escola do trabalho

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“Que tipo de homens a fase revolucionária em que vivemos atualmente (e que será provavelmente muito longa) exige de nós? A pergunta podemos dar a seguinte resposta: A fase em que vivemos é uma fase de luta e de construção, construção que se faz por baixo, de baixo para cima, e que só será possível e benéfica na condição em que cada membro da sociedade compreenda claramente o que épreciso construir e como épreciso construir. A solução do problema exige a presença e o desenvolvimento das seguintes qualidades: 1) aptidão para trabalhar coletivamente e para encontrar espaço num trabalho coletivo; 2) aptidão para analisar cada problema novo como organizador; 3) aptidão para criar as formas eficazes de organização”. Pistrak M. M. Pistrak FUNDAMENTOS DA ESCOLA DO TRABALHO expressà0 POPULAR

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Obra de M. M. Pistrak, educador russo, sobre os fundamentos do trabalho na escola e na educação em geral.

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“Q ue tipo de homens a fase revolucionária em que vivemos atualmente (e que será provavelmente muito longa) exige de nós?A pergunta podemos dar a seguinte resposta:A fase em que vivemos é uma fase de luta e de construção, construção que se faz por baixo, de baixo para cima, e que só será possível e benéfica na condição em que cada membro da sociedade compreenda claramente o que épreciso construir e como épreciso construir. A solução do problema exige a presença e o desenvolvimento das seguintes qualidades:1) aptidão para trabalhar coletivamente e para encontrar espaço num trabalho coletivo;2) aptidão para analisar cada problema novo como organizador; 3) aptidão para criar as formas eficazes de organização”.

Pistrak

M. M. Pistrak

FUNDAMENTOS DA ESCOLA DO TRABALHO

ex pressà0POPULAR

Page 2: Escola do Trabalho

A obra de Pistrak deve ser lida com o o registro de um processo de construção de um a pedagogia social, com o ele m esm o dizia.Sua atualidade está no diálogo que se pode travar em torno das questões que moveram sua prática e seu pensam ento pedagógico, que continuam sendo grandes desafios.

C om o vincular o plano de vida com um processo de transform ação social, onde o estudo, o trabalho, as atividades culturais e políticas façam parte de um program a de form ação do povo para que se assuma como sujeito da construção da nova sociedade?

Q ue a contribuição de Pistrak possibilite a cada leitor assimilar novos elementos da teoria pedagógica, qualificando sua reflexão e prática social, construindo e reconstruindo, sem pre que necessário, novos m étodos de estudo e intervenção social.

FUNDAMENTOS DA ESCOLA DO TRABALHO

Page 3: Escola do Trabalho

A obra de Pistrak deve ser lida com o o registro de um processo de construção de um a pedagogia social, como ele mesmo dizia.Sua atualidade está no diálogo que se pode travar em torno das questões que moveram sua prática e seu pensam ento pedagógico, que continuam sendo grandes desafios.

C om o vincular o plano de vida com um processo de transform ação social, onde o estudo, o trabalho, as atividades culturais e políticas façam parte de um program a de formação do povo para que se assuma com o sujeito da construção da nova sociedade?

Q ue a contribuição de Pistrak possibilite a cada leitor assimilar novos elementos da teoria pedagógica, qualificando sua reflexão e prática social, construindo e reconstruindo, sem pre que necessário, novos m étodos de estudo e intervenção social.

FUNDAMENTOS DA ESCOLA DO TRABALHO

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M. M. Pistrak

FUNDAMENTOS DA ESCOLA DO TRABALHO

»Tradução:

D an iel A arão Reis F ilho

3 a edição

EXPRESSÃOPOPULAR

São Paulo - 2011

Page 5: Escola do Trabalho

Projeto gráfico, diagramação e capa ZAP Design

Ilustração da CapaIlustração Estudo (1911), óleo sobre papelão. Arte moderna - “vibracionismo" - mostra a relação entre a arte radical e política revolucionária, influenciada pelas revoluções russa e mexicana, promovendo a ideia de uma arte para o povo.Autor: Rafael Barradas (1890-1929 - Uruguai).

______ Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Pistrak, 1888-1940

P679f Fundamentos da escola do trabalho / MoiseyMikhaylovich Pistrak ; tradução de Daniel Aarão Reis Filho -3.ed. - São Paulo : Expressão Popular, 2011.

192 p.

Indexado em GeoDados - http://www.geodados uem.br ISBN 978-85-87394-10-1

1. Educação. 2. Educação e trabalho. 3. Ensino Profissionalizante. I. Pistrak, Moisey Mikhaylovich, 1888- 1940. II. Reis Filho, Daniel Aarão, trad. III. Titulo.

_________________________________________________CDD 370.1Catalogação na Publicação: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250

Todos os direitos reservados.Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora.

1- edição: Brasiliense, 19812- edição: Expressão Popular, 2000 3a edição: fevereiro de 2011

Edição revista e atualizada conforme a nova regra ortográfica

ED ITO RA EXPRESSÃ O PO PU LA R LTDARua Abolição, 201 - Bela VistaCEP 01319-010 - São Paulo-SPFones: (11) 3105-9500 / 3522-7516 / 4063-4189Fax: (11)3112-0941livraria@expressaopopular.com.brwww.expressaopopular.com.br

Copyright © 2000, by Editora Expressão Popular Sumário

A p resen tação .................................................................................7

Prefácio do au to r.........................................................................15

Teoria e p rá tica ............................................................................ 17

A escola do trabalho na fase de transição ...........................23

O trabalho na escola..................................................................37

O e n s in o ........................................................................................95

A auto-organização dos a lu n os...........................................139#

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APRESENTAÇÃO

M. M. Pistrak (1888-1940) foi um educador do povo russo. Sobre sua biografia quase náo exist®m registros. O que sabemos é que suas reflexões pedagógicas, elaboradas a partir de sua própria prática de professor e de m ilitante socialista, tiveram bastante influência na educação da República Soviética, espe­cialmente no final da década de 20 deste século que se despede, em pleno processo de construção da sociedade revolucionária. N um a fase posterior, sob a condução stalinista, a obra de Pistrak deixou de ser divulgada, o que talvez explique porque sabemos tão pouco sobre ele por aqui.

Pistrak é considerado um seguidor das ideias políticas e pedagógicas de Nadezhda Krupskaya, companheira de Vla- dim ir Lenin, e junto com ele um a das grandes lideranças do processo revolucionário de outubro de 1917. Krupskaya foi um a das primeiras pedagogas marxistas, e participou ativamente da construção do que seria um sistema público de educação vinculado ao projeto de sociedade socialista.

Foi também contemporâneo de Anton Makarenko, de Pavel Blonsky, de Vassili Lunatcharsky e de Vassili Sukhomlinski, grandes educadores e pedagogos ligados a esse projeto. Cada um com suas práticas, estudos e reflexões, e também com algumas polêmicas entre si, ajudaram a construir o que hoje se conhece na

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história como uma pedagogia socialista-, uma pedagogia centmd.i na ideia do coletivo e vinculada ao movimento mais amplo tlr transformação social.

A obra Fundamentos da Escola do Trabalho, escrita em 1924. depois de uma primeira versão que circulou na Rússia um ano antes, é a única contribuição de Pistrak que chegou até nós, c que foi editada em língua portuguesa. Ela sistematiza sua ex periência pedagógica na condução da Escola Lepechinsky, e no contato com outras escolas primárias de sua época, buscando traduzir para o plano da pedagogia escolar os ideais, as con­cepções, os princípios e os valores do processo revolucionário inicial na União Soviética.

Sua maior contribuição foi ter compreendido que para trarrs formar a escola, e para colocá-la a serviço da transformação social, não basta alterar os conteúdos nela ensinados. É preciso mudar o jeito da escola, suas práticas e sua estrutura de organização e funcionamento, tornando-a coerente com os novos objetivos dc formação de cidadãos, capazes de participar ativamente do pro­cesso de construção da nova sociedade. Essa visão de Pistrak, hoje já incorporada em diversas práticas e reflexões sobre a escola, não era consenso entre os pedagogos soviéticos da sua época. A maioria deles estava mais preocupada em como alterar o programa de estu­dos das escolas, de modo que se tornassem um espaço de difusão das ideias socialistas.

Fundamentos da Escola do Trabalho é um livro bastante estu­dado nos cursos de formação de professores, especialmente nas últimas décadas. Os três aspectos centrais da obra de Pistrak que são objeto de discussão dos educadores: as reflexões sobre a rela­ção entre escola e trabalho; a proposta de auto-organização dos estudantes; e a organização do ensino através do sistema de com­plexos temáticos, sendo este último o que mais costuma chamar a atenção, inclusive pela relação que tem com a reflexão sobre os temas geradores, proposto por Paulo Freire.

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Para que possamos fazer uma interlocução pedagógica com Pistrak hoje, é preciso se dispor a compreender seu pensamento, e mesmo sua linguagem, no contexto em que foi elaborado, ou seja, ler Pistrak pensando sobre o que significou para ele, e para outros pedagogos deste mesmo movimento político pedagógico, estar discutindo sobre pedagogia escolar, em um momento pós- revolucionário, em que os esforços se concentravam no objetivo de consolidar uma revolução, através de duas tarefas básicas: recons­trução das organizações sociais e do Estado e a luta permanente contra a reação capitalista mundial e as forças reacionárias internas ao próprio bloco de países que compunham, na época, a chamada União Soviética.

É nesse contexto que se pode compreender porque Pistrak identifica como sendo os dois aprendizados principais que se deve esperar dos educandos: saber lutar e saber construir. É também nesse contexto que se compreende porque discutir sobre uma escola do trabalho e porque definir como seus dois grandes fundamentos: as relações da escola com a realidade atual e a auto-organização dos estudantes. A grande preocupação de Pistrak era sobre como a

# escola poderia ajudar a consolidar a revolução socialista, e para isso o fundamental que via era a formação dos sujeitos desse processo, não no futuro, mas já no presente. Para Pistrak, as crianças e os jovens tinham um lugar destacado na construção da nova sociedade soviética. Mas para isso precisavam ser educados ao mesmo tempo com muita firmeza ideológica e política nos princípios e valores da revolução, e com muita autonomia e criatividade para ajudar a recriar as práticas e as organizações sociais.

Nesse sentido, a obra de Pistrak não deve ser lida como um manual mas, sim, como o registro de um processo de construção pedagógica, ou construção de uma pedagogia social, como ele mesmo dizia. A atualidade da obra de Pistrak está especialmente no diálogo que se pode fazer em torno das questões que moveram sua prática e seu pensamento pedagógico. Essas questões, talvez

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mais do que as respostas dadas, continuam como desafios extre­mamente atuais. A principal delas diz respeito a como vincular a vida escolar, e não apenas seu discurso, com um processo de trans­formação social, fazendo dela um lugar de educação do povo para que se assuma como sujeito da construção da nova sociedade. Há questão mais atual do que esta para todos que estamos discutindo um projeto popular para o Brasil?

As reflexões de Pistrak sobre a escola fazem parte de um movi­mento pedagógico bastante fecundo, exatamente porque inspirado e inspirador de práticas sociais que nem começam nem terminam na escola em si mesma. Nesse sentido há alguns legados que se pode extrair de sua obra em seu próprio tempo, e que servem como interlocução para nossa prática de educadores. Gostaria de destacá-los em uma pequena síntese:

1. Pensar e fazer uma escola que seja educadora do povo. Naquele momento de transição, onde tudo estava sendo reconstruído, estava claro para as lideranças, e Lenin especialmente defendia muito isso, de que a escolarização do povo era a base das transformações culturais necessárias ao processo de construção coletiva da nova sociedade. Sem um processo educativo intencional do Estado Soviético o povo poderia ficar alienado do movimento de trans­formação e, então, a revolução não se consolidaria. Pistrak foi um dos educadores deste período que se colocou como desafio recons­truir também a escola, de modo que ela deixasse de ser um espaço das elites, e passasse a ser um lugar de formação do povo, todo o povo, preparando-o para uma atuação social mais ativa e crítica. A Escola do Trabalho de Pistrak é a escola dos trabalhadores, da classe trabalhadora, vista como sujeito social da revolução, e com demandas de educação próprias deste desafio histórico.

2. Educação é mais do que ensino. Pistrak defendia que era pre­ciso superar a visão de que escola é lugar apenas de ensino, ou de estudo de conteúdos, por mais revolucionários que eles sejam. Diz ele, épreciso passar do ensino à educação, dos programas aos planos de

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vida, ou seja, em sua proposta pedagógica a escola somente atinge os objetivos de educação do povo, se consegue interligar os diversos aspectos da vida das pessoas. Dizia ele que a escola precisava se tornar um centro de vida infantil, onde trabalho, estudo, ativida­des culturais e políticas fizessem parte de um mesmo programa de formação, e que a escola deveria ser dinâmica o bastante para ir ajustando este programa às necessidades dos educandos e dos processos sociais em cada momento.

3. A vida escolar deve estar centrada na atividade produtiva. Esta é uma das grandes lições que podemos interpretar de sua obra. À medida que a escola passa a assumir a lógica da vida, e não de uma suposta preparação teórica a ela, é preciso romper com uma peda­gogia da palavra, centrada no discurso e no repasse de conteúdos (diríamos, uma pedagogia “da saliva e do giz”), e construir uma pedagogia da ação. Na Escola do Trabalho de Pistrak as crianças e os jovens se educam produzindo objetos materiais úteis, e pres­tando serviços necessários à coletividade. Através destas atividades produtivas é que buscam desenvolver um estudo mais profundo e significativo da chamada realidade atual, ao mesmo tempo que vão

• aprendendo habilidades, comportamentos e posturas necessárias ao seu desenvolvimento humano e à sua inserção social.

4. A escola precisa vincular-se ao movimento social e ao mundo do trabalho. Não se trata, pois, de construir na escola uma vida à parte, com atividades que sejam meros artifícios didáticos. Pistrak dizia que uma escola-laboratório nunca conseguiria substituir a realidade palpitante da vida. Por isso sua pedagogia incluía alguns aspectos fundamentais nesta perspectiva: o trabalho social da escola, o en­volvimento dos estudantes de mais idade em atividades produtivas da sociedade em geral, a preocupação com a apropriação da ciência do trabalho e de sua organização, o vínculo da auto-organização dos educandos na escola com o chamado movimento dos pioneiros ou com o movimento ài\ juventude comunista, que foram as formas organizativas construídas na época, para uma participação ativa

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e específica das crianças e dos jovens na construção da sociedade socialista.

5. A auto-organização dos educandos como base do processo pe­dagógico da escola. Pistrak defendia que essa era uma grande trans­formação histórica a ser feita na escola: a participação autônoma, coletiva, ativa e criativa das crianças e dos jovens, de acordo com as condições de desenvolvimento de cada idade, nos processos de estudo, de trabalho e de gestão da escola. Por auto-organização Pistrak entendia a constituição de coletivos infantis ou juvenis a partir da necessidade de realizar determinadas ações práticas, que podem começar com a preocupação de garantir a higiene da escola, e chegar à participação efetiva no Conselho Escolar, ajudando a elaborar os planos de vida da escola. O u seja, a auto-organização das crianças não deve ser vista como um jogo, mas, sim, como uma necessidade, uma ocupação séria de quem está encarregado de responsabilidades sentidas e compreendidas. O grande objetivo pedagógico desta cooperação infantil consciente era efetivamente educar para a participação social igualmente consciente e ativa. A avaliação era de que somente tendo um espaço próprio de organi­zação, não tutelado mas apenas acompanhado pelos educadores, os educandos efetivamente se assumiriam como sujeitos do seu processo educativo. Observava então que o coletivo infantil não poderia ser algo imposto, mas, sim, uma construção de baixo para cima, a partir de uma intencionalidade pedagógica gradativa, e que produzisse o envolvimento real das crianças. O vínculo com as organizações políticas mais amplas, por sua vez, garantiria a unidade com os objetivos, princípios e valores da revolução.

6. Pensar um jeito de desenvolver o ensino que seja coerente com o método dialético de interpretação da realidade. A opção construída por Pistrak foi o que chamou sistema dos complexos, que na verdade era para ele mais do que um método de ensino; era uma tentativa de organizar o programa da escola pensando a dimensão de estudo intimamente ligada ao trabalho técnico, à auto-organização dos educandos, e ao

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trabalho social da escola. Trata-se de organizar o ensino através de temas socialmente significativos, e através deles estudar a dinâmica e as relações existentes entre aspectos diferentes de uma mesma realidade, educando assim os estudantes para uma interpretação dialética da realidade atual. E à medida que se consegue estabelecer vínculos entre as várias dimensões da vida escolar, podemos ter estudos desdobrados em ações, e ações produzindo necessidades de estudo. Também pode­mos garantir que sejam os próprios coletivos de estudantes a garantir a organização necessária para as atividades de ensino e pesquisa. Em seu livro Pistrak faz o detalhamento didático de todo este sistema, que hoje já tem diversas experiências práticas de interpretação. A lição principal é de que é possível e necessário encontrar formas de substituir o ensino livresco e conteudista, por um ensino vivamente preocupado com o estudo da realidade e com sua transformação. E que isso diz respeito tanto à seleção dos temas a serem estudados como ao jeito de fazer este estudo, e suas relações com o conjunto das práticas que constituem a vida de uma escola.

7. Sem teoria pedagógica revolucionária não há prática pedagógica revolucionária. Segundo Pistrâk quem deve construir a nova escola

# são os educadores, junto com os educandos e suas comunidades. Mas, para isso, os educadores não podem ser tratados como meros executores ou seguidores de manuais simplificados. Devem ser estimulados e preparados para dom inar as teorias pedagógicas que permitem refletir sobre a prática e tomar decisões próprias, construindo e reconstruindo práticas e métodos de educação. Neste sentido, Pistrak demonstra em sua obra que foi exemplo do que defendia. Como educador buscou qualificar sua prática através do estudo rigoroso da dialética marxista, e também das diversas teorias pedagógicas discutidas em sua época. Acabou construindo não apenàs uma nova prática, mas também elementos de uma nova teoria pedagógica, de inspiração socialista e marxista.

Essas lições, que certamente não esgotam o legado pedagó­gico e político de Pistrak, podem servir como referência para

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nossa interlocução com sua obra e, principalmente para reHexão sobre nossa prática de educadores, ou para nossa observação das escolas e de outros espaços de educação que conhecemos. Temos responsabilidade humana e social com a qualificação efetiva da educação do povo, e é isso que está em jogo ao fazermos a leitura ou a releitura de livros como este.

Porto Alegre, maio de 2000.Roseli Salete Caldart

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PREFÁCIO DO AUTOR*

Este livro inclui palestras, troca de opiniões, relatórios re­lativos à educação social, realizado^ em reuniões ou cursos de reciclagem para professores primários.

No entanto, trata-se do resultado do trabalho prático do autor na comunidade escolar subordinada ao Narkompross (Comissaria­do da Instrução Pública) também chamada Escola Lepechinsky. Entretanto, o livro não é um manual puramente prático, mas, antes de tudo, a expressão da doutrina de pedagogia social que se

* desenvolveu e provou sua validade através do trabalho prático e dos problemas que ele colocou em cada momento para a Escola.

Quando começamos o trabalho da Escola, com um grupo de companheiros pedagogos, não tínhamos nem programa nem base teórica precisa que teriam sido necessários para resolver os problemas; não sabíamos muitas vezes colocar e formular os pro­blemas, e quase sempre não desconfiávamos da existência deste ou daquele problema. Mas tínhamos uma vontade apaixonada de estudar, como marxistas, as questões pedagógicas fundamentais e de educar nossas crianças no espírito comunista. Na medida em que procurávamos este objetivo geral, enfrentando as dificuldades

* O texto da atual ediçáo francesa é o texto da segunda edição russa (1925) corrigido e resumido pelo autor. (N ota do editor francês.)

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práticas, fomos descobrindo toda uma série de ideias de pedagogia social: e elas foram se tornando cada vez mais sólidas no processo de nossa luta e dos encontros que tivemos com os professores pri­mários em diversos momentos e em diferentes lugares, permitindo que tomássemos consciência da experiência de outras escolas e demais instituições infantis.

Como autor deste livro, limitei-me a formular, a redigir ideias fundamentais para o público: meus companheiros de trabalho, em certos trechos, poderão achar seus pensamentos, palavras e, mesmo, em certos momentos, suas fórmulas.

Senti necessidade de escrever o livro não somente porque ele traduz o pensamento de alguns de meus companheiros de traba­lho, de um grupo de pedagogos marxistas, mas também porque o contato permanente com os professores primários me convence cada vez mais de que nossas ideias são compreendidas pelo profes­sor soviético, são acessíveis a ele, faltando apenas uma formulação precisa das próprias ideias.

Por isso fui obrigado a escrever o livro depressa: e assim, em muitos momentos, falta clareza e precisão à redação, ou então a essência da nossa concepção não é integralmente desenvolvida. Às vezes fui obrigado a me limitar à exposição de uma série de ideias, em vez de me dedicar ao estudo aprofundado da concepção da escola, como teria sido desejável e necessário.

Agosto de 1924. PISTRAK

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TEORIA E PRÁTICA

E m reuniões que tive nos últim os anos com m uitos com pa­nheiros em congressos, conferências, cursos, debates etc., sem pre observei um m esm o fenômeno: o professor prim ário p ro cu ra avidam ente respostas deta lhadas a u m a porção de questões práticas, m etodológicas, didáticas e outras: “C om o ag ir neste caso?”, “C o m o ap licar esta o u aquela p arte do program a?”, “C om o organizar n a escola este ou aquele tra ­balho?” etc.

E studando centenas de perguntas feitas por escrito aos relatores em diferentes lugares, percebe-se facilm ente que a m assa dos professores se apaixona principalm ente por ques­tões práticas; mas a teoria deixa os professores indiferentes, frios, para não falar de estados de espírito a inda menos receptivos.

Em princípio, entretanto, não são hostis em relação à teoria: a indiferença da massa dos professores em relação à nossa peda­gogia teórica é simples consequência do fato de que esta copia ainda as antigas teorias pedagógicas que nos foram transm iti­das pelos pedagogos reformistas pequeno-burgueses, da escola progressista da A lem anha ou da América.

A inda são populares entre nós as concepções de Kers- chensteiner, de Ley, de Duy, de Scharrelm an e outros mais;

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aparecem lado a lado com as novas concepções relativas à escola soviética do trabalho. As inovações introduzidas entre nós são consideradas com o correções inevitáveis devidas à re­volução — m as não passam de simples correções as verdadeiras teorias pedagógicas, sem que as correções possam alterar os princípios dessas teorias. D aí derivam um am plo ecletism o e a certeza aparente de que a teoria necessária é conhecida e assim ilada já há m uito tem po.

N o entanto, a m aioria dos professores considera a teoria com o um a criação autônom a da psicologia, da pedologia e da pedagogia experim ental, com o um sistema independente objetivando seu próprio desenvolvimento sem relações com a prática.

A m aioria dos professores não tem um a consciência clara do fato de que a pedagogia m arxista é e deve ser antes de tudo um a teoria de pedagogia social, ligada ao desenvolvim ento dos fenôm enos sociais atualm ente dados e interpretados do ponto de vista m arxista.

“N osso trabalho no dom ínio escolar consiste em derru ­bar a burguesia, e declaram os abertam ente que a escola fora da vida, fora da política, é um a m entira e um a hipocrisia”, assim falava L enin no I Congresso do Ensino (25-8-1918).

“E m toda a linha da educação, parece-nos impossível conservar a antiga concepção de um a educação apolítica; parece-nos impossível colocar o trabalho cultural fora da política.

“E sta concepção dom inava e dom ina a sociedade bur­guesa, mas a ideia de um a educação apolítica ou neutra não passa de um a hipocrisia da burguesia, um m eio de enganar as massas. A burguesia dom inante nos países capitalistas entretém cuidadosam ente este engodo.

“E m todos os estados burgueses, são m uito íntim as as relações entre o aparelho político e o ensino, embora a socie­

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dade burguesa não possa reconhecê-lo (sublinhado pelo autor); entretanto , esta sociedade educa as massas através da Igreja e por interm édio de todas as organizações que se baseiam na propriedade privada.

“N ão podem os deixar de colocar francam ente a questão, reconhecendo, abertam ente, apesar das antigas m entiras, que a educação não poderia ser independente da política”. (Lenin, discurso na C onferência dos Educadores Políticos, 3-12-1920.)

B astam essas poucas linhas em que, com o de co s tu ­m e, L en in coloca a questão b ru ta l, c lara e sim plesm ente, p a ra com preen der que não podem os a tu a lm en te colocar n en h u m p rob lem a escolar abstra indo as questões de p o ­lítica geral.

E n tretan to , e a inda frequentem ente, utilizam os as velha­rias pedagógicas sem subm etê-las a um a análise cuidadosa. A dm itim os um a série de “axiom as” herdados do regime pré-revolucionário, aceitamo-los com o algo de absolutam ente verdadeiro e procuram os apenas os meios práticos de adaptá-

# los às necessidades revolucionárias.É evidente que o professor russo, que a in d a ontem

considerava as tendências pedagógicas am erican a e refor­m ista europeia com o inovações, aceite sem u m a crítica séria essas tendências p re ten sam en te novas; con tra isto devem os lu tar.

Para trab a lh a r de form a ú til e com sucesso na nova escola soviética, é fundam en ta l com preender o seguinte: prim eiro, sem teoria pedagógica revolucionária, não poderá haver prática pedagógica revolucionária. Sem u m a teoria de pedagogia social, nossa prá tica levará a u m a acrobacia sem finalidade social e u tilizada para resolver os problem as pe ­dagógicos na base das inspirações do m om ento, caso a caso, e não na base de concepções sociais bem determ inadas.

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É preciso desconfiar e enfrentar ceticam ente os antigos valores, todo o ensino deve sofrer u m a revisão de valores sob a luz da pedagogia social, justificada em função d a escola soviética. Sem u m a justificação prévia deste tipo, é im pos­sível perguntar, por exemplo, com o deve ser ensinada esta ou aquela m atéria.

Porque, antes de falar sobre os m étodos de ensino espe­cíficos de um a disciplina qualquer, é preciso em prim eiríssi­m o lugar dem onstrar por que ela é necessária; depois, com base nas respostas, definir quais devem ser ensinadas e só depois é que se coloca o problem a da p rocura dos m étodos. E pode-se ter a certeza de que a resposta à questão de saber se esta ou aquela m atéria é necessária, e por que o é, será com pletam ente diferente em nossa escola do que a form ulada pela antiga escola.

C onstatam os então, a propósito de todos os problemas da vida escolar, que apenas a teoria nos dá o critério indispen ­sável para optar, avaliar e justificar tudo o que fazemos na escola. O educador que não dispõe deste critério não poderá trabalhar de form a útil na escola: ele se perderá sem encontrar o cam inho, sem guia, sem saber o objetivo a ser atingido.

E m segundo lugar (e em consequência do que já foi dito), a teoria m arx ista deve ser adotada com o um a nova arm a ca­paz de garantir a transform ação da escola, e é preciso adotá-la sem m odificações na prática de todo o trabalho escolar.

O objetivo fundam ental da reeducação, ou simplesmente, da educação, do professor não é absolutam ente fornecer-lhe um conjunto de indicações práticas, m as arm á-lo de m odo que ele próprio seja capaz de criar u m bom m étodo, ba­seando-se n um a teoria sólida de pedagogia social; o objetivo é em purrá-lo no cam inho desta criação.

Esse m étodo não é natu ral pelo simples fato de que nossa escola é viva, ativa, e não acadêm ica ou escolástica? Não

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podem os aplicar as m esm as regras a todas as condições esco­lares: seria u m com portam ento contrário à própria essência da nossa escola. M as, se isso é verdade, é evidente que um bom m étodo para um a escola seria, talvez, m au para um a outra: é preciso, p o rtan to , desenvolver no professor, a todo custo, a aptidão para a criatividade pedagógica; senão, será impossível criar a nova escola.

N a maioria dos casos, segundo alguns autores, os pedago­gos não são criativos, m as, sim, artesãos. N ão se pode exigir deles um a invenção criadora. M as essa opinião parece-nos inexata. Todo hom em é mais ou menos criativo, e é certo que, n um a coletividade, somos todos criativos. E claro que u m professor isolado, abandonado a ji mesm o, não encontrará sem pre a solução indispensável ao problem a que enfrenta; m as se se tra ta de um trabalho coletivo, da análise coletiva do trabalho de u m a escola, o esforço não deixará de ser um trabalho criador, e isso já foi provado pela experiência das reuniões regionais de professores prim ários.

E m terceiro lugar, a teoria pedagógica com unista só se » to rnará ativa e eficaz quando o próprio professor assum ir

os valores de um m ilitante social ativo. Para isso o antigo regim e não nos preparou: em vez de conhecim entos sociais exatos, recebemos m uitas noções escolásticas inutilizáveis e ficam os esm agados com o seu peso, que nos puxa para trás, im pedindo-nos de criar livrem ente e de nos libertarm os dos preconceitos nocivos.

Procuram os ter isso em alta consideração no program a de reeducação e já há três anos a m etade do tem po de trabalho é dedicada à preparação sociológica dos professores.

E m relação a isso, é preciso deixar claro que, indepen ­den tem ente dos resultados gerais dados pela reeducação dos professores ou por sua coeducação, os resultados de sua educação m arxista serão bons. E o conhecim ento do m étodo

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m arx ista deve significar m ais de m etade do conhecim ento d a teoria e das concepções com unistas sobre a educação.

E preciso que cada educador se to rne um m ilitante social ativo; trata-se de um a obrigação não só do professor de Io grau (já convencido dessa necessidade), não só do professor responsável pelo curso de sociologia na escola de 2o grau (isso é óbvio), mas tam bém de qualquer especialista: m atem ático, físico, quím ico ou naturalista. D en tro de um ou dois anos, a experiência dem onstrará que, sem essa condição, será im ­possível trabalhar no seio da nova escola.

“M as onde está, então, esta teoria com unista da educa­ção?”, pergun tará o leitor. “O seu livro não form ula u m a que seja sólida, rigorosa e clara.” N osso objetivo não é form ular esta teoria: só agora é que ela com eça a surgir para nós, no contexto da nossa prática escolar guiada pelo m arxism o. A inda não está escrita e apenas com eça a se fazer sentir. Este livro não pretende form ular u m a exposição a respeito — trata-se apenas do resultado da prática pedagógica e da perspectiva de divulgar um a experiência determ inada. N o livro, tentam os colocar um a série de questões escolares, es­colhidas entre as m ais im portantes, analisando-as do ponto de vista de nossos objetivos pedagógicos. N ão pretendem os p rocurar as respostas; e m uito m enos pretendem os resolver os problem as. L im itam o-nos a form ulá-los, certos de que será m ais fácil resolvê-los com um a exposição mais clara.

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A ESCOLA DO TRABALHO NA FASE DE TRANSIÇÃO

O que é a escola do trabalho?O que deve ser atualmente, durante a fase revolucionária da dita­dura do proletariado cercada pela ditadura imperialista? Esta é a única maneira possível de colocar a questão pedagógica.

Na medida em que a escola não é um fim absoluto, também não pode ter finalidades educacionais absolutas, e por isso mes­mo não teria condições de criar uma individualidade harmônica abstrata, baseando-se em métodos invariáveis ditados pela ciência

» da criança (psicologia e pedologia) para realizar seus objetivos. A escola refletiu sempre o seu tempo e não podia deixar de refleti- lo; sempre esteve a serviço das necessidades de um regime social determinado e, se não fosse capaz disso, teria sido eliminada como um corpo estranho inútil.

A escola sempre foi uma arma nas mãos das classes dirigentes. Mas essas não tinham nenhum interesse em revelar o caráter de classe da escola: as classes dirigentes não passavam de uma minoria, uma pequena minoria, subordinando a maioria aos seus interesses, e é por isso que se esforçavam para mascarar a natureza de classe da escola, evitando colaborar na destruição de sua própria dominação.

Ao contrário, um dos problemas da revolução social é exata­mente o de mostrar a natureza de classe da escola no contexto de uma sociedade de classes.

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Desenvolver a educação das massas, condição da consolidação das conquistas e das realizações revolucionárias, significa fazê-las compreender seus interesses de classe, as questões vitais e urgentes que derivam da luta de classes, significa dar-lhes uma consciência mais clara e mais exata dos objetivos sociais da classe vitoriosa.

A revolução e a escola devem agir paralelamente, porque a escola é a arma ideológica da revolução.

A questão de saber o que deve ser a escola do trabalho deve, então, ser formulada da forma como o fizemos.

Mas como procurar resposta a essa questão? Nos embriões de escola do trabalho que se formaram na Europa ocidental ou na América? Haverá uma relação de continuidade entre o ideal dos melhores pedagogos reformistas da burguesia e a escola do traba­lho soviética? Na realidade, só se pode falar de continuidade, do ponto de vista que nos interessa, na medida em que se estabeleça uma continuidade entre o regime burguês e a revolução proletária. Entre a nova escola e as melhores escolas antigas há apenas uma continuidade dialética e revolucionária, da mesma forma que o novo regime nasce do antigo graças às suas contradições internas.

Certas concepções, certa terminologia, certas formas exteriores e secundárias podem transmitir-se da antiga para a nova escola; mas o objeto da educação, sua organização, seus objetivos devem ser novos; as ideias e os métodos relativos ao trabalho, à autodi- reção, que a nova escola herda da pedagogia burguesa, devem ser esclarecidos, comentados e interpretados sob uma nova luz que se enraíza nos novos objetivos da educação, que, por sua vez, depen­dem inteiramente dos problemas e dos objetivos da construção revolucionária considerada em seu conjunto.

A essência desses objetivos é a formação de um homem que se considere como membro da coletividade internacional constituída pela classe operária em luta contra o regime agonizante e por uma vida nova, por um novo regime social em que as classes sociais não existam mais. Em termos mais concretos, é preciso que a

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nova geração compreenda, em primeiro lugar, qual é a naturc/.a da luta travada atualmente pela humanidade; em segundo lugar, qual o espaço ocupado pela classe explorada nesta luta; em terceiro lugar, qual o espaço que deve ser ocupado por cada adolescente; e, finalmente, é que cada um saiba, em seus respectivos espaços, travar a luta pela destruição das formas inúteis, substituindo-as por um novo edifício.

A educação comunista deve orientar a escola em função desses objetivos, colocando-os na base do seu trabalho pedagógico.

Portanto, na base da escola do trabalho da atual fase devem encontrar-se os seguintes princípios:

1. Relações com a realidade atual;2. Auto-organização dos alunos. *Nos últimos anos, o pensamento pedagógico comunista afir­

mou várias vezes o que se deveria entender por realidade atual. Repitamo-lo rapidamente mais uma vez. A realidade atual é tudo o que, na vida social da nossa época, está destinado a viver e a se desenvolver, tudo o que se agrupa em torno da revolução social vitoriosa e que serve à organização da vida nova. A realidade atual

'é também a fortaleza capitalista assediada pela revolução mundial. Em resumo, a realidade atual é o imperialismo em sua última fase e o poder soviético considerado enquanto ruptura da frente imperialista, enquanto brecha na fortaleza do capitalismo mundial (definição de Schulguine).

Os dois fenômenos devem ser estudados como constituindo os dois poios da realidade atual; mas esta deve ser ainda compreendida sob a forma de uma luta em torno da brecha, uma luta cada vez mais ampla, cada vez mais profunda e cada vez mais áspera até a vitória da Revolução. Tudo o mais só pode ser qualificado como resquícios no seio da realidade atual. São as ruínas do passado no presente. O telégrafo sem Ho e a cooperação, a eletrificação e a Internacional Comunista, as comunicações aéreas Moscou- China, os acontecimentos na China, tudo isso é a realidade atual.

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A religião, o trabalho rural baseado no arado manual, a rotação trienal, significam as ruínas do passado.

O objetivo fun dam en ta l da escola é, p o rtan to , es tu ­dar a realidade atual, penetrá-la, viver nela. Isso não quer dizer, certam ente, que a escola não deva estudar as ru í­nas do passado: não, deve estudá-las, e assim será feito, mas com a compreensão de que são apenas ruínas do passado e de que seu estudo deve ser iluminado à luz da realidade atual no sentido já indicado, à luz da luta travada contra o passado e da transformação da vida que deve levar à sua liquidação.

Mas não basta estudar a realidade atual; o leitor dirá que toda e qualquer escola faz isso: a escola deve educar as crianças de acordo com as concepções, o espírito da realidade atual; essa deve invadir a escola, mas invadi-la de uma forma organizada; a escola deve viver no seio da realidade atual, adaptando-se a ela e reorganizando-a ativamente — isto nos permite formular certas deduções a respeito do caráter do ensino compreendido como um estudo da realidade atual.

A primeira dedução relaciona-se com o objeto da educação: nossa concepção da realidade atual obriga-nos a rever o objeto do ensino tradicional, herdado da antiga escola, e nos capacita a abandonar impiedosamente toda uma série de disciplinas, ou aspectos do curso, sempre e quando tornem difícil a compreen­são da realidade atual, afastando-se das noções essenciais sem as quais não se poderia compreender a realidade atual. Isso não se refere apenas à história em geral ou à história da literatura: todo o mundo compreende a necessidade de modificar completamente estas disciplinas; não se trata também de negar simplesmente as tendências “clássicas” de nosso antigo liceu. Trata-se agora de uma revisão completa do próprio objeto do ensino, da introdução no programa dos estudos necessários à boa compreensão da realidade atual, da introdução de novas disciplinas desconhecidas da escola até então: a concepção marxista dos fenômenos sociais, o programa

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de história necessário à compreensão e à explicação da i < .11 idade atual, as ciências econômicas, as bases da técnica, os elementos da organização do trabalho, tudo isso deve começar imediatamente a fazer parte da escola; o ensino das ciências naturais, da física, da química, deve ser concebido de uma forma completamente dife­rente, visando novos objetivos; o estudo dos fenômenos naturais passará a ter como objetivo principal sua utilização pelo homem na indústria e na produção. A antiga atitude contemplativa adotada para estudar as ciências naturais deve ser superada.^ As próprias matemáticas podem desfazer-se de tudo o que servia, segundo os antigos metodólogos, para polir o cérebro e amolecer o pensamento (o que as matemáticas elementares da es­cola antiga eram precisamente incapaaes de fazer); no entanto, elas recolherão nas altas matemáticas tudo o que é essencial a qualquer estudo das ciências naturais contemporâneas que, por sua vez, assumem na nova escola: como já afirmei, um caráter produtivo.

A segunda dedução refere-se aos métodos de trabalho.O objetivo que os alunos devem atingir é não somente estu­

dar a realidade atual, mas também se deixar impregnar por ela.* A consequência é que os antigos métodos de ensino não podem

mais servir: é preciso estudar os fenômenos em suas relações, sua ação e dinâmica recíprocas, é preciso demonstrar que os fenômenos que estão acontecendo na realidade atual são simplesmente partes de um processo inerente ao desenvolvimento histórico geral, é preciso demonstrar a essência dialética de tudo o que existe, mas uma demonstração deste tipo só é possível na medida em que o ensino se concentre em torno de grupos de fenômenos constituí­dos em objetos de estudo: assim, a questão do ensino unificado, da concentração do ensino por complexos, torna-se uma questão candente; a questão do método, que agora se coloca, não é sim­plesmente a questão de uma assimilação melhor e mais completa destes ou daqueles estudos; trata-se de uma questão que se relaciona com a essência do problema pedagógico, com o conhecimento dos

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fenômenos atuais em suas relações e dinâmica recíprocas, isto é, com a concepção marxista da pedagogia.

