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Copyright c 2014, João Pedro Boavida. Versão atual disponível em http://web.tecnico.ulisboa.pt/joao.boavida/2014/ACED/. 0 1 0 1 2 E PISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014 JOÃO PEDRO BOAVIDA

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EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

JOÃO PEDRO BOAVIDA

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EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014Copyright c© 2014, João Pedro Boavida

Este trabalho (tanto esta versão como a versão atual) pode ser encontrado emhttp://web.tecnico.ulisboa.pt/joao.boavida/2014/ACED/.

Este trabalho é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Portugal. Para ver uma cópia desta licença,visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/pt/.

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APRESENTAÇÃO

Estes apontamentos foram sendo escritos ao longo dos semestres em que dei Análise Com-plexa e Equações Diferenciais no IST/TagusPark. Nesta terceira iteração, decidi separar aanálise complexa das equações diferenciais, e ajustar a ordenação na Análise Complexa.Poderão encontrar informação atualizada em http://web.tecnico.ulisboa.pt/joao.boavida/2014/ACED/.

Quis que o resultado final ficasse relativamente curto (à volta de 70 páginas para cadaassunto), pois é fácil ser-se inundado com imensa informação e perder de vista as ideiascentrais. Assim, tentei evitar detalhes exagerados e deixei alguns tópicos para os exercícios(isto não significa que esses tópicos são menos importante; só significa que explicar os deta-lhes por escrito não ia acrescentar muito àquilo que conseguiriam fazer sozinhos, seguindoos passos sugeridos.)

À falta de melhor nome, chamei “episódio” a cada conjunto de apontamentos, corres-pondente a uma ou duas semanas de aulas. Tentei escrever informalmente, como se estivés-semos a conversar (daí usar o plural da primeira pessoa). Como não é um monólogo, comoa ideia é que participem ativamente na viagem, deixei algumas perguntas e exercícios pelocaminho. Quando algum exercício for inesperadamente exigente, eu assinalo-o com ?.

É tradicional apresentar as coisas pela ordem “lógica”, nunca avançando sem ter jus-tificado todos os passos anteriores e apresentado todas as definições necessárias para ospassos seguintes. Na minha opinião, a única coisa que se “ganha” com essa ordem é esperareternidades até sequer percebermos qual é o destino, e muito menos por que razão alguémquer ir para lá. Ao fim de algum tempo, já quase ninguém percebe o que se está a fazer ea vontade de continuar é cada vez menos. Assim, às vezes eu começo “pelo fim”, para dardesde logo uma ideia do estilo de raciocínio que depois exploramos com mais calma.

Por outro lado, tirando quando muito a ordenação, nada do que aqui lerem é original;estas ideias já estavam arrumadas, aproximadamente no formato atual, há mais de meioséculo.

A ANÁLISE COMPLEXA resume-se a poucas ideias simples, mas que interagem de formas sur-preendentes.

Tudo começa com a definição de números complexos, que devem ser vistos como umaextensão dos reais, mas com um número adicional i satisfazendo i2 + 1 = 0. No iníciodo episódio 1, revemos rapidamente o que se passa. Como veremos no episódio 2, asderivadas e primitivas comportam-se, pelo menos à primeira vista, como no cálculo comvariáveis reais.

Mas na análise complexa estamos sobretudo interessados nas funções diferenciáveisnão só num ponto a, mas numa vizinhança desse ponto; nesse caso, dizemos que a funçãoé holomorfa no ponto a. Uma singularidade é um ponto na fronteira do domínio, ou onde a

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função não é diferenciável (para já, esta definição serve). Por exemplo, a função

f : z 7→ 1

z(1− z)

é diferenciável em quase todos os pontos, mas tem singularidades em 0 e 1. Na maioria doscasos vamos lidar com singularidades isoladas (isto é, com uma vizinhança na qual não hámais singularidades).

Também estamos interessados nas funções analíticas, ou seja, aquelas que podem serexpressas usando uma série de potências da forma

n∈Zun(z− a)n

convergente num conjunto com interior não vazio. (Neste caso, dizemos que se trata deuma série de potências de (z−a), ou, mais informalmente, uma série de potências centradaem a.) Notem que os expoentes têm de ser inteiros, mas podem perfeitamente ser negativos.Quando não há expoentes negativos, dizemos que temos uma série de Taylor. Quando há,dizemos que é uma série de Laurent.

A primeira surpresa é que as funções holomorfas coincidem com as funções analíticas.Mais concretamente, se f for uma função holomorfa em todos os pontos de r < |z − a|< R(ou seja, não há singularidades entre as duas circunferências), então existe uma série depotências centrada em a e que converge nessa região. No caso de uma série de Taylor,podemos usar uma região da forma |z − a| < R, o raio R da maior região possível (desseformato) é o raio de convergência. (Talvez se recordem do cálculo que é possível determinara raio de convergência a partir dos coeficientes un.)

Por exemplo, a função f que usámos acima tem singularidades em 0 e 1. Se quisermosséries de potências de z para f , as regiões de convergência serão centradas em 0, e podemosescolher entre duas: z : 0 < |z| < 1 ou z : |z| > 1. Mas se quisermos potências dez − 2, as regiões de convergência serão centradas em 2 e podemos escolher entre três:z : |z − 2| < 1, z : 1 < |z − 2| < 2, ou z : |z − 2| > 2. Vamos passar quase todo o

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episódio 1 a determinar séries de potências para funções deste género.Um facto conveniente é que, no interior da região de convergência de uma série de po-

tências, podemos diferenciá-la ou primitivá-la termo-a-termo, e a região de convergência danova série é a mesma, exceto quando muito que pode ganhar ou perder pontos na fronteira.Como as funções holomorfas são as funções analíticas, isto significa que as funções holo-morfas são sempre diferenciáveis (tantas vezes quantas queiramos) e primitiváveis (tantasvezes quantas queiramos).

O princípio da identidade é outro facto conveniente. Se tivermos um aberto Ω conexopor arcos, uma sucessão (sem termos repetidos) un ∈ Ω com limite em Ω, e duas funçõesf e g holomorfas em Ω com f (un) = g(un), então as duas funções coincidem em todosos pontos de Ω. Por exemplo, se tivermos duas funções f e g holomorfas em C e com osmesmos valores ao longo da reta real, então f = g.

No episódio 2, vamos ver como isto nos leva ao teorema de Cauchy (o integral de umafunção holomorfa ao longo de e na região contornada por um caminho fechado é 0), aoteorema dos resíduos (se a região só contiver singularidades isoladas, o integral baseia-senos chamados resíduos de cada singularidade) e à fórmula de Cauchy (em certos casosmuito frequentes, o resíduo baseia-se no valor da função ou das suas derivadas).

Até esse ponto, teremos feito tudo apenas com funções algébricas (isto é, quocientesde polinómios). Naturalmente, também queremos contar com exponenciais, logaritmos, efunções trigonométricas. Discutimo-las no episódio 3.

No episódio 4 vamos (finalmente) estudar as propriedades das funções holomorfas, comespecial atenção ao que se passa com os integrais de caminhos fechados para justificar oteorema de Cauchy, o teorema dos resíduos, e a fórmula de Cauchy. No episódio 5, vemoscomo essa informação nos permite mostrar que as funções holomorfas são analíticas.

Uma última surpresa (muito conveniente) da análise complexa, é que todas as singula-ridades isoladas são causadas por divisões por zero. Quando a divisão por zero dá origema uma indeterminação do tipo 0/0, então é possível pôr os zeros do numerador e do de-nominador em evidência, e ver se se cancelam (ou seja, levantar a indeterminação). Seos zeros do denominador são cancelados (por exemplo, algo como z/z), então o limite éum número e dizemos que a singularidade é removível. Se não são, então o limite é ∞, edizemos que a singularidade é um polo. Quando a divisão por zero ocorre no argumento deuma função não algébrica (por exemplo, sin(1/z)), então não existe limite e dizemos que asingularidade é essencial. Discutimos isto no episódio 6.

João Pedro Boavida < . @ . . >a a i a e i i ao o o t o u s o tj b v d cn c l b p ,Departamento de Matemática, Instituto Superior Técnico,Universidade de Lisboa,Fevereiro de 2014

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CONTEÚDO

EPISÓDIO 1: NÚMEROS COMPLEXOS E SÉRIES GEOMÉTRICAS . . . . . 8

(1.1) OS NÚMEROS COMPLEXOS . . . 8

(1.5) UMA SÉRIE . . . 9

(1.9) SÉRIES BASEADAS NA SÉRIE GEOMÉTRICA. . . . 10

(1.20) A DECOMPOSIÇÃO EM FRAÇÕES PARCIAIS . . . 14

(1.26) SÉRIES OBTIDAS POR DERIVAÇÃO. . . . 16

(1.30) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS. . . . 18

EPISÓDIO 2: DERIVADAS E PRIMITIVAS . . . . . 20

(2.1) DERIVADAS E FUNÇÕES HOLOMORFAS. . . . 20

(2.11) AS SÉRIES DE TAYLOR . . . 22

(2.14) INTEGRAIS EM C. . . . 23

(2.20) O TEOREMA DE CAUCHY . . . 26

(2.23) A FÓRMULA DE CAUCHY . . . 28

(2.31) O TEOREMA DE LIOUVILLE . . . 30

(2.34) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS. . . . 31

EPISÓDIO 3: A EXPONENCIAL E AS FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS . . . . 32

(3.1) A SÉRIE DE MACLAURIN . . . 32

(3.13) COORDENADAS POLARES. . . . 35

(3.16) RAÍZES COMPLEXAS E EQUAÇÕES POLINOMIAIS. . . . 36

(3.18) EQUAÇÕES TRIGONOMÉTRICAS. . . . 37

(3.23) O LOGARITMO . . . 38

(3.25) POTÊNCIAS. . . . 39

(3.29) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS. . . . 40

EPISÓDIO 4: FUNÇÕES HOLOMORFAS . . . . 41

(4.1) O PLANO C . . . 41

(4.2) AS EQUAÇÕES DE CAUCHY–RIEMANN. . . . 42

(4.12) DEMONSTRAÇÃO DO TEOREMA DE CAUCHY. . . . 47

(4.20) O PRINCÍPIO DA MÉDIA . . . 51

(4.22) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS. . . . 52

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CONTEÚDO

EPISÓDIO 5: FUNÇÕES ANALÍTICAS . . . . . 53

(5.1) UMA SUCESSÃO DE CAUCHY . . . 53

(5.4) CONVERGÊNCIA ABSOLUTA. . . . 54

(5.8) RAIO DE CONVERGÊNCIA. . . . 55

(5.13) O PRINCÍPIO DA IDENTIDADE. . . . 56

(5.14) A CONVERGÊNCIA UNIFORME . . . 57

(5.27) EXISTÊNCIA DE SÉRIES DE TAYLOR. . . . 61

(5.28) EXISTÊNCIA DE SÉRIES DE LAURENT. . . . 62

(5.29) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS. . . . 64

EPISÓDIO 6: SINGULARIDADES E RESÍDUOS. . . . . 65

(6.1) CLASSIFICAÇÃO DE SINGULARIDADES ISOLADAS. . . . 65

(6.11) EXEMPLOS DE INTEGRAIS. . . . 70

(6.19) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS. . . . 74

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EPISÓDIO 1

NÚMEROS COMPLEXOS E SÉRIES GEOMÉTRICAS

Um ponto chave da análise complexa é que as funções em que estamos interessados sãoanalíticas, ou seja, podem ser representadas por séries de potências. O nome é um vestígiode tempos em que se pensava que todas as funções relevantes para a análise têm séries depotências; isso é verdade em C, mas não em R.

Essas séries de potências convergem no interior de discos ou coroas circulares com fron-teiras nas singularidades.

Neste episódio, vamos ver (ou rever) a aritmética em C e algumas ideias sobre sériesnuméricas e determinar séries de potências para funções algébricas.

(1.1) OS NÚMEROS COMPLEXOS devem ser vistos como polinómios de coeficientes reais navariável i, com a simplificação i2+1= 0. Como i2+1= 0, onde esteja i2 podemos substituir−1. Por exemplo,

(10− 4i)(7+ 30i) = 10 · 7+ 10 · 30i− 4i · 7− 4i · 30i = 70+ 300i− 28i− 120i2

= 70+ 272i− 120(−1) = 190+ 272i.

Escrever z na forma cartesiana (ou em coordenadas cartesianas) é escrevê-lo como x+ i ycom x , y ∈ R. Na prática, é comum assumir que x + i y está na forma cartesiana (ou seja,que esses x e y são reais), mesmo quando tal não é dito.

O conjunto dos números complexos é designado C. Se z ∈ C, o seu conjugado (escrito z)é o número que se obtém de z trocando i por −i. Assim, se z = x+ i y está escrito na formacartesiana, temos z = x − i y . Além disso, zz = (x + i y)(x − i y) = x2 − (i y)2 = x2 + y2

é o quadrado da norma do vector (x , y) ∈ R2. Essa observação permite-nos calcular oquociente de dois números complexos:

10− 4i

7− 30i=(10− 4i)(7+ 30i)(7− 30i)(7+ 30i)

=190+ 272i

72+ 302 =190

949+

272

949i.

Três funções que vamos usar frequentemente: o módulo de z é |z| =p

x2+ y2, a partereal de z é Re z = x , e a parte imaginária de z é Im z = y . (Alguns livros usam ℜz e ℑzem vez de Re z e Im z.) Os números reais são assim os complexos cuja parte imaginária é0, enquanto que os imaginários puros (ou simplesmente imaginários) são os complexos cujaparte real é 0.

(1.2) Exercício. Fixamos a =−5+ i e b = 2+ i. (Nesta pergunta, queremos as respostas naforma cartesiana, ou seja, queremos simplificar “até ao fim”.)

(a) Calculem a, b, a + b, a + b, a+ b. Conseguem mostrar que z+w = z + w paraquaisquer z, w ∈ C? E quanto a z−w, o que podem concluir?

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EPISÓDIO 1: NÚMEROS COMPLEXOS E SÉRIES GEOMÉTRICAS

(b) Calculem ab, a b, ab, |a|, |b|, |ab|. Conseguem mostrar que zw = z w e |zw|= |z| |w|para quaisquer z, w ∈ C?

(c) Calculem a/b, a/b, a/b, |a/b|. Conseguem mostrar que z/w = z/w e |z/w| =|z|/|w| para quaisquer z, w ∈ C?

(d) Calculem ainda a2, a2 b, e a2/b.

(1.3) É comum chamar plano complexo ao conjunto C, pois podemos pensar num númerocomplexo z = x + i y ∈ C como equivalente ao vetor (x , y) ∈ R2. Desta forma, a somade complexos corresponde à soma de vetores. Se usarmos (só por um momento) z paraindicar o vetor de R2 correspondente ao complexo z ∈ C, podemos verificar que |z| = ‖z‖(façam-no!). Assim, a partir da desigualdade triangular de R2 (se a,b ∈ R2, então ‖a+b‖ ≤‖a‖ + ‖b‖) obtemos imediatamente a desigualdade triangular de C: se a, b ∈ C, então|a+ b| ≤ |a|+ |b|.

A mesma ideia permite-nos tratar funções C→ C como se fossem funções R2→ R2. Porexemplo, se a função f é definida por f (z) = 3i+ (2+ i)z, temos

f (x + i y)︸ ︷︷ ︸

f (z)

= 3i+ (2+ i)(x + i y) = 3i+ (2x + 2i y + i x + i2 y) = (2x − y)︸ ︷︷ ︸

u(x ,y)

+i (3+ x + 2y)︸ ︷︷ ︸

v(x ,y)

.

Podemos decompor f em parte real e parte imaginária (é tradicional escrever f = u+ iv)e podemos até pensar em f como correspondente a uma função F : R2 → R2 definida porF(x , y) = (u(x , y), v(x , y)) = (2x − y, 3+ x + 2y).

Aproveito para explicar uma notação que podem não ter visto. Falando corretamente, afunção acima é a função f (e não f (z)). Em vez de termos de dizer algo como “a função fdefinida por f (z) = 3i+(2+i)z”, é bastante mais prático dizer “a função f : z 7→ 3i+(2+i)z”.Isto até nos permite falar de funções sem termos de lhes dar um nome (como em “a funçãoz 7→ 3i+ (2+ i)z”).

(1.4) Exercício. Quais as partes real e imaginária de cada uma das seguintes funções? (Aqui,z = x+ i y é a forma cartesiana de z e queremos apresentar todas as respostas como funçõesde x e y .) Quais as funções R2→ R2 correspondentes?

(a) z 7→ iz; (b) z 7→ z2; (c) z 7→ z3; (d) z 7→ z;

(e) z 7→ z+ z

2; (f) z 7→ z− z

2i; (g) z 7→ 1+ 2z

z; (h) z 7→ 3

z+

z

2+ i.

(1.5) UMA SÉRIE é uma sucessão de somas de termos consecutivos (de outra sucessão).Porém, a expressão é usada de forma flexível, e tipicamente estamos interessados tanto nasparcelas como no limite.

Por exemplo, se un = 1/2n, podemos considerar a sucessão das somas parciais

SN =N∑

n=0

un =N∑

n=0

1

2n .

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

A soma da série é o limite das somas parciais, ou seja, definimos

∞∑

n=0

un = limN→∞

N∑

n=0

un.

Se SN → L, dizemos que a série converge para L e escrevemos∑∞

n=0 un = L.Se quisermos referir-nos apenas ao limite da série, escrevemos apenas “

∑∞n=0 un”. Po-

rém, se falarmos na “série∑∞

n=0 un”, estamos a referir-nos também ao termo geral un, apartir do qual a série é construída. Só porque duas séries têm o mesmo limite, não dizemosque são a mesma série (a não ser que as parcelas sejam realmente iguais, e estejam pelamesma ordem). Por uma questão de legibilidade, por vezes omitimos os extremos de n nanotação da série, desde que não precisemos de os usar e não haja risco de confusão.

0 1

Mas qual é a soma da série∑∞

n=0 1/2n?

(1.6) Exercício. Fixado r ∈ C, a série geométrica de razão r é∑∞

n=0 rn. As somas parciaissão SN =

∑Nn=0 rn.

(a) Quem é SN − rSN ? Simplifiquem a resposta tanto quanto possível.(b) Claramente,

SN =(1− r)SN

1− r=

SN − rSN

1− r.

(Para todos os valores de r?) Substituindo a resposta anterior nessa identidade, obtenhamuma expressão simples para SN .

(c) Se |r|< 1, qual o limite de SN ? Quem é então∑∞

n=0 rn? Conseguem perceber o quese passa se |r| ≥ 1?

(1.7) Exercício. Calculem

(a)∞∑

n=0

1

2n ; (b)∞∑

n=0

1

3n ; (c)∞∑

n=0

1

3

2

3

n; (d)

∞∑

n=0

2n.

(1.8) Exercício. Considerem a série∑∞

n=0 un de termo geral un e as suas somas parciaisSN =

∑Nn=0 un. Suponham que

∑∞n=0 un converge para L ∈ C.

(a) Mostrem que un = Sn − Sn−1. (Há alguma restrição? Faz diferença em algum dospassos seguintes?)

(b) Determinem limn→∞ Sn e limn→∞ Sn−1.(c) O que podem concluir sobre limn→∞ un?(d) Mostrem que a série geométrica de razão r converge se e só se |r|< 1.

(1.9) SÉRIES BASEADAS NA SÉRIE GEOMÉTRICA. Acabámos assim de ver que

∞∑

n=0

zn =1

1− z, desde que |z|< 1.

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EPISÓDIO 1: NÚMEROS COMPLEXOS E SÉRIES GEOMÉTRICAS

É a nossa primeira série de potências e vai servir de protótipo para todas as outras.E se quisermos uma série para 1/(1 − z), mas convergindo em |z| > 1? Bom, essa

condição é equivalente a |1/z|< 1. Reescrevamos a função:

1

1− z=

1

−z (1− 1z)=−1

z

1

1− 1z

=−1

z

∞∑

n=0

1

z

n, desde que

1

z

< 1.

É precisamente o que procurávamos.(Frequentemente, estamos interessados em coeficientes específicos da série. Nesse caso,

interessa-nos simplificar as potências da variável, assim:

1

z

∞∑

n=0

1

z

n=∞∑

n=0

1

zn+1 .

Se quiseremos o coeficiente de z−4 começamos por comparar as potências, ignorando oscoeficientes:

z−4 =1

zn+1 ⇒ −4=−(n+ 1) ⇒ n= 3,

e lemos o coeficiente com n= 3, que é 1. Se quisermos o coeficiente de z7:

z7 =1

zn+1 ⇒ 7=−(n+ 1) ⇒ n=−8,

vemos que o coeficiente é 0, pois n=−8 está fora dos limites da série.)E se quisermos séries de potências de z − 3? Pomos w = z − 3 e fazemos uma mudança

de variável. (De contrário, facilmente nos perdemos nas contas.) Ficamos com z = w+ 3 e

1

1− z=

1

1− (w+ 3)=

1

−2−w.

Aqui, podemos escolher entre pôr −2 em evidência, ou −w. Tentemos com −2:

1

−2−w=

1

−2

1

1+ w2

=−1

2

1

1− (−w2)=−1

2

∞∑

n=0

−w

2

n, desde que

−w

2

< 1.

Essa desigualdade é equivalente a |w|< 2. Mudando tudo de volta para z, concluímos que

1

1− z=−1

2

∞∑

n=0

−z− 3

2

n, desde que |z− 3|< 2.

E quais são as singularidades da função? Há só uma, em z = 1, e fica precisamente nafronteira de |z− 3|< 2.

Mais geralmente, temos frequentemente uma situação do género

1

A+ B=

1

A

1

1+ BA

=1

A

1

1− (− BA)=

1

A

∞∑

n=0

−B

A

n, desde que

−B

A

< 1,

com a condição de convergência equivalente a |B|< |A|. Ou seja: o termo que pusermos emevidência será, na região de convergência, o maior dos dois (em módulo).

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(1.10) Exercício. Experimentem agora pôr −w em evidência e obtenham a série de potên-cias convergente em |z− 3|> 2.

(1.11) Exercício. Qual o w apropriado se quiseremos séries de potências de z − 2? Qual asérie convergente em |z− 2|< 1? E em |z− 2|> 1?

(1.12) Exercício. E se quisermos séries de potências de z − 1? Quais as regiões de conver-gência possíveis? Quais as séries correspondentes? (Não se ponham a fazer contas.)

(1.13) Exercício. E se quiseremos séries de potências de z − i? Quais as regiões de conver-gência possíveis? Quais as séries correspondentes?

1

i

0 2

i

(1.14) Obtemos agora séries de potências de z para a função

f : z 7→ 1

z− 2+

2

z− i.

Para a primeira parcela, as regiões de convergência disponíveis são z : |z| < 2 ouz : |z| > 2. Se escolhermos a primeira região, temos |z| < |−2|, e por isso pomos −2 emevidência (pois pomos em evidência o termo com o maior módulo na região que queremos).Obtemos

1

z− 2=

1

−2

1z−2+ 1=−1

2

1

1− z2

=−1

2

∞∑

n=0

z

2

n, desde que |z|< 2.

