevista durou, aproximadamente, uma hora.

No dia seguinte, por volta de 7h20 da manhã, os meninos foram chegando na

entrada do PEF e acolhidos por duas militares, uma Tenente e uma Sargento do

Serviço de Saúde, reunindo-se em um quiosque para a conferência em uma lista de

presença. Os meninos trajavam um uniforme, composto de camiseta branca, calça

de tactel azul marinho e boné branco, tudo fornecido pelo PEF, com recursos

alocados para o projeto. Em seguida, dirigiram-se para o refeitório, onde lhes foi

servido o café da manhã (café, leite, pão, manteiga e um reforço de leite com

sucrilhos). Às 8h00 seguiram para a frente do PEF, onde participaram do

hasteamento da Bandeira Nacional, cujo cerimonial de civismo é cultuado

82

diariamente pelos militares e, nessa ocasião, um menino foi convidado a içar a

Bandeira. Logo após, foram trocar de roupa e vestiram calções e coletes para a

prática esportiva. Às 9h00, numa área de lazer e esporte adjacente ao PEF,

passaram protetor solar fornecido pelos militares e foram realizar alongamento e

aquecimento e, em seguida, após hidratação, começaram a prática desportiva de

futebol, conduzida de maneira ordenada por um Cabo, que é praticante da

modalidade. É importante frisar, desde já, que, em todas as atividades, a Tenente e

a Sargento do Serviço de Saúde acompanham permanentemente os meninos do

projeto. Observou-se, durante esta atividade, uma grande preocupação delas no

sentido de orientar e explicar a importância de dois aspectos relevantes para a

saúde deles: o uso do protetor solar e a hidratação. Sobre o Cabo, mostrou-se muito

atencioso e comunicativo com os garotos e, quando necessário, fazendo algumas

intervenções; uma que chamou a atenção foi ter que falar com um garoto, o qual se

excedeu na algazarra e, por isso o Cabo lhe falou: “Olha! Você é o mais velho do

grupo, você tem que dar o exemplo para os seus colegas”. Em outra situação,

durante o jogo, um menino proferiu um “palavrão” em voz alta e, por isso, o Cabo

falou para todos: “Pessoal, não pode falar palavrão no jogo!” Ficou muito nítida a sua

preocupação em estimular o “espírito de equipe” entre os times e, várias vezes,

intervinha, ensinando e explicando algumas técnicas do esporte ali praticado, ou

seja, não era somente uma recreação, mas sim uma prática educativa. Depois desta

atividade, foram tomar banho e recolocar o uniforme do Profesp. Lá pelas 10h00,

foram participar de uma aula prática na Horta do PEF, a qual foi ministrada pelo

Sargento “Agrário” (responsável por esta importante área do pelotão, pois dali é que

são cultivados e colhidos os vegetais que são consumidos pelos militares, nas

refeições). A aula na horta consistiu em ensinar duas técnicas: a de plantio direto

(com sementes) e plantio com mudas. Foram reservados dois canteiros para os

meninos desenvolverem as atividades práticas; em um, eles plantaram sementes de

coentro e, no outro, mudas de alface americano. Impressionou a fala do Sargento

aos meninos: “A partir de hoje, esses canteiros são de vocês, vocês serão os

responsáveis por eles, vão cuidar, fazer a limpeza, a manutenção”. Foi observado

um grande interesse, por parte dos garotos e todos praticaram as duas técnicas.

Logo em seguida, foram lavar as mãos em local próprio na saída da horta e, dali,

foram para uma sala de aula. A partir das 10h40, compareceu uma Professora

contratada pela Prefeitura para ministrar aulas de reforço de matemática e

83

português. Ao chegar, cumprimentou a turma, inclusive no idioma Espanhol e muitos

deles a responderam também nesta língua. A professora perguntou o que tinham

feito no projeto naquele dia e um deles respondeu que tinham jogado futebol, daí

chamou atenção a resposta da docente: “Que bom! Esporte é atividade em equipe, é

muito importante vocês trabalharem em equipe”! Ela desenvolveu uma atividade de

aritmética com a turma. Ao final da aula, foi realizada uma conversa com ela. O

pesquisador, explicando-lhe que acabara de assistir sua aula (um pouco à distância

- fora da sala), cumprimentou-a e perguntou se ela poderia expor sua opinião sobre

o projeto. Prontamente, então, relatou que

O município não tem estrutura de nada, perspectiva de futuro! A escola deveria proporcionar essa formação, os jovens se perdem muito rápido, com drogas, álcool, prostituição. Seria interessante que outros órgãos abraçassem essa causa, você tem que dar todo o parâmetro para eles! (PROFESSORA, 2016).(Entende-se que esse termo: “parâmetro” relaciona-se à educação, em sentido amplo).

Esse rápido diálogo durou somente vinte minutos aproximadamente, em que

acrescentou, de forma objetiva, que foi contratada recentemente pela prefeitura local

para suprir tal demanda e que estava muito satisfeita em participar do projeto.

Após a aula, que durou até 11h30, os garotos foram almoçar no refeitório; o

cardápio constava de: feijão, arroz, macarrão, filé de frango, purê de batata, salada

de brocólis (da horta do PEF), suco de uva e melancia/sobremesa. Neste local,

estavam bem descontraídos, almoçando juntos, mas ao final, cada um pegou seu

prato, copo e talheres e colocaram em local apropriado na cozinha. Depois, foram

conduzidos até o portão do PEF e foram liberados para casa.

Foi observado o elevado grau de atenção e dedicação, por parte dos militares

que são os responsáveis pelas atividades do projeto e ficou evidente que estão

muito empenhados e comprometidos com as atividades. Durante as conversas e

entrevistas realizadas (em seguida), foi ratificada a motivação e a crença, por parte

daqueles agentes, de que esse trabalho com os meninos pode colaborar com

mudanças nas vidas deles, no sentido de se tornarem disciplinados, responsáveis e

possam replicar isso na comunidade. Eles entendem que a educação é o melhor

caminho para se livrarem de vários problemas existentes na comunidade: drogas,

alcoolismo e prostituição.

84

ENTREVISTA Nr 3 – Sargento Agrário do 3º PEF – responsável pela horta e

criações:

Inicialmente, foi realizada uma escuta da voz desse entrevistado, durante a

aula que estava ministrando aos meninos do projeto, na horta, cuja observação já foi

relatada brevemente, em momento anterior deste relatório. Foi-lhe perguntado o que

estava ocorrendo naquele momento, e respondeu que:

Eles prepararam um canteiro, fazendo o plantio direto de coentro, que após de vinte e cinco dias no máximo, eles já vão estar colhendo e os tratos culturais ‘vai ser’ com eles mesmos e o plantio de muda, que no caso é de alface americana e esses dois canteiros vão ser deles, o alface, também, com vinte e cinco dias, trinta dias, a gente consegue tirar aqui, vai ser pra eles também. Isso é muito importante, porque, por exemplo, eu, na idade deles, eu não sabia o que era plantio, eu nunca tinha plantado, eu nunca tinha feito essa prática e eles estão tendo esse privilégio de aprender, e praticar em casa também, no seu jardim em casa, eles podem fazer esse plantio. É fácil e prático e vai ser muito importante pra vida deles. (ENTREVISTADO Nr 3, 2016).

Mais tarde, houve o encontro com esse mesmo militar integrante do PEF e

que, como já descrito, também atua no Profesp. A conversa se deu em uma sala

próxima da horta, em que o pesquisador pediu que falasse com bastante liberdade e

tranquilidade – o objetivo disso foi eliminar quaisquer barreiras e criar um clima de

confiança mútua; e assim ocorreu. Contou que é natural de Manaus-AM, que é

formado como Técnico Agrícola, na Escola Agrotécnica Federal daquela cidade,

tendo completado esse curso em um ano e meio, durante tempo integral. Em 2009,

ao tomar conhecimento de que o Exército estava selecionando pessoas para ocupar

o cargo de “Sargento Agrário”, na região amazônica, então se inscreveu, tendo sido

aprovado e ingressou naquela função, na condição de militar temporário. Foi

classificado no C Fron-RR/7º BIS e, dali, tendo sido designado para servir nos PEF,

dentre os quais, esteve em: Auaris, Bonfim, Surucucu; e, há três anos, encontra-se

em Pacaraima. Informou que, no exercício do cargo que ocupa, já nominado, é o

responsável pelas seguintes atividades: manter a horta; cuidar da granja, a qual

possui mais de duzentas aves; tratar da criação de onze suínos que ficam na pocilga

e cuidar dos tanques da área piscicultura, contendo tambaquis - tudo isso, dentro da

área do PEF, o que faz com uma equipe de mais três militares sob o seu comando.

Explicou que, no Profesp, está ministrando aulas naqueles espaços, ensinando

85

técnicas de plantio de hortaliças – conforme observação já relatada anteriormente -

e cuidados e trato com animais. Informou que mora na comunidade de Pacaraima e

que, por isso, tem a oportunidade de conhecer vários pais dos meninos participantes

do projeto, e que em conversas realizadas com aqueles responsáveis, tem ouvido

deles que estão achando essa experiência muito boa para os seus filhos. Disse que,

no Profesp, seu contato com os meninos tem sido muito bom e que eles estão

gostando bastante, citando, como exemplo, que “hoje tinha acabado o serviço deles

e eles queriam continuar plantando”. (ENTREVISTADO Nr 3, 2016). Informou que,

durante o transcurso do projeto, os meninos serão orientados em relação ao perigo

de uso de drogas e que esse assunto também é muito importante. Na sua opinião, o

projeto trará benefícios na vida futura desses garotos, destacando o aspecto sobre o

respeito com os pais. Disse que, em termos de aprendizado pessoal, ressaltou ser

muito bom o aspecto da “amizade deles que eu tenho levado”. (ENTREVISTADO Nr

3, 2016). Sobre se está sendo desenvolvida alguma atividade com o uso de

instrumentos de TI, respondeu que não, mas imagina que o uso desses recursos –

computador e/ou aula de informática, por exemplo – é importante “para eles ficarem

bem atualizados, principalmente na fase deles, tem que se atualizar mesmo em

tecnologia, não pode ficar pra trás”. (ENTREVISTADO Nr 3, 2016). Quando lhe foi

perguntado se já tinha participado de alguma outra ação educativa em proveito da

população, respondeu que, durante um ACISO na localidade de Uiramutã-RR,

ensinou técnicas agrícolas em algumas comunidades indígenas e que os seus

integrantes gostaram bastante, pois “eles já tinham um plantio lá de abacaxi, mas

estava com uma deficiência nutricional [...] falta de potássio no abacaxi deles”.

(ENTREVISTADO Nr 3, 2016). Ao ser indagado sobre como enxerga a importância

do Profesp para os meninos participantes disse que “vai marcar muito a vida deles,

essa fase nunca vão esquecer”. (ENTREVISTADO Nr 3, 2016). Embora o

pesquisador tenha perguntado se desejava acrescentar mais detalhes, preferiu não

fazê-lo, terminando essa entrevista.

86

ENTREVISTA Nr 4 – Tenente Farmacêutica do 3º PEF:

Em prosseguimento, foi ouvida a Tenente Farmacêutica do 3º PEF. Esse

encontro ocorreu no seu posto de trabalho: uma sala da Seção de Saúde do PEF.