A pesquisa dos métodos de ensino unificado, a questão da concentração do ensino, apaixonaram os pedagogos nos últimos anos. E um sinal dos tempos. Mas é preciso que as pesquisas tenham uma base teórica; é preciso saber claramente por que se realizam, quais são os objetivos do ensino unificado, por que ele é necessário. Respondemos que é necessário para poder educar os combatentes a serviço dos ideais da classe operária, dos construtores da nova sociedade.

O estudo do dinamismo, das mudanças e da ação recíproca dos fenômenos leva ao problema do ensino ativo ou passivo, à necessidade de aplicar o princípio de pesquisa ao trabalho escolar. Aqui também a escola procura arduamente caminhos novos.

Nossa concepção de base indica-nos a direção a seguir nas pesquisas, e também na questão do objeto do ensino; nossa con­cepção, aqui também, permite-nos colocar fundamentos sólidos, impedindo erros.

A terceira dedução refere-se à educação em geral. Todo o mun­do está de acordo que é impossível separar a educação primária da educação em geral. Entretanto, não pensamos que essas duas partes do trabalho pedagógico tenham a mesma base sociopedagógica, que o conjunto dos objetivos sociais seja claro para o pensamen­to pedagógico. Nosso ponto de vista determina claramente este trabalho.

Referindo-nos à realidade atual, citada, dizíamos que era o imperialismo e a URSS. Mas a escola pode enfrentar o estudo da realidade atual de duas formas: ou a estuda como um objetivo ex­terior, sem determinar a própria posição em relação a ela - e então teremos uma escola de ensino livresco; ou então a escola tomará posição frente à realidade atual - e então o presente será estudado de um ponto de vista bem determinado; então, e só então, ela será capaz de educar a criança, porque - em vez de dar simplesmente a

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cada aluno a possibilidade de responder à questão: “Mas, eu, aluno, que espaço devo ocupar na realidade atual, na luta que se trava entre reação e revolução, entre passado e presente?” - é preciso, de fato, levando o estudo da realidade atual até este ponto, inculcar na nova geração que cada adolescente deve ser, ou melhor, já é, um soldado engajado na luta, devendo assumir o objetivo de se armar dos conhecimentos necessários para apoiar a luta, estudando con­venientemente as armas do adversário e aprendendo a empregá-las no interesse da revolução, e sabendo também, ao mesmo tempo, utilizar praticamente suas próprias armas: em outras palavras, seu objetivo deve ser adquirir a ciência.

O proletariado mundial se arma para a luta, o trabalhador russo segura com um braço o fuzil q»e serve para defender suas conquistas, ou seja, em última análise, as conquistas da revolução mundial, e com o outro braço segura a foice e o martelo que ser­vem para a reedificação lenta e obstinada do que foi destruído e também para a edificação do que nunca foi ainda tentado. Luta e constrói ao mesmo tempo: lutar e construir - isto deveria ser aprendido por cada um de nossos alunos; a escola deve explicar a

«cada um os objetivos da luta, contra o que lutar e por quais meios, o que cada aluno deve criar e construir, e como. Se resumíssemos agora as deduções que formulamos a respeito do ensino, diremos que o conteúdo do ensino deve servir para armar a criança para a luta e para a criação da nova ordem, que os métodos de trabalho devem permitir a utilização prática dessas armas e que os objetivos do ensino e da educação consistem numa transformação dos conhecimentos em concepções ativas. Tais deduções permitem resolver toda uma série de outros problemas escolares. Assim, e em particular, podem ser justificadas: 1) a assimilação das noções fundamentais da filosofia marxista, mas essa assimilação, longe de ser abstrata e dogmática, deve consistir num exercício ativo, diríamos mesmo que deve consistir numa transformação do mundo - e essa concepção se acha na base de nossos programas escolares; 2) a necessidade da educação ativa que concretize

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a ciência, permitindo assimilar o método científico de acordo com os objetivos fixados - e isto introduz o trabalho na escola; 3) a formação e a direção das preocupações infantis — ou seja, o que chamamos de organização da apropriação da vida pelas crianças.

O marxismo nos dá não apenas a análise das relações sociais, não somente o método de análise para compreender a essência dos fenômenos sociais em suas relações recíprocas, mas também o método de ação eficaz para transformar a ordem existente no sentido determinado pela análise.

E por isso que a escola deve educar a criança no espírito mar­xista, devendo fazer o necessário para que o aluno perceba orga­nicamente o método marxista e também o sentido de sua ação.

Claro, é evidente que a escola não poderá ensinar uma com­pleta e sólida concepção do marxismo científico e filosófico, não podendo também transformar num sistema completo e sólido as ideias materialistas acumuladas pelos alunos através de suas experiências e hábitos cotidianos, mas, se a própria escola do 2o grau não é capaz de chegar a esse resultado, pode e deve ao menos educar os alunos no espírito marxista, com o objetivo de lhes dar o sentido marxista, a “intuição” marxista indispensável para analisar e estudar todos os fenômenos sociais.

O trabalho na escola, enquanto base da educação, deve estar ligado ao trabalho social, à produção real, a uma atividade concreta socialmente útil, sem o que perderia seu valor essencial, seu aspecto social, reduzindo-se, de um lado, à aquisição de algumas normas técnicas, e, de outro, a procedimentos metodológicos capazes de ilustrar este ou aquele detalhe de um curso sistemático. Assim, o trabalho se tornaria anêmico, perderia sua base ideológica.

Analisaremos um pouco mais o sentido das preocupações da criança. É preciso, de uma vez por todas, liquidar toda uma série de preconceitos “científicos” ainda profundamente enraizados na pedagogia. Sempre recebemos as seguintes críticas: “Vocês vio­lentam a criança, vocês não levam em consideração as coisas que

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interessam a uma idade determinada, vocês ignoram a biogênese, a ciência demonstra que uma criança numa idade determinada interessa-se por isto ou por aquilo e vocês querem forçá-la a se interessar pela política e pela Revolução. Este é um assunto de adultos. Só mais tarde a criança o aprenderá”.

Seria ridículo negar que, em idades diferentes, a criança reage diferentemente aos fenômenos exteriores, concebendo-os dife­rentemente. É evidente que cada idade tem suas particularidades e isso deve ser seriamente considerado pela escola. Mas há uma distância entre esta verdade e a determinação das preocupações da criança de acordo com sua idade. As formas de intelecto infantil são simplesmente as formas assumidas pelas preocupações da criança, mas essas preocupações, em si mesma#, são alimentadas pela vida exterior, pelo meio social da criança; trata-se simplesmente das formas nas quais se processa um certo conteúdo, mas de modo algum o conteúdo depende das propriedades do cérebro em desen­volvimento; depende completamente dos fenômenos exteriores da existência e, antes de tudo, dos que resultam das relações sociais estabelecidas entre os homens.

» A escola tem o direito de falar da formação e da direção das preocupações da criança num sentido determinado, se é que deseja educar a criança.

Não vemos por que a escola deva tomar a psicologia atual da criança e suas preocupações eventuais como base e ponto de par­tida de seu trabalho; essa psicologia e essas eventuais preocupações são simplesmente produtos de muitas influências desorganizadas e frequentemente contraditórias entre si. Pensamos que a escola deve assumir o controle da maior parte destas influências, organizando- as num sentido determinado e fazendo seu trabalho numa base que ela passou a dominar.

Tomando, mais uma vez, a realidade atual como referência, encontramos a direção perfeitamente determinada com base na qual devemos conformar as preocupações da criança.

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Tudo o que foi dito permite compreender nossa atitude em relação à Juventude Comunista e ao movimento comunista de crianças, que nós consideramos como fatores pedagógicos muito poderosos com tamanha evidência que não voltaremos ao assunto.

A questão da realidade atual está intimamente ligada à da auto-organização das crianças (ou autodireção); a concepção de auto-organização em si mesma não tem nada de novo, mas, em relação a isso, como em relação à questão anterior, o problema dos objetivos desempenha um papel primordial.

Quando a pedagogia burguesa imaginava a questão da auto- organização das crianças, pretendia basear-se somente nas parti­cularidades psicológicas das crianças e, em consequência, excluir a política da escola, mas, na prática, ela apenas se adaptava às exigências de um regime social determinado.

A auto-organização dos alunos nas escolas ocidentais e norte- americanas pretende alcançar objetivos específicos da educação de classe, embora os negue. A afirmação que fazemos aqui é exata, suficientemente reconhecida e, do ponto de vista marxista, trata-se de uma coisa inteiramente natural’.

Para facilitar nossa exposição, pensamos que é preciso formular esta questão da forma mais clara possível, determinando seu aspecto social e também os objetivos da escola soviética.

Que tipo de homens a fase revolucionária em que vivemos atualmente (e que será provavelmente muito longa) exige de nós? À pergunta podemos dar a seguinte resposta: A fase em que vivemos é uma fase de luta e de construção, construção que se faz por baixo, de baixo para cima, e que só será possível e benéfica na condição em que cada membro da sociedade compreenda claramente o que é preciso construir (e isto exige a educação na realidade atual) e

Schulguine. Questões fundamentais da educação social.

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como épreciso construir. A solução do problema exige a presença e o desenvolvimento das três seguintes qualidades: 1) aptidão para trabalhar coletivamente e para encontrar espaço num trabalho coletivo; 2) aptidão para analisar cada problema novo como orga­nizador; 3) aptidão para criar as formas eficazes de organização.

A aptidão para trabalhar coletivamente só se adquire no traba­lho coletivo; trata-se, portanto, de um problema que a escola terá de enfrentar. Mas a aptidão para trabalhar coletivamente significa também que se sabe dirigir quando é necessário e obedecer quando é preciso. Para atingir este objetivo é preciso, na auto-organização das crianças, que todos, na medida do possível, ocupem suces­sivamente todos os lugares, tanto as funções dirigentes como as funções subordinadas. r

A aptidão para analisar cada problema novo como organizador pressupõe hábitos de organização adquiridos durante o desem­penho de diversas funções exercidas pela criança no contexto de diferentes organismos. Esse resultado só será atingido numa auto-organização de formas muito flexíveis, adaptando-se inces­santemente a novos problemas e a novos objetivos, o que é possível

* quando a escola não é uma redoma, mas viva, ao contrário, em contato com a realidade, que está sempre colocando novos pro­blemas de uma diversidade muito grande.

É inútil insistir muito tempo sobre a importância que confe­rimos à aptidão para criar formas eficazes de organização. Suas características só poderão ser desenvolvidas em nossas crianças na medida em que elas gozem de uma liberdade e de uma iniciativa suficientes para todas as questões relativas à sua organização.

De fato, todos estes resultados só serão atingidos se a auto- organização é admitida sem reservas. 1;. preciso reconhecer de uma vez por todas que a criança e, sobretudo, o adolescente, não se preparam apenas para viver, mas já vivem uma verdadeira vida. Devem consequentemente organizar esta vida. A auto-organização deve ser para eles um trabalho sério, compreendendo obrigações e

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sérias responsabilidades. Se quisermos que as crianças conservem o interesse pela escola, considerando-a como seu centro vital, como sua organização, é preciso nunca perder de vista que as crianças não se preparam para se tornar membros da sociedade, mas já o são, tendo já seus problemas, interesses, objetivos, ideais, já estando ligadas à vida dos adultos e do conjunto da sociedade.

A consequência de tudo o que foi dito é que, para nós, a auto- organização tem uma importância fundamental do ponto de vista da pedagogia social, pretendendo objetivos determinados, e é isto que define a posição da escola a seu respeito.

Acabamos de indicar, em grandes linhas, as considerações nas quais se deve basear o trabalho da escola na fase de transição. Mais adiante desenvolvemos os diferentes aspectos do problema escolar, mas a questão que colocamos no início do capítulo está respondida.

Os dois fatores: realidade atual e auto-organização, que de­terminam o caráter da escola soviética do trabalho, baseiam-se no mesmo princípio: a concepção marxista e revolucionária dos objetivos da escola durante nossa fase histórica de desenvolvimento tão rápido.

A organização da escola nesta base oferece às crianças um meio sólido e são no qual se desenvolverá um espírito social forte, alegre e capaz de criar a nova geração.

“Mas onde está o trabalho?”, perguntará o leitor. Foi intencio­nalmente que tratamos apenas ligeiramente da questão (que parece tão importante) das “relações entre trabalho e ciência”, questão tão discutida no mundo pedagógico e cuja resposta se depreende de tudo o que dissemos antes. Abstrair o problema do trabalho na escola de todo o programa de estudos escolares, isolando a questão das relações entre trabalho e ciência, significa renunciar a encontrar uma solução minimamente aceitável para o problema. Em função da forma com que colocamos o problema geral, o trabalho ocupa

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um lugar essencial na questão da realidade atual. No fundo, pode­ríamos definir a realidade atual da seguinte forma: luta pelas formas sociais novas do trabalho. A partir daí o trabalho se encontra no centro da questão, introduzindo-se na escola como um elemento de importância social e sociopedagógica destinado a unificar em torno de si todo o processo de educação e de formação.

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O TRABALHO NA ESCOLA

1. A prática dos anos anterioresA questão do trabalho na escola é uma das questões mais

importantes. Entretanto, é exatamente a questão menos estudada e a experiência de oito anos adquirida sobre o assunto por nossas escolas é a menos bem conhecida. E mais: trata-se de uma questão que apenas começa a ser colocada no seu devido lugar.

Mas não poderá ficar muito tempo sem resposta. As novas correntes da pedagogia comunista a colocam cada vez mais em

* primeiro plano e, a partir de agora, é necessário se preparar para discuti-la em grande escala, em todas as escolas. A primeira coisa a fazer é decifrar a experiência acumulada.

Como se colocou a questão do trabalho desde a proclamação, entre nós, do princípio da escola do trabalho? Podemos distinguir três etapas ou correntes principais.

A primeira corrente, que é uma corrente “pedagógica”, tomou emprestado a solução do problema de certos pedagogos reformis­tas burgueses. Desse ponto de vista, trata-se antes de tudo de um problema de metodologia. A questão coloca-se da seguinte forma: a escola tem um programa de ensino antecipadamente definido, isto é, uma lista de questões que devem ser estudadas nesta ou naquela disciplina. A “disciplina” determinada é estudada de várias maneiras: livro, excursão, laboratório etc. Mas a pedagogia

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nos ensina que é recomendável, para assimilar o ensino, além das impressões visuais e acústicas, o emprego de impressões muscu­lares; é necessário, portanto, recorrer ao trabalho manual, daí a escultura, o desenho, o trabalho com papelão, diferentes tipos de modelagem, o trabalho manual em geral.

Esse ponto de vista foi ampliado durante os primeiros anos da revolução: às diferentes formas de trabalho manual já citadas, acrescentou-se o trabalho físico, ao qual se deu o caráter “produtivo” (no sentido mais estreito da palavra), isto é, criaram-se algumas oficinas na escola.

O método se baseava na concepção segundo a qual, para assi­milar o curso, era necessário ilustrar pelo trabalho o maior número possível de momentos de uma determinada disciplina, procurando identificar os trabalhos manuais correspondentes aos vários cursos.

Era assim que se procurava estabelecer as “relações entre o tra­balho e a ciência”. Mas, na prática, o trabalho entrava na escola de forma desordenada, sem nenhum plano de conjunto, sem nenhuma concepção teórica; ocupava um lugar completamente secundário, desempenhando apenas um papel auxiliar nos estudos.

O que importava na escola era o programa de estudos; o tra­balho se subordinava e se adaptava a ele.

É evidente que o trabalho não tinha nenhuma continuidade, nenhuma unidade, dividindo-se numa série de pequenos trabalhos sem nenhuma ligação.

Essa maneira de colocar a questão não resolve absolutamente o problema das relações entre o trabalho e a ciência. O problema aqui é substituído por um outro: o da relação entre os diferentes cursos e alguns pequenos trabalhos. São questões completamente diferentes.

A segunda corrente era mais audaciosa: colocava na base do trabalho escolar um trabalho manual qualquer tomado em sua integridade, um ofício ao qual se adaptava todo o programa de ensino.

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Tais tentativas foram feitas em vários lugares com modificações mais ou menos consideráveis, mas não deram bons resultados em parte alguma.

A causa do fracasso era igual à verificada no que se refere à primeira corrente: era o próprio problema que não estava corretamente colocado. Em ambos os casos substituía-se a relação entre o trabalho e a ciência pela relação dos diferentes cursos com o trabalho da oficina, com a diferença de que, no último caso, era o trabalho manual, realizado nas oficinas, que dominava, subordinando o programa de ensino (que também era definido antecipadamente) e adaptando-o a si mesmo. Na ausência de princípios diretores comuns, os dois ramos do trabalho escolar, trabalho manual e aulas teóricas, eram independentes um em relação ao outro, e sua ligação era puramente eventual quando se produzia, mas não era nem podia ser constante.

Além disso, a própria base do método não era boa, porque as melhores oficinas, e mesmo a indústria, se forem consideradas como um sistema técnico fechado, como um órgão de produção isolado, se forem abstraídas do conjunto da economia soviética e introduzidas na escola sem ser incorporadas à dinâmica da realida­de atual, perderão a tal ponto todo e qualquer valor que o trabalho perderá seu caráter social.

A terceira corrente, que é a mais difundida, é também a mais simples, porque nem quer resolver o problema do trabalho e da ciência na escola, tentando mesmo demonstrar sua inexistência.

A teoria é verdadeiramente simples: o trabalho, qualquer tra­balho, é uma base excelente de educação, permitindo resolver os problemas de pura educação, mas não os problemas de ensino. Graças ao trabalho o homem se torna disciplinado e organizado: é preciso ensinar o amor e a estima pelo trabalho em geral. O trabalho eleva o homem e lhe traz alegria; educa o sentimento coletivista, enobrece o homem e é por isso que o trabalho, e par­ticularmente o trabalho manual de qualquer tipo, é precioso como meio de educação.

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A ciência fica à parte. Não é preciso procurar a relação entre o trabalho e a ciência. Se a relação existir em casos isolados, muito bem; caso contrário, não tem importância.

Os resultados colhidos por estas três correntes não permitiram resolver o problema; e mais, seu fracasso produziu uma quarta corrente, que apareceu durante os dois ou três últimos anos ter­ríveis de guerra civil e de fome: nossa escola se restabelece e se fortalece, mas até o momento o trabalho ainda desempenha nela um papel muito pequeno. É só a partir de agora que se começa a falar seriamente do trabalho na escola. O corpo docente, em sua melhor parte, estuda decididamente os novos programas, mas estuda apenas a parte referente ao ensino.

A falha pode ser explicada pelos fracassos sucessivos experi­mentados nesta caminhada e também pelo fato de que os órgãos centrais e as escolas dedicaram todas as suas forças à revisão do objeto do ensino à luz dos novos programas.

2. Posição do problemaCada uma das correntes indicadas anteriormente, evidente­

mente, tem características positivas, mas nenhuma delas, em si mesmas, ou tomadas em conjunto, é capaz de resolver o problema do trabalho na escola contemporânea, e isto simplesmente porque todas consideram o trabalho de uma forma abstrata, como uma disciplina isolada e separada de seu aspecto principal, que é a preo­cupação com a realidade atual. Da mesma forma que é impossível imaginar uma escola soviética isolada, separada da vida e situada nas condições ideais de uma ilha desabitada, também é impossível imaginar o trabalho manual na escola a não ser como uma parte do problema geral do trabalho das crianças e dos adolescentes no sistema soviético, como uma parte do trabalho social.

Se o problema é colocado dessa forma, a questão da relação entre o trabalho e a ciência perde todo o sentido ou, melhor dizendo, torna-se parte de um problema mais geral. O problema

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só podia ser colocado quando o ensino era separado da educa­ção. Nossa escola deve liquidar essa separação. O trabalho é um elemento integrante da relação da escola com a realidade atual, e neste nível há fusão completa entre ensino e educação. Não se trata de estabelecer uma relação mecânica entre o trabalho e a ciência, mas, sim, de torná-los duas partes orgânicas da vida escolar, isto é, da vida social das crianças.

Os novos programas permitem a resolução parcial do problema: eles surgem como o método marxista para ensinar a conhecer e a dominar a realidade atual por meio da escola. E é por isso que a coluna central destes programas’ compreende o estudo do trabalho humano. Não se trata de estudar qualquer tipo de trabalho huma­no, qualquer tipo de dispêndio de ei^ergias musculares e nervosas, mas de estudar apenas o trabalho socialmente útil, que determina as relações sociais dos seres humanos. Em outras palavras, trata-se aqui do valor social do trabalho, como já foi referido, isto é, da base sobre a qual se edificam a vida e o desenvolvimento da so­ciedade. O programa fala apenas do estudo do trabalho humano. Mas isto não significa estudar exclusivamente o trabalho exterior

• à escola, o trabalho dos adultos; se a escola ficar nestes limites, não recolherá nenhum benefício do valor educativo do trabalho; é preciso modificar esta concepção, e a modificação necessária pode ser formulada da seguinte forma: na base do trabalho escolar devem estar o estudo do trabalho humano, a participação nesta ou naquela forma de trabalho, e o estudo da participação das crianças no trabalho.

Na revisão dos novos programas, é preciso responder às se­guintes questões:

1. Que forma e que tipo de trabalho podemos indicar para esta ou aquela idade?

Formulado em três colunas: A Natureza e o Homem, O Trabalho, A Sociedade, na edição russa e na edição francesa.

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2. Em que aspecto de um certo tipo de trabalho será neces­sário concentrar a atenção? Qual é o valor relativo dos diferentes aspectos do trabalho?

3. Qual é a relação existente entre esta ou aquela forma do tra­balho executado na escola e o trabalho dos adultos em geral, ou seja, quais as finalidades sociais de um trabalho escolar determinado?

4. Como harmonizar o trabalho e o programa escolar, ou seja, como realizar a síntese entre o ensino e a educação?

5. Quais métodos gerais de educação devem ser observados no trabalho?

3. Os trabalhos domésticosDurante os primeiros anos da Revolução, em muitas escolas,

e principalmente nas escolas infantis, os trabalhos domésticos foram erigidos em um princípio: basta o pessoal pedagógico, não há em absoluto necessidade de pessoal técnico! Era preci­so que tudo fosse feito por cada um: cozinhar, lavar a roupa, passá-la, apanhar lenha etc. E difícil dizer se o método era uma consequência da nossa pobreza material ou de concepções novas. Inclinamo-nos pela primeira razão, mas acreditamos também que a necessidade de utilizar o trabalho das crianças transfor­mou-se em princípio e que se quis a todo custo fundamentá-lo numa teoria. O tempo passou e, como o pêndulo de um relógio, voltamos para o outro extremo: nas escolas infantis os trabalhos domésticos passam cada vez mais a um segundo plano e, nas escolas, não existem mais.

Não somos partidários de nenhum destes pontos de vista. Os trabalhos domésticos executados pelas crianças são frequentemente nocivos à sua saúde, perdendo-se com isso um tempo precioso de estudo: trata-se, portanto, de uma coisa inaceitável. Geralmente, tais trabalhos não são agradáveis e se, além disso, são cansativos, tornam-se rapidamente um pesado trabalho obrigatório, um pre­sídio em miniatura, cujo resultado é exatamente o inverso daquilo

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que se busca, porque as tarefas, em vez de despertar o amor ao trabalho (que pode ser desenvolvido por uma tarefa de fácil exe­cução), provocam a repugnância das crianças.

Todavia, pensamos ser impossível renunciar a todo e qualquer tipo de trabalho doméstico, porque ele permite adquirir uma série de bons hábitos, que introduzem a civilização no seio da família e sem os quais seria impossível pensar na criação de um “novo modo de vida” de que se fala tanto neste momento. Ora, o “novo modo de vida” é um dos passos mais importantes no caminho da nova civilização.

É preciso então imaginar os trabalhos domésticos do ponto de vista da luta que se trava para alcançar uma fase superior ou, mais exatamente, como o terreno favorável ao florescimento desta fase superior.

A higiene pessoal (trato do corpo, dos dentes, das roupas, da cama, dos livros, da caneta, dos cadernos etc.) deve-se tornar um hábito, uma coisa essencial, sem a qual não se possa viver, um hábito tão sólido que seja impossível voltar à sujeira, às condições de vida antissanitárias. Do ponto de vista social, esta condição é indispensável na luta contra as epidemias, contra as doenças con­tagiosas, os parasitas, as doenças sociais, o despovoamento etc. E este ponto de vista social, que é um aspecto da luta travada pelo poder soviético contra a pesada herança de ignorância e de obscu­rantismo, deve guiar sempre a opção pelos hábitos que o trabalho doméstico pode suscitar, implantar e desenvolver. A formação dos hábitos assim definidos deve estar intimamente ligada à cultura física; cada norma deve ser explicada à criança e compreendida por ela como uma norma necessária à salvaguarda social da saúde.

Hábitos e normas devem ser pensados em ligação com os novos programas formulados para os primeiros anos de escola, porque estes programas comportam abundante documentação utilizável pará o ensino e a execução do trabalho doméstico. Também em relação à aplicação dos novos programas, o trabalho doméstico introduz-se, então, de forma gradual no conjunto das

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tarefas escolares; o trabalho doméstico amplia-se e se aprofunda constantemente, e não deve, sob nenhuma hipótese, terminar no fim do complexo que lhe corresponda: o estudo do complexo definido como “salvaguarda da saúde” é apenas um começo, uma introdução ao trabalho doméstico correspondente.

A sujeira, a falta de higiene, o desprezo pela organização na vida cotidiana, devem ser vencidos na escola, com a “racionalização” do trabalho doméstico.

Resultados podem e devem ser alcançados sem que as crianças precisem executar todas as tarefas domésticas, mas desde que estas tarefas sejam analisadas do ponto de vista de seu valor social.

Os trabalhos coletivos limitam-se à limpeza dos quartos, à manutenção da ordem e da limpeza, à participação nas tarefas de cozinha e no serviço das refeições (distribuição de alimentos etc.). Não há nenhuma necessidade de que as crianças executem todas as tarefas, porque elas seriam malfeitas, na medida em que algumas exigem uma real especialização (por exemplo, a cozinha). É preciso ater-se às condições particulares de cada instituição infantil para escolher as tarefas que podem ser executadas coletivamente e que são capazes de desenvolver hábitos de vida coletiva, sem esquecer de que se trata também de escolher formas de trabalho que não sejam penosas, arrasadoras, evitando-se, assim, resultados negativos constatados quando se abusou do método.

A vida coletiva ainda é uma coisa de realização bastante difícil para nós. Entretanto, é claro que esta aptidão é agora particular­mente necessária porque significa não apenas uma melhoria das condições atuais de vida, mas, também, a possibilidade de começar um novo modo de vida.

Se quisermos desenvolver a vida coletiva, os restaurantes cole­tivos, os clubes etc., devemos formar entre os jovens não somente a aptidão para este tipo de vida, mas, também, a necessidade de viver e de trabalhar coletivamente na base da ajuda mútua, sem constrangimentos recíprocos. Este é o único terreno que podemos

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escolher se quisermos obter resultados positivos na luta que se trava por um novo modo de vida.

O costume de viver coletivamente pode e deve ser formado entre as crianças tendo como base as tarefas domésticas coletivas, desenvolvendo-se entre elas o sentimento e a compreensão da necessidade e da utilidade sociais destas tarefas: é preciso que as crianças percebam o grande papel social desempenhado por todos esses pequenos hábitos na transformação do conjunto de nossa vida.

E preciso, portanto, que todas as tarefas domésticas úteis, e que podem ser feitas pelas crianças, sejam organizadas do ponto de vista de sua utilidade e necessidade sociais. Mas não se pode perder de vista — e isto é igualmente importante - a explicação científica das diferentes fases do trabalho. Geralmente, esta questão nem sequer chega a ser colocada. Lavamos, limpamos, varremos, mas será que perguntamos por que fazemos isto, e como poderíamos tornar estas fases do trabalho mais fáceis, mais higiênicas etc.? É preciso suscitar todas estas questões entre as crianças, fornecendo-lhes as respostas correspondentes; é preciso que o cérebro delas trabalhe no sentido da explicação científica do trabalho doméstico.

Seria um engano defender a abolição das tarefas domésticas porque seriam uma forma de trabalho ultrapassada, destinada a ser rapidamente substituída por formas mais modernas como res­taurantes coletivos, lavanderias coletivas, creches etc. Não se pode acreditar que essas coisas bonitas sejam vulgarizadas em pouco tempo, esquecendo-se das cidades pequenas e dos povoados onde vive a maior parte da população c onde essas coisas bonitas só se desenvolverão muito mais tarde, em último lugar, e até lá mais de uma geração terá passado pela escola. Enfim, a existência de insti­tuições sociais desse tipo não deixará de nos obrigar a um mínimo de tarefas domésticas, làmbém é preciso afirmar claramente que o controle social do funcionamento de instituições desse tipo só será efetivamente eficaz se os homens que se interessam por elas se entenderem para organizá-las racionalmente.

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Constatamos, portanto, que é grande a importância das tarefas domésticas na escola, na medida em que podemos utilizá-las para transmitir às crianças certos hábitos socialmente úteis, influen­ciando talvez a família por intermédio das crianças. Mas é preciso evitar que as tarefas sejam penosas. E preciso dosá-las, de maneira que os resultados não sejam o contrário do que se pretende, mas também é preciso não cair no extremo oposto, banindo estas tarefas da escola: o método consiste em considerá-las do ponto de vista de sua utilidade social.

4. Trabalhos sociais que não exigem conhecimentos especiais

É a segunda forma de trabalho que a escola pode executar. Pode ser considerada como uma ampliação das tarefas domésticas.

Baseando-nos no mesmo princípio de utilidade social, podemos e devemos induzir as crianças a toda uma série de tarefas, como a limpeza e a conservação de jardins e de parques públicos, a plantação de árvores (Dia da Arvore), a conservação das belezas naturais etc.

Essas tarefas não são necessariamente constantes nem mesmo periódicas: frequentemente são trabalhos eventuais, e esta é uma razão a mais para induzir as crianças a cumpri-los, formando a compreensão do seu significado social. Poderemos estimular a participação na preparação de clubes de operários ou de jovens, em ocasiões festivas, na organização de campos de jogos e de esportes, nessa ou naquela campanha política etc.

Nesse sentido, a província é mais rica em possibilidades que a grande cidade, porque a escola aparece no povoado como um cen­tro cultural de grande importância, permitindo que se vejam mais claramente as possibilidades de sua utilização. Em relação a isso, convém enfatizar o papel que a escola desempenha nos povoados do ponto de vista da medicina e da higiene sociais.

Todas essas formas de trabalho extraescolar, em seu conjunto, acabam constituindo o trabalho social da escola enquanto centro

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cultural. O campo do trabalho social na escola é muito mais am ­plo para nós e, se enfatizamos aqui os trabalhos que não exigem conhecimentos especiais, foi porque resolvemos considerar apenas as formas de trabalho acessíveis às crianças de quase todas as es­colas do Io grau.

Para que os trabalhos desse tipo tenham êxito, não basta simplesmente a iniciativa da própria escola: é preciso que todas as nossas instituições sociais e todos os organismos estatais, que todas as organizações compreendam o grande papel que a escola pode desempenhar em relação à questão, revelando mais iniciativas quando se tratar de utilizar a escola para estes trabalhos; é preciso, portanto, que a iniciativa seja bilateral.

E evidente que resultados isolado^estão longe de ser suficientes. É preciso que a concepção da educação social penetre nas amplas massas, assim como em todas as organizações sociais e em todas as instituições estatais.

É preciso que cada cidadão considere a escola como um centro cultural capaz de participar nessa ou naquela atividade social; a escola deve conquistar o direito de controle social neste ou naquele campo, o

# direito e o dever de dizer sua palavra em relação a esse ou aquele acon­tecimento, e o dever de modificar a vida numa direção determinada.

Quando esse ponto de vista for admitido por todo o mundo, nossa escola se tornará viva.

Voltaremos ainda ao assunto mais tarde, em relação a um outro aspecto do trabalho escolar.

5. As oficinasA questão das oficinas escolares é vivamente debatida há muito

tempo. Estão muito em moda em nossas escolas, com resultados positivos bastante discretos, aliás. A instituição passou por várias fases sucessivamente e merece a atenção geral.

A concepção das oficinas escolares impôs-se naturalmente como uma preocupação essencial quando, depois da Revolução de

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Outubro, foram proclamados os princípios da escola do trabalho, sobretudo depois da publicação do regulamento sobre a Escola Única do Trabalho (outubro de 1918), em que se falava dc traba­lho produtivo no interior da escola. A concepção, digamos assim, afirmava-se por si mesma ao educador.

As escolas e os estabelecimentos para crianças lançaram-se na organização de oficinas escolares de todo o tipo. Não se podia conceber a escola do trabalho de outro modo.

De fato, as oficinas são necessárias à escola, servindo como instrumentos da educação baseada no trabalho, se não quisermos li­mitar a escola a um estudo puramente teórico do trabalho humano.

Sem dúvida, se quisermos que as crianças compreendam ver­dadeiramente o que é a técnica da grande indústria, não podemos nos limitar a mostrá-la ou facultar a leitura de tudo o que lhe diz respeito. As crianças devem tocar o material, convencendo-se pela prática das vantagens e do grau de perfeição que esta ou aquela forma de trabalho comporta; devem compreender as diversas variantes do progresso no nível das máquinas-ferramentas e das máquinas-motrizes. E preciso participar do trabalho para com­preender a essência da divisão do trabalho. Para compreender o trabalho de uma máquina, é preciso sentir diretamente o que é de fato a mecanização da produção. Ora, a oficina profissional pode propiciar tudo isso.

Em função da aquisição de certos hábitos no contexto da oficina, possibilitando cultivar nas crianças uma atitude ativa em relação à produção, a oficina escolar aparece também como o ponto de partida de uma teia de fios que leva à produção real. E o interesse das crianças é despertado exatamente por essas ligações.

Não se pode também negar que o artesanato tem uma grande importância, ainda hoje, em nossa produção.

O trabalho numa oficina escolar pode estar ligado ao estudo dos ofícios artesanais urbanos e rurais, seu valor específico no conjunto de nossa economia, da ideologia do artesão etc. A oficina

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aparece, portanto, não como uma etapa inferior no caminho da grande indústria, mas como um campo imediato de experiência e de comparações.

Mas, para que a oficina possa alcançar essas finalidades, é preciso que satisfaça certas condições:

1. E preciso, de preferência, organizar oficinas onde se traba­lhem os produtos mais conhecidos do ponto de vista técnico e na vida corrente, ou, mais simplesmente, são prioritários os ofícios mais conhecidos. Em primeiro lugar, as oficinas onde se trabalhem os metais e a madeira porque, por um lado, tais matérias-primas são, em si mesmas, muito difundidas e, por outro lado, têm uma importância considerável na fabricação de instrumentos e utensílios de todo tipo. m

Para as crianças menores (Io, 2o e, em parte, 3o ano do Io grau), podem ser empregados o tecido, o papel, o papelão: correspondem bastante ao gosto dos pequenos.

2. O instrumental e os métodos de trabalho devem ser tão variados quanto possível. Do ponto de vista técnico, trata-se de uma condição muito importante pelas seguintes razões: no fundo,

* o instrumental necessário para trabalhar a maioria dos materiais reduz-se a um número relativamente restrito de instrumentos sim­ples; trata-se, sobretudo, de variações no emprego e na adaptação do mesmo instrumento em relação à matéria que se trabalha. O cinzel, o escopro, a plaina, o guilherme, a tesoura, a faca, o ma­chado etc., não passam de diferentes adaptações da cunha. Mas quanto maior for a variedade do instrumental, mais dados o aluno terá para compreender a mecânica, passando a ter mais facilidade para sentir a essência do maquinismo, sobretudo se utiliza em pessoa as diferentes ferramentas.

Familiarizando-se com um instrumental complexo, o aluno compreenderá facilmente a correspondência mais conveniente entre uma ferramenta e um dado material e, também, quais são os melhores meios de trabalhar o material; compreenderá a razão

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de ser dos diferentes tratamentos aplicados a um mesmo produ­to segundo diferentes finalidades (plaina, ajuste, encaixe numa oficina de marcenaria, por exemplo). Assim, o aluno disporá de uma série de hábitos, que poderão ser facilmente estendidos a um conjunto mais amplo de materiais; não terá nenhuma dificuldade para compreender a produção industrial, que não passa de um tipo de produção um pouco mais complicado. E a passagem de um material a outro estará intimamente ligada ao gosto da criança pela técnica que ela começou a dominar na oficina.

Devem ser preferidas as oficinas dotadas de bancos — o trabalho assim desenvolvido dá condições ao aluno de estudar a técnica da grande produção, sobretudo se os bancos possuem uma força mo­triz qualquer. Oficinas desse tipo possibilitam o desenvolvimento da iniciativa da escola no que se refere à técnica.

Desse ponto de vista, o trabalho na madeira e no metal é to­talmente válido, enquanto a costura e a sapataria não têm nenhum valor.

3. As oficinas devem possibilitar às crianças a mais ampla cria­tividade técnica, ou seja, os diferentes objetos preparados numa dada oficina devem ser tão variados e numerosos quanto possível; é preciso ter a possibilidade de variar e de combinar de diferentes formas os materiais trabalhados de acordo com objetivos diversos.

A consequência é que se deve dar inteira liberdade de desen­volvimento à aptidão para a criação técnica. Desse ponto de vista, compreende-se por que, por exemplo, uma oficina de sapataria não tem nenhum valor: com um instrumental ordinário ela só dá condições para a fabricação do sapato; pode-se, no máximo, variar o modelo. Bastante mais variada, por exemplo, já é uma oficina que trabalhe com o papelão, e ainda incomparavelmente mais amplo é o campo de ação aberto por uma oficina de marcenaria ou por uma oficina mecânica. Claro, sua superioridade reside no fato de que ela pode não somente produzir objetos de consumo, mas também os mais variados instrumentos de produção.

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Conferimos uma enorme importância à criação técnica. Toda a criação, técnica, científica, artística, é a aptidão para combinar subconscientemente os elementos constitutivos que contribuem para a produção do objeto que se quer criar, e a aptidão para escolher ins­tintivamente numa série de combinações aquelas que são as melhores. Qualquer homem possui tais aptidões em maior ou menor grau: é preciso que a escola as desenvolva por todos os meios à sua disposi­ção, e este é o objetivo dos novos métodos pedagógicos baseados na atividade e na investigação do aluno. A criação técnica está longe de ocupar o último lugar entre os diversos tipos de criação. Mas este tipo de criação é particularmente importante numa época como a nossa, caracterizada por uma construção rápida e pelo estabelecimento das bases do novo regime. Se não dispuseynos de uma juventude ativa, curiosa, e totalmente apta para a criação técnica, uma juventude capaz de construir o novo mundo mais rapidamente e melhor do que nós, será impossível transformar o conjunto de nossa economia, para que supere, no correr dos próximos anos, o progresso técnico da Europa ocidental e da América.

É fácil constatar que as três condições que devem caracterizar as » oficinas escolares estão intimamente ligadas entre si, engendrando-

se mutuamente.E observamos que as oficinas que atendem a essas condições

trabalham a madeira e os metais.É recomendável para os grupos formados de alunos menores

(em função de sua idade e da natureza de suas preferências) as oficinas onde se trabalhe com tecido, papel, papelão, madeira compensada.

A madeira e os metais, além de sua importância como materiais de construção, mesmo em casa, servem também de matérias-primas para a prepararão de ferramentas, de meios de produção; nenhum ramo de produção dispensa oficinas auxiliares mecânicas ou de marcenaria. O estudo do trabalho em madeira ou em metais é a introdução à técnica geral, a base da técnica geral.

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A oficina será utilizada na escola, antes de tudo, para desen­volver nos alunos hábitos de trabalho bem definidos, e necessários- isto é, em benefício da educação geral, sobretudo em nosso país, caracterizado por um modo de vida primitivo - tais hábitos nunca seriam excessivos.