Para a segunda parcela, as regiões de convergência disponíveis são z : |z| < 1 ouz : |z|> 1 (veem porquê?). Se escolhermos a segunda, temos |z|> |−i|, e por isso pomosz em evidência. Obtemos

2

z− i=

2

z

1

1− iz

=2

z

∞∑

n=0

i

z

n, desde que |z|> 1.

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EPISÓDIO 1: NÚMEROS COMPLEXOS E SÉRIES GEOMÉTRICAS

Combinando as duas parcelas, obtemos a série

f (z) =−1

2

∞∑

n=0

z

2

n+

2

z

∞∑

n=0

i

z

n, válida se |z|< 2 e |z|> 1.

(Ou seja, a região de convergência é z : 1< |z|< 2.) Se quiséssemos analisar os coeficien-tes, teríamos mais uma vez de simplificar as potências de z, ficando com

f (z) =−1

2

∞∑

n=0

zn

2n + 2∞∑

n=0

in

zn+1 .

Neste formato, é fácil ler, por exemplo, que o coeficiente de z4 (com contribuição de 4 = nda primeira série e sem contribuição da segunda série) é −1/25 e que o coeficiente de z−9

(sem contribuição da primeira série e com contribuição de 9 = n+ 1 ou n = 8 da segunda)é 2i8.

Se quiséssemos a série de potências para f convergente em z : |z| < 1, escolheríamosséries de potências para cada parcela compatíveis com essa condição (z : |z| < 2 para aprimeira parcela, e z : |z| < 1 para a segunda). E se quiséssemos a série convergente emz : |z−1|>p2 (façam o desenho com o centro em 1 e as singularidades!), escolheríamosz : |z− 1|> 1 para a primeira parcela e z : |z− 1|>p2 para a segunda.

(1.15) Exercício. Quais as séries de potências para f em cada uma das regiões?

(a) z : |z|< 1; (b) z : |z|> 2; (c) z : |z− 1|< 1;(d) z : 1< |z− 1|<p2; (e) z : |z− 1|>p2; (f) z : 0< |z− i|<p5;(g) z : |z− i|>p5; (h) z : 0< |z− 2|<p5; (i) z : |z− 2|>p5.

Para cada uma das séries, qual o coeficiente correspondente ao expoente −1 (isto é, qualo coeficiente de z−1, (z − 1)−1, (z − i)−1, ou (z − 2)−1, conforme os casos)? Notem quenalguns casos há duas contribuições.

(1.16) Exercício. Quais as séries de potências para

z 7→ 1

2z+ 1

em cada uma das regiões?

(a) z : |z|< 12; (b) z : |z|> 1

2; (c) z : |z− 1|< 3

2;

(d) z : |z− 1|> 32; (e) z : |z+ 1

2|> 0; (f) z : |z− i|>

p5

2.

(1.17) Mas nem sempre as funções são apresentadas convenientemente decompostas emfrações simples. Como obter séries de potências para a função

g : z 7→ 1

z(1− z)?

Alguns casos são relativamente fáceis. A série convergente em z : 0< |z|< 1 é

1

z(1− z)=

1

z

1

1− z=

1

z

∞∑

n=0

zn =∞∑

n=0

zn−1.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

Da mesma forma, a série convergente em z : |z|> 1 é

1

z(1− z)=

1

z

1

1− z=

1

z

1

−z

11−z+ 1=− 1

z2

1

1− 1z

=− 1

z2

∞∑

n=0

1

zn =−∞∑

n=0

1

zn+2 .

(1.18) Exercício. Quais são as séries para g convergentes em z : 0 < |z − 1| < 1 e z :|z − 1| > 1? (Não se esqueçam de mudar para a variável w = z − 1, e no fim mudar devolta para z.) Qual o coeficiente de (z− 1)−1 em cada uma das séries?

(1.19) Exercício. Tendo em conta que

g(z) =1

z(1− z)=(1− z) + z

z(1− z)=

1− z

z(1− z)+

z

z(1− z)=

1

z+

1

1− z,

determinem as séries de potências para g convergentes nas seguintes regiões:

(a) z : |z− 2|< 1; (b) z : 1< |z− 2|< 2; (c) z : |z− 2|> 2;(d) z : |z− 3|< 2; (e) z : 2< |z− 3|< 3; (f) z : |z− 3|> 3;(g) z : |z− i|< 1; (h) z : 1< |z− i|<p2; (i) z : |z− i|>p2.

(Podem aproveitar muitas das contas de (1.9) e dos exercícios que se lhe seguem.) Para cadauma das séries, qual o coeficiente correspondente ao expoente −1 (isto é, qual o coeficientede (z− 2)−1, (z− 3)−1, ou (z− i)−1, conforme os casos)?

(1.20) A DECOMPOSIÇÃO EM FRAÇÕES PARCIAIS permite-nos usar a mesma estratégia comoutras funções. Vamos ilustrar o princípio geral com um exemplo. Consideremos a funçãoalgébrica

h : z 7→ −4z+ 5

(z2+ 5z)z.

Só podemos avançar se o grau do numerador for menor que o do denominador e o de-nominador estiver fatorizado em fatores “primos entre si” (isto é, sem divisores comuns—havemos de mostrar que em C isto é o mesmo que não terem raízes em comum). Como 0 éraiz tanto de z2+ 5z como de z, reescrevemos a fração ligeiramente:

−4z+ 5

(z2+ 5z)z=−4z+ 5

z2(z+ 5).

Escrevendo o numerador de outra forma, obtemos

−4z+ 5

z2(z+ 5)=

z2+ (z+ 5)(−z+ 1)z2(z+ 5)

=1

z+ 5+−z+ 1

z2 .

Reparem que nas novas frações o grau do numerador também é menor que o do denomina-dor. Podemos sempre fazer algo parecido, desde que os polinómios em denominador sejamprimos entre si (não vamos provar esta afirmação, que é uma generalização do algoritmode Euclides que alguns de vocês conhecem). Mas ainda podemos simplificar mais, pois

1

z+ 5+−z+ 1

z2 =1

z+ 5− 1

z+

1

z2 .

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EPISÓDIO 1: NÚMEROS COMPLEXOS E SÉRIES GEOMÉTRICAS

(1.21) Exercício. Tendo em conta a decomposição que acabámos de obter, quais as sériesde potências para h convergentes em z : 0 < |z| < 5 e z : |z| > 5? Quais os coeficientesde z−1, z−5 e z6 em cada uma das séries?

(1.22) Vejamos mais um exemplo, para percebermos melhor o que acontece quando osfatores do denominador têm grau maior que 1. Temos

3z3− z− 1

z2(z+ 1)2=(2z− 1)z2+ (z− 1)(z+ 1)2

z2(z+ 1)2=

2z− 1

(z+ 1)2+

z− 1

z2 .

(Reparem que em todas as frações o grau do numerador é menor que o do denominador,e que z2 e (z + 1)2 não têm zeros em comum.) A segunda parcela é fácil de simplificarainda mais, mas o que fazer com a primeira? Só desta vez, façamos a mudança de variávelw = z+ 1 e z = w− 1. A primeira parcela fica

2z− 1

(z+ 1)2=

2(w− 1)− 1

w2 =2w− 3

w2 =2

w− 3

w2 =2

z+ 1− 3

(z+ 1)2.

Assim, a expressão original pode ser reescrita como

3z3− z− 1

z2(z+ 1)2=

2z− 1

(z+ 1)2+

z− 1

z2 =2

z+ 1− 3

(z+ 1)2+

1

z− 1

z2 .

Resumindo, podemos escolher entre dois formatos,

A

z+ 1+

B

(z+ 1)2+

C

z+

D

z2 ouA′z+ B′

(z+ 1)2+

C ′z+ D′

z2 ,

conforme o que nos dê mais jeito.Mas como descobrimos os coeficientes? Na prática, começamos pela expressão final

3z3− z− 1

z2(z+ 1)2=

A

z+ 1+

B

(z+ 1)2+

C

z+

D

z2

e resolvemos em ordem às constantes. Por exemplo, se reduzirmos ao mesmo denominadorficamos com

3z3− z− 1

z2(z+ 1)2=

A(z+ 1)z2+ Bz2+ C(z+ 1)2z+ D(z+ 1)2

z2(z+ 1)2.

Se duas frações com o mesmo denominador são iguais, é porque os numeradores são iguais.Assim, temos esta igualdade de polinómios:

3z3− z− 1= A(z+ 1)z2+ Bz2+ C(z+ 1)2z+ D(z+ 1)2.

Se dois polinómios são iguais, os seus valores (no mesmo ponto) também são iguais. Subs-tituindo em quatro pontos diferentes (por exemplo, z = 0, z = −1, z = 1, e z = −2),obtemos:

−1= D; −3= B;

1= 2A+ B+ 4C + 4D; −23=−4A+ 4B− 2C + D.

Notem a simplificação substancial nos pontos correspondentes a zeros do denominador. Aoresolver o sistema, chegamos a D =−1, B =−3, A= 2, C = 1.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(1.23) Exercício. Decomponham

2z+ i2− 6

(z− 2)(z− 3)=

A

z− 2+

B

z− 3

em frações parciais e determinem as séries de potências de z para essa função. Quais asregiões de convergência dessas séries? Qual o coeficiente de z−1 em cada uma delas?

(1.24) Exercício. Determinem a decomposição de

f : z 7→ 3z+ iz− 4i− 2

(z− 2)(z− i)

em frações parciais e usem-na para encontrar as séries de potências de (z − 1) para f(indiquem também as respetivas regiões de convergência). Quais os coeficientes de (z−1)2

e (z− 1)−1 em cada uma dessas séries?

(1.25) Exercício. Decomponham

−4z+ 3

z(z− i)(2z+ 1)2=

A

z+

B

z− i+

C

2z+ 1+

D

(2z+ 1)2

em frações parciais e determinem as séries de potências de z+ 12

para essa função. Quais asregiões de convergência dessas séries? Qual o coeficiente de (z+ 1

2)−1 em cada uma delas?

(1.26) SÉRIES OBTIDAS POR DERIVAÇÃO. Imaginem que querem uma série de potências para

f : z 7→ 1

(2z+ 1)2

convergente em |z|< 12. (Se forem verificar, reparam que evitámos casos destes até aqui.)

A princípio, ignoramos o expoente:

1

2z+ 1=

1

1− (−2z)=∞∑

n=0

(−2z)n.

(“Pusemos” 1 em evidência, pois na região de convergência que queremos, |1| > |2z|.)Agora, derivamos ambos os membros da igualdade e, sem nos preocuparmos para já com alegimitidade deste passo, derivamos a série termo a termo:

1

2z+ 1

′=

∞∑

n=0

(−2)nzn

!′=∞∑

n=0

((−2)nzn)′ .

Obtemos assim

− 2

(2z+ 1)2=∞∑

n=0

(−2)nnzn−1,

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EPISÓDIO 1: NÚMEROS COMPLEXOS E SÉRIES GEOMÉTRICAS

levando-nos a concluir que

f (z) =1

(2z+ 1)2=−1

2

∞∑

n=0

(−2)nnzn−1 =∞∑

m=0

(−2)m(m+ 1)zm, desde que |z|< 12.

No último passo (opcional), ignorámos n = 0 (pois o coeficiente respetivo é 0) e mudámoso índice para m = n− 1 (na prática, ajustamos os índices sem mudar o nome, já que sãovariáveis mudas).

(1.27) Exercício. Usem a mesma estratégia (sem se preocuparem com a justificação) paraencontrar as séries para f convergentes em

(a) z : |z|> 12; (b) z : |z−i|<

p5

2; (c) z : |z−i|>

p5

2.

Qual o coeficiente de z−1 ou (z− i)−1 (conforme os casos) em cada série?

(1.28) Exercício. Voltemos à função h em (1.20)

−4z+ 5

(z2+ 5z)z=

1

z+ 5− 1

z+

1

z2 .

Quais as séries de potências de (z+5) para h? Quais as respetivas regiões de convergência?Qual o coeficiente de (z+ 5)−1 em cada série?

(1.29) Exercício. Voltemos também à função

3z3− z− 1

z2(z+ 1)2

de (1.22). Quais as séries de potências de z, de (z+1) e de (z+ i) para essa função? Quaisas respetivas regiões de convergência? Qual o coeficiente de expoente −1 em cada série?

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(1.30) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS.

(1.2) (a) −5− i; 2− i; −3+ 2i; −3− 2i;−3− 2i. (b) −11− 3i; −11+ 3i; −11+ 3i;p

26;p

5;p

130. (c) − 95+ 7

5i; − 9

5− 7

5i; − 9

5− 7

5i;

Æ

265

. (d) 24− 10i; 58+ 4i; 385− 44

5i.

(1.4) (−y, x); (x2 − y2, 2x y);(x3 − 3x y2, 3x2 y − y3); (x ,−y); (x , 0); (y, 0);

x + 2x2 − 2y2

x2 + y2 ,−y − 4x y

x2 + y2

;

3x

x2 + y2 +2x − y

5,−3y

x2 + y2 −x + 2y

5

.

(1.6) (a) 1− rN+1. (b) 1−rN+1

1−r. (c) 1

1−r; 1

1−r.

(1.7) (a) 2. (b) 32. (c) 1. (d)∞.

(1.10) −∞∑

n=0

(−2)n

(z− 3)n+1 .

(1.11) w = z− 2; −∞∑

n=0

(−1)n(z− 2)n;

−∞∑

n=0

(−1)n

(z− 2)n+1 .

(1.12) |z− 1|> 0; − 1

z− 1.

(1.13) |z− i|<p2;∞∑

n=0

(z− i)n

(1− i)n+1 ;

|z− i|>p2; −∞∑

n=0

(1− i)n

(z− i)n+1 .

(1.15) (a) −∞∑

n=0

zn

2n+1 − 2∞∑

n=0

zn

in+1 .

(b)∞∑

n=0

2n

zn+1 + 2∞∑

n=0

in

zn+1 .

(c) −∞∑

n=0

(z− 1)n − 2∞∑

n=0

(z− 1)n

(i− 1)n+1 .

(d)∞∑

n=0

1

(z− 1)n+1 − 2∞∑

n=0

(z− 1)n

(i − 1)n+1 .

(e)∞∑

n=0

1

(z− 1)n+1 + 2∞∑

n=0

(i− 1)n

(z− 1)n+1 .

(f) −∞∑

n=0

(z− i)n

(2− i)n+1 +2

z− i.

(g)∞∑

n=0

(2− i)n

(z− i)n+1 +2

z− i.

(h)1

z− 2− 2

∞∑

n=0

(z− 2)n

(i− 2)n+1 .

(i)1

z− 2+ 2

∞∑

n=0

(i− 2)n

(z− 2)n+1 .

(1.16) (a)∞∑

n=0

(−2)nzn. (b)∞∑

n=0

(−1)n

2n+1zn+1 .

(c) −1

2

∞∑

n=0

(−2

3)n+1(z− 1)n.

(d)1

2

∞∑

n=0

(−3/2)n

(z− 1)n+1 . (e) 12

z+ 12

−1.

(f)1

2

∞∑

n=0

(− 12− i)n

(z− i)n+1 .

(1.18)∞∑

n=0

(−1)n−1(z− 1)n−1; −1;

−∞∑

n=0

(−1)n

(z− 1)n+2 ; 0.

(1.19) (a)∞∑

n=0

(−1)n(z− 2)n

2n+1 −∞∑

n=0

(−1)n(z− 2)n; 0.

(b)∞∑

n=0

(−1)n(z− 2)n

2n+1 −∞∑

n=0

(−1)n

(z− 2)n+1 ; −1.

(c)∞∑

n=0

(−2)n

(z− 2)n+1 −∞∑

n=0

(−1)n

(z− 2)n+1 ; 0.

(d)∞∑

n=0

(−1)n(z− 3)n

3n+1 −∞∑

n=0

(−1)n(z− 3)n

2n+1 ; 0.

(e)∞∑

n=0

(−1)n(z− 3)n

3n+1 −∞∑

n=0

(−2)n

(z− 3)n+1 ; −1.

(f)∞∑

n=0

(−3)n

(z− 3)n+1 −∞∑

n=0

(−2)n

(z− 3)n+1 ; 0.

(g)∞∑

n=0

(−1)n(z− i)n

in+1 −∞∑

n=0

(−1)n(z− i)n

(i− 1)n+1 ; 0.

(h)∞∑

n=0

(−i)n

(z− i)n+1 −∞∑

n=0

(−1)n(z− i)n

(i− 1)n+1 ; 1.

(i)∞∑

n=0

(−i)n

(z− i)n+1 −∞∑

n=0

(1− i)n

(z− i)n+1 ; 0.

(1.21)1

5

∞∑

n=0

zn

(−5)n− 1

z+

1

z2 ; −1; 0; 5−7;

∞∑

n=0

(−5)n

zn+1 −1

z+

1

z2 ; 0; 54; 0.

18/75

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EPISÓDIO 1: NÚMEROS COMPLEXOS E SÉRIES GEOMÉTRICAS

(1.23)2− (i/2)

z− 2+

i/2

z− 3;

i− 4

4

∞∑

n=0

zn

2n −i

6

∞∑

n=0

zn

3n ; |z|< 2; 0;

4− i

2

∞∑

n=0

2n

zn+1 −i

6

∞∑

n=0

zn

3n ; 2< |z|< 3; 4−i2

;

4− i

2

∞∑

n=0

2n

zn+1 +i

2

∞∑

n=0

3n

zn+1 ; 3< |z|; 2.

(1.24)2

z− 2+

i+ 1

z− i;

−2∞∑

n=0

(z− 1)n + i∞∑

n=0

(z− 1)n

(i− 1)n; |z− 1|< 1;

− 52; 0;

2∞∑

n=0

1

(z− 1)n+1 + i∞∑

n=0

(z− 1)n

(i− 1)n;

1< |z− 1|<p2; − 12; 2;

2∞∑

n=0

1

(z− 1)n+1 + (i+ 1)∞∑

n=0

(i− 1)n

(z− 1)n+1 ;

p2< |z− 1|; 0; 3+ i.

(1.25)3i

z+

i

z− i+

1− 2i

(z+ 12)2− 4i

z+ 12

;

−6i∞∑

n=0

2n(z+1

2)n − i

∞∑

n=0

(z+ 12)n

(i+ 12)n+1

+

1− 2i

(z+ 12)2− 4i

z+ 12

; 0< |z+ 12|< 1

2; −4i;

3i∞∑

n=0

1

2n(z+ 12)n+1

− i∞∑

n=0

(z+ 12)n

(i+ 12)n+1

+

1− 2i

(z+ 12)2− 4i

z+ 12

; 12< |z+ 1

2|<

p5

2; −i;

3i∞∑

n=0

1

2n(z+ 12)n+1

+ i∞∑

n=0

(i+ 12)n

(z+ 12)n+1

+

1− 2i

(z+ 12)2− 4i

z+ 12

; p

52< |z+ 1

2|; 0.

(1.27) (a)∞∑

n=0

(−1)n(n+ 1)2n+2zn+2 ; 0.

(b)1

4

∞∑

n=0

n(z− i)n−1

(− 12− i)n+1

; 0.

(c)1

4

∞∑

n=0

(n+ 1)(− 12− i)n

(z− i)n+2 ; 0.

(1.28)1

z+ 5+∞∑

n=0

(z+ 5)n

5n+1 +∞∑

n=0

n(z+ 5)n−1

5n+1 ;

0< |z+ 5|< 5; 1;1

z+ 5−∞∑

n=0

5n

(z+ 5)n+1 +∞∑

n=0

(n+ 1)5n

(z+ 5)n+2 ;

5< |z+ 5|; 0.

(1.29)

2∞∑

n=0

(−1)nzn + 3∞∑

n=0

(−1)nnzn−1 +1

z− 1

z2 ;

0< |z|< 1; 1;

2∞∑

n=0

(−1)n

zn+1 + 3∞∑

n=0

(−1)n+1(n+ 1)zn+2 +

1

z− 1

z2 ;

1< |z|; 3;2

z+ 1− 3

(z+ 1)2−∞∑

n=0

(z+ 1)n−∞∑

n=0

n(z+ 1)n−1;

0< |z+ 1|< 1; 2;2

z+ 1− 3

(z+ 1)2+∞∑

n=0

1

(z+ 1)n+1−∞∑

n=0

n+ 1

(z+ 1)n+2 ;

1< |z+ 1|; 3;

−2∞∑

n=0

(z+ i)n

(i− 1)n+1 − 3∞∑

n=0

n(z+ i)n−1

(i− 1)n+1 +

∞∑

n=0

(z+ i)n

in−1 +∞∑

n=0

n(z+ i)n−1

in−1 ; |z+ i|< 1; 0;

−2∞∑

n=0

(z+ i)n

(i− 1)n+1 − 3∞∑

n=0

n(z+ i)n−1

(i− 1)n+1 +

∞∑

n=0

in

(z+ i)n+1 −∞∑

n=0

(n+ 1)in

(z+ i)n+2 ;

1< |z+ i|<p2; 1;

2∞∑

n=0

(i− 1)n

(z+ i)n+1 − 3∞∑

n=0

(n+ 1)(i− 1)n

(z+ i)n+2 +

∞∑

n=0

in

(z+ i)n+1 −∞∑

n=0

(n+ 1)in

(z+ i)n+2 ; p2< |z+ i|; 3.

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EPISÓDIO 2

DERIVADAS E PRIMITIVAS

Neste episódio, vamos resumir algumas ideias sobre derivadas e primitivas em C. Vemostambém como obter séries de Taylor, e os surpreendentes teorema de Cauchy e teorema dosresíduos, bem como a fórmula de Cauchy.

(2.1) DERIVADAS E FUNÇÕES HOLOMORFAS. Muitas das definições do cálculo continuam a fazersentido em C. Podemos continuar a falar de limites e de funções contínuas; de facto, sevirmos as funções C → C como funções R2 → R2, não há nada a acrescentar ao que sepassava em R2. Mas com as derivadas já há algumas surpresas.

As derivadas de funções aritméticas continuam a funcionar tal e qual como antes, poisos seus limites não envolvem quaisquer complicações. Por exemplo, se f (z) = z2, a derivadade f em z = a é

f ′(a) = limz→a

f (z)− f (a)z− a

= limz→a

z2− a2

z− a= lim

z→a

(z− a)(z+ a)z− a

= limz→a(z+ a) = 2a.

(2.2) Exercício. Fixamos as funções dadas por g(z) = z2−4z e h(z) = 1/z. Quais os valoresde g ′(3), g ′(i), g ′(2+ i), h′(3), h′(i), e h′(2+ i) em coordenadas cartesianas?

(2.3) Dizemos que uma função é holomorfa num ponto se for diferenciável numa vizi-nhança desse ponto, e que é holomorfa num conjunto se for diferenciável numa vizinhançadesse conjunto. Se dissermos simplesmente que a função é holomorfa, subentendemos queé holomorfa em todo o seu domínio.