Igualmente às situações anteriores, foi-lhe esclarecido que a riqueza da entrevista

estaria diretamente associada ao grau de espontaneidade, liberdade e confiabilidade

recíproca. No início, proferiu respostas mais curtas, mas com o transcorrer da

conversa, pareceu sentir-se mais confortável para falar. Começou narrando um

pouco da sua história de vida, disse que se candidatou, em 2014, a processo do

Exército para oferta de vaga na sua área profissional, tendo sido selecionada, e tudo

isso ocorreu em Boa Vista-RR, sua cidade Natal. Após a sua incorporação na Força

e, depois de ter concluído sua formação militar básica, foi designada para servir em

Surucucu, onde ficou até o fim do ano de 2015 e, ato contínuo, foi movimentada

para o 3º PEF, em Pacaraima, onde mora em um alojamento feminino. Além de sua

atribuição finalística no Pelotão, acumula outros encargos, inclusive, sendo a

representante da área de relações públicas da OM. No Profesp, desempenha a

função de Coordenadora e é a pessoa de ligação entre o PEF e os órgãos parceiros

do projeto, na comunidade. Também, foi a responsável por propor toda a equipe de

trabalho dedicada ao Profesp. Disse que, quando soube que seria a Coordenadora,

no 3º PEF, ficou um pouco preocupada, mas que, com o passar do tempo e com as

orientações recebidas do C Fron-RR/7º BIS, foi ficando mais tranquila. Em relação à

escolha do militar indicado para conduzir as atividades esportivas, disse que

conversou com um Cabo do Pelotão que já tinha experiência em competições de

corrida e que, na visão dela, “caiu como uma luva” (ENTREVISTADA Nr 4, 2016),

uma vez que tem observado o desempenho do militar, com os meninos, de forma

muito positiva. Esclareceu que não tem uma atribuição específica no âmbito do

projeto, mas que, junto de outra militar, estabelecem o planejamento das atividades

semanais, inclusive das aulas (que os militares denominam comumente de

“instruções”) e submete à aprovação do Comandante do próprio PEF. Explicou que

recebeu orientação do C Fron-RR/7º BIS para seguir, no que coubesse, o modelo do

Profesp realizado em Bonfim, em 2015. No caso do esporte “a gente optou por vôlei

e futebol porque nós não temos quadra aqui, então fica difícil a gente desenvolver

outras atividades”. (ENTREVISTADA Nr 4, 2016). Ao ser questionada sobre o papel

do esporte para essas crianças, disse que “esporte é além de competição, né? Você

87

pode levar isso e transformar sua vida, na verdade” (ENTREVISTADA Nr 4, 2016).

Falou que, no projeto

tem umas crianças que ‘é problemático’ na escola, ‘disperso’, o Diretor me falou que a maioria ficou de recuperação, então acho importante, né, a questão do reforço escolar [...] e muitos queriam estar no lugar deles. (ENTREVISTADA Nr 4, 2016).

Disse que o CRAS solicitou que todos os adolescentes sob acompanhamento

deste órgão de apoio social pudessem fazer parte, o que não foi possível, pois foi

estipulada, pelo PEF, uma faixa etária, entre dez e doze anos, em relação aos

participantes. Sobre se tinha conhecimento de alguma criança estar em situação de

vulnerabilidade social, por exemplo: exposta ao convívio em ambiente onde há

drogas, ou até mesmo alcoolismo na família, disse que “sim, existe”

(ENTREVISTADA Nr 4, 2016), embora, por uma questão profissional, segundo a

entrevistada, o CRAS não tivesse detalhado quem eram. Quis destacar um caso

específico de um menino que “tem um distúrbio, como se fosse um pouco de retardo

de aprendizagem e quando a gente ficou sabendo, ele já tinha vindo na reunião, já

tinha recebido uniforme, aí veio falar comigo, a avó dele, que é responsável por ele”

(ENTREVISTADA Nr 4, 2016); tal fato teria gerado uma preocupação, pois, segundo

a entrevistada, na escola, é obrigatório, nesse caso, ter um acompanhante, e no

PEF isso não seria possível; assim, havia possibilidade de aquele garoto não poder

participar. Mas, como todos foram submetidos a exame médico, não foi constatada

nenhuma limitação que o impedisse, daí que ela mesma refletiu, à época e, nesta

entrevista, relatou:

Poxa, é um projeto de inclusão e a gente vai começar excluindo ele! [..] Ele está participando e é justamente esse que é um caso que eu sei que ele tem problema de alcoolismo, problema familiar, a avó que cuida, cuida dos irmãos também [...] Eu me surpreendi com ele, ele fala, tá interagindo bem com as outras crianças! Que bom que isso tá ajudando ele de alguma forma! (ENTREVISTADA Nr 4, 2016).

Informou, também, na sua fala, que o Exército, em particular o PEF, não se

envolveu no processo seletivo dos sujeitos inseridos no projeto, que tal

procedimento foi realizado por órgãos da própria comunidade: “Secretaria de

Educação com a escola, o CRAS e o CREAS” (ENTREVISTADA Nr 4, 2016). Ao ser

88

indagada se, na sua opinião, o projeto pode contribuir na transformação social das

crianças participantes, respondeu

Com certeza, esse exemplo que eu dei, essa criança retraída, tá interagindo bem, e com essas instruções que eles vão ter, podem aprender uma profissão, por exemplo, da horta [...] podem fazer uma horta em casa, a gente vai ensinar a também ter cuidado com os animais. (ENTREVISTADA Nr 4, 2016).

Foi-lhe perguntado se essa experiência pode gerar, para si mesma, algum

tipo de aprendizado disse que

Eu acredito que sim né, porque eu nunca tive uma oportunidade de estar assim com um grupo de crianças, do jeito que está sendo né, até pra eu mesmo, que eu sou tímida as vezes, pra eu desenvolver a

fala com eles. (ENTREVISTADA Nr 4, 2016).

Quando perguntada se havia, no projeto, alguma atividade que envolva TI,

por exemplo: informática, uso de computadores, internet, redes sociais, disse que

“não, infelizmente a gente não possui esse tipo de equipamento pra poder fazer algo

com eles né”. (ENTREVISTADA Nr 4, 2016). Sobre se, caso houvesse

disponibilidade desses recursos de TI, tal uso poderia colaborar na inclusão digital

dos meninos, afirmou que “Ah! Acredito que seria muito bom se tivesse alguma

forma deles fazerem algum tipo de pesquisa, poderíamos propor um tema para eles

pesquisarem” (ENTREVISTADA Nr 4, 2016). Ao final, relatou que seria interessante

a possibilidade de serem recebidos mais recursos que viabilizassem outras

atividades, assim, ao ser convidada a opinar sobre, por exemplo, a existência de

uma biblioteca ou um laboratório de informática no PEF, disse que

Olha! A questão da leitura eu acho que é o mais importante de tudo, né, ler é muito importante e desenvolver esse prazer de ler nas crianças é fundamental pra qualquer área da vida e a tecnologia hoje é superimportante também, faz parte do cotidiano, todo mundo usa pra trabalhar, então seria de grande importância ter isso aqui pra gente desenvolver. (ENTREVISTADA Nr 4, 2016).

Após a fala acima relatada, encerrou-se a entrevista depois de quase uma

hora e meia do seu início.

89

ENTREVISTA Nr 5 – Tenente Dentista do 3º PEF:

Em continuidade às entrevistas com os militares do PEF, os quais possuem

atribuições no Profesp, foi ouvido o Tenente Dentista do Pelotão. A conversa

ocorreu no refeitório do pelotão, de forma agradável e tranquila. Disse ser natural de

Formosa-GO e que, após terminar o ensino médio, foi estudar em Goiânia-GO,

tendo sido aprovado no vestibular de odontologia da Faculdade de Bragança

Paulista-SP, onde se graduou cirurgião dentista. Depois, retornou à sua cidade natal

para trabalhar em uma empresa, a qual encerrou suas atividades devido a

problemas financeiros. Logo em seguida, como sua irmã já era dentista, no Exército,

informou-lhe que havia disponibilidade de vagas em tal área profissional, oferecidas

pela Instituição, em Boa Vista-RR; dessa forma, inscreveu-se e foi selecionado.

Após ter concluído período de formação militar básica, seguiu para o PEF de Auaris,

permanecendo um ano e, de lá, foi transferido para Pacaraima, onde está há quatro

meses. No PEF, sua atribuição principal é cuidar da saúde bucal dos militares e dos

seus dependentes. Disse, também, que trabalha no posto de saúde da cidade há um

mês e que são poucos os dentistas para atender a população, pois o salário não é

atrativo. Ao ser perguntado sobre como enxergava a situação da cidade, em

particular, nos aspectos atinentes a problemas sociais, como por exemplo, trânsito

de drogas e prostituição, disse que

Pela proximidade também da Venezuela, a entrada de drogas infelizmente não tem como ter controle cem por cento, aí já ouvi relatos de casos de doenças venéreas, de casos de Aids também [...] e tá aumentando muito devido a Venezuela, porque lá eles não têm um controle de prevenção como tem no Brasil. (ENTREVISTADO Nr 5, 2016).

Sobre sua função exercida no projeto, relatou que é de “fazer a avaliação das

crianças que estão envolvidas no Profesp, notei [...] que tá meio ‘precário’ a situação

delas” (ENTREVISTADO Nr 5, 2016); comentou que, inclusive, dois meninos tiveram

que ser submetidos, na cidade, a procedimentos corretivos nos dentes, uma vez

que, se assim não o fizessem, não poderiam participar e que, por sua orientação,

então os pais encaminharam para tratamento; e que não foi possível fazê-lo no PEF,

pois tais intervenções eram de endodontia.

90

Foi-lhe perguntado se haverá e, caso positivo, quais serão as atividades

educativas no tocante à saúde e higiene bucal, dizendo

Solicitei ao C Fron-RR/7º BIS escovas, pasta e fio dental pra dar

início a parte de prevenção, pra depois partir pra parte de tratamento em si, seria uma boa eu ensinar como é que escova, como é que passa o fio dental e depois fazer o tratamento em si [...] existem várias técnicas e essa técnica que eu vou ensinar, eles vão usar pra vida toda. (ENTREVISTADO Nr 5, 2016).

Além do acima relatado, explicou que está prevista uma parceria com o posto

municipal de saúde para realização de tratamentos dentários de limpeza e

restauração nos meninos.

Ao ser indagado sobre a importância dessas ações educativas com saúde e

higiene bucal, explicou que isso terá reflexos até o fim da vida das crianças pois “um

dente só que falta, pode atrapalhar muito a vida dela e elas podem repassar essas

informações para os pais, ‘pros’ amigos, ‘pros’ primos”. (ENTREVISTADO Nr 5,

2016); assim, no seu entendimento, os meninos transmitirão essas informações aos

seus parentes, gerando uma melhoria em todos da família.

No que se refere ao impacto do projeto para uma possível transformação

social dos sujeitos beneficiados do projeto, entende que “eles vão ter uma disciplina

melhor, talvez os pais tentaram, mas ‘santo de casa não faz milagre’ e no Exército

eles podem mudar isso”. (ENTREVISTADO Nr 5, 2016).

Sobre o desenvolvimento de atividades com uso de instrumentos de TI, em

benefício dos garotos, disse não saber se haverá, mas acha muito importante,

entretanto vê com preocupação o livre acesso à Internet, hoje em dia, pelos jovens.

Por fim, sendo perguntado se levará consigo algum aprendizado dessa

experiência, disse que “com certeza, de ter o envolvimento assim na dinâmica delas

mesmo e ver a evolução deles e vou repassar pros meus sobrinhos, quem sabe os

filhos, futuramente, filhos de amigos, a gente aprende a todo momento”.

(ENTREVISTADO Nr 5, 2016)

Logo em seguida, a entrevista terminou, após uma hora aproximadamente do

seu começo.

91

ENTREVISTA Nr 6 – Educadora Social do CREAS/Pacaraima:

No prosseguimento das atividades de coleta de dados, foi ouvida uma

representante do CREAS do município de Pacaraima. Com apoio da Tenente

coordenadora do Profesp, foi agendada esta entrevista, a qual ocorreu no refeitório

do PEF. O pesquisador explicou-lhe o objetivo do encontro, no contexto do seu

trabalho. Compreendeu tais esclarecimentos e demonstrou querer colaborar com

muito boa vontade; agradeceu e pareceu sentir-se prestigiada em poder participar.

É natural da própria comunidade e foi contratada para exercer o cargo de educadora

social daquele Centro. A pedido, explicou que o Órgão é afeto à área de apoio social

da Prefeitura e que

O papel do CREAS é especializado, como eu disse né, é assistência das crianças que sofrem negligência, dos idosos que sofrem com maus tratos também [...] e também a gente atende crianças que sofrem abusos, violência psicológica, violência moral, exploração sexual. [...] (ENTREVISTADA Nr 6, 2016).

