erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mímesis

Upload: thalisson-machado

Post on 18-Jul-2015

1.746 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    1/12

    MIMESIS

    Erich Auerbach

    A representafi io da realidadeno Iileratura ocid enfa!

    ~\\'I. 10 anos de~ ~ EOITORA PERSPECT1VA

    7 4 1 \ \ ~ ' : : :

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    2/12

    1. A Clcatriz de UHsses

    Os lei to r es da Odisseia Iembrar-se-ao, sern duvida, cia bernpreparads e emocionante cena do canto XIX, quando Ulissesregressa ~ casa e Euricleia, S1l3 ant iga ama, 0 reconhece por urnacicarriz na coxa. 0 lorasteiro havia granjeado a benevolencia dePenelope; atendendo a desejo de seu proregido, ela orden a a go-vernanta que lave os p e s do viandante fatigado, segundo e usualnas vel has estorias como prirneiro dever de hospitalidade. Euricleiacorneca a procurar ~gua e a misturar a agua quente com a tria,enquanto fala tristernente do senhor ausente, que poderia re r arnesrna idade do hospede, que talv ez ta rn be rn es tiv ess e agora va -gueando como urn pobre forasteiro - nisto ela observa a assorn-brosa sernelhanca entre 0 hospede eo ausente - ao mesmo tempoU lisses se lernbra cia cicatriz e se afasta pan 0 escuridao, a fim deocu Itar , pelo rnenos de Penelope, 0 recorrhecimentc, j;i inevitavei,mas ainda i nd es ej av el p ar a 1 .'1 1.'.Logo que a ancia apalpa a cicetriz,deixa cair 0 pi' na bacia. com alegre sobressalro; a agua transbor-cia, ela quer prorrornper em iubilo; com silenciosas palavras delisonia e de arneaca Ulisses a conrern: ela cobra mimo e reprirne 0seu movimento. Penelope, cuja atenrao tinha sido desviada doacontecimento, grll!;as :l previdencia de Ateneia, nada percebe,

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    3/12

    MlMESIS A CICATRIZ DE ULlSSES 3Tudo ism e rncdelado corn exatidao e relatado com vagar.

    Num discurso direro, pormenorizado e fluenre, ambas as rnulheresdao.3 conhecer cs seus sentimentos; nao obstante Cmlar-se desenrunenros, ~m pouco rnesclados a cOl1.'liderao;:6s rnuiro geraisacerca do destine des hornens, a l igacao sinrarica entre as partes eperfeitarnenra clara; nenhum conrorno se confunde. Ha, tarnbern,espaco e tempo abundames para a descricao bern orden ada , uni-formemente iluminada, dos utenstlios, das rnanioulacoss e dosgesros, rnostrando todas as articulacoss sintaticas: rnesmo nodramjtico instante do reconhecimento nao se deixa de comunicarao lei [or que ~ com a mao direita que Ulisses pega a velha pelopescoco, para trn pedir lhe que fale, enqu anro a aproxirna de si corna outra mao. Claramenrs circunscritos, brilhame e uniformementeilurrunados, hornens e coisas esrao estaticos ou ern rnovimenro,denrro de urn espaco perceptive!: com nao rnenor clareza, expres-SOs sern reservas, bern ordenados ate nos rnornenros de ernocao,aparecern sentirnentos e ideias,. Na rninha reproducao do incidente, omiti ate agora 0 con-

    te.udo d~ toda uma serie de versos que 0 interrornpern pelo rneio.Sao mars de setenra - 0 incidente em si compreende cerca dequarenta versos antes e quarenta depois da interrupcao. A inter-rupcso, que ocorre iustamenre no memento em que a governanrareconhece a cicatriz, isto e, no memento da crise, descreve aorigem da cicatriz, urn acidente dos tempos da iuvenrude deUlisses, durante uma caca ao iavali por ocasiso de urna visita aoseu avo Autolico. Isto da, antes de rnais nada, rnotivo para infer-mar 0 lei t or acerca de Aut6lico, sua rnoradia, gran de parentesco.carater , e, de rnaneira tao pormenorizada quao deliciosa, seu corn-portarnento apes 0 nascimemo do neto; segue-se a visita de Ulis-ses, jii adolescenre; a saudacao, 0 banquete de boas-vindas, 0 sonoe 0 despertar, a saida rnatutina pam a caca, 0 rastejo do animal, aluta, 0 ferirnento de Ulisses por uma presa, 0 curative da ferida 0restabelecirnenro, 0 regresso a Iraca, 0 preocupado interrogat6~iodos pars: rudo e narrado, novarnente, com perfeira conforrnacao detodas as COISas, nao deixando nada no escuro e sem ornitir ne-nhurna das articulacoes que as ligam entre si. E 56 depois 0narrador retorna ao aposento de Penelope, e Euricleia, que tinhare~onhe~ido a cicatriz ames da in rerrup.:;ilo , 56 agora, depois dela,delJ::a ca1, assus tad a, 0 p e . na bacia_o primeiro pensamento que acode ao Ieitor modemo, de queo que se pretende e 3umentar a tensao, e , se nao totalmente falso,pelo ml:nos n~o decisive para aexplica~ao do processo homerico.PelS 0 elemenro da tensao e muiw debil nas poesias homericas;elas nilo se desti?am, ern lodo 0 seu estilo, a mamer ern suspens~o leltor ou Ouvmte_ Para tanto se,ia necessario, antes de maisnada, que 0 leiwr niio fosS