Não negamos uma outra vantagem das oficinas: sua eventual utilização do ponto de vista do ensino; ou melhor, não negamos seu papel didático ao qual tem sido dada importância predominante, e mesmo exclusiva, conforme já salientamos anteriormente.

Mas, se as oficinas têm uma importância capital, é porque servem de ponto de partida para o estudo e a compreensão da técnica moderna e da organização do trabalho. Dizemos “ponto de partida”, porque os estudos deste tipo na escola do 2o grau devem concentrar-se sobretudo na grande indústria; entretanto, só se chega à grande indústria depois de se passar por métodos de produção mais simples no interior de uma oficina bem organizada e bem montada.

O trabalho imediato numa oficina, em si mesmo, na medida em que proporciona o contato direto entre o aluno e as ferramentas e os materiais, prepara o terreno para um real estudo comparativo das formas de trabalho mais complexas.

Numa oficina escolar, encontram-se todos os elementos da máquina moderna e todas as particularidades características da produção industrial.

E as crianças poderão aprender esses elementos muito facilmen­te, se o trabalho na oficina é corretamente organizado.

Em relação a isso, é preciso, antes de tudo, insistir no estudo do instrumental e dos bancos de diferentes tipos; a oficina constitui em si mesma um objetivo independente, não será algo auxiliar da física, muito pelo contrário. Partindo-se de conhecimentos adquiri­dos sobre o instrumental e sobre os bancos, poderemos alcançar o degrau seguinte e iniciar o estudo dos elementos de toda máquina. Tais conhecimentos ampliam o círculo de problemas que podem

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ser propostos a respeito das máquinas-motrizes e das máquinas- ferramentas de qualquer tipo de produção. O estudo dos métodos de trabalho na oficina (oferecendo a possibilidade de se chegar à construção técnica) possibilitará, talvez, a organização do próprio trabalho da oficina escolar sob a forma do maquinismo mais simples, sobretudo quando se tentar fabricar coletivamente certos objetos. Após haver assimilado os principais métodos técnicos, poder-se-á organizar a divisão do trabalho numa base tanto maior, quanto mais variado for o equipamento da oficina. Estudando e registrando por escrito a intensidade e a produtividade do trabalho, com ou sem divisão do trabalho, dá-se um passo muito importante na direção da produção industrial.

Ê assim que a oficina escolar pode oferecer, quando se chegou a um certo grau da escola (por exemplo, durante o sexto ou o sé­timo ano escolar), uma introdução completa e suficiente à técnica geral da produção moderna. E esta é que é a finalidade capital da oficina escolar.

A escola tem ainda um objetivo do mesmo gênero: ensinar a organizar cientificamente o trabalho e, em relação a isto, a oficina

* constitui um campo de ação muito amplo; voltaremos ao assunto mais tarde.

De tudo o que foi dito conclui-se que o trabalho na oficina escolar deve ser produtivo, e essa obrigação, por sua vez, determina a organização e o programa dos trabalhos executados na oficina.

No que se refere ao programa de trabalho, nunca será dema­siado insistir nesta ideia fundamental; tudo o que a oficina faz está a serviço do estudo do trabalho, e a oficina não produz objetos sem utilidade prática.

Trata-se de uma necessidade já aceita por quase todo o mundo e, se insistimos no assunto, é porque antigos diretores de trabalhos das escolas profissionais não querem ainda reconhecer o óbvio.

É preciso que a oficina escolar produza objetos úteis e ne­cessários. Serão utilizados para a organização da escola, de um

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escritório, de um clube, ou serão vendidos? Isso não tem nenhuma importância. Só uma coisa deve ser considerada: o trabalho das crianças precisa, afinal de contas, produzir um objeto material útil, sendo que a utilidade e a necessidade do produto apareçam claramente no espírito das crianças. As crianças devem compre­ender claramente que, mesmo do ponto de vista de seus próprios interesses, os objetos são necessários para sua escola, seu clube, seu acampamento de pioneiros etc., ou para a venda organizada em benefício de sua empresa, seja ela qual for.

Essa concepção de programa de trabalho impõe uma seleção metódica das encomendas feitas à oficina, uma seleção metódica dos objetos necessários, de forma a graduar as dificuldades de fabricação e a complexidade dos métodos. Assim, a fabricação e o trabalho da oficina poderão se tornar cada vez mais complexos, levando-se a oficina para cada vez mais perto da grande indústria, introduzindo-se, por exemplo, a divisão do trabalho e o maqui- nismo.

A condição de só fabricar objetos úteis e necessários nos leva à questão da organização da oficina.

Se o aluno produz na oficina objetos completamente acabados (as reparações são mais difíceis e exigem conhecimentos mais am ­plos), pode e deve ser capaz de calcular o tempo necessário para a fabricação de um determinado objeto, os materiais utilizados na oficina, o consumo de matérias-primas provocado pela fabricação de um tal produto. Essa contabilidade nos levará a uma série de novas questões, como ao cálculo dos materiais necessários para a fabricação de um determinado objeto e, a partir daí, ao prévio esta­belecimento de um esquema de trabalho para a produção do objeto, à preparação do esquema com todos os cálculos que isso supõe, ou seja, ao orçamento detalhado da fabricação de um objeto en­comendado; o tempo consagrado à fabricação de um determinado objeto será comparado ao tempo empregado para o mesmo trabalho por um companheiro mais experimentado, ao tempo exigido para

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chegar ao mesmo objetivo através de um trabalho coletivo, por um sistema de divisão do trabalho, sendo que o conjunto desse estudo produzirá uma série de dados a serem utilizados fora da escola, no contexto do estudo da produção; além disso, o aluno adquirirá gradualmente a faculdade de prever o tempo necessário para o cumprimento de um trabalho encomendado. Se acrescentarmos ao que já foi dito todos os dados relativos ao preço dos materiais e ao salário, teremos todos os elementos que constituem o cálculo e o orçamento detalhado formulados previamente.

Chegamos assim à questão da organização econômica da ofici­na, aos elementos da administração que devem ser bem conhecidos pelas crianças. Todas essas questões estudadas e resolvidas no curso do trabalho realizado pelas crianças r» oficina possibilitarão, mais tarde, a compreensão de certos problemas econômicos e, particu­larmente, as bases do orçamento nacional. Evidentemente, tais conhecimentos deverão ainda ser utilizados durante os estudos relativos à grande indústria.

Nas regiões onde o trabalho em domicílio é desenvolvido (Kustari), pensamos ser racional a criação de oficinas escolares

* correspondentes ao tipo de trabalho em domicílio praticado na região. Esse ponto é muito importante, porque corresponde às decisões tomadas pela XIV Conferência do Partido e pelo último Congresso dos Sovietes em relação à política de desenvolvimento das cooperativas de produção: essas decisões previram a melhoria da situação dos Kustaris e o desenvolvimento de seu trabalho. Não é possível esquecer também que, ainda durante muito tempo, os Kustaris formarão a reserva onde a indústria recrutará operários altamente qualificados.

Em relação ao desenvolvimento da cooperação de produção e ao trabalho dos Kustaris, a escola, considerada como centro cultural, poderá desempenhar um papel reduzido, mas sensível. Mas a or­ganização de oficinas especiais deste tipo só pode ser justificada no caso em que seu exemplo puder influenciar favoravelmente a

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população, em que a escola puder oferecer à população indicações capazes de melhorar seu trabalho, suas condições de vida (e a es­cola fará isto mediante o estudo do trabalho local, utilizando-se da técnica mais moderna).

Trata-se, entretanto, de um problema muito difícil, porque supõe, por um lado, uma organização de oficinas escolares espe­ciais, melhores do que as existentes na região, e, por outro lado, a obrigação de a escola tornar-se um órgão de produção sério, uma unidade de produção no sentido mais completo da expressão.

Se não se tem a certeza de poder realizar este trabalho, é melhor não tentá-lo para não comprometer a escola aos olhos da população, perdendo, assim, qualquer tipo de influência cultural sobre ela.

6. O trabalho agrícolaEssa forma de trabalho não suscitou nenhuma discussão de

princípio; provavelmente porque nossa agricultura é ainda sim­ples e as massas camponesas, em sua maioria, usam para arar instrumentos simples. É provável também que a discussão tenha sido evitada porque esta forma de trabalho não é estritamente profissional, mas ligada à vida e à atividade humanas em condições puramente naturais.

Entretanto, as escolas ou instituições infantis urbanas, e as escolas de vilarejos enfrentam condições absolutamente diferentes em relação ao trabalho agrícola.

Não falaremos agora da Escola da juventude camponesa, que começa apenas a nascer: o que nos interessa é o trabalho agrícola nas escolas “politécnicas” e de formação básica. Só nos referimos à escola do Io grau e a todos os tipos de escolas urbanas do 2o grau que, ou podem ter um campo escolar em função de sua localização geográfica na periferia das cidades, ou, então, podem se deslocar ao universo rural para continuar seus trabalhos (trimestre primavera- verão e parcialmente outono). Ainda seria preciso acrescentar, de um lado, os pensionatos infantis da cidade e, de outro, as colônias

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de férias, as cidades e as comunas infantis situadas nas fazendas so­viéticas, nos antigos conventos, nas grandes propriedades agrícolas.

O princípio segundo o qual a escola de Io grau no campo deve ter uma área (de meio a um hectare), onde se trabalhe racio­nalmente, é reconhecido por todo o mundo. Se quisermos elevar seriamente o nível de nossa agricultura, se quisermos divulgar amplamente os novos métodos aperfeiçoados de trabalho agrícola e de economia rural, a escola deverá ser colocada na vanguarda deste trabalho, porque ela é o centro cultural que influencia diretamente a criança desde uma tenra idade e indiretamente toda a população camponesa. Não se trata, portanto, de especialização agronômica, mas simplesmente de uma escola que ensine às crianças a traba­lhar racionalmente, fornecendo-lhes u#ria bagagem científica geral suficiente para trabalhar uma pequena área escolar, consideradas sua idade e forças.

O trabalho social principal do professor e da escola deve con­sistir na melhoria constante da agricultura, da economia rural e das condições de vida do camponês; o trabalho deve ser feito com a ajuda da escola e através dela. Na medida em que atender às

* necessidades do agricultor, a escola se tornará indispensável para ele, podendo desempenhar um grande papel em toda a sua vida; e assim veremos desaparecer a desconfiança que se manifesta aqui e ali em relação a ela. Quando o camponês perceber que a escola é útil, que o ajuda a melhorar sua vida e seu trabalho, o absenteís­mo escolar durante a primavera e o verão diminuirá rapidamente. Constata-se, então, que o problema essencial é aproximar a escola das necessidades da economia e da vida camponesas.

No que se refere à escola da cidade, a questão se coloca de uma forma completamente diferente. Consideramos incontestável que, em nossa época, toda escola deve estar, em maior ou menor medida, em contato com a agricultura. A questão da aliança entre operários e camponeses, entre a cidade e o campo, durante ainda muito tempo será para nós uma questão de atualidade candente. O

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trabalho da escola não se limitará, portanto, a estudar a economia rural, mas também a divulgar no campo a influência cultural da cidade. Todo cidadão da URSS deve conhecer mais ou menos a economia rural, porque, de uma forma ou de outra, deverá par­ticipar no trabalho de fortalecimento da aliança necessária entre cidade e campo. Mas se a escola não deve se limitar ao estudo da economia rural, qualquer tipo de escola urbana deve, por pouco que seja, participar diretamente no trabalho agrícola; cada aluno, enquanto estiver na escola, deve ter a possibilidade de compreender diretamente o que é o trabalho agrícola. Isto é possível e necessário não somente durante o estudo da natureza - realizado do ponto de vista da produção - mas também para conhecer o campo e o trabalho social entre os camponeses.

Os obstáculos materiais tornam a plena realização deste pla­no muito difícil, sobretudo nos grandes centros. Mas é preciso enfrentá-los gradualmente e de forma definitiva. As dificuldades materiais não devem servir de pretexto para o aparecimento de argumentos teóricos contra a organização deste trabalho, como já se vê em certas escolas da capital que se referem à escola de verão como uma escola à parte e diferente da escola de inverno, baseando-a em jogos, em atividades esportivas, na cultura física etc.

Tudo isto é muito bom, mas se torna muito mau se esses são os limites (acrescentando-se algumas excursões ao campo) do programa de trabalho da escola de verão. Pensamos também que o trabalho escolar não pode ser do mesmo tipo durante todo o ano: variar o caráter do trabalho e da vida escolar em ligação com as estações do ano é para nós uma das condições importantes da cultura física. A variação será sensível sobretudo durante o período da escola de verão, ou seja, na primavera e no verão; entretanto, para sermos mais precisos, pensamos que, ao mesmo tempo, devemos ligar, em proporções razoáveis, a escola de verão — ao menos no que se refere a uma parte do efetivo escolar — ao trabalho agrícola.

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É preciso abstrair um pouco o caso das colônias de férias, das cidades e das comunas infantis que dispõem de suas próprias áreas nas fazendas soviéticas etc. Trata-se de um excelente tipo de organização infantil, desde que estas coletividades não se fechem em si mesmas, permanecendo abertas para o mundo exterior. En­tretanto, mesmo neste caso, há uma série de pontos que merecem um exame muito sério.

Em primeiro lugar, e mais uma vez, a mesma questão: exagera- se a superfície das áreas confiadas exclusivamente às crianças, e na prática, frequentemente, conclui-se que o trabalho ultrapassa as suas forças. Por excesso de zelo, as administrações locais, pretenden­do garantir a vida material das instituições infantis, lhes atribuem muitas vezes fazendas demasiadamense grandes, esquecendo-se de que elas não podem de forma alguma ser exclusivamente explo­radas pelas crianças. Um simples cálculo prova que uma criança de 10 a 15 anos, depois de ter trabalhado em sala de aula um tempo determinado, e longo, não pode garantir com o trabalho agrícola na fazenda a comida, a roupa, os calçados, a manutenção do estabelecimento, a luz, o aquecimento, o material escolar e a

• remuneração de todo o pessoal técnico. E impossível a realização integral deste plano, ao menos atualmente, em função de nossa técnica agrícola atrasada, da falta de um capital de base suficiente, da pobreza geral e dos preços relativamente baixos dos produtos agrícolas; mas este resultado é parcialmente possível, e necessário. Daí derivam as seguintes consequências:

1. A extensão da fazenda não deve ser superior à capacidade de exploração efetiva por parte das crianças. A extensão deve ser tanto mais reduzida quanto os métodos de trabalho devem ser imperiosamente os mais aperfeiçoados - porque essa fazenda deve servir de modelo - ou seja, a intensidade da exploração deve atingir o máximo possível.

2. O trabalho agrícola deve ser considerado um problema pe­dagógico. Isso não quer dizer que se vá subestimar as considerações

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administrativas; ao contrário, pensamos que o trabalho agrícola, como problema pedagógico, deve conter toda uma parte adminis­trativa e econômica. Tudo isso deve estar intimamente ligado. Mas nosso método exclui a possível exaustão das crianças em trabalhos manuais, prejudicial ao ensino teórico, na medida em que essas duas formas de trabalho se ligam entre si; de fato, o ensino é prejudicado atualmente pela independência prática entre essas formas de trabalho, em função da pressão das necessidades econômicas.

O que é preciso estudar agora é o objetivo do trabalho agrícola da instituição infantil em relação à população, isto é, o objetivo do trabalho racional. O trabalho agrícola só se tornará um fator de educação social quando for tomado como ponto de partida, fazendo-se sua comparação com o trabalho análogo realizado em outros lugares, no sentido de se chegar à compreensão do rumo e da importância de nossa luta por formas de trabalho aperfeiçoadas. Falando claramente, o trabalho na escola deve contribuir para a compreensão da aliança entre a cidade e o campo e, em função disso, para a compreensão de todos os problemas contemporâneos principais. Observando essas condições, a escola deve fazer o pos­sível para atingir esse resultado. A situação de uma colônia infantil com sua respectiva área é muito mais favorável que a da escola urbana com sua oficina, porque a exploração da área pode e deve ser melhor do que a de uma fazenda qualquer, enquanto a oficina escolar de uma escola urbana estará sempre abaixo de uma fábrica qualquer. A agricultura na escola pode permitir o desenvolvimento da ideia de cooperação, do aperfeiçoamento da exploração agrícola, da intensificação da agricultura, da eletrificação etc.

A escola urbana não tem grande importância como centro cultural, obscurecida no contexto de outros centros, enquanto, no campo, a escola com sua exploração rural é o centro cultural mais importante. O objetivo a atingir é não apenas econômico, mas, antes de tudo, político, pertencendo, em consequência, ao domínio da pedagogia social. É assim que se deve imaginar a

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exploração e o trabalho racionais da área escolar: a escola deve preparar os organizadores da sociedade de amanhã. Este ângulo de análise permitirá, de um lado, transmitir ao trabalho das crianças o caráter social que lhe é indispensável e, de outro lado, sintetizar os aspectos econômicos e pedagógicos desse trabalho.

Há um critério muito preciso para saber se o trabalho das crianças na escola atinge seus objetivos culturais: é a atenção, a estima da população; se a população estima, ama sua escola, sua instituição infantil, é porque a instituição está à altura de sua tarefa social; caso contrário, temos a prova de que o trabalho da instituição está mal organizado pedagogicamente.

A maioria das instituições infantis conquistou um lugar de honra aos olhos dos camponeses, obt*ndo resultados encorajado- res. Percebe-se, então, que conferimos uma enorme importância ao trabalho agrícola da escola. Esta importância é tanto maior quando sabemos que, em primeiro lugar, vivemos num país em que os camponeses pequenos e médios formam a esmagadora maioria da população e, em segundo lugar, que a escola pode fazer muito mais do que o produtor do ponto de vista técnico, aparecendo

* como um autêntico guia para o aperfeiçoamento dos métodos e dos instrumentos de produção de toda a economia rural.

7. A fábricaÉ lamentável que devamos constatar que essa forma de parti­

cipação das crianças no trabalho não exista na escola de formação básica; em nenhum lugar (exceção feita para a escola de fábrica) os alunos trabalham nos bancos das fábricas.

Mas isso é uma exigência da lógica dos novos programas.A participação da escola no trabalho da fábrica é o problema

cardeal da educação da juventude contemporânea. Analisemos mais de perto o fundamento teórico do problema.

Se considerarmos a fábrica antes de tudo como um conjunto técnico, situando os aspectos técnicos da produção que ali se

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desenvolve na base da “escola de produção”, é evidente que não teremos nenhuma questão de princípio a resolver. Antes de mais nada porque, se considerarmos a fábrica assim, ela não exercerá nenhuma influência prática na educação social, não havendo então dificuldades deste ponto de vista. A questão se colocará da mesma forma como já se colocou quando falávamos das oficinas. E mais: oficinas convenientemente organizadas apresentarão, do ponto de vista da “metodologia do ensino”, um campo de ação mais vasto do que uma fábrica especializada.

Mas nós consideramos que a fábrica deve ser analisada de uma forma completamente diferente. É preciso analisar a fábrica como um fenômeno típico da realidade atual, tomando-a em suas relações amplas e complexas com a vida ambiente.

A fábrica aparece assim não como um fenômeno isolado a ser estudado sem grande interesse pela escola, mas como um núcleo onde se concentra toda a realidade atual considerada em suas prin­cipais manifestações; como o nó de inumeráveis fios, articulando fenômenos isolados; como a encruzilhada de numerosas estradas; como um grande pórtico aberto para o mundo.

A grande produção é antes de tudo o ponto de junção da técnica e da economia, consideradas em seu conjunto, e desse ponto de junção partem fios em direção aos múltiplos fenômenos da vida.

Veja-se, por exemplo, a força motriz de uma fábrica. Seu estudo ou o estudo da fonte de sua energia nos leva à questão da transfor­mação da energia em geral; das diferentes fontes de energia, das máquinas-motrizes (técnica); daí passamos à geografia econômica das diferentes fontes de energia e à luta mundial que se trava pelo seu domínio, o que, por sua vez, se baseia nas possibilidades técnicas contemporâneas de utilização destas fontes; aos problemas e aos objetivos a que se propõe a URSS no domínio da energética em geral e da eletrificação em particular. A questão da força motriz da fábrica encontra-se, como se vê, intimamente relacionada às principais questões econômicas e políticas soviéticas e mundiais,

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incluindo-se aí a luta imperialista pela divisão do mundo na base da distribuição da energia. E portanto evidente que estamos, afinal das contas, em face dos problemas correntes da construção socialista no domínio da energética.

Do estudo das matérias-primas - ponto de partida da produção- passa-se à questão do seu controle, de sua preparação, ou seja, ao estado da geografia econômica, da agricultura e da economia rurais, da elaboração das matérias-primas agrícolas; assim, e mais uma vez, a questão da técnica e da tecnologia aparece ligada à economia.

As crianças veem, no entanto, que as necessidades da indústria colocam para nós os problemas da economia rural, e a questão da aliança entre o proletariado e o campesinato será elucidada deste ponto de vista. 9

O estudo da máquina-ferramenta levanta uma série de questões econômicas, sem falar da técnica, que, afinal de contas, se baseia na física, na mecânica, nas matemáticas e na química. E isso nos leva às questões relativas à fabricação das máquinas-ferramentas, às matérias-primas, à sua produção, à extração e ao trabalho dos me­tais; ao problema da luta mundial que se trava pelo controle dessas «matérias-primas, que se combina com a outra luta pelas fontes de energia, constituindo o nó cardeal da realidade atual conforme de­finição anterior. Atingimos aqui o fundamento da luta imperialista. Entretanto, a questão das máquinas-ferramentas nos leva à análise do problema principal e vital de nossa indústria, isto é, a elevação do rendimento do trabalho e toda uma série de variadas questões que se ligam a isto, assim como o estudo dos meios para a sua realização.

Surgem mais tarde as questões relativas ao produto fabricado, à sua venda, ao consumo, aos mercados, ao comércio, à cooperação; todos esses problemas nos fazem voltar ainda uma vez à questão da aliança do proletariado com o campesinato, questão fundamental de nossa economia e de nossa política.

A relação entre uma produção determinada e uma outra aná­loga, por intermédio de um truste, de um sindicato, de uma admi-

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nistraçáo da indústria soviética, nos leva à análise dos I imdamentos do regime soviético. A relação de uma produção determinada com outras sem as quais ela não pode existir (matérias-primas, energia, máquinas, produtos auxiliares) permite a compreensão da ligação intrínseca do conjunto da economia da URSS e de toda a economia mundial - isto é, das questões relativas às diferentes combinações industriais.

Mas esse não passa de um aspecto do problema. Se tomarmos agora o estudo do operário como ponto de partida, encontramos também toda uma série de relações: o operário, seu salário, o sindi­cato, o operário de hoje e o de ontem, sua vida, sua ligação com o camponês (desta vez do ponto de vista das condições de vida e não do ponto de vista econômico), o Partido, a juventude comunista, a situação da mulher, o trabalho das mulheres etc.

Evidentemente, analisamos apenas uma parte muito restrita das relações existentes entre a fábrica e a vida. Toda a realidade atual desemboca na fábrica. É preciso imaginar a fábrica como o centro de uma ampla e sólida teia de aranha, de onde partem inumeráveis fios ligados entre si de maneira a formar os nós múltiplos da vida. Esta teia é o esqueleto, a armadura de toda a realidade atual, o objetivo central da atenção de nossa escola.

A atitude da escola em relação à fábrica deriva dessa forma de analisar a própria fábrica: a escola não estudará apenas a fábrica; consideramos que o trabalho principal da escola é tornar compre­ensíveis ao aluno todos os nós e todos os fios que se ligam à fábrica. Os estudos o levarão a esta ou àquela questão científica ou, mais exatamente, a toda uma série de questões científicas e práticas para as quais a escola deverá lhe fornecer respostas através da formação básica e da educação. O trabalho escolar assumirá então aos olhos do aluno sua plena justificação, sua plena importância, seu caráter necessário, assim como um significado social determinado e am ­plas perspectivas. E então será fácil passar ao trabalho social das crianças e de toda a escola.

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É assim que se cria a síntese tão procurada entre o trabalho e a ciência. Ela não é obtida de uma forma direta, mas graças à educação no trabalho.

A consequência de tudo o que se disse é que o estudo da indústria, da fábrica não deve ser, sob nenhuma hipótese, algo indiferente à escola, um estudo objetivo, exterior ao aluno e aos seus sentimentos. A fábrica não deve ser estranha para nós, mas, ao contrário, muito próxima, de sorte que nos atinja de perto, respondendo às preocupa­ções das crianças, criando suas convicções, que serão posteriormente desenvolvidas pela escola. Falando precisamente, as crianças devem interessar-se pela fábrica e ligar-se intimamente a ela.

O trabalho na escola sob outras formas (trabalho nas oficinas, trabalho agrícola etc.) completa ou gjrepara de uma forma ou de outra essa concepção da indústria.

Esse é, portanto, o problema fundamental.Pode-se resolvê-lo sem uma participação direta das crianças

no trabalho da fábrica? Consideramos que não.Apenas o contato direto e constante com a fábrica em sua vida

cotidiana, com o operário, com o aprendiz - e desde que o aluno venha à fábrica, não na qualidade de espectador ou de excursio­nista, mas na qualidade de trabalhador que tenta compreender praticamente o trabalho fabril - apenas um contato semelhante, reafirmamos, pode provocar as emoções necessárias à educação social: caso contrário, o ensino não terá alma, digamos assim, ou seja, a educação escolar estará mutilada de sua metade essencial.

Daí porque, a nosso ver, a questão do trabalho — do trabalho direto - na fábrica é de extrema importância.

A concepção que temos do problema possibilita-nos precisar mesmo as formas do trabalho.

Antes de mais nada, é preciso saber que o trabalho de fábrica não pode de forma alguma ser substituído pelo trabalho nas ofici­nas, por mais bem organizadas que essas sejam, como as oficinas da escola de fábrica.

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É indispensável que o aluno participe no trabalho produtivo lado a lado com o operário ou com o aprendiz. Qualquer outra forma de trabalho não passará de um sucedâneo incapaz de levar ao mesmo objetivo.

Na seleção de uma fábrica (se for possível escolher), a variedade e a importância da técnica não devem ser consideradas. Claro que é bom tomar uma produção de técnica variada, por exemplo, a têxtil ou a metalúrgica. Mas pensamos que, no fundo, essa questão não tem grande importância; a escolha da especialidade também não desempenha um papel importante; deixemos este problema a critério do médico que cuidará da saúde das crianças; o que é importante, do ponto de vista psicológico, é que as crianças tenham o sentimento de colaborar na produção; o que também é importante é que tenham a liberdade de estudar a fábrica em todas as suas partes.

Consideramos ser uma condição indispensável o contato ín­timo das crianças com a população operária da fábrica, com sua vida, seu trabalho, seus interesses e preocupações; a participação em todas as manifestações da vida da fábrica (assembleias gerais, cooperativas, clube, juventude comunista, célula do Partido, festas revolucionárias, liquidação do analfabetismo etc.).

Nossa maneira de colocar a questão possibilita-nos também discernir a melhor idade a partir da qual as crianças podem par­ticipar no trabalho da fábrica. Considerando-se o trabalho prévio nas oficinas, definido como propedêutico ao trabalho de fábrica, considerando-se igualmente a idade imposta pelas condições do trabalho fabril e os amplos problemas colocados pela fábrica às crianças, não se poderá falar de trabalho na fábrica a não ser depois do 6o ano de estudos, ou mais exatamente, talvez, a partir do 7o, por exemplo, durante um trimestre (trimestre de inverno).

Mas tais condições estão em um nível teórico, e o leitor per­guntará se há condições de realizar esses princípios na prática.

Infelizmente eles são, ainda hoje, irrealizáveis numa medida maior ou menor, mas amanhã - e o amanhã em condições favo-

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ráveis pode ser fixado em 3 a 5 anos — estes princípios constituirão a única pedagogia comunista conveniente à escola de 7 anos, nos grandes centros ou nas proximidades das grandes fábricas.

As dificuldades práticas surgem de dois lados: da escola e da fábrica. Se o trabalho da criança na fábrica é uma questão central para a nossa escola, o mesmo ainda não ocorre no nível da fábrica; e, considerando-se a situação atual de nossa indústria, não pensamos ser possível colocar essa questão na ordem do dia. Atualmente, do ponto de vista da indústria, atingimos apenas o nível anterior à guerra; é inegável que a recuperação se processou ao lado da transformação da indústria, mas, apesar de tudo, ela ainda não se encontra no estágio em que será possível marchar tranquilamente para a reorganização comunista da ©conomia: não estamos ainda numa progressão linear, não terminamos ainda nossa penosa as­censão em meio a abismos e precipícios.

Depois do que se disse, poderia parecer um luxo a nossa in­dústria se ocupar de uma questão que lhe é secundária — mas isso é apenas uma aparência: o que parece secundário hoje para nossa indústria está longe de ser secundário para o desenvolvimento geral

• de nossa economia.Os problemas atuais não se limitam à preparação de bons espe­

cialistas, à introdução de uma técnica aperfeiçoada, à formulação de planos industriais, à ligação de nossa indústria com a economia rural. Todos esses problemas podem ser resolvidos graças ao apoio direto e enérgico da massa dos trabalhadores, interessados direta e indiretamente em nossa economia: este é um axioma do nosso regime soviético. Mas é a escola que prepara o material humano da indústria. Será indispensável o mais íntimo contato entre a escola e a economia, se quisermos ter homens que compreendam claramente os princípios de nossa obra construtiva, participando ativamente em sua elaboração e assumindo-a como coisa sua. Os problemas da terceira frente (formação básica) estão intimamente ligados aos da segunda frente (economia).

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A tendência a estender e a reforçar a ligação da escola com a economia começa a crescer. A iniciativa, como sempre, pertence à Juventude Comunista. De forma geral, podemos dizer que a ideia progride: constatamos que já existe um decreto do Narkompross sobre a “Escola do trabalho junto à fábrica”, que a conferência pan-russa sobre a escola do 2o grau votou uma resolução detalha­da relativa a essa categoria de escolas setenais e que, enfim, em determinados lugares, esse tipo de escola começa a ser organizado.

Não há ainda referências ao trabalho direto das crianças na fábrica em nenhum dos documentos relativos à escola do 2o grau. E, no entanto, evidente que a escola deva estar ligada à vida e às preocupações da massa operária, à produção e ao trabalho social da fábrica. Mas pensamos que os decretos do Narkompross não serão suficientes para organizar e regulamentar esse tipo de esco­la; somente a vida e a experiência poderão nos indicar o método conveniente.

Seja como for, devemos nos preparar e preparar a escola para esta evolução. É preciso que o Narkompross proponha a questão ao poder soviético, ao Partido e ao conjunto da massa dos trabalhado­res; será preciso organizar uma ampla campanha para a educação social, de forma que o administrador, o engenheiro, o contramestre, o operário, compreendam a importância do trabalho infantil, a importância da escola do trabalho; é preciso que a população se interesse pela escola e pelos problemas escolares; devemos atingir este resultado o mais rápido possível antes de avançar mais.

8. O trabalho improdutivoComo o próprio termo o diz, trata-se de formas de atividade

que não produzem valores materiais. Mas a denominação não é feliz; se nos servimos dela, é porque não conhecemos uma melhor.

Entram na categoria dos trabalhos improdutivos:a) O trabalho do funcionário do Estado ou das instituições

sociais: secretariado, escritório, agências, aparelho soviético etc.,

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e o trabalho dos que garantem o funcionamento das empresas industriais: comitê de fábrica, contabilidade e administração, escritório de estatística, órgãos sindicais etc.;

b) O imenso domínio da cooperação sob todas as suas formas (consumo agrícola, crédito, produção), e o comércio de Estado;

c) O trabalho do educador (escola, pensionatos infantis, jardim de infância, biblioteca, clube etc.);

d) O trabalho sanitário e médico sob todas as suas formas.Tais serviços necessitam de um exército de trabalhadores com

aptidões profissionais inferiores e médias. A formação racional e soviética desses trabalhadores constitui uma questão tão impor­tante como a formação do operário qualificado. Na medida em que avançamos, a questão se torna cadj vez mais grave, revestindo um caráter atual cada vez mais claro.

A escola não tem o direito de conceber essa formação de uma forma estreita, limitando-se a inculcar em seus alunos alguns há­bitos técnicos que lhes permitam ganhar a vida. Se impuséssemos quadros tão estreitos à preparação profissional, transformaríamos a escola em cursos de “estenografia, datilografia e contabilidade”,

«que continuariam idênticos aos cursos anteriores à revolução. A escola, ao contrário, e antes de tudo, deve aprender a ver todas essas funções como trincheiras nas mãos do proletariado engajado na construção do novo regime. Cada um dos tipos de trabalho já citados deve ser considerado pela escola como uma forma de atividade socialmente útil e necessária. O aluno deve conceber todas essas formas de trabalho como partes integrantes da obra construtiva dos Sovietes, como um trabalho útil e necessário em seu respectivo lugar.

Se colocarmos a questão nesse nível, será evidente que os “tra­balhos improdutivos” devem estar integrados na escola enquanto elementos da educação social.

Mas esse tipo de trabalho pode ter um espaço na escola sob duas formas.

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Antes de tudo, poderá se tratar de uma atividade unilateral das crianças, importante para a escola, mas com a responsabilidade dos alunos limitada aos próprios órgãos da escola.

Queremos falar dessa atividade que é possível a partir da escola do Io grau e que objetivamente não pressupõe ainda uma colabora­ção sensível das crianças para o trabalho social dos adultos (ainda que subjetivamente as crianças possam ter a certeza de que estão colaborando). Trata-se, por exemplo, de entrevistas e investigações de todo o tipo que as crianças (e mesmo as do Io grau) realizam sobre este ou aquele assunto. O objetivo desses trabalhos é interno à escola; os órgãos e as instituições exteriores à escola não consi­deram seriamente o trabalho das crianças; tais trabalhos, digamos assim, servem às necessidades da escola, levando em consideração as finalidades da educação. Pertencem a esse tipo os trabalhos dos pioneiros, por exemplo, a documentação sobre os impostos em gêneros, a redação de cartas para os analfabetos, as coletas de dinheiro para o Socorro Vermelho etc. Também se incluem as tare­fas públicas da escola para as quais ela é coletivamente responsável, sem que os alunos tenham responsabilidades pessoais definidas.

Esse tipo de atividade começa quase no Io ano da escola e se torna cada vez mais complexo; nessa medida, vemos aumentar a responsabilidade da escola em face dos órgãos exteriores, tornando- se o seu trabalho gradualmente bilateral, isto é, socialmente útil e necessário.

Mas, se a atividade unilateral se desenvolve cada vez mais na escola - e esse tipo de trabalho será tanto mais difundida quanto menos a escola se fechar sobre si mesma —, a atividade bilateral só é colocada raramente na ordem do dia, apesar de sua grande importância. No que se refere à escola do 2o grau, essa importância aparece muito claramente em relação aos objetivos desse tipo de escola.

Nosso sistema escolar começa a tomar uma forma cujo esboço é o seguinte:

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Na base, a escola elementar do Io grau, com uma duração de 4 anos, ou seja, a escola de formação básica, que rapidamente se tornará obrigatória para todo o mundo.

Nas regiões industriais é a escola de 7 anos que deve se tornar obrigatória. A escola de fábrica é imaginada em continuação à escola de 7 anos, assumindo a responsabilidade de oferecer, depois da formação básica de 7 anos, o ensino profissional suficiente para uma determinada indústria.

No campo, a escola elementar deve ser continuada pela escola da juventude camponesa, com uma duração de 3 anos: o conjun­to forma uma escola específica de 7 anos de formação agrícola, conforme às necessidades da economia rural.

Falta ainda a questão do 2o grau, ^questão da escola de 9 anos. Qual é o seu lugar?

Antes de tudo, a escola do 2o grau não pode servir unicamen­te como grau escolar preparatório ao ensino superior, e isso por diferentes razões.

A principal é que a grande maioria dos alunos do 2o grau não continua seus estudos, parando no 2o grau.

O 2o grau deve, portanto, ser algo completamente diferente. Trata-se de um tipo mais elevado de escola elementar? Isso acon­tecerá quando nossa situação material, quando o nível de nossa formação básica, quando as condições políticas vindouras exigi­rem este tipo superior de escola elementar. Mas, nesse momento, ela se limitaria a ser o privilégio de uma minoria insignificante, e semelhantes privilégios não são concebíveis.

Só uma solução é possível: trata-se de conferir ao 2o grau um objetivo determinado, correspondente aos problemas e às necessidades que aparecem no curso da construção soviética.

É evidente que não se trata de fechar as portas da escola su­perior aos alunos provenientes do 2o grau: os alunos mais aptos devem ter condições de continuar seus estudos; mas esse não é o único objetivo do 2o grau; nem mesmo é o seu objetivo principal.

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A escola do 2o grau deve procurar alcançar um objetivo deter­minado; é por isso que seu 2o ciclo deve compreender uma série de estudos práticos que preparem os alunos para as tarefas admi­nistrativas e intelectuais (trabalhos materialmente improdutivos). Tudo isso já está decidido, aliás, pelo Narkompross. Mas a aplicação ulterior dos princípios adotados pode ser imaginada de diversas ma­neiras, comportando vários pontos sujeitos à discussão.

Um plano de estudos estritamente profissional levaria necessa­riamente ao enfraquecimento da formação geral - à especialização assim conseguida ficaria faltando uma visão indispensável sobre a realidade atual, sobre o problema geral da construção soviética. O aluno terá todo o tempo para se transformar nessa ou naquela engrenagem de uma máquina muito complexa, mas corremos o risco de que ele não tenha o tempo necessário para conhecer o lugar exato da engrenagem em questão na máquina e para compreender a estrutura geral e o funcionamento desta máquina. Ao contrário disso, todas as formas dessa atividade “improdutiva”, conforme foram descritas, exigem do 2o grau, em primeiro lugar, uma boa preparação geral, e apenas um certo grau de preparação especial, porque o objetivo do 2o ciclo não é o mesmo que o do instituto técnico: esse forma “chefes” e aquele forma “auxiliares”.

Outra questão polêmica: o caráter da própria especialização. A questão se coloca da seguinte forma: se os estudos profissionais duram apenas dois anos com um mínimo obrigatório de formação básica, não seria melhor concentrá-los numa especialização bem definida, num ramo particular de uma determinada profissão? Ou, ao contrário, tendo em vista a necessidade de conservar um mínimo de formação básica, não seria melhor que a escola se limitasse a fornecer uma espécie de introdução de conjunto à especialização prática?

No fundo, o problema pode ser resumido à seguinte questão: de que trabalhador de base temos necessidade (trata-se, é claro, dos trabalhos “improdutivos”)? Um trabalhador desse tipo precisa

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de uma preparação geral suficiente ou do domínio completo de uma só forma de trabalho? Pensamos que ele precisa das duas, ou melhor, das três: de uma boa preparação geral, de uma boa introdução de conjunto ao estudo de uma determinada profissão e de um conhecimento perfeito de uma forma precisa do trabalho. De fato, um professor primário rural será um medíocre professor se não souber trabalhar com um adulto, nem ajudar as pessoas a organizar um jardim de infância ou um campo de jogo; um contador soviético que não conheça as diferentes formas de coo­peração não nos servirá de nada. Mas ainda é preciso saber se a escola pode formar trabalhadores deste tipo. É aqui que começam as divergências propriamente ditas. A nosso ver a escola não pode ou não tem condições de cumprir inteiramente esta tarefa.

O objetivo da escola é formar as crianças para que possam, num prazo breve, com um gasto mínimo de energia e de força, pagando à vida um tributo mínimo pelo aprendizado, adquirir a experiência necessária para se tornarem trabalhadores completos.