Indagada sobre como ocorreu o envolvimento do CREAS na implementação

do Profesp, explicou que, inicialmente, o Comando do PEF expediu um Ofício

àquele órgão, convidando seus dirigentes para uma palestra explicativa sobre o

projeto, conduzida pelo próprio Comandante do Pelotão. Estavam presentes,

inclusive, militares lotados em Brasília-DF, que são gestores nacionais do Profesp,

no âmbito do Exército e que, em tal ocasião, ela e a Assistente Social

compareceram. Informou que, tendo sido feito o convite para que o CREAS fosse

um parceiro para o desenvolvimento do projeto, disse que aceitaram, pois

tem muita criança lá que a gente viu que precisava, entendeu, assim, até pro rendimento delas, entendeu, da escola, lá tem criança que a mãe rejeita né, e aqui não, pelo menos ela vai entender, aqui vão ensinar tudo, e lá a criança tem o processo psicológico né, que as vezes ela não conta nem pra psicóloga e pode se abrir com alguém até daqui. (ENTREVISTADA Nr 6, 2016).

Explicou que gostaria que houvesse um maior número vagas para o Profesp,

contemplando mais sujeitos atendidos pelo órgão, mas que não foi possível, tendo

em vista a limitação de faixa etária dos participantes, estipulada pelo PEF. Relatou,

também, que a decisão final, ou seja, a lista definitiva dos garotos foi deliberada pela

92

escola do município, contendo alguns dos indicados pelo CREAS. Estes, por sua

vez, foram aqueles que apresentavam problemas sociais mais graves, o que foi

levado a conhecimento dos pais, os quais, segundo ela, gostaram muito de que seus

filhos pudessem participar. Sobre essas crianças, disse haver

a questão da criança ser muito revoltada, não tem um bom convívio com os pais, também dentro de casa e o projeto não, o projeto vai mostrar o convívio de ter a relação mais com os pais, entendeu, aí tem criança que tem dificuldade também na escola, aqui no projeto tem as matérias do reforço e na escola a criança tem a dificuldade né e não é ajudada e aqui vai ajudar mesmo a criança. (ENTREVISTADA Nr 6, 2016).

Durante a conversa, disse que muitos jovens de Pacaraima desejam sair da

cidade, principalmente, para Boa Vista, com o objetivo de continuar os estudos na

capital, tendo em vista a possibilidade de frequentarem curso superior gratuito em

uma faculdade pública, o que não existe na comunidade local; entende que a cidade

é limitada em termos de educação formal. Esclareceu que um aspecto muito

importante do seu trabalho consiste em acompanhar crianças e adolescentes, que,

porventura, tenham sido submetidos a algum tipo de risco social – como já dito:

negligência dos pais, abusos. Esse acompanhamento ocorre, verificando-se o

desempenho escolar, o convívio em sala de aula e, também, por meio de visitas

domiciliares. Ao ser perguntada se o CREAS promove algum projeto educativo,

respondeu que

Sim. A gente faz oficinas, a gente tem um cronograma do CREAS, a gente faz oficinas com os adolescentes ou com as crianças mesmo, tem mês que é de leitura, aí faz oficina com feltro, faz assim, um monte de projeto entendeu, artesanato, entendeu, reciclagem. (ENTREVISTADA Nr 6, 2016).

Explicou, ainda, que utilizam a estrutura do PEF para apoiar o

desenvolvimento de algumas ações direcionadas aos jovens que cumprem medidas

socioeducativas determinadas pela justiça. Destacou, dentre essas, a realização de

uma “trilha” na área militar do Pelotão, e que tudo isso “é a parceria que nós temos,

né, com o Exército [...] ajuda muito”. (ENTREVISTADA Nr 6, 2016). No final, reiterou

que o Profesp está sendo muito importante para a comunidade e, com isso, terminou

a entrevista, a qual ultrapassou uma hora de duração.

93

ENTREVISTA Nr 7 – Coordenadora de Educação do Município de Pacaraima:

Em continuidade ao levantamento de dados, mediante realização de

entrevistas, desta vez, houve a oportunidade de escutar o relato da Coordenadora

de Ensino do Município, portanto, uma “voz da própria comunidade”. Este encontro

ocorreu no refeitório do PEF. Ao ser-lhe explicado o motivo da sua escuta,

compreendeu de imediato, informando que também estava cursando mestrado, cujo

objeto é a “visão do outro na Escola Brasileira de Fronteira”. Disse que se interessa

sobre os temas que tratam da prostituição precoce de venezuelanas e do

preconceito em relação a pessoas daquele país, na região. Esses aspectos foram

mais bem entendidos quando proferiu a sua fala. Ao narrar um pouco da sua vida,

disse ser natural de Pacaraima, filha de venezuelanos e que, por isso, possui dupla

nacionalidade. Estudou no Brasil e na Venezuela, é graduada em Letras e Espanhol.

Explicou que tem um interesse relevante com o papel da linguagem no

desenvolvimento das práticas educativas locais, uma vez que, na mesma

comunidade, existe um grande número de estudantes venezuelanos, de brasileiros

que moram em Santa Elena (Venezuela) e de crianças indígenas, estas que falam

os dialetos “Taurepang” e “Macuxi”. Explicou que, principalmente, nos últimos dois

anos, devido a problemas sociais existentes no país fronteiriço, a Prefeitura de

Pacaraima foi obrigada a deliberar sobre alguns critérios específicos para que

crianças venezuelanas viessem estudar no município, como por exemplo, ter os pais

brasileiros ou residir na cidade; sem a adoção de tais medidas, seria impossível

receber todos os estrangeiros interessados, uma vez que a demanda aumentou

consideravelmente. Foi-lhe perguntado como ocorreram as tratativas entre o PEF e

a área de educação municipal de Pacaraima para o alinhamento das ações do

Profesp, respondendo que

O próprio Exército chegou até a Secretaria de Educação, nos informou, foi feita uma apresentação do que significa, como é que ia ser trabalhado, como que já está sendo trabalhado em outros municípios do estado, e de fora do estado e fizerem uma apresentação específica pro prefeito, Secretaria de Educação, de Ação Social, estavam presentes na época [...]. A segunda reunião que foi realizada aqui [...] a gente teve todo o acesso de como ia funcionar e imediatamente foi solicitada a quantidade de crianças e a gente fez esse link, né, com a escola [...] então nessa segunda apresentação já aconteceu com o Diretor da escola-alvo e eles já participaram, né, já ficaram, sabendo. (ENTREVISTADA Nr 7, 2016).

94

Sobre a sua opinião no que diz respeito à importância do projeto para a

comunidade disse que

Eu acho interessante porque o Exército, nós que não somos militares, temos uma visão muito legal do Exército, uma visão que são pessoas de bem, não se ouve muito na mídia coisas negativas sobre o Exército e a gente achou interessante por conta, pelo público, né, que é o alvo do projeto, crianças à margem, que têm algum problema social, e essa triagem foi feita e realmente a gente percebeu que eles vão ser beneficiados, né, tanto eles quanto a família, tanto que a família tá se interessando em trazer as crianças, em que de fato participem, né, é muito interessante, é uma ajuda, né, pra escola, porque nós temos quatro horas com esses alunos e a gente não sabe o que eles fazem no horário oposto, geralmente esses alunos são os que nós temos problemas de comportamento na escola, que não realizam atividade, automaticamente, têm problema de aprendizagem, né. (ENTREVISTADA Nr 7, 2016).

Explicou, também, que estão ocorrendo, no âmbito do Profesp, aulas de

reforço em matemática e português, áreas de maior dificuldade por parte dos alunos.

Disse que a Prefeitura conseguiu contratar uma professora com perfil adequado

para assumir essas aulas e que isso está sendo muito bom. Disse que a escola não

consegue, sozinha, abarcar todas as demandas, em termos de uma educação mais

abrangente, pois muitos pais deixam de acompanhar o desempenho dos seus filhos.

Em relação, ainda, a esse aspecto, foi-lhe perguntado se o projeto poderia, de

alguma forma, ajudar no preenchimento dessas lacunas, as quais a escola não

consegue suportar, daí que respondeu: “Claro, claro! Pode e vai ajudar, e eu já

acredito que até já começou a ajudar [...] os pais estão querendo que os filhos

participem [...] tudo que vem pra somar é uma coisa interessante”. (ENTREVISTADA

Nr 7, 2016).

Relatou que o critério utilizado para a seleção dos meninos participantes do

projeto foi centrado, principalmente, nos aspectos atinentes a: problemas sociais,

agressividade, comportamento, dificuldade de aprendizagem, faltas às aulas.

Inicialmente, incluíram meninas, mas não havia tal possibilidade por parte do PEF, o

que a deixou insatisfeita, mas entendeu. Posteriormente, então, a seleção foi feita

com meninos. Quando foi indagada sobre, se foram indicados, pela escola, para

participar do Profesp, meninos da comunidade que estivessem sob alguma situação

de risco ou vulnerabilidade social, respondeu que

95

Sim, a maioria, a grande maioria, eles têm esse problema, familiar, ora familiar, ora tá envolvido com algum outro tipo de problema social mesmo, a gente já encontrou dentro daquela escola criança que já se envolveu com droga, e uma criança dessa também tá envolvida no projeto. (ENTREVISTADA Nr 7, 2016).

Aprofundando um pouco mais o caso acima relatado, a entrevistada afirmou

que uma professora da escola, atendida pelo Profesp, sugeriu a inserção do tema

“prevenção ao uso de drogas”, o qual faz parte do rol de aulas que serão ministradas

pelos militares. Tal ação caracteriza uma efetiva participação, por parte da

comunidade, no tocante à escolha de que sejam trabalhados assuntos do seu

interesse com os sujeitos afetados pelo projeto em curso. Além disso, que os pais

solicitaram a inclusão das aulas de reforço naquelas disciplinas já mencionadas, de

maior dificuldade de aprendizagem pelos estudantes. Daí que

A família acreditou no projeto, né, porque pra trazer o seu filho no outro horário, tem toda uma questão né, aqui é meio frio, aqui chove sempre e o pai ‘se interessasse’ por isso é porque ele tem essa mesma visão de que a criança vai aprender e vai saber da sua responsabilidade, a partir do momento que ele entra aqui, e aqui ensina coisas que, talvez na escola não tá sendo aprendido, nem em casa né, como ter responsabilidade de horário, como ter responsabilidade com sua vestimenta [...] eu tenho essa visão de que vai ajudar muito, porque como a gente tá com aluno que a maioria tem problema na escola, isso já vai focar nisso né, é o que vai ajudar, a gente pensa, a gente queria que fosse mais alunos, é uma ajuda, porque ninguém faz isso, de fato, é muito difícil chegar uma Instituição e te dizer: eu vou te ajudar, mesmo sendo responsabilidade minha, porque educação, as pessoas pensam que educação é dentro da escola [...] educação nem é só na escola, educação formal, é claro, é dentro da escola, agora educação vem de casa, educação tá em tudo o que a gente faz [...] essa ajuda que veio de outra Instituição é nova, pra nossa escola é, porque até agora, até o presente momento a gente não tinha tido nenhum tipo de ajuda e de uma Instituição que não é de educação [...] é muito interessante [...] eu quero observar. (ENTREVISTADA Nr 7, 2016).

Já no fim da conversa, perguntou-se à entrevistada se sabia se iria ocorrer

alguma atividade, no âmbito do projeto, que envolvesse aplicação de instrumentos

de TI, respondendo que não tinha essa informação. Explicou que, na sua visão, o

uso da tecnologia em educação é muito importante, entretanto que praticar seu

emprego é muito difícil, uma vez que na escola não existe infraestrutura para isso.

Entende que há uma contradição em não haver atividades, na escola, que propiciem

96

acesso à Internet e a equipamentos computacionais, pois, as crianças, fora da

escola, conseguem isso nos celulares, por exemplo, mas na escola não. Concluiu

que, na escola municipal de Pacaraima não há estrutura necessária para

desenvolver ações educativas, por meio de instrumentos de tecnologia. Expressou

que isso é uma grande deficiência, pois as

aulas seriam mais dinâmicas, mais interessantes, imagina só eu falar da História do Brasil mostrando vídeos, a gente sabe que é interessante, é uma metodologia que tá aí e que a gente deveria utilizar. (ENTREVISTADA Nr 7, 2016).