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    4/12

    4 MIMESIS A CICATRIZ DE UUSSES 5A di g r essao ace rca da origem da cica triz nao se diferenc ia

    fundarnenralrnente dos rnuitos trechos onde uma personagern re-cern-inrroduzida, ou urna coisa ou urn apetrecho que aparece pelaprirneira vez, sao descritos pormenorizadamente quanto a suaespecie e origem, sinda que seja no auge de urn cornbate; oudaqueles outros onde se inforrna, acerca de urn deus que aparece,onde esrivera recenternente, 0 que fizera por la e par qual caminhochegara; ate os proprios epitetos parecern-rne ser atribuiveis, emultima analise, a r n es rn a n e ce ss id a de de e xter io riz ac ao d os fencrne-nos. Aqui, e a cicatriz que aparece no decorrer da acao; e n~o epossivel para 0 sent irnento hornerico deixa-la ernergir simplesrnenteda escuridao de urn passado obscure; ela deve sair claramente a luz,e com ela, urn pouco da [uventude do heroi - da mesma maneiraque na Iltada, quando 0 prirneiro navio jii arde e os mirrnidoesfinalmente se dispcern a aiudar, ha ainda tempo suficiente, nlio s6para a magnifica cornparacao corn o s l ob e s, nao so para a ordem dosbandos mirmid6nicos, mas tarnbern para a i nf orm ac ao pormenori-zada acerca da origem de alguns subalternos (Iltada, 16, 155 e 55.). Eclare que 0 efeito estetico assim obtido deve ter sido logo notado e,par conseguinte, conscienternente procurado, mas 0 rnais prirnor-dial deve residir no proprio impulse fundamental doestilo horneri-co: representar os fenernenos acabadamente, palpaveis e visiveisernto da s a s s ua s partes, c la ra rn e nt e d e fi ni do s em s ua s r el ac ee s e sp ac ia ise ternporais. 0 rnesmo ecorre com os processes psicologiccs:tarnbern deles nada deve ficar oculro ou inexpresso, Sern reserves,bern dispostos ate nos mementos de paixao, a s personagens deHomero dao a conhecer 0 se u interior no sell discurso; 0 que naodizern aos outros, falarn para si, de modo a que 0 leiter 0 saiba,Acontecern rnuitas coisas espantosas nas poesias hornericas, masnunca tacitarnente; Politem o fala com U lisses; este fala com ospretendentes, quando corneca a rnata-los; prolixarnente, Heitor eAquiles Ialarn, antes e apes a luta; e nenhum discurso e taocarregado de medo au de ira que nele faltern Oil se desordenem 05instrurnentos c ia articulacao logica da lingua. lsto e valido, naru-ralmente, nso 56 par ll os discursos, mas para toda a apresentacao, Osdiversos rnernbros dos fenornenos sao postos sernpre em clararelao;, :l iomuwa; urn mlmero considenivei de conjun