Um facto importante (que só explicaremos mais tarde): as funções holomorfas são asque podem ser expressas apenas em termos de z, sem usar z, |z|, x = Re z, nem y = Im z.(Aqui é preciso algum sentido crítico: exatamente o que significa “podem ser expressasapenas em termos de z”?)

Vejamos o que se passa se f (z) = Re z:

f ′(a) = limh→0

f (a+ h)− f (a)h

= limh→0

Re(a+ h)−Re a

h= lim

h→0

Re h

h.

Lembram-se como lidar com limites destes em R2? Temos de considerar todas as formasdiferentes de h se aproximar de 0, e todas têm de concordar no valor do limite. Ora, seescolhermos h 6= 0 real, vemos que o limite tem de ser 1; se escolhermos h 6= 0 imaginário,vemos que o limite tem de ser 0. Ou seja, o limite não existe e f não é diferenciável (emnenhum a).

(2.4) Exercício. Mantemos f (z) = Re z e usamos as ideias de (1.3).

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EPISÓDIO 2: DERIVADAS E PRIMITIVAS

(a) Se z = x + i y for a forma cartesiana de z e f (z) = u(x , y) + iv(x , y) for a formacartesiana de f (z), quem são as funções u e v?

(b) A função F : R2→ R2 : (x , y) 7→ (u(x , y), v(x , y)) é diferenciável em R2?(c) Já vimos que f não é diferenciável em C. Escrevam g : z 7→ Im z em termos de f . O

que podem concluir sobre a diferenciabilidade de g?(d) Usem um raciocínio semelhante para z 7→ z.(e) Conseguem mostrar que z 7→ |z| não é diferenciável? (Podem usar a definição de

derivada, ou podem aproveitar o resultado da alínea anterior.)

(2.5) Exercício. Há pouco, dissemos que as funções holomorfas são as que podem ser ex-pressas apenas em termos de z, sem usar z, |z|, x = Re z, nem y = Im z. Nesta pergunta,podem usar esse critério à vontade, sem se preocuparem em justificá-lo. (Além disso, x+ i yé sempre a forma cartesiana de z.)

(a) Mostrem como exprimir |z|, x , e y em termos de z e z. Conseguem obter um critériomais prático para decidir se uma função é holomorfa?

(b) Mostrem que a função x + i y 7→ x2+ 2i x y − y2− 2i x + 2y é holomorfa.(c) Decidam quais destas funções são holomorfas:

z 7→ z2+ 3z; z 7→ |z2|z

; z 7→ z− z; z 7→ 1

1+ z2 ;

z 7→ x2− y2; z 7→ x2− y2+ 2i x y; z 7→ x − i y

x2+ y2 ; z 7→ x + i y

x2+ y2 ;

z 7→ i x + y; z 7→ −x − y + i x − i y; z 7→ 1

1+ x2 ; z 7→ 1

1+ x2+ y2 .

(2.6) Exercício. Se f é uma função diferenciável em a e g é uma função diferenciável emf (a), mostrem que g f é diferenciável em a e determinem o valor da derivada. (Por outraspalavras, verifiquem que a regra para a derivada da função composta também funcionaem C.)

(2.7) Exercício. Voltando à definição de função holomorfa em (2.1), mostrem que ser ho-lomorfa num conjunto é o mesmo que ser holomorfa em cada ponto desse conjunto. (Istonão é difícil, mas também não é tão óbvio como parece. Veem porquê?)

(2.8) Exercício. Suponham que f é um função holomorfa no seu domínio. O domínio podeser a reta real? Pode ser o conjunto z ∈ C : Re z > 0? Ou z ∈ C : 0 < |z| < 1? Ouz ∈ C : |z|= 1? Ou z ∈ C : |z| ≥ 1? Porquê?

(2.9) Dizemos que f tem uma singularidade em z = a se a estiver na fronteira do maioraberto onde f é holomorfa. (Esta não é bem a definição habitual, que é um pouco maisvaga; mas serve para o que queremos.) Por exemplo, a função

z 7→ 1

(z− 2)(z+ 3)2

é holomorfa em Ω = C \ 2,−3 e tem singularidades em 2 e −3. (Neste caso, dizemos quesão singularidades isoladas, pois 2,−3 não tem pontos de acumulação.)

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(2.10) Exercício. Quais as singularidades de z 7→ 1

1+ z2 ? Quais as de z 7→ z+p

2

(z4− 4)(z+ i)2?

(2.11) AS SÉRIES DE TAYLOR são as séries de potências sem expoentes negativos. Se assu-mirmos (como no fim do episódio anterior) que as séries de potências podem ser derivadastermo-a-termo, então dada uma série de potências

f (z) =∞∑

n=0

un(z− a)n,

a sua derivada f ′ é

f ′(z) =∞∑

n=0

unn(z− a)n−1.

Havemos de mostrar que a região de convergência destas séries é a mesma (se ignorarmoso que se passa na fronteira).

Calculemos as derivadas explicitamente:

f (z) = u0+ u1(z− a) + u2(z− a)2+ u3(z− a)3+ u4(z− a)4+ u5(z− a)5+ · · · ;f ′(z) = u1+ 2u2(z− a) + 3u3(z− a)2+ 4u4(z− a)3+ 5u5(z− a)4+ · · · ;f ′′(z) = 2u2+ 3 · 2u3(z− a) + 4 · 3u4(z− a)2+ 5 · 4u5(z− a)3+ · · · ;

f (3)(z) = 3 · 2u3+ 4 · 3 · 2u4(z− a) + 5 · 4 · 3u5(z− a)2+ · · · ;f (4)(z) = 4 · 3 · 2u4+ 5 · 4 · 3 · 2u5(z− a) + · · · ;f (5)(z) = 5 · 4 · 3 · 2u5+ · · · .

Substituam z = a em cada uma dessas séries, de modo a ficarem só com o termo constante.Veem qual é o padrão? Obtemos f (n)(a) = un n!. (Conseguem provar por indução que essaexpressão é válida para qualquer n?)

Assim, se tivermos uma função analítica f , a sua série de potências centrada em z = a(conhecida como série de Taylor ou, só no caso a = 0, série de MacLaurin) é

f (z) =∞∑

n=0

f (n)(a)n!

(z− a)n.

(2.12) Exercício. Assumindo que estas funções são analíticas e as suas derivadas seguem asmesmas regras que no cálculo real, quais as séries de MacLaurin destas funções?

(a) z 7→ ez; (b) z 7→ e2z−1; (c) z 7→ z2e2z−1; (d) z 7→ sin z; (e) z 7→ cos z.

Quais as séries de Taylor centradas em π?

(2.13) Exercício. Qual a série de MacLaurin de

z 7→ 1

1+ z2

e qual a respetiva região de convergência? Qual a primitiva dessa série com valor 0 emz = 0? Que nome dariam à função definida por essa série?

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EPISÓDIO 2: DERIVADAS E PRIMITIVAS

(2.14) INTEGRAIS EM C. O passo natural seguinte é considerar integrais. Os integrais (defunções complexas) em intervalos [a, b] ⊂ R são uma extensão natural do que fazemos nocaso real. Por exemplo, se u e v são funções [a, b]→ R, definimos

∫ b

a

u(t) + iv(t)dt =

∫ b

a

u(t)dt+i

∫ b

a

v(t)dt .

(Ou seja, limitamo-nos a insistir que o integral seja linear mesmo quando o conjunto dosescalares é alargado de R para C.) Desta forma, podemos fazer

∫ 1

0

(t + i− i t)dt =

∫ 1

0

t dt+i

∫ 1

0

(1− t)dt =

t2

2

1

0+ i

t − t2

2

1

0=

1

2+

i

2.

Mas isso é para funções definidas em (um intervalo de) R. E para funções definidas em(um aberto de) C? Nesse caso, parece razoável decidir que só vamos definir integrais aolongo de caminhos. É provável que precisemos de hipóteses adicionais, por isso vamos assu-mir desde já que todos os caminhos são “suficientemente regulares”. Usamos esta expressãopara não nos comprometermos já com as hipóteses (quando percebermos quais devem ser,então faremos a definição “oficial”).

Se γ : [a, b]→ C : t 7→ x(t) + i y(t) é um caminho (suficientemente regular) e f é umafunção definida ao longo desse caminho, pomos∫

γ

f (x + i y)dx =

∫ b

a

f (γ(t)) x ′(t)dt e

γ

f (x + i y)dy =

∫ b

a

f (γ(t)) y ′(t)dt .

Finalmente (e aqui já há algo de novo), definimos o integral complexo como∫

γ

f (z)dz =

∫ b

a

f (γ(t)) γ′(t)dt

e o integral “de comprimento” como∫

γ

f (z) |dz|=∫ b

a

f (z) ‖γ′(t)‖dt

Por exemplo, fixemos f (z) = z e calculemos o seu integral ao longo do caminho γ : t 7→t + i(1− t) ligando γ(0) = i a γ(1) = 1. Por um lado, temos

γ

f (z)dz =

∫ 1

0

f (γ(t)) γ′(t)dt =

∫ 1

0

(t + i− i t)(1− i)dt

=

∫ 1

0

t − i t + i− i2− i t + i2 t dt =

∫ 1

0

1+ i− 2i t dt

=

t + i t − i t21

0= 1+ i− i = 1.

Aliás, até podemos apresentar as contas de forma ligeiramente diferente, se escrevermosz = γ(t) = t + i(1− t) e dz = d

t + i(1− t)

= (1− i)dt:∫

γ

f (z)dz =

γ

z dz =

∫ 1

0

(t + i− i t)(1− i)dt

= (1− i)

∫ 1

0

(t + i− i t)dt = (1− i)

t2

2+ i t − i t2

2

1

0= (1− i)

1+ i

2= 1.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

i

1

Mas por outro lado, é bem mais tentador fazer algo como∫

γ

f (z)dz =

γ

z dz =

z2

2

final

inicial=

12

2− i2

2=

1

2− −1

2= 1.

Isto funciona mais geralmente. Se f (z) = F ′(z), então∫

γ

f (z)dz =

∫ b

a

f (γ(t)) γ′(t)dt =

∫ b

a

F ′(γ(t)) γ′(t)dt =

∫ b

a

(F γ)′(t)dt .

Mas podemos escrever F γ na forma U+ iV , onde U e V são funções reais de variável real.Ficamos portanto com∫ b

a

(F γ)′(t)dt =

∫ b

a

(U + iV )′(t)dt =

∫ b

a

U ′(t)dt+i

∫ b

a

V ′(t)dt

= U(b)− U(a) + iV (b)− iV (a) = (U + iV )(b)− (U + iV )(a)

= (F γ)(b)− (F γ)(a) = F(γ(b))− F(γ(a)) = F(final)− F(inicial).

Resumindo, obtivemos o teorema fundamental do cálculo para funções holomorfas: se γ éum caminho suficientemente regular e f = F ′ ao longo desse caminho, então

γ

f (z)dz = F(final)− F(inicial).

Infelizmente, se f não tiver primitiva (ou não a conhecermos), temos de calcular ointegral pela definição (isto é, usando explicitamente γ(t) e γ′(t) e calculando o integralreal que se obtém). Felizmente, esse caso não terá grande interesse para nós.

0

1+ i

(2.15) Exercício. Calculem os integrais ao longo do caminho γ : [0,1]→ C : t 7→ t + i t2.

(a)

γ

z2 dz; (b)

γ

z dz; (c)

γ

Re z dz; (d)

γ

z3−iz dz .

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EPISÓDIO 2: DERIVADAS E PRIMITIVAS

(2.16) Exercício?. Fixemos um caminho γ : [a, b]→ C. Neste exercício, vamos mostrar que

γ

f (z)dz

≤∫

γ

| f (z)| |dz| ≤ MC ,

onde M é o máximo de | f (z)| ao longo do caminho e C é o comprimento do caminho.Definimos J =

γf (z)dz; é um número complexo.

(a) Mostrem a primeira desigualdade no caso J = 0.

(b) Se J 6= 0, definimos g : z 7→ f (z) · |J |J

. Mostrem que

γg(z)dz

=

γf (z)dz

e que

|g(z)|= | f (z)|. Mostrem que para provar as desigualdades para f basta prová-las para g.(c) Notem que

γg(z)dz é um real positivo, e usem isso para mostrar

γ

g(z)dz

= Re

γ

g(z)dz = Re

∫ b

a

g(γ(t)) γ′(t)dt

=

∫ b

a

Re

g(γ(t)) γ′(t)

dt ≤∫ b

a

g(γ(t)) γ′(t)

dt =

γ

|g(z)| |dz|.

Verifiquem que cada um dos passos faz sentido e terminem a demonstração.

(2.17) Exercício. Mostrem que∫

γ

f (z)dz = 0

para todos os caminhos fechados γ suficientemente regulares e funções f primitiváveis (aolongo de γ).

(2.18) Exercício. Fixamos o caminho γ : [0, 2π] → C : t 7→ cos t + i sin t. Comecem pormostrar que γ′(t) = iγ(t). A partir daí, calculem

γ

1

zdz .

Conseguem imaginar por que razão isto não contradiz o exercício anterior?

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(2.19) Exercício. Encontrem uma parametrização para o caminho γ que percorre (no sen-tido positivo) a circunferência de raio R > 0 centrada na origem. É comum usar a notação|z|= R para denotar esse caminho. Calculem

|z|=R

z2 dz e

|z|=R

dz

z.

(2.20) O TEOREMA DE CAUCHY é talvez o primeiro facto verdadeiramente inesperado sobreas funções holomorfas. Se o bordo ∂Ω do aberto Ω é um conjunto finito de caminhosregulares (com as orientações corretas, assinaladas com ) e f é holomorfa em Ω e ∂Ω,então

∂Ωf (z)dz = 0.

Ω

γ1

γ2γ3

Um exemplo explica melhor o que queremos dizer. Se o bordo de Ω for formado portrês caminhos (chamemos-lhes γ1, γ2 e γ3), então o teorema diz que

γ1

f (z)dz+

γ2

f (z)dz+

γ3

f (z)dz = 0.

(Para podermos usar o teorema, é preciso que f seja holomorfa em Ω e numa pequenavizinhança ao longo do bordo.) A seu tempo, veremos como demonstrar o teorema. Para já,exploremos apenas algumas consequências.

(2.21) Fixemos uma função f holomorfa em Ω\a, b e ao longo de ∂Ω. Escolhemos ε > 0suficientemente pequeno (porquê?) e pomos Ω′ = z ∈ Ω : |z − a| ≥ ε e |z − b| ≥ ε. Obordo de Ω′ consiste no bordo de Ω juntamente com os caminhos |z − a| = ε e |z − b| = εpercorridos no sentido oposto. Aplicando o teorema de Cauchy a Ω′ e tendo em conta aorientação dos caminhos, vemos que

∂Ωf (z)dz−

|z−a|=εf (z)dz−

|z−b|=εf (z)dz = 0.

Ou seja, o integral original é dado por∫

|z−a|=εf (z)dz+

|z−b|=εf (z)dz .

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EPISÓDIO 2: DERIVADAS E PRIMITIVAS

Ω

a

bΩ′

No futuro veremos que, se f é holomorfa em z ∈ Ω : 0 < |z − a| ≤ ε (notem que o anão está incluído) e tem uma singularidade (necessariamente isolada) em a, então existeum número complexo, chamado o resíduo de f em a e escrito Resa f ou Resz=a f (z), tal que

|z−a|=εf (z)dz = 2πi Resa f .

Isto significa que, no exemplo (2.21) de há pouco,∫

∂Ωf (z)dz =

|z−a|=εf (z)dz+

|z−b|=εf (z)dz = 2πi (Resa f +Resb f ).

(Havendo mais singularidades dentro do caminho, teremos de incluir os seus resíduos nestasoma.) Encontrámos o teorema dos resíduos.

Resta saber: como calculá-los?

(2.22) Dada uma série de Laurent

f (z) =∑

n∈Zunzn,

podemos subdividi-la em três parcelas:

· · ·+ u−6

z6 +u−5

z5 +u−4

z4 +u−3

z3 +u−2

z2︸ ︷︷ ︸

subsérie com expoentes menores ou iguais a −2;é primitivável no interior da região de convergência.

+u−1

z+ u0+ u1z+ u2z2+ u3z3+ u4z4+ · · ·︸ ︷︷ ︸

subsérie com expoentes maiores ou iguais a 0;é primitivável no interior da região de convergência.

Dos vários termos da série, só o de expoente −1 não é primitável. Por isso, todos os outrostêm integral 0 ao longo de |z| = R contido na região de convergência da série. E vimosacima que

|z|=R

u−1z−1 dz = u−1

|z|=R

dz

z= 2πiu−1.

Assim,∫

|z|=R

f (z)dz = 2πiu−1.

E se tivermos potências de z − a? Nesse caso, fazemos a mudança de variável paraw = z − a, e tudo o que dissemos até aqui é adaptado da forma correspondente: a únicadiferença é que as regiões de convergência passam a ser centradas em w = 0, ou z = a.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(2.23) A FÓRMULA DE CAUCHY para séries de Taylor segue diretamente do que vimos atéaqui. Se tivermos

f (z) =∞∑

n=0

f (n)(a)n!

(z− a)n,

então

g(z) =f (z)

(z− a)k+1=∞∑

n=0

f (n)(a)n!

(z− a)n−k−1.

Se ε for suficientemente pequeno, o caminho |z − a| = ε contorna apenas a singularidadeem a. Como o expoente na série de g é −1 quando n= k, vemos que o integral é

|z−a|=εg(z) =

|z−a|=ε

f (k)(a)k!

(z− a)−1 dz = 2πif (k)(a)

k!.

De facto, não precisamos de restringir-nos a esse tipo de caminho; se γ for um caminhofechado simples (isto é, sem autointerseções) contornando a no sentido positivo, e f forholomorfa ao longo e dentro de γ (porquê todas estas restrições?), então

γ

f (z)

(z− a)k+1dz = 2πi

f (k)(a)k!

.

(Veem porquê?) Obtemos assim a fórmula de Cauchy (no caso k = 0) e a fórmula de Cauchygeneralizada (quando k > 0). Esta fórmula é no mínimo surpreendente: para calcular umintegral, basta avaliar uma função (ou a sua derivada) num ponto!

(2.24) Vejamos um exemplo. Vamos avaliar∫

γ

iz

z2− 3dz

ao longo de um caminho γ que contorna −p3 (no sentido positivo) mas não contornap

3.Ao fatorizar o denominador, obtemos z2 − 3 = (z −p3)(z +

p3) e vemos que ±p3 são as

únicas singularidades. Por isso, o integral é

|z+p3|=ε

iz

(z−p3)(z+p

3)dz =

|z+p3|=ε

izz−p3

z+p

3dz = 2πi (i/2)

︸︷︷︸

izz−p3

em z=−p3

=−π.

(2.25) Vejamos mais um exemplo. Vamos avaliar∫

γ

z+ 3

z3− zdz,

onde γ é o caminho indicado na figura. O denominador pode ser fatorizado,

z3− z = z(z2− 1) = z(z− 1)(z+ 1),

mostrando que as singularidades dentro de γ são 0 e 1. Assim, o integral é∫

|z−0|=ε

z+ 3

z(z− 1)(z+ 1)dz+

|z−1|=ε

z+ 3

z(z− 1)(z+ 1)dz .

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EPISÓDIO 2: DERIVADAS E PRIMITIVAS

−1 0 1

Agora, aplicamos a fórmula de Cauchy a cada um deste integrais. Ficamos com

|z−0|=ε

z+ 3

z(z− 1)(z+ 1)dz =

|z−0|=ε

z+3(z−1)(z+1)

zdz = 2πi (−3)

︸︷︷︸

z+3(z−1)(z+1) em z=0

|z−1|=ε

z+ 3

z(z− 1)(z+ 1)dz =

|z−1|=ε

z+3z(z+1)

z− 1dz = 2πi · 2

︸︷︷︸

z+3z(z+1) em z=1

,

o que nos permite concluir que o integral original é −2πi.

(2.26) Exercício. Mantemos o caminho γ do exemplo anterior. Calculem os integrais

(a)

γ

2

z− 3

z− 1+

4

z+ 1dz; (b)

γ

z3+ 1

(z+ 1)2(z2− z)dz; (c)

γ

ez

z2− zdz .

(Para o último, z 7→ ez é holomorfa. Como só vão precisar dos valores em pontos de R. . . )

(2.27) Exercício. Quais os valores possíveis de

γ

1

1+ z2 dz

ao longo de caminhos fechados simples? (Precisamos de impor restrições adicionais aoscaminhos? Quais?) Comecem por identificar as singularidades.

(2.28) Exercício. Quais os valores possíveis de

γ

1+ z+ z2

z4− 1dz

ao longo de caminhos fechados simples? Façam o mesmo que no exercício anterior, maspreparem-se para algumas contas. . .

(2.29) Voltemos à função do exemplo (1.20):

h : z 7→ −4z+ 5

z2(z+ 5).

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

A fórmula de Cauchy generalizada permite-nos calcular diretamente o integral de h ao longode |z|= 3. Como só há uma singularidade dentro desse caminho, temos

|z|=3

−4z+ 5

z2(z+ 5)dz =

|z|=ε

g(z)︷ ︸︸ ︷

−4z+5z+5

z2︸︷︷︸

a=0; n+1=2

= 2πi−4(z+ 5)− (−4z+ 5)

(z+ 5)2

z=0︸ ︷︷ ︸

g ′(0)

=−2πi.

Mas, na verdade, no exemplo (1.20) chegámos a fazer a decomposição de h(z) emfrações parciais. Tínhamos

h(z) =1

z+ 5− 1

z+

1

z2 .

Por isso,∫

|z|=3

h(z)dz =

|z|=3

1

z+ 5− 1

z+

1

z2 dz =

|z|=3

1

z+ 5dz−

|z|=3

1

zdz+

|z|=3

1

z2 dz .

O primeiro integral é 0 (pois a singularidade fica fora do caminho). No segundo integralpodemos usar a fórmula de Cauchy habitual (com a = 0 e n + 1 = 1) e obter −1. Noterceiro integral podemos usar a fórmula generalizada (com a = 0 e n+ 1 = 2) e obter 0.Alternativamente, podíamos observar que nos dois últimos integrais estamos a considerarpotências de z e que só a potência de expoente −1 sobrevive.

(2.30) Exercício. Reconsiderem a função do exemplo (1.22), dada por

3z3− z− 1

z2(z+ 1)2=

2

z+ 1− 3

(z+ 1)2+

1

z− 1

z2 .

Quais os seus integrais ao longo de cada um destes caminhos?

(a) |z|= 2; (b) |z−i−1|= 2; (c) |z+1|= 12; (d) |z+i|= 3.

(2.31) O TEOREMA DE LIOUVILLE é uma das propriedades mais surpreendentes das funçõesholomorfas, e uma consequência inesperada da fórmula de Cauchy generalizada. O enunci-ado diz apenas: se f é uma função holomorfa em C e f é limitada, então f é constante. Aexplicação é simples. De acordo com a fórmula de Cauchy (com n= 1 e a = 0), temos

f ′(b) =1

2πi

|z−b|=R

f (z)(z− b)2

dz .