Resumiremos então o problema da seguinte forma:1. A escola deve dar aos alunos uma formação básica social e

técnica suficiente para permitir uma boa orientação prática na vida.2. Ela deve assumir, antes de tudo, um caráter prático a fim de

facilitar ao aluno a transição entre a escola e a realidade integral da existência, a fim de capacitá-lo a compreender seu meio e a se dirigir autonomamente.

3. Ela deve acostumá-lo a analisar e a explicar seu trabalho de forma científica, ensinando-lhe a se elevar do problema prático à concepção geral teórica, a demonstrar iniciativa na busca de soluções.

Colocar o problema assim é declarar ipso facto que uma espe­cialização estreita e profunda não seria justificável nem mesmo no 2o ciclo do 2o grau! No entanto, isto implica ao mesmo tempo uma organização criteriosa da formação social e técnica e uma ampla utilização, num ramo determinado, da atividade prática

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da criança. Esta última deve evidentemente estar ligada, de um lado, à formação básica, e, de outro lado, aos princípios teóricos que orientam o estudo das questões profissionais.

Na reorganização do 2o ciclo, devemos considerar o trabalho prático da criança como um dos problemas mais importantes.

A escola propõe-se a formar homens suscetíveis de exercer o emprego de auxiliar ou de ajudante. Será que é necessária uma especialização teórica para isso? Não! Mas, sim, a capacidade de executar de fato o trabalho. Uma capacidade deste tipo pode ser adquirida apenas na prática do trabalho verdadeiro, na ambiência da vida real (isto é, na fábrica, na oficina, na loja, no escritório, etc.) e não numa “escola-laboratório” que nunca teria condições de substituir a realidade palpitante da vida. Desse princípio não se deveria concluir que a “escola-laboratório” não serve para nada; ela é útil, mas seu quadro deve ser delimitado cuidadosamente.

Na medida em que a atividade “auxiliar” irá desempenhar um grande papel no trabalho escolar, mesmo na escola do Io grau, é necessário reforçá-la no 2 o ciclo, torná-la mais rigorosa, mais séria, atribuindo-lhe uma série de responsabilidades; ou seja, é preciso: 1) que as crianças do 2 o ciclo do 2 o grau estejam ligadas durante deter­minado número de horas por semana, ou durante um prazo bastante longo, a alguma instituição do Estado, a algum estabelecimento ou a alguma organização econômica etc.; 2) que o trabalho não seja um exercício artificial, inserindo-se no quadro da instituição ou da empresa e respondendo, no que se refere às proporções que toma e às responsabilidades que promove, às necessidades deste organismo; 3) que o trabalho seja explicado e aprofundado na escola de uma forma científica e social.

As crianças são responsáveis por esse tipo de trabalho, ao mes­mo tempo, na escola e na instituição interessada. A organização do trabalho na escola, de acordo com a tendência que tentamos desenvolver neste livro, prepara as crianças para esta atividade duplamente responsável. O aluno parte das obrigações compre­

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endidas pelo tipo mais simples de trabalho, vai-se adaptando aos hábitos técnicos do trabalho e chega ao trabalho social da escola, no qual participa como membro da coletividade escolar. Finalmente, opera-se a passagem para a prática individual com responsabilidade individual junto às organizações sociais e às instituições públicas externas à escola. Evidentemente, esta forma de trabalho deve ser realizada de preferência nos últimos anos escolares. Ela facilita a supressáo das barreiras que separam a escola da vida. A entrada do aluno na vida, depois da escola, deixa de ser um salto no desco­nhecido, tornando-se uma transição bastante fácil e, quanto mais passar despercebida, melhor será para o aluno.

*

Como discutimos um assunto preciso e limitado, é impossível oferecer explicações mais detalhadas sobre o 2o ciclo do 2o grau. Desejaríamos apenas levantar as observações de princípio que de­rivam de nossa forma de imaginar a atividade prática dos alunos. Trata-se de três observações e iremos estudá-las sucessivamente.

1. Não é necessário criar grande número de grupos de alunos por categorias profissionais;

2. Cabe discernir três etapas na atividade prática no decorrer do 2o grau;

3. A passagem da escola à vida real deve ser realizada imper- ceptivelmente.

A conclusão fundamental, que talvez seja suficiente para resol­ver completamente o problema da formação profissional, pode ser resumida da seguinte forma: podemos desenvolver a especialização do aluno numa determinada profissão até o mais alto grau sem criar toda uma série de subdivisões. Evidentemente, os agrupamentos por categoria profissional são necessários, porque é muito raro ser possí­vel admitir todas as crianças na prática em condições idênticas; na maioria dos casos, será preciso colocá-las nos diferentes empregos

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do mesmo ramo; por exemplo, em relação à atividade prática no ramo “ensino”: no jardim de infância, na escola de 1° grau, nos pioneiros, na sala de leitura, no clube, na biblioteca. Na prática uma classificação desse tipo seria quase inevitável para o grupo de trabalho do ensino. (Da mesma forma para o grupo de trabalho da cooperativa: colaboração na contabilidade, nas lojas cooperativas, nos armazéns ou na administração etc.) Simultaneamente a estes ensinamentos, todas as crianças pertencentes a um determinado grupo receberão os conhecimentos teóricos fundamentais comuns a todas as subdivisões do grupo.

Seria então natural: 1) respeitar o gosto e a aptidão do aluno na escolha do emprego e na constituição dos grupos; 2) criar condições para que o ensino coletivo da teoria geral seja acompanhado por um trabalho independente, por tarefas individuais relacionadas à atividade prática atribuída ao aluno e suscetível de contribuir para a explicação teórica desta atividade; 3) garantir, na direção do trabalho do aluno, a presença de especialistas que supervisionarão o trabalho prático efetuado pelas crianças.

A segunda conclusão refere-se às diferentes etapas da atividade prática do 2 o ciclo. Podemos destacar três: etapa de orientação, etapa de execução e etapa de iniciativa. Chamaremos a primeira de etapa de orientação - no decorrer do oitavo ano escolar. Nesse momento, o aluno entra pela primeira vez em contato com a prática real, por exemplo, como observador ou como auxiliar. Durante essa etapa, ele acumula novas e capitais impressões, ob­serva, compreende o essencial dos problemas técnicos. Essa etapa é importante na medida em que permite ao aluno a compreensão das formas do trabalho que ele observa, suas dificuldades reais, suas relações com a realidade, fazendo brotar no seu espírito as questões teóricas fundamentais ligadas à determinada profissão. Dessa forma, torna-se possível proceder a uma revisão teórica dos princípios fundamentais específicos desse ou daquele ramo de atividade e passar à segunda etapa, isto é, à execução de um deter­

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minado trabalho no interior da instituição ou da empresa escolhida, à transformação do aluno num trabalhador real com um emprego preciso, sendo que este trabalhador no momento não deve ainda passar da condição de auxiliar.

Durante a segunda etapa, haverá uma íntima ligação entre a atividade prática e a formação básica e a formação técnica. Gradual­mente, passar-se-á à terceira etapa, ao trabalho de iniciativa. Esse trabalho consiste em resolver um problema prático determinado. De fato, veja-se como pensamos a coisa: no segundo ano (talvez na segunda metade do ano), quando as aulas secundárias termina­rem, cada aluno deve realizar uma tarefa de fôlego, durante alguns meses, relacionada com sua formação prática; deve realizar um projeto sobre um determinado tema^Um projeto desse tipo deve: 1) comprovar a aptidão do aluno para vencer as dificuldades de um problema e para investigar as soluções cabíveis; 2) reforçar e apro­fundar as normas de investigação, a habilidade em utilizar os dados teóricos etc.; 3) revelar a orientação do aluno em sua especialidade; 4) apresentar, enfim, um interesse prático e uma importância real na especialidade escolhida pelo aluno.

# Para examinar o projeto apresentado, consultam-se especialis­tas, de preferência os diretores dos exercícios práticos. Seria ainda preferível que os próprios especialistas propusessem os temas dos projetos, para garantir eventualmente a utilização prática dos resultados do trabalho.

Não é difícil descobrir que as diferenças de natureza existentes entre as três fases determinam, em grande medida, o caráter da atividade prática durante o 2o ciclo. A uma etapa determinada corresponde uma determinada forma de atividade.

A terceira conclusão diz respeito à passagem da escola à vida. Como já dissemos anteriormente, a atividade prática das crianças permite a passagem quase insensível dos bancos da escola para uma participação efetiva na vida prática. Particularmente, a etapa de “projetos” ou “de iniciativa” modifica o caráter tradicional de

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“fim dos estudos”. Temos ainda o hábito de impor aos alunos que chegaram ao fim de seus estudos escolares a passagem por um purgatório de provas de todos os tipos e nomes: composições, trabalhos trimestrais, trabalhos práticos, revisão dos conheci­mentos etc., simples camuflagem dos exames infernais! Sempre, e sem que se possa evitar esse mal, um término de escolaridade deste tipo comporta uma quantidade ininterrupta de noções puramente teóricas extraídas de apostilas, e, mais ainda, trata-se de um trabalho puramente verbal e formal, um amontoado de conhecimentos especialmente tendo em vista o exame. Em vez de diminuir progressivamente o estudo, este é levado, em geral, até o limite extremo, interrompendo-se então bruscamente seu des­dobramento e jogando-se o adolescente ou a adolescente na vida, onde se debaterão como cachorrinhos jogados no rio. Propomos o contrário. Muito tempo antes do término dos estudos (seis meses antes), abandona-se todo o trabalho puramente teórico (gradual e previamente reduzido); o aluno dedica todo o seu tempo exclusiva­mente à prática e ao projeto que deve executar pelos seus próprios meios, no sentido de facilitar sua entrada na vida: de fato, o aluno já não tem a responsabilidade pelo seu trabalho?

Poucos grupos por categoria,Três fases na atividade prática,Passagem insensível à vida real, estes são, a nosso ver, os prin­

cípios que devem reger a participação das crianças nos trabalhos “auxiliares” e as conclusões a tirar do caráter específico do 2o ciclo do 2o grau.

***

Mas agora enfrentamos um problema de outra ordem. E evidente que os “trabalhos auxiliares” dos alunos interessam não apenas à escola, mas, também, numa medida não menor, às instituições públicas, econômicas e sociais em que os alunos vão

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trabalhar. Até então os alunos eram admitidos no trabalho (oiulc eram realizadas tentativas desse tipo) depois de acordo cntrc .1

escola e esta ou aquela organização. Acordos desse tipo tinham, na maioria dos casos, um caráter puramente privado. Mas se colocarmos, em toda a sua amplitude, o problema das crianças no interior das diferentes instituições e empresas, será impossível resolver a questão ao acaso. Isso significa que o problema deve ser tratado em seu conjunto e resolvido pela via legislativa e por todo o Estado. Não se poderia contar com o acaso das circunstâncias locais para a obtenção de uma regulamentação racional da atividade prática da criança. As escolas que dirigem seus alunos no sentido de uma prática desse tipo devem unir esforços para promover a formulação de uma regulamentaçãojegislativa.

9. O problema da organização científica do trabalho

a) Atualidade do problema e escolha do método pedagógico apro­priado

O problema da organização científica é um problema abso- . lutamente atual, de importância capital para a URSS, porque se

coloca em função ou, mais exatamente, enquanto corolário dos seguintes problemas: reconstrução e, sobretudo, transformação do conjunto de nossa economia. A organização científica do trabalho, que nasceu e se desenvolveu na América e na Europa ocidental com a finalidade de intensificar a produção, reforçando a explo­ração do operário e aumentando os lucros do capitalismo, pode e deve propor-se entre nós como um objetivo inteiramente oposto: tornando-se, entre nós, o meio mais eficaz de aumentar a produ­ção, de utilizar racionalmente a energia do trabalho, de reformar metódica e economicamente a administração, a organização científica do trabalho (que é atualmente um meio de exploração) se metamorfoseia em meio de libertação. Mas a organização científica do trabalho, em função dessa transformação radical,

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exige para se desenvolver outros elementos e outras condições em relação ao Ocidente capitalista. Se no capitalismo a organização científica do trabalho se faz de cima para baixo, segundo um plano determinado, fria e estritamente concebido, no sentido de extrair do operário em 8 horas (e, em muitos lugares, em 10 a 12 horas) o máximo que ele pode oferecer, quando está com plena saúde, mesmo que seja preciso depois jogá-lo na rua com 40 anos, incapaz de trabalhar, espremido como um limão, substituindo-o por um operário são e forte apanhado na grande reserva de forças humanas, se isso acontece no capitalismo, nós, ao contrário, só poderemos realizar a organização científica do trabalho de baixo para cima, atraindo a atenção das massas operárias para esse tipo de organização, suscitando um certo entusiasmo em torno desses problemas, figurando essa organização científica como um meio de consolidar o que já realizamos em termos de revolução social.

Para obter resultados positivos em termos de organização cien­tífica do trabalho, é necessário, entre nós, incentivar as próprias massas trabalhadoras, na maior medida possível, a assimilar e a levar à prática as ideias compreendidas sob o nome de organização científica do trabalho.

Se é assim — e as coisas se passam exatamente assim - o pro­blema da organização científica do trabalho assume uma grande importância, tornando-se para a escola, que forma e prepara a ativi­dade das massas populares, uma questão atual que é indispensável introduzir no ensino de uma forma ou de outra.

* * *

Isso pode ser feito de duas formas: a primeira - e a mais simples consiste em introduzir na escola uma nova disciplina, “a organiza­ção científica do trabalho”, em escrever manuais correspondentes e em começar esse ensino nesse ou naquele grupo do 2o grau. O segundo método, mais difícil, mais minucioso, mais “lento”, signi­

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fica colocar todo o trabalho escolar, em particular todo o trabalho prático da escola, no terreno da organização científica do trabalho.

Defendemos com todas as nossas forças o segundo método contra o primeiro, antes de tudo porque a organização científica do trabalho não é ainda uma ciência suscetível de ser simplificada, de forma a poder tornar-se objeto de ensino escolar. Encontramo-nos ainda na fase de criação da organização científica do trabalho en­quanto ciência, procuramos ainda o caminho, plantamos sementes. É prematuro, e mesmo arriscado, acreditar que seja atualmente possível a vulgarização pela escola dos princípios científicos da organização do trabalho.

Em segundo lugar, a organização científica do trabalho é incon­cebível separadamente de suas aplicafóes à realidade. Trata-se de uma disciplina que só ganha sentido considerada em suas aplicações práticas. Se nosso objetivo é que as crianças de hoje, os futuros ope­rários da Rússia soviética, possam conceber incessantemente novas adaptações da organização científica do trabalho, é indispensável que sejam educados na base da organização científica do trabalho. Claro, tentamos organizar a escola e o ensino em bases marxistas;

* entretanto, é improvável que alguém possa pensar em introduzir o marxismo na escola sob sua forma filosófica, econômica e histórica enquanto disciplina escolar. É duvidoso que isso seja acessível, em geral, mesmo aos alunos mais avançados do 2o grau; apenas algu­mas crianças mais desenvolvidas intelectualmente poderiam talvez compreender esse tipo de ensino, e para eles poderíamos organizar simplesmente um grupo de estudos. Mas, para a massa das crianças, desejaríamos apenas atingir o seguinte objetivo: que tenham um sentimento real dos princípios marxistas em todos os casos, que se crie nelas uma espécie de sentimento marxista que servirá de base para forjar-lhes uma mentalidade marxista. O problema da orga­nização científica do trabalho deve ser colocado da mesma forma. Não é indispensável ensinar a organização científica do trabalho enquanto disciplina distinta, mas é incontestavelmente necessário

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que as crianças vivam diariamente na atmosfera da organização científica do trabalho, que, diariamente, sejam convencidas de sua importância e de sua utilidade, que ela impregne toda a vida escolar, tornando-se parte integrante das preocupações das crianças e dos objetivos que elas pretendem alcançar, organicamente ligada àsua vida e aos seus hábitos cotidianos. Assim, o gosto por esta espécie de assuntos e de questões se desenvolverá entre as crianças. E então nosso objetivo será plenamente alcançado.

b) A introdução na escola dos elementos da organização científica do trabalho

Com que método introduzir essas preocupações e hábitos na vida? O problema apresenta-se aqui sob dois aspectos, e isso porque se pode considerar sob dois aspectos a própria organização científica do trabalho, seja analisando-se o trabalho individual, seja considerando- se, ao contrário, o trabalho coletivo.

Um dos problemas compreendidos pela organização científica do trabalho é o estudo dos métodos de normalização do trabalho individual. Entende-se por isso a normalização dos movimentos e dos esforços musculares, isto é, a investigação dos comportamentos mais econômicos (em relação ao tempo e ao dispêndio de energia muscular e nervosa), baseados na repetição automática e quase inconsciente de uma série de movimentos que permitem fazer determinado tipo de trabalho, por exemplo, burilar, limar uma superfície plana etc. O problema compreende também a escolha de um plano racional de disposição no espaço do banco, do ins­trumental, do material, de sorte que cada coisa esteja num lugar determinado, racionalmente escolhido etc.

O estudo científico da normalização dos movimentos e dos esforços musculares é muito difícil e constitui provavelmente um problema insuscetível de ser analisado na escola; mas os outros pontos antes citados podem e devem ser estudados a partir de qualquer forma de trabalho físico, começando-se, por exemplo,

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pela limpeza de um vaso, pelo varrer de um assoalho e terminan­do pelo trabalho no torno. Em relação a isso é importante atrair a atenção do aluno para a necessidade de registrar o tempo com o relógio na mão, tirando conclusões das constelações realizadas: numa palavra, é preciso familiarizar as crianças com o interesse apresen­tado pela organização científica do trabalho, mostrando-lhes atra­vés de exemplos práticos e precisos como ela é necessária, e como podem ser conseguidos grandes resultados com meios simples, desde o primeiro estágio de “racionalização”, ou seja, com a ajuda do simples bom-senso.

Quando passarmos do trabalho individual ao trabalho coletivo, enfrentaremos um outro grupo de problemas: tratar-se-á de estabe­lecer projetos racionais para a execuçã» de um certo trabalho pela coletividade; de organizar regular ou periodicamente o trabalho numa instituição mais ou menos complexa; de organizar um apa­relho administrativo ou executivo etc. Os problemas deste tipo têm grande importância na vida, e sobretudo na escola, porque na escola estamos, na maior parte das vezes, em face de um trabalho coletivo; em particular, toda a atividade desenvolvida no domínio da autono-

*mia escolar resume-se num esforço para criar uma boa organização; a própria escola, finalmente, é uma organização ampla e complexa. O problema de educar os alunos na observação de normas de orga­nização, imaginado como problema escolar, não exige propaganda nem explicações. Mas pode ser resolvido de uma forma mais ou menos natural, e é por isso que é necessário o estudo dos diferentes elementos da organização.

Pensamos que a introdução dos elementos da organização científica do trabalho em tudo o que diga respeito à organização da escola se desdobraria da seguinte forma. Todo trabalho reali­zado coletivamente pelas crianças: reunião aos sábados na escola, organização de uma festinha ou de uma reunião, excursão para um lugar longínquo, exercício de autonomia escolar, pode ser dividido em três partes: 1) um plano de trabalho previamente formulado, onde

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conste a divisão do trabalho no tempo e no espaço, a distribuição dos indivíduos e das tarefas; 2) a execução do trabalho, com parti­cipação imediata das crianças, a realização do plano previsto, e 3) o balanço do trabalho realizado, ou seja, as constatações referentes à execução do trabalho, a análise desses dados, sua classificação, enfim, a crítica e as conclusões cabíveis.

E assim que o trabalho da criança precisa ser compreendido. Começando pelos casos mais simples, devemos aproximar as crianças gradualmente do problema mais complexo, que é a di­visão do trabalho no seio da coletividade; devemos levá-los até a formulação de projetos de organização estimulando-os a apresentar, segundo uma análise direta dos fatos, o balanço prévio de todas as condições e de todas as circunstâncias necessárias. A execução do trabalho, na maioria dos casos, não ficará estritamente de acordo com o plano traçado, e, quase sempre, até se afastará dele. Mas é indispensável que as crianças aprendam a identificar, durante a execução, as infrações ao plano previsto, ou melhor, a formular com rigor o balanço de todo o tipo de trabalho.

O balanço é um trabalho im portante. Mas os dados do balanço não devem ser acumulados exclusivamente pelo prazer de calcular como se faz muitas vezes, lamentavelmente; os da­dos devem servir de base para o estudo de todo o mecanismo de trabalho. As considerações corretas contribuirão para que apareçam, antes de tudo, as causas fortuitas que impediram a execução do trabalho de acordo com o plano adotado, ou seja, as causas independentes de nós e imprevisíveis. Depois, chegamos às que omitimos ou não previmos em tempo oportuno, embora tivéssemos possibilidade de fazê-lo. Em último lugar aparecem os erros e as faltas que foram cometidos na elaboração dos pla­nos, em função da insuficiência de nossa experiência no nível do trabalho de organização. Uma crítica desse tipo de trabalho possibilitará, no futuro, a discussão sobre modificações úteis no plano primitivo, dirigindo-se a pesquisa no sentido de novas

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formas de organização. Assim, desenvolveremos entre as crianças não apenas a prática de normas de organização, mas também lhes ensinaremos o gosto pelas formas racionais de plano e de cálculo, isto é, o gosto pelos problemas fundamentais da organização científica do trabalho.

Esboçamos apenas o esquema do trabalho, que pode ser mo­dificado e alterado em direções diferentes. Não insistimos mais: que a escola seja capaz de se inspirar amplamente nesse esquema.

O importante é a vontade de enraizar na escola os elementos da organização científica do trabalho. É preciso que essas concep­ções impregnem a atmosfera em que as crianças viverão. Nos anos superiores, essa preocupação pode, durante o ano escolar, ocupar um lugar mais importante, assumindo a forma de um estudo teó­rico de algumas generalidades relativas à organização científica do trabalho. Mas é somente nestes limites que se pode falar de “ensinar” a organização científica do trabalho.

Será uma tarefa fácil? Não! Introduzir dessa forma os elemen­tos da organização científica do trabalho na escola é uma tarefa difícil, porque a organização científica do trabalho não está ainda

“muito difundida, e também porque nós mesmos não formamos o pessoal e não concebemos o trabalho pedagógico com base na organização científica do trabalho, por falta de hábitos, gosto e conhecimentos necessários. Entretanto, a organização científica do trabalho será introduzida na escola passo a passo, como um companheiro indispensável do trabalho escolar. Começando pelos trabalhos auxiliares, acompanhando igualmente o trabalho no seio das instituições e das empresas e o trabalho individual do aluno, até chegar à compreensão dos princípios teóricos gerais.

10. Conclusões: lugar e papel do trabalho na escola soviéticaPodemos extrair uma tese fundamental de tudo o que foi dito:

o trabalho na escola não pode ser concebido sem que se considerem os objetivos gerais da educação.

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Não é o trabalho em si mesmo, o trabalho abstrato, como se fosse dotado de uma virtude educativa natural e independente de seu valor social, que deve servir de base para o ensino do trabalho manual.

O trabalho, enquanto puro gasto de energia cerebral ou mus­cular - um gasto que pode ser até inútil - , tem uma importância mínima em relação aos nossos objetivos na educação. Nessa concepção de trabalho pode-se introduzir tudo, até mesmo a tarefa infernal que consiste em decorar manuais nas vésperas dos exames. Não negamos um certo valor ao esforço pessoal no ensino, mas é uma pequena parcela de um problema mais geral relativo à educação comunista.

Não, a base da educação comunista é antes de tudo o trabalho imaginado na perspectiva de nossa vida moderna, o trabalho conce­bido do ponto de vista social, na base do qual seforja inevitavelmente uma compreensão determinada da realidade atual, o trabalho que introduz a criança desde o início na atividade socialmente útil.

E para solidificar a base da educação comunista, não basta levar as crianças a estudar o esforço realizado pela atividade humana; é preciso ao mesmo tempo adaptar essa atividade às forças de sua idade, é preciso orientar as crianças para que participem no trabalho social de forma ativa, de forma consciente, socialmente esclarecida: assim nascerá um conjunto de impulsos interiores, um tal tipo de emoções que influenciarão a transformação do estudo passivo das coisas bonitas num método definido como indispensável para levar à prática convicções pessoais cheias de energia, de entusiasmo e de impetuosidade revolucionárias.

Aí está a diferença de princípio que separa nossa escola do trabalho da escola dos reformistas burgueses na Europa e na América. Três conclusões essenciais surgem de nossa atitude em relação ao trabalho.

A primeira diz respeito à natureza da educação, a segunda trata do papel cultural da escola do trabalho. E a terceira precisa as relações entre a ciência e o trabalho.

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a) Natureza da educaçãoO que é a educação no sentido exato do termo?Submeter um homem à educação social, e oferecer-lhe dados

para resolver a antítese “eu e o outro”, “indivíduo e sociedade”, é dotá-lo de princípios que lhe possibilitarão uma avaliação moral de sua própria pessoa, enquanto membro da sociedade, a determinação do próprio lugar na grande luta pela existência, que se tornou tão áspera atualmente. Não podemos continuar no caminho que, nas melhores circunstâncias, tínhamos antes da revolução: “Veja, você tem os conhecimentos úteis, e agora decida você mesmo como vai agir, como você deve avaliar a so­ciedade em que vive”. Dissemos: “nas melhores circunstâncias”, porque, geralmente, os conhecimenjps transmitidos na antiga escola deveriam levar a uma formação estritamente autoritária por sua natureza e conteúdo. Só os míopes não enxergavam isso. A escola soviética deve ser organizada de forma tal que a própria criança seja obrigada diariamente, pela dinâmica mesma da vida escolar, a se colocar, para depois resolver, a questão “eu e os outros” e a resolvê-la da única forma justa. A escola deve agir de

«uma forma que responder a essa questão seja uma necessidade pessoal e irresistível para a criança, uma necessidade que se faça sentir praticamente. Isto quer dizer que a criança se encontrará frequentemente, incessantemente, diante de questões que não podem deixar de ser colocadas pela vida e que exigem uma res­posta sem ambiguidades.

Esse objetivo só pode ser alcançado através de um mecanismo preciso: a atividade das crianças, uma atividade prática, uma ativi­dade importante e considerável de seu ponto de vista. O mecanismo baseia-se, portanto, no trabalho imaginado de um ponto de vista social, em tarefas práticas durante as quais a criança sentirá neces­sidade de se instruir tendo em vista um objetivo social determinado. Consideramos assim o trabalho na escola antes de tudo como um fenômeno de ordem social. É por isso que dedicamos grande

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atenção ao trabalho social da escola, concebido como uma das formas mais importantes do trabalho coletivo.

b) Papel cultural da escola do trabalhoA segunda conclusão trata do papel cultural da escola do trabalho.Não há contradição entre considerar a escola como um centro

cultural para a população vizinha e o pensamento pedagógico da Europa ocidental e da América; nada disso: certos representantes dessa concepção democrática e pedagógica imaginam que somente através da escola, “pela via pacífica do progresso gradual”, é que se pode alcançar um futuro melhor, realizar a felicidade dos homens. Entre este ponto de vista e o nosso há uma diferença profunda e de dupla natureza: de princípio e de prática.

Para nós, marxistas, a escola faz parte da superestrutura ideológi­ca edificada na base da produção, em bases sociais bem determinadas que não dependem da vontade dos indivíduos e dos reformistas. Na sociedade dividida em classes, a escola servirá os interesses das classes dominantes, ou abertamente - e então não haveria condições de lhe atribuir um papel realmente cultural, isto é, de pô-la a serviço da liber­tação das classes exploradas, que compóem a maioria da população; ou de forma dissimulada - e então o corpo de professores toma-se, objetivamente, o instrumento das classes dominantes, sem que, sub­jetivamente, assuma isso de forma consciente. E mais: os professores imaginam às vezes muito honestamente que estão contribuindo para o livre progresso da civilização. Nesse caso, e isso acontece muitas vezes nos países avançados, em nosso tempo de empulhação “demo­crática”, o professor subjetivamente honesto e dedicado à civilização enfrenta-se com o impasse das contradições de classe.

Nos Estados Unidos observa-se há 20 ou 25 anos um aperfeiçoa­mento considerável dos métodos de produção agrícola.

Ora, em certos Estados, deve-se atribuir exclusivamente às escolas rurais os resultados obtidos no nível do desenvolvimento da cultura intensiva.

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Será que a situação do arrendatário que obteve uma dupla colheita de espigas melhorou? Talvez, mas, em todo o caso, a proporção não foi a mesma. O trabalho do arrendatário é muito mais intenso, mas o melhor de seu trabalho é levado pelos grandes bancos, pelas companhias exportadoras de cereais, graças à inter­ferência das cooperativas inteiramente avassaladas pelos bancos. Quais são, portanto, os interesses defendidos por essa escola em seu papel de centro cultural? Tudo isso não é claro?

Os elementos mais avançados do corpo docente norte-america- no sentem bastante bem a anomalia da situação, mas infelizmente compreendem mal sua razão de ser. Os melhores professores demo­cratas e pacifistas começam a tomar consciência de que a solução “teórica” do problema da educação é «muito difícil, se é que não é impossível. E isso é totalmente exato se se pretender resolver o problema da educação na América “sem mexer no resto”!

Com a escola soviética as coisas se passam de maneira com­pletamente diferente. A tomada do poder, em outubro de 1917, pela aliança entre operários e camponeses, significou um salto “do reino da necessidade para o reino da liberdade”. O u seja, depois de

•ter tomado o poder, as fábricas e as usinas, após ter expropriado os proprietários de terra e de fábricas e esmagado as classes do­minantes, o proletariado dirige a transformação integral da vida no interesse das amplas massas trabalhadoras; a partir de agora a marcha das coisas não obedece mais cegamente às leis da produção, que independem da vontade humana (reino da necessidade), porque as próprias relações de produção estão nas mãos do proletariado e são conscientemente dirigidas pela classe ditadora no sentido do bem comum (reino da liberdade). Todo o sentido de uma revolução social está em que os processos que até então escapavam à vontade humana passam a ser subordinados e controlados por ela.

Os termos do problema mudaram completamente. O trabalho cultural, a ação dos “pioneiros da civilização” (kulturtraeger), que, antes da tomada do poder pelo proletariado, não tinha nenhuma

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utilidade para as massas populares, chocando-se no impasse das contradições próprias ao regime de classes, assume um valor e uma importância até então desconhecidos. Lenin, principalmente, em seus últimos artigos, mostrou a grandeza e o futuro do novo trabalho cultural; veja-se, por exemplo, o texto “Sobre a cooperação”:

“O que acabamos de falar a respeito dos cooperativistas utópicos pode perfeitamente se aplicar aos reformadores escolares utópicos, aos pedagogos que acreditam na influência exclusiva da educação.

“O aspecto fantástico dos planos dos antigos cooperativistas, começando por Robert Owen, não é exatamente o seu sonho de transformar pacificamente a sociedade moderna pelo socialismo sem levar em consideração o problema fundamental, que é o pro­blema da luta de classes, da tomada do poder político pela classe operária e do esmagamento da classe dominante, da classe dos ex­ploradores? Temos, então, razão de considerar este socialismo “coo­perativista” como algo de puramente fantástico, algo de romântico, mesmo quando estes sonhos são terra a terra: transformar, através de simples cooperativas, inimigos de classe em colaboradores de classe e a luta de classes em paz entre as classes!”

Mas vejamos como as coisas mudaram e como elas se encon­tram “agora”, agora que o poder está nas mãos da classe operária, que o poder político dos exploradores está aniquilado e que todos os meios de produção se encontram nas mãos da classe operária.

“Agora temos o direito de dizer que o simples desenvolvimento da cooperação é idêntico para nós ao desenvolvimento do socia­lismo, e que, ao mesmo tempo, ele nos obriga a reconhecer uma mudança radical em nosso ponto de vista a respeito do socialismo. A mudança radical consiste no seguinte: anteriormente, o centro de gravidade encontrava-se e devia mesmo se encontrar na luta política, na revolução e na conquista do poder etc. Mas, agora, o centro de gravidade se desloca na direção do trabalho pacífico “cultural”. (Sublinhado por Pistrak.) Se não fossem as relações internacionais, a necessidade de lutar para defender nossas posições

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no plano internacional, eu chegaria a dizer que o centro de gravi dade se desloca para nós na direção do trabalho intelectual. Mas se abstrairmos este aspecto das coisas e nos limitarmos às relações econômicas internas, o centro de gravidade de nosso trabalho se encontrará agora no trabalho intelectual”.

Depois de indicar o problema da transformação de nosso apa­relho de Estado, Lenin continua: “Nosso segundo problema é o trabalho intelectual para o camponês: o objetivo econômico que este trabalho de civilização pretende alcançar é o estabelecimento da cooperação: se atingíssemos a cooperação completa, teríamos alicerces sólidos na base socialista.

“Mas o estabelecimento da cooperação implica um tal progres­so cultural da parte da classe camponesa (precisamente enquanto grande massa) que esta cooperação completa não épossível sem uma revolução intelectual, (destaque de Pistrak)

“Esta revolução intelectual é suficiente para que nos tornemos um país inteiramente socialista”.

Não é preciso demonstrar ao leitor duas coisas: primeiro, o papel imenso que a escola deve e vai desempenhar nesta revolução

�cultural e, segundo, o fato de que a ação cultural da escola não se chocará com o impasse das contradições insolúveis, porque nós começamos pelo lado oposto ao que era aconselhado pela “teoria” em questão, porque nossa revolução política e social precedeu a revolução intelectual, mas isso não significa que não tenhamos agora de enfrentar a revolução intelectual.

Essa é a diferença de princípio que nos separa dos países bur­gueses do ponto de vista do papel cultural da escola. Entre nós, a obra cultural da escola é incomparavelmente maior e, o que é principal, temos todas as chances de sucesso, ao contrário do que se passa na sociedade burguesa.

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Dessa constatação surge uma diferença prática. A obra cultu­ral da escola não pode ser efetivada sem que nosso esforço esteja ligado ao trabalho geral de construção; a obra cultural da escola não constitui um sistema completo em si mesmo, destinado a corrigir as injustiças do regime social “por meios intelectuais”. Esse papel é atribuído à escola em virtude da transformação geral da vida definida pela expressão “transição à forma socialista”, ou seja, trata-se de um papel auxiliar no contexto de todo um processo suscitado unicamente pela vontade dos trabalhadores.

Isso significa, em primeiro lugar, a participação no trabalho geral e, em segundo lugar, a existência de formas de trabalho espe­cíficas, incumbidas de ligar intimamente a escola e a vida (trabalho social da escola); isso significa também o desenvolvimento máximo dos métodos coletivos de trabalho, e a escola, em relação a isso, enquanto conjunto constituído, pode e deve ser uma coletividade de trabalho organizado.

A conclusão de que é necessário integrar gradualmente cada criança nas atividades práticas deriva também da perspectiva de atribuir à escola um papel de centro cultural.

c) Relações entre a ciência e o trabalhoA terceira conclusão refere-se às relações entre o trabalho e

a ciência. Em função de tudo o que já foi dito, é claro que seria uma ingenuidade colocar a questão da seguinte forma: devemos tomar o grupo dos trabalhos manuais como base para a aquisi­ção dos conhecimentos formais relativos às diferentes matérias do programa?

Se colocarmos assim a questão (e nunca se tenta colocá-la de outra forma), todo o problema se reduzirá a uma questão de mé­todo; e, em consequência, a questão é colocada sem relação com os objetivos gerais da escola.

Como colocaremos então o problema? Antes de tudo é preciso considerar o fato de que nem o trabalho nem os conhecimentos cons­

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tituem fins em si mesmos. Não se trata somente nem da ciência em si mesma, nem do trabalho em si mesmo, mas de algo de mais geral, de exterior à ciência e ao trabalho, de algo que define claramente o lugar da ciência e do trabalho no sistema geral da educação. Trata-se dos objetivos gerais que a educação do ser humano deve-se propor alcançar em favor do novo regime, do regime soviético. Considerando esses objetivos, definiremos o trabalho como uma participação ativa na construção social, no interior e fora da escola, e a ciência como uma prática generalizada e sistematizada que orienta completamente essa atividade, de forma que cada um possa ocupar o lugar que lhe cabe. A atividade manual na escola não serve para ligar o ensino e o traba­lho, ela está em íntima relação com o objetivo geral da vida. Nessa medida é claro que certas práticas mandais podem ser executadas na escola sem relação imediata com as “disciplinas” ensinadas e que os conhecimentos científicos “teóricos”, e mesmo abstratos, podem, eventualmente, ser aprendidos em si mesmos, sem aplicação ao tipo de trabalho manual correspondente. O principal é que o trabalho e os conhecimentos científicos tenham o mesmo objetivo, que a práti­ca seja generalizada e sistematizada pela teoria, que a prática, afinal de contas, se baseie em leis teóricas. E essencial, sem dúvida, que os conhecimentos teóricos que não tenham valor intrínseco sejam aprendidos com a ajuda do trabalho, mas é preciso sobretudo que o trabalho e a ciência sejam sintetizados em nossa marcha geral para o regime socialista, se quisermos atingir nossos objetivos pedagógicos por intermédio de sua unidade indissolúvel.

Não estabeleceremos a relação necessária entre o trabalho e a ciência perdendo-nos nas sutilezas a respeito do ensino manual, ou considerando em si mesmas as condições teóricas dos trabalhos práti­cos. Essa relação é a síntese natural entre a teoria e a prática: essa síntese é, de fato, facilmente acessível à inteligência das crianças, devendo-se basear em trabalhos que tenham uma precisa razão de ser e um claro caráter de utilidade social.

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O ENSINO

1. Objeto e caráter do ensinoJá indicam os no prim eiro caprnJo o conteúdo do ensi­

no, e com o somos obrigados a rever o sentido tradicional dessa palavra. A solução geral pode ser assim form ulada: por “form ação básica” (ensino elem entar) deve-se com preender a soma de conhecim entos ou de hábitos e o grau de técnica adaptados a um a determ inada idade, que conduzam direta e plenam ente à com preensão m arxista da vida m oderna. O único objetivo do ensino é atingir este resultado.

Essas questões são atualm ente resolvidas pela escola do I o grau. Apesar de todos os defeitos do program a escolar oficial adotado para a escola do I o grau, defeitos inerentes à toda prim eira tentativa, o program a responde com pletam ente a essas questões.

O trabalho ulterior do Conselho de Educação* relativo às disciplinas de ensino do Io grau consistirá provavelmente num cuidadoso estudo da prática escolar e num aperfeiçoamento do program a à luz dessa experiência. Será ainda necessário tomar as medidas essenciais que nos encam inharão no sentido do

Se a situação da escola do Io grau é bastante boa, o mesmo não acontece com a escola do 2o grau.

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estabelecimento da autêntica escola soviética, conferindo-se atenção constante à escola do Io grau e, sobretudo no campo, ao trabalho social da escola.

N a medida em que os objetivos gerais de classe que inspira­vam a antiga escola foram destruídos sem serem substituídos, chegamos a um a espécie de anarquia nas disciplinas: em vez dos objetivos particulares de cada disciplina se disciplinarem a objetivos gerais, cada disciplina começou a valorizar seus pró ­prios objetivos independentes, levantando assim barreiras entre ela e as vizinhas. Essa situação continua a predom inar aqui e ali, im pedindo a correta colocação do problema.

Apenas em relação à sociologia o problema foi atacado; os professores especialistas nas áreas de física, matemáticas, história natural, dificilmente abandonam suas concepções tradicionais sobre o valor intrínseco dessas disciplinas.

É preciso então, claramente, estabelecer o seguinte princípio: o objeto do ensino não é a ciência pura , transposta para a escola e adaptada à idade da criança.