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    5/12

    6 MI1lESIS A crcx TRlZ DE UUSSES 7di to. Ele nao v ern , co mo Zeus ou Posseidon, das Etiopias, onde 51'regozi jara com urn nolocausto. Nada se diz, tarnbem , da causa queo rnovera a tent ar Abraao t.ao terrivelmente. Ele ndo a discutira.como Zeus. co m outros deuses, nurna a ss er nb le ia , e m o rd en ad o d is -curso: tarnbern niio n os e comunicado 0 que ponderara no seu pro-prio coracao: inesperada e enigrnaticamerne penetra na ceria, chega-do d e a ltu ra ou profundeza desconhecidas e chama: "Abraaol 'Dir-se -a que isto se explica a paw da singular nO!;iio divina dosiudeus, tao diferente da dos gregos. Isto e correto , m as ni lo urnaobiecao, Pois, com o se explica a na:;:ao iudaica de Deus? )a 0 se uprimitive Deus do deserto na o contava com form a ou residenciafixas, e era sol i t ario ; sua falta de fo rm a e residencia e sua solidaonao s6 51' reafirmaram, finalmente, na luta co m 05 deuses doO rien te p ro xim o, relativ arn en te b ern rn ais inteligiveis, m as ta mb er nse desenvolverarn d e rnane ira rnais in tensa. A nccao iudaica de D eusnilo e sornente causa, m as antes . sintorna do seu particular m odo dever e de represe n tar . Is to fic a a inda rn a is clare, qu an do nosv olta mo s p ar a 0 outre interlocutor, Abraao. Onde esra ele? N ao 0sabemos Ele diz , contudo: "E is-rne aql!i" - m as a palavrahebraica signifies algo assirn como "vede-me ' ou, como traduzGunkel, "ow;:o" e, em qualquer case, nii.oquer indicar 0 lugar realno qual Abrade se encontra, mas a seu lugar moral em relacao aD e I . l S qu e 0 charnara: estou aqui. :l . espera da s mas ordens, Nao ecomunicado, contudo, onde ele se encontra praticamente, se emBeer-Sheba ou em outre lugar, se em casa ou ao ar l ivre. Naointeressa ao narrador: 0 leiter na o 0 fica sabendo, e tarnbem accupacso a qual se dedicava, quando Deus 0 cham ou, fica isescuras, Lernbre-se, para bern perceber a diferenca, qu e na visita deHerm es a Calipso , onde a incurnbencia, a viagern , a chegada I" arecepcso do visi tante, a situacao e a ocupacao da pessoa v is it a da , s eestendem ao longo de muitos versos; e mesrno no s mementos emqu e os deuses aparecern reperuinamente so p ar b rev es instantes,se ia para euxiliar os seus favori tes, seja para confundir ou perderurn dos seus cdiados m ortais, sernpre e indicada c lararnente a suafigura e, mais das vezes, a rneio da su a chegada e do seudesaparecim en to. Aqui, porem , Deus aparece carente de form a (e,contudo , "aparece' ') , de algurn lugar, s6 ouv imos a sua vor , e estanilo cham a nada alem do nom e: sem adjetivo , sem atribuir :l pess.oainterpel.ada urn epitere, com o seria 0 CasCI em qu alqu ef ap 6stfo fehomer i ca . E tam bem de Abrai'lo nada e tornado sensivel , aiora aspalavras com :Je ele replica a Deus: Hinne-n;, "Eis-m e aqui" -co m 0 q u e, e v id e nt em e n te , 1 ! su ge rid o u rn gesto extrem arn em eim pressionante que e"p rim e ohediblcia e prontidil.o - CIlJO acaba-m ento e deixado, contudo, ao leitor. Assim . nada dos im erlccuto-re s e m anifesto , exceto as palav ras, breves, abruptas , que sec hc cam d ur am e nt l', sem prepara.;: ilo algum a; quando muito , arepresent a.;:ilo de um gesto de total en trell a; tu do 0 mats fi c a noexuro. A isto a inda se junta 0 falo de os dcis interlocutore.s n~oest:u= num m esmo plano; podemos im aginar, num prim eiro

    p lan o, .\ b r a ao , 5ua figur a pro stra da ou a j oelh ada, inclinan do- se debraces abertcs au olhando para a alto m as Deus nao esta ai :aspala v ras e cs ges tos de A braao di rigern -se para 0 interior dairnagem ou para 0alto , para um lugar indefinido, 1=0, emnenhurn caw para urn lugar situ ado no prirneiro plano, de on d e avo z lhe chega.Ap6s esta introducao, Deus da a sua ordem ,e tern inicio anarracso propriarnente dita, TOOos a conhecern: sern interpolacaoa1gum a, em poucas oracces principals. cuia ligscao sintatica eexuem am em e pob re, desenvolv e-se a narracao, A qui seria irnpen -savel descrever urn apetrecho qu e e utilizado, urna paisagern pelaqual se passa, as servos ou 0 burro qu e acompanharn a comit iva, eate rnesmo, a ocasiao em que foram adquiridos, sua origem , 0m aterial d e qu e s iio feitos; seu aspecto ou utilidade nunca poderiarnser desc ritos com adm iracao; eles nem supor tarn urn adjetivo; saoservos, bu rro , lenha e Iaca , e nada rnais, sern epi tetos; t~m decurnp rir a finalidade que D eus Ihes indicara; 0 que rnais des silo ,foram ou serao perm anece no escuro. Urna viagerne feita, po isD eu s i nd ic ar a 0 lo ca l o nd e se co nsu maria 0 sacrific io ; m as n ad a ed ito acerca d ess a v iag em , a n ~o ser qu e d urara lies d ias, e rn esm o istoe expresso de forma enigrnst ica: Abraso e sua rornitiva partirarn "d ernanha cedo" I" se dirigirarn ao lugar do qual Deus lhes haviaIalado; ao terceiro dia elevou os olhos e vi u 0 luger d e la ng e. 0levantar dos olhos eo unico gesto , e propriamente a un ics roisa queno s e dira acerca d a viagern, e ainda que ell" se justiique pelo fatede 0 local se encontrar nurn lugar elevado, aprofunda, pela su apropria singeleza, a irnpressao de vazio da carninhada; e com o se,durante a viagern, Abraso nao tivesse olhado nern para a dire itanem p ara a esquerda, como 51' tivesse reprirnido tcdas as rnanifesta-t;O es v itais , a ssirn co mo as d 05 co mp an heiro s, exceto 0 andar dosseus pes. Desra form a, a viagern e como urn silencioso andaratraves do indeterrninado e do provisorio, uma contencao d o f Oi eg o,ur n acontecimento que n~o tern presente e qu e esta alojado entre 0que passou e 0 que va i acontecer , com o um a dcracao nao preench i-da, que e , todavia, m ed ida: tres diasl Esses ues dias redamam ainterpreta t;aO sim b6 1ica que m m tarde ob tivera.m . Com ~aram "demanha cedo". M as a que hora do terceiro dia levantou Abraao osoihos e viu a sua m eta? Nao h : l . n o te ::n o n ad aa re sp eito . E vid en tem ente n~o "tarde na noite", pais restou!he , ao qut' part 'ce, temposuficien te para su b i ram on tanha I' prepara r 0 s 3c ri fi ci o. PO rt a n(Q,, ' de m an h~ ced o" n llo estil. e m pregad o em fu no ;:ilod e u ma d em arca-~ il.o tem poral, m as em funt;ao de urn significado moral; devee;rprimir 0 i m ed i a to , 0 pon t u a l e a exa t idao da obedi /lncia d odesafortunado Abraiio . Am arsa e para ell' a manh~ em que sela 0seu jumem o, chama 05 servos e 0 mho Isaac e pane; m as eleo be dece, cam in ha ate 0 terce iro dia, quando levanta os olhos e ve 0lugar. De onde vern, nilo 0 sabem os, m as a meta e indicadac1aram eme: )eroel, na ter ra de M oria. Nao foi estabelecido quelugar e este, pois e possive l que "M oria" tenha side introduzido