Agora usamos a estimativa (2.16): o comprimento da curva é 2πR, e se f é limitada, existealgum M satisfazendo | f (z)|< M . Assim, ficamos com

| f ′(b)|= 1

|z−b|=R

f (z)(z− b)2

dz

≤ 1

M

R2 2πR=M

R.

Mas a fórmula de Cauchy é válida com qualquer R (pois a função não tem qualquer singu-laridade). Em particular, podemos deixar R→∞, caso em que M/R→ 0, mostrando que| f ′(b)|= 0. Mas se f ′(b) = 0 em todos os pontos, a função tem de ser constante.

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EPISÓDIO 2: DERIVADAS E PRIMITIVAS

(2.32) Exercício. Para verem se perceberam a demonstração, usem uma ideia semelhantepara mostrar que se f é uma função holomorfa em C satisfazendo | f (z)| ≤ M |z|n, entãof é um polinómio de grau até n. Comecem por usar a fórmula de Cauchy para obter umaexpressão para f (n+1). (Qual a relação entre f (n+1) e polinómios de grau até n?)

(2.33) Exercício. Vamos usar o teorema de Liouville para provar o teorema fundamental daálgebra: se f é um polinómio não-constante em C, então f tem algum zero.

(a) Suponham que f não tem zeros. Mostrem que g : z 7→ 1/ f (z) é holomorfa.(b) Mostrem que g é limitada. O que podem concluir?(c) Qual a implicação para f ? Conseguem provar o teorema?(d) Mostrem que f (z) pode ser escrito como produto de fatores (possivelmente repeti-

dos) da forma (z− a) (onde a é um zero de f ).(e) Como é que isso justifica a afirmação que fizemos no início de (1.20) sobre polinó-

mios sem raízes em comum?

(2.34) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS.

(2.2) 2; 2i− 4; 2i; − 19; 1; − 3

25+ 4i

25.

(2.4) (a) u(x , y) = x , v(x , y) = 0. (b) sim. (c)g(z) =− f (iz). (d) z = z− 2 Im z = z+ 2 f (iz).(e) |z|2 = zz.

(2.5) (a) |z|=pzz; x =z+ z

2; y =

z− z

2i. (b) a

função é z2 − 2iz. (c) usando apenas z e z, as

funções são: z2 + 3z; z; z− z;1

1+ z2 ;z2 + z2

2;

z2;1

z;

1

z; iz; iz− z;

1

1+ (z+z)2

4

;1

1+ zz.

(2.6) g ′( f (a)) f ′(a).

(2.8) não; sim; sim; não; não.

(2.10) ±i. ±p2, ±p2i, −i.

(2.12) (a)∞∑

n=0

zn

n!; eπ

∞∑

n=0

(z−π)nn!

.

(b)∞∑

n=0

2nzn

e n!; e2π

∞∑

n=0

2n(z−π)ne n!

.

(c)∞∑

n=0

2nzn+2

e n!; e2π

∞∑

n=0

2n(z−π)n+2

e n!+

2πe2π∞∑

n=0

2n(z−π)n+1

e n!+π2e2π

∞∑

n=0

2n(z−π)ne n!

.

(d)∞∑

n=0

(−1)nz2n

(2n)!; −

∞∑

n=0

(−1)n(z−π)2n

(2n)!.

(e)∞∑

n=0

(−1)nz2n+1

(2n+ 1)!; −

∞∑

n=0

(−1)n(z−π)2n+1

(2n+ 1)!.

(2.13)∞∑

n=0

(−1)nz2n; z : |z|< 1;∞∑

n=0

(−1)nz2n+1

2n+ 1.

(2.15) (a) 2i−23

. (b) 1+ i3. (c) 1

2+ 2i

3. (d) 0.

(2.18) 2πi.

(2.19) 0; 2πi.

(2.26) (a) −2πi. (b) −πi. (c) 2πi(e− 1).

(2.27) 0, ±π.

(2.28) 0, ±πi2

, ±πi, ± 3πi2

.

(2.30) (a) 6πi. (b) 2πi. (c) 4πi. (d) 6πi.

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EPISÓDIO 3

A EXPONENCIAL E AS FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS

A exponencial e as funções trigonométricas podem ser estendidas a C e há pelo menos meia--dúzia de formas de o demonstrar. Felizmente para nós, não temos qualquer obrigação deconstruir a análise complexa de raiz e por isso vamos usar livremente o que já sabemos docálculo. Neste episódio, discutimos essas funções, bem como as coordenadas polares, asraízes, e o logaritmo.

(3.1) A SÉRIE DE MACLAURIN de uma função f analítica em 0 é

f (z) =∞∑

n=0

f (n)(0)n!

zn.

Começamos por construir as séries de MacLaurin para cada uma das funções exp, sin e cos,assumindo que são funções analíticas. Encontrarmos a série não prova que a função sejaanalítica: só se provarmos que a série converge para a função que queremos—em vez depara uma função diferente—é que mostramos que a função é analítica. Por isso, o passoseguinte é provar que as séries têm certas propriedades (na reta real), e depois mostrar quesó a função que queremos as tem. Por isso, a série e a função têm de coincidir (na reta real).O passo final é invocar o princípio da identidade para argumentar que outras propriedades(na reta real) são automaticamente válidas no plano complexo.

(3.2) Exercício. Mostrem que as séries de MacLaurin da exponencial, do seno, e do cossenosão, respetivamente,

E(z) =∞∑

n=0

zn

n!= 1+ z+

z2

2!+

z3

3!+

z4

4!+

z5

5!+

z6

6!+

z7

7!+

z8

8!+

z9

9!+

z10

10!+ · · ·

S(z) =∞∑

n=0

(−1)nz2n+1

(2n+ 1)!= z− z3

3!+

z5

5!− z7

7!+

z9

9!− z11

11!+

z13

13!− z15

15!+

z17

17!− z19

19!± · · ·

C(z) =∞∑

n=0

(−1)nz2n

(2n)!= 1− z2

2!+

z4

4!− z6

6!+

z8

8!− z10

10!+

z12

12!− z14

14!+

z16

16!− z18

18!± · · ·

Usando a conclusão do exercício (5.12), mostrem que o raio de convergência destas sériesé∞.

(3.3) Exercício. Usando apenas as séries, mostrem

E′(z) = E(z), E(0) = 1, S′(z) = C(z), S(0) = 0, C ′(z) =−S(z), C(0) = 1.

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EPISÓDIO 3: A EXPONENCIAL E AS FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS

(3.4) Exercício. Vamos mostrar que as funções x 7→ ex e x 7→ E(x) coincidem na reta real.(Isto prova que a série E(x) converge para ex e que x 7→ ex é uma função analítica em R.)

(a) Usando apenas o que sabem sobre as derivadas de E e da exponencial, assim comoas regras de derivação (produto, função composta, etc.), mostrem que E(x) e−x é constante.

(b) Determinem a constante substituindo x por um ponto apropriado, e resolvam aequação em ordem a E(x). Qual é a conclusão?

(3.5) Exercício. Vamos fazer o mesmo com cos e C e com sin e S.(a) Usando apenas o que sabem sobre as derivadas de cos, sin, C e S, mostrem que

cos(x) C(x) + sin(x) S(x) e − sin(x) C(x) + cos(x) S(x) são constantes.(b) Mostrem que

(

cos(x) C(x) + sin(x) S(x) = 1,

− sin(x) C(x) + cos(x) S(x) = 0.

e resolvam esse sistema em ordem a C(x) e S(x). (Pode ser mais rápido usar inversão dematrizes.) Qual é a conclusão?

(3.6) Com base nisto, definimos a exponencial e as funções trigonométricas em C comosendo as funções que se obtêm a partir dessas séries, pois na reta real têm os mesmo valoresque as funções a que estamos habituados (veem porquê?) e o princípio da identidademostra que não há outras funções analíticas com esses valores. Isto significa, em particular,que as regras de derivação para exp, sin e cos se mantêm (porquê?), e por isso acabámosde identificar mais umas quantas funções holomorfas.

Mas estas funções têm valores algo inesperados no plano complexo. Por exemplo:

eiz = 1+ (iz) +(iz)2

2!+(iz)3

3!+(iz)4

4!+(iz)5

5!+(iz)6

6!+(iz)7

7!+(iz)8

8!+(iz)9

9!+(iz)10

10!+ · · ·

= 1+ iz− z2

2!− i

z3

3!+

z4

4!+ i

z5

5!− z6

6!− i

z7

7!+

z8

8!+ i

z9

9!− z10

10!· · ·

=

1− z2

2!+

z4

4!− z6

6!+

z8

8!− z10

10!± · · ·+ i

z− z3

3!+

z5

5!− z7

7!+

z9

9!± · · ·

= cos z+ i sin z.

(3.7) Exercício. Verifiquem, diretamente a partir das séries, que cos(−z) = cos z e quesin(−z) =− sin z. A partir daí, obtenham o sistema

(

cos z+ i sin z = eiz ,

cos z− i sin z = e−iz ,

e mostrem que a solução em ordem a cos z e sin z é cos z = eiz+e−iz

2e sin z = eiz−e−iz

2i.

(3.8) Mais à frente, havemos de mostrar que qualquer função holomorfa é analítica (e paramostrar isso não vamos usar informação específica sobre exp, sin ou cos no plano complexo,por isso não corremos o risco de fazer raciocínios circulares). Mostraremos também o prin-cípio da identidade, do qual usamos um caso especial: se duas funções analíticas em C têmos mesmos valores ao longo de uma curva, então são iguais.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

Por exemplo, se mantivermos w ∈ R constante, as funções z 7→ ez+w e z 7→ ezew sãoholomorfas e o seu domínio é C. Como essas funções são iguais (isto é, ez+w = ezew) empontos z ∈ R, então o princípio da identidade garante que também são iguais em pontosz ∈ C! Mas isso prova que, se agora fixarmos z ∈ C, as funções w 7→ ez+w e w 7→ ezew

são iguais em pontos w ∈ R. Logo, outra vez pelo princípio da identidade, também sãoiguais em pontos w ∈ C! (Desorientados? Voltem ao princípio do parágrafo, e leiam outravez, com calma. . . ) Ou seja, com o que parece ser só um jogo de palavras, provámos que aidentidade ez+w = ezew , válida se z, w ∈ R, é automaticamente válida se z, w ∈ C. De formasemelhante, qualquer identidade envolvendo funções holomorfas (isto é, que não envolvamódulos, partes reais, partes imaginárias, ou conjugados) pode ser “transplantada” de Rpara C.

Mais um exemplo. Em R, é verdade que eze−z = 1. Logo, o mesmo se passa em C, oque assegura, imediatamente, que ez 6= 0 e que e−z = 1/ez para z ∈ C.

(3.9) Exercício. Fixem α,β ∈ R. Vimos há pouco que

eαi = cosα+ i sinα,

eβ i = cosβ + i sinβ .

(a) Usem essas identidades para simplificar ambos os membros da igualdade

e(α+β)i = eαieβ i .

(b) Separem as partes real e imaginária (de cada membro dessa igualdade, depois desimplificado). Que identidades obtêm?

(c) Usem o princípio da identidade para justificar que essas identidades também sãoválidas se α,β ∈ C.

(3.10) Exercício. Usem ex+i y = ex ei y e as identidades que temos explorado, para escreverz 7→ ez na forma cartesiana, como fizemos no exemplo (1.3) e no exercício (1.4).

(3.11) Exercício. Escrevam as seguintes funções na forma cartesiana:

(a) z 7→ eiz; (b) z 7→ e2z+iz; (c) z 7→ cos z; (d) z 7→ sin z;

(e) z 7→ 1

1+ ez ; (f) z 7→ e2z

z; (g) z 7→ eez

; (h) z 7→ cos(sin z).

(3.12) Exercício. Calculem os integrais

(a)

|z|=2

e2z

z2 dz; (b)

|z|=2

ez

2z+πdz; (c)

|z|=2

ez

z(2z+π)dz;

(d)

|z|=2

cos(2z)z3 dz; (e)

|z|=2

sin z

(2z+π)2dz; (f)

|z|=2

sin z

z− idz .

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EPISÓDIO 3: A EXPONENCIAL E AS FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS

(3.13) COORDENADAS POLARES. Usando a exponencial complexa, podemos escrever um nú-mero complexo em coordenadas polares. Com efeito, qualquer ponto (x , y) pode ser escritona forma (r cosθ , r sinθ), onde r ≥ 0 dá o raio e θ é o ângulo. Ficamos com

z = x + i y = r cosθ + ir sinθ = r(cosθ + i sinθ) = reθ i = |z|eθ i .

É habitual chamar argumento de z a qualquer dos ângulos θ possíveis. Somando múltiplosinteiros de 2π a um argumento, podemos obter todos os outros. É comum escrever arg zpara indicar um argumento.

Posto de outra forma, se z e w forem números complexos quaisquer, então ez = ew

obriga a z = w+ k2πi para algum k ∈ Z. (Vale a pena fazerem uma pausa para verificaremque isso funciona mesmo que z e w não sejam imaginários puros.)

É fácil obter a forma polar de um número complexo. Por exemplo, se a = 1+ i, fazemos:

a = |a| a

|a| =p

21+ ip

2=p

2 1p

2+

ip2

=p

2 (cos π4+ i sin π

4) =p

2eπ4

i .

Podemos usar a notação mesmo quando o ângulo não seja um dos mais populares. Porexemplo:

4− 3i = |4− 3i| 4− 3i

|4− 3i| = 54− 3i

5= 5

4

5− 3

5i

= 5(cosθ + i sinθ).

E o que fazemos agora? Observamos que se 4 = 5 cosθ e −3 = 5sinθ , então necessaria-mente

tanθ =sinθ

cosθ=

5sinθ

5 cosθ=−3

4.

Logo, θ = arctan−34=−arctan 3

4e

4− 3i = 5e−arctan(3/4) i .

Mas é preciso algum cuidado, porque arctan só devolve ângulos no intervalo ]−π2

, π2[ (ou

seja, só ajuda para pontos no primeiro e quarto quadrantes). É fácil lidar com os casosz = i y com y ∈ R, pois podemos escolher logo θ = π

2(se y > 0) ou θ = −π

2(se y < 0).

Para pontos nos segundo e terceiro quadrantes, podemos considerar o simétrico (que estaránecessariamente nos quarto ou primeiro quadrantes). Por exemplo:

−4+ 3i =−(4− 3i) =−54

5− 3

5i

=−5earctan(−3/4)i = 5earctan(−3/4) i+πi .

A forma polar também nos permite simplificar alguns produtos e quocientes. Por exem-plo, se a = 1− i =

p2e−πi/4 e b =−1− i =

p2e−3πi/4, então

ab =p

2e−πi/4 · p2e−3πi/4 = 2e(−πi/4)+(−3πi/4) = 2e−πi =−2,

a

b=

p2e−πi/4

p2e−3πi/4

= e(−πi/4)−(−3πi/4) = eπi/2 = i,

a5 =p

2e−πi/45 =p

25

e−5πi/4 = 4p

2

−p

2

2+ i

p2

2

=−4+ 4i.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(3.14) Exercício. Escrevam estes complexos na forma polar e na forma cartesiana:

(a) − 1+ i; (b)

p3

3−p

3

3i; (c) − 5− 7i;

(d)

p6

3+

p2

3i; (e) (1+ i)eπi/3; (f) (

p15− i

p5)e2πi/3;

(g)1p

15− ip

5; (h) exp(eπi/2). (i) (−1+ i)−10;

(j)

p3

3−p

3

3i5

; (k)(−1+ i)−10

p3

3−p

33

i5

; (l) (−1+ i)10(p

15− ip

5)2.

(3.15) Exercício. Vamos reconsiderar o exercício (2.18) à luz do que acabámos de discutir.Notem que o caminho γ : [0,2π]→ C : t 7→ cos t + i sin t desse exercício também pode serescrito na forma γ : t 7→ ei t . Usem essa forma para calcular

γ

1

zdz .

(3.16) RAÍZES COMPLEXAS E EQUAÇÕES POLINOMIAIS. As mesmas ideias permitem-nos calcu-lar raízes de números complexos. Por exemplo, imaginem que queremos calcular as raízescúbicas de (1+ i), ou seja, queremos encontrar todas as soluções de z3 = 1+ i. Se escrever-mos z = reθ i for a forma polar de z e a substituirmos na equação, obtemos

(reθ i)3 =p

2eπi/4 ⇔ r3e3θ i =p

2eπi/4.

Aplicando o módulo a ambos os membros da igualdade, obtemos r3 =p

2 (pois se t ∈ R,

então ei t está no círculo unitário, e portanto |ei t | = 1). Logo, r =3pp

2 = 6p2. Até aqui,nada de mais: como o raio é sempre um real não-negativo, há apenas um valor possívelpara ele.

Mas quanto aos argumentos? Temos necessariamente e3θ i = eπi/4, mas isto não significaque 3θ i = πi/4. O máximo que podemos concluir é que os dois ângulos têm de correspon-der à mesma posição no círculo trigonométrico; ou seja, que a diferença entre eles é ummúltiplo inteiro de 2π. Assim, somos levados a

3θ =π

4+ k2π, com k ∈ Z ⇔ θ =

π

12+ k

3, com k ∈ Z.

Quer isto dizer que há uma infinidade de raízes cúbicas? Também não. Cada uma é daforma 6p2eθ i; se dois valores diferentes de θ corresponderem ao mesmo ponto no círculotrigonométrico, darão origem à mesma raíz cúbica. Como a fórmula nos dá ângulos θseparados por terços de circunferência, de três em três saltos obtemos os mesmos pontos.Por isso, basta considerar três valores consecutivos de k. Por exemplo:

k = 0 dá-nos 6p2eπi/12, k = 1 dá-nos 6p2e9πi/12, k = 2 dá-nos 6p2e17πi/12.

Em geral, as raízes n de reθ i são npr expθ+k2π

ni

, onde k ∈ Z toma n valores consecu-tivos (por exemplo, k = 0,1, . . . , n− 1).

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EPISÓDIO 3: A EXPONENCIAL E AS FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS

(3.17) Exercício. Determinem todas as soluções destas equações:

(a) z2+ 27+ 2ip

3= 10z; (b) 2iz2+ (8i+ 6)z+ 72i+ 11= 0;

(c) (z− 7+ i)4+p

7= ip

21; (d) z4− 2p

3iz2 = 4+ 4p

3i;

(e) (z2− 1)3 = 8; (f) 1+ z+ z2+ z3+ z4 = 0;

(g)∞∑

n=0

in

(z− 1)n=−1

z; (h)

∞∑

n=0

zn

8n =z

3.

Numa destas alíneas, pode ser útil saber que (2+p

3i)2 = 1+ 4p

3i.

(3.18) EQUAÇÕES TRIGONOMÉTRICAS. Também podemos resolver equações trigonométricasno plano complexo. Por exemplo, será que no plano complexo há mais zeros do seno doque na reta real? Temos

sin z = 0 ⇔ eiz − e−iz

2i= 0.

Se pusermos w = eiz (já sabemos que a exponencial não tem zeros, por isso podemos contarcom w 6= 0), a última equação transforma-se em

w− 1w

2i = 0 ⇔ w2− 1= 0 ⇔ w2 = 1 ⇔ (eiz)2 = 1.

Mas esta equação pode ser reescrita como e2iz = e0, cuja solução é 2iz = 0 + k2πi comk ∈ Z. Simplificando: z = kπ.

Mas então é tudo como na reta real? Não. Vejamos quais são as soluções de cos z = 2.Voltando a usar w = eiz , temos:

w+ 1w

2= 2 ⇔ w+

1

w= 4 ⇔ w2− 4w+ 1= 0 ⇔ w = 2±p3.

Logo, as soluções são da forma

w = eiz = 2±p3= elog(2±p3) ⇔ iz = log(2±p3) + k2πi, com k ∈ Z.

(Notem que usamos log em vez de ln, pois nenhum outro logaritmo é relevante.) Simplifi-cando, obtemos z =−i log(2±p3) + k2π, com k ∈ Z.

(3.19) Exercício. Resolvam estas equações:

(a) sin z =1

2; (b) cos z =

e+ e−1

2; (c) tan z = i; (d) tan z =

2p3−i.

(3.20) Exercício. Mostrem que cos z = α tem apenas as soluções habituais quando α ∈[−1, 1]. Mostrem também que z 6∈ R se α tiver qualquer outro valor complexo. Façam omesmo para sin z = α.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(3.21) Exercício. Mostrem que tan z = α tem apenas as soluções habituais quando α ∈ R.Mostrem também que se α não for real, então z também não o é.

(3.22) Exercício. Vamos calcular cos π5

. Para tal, definimos ω= e2πi/5.

(a) Mostrem que ω é um zero do polinómio z4+ z3+ z2+ z+1. Para tal, multipliquemo polinómio por (z− 1) e simplifiquem. O que podem concluir?

(b) Mostrem que a parte real de ω4+ω3+ω2+ω+ 1 é 2 cos 4π5+ 2 cos 2π

5+ 1.

(c) Usem a fórmula para cos(2θ) (se não se recordam dela, podem usar o exercício(3.9)) para escrever cos 4π

5em termos de cos 2π

5.

(d) Combinando a informação das alíneas anteriores e escrevendo x = cos 2π5

, obte-nham uma equação de segundo grau para x e resolvam-na.

(3.23) O LOGARITMO Aproveitamos para apresentar o logaritmo complexo. Já vimos queas soluções ez = ea são z = a + k2πi, com k ∈ Z. Isto significa que a exponencial é umafunção com período 2πi, ou seja, os seus valores repetem-se de 2πi em 2πi. Assim, hávários valores possíveis para o logaritmo. Por exemplo,

z = log 2+ π3

i+ k2πi, com k ∈ Z ⇔ ez = 2(cos π3+ i sin π

3) = 1+

p3i,

logo todos os valores log2+ π3

i+ k2πi são logaritmos de (1+p

3i).Ora, se quiseremos que o logaritmo seja uma função, temos de indicar quais os valores

que aceitamos (é comum dizer que escolhemos um ramo da função). Por exemplo, podemosexigir que a parte imaginária (a que está associada ao ângulo) tome valores num certointervalo, como no chamado ramo principal do logaritmo:

log(ex+i y) = x + i y, se x , y ∈ R e y ∈ ]−π,π[.

Isto define uma função em todo o plano (compatível com a função logaritmo em R+), ex-ceto em 0 e nos pontos correspondentes ao ângulo π. (Autores diferentes usam intervalosfechados de um dos lados, mas é preferível se o domínio for um aberto.) Outros ramoscorrespondem a outras escolhas de intervalo. Notem que não há nenhuma convenção fixasobre como distinguir ramos do logaritmo, por isso é sempre mais seguro dizer explicita-mente qual se está a usar.