Nos níveis superiores do trabalho científico produz-se um a separação subjetiva entre a ciência pura e sua aplicação prática im ediata. O trabalho científico subjetivo do pesquisador tem por objetivo a ciência pura, a ciência em si mesma, enquanto na escola a ciência deve ser ensinada apenas como meio de conhecer e de transform ar a realidade de acordo com os ob ­jetivos gerais da escola. N a sua maioria, os alunos que saem da escola vão ser trabalhadores ligados à realidade imediata, e não sábios. Assim, não se deve transpor os métodos pura­m ente científicos do laboratório para a escola de massas, para a escola que tem por finalidade a educação social. A concepção de que as crianças no futuro, durante sua vida prática, não terão nenhum contato com a “ciência pura”, mas que é preciso, entretanto, ensinar-lhes esta ciência, custe o que custar e seja como for, revela um desconhecim ento absoluto do objetivo

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a ser atingido. N a escola devemos apenas ensinar o que pode ser útil mais tarde.

Isso não quer dizer que neguemos a necessidade de fornecer conhecim entos científicos. N ada disso, não devemos reduzi- los, devemos oferecê-los sob um a form a mais científica do que na antiga escola. Sem que se possa dizer que estamos exage­rando, podem os dizer que a antiga escola oferecia um mau sucedâneo da ciência, e de um a ciência que nunca se aplicava à vida. Q ue os especialistas sociólogos ou os especialistas de letras lembrem-se de suas experiências! Será que se utilizaram, na sua prática de ensino, de seus conhecim entos em m atem á­ticas (trigonom etria) e em física (da form a como era ensinada no liceu)? Podemos responder com certeza: quase nunca. E não foi porque não tiveram oportunidade de aplicar essas noções científicas, mas porque os antigos conhecim entos escolares eram inaplicáveis. Eles tinham a qualidade de poder ser esque­cidos fácil e definitivam ente, mesmo depois dos mais ferozes exames. Nossa escola não precisa de um a “ciência” desse tipo. Devemos oferecer na escola apenas conhecim entos científicos

» que não sejam esquecidos e que se gravem profundam ente, cuja necessidade seja incontestável aos olhos das crianças, conhecim entos que correspondam aos objetivos principais da escola, concorrendo para a realização de seus objetivos. O u seja, im portam o-nos não com a quantidade, mas, sim, com a qualidade dos conhecim entos que ofereceremos com a intenção de ajudar os alunos a se apropriarem solidamente dos métodos científicos fundam entais para analisar as manifestações da vida. A se apropriarem dos conhecimentos indispensáveis para conquistar a vida moderna! Isso significa que devemos, de um lado, abandonar sem lamentações grupos inteiros de discipli­nas escolares, conservando apenas o indispensável (a avaliação da necessidade dessa ou daquela disciplina será feita segundo os objetivos da escola), e, de outro lado, valorizar, reforçar e

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enfatizar nessa ou naquela disciplina um determinado aspecto das coisas em detrim ento de outros, baseando-nos no mesmo critério formulado anteriormente.

Isso possibilitará a agrupação do ensino de disciplinas isola­das e independentes em torno dos principais temas de estudo. Na escola, um a disciplina científica não é um a matéria absolu­tamente independente, definida unicam ente pela ciência a que pertence e seus respectivos objetivos. As diferentes disciplinas científicas analisam na verdade a mesma matéria: a realidade atual não é, digamos assim, poliédrica?

O esquema do Conselho de Instrução Pública apresenta dados suficientes para que se possa precisar esses projetos, concretizando-os na realidade.

2. Programa de estudos e “plano de vida escolar”D urante os primeiros anos da Revolução, manifestou-se

uma hostilidade muito forte em relação aos programas obri­gatórios oficiais (impostos pelo Centro). O programa, dizia-se, lim itará a criatividade do professor, o program a regulamentará seu trabalho, infligindo à escola o suplício de Procusto, o qual, como se sabe, colocava suas vítimas num leito, cortando suas pernas, quando eram maiores do que o leito, ou as distenden­do, quando eram muito curtas. O programa, dizia-se ainda, esterilizará, secará e enfraquecerá o pensamento pedagógico, impedindo a criação de um a nova escola. Em resumo, eram esses os argumentos contra os programas obrigatórios. A ten­dência era, no fundo, uma reação contra a antiga escolástica, um protesto contra o esmagamento do pensamento do professor.

A prática não justificou as expectativas: o corpo docente liberado dos grilhões dos programas não criou a nova escola. Houve um fracasso na m edida em que o professor, tendo recuperado sua liberdade de ação, não soube o que fazer, per­deu o pé, e, apesar de seus esforços, seguiu a linha de menor

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resistência, voltando ao método ao qual estava acostumado pelas tradições, pelos preconceitos pedagógicos persistentes e pelo hábito. Aqui e ali realizaram-se correções indispensá­veis no trabalho escolar tradicional. Apenas em raros oásis, encontrou-se um professor aberto ao novo, capaz de começar a reconstrução da escola, com etendo m uitos erros, vacilando e tropeçando m uitas vezes. A razão fundam ental do fracasso residiu no fato de que o program a ausente não foi substituído por nada, e, particularm ente, o problema escolar não foi co­locado num a base m arxista estritam ente determ inada e clara, suscetível de oferecer ao professor um ponto de partida firme para suas próprias pesquisas, um critério de avaliação para seu trabalho, um fio condutor.

Em 1920-1921 começou-se a pensar nessas lacunas, e o C o ­missariado de Instrução Pública editou os “Programas-modelo para a Escola Soviética Única” (e mais tarde para a escola de sete anos). Os programas tinham um caráter indicativo e não obrigatório. Segundo essas instruções, “as localidades” elabo­ravam seus programas locais, tentando, depois de exam inar as

�condições locais, ligar os programas à vida real. Os programas ajudaram bastante a destruir muitas ideias falsas e bem enrai­zadas nos professores, mas não deixavam de ser imperfeitos em muitos pontos de vista. Seu defeito fundam ental era, de um lado, a falta de um método único para todo o trabalho escolar e, de outro lado, eram pouco claras as relações que se estabele­ciam entre eles e os objetivos principais da escola. Constituíam essencialmente um a reforma das antigas disciplinas e não a revolução completa que era indispensável.

O aparecimento do Programa do Conselho de Instrução Pú­blica marca um a clara m udança revolucionária. De repente, a questão recebe um a orientação totalm ente diferente.

Seria supérfluo expor aqui a substância desse programa. Insistiremos apenas nas suas características mais importantes.

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Pelo program a analisa-se a vida atual através do método marxista. Analisa-se a realidade atual, selecionando-se seus elementos mais importantes, mais característicos do ponto de vista comunista, e isso se faz, naturalm ente, da forma mais acessível a uma idade determinada; num segundo momento, sintetizam-se todos esses elementos. C ada parte do esquema que constitui o program a oficial é justificada tendo em vista os objetivos fundam entais da escola, sendo apenas um elo de uma única corrente.

O esquema integra tudo o que podemos exigir de um pro­grama escolar.

Oferece antes de tudo o critério de seleção das disciplinas, realizando uma revisão das disciplinas escolares e confirm an­do a necessidade de cada uma. Isso fica muito claro no que se refere à sociologia, e menos claro no que diz respeito à história natural; há um defeito nesse ponto.

O esquema do programa oficial indica tam bém as partes de cada disciplina que é preciso valorizar, que devemos enfatizar; explica tam bém qual deve ser o caráter do trabalho pedagógico.

O esquema enfatiza claramente a im portância da técnica e da tecnologia no que se refere à física e à química, a necessidade de estudar as ciências biológicas em relação à produção, e não de maneira especulativa, a ligação perm anente entre a história natural e a sociologia (transição da técnica para a economia e vice-versa) etc.

Finalmente, o programa oficial, em todas as suas indicações, insiste nas relações indispensáveis que unem todas as disciplinas escolares, subordinando-as à finalidade social proposta pela escola.

Não se pode, portanto, trabalhar segundo o esquema a não ser através da síntese.

E claro que não consideramos a forma atual do esquema de programa oficial definitiva e perfeita. H á erros em determinados

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lugares, tam bém se encontram muitas generalidades e faltam certas considerações necessárias.

M as, no que se refere à sua base, o program a é indiscutí­vel. Com o ele representa apenas um a solução aproximada e primeira, será certam ente precisado e desenvolvido no futuro, sobretudo quando se poderá considerar a experiência resultante de sua aplicação. Mas, para que essa experimentação tenha pleno valor, é indispensável que o trabalho pedagógico de acordo com o esquema de program a oficial seja suficientemente consciente, que o próprio esquema seja corretamente compreendido. É exa­tam ente em relação a esse ponto que tudo não nos parece bem. Toda um a série de pontos essenciais não estão sendo avaliados no seu justo valor.

Temos atualm ente programas para o Io grau e para o Io ciclo do 2o grau, isto é, para a escola de sete anos; os progra­mas são elaborados segundo o esquema do programa oficial e se referem estritamente ao ensino. Compreendemos bastante bem que a seção pedagógica científica oficial, encarregada de fornecer programas a todas as escolas, deva agir de forma muito

«prudente, publicando apenas determinadas matérias e de uma forma tal que possam ser introduzidas sem dificuldades nas escolas de massas do nível médio. E incontestável (e todos os dados o provam) que a seção pedagógica oficial avançará mais, englobando tudo o que diz respeito à escola na medida em que se tornar possível recomendar à escola com autoridade e segu­rança inovações baseadas na teoria e na prática.

Mas o que se explica como prudência compreensível num a instituição central de pedagogia científica, não deve, de forma alguma, ser assumido sob forma de princípio na escola. Apesar de todas as ressalvas, apesar de todas as indicações precisando que o trabalho da escola não deve ser somente um trabalho de ensino, a escola, quando recebeu os programas, compreendeu- os e os aceitou quase exclusivamente como método de ensino,

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concentrando todos os seus pensamentos essencialmente no seguinte problema: como ensinar segundo o programa oficial?

Ora, os programas que devem ser utilizados imediatamente pela escola não devem ser apenas programas de ensino. Devem ser programas e planos de educação no sentido amplo dessa pa­lavra, tido que as escolas não podem viver e trabalhar segundo uma fórmula uniforme e estreita, não devendo ser colocadas na mesma forma, cada uma deve avaliar as condições especiais nas quais é obrigada a trabalhar, considerando condições econômi­cas e administrativas, costumes, número de alunos, dimensões das salas de aula, organização material etc. Mas então é também evidente que, em primeiro lugar: nunca a instituição central oficial poderá oferecer programas e planos aplicáveis a todas as condições. A instituição central pode apenas fornecer a linha geral, as diretrizes essenciais e, portanto, o que ela fornecer não passará de um esquema. Em segundo lugar: é claro tam bém que cada escola deve adaptar os programas e os planos da instituição central às suas condições específicas.

Os programas elaborados pela escola e para a própria escola não devem tam bém ser apenas programas de ensino.

Devemos ainda elaborar planos de trabalho m anual de forma clara e transparente; esses planos dependem, em grande medida, das condições locais.

Os programas devem conter todas as indicações úteis sobre a relação entre as disciplinas de ensino e a atividade m anual em suas formas diversas. Essa relação não deve ser interpretada ape­nas como um método de trabalho manual, mas como um plano de educação básica referente à marcha geral da vida escolar.

Os programas devem ser formulados em harm onia com a autonomia escolar. E necessário, no m ínim o, que levem em consideração a auto-organização dos alunos.

Cada escola deve escolher um a parte determinada do traba­lho social, deve ter “seu trabalho social” preferido. O trabalho

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social da escola será coordenado com todo o trabalho do ensino e o conjunto da vida escolar. Haverá uma relação entre os pro­gramas e o trabalho nos clubes, nas festinhas, nos concertos, nas reuniões etc.

Os programas devem indicar em que medida a execução das tarefas pode e deve estar ligada com o trabalho dos pioneiros da escola e das células da Juventude Com unista.

A cultura física, a organização científica do trabalho, o trabalho de grupos de estudo, as excursões para lugares pró­ximos e distantes, a escola de verão — tudo deve ser integrado nos programas.

Em resumo, os programas devem englobar toda a vida escolar, formando um feixe das diversas formas de atividade, ligadas entre si pelos objetivos gerais da educação.

“N ão serão mais programas, mas planos de vida”, dirá o leitor. E isso mesmo, planos de vida. E por que não deveríamos passar dos programas de ensino diretamente para os planos de vida?

A forma de desenvolvimento da nossa escola não nos enca-• m inha para esse resultado?

Os planos de vida, englobando tam bém os programas de en­sino no estrito sentido da palavra, tornam-se um a necessidade, porque a escola, de centro de formação de crianças, transforma-se em um centro de vida infantil.

Atualm ente, pensamos que é necessário executar três rea­lizações:

1. É preciso passar do ensino à educação, dos programas aos planos de vida.

2. É preciso obrigar todas as escolas a elaborarem , com base nas form ulações necessariam ente esquem áticas dos program as e das diretrizes gerais definidas pela instituição central, planos detalhados de trabalho, “planos de vida”, ou, para usar o termo da moda, “planos de produção”. É preciso

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elaborá-los com um ano de antecedência, considerando-se as observações já feitas a propósito das condições particulares de cada escola.

3. É indispensável que a instituição central oficial generalize e sintetize a experiência, promovendo-a em grande escala. Ela estim ulará esse movimento, fornecendo princípios teóricos e indicações gerais práticas para o desenvolvimento ulterior da escola.

A necessidade de cada escola fornecer planos anuais de vida escolar é ainda determ inada por outras considerações.

N o ano passado, na primeira edição russa desse livro, escre­víamos as seguintes linhas:

“Vejam as escolas um pouco mais dinâmicas do que*as demais, ou as escolas experimentais do Comissariado de Instru ­ção Pública nas províncias. Ali encontraremos a autonomia, os grupos de estudo, o trabalho dos pioneiros, as células etc. Mas elas têm um defeito geral: as crianças estão sobrecarregadas de trabalho, e não se trata apenas de um defeito, trata-se de um crime”.

Atualm ente, após um ano de experiências, podemos repetir com mais força ainda o que dizíamos então, porque, de um lado, a crítica formulada há um ano é agora aplicável a quase todas as escolas, ao menos na cidade, e, de outro lado, o problema da sobrecarga de trabalho tornou-se um problema candente hoje em dia. Fala-se muito a este respeito, desenvolvem-se campanhas sobre o assunto.

Por que as crianças estão sobrecarregadas de trabalho? É que as exigências da vida em relação à escola, as exigências da escola e da vida em relação às crianças não são calculadas em relação ao tem po de que dispõem as crianças, nem se baseiam nas forças infantis. De fato, considerem as ocupações de um aluno ativo: a célula da Juventude Com unista e a vanguarda dos pioneiros exigem trabalho, a organização autônoma dos alunos

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tem necessidade de forças e de tempo; é necessário e agradável trabalhar no grupo de estudo; am anhã, é preciso fazer um ar­tigo para o jornal mural; na oficina há trabalho atrasado; não esqueçamos dos ensaios tendo em vista uma festa próxima ou um aniversário, o trabalho no destacamento', ou no esporte, é preciso organizar as excursões, preparar os deveres, um de física, outro de sociologia etc.

No entanto, deem uma olhada no trabalho de um pioneiro ou de um membro da Juventude Com unista; na maioria dos casos, ele realiza no destacamento ou na célula quase o mesmo trabalho que na escola. O pioneiro estuda os fenômenos da natureza enquanto está no campo, lê, escreve, desenha, trabalha na oficina; o membro da Juven tude£om unista estuda o papel da juventude na luta revolucionária do proletariado em geral, interessa-se pelos acontecimentos atuais, participa na propa­ganda antirreligiosa, lê livros sobre a história do movimento operário e a história do Partido etc. Mas tudo isto já faz parte, em m aior ou m enor grau, do trabalho escolar. E todos estes campos em que se exerce a atividade do aluno são levados em

» consideração no plano geral de trabalho? Frequentem ente não. Se fizéssemos isso, recapitulando todas as ocupações do aluno da escola moderna, localizaríamos um bom núm ero de traba­lhos com uns que poderiam ser agrupados e que se encontram dispersos nas diferentes partes da vida escolar. Muitas discipli­nas poderiam ser condensadas, anulando-se a duplicação das tarefas. Além da condensação do trabalho, faríamos passar um sopro de vida num ensino que nem sempre interessa à criança. A prática dessas observações exige a formulação de um plano de trabalho para todo o ano escolar.

É evidente que o plano de trabalho anual da vida escolar não deve apenas tratar da “duplicação das tarefas” e da necessidade

* O “destacamento” dos pioneiros no nível da escola. (Nota do editor francês.)

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de condensação de certas formas do trabalho; deve tam bém considerar as exigências do desenvolvimento físico que tratamos até aqui com um a negligência criminosa. A negligência em re­lação ao desenvolvimento físico deriva do fato de que, até hoje, nunca concebemos todos os aspectos da vida infantil, embora isto seja uma tarefa dos educadores, lim itamo-nos a garantir o ensino. O resto da vida da criança, fora da escola, em casa, não nos interessava... Certam ente, essa negligência devia-se à situação material do professor e da escola, mas o fato não é menos verdadeiro.

O plano de vida escolar obrigará a escola a avançar ainda mais, conformando-se a quadros determinados, abandonando as partes menos im portantes do trabalho, em particular o su­pérfluo que ainda sobrecarrega incrivelmente nossos programas de ensino.

O plano de vida escolar, elaborado por cada escola para si própria e relativo ao conjunto do ano, é um complemento neces­sário para os programas fornecidos pelo Centro. Um plano tão detalhado facilitará bastante o trabalho escolar, fornecendo-lhe bases científicas.

Vamos conseguir substituir o programa de ensino por um sistema de educação comunista baseado no esquema de programa oficial, e isso se fará por um a dupla ação: de um lado desen­volvimento dos programas atuais pelo órgão central com a preocupação de englobar de forma mais ampla o conjunto da vida escolar; de outro lado, adaptação destes programas a cada escola determinada, através de um plano detalhado do conjunto do trabalho escolar.

Do ponto de vista dos programas, a história de nossa escola acaba de completar um ciclo. Começamos negando os pro­gramas para liberar o professor dos grilhões que o impediam de criar a escola nova. Pela negação da negação, com os novos programas, conseguimos dar ao professor a possibilidade e,

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mais do que isso, o dever de elaborar pessoalmente os planos de vida escolar.

Essa síntese só se torna possível por que o impulso criativo do pedagogo pode, nesse m om ento , tom ar com o p o n to de partida a base sólida dada pela educação social.

3. O complexoO trabalho realizado com o auxílio do complexo (ou centro

de interesse) é erradamente chamado de método do complexo. É um termo mal escolhido, porque podemos utilizar diversos mé­todos utilizando o método do complexo: trabalho de laboratório, excursão etc. Seria mais exato falar de método experimental ou de organização do programa de ensino segundo os complexos.

O sistema do complexo é atualmente muito difundido e geralmente reconhecido nos meios pedagógicos. Mas o conceito é interpretado de formas diversas e contraditórias. Tudo o que foi escrito sobre a questão não oferece um a ideia muito nítida do que é o sistema do complexo na escola soviética. Aparece­ram vários livros sobre complexo e o sistema do complexo e, na «prática, “o complexo se transformou num a espécie de ‘fetiche’; o que estava claro no início está agora confuso e transformado em acrobacia pedagógica”. (Krupskaia.)

As interpretações atuais do complexo poderiam ser resumi­das da seguinte forma:

A primeira interpretação do método nos leva a tomar um ob­jeto e analisá-lo do ponto de vista de uma disciplina qualquer ou de um conjunto de disciplinas próximas; por exemplo, o poço, que é analisado do ponto de vista do ciclo das ciências naturais, o tanque, a floresta enquanto vegetação etc. No mesmo nível se co­loca a escolha do relógio, da aurora e do crepúsculo, do fogareiro, em relação à física etc.

Analisando-se assim o complexo, resolve-se o problema metodológico da introdução das aplicações práticas no estudo

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de um a determ inada disciplina, e isso é tudo. Vejam-se os detalhes do método:

A seleção do objeto da análise é determ inada ou por condi­ções fortuitas (preocupação acidental das crianças ou presença de um certo objeto em seu campo visual) ou pelo método dessa ou daquela disciplina, que leva à escolha de um determinado objeto em um momento dado para fins de análise.

N ada exige, portanto, a substituição de todo o antigo pro­grama por um programa baseado nos complexos, porque, de fato, eles são utilizados de modo fortuito.

O valor desses complexos, utilizados como técnicas, não é discutível. Mas um a tal interpretação do complexo não tem nada em com um com a organização sintética de todo o ensi­no exigida pelo esquema de program a oficial do Conselho de Instrução.

Mais tarde, compreendeu-se o complexo como o desenvol­vimento de ideias sugeridas por um objeto, a concentração de todo o programa de ensino sobre um dado objeto, durante um tempo determinado. Foi um passo adiante no sentido da con ­centração do ensino. Mas na prática surgiram: 1) questões e dificuldades que exigem, antes de tudo, um a análise teórica; 2) erros que tornavam o sistema do complexo quase sem valor, do ponto de vista dos objetivos da escola. As dificuldades aparece­ram sobretudo na aplicação do sistema do complexo à escola de 7 anos e à escola do 2o grau. Levanta-se contra o emprego do complexo na escola do 2o grau toda uma série de objeções, que procuram dem onstrar a impossibilidade de aplicá-lo nos grupos superiores. Acreditamos que as objeções e as discussões resultam de um mal-entendido, proveniente do fato de que se esclareceu insuficientemente toda uma série de questões relati­vas ao sistema do complexo.

O sistema do complexo não deve ser considerado como uma técnica metodológica de organização do programa. Um a

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opinião desse tipo leva à identificação das origens do siste­ma no ensino da antiga escola, voltando a Uchinsky. O ra, a perspectiva de localizar um a continuidade, um a filiação de métodos, leva quase sempre ao obscurecim ento da linha de demarcação traçada pela Revolução de O utubro entre a antiga situação e a situação atual, desvalorizando-se e colocando-se em segundo plano o que é exatamente mais im portante no sistema de pedagogia social específico da escola soviética, ou seja, o cham ado sistema do complexo.

Como já observamos, o objetivo do esquema de programa ofi­cial é ajudar o aluno a compreender a realidade atual de um pon­to de vista marxista, isto é, estudá-la do ponto de vista dinâmico e não estático. Estuda-se a realidade ajual pelo conhecimento dos fenômenos e dos objetos em suas relações recíprocas, estudando- se cada objeto e cada fenômeno de pontos de vista diferentes. O estudo deve mostrar as relações recíprocas existentes entre os as­pectos diferentes das coisas, esclarecendo-se a transformação de certos fenômenos em outros, ou seja, o estudo da realidade atual deve utilizar o método dialético. Apenas um conhecimento da

• realidade atual desse tipo é um conhecimento marxista.Daí deriva a necessidade de organizar as disciplinas do pro­

grama em complexos, na medida em que este é o único sistema que garante uma compreensão da realidade atual de acordo com o método dialético. A partir dessa compreensão, o sistema do complexo deixa de ser para nós simplesmente uma boa técnica de ensino, para ser um sistema de organização do programa jus­tificado pelos objetivos da escola.

E desse ponto de vista que é necessário considerar o sistema do complexo.

Aqui se coloca uma série de questões de ordem prática: primei­ro, a escolha do objeto do complexo (tema do complexo) e a relação entre os complexos; segundo, a form a de estudar cada tema de complexo; terceiro, a organização do ensino segundo o sistema dos

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complexos; quarto, a organização do trabalho das crianças para o estudo dos temas segundo o sistema dos complexos. Trata-se, na mesma medida, de questões de ordem metodológica e de ques­tões de pedagogia social.

a) Seleção de temas do complexoA seleção dos temas fundam entais não poderia ser deter­

minada, a nosso ver, pela preocupação de construir um curso sistemático nessa ou naquela disciplina. A seleção do tema deve ser determ inada unicamente pelas tendências do esquema de programa oficial. Cada complexo proposto aos alunos não deve ser algo de fortuito, nem um fenômeno ou um objeto insignificante (seja qual for, num dado momento, a im portân ­cia propriamente escolar deste objeto), mas, ao contrário, um fenômeno de grande importância e de alto valor, enquanto meio de desenvolvimento da compreensão das crianças sobre a realidade atual. N o artigo “Os complexos”, já citado, Krupskaia observa com razão que “enquanto os complexos que revelam as relações reais fundam entais desenvolvem o espírito da criança, os com ­plexos que são artificiais e criam relações artificiais complicam a compreensão da criança sobre a realidade atual”. “D aí por que”, acrescenta Krupskaia, “é im portante não somente que o sistema dos complexos exista em geral no ensino, mas que seja feita um a seleção determ inada de complexos capazes de provar da forma mais evidente a relação de todos os fenômenos”.

Colocar toda um a escola para trabalhar durante um mês ou mais sobre um tema como “a vaca” apenas porque se pode ensinar muitas coisas através dele é fazer um a m ontanha parir um rato, mesmo que se conheça pouco a respeito dos objetivos da educação. Casos como esse, entretanto, chegaram a existir!

Lembro-me que, em 1918 ou 1919, ouvi alguém dar um exemplo a propósito da tese de que a escola deve corresponder à vida, devendo estudar o meio ambiente e não a escolástica

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inacessível às crianças: “você sai da escola, alguém tropeça num tijolo, o tijolo atrai a atenção das crianças, torna-se um assunto de conversas, o tema do tijolo pode servir para transm itir uma grande quantidade de conhecimentos ou de hábitos, um certo nível de técnicas, de tal maneira que duas semanas não serão suficientes para tratar do assunto”. Pode ser que isto tenha sido interessante em 1918. Mas, atualm ente, é inadmissível que se defina o complexo na base de um assunto que interessou às crianças por puro acaso e que não tem nenhum a relação com a realidade atual. Devemos renunciar categoricamente a complexos como o poço, o fogareiro, a vaca, o tanque, se são dados a esse ou àquele grupo como temas independentes. Es­ses objetos não têm em si mesmos^nenhuma im portância em relação à realidade atual.

O critério necessário para a seleção dos temas deve ser pro­curado no plano social e não na pedagogia “pura”. O complexo deve ser importante, antes de tudo, do ponto de vista social, devendo servir para compreender a realidade atual (no sentido indicado no primeiro capítülo).

* U m tem a geral pode ser desm em brado num a série de temas diferentes. N um a série de temas diferentes poderemos encontrar assuntos de pouco valor em si mesmos. Mas se eles constituem elos indispensáveis quando observados no quadro geral, encadeando-se ao conjunto por relações de ordem geral, então justificam sua presença, sua im portância e o lugar que ocupam , tornando-se temas admissíveis e aceitáveis. O que devemos exigir é um a relação geral com o tema fundam ental e a seleção de um tema fundam ental que tenha um valor real.

Esse é o princípio que preside à seleção de um tema de complexo; podemos tirar duas conclusões.

Em primeiro lugar, é preciso conservar um a relação entre os temas de complexos sucessivos. Seja qual for o valor de cada tema, considerado isoladamente, não devemos separá-los uns

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dos outros. O estudo dos complexos na escola apenas se justifica na medida em que eles representam uma série de elos numa única corrente, conduzindo à compreensão da realidade atual. Os temas devem encadear-se, observar um a continuidade entre si, num a ordem determ inada, possibilitando um a ampliação gradual do horizonte do aluno, suscitando nas crianças um a concepção clara e nítida de nossa vida e de nossa luta, e proporcionando uma educação de tendência determinada. Só poderemos atin­gir os objetivos atribuídos à escola concentrando as disciplinas através deste método dialético gradual. Q uanto à ordem de continuidade dos temas dos complexos, tam bém é determinada pelo esquema de programa oficial.

*

b) Como estudar cada temaA segunda conclusão serve de resposta à questão já colocada a

propósito do método conveniente para o estudo de cada comple­xo. Cada complexo pode ser analisado de duas formas: ou como um assunto preciso, delimitado; ou como um assunto principal, encadeado por múltiplas relações a toda um a série de outros fenômenos não menos importantes; como um fenômeno típico, relacionado com outros fenômenos análogos; como um fenôme­no que se enraíza na vida social, contribuindo para determiná-la. Explicaremos esse pensamento com um exemplo.

N o program a do 3o ano da escola do Io grau, temos um tema: “O hom em ”. O tema compreende a estrutura do corpo humano, sua alimentação, o trabalho dos músculos e dos nervos, a proteção da saúde e do trabalho etc.

Pode-se analisar o homem do ponto de vista biológico, mas pode-se tam bém , a partir do mesmo tema, im aginar o trabalho do hom em como socialmente indispensável, colocan­do o problem a do trabalho livre e do trabalho dependente, passando às formas sociais do trabalho, à luta contra a explo­ração, à revolução social; o problema da alim entação pode ser

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colocado, por exemplo, em relação ao problema-cooperativo; o estudo da proteção da saúde levará ao problema das doenças sociais, da luta que se trava contra elas, entre nós e nos países burgueses, à m edicina soviética etc. Se absorvemos todos esses temas no complexo “O hom em ”, vamos im ediatam ente tocar na relação existente entre esse tem a e o que se segue no programa: “A Revolução de O utubro”. De fato, temos aí um tema que pode ser analisado do ponto de vista da luta para garantir um futuro m elhor às formas do trabalho hum ano, libertando os trabalhadores do jugo da exploração etc. Esses dois complexos “O hom em ” e “A Revolução de O utubro” estão internam ente relacionados, interpenetrando-se m utuam ente, digamos assim. #

Naturalm ente, a segunda forma de analisar o problema é mais justa porque, de um lado, possibilita ao próprio tema do complexo absorver toda um a série de fenômenos atuais que procedem da mesma ordem de ideias; de outro lado, essa forma de agir impede a subestimação das relações entre os complexos, obrigando a sua apresentação sob forma de um a corrente única

«que se desdobra gradualmente.A ideia pode se exprimir pelo seguinte esquema: represen­

temos o tema preciso do complexo por um círculo de uma determ inada superfície. Se se limita o estudo do complexo à superfície do círculo, estaremos em face da primeira forma de agir. Mas o tema dado está ligado a outros fenômenos por toda uma série de relações, não cobre apenas a superfície do círculo determinado, mas, através de um a série de pontos comuns, estende-se em direção à superfície de um círculo concêntrico de um raio maior que o seu. Diríamos que o complexo tem uma periferia que nos possibilita escapar aos limites do objeto preciso dado e que o liga a fenômenos mais gerais. Q uando formulamos uma série de complexos num a ordem determinada, não se deve esquecer que os complexos devem-se recobrir parcialmente uns

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aos outros; cria-se, assim, entre os complexos, um a relação que não é absolutamente artificial mas que se baseia diretamente na natureza de cada complexo. Essa forma de proceder possibilita uma série d e. generalizações partindo-se de cada complexo, e essas generalizações serão tanto mais amplas e completas quanto as crianças forem maiores.

c) Organização do ensino segundo o sistema dos complexosA resposta dada às duas questões anteriores resolve, na

realidade, a questão da importância do complexo em relação à organização do ensino em nossa escola; a resposta revela-o como o único sistema justo, o único capaz de selecionar e de estudar as disciplinas do ensino do ponto de vista marxista. Mas não é difícil perceber que a não consideração das condições fundamentais relativas à seleção dos temas, à sua continuidade, à preocupação social que deve presidir o estudo e o trabalho de generalização, esvaziará o sentido do sistema dos complexos, mesmo se houver uma excelente organização do trabalho.

A organização do trabalho pedagógico de acordo com o complexo não enfrenta nenhum a dificuldade na escola do Io grau em que todo o grupo se acha sob a direção de um único professor. No entanto, enquanto estivermos dando na escola do Io grau apenas o ensino preparatório, a subordinação das disciplinas de ensino ao complexo não apresentará tam bém dificuldades.

Mas o problema é um obstáculo central nas classes supe­riores da escola de sete anos e na escola do 2° grau, em que os estudos são dirigidos não por uma pessoa, mas por um grupo de especialistas, sendo mais difícil conciliar a prática do curso minis­trado independentemente em cada disciplina e a subordinação de todas as disciplinas de ensino ao complexo.

Para responder a essa questão de forma mais ou menos completa, no que se refere à escola do 2o grau, seria preciso

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analisar toda um a série de fatos e concordarmos em certos pontos discutíveis.

A primeira das questões diz respeito à duração do trabalho num mesmo complexo. Em relação a isso é preciso considerar a idade da criança. N a escola do Io grau, sobretudo durante os primeiros anos, as crianças não são capazes de fixar a atenção num mesmo assunto durante um tem po relativamente longo. Nessas condições, deveríamos nos adaptar à idade das crianças, tratando os temas durante uma, duas, três semanas, no máximo.

Nos dois grupos superiores, o estudo de um mesmo comple­xo pode se prolongar. O programa do terceiro ou do quarto ano compreenderia 5 a 7 temas, ou seja, cada assunto seria adaptado a um mês ou a seis semanas de trab^ho . Ao mesmo tempo, os temas tornam-se mais amplos, englobando um a quantidade de fenômenos maior. D urante o quinto, o sexto e o sétimo anos, o estudo dos temas pode ser calculado num período maior: três a cinco meses; o sétimo ano poderia ser até inteiramente ocupado por um único complexo, o que é totalm ente natural para o oitavo e o nono anos de ensino.

* Em segundo lugar, ao mesmo tem po em que se desdobra o trabalho em cada complexo, o próprio complexo torna-se mais rico. D urante os primeiros anos de ensino, escolhemos temas concretos presentes no campo visual da criança; fixamos sua atenção sobre o tema dado, mas só indicamos superficialmente sua relação com um a série de outros fenômenos; com o tempo, entretanto, o complexo se aprofunda, aum entando conside­ravelmente sua superfície e tomando-se ainda mais ampla a extensão de seu anel periférico. As generalizações ocupam cada vez mais a atenção, o estudo do fenômeno dado assume cada vez mais o valor de um ponto de partida que serve para o aluno assimilar um a série de ideias, de conhecimentos e de aptidões, englobando partes mais amplas da realidade atual. A tarefa da escola do 2o grau é tam bém dar às crianças a possibilidade de

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se orientarem no contexto da realidade atual. Mas o trabalho deve ser mais aprofundado, baseando-se no estudo dos próprios fenômenos, na sua correlação interna, na lógica interna de seu desenvolvimento. E só depois de um estudo sério dos tipos, dos fenômenos isolados, que se torna possível sua análise aprofun­dada e a elaboração de um a síntese ulterior destes fenômenos pode ser realizada de forma integral. (Krupskaia, Os Complexos.)

Terceiro ponto: Como estudar o complexo? O caráter do tra­balho realizado com base no complexo mudará também com a idade das crianças. D urante os primeiros anos de escolaridade, quando o estudo do complexo dura apenas duas semanas, pode-se fixar a atenção das crianças durante o período sobre o próprio tema, sobre seus aspectos precisos, e então se pode falar de concentração cotidiana do ensino na base de um complexo determinado. Mas, quanto mais as crianças crescerem, mais se enriquece o complexo e mais o trabalho se desenvolve. O tema pode ser então desmembrado num a série de temas secundários, dirigindo-se a atenção das crianças sobre esses temas, desde que sejamos capazes de m anter suas relações mútuas solidamente enraizadas no espírito das crianças. Mais tarde, ainda, o estudo dos complexos não mais compreenderá um grupo contínuo de ensino em torno de temas precisos, mas um trabalho sobre questões diversas simplesmente subordinadas a uma ideia geral: a do tema selecionado como complexo.

Assim, quanto mais avançadas são as crianças, mais é com ­plicado o processo segundo o qual se pede o desenvolvimento de sua atenção, e mais se torna difícil dirigir em sentidos dife­rentes um trabalho que parte de uma única fonte. O método dialético do complexo deve ser m antido em sua unidade no curso desse trabalho.

Um a organização do trabalho desse tipo desempenhará um papel sobretudo na escola do 2o grau. Aqui não é indispensável e seria, aliás, impossível organizar o trabalho de forma que cada

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aspecto do complexo seja estudado todos os dias e do ponto de vista de todas as disciplinas ao mesmo tempo. Essa maneira de organizar o trabalho nos levaria a um método estreito, que, como já foi indicado, conduziria inevitavelmente a um impasse. O complexo na escola do 2o grau não é um a concentração de todas as disciplinas de ensino, em todos os momentos, em torno de um aspecto qualquer do tema dado, mas a subordinação dessas disciplinas a um a única ideia, a um único objetivo para o qual tende o complexo selecionado.

Vejam o que o Programa da escola do 2o grau diz a respeito do assunto:

“Trata-se de um erro absoluto interpretar o sistema do com ­plexo na escola do 2o grau como unja simultaneidade perfeita do trabalho... todas as disciplinas estudando no mesmo dia e na mesma hora, durante o conjunto do trabalho, o mesmo pe­queno aspecto do complexo. U m tal ‘encadeamento’ de todo o trabalho escolar provém de um a visão simplista e leva a ideia do complexo ao absurdo. O sistema do complexo pelo complexo, o complexo concebido como um fim em si mesmo, é inútil”.

* “Avaliemos, por exemplo, a eficácia da seguinte técnica de trabalho que procura se inspirar no sistema do complexo: no contexto do estudo de um sociólogo sobre um a sapataria, o naturalista, tentando contribuir ‘para o complexo’, estuda os animais cuja pele pode servir para a fabricação de calçados, o químico dedica-se, mesmo contra a vontade, à curtição do couro; o físico, depois de um grande esforço, não achando nada para estudar do ponto de vista de sua especialidade, imagina, como ‘tema’, estudar o trabalho gasto para furar a sola com uma sovela: na aula de alemão, declinam-se as palavras ‘sapateiro’, ‘sapato’, ‘linhol’; o matemático passa problemas sobre a com ­pra e venda de sapatos; no curso de literatura leem-se histórias onde aparece obrigatoriamente a figura do sapateiro etc. Estas técnicas não são raras. Entretanto, tudo isto não tem nada a ver

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com o sistema do complexo conforme antes definimos. Uma organização do trabalho desse tipo é nociva, segundo o sistema dos complexos; o menos que se pode dizer é que constitui uma acrobacia metodológica inútil”.

“Nossa concepção do complexo não tem nada de com um com este método de trabalho. As dificuldades inevitáveis a um método de trabalho não devem ser imputadas ao sistema do complexo em geral”. (Programa do Io ciclo do 2o grau, p. 9, edição russa.)

É indispensável determ inar como deve ser feita a exposição de cada disciplina, a ordem a ser observada em cada curso; o lugar e o objetivo de cada um na escola. Essa é a m aior difi­culdade que encontramos na escola do 2o grau. Atualmente, pode-se considerar como indiscutível que há mais de um méto­do de exposição possível para qualquer disciplina (mesmo para as matemáticas). Uma série de novos manuais provou bastante claramente que este problema com porta várias soluções, e a seleção de uma delas depende em última instância dos objetivos que se quer alcançar. E um erro considerar como solução mais sólida a que é mais conforme aos métodos de um a dada ciência, porque, em primeiro lugar, a “metodologia” desta ciência (termo, aliás, nem sempre claramente definido) raramente corresponde ao sistema de exposição mais aceitável, mais cômodo do ponto de vista didático, e tam bém porque os objetivos da ciência pura e os do ensino são muitas vezes diferentes. Já indicamos várias vezes que nenhum a disciplina escolar tem e pode ter uma finalidade em si mesma na escola soviética. As tarefas e os objetivos relativos a cada disciplina escolar estão subordina­dos aos objetivos gerais da escola. E são estes objetivos gerais que determ inarão a escolha dessa ou daquela distribuição de disciplinas pelos cursos.

A escolha vai depender particularmente da classificação das disciplinas no programa oficial e dos elos sucessivos da corrente

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dos complexos aos quais se ligam essas disciplinas. O u seja, a distribuição das disciplinas no nível da sucessão dos complexos influirá na distribuição das disciplinas pelos vários anos escolares; o inverso só acontece excepcionalmente, quando essa ou aquela disciplina, num período dado do trabalho escolar, se torna o centro em torno do qual se agrupam todas as demais disciplinas.