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    6/12

    8 MIMES IS A CICA TRlZ DE UL ISSES 9

    posteriormente como correcao a urna outra palavra - mas, emrodo caso. 0 local estava indicado; tratava-se, sern duvida, de urnlugar de culto, ao qual deveria ser conferida urna consagracaoespecial em conexao com a oferenda de Abraao. Do rnesrno modeque "de rnanha cedo ' nao tern a Iu nc ao de fix ar u rn a delirnitacaotemporal, "Jeruel, na terra de Moria" nao fixa uma delimitacaoespacial, pois, em nenhurn dos dois cases, conhecernos 0 limiteoposto - do rnesmo modo que nao sabernos a hora em que Abraaolevantou os olhos nern o lugar de onde partiu - jeruel irnporta naotanto como meta de urna viagern terrena, ria sua relacso geograficacom outros lugares, mas por sua especial eleicao, par sua relacaocom Deus, que 0 determinara como cenario desta ao;ao - por issoprecisa ser norneado.

    Na narracao aparece urna terceira personagern importante ,Isaac, Enquanto Deus e Abraso. servos, burros I" utensflios saosirnplesrnente charnados pelo nome, sern rnencao de qualidades aude q ua lq ue r o ur ra e sp ec if ic ac ao , Isaac o btern , u ma Ye2., u ma ap osi-0 ; : " 1 0 ; Deus 00: "Toma teu filho, teu unico filho a quem tantoarnas, haac." Istovcontudo, nl!o e uma caracterizacao de Isaaccomo pessoa iora da sua relacao com 0 pai, I" fora c ia narrativa; naoe urn desvio, nem urna interrupcao descritiva, pois nw se trata deuma caracterizacao que delirnite Isaac, que rerneta a sua existenciacome urn todo. Ell ' pede ser bela ou feio, inteligente Oil tolo, alto011 baixo, atraente ou repulsive - nada disto e dito. 56 aquilo quedeve SEf conhecido a seu respeito aqui I" agora, dentro dos limitesda acao, aparece iluminado - para salientar quae terrtvel {atentacao de Abraao, e cuao conscienree Deus deSSE'faro. Obser-va-se com este exernplo antitetico qual e a significacao des adjetivosdescri t ivos I" as digressce s da poes ia homerica; com a sua alusao ae xi st en c ia r es ta n te da personagem d es cr it a, a qu il o que nj lo e total-mente apreendido pela si tuacao, o j sua existencia, por a ss ir n d iz er ,absoluta, eles impedem a concentracao unilateral do leiter nacrisepresente; impedern, rnesrno no rnais espantoso dos acontecirnenrcs, surgirnento de urna tensao opressiva. Mas no case da oferenda deAbrade, a rensso opressiva exisre. 0 que Schiller queria reservarpara 0 poeta tragico - roubar-nos a ncssa liberdade de mirno,dirigir nurna 56 direcao I' concentrar as nossa> fero;a> interiore:;(Schiller diz "a nossa atividade") - e obtido neste relato bib\icoque, certameme, deve ser consider ado epico.Encontramos 0 mesmo contraste quando comparamos oemprego do discurso direto. 1'\0 rdato bib!ico tambem 51" rala; mas 0discurso nilo tern, como em Homero, a fun~~o de manifesTar oueXleriorizar pensamentos. Ames relo comnl.rio: tern a inteno;~o dealudir 3 algo implicilO, que perrnanece inexpresso. Deus da a suaordem em discurso direto, rna> cala seus motives e inteno;i3es.Abraao, ao receb'r a ordem, emudece, e age da maneira que !hefora ordenada. A conversa entre Abraao e Isaac no caminho a.olocal do sacriflcio n~o e sen~o uma imerrujJ e em pIanos - e impassivel para as figuras homericas,cujo destinoest:l. univocamente determinacio, I" que acordam tododia como Sf fosse 0 primeiro, cairem situao;i3es intemas tiloproblematica>. As sua> ernO!;Oess~o violentas, convenham.os, mas