Após essa fala, encerrou-se esta entrevista, com duração de mais de uma

hora e meia de conversa.

ENTREVISTA Nr 8 – Cabo do PEF, responsável pelas atividades esportivas:

Esse diálogo se deu no refeitório do PEF. No início, demonstrou um elevado

grau de preocupação. O pesquisador pediu que ficasse bem tranquilo, o que, aos

poucos foi ocorrendo, tornando a entrevista bem produtiva e mais agradável.

Nascido e criado na comunidade de Uiramutã-RR, onde lá mesmo concluiu o ensino

médio. Quando chegou a idade de cumprir o alistamento militar, dirigiu-se a Boa

Vista-RR, vindo a incorporar como soldado no Exército, pois tinha esse objetivo. Foi

lotado no 3º PEF, onde inclusive permanece mesmo após o término do expediente,

morando em um alojamento. Já de início, afirmou que está gostando muito de

participar do Profesp, pois sente muito prazer em praticar esportes, uma vez que o

faz desde os doze anos de idade e que, também, pretende se matricular em um

curso superior de Educação Física. Afirmou que o projeto é muito importante para

as crianças que o frequentam e sobre o seu sentimento, em relação ao trabalho que

está sendo desenvolvido com essa parcela da comunidade, disse que deseja

“passar pra eles, porque é uma coisa assim muito bom, que hoje graças a Deus eu

acho que através disso eu não entrei na vida das drogas, cachaça, assim, porque eu

sempre me dediquei ao esporte”. (ENTREVISTADO Nr 8, 2016). Explicou que é o

responsável direto para conduzir as práticas esportivas com os meninos,

especificamente, de voleibol e futebol; que embora, ainda não tenha uma formação

97

superior nessa área do conhecimento, procura estudar por iniciativa própria e,

também, está sendo orientado pelo Subcomandante do Pelotão, este que é

licenciado em Educação Física; e que tudo isso tem sido um aprendizado para ele.

Explicou que as atividades são planejadas e que ele tem uma preocupação em

mostrar e fazer com que as crianças participantes - antes das atividades

propriamente ditas, seja jogo de voleibol ou futebol – cumpram exercícios educativos

de aquecimento e de alongamento para evitar contusões; que faz isso, explicando

aos garotos que tais exercícios prévios são necessários, o que, segundo ele,

entendem e realizam conforme lhes é ensinado. Informou que essas práticas

ocorrem durante dois dias por semana, em torno de uma hora, em cada ocasião.

Quando foi perguntado se essa experiência pode vir a lhe trazer algum aprendizado,

disse que

Sim, com certeza, com certeza, até porque já assim, já tô levando uma experiência, já né, que na vida futura, como eu já falei, né, que pretendo fazer faculdade de Educação Física, então eu tenho certeza que vou trabalhar com bastante criança e jovem, e assim eu já vou levando já a rotina, como é que é. (ENTREVISTADO Nr 8, 2016).

Na supracitada fala, foi possível perceber que o fato de ser o encarregado das

atividades esportivas, irá ajudá-lo mais tarde a entender melhor a dinâmica que é

característica da prática de educação física com essa categoria de público: infanto-

juvenil.

Comentou que, na adolescência, chegou a representar o Brasil, em uma

competição estudantil com jovens de vários países da América do Sul, em

Medellín/Colômbia, chegando a disputar provas de atletismo: corrida de 1.500

metros livres.

Ao final, disse ressentir-se de não haver, na cidade, uma pista de atletismo

para ensinar algumas modalidades desse esporte, mas que irá tentar observar se há

meninos que, pelas características demonstradas no futebol, possam evidenciar

alguma aptidão em corrida. Assim, terminou essa entrevista, a qual durou menos de

uma hora.

98

ENTREVISTA Nr 9 – Sargento do PEF, responsável pelas aulas de valores e

civismo:

Esse encontro ocorreu em um local muito agradável, nas imediações da sala

onde os meninos participam das aulas de reforço. Logo de início, demonstrou muita

tranquilidade e disposição de conversar de forma mais descontraída, o que facilitou

o diálogo. Iniciou, dizendo que nasceu em uma pequena cidade litorânea do estado

do Piauí, chamada Parnaíba. Lá, existe um Tiro-de-Guerra (TG), que é uma

Organização Militar de porte reduzido e que seus parentes tinham o frequentado;

isso lhe causou atração pelas Forças Armadas. Disse que chegou a pedir para sua

mãe levá-lo a palestras sobre a carreira militar, mas, sendo criança, não entendia

muito bem. Anos mais tarde, iniciou o curso superior de Psicologia e ingressou no

TG, tudo naquela sua cidade natal. Um tempo depois, submeteu-se a concurso

público na Marinha do Brasil e foi aprovado, tendo servido no Rio Grande do Sul. Em

seguida, participou de outro certame, desta vez, na Escola de Sargentos das Armas

(EsSA), do Exército Brasileiro, também tendo sido aprovado. Ao terminar seu curso

de formação, graduou-se 3º Sargento e, por opção sua, foi lotado no C Fron-RR/7º

BIS o que, segundo ele, realizou um sonho: servir na Amazônia, principalmente em

um Pelotão de Fronteira. Inicialmente, serviu no PEF de Auaris e, ato contínuo, foi

movimentado para o 3º PEF. Disse que é casado e mora em uma casa da Vila

Militar, adjacente ao Pelotão. Sua principal função na Unidade é prestar serviços nas

atividades tipicamente finalísticas, chamadas de instrução militar. No Profesp, sua

principal atribuição é ministrar aulas sobre os valores do Exército e explicar o

significado desta instituição nacional, e que, ainda, procurará desenvolver atributos

sobre “essa parte da disciplina, da parte da organização, do respeito, de se

empenhar nos estudos, isso é bastante importante”. (ENTREVISTADO Nr 9, 2016).

Disse, também, que irá explicar aos garotos qual é o papel desempenhado pelo PEF

na comunidade e, assim, eles poderem disseminar isso.

Ao ser questionado se o Profesp é importante para o futuro dos seus

participantes e, até podendo contribuir para a transformação social deles, disse que

99

Eu acredito que sim, porque a cidade daqui ela é uma cidade pequena que tá se constituindo agora, ela tá crescendo e esses meninos é que vão fazer o futuro dessa cidade e eles tendo contato com essa parte de, essa parte do Exército dessas instruções que vão, vai voltar eles, tanto pra parte do esporte, quanto da parte da disciplina, quanto da parte do empenho, da autonomia deles tomarem decisões, tudo isso vai influenciar pro crescimento deles, social, né, a parte social, mas também a parte intelectual, a parte cognitiva, isso vai fazer bastante efeito pro crescimento deles, isso vai influenciar lá fora, quando eles crescerem, quando eles tomarem suas decisões, né, quando eles forem fazer parte da sociedade como um todo, deixarem de ser crianças e serem adultos [...]contribuindo e disseminando pra outros. (ENTREVISTADO Nr 9, 2016).

No transcurso da conversa, a exemplo dos demais entrevistados, perguntou-

se o que esse militar, enquanto participante diretamente engajado no projeto,

poderia dizer sobre a possibilidade de vir a aprender algo, mediante essa

experiência em que está inserido, principalmente, em relação às crianças

beneficiadas, durante os momentos em que estiverem convivendo; então respondeu

Eu acredito que lidar com pessoas seja ela de qualquer idade é sempre é um aprendizado muito enorme, principalmente quando se trata de grupo, esse contato com as crianças, vai trazer pra mim, tanto a parte cultural, eu vou poder discernir ali como é a cultura da sociedade que eles estão locados, quanto da parte ali da criação deles, parte da educação, que essa parte é bastante importante (ENTREVISTADO Nr 9, 2016).

Foi possível interpretar, na continuidade do seu relato, que poderá

compreender como se dá a relação de convivência entre aqueles garotos, nessa

faixa etária, o que, segundo ele, será de grande valia para sua vida.

Quando indagado se tinha conhecimento de que poderia ocorrer alguma

atividade com uso de instrumentos de TI, no âmbito do projeto, disse que,

provavelmente, seria muito difícil, pois o PEF não possui estrutura para tal tipo de

ação. Esclareceu que, na sua visão, seria relevante a possibilidade de haver uma

sala de informática, onde os meninos pudessem ter aulas com esses meios de

tecnologia, pois entende que, nos dias de hoje, é fundamental que estejam inseridos

nesse universo digital.

100

Antes de finalizar a entrevista, afirmou com muita veemência que sente-se um

privilegiado em poder fazer parte do projeto, pois gosta muito de lidar com crianças.

Relatou que essa experiência remete à sua infância, pois sua mãe era, nas suas

palavras, “educadora do ensino infantil” e sempre o levava para algumas atividades

com seus alunos. Assim, disse, também, que sentia-se duplamente realizado, uma

vez que exerce a profissão de militar, da qual gosta muito, bem como encontra-se

envolvido no Profesp, convivendo com os garotos, nesse evento em curso. Após

essas manifestações, a entrevista terminou, tendo durado cerca de uma hora.

ENTREVISTA Nr 10 – Sargento do Serviço de Saúde do PEF:

A conversa ocorreu na sua sala de trabalho, que é a Seção de Saúde.

Pareceu ser uma pessoa muito discreta e, de forma geral, preferiu limitar-se

somente a responder as perguntas formuladas. No começo desta entrevista,

explicou que é natural do Rio de Janeiro-RJ, possuidora de curso técnico em

enfermagem e que, tendo ingressado no Exército mediante concurso público,

frequentou, nos anos de 2011 e 2012, a Escola de Sargentos de Logística, naquela

mesma cidade e, ao término da sua formação militar, foi classificada no C Fron-RR/

7º BIS. Depois de sua apresentação, foi designada para servir nos PEF de Uiramutã

e Surucucu, e, desde janeiro deste ano, encontra-se lotada em Pacaraima. É solteira

e mora em um alojamento feminino no próprio Pelotão. Sua principal função no 3º

PEF é a de Sargento de Saúde, auxiliando o médico do Pelotão; entretanto, disse

que este militar solicitou demissão do Exército recentemente. No Profesp,

esclareceu que suas atribuições são: elaborar a documentação pertinente, auxiliar o

planejamento semanal e acompanhar todas as atividades permanentemente com os

meninos e ministrar as instruções sobre saúde, principalmente, as de prevenção ao

uso de drogas e de doenças sexualmente transmissíveis. Ao ser perguntada sobre o

que pensa, em relação à importância do projeto para os garotos participantes,

afirmou que “Tem muitas crianças aqui que têm algum problema familiar, né, ou

alguma carência de alguma coisa, são assistidos e aqui a gente acaba contribuindo

para eles serem cidadãos melhores, né”. (ENTREVISTADA Nr 10). Explicou que, de

uma maneira geral, os meninos apresentam alguns traços de indisciplina, que

provavelmente trazem de casa, fato ressaltado pelo Diretor da escola municipal

onde eles estudam, com quem teve contato anteriormente; mas que, a despeito

101

disso, ela tem procurado conversar com eles e, percebe que, quando são orientados

com educação, entendem esse chamamento sem maiores problemas. Informou que

serão desenvolvidas, no âmbito do projeto, outras instruções que crê serem

relevantes, como cidadania, valores e patriotismo. Quando foi indagada se sabia, no

universo das crianças, quais ou quantas que estivessem em situação de risco ou

vulnerabilidade social, afirmou que “tem um, que tem situação de alcoolismo na

família” (ENTREVISTADA Nr 10), mas suspeitava existirem outros casos, porém não

dispõe dessas informações, pois, segundo ela, o CRAS e o CREAS, por uma

questão de conduta ética, não informaram com detalhes. Na sua opinião, revelou

que os aspectos a serem ensinados aos meninos, como por exemplo: patriotismo,

civismo, cantar o Hino Nacional – estão sendo relegados pelas escolas, e entende

que essas lacunas não deveriam existir; e assim, que esses ensinamentos, no

Profesp, são muito importantes. Disse também que, por enquanto, o principal

aprendizado que está experimentando, reside na possibilidade de conviver com os

meninos, uma vez que, antes de as atividades terem iniciado, estava muito

preocupada sobre como seria esse contato, o que deveria ser feito, mas, já está

percebendo que pode contribuir, de alguma forma, para a vida deles e, isso já é um

aprendizado para ela. Afirmou que não há em curso nenhuma atividade envolvendo

temas afetos à área de informática ou uso de TI, pois no PEF não dispõe de tais

recursos. Falou que, durante sua passagem nos outros PEF onde serviu, participou

de ACISO com as comunidades locais em atividades de: atendimento médico e

odontológico, recreativas e esportivas. Após isso, não quis acrescentar mais

nenhum outro aspecto e a entrevista chegou ao fim.