Somos levados assim não a recusar a ideia do curso sistemático em geral, mas a recusar qualquer solução definitiva do problema; consideramos que a ordem do curso pode e deve ser modificada (dentro de certos limites) segundo o objetivo geral definido pela organização das disciplinas em complexos.

Depois de esclarecer esses diferentes aspectos, podemos responder à terceira questão fundarpental: como organizar o trabalho pedagógico segundo o sistema dos complexos (sobre­tudo nas classes superiores do 2o grau)? Pensamos da seguinte forma: no começo do ano, para um determ inado grupo, prevê- se um a série (1-2-3) de temas num a determ inada ordem. O coletivo do corpo docente analisa as características essenciais de cada complexo, definindo as tarefas fundamentais de cada

•disciplina; cada especialista recebe diretivas de ordem geral para compor o programa de seu trabalho. C om base nas diretivas, cada disciplina (tratada separadamente pelo professor interes­sado ou pela Comissão de Metodologia) elabora um plano de trabalho mais ou menos detalhado. O professor deve obedecer a duas diretrizes; em primeiro lugar, deve discernir o que um dado complexo exige de forma essencial de sua especialidade para que a ideia fundam ental do complexo possa ser compreendida (e é por isso que cada professor deve ser, num a certa medida, sociólogo e marxista), e o que ele poderá fazer num grupo dado, com um a dada quantidade de alunos, enfrentando um dado desenvolvimento intelectual. Em segundo lugar, deverá ima­ginar em geral como agrupar da maneira mais fácil, do ponto de vista do método, suas disciplinas. Com binando as duas

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necessidades, unificando as duas diretrizes, o professor tom ará essa ou aquela decisão sobre o lugar a ser ocupado e o papel a ser desempenhado por sua especialidade no tema geral, e é com base nessa síntese que se organiza o programa da disciplina em questão para todo o ano.

Todos os programas elaborados dessa forma são reunidos durante a terceira fase do trabalho, sendo examinados pelo conjunto do pessoal pedagógico (ou por um conselho escolar), e, depois de modificações e correções que podem contribuir para uma melhor coordenação das especialidades, os programas são definitivamente aprovados e integrados num plano geral de trabalho.

De fato, só o exame coletivo dos programas particulares e sua subordinação à concepção geral representada pelo complexo podem garantir o êxito do trabalho.

U m trabalho desse tipo só pode ser coletivo, sem o qual não se conseguirá nada. A condição indispensável para o êxito dos complexos na escola do 2 o grau é a existência de uma íntima solidariedade de trabalho entre todos os educadores, a subordinação das necessidades gerais — aliás, puramente imaginárias — de cada especialidade aos objetivos gerais do ensino.

Todas as disciplinas escolares, sem exceção, devem integrar o complexo? Seria extremamente desejável que todas fizessem parte do trabalho geral. Mas, infelizmente, temos muito pouca experiência do método dos complexos, e m uito poucos mode­los de complexos bem desenvolvidos, verificados pela prática, para que essa perspectiva possa efetivar-se com êxito. Certas disciplinas escolares podem escapar do quadro dos complexos sem prejuízo sensível, por exemplo: a música; cultura física; as línguas estrangeiras, em parte; em parte igualmente (mas nem sempre) certas disciplinas artísticas etc. N ão é necessário um esforço especial para introduzir essas disciplinas no complexo. Mas todas as outras disciplinas dos dois grupos fundamentais,

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ciências naturais e matemáticas, sociologia e língua m aterna — sem exceção, podem e devem estar subordinadas ao tem a geral do complexo, esclarecendo este ou aquele aspecto do mesmo.

Pode ocorrer que um dado complexo não possibilite uma ampla apresentação de um a determ inada especialidade. É fá­cil compreender que, em relação a um tema dado, a física, por exemplo, não seja capaz de oferecer resultados proporcionais ao tem po que lhe é atribuído; nessas condições, não devemos dar à física todo o tempo que estava, em princípio, prescrito. Podemos reduzir parcialmente o trabalho dessa disciplina, deslocando horas de estudo para um a outra disciplina, cujo tempo fixado não seja suficiente. O tempo poderá ser restituído à física num período posterior de trabalho. Não é c^fícil combinar o trabalho de um a forma tal que, no final das contas, cada disciplina receba a quantidade de horas que lhe é atribuída no conjunto do ano. Um a combinação desse tipo pode ser realizada tendo em vista o conjunto do ano, mas não deve absolutamente ser promovida todas as semanas, como normalm ente costumamos fazer.

N o início, é possível que encontremos dificuldades que apareçam como obstáculos insuperáveis no sentido de combinar diversas disciplinas no quadro do tema do complexo. Preferi­mos um a omissão temporária da especialidade à formulação de um a relação muito artificial, imperceptível ou principalmente obscura para as crianças. Só a experiência nos ensinará a arte de lidar com o método do complexo. Q uanto mais tivermos experiência, mais facilmente captaremos as relações existentes entre um a determ inada disciplina e o complexo.

Para o trabalho coletivo sobre um único tema é essencial calcular o tempo atribuído a cada disciplina. E possível que o conjunto comece bem a partir de um ponto determinado, mas que, depois de um ou dois meses, apareçam tais divergências que todo o trabalho se perca: um a determ inada especialidade já acabou com o tema dado, enquanto outra começa apenas o

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seu estudo etc. O trabalho coletivo se perderá na falta de um a boa avaliação do tem po necessário.

Além da experiência (que ensina quase infalivelm ente a com binar exatam ente o tem po de trabalho), um meio im portan te para m anter in tacta a unidade dos estudos é estabelecer um balanço periódico na prática do trabalho do com­plexo, isto é, organizar o trabalho coletivo dos educadores não som ente para a elaboração do program a, mas tam bém para sua aplicação.

Até aqui analisam os apenas um aspecto do problem a: a elaboração do plano do com plexo. Faltam algumas palavras sobre a execução do próprio trabalho. Parece que já ficou claro, em função do que se disse, que a prática do sistema dos com plexos duran te os últim os anos do ensino não exige um a ligação cotidiana do conjunto do ensino, mas sobretudo um encadeamento geral desde o início. Um encadeamento que deve ser retomado no fim do trabalho. A nosso ver, o trabalho sobre um dado tema começa da seguinte forma: explicamos às crianças o essencial do próprio complexo, mostrando-lhes por que um dado complexo é im portante, como possibilita compreender esse ou aquele aspecto da vida contemporânea, entregando-lhes rapidamente um a visão geral do conjunto do tema, explicando-lhes os temas secundários e as tarefas parti­culares específicas de cada disciplina no complexo dado. Em seguida, começa o trabalho independente de cada especialidade, mas de acordo com o programa e com o plano cujo princípio de unidade é o tema geral do complexo. N a aplicação de uma série de temas particulares, em pontos diferentes, encontramos muitas vezes pontos de contato muito íntimos entre disciplinas próxi­mas. Tudo isso deve ser previsto no plano prévio, incluindo-se o trabalho com um no âmbito de duas ou três disciplinas e as discussões comuns. M as não devemos procurar pontos de con­tato artificiais. É m uito mais im portante que cada disciplina

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não perca de vista, em seu trabalho independente, a relação que a liga ao complexo geral, e faça tudo para esclarecê-la, fixando a atenção dos alunos na ideia fundam ental que é comum a todo o complexo.

Q uando o trabalho do com plexo estiver term inado, o aluno deve captar perfeitam ente o encadeam ento in terno de toda a questão: para atingir o resultado, realiza-se um balanço retrospectivo desse trabalho; o balanço não tem som ente o valor de um a revisão dos conhecim entos adquiridos pelo aluno, mas deve, sobretudo, levá-lo a perceber os resultados do trabalho e as relações existentes entre os conhecim entos adquiridos. O m esm o com plexo é apresentado aos alunos um a vez mais no curso de discussões, de exposições, de um a reunião especial, de um a conferência de alunos etc., mas, dessa vez, ele será tratado não com o um objetivo a ser atingido mas, sim, com o algo com preendido, assimilado, esclarecido pela realidade atual.

N o começo do trabalho tínham os, digam os assim, o se­guinte objetivo: “Vejam este objeto, este fenôm eno, vejam oomo é necessário estudá-lo, e vejam por que é necessário com preendê-lo”. N o fim do trabalho direm os: “Os proble­mas colocados no início foram resolvidos da seguinte forma; vejam o que resultou; vejam o quadro que tem os diante de nós; entre todos os fenôm enos da vida, vejam os que já com preendem os... A partir de agora surgem novas perspec­tivas, problem as novos nascem do com plexo que acabamos de estudar, sua periferia nos leva a um tem a novo, ao elo seguinte da corrente”.

d) Organização do trabalho das crianças no sistema do complexoChegamos agora ao quarto e último problema dos que foram

formulados antes: o trabalho dos alunos no sistema do complexo. A resposta, na realidade, já está dada; podemos exprimi-la da

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seguinte forma: a organização das disciplinas de ensino segundo o sistema do complexo só tem sentido e valor na medida em que

fo r compreendida pelos alunos. Se ela está apenas presente no espírito do pedagogo, ou está bem organizada apenas no papel, e se o encadeamento interno do ensino não é evidente para os alunos, é melhor renunciar ao complexo.

Se as crianças captarem perfeitamente a relação interna do trabalho, teremos condições, antes de tudo, de não perder de vista a síntese na organização do trabalho segundo o sistema do complexo na escola do 2o grau, onde cada disciplina deve dispor de bastante liberdade para dirigir seu trabalho. Mas isso não é tudo: é preciso compreender que o sistema do comple­xo não é apenas um a técnica pedagógica: trata-se do método fundam ental para analisar a realidade atual do ponto de vista marxista. O sistema do complexo tem por objetivo treinar a criança na análise da realidade atual através do método dialético; e isso só pode ser conseguido na medida em que ela assimile o método na prática, compreendendo o sentido de seu trabalho. E é por isso que damos uma im portância tão grande ao mo­mento em que a criança toma consciência do tema do complexo e ao momento do término do seu trabalho. E mais: consideramos que a participação im ediata das crianças na elaboração dos planos (sobretudo na escola do 2o grau) é um a das condições essenciais do êxito do trabalho (daremos mais detalhes sobre essa questão no capítulo sobre auto-organização). A resposta à quarta questão é clara: o sistema do complexo, enquanto técnica indispensável de conhecimento da realidade atual, deve, antes de tudo, ser compreensível e claro para a criança.

Já nos referimos, e longamente, à organização das discipli­nas de ensino. Mas nossa exposição sobre o que deve ser um programa mostrou que não só as disciplinas de ensino devem-se fundir no tem a do complexo. É preciso o m áxim o esforço para que todos os aspectos da vida escolar, todo o trabalho e toda a

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atividade das crianças sejam englobados no trabalho unificado por um a concepção comum. É assim que se consegue um a uni­dade maior de toda a vida escolar, aum entando em particular o valor educativo de todo o trabalho.

Tudo o que já foi dito caracteriza bastante claramente, a nosso ver, a única interpretação do sistema dos complexos, capaz de dar uma justa aplicação ao esquema e ao programa elaborados pelo Conselho de Estado para a Instrução. O esquema oficial ficaria na metade do caminho sem o sistema dos complexos que organiza as disciplinas desse esquema do ponto de vista dialético. Nossa interpretação da expressão “sistema dos complexos” prova que ele é aplicável a todos os níveis da escola, sendo mesmo mais importante no nível superior. A nosso yer é absolutamente falsa a visão, bastante difundida, de que o complexo é apenas possível na escola do Io grau, sendo inaplicável no 2o grau, a não ser como fruto de um mal-entendido e a custo de uma interpretação fragmentária. Como vimos, o ensino segundo os complexos é totalm ente aplicável à escola do 2o grau sem prejudicar, ou pre­judicando muito pouco, a liberdade de ação de cada disciplina separadamente. E mais: o ensino segundo os complexos justifica o papel e o lugar de cada disciplina escolar (no contexto da or­ganização escolar) aos olhos das crianças, provando claramente que o estudo dos fenômenos da vida moderna exige técnicas diversas e a aplicação de ciências diferentes. As ciências não se fecham em si mesmas; o sentido dos estudos científicos deve ser compreendido não no térm ino do ensino, mas durante o próprio ensino. Enfim, o sistema do complexo pressupõe (e é uma hipótese justa) que cada disciplina escolar analisa um a parte determinada de uma matéria geral concreta, propondo-se, antes de tudo, a dar ao aluno o dom ínio dos métodos experimentais próprios das ciências.

Tudo o que expusemos até aqui sobre o complexo relacio­nava-se, sobretudo, à parte estritamente didática da educação.

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Foi conscientemente que estudamos o problema nesses limites, porque ele foi assim colocado pela massa dos pedagogos, e porque foi nesse campo que se m anifestaram as dificuldades, as discussões, as experiências, os erros, as lacunas... e os resul­tados positivos.

Mas o essencial não está aí. Seria um erro, em tudo e por tudo, ou simplesmente, antes de tudo, vincular a questões de ensino o conjunto do trabalho escolar e, em particular, o pro­blema da educação pelos complexos. O sistema dos complexos perderá metade do seu valor, se o estudo não é encadeado: 1) ao trabalho real das crianças; 2) à auto-organização das crian­ças (autonomia, organização de pioneiros e de juventude), na atividade social prática interna e externamente à escola.

Essa concepção resulta da perspectiva que desenvolvemos neste livro. Nossa tarefa fundam ental é tornar o ensino escolar plenamente efetivo, renunciando ao antigo método puram en­te intelectual. É o que há de mais difícil, mas é o problema pedagógico mais atual. Enfrentamos um problema que nos é imposto pela unidade de objetivo característica da educação: é por isso que somos levados a encadear o trabalho técnico, a auto-organização das crianças, o trabalho social da escola e o ensino propriamente dito.

É, portanto, indispensável que façamos o máximo esforço para resolver esse problema.

Q uais os cam inhos que devemos traçar?Adotando o sistema dos complexos, devemos liquidar os

complexos “sentados”, os complexos estéreis que os alunos só fazem estudar: devemos passar, gradualmente, mas sem falta, para os complexos geradores de ação. A razão de ser do complexo poderia ser a realização de um a ação definida.

O educador é levado inevitavelmente à organização de complexos de ação para organizar convenientemente a atividade profissional das crianças, segundo a perspectiva que desenvol­

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vemos, para passar do programa de ensino aos planos gerais de vida escolar, para dirigir o trabalho social da escola, que é centrado numa determinada parte da vida, da qual ele começará a se ocupar a partir de agora.

Ao final deste estudo sobre a natureza do sistema dos com ­plexos, não consideramos inútil sublinhar ainda um a vez que, a nosso ver, a organização do ensino em complexos não é o coroamento de um a longa evolução, o coroamento de longas pesquisas no domínio do método puro, um a espécie de ponto de chegada de tentativas realizadas sob o antigo regime, mas, ao contrário, um a guinada decisiva e radical determ inada pela concepção marxista da educação, segundo a definição do programa oficial, um a guinada qijp se explica pelas novas concepções sociais e pedagógicas nascidas da grande revolução e fecundadas por seus progressos.

4. A organização do trabalho das crianças e o plano DaltonEm 1918, que já vai tão longe, éramos dominados pela ideia

de que a reorganização da antiga escola deveria começar pela luta contra os velhos manuais, os velhos programas e o sistema dos deveres escolares. Os três obstáculos no cam inho da nova escola eram o programa, o manual e os deveres escolares. Ora, não é necessário dizer que esses três símbolos exteriores da antiga escola não eram essenciais mas, sim, a base sobre a qual eles se desenvolveram.

Adotando uma fórmula simplificada, pode-se dizer que, atual­mente, dispomos de novos programas radicalmente diferentes dos antigos (não somente pela orientação, mas também pela forma, envergadura e estrutura), abandonamos o velho manual, passando cada vez mais a um outro tipo de trabalho baseado no livro, mas mudamos pouco em relação ao sistema dos deveres escolares.

O problema do manual, do ponto de vista teórico, é relati­vamente simples. É evidente que o tipo antigo não cabe mais na

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escola onde introduzimos um trabalho vivo, criativo. Acabou-se o velho manual, que continha toda a sabedoria escolar e que precisávamos decorar do começo ao fim, incluindo “as letrinhas pequenas”; ele deve ser substituído por livros profissionais, guias, antologias, índices bibliográficos, uma documentação científica etc. Mas há um problema que é m uito menos fácil de resolver: trata-se da dificuldade prática de oferecer imediatamente à es­cola livros apropriados, porque eles ainda não foram escritos e é até possível que o autor desses novos livros ainda não se tenha revelado. O livro nasce e nascerá de um a forma progressiva. Atualm ente somos obrigados a nos contentarmos com velhos livros rejuvenescidos, sucedâneos livrescos de valor bastante duvidoso.

Mas existe ainda um problema ainda mais complexo: o estabelecimento de uma organização do trabalho suscetível de substituir o sistema dos deveres escolares. O sistema dos deveres escolares foi criticado várias vezes, e severamente; eles tom ariam o trabalho escolar fragmentado e descosido, fornecendo um a imagem caleidoscópica do trabalho, e, por isso, foram denun ­ciados como absurdos do ponto de vista pedagógico etc. Mas durante os anos que se seguiram à Revolução, nada de novo, nem melhor fundam entado, foi proposto. O método do “pe­queno grupo” (a rigor não se trata de um método, mas de uma organização do trabalho), que representa um a cópia lim itada do sistema dos “seminários” aplicado no ensino superior, não criou um a corrente viva, ainda que seja parcialmente empregado em certas escolas.

Com o em relação a outros aspectos, a situação na escola do Io grau é melhor do que nas classes superiores da escola de sete anos e na escola do 2o grau. N a escola do Io grau, tudo é mais simples, na medida em que se dispõe, na maior parte do tempo, de um só professor, e assim ele pode organizar, baseando-se em si mesmo, todo o trabalho, podendo organizá-lo segundo sua visão

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das condições e das tarefas próprias do grupo em questão. Na escola do 2o grau, e na escola de sete anos, é preciso considerar que os mesmos alunos lidam com vários educadores.

U m a das causas que entravam as inovações, talvez seja a causa essencial, é a situação material do educador.

A essa causa essencial acrescenta-se a inércia geral, uma inércia que não nos deixa sair dos caminhos conhecidos.

Entretanto, um a série de índices mostra que o impulso foi dado. Aqui e ali a escola procura novas formas de organização do trabalho. A escola de verão, principalmente, é uma tentativa de m oldar o trabalho em formas novas.

As excursões longas ou rápidas, que são bastante frequen­tes atualm ente, provocam o aparecimento de novas formas de trabalho, condenando as antigas à extinção gradual. Mas ainda estamos dando os primeiros passos.

O problema ainda é tão pouco conhecido, a experiência é ainda tão restrita, que não existem dados praticamente de onde se possa abstrair fórmulas gerais. Devemos nos lim itar a colocar duas questões gerais, mas necessariamente destinadas a? desempenhar um papel na pesquisa de novas formas de or­ganização do trabalho.

Antes de tudo, a questão do trabalho coletivo. Entendemos por trabalho coletivo não somente o trabalho comum das crian­ças na mesma classe, na mesma sala; isso existe e sempre existiu em todas as escolas. E mais: não é uma condição indispensável para nossa perspectiva.

Por trabalho coletivo de grupo compreendemos em primeiro lugar: tarefa coletiva do grupo considerado como sendo uma unidade. Cada tarefa pode ser desmembrada, dividida entre vários subgrupos; cada subgrupo faz então seu trabalho, mas tem consciência de que é um a parte do trabalho comum. Esse tipo de trabalho merece mais o nome de trabalho coletivo do que o de trabalho de campo, em que cada criança faz a mesma

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coisa, mas a responsabilidade é individual, cada um trabalhando como um a personalidade independente. Em segundo lugar, a unificação do trabalho dos diferentes subgrupos é garantida pela revisão em comum, a globalização do trabalho, o balanço. Uma organização do trabalho desse tipo revela às crianças o sentido da divisão do trabalho; torna-se evidente para eles que diferentes esforços, vindos de vários lados, podem servir para realizar um a tarefa comum. Essa técnica dá bons resultados no trabalho por complexos, em particular; às vezes trata-se mesmo da única forma possível de trabalho nesse sistema.

Enfim, entendemos por trabalho coletivo a responsabilidade coletiva do trabalho. Ordinariamente, consideramos cada aluno como responsável por seu trabalho individual. E, de fato, se um a classe não representa um coletivo compacto, se a unidade das crianças é apenas o resultado de sua reunião fortuita num lugar de ensino (observemos rapidamente que isso não consti­tui um estimulante bastante forte para justificar a unidade aos olhos das crianças), a responsabilidade coletiva na realidade significará uma falta total de responsabilidade. Se ninguém responde por ninguém, cada um deve responder por si mesmo. Mas, se temos um autêntico coletivo de crianças (sobre o papel deste coletivo, daremos mais detalhes no capítulo consagrado à auto-organização), organizado na base de seus interesses vitais, pode-se falar de responsabilidade coletiva, isto é, de responsa­bilidade de todo o coletivo por cada um de seus membros e da cada um de seus membros por todos. Colocando-se assim o problema, pode-se falar de uma classe como uma unidade.

Q uem quer que pesquise novas formas de organização do trabalho, deve tam bém pensar nas exigências do desenvolvimento físico das crianças. O sistema dos deveres escolares é certamente nocivo à saúde das crianças e ao seu desenvolvimento normal. E indispensável considerar a necessidade de desenvolver não somente a inteligência, mas tam bém o corpo hum ano (que

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poderíamos cham ar de sua viga mestra), que, em última análise, determ ina o desenvolvimento intelectual. Além das formas de trabalho cotidianas e semanais, é tam bém indispensável mudar o m odo de trabalho anual (em muitos lugares já se introduziu um meio dia de liberdade, um dia de clube, como se chama, isto é, um dia por semana sem deveres escolares. A escola de verão é o primeiro passo, queremos acreditar que serão criados outros tipos de escolas, de primavera, de outono, de inverno etc.).

Então não haverá mais necessidade de longas férias, in ­dispensáveis atualm ente tan to para as crianças com o para os professores: podem os dizer que uns e outros, depois do trabalho de inverno, estão liquidados pelo cansaço.

As duas questões indicadas (trabalho coletivo e exigências físicas) estão muito distantes entre si, mas quem quer que pes­quise novas formas de trabalho deverá aproximá-las e considerá- las em conjunto.

Poderíamos, na verdade, limitar-nos a essas observações gerais. E não teríamos certamente levantado a questão da or­ganização do trabalho neste livro, se não fosse a necessidade de

•indicar, ao menos sumariamente, o “método de laboratório” de D alton de que tanto se fala hoje.

O plano Dalton é, sem dúvida, o assunto que está mais na moda, atualmente. Q ual o segredo do charme que ele exerce em nossos professores? Por que tantas referências a ele?

A causa essencial, a nosso ver, é que o plano Dalton eli­m ina o sistema dos deveres escolares que desagrada a todo o m undo, substituindo-o por um outro sistema que não exige m uito tempo do professor. E. Parkhurst, com entando o plano Dalton, afirma: “O método de laboratório de Dalton destrói sem piedade a organização do tempo. A organização do tempo é um a verdadeira maldição para a criança. A abolição da orga­nização do tempo é, na realidade, o primeiro passo no sentido da libertação do aluno”.

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Devemos, porém, colocar uma questão: Será que o plano D alton nos oferece, em substituição ao sistema dos deveres escolares, novas formas de organização que correspondam inteiramente às tarefas e aos objetivos da atual escola soviética? Poderemos introduzir, sem restrições, em nossa escola, as me­lhores novidades e os melhores produtos das melhores escolas burguesas?

E preciso desenvolver o hábito da desconfiança e da crítica em relação a todos os produtos que têm a marca registrada da burguesia e são importados por nossas escolas. Esta crítica deve-se basear em nossos princípios de pedagogia social. Desse ponto de vista podemos dizer com certeza que o plano D al­ton, embora seja de grande valor para nós, apresenta tam bém inconvenientes e pode mesmo em determinados momentos provocar efeitos nocivos. É preciso condenar qualquer tentativa de organizar o trabalho segundo o plano Dalton e com ajuda de traduções e de compilações (Dewey, Parkhurst etc.), que não seriam adaptadas a nossos objetivos pedagógicos (e não somente a nossas condições de trabalho).

De fato, um dos aspectos incontestavelm ente negativos do plano Dalton (segundo os documentos de que dispomos e segundo nossa experiência, insignificante até o momento) é o egocentrismo do ensino, não sua individualização (isto é, um a necessidade e um bem), mas exatamente seu egocentrismo. O sistema das classes e o trabalho de classe (ou de grupo) impuse­ram, num a certa medida, a organização do trabalho coletivo. Já dissemos que a noção de “trabalho coletivo” deveria ser amplia­da; o trabalho de classe, em si mesmo, está longe de ser o ideal de trabalho coletivo, não passa de um elemento desse trabalho. Mas o plano D alton destrói o trabalho de classe, destrói a classe como fenômeno de trabalho coletivo, e esta destruição é feita não com o objetivo de criar um tipo mais elevado de trabalho coletivo, mas com o objetivo de libertar o aluno de sua relação

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com a classe, ou porque esta exige m uito dele ou porque está bastante atrasada em relação a ele. Cada aluno responde apenas por si epelo seu trabalho. Ausência de qualquer índice de traba­lho coletivo, de índices que se encontrem no próprio método. E mais, o aluno, segundo Parkhurst (é verdade que se trata aqui de um a técnica excepcional e reservada às classes inferiores), assina um contrato formal e individual com a instituição, firmando a seguinte cláusula:

“Eu, abaixo-assinado, aluno, desta ou daquela classe, me comprometo a executar determ inado trabalho em dada dis­ciplina”.

(data e assinatura)Até os sindicatos amarelos no»países burgueses lutam para

obter contratos coletivos, e aqui ainda estamos às voltas com contratos individuais! A assinatura do contrato não passa de um detalhe característico, mas é um detalhe que mostra claramente quanto nossos princípios de educação diferem dos da América e da Inglaterra.

N a prática, o sistema leva não ao trabalho coletivo como nós o compreendemos, mas ao trabalho individual; é mesmo raro que as crianças se reúnam de duas cm duas ou de três em três para trabalhar. Ora, o essencial não é a relação formal do trabalho de pequenos grupos, mas o sentimento do trabalho rea­lizado em comum. É precisamente o que falta ao plano Dalton.

O segundo defeito, fonte de maus resultados na prática, é o desmembramento do program a através de um a distribuição mensal. Um a semana, um mês, duas semanas, o prazo não é o que mais im porta, mas, sim, o fato de que um prazo tenha sido definido para a tarefa. Somos inevitavelmente levados a dividir maquinalmente em várias partes o programa, que é na realidade indivisível. Cada trabalho é, em certa medida, um “empreendi­mento” e todos os exemplos de “empreendimentos” expostos nos livros em questão m ostram que as divisões não correspondem à

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natureza dos temas escolhidos, mas ao tempo disponível para a execução do trabalho; o program a aparece como um fio único, mecanicamente dividido em “empreendim entos”. Ora, através do sistema dos complexos, um a divisão desse tipo é nociva, por­que o tema de um complexo não deve ser escolhido em função de seu tempo de duração, mas em virtude de sua importância. Pode durar de uma semana a um ano. E difícil dividi-lo em partes arbitrárias. Essa divisão pode representar apenas temas parciais do complexo total, que poderiam ser combinados, se quiséssemos, num determinado prazo. Se o plano Dalton não for corrigido e adaptado ao sistema dos complexos não poderá ser aplicado. As correções devem ter como objetivo harmonizar a unidade de trabalho exigida pelo sistema dos complexos e as técnicas do plano Dalton.

A realização irrestrita do plano Dalton leva também ao resta­belecimento dos exames, isto é, sob sua pior forma. Esse defeito não é absolutamente imputável ao próprio plano, mas aparecerá espontaneamente na prática, se introduzirmos o plano Dalton sem modificarmos nossas condições escolares. O sistema de aulas coletivas entre nos desaparece quase inteiramente, porque cada aluno “empreende um trabalho” por disciplina e em cada mês. O meio mais fácil para avaliar o resultado (e o professor é levado a isto contra a sua vontade, em função do tempo insuficiente de que dispõe), são os deveres escritos, as conferências, os relatórios, os gráficos e as respostas orais.

Mas, enquanto o primeiro dever não estiver pronto, o segun­do não será dado. Assim, um a vez por mês, veremos os alunos fazendo fila para “entregar os deveres”!

O sistema Dalton, que se preocupa apenas com a forma do trabalho, não oferece em nossas condições escolares dados que possibilitem avaliar o êxito do trabalho de cada aluno em cada momento dado (a não ser enquanto em panturram ento de dados livrescos). Somos obrigados a receber os deveres todos os meses.

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N a prática, isso quer dizer o seguinte: substituição do exame anual, contra o qual lutamos, por oito ou nove exames por ano!

O sistema dos trabalhos práticos, a incapacidade de cal' cular o tempo que os alunos necessitarão para aprender uma determ inada disciplina, a perspectiva de obter com o método de laboratório durante o ano o mesmo resultado que se obti­nha norm alm ente com a “absorção livresca”, criam ainda um quarto defeito: sobrecarregam-se as crianças até os limites extremos. Q ual é o resultado produzido em nossas condições escolares? Anteriormente, tínham os um a classe, um a aula, um mau manual e um professor; o plano Dalton significa entre nós: substituição da classe por um laboratório, persistência do mesmo m anual (aqui e ali um fipuco rejuvenescido), mas desa' parecimento do professor, na medida em que o próprio aluno deve fazer quase tudo, sem nenhum a ajuda.

O professor deve trabalhar para form ular os deveres do mês (prom ovendo variações no trabalho, se quiser evitar a rotina) e receber “os deveres escolares”: fica, portanto , com m uito pouco tem po para dirigir o trabalho das crianças. As crianças são obrigadas a despender m uito mais tem po para assimilar o curso sem ajuda, sobretudo se introduzirm os, mesm o parcialmente, o m étodo experimental. O plano D al' ton supõe logicamente que “as horas de laboratório” bastem para o trabalho do aluno. Depois do trabalho escolar não deve haver necessidade de trabalho com plem entar de casa. N a rea­lidade (e a prática o dem onstra), as crianças sacrificam todo o tem po passado em casa na preparação do exame mensal- N em precisamos falar disso, porque este tem po (e é longo) não é previsto nem previsível; digamos simplesm ente que as crianças não têm mais tem po para nenhum a outra atividade-

T udo isso não quer dizer que consideraríamos o plano Dal­ton inaceitável para a escola soviética. N ão, alguns elementos do plano D alton têm um grande valor e devemos utilizá-los.

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Reconhecemos nele três aspectos positivos: a independência do trabalho (mas atenção ao em panturram ento livresco!); o resultado (mas que não seja apenas pura formalidade) e a pos­sibilidade de passar ao m étodo experimental (e não somente ao método de laboratório). Aceitando-se parcialmente o plano D alton, é preciso, em resumo, introduzir-lhe um a série de modificações essenciais. N a forma pela qual o plano D alton se apresenta nos textos de que dispomos, está longe de ser um a panaceia contra os antigos métodos, e traz um prejuízo certo aos resultados já obtidos em nossa escola.

Antes de introduzir (ou melhor, adaptar) entre nós o plano Dalton, devemos reforçar na escola um a série de disposições que suas necessidades estão indicando: o trabalho técnico, o programa oficial, o sistema dos complexos, e a auto-organização dos alunos. A essas disposições reforçadas, é preciso apenas adaptar o plano Dalton e não o contrário, aceitar o plano Dalton e adaptar o resto a esse plano.

N a adaptação do plano Dalton, a auto-organização dos alu­nos desempenha um grande papel. A adaptação do plano deve servir de estímulo para levar as mais amplas massas de alunos à organização imediata do trabalho escolar. O plano deve-se transform ar no plano deles, construído e realizado por eles. Mas esse tipo de adaptação modificará profundam ente o plano, e, na medida em que se crie um campo de ação mais amplo para as crianças, haverá efetivamente a possibilidade de se obterem os resultados tão proclamados pelo plano Dalton, ao passo que, se procurássemos engendrá-los pelo alto, não chegaríamos nunca a obtê-los em nossa escola soviética.

A experiência do trabalho de acordo com o plano Dalton em nossa escola mostra que temos, cada vez mais, consciência dos defeitos e das imperfeições do plano Dalton, que estão sendo analisados e corrigidos. O plano D alton “se sovietiza”, e “se sovietiza” seriamente. A rigor, a escola soviética não criou ainda

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um método soviético de laboratório único e integral, mas não há necessidade real neste sentido, porque um plano determinado tem menos im portância do que a concepção diretriz relativa à independência do trabalho das crianças.

A adaptação do plano Dalton às nossas condições soviéticas suscita dois problemas essenciais, cuja solução exige esforços coletivos da massa do corpo docente, e uma longa experiência suscetível de ser formulada e generalizada.

O problema da “tarefa” a propor para o trabalho indepen­dente torna-se um problema geral de método: é o conjunto do método experimental no trabalho da escola profissional que está em questão. A documentação à nossa disposição e nossa própria experiência ainda não nos forneceram soluções satisfatórias para o problema; e muito menos conseguimos abstrair os princípios claros e gerais que determ inariam essa solução.

O segundo problema é puram ente soviético; consiste na adaptação dos princípios independentes de um determinado plano não somente ao trabalho de formação, mas tam bém ao conjunto da atividade do aluno, à sua atividade profissional e social.

O problema deriva diretamente de nossas ideias sobre o programa, como já foram expostas, deriva de nossa concepção sobre o “plano devida escolar”. Explica-se tam bém pelas carac­terísticas de auto-organização dos alunos nas escolas soviéticas. Leva-nos diretamente a uma grande questão: a introdução da Organização Científica do Trabalho na escola.

A extensão e ampliação do plano Dalton, sovietizado a to ­dos os tipos de trabalho próprios das crianças, nos possibilitará resolver o doloroso problema do excesso de trabalho e edificar a escola levando em conta o desenvolvimento físico.

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A AUTO-ORGANIZAÇÃO DOS ALUNOS

1. O passado e o presenteWells escreveu um romance sinistro e fantástico chamado

A Ilha do Doutor Moreaw, trata-se de um cirurgião de talento, o doutor Moreau, que, em laboratórios especialmente construí­dos em ilhas desertas, transformava com o bisturi as diferentes partes do corpo de diversos animais (cão, lobo, tigre, macaco etc.), aproximando-os da estrutura dos corpos humanos. Através de operações complicadas e ousadas, ele chegava mesmo a uma quase-semelhança entre o cérebro dos animais e o cérebro hu ­mano. Seu objetivo era desenvolver essas feras-humanas em seres intelectuais, ensinando-lhes a palavra hum ana e inculcando-lhes certas máximas morais. Aplicava dois princípios fundamentais: em primeiro lugar, queria obter um a submissão absoluta à sua vontade e autoridade; em segundo lugar, queria introduzir na cabeça dessas feras-humanas as máximas essenciais de uma mo­ral original, a serem assimiladas como leis absolutas, inabaláveis e invioláveis. “Não se deve andar de quatro patas, não se deve latir?, etc., esta é a lei”.

Ele conseguia enraizar solidamente essas prescrições na ca­beça das feras-humanas, repetindo-as milhares de vezes. Mas como um acidente abala sua autoridade e a crença geral na ne­cessidade da submissão absoluta à sua vontade, todo o trabalho

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de Moreau é liquidado; ele morre, e suas feras hum anas voltam, gradualmente, ao estado primitivo.

Esta sátira sutil “progressista”, bem ao gosto de Wells, apa­recemos como uma imagem da organização das crianças na escola burguesa.

Ela se baseia em dois princípios: autoridade e absolutismo vindos de cima para baixo (ou estabelecidos de um a forma qualquer), rígidos e imutáveis!

O objetivo da auto-organização dos alunos nas escolas bur­guesas é, na maioria dos casos, ajudar o professor a m anter sua autoridade; o martelo e a punição saem das mãos do professor, graças “ao progresso da civilização” e são substituídos por uma distribuição de funções, destinada a salvaguardar um a deter­m inada ordem escolar.

O sistema desemboca num a divisão sistemática e determi­nada das crianças e no reforço do regime escolar no sentido da imutabilidade.

A auto-organização, em certos casos, é muito desenvolvida, assumindo a forma de uma constituição sólida (escrita e reves­tindo todos os atributos exteriores dos atos administrativos) e visando educar as crianças nos sentimentos de estima pela lei, pelo documento que se chama “Constituição de Estado”, e que foi concedido “de cima” pela graça divina ou, então, foi criado em tempos longínquos e maravilhosos pelos heróis nacionais. Essa intenção surge muito claramente na República infantil, de William Reuben George, o que é muito compreensível; o objetivo que se procura atingir é a educação dos jovens “criminosos” que caíram na luta contra a lei, isto é, crianças que desenvolveram muito fracamente o sentimento da necessidade de obedecer à lei.

De onde provém os princípios de auto-organização? Não é difícil ver que são dados pelo próprio caráter do regime capitalista.

* Símbolo da autoridade judicial em certos países. (Nota do tradutor.)

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De fato, como o Estado burgucs quer educar as crianças? De que cidadãos tem necessidade? Antes de tudo, de cidadãos cujo cérebro nunca possa conceber a possibilidade de abalar as leis “imutáveis” do país. Do ponto de vista da lei, toda revolu­ção é ilegal.

A tendência à manutenção do regime exige que se cultive nos cidadãos (ou nos vassalos) os sentimentos conservadores, isto é, a ideia de que a destruição das bases “constitucionais” equivale ao caos, à anarquia, à selvageria, ao desaparecimento da cultura e da civilização; num a palavra, à volta ao estado selvagem. Para alcançar esse resultado, trabalham não apenas a auto-organização da escola, mas tam bém o regime escolar como um conjunto, e toda^i política governamental, toda a organização da existência. Vejam por que, apesar da presença de tantas condições econômicas exigindo a revolução social nos países capitalistas, é tão difícil m udar a ordem material estabelecida e a psicologia conservadora das massas.

Quais são os deveres do cidadão na República “mais dem o­crática” do Ocidente Ou da América? Em primeiro lugar, ele deve respeitar a lei; em segundo lugar, de vez em quando, em datas determinadas, deve ir a uma cabine de voto, votar por este ou aquele candidato a funções administrativas ou legislativas, e isto é tudo. O resto é confiado, por procuração, “aos representantes do povo”, através dos quais o capital pode facilmente dom inar as massas populares. A atividade e a iniciativa pessoais das massas são supérfluas nas “verdadeiras democracias”; qualidades desse tipo ao nível das massas populares são consideradas mais nocivas do que úteis. N a medida em que o poder existe, deve- se obedecer a ele sem restrições até que novas eleições sejam livremente organizadas.

Essas características do regime burguês, que oferecem à bur­guesia a possibilidade de manter sua dominação, influem nas formas e na natureza da auto-organização escolar onde ela existe.