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    7/12

    10 Mll'vlESIS A CICATRlZ DE UUSSES 11

    silo tarnbern simples 10 ir rompem de irnediaio. Quanta profundidadeh:i,em contrasre, nos caracteres de Saul ou de Davi, quao intrinca-das I' ricas em planes silo as relacoes hurnanas, como a de Davi eAbsalao au de Davi e joab! Em Hornero seria inirnaginavel umarnultiplicidade de planes nas situacoes psicologicas como a que ernais sugerida do que expresss na historic da mane de Absalso e noseu epilogo (2 Sam. 18 e 19, do assirn charnado javista), Trata-seaqui nso apenas de acontecirnentos psiquicos carregados de segundosplanes. de profundezas, talvez, abissais, mas rarnbern de urn segun-do plano purarnente espaciai. Pois Davi esra ausente do campo debatalha; mas as irradiacoes da sua vontade I' dill seus sentirnentostern efeito constante, agern at e sobre joab que resistee age serncon sid eracao ; n a grandiosa ceria com 05 do is e rn is sa ri os , tanto ossegu nd os plan es espaciais qu an to o s p siqu ico s atingern u rn a e xp re s-sao p er fe it a, s er n que o s u him os s eja m e xp re ss es. C on fr on te-s e comisto a rnaneira como Aquiles, que envia Patroclo prirneiro adescoberta I' depois :i . luta, perde quase toda presenca. enquanto !laOaparece materialmente 0 mais importante, contudo, e a rnultipli-cidade de camadas dentro de cads homern; isto e dificilrnenteericontrave! em Hornero, quando rnuico ria forma cia duvida cons-ciente entre dois possiveis modes de agir: ern tudo 0 mais, ar nu lr ip lic id ad e d a vida p siq uic a rn os tr a-s e n ele 56 n a s uc es sa o, norevezarnento das paixces; enquanto que 0,

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    8/12

    12 MIMESIS A CICATRlZ DE Ul.lSSES 13

    Dutro cenario, quaisquer OutIOS desfechos au ordens nao terndireito algum a se apresentar independenternente dele, e esra escritoque rodos eles, a historia de toda a humanidade, se integrarao e sesubordinarso aos seus quadros, Os relatos das Sagradas Escrirurasnao procuram 0 nosso favor, como os de Homero, nao nos lison-jeiam para nos agradar e encantar - a que querern enos dorninar ,e se nos negarnos a isro, entao somes rebeldes, Nao se queiraobjetar que isroe if dernasiado longe, que nao e 0 relate, mas adourrina religiosa que apresenta estas pretensoes, pais os relatesjustamente nao silo, como as de Homero, mera "realldade' narra-da. N eles encarn arn-se d outrin a e p rornessa ind isso lu velrn en te ru n-didas; precisamente par isso tern urn carater recondite e obscure,contern urn segundo senti do, oculto. Na historia de Isaac nao esomente a intervencao de Deus no principia e no lim, mas tarnbem,as elementos fatuais I'psicolcgicos no seu interior que perrnanecemobscures, tocados apenas de leve, carregados de segundos pianos; ee justarnente per isso que na o 50 precisarn de investigacao profundae interpretacao, mas ate 0 exigern. Que Deus rente ate 0 rnaispiedoso da rnaneira rnais terrivel. que a obediencia incondicionalseia a unica atitude possivel perante Ele, mas que tarnbem a suaprornessa seja inarnovlvel, par mais que as suas decisoes parecarndest inar-se a produzir a duvida e 0 desespero - estes silo osensinamentos ralvez mais irnportantes contidos ria historia de Isaac- mas, par sua causa, 0 texto fica tao pesado, tao carregado deconteudo, de con tern em si ainda tantas alusoes acerca cia essenciade Deus e da atitude do homem piedoso, que 0 crente se vernotivado a se aprofundar urna e outra vez no texto e a procurar emtodos os seus porrnenores a luz que possa estar oculta. E como, delaw, ha no texto tanta coisa obscura e inacabada, e como ele sabe queDeus e um Deus oculta, 0 seu ala interpretative encontrasernpre novo alirnento, A doutrina e 0 zelo ria procura da ilu-rninacao esrso indissoluvelrnente ligados ao cararer do relata -esre e mais do que mera "realidade" -e estao, naturalmente, emc on st an te p er ig o de perder a propria real idade, como ocorreu logoque a interpretacao atingiu tal grau de hipertrofia que chegou adecornpor 0 real.Se , desta forma, 0 texto do relato biblico necessita tanto detnt erp ret ao;ao a parti r do seu p ropr io com eli do, sua pretensao :iautoridade absoluta leva-n ainda rnais lange por este carninho Paise Ie n ao qu ern as faze r esq necer a noss a pr6pri a reali dade durantealgumas horas, como Homero, mas suplamala; devemos inserirnossa pr6pria vida no seu mundo, sentirmonos membros da suaestrutura hist6rico universal. Ista se torna cada vez mais dificil, amedida que a nosso mundo vital se afasta do mundo das Escr;turas,e se este mundo, apesar de tudo, mantem em pe a sua pretens~o IIautoddade, e imperioso que ele proprio se adapte, atrave5 de umatran.sformao;ao imerpretativa. Isto foi relativamente f:kil par muitotempo~ durante a Idade Media europeia. era pOss'ivel, ainda, represemar os acomecimemos blblicos como sucessos quotidianos con