Para já, vamos assumir que qualquer ramo log do logaritmo é uma função holomorfa.Nesse caso, como exp(log z) = z, a regra da função composta diz-nos que exp(log z) ·(log z)′ = 1, ou seja (porquê?), que (log z)′ = 1/z.

(3.24) Exercício. Escolham um ramo do logaritmo, e considerem

f : z 7→ log(1− z).

Qual o domínio de f ? Qual a sua derivada? Qual a série de MacLaurin de f ′? E a de f ?

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EPISÓDIO 3: A EXPONENCIAL E AS FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS

(3.25) POTÊNCIAS. Dado um ramo do logaritmo, podemos definir a potência de expoenteα ∈ C por

zα = exp(α log z);

isto é compatível com a identidade (que gostaríamos de manter) log(zα) = α log z, desdeque α log z fique no contradomínio do ramo que escolhemos para o logaritmo.

Vejamos um exemplo concreto. Imaginem que queremos definir um ramo da raiz cúbica.Para tal, precisamos de escolher um ramo do logaritmo, ou seja, escolher o intervalo queaceitamos para os ângulos. Se escolhermos ângulos θ ∈ ]−π,π[, ficamos com

3pz =3p

reθ i = exp log(reθ i)

3

= exp log r + θ i

3

= e(log r)/3 · eθ i/3 = 3preθ i/3.

Como −π < θ < π, temos −π3< θ

3< π

3. Por isso, este ramo da raiz cúbica devolve

pontos com ângulos em ]−π3

, π3[ (ou seja, o contradomínio ocupa um setor correspondente

a um terço da volta completa). Da mesma forma, se escolhêssemos um ramo do logaritmodevolvendo ângulos em ]π, 3π[, o ramo correspondente da raiz cúbica devolveria ângulosem ]π

3,π[.

(3.26) Exercício. Usem z = eαi e w = eβ i para mostrar que as seguintes propriedades falhampara alguns z e w. (Parte do exercício é perceber qual o tipo de falha.)

(a) 3pzw = 3pz 3pw; (b)4p

z2 =p

z; (c) log(zw) = log z+log w.

(3.27) Exercício. Fixem α 6∈ Z. Mostrem que a identidade log(zα) = α log z falha no planocomplexo. (Isto inclui perceber o que falha.)

(3.28) Exercício. Escolham um ramo do logaritmo e assumam que define uma função holo-morfa. Qual a derivada de f : z 7→ zα?

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(3.29) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS.

(3.10) ex cos y + iex sin y .

(3.11) (a) e−y cos x + ie−y sin x .(b) e2x−y cos(x − 2y) + ie2x−y sin(x − 2y).(c) e y+e−y

2cos x − i e y−e−y

2sin x .

(d) e y+e−y

2sin x + i e y−e−y

2cos x .

(e) 1+ex cos y(1+ex cos y)2+(ex sin y)2

− i ex sin y(1+ex cos y)2+(ex sin y)2

.

(f) xe2x cos(2y)−ye2x sin(2y)x2+y2 + i xe2x sin(2y)+ye2x cos(2y)

x2+y2 .

(g) eex cos y cos(ex sin y) + ieex cos y sin(ex sin y).(h) cos(sin x cosh y) cosh(cos x sinh y)−i sin(sin x cosh y) sinh(cos x sinh y).

(3.12) (a) 4πi. (b) e−π/2πi. (c) 2i− 2ie−π/2.(d) −4πi. (e) 0. (f) −πe+ π

e.

(3.14) (a)p

2e3πi/4; −1+ i.(b)p

2/3e−πi/4;p

33−p

33

i.(c)p

74 exp

(π+ arctan 75)i

; −5− 7i.

(d) 2p

23

eπi/6;p

63+p

23

i.

(e)p

2e7πi/12; 1−p32+ 1+

p3

2i.

(f) 2p

5eπi/2; 2p

5i.(g) 1

2p

5eπi/6;

p3

4p

5+ i

4p

5.

(h) ei; cos 1+ i sin 1.(i) 1

25 eπi/2; i25 .

(j) ( 23)5/2e3πi/4; − 4

35/2 +4i

35/2 .

(k) ( 38)5/2e−πi/4; ( 3

8)5/2 1p

2− ( 3

8)5/2 ip

2.

(l) 27 · 5e−5πi/6; −26 · 5p3− 26 · 5i.

(3.17) (a) 6−p3i; 4+p

3i.(b) − 3

2+ i; − 5

2+ 2i.

(c) 7− i+ (2p

7)1/4eπi/6; 7− i+ (2p

7)1/4e4πi/6;7− i+ (2

p7)1/4e7πi/6; 7− i+ (2

p7)1/4e10πi/6.

(d) ±p2i; ±2eπi/6. (e) ±p3; ±31/4e±πi/4.(f) e±2πi/5; e±4πi/5. (g) −21/4eπi/8.(h) 4± 2

p2i.

(3.19) (a) π

6+ k2π e 5π

6+ k2π (com k ∈ Z).

(b) ±i+ k2π (k ∈ Z).(c) não tem soluções.(d) π

3+ kπ− i

2log 2 (k ∈ Z).

(3.22) (c) cos 4π5= 2 cos2 2π

5− 1. (d)

4x2 + 2x − 1= 0; cos 2π5=p

5−14

.

(3.24) (No ramo com arg z ∈ ]α,α+ 2π[, onde

arg z = Im log z.) z : arg(1− z) 6= α; − 1

1− z;

−∞∑

n=0

zn; 2πki−∞∑

n=0

zn+1

n+ 1(com k ∈ Z tal que

2πk ∈ ]α,α+ 2π[; notem que isto exige que αnão seja um múltiplo de 2π).

(3.28) αzα/z.

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EPISÓDIO 4

FUNÇÕES HOLOMORFAS

Recapitulemos algo do que vimos até aqui, bem como o que deixámos por fazer.

Bem no princípio, no (1.3), começámos por falar de funções C → C e por escrevê-lasna forma cartesiana. Em seguida, no (2.1), definimos: uma função é holomorfa num pontose for diferenciável numa vizinhança desse ponto, e é holomorfa num conjunto Ω se fordiferenciável numa vizinhança desse conjunto. (Implicitamente, isto obriga a que essasvizinhanças estejam contidas no domínio da função.) Nessa altura, apontámos um factoimportante: para todos os efeitos práticos, as funções holomorfas são as que podem serexpressas só em termos de z, sem envolver x , nem y , nem |z|, nem z. Vamos finalmenteesclarecer estes aspetos.

De (2.14) em diante, definimos os integrais de caminho e de comprimento em C evimos alguns exemplos. Em (2.20) mencionámos o teorema de Cauchy: se uma funçãof é holomorfa num conjunto Ω e ao longo seu bordo ∂Ω, e se esse bordo consiste numou vários caminhos “suficientemente regulares” (e adiámos a definição de “suficientementeregular”), então o integral de f ao longo de ∂Ω é 0. É tempo de vermos a demonstraçãodeste teorema.

(4.1) O PLANO C pode ser visto como um espaço vetorial real. De facto, em (1.3) chegámosmesmo a dizer que podíamos olhar para z = x + i y ∈ C como se fosse o vetor (x , y) ∈ R2.Como cada z ∈ C pode ser escrito de forma única como z = x + i y com x , y ∈ R, 1 ei formam uma base para C (visto como espaço vetorial real). Em relação a essa base, ocomplexo x + i y pode ser escrito como vetor coluna

xy

.

Um número complexo também pode ser identificado com a transformação linear C→ Cconsistindo na multiplicação pelo dito número. Por exemplo, se m= 2+3i, a transformaçãoM(z) = mz é de facto uma transformação linear de C, pois M(z + w) = M(z) + M(w) eM(cz) = cM(z) para c ∈ R (também é verdade para c ∈ C, mas não precisamos de usaresse caso). Sendo uma transformação linear, podemos determinar a sua matriz em relaçãoà base formada por 1 e i. A primeira coluna dessa matriz é o vetor coluna correspondentea M(1), enquanto a segunda coluna corresponde a M(i). A matriz que obtemos é

2 −33 2

.

Note-se que o número complexo original pode ser lido na primeira coluna ( 2

3

correspondea 2+ 3i, que é efetivamente o número original m), enquanto que a segunda se obtém daprimeira fazendo uma rotação de π

2.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

Da mesma forma, ao número x + i y corresponde a matriz

x −yy x

,

e qualquer matriz com esse padrão pode ser obtida a partir de um número complexo. Mais:toda a aritmética com números complexos pode ser feita com essas matrizes 2× 2.

Por exemplo, se a = 10 − 4i, b = 7 + 30i, A(z) = az, e B(z) = bz, a transformaçãoA+ B correspondente de facto a a+ b, pois (A+ B)(z) = A(z) + B(z) = az + bz = (a+ b)z.Portanto, necessariamente, a soma de complexos é compatível com a soma de matrizes:

10 4−4 10

+

7 −3030 7

=

17 −2626 17

.

Podemos também comparar o produto de complexos com o produto de matrizes. Usandoos mesmos a e b, temos

10 4−4 10

·

7 −3030 7

=

190 −272272 190

.

Comparem com o resultado do exemplo (1.1). De novo, podemos ter a certeza que oresultado é a matriz correspondente a ab. A razão é que sabemos (da álgebra linear) que oproduto de matrizes corresponde à composição de transformações. Dito de outra forma, amatriz produto corresponde à transformação A(B(z)) = A(bz) = abz = (ab)z, que por suavez corresponde ao produto (de complexos) ab.

Nesta correspondência entre complexos e (algumas) matrizes 2×2, a soma correspondeà soma, o produto ao produto, a inversa à inversa, o conjugado à transposta, o quadradodo módulo ao determinante. Portanto, podemos usar essas matrizes como se fossem osnúmeros complexos, e os resultados estarão corretos.

(4.2) AS EQUAÇÕES DE CAUCHY–RIEMANN. A nossa compreensão da derivada tem muito aganhar com o uso dessa correspondência. É que também vimos, de (1.3) em diante, comointerpretar funções C→ C como funções R2→ R2. Nesse exemplo, considerámos a funçãof : z 7→ 3i+ (2+ i)z e escrevemo-la na forma cartesiana:

f (x + i y)︸ ︷︷ ︸

f (z)

= 3i+ (2+ i)(x + i y) = 3i+ (2x + 2i y + i x + i2 y) = (2x − y)︸ ︷︷ ︸

u(x ,y)

+i (3+ x + 2y)︸ ︷︷ ︸

v(x ,y)

.

Com base nisto, definimos F : R2→ R2 : (x , y) 7→ (u(x , y), v(x , y)) = (2x − y, 3+ x + 2y).Comparemos então a derivada de f com a jacobiana de F . A derivada de f é dada por

f ′(z) =

3i+ (2+ i)z′ = 2+ i.

Por outro lado, a jacobiana de F é

∂ u∂ x

∂ u∂ y

∂ v∂ x

∂ v∂ y

=

2 −11 2

.

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EPISÓDIO 4: FUNÇÕES HOLOMORFAS

É por coincidência que esta matriz é a que corresponde ao complexo 2+ i?Não. Pensem na definição de derivada de uma função C→ C. Dizer que o complexo m

é a derivada de f no ponto a é dizer que

f (a+ h)− f (a)−mh

|h| → 0 quando h→ 0

(verifiquem que isto é equivalente à definição habitual), ou seja, é dizer que f (a) + mh éuma boa aproximação para f (a+h) (à escala de |h|). Dizer que a matriz M é a derivada deF no ponto a é dizer que

F(a+ h)− F(a)−Mh

‖h‖ → 0 quando h→ 0,

ou seja, é dizer que F(a) +Mh é uma boa aproximação para F(a+ h) (à escala de ‖h‖).Comparando as duas definições, vemos que são idênticas, desde que a matriz M seja uma

das matrizes correspondentes a números complexos. Talvez se recordem de um resultadodo cálculo com várias variáveis, segundo o qual se uma função F tem derivadas parciaiscontínuas, então é realmente diferenciável e a derivada é a matriz das derivadas parciais.No caso de uma função F : R2 → R2 (com derivadas parciais contínuas) a derivada é amatriz 2× 2

∂ u∂ x

∂ u∂ y

∂ v∂ x

∂ v∂ y

.

Nos pontos em que esta matriz corresponde a um número complexo, ou seja, onde

∂ u

∂ x=∂ v

∂ ye

∂ u

∂ y=− ∂ v

∂ x

(as chamadas equações de Cauchy–Riemann), a função f : C → C é diferenciável e a suaderivada é o complexo correspondente à matriz.

(4.3) Voltemos às funções dos exemplos em (2.1). A forma cartesiana de f : z 7→ z2 é

(x + i y︸ ︷︷ ︸

z

)2 = x2+ 2i x y + (i y)2 = (x2− y2)︸ ︷︷ ︸

u(x ,y)

+ 2x y︸︷︷︸

v(x ,y)

i

e a jacobiana

∂ u∂ x

∂ u∂ y

∂ v∂ x

∂ v∂ y

=

2x −2y2y 2x

corresponde a um número complexo (ou seja, as equações de Cauchy–Riemann são satis-feitas), que pode ser lido na primeira coluna

2x2y

. Ou seja, trata-se de 2x + 2yi = 2z.Constatamos que a função é diferenciável.

Por outro lado, a forma cartesiana da função f : z 7→ Re z é

Re(x + i y︸ ︷︷ ︸

z

) = x︸︷︷︸

u(x ,y)

+ 0︸︷︷︸

v(x ,y)

i,

logo a jacobiana

∂ u∂ x

∂ u∂ y

∂ v∂ x

∂ v∂ y

=

1 00 0

não corresponde a um número complexo e a função não é diferenciável.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(4.4) Exercício. Escrevam cada uma das seguintes funções na forma cartesiana e usem asequações de Cauchy–Riemann para decidir quais são holomorfas (x + i y é sempre a formacartesiana de z).

z 7→ z2+ 3z; z 7→ |z2|z

; z 7→ z− z; z 7→ 1

1+ z2 ;

z 7→ x2− y2; z 7→ x2− y2+ 2i x y; z 7→ x − i y

x2+ y2 ; z 7→ x + i y

x2+ y2 ;

z 7→ i x + y; z 7→ −x − y + i x − i y; z 7→ 1

1+ x2 ; z 7→ 1

1+ x2+ y2 ;

z 7→ cos y + i sin y; z 7→ cos x + i sin y; z 7→ ez; z 7→ ez .

(4.5) Vale a pena notar que, quando a função f é diferenciável, a derivada pode ser lida

na primeira coluna da matriz (correspondente a ∂ f∂ x

). Por outro lado, se a matriz representa

um número complexo, a segunda coluna da matriz (correspondente a ∂ f∂ y

) corresponde aoresultado de multiplicar esse número complexo por i. Por outras palavras, as equações deCauchy–Riemann (afirmar que a matriz representa um número complexo) são equivalentesa ∂ f∂ y= i ∂ f

∂ x. Se forem satisifeitas, a derivada é dada por f ′(z) = ∂ f

∂ x=−i ∂ f

∂ y.

Isto permite-nos, finalmente, esclarecer o que se passava no exercício (2.5). Aí, dissemosque uma função era holomorfa se pudesse ser expressa exclusivamente em termos de z, semenvolvimento de z, e prometemos que mais tarde explicaríamos essa afirmação.

Pensemos então em qual era o processo. Escrevíamos a função f em termos de z e z,depois de eliminar todas as ocorrências de x = z+z

2, y = z−z

2ie |z| = pzz. Ou seja, ficamos

com uma expressão

f (z, z) = Fz+ z

2︸ ︷︷ ︸

x

,z− z

2i︸ ︷︷ ︸

y

.

Dizer que esta expressão é independente de z é dizer que ∂ f∂ z= 0. Mas

∂ f

∂ z=∂ F

∂ x

x︷ ︸︸ ︷

z+ z

2

∂ z+∂ F

∂ y

y︷ ︸︸ ︷

z− z

2i

∂ z=

1

2

∂ F

∂ x− 1

2i

∂ F

∂ y,=

1

2i

i∂ F

∂ x− ∂ F

∂ y

,

portanto ∂ f∂ z= 0 quando ∂ F

∂ y= i ∂ F

∂ x. Isto é, as equações de Cauchy–Riemann são equivalen-

tes a ∂ f∂ z

. (Aqui escrevi as equações de Cauchy–Riemann com F em vez de f para evitarconfusões entre a função escrita em termos de z e z e a função escrita em termos de x e y .Na prática, raramente se faz qualquer distinção, porque não há grande risco de confusão.)

(4.6) Exercício. Usem o que já fizeram no exercício (4.4) para determinar as derivadasdessas funções (nos casos em que existem).

(4.7) Exercício. Seja f uma função diferenciável definida num aberto Ω ⊂ C conexo porarcos, e seja f (x + i y) = u(x , y) + iv(x , y) a sua forma cartesiana. Usem as equações deCauchy–Riemann para mostrar:

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EPISÓDIO 4: FUNÇÕES HOLOMORFAS

(a) Se f ′(z) = 0 em Ω, então f é constante.

(b) Se u é constante em Ω, então a própria f é constante.

(c) Se v é constante em Ω, então a própria f é constante.

(d) Se | f | é constante em Ω, então a própria f é constante. (Em vez de usar | f |, talvezqueiram usar | f |2 = u2+ v2 e arranjar alguma equação matricial envolvendo a jacobiana.)

a

cb

Ω

(4.8) Exercício. Vamos mostrar que se f é uma função contínua no aberto (conexo porarcos) Ω e

γf = 0 para qualquer caminho fechado γ formado por um número finito de

segmentos horizontais e verticais e contido em Ω, então f é primitivável. (De acordo como exercício (2.17), isto implica que

γf = 0 para qualquer outro caminho fechado.) Fixem

qualquer ponto a ∈ Ω.

(a) Se b ∈ Ω, escolham qualquer caminho γ ligando a a b, contido em Ω, e formadoapenas por segmentos horizontais e verticais. Definam g(b) =

γf (z)dz e mostrem que

este valor não depende do caminho γ escolhido.

(b) Usando um caminho γ que termine num segmento horizontal, calculem ∂ g∂ x(b). Mais

especificamente: digamos que o último segmento vai do ponto c ao ponto b. Então γ podeser dividido num pedaço γ1 que vai de a a c e num pedaço γ2 que vai de c a b. Escrevamb = x + i y e c = x0+ i y . Então o segmento γ2 pode ser parametrizado por γ2(t) = t + i yb,com x0 ≤ t ≤ x e y fixo. Ao fazermos isso, o integral pode ficar assim:

g(b) =

γ

f (z)dz =

γ1

f (z)dz+

γ2

f (z)dz =

γ1

f (z)dz+

∫ x

x0

f (t + i y)dt .

Agora usem o teorema fundamental do cálculo (da reta real) para derivar em ordem a x .(Reparem que o integral ao longo de γ1 é constante em relação a x .)

(c) Usando um caminho γ que termine num segmento vertical, calculem ∂ g∂ y(b).

(d) Usem as equações de Cauchy–Riemann (notem que as derivadas parciais ∂ g∂ x

e ∂ g∂ y

são contínuas) para mostrar que g é diferenciável em b e que g ′(b) = f (b).

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(4.9) Vale a pena pensarmos no significado geométrico das equações de Cauchy–Riemann.Se f for diferenciável no ponto a e f (x+ i y) = u(x , y)+ iv(x , y) for a sua forma cartesiana,então a matriz jacobiana

∂ u∂ x

∂ u∂ y

∂ u∂ v

∂ v∂ y

corresponde a um número complexo, que tem alguma forma polar reθ i = r cosθ + ir sinθ .Isto significa que a matriz pode ser escrita na forma

r cosθ −r sinθr sinθ r cosθ

= r

cosθ − sinθsinθ cosθ

,

ou seja, o seu efeito é idêntico ao do produto por um complexo: uma expansão ou contração,combinada com uma rotação. Assim, se f é diferenciável no ponto a e f ′(a) 6= 0, entãof é conforme nesse ponto, ou seja, f preserva os ângulos entre vetores tangentes a curvaspassando pelo ponto a.

(4.10) Suponham agora que f é uma função holomorfa no ponto a, que f (a) = b e f ′(a) 6=0. Então f é injetiva numa vizinhança de a. (De outra forma, haveria uma sucessão an →a com f (an) = f (a), o que obrigaria a f ′(a) = 0. Veem porquê?). Assim, existe umafunção contínua g (a inversa de f ) satisfazendo g( f (z)) = z numa vizinhança de z = ae f (g(w)) = w numa vizinhança de w = b. Usando a continuidade de g, e depois asubstituição z = g(w), temos

limw→b

g(w)− g(b)w− b

= limg(w)→g(b)

g(w)− g(b)f (g(w))− f (g(b))

= limz→a

z− a

f (z)− f (a)=

1

limz→a

f (z)− f (a)z−a

=1

f ′(a),

mostrando que g é diferenciável em b e que g ′(b) = 1/ f ′(a).Quando definimos os ramos do logaritmo em (3.23), tínhamos uma função f : Ω→ C :

z 7→ ez injetiva num domínio Ω aberto e conexo por arcos, e construímos a sua inversa g.Por exemplo, para o ramo principal do logaritmo, pusemos

g( f (x + i y)) = x + i y, se x , y ∈ R e y ∈ ]−π,π[.

Isto corresponde à escolha Ω = x + i y ∈ C : x ∈ R, y ∈ ]−π,π[. A restrição em yassegura que f é injetiva (de outra forma não seria possível definir a sua inversa). Nestascondições, o parágrafo anterior garante que g é holomorfa no seu domínio (conseguemverificar todos os detalhes?). Se escolhermos um conjunto Ω diferente, a função g tambémserá diferente—ou seja, cada escolha de Ω corresponde a um “ramo” diferente da “funçãoinversa”.

Em (3.25), definimos z 7→ zα com base no logaritmo. Como a função logaritmo éholomorfa, o mesmo se passa com as funções potência. Na discussão e exemplos de (3.18),também constatámos que funções como arccos, arcsin, e arctan podem ser definidas usandoo logaritmo. Como tal, também elas são holomorfas.

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EPISÓDIO 4: FUNÇÕES HOLOMORFAS

(4.11) As equações de Cauchy–Riemann têm algumas consequências simples para a partereal u e a parte imaginária v de uma função holomorfa f = u+ iv. Usando as equações,podemos calcular

∂ 2u

∂ x2 +∂ 2u

∂ y2 =∂

∂ x

∂ u

∂ x+∂

∂ y

∂ u

∂ y=∂

∂ x

∂ v

∂ y+∂

∂ y

− ∂ v

∂ x

=∂ 2v

∂ x ∂ y− ∂ 2v

∂ y ∂ x= 0.

Ou seja, u é uma função harmónica. Usando o mesmo método, podemos mostrar que vtambém é harmónica. Isto dá-nos uma forma simples de verificar se uma função u pode serparte real (ou imaginária) de uma função holomorfa: basta verificar se ∂ 2u

∂ x2 +∂ 2u∂ y2 = 0 (ou

seja, se u é harmónica). Quando u e v são as partes real e imaginária de uma mesma funçãof , dizemos que são harmónicas conjugadas.