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Esse é o antigo estado de coisas.E qual é o novo? Q uais são as necessidades de nosso sistema

soviético atual no que se refere à auto-organização escolar? Em que nosso regime político se diferencia do regime estabelecido nos Estados burgueses e democráticos? A característica própria e essencial do regime soviético é a participação absolutamente indispensável das massas na organização do Estado, sua par­ticipação direta, baseada em sua iniciativa pessoal. Não temos democracia “pura e completa” no sentido burguês da palavra; o direito de participar nas eleições soviéticas não é concedido a elementos não trabalhadores, mas os que trabalham , que são a maioria (não representam 98% da população?), não somente têm o direito de participar nas eleições para os Sovietes, mas têm todo o interesse em defender ativamente os Sovietes, em ajudá-los, porque os Sovietes são deles, porque o poder está nas mãos dos operários e dos camponeses e atua antes de tudo no interesse das massas trabalhadoras. Considerem atentam ente as medidas mais ou menos im portantes tomadas pelo poder so­viético: em primeiro lugar, ele não age unicam ente através de decretos “pelo alto”, mas isso ainda não significa grande coisa: o mais notável é que o poder soviético, o partido, os sindicatos, fazem ampla propaganda em favor de cada medida, mostrando às massas como é necessário que elas participem na aplicação das medidas, trabalhando persistentemente para lhes dar uma visão exata das disposições tomadas, fazendo-lhes ver concreta- mente o seu interesse direto na sua efetivação e o prejuízo que tais disposições devem causar aos adversários de classe.

A reforma monetária, a cooperação, a luta contra a seca e suas consequências etc., são vários exemplos que permitem constatar os esforços desenvolvidos para levar as massas a parti­cipar da organização, a elaborar um a visão exata de cada coisa, a participar ativa e pessoalmente dos Sovietes. Estamos diante de um a autêntica atividade das massas. E, embora não sendo

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“democratas” no sentido burgucs, somos infinitamente mais democráticos do que “as repúblicas democráticas” do m undo burguês; nossa democracia é uma democracia revolucionária e um a democracia de classe, tem um caráter c um a natureza completamente diferentes.

O últim o ano é particularm ente característico desse ponto de vista (atividade e energia crescente das massas). Basta ver as decisões do Partido Comunista sobre essa questão e as resoluções dos Congressos dos Sovietes e do Comitê Executivo Central; basta dar um a olhada no trabalho dos próprios Sovietes, para ficarmos convencidos da importância da participação direta das massas na organização do Estado.

Essa particularidade do regime soviético - a iniciativa pes­soal e a atividade das massas — desenvolve-se, cada vez mais, em condições originais criadas pela intensidade de nossa vida, nossa reconstrução da vida e pela construção do novo regime. Não aspiramos apenas a uma colaboração ativa das massas na vida cotidiana, queremos que elas se dediquem a um a atividade criativa real, participando na transformação rápida (exigida pelas novas condições) das formais características da ordem vigente. As massas trabalhadoras, utilizando a herança do passado, devem construir, e construir rapidamente, um m undo novo e grandioso. E isso que dá à atualidade soviética um caráter original.

O regime soviético apresenta, enfim, um a terceira parti­cularidade: relaciona-se com a interpretação da constituição enquanto lei fundam ental do Estado.

Lenin mostra, num a de suas obras, talvez a mais genial, O Estado e a revolução, que depois da tom ada do poder pelo proletariado, o Estado (isto é, o aparelho do Estado) desaparece pouco a pouco. Q uanto mais se enfraquecer a resistência da burguesia depois da tom ada do poder, e mais se consolidarem a base e a estrutura do novo regime social, menos será necessário

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o instrumento que é a ditadura do proletariado, ou seja, o Estado, enquanto instrumento de coação, vai-se extinguir.

A contradição característica que pode ser assim formulada: “O Estado soviético (o Estado ou o semi-Estado proletário, se­gundo Lenin) deve ser cada vez mais reforçado para que possa mais facilmente e mais rapidamente extinguir-se”, é resolvida pelo fato de que o próprio objetivo do Estado proletário é a criação de um novo regime social sem classes.

Daí deriva a particularidade característica da Constituição so­viética: sua dinâmica, sua capacidade de mudança na medida em que se aproxima do objetivo final: o comunismo. Se a Constituição, a lei fundamental de todo Estado burguês, é a própria expressão da imutabilidade, da infalibilidade e do conservadorismo polí­ticos (daí vem seu absolutismo e seu caráter estático), a Consti­tuição soviética é a expressão do direito revolucionário tomando consciência de si mesmo e da ideia de evolução no sentido de objetivos definitivos. Daí por que concebemos a lei fundam en­tal do semi-Estado proletário como a expressão da orientação consciente do m ovim ento no sentido do regime sem classes— concepção totalmente diferente da concepção burguesa, que procura inculcar nas massas uma submissão, absoluta e literal, às prescrições imutáveis da Constituição sacrossanta.

Essas particularidades, evidentemente, diferenciam profunda­mente o regime soviético do regime burguês; em consequência, os objetivos da autonomia escolar, determinados exclusivamente por elas, serão radicalmente diferentes numa e noutra escolas.

Seria, portanto, inútil e mesmo nocivo procurar as origens de nossa autonomia escolar na antiga escola, tentando formu­lar “relações de hereditariedade”! Os objetivos da autonomia escolar devem ser novos objetivos e para atingi-los é preciso tentar novos caminhos.

Para evidenciar nossa perspectiva, tomamos como exem­plo a diferença entre as concepções políticas dos Sovietes e da

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burguesia, porque em relação a isso a diferença dos objetivos da autonomia surge com a maior clareza. Mas é evidente que o problema deve ser colocado ainda mais amplamente: os ob­jetivos da autonomia das crianças inserem-se no quadro dos objetivos fundam entais de nossa educação.

Os objetivos fundamentais da autonomia soviética (ou me­lhor, da auto-organização) na escola soviética estão indicados no primeiro capítulo.

Analisemos um pouco mais detidam ente os diferentes ele­mentos da autonomia.

2. O coletivo infantilNossa tese fundam ental é^a seguinte: se a auto-organização

das crianças na escola soviética não se basear na existência do coletivo infantil, será um a disposição abortiva.

Mas, perguntará o leitor, qual é a escola “onde não há co­letivo infantil?”. Isto é verdadeiro, se se considerar o coletivo como a reunião acidental de um a certa quantidade de crianças num mesmo lugar visando à formação, isto é, visando a algo que se refere apenas ao aspecto exterior de suas preocupações, um objetivo que não exprime ainda o interesse infantil.

Mas uma certa quantidade de crianças, um simples agru­pam ento quantitativo, um a reunião acidental, não form am ainda um coletivo. Para falar a linguagem dos matemáticos, pode-se comparar o coletivo à integral, que apresenta proprie­dades diferentes, segundo as diferenciais que a constituem: assim, por exemplo, diferenciam-se as propriedades do círculo das da linha curva, ainda que esta se constitua tão-somente do total de segmentos infinitamente pequenos cuja soma tam bém constitui o círculo, isto é, os pedaços da linha reta. O coletivo é um a concepção integral e não um simples total referido às suas partes, o coletivo apresenta propriedades que não são inerentes ao indivíduo. A quantidade se transforma em qualidade.

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As crianças e tam bém os homens em geral form am um “coletivo” quando estão unidos por determinados interesses, dos quais têm consciência e que lhes são próximos. Se quisermos criar na escola um coletivo infantil, seremos obrigados a desenvolver esses interesses entre as crianças, inspirando-lhes interesses no­vos. Isto exige antes de tudo uma organização do trabalho do ensino em relação à idade das crianças. O ensino escolar, como se faz normalmente, não é agradável às crianças, não as atrai, não cria nelas uma tendência interior a se formar, sobretudo se não compreendem os objetivos desse ensino. Mas, mesmo que o trabalho de ensino seja excelente, não é capaz de criar, por si mesmo, suficientes interesses para o estabelecimento de um sólido coletivo infantil. A escola só permitirá um amplo desenvolvimen­to e uma coesão íntima do coletivo das crianças no momento em que for o lugar (e o centro) da vida infantil, e não apenas o lugar de sua formação; nós nem chegaremos a dizer que ela deve ser o lugar de sua formação, se esta palavra não exprimir a ajuda que se deve dar às crianças para que cresçam e assumam sua própria educação, reduzindo-se simplesmente à “influência” educativa do pedagogo sobre um a determinada criança.

Voltamos, assim, ao ponto já analisado várias vezes atra­vés de outros caminhos, ou seja, à ideia de que escola deve não somente formar, mas suscitar os interesses das crianças, organizá-los, ampliá-los, formulá-los e fazer deles interesses sociais. Poderíamos mesmo form ular o raciocínio da seguinte forma: a escola deve transform ar os interesses individuais, as emoções das crianças, em fatos sociais, cimentando com base nisso o coletivo infantil.

A necessidade do coletivo infantil deriva da necessidade fundam ental de inculcar nas crianças a atividade, a iniciativa coletiva, a responsabilidade correspondente à sua atividade. O coletivo das crianças criará, pelo próprio fato de existir, a auto-organização.

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Do ponto de vista do professor e da escola é preciso distin ­guir dois tipos de auto-organização.

A organização do primeiro tipo é principalmente destinada a ajudar o professor e a escola; trata-se, cm princípio, de um assunto que parece bastante estranho às preocupações das crianças. De fato, nesse caso, a auto-organização deve apoiar um regime escolar determinado, deve elaborar as formas que possibilitarão um a feliz aplicação do emprego do tempo tra­çado pelos adultos. Dessa forma, teremos muitas vezes não a reunião das crianças num coletivo, mas, ao contrário, uma espécie de divisão, na medida em que um a parte das funções é transm itida pelos adultos a um certo número de crianças, que assumem a responsabilidade de governar e dirigir seus colegas, sem que estes sejam persuadidos da necessidade de obedecer. O elemento determ inante aqui é o regime escolar estabelecido, sem que se considerem as crianças, ou seja, o objetivo a alcançar é a comodidade do professor.

Essa técnica, diferentemente aplicada em cada caso, leva a um a série de erros. Todo o m undo conhece exemplos de intro­dução da auto-organização pelo professor, de cima para baixo, desde os primeiros dias de classe. O esquema parece, no papel, muito bem elaborado e muito cômodo, mas sua realização é extremamente penosa. A disciplina torna-se impossível, é preciso lutar com as crianças difíceis etc. É preciso pensar nas punições e em outros meios de ação. O mais grave é o aparecimento de uma duplicidade infantil, nociva do ponto de vista pedagógico: oficialmente, na assembleia geral, nas comissões, no comitê de ensino etc., isto é, ali onde se encontre o professor, onde se trate da escola, a auto-organização age e introduz a ordem etc., mas fica faltando a alm a da criança, a criança como um conjunto está ausente, só está presente um a parte da criança, uma pe­queníssima parte que não tem quase nada em com um com os interesses e as tarefas que estão na base da auto-organização.

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A auto-organização tornou-se algo estranho para a criança. Basta que o professor abandone por um curto tempo as rédeas que segura (mesmo que tenha conservado para si apenas a auto­ridade moral), e a ordem estabelecida, a organização, começam a rachar aqui e ali.

Esse tipo de auto-organização (ou, antes, essa concepção da coisa) deve desaparecer; em última análise, ele acaba virando um tipo antissoviético de auto-organização.

O segundo tipo desenvolve-se gradualmente, na medida em que se desenvolve o coletivo das crianças, na medida em que o círculo das preocupações infantis se amplia, crescendo a ideia da necessidade da organização. Esse tipo é mais sólido, tem uma base mais ampla; e mais, cria condições favoráveis ao surgimento nas crianças de novos interesses, ao aparecimento de um a curiosidade sã e maior. A organização em si mesma é fecunda para as tendências não reveladas das crianças. Mas esse tipo de auto-organização implica a realização de condições preliminares.

Em primeiro lugar, a auto-organização desse tipo não pode ser introduzida bruscamente no momento em que as crianças entram na escola; ela começará a nascer na medida em que aparecer sua necessidade, na prática de um a determ inada ação.

Vejamos o exemplo conhecido, fornecido por um a das esco­las de sete anos da capital de um distrito (na região de Moscou).

Q uatro grupos da escola (do Io grau) começaram a fun ­cionar; não havia nada antecipadamente determinado, princi­palmente do ponto de vista da higiene. Na prática do trabalho escolar, influenciados por um pequeno grupo de pioneiros, e por adultos etc., uma parte das crianças começou séria e ener­gicamente a enfrentar os problemas de higiene. U m a comissão sanitária apareceu; suas tarefas com preendiam não somente o trabalho sanitário, mas o ensino sanitário e a propaganda de ideias corretas. Assim, foi organizado um jornal sanitário

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com redação e colaboradores. Pouco a pouco, outras questões vão aparecendo no jornal, e ele se toma, afinal de contas, um jornal escolar geral. Passo a passo, graças ao jornal, outras preo­cupações se exprimem, referindo-se aos problemas do ensino, da atividade social etc. Um ano depois, a auto-organização já assumia formas bem desenvolvidas e tornara-se uma realidade.

A segunda questão diz respeito à organização e à natureza do trabalho de ensino. Já nos referimos a esse ponto várias vezes, exprimindo a visão de que deve haver um a fusão entre o ensino e o processo geral de educação. O desenvolvimento regular da auto-organização exige tam bém essa condição. Deve-se orga­nizar o trabalho de modo que o ensino seja compreendido pelo espírito das crianças como uma ação importante para sua vida. Só então o trabalho de formação se tornará um a necessidade para a criança, servindo à auto-organização. Voltaremos à mesma questão, mais tarde, quando tratarm os da participação das crianças no trabalho pedagógico.

O terceiro ponto refere-se ao papel do pedagogo. E preciso dizer francamente que, sem o auxílio dos adultos, as crianças podem, talvez, se organizarem sozinhas, mas são incapazes de formular e de desenvolver seus interesses sociais, isto é, são incapazes de desenvolver amplamente o que está na própria base da auto-organização. Acrescentaríamos que o pedagogo não deve ser estranho à vida das crianças, não se lim itando a observá-la. Se fosse assim, de que adiantaria nossa presença na escola? Exclusivamente ao ensino? Mas, entretanto, o peda­gogo não deve se intrometer na vida das crianças, dirigindo-a completamente, esmagando-as com sua autoridade e poder. E preciso encontrar a linha de com portam ento justa, evitando, sem dúvida, o esmagamento da iniciativa das crianças, a im ­posição de dificuldades à sua organização, mas permanecen­do, de outro lado, o com panheiro mais velho que sabe ajudar imperceptivelmente, nos casos difíceis, e, ao mesmo tempo,

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orientar as tendências das crianças na boa direção. Para falar de forma mais concreta, isto quer dizer que é preciso suscitar nas crianças preocupações carregadas de sentido social, ampliá-las, desenvolvê-las, possibilitando às próprias crianças a procura das formas de realização.

Na prática, afastamo-nos muitas vezes dessa condição. É frequente ver o diretor do pensionato infantil sentar-se ao lado do secretário ou do presidente da assembleia das crianças e dirigir seu trabalho, quase escrevendo a ata da reunião, com medo de que a criança cometa um erro; ele tenta, pelo auxílio direto, fazer com que tudo saia o melhor possível! Mas, assim, as crianças não aprenderão nunca a agir com seus próprios meios, terão sempre necessidade de ser ajudadas.

Algumas vezes, essa intromissão do educador é devida ao desejo excessivo de ser útil; em outros casos, é expressão do desejo de dirigir. Na base dessa ingerência se acha ainda a co­m odidade do professor, a tendência a dirigir a auto-organização com o objetivo de fortalecer a forma que foi dada à vida escolar pelo professor e pelo conjunto do sistema.

E perfeitam ente evidente que nós escolhem os a auto- organização do segundo tipo, baseada no desenvolvimento do coletivo infantil, ou seja, a que ajuda a inculcar nas crianças o hábito de viver e de trabalhar em coletivo. É um cam inho mais difícil de trilhar, enfrenta mais dificuldades, exige do professor um esforço maior, mais reflexão, com portando, às vezes, riscos, mas é mais seguro e, em todo o caso, responde aos objetivos da educação soviética.

3. Constituições infantis e justiça infantilAs constituições infantis são admissíveis e sob que formas?

Q ual deve ser a natureza da constituição? Q ual o seu alcance na auto-organização dos alunos? A resposta está parcialmente dada pelo que foi dito anteriormente a propósito da concepção

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soviética do Estado, da concepção de Constituição e das con­sequências necessárias que daí resultam para a escola. Seria um grave erro basear a auto-organização escolar num a Constituição outorgada de cima para baixo, imposta pelo professor, ou mesmo apenas “proposta” pelo professor (embora ele esteja querendo atingir objetivos muito louváveis) e aceita voluntariam ente pela assembleia geral das crianças. As melhores intenções pro­duzem, nesses casos, maus resultados: as crianças consideram a Constituição como algo de oficial e, nos melhores casos, ela se tornará um dogma, uma lei imutável, não autorizando nenhum a violação, o que não corresponde em absoluto aos objetivos de nossa educação. O mesmo resultado é atingido por Constituições elaboradas pelas próprias crianças, se descem aos menores detalhe.

A Constituição escrita entrava bastante as possibilidades de desenvolvimento da auto-organização. O elem ento carac­terístico da auto-organização das crianças é a m obilidade de suas formas, que se adaptam à idade das crianças e ao nível de suas preocupações sociais, enquanto a C onstituição enri­jece essas formas, retirando sua flexibilidade, o que entrava o dinam ism o da organização das crianças.

Não vemos necessidade de um a Constituição deste tipo para a autonomia das crianças. Os esquemas de autonomia produzidos pela busca das melhores formas de organização pelas crianças, as diretivas dadas a diversas instituições, tudo isto pode ser chamado de “Constituição”, mas a palavra muda então de sentido. Uma constituição desse tipo refletirá simplesmente, digamos assim, o estado da auto-organização num momento dado, o resultado obtido pelas próprias crianças na organização da vida coletiva. O valor dessa Constituição não deriva do fato de que representou uma aquisição eminentemente grande e imutável, dispondo da força invulnerável da tradição e do dogma. Uma Constituição desse tipo deve ser imaginada como um plano de atividade autônomo, que

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pode ser mudado em cada momento, quando as circunstâncias assim o exigirem. O u seja, não se trata de harmonizar a vida à Consti­tuição, mas a Constituição à vida, e isso deve ser evidente para as crianças: elas devem ter consciência de que a Constituição está a seu serviço, de que qualquer assembleia geral pode mudar qualquer artigo da Constituição, se isso for considerado útil e de acordo com os objetivos imaginados, de que a Constituição foi criada por elas mesmas, para seus próprios objetivos e tendo em vista a utilidade social inerente a esses objetivos. A Constituição do coletivo escolar autônomo deve, portanto, ser eminentemente flexível e dinâmica.

Somos obrigados a ver o problema da Constituição infantil dessa forma pela necessidade de confiar a criação da auto-or- ganização diretamente ao coletivo das crianças: esse coletivo se desenvolve, se fortalece, adaptando às suas próprias necessidades as formas da organização.

E evidente, tam bém , que somos adversários absolutos de qualquer Constituição que refletiria a Constituição política, copiando simplesmente as instituições do Estado e decretando as medidas a aplicar contra os que violam as leis.

***

Uma das consequências do tipo de Constituição que defen­demos é a existência da justiça infantil.

Encontram os muitas vezes a justiça infantil na prática so­viética. O problema tem tam anha importância que vale a pena ser analisado um pouco mais longamente.

Quais são as vantagens da justiça infantil? Em primeiro lu­gar, as crianças aprendem a tratar de seus problemas umas com as outras, a liquidar seus conflitos entre si. A justiça ajuda ainda a formar o sentimento da responsabilidade. Permite, enfim, evitar intromissões na vida das crianças: graças à justiça infantil, o regime determ inado é apoiado pelas próprias crianças.

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Esses resultados positivos (e nem sempre são positivos) con­trabalançam os resultados negativos e os prejuízos trazidos pela justiça infantil? Em que ela é prejudicial?

A justiça infantil, baseada na C onstitu ição, pressupõe formas determinadas: juizes, partes, leis segundo as quais se julga, um Código Penal e, enfim, instituições encarregadas de executar as decisões da justiça. Encontramos este tipo de justiça, em sua forma mais perfeita, incluindo-se milícia e prisão, no exemplo da “República infantil” de W. R. George. Mas, mesmo sem chegar às caricaturas de George, não se pode renunciar inteiramente às formas estratificadas da justiça infantil, porque, sem formas fixas, teríamos que nos basear apenas na autoridade moral da justiça, e a justiça fur^ionaria segundo a consciência dos juizes e de sua concepção social da equidade e não de acordo com leis estritas. Rejeitando-se o elemento formal da justiça, nós a transformaríamos num sistema cujo único código seria a convicção íntim a dos juizes nesse ou naquele momento.

Seria melhor assim? Duvidamos. A imparcialidade é um a das qualidades indispensáveis à justiça. Em nome da imparcia­lidade, o representante da lei e as diversas partes (acusação e defesa) têm o direito de recusar essa ou aquela testemunha, para que problemas pessoais e fortuitos não influenciem o veredicto.

A justiça infantil deve satisfazer essa exigência? Claro que sim. Mas isso é possível nas condições escolares? N ão, porque, na escola, lidamos com um determ inado tipo de coletivo, em que as crianças se encontram todos os dias, multiplicando-se os laços pessoais, as inclinações individuais, simpatias e anti- patias, ligando as crianças através de relações diversas. M uitos sentim entos pessoais, acidentais, individuais, mesclam-se ao sentim ento social. N a m edida em que as condições subjeti­vas desem penham um papel tão grande, é possível falar de im parcialidade da justiça? A resposta é clara: a justiça terá um grande valor se acrescentarmos a essas circunstâncias a

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inform alidade, a falta de leis, e se deixarmos agir apenas a “consciência social”?

E, além disso, considerem que o juiz encontrará o acusado hoje mesmo em diversos momentos, e voltarão a se encontrar amanhã, depois de amanhã. A ação judiciária não sairá afetada? Sem dúvida alguma; é preciso também pensar que as crianças não têm a firmeza que se pode exigir dos adultos, nem opiniões bem fundamentadas, nem convicções que resistam às circunstâncias e às tendências acidentais; se considerarmos tudo isso, veremos que a justiça infantil é de fato nefasta. Não nos esqueçamos tam ­bém de que não há decisão de justiça que agrade todo o mundo, particularmente entre as crianças. Em consequência, a justiça infantil, em vez de reforçar, destruirá o coletivo das crianças; será, portanto, nociva ao trabalho de educação.

Além disso, somos ainda obrigados a combater a justiça infantil por um a outra razão. A justiça infantil pode, em últi­mo caso, servir de meio de ação ao pedagogo, quando sua ação pessoal se tornar impotente. As decisões de justiça, o caráter dos assuntos tratados na justiça, o caráter das punições infligidas pela justiça, tudo isso se tornará facilmente um meio de reali­zar as perspectivas do professor que dirige a vida escolar. Mais simplesmente, o pedagogo poderá, através da justiça infantil, punir, agir sobre uns por intermédio dos outros etc. Nascerá então a inimizade entre as crianças, e isso os dividirá, isso difi­cultará o desenvolvimento do coletivo, ou seja, nos em purrará de volta à escola burguesa.

A justiça infantil possibilita às crianças “desenterrar os crimes”, especializando-se como juizes de instrução, como chefes de interrogatórios. Sendo parcial, essa justiça é o meio de “ajustar contas” pessoais, de caluniar, de preparar armadilhas. N a verdade, ela desagrega o ambiente infantil. (Schulguine.)

O que é que poderia então substituir a justiça infantil? A decisão da assembleia geral, que analisa coletivamente todas as questões que

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aparecem, os conflitos, todos os casos de violação das regras etc. A assembleia geral é a expressão mais alta do coletivo infantil, não podendo ser acusada nem de subjetivismo, nem de parcialidade na solução de determinada questão. As discussões da assembleia geral das crianças educam e desenvolvem o sentimento coletivo, elevam a consciência das crianças num alto nível, e não “desagregam os ambientes infantis”. Tudo o que pode assumir uma influência negativa no sistema de justiça infantil, assume um caráter saudável na discussão da assembleia geral das crianças. As resoluções são coletivas, e não resoluções ditadas por circunstâncias acidentais.

Ao dirigir a ação da assembleia geral, o educador não dividirá as crianças, não estimulará a dissolução do coletivo.

E o próprio caráter da influência exercida pelo educador se transforma; o educador, o adulto, na assembleia geral das crianças, é apenas um dos membros da assembleia, não tem nenhum direito especial, nenhum a prerrogativa que tam bém não seja própria dos outros (e é precisamente assim que o pro­blema deve ser colocado), sua influência deriva apenas da sua autoridade moral, de sua experiência enquanto companheiro mais velho. Nessas condições, um pedagogo de espírito aberto usará sua influência com m uita prudência, intervindo apenas em casos de absoluta necessidade, no mom ento em que a assembleia estiver se afastando do bom cam inho e sua partici­pação nos debates seja essencial para evitar que isto aconteça.

A justiça infantil deve desaparecer. Deve ser substituída onde exista pela discussão na assembleia geral dos alunos.

4. Punições e meios de açãoA assembleia geral das crianças, ao analisar determ inando

tipo de infração, pronuncia seu veredicto, infligindo determi­nada punição. Isto é admissível? Q ue pensar da punição?

No entanto, com o com bater as infrações que entravam a m archa norm al da vida escolar? Deve-se punir, com o norm a

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geral? Essas questões são frequentem ente colocadas pelos edu­cadores, mas infelizmente são raramente discutidas em nossa imprensa pedagógica.

Não queremos resolver aqui um problema tão vasto e tão difícil e, aliás, essa não é nossa intenção. Quisemos apenas ob­servar, em relação a certos pontos, problemas que se relacionam ao mesmo tem po com a auto-organização dos alunos.

Renunciamos definitivamente àpunição como tal, isto é, ao castigo infligido pela prática de determinado delito. O sistema das punições, aplicadas pelo educador, pode ser considerado como irreversivelmente enterrado. Mas, como já dissemos, há uma linha de menor resistência que o pedagogo pode facilmente tomar: trata-se da aplicação do mesmo sistema de punições através das crianças, particularm ente graças à justiça infantil. Elim inando a justiça infantil, que se inspira em regras bem definidas, liquidaremos para sempre esse sistema de punições.

Mas, renunciando ao sistema de punições, não podemos, apesar dos pesares, no estágio atual da escola, renunciar às me­didas necessárias à ação pedagógica em relação a determinado tipo de delito, à violação da disciplina ou infração ao regime. Em cada caso concreto enfrentaremos duas questões. Em pri­meiro lugar, que medida é aplicável num caso determinado? Se a infração não deve passar desapercebida, como agir sobre uma dada criança para que no futuro assuma a consciência de que seu ato é inadmissível? Em segundo lugar, cada caso individual deve servir de oportunidade para colocar a seguinte questão: em que medida o regime escolar atual predispõe aos delitos, ou seja, em que medida nós mesmos cometemos erros?

De maneira geral, essa segunda questão não é colocada na prática. Esse erro dificulta o desaparecimento (em geral, e não para determ inado tipo de aluno) de violações lamentáveis.

Se analisarmos atentamente a prática, somos levados à se­guinte observação: o regime escolar, a organização escolar são

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imutáveis, inabaláveis, estabelecidos de cima para baixo pelo pedagogo, sem nenhum a participação ou com muito pouca participação das crianças. A sanção tenta liquidar o delito sem atingir o próprio regime. A atenção é concentrada nas ações infantis e não nos pontos fracos do regime. Assume-se a tarefa de adaptar as crianças ao regime estabelecido.

Se o pedagogo se basear na auto-organização dos alunos, não realiza pessoalmente suas perspectivas, mas usa as crianças, forçando-as a apoiar um regime que lhes é estranho. Nesse caso, o educador é obrigado a se apoiar muitas vezes na fração das crianças que está pronta a socorrê-lo-, a outra fração, muitas vezes bastante importante, não reconhece o regime mas o submete à primeira fração, apesar de seus pontos de vista contrários. Chega-se, assim, ao enfraquecimento da auto-organização em nome da intangibilidade do regime escolar.

Pouco tem po depois, somos obrigados a constatar com amargura que as infrações não diminuíram, que as crianças não se tornaram mais “conscientes”, que a autonom ia apresenta brechas, que as crianças são “externamente”, oficialmente, bem- comportadas, mas basta que o educador vire as costas para que as coisas se transformem etc. Em determinados momentos, o pedagogo avalia de forma pessimista o alcance e a utilidade da auto-organização em geral e se mostra disposto a voltar para o antigo regime, à organização garantida apenas pelos adultos.

Não nos devemos enganar: não estamos falando de situações teóricas, trata-se da generalização de fatos autênticos, e o autor conhece uma série de exemplos desse tipo.

O nde se errou então? Acreditamos que o essencial do pro­blema se resume em duas condições que devem ser analisadas atentamente.

Em primeiro lugar é necessário considerar o próprio regime escolar. Na escola, consideramos de modo geral o aluno médio. M as existem diferenças em torno dessa média. O alcance das

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diferenças varia segundo a criança, e as diferenças podem ser divididas em duas categorias: num prim eiro caso, seu alcance não é m uito grande, a criança corresponde ao regime escolar dado e nós dizemos então que lidamos com crianças “norm ais”; no segundo caso, a am plitude da diferença é de tal ordem que não pode deixar de dificultar o regime escolar, quando os parâm etros escolares não convêm a determ inada criança, nós a classificamos frequentem ente na categoria de “anorm ais”. Pode-se ainda descobrir um a terceira categoria: quando a am plitude da diferença está no lim ite do regime escolar, a criança está no lim ite que separa a criança “norm al” da criança “anorm al”, sendo então caracterizada, muitas vezes, com o criança “difícil”.

Lidamos aqui com duas grandezas: 1) um regime escolar determinado; 2) uma diferença de um a dada amplitude em relação à norma. A segunda dessas grandezas é muito pouco variável, poderia ser muito pouco dim inuída e, coisa essencial, ela é inata à criança, devendo-se à hereditariedade, ao ambiente em que a criança cresceu etc. Mas a primeira é quase comple­tam ente de nossa responsabilidade, sendo criada por nós. Por razões desconhecidas, entretanto, consideramos correto empre­gar todos os esforços para d im inuir a segunda grandeza, e não tentamos m udar a primeira. No entanto, parece evidente que cada caso de diferença em relação ao regime escolar deveria, antes de tudo, incitar-nos a rever o problema, a ver em que medida o regime escolar é a causa dessa diferença, e depois o que podemos e devemos fazer para ampliar o regime, deixando de lado a comodidade do educador.

Devemos, em segundo lugar, combater as orientações inexatas relativas à auto-organização dos alunos. A tática do pedagogo não deve consistir em transmitir às crianças um dado regime, mas tentar, por todos os meios em seu poder, formular um regime de acordo com o coletivo infantil e indispensável a esse coletivo.

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Esse princípio obriga, antes de tudo, a reforçar o coletivo infantil, trabalhando para que o regime escolar se torne seu próprio regime, ocupando espaço nas preocupações coletivas infantis; e mais, esse regime deve ser criado em grande medida pelas próprias crianças que, assim, sentirão e compreenderão a responsabilidade que lhes incum be em sua aplicação. Essa medida permitirá, de um lado, ampliar o objeto da atividade exercida pelo coletivo infantil e, de outro lado, obrigar a escola a se transform ar e a ampliar o regime escolar em função das preocupações do coletivo infantil.

Estas são as duas condições que deverão ser observadas por aqueles que querem criar, antes de tudo, um coletivo social infantil que seja verdadeiramente autônomo; essa forma de resolver o problema vai levar-nos, quando as deficiências do regime escolar tiverem desaparecido, ao desenvolvimento da consciência sonhado pelo pedagogo.

Devemos então concordar em tudo com as crianças, ca­pitular diante de um a vontade irracional? No que se refere ao regime escolar, as crianças podem, às vezes, desejar e reclamar regras absolutamente inadmissíveis; devemos satisfazer essas exigências em nome dos direitos do coletivo? É claro que não, porque senão estaríamos indo a reboque das preocupações aci­dentais das crianças. E essa forma de agir seria nefasta, porque estimularia os piores instintos das crianças, exatamente os que não fortalecem absolutamente o coletivo infantil. Essa é a linha de ação justa: em primeiro lugar, levar as crianças a participar na criação de um regime que seja seu, que seja razoável e que corresponda ao sistema geral da educação soviética, reservando para o educador um papel de companheiro mais velho, conse­lheiro, auxiliar. Em segundo lugar, formar, dirigir e desenvolver as preocupações das crianças, esclarecê-las, partindo de um ponto de vista social determinado, ou seja, fortalecer o coletivo infantil, inspirando-lhe o sentido da atividade social.

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A diferença de resultados obtidos pelos dois métodos ensaia­dos em Moscou em relação às crianças abandonadas revela como é importante a adoção da linha justa na escolha dos meios de ação e na maneira de tratar os coletivos infantis. Ainda muito recentemente, as crianças abandonadas, recolhidas pela Comissão Extraordinária de Luta contra os Flagelos, eram colocadas uma por uma em diferentes pensionatos infantis; chegavam a um ambiente que lhes era completamente estranho e tinham grandes dificuldades para se adaptar. Desagregavam o ambiente infantil e aceleravam a decomposição do coletivo das crianças, que já era fraco anteriormente. Muitas vezes, os inspetores do serviço não podiam colocar as crianças abandonadas nos pensionatos, porque elas ameaçavam fugir. E, de fato, quase sempre, as crianças da rua escapavam. Havia 10 a 12 casos de fuga repetidas pelo mesmo problema. Constatamos, no sudeste da RSFSR (República Sovié­tica Federativa Socialista da Rússia), 100 casos de “fugas” num vilarejo de 600 crianças. Essas crianças de rua são frequentemente qualificadas como “anormais” de forma leviana pelo pedagogo, que as considera inteiramente perdidas.

Mas, em 1923-1924, a Comissão dos Menores adota um a tática inteiramente diferente e começa em Moscou um a campa­nha contra a teoria das crianças vítimas de “insuficiência moral”, entre as quais se classificavam os pequenos ladrões de rua, os jovens batedores de carteira etc. Recolhem-se nos cortiços e nas casas de cômodo bandos completos de crianças já solidamente organizados na base de um a luta original pela existência, qua­drilhas de ladrões (que praticam o furto e o roubo), batedores de carteira, e também, muitas vezes, viciados em cocaína, que já estão no ramo há três ou quatro anos, pequenas prostitutas etc. Os bandos são presos em conjunto com seus respectivos chefes (uma espécie de atamã*). Não são desmembrados, mas convertidos

Atamã, chefe absoluto dos cossacos, um povo que vivia na URSS (Nota do tradutor.)

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em pequenas comunas de trabalho. Exigem-se, de modo geral, três condições: não roubar, não usar cocaína, desenvolver um trabalho produtivo, útil à maioria, de forma a ganhar, assim, um a parte do pão cotidiano. A colônia dispõe de uma casa com um e um ou dois adm inistradores ficam com ela. Um dos objetivos da organização é quebrar a autoridade absoluta do chefe, baseada na força, substituindo-a pela autoridade do coletivo, encarregado de criar sua vida e sua própria organiza­ção. As experiências desse tipo, de acordo com os resultados obtidos em alguns meses, superam, em certos casos, todas as expectativas. O coletivo é tão unido que, por exemplo, não há necessidade de fechar com chave o almoxarifado (anteriormente, cada fugitivo, sem exceção, levava um travesseiro e um cobertor para vender); os casos de fuga quase não se verificam mais (às vezes, entretanto, o chefe deposto não pode se conter). A marca social que caracteriza a atividade das crianças, o sentimento de que sua vida tem um sentido social, objetivando grandes finalida­des sociais, fortalece o coletivo infantil; tornam-se conscientes de sua dignidade e se unem estreitamente. Conhecemos um caso bastante interessante: num a destas comunidades, entrou, sorrateiramente, durante um a noite escura, um pequeno ladrão, logo descoberto pelas crianças. A com una persuadiu-o a ficar em igualdade de direitos. Ele aceitou.

A experiência das comunas de trabalho é, portanto, ple­nam ente conclusiva; e o êxito foi comprovado pela exposição- bazar dos objetos nelas produzidos, organizada ativa e quase inteiramente pelas próprias criança. A experiência ilumina com um novo ângulo o problema dos pensionatos. É lamentável que não possamos nos estender mais sobre tema tão interessante, porque ele está fora dos limites de nosso assunto.

Q ual a origem, porém, do êxito? É que esses viciados em cocaína, ladrões, prostitutas de 12 anos etc., que foram levia­nam ente classificados na categoria de crianças “marcadas por

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insuficiência m oral” e irremediavelmente perdidas, são, na rea­lidade, crianças brilhantes, ativas, capazes de grande iniciativa, mas pervertidas pela vida, e que encontram condições quando o coletivo infantil tem a possibilidade de se desenvolver, de crescer pelos seus próprios meios e de se organizar num a base social. Tudo se explica pelo coletivo infantil.

5. As tarefas do coletivo escolar. As formas de organizaçãoDe tudo o que foi dito, deduz-se que a auto-organização

das crianças não é apenas um jogo. Deve ser uma necessidade, um a ocupação séria das crianças, encarregadas de um a respon­sabilidade sentida e compreendida. A autonomia escolar só se pode basear num trabalho sério e que implica responsabilidades.

A questão fundamental é a seguinte: qual pode ser a atividade das crianças? Pensamos que não há nenhum problema escolar indiferente às crianças, e elas podem participar de todos (ou aju­dando os adultos, ou resolvendo as questões pelos seus próprios meios). Os primeiros trabalhos que as crianças podem executar, nos limites permitidos do ponto de vista médico, são os trabalhos domésticos (base mesma da auto-organização nos pensionatos infantis). N a escola, a primeira atividade pode estar relacionada com o estado sanitário do prédio, com a divulgação de normas higiênicas, de hábitos civilizados, na medida em que as crianças estão bem conscientes dessas ideias. Nas escolas em que as crianças tom am café e almoçam, pode ser melhor tratar, em primeiro lugar, da organização da alimentação. Com o tempo, pode-se confiar às crianças o registro dos alunos ocupados em diversos trabalhos, a organização das sessões de leitura, resumos e expo­sições, a organização das festas escolares e de espetáculos etc. Pouco a pouco nasce um jornal escolar, que reflete o conjunto da vida escolar; mais tarde, aparece um a revista escolar. Pouco a pouco organizam-se diversos grupos de estudo. Enfim, nasce a necessidade de um a organização para a formação política e geral.

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A biblioteca que se torna necessária para este objetivo (uma ou duas dezenas de livros) pode ser dirigida pelas crianças. Pouco a pouco toda a organização do trabalho que não se relacione com o ensino se encontra assim nas mãos dos alunos. E eles participam, parcialmente, até mesmo na organização do ensino.

As crianças podem ser levadas a adm inistrar a escola finan­ceiramente, se estiverem conscientes de que o “haver” da escola não pertence mais “à coroa”, com o era o caso antigam ente, mas se trata de um “haver social”, ou seja, pertencente às próprias crianças. A prática do últim o ano prova que o forne­cim ento do material científico escolar ou do material de escri­tório, às vezes inclusive o fornecimento de alimentação quente, podem ser executados com grande êxito pelas cooperativas escolares, que constituem uma das formas de auto-organização. A organização do trabalho nessa ou naquela sala, por exemplo, no laboratório (iniciando o inventário dos bens, controlando sistematicamente os “cantos vivos”, os aquários, o conserto do material, a preparação e instalação dos novos aparelhos) até a organização dos alunoS por grupos nas salas de trabalho, tudo pode ser gradativamente confiado às crianças.

Tudo o que diz respeito à organização do trabalho deve ser, em grande medida, colocado sob responsabilidade das crianças. Já analisamos bastante detidamente os problemas do trabalho na escola. A inda que não tenhamos dado indicações diretas sobre o assunto, o leitor verá facilmente que o trabalho na escola não pode ser organizado sem a colaboração do coletivo autônomo das crianças. Só se pode esperar o resultado pedagógico dese­jado com a participação direta das crianças na organização e na direção do trabalho na escola.