    ternporaneos. para 0 que 0 rnetodo exegetico fomecia as bases.Quando ism se tama irnpraticavel, pela rransforrnacao dernasiadoprofunda do rneio arnbiente e pelo despertar de urna conscienciacritica , a pretensao .:i auroridade COrTe perigo; 0 rnetodo exegetico edesprezado e deixado de lado, os relates biblicos convertern-se emvelhas lendas e a doutrina, desmernbrada des rnesrnos, torna-seuma forma incorporea que nao rnais penetra na realidade senslvelou que se volatili za na exal tao;ao pessoal.Como consequencia da pretensao a autoridade absoluta, 0metoda exegetico estendeu-se tambern a outras tradicoes que nao aiudaica. Os poernas hornericos fornecem urn complexo de aconte-cirnentos preciso, espacial e temporalrnente delirnitado; indepen-dente dele, concebern-se tranquila e lacilmente outros cornplexosanteriores, sirnultaneos I'posteriores, 0 Velho Testamento, porern,fornece historia universal: corneca com a principia des tempos,com a criacao do rnundo, e quer acabar com a lim dos tempos, como cumprimento da prornessa, com a qual a rnundo devera enccntraro seu lim. Tudo 0 rnais que ainda acontece no mundo so pede serapresentado como membro desra estrutura; tudo 0 que dis t o ficasendo conhecido, au ate interfere com a historia dos judeus, deveser ernbutido na estrutura, como pane ccnstirutiva do plano divino;e como isto tambern 50 e possivel pela interpretacao do novomaterial ailuente, a necessidade exegetica s e sstende alern doscampos primitives da realidade iudeu-israelita, por exernplo, ahistoria assiria, babilcnica, persa, romana; a interpretacso numsentido determinado torna-se urn rnetodo geral de apreensao darealidade: 0 mundo estranho, penetrando constantemente comonovo no horizonte e que. tal como se apresenta de forma i rnediata,e , em geral. rotal rnente impr aticazel para 0 seu uso no contextereligiose judeu, deve ser interpret ado de tal rrianeira que St encaixenele Mas quase sempre isto repercute sabre 0 contexte que carecede arnpliacao e de rnodificacao. 0 trabalho interpretative maisirnpressionante desta especie ocorreu nos prirneiros seculos doCristianisrno, como con sequencia da missao entre- pagllos, e foireal izado par Paulo e pelos Pais da I gr ei a; e le s r e- in te rp re ta ra rntoda a tradicao judaica numa serie de figuras a prognosticar aapar icao de Cristo, I' indicaram ao Imperio Romano a seu lugardentro do plano divino da salvacao, Portanto, enquanto, par urnlado, a realidade do Velho Testamento aparece como verdade plena,com pretensOes II hegemonia, estas mesmas pretensOes obrigarnnaa uma constante modifica~~o interpret at iva do seu proprio mnteu-do; este solre durante rnil~nios urn desenvo]vimemo constame ea,rivo Celm a vida do homem na Europa.

    A pretensao II uni versalidade historica e a tnsistente relaO;iloque constantemente se redefine em conflitos - com urn Deuslinico, oculto, porem aparente, que dirige a hist6ria universal,prometendo e e;cigindo, confere aus relatas do Velho Testamentouma perspectiva totalmeme diferente daquela que Homero poderiapossuir. 0 Veiho Testamento ~ incomparavelmente meflos unitario

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    9/12

    14 MD,]ESIS A CICATRlZ DE ULISSES 15

    na sua cornposicso do que os pcernas hornericos, e maisevidente-mente feita de retalhos - mas cada urn deles pertence a urncO.ntexto historico-universal e interpretativo da histcr ia universal,Ainda qu.e tenharn recebido alguns elementos, dificilrnente encai-rivets> ainda assirn estes sao apreendidos pela interpretacao; eassll~ . 0 lel:or sente a cada instante a perspectiva religiosa ehistorico-universal que confere a cada urn dos relates seu sentidoe a sua mew globais. Quante rnais isoiados e horizontalmenteindependentes sao os relates e os grupos de relates, se ccmearadoscom. os da [iladd e da Odisseia, tanto mais forte e a sua liga(;iiovertical comurn que os rnantern tcdos juntos sob urn mesmo signa,o que Ialta totalrnente a Homero. Em cada uma das grandes figurasdo Velho Testamento, desde Adso ate os Protetas encarna-se urnmemento cia mencicnada ligacao vertical. Deus escolheu e rnoldouestas personageris para 0 fim cia encarnacao cia sua essencia e da suavontade - mas a eleicao e a rncdelagern nao coincidem; esta ultimarealiza- se paula tinamen te, de m aneira his t6riea, durante a vidaterrene GO S esccihidos. Na historia do sacrificio de Abraao virncs;;o~o isto occrre, que terriveis provas envolve UIDa tal modelagern.Dai decorre 0 fato de as grandes Iiguras do Velho Testamentoserem rnais plena.') de desenvolvimenro, rnais carregadas da suapropria hist6ria ~ital e rnais cunhadas no. sua individualidads do queos herois homericos. Aquiles e Ulisses sao descritos rnagnificarnen-t~, .por meio de muitas e bern forrnadas palavras, carregarn umasene de epitetos, suas emocees manifestarn-se sern reservas nosseus discursos e gestos - mas eles nilo tern desenvolvimento alaume a historia das suas vidas fica estabelecida univocarnente, Os heroishomericos esrao tao pouco apresentados no seu desenvolvirnenropresente e passado que, na sua rnaioria - Nestor, Agamemnon,Aquiles - aparecem com uma idade pre-fixada. 0 proprio Ulissesque da tanta margem a um desenvolvirnento hisrorico-vital, gracasao longo tempo narrado e aos rnuitos acontecimentcs que neleocorrern, quase nada mostra disso tudo. E claro que Telernacocresceuenquanto isto, do rnesmo modo que toda crianca chega iIadolescencia; durante a digressao acerca da cicatriz, conta-se tam-bern idilicarnente a infancia e adolescencia de U1isses. Mas Penelo-pe pouco. mudou nesses vime anos; no e350 do P(Opriu U1isses, 0envelheClmemo meramente fi. '; ico e velado pelas repetidas interven-