(4.12) DEMONSTRAÇÃO DO TEOREMA DE CAUCHY. O teorema de Green diz-nos que, se a regiãoΩ ⊂ R2 é limitada por um caminho (ou por um conjunto de caminhos) “suficientementeregular”, que designamos ∂Ω, e se P e Q são funções C1, então

∂Ω(P dx+Q dy) =

Ω

∂Q

∂ x− ∂ P

∂ y

dx dy .

(a, c) (b, c)

(b, d)(a, d)

γ1

γ2

γ3

γ4

Vale a pena rever como se prova o teorema num caso simples. Suponham que Ω =[a, b] × [c, d] e que dividimos o bordo ∂Ω em quatro pedaços: γ1, γ2, γ3, e γ4 (com aorientação habitual). Então,∫

Ω

∂Q

∂ x− ∂ P

∂ y

dx dy =

∫ d

c

∫ b

a

∂Q

∂ x(x , y)dx dy−

∫ b

a

∫ d

c

∂ P

∂ y(x , y)dy dx

=

∫ d

c

Q(x , y)b

x=ady−

∫ b

a

P(x , y)d

y=cdx

=

∫ d

c

Q(b, y)dy−∫ d

c

Q(a, y)dy−∫ b

a

P(x , d)dx+

∫ b

a

P(x , c)dx .

Mas estes são os integrais de (P dx+Q dy) ao longo de γ2, γ4, γ3, e γ1, por esta ordem.Notem que contámos explicitamente com o bom comportamento de (P,Q) no interior

de Ω; sem isso, não poderíamos usar o teorema fundamental do cálculo para avaliar osintegrais.

(4.13) Exercício. Escolham uma função f holomorfa numa região Ω e ao longo do seubordo ∂Ω, formado por um ou mais caminhos “suficientemente regulares”, como em (2.20).Escrevemos a forma cartesiana de f como f (x + i y) = u(x , y) + iv(x , y). Então temos:

∂Ωf (z)dz =

∂Ω(u+ iv)(dx+i dy) =

∂Ω(u dx+iu dy+iv dx−v dy).

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

Justifiquem estas identidades. Usem o teorema de Green para calcular o integral e obter oteorema de Cauchy.

(4.14) Essa demonstração do teorema de Cauchy só funciona se assumirmos que f temderivada contínua (pelo menos se usarmos a versão tradicional do teorema de Green). Maso teorema pode ser demonstrado mesmo se não soubermos a priori que f ′ é contínua.Começamos por mostrar que o teorema de Cauchy é válido seΩ for um retângulo. Imaginemque tínhamos

∂Ωf (z)dz 6= 0.

Chamem J ao valor do integral e A à área do retângulo. Se J 6= 0, definimos g : z 7→ AJ

f (z),que também é holomorfa, e cujo integral é A (verifiquem!). Se dividirmos o retângulo emquatro retângulos iguais (chamemos-lhes Ω1, Ω2, Ω3, e Ω4), ficamos com

A=

∂Ωg(z)dz =

∂Ω1

g(z)dz+

∂Ω2

g(z)dz+

∂Ω3

g(z)dz+

∂Ω4

g(z)dz,

pois os integrais ao longo dos novos segmentos cancelam-se uns aos outros. Pelo menosum dos integrais tem módulo maior ou igual a A/4; se assim não fosse, o módulo da somaseria menor que A (e não é). Como cada um dos retângulo tem área A/4, concluímos que,pelo menos para um deles, o integral ao longo do bordo tem módulo maior ou igual à área.Chamemos Ω(1) a esse retângulo.

Aplicamos o mesmo processo a Ω(1), para obter um retângulo Ω(2) para o qual o integralao longo do bordo tem módulo maior ou igual à área. Ao fim de n passos, obtemos umretângulo Ω(n) para o qual

∂Ω(n)g(z)dz

≥ área de Ω(n).

Há exatamente um ponto comum a todos os retângulos; chamemos-lhe λ. Como a funçãog é diferenciável em λ (pois estamos a assumir que f , e portanto g, são holomorfas emΩ∪ ∂Ω), temos

limz→λ

g(z)− g(λ)z−λ = g ′(λ) ∈ C.

Ω

Ω1 Ω2

Ω3Ω4

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EPISÓDIO 4: FUNÇÕES HOLOMORFAS

Isto significa que, se escrevermos

h(z) =g(z)− g(λ)− g ′(λ)(z−λ)

z−λ para z 6= λ

e pusermos h(λ) = 0 (para ser uma função contínua), então, para qualquer ε > 0, existeuma vizinhança de λ na qual |h(z)|< ε se z 6= λ.

Escolhemos algum Ω(n) contido nessa vizinhança. Temos então (verifiquem cada passo)∫

∂Ω(n)g(z)dz =

∂Ω(n)

g(λ) + g ′(λ)(z−λ) + h(z)(z−λ)dz

=

∂Ω(n)

g(λ) + g ′(λ)(z−λ)dz︸ ︷︷ ︸

0

+

∂Ω(n)h(z)(z−λ)dz .

Recordando o exercício (2.17), vemos que primeiro integral é 0, pois a função a integrar éprimitivável. Se ` e `′ forem os lados do retângulo, é nítido que |z − λ| < `+ `′ e que ocomprimento do bordo é 2`+ 2`′. De acordo com o exercício (2.16), obtemos então

∂Ω(n)h(z)(z−λ)dz

≤∫

∂Ω(n)|h(z)|︸ ︷︷ ︸

≤ε|z−λ|︸ ︷︷ ︸

≤`+`′dz < ε · (`+ `′) · (2`+ 2`′) = 2(`+ `′)2ε,

o que contradiz (se escolhermos ε suficientemente pequeno) a conclusão anterior de que

∂Ω(n)g(z)dz

≥ área de Ω(n) = ``′

(notem que a proporção entre ` e `′ não depende de n). Mas o único passo onde assumimosalgo que não conhecíamos foi logo no início, quando admitimos a possibilidade J 6= 0.Vemos assim que tal não pode acontecer e o integral é sempre 0.

(4.15) Isto mostrou que o teorema é válido se Ω for um retângulo. Mas se Ω for obtidocolando um número finito de retângulos ao longo (de partes) dos seus bordos, então ointegral em cada retângulo é 0, e portanto somando as contribuições de todos, e cancelandoos segmentos ao longo de bordos comuns (porque são percorridos duas vezes, mas emsentidos opostos), vemos que o integral também é 0 ao longo do bordo de Ω.

Ω(1)

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

Quer isto dizer que o integral de f é 0 ao longo de caminhos fechados formados apenaspor segmentos horizontais e verticais (desde que não haja singularidades no interior docaminho—veem porquê?). Estamos portanto nas condições do exercício (4.8), que nospermite concluir que f é primitivável. Mas então o exercício (2.17) mostra que o integralde f ao longo de qualquer caminho fechado é 0, que é exatamente a conclusão a queprecisávamos de chegar para mostrar o teorema de Cauchy.

Ah, e o que são caminhos “suficientemente regulares”? São aqueles para os quais conse-guimos pôr estas demonstrações a funcionar. Por exemplo, podemos exigir que o caminhoseja formado por um número finito de troços, e que cada troço seja parte de um caminhoγ ligeiramente maior ao longo do qual a derivada γ′ seja um vetor contínuo não-nulo (istodá-nos uma margem de manobra para contas nos extremos de cada troço).

(4.16) Finalmente, vale a pena mencionar que também podemos adaptar o teorema demodo a funcionar para alguns caminhos com um número finito de autointerseções. Sedesenharem um caminho desses (por exemplo, desenhem um caminho que dê duas voltasà origem), veem que podemos sempre cortá-lo em pedaços e com esses pedaços formarvários caminhos fechados que não se autointersetam, e aos quais podemos tentar aplicar oteorema de Cauchy.

(4.17) Exercício?. Suponham que f (z) é limitada em Ω′, com M = maxz∈Ω′ | f (z)|. Usem oexercício (2.16) para mostrar que

|z−a|=εf (z)dz

converge para 0 quando ε → 0. Por outro lado, desde que ε seja suficientemente pequeno(para quê?), o integral não depende de ε (porquê?). Qual é o único complexo compatívelcom ambas as condições? Qual é então o valor do integral? Que conclusões podem tirar?

(4.18) Exercício. Suponham agora que f (z) = g(z)/(z−a) para alguma função g holomorfaem z ∈ Ω : |z− a| ≤ ε. Podemos então escrever

f (z) =g(z)− g(a)

z− a︸ ︷︷ ︸

f1(z)

+ g(a) · 1

z− a︸ ︷︷ ︸

f2(z)

.

(a) Usem a conclusão do exercício anterior para mostrar que

|z−a|=εf1(z)dz = 0

(b) Fixamos γ : [0, 2π]→ C : a+ εei t . Mostrem que γ′(t) = i(γ(t)− a).(c) Calculem

γ

f2(z)dz = g(a)

γ

1

z− adz e

|z−a|=εf (z)dz

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EPISÓDIO 4: FUNÇÕES HOLOMORFAS

(4.19) A FÓRMULA DE CAUCHY segue diretamente deste exercício: se g é uma função holo-morfa em z ∈ Ω : |z− a| ≤ ε, então

|z−a|=ε

g(z)z− a

dz = 2πi g(a).

De facto, não precisamos de restringir-nos a esse tipo de caminho; se γ for um caminhofechado simples (isto é, sem autointerseções) contornando a no sentido positivo, e f forholomorfa ao longo e dentro de γ (porquê todas estas restrições?), então

γ

g(z)z− a

dz = 2πi g(a).

(Veem porquê?) Esta fórmula é no mínimo surpreendente: para calcular um integral, bastaavaliar uma função num ponto!

(4.20) O PRINCÍPIO DA MÉDIA é uma consequência direta da fórmula de Cauchy. Se f éholomorfa numa vizinhança de a contendo o caminho |z − a| = ε (bem como a região|z− a|< ε contornada por ele) e parametrizarmos z = a+ εeθ i , com 0< θ < 2π, então

f (a) =1

2πi

|z−a|=ε

f (z)z− a

dz =1

2πi

∫ 2π

0

f (z+ εeθ i)

εeθ iiεeθ i dθ =

1

∫ 2π

0

f (z+ εeθ i)dθ .

Obtemos assim o princípio da média: o valor de f em a é a média dos seus valores ao longode |z− a|= ε.

(4.21) Exercício. Vamos usar o princípio da média para mostrar o princípio do módulo má-ximo: se f é holomorfa no aberto Ω conexo por arcos e | f | tem máximo (no interior de Ω),então f é constante.

(a) Seja a ∈ Ω e ε > 0 tal que z : |z − a| ≤ ε está contido em Ω. Mostrem que| f (a)| ≤max|z−a|=ε| f (z)|.

(b) Sejam a e ε escolhidos como na alínea anterior. Mostrem que se min|z−a|=ε| f (z)| <max|z−a|=ε| f (z)|, então min|z−a|=ε| f (z)| < | f (a)| < max|z−a|=ε| f (z)| (ou seja, | f (a)| nãocoincide nem com o máximo nem com o mínimo).

(c) Sejam ainda a e ε escolhidos como na alínea anterior. Mostrem que se | f (a)| =max|z−a|=ε| f (z)|, então não só | f (z)| é constante ao longo de |z − a| = ε (isto foi o quevimos na alínea anterior), mas além disso o próprio f (z) (sem módulo) é constante aolongo desse caminho.

(d) Seja a um ponto no interior de Ω no qual f tenha módulo máximo, e seja z :|z−a|< ε uma vizinhança de a contida em Ω. Mostrem que f é constante nessa vizinhança.

(e) Seja b qualquer outro ponto de Ω e γ um caminho de a a b contido em Ω. Assumamque existe um número finito de bolas z : |z − ci| < ε (1 ≤ i ≤ n) cuja união contém ocaminho e tais que o centro de cada bola está contido na bola anterior. Conseguem usaresse caminho e as ideias das alíneas anteriores para mostrar que f (a) = f (b)?

(f) A parte tecnicamente delicada: conseguem mostrar que é possível escolher bolascomo na última alínea do exercício anterior?

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(4.22) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS.

(4.4) sim; sim; não; sim; não; sim; sim; não;não; sim; não; não; não; não; sim; não.

(4.6) 2x + 3+ i(2y); 1;−2x5 + 4x3 y2 + 6x y4 − 4x3 − 4x y2 − 2x

(x2 + (y + 1)2)2(x2 + (y − 1)2)2+

i6x4 y + 4x2 y3 − 2y5 + 4x2 y + 4y3 − 2y

(x2 + (y + 1)2)2(x2 + (y − 1)2)2;

2x + 2yi;y2 − x2

(x2 + y2)2+ i

2x y

(x2 + y2)2; −1+ i;

ex cos y + iex sin y .

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EPISÓDIO 5

FUNÇÕES ANALÍTICAS

Até aqui, temos sempre assumido que, para todas as funções analíticas, a região de con-vergência da série vai até à singularidade mais próxima. Mas só o mostrámos para algunstipos especiais de funções (as que se baseiam na série geométrica). Na verdade, ainda nemsequer sabemos se todas as funções holomorfas têm séries de potências. Neste episódiovamos finalmente mostrar que assim é.

Vamos começar com uma discussão um pouco técnica sobre convergência uniforme, queterá como conclusão principal que, em certas circunstâncias (ligeiramente mais gerais doque as que usámos no episódio 1), se pode integrar uma série de funções termo-a-termo.Combinando isso com a série geométrica e com a fórmula de Cauchy que já conhecemos,vamos encontrar diretamente séries de potências para quaisquer funções holomorfas, semsequer precisar de verificar (porque será óbvio) que realmente convergem até à singulari-dade mais próxima.

(5.1) UMA SUCESSÃO DE CAUCHY é uma sucessão u para a qual

∀ε>0 ∃N ∀m,n>N |um− un|< ε.

Uma forma diferente de apresentar a definição é

|um− un| → 0 quando m, n→∞.

(Ainda se lembram como se traduz de um formato para o outro?) Por vezes, é fácil mostrarque uma sucessão é de Cauchy, mesmo sem sermos capazes de calcular o seu limite. Tam-bém definimos sucessões de Cauchy em Rn; a única alteração é que usamos a norma ‖ ‖ devetores em vez do módulo | | de números.

Um facto importante (que viram no cálculo) é que as sucessões de Cauchy em R e emRn coincidem com as sucessões convergentes. Mas já vimos que, se fizermos corresponderx + i y ∈ C com (x , y) ∈ R2, o módulo | | em C coincide com a norma ‖ ‖ em R2. Por isso,tudo o que dissermos envolvendo normas em R2, podemos dizer para os módulos em C.Em particular, as sucessões de Cauchy em C também são convergentes. (Conseguem seguiro raciocínio?)

Um pequeno aparte: também aqui usamos a notação n 7→ un, especialmente se permitirevitar ambiguidades. Por exemplo, se escrevermos u : m 7→ m+ n, estamos a falar de umasucessão na variável m. Ou seja, u0 = n, u1 = n+ 1, u2 = n+ 2, etc.

(5.2) Exercício?. Sejam SN =∑N

n=0 un as somas parciais da série∑

un. Verifiquem que

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

“N 7→ SN é uma sucessão de Cauchy” significa

N−1∑

n=M

un

→ 0 quando M , N →∞ com N ≥ M .

(5.3) Exercício?. Fixamos uma série∑

un.

(a) Mostrem que

N−1∑

n=M

un

≤N−1∑

n=M

|un|=

N−1∑

n=M

|un|

.

(b) Mostrem que se N 7→ ∑Nn=0|un| é uma sucessão de Cauchy, então N 7→ ∑N

n=0 un

também é. (Isto é menos confuso do que parece.)

(c) Concluam que se∑|un| converge, então

un também converge.

(5.4) CONVERGÊNCIA ABSOLUTA. Dizemos que a série∑

un converge absolutamente se∑|un|

convergir. Se a série∑

un convergir (com o significado habitual) e precisarmos de evitarconfusões, dizemos que a série

un converge simplesmente. Convenientemente, mostrámosno exercício anterior que se uma série convergir absolutamente, também converge simples-mente. (Veem porquê?) Isso é mais útil do que parece: como a sucessão das somas parciaisde∑|un| é monótona, para mostrar que converge basta mostrar que é limitada. (Porquê?)

Ou seja, para mostrar que∑

un converge, basta mostrar que N 7→ ∑Nn=0|un| é limitada.

(Porquê?)

(5.5) Exercício. Suponham que |un| ≤ |vn|. Usando as ideias do parágrafo anterior, mostremque se

vn converge absolutamente, então∑

un converge.

(5.6) Exercício. Escolham uma série geométrica qualquer e mostrem que converge absolu-tamente em todos os pontos onde converge simplesmente.

(5.7) Exercício. Fixamos dois reais α < β .

(a) Mostrem que 1/nα > 1/nβ se n≥ 1.

(b) Mostrem que∑N

n=1 1/nα >∑N

n=1 1/nβ .

(c) Mostrem que se∑∞

n=1 1/nα converge, então∑∞

n=1 1/nβ também converge. (Isto émais fácil do que parece. Releiam o parágrafo (5.4).)

(d) Mostrem que

∫ N+1

1

1

xαdx ≤

N∑

n=1

1

nα≤ 1+

N+1∑

n=2

1

nα≤ 1+

∫ N+1

1

1

xαdx .

(Dividam o intervalo de integração em N pedaços de comprimento 1.) Avaliem o integral.

(e) Para que valores de α a sucessão das somas parciais N 7→∑Nn=1 1/nα é limitada?

(f) Para que valores de α a série∑∞

n=1 1/nα converge?

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EPISÓDIO 5: FUNÇÕES ANALÍTICAS

(g) A série∞∑

n=0

1

n(n+ 1)

converge?

(5.8) RAIO DE CONVERGÊNCIA. Quase todas as demonstrações sobre convergência de sériesde potências usam a mesma estratégia: comparar a série em que estamos interessados comuma série geométrica. Imaginem que temos a série de potências

f (z) =∞∑

n=0

unzn

e que esta série converge (simplesmente) em z = a. Vamos mostrar que, se |b| < |a|, entãoa série converge absolutamente em z = b. A demonstração é curta. Se a série converge emz = a, isso significa (porquê??) que unan → 0, e portanto (porquê?) existe algum M > 0tal que |unan| ≤ M (para todos os n). Mas então

∞∑

n=0

un bn

=∞∑

n=0

unan

b

a

n

≤∞∑

n=0

M

b

a

n

= M∞∑

n=0

b

a

n

.

A última série é uma série geométrica de razão |b/a| < 1, logo, é convergente. De acordocom o exercício (5.5), isso mostra que

un bn converge absolutamente. (Veem porquê?)Mas isto significa que a região de convergência é um disco (se ignorarmos o que se passa

na fronteira) ou o plano todo. Por isso faz sentido falar no raio de convergência (é o raiodesse disco, ou∞, se a série convergir no plano todo). Haverá alguma forma explícita (porpouco prática que seja) de determinar o raio de convergência?

Chamando R ao raio de convergência, se |c| < R então c está no interior da regiãode convergência e podemos escolher a de modo que |c| < |a| < R. Nesse caso,

unzn

converge em z = a. (De acordo até aqui?) Se∑

unan converge, necessariamente unan→ 0e |unan| ≤ M para algum M > 0 fixo. Mas então n

p

|unan| ≤ M1/n. Como M1/n→ 1 quandon→∞, somos levados a

limsupn→∞

np

|unan| ≤ limsupn→∞

M1/n, ou seja, limsupn→∞

np

|un| |a| ≤ 1.

Como |c|< |a|, acabámos de mostrar

|c|< R ⇒ lim sup np

|un| |c|< 1.

Será que a implicação oposta também é válida? Sim. Se lim sup np

|un| |c| < 1, escolhemos

a e b tais que |c| < |b| < |a| e limsup np

|un| |a| < 1 (ou seja, |b| é só ligeiramente maiorque |c|, e |a| é só ligeiramente que |b|). Então, existe algum M > 1 tal que |unan|< M (istonão é completamente óbvio—conseguem encontrar o M?). Mas agora o raciocínio em (5.8)mostra-nos que

un bn converge. Portanto |c|< |b| ≤ R. Acabámos de mostrar que

lim sup np

|un| |c|< 1 ⇒ |c|< R.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

Resumindo: o raio de convergência é

R=1

lim sup np

|un|

(ou∞, caso lim sup np

|un|= 0).

(5.9) Exercício?. Suponham que |un| 6= 0 e que |un+1/un| → L. Mostrem que

limn→∞

np

|un|= limn→∞

un+1

un

.

(5.10) Exercício. Usem o exercício anterior para calcular os limites (com n→∞)

(a) lim npn; (b) lim np

n (n− 1); (c) lim n

r

1

n+ 1; (d) lim

n

r

1

n!.

(5.11) Exercício. Mostrem que todas estas séries têm o mesmo raio de convergência:

∞∑

n=0

unzn;∞∑

n=0

nunzn−1;∞∑

n=0

n(n− 1) un zn−2;∞∑

n=0

un

n+ 1zn+1.

(5.12) Exercício. Seja n 7→ un qualquer sucessão limitada. Mostrem que a série

∞∑

n=0

un

n!zn

tem raio de convergência∞. Mostrem primeiro para o caso un = 1, e depois usem (5.5).

(5.13) O PRINCÍPIO DA IDENTIDADE. Estamos finalmente prontos para mostrar um facto algosurpreendente: se uma função f for analítica (nos pontos de) um aberto Ω (conexo porarcos) e tiver valor 0 num subconjunto de Ω contendo um ponto de acumulação, entãof = 0.

Estamos a dizer que se existe uma sucessão de pontos an → a, com an, a ∈ Ω, an 6= a,e f (an) = 0, então f = 0. Porquê? Como a função é analítica nos pontos de Ω, é analíticapelo menos em a. Isso significa que f tem uma série de potências

f (z) = u0+ u1(z− a) + u2(z− a)2+ u3(z− a)3+ u4(z− a)4+ u5(z− a)5+ · · · .

Assim, f é contínua. Em particular, f (a) = f (lim an) = lim f (an) = 0. Logo u0 = f (a) = 0.Mas se u0 = 0, podemos pôr (z− a) em evidência, e obter

f (z) = (z− a)

u1+ u2(z− a) + u3(z− a)2+ u4(z− a)3+ u5(z− a)4+ · · ·︸ ︷︷ ︸

f1(z)

.

A série f1(z) tem o mesmo raio de convergência que f (z), por isso também define umafunção analítica. Além disso, temos 0= f (an) = (an− a) f1(an), mostrando que f1(an) = 0.

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EPISÓDIO 5: FUNÇÕES ANALÍTICAS

Mas então u1 = f1(a) = f1(lim an) = lim f1(an) = 0. Podemos pôr mais um (z − a) emevidência. Desta vez, obtemos

f (z) = (z− a)2

u2+ u3(z− a) + u4(z− a)2+ u5(z− a)3+ · · ·︸ ︷︷ ︸

f2(z)

.