Houve oportunidade, ainda, de conhecer o entendimento firmado pela

professora que está ministrando as aulas de reforço aos meninos, a respeito de

como tem percebido seu contexto social, bem como no que se refere à possibilidade

de transformações sociais futuras, a partir do seu olhar, nessa experiência da qual

faz parte, que é o foco de pesquisa deste estudo de caso. Essa fala se deu em

momento posterior à realização das entrevistas. Assim, declarou que

102

No processo educacional, a realidade é um fator preponderante de análise e estudo. Os meninos do projeto possuem realidades diversas, né, mas todos têm em comum, que eu pude perceber que é a situação de pobreza, uns com nem tanto, e outros já assim mais numa situação bem, bem de carente mesmo. Claro que isso, não quero citar essa situação de pobreza como fator limitante, mas como um ponto de partida para entender que a realidade, ela pode sofrer modificações, fazendo com que o sujeito acredite no seu potencial e, com isso, ser agente de mudança da sua realidade. (PROFESSORA, 2016).

Foi possível entender, na sua fala, que a referida profissional de educação,

estando imersa no seio da comunidade, conhece as especificidades

socioeconômicas dos sujeitos aprendentes, notadamente desfavoráveis, entretanto

parece reconhecer que eles podem vir a mudar a realidade na qual se encontram

atualmente.

Durante as atividades de pesquisa exploratória, houve a possibilidade de

conhecer o documento básico de planejamento do Profesp, para o ano de 2016,

expedido pelo COTER, em Brasília-DF, nominado: Diretriz para o Programa

Segundo Tempo/Forças No Esporte-2016. Trata-se de um instrumento de orientação

para todas as OM que desenvolvem as ações decorrentes, originado no órgão do

Alto-Comando do Exército, responsável pela gestão do Programa, no âmbito da

Força. Em uma interpretação prévia, sob o olhar da educação sociocomunitária,

destacam-se alguns objetivos estabelecidos no documento, a saber: oferecer

práticas esportivas educacionais, estimulando crianças e adolescentes a manter

uma interação efetiva que contribua para o seu desenvolvimento integral;

desenvolver valores sociais; contribuir para a melhoria da qualidade de vida

(autoestima, convívio, integração social e saúde); contribuir para a diminuição da

exposição aos riscos sociais: drogas, prostituição, gravidez precoce, criminalidade,

trabalho infantil e a conscientização da prática esportiva, assegurando o exercício da

cidadania; democratizar o acesso à prática e à cultura do esporte de forma a

promover o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens como fator

de formação da cidadania e melhoria da qualidade de vida, prioritariamente em

áreas de vulnerabilidade social; despertar valores de civilidade, cidadania,

honestidade, responsabilidade e amor à Pátria.

103

Isto posto, cabe, então, a partir de tudo o que foi possível observar e relatar,

durante a fase de pesquisa exploratória, no 3º PEF em Pacaraima-RR, realizar o

trabalho analítico baseado nos dados colhidos, bem como apresentar os resultados

alcançados.

4.3 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS E RESULTADOS OBTIDOS

Antes de iniciar a descrição desse relevante segmento pertinente à pesquisa,

é necessário explicar que, além das entrevistas, anteriormente relatadas, houve um

trabalho atento de observação de vários aspectos vivenciados durante o contato

estabelecido com os militares, crianças e agentes envolvidos no caso estudado.

Assim, cabe registrar, por exemplo, o comparecimento em dois pequenos

bairros da cidade, onde moram crianças atendidas pelo Profesp. Verificou-se serem

bem humildes; um, especificamente, nada mais é do que um conjunto de casas

dispersas em área rural, adjacente a uma estrada de terra que atravessa a fronteira

com a Venezuela e por onde transitam, frequentemente, traficantes de drogas,

conforme relato de um morador local.

Foi constatado que tem havido um aumento, nos últimos anos, da incidência

de prostituição feminina juvenil. Além disso, tem crescido nos últimos três meses,

aproximadamente, o fluxo diário de entrada de venezuelanos para comprar

alimentos, uma vez que seu país encontra-se em grave crise socioeconômica. Ao

visitar o limite fronteiriço entre os dois países, foi possível observar que é normal,

legalmente autorizada e costumeira a passagem de brasileiros e venezuelanos em

ambos sentidos, a pé ou de automóvel.

A cidade, cuja população está estimada em pouco mais de dez mil habitantes,

é organizada em seus aspectos básicos, entretanto, carente de serviços públicos

mais especializados em saúde e educação, principalmente, se comparados à capital

do estado ou a cidades interioranas de outras regiões do país. Existem lá, uma

escola municipal e outra estadual, tendo sido relatado haver escolas específicas

para indígenas, os quais vivem em comunidades próprias, mas que são integrados

aos demais habitantes da cidade. Há uma grande carência, também, de espaços

104

públicos de lazer e, principalmente, de instalações de natureza cultural, por exemplo:

biblioteca, cinema, museu. Em algumas localidades específicas, há campos de

futebol de terra, onde as crianças costumam brincar.

No 3º PEF, a expressiva representação dos militares é de origem externa de

RR, mas são bem integrados à população local, embora alguns morem em

alojamentos do próprio Pelotão. Outros, que estão acompanhados dos seus

familiares, ocupam casas simples e muito bem cuidadas em uma vila adjacente ao

PEF. Causou excelente impressão o nível de comprometimento, profissionalismo e

amor à atividade que lá desempenham. Desde o amanhecer até o fim do

expediente, foi observado que estavam engajados nas suas tarefas, fossem:

administrativas, confecção das refeições, trabalhos agropecuários, manutenção e

limpeza das dependências, atendimentos na enfermaria, vigilância e segurança das

instalações. Os que foram designados para atuar no Profesp, o fazem com

entusiasmo, dedicação e, principalmente, tendo a preocupação de respeitar e,

sobretudo, cuidar das crianças sob sua responsabilidade, durante os momentos em

que estão juntos. Há nítidos indícios de que os militares querem organizar e

desenvolver suas tarefas com os garotos, de modo a colaborar com eles, com

espírito de acolhimento, bondade e com intenção de ajudá-los de forma muito

atenciosa. Não foi percebida, em nenhuma ocasião, a menor vontade de “militarizar”

os meninos participantes do projeto, por meio de atividades típicas de um quartel,

por exemplo, marchar ou outras semelhantes. Há sim, uma permanente ação, no

sentido de orientar a conduta das crianças no refeitório, de respeitarem-se uns aos

outros durante as atividades esportivas e na convivência coletiva.

Com o objetivo de aproximar as práticas adotadas no projeto estudado com

alguns elementos da base teórica assinalada no capítulo anterior, interpreta-se que

o Profesp se caracteriza como um conjunto de ações articuladas por agentes

externos à comunidade, visto que a quase totalidade dos militares do 3º PEF não

são de Pacaraima-RR. Assim, tal iniciativa do Exército almeja colaborar, mediante

um plano socioeducativo estruturado, com sujeitos da comunidade local,

especificamente, crianças que, na sua maior parte, pertencem a famílias de origem

econômica humilde. É vital sublinhar que essas crianças vivem em um local

submetido a situações de graves problemas sociais, dentre os quais, destacam-se:

aumento de prostituição na adolescência e de doenças sexualmente transmissíveis,

105

tráfico de drogas e ocorrência de alcoolismo em algumas famílias. Não há, no

âmbito do poder público local, outras iniciativas que promovam a participação de

jovens em atividades socioeducativas no turno oposto ao da escola, exceto algumas

ações específicas do CREAS, para aqueles que já tenham cometido algum tipo de

infração. Tanto os militares entrevistados quanto os agentes das áreas de educação

e de proteção social da comunidade que foram ouvidos, acreditam que o Projeto em

curso pode contribuir para uma possível transformação dos sujeitos beneficiados,

uma vez que a experiência tem permitido eles conhecerem alguns valores não muito

vivenciados em suas famílias, como por exemplo: cidadania, disciplina, respeito; o

que, na visão daqueles atores, são fundamentais para o futuro das crianças

atendidas. Há uma outra convicção de que elas poderão compartilhar esse

aprendizado no âmbito dos grupos sociais de que fazem parte; por mais de uma vez,

ouviu-se a expressão de que “o futuro dessa cidade depende deles” (dos meninos).

Ficou muito evidente, também, que os militares desejam anunciar a ideia de que a

educação é um caminho adequado para o alcance da melhoria das condições de

vida dos meninos. Trata-se portanto, o Profesp, de uma ação educativa praticada no

espaço extraescolar que, em linhas gerais, está muito imbricada com os objetivos de

prevenir e reduzir a possibilidade de inserção, dessas crianças, em situações de

ameaça à sua integridade moral e, até mesmo física, em virtude do panorama

cotidiano local, como já descrito. Notam-se, dessa forma, alguns aspectos

semelhantes entre o Sistema Preventivo de João Bosco e o Profesp, dentre os quais

o da prática esportiva como alternativa de integração, convivência coletiva e lazer

em benefício dos acolhidos. Parece que, enquanto no Oratório Festivo, os jovens

dos guetos de Turim compartilhavam ensinamentos sobre disciplina e moralidade,

desenvolviam atividades de estudo e eram estimulados à capacitação para o

trabalho; por sua vez, no 3º PEF, os meninos do Profesp frequentam aulas

regulares, conhecem aquelas mesmas noções de valores fundamentais para suas

vidas e recebem ensinamentos de caráter prático, como por exemplo, as tarefas de

plantio e cultivo na horta, as quais podem lhes ajudar futuramente. Também, se para

Bosco, havia que se vigiar e estar com os jovens, os militares do PEF que atuam no

Projeto estudado também assim o fazem com bastante intensidade. Há uma crença

de que, a partir dessa experiência socioeducativa, essas crianças beneficiadas

possam dar continuidade à prática dos valores que são trabalhados no Projeto, em

proveito da sua comunidade.

106

Ampliando uma interpretação anunciada no tópico anterior deste capítulo, a

análise do documento “Diretriz para o Programa Segundo Tempo/Forças No

Esporte-2016”, especificamente, em relação aos objetivos nele elencados, permite

inferir que o Profesp está sustentado em princípios muito semelhantes aos

propósitos de uma educação categorizada como sociocomunitária, em que os

sujeitos afetados possam, de alguma forma, se proteger das diversas mazelas

sociais presentes na nossa sociedade, nos dias de hoje. Deve-se assinalar como um

dos mais significativos objetivos preconizados, aquele que assim diz, em

consonância à ideia de sociocomunitária:

contribuir para a diminuição da exposição aos riscos sociais: drogas, prostituição, gravidez precoce, criminalidade, trabalho infantil e a conscientização da prática esportiva, assegurando o exercício da cidadania. (COTER, 2016, p.1).

Por isso, entende-se haver um notório ponto de conexão entre o Projeto que

está sendo praticado pelos militares do 3º PEF com a fundamentação teórica

discorrida no capítulo anterior, neste trabalho.

Isto posto, tais constatações sugerem haver traços muito marcantes da

educação sociocomunitária, que estão presentes no caso estudado.