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    10/12

    MIMESIS 1716 A CICATRIZ DE ULlSSESdescobri r. Se e d if ic il disringuir, dentro de ur n relate historico, 0verdadeiro do false ou do parcialmente ilurninado, pois isto requeru rn a cu idad osa fo rm acao h isto rico -filolo gica, e Iacil, em geral, se -parar a lenda da historia, A sua estrutura e diferente. Mesmoquando a lenda nao se denuncia ir ned ia ta me nte p ela p re se nc e deelementos maravi ihosos, pela repeticao de motives conhecidos, pelodesleixo na localizacso espacial ou temporal, ou, par outras coisassemelhances, pode ser reconhecida rapidarnente, 0 rnais das vezes,par sua estrutura. Desenvolve-se de maneira excessivarnente linear.Tudo 0 que correr transversalrnente, todo atritc, todo 0 resrante,secundario, que se insinua nos acontecirnentos I' motives princi-pais, todo 0 indeciso, quebrado I' vacilante, tudo 0 que confunde 0clare curso da a

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    11/12

    18 MliVIESIS A CICATR:Z DE UUSSES 19

    T esrarnento, enquanto se ocupa do acontecer humano, dominatcdos os t::-es fuTIbitos: lenda, relate historico e teologia hisroricaexegetica.Com isto que acabarnos de analisar relaciona-se rarnberno faro de 0 texto grego parecer tarnbern rnais lirnitado e rnaisestatico com reierencia ao circulo das personageris atuantes e da suearividade polirica. No processo do reconhecirnento , do qual parti-mos. aparece, alem de Ulisses e de Penelope, a arna Euricleia, urnaescrava cornprada outrora pelo pai de Ulisses. Laerte. Tal come 0pastor de porcos Eumeu, ela passou a vida a service da familia dosbene; tal como Eurneu, esza estreitarnente unida ao seu destine.arna-os e cornpartilha os seus interesses e sencimenros. Mas oaopossui vida nern sentimentos proprios mas s6 os des seus senhores,Tarnbem Eumeu, nao obstante ainda se lernbre de ter nascido livree pertencer ate a urna familia nobre (fora roubado quando crianca),ja nao tern, nern na pratica, nem nos sentirnentos, vida propria,estando inteir amente atado j dos seus senhores. Estas duas perso-nagens 550, porem, as ses. Logoque, final mente, 0 pavo aparece, isto e , ap6s a saida do Egito, ele setaz semir sempre na sua mobilidade, amiiide borbulhando inquie-tameme. e intervem freqiiememente nos acontecimentos, ~'eja co-mo um todo_ seja C0mo grupos isoludos ou como personagens quese expetm individualmente. As origens da profecia parecem estarna indomavelespontaneidade politico-religiosJ. do povo. Tem-se aimpre5sau de que 0 movimento, em pfofundidade, do povo em

    Israel -] uda deve re r sido de urna especi~ rnu itc diferente e muitomars elernenrar do que nas proprias dernccracias arcaicas posterio-res.