Mas o mesmo género de raciocínio mostra que u2 = f2(a) = 0, e portanto pomos mais um(z − a) em evidência, definimos uma função f3, e usamo-la para mostrar que u3 = 0. Porindução, mostramos que un = 0 para todos os n. Conclusão: todos os coeficientes da sériesão iguais a 0, e portanto f = 0, pelo menos dentro da região de convergência da série.Bom, mas se a série tem apenas termos iguais a 0, então o seu raio de convergência é∞, oque significa que f = 0 no maior disco centrado em a e contido em Ω. (Percebem por quesó podemos concluir isto?)

Com o que dissemos, podemos mostrar que f = 0 em todo o conjunto Ω. A ideia é aseguinte: para mostrar que f (b) = 0 (onde b é um ponto fora do disco inicial), escolhemosum caminho de a para b contido em Ω (lembram-se que dissemos que Ω tinha de ser conexopor arcos?). Como Ω é aberto, há uma margem de segurança (de raio ε) à volta do caminhoque está completamente contida dentro de Ω. Vamos tapando o caminho com discos de raioε, e vamos usando o parágrafo anterior para mostrar que a função é igual a 0 em cada discoconsecutivo. Mais cedo ou mais tarde, algum disco apanhará o ponto b, e acabamos pormostrar que f (b) = 0. (Conseguem preencher os detalhes? É preciso algum cuidado comos pormenores. . . )

Encontrámos assim o princípio da identidade: se duas funções analíticas (definidas numaberto Ω conexo por arcos) tiverem o mesmo valor num subconjunto de Ω (com algumponto de acumulação), então elas são iguais (pois a sua diferença é constante e igual a 0).

(5.14) A CONVERGÊNCIA UNIFORME permite-nos descrever em que medida a convergênciade uma sucessão de funções se faz mais ou menos ao mesmo ritmo em todos os pontos,ajudando-nos a perceber se é seguro trocar a ordem de limites.

Vamos fixar um conjunto Ω, uma sucessão de funções fn definidas em Ω, e outra funçãof definida em Ω. Dizemos que fn converge (pontualmente) para f se, em cada ponto x ∈ Ω,tivermos fn(x)→ f (x). E o que significa fn(x)→ f (x)? Significa que

∀ε>0 ∃N ∀n>N

fn(x)− f (x)

< ε.

Ou seja, dizer que fn converge pontualmente para f é dizer que

∀x∈Ω ∀ε>0 ∃N ∀n>N

fn(x)− f (x)

< ε,

Reparem que o N (quanto maior for, mais tempo demora até fn(x) e f (x) ficarem maispróximos que ε) pode variar com x: pode perfeitamente acontecer que conforme variamosx , o N necessário (para esse x) fique cada vez maior. Se, dado o ε, o mesmo N servir paratodos os x , isto é, se

∀ε>0 ∃N ∀n>N ∀x∈Ω

fn(x)− f (x)

< ε,

dizemos que fn converge uniformemente para f . Vejamos alguns exemplos.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(5.15) Exercício. Definam fn : [0,1] → R : x 7→ xn (com n ≥ 1) e determinem a funçãof : [0,1]→ R definida por f (x) = limn→∞ fn(x).

(a) Comparemlim

n→∞ limx→1−

fn(x) com limx→1−

limn→∞ fn(x).

(b) Fixem 0< ε < 1 e n. Mostrem que existe 0< x < 1 com | fn(x)− f (x)|> ε. (Talveza figura ajude.) Concluam (como?) que fn não converge uniformemente para f .

(c) Porém, se restringirmos o domínio a [0, y] (onde 0 < y < 1), fn já converge uni-formemente para f (nesse domínio mais pequeno). Conseguem mostrar isso? (Conseguemmostrar que yN < ε para algum N?)

(5.16) Exercício. Definam gn : [0,1]→ R (com n≥ 1) por

gn(x) =

3nx , se 0≤ x ≤ 13n

,

2− 3nx , se 13n≤ x ≤ 2

3n,

0, se 23n≤ x ≤ 1.

Qual a função limite (pontual) g : [0,1] → R : x 7→ limn→∞ gn(x)? A convergência éuniforme?

(5.17) Exercício. Suponham que fn → f uniformemente, e que todas as fn são contínuas.(Todas estas funções têm o mesmo domínio Ω.)

(a) Mostrem primeiro que

| f (x)− f (y)| ≤ | f (x)− fn(x)|+ | fn(x)− fn(y)|+ | fn(y)− f (y)|.

(b) Fixem ε > 0. Mostrem que é possível fixar n tal que

x ∈ Ω ⇒ | f (x)− fn(x)|< ε/3.

(c) Fixem agora y . Mostrem que é possível escolher δ tal que

|x − y|< δ ⇒ | fn(x)− fn(y)|< ε/3.

(d) Combinando as conclusões anteriores, mostrem que f é contínua.

(5.18) Exercício. Seja Ω um aberto onde fn→ f uniformemente. Seja ainda γ um caminho(de comprimento finito) contido em Ω e suponham que cada fn é contínua em Ω.

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EPISÓDIO 5: FUNÇÕES ANALÍTICAS

(a) Mostrem que f e todas as fn são integráveis ao longo de γ. (Não compliquem!)(b) Ponham Mn =maxx∈Ω| fn(x)− f (x)| e mostrem que Mn→ 0 quando n→∞. (Usem

a definição de continuidade uniforme.)

(c) Usem o exercício (2.16) para mostrar que

γfn−

γf

→ 0.

(d) Mostrem que∫

γfn→

γf .

(5.19) Exercício. Seja Ω um aberto e fn funções diferenciáveis em Ω. Suponham que f ′nconverge uniformemente para uma função g e que existe um ponto a ∈ Ω onde todas as fn

têm o mesmo valor C . Vamos mostrar que fn converge para uma primitiva de g.(a) Combinem o facto (que não depende deste exercício) de que as funções holomorfas

são analíticas com o exercício (5.17) para mostrar que a função g é contínua.(b) Usem o exercício (5.18) para mostrar que se γ é um caminho fechado contido em Ω

então∫

γg = 0.

(c) Usem integrais de caminho para construir uma primitiva f para g satisfazendof (a) = C .

(d) Mostrem que fn→ f pontualmente.

(5.20) Exercício?. Conseguem usar os três exercícios anteriores para mostrar que é possívelderivar e primitivar séries termo-a-termo?

(5.21) Exercício. Considerem as séries

f : z 7→∞∑

n=0

(−1)nz2n+1

2n+ 1e g : z 7→

∞∑

n=0

(−1)nz2n.

Que função é representada por g? Qual o raio de convergência dessa série? Quais assingularidades da função? (Alguma coincidência interessante?) Mostrem que f ′ = g. Combase nisso, que função acham que é representada por f ? Qual o raio de convergência def ? Preveem que essa função tenha singularidades em C (reparem que não tem nenhumaem R)?

(5.22) Exercício. Considerem estas três séries:

f : z 7→∞∑

n=0

zn+2

(n+ 1)(n+ 2); g : z 7→

∞∑

n=0

zn+1

n+ 1; h : z 7→

∞∑

n=0

zn.

Qual a relação entre elas? Com base nessa relação, que funções diriam que são representa-das pelas três séries? (Talvez seja mais fácil começar com h e andar para trás.) Qual o raiode convergência das séries? Mostrem que f converge em todos os pontos da fronteira daregião de convergência, que g converge em alguns e não noutros, e que h não converge emnenhum.

(5.23) Como as séries não são mais que sucessões de somas parciais, também podemosdizer: Se tivermos uma série de funções contínuas convergindo uniformemente, então aconclusão é que podemos fazer o integral ao longo de γ termo-a-termo. (Veem porquê?)

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

À primeira vista, é difícil imaginar o alcance desta afirmação, mas de facto é com elaque vamos provar (sem grande esforço) que todas as funções holomorfas têm séries depotências e que vamos encontrar a fórmula integral de Cauchy (para o caso geral em quepermitimos qualquer expoente natural no denominador).

Para podermos chegar a essas conclusões, falta-nos apenas um pedaço de informação:as séries geométricas convergem uniformemente em conjuntos no interior da região deconvergência, desde que haja uma “margem de segurança” entre eles e a fronteira da região.

Ora, já sabemos desde o (1.9), que

∞∑

n=0

zn =1

1− z, desde que |z|< 1.

Temos portanto uma série de termo geral fn : z 7→ zn e uma função soma f : z 7→ 1/(1− z),e queremos mostrar que a série converge uniformemente em |z| < 1− δ (onde δ dá a talmargem de segurança). Quem é a sucessão cujo limite estamos a calcular? É a sucessão dassomas parciais,

SN : z 7→N∑

n=0

zn.

Queremos estimar a diferença entre o limite f e cada termo SN da sucessão. Ficamos com

f (z)− SN (z) =1

1− z−

N∑

n=0

zn =1

1− z− 1− zN+1

1− z=

zN+1

1− z.

Mas se |z|< 1−δ, então podemos fazer as seguintes majorações:

| f (z)− SN (z)|=

zN+1

1− z

≤ (1−δ)N+1

δ.

(5.24) Exercício. Com base no que fizemos até aqui, mostrem que SN → f uniformementeem Ω = z : |z|< 1−δ (com δ fixo).

(5.25) Exercício. A série para 1/(1− z) convergente em |z|> 1 é

1

1− z=−1

z

1

1− 1z

=−1

z

∞∑

n=0

1

z

n=−

∞∑

n=0

1

zn+1 .

Mostrem como adaptar as conclusões anteriores para mostrar que esta série converge uni-formemente em |z| > 1+ δ (i.e., na região de convergência original, exceto uma margemde segurança à volta da fronteira).

(5.26) Exercício. Mostrem como adaptar as conclusões anteriores para as séries para fun-ções da forma a

bz+ccom a, b, c ∈ C \ 0, independentemente da região de convergência

escolhida para a série. Isto é, qualquer que seja o centro que escolhem, e quer escolhamo lado de dentro ou o lado de fora, a convergência é uniforme se nos mantivermos a umadistância maior que δ da fronteira.

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EPISÓDIO 5: FUNÇÕES ANALÍTICAS

(5.27) EXISTÊNCIA DE SÉRIES DE TAYLOR. Estamos finalmente prontos para provar que to-das as funções holomorfas têm séries de potências. Fixamos uma função f holomorfa em|z − a| < R. Ou seja, supomos que não há qualquer singularidade cuja distância ao ponto aseja menor que R. Vamos encontrar uma série de potências e mostrar que converge unifor-memente em |z− a|< R−δ (onde δ é a tal margem de segurança).

Se b for um ponto dentro da zona segura z− a < R− δ, podemos usar a fórmula deCauchy (2.23) para dizer que

a

b

|b− a|

R−δR

f (b) =1

2πi

|z−a|=R−δ

f (z)z− b

dz .

Como queremos uma série convergente em |z − a| < R, fazemos a mudança de variávelw = z− a e z = w+ a, obtendo

f (b) =1

2πi

|w|=R−δ

f (w+ a)w− (b− a)

dw .

Agora, precisamos de uma série de potências para 1/(w + a − b). Como |w| = R − δ e|b− a|< R−δ (pois b fica dentro da circunferência de centro em a e raio R−δ), temos

1

w− (b− a)=

1

w

1

1− b−aw

=1

w

∞∑

n=0

b− a

w

n=∞∑

n=0

(b− a)n

wn+1 , se |w|> |b− a|.

Mas agora reparem que há sempre uma margem de segurança entre o caminho percor-rido pelo w e a circunferência de raio |b−a| (que marca a fronteira da região de convergên-cia da série). Portanto, ao longo do caminho |w| = R− δ, a série converge uniformemente.Multiplicá-la pela função limitada w 7→ f (w + a) não afeta a convergência uniforme, e porisso podemos fazer a integração termo-a-termo:

f (b) =1

2πi

|w|=R−δ

f (w+ a)w− (b− a)

dw =1

2πi

|w|=R−δf (w+ a)

∞∑

n=0

(b− a)n

wn+1 dw

=1

2πi

∞∑

n=0

|w|=R−δ

f (w+ a) (b− a)n

wn+1 dw =1

2πi

∞∑

n=0

(b− a)n∫

|w|=R−δ

f (w+ a)wn+1 dw .

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

Resumindo tudo isto, acabámos de mostrar que, se f é holomorfa em |z− a|< R, e se bestá no interior de |z− a|< ε < R, então tem uma série de potências, dada por:

f (b) =1

2πi

∞∑

n=0

(b− a)n∫

|z−a|=ε

f (z)(z− a)n+1 dz .

Mas lembram-se da série de Taylor? Já desde o (2.11) que sabemos que se f tem uma sériede potências, então essa série é necessariamente

f (b) =∞∑

n=0

f (n)(a)n!

(b− a)n,

o que nos leva a concluir que, se f for holomorfa em |z− a| ≤ ε, então

1

2πi

|z−a|=ε

f (z)(z− a)n+1 dz =

f (n)(a)n!

.

Acabámos de encontrar a fórmula de Cauchy generalizada. (Notem que o raio da circunfe-rência não é relevante; qualquer raio menor que R serve.)

(5.28) EXISTÊNCIA DE SÉRIES DE LAURENT. Uma variante de (5.27) permite-nos mostrar quehá séries de potências convergentes em coroas circulares. Mais concretamente, se f for holo-morfa em r < |z−a|< R, vamos obter uma série de potências que converge uniformementeem r +δ < |z− a|< R−δ (mais uma vez, δ é a tal distância de segurança).

a

b

r +δ

r

Tal como antes, se b é um ponto dentro da zona segura, a fórmula de Cauchy dá-nos

f (b) =

|z−a|=R−δ

f (z)z− b

dz−∫

|z−a|=r+δ

f (z)z− b

dz

(notem que o caminho de dentro vem com o sinal trocado, pois é percorrido no sentidooposto). O primeiro integral é totalmente idêntico ao que fizemos em (5.27):

|z−a|=R−δ

f (z)z− b

dz =1

2πi

∞∑

n=0

(b− a)n∫

|z−a|=R−δ

f (z)(z− a)n+1 dz .

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EPISÓDIO 5: FUNÇÕES ANALÍTICAS

Para o segundo integral, usamos uma estratégia semelhante. Começamos por mudarpara w = z− a e z = w+ a, o que nos leva a

−∫

|z−a|=r+δ

f (z)z− b

dz =−∫

|w|=r+δ

f (w+ a)w− (b− a)

dw .

Em seguida, calculamos a série para −1/(w + a− b). Como |w| = r + δ e |b− a| > r + δ(pois b fica fora da circunferência de centro em a e raio r + δ), queremos que a região deconvergência seja |w|< |b− a|:

− 1

w− (b− a)=

1

b− a

1

1− wb−a

=1

b− a

∞∑

n=0

wn

(b− a)n, se |w|< |b− a|.

A região de convergência desta série termina na circunferência de raio |b − a| e a conver-gência é uniforme ao longo do caminho (pois o caminho fica sempre a uma distância desegurança da fronteira da região de convergência). Mais uma vez, o produto pela funçãolimitada w 7→ f (w + a) não afeta a convergência uniforme, o que nos permite integrar asérie termo-a-termo. Temos então:

−∫

|w|=r+δ

f (w+ a)w− (b− a)

dw =

|w|=r+δ

f (w+ a)b− a

∞∑

n=0

wn

(b− a)ndw

=∞∑

n=0

1

(b− a)n+1

|w|=r+δf (w+ a)wn dw .

Notem que até podemos fazer uma mudança de índice: se pusermos m = −n − 1 e n =−m− 1, essa expressão fica

−1∑

m=−∞(b− a)m

|w|=r+δ

f (w+ a)wm+1 dw

(ou seja, exatamente idêntica ao outro integral, mas desta vez só com expoentes negativos).Seja qual for a apresentação que preferirem, os dois integrais juntos, depois de voltarmos àvariável z, ficam

f (b) =∞∑

n=0

(b− a)n∫

|z−a|=R−δ

f (z)(z− a)n+1 dz+

−1∑

n=−∞(b− a)n

|z−a|=r+δ

f (z)(z− a)n+1 dz .

Reparem que os raios dos dois caminhos podem ser ajustados: basta que fiquem entrer e R (pois basta que, ao ajustá-los, não os façamos passar por nenhuma singularidade).Mostrámos assim que f tem uma série de Laurent uniformemente convergente em r +δ <|z − a| < R− δ. (Como a série é a mesma independentemente de δ, se não precisarmos deconvergência uniforme podemos omiti-lo.)

Isto ata a última ponta que tínhamos deixado solta, pois mostra que as funções holo-morfas realmente têm séries de potências convergentes em coroas circulares limitadas comfronteiras marcadas pelas singularidades.

No caso particular em que a função é holomorfa em a, obtemos uma série convergentenuma vizinhança de a, provando que a função é analítica em a. Se a função tem umasingularidade em a, obtemos ainda assim uma série de Laurent a partir da qual, usando(2.22), podemos obter o resíduo em a (ou eventualmente o total de todos os resíduos dassingularidades contornadas pela região de convergência escolhida).

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(5.29) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS.

(5.10) (a) 1. (b) 1. (c) 1. (d) 0.

(5.16) g(x) = 0; não.

(5.21) g(z) =1

1+ z2 ; 1; ±i; arctan z; 1.

(5.22) h(z) =1

1− z; g(z) =− log(1− z);

f (z) = z+ (1− z) log(1− z); 1.

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EPISÓDIO 6

SINGULARIDADES E RESÍDUOS

Falta-nos explorar um último tópico: como classificar as singularidades isoladas e como de-terminar os seus resíduos. Vamos ver que, direta ou indiretamente, todas as singularidadesisoladas são causadas por alguma divisão por zero. Aproveitamos para mais exemplos decálculo de resíduos e algumas aplicações.

(6.1) CLASSIFICAÇÃO DE SINGULARIDADES ISOLADAS. Se a é uma singularidade isolada de f , ef é limitada em 0< |z− a|< ε (para algum ε > 0), então de acordo com o exercício (4.17)o teorema de Cauchy é válido em |z − a| < ε. Em particular, podemos usar a fórmula deCauchy como em (5.27) para obter uma série de potências convergente em |z−a|< ε. Essasérie define uma função holomorfa f em |z− a|< ε, que coincide com f em 0< |z− a|< ε.Em particular, limz→a f (z) existe e é um número complexo. Assim, encontrámos uma funçãoholomorfa f que coincide com f onde esta última está definida, e além disso não temsingularidade em a. Ou seja, “removemos” a singularidade. Resumindo: se f tem umasingularidade isolada em a e é limitada numa vizinhança de a com o ponto a removido,então o limite limz→a f (z) existe e é um número complexo, a função f pode ser prolongadapor continuidade ao ponto a, e a função prolongada é holomorfa em a. Nesse caso, dizemosque a é uma singularidade removível (alguns livros vão mesmo ao ponto de nem considerarestas singularidades como singularidades).

No caso seguinte, a é uma singularidade isolada de f e limz→a| f (z)| = ∞. Definimosg : z 7→ 1/ f (z). Esta função tem uma singularidade removível em a, pois limz→a g(z) = 0.Assim, temos uma série de potências g(z), com g(a) = 0. Ora, a função g não é constanteigual a 0 (veem porquê?). Como tal, a sua série de potências centrada em a tem o seguinteaspeto:

g(z) = uk(z− a)k + uk+1(z− a)k+1+ uk+2(z− a)k+2+ uk+3(z− a)k+3+ · · ·= (z− a)k

uk + uk+1(z− a) + uk+2(z− a)2+ uk+3(z− a)3+ · · ·︸ ︷︷ ︸

h(z)

,

com uk 6= 0. Ou seja, há um primeiro coeficiente não nulo (se não houvesse, g seriaconstante igual a 0), e podemos pôr a potência correspondente em evidência. A série quefica para trás define uma função h com h(a) = uk 6= 0. Dessa forma, podemos concluir que

f (z) =1

g(z)=

1

(z− a)kh(z)=

1/h(z)

(z− a)k.

Estamos na situação de não ter zeros no numerador, e um zero de ordem k no denominador.De facto, como z 7→ 1/h(z) também é holomorfa e 1/h(a) 6= 0, temos ainda

1/h(z) = v0+ v1(z− a) + v2(z− a)2+ v3(z− a)3+ · · · ,

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

com v0 = 1/h(a) 6= 0, e portanto podemos escrever

f (z) =1/h(z)

(z− a)k=

v0+ v1(z− a) + v2(z− a)2+ v3(z− a)3+ · · ·(z− a)k

,

= v0(z− a)−k + v1(z− a)−k+1+ v2(z− a)−k+2+ v3(z− a)−k+3+ · · · .Resumindo: se limz→a| f (z)|=∞, então f pode ser expressa (numa vizinhança de a) comoo quociente de duas funções holomorfas, em que o numerador não tem zeros e o denomi-nador tem um zero de ordem k, ou como uma série de potências de (z − a) cujo primeirocoeficiente não-nulo é do expoente −k. Dizemos que a é um polo de ordem k.

Nos dois casos que vimos até aqui, obtivemos séries que tinham um “primeiro coeficientenão-nulo”. Se o expoente for−k < 0, temos um polo de ordem k. Se o expoente for 0, temosuma singulariade removível e uma função sem zero nesse ponto. Se o expoente for k > 0,a singularidade é removível e a função tem um zero de ordem k. (Ou seja, na prática umpolo de ordem k é como um zero de ordem −k e vice-versa.)

O caso que resta é aquele em que a série não tem “primeiro coeficiente não-nulo”: pormais baixo que seja o expoente, há sempre um expoente ainda mais baixo com coeficientenão-nulo. Neste caso, temos uma singularidade essencial. Mesmo que não saibamos a sériede potências em 0< |z− a|< ε, este caso é fácil de detetar, pois próximo de uma singulari-dade essencial, a função aproxima-se de todos os valores possíveis. Reparem: a função nãopode ser limitada (senão a singularidade seria removível), logo há valores arbitrariamentepróximos de ∞. Imaginem que a função nunca se aproximava do valor b ∈ C. Então po-díamos definir g : z 7→ 1/( f (z)− b), que seria uma função limitada, e portanto teria umasingularidade removível em a. Mas nesse caso f (z) = b+ 1/g(z) teria uma singularidaderemovível ou um polo em a.

(6.2) O caso mais importante é o dos polos (e singularidades removíveis), causados porzeros no denominador. Suponhamos que temos uma função da forma

f : z 7→ p(z)q(z)

onde p e q são funções holomorfas. Suponhamos que queremos estudar a singularidade emz = a, causada por q(a) = 0. Nesse caso, tanto p como q têm séries de potências centradasem z = a. Pondo a potência de expoente mais baixo em evidência, temos p(z) = (z−a)mr(z)e q(z) = (z− a)ns(z), onde m, n≥ 0, e tanto r(a) como s(a) são não-nulos. Ou seja,

f (z) =(z− a)mr(z)(z− a)ns(z)

= (z− a)m−nv0+ v1(z− a) + v2(z− a)2+ v3(z− a)3+ · · ·︸ ︷︷ ︸

série parar(z)s(z)

, com v0 =r(a)s(a)

6= 0

e a natureza da singularidade dependende apenas do sinal de m− n. Se m− n < 0 , temosum polo de ordem n−m. De contrário, a singularidade é removível e a função obtida (aoremover a singularidade) tem um zero de ordem m− n (ou não tem zero, se m− n= 0).