Também, parece razoável interpretar que, neste caso, emergem algumas

evidências comuns sobre uma referência estabelecida no plano teórico, em que a

educação sociocomunitária aproxima-se do ideário de Paulo Freire, conquanto

ambas as propostas educativas privilegiam as noções de intersubjetividade. Na

proposta freireana, em particular, reforçam-se outros aspectos, como o aprendizado

por parte de quem ensina e o diálogo entre educador e educando, bem como sua

preocupação constante com aqueles a quem considerava “os esfarrapados do

mundo”. Assim, constatou-se haver um cuidado explícito, por parte dos militares do

3º PEF, em procurar estar junto com e conversar intensamente com os meninos,

durante as atividades inerentes ao projeto, em uma relação entre sujeitos que se

aproximam e passam a se conhecer gradativamente. Os militares, desejando

contribuir na formação dos garotos e estes, ávidos por novos conhecimentos

partilhados por (e com) aqueles, ambos mediatizados por essa experiência que o

mundo lhes propiciou. Foi demonstrado, de forma verdadeira, em suas falas, que os

107

integrantes do Exército entendem que tal convivência vem lhes proporcionando

alguns aprendizados singulares, conforme a percepção de cada um, notadamente, o

conhecimento a respeito do outro, ou seja, já estão aprendendo ao ensinar.

Ademais, muitos relatos clarificam que os sujeitos afetados pelo Projeto são reais ou

potenciais vítimas de um contexto social de perigo, na sua comunidade, bem como,

de uma forma geral, membros de famílias humildes e sacrificadas no plano

econômico; então, em um olhar próprio do pesquisador, são um recorte daqueles

esfarrapados a que Freire se referia. Por isso, a despeito de uma improvável

aproximação entre um Projeto implementado por uma Força Armada e a obra de

Paulo Freire, há possíveis pontos de convergência de propósitos, não interessando

nesta abordagem nenhum posicionamento ideológico, mas, sobretudo, sobre os fins

a que se destinam e em proveito de quem se beneficia de uma educação que possa

contribuir na transformação de suas vidas. Neste ponto de vista específico, deve-se

ressalvar que as ações socioeducativas desenvolvidas pelo Exército, em que pese a

clara intenção de colaborar na transformação – em sentido de melhoria das

condições de vida de pessoas viventes na Amazônia - não guardam nenhuma

aproximação com o modelo de transformação social – práxis – inerente ao ideário de

Freire.

Cabe outro entendimento pertinente às observações realizadas, em

comparação à teoria da educação sociocomunitária. Trata-se do fato de que os

militares do PEF foram ao encontro dos órgãos públicos de assistência social e de

educação, com o objetivo de apresentar, discutir de forma dialógica e, após

manifestado o interesse daqueles entes, conhecer deles o que desejavam inserir na

programação do Projeto. Assim, ouvindo algumas das suas demandas específicas,

como por exemplo, a inclusão do reforço escolar e de aulas para os garotos sobre

cidadania, valores, respeito e disciplina, estes assuntos passaram a fazer parte do

conjunto de atividades em desenvolvimento. Os agentes públicos compartilharam a

ideia de que, no primeiro caso, a escola não suporta ministrar aulas complementares

e, nos demais, as famílias têm dificuldades de lidar com seus filhos, quando se trata

de abordar esses aspectos. Entende-se, portanto, que o protagonismo sobre o que

se fazer no Projeto, em temáticas consideradas tão relevantes, foi assumido pela

própria comunidade naquilo que, segundo seus representantes, poderá impactar

favoravelmente nos sujeitos em questão. Então, é coerente afirmar que as noções

108

de diálogo, intersubjetividade e o desejo de ouvir a voz da comunidade, elementos

tão caros para o campo sociocomunitário, foram evidenciados nessa experiência.

No que se refere à possibilidade de empregar instrumentos de TI em práticas

educativas, principalmente, com vistas ao alcance de resultados que otimizem

oportunidades de ganhos finalísticos para a educação, ou seja, até mesmo

diversificar ou melhorar o processo ensino-aprendizagem, tal caminho é bastante

obstaculizado devido à insuficiência de equipamentos e de infraestrutura. Essa

realidade impede que as crianças participantes do projeto possam, entre outras,

realizar pesquisas escolares, compartilhar conhecimentos de interesse para a

comunidade, aprender o uso de programas específicos, como por exemplo, editor de

texto, planilhas, os quais podem colaborar futuramente em suas vidas profissionais.

Ou seja, há uma evidente oportunidade ainda não explorada para o exercício da

plena inclusão digital desses meninos. Foi observado que, no PEF, existem quatro

antenas parabólicas para receber sinal de Internet - que é muito precário, de baixa

capacidade de banda – as quais foram alocadas como equipamentos integrantes

das redes governamentais do Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao

Cidadão (GESAC), do Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), e do próprio

Exército, para acesso à sua rede interna de comunicação de dados: EBNet. O

Pelotão possui apenas: dois notebooks, um computador (PC), um modem e um

roteador. Ou seja, os meios existentes atendem, modestamente, as necessidades

administrativas do PEF, inviabilizando, por exemplo, atividades pedagógicas com os

meninos participantes do Profesp. Ouvindo o relato dos entrevistados, a maioria

afirma que há uma carência de materiais de TI na comunidade e, ao mesmo tempo,

o quão seria desejável dispor desses instrumentos computacionais que pudessem

ser utilizados em proveito daqueles garotos. Ao interpretar esse aspecto, entende-se

que seria muito conveniente obter recursos que permitissem a instalação de um

laboratório de informática com, pelo menos, dez computadores (mesmo portáteis)

com acesso à Internet. Existe um pavilhão no PEF que comportaria a montagem

dessa estrutura. Apropriando-se de algumas teorias sobre o uso das tecnologias

sociais, é plausível afirmar que há lacunas visíveis, no caso estudado, em aspectos

mais elementares, dentre os quais, podem ser citados: impossibilidade de acessar

livros digitais, deixar de fazer pesquisas em sites da Internet, não compartilhar

informações e conteúdos por correio eletrônico, entre outros. Imagine-se,

109

concretamente, que a professora do Profesp planejasse e disponibilizasse um texto

no e-mail do grupo para que os alunos lessem previamente e discutissem durante

uma aula, ou pudesse anexar uma lista de exercícios da mesma forma – isso tudo,

atualmente, é inviável devido aos esclarecimentos já postos em discussão. É

coerente afirmar, também, que fruto das observações e diálogos realizados entre o

pesquisador e os entrevistados, não há, por parte destes, conhecimentos mais

aprofundados que os permita explorar outras possibilidades para ampliar a

capacidade de processos educativos, com o uso de meios de tecnologia, além

daqueles já mencionados. Isso conduz a uma ideia de que, no momento apropriado,

em que puderem dispor desses instrumentos, seria muito adequado o

desenvolvimento de um plano de capacitação para os educadores, no caso, os

militares do 3º PEF e/ou demais agentes participantes. Diante desse quadro, anula-

se, neste momento, a possibilidade de se engendrar a construção de um ambiente

cognitivo, em que a tecnologia sustente, finalisticamente, a interação ágil e eficaz do

conhecimento socializado coletivamente pelos interessados. Há, portanto, que se

pensar e agir oportunamente, quando for possível, sobre o treinamento das pessoas

que promovem as ações do Profesp, aliado à instrumentalização de equipamentos e

programas de uso corrente que colaborem, efetivamente, com o incremento de

melhorias concretas e finalísticas na dinâmica ensino-aprendizagem, visando à

inclusão digital dos aprendentes.

É preciso pensar, também, como esforço reflexivo entre as teorias suportadas

nos referenciais adotados com a realidade encontrada durante os trabalhos de

pesquisa exploratória, observações e entrevistas realizadas no caso em estudo, que

a educação sociocomunitária, entendida como uma categoria inerente ao processo

social da qual faz parte, que é a própria educação, ainda não esgotou todas as

possibilidades a respeito de uma definição plenamente delimitada. Ao contrário,

vários dos pesquisadores que se debruçam sobre ela, entendem que se trata de um

conceito em construção, plurívoco, no qual são factíveis múltiplas e singulares

experiências entre educadores, projetos articulados e sujeitos beneficiados,

mediante comunhão de ações comunitárias, mas com um objetivo muito claro: a

transformação social. Interpreta-se que tal finalidade, como também não foi

precisamente definida, pode ser, entre outras, a melhoria das condições de vida de

um grupo de pessoas de determinada comunidade, com vistas a mudar um quadro

110

social mais amplo, em que se tornem protagonistas e sejam autônomos, sendo

capazes de perceber e decidir sobre tudo aquilo que possa lhes beneficiar. Nessa

experiência singular, que é o desenvolvimento do Projeto Profesp, sob articulação

dos militares do 3º PEF, em Pacaraima-RR, firmou-se uma convicção de que tal

intervenção - extraescolar, dialógica, intersubjetiva no aprender-ensinar, em

benefício de crianças em situação de vulnerabilidade social - é um trabalho

impregnado de características marcantes da educação sociocomunitária.

Por isso, em termos de uma conclusão pragmática, mas derivada de reflexões

e cotejamento entre os referenciais teóricos considerados pertinentes com os

procedimentos metodológicos adotados, resulta essa análise nos seguintes

resultados, colimados aos questionamentos formulados no início da pesquisa:

O Exército Brasileiro, há muitos anos, atua em favor do desenvolvimento

social da Amazônia brasileira, por meio de programas e projetos por si concebidos

ou como parceiro de outros órgãos da administração pública. Alguns exemplos

elencados anteriormente são: Amazônia Conectada, Programa Calha Norte, Projeto

Rondon, Ações Cívico-Sociais (ACISO), mediante emprego de pessoas,

equipamentos, tecnologia e recursos para contribuir com a melhoria de vida de

muitos amazônidas. Atualmente, em vários PEF, encontra-se em curso o

desenvolvimento do Programa Forças no Esporte – Profesp. Dentre os mais de vinte

Pelotões localizados na faixa de fronteira, em Pacaraima-RR, o 3º PEF, neste ano,

está implementando o Profesp, lá considerado e categorizado como um Projeto.

Neste caso, há um benefício gerado para trinta meninos em risco social na sua

comunidade, os quais poderão ter suas vidas transformadas socialmente no futuro, a

partir de suas escolhas e iniciativa, mas tendo consigo a memória e os

conhecimentos compartilhados durante essa experiência. Entende-se que o Profesp

poderá contribuir na busca, caminho e leitura de mundo que devem ser próprios

deles, mas, sendo possível, desde já, haver o compartilhamento de conhecimentos,

valores, ensinamentos e técnicas - elementos fortalecedores/colaborativos – com

vistas a serem cidadãos relativamente capazes e moralmente formados, em sua

comunidade. Em sentido amplo, o Exército faz isso, além das suas atribuições

institucionais já apontadas, porque acredita que os amazônidas, muitas vezes,

contam com poucos agentes públicos para lhes oferecer condições satisfatórias de

dignidade e de bem-estar social, notadamente, em saúde, educação e acolhimento.

111

No campo das tecnologias sociais, ficou evidente que os militares do 3º PEF e

agentes de educação de Pacaraima-RR anunciam a necessidade de dispor de

equipamentos de TI, principalmente, computadores e um laboratório de informática

para incrementar as ações de ensino-aprendizagem durante o projeto, uma vez que

o Pelotão só possui poucos ativos para sua administração interna. Acredita-se que,

aproximadamente, dez computadores, cabeamento estruturado, e aparelhos de

conexão à Internet seriam suficientes para atender a demanda, entretanto, tal

avaliação carece de um planejamento mais detalhado. Já existe um projeto de

laboratório de informática desenhado pelo C Fron-RR/7º BIS que pode ser a base do

que está sendo aqui proposto.