    A histor icidade e rnobilidade social rnais profur .das des textosdo Velho Testamento relacionarn-se. Iinalrnente, com rnais umaultima diferenca significative: delas surge urn conceito de estiloelevado e de suhlirnidade diferente de de Hornero. Este certarnenre!laO receia inserir 0 quotidiano e realisra no sublime e tragico; talreceio seria estranho a seu eo rilo E inconciliavel com ele. Ve-se nonosso episodic da cicatr iz como a cena caseira do lava-pes, pintadaaprazivelrnenre, e entretecida ria grande, signilicativa e sublimecena da volta ao Iar , Isro esta longe, ainda, daquela regra daseparacao des estilos que rnais tarde se irnporia quase POi"complete,e que estabelecia que a descricao realista do ouotidiano era inconci-liavel com 0 sublime, e so teria lugar no cornico ou, em todo case,cuidadosarnente estil izado, no idilico, E contudc, Hcmero esta rnaisperto dela do que 0Velho Testarnento. Pois os grandes e sublimesacontecirnentos ccorrern nos pcernas hornericos rnuito mais exclu-siva e inconfundivelrnente entre os mernbros de uma classe senho-rial; estes sao rnuitos rnais intatos na sua heroica sublirnidade doque as Iiguras do Velho Testamento, que podem cair murre rnaisprofundarnenre na sua di,g_'1.id~c.; - pense-se, por exernplo, emAdao, Noe, Davi, J6 -; e, Iinalmente o realisrno caseirc, arepresentacao da vida quotidiana. permanecem sempre, em Home-rc, no idilico-pacifico - enquanto que, jj desde 0 principio, nosrelates do Veiho Testamento, 0 subhrne, tragico e problematico sefcrrnarn iustarnente no caseirc e cuotidiano: aconterirnentos comoo que ocorre entre Cairn e Abel, entre No e e seus filhos, entreA braao, Sara e Hag ar , en lre Reoeca. J aco c Esa u_ e asx irn pordiante, nao sao concebiveis no esrilo homcrico, Isto resulta domodo fundamentalrnente diferenre como se originarn os confliros.Nos relates do Velho Testamento. 0 sossego da atividade quotidia-na na casa, !lOS carnpos e junto aos rebanhos e constanternentesocavado pelos ciurnes em torno ;leleicso e d prornessa c ia ben~ilo, es ur ge rn c or np li ca co es inconcebrveis para urn heroi hom erico . Paraestes, e necessario llrn motivo palpavel, daramente exprimivel.para que surjam contlito e inimiz:ac!e, Ql.le r esu!lam em lura aberta;enquamo que naqudes, 0 knto e const;];-]te fogo dos dumes I' al iga~;l_o do domestico com 0 espiritual, do. ben{i!o parerna com aben~ao divina, conduzem a lln1a impregna.:~o cia vida quotidianacom substancia conflitiva e. freqiiememe'He. ao sell envenenamen-to. A sublime interven~ao de Deus age tao r-mfund~mente sobre 0quotidi~n() que 05 dois ca;nros e l l J sublime e c!c quotidiano sao rliioapena5 deti vamente insepa!"ndc's mas. !\.IilJ~men[almen[e,insepar:ll'eis.

    Cnmpa;amos os doi$ te;;:to~ e. ';0 rr:esmo tempo. os doisestiios que enornam, parJ abler lim ponto de rmrtic!a parJ ().'lnOS$OSensaios ';obre ,I fepr~se:1tacjD Iiiedria cla reCi]idade na cult: J-

  • 5/15/2018 erich auerbach - a cicatriz de ulisses - mmesis

    12/12

    20 Mli\1ESIS

    ra europeia. Os dois estilos representarn, na sua oposicso, tiposbasicos: por urn lado, desericao rnodeladora, ilurninacso uniforme,Ligar;aosern intersticios, locucao livre, predominancia do prirneiroplano, univocidade, limitacao quanto ao desenvolvirnento historicoe quaruo ao hurnanamente problernatico: por outre lado, realce decertas partes e escurecirnenro de outras, Ialra de conexao, efeitosugestivo do tacite, multiplicidade de pianos, rnultivocidade e ne-cessidade de interpretacso, pretensso a universalidade historica,desenvolvirnento da apreseruacao do devir historico e aprofunda-memo do problernatico.o realisrno hornerico nao pode ser equiparado, certarnente,ao classico-antigo em geral; pois a separacao de estilos, que sedesenvolveu so mais tarde, nao perrnitia, nos limites do sublime,uma descricao taO rninuciosarnente acabada dos econtecirnenrcsquotidianos; sobretudo ria tragedia nao havia lugar para isto; alerndisso, a cultura grega logo encontrou os lenomenos do desenvolvi-memo historico e da rnultiplicidade de carnadas da problematicahumana e 05 atacou a sua maneira; no realismo romano aparecern,finalmente. novas e peculiares maneiras de ver as coisas. Quando aocasiao .0 exigir, tratarernos das modificacoes postericres da antigarep resent acao da r ealidade; em geral, e a pesar dest as u l ti mas , astendencies fundamentais do estilo hornerico por nos apontadasvigorarn ate a rnais tardia Antiguidade,Urna vez que tom amos os dais estilos, .0 de Homeroe 0 doVelho Testamento, como pontes de partida, adrnitimo-Ios comoacabados, tal como se nos oferecern nos textos; fizernosabstracso detude 0 que se refira a s suas origens e deixarnos, portanto, de lado aques t~ode saber se as suas peculiaridades lhes pertencern original-mente, ou se sac atribulveis, total au parcialrnente, a influenciasestranhas e quais seriam elas. A consideracso desta questao nao enecessaria nos lirnites da nossa intencao: pois foi em seu plenadesenvolvirnento alcancado em seus primordios que esses esti losexercerarn sua influencia constitutrva sobre a representacso euro-peia da realidade.