Se a educação for bem organizada, as crianças enfrentarão um a série de trabalhos de caráter social: as células das diferentes empresas, o SOI (Socorro Operário Internacional), a Aviokhim (Sociedade para o Desenvolvimento da Q uím ica e da Aviação),

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a O D N (Sociedade “Abaixo o Analfabetismo”), o Amigo das Crianças (ajuda aos órfãos da guerra e das catástrofes), solici­tarão sua adesão. A escola participa com um êxito notável do trabalho nos campos (de acordo com as empresas industriais). M uitas vezes já se viu que as instituições se dedicam regular­mente à liquidação do analfabetismo etc. A auto-organização das crianças deve ser orientada nesse sentido.

Atribuímos grande importância à relação entre instituições infantis diferentes. Um dos defeitos de nossas escolas (sobretudo das escolas das grandes cidades) e dos pensionatos infantis é seu isolamento, sua separação em relação à vida, e o isolamento é, às vezes, tão grande, que as crianças de 13 ou 14 anos só têm um a visão muito vaga da vida exterior.

O isolamento das escolas é naturalm ente menor do que o dos pensionatos infantis, mas isso não dim inui em nada a ne­cessidade de fortalecer a relação com outras instituições infantis. Ora, essa relação deve ser um a das tarefas da auto-organização das crianças.

Enfim, a participação das crianças no trabalho pedagógico deve ainda ser considerada como um a tarefa da auto-organi­zação. O trabalho pedagógico das crianças, ainda que frequen­temente esquecido, deve merecer a maior atenção. De acordo com os antigos Regulamentos da Escola Única do Trabalho, a metade do Conselho escolar era formada por representantes das crianças a partir do quarto ano de ensino. A prática dim inuiu a proporção, e isso é lamentável. Mas essa questão não é m uito im portante. O essencial é se perguntar por que as crianças participam no Conselho escolar.

As crianças devem participar no Conselho Escolar para tom ar parte no trabalho orgânico da administração da esco­la, para intervir em todos os problemas pedagógicos (e não somente econômicos). O medo de que as crianças dificultem o trabalho e ignorem os problemas que estão sendo tratados é

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sem fundam ento, sobretudo se as crianças que participam no trabalho orgânico do Conselho Escolar se tornarem cada vez mais conscientes da responsabilidade ligada ao seu trabalho, se seu espírito não distinguir entre “nós” (crianças) e “eles” (edu­cadores), se considerarem os professores como companheiros mais velhos, íntimos e de maior experiência, mas desejosos de serem ajudados no trabalho. A partir de então as crianças imaginarão a participação no Conselho escolar (e as opiniões ali formuladas) como algo sério.

O problema do ensino por complexos se relaciona com a participação das crianças no trabalho do Conselho Escolar e de todas as comissões. Com o demonstramos no capítulo sobre o Ensino, é essencial que os alunos (e não apenas os educadores) concebam claramente o que é o ensino sintético, qual a finalidade do estudo de um complexo dado, em que direção se desenvolve o trabalho baseado em complexos, e o lugar ocupado por cada complexo na vida moderna. Ora, todos estes problemas são discutidos em detalhes pelo Conselho Escolar e nas comissões; a partir daí o aluno pode compreender exatamente o que faz e o que fará a escola no campo do ensino.

O mesmo ocorre em relação às tentativas de organizar o trabalho sem deveres escolares (adaptações do plano Dalton). O êxito desse plano, baseado na independência das crianças, sua iniciativa e a consciência de sua responsabilidade, depende da medida em que terão o sentimento de que são as criadoras orgânicas de sua escola. E esse sentimento só nascerá se realmen­te elas forem as criadoras, isto é, na medida em que tomarem parte efetiva no trabalho do Conselho Escolar.

Mas essa participação é tam bém im portante por outras ra­zões. Nosso objetivo é não apenas formar cidadãos obedientes às leis, talvez ligados ao seu regime, ao seu Estado, e cheios de estima por ele, mas homens que participem conscientemente na organização do Estado soviético pelo seu trabalho cotidiano,

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homens conscientes e com o sentimento de que cada um, iso­ladamente, é responsável pela organização soviética. E preciso enraizar nas crianças, desde a escola, que ela é parte integrante do Estado soviético, o hábito de fazer diretamente o que serão obrigadas a fazer num a escala maior no futuro, esclarecendo que a participação na administração da escola é, ao mesmo tempo, um a participação em todo o Estado soviético. De outra forma não daremos às crianças hábitos indispensáveis a adm inistra­dores. Abrir o Conselho Escolar às crianças não significa que seja necessário renunciar às reuniões particulares do coletivo dos educadores. Por exemplo, o problema sexual na escola, em relação ao qual deve ser elaborada uma linha de comportamento geral para aplicar às crianças, pode exigir um a consulta prévia, ou ainda um a reunião particular pode ser indispensável para não introduzir a confusão no espírito dos alunos, pelo menos enquanto não existirem diretivas claras para todos os educado­res sobre questões gerais. O mesmo, evidentemente, quando se discutir o trabalho de um professor que não está satisfazendo, ou seu com portam ento pessoal etc. M as todos esses casos cons­tituem exceções mais do que situações normais.

A participação das crianças no trabalho pedagógico se m a­nifestará tam bém no momento da recepção dos novos alunos. Se quisermos basear a auto-organização no coletivo infantil, é natural adm itir que o coletivo já formado esteja interessado no ingresso de novos membros. O essencial não está no que sabem os alunos quando entram na escola; é mais im portante verificar se eles podem trabalhar em um grupo determinado, e se vão se entender com as crianças que já estão na escola. Infelizmente, nunca se leva isso em consideração na prática.

Q uando constituem um coletivo bem unido, as crianças atribuem, entretanto, ao problema um a grande importância, assumindo a consciência da sua pesada responsabilidade quando do ingresso dos calouros.

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N o mom ento em que o autor escreve este livro, observa todos os dias a situação num a escola em que os calouros são acolhidos, quase exclusivamente, pelos veteranos. A recepção dos pedidos, as informações sobre preenchim ento dos form u­lários, as conversas com os calouros sobre diferentes temas, sobretudo sobre os problemas relativos à auto-organização- tudo isso é feito pelas crianças. N a escola de que falamos, todos os calouros, salvo os que são inteiram ente inaceitáveis, os analfabetos, por exemplo (trata-se aqui de um a escola de 2o grau), entram im ediatam ente nos grupos para os quais se candidataram , participando com os alunos veteranos do trabalho normal do grupo. As crianças devem, igualm ente, como os educadores, ter um a palavra sobre os recém-vindos e exprimi-la, o que é muitas vezes decisivo no que se refere à admissão dos calouros na escola, quando o estágio de 10 dias (imposto aos candidatos) term inou. Para conhecê-los melhor, os veteranos fazem os calouros participar dos trabalhos domés­ticos, da arrum ação dos laboratórios e das salas, dos trabalhos nas oficinas; organizam com eles as reuniões de sábados, a edição dos jornais e revistas, as excursões etc.

Essa é aproximadamente a atividade desenvolvida pela auto- organização das crianças. Esboçamos apenas o essencial, porque é impossível relatar tudo: e o essencial para nós era determinar o caráter dessa atividade.

Mas quais são as formas que a autonom ia escolar deve assumir? Precisamos de um C om itê de Professores? De um C om itê Executivo ou de outras organizações? Quais são as comissões necessárias? M uitas vezes o corpo docente coloca essas questões. Mas não acreditamos que sejam questões es­senciais. As formas de organização são questões secundárias. As bases da organização é que são im portantes. E as bases são determ inadas pelo caráter do coletivo infantil; podemos resumir o assunto da seguinte forma:

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Todos os cargos do coletivo devem ser preenchidos através de eleição da assembleia geral das crianças. E o princípio fu n d a ­mental do coletivo. O corpo docente não deve nom ear ninguém para nenhum cargo. A única exceção que pode ser tolerada (e nem sempre) é relativa à célula, por razões que serão indicadas posteriormente.

A autoridade suprema do coletivo autônomo, à qual todas as outras prestam contas, é a assembleia geral dos alunos, que se reúne regularmente e extraordinariam ente quando as circuns­tâncias o exigem. Q uando temos um a escola relativamente pequena de um determ inado grau (220 a 300 alunos do Io ciclo do 2o grau), é desejável que a reunião de todos os alunos se realize ao menos um a vez por mês. Nas escolas maiores somos obrigados a organizar assembleias por idade, por grupos ou graus, que elegem seus delegados à assembleia que representará o conjunto da escola. Mas, mesmo nesse caso, seríamos contra um a divisão sistemática por idade. Mesmo nesse caso temos necessidade de reuniões comuns a todos os alunos (talvez menos frequentemente), para desenvolver entre eles o sentimento de ligação ao coletivo escolar. Se não consideramos essa condição, pode-se observar, às vezes, que as crianças se isolam em seu gru­po, que o grupo se opõe ao conjunto das crianças, assumindo um “espírito corporativo”, e que o aluno não compreende mais a com unidade dos interesses escolares. As crianças deixam de considerar as tarefas de sua escola como tarefas próprias também de seu grupo. N ão deve haver, portanto, nenhum a criança que não receba um a formação de qualquer tipo relativa à organi­zação autônoma. N enhum a criança deve ser dispensada das tarefas ligadas ao coletivo, ou do trabalho de organização, de caráter adm inistrativo ou executivo. C ada um deve participar das tarefas comuns.

Ainda há um ponto que merece nossa atenção: a duração das funções elegíveis e seu valor educativo. Pode-se observar muitas

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vezes o seguinte fenômeno: elegem-se para cargos diversos os alunos mais ativos e mais capazes; daí a um, dois meses, eles se especializam em seu trabalho, adquirem experiência e então passam a executar sozinhos todo o trabalho, enquanto a massa infantil permanece passiva; e mais, a passividade cresce porque tudo se faz em função dos eleitos. Nas eleições posteriores, os especialistas candidatam-se novamente porque novos delegados seriam obrigados a começar a aprender e os eleitos já sabem de tudo. Forma-se assim uma elite de especialistas, e o educador contribui muitas vezes para esse estado de coisas, porque já se habituou a trabalhar com essas crianças e sabe que elas não desarrumarão o aparelho da organização autô­noma tão bem organizado exteriormente. O educador que segue a linha de menor resistência procura sua própria comodidade. Mas quando os especialistas tiverem terminado seu tempo de escola ou abandonado os cargos por uma razão qualquer, tudo virá abaixo e será preciso recomeçar tudo de novo.

Trata-se de uma forma de agir nefasta e radicalmente oposta aos objetivos propostos pela auto-organização na escola soviética. De fato nosso objetivo é dirigir o coletivo das crianças de forma que cada membro possa administrar, quando seja necessário, e também obedecer e ficar nas fileiras quando seja preciso. A candidatura dos mesmos alunos aos postos administrativos é talvez muito cômoda, mas cria pequenos “comissários” que se separam frequentemente da massa dos alunos, e seriam, mais tarde, incapazes de ocupar postos sem importância.

No entanto, a massa perde a iniciativa, a ação, deixa de se interessar pela organização autônoma, monopolizada pelos mais capazes apenas. Em resumo, aparecem fenômenos radicalmente opostos ao regime soviético, ao ideal de cidadão construtor determinado pelo regime. Essa forma de resolver o problema da autonomia na escola lembra os métodos burgueses.

Por essa razão, consideramos indispensável: em primeiro lugar, fixar a duração das funções elegíveis a três meses no má­

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ximo (a prática prova que até mesmo um prazo de dois meses não é tão curto): em segundo lugar, orientar as crianças para a renovação constante dos organismos elegíveis, dando lugar aos novos e fazendo os administradores veteranos voltar “às fileiras”. As duas questões estão relacionadas a um outro problema impor­tante. Como já dissemos, não atribuímos importância às formas precisas da auto-organização, e as diretivas dadas aos diferentes organismos que ela comporta devem ser flexíveis e suscetíveis de evolução. Devem atender aos seguintes critérios: Io) coesão do coletivo; 2o) idade das crianças; 3o) tarefas atuais da organização autônoma; 4o) condições locais. Por essas razões, os princípios formulados não podem ser gerais e rígidos, para aplicação em lu­gares e condições dadas. O impulso criador da organização que se observa nas crianças deve ser desenvolvido mudando-se as formas da autonomia, adaptando essas formas às tarefas e às necessidades novas; a criatividade deve ser o objeto de uma educação, conforme os objetivos fundamentais ditados à escola pelo período atual do poder soviético. Cada vez que os organismos em funções se retiram e transmitem seus poderes aos recém-eleitos, a assembleia geral deve receber um relatório das crianças que se retiram; os demais devem formular suas apreciações sobre a atividade de­sempenhada e suas opiniões sobre o que consideram necessário mudar para melhorar o trabalho. A assembleia geral discute as questões detalhadamente, introduzindo mudanças na estrutura e na forma da auto-organização. Como já dissemos em relação às “instituições infantis”, mudanças e correções (que podem ir até a criação de novos organismos) devem ser efetivadas sempre que as condições mudarem.

Chegamos assim ao problema da organização científica do trabalho na escola, imaginada em suas relações com a auto- organizacão. É inegável que a autonomia escolar apresenta um vasto campo para aplicação dos princípios da Organização Científica do Trabalho.

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Mas não consideramos necessário prolongar esse assunto. Poderemos aplicar aqui tudo o que foi dito sobre a Organização Científica no capítulo primeiro.

Anteriorm ente, analisamos preferencialmente as formas propriamente ditas da auto-organização, consideramos as for­mas duráveis, a estrutura e as tarefas mais ou menos estáveis. Mas, sob o nome de auto-organização, compreendemos muitas outras manifestações da atividade independente das crianças em todos os campos possíveis da vida escolar. A execução de um a reunião, de um a festa, de um a excursão mais ou menos longínqua, a entrada dos calouros na escola, um a exposição dos trabalhos escolares etc., podem ser realizadas fora dos li­mites da organização autônom a ordinária, exigindo a criação de organismos, comissões e grupos temporários etc., que são dissolvidos quando term inam a tarefa. A criação de organismos desse tipo, por razões temporárias e atuais, pode ser proposta pelos órgãos regulares do coletivo autônomo ou pela assembleia geral, ou ainda, por um organismo existente (por exemplo, a organização de um a reunião especial por um grupo teatral ou mesmo por um a classe que coloca o acontecimento em questão na ordem do dia de seu trabalho escolar).

O rganism os especiais desse tipo não podem ser previs­tos pela C onstitu ição , se ela existe, nem ser controlados pela jurisdição dos órgãos da autonom ia existentes, Essas tarefas isoladas oferecem, muitas vezes, um cam po vasto à educação, possibilitando o desenvolvim ento de hábitos de organização entre as crianças c a aplicação dos princípios da O rganização C ientífica. Não podem os perder de vista, em casos sem elhantes, a possibilidade de desenvolver hábitos de organização, e é preciso trabalhar, por todos os meios, para utilizá-los no sentido de desenvolver a iniciativa dos alunos. É um meio de fortalecer consideravelm ente o sentim ento social entre as crianças.

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6. O movimento comunista entre as criançasO movimento com unista de crianças ou, para falar à moda

antiga, o movimento dos pioneiros, transformou-se num fato de tam anha im portância que nenhum a escola ou nenhum pro­fessor pode eludi-lo e tam bém nenhum problema escolar pode ser discutido sem que se leve em consideração o movimento. O fato de que o movimento dos pioneiros esteja em vias de conquistar a maioria dos alunos em quase todas as escolas (é quase um fato consumado nas escolas urbanas) reforça singu­larmente as perspectivas de união entre a escola e a realidade atual soviética, im prim indo à escola um caráter absolutamente original e garantindo a justa resolução dos problemas escolares fundamentais de que já falamos. Também é preciso analisar com atenção a natureza do movimento dos pioneiros e os problemas que se colocaram para a escola em função desse movimento.

Não é nossa tarefa expor detalhadam ente a natureza social, o sentido e as formas de organização do movimento dos pio­neiros. Esses pontos estão esclarecidos nos textos que foram redigidos sobre o movimento dos pioneiros e para os pioneiros. Analisaremos apenas as questões que são as mais im portantes do ponto de vista da escola: as particularidades que o movi­mento dos pioneiros apresenta do ponto de vista pedagógico; depois, as relações mútuas que devem existir entre a escola e o movimento dos pioneiros; e, enfim, o problema da direção desse movimento e do papel do professor.

A criança de 10 a 15 anos concebe o mundo à sua maneira e de forma muito diferente da do adulto. Atribuiremos sem dificuldades a essa concepção particular do m undo no espírito das crianças desta idade o nome de concepção “heróica”.

A idade é sobretudo caracterizada pela atração exercida pela literatura de aventuras: Julio Verne, Cooper, Aymard, Mayne, Read etc., são mestres do pensamento infantil. E a paixão das viagens, do desconhecido, das aventuras perigosas, muitas vezes

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pervertida por um grande interesse pela literatura dos detetives, dos Sherlock Holmes, dos Pinkerton etc., que dom ina esta fase. Foram exatamente as crianças dessa idade que assumiram com o maior entusiasmo os romances de aventuras soviéticas de Mers M end e Lori Len. Em tempos de paz, a tendência se manifesta pelo sonho de fugir, como espuma, num barco que esteja partindo para a América (muitas vezes com tentativas de realização), ou de se tornar um pirata célebre, um atamã; em tempos de guerra, as crianças aspiram a correr para o campo de batalha para realizar feitos de guerra heroicos. A guerra impe­rialista e a guerra civil forneceram muitos exemplos deste tipo.

As tendências agressivas em tempos de paz assumiam, às vezes, a forma de um a guerra permanente e tradicional entre duas escolas vizinhas; às vezes as crianças organizavam turmas de ruas e a guerra explodia entre ruas diferentes. Em 1907- 1909, na Polônia, podia-se observar casos característicos de banditismo infantil, de banditismo organizado. Era a época do desenvolvimento geral do banditismo polonês, forma de degenerescência das centúrias revolucionárias constituídas no tempo da reação. As formas originais de organização verificadas entre as crianças abandonadas são devidas às particularidades dessa idade. A literatura reflete muito bem essas particularida­des, sobretudo Tchekov que as representou com rara sutileza (Montigomo, A Serra do Falcão).

O sonho de se tornar forte, desenvolvendo os músculos, a admiração pela força física — característica distintiva do herói - diferencia claramente esta idade. Daí por que se valorizam tanto os fortes, os audaciosos, os mais vivos e mais inteligentes; daí por que os demais se submetem absolutamente a essas individua­lidades fortes e mais bem dotadas. D aí por que existem chefes, atamãs, enquanto forma característica da organização infantil.

Todas essas manifestações revelam apenas, sob formas dife­rentes, uma concepção do m undo heróica e fantástica.

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Neste momento do livro, o leitor poderia acreditar que so­mos partidários da teoria ontogenética, contra a qual, porém, nos exprimimos com tanta veemência antes.

Trata-se de um m al-entendido e deve ser dissipado. Foi intencionalmente que mencionamos antes um a série de m ani­festações externas das tendências próprias dessa fase da infância, para mostrar que é necessário distinguir cuidadosamente duas coisas: a concepção particular do m undo própria das crianças e suas preocupações sociais. Isso é totalm ente diferente do princí­pio ontogenético, às vezes transformado num a teoria pedagógica que defende a tese de que a natureza das preocupações sociais das crianças é determ inada por ontogênese, transferida para o terreno social. Essa opinião não é apenas errada: ela é nociva e profundam ente reacionária, porque, partindo dela, se nega a possibilidade e a necessidade de introduzir a realidade atual social na escola. Essa teoria pedagógica, inexata e reacionária, leva à conclusão de que o indivíduo, num a determ inada fase de sua infância, atravessa uma etapa remota do desenvolvimento social da hum anidade, a etapa da vagabundagem, da vida nô ­made ou um a outra época qualquer, e que, por isso, é prejudicial relacionar as preocupações da criança à nossa luta revolucionária atual, muito distante dessa época primitiva em que planaria a cham ada alma infantil. Mas, na realidade, uma coisa é a natu­reza das preocupações vitais que anim am as crianças, e outra coisa é a form a heróica assumida pelas preocupações.

A natureza das preocupações vitais, como já vimos em exem­plos anteriores, depende do meio, da vida, da forma como se refletem na psicologia das crianças os acontecimentos atuais e, no que se refere ao movimento dos pioneiros, os acontecimentos da época revolucionária; mas mesmo desenvolvendo o princípio ontogenético como uma teoria inexata e absolutamente contrar- revolucionária, a prática escolar fazia muitas vezes o contrário do que era ditado pela teoria. Será que a criação dos escoteiros

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não é um a tentativa de organizar as crianças e de mobilizá-las, segundo suas idades, a serviço dos objetivos sociais da burguesia? E a organização dos “batalhões recreativos” nos liceus, antes da revolução, não será um a tentativa dos reacionários para ex­plorar a “idade-pele-vermelha” para objetivos ultrapatrióticos? No entanto, será que o regime escolar ordinário, estabelecido pelos adultos, que concebem o m undo de uma forma completa­mente diferente dos alunos, responde às tendências próprias das crianças de um a idade determinada? Para sermos consequentes com a exaltação da teoria ontogenética, seria necessário mudar a organização escolar, adaptando-a, antes de tudo, de acordo com os ensinamentos dessa teoria, à idade da criança.

A mesma preocupação sobre esse ponto deriva, então, não só da nossa concepção, mas, tam bém , e mais ainda, da teoria ontogenética. Porém, na prática, ignora-se muitas vezes essa necessidade, porque a coisa não é “côm oda” para o professor; porém, dirige-se todo o arsenal ontogenético contra a “políti­ca”, contra a introdução da realidade atual na escola, porque isso é côm odo para o educador, que nem sempre é soviético e que não quer se incom odar. O leitor desculpará a digressão involuntária e a veemência de tom , mas um a e outra são pro ­vocadas pela enorm e difusão dos preconceitos ontogenéticos e pelos argum entos empregados pelos educadores que não são inteiram ente pró-soviéticos contra os “movimentos políticos” (ainda que se possa constatar um desaparecimento progressivo desse tipo de raciocínio).

Voltemos, porém, ao nosso assunto. Consideramos justa a seguinte ideia: a concepção fantástica e heróica do mundo, pró­pria da criança de uma idade determinada, estimula o movimento de massa das crianças durante uma fase que é também uma fase heróica da vida social. O que não passa de um sonho infantil (e as crianças dessa idade gostam de sonhar: sonhando, as crianças vivem às vezes uma vida colorida e brilhante) assume uma forma

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real nas épocas heróicas. A vida exterior, nesses períodos, adapta- se aos movimentos de massa infantis, o próprio ambiente social favorece o desenvolvimento desse tipo de movimento. O autor não teve tempo nem possibilidades de reunir suficientes dados históricos para confirmar essa tese. Mas, apesar disso, tem certe­za de que se trata de uma tese verdadeira.

Um fato histórico célebre — a cruzada das crianças - pode ser interpretado como um desses movimentos infantis. O ob­jetivo heroico relacionava-se com um a concepção fantástica do Oriente. O poderoso movimento dos adultos arrastava tam bém as crianças. Com o era sedutora a luta contra os “infiéis”, contra os sarracenos, a possibilidade de realizar grandes feitos, arrebatar vitórias etc., sobretudo para espíritos formados nas concepções da cavalaria feudal!

O próprio autor teve oportunidade de observar, em 1905, o movimento revolucionário das crianças num grande centro in­dustrial da Polônia. Em Lodz, dois terços da população urbana eram constituídos por operários industriais. O movimento revo­lucionário, tão fecundo neste período, sobretudo o movimento de junho de 1905, manteve sua dinâm ica durante todo o ano, agitando igualmente as grandes massas infantis, que acabaram assum indo um a form a de organização especial, o “pequeno B und”*. M ilhares de crianças participavam no m ovim ento, tom avam locais públicos (teatros) para a realização de seus comícios, que eram dispersados pela polícia, participavam nas manifestações e mesmo nos combates de barricadas, distribuíam panfletos, m uitos deles tinham armas etc. O regime tsarista liquidou o movim ento em 1906, mas ele perm aneceu latente durante muitos anos ainda.

Pensamos que, se tratarm os o movimento com unista das crianças como um movimento revolucionário de classe, como o

Bund, partido político dos judeus poloneses. (Nota do tradutor.)

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movimento específico dos filhos do proletariado, não deveremos perder de vista as circunstâncias já mencionadas, que conferem ao movimento um caráter especial. A fase heróica da revolução social é fecunda para a fase heróica do desenvolvimento da alma infantil e se sintetiza no movimento dos pioneiros. É tam bém fácil compreender por que o movimento infantil engloba pre­ferencialmente os filhos de operários, isto é, os filhos da classe que dirige a luta revolucionária e a criação do m undo novo. Compreende-se por que ele está enraizado mais solidamente na fábrica, na empresa, e por que sua atração é maior do que a da escola. Tudo isso prova que o movimento dos pioneiros não é um a “Invenção da Juventude Com unista”; na realidade, ele não podia deixar de nascer e sg desenvolver como uma força natural. A Juventude Com unista apenas o dirige, fornecendo- lhe determinados quadros revolucionários.

E preciso tam bém imaginar as formas de organização com base nas particularidades da idade infantil. A organização do m ovim ento infantil e a natureza do trabalho (quadros in ter­mediários, dirigentes, destacamentos, reuniões, vida no cam ­po, cultura física, literaturas heróicas, atividade independente etc.) são específicas da idade em questão, diferenciando-se, por exemplo, do que é feito no nível da Juven tude C om u ­nista. A vida seleciona pouco a pouco as formas de trabalho mais eficazes, com o foi provado pelo desenvolvim ento do m ovim ento nos últim os anos. As formas de organização e a natureza do trabalho, in tim am ente ligadas às crianças, são, ao m esm o tem po, orientadas pela concepção revolucionária com um . Essa ú ltim a anim a o m ovim ento, dando-lhe uma só alm a e um a só base de desenvolvim ento, e conferindo-lhe um caráter de massa.

É evidente que, se a escola não assum ir p lenam ente o m ovim ento das crianças, correrá o risco de se tornar definiti­vam ente desinteressante. Ela deve não só considerar o movi-

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m ento com o um fator pedagógico da mais alta im portância, mas tam bém adaptar-se a ele na prática do seu trabalho.

C om o encontrar pontos de contato entre a escola e o m ovim ento dos pioneiros? Antes de tud o , na com unidade de objetivos assumidos pela escola e pelo m ovim ento dos pioneiros e na com unidade bastante grande de preocupa­ções relativas à formação, na medida em que preocupações desse tipo caracterizam o destacamento dos pioneiros, enfim, na identidade de objetivos relativos à auto-organização e à educação profissional.

De tudo o que foi dito deduzem-se as seguintes conclusões:1. O trabalho regular da escola soviética exige o apoio

ativo do coletivo infantil. Uma atividade desse tipo só se. pode m anifestar graças ao desenvolvimento da auto-organização, em que o educador desempenha simplesmente o papel de um companheiro, de um colaborador.

2. Os elementos da auto-organização encontram-se, em grande medida, integrados no movimento dos pioneiros. Em todo caso, a solidez da auto-organização coletiva, baseada nas preocupações sociais das crianças, é maior nos destacamentos de pioneiros do que na escola, porque os destacamentos de pioneiros estão ligados aos centros de organização naturais — a indústria, a organização industrial dos adultos.

3. O destacamento de pioneiros contribui para forjar ele­mentos sólidos de autodisciplina e de auto-organização escolar. Daí por que a vanguarda é o agrupamento natural das crianças organizadas com a função de agrupar em torno de si a massa não organizada, divulgando elementos de organização e de vida coletiva. A tarefa do professor é, então, utilizar esse processo de organização do coletivo infantil, que é natural e se desenvolve facilmente, ou seja, trata-se de cooperar para o desenvolvimento

Vanguarda dos Pioneiros. (Nota do editor francês.)

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da auto-organização infantil em torno do núcleo fundamental constituído pela vanguarda.

4. O coletivo infantil se estrutura em torno de um trabalho determinado. É, portanto, indispensável reforçar por todos os meios o trabalho da vanguarda, dedicado à organização do coletivo escolar. Em nenhum a hipótese devemos organizar esse tipo de trabalho de cima para baixo-, ele deve ser organi­zado pelo próprio coletivo infantil, ou inteiramente, por seus próprios meios, ou contando com um a certa colaboração do professor, considerada como um a simples contribuição de um companheiro mais experiente.

5. A escola organiza diretamente (ou por intermédio do pro­fessor) apenas a parte do trabalho que não pode ser executada pelos meios do próprio coletivo infantil.

D aí deriva um a série de consequências. A escola deve se esforçar de todas as formas para que a vida do clube, o traba­lho social, as festas revolucionárias etc., sejam dirigidos pela auto-organização, cujo núcleo será a vanguarda dos pioneiros, evitando-se, assim, na medida do possível, a duplicação de esforços. De fato, a existência de duas atividades paralelas só poderia desembocar no isolamento da vanguarda e no enfra­quecimento de sua influência organizadora na massa infantil.

A atividade infantil relativa ao ensino (pesquisas, acum u­lação de conhecimentos sobre a vida, sobre o trabalho social etc.) deve ser, tanto quanto possível, organizada tam bém pelo coletivo infantil, destacando-se aí o interesse particular dos pioneiros.

Devemos, portanto, evitar transformar a vanguarda num órgão restrito à educação e à atividade infantis. O fato de a escola transferir aos pioneiros a direção da atividade em certos campos significa simplesmente que ela adapta os problemas escolares à existência de um coletivo infantil, autônomo e ativo. Um a transferência desse tipo não implica absolutamente a

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renúncia do professor à sua influência, à parte que lhe cabe na realização dessas atividades, ou que ele se limite às atividades ligadas ao ensino. Longe de se afastar do trabalho, da vida da vanguarda e do coletivo infantil, o professor vê crescerem sua tarefa e responsabilidade, desem penhando um novo papel: o papel de um companheiro cauteloso, mas indispensável, cheio de tato, mas realmente ativo e mais experiente. A vanguarda dos pioneiros deve ser a verdadeira condutora e a verdadeira organizadora da massa das crianças.

De forma geral, pode-se dizer que o movimento dos pionei­ros tem um grande futuro diante de si. O papel que o professor pode desempenhar não é apenas honrável: é um papel muito importante. Para isso basta que ele acolha o desenvolvimento do movimento com o coração aberto, compreendendo bem a tarefa que lhe cabe.

Referimo-nos tantas vezes à questão do movimento com u­nista infantil, em seus pontos essenciais, que não precisamos mais analisar em detalhe as relações mútuas entre o movimento dos pioneiros e a autonomia escolar, ao menos no que se refere aos princípios. Limitamo-nos a formular sumariamente as ob ­servações fundamentais.

O movimento dos pioneiros, o destacamento ou a vanguarda dos pioneiros não devem, em nenhum a hipótese, substituir a autonomia escolar. A tarefa do núcleo dos pioneiros consiste em desenvolver a autonomia ou, então, em organizá-la ali onde ela não existe.

Mas a organização dos pioneiros, considerada como um a das formas da auto-organização infantil autêntica, pode, em determinados momentos, modificar todo o regime da autonomia na escola. As modificações, em todo caso, aum entarão o valor da autonomia sem que seja necessário, entretanto, atribuir um a importância exagerada ao aperfeiçoamento das formas anterio­res. O desenvolvimento da autonomia se realizará observando

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três princípios: I o) a base sólida e única da autonomia será a cooperação infantil consciente; esse é o elemento essencial da autonomia; 2o) a autonomia será verdadeiramente, realizada pelas próprias forças das crianças; o professor se tornará ape­nas o amigo, o com panheiro mais velho, o colaborador mais experiente e mais instruído. Involuntariamente, pela força das coisas, o professor assumirá o lugar que consideramos o melhor para ele na organização autônoma; 3o) a auto-organização, na medida em que é parte integrante do trabalho dos pioneiros, englobará inevitavelmente um círculo de atividade maior do que o campo que lhe é comumente reservado na escola.

Seguindo esse cam inho, conseguiremos dar à organização autônoma das crianças um caráter autenticamente soviético, que é o objetivo para o qual devemos dirigir todos os nossos esforços.

7. A juventude comunistaAs relações mútuas entre a Juventude e a Escola podem ser

examinadas de dois pontos de vista.Em prim eiro lugar, devemos considerar as relações entre a

* U nião da Juventude C om unista da Rússia com a organização escolar e as questões de ensino em geral. Desse ponto de vista, encontram os um a série de particularidades exclusivamente soviéticas e extremamente interessantes. O segundo ponto de vista não é geral, mas particular: trata-se das relações entre a escola de determinado lugar e a célula correspondente da Ju ­ventude Com unista.

Em nenhum país do m undo a participação direta da ju­ventude organizada no trabalho construtivo tomou, mesmo de longe, proporções tão grandiosas como na URSS. Apenas entre nós é possível um a organização sólida, unida, contando mais de 1 m ilhão de jovens operários e camponeses, exercendo uma influência direta sobre o desenvolvimento e as características da educação, participando diretamente com seu dinamismo

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criador no estabelecimento da nova escola. Condensa-se aqui a virtude profunda dos princípios verdadeiramente democráticos de nosso regime; aqui está a manifestação do papel desempe­nhado pelas amplas massas de trabalhadores na construção da nova sociedade.

Desde o fim da guerra civil, o problema da escola entrou na ordem do dia da Juventude. A juventude operária e camponesa tom ou a iniciativa de fazer avançar a formação e a educação da geração mais jovem. A escola de fábrica e de empresa é um trabalho da Juventude Com unista; nasceu, desenvolve-se e se reforça graças à sua participação direta e, parcialmente, sob sua direção imediatas; a ideia de criar a escola da juventude cam ­ponesa pertence inteiramente à Juventude Com unista, que a realiza com um a perseverança e um a dedicação dignas de nota, de um a forma tal que este tipo de escola já obtém um grande êxito. A reorganização do 2o ciclo do 2o grau é tam bém objeto dos esforços da Juventude Com unista. O interesse despertado pelo ensino do 2o grau é parcialmente explicado pelo fato de que essa parte do sistema pedagógico era anteriormente subes­tim ada pela Juventude Com unista. Recentemente, contudo, a Juventude volta novamente sua atenção para o assunto. A escola de sete anos, que surge neste momento, nasceu de um projeto da Juventude Com unista. Em resumo, não há neste momento nenhum aspecto do ensino popular que, num a medida maior ou menor, não seja objeto de um a intervenção ativa e positiva da Juventude Com unista.

Se acrescentarmos que as próprias tarefas da Federação da Juventude em relação aos seus membros são, em grande parte, tarefas de educação, se considerarmos que o movimento das crian­ças, até então desconhecido na história, se acha também colocado sob a direção imediata da Juventude Comunista, concluiremos que a construção de qualquer tipo de escola soviética contemporânea é irrealizável sem a participação da Juventude Comunista.

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A participação da Juventude Com unista garante o êxito da nova escola, na medida em que afirma a existência de uma relação sólida entre a escola e os interesses do Estado soviético, isto é, os interesses do proletariado e dos camponeses. É através da Juven­tude Com unista que o Estado soviético, ou melhor, o Partido Comunista, garante aquela relação e é exatamente em função disto que todo o trabalho é dirigido em íntimo contato com a Juventude Comunista, com a participação ativa dos representan­tes da Juventude. Isso se verifica do Narkompross (Comissariado do Povo para a Educação) aos estabelecimentos locais.

Se considerarmos o fenômeno do ponto de vista da escola, do ponto de vista pedagógico, perceberemos que se trata de um fato novo na história da e^o la: a “auto-organização”, ou seja, a participação independente, coletiva, ativa e criativa da juventude na construção das instituições escolares. Verificamos aqui um a antítese total da escola burguesa, aparentem ente democrática, mas, na realidade, profundam ente autoritária; e a característica dessa auto-organização, que pode ser definida como a compreensão clara dos objetivos gerais da educação, é tam bém a característica de nosso regime soviético.

A ampla participação da Juventude Com unista na constru­ção da escola, na auto-organização da juventude, deverá nos levar a pôr em plano secundário todas as imperfeições locais e acidentais do trabalho realizado pelo jovem comunista, suas insolências, faltas de tato, malcriações etc. A árvore não deve im pedir o professor de ver a floresta; ele deve evitar a generali­zação de erros isolados, tirando daí conclusões incorretas. Esse problema foi muito bem formulado pelo companheiro Bukharin no Congresso dos Professores da URSS e acreditamos que sua ideia foi perfeitamente compreendida pelos professores.

Mas, em relação a isso, não é apenas a atitude favorável do professor que importa. Precisamos de sua ajuda efetiva, sua colaboração, a participação de seus conhecimentos, de sua ex­

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periência e de suas técnicas. O corpo docente tem como tarefa trabalhar para a criação da escola nova em íntim a ligação com a Juventude Com unista. Todos os problemas da vida escolar interessam normalm ente à Juventude Com unista, e nenhum poderá ser realmente resolvido de forma correta sem a sua par­ticipação. Quase nunca nos referimos ao papel da Juventude Com unista e à importância de sua colaboração, porque ana­lisamos as questões que nos interessavam de um ponto de vista pedagógico, mas é evidente que os problemas relativos ao trabalho técnico na escola, no sentido amplo da palavra, assim como as questões relativas ao ensino, ou sobretudo as que se relacionam com a auto-organização, não poderiam ser resolvidas sem a participação da, ou abstraindo-se a, Juventude Com unista.

Esse raciocínio determ ina a resposta à segunda questão: qual o papel a ser desempenhado em cada escola (de sete ou de nove anos) pela célula correspondente da Juventude Comunista?

A célula não deve ter na escola nenhum direito form al nem, em consequência, nenhum privilégio. Consideramos que o aluno comunista na escola é simplesmente um elemento do coletivo, igual aos outros. A tarefa da célula, sua tarefa produtiva, digamos assim, é dinam izar o trabalho escolar e a vida escolar, im pri­m indo a esse trabalho e a essa vida um caráter social através da participação de seus membros. Cada membro da Juventude Com unista deve ser o primeiro e o mais competente dos alunos em relação a todos os problemas da escola soviética; o jovem com unista deve saber conquistar para ele e para a Federação da Juventude a estima da juventude não comunista; deve saber abrir cam inho em todas as instituições ligadas à auto-organização, ganhando a confiança dos colegas por suas qualidades pessoais, sua energia, sua atitude séria. O jovem com unista deve ter influência junto à massa não comunista, atraindo sua simpatia para a União da Juventude e dirigindo-a no trabalho social e no trabalho de formação política. A célula deve ser o núcleo dos

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melhores adolescentes, unindo em torno de si o conjunto da massa por sua autoridade moral e pelo exemplo de sua organização, dirigindo a atividade da massa e participando no trabalho de educação social e política.

As observações realizadas nos últimos anos provam que há um a im portante e feliz transformação nas concepções do edu­cador relativas ao papel e ao lugar da Juventude Com unista na escola. Trata-se da maior garantia para um rápido e excepcional êxito no que se refere à criação da escola soviética do trabalho.

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M. M. PISTRAK(1888-1940).Embora não existam registros sobre sua biografia, sabemos que foi contemporâneo dos grandes educadores e pedagogos russos, como Makarenko e Krupskaya, ligados ao projeto pedagógico socialista: uma pedagogia centrada na ideia do coletivo e vinculada ao movimento mais amplo de transformação social. A obra Fundamentos da Escola do Trabalho sistematiza a sua experiência pedagógica na condução da Escola Lepechinsky. Esta é a primeira contribuição de Pistrak que foi traduzida e editada no Brasil. Muito utilizado nos cursos de formação de professores, colocamos agora este texto à disposição dos lutadores sociais, como um instrumento de pedagogia.

Agradecemos ao companheiro Daniel Aarão Reis Filho, um dos maiores especialistas sobre literatura russa, pela doação dos direitos de tradução desta obra.