Fruto das observações realizadas, a partir de algumas reflexões produzidas

por sua visão crítica e singular, o pesquisador anotou, neste recorte, algumas

possíveis contribuições, em termos de oportunidades de melhorias que poderiam ser

implementadas para as próximas edições do Profesp, no 3º PEF. Inicialmente, seria

muito bom que os militares engajados na execução do projeto tivessem a

oportunidade de participar de uma capacitação prévia, a ser promovida por algum

órgão ou instituição, por exemplo, de Boa Vista-RR, que pudesse compartilhar

embasamento teórico sobre educação com crianças e adolescentes. Da mesma

forma, poderiam frequentar aulas ministradas por outros militares do Comando

enquadrante, possuidores do Curso da Escola de Educação Física do Exército, em

relação a conhecimentos sobre planejamento e execução de práticas esportivas a

serem desenvolvidas com os meninos. Entende-se que, como há um bom

relacionamento institucional com outros órgãos públicos federais em Pacaraima-RR,

a Polícia Federal poderia ser convidada a realizar palestras sobre os perigos em

relação a tráfico de drogas e outros ilícitos presentes na região. Outra ideia diz

respeito à possibilidade de a Prefeitura local, ou o próprio Exército, levar os meninos

para uma jornada de visitas, na capital do estado, em espaços culturais e lúdicos lá

disponíveis, por exemplo: Museu Integrado de Roraima, Zoológico do C Fron-RR/ 7º

BIS, Biblioteca Pública Municipal, Teatro Municipal, entre outros. Seria muito positivo

haver reuniões periódicas regulares entre os militares do PEF que atuam no Profesp

com representantes dos órgãos de ação social e da escola onde os meninos

estudam, para avaliação conjunta das ações, bem como escuta de novas demandas

daqueles órgãos da comunidade. Esse mesmo tipo de atividade, também poderia

112

ser conduzida com os familiares. Seria conveniente que houvesse um ou mais

encontros entre militares de diferentes PEF, para a realização de debates e

compartilhamento de suas experiências, com vistas a disseminar e apropriar as

melhores práticas desenvolvidas, sobre o Profesp, em cada pelotão de RR. Nesse

mesmo sentido, poderia ser criada uma rede colaborativa social – existem

aplicativos de telefonia celular que permitem isso – para a construção de um

conhecimento coletivo entre seus participantes. Os militares, seus familiares e afins,

residentes em Boa Vista-RR, poderiam promover campanhas de arrecadação de

livros paradidáticos juvenis, previamente selecionados por algum pedagogo ou

educador, para doação aos meninos do Profesp. Os militares do PEF poderiam

consultar os meninos se alguns dos seus familiares possuem conhecimentos

específicos em alguma ação que é desenvolvida no projeto, por exemplo: técnicas

de plantio – isso poderia promover uma troca de saberes entre o pelotão e a

comunidade. Ainda, que o PEF, com o devido respaldo legal, em coordenação com

os órgãos parceiros locais, pudesse realizar um acompanhamento posterior (ou ter

acesso a informações) dos meninos atendidos pelo projeto, após o seu término, nos

aspectos: sociabilidade, relacionamento familiar, rendimento escolar, inserção em

drogas e/ou demais ilícitos, outros. As sugestões aqui postas são investidas de um

propósito eminentemente colaborativo – um olhar externo, uma percepção própria

de um sujeito que teve a oportunidade de observar este caso socioeducativo.

Dessa forma, após a descrição e interpretação dos relatos colhidos e das

observações efetuadas durante a permanência no 3º PEF, em Pacaraima-RR,

procedeu-se a análise de todos esses dados no presente Relatório, resultando, em

termos qualitativos, que o caso concreto apresenta vários pontos de convergência

com o referencial teórico elencado e, tudo isso, desvelando o fato de que o Profesp,

naquele espaço próprio e em seu contexto singular, mostra-se muito aderente às

ideias focais do sentido de uma educação dita sociocomunitária. A seguir, serão

produzidas as considerações finais deste trabalho.

113

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de uma proposta idealizada, planejada, consolidada e submetida ao

rigoroso método da pesquisa científica, especificamente, atinente ao campo da

educação, buscou-se estruturar um trabalho que abordasse uma iniciativa específica

em desenvolvimento, por parte de uma instituição extraescolar, que estivesse

colimada aos propósitos do PPGE do UNISAL, em sua linha de pesquisa que trata

da intervenção educativa sociocomunitária, enquanto linguagem, intersubjetividade e

práxis. Esse pensamento constituiu-se em pressuposto lógico e coerente, uma vez

que em sua trajetória, o Programa vem promovendo diversos estudos naquele

segmento da sua área de concentração peculiar, a partir de experiências

compartilhadas, mediante a produção de relevantes trabalhos dos seus

participantes. Haveria que se pensar, então, em uma pesquisa que, se possível,

fosse pouco explorada até o presente momento e, de algum modo, se investisse de

um certo grau de relevância.

Ao mesmo tempo, percebe-se que muitos dos objetos observados fazem

parte da história de vida do pesquisador, e, de modo semelhante, o que trata esta

dissertação assim também o é. Então, a incipiente motivação de outrora foi se

fortalecendo à proporção em que as descobertas foram se descortinando e

evidências foram sendo desveladas. Apenas vale dizer que essa experiência, ora

relatada, representa uma plena concretude, uma vez que muito significa para este

pesquisador. Sobretudo, pelo fato de o objeto em questão não ser mero objeto

observável, inerte, inanimado, material por excelência e empírico por natureza, ao

contrário disso tudo, são sujeitos singulares em seu meio e em seu tempo, cheios de

vida, de histórias e de humanidade.

Assim, o pesquisador, avaliando essa gama de componentes essenciais e,

tendo trabalhado cerca de trinta anos no Exército Brasileiro, interessou-se em

conhecer um projeto socioeducativo em curso na cidade de Pacaraima-RR,

mediante intervenção de militares do 3º PEF, em benefício de um grupo de trinta

meninos da comunidade local. O problema consistiu em desvelar a questão sobre

“como o Exército – de que modo – pratica ações socioeducativas na Amazônia?”

Então, o principal objetivo foi investigar se aquela iniciativa reveste-se de um

conjunto de possíveis características inerentes à categoria de educação

114

sociocomunitária. Portanto, há um convencimento firmado, salvo juízo diverso, de

que o tema se mostra aderente ao Programa, guarda um significado próprio, traduz-

se em sentimentos de pertencimento e de autoria por parte do pesquisador e crê-se

que seja humano, por sua natureza.

Também, reitera-se que a educação, enquanto uma realidade social

historicamente construída, ao longo da vida humana e, notadamente, no tempo

presente, é incontestavelmente praticada em múltiplos espaços externos ao

ambiente formal escolar. Foi possível, então, compreender que o projeto

supramencionado mostra-se como uma dessas possibilidades educativas, em que

uma determinada organização pode colaborar com o preenchimento de algumas

lacunas não satisfeitas pelo modelo oficial do Estado, seja ele operado por escolas

públicas ou privadas.

Essas premissas, então, permitiram que a trajetória desta pesquisa se

pautasse em uma sequência lógica, em que, primeiramente, verificou-se a

necessidade de esclarecer como se deu, ao longo da história brasileira, a partir do

seu “descobrimento oficial” (à luz da historiografia linear-positivista), a ocupação

militar da Amazônia por parte de contingentes militares, uma vez que a instituição

em análise e o respectivo espaço geográfico pertencem a esse universo. Em tal

agrupamento de exame, deu-se uma mirada no panorama fisiográfico amazônico,

com o intuito de evidenciar a grandeza da sua dimensão em termos nacionais e

globais. Descreveu-se como está desenhada a atual articulação dos efetivos do

Exército naquela região, em suas diversas OM, bem como foram explicados vários

programas e projetos dos quais a instituição participa ou promove por sua iniciativa,

em proveito do desenvolvimento social dos amazônidas brasileiros, inclusive no

âmbito da educação. Nesse momento, ainda, foi elucidado o conceito de PEF e suas

principais atribuições regimentais na faixa de fronteira setentrional do país, além das

subsidiárias, no apoio às populações lindeiras.

Após tal contextualização sobre o papel desempenhado pelo Exército na

Amazônia, a dissertação dedicou-se a explorar seus referenciais teóricos, pensados

como aqueles que pudessem dialogar entre si e com o tema, para a construção de

um fio condutor que perpassasse o projeto pesquisado até a conquista dos objetivos

propostos, conectados por meio dos procedimentos metodológicos selecionados.

115

Assim, em João Melchior Bosco, foi possível entender que o seu “Sistema

Preventivo” - modelo cultuado até hoje pela Rede Salesiana de Ensino – tem por

ideia-chave reduzir a exposição de jovens aos riscos sociais existentes, no passado

e nos dias de hoje, com base na tríade: Religião, Racionalidade e

Amorevollezza/Carinho. Dessa forma, entre outros aspectos, Bosco entendeu que,

acolhendo sujeitos em situação de vulnerabilidade, educando-os, inclusive com o

emprego de práticas esportivas e até com aulas para o ensino das áreas do

conhecimento científico mais tradicionais, poderia contribuir na transformação social

daqueles sujeitos; tudo isso acontecendo em um espaço próprio: o “Oratório

Festivo”.

Nessa mesma linha de pensamento, Manoel Isaú, Padre Salesiano da

contemporaneidade, resgatou os ideais de Bosco em alguns dos seus escritos,

clarificando e reforçando o sentido de uma educação transformadora. Ainda, nesse

mesmo plano conceitual, Paulo de Tarso Gomes entende que a educação

sociocomunitária, por excelência, é uma categoria vocacionada para ajudar sujeitos,

em suas comunidades, a alcançar a transformação social, a partir de intervenções

planejadas e conduzidas, inicialmente, por agentes externos ou, de outra forma,

partindo das próprias pessoas da comunidade. Em tais abordagens, é fundante a

noção de práxis, ou seja, reflexão entre teoria e prática para a transformação

pretendida. Também, sob o ponto de vista de uma educação que priorize os mais

desassistidos, que seja dialógica, práxica, portanto transformadora e eminentemente

intersubjetiva, em que “uns aprendam e ensinem uns com os outros”, a ideia de

Educação Popular de Paulo Freire tangencia grande parte dos objetivos da

educação sociocomunitária, aspecto esse que o fez estar presente nesse cabedal

teórico.

Por outro lado, o trabalho também discorreu sobre o conceito de tecnologias

sociais, como sendo as possibilidades de ampliação do espectro educacional em

proveito dos seus objetivos finalísticos, por intermédio (entre outros), de

instrumentos e de sistemas de TI, com base na ideia de uma melhor aplicação dos

meios em direção aos fins. Renato Dagnino, Maira Baumgarten e Pierre Lévy

ofereceram valiosas contribuições teóricas a respeito desse tema, notadamente,

sobre necessidade de reflexões e implementação de projetos que maximizem o

potencial dos recursos computacionais e de TI. Tais planos devem ser pensados em

116

termos de pesquisa, ensino-aprendizagem e construção de conhecimentos em redes

colaborativas, em que os membros de uma comunidade possam avançar no acesso

à informação, disponibilidade de conteúdos, aumento das suas capacidades para

solucionar seus problemas, exercício pleno de cidadania, discussão conjunta e

compartilhada de alternativas para a melhoria de suas comunidades, tudo isso, com

ampla participação dos sujeitos que possam ser incluídos nesse universo ubíquo,

em nossa existência atual. Entretanto, sabe-se que TI é um, dentre vários elementos

factíveis do campo das tecnologias sociais.

Em seguida, suportado em uma metodologia de abordagem qualitativa,

coletando dados por meio de entrevistas, observação, pesquisa bibliográfica e

análise de documentos, foi elaborado um estudo de caso no 3º PEF, em Pacaraima-

RR. O objetivo foi conhecer as atividades desenvolvidas pelos militares do Exército,

no corrente ano, em prol de um grupo de garotos da comunidade local. Trata-se do

Programa “Segundo Tempo/Forças no Esporte”, o qual, lá, é chamado somente de

“Profesp”.

Pode-se afirmar que houve um encontro dialógico entre o pesquisador,

militares do PEF e agentes sociais e de educação locais. As conversas e entrevistas

realizadas, aos poucos, foram se tornando mais carregadas de confiança mútua,

entendimento sobre a realidade do outro e boa vontade, por parte dos entrevistados.

Expressaram suas visões próprias a respeito do projeto, em que, muitas vezes, ao

pronunciarem suas vozes, faziam associações com suas singulares histórias de

vida, ao relatarem a experiência da qual participam no Profesp.

Durante uma semana do mês de julho deste ano, vivenciando diuturnamente

as atividades do PEF, o pesquisador observou, em particular, que os sujeitos

daquela comunidade – os meninos participantes do projeto – são acolhidos

permanentemente, praticam atividades esportivas planejadas, recebem informações

sobre higiene e saúde e ensinamentos teóricos e práticos na horta do pelotão, bem

como frequentam aulas de reforço de matemática e português.

É imprescindível destacar que foram os agentes públicos da comunidade,

conhecendo suas famílias, que selecionaram os sujeitos beneficiados, em sua

maioria, imersos em problemas sociais até em suas próprias casas. Algumas aulas

específicas que estão ocorrendo, como por exemplo, noções de cidadania, respeito

117

mútuo, valores e as outras já mencionadas, foram propostas por aqueles

representantes da comunidade. Percorrendo alguns locais da cidade, inclusive áreas

fronteiriças, o pesquisador tomou conhecimento de parte dos problemas sociais ali

existentes no momento, em particular, do fluxo constante de venezuelanos em

busca de itens básicos de alimentos, pois, conforme relatos colhidos, seu país – em

particular os habitantes de Santa Elena de Uairén – sofrem problemas de

desabastecimento. Isso, também, de acordo com algumas vozes ouvidas, tem

afetado no aumento de prostituição juvenil, assaltos e tráfico de drogas.

Em conformidade às argumentações discorridas neste trabalho, é razoável

concluir que os militares do 3º PEF, subordinados ao C Fron – RR/7º BIS, estão

desenvolvendo, em Pacaraima-RR, um projeto nominado Profesp, o qual apresenta

características da educação sociocomunitária. Estão realizando tal prática porque

trata-se de uma diretriz do Alto-Comando do Exército, o qual participa do Programa

Segundo Tempo/Forças no Esporte. Entretanto, mais do que isso, o Exército

Brasileiro, há mais de um século se faz presente na Amazônia, colaborando com o

desenvolvimento social da sua população. O Profesp é mais um, entre tantos, do

universo de ações promovidas ou conduzidas mediante parcerias em que a

instituição participa ativamente. Especificamente, ao cotejar o referencial teórico

escolhido com os eventos observados no caso estudado, entende-se que o Profesp

atua em proveito de sujeitos que se encontram sob vulnerabilidade social e se

desenvolve mediante um relacionamento intersubjetivo, no qual os militares acolhem

os garotos participantes. Estes, além das práticas esportivas – tão caras a João

Bosco - estão aprendendo técnicas e conhecendo saberes que podem melhorar

suas condições de vida futuramente e, concomitantemente, ensinando aqueles a

conhecer sua realidade local, suas histórias, suas dificuldades, suas vidas; os

militares relatam estar aprendendo o que significa ter “esse olhar sobre a realidade

do outro”.

O projeto é planejado e articulado em um espaço extraescolar, partindo da

iniciativa de agentes externos – entretanto, alguns militares moram em Pacaraima-

RR – mas as demandas por ações específicas partiram da própria comunidade. No

que se refere ao campo das tecnologias sociais, vários entrevistados expressaram

que o uso de recursos de TI seria aderente ao projeto, mas não dispõem deles, no

momento. Interpreta-se que os militares e agentes socioeducativos ouvidos

118

necessitam de um embasamento mais aprofundado sobre o tema para que, se no

futuro, os equipamentos, infraestrutura e sistemas se fizerem presentes, possam

planejar e operar ações de cunho finalístico para a educação e otimização dos

processos ensino-aprendizagem. O próprio C Fron – RR/7º BIS já possui

levantamentos de custos e um projeto-modelo de laboratório de informática para

todos os PEF. Há, portanto, oportunidades a serem exploradas no campo das

tecnologias sociais.

Deve-se lembrar, também, que o conceito de educação sociocomunitária está

em construção; não há ainda, de forma unívoca, uma definição completa e esgotada

a seu respeito. Talvez, a própria incompletude do sujeito, na trajetória do seu devir,

seja um impulsionador dessa busca que pode ser incessante. Assim, sem a menor

pretensão de se afirmar que este trabalho aponta para uma direção imutável, ao

contrário, procurou desvelar apenas uma, entre várias possibilidades, do que seja

uma intervenção educativa sociocomunitária, intersubjetiva, concreta e, sobretudo,

humana. Tal convicção é fruto da visão própria de mundo do pesquisador,

mediatizado por uma experiência singular que o mundo lhe propiciou durante seus

primeiros passos enquanto professor-pesquisador.

O projeto investigado no caso concreto estudado pode vir a ser um modelo

possível de implementação em outros espaços, notadamente, com apoio das

tecnologias sociais, visando à transformação social de sujeitos que lutem pela

autonomia e protagonismo de suas vidas. Tudo isso, em um mundo globalizado,

permeado por avanços tecnológicos e, contraditoriamente, impregnado de

larguíssimos e complexos hiatos de desigualdade social, inclusive, no tocante à

educação.

Em suma, o projeto Profesp, desenvolvido pelo 3º PEF em Pacaraima-RR,

apresenta características típicas da educação sociocomunitária, em particular: a

interação com a comunidade, as noções de intersubjetividade, concentração sobre

sujeitos em situação de vulnerabilidade, contribuições para a transformação social e

promoção da autonomia destes.

Este trabalho termina aqui, ou melhor, é um ponto de partida e propõe que

novas reflexões sejam produzidas a respeito do que essas linhas não foram capazes

de atingir, apenas buscaram iniciar.

119

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YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Tradução de Ana Thorell. Porto Alegre: Bookman, 2010.

123

APÊNDICE A – Fotografias do Profesp (3º PEF/Pacaraima-RR)

Ilustração 5 – Encontro inicial com militares do 3º PEF

Fonte: Autor.

Ilustração 6 – Estrutura de TI (Antenas/Internet)

Fonte: Autor.

124

Ilustração 7 – Acolhimento dos meninos do Profesp

Fonte: Autor.

Ilustração 8 – Café da manhã no refeitório do PEF

Fonte: Autor.

125

Ilustração 9 – Atividade educativa: valores cívicos

Fonte: Autor.

Ilustração 10 – Atividade educativa/saúde: hidratação/uso de protetor solar

Fonte: Autor.

126

Ilustração 11 – Atividade esportiva: futebol

Fonte: Autor.

Ilustração 12 – Aula prática na horta: plantio de mudas

Fonte: Autor.

127

Ilustração 13 – Aula de reforço escolar de matemática

Fonte: Autor.

Ilustração 14 – Entrevista com educadoras sociais da comunidade (CREAS)

Fonte: Autor.

128

Ilustração 15 – Entrevista com a Coordenadora Municipal de Educação

Fonte: Autor.

Ilustração 16 – Atividade recreativa: militares e crianças

Fonte: Autor.

129

Ilustração 17 – Atividade esportiva (vôlei)

Fonte: Autor.

Ilustração 18 – Galpão (possível área p/ laboratório de informática)

Fonte: Autor.

130

Ilustração 19 – Moradia de menino participante do Profesp

Fonte: Autor.

Ilustração 20 – Moradia de menino participante do Profesp

Fonte: Autor.

131

APÊNDICE B – Fotografia do primeiro registro histórico (fundação) do 3º PEF

Ilustração 21 – Primeira folha do livro de registros do 3º PEF

Fonte: 3º PEF.

132

APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTAS AOS MILITARES DO 3º PEF

1) Fale sobre você, sua vida. Há quanto tempo está no PEF?

2) Qual a sua principal função no PEF?

3) Quais são as suas atribuições no âmbito do Projeto: “2º Tempo/Profesp”?

a) Ensino? Qual assunto?

b) Atividade? Qual?

c) Outras atribuições? Descreva: ____________

4) Qual a importância do projeto para esses meninos da comunidade?

5) Como se dá essa dinâmica de ensino-aprendizagem com os meninos?

Você consegue estabelecer um diálogo amigável durante as aulas e

atividades? Como eles reagem, segundo a sua percepção?

6) Como é o relacionamento professor-alunos?

7) O projeto trata de assuntos mais gerais, como o cuidado com drogas,

responsabilidades de cidadania, importância de estudar, entre outros?

8) Você sabe se os jovens vivem ou estão expostos a alguma situação de

vulnerabilidade social (drogas, alcoolismo, criminalidade)? (todos,a maioria,

alguns) Ainda, Você tem ideia da faixa socioeconômica dos familiares

desses jovens? Dificuldades financeiras?

10) Você acha que esse projeto, do qual o Exército (aqui no PEF em

Pacaraima) é executante, pode contribuir de alguma forma com a melhoria

das condições de vida desses sujeitos, estabelecimento de sua autonomia, e

uma possível transformação social em suas vidas? Por quê? Como?

11) Você considera que a sua participação no projeto irá lhe proporcionar

algum aprendizado? Se positivo, pode explicar como?

12) Existe, atualmente, no âmbito do projeto, alguma atividade que envolva

uso de tecnologias da informação (informática, computadores, internet,

redes sociais, smartphones)? Se positivo, poderia explicar?

13) Se a resposta anterior for negativa, você imagina como o uso dessas

tecnologias poderia ajudar na inclusão digital desses meninos?

14) Fique à vontade para falar mais, além das perguntas feitas.

133

APÊNDICE D – RESUMO/DADOS RELEVANTES DE PACARAIMA

Histórico: Localizada na fronteira com a Venezuela, a vila de BV-8 nasceu com a chegada do exército. Em 17 de outubro de 1995 foi elevada à categoria de município.

Formação Administrativa: Elevado à categoria de município com a denominação de Pacaraima, pela Lei Estadual n.º 96, de 17-10-1995, desmembrado do município de Boa Vista. Sede no atual distrito Pacaraíma (ex-localidade de Vila Pacaraíma aglomerado rural). Constituído do distrito sede. Instalado em 01-01-1997. Em divisão territorial datada 2001, o município é constituído do distrito sede. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 2009.

Área da unidade territorial – 2015: 8.028,483 km²

População residente: 10.433 Pessoas.

FONTE: http://cidades.ibge.gov.br/ <Acesso em 12/10/2016>

Ilustração 22 – Distância entre Pacaraima-RR e Boa Vista-RR

FONTE:https://www.google.com.br/maps/ <Acesso em 12/10/2016>

134

ANEXO A – DIRETRIZ PARA O PROGRAMA SEGUNDO TEMPO-FORÇAS NO

ESPORTE-2016 - MINISTÉRIO DA DEFESA EXÉRCITO BRASILEIRO COMANDO

DE OPERAÇÕES TERRESTRES (Extrato)

[...]

2. OBJETIVOS DO PST- PROFESP

a. Oferecer práticas esportivas educacionais, estimulando crianças e

adolescentes a manter uma interação efetiva que contribua para o seu

desenvolvimento integral.

b. Oferecer condições adequadas para a prática esportiva educacional de

qualidade.

c. Desenvolver valores sociais.

d. Contribuir para a melhoria das capacidades físicas e habilidades motoras.

e. Contribuir para a melhoria da qualidade de vida (autoestima, convívio,

integração social e saúde).

f. Contribuir para a diminuição da exposição aos riscos sociais: drogas,

prostituição, gravidez precoce, criminalidade, trabalho infantil e a conscientização da

prática esportiva, assegurando o exercício da cidadania.

g. Revelar novos talentos que futuramente poderão compor as delegações

nacionais em competições de alto nível.

h. Democratizar o acesso à prática e à cultura do esporte de forma a

promover o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens como fator

de formação da cidadania e melhoria da qualidade de vida, prioritariamente em

áreas de vulnerabilidade social.

i. Despertar valores de civilidade, cidadania, honestidade, responsabilidade e

amor à Pátria.

[...]

4. CONCEPÇÃO GERAL

a. Criado em 2003, PROGRAMA SEGUNDO TEMPO - PROGRAMA

FORÇAS NO ESPORTE tem por objetivos ajudar a melhorar a qualidade de vida de

crianças e jovens carentes. O programa, desenvolvido por intermédio de uma

parceria entre os Ministérios da Defesa, do Esporte e do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome, promove a inclusão social por meio da prática de esportes.

[...]

Brasília-DF, 30 de março de 2016.