Isto significa que se considerarmos

limz→a

(z− a)k f (z)

= limz→a(z− a)k+m−nv0+ v1(z− a) + v2(z− a)2+ v3(z− a)3+ · · ·,

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EPISÓDIO 6: SINGULARIDADES E RESÍDUOS

o limite será zero (se k+m−n> 0), ou v0 6= 0 (se k+m−n= 0), ou∞ (se k+m−n< 0).Dito de outra forma: se k for demasiado baixo, o limite é ∞; k for precisamente a ordemdo polo, o limite é um número não-nulo; se k for demasiado alto, o limite é 0. (E se não setratar de um polo, mas sim de uma singularidade removível, logo com k = 0 obtemos umnúmero como limite.)

Uma forma alternativa de determinar a ordem do polo (ou do zero, se a singularidadefor removível) é determinar diretamente m e n. É de facto relativamente simples: comoa série do numerador p(z) = (z − a)mr(z) começa com o coeficiente de expoente m, aderivada de ordem m é a primeira com valor não-nulo em z = a; analogamente, a derivadade ordem n é a primeira (para o denominador q(z) = (z − a)ns(z)) com valor não-nulo emz = a.

(6.3) Vejamos um exemplo. A função

f : z 7→ ez − 2 cos z+ 1

z4 .

tem um singularidade em z = 0. Como o numerador é uma função holomorfa, vemos que ftem um polo de ordem no máximo 4 (ou até, possivelmente, uma singularidade removível)no ponto z = 0. Como decidir rapidamente qual o tipo de polo?

Uma possibilidade é tentarmos adivinhar. Sabemos que a ordem está entre 0 e 4, porisso podemos experimentar com ordem 2. Se acertarmos, encontrámos a resposta. Se não,sabemos que ou é 3 ou 4, ou é 1 ou menos. Temos

limz→0

z2 · ez − 2cos z+ 1

z4

= limz→0

ez − 2 cos z+ 1

z2 = limz→0

ez + 2sin z

2z=∞.

(Na igualdade intermédia, usámos a regra de Cauchy, válida para indeterminações do tipo0/0.) Como o limite é ∞ concluímos que z2 não é suficiente para cancelar os zeros dodenominador, ou seja, que a ordem do polo é maior que 2. (De facto, até podemos notarque, após multiplicar por z2 e aplicar a regra de Cauchy, o denominador continua com uma“vantagem” de ordem 1 em relação ao numerador, e por isso a ordem do polo é 3. Masvamos continuar como se não tivessemos dado por isso. . . ) Então podemos experimentarcom ordem 3 ou 4. Experimentemos com ordem 3:

limz→0

z3 · ez − 2 cos z+ 1

z4

= limz→0

ez − 2 cos z+ 1

z= lim

z→0

ez + 2 sin z

1= 1.

Desta vez obtivemos um número não-nulo, e concluímos que a ordem era, realmente, 3.Um caminho ligeiramente mais sistemático será usarmos a regra de Cauchy para calcu-

lar o limite original (no fim de contas, antes de começar, vale a pena verificar se, por acaso,estamos perante uma singularidade removível). Podemos continuar a usá-la enquanto ti-vermos indeterminações da forma 0/0, e em cada utilização, calculamos uma derivada nonumerador e outra no denominador, reduzindo a ordem de ambos os zeros, e portantomantendo a diferença entre as ordens. Temos então

limz→0

ez − 2 cos z+ 1

z4 = limz→0

ez + 2sin z

4z3 .

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

Deste ponto em diante já não podemos usar a regra de Cauchy, pois já não há indetermi-nação: não temos zeros no numerador, mais ainda temos um zero triplo no denominador.Conclusão: estamos perante um polo de ordem 3.

Uma terceira estratégia será usar diretamente a série de potências (basta usarmos po-tências com expoentes menores que 4, pois só essas, quando canceladas com o z4 em deno-minador, ficam com expoente negativo). Temos

ez − 2cos z+ 1

z4 =

1+ z+ 12z2+ 1

6z3+ · · ·− 2

1− 12z2+ · · ·+ 1

z4

=z+ 3

2z2+ 1

6z3+ · · ·

z4 =1

z3 +3/2

z2 +1/6

z+ · · · ,

mostrando-nos diretamente que o polo tem ordem 3.E qual é o resíduo de f em z = 0? Podemos obtê-lo diretamente a partir da série: é 1/6.

Mas também podemos usar a fórmula de Cauchy:

Resz=0

f (z) =1

2πi

|z|=εf (z)dz =

1

2πi

|z|=ε

g(z)︷ ︸︸ ︷

ez − 2 cos z+ 1

z4 dz =(

g(3)(z)︷ ︸︸ ︷

ez − 2sin z)z=0

3!=

1

6.

(6.4) Para um exemplo mais difícil, consideremos

f : z 7→ 1

z2 −1

1− cos z.

Não é imediatamente claro que tipo de singularidade temos em z = 0. Porém, podemosobservar que a série de potências de cos z começa com 1− 1

2z2. Assim, seria natural dizer

1

z2 −1

1− cos z≈ 1

z2 −1

1− (1− 12z2)=

1

z2 −1

12z2=

1

z2 −2

z2 =−1

z2

e concluir que temos um polo de ordem 2. Este raciocínio pode ser tornado mais rigoroso.Podemos dizer que

cos z = 1− 1

2z2+

1

4!z4+ · · ·= 1+ z2

−1

2+

1

4!z2+ · · ·

︸ ︷︷ ︸

g(z), com g(0) =− 12

,

e portanto

f (z) =1

z2 −1

1− cos z=

1

z2 −1

1− (1+ z2 g(z))=

1

z2 −1

z2 g(z)=

1

z2 −1/g(z)

z2 =1− 1/g(z)

z2 .

Como o numerador é não-nulo em z = 0 (pois 1− 1/g(0) = 1+ 2 = 3), concluímos que setrata de um polo de ordem 2. Se chamarmos h(z) = 1− 1/g(z) ao numerador, podemosentão dizer (usando a série de Taylor) que

f (z) =h(z)z2 =

h(0) + h′(0)z+ · · ·z2 =

h(0)z2 +

h′(0)z+ · · ·

e constatar que o resíduo é h′(0). Como h′(z) = g ′(z)/g(z)2 e a série de g mostra queg ′(0) = 0, vemos que h′(0) = 0. Alternativamente, podíamos observar que a série de gsó tem expoentes pares, logo g é uma função par, logo h também é par, logo a série de htambém só pode ter expoentes pares, logo h′(0) = 0.

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EPISÓDIO 6: SINGULARIDADES E RESÍDUOS

(6.5) Exercício. Fixamos

f : z 7→ ez − cos z

z3 e g : z 7→ ez − cos z− sin z

z3 .

Qual a ordem do polo de f em z = 0? Qual o resíduo respetivo? E para g?

(6.6) Exercício. Mostrem que se h tem um polo simples em z = a, então

Resz=a

h(z) = limz→a

(z− a)h(z)

(o mesmo limite que usamos para mostrar que o polo tem ordem 1). Usem essa observaçãopara calcular os resíduos dos quatro polos de

h : z 7→ z2+ 1

z4+ 1.

(6.7) Exercício. Classifiquem as singularidades (no caso dos polos, isto inclui determinar aordem) destas funções, e determinem os respetivos resíduos. Para os resíduos, notem queumas vezes é mais prático usar a fórmula de Cauchy, outras vezes é mais prático determinaras séries de potências (usando, se necessário, frações parciais).

(a) z 7→ 1

1+ z2 ; (b) z 7→ 1

(z− 2)(z+ 3)2; (c) z 7→ z+

p2

(z4− 4)(z+ i)2;

(d) z 7→ iz

z2− 3; (e) z 7→ 1+ z+ z2

z4− 1; (f) z 7→ 2

z− 3

z− 1+

4

z+ 1;

(g) z 7→ ez

z2− z; (h) z 7→ 1

z− 2+

2

z− i; (i) z 7→ z3+ 1

(z+ 1)2(z2− z);

(j) z 7→ 1

2z+ 1; (k) z 7→ −4z+ 5

(z2+ 5z)z; (l) z 7→ 3z+ iz− 4i− 2

(z− 2)(z− i);

(m) z 7→ 1

z(1− z); (n) z 7→ 3z3− z− 1

z2(z+ 1)2; (o) z 7→ e2z

(z+ 1)(z− 1)2z

(p) z 7→ z+ 2

(z− 1)2; (q) z 7→

2z+ i2− 6

(z− 2)(z− 3); (r) z 7→ (3z− 1) sin(πz)

z3− 2z2+ z;

(s) z 7→ eπzi/2

z2 ; (t) z 7→ −4z+ 3

z(z− i)(2z+ 1)2; (u) z 7→ z2+ (i− 4)z+ 1

z3− 2z2+ z;

(v) z 7→ 2z− 1

(z− 1)2z; (w) z 7→ 1

(z+ 1)(z− 1)2z; (x) z 7→ 3z+ iz+ 3+ 3i

z2− 2z+ 1− 2i;

(y) z 7→ iz− z− i

z4− z3 (z) z 7→ 3z− 1

z3− 2z2+ z; (aa) z 7→ z− 4

3z2− 10iz+ 8;

(ab) z 7→ sin z

z2 ; (ac) z 7→ z2+ ez + cos z

z3+ 2z2+ z; (ad) z 7→ z5− z2+ sin z

(z−π)4 ;

(ae) z 7→ ez

(z− 4)z2 ; (af) z 7→ 5z+ 2iz− 4i+ 10

(z− 2i)(z2+ 2z− 2iz− 4i);

(ag) z 7→ ezz

(z− 1)10 ; (ah) z 7→ ez sin(πz)(z− 3)(2z− 1)

.

Notem que já nos cruzámos com muitas destas funções em exercícios anteriores.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(6.8) Exercício. Vejamos um exemplo de singularidade essencial. Considerem a função

f : z 7→ sin 1

3− z

.

Quando for útil, usem a substituição w = 1/(z− 3).(a) Mostrem que é possível escolher sucessões wn →∞ (podem usar só números reais,

se preferirem) com valores diferentes de limn→∞ sin wn. A partir dessas sucessões, mostremque é possível escolher sucessões zn→ 3 com valores diferentes de limn→∞ f (zn).

(b) Podem concluir que f tem uma singularidade essencial em z = 3?(c) Qual a série de potências de w para sin(−w)? A partir dela, construam uma série de

potências de (z−3) para f . Qual o coeficiente do expoente −1 nessa série? Qual o resíduode f em z = 3?

(6.9) Exercício. Suponham que f tem uma singularidade essencial em z = a e que g temum polo ou singularidade removível em z = a.

(a) Mostrem que g pode ser escrita na forma g(z) = (z− a)`h(z) para algum inteiro ` ealguma função holomorfa h com h(a) 6= 0.

(b) Mostrem que (z− a)` f (z) também tem uma singularidade essencial em z = a.(c) Mostrem que

(z− a)` f (z)

h(z) não tem limite quando z→ a.(d) Concluam que f (z) g(z) também tem uma singularidade essencial em z→ a.

(6.10) Exercício. Classifiquem as singularidades das seguintes funções e determinem os res-petivos resíduos. Notem que por vezes é mais fácil usar uma série de Laurent centrada numponto que não é singularidade, ou com região de convergência contornando várias singula-ridades. (Na alínea (b), não se preocupem se não conseguirem calcular o resíduo em z = 0.)Notem também que algumas funções têm um número infinito de singularidades.

(a) z 7→ z4e1/z; (b) z 7→ e1/z

z− 1; (c) z 7→ 1

sin z;

(d) z 7→ z

cos z− 1; (e) z 7→ 2

ez − 1; (f) z 7→ 2

e2z − 2i;

(g) z 7→ 8

4 cos z− 3i; (h) z 7→ eπz

z2+ 9; (i) z 7→ 1+ z+ z2

i+ z+ z2 ;

(j) z 7→ 1

z+π+

1

sin z; (k) z 7→ cot(πz); (l) z 7→ 1

z2 −1

z2− 1;

(m) z 7→ 1

z2 +1

z2+ z3 ; (n) z 7→ log z

z4+ 1; (o) z 7→

3pz

z4+ 1.

(Nas duas últimas alíneas, escolham ramos específicos do logaritmo e da raíz cúbica.)

(6.11) EXEMPLOS DE INTEGRAIS. Vejamos mais alguns exemplos de integrais. Queremos cal-cular

γ

e2z

(z+ 1)(z− 1)2zdz,

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EPISÓDIO 6: SINGULARIDADES E RESÍDUOS

−1 0 1

onde γ é um caminho contornando 0 e 1 uma vez no sentido positivo, mas que não contorna−1. Assim, vamos separar o integral em dois integrais (um para cada singularidade dentrodo caminho):

|z|=ε

e2z

(z+ 1)(z− 1)2zdz+

|z−1|=ε

e2z

(z+ 1)(z− 1)2zdz .

Calculamos estes dois integrais usando a fórmula de Cauchy:

|z|=ε

e2z

(z+ 1)(z− 1)2zdz =

|z|=ε

g(z)︷ ︸︸ ︷

e2z

(z+1)(z−1)2

z︸︷︷︸

a=0; n+1=1

dz = 2πi 1︸︷︷︸

g(0)

= 2πi,

|z−1|=ε

e2z

(z+ 1)(z− 1)2zdz =

|z−1|=ε

g(z)︷︸︸︷

e2z

z2+z

(z− 1)2︸ ︷︷ ︸

a=1; n+1=2

dz = 2πi

g ′(z)︷ ︸︸ ︷

e2z(2z2− 1)(z2+ z)2

z=1︸ ︷︷ ︸

g ′(1)

=e2πi

2,

e concluímos que o integral original é

|z|=ε

e2z

(z+ 1)(z− 1)2zdz+

|z−1|=ε

e2z

(z+ 1)(z− 1)2zdz = 2πi+

e2πi

2.

Alternativamente, podíamos começar por fazer uma decomposição em frações parciais:

1

(z+ 1)(z− 1)2z= · · ·= −3/4

z− 1+

1/2

(z− 1)2− 1/4

z+ 1+

1

z,

e substituir no integral. Ficamos com

γ

e2z

(z+ 1)(z− 1)2zdz =

γ

−3e2z/4

z− 1+

e2z/2

(z− 1)2− e2z/4

z+ 1+

e2z

zdz,

=−2πi3e2

4︸︷︷︸

3e2z/4 em z=1

+ 2πi e2︸︷︷︸

(e2z/2)′em z=1

+ 0+ 2πi 1︸︷︷︸

e2z

em z=0

=e2πi

2+ 2πi.

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(6.12) Exercício. Mantemos o caminho γ do exemplo anterior. Calculem os integrais

(a)

γ

z+ 2

(z− 1)2dz; (b)

γ

eπzi/2

z2 dz; (c)

γ

2z− 1

(z− 1)2zdz;

(d)

γ

1

(z+ 1)(z− 1)2zdz; (e)

γ

3z− 1

z3− 2z2+ zdz; (f)

γ

(3z− 1) sin(πz)z3− 2z2+ z

dz;

(g)

γ

z2+ (i− 4)z+ 1

z3− 2z2+ zdz; (h)

γ

z2+ ez + cos z

z3+ 2z2+ zdz; (i)

γ

iz− z− i

z4− z3 dz .

(6.13) Exercício. Vamos calcular∫

1

1+ z2 dz

ao longo do caminho formado pelo segmento [−R, R] (percorrido da esquerda para a di-reita) e pela metade de cima da circunferência de centro 0 e raio R (percorrida no sentidopositivo), onde R> 1.

−R R

i

−i

(a) Fatorizem 1+ z2 para identificarem as singularidades que estão dentro do caminho.(b) Apliquem a fórmula de Cauchy para obter o integral. A resposta depende do valor

de R? O que mudava se R< 1?(c) Conseguem mostrar que

1

1+ z2

≤ 1

R2− 1

para pontos ao longo da circunferência |z|= R?(d) Combinem o resultado da alínea anterior com o do exercício (2.16) (mesmo que

não tenham conseguido fazê-los) para majorar o módulo do integral ao longo da semicir-cunferência. Mostrem que o integral converge para 0 quando R→∞.

(e) Conseguem usar as respostas anteriores para calcular o integral impróprio real

∫ ∞

−∞

1

1+ x2 dx = limR→∞

∫ R

−R

1

1+ x2 dx?

(6.14) Exercício. Usem a mesma estratégia para calcular

(a)

∫ ∞

−∞

1

x2+ 6x + 13dx; (b)

∫ ∞

−∞

4− x

(x2+ 2x + 5)2dx; (c)

∫ ∞

−∞

x2+ 1

x4+ 1dx .

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EPISÓDIO 6: SINGULARIDADES E RESÍDUOS

(6.15) Terminamos com mais um exemplo de integral. Para calcular

∫ 2π

0

cosθ − 4

12cosθ − 13dθ ,

podemos notar que z = eθ i (com 0 ≤ θ ≤ 2π) parametriza o caminho fechado |z| = 1 noplano complexo. Além disso, como dz = ieθ i dθ = iz dθ , podemos usar

dθ =dz

iz, cosθ =

eθ i + e−θ i

2=

z+ 1z

2e sinθ =

eθ i − e−θ i

2i=

z− 1z

2i.

Desta forma, o integral original é de facto

|z|=1

z+ 1z

2− 4

12z+ 1

z

2− 13

dz

iz=

|z|=1

z2+ 1− 8z

12(z2+ 1)− 26z

dz

iz=

|z|=1

z2− 8z+ 1

12z2− 26z+ 12

dz

iz.

Para prosseguir, temos de fatorizar o denominador. A fórmula resolvente diz-nos que asraízes são 2/3 e 3/2. Assim, o denominador é 12(z − 2

3)(z − 3

2). Notem que temos de

incluir o 12 na fatorização; de outra forma o coeficiente de z2 seria 1 em vez de 12 (ou seja,obteríamos a fatorização de 12z2−26z+12

12= z2− 26

12z+ 1). Ficamos então com o integral

|z|=1

z2− 8z+ 1

12iz(z− 23)(z− 3

2)

dz,

que pode ser calculado usando a fórmula de Cauchy.

(6.16) Exercício. Terminem o cálculo do integral.

(6.17) Exercício. Notem que

∫ 2π

0

cosθ − 4

12cosθ − 13dθ = Re

∫ 2π

0

eθ i − 4

12 cosθ − 13dθ

.

Conseguem usar isto para simplificar o cálculo do integral? Para quantas singularidadesprecisam de usar a fórmula de Cauchy?

(6.18) Exercício. Calculem estes integrais:

(a)

∫ 2π

0

cosθ − 2

sinθ + 2dθ ; (b)

∫ 2π

0

cosθ − 2

(sinθ + 2)2dθ ; (c)

∫ 2π

0

cosθ dθ

sinθ + 2 cosθ − 3;

(d)

∫ 2π

0

8 cos2 θ + 1; (e)

∫ 2π

0

cos(2θ)8cos2 θ + 1

dθ .

(Pode ser útil saber que (2+ i)2 = 3+ 4i.)

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JOÃO PEDRO BOAVIDA, EPISÓDIOS DE ANÁLISE COMPLEXA, 2014

(6.19) RESPOSTAS DE EXERCÍCIOS.

(6.5) 2; 1; 1; 1.

(6.6) singularidades em ±p

22+p

22

i (resíduo

−p

2i4

) e em ±p

22−p

22

i (resíduop

2i4

).

(6.7) (a) polo de ordem 1 em −i (resíduo i2);

polo de ordem 1 em i (resíduo − i2).

(b) polo de ordem 1 em 2 (resíduo 125

); polo de

ordem 2 em −3 (resíduo − 125

).

(c) singularidade removível em −p2 (resíduo0); polos de ordem 1 em

p2 (resíduo 1−2

p2i

36),

emp

2i (resíduo 1−i8(2p

2+3)) e em −p2i (resíduo

1+i8(3−2

p2)

); polo de ordem 2 em −i (resíduo

− 79− 4

p2

9i).

(d) polos de ordem 1 emp

3 (resíduo i2) e em

−p3 (resíduo i2).

(e) polos de ordem 1 em 1 (resíduo 34), i

(resíduo − 14), −1 (resíduo − 1

4), e −i (resíduo

− 14).

(f) polos de ordem 1 em 0 (resíduo 2), 1(resíduo −3), e −1 (resíduo 4).(g) polos de ordem 1 em 0 (resíduo −1) e em 1(resíduo e).(h) polos de ordem 1 em 2 (resíduo 1) e em i(resíduo 2).(i) polos de ordem 1 em −1 (resíduo 3

2), 1

(resíduo 12), e 0 (resíduo −1).

(j) polo de ordem 1 em − 12

(resíduo 12).

(k) polo de ordem 1 em −5 (resíduo 1); polo deordem 2 em 0 (resíduo −1).(l) polos de ordem 1 em i (resíduo i+ 1) e em 2(resíduo 2).(m) polos de ordem 1 em 0 (resíduo 1) e em 1(resíduo −1).(n) polos de ordem 2 em −1 (resíduo 2) e em 0(resíduo 1).(o) polos de ordem 1 em −1 (resíduo − 1

4e2 ) eem 0 (resíduo 1); polo de ordem 2 em 1(resíduo e2

4).

(p) polo de ordem 2 em 1 (resíduo 1).(q) polos de ordem 1 em 2 (resíduo 2− i

2) e em

3 (resíduo i2).

(r) singularidade removível em 0 (resíduo 0);polo de ordem 1 em 1 (resíduo −2π).(s) polo de ordem 2 em 0 (resíduo πi

2).

(t) polos de ordem 1 em 0 (resíduo 3i) e em i(resíduo i); polo de ordem 2 em − 1

2(resíduo

−4i).(u) polo de ordem 1 em 0 (resíduo 1); polo deordem 2 em 1 (resíduo 0).(v) polo de ordem 1 em 0 (resíduo −1); polo deordem 2 em 1 (resíduo 1).(w) polos de ordem 1 em 0 (resíduo 1) e em −1(resíduo − 1

4); polo de ordem 2 em 1 (resíduo

− 34).

(x) polos de ordem 1 em 2+ i (resíduo 4) e em−i (resíduo i− 1).(y) polo de ordem 1 em 1 (resíduo −1); polo deordem 3 em 0 (resíduo 1).(z) polo de ordem 1 em 0 (resíduo −1); polo deordem 2 em 1 (resíduo 1).(aa) polos de ordem 1 em 4i (resíduo 2+2i

7) e

− 2i3

(resíduo 121− 2i

7).

(ab) polo de ordem 1 em 0 (resíduo 1).(ac) polo de ordem 1 em 0 (resíduo 2); polo deordem 2 em −1 (resíduo 1− 2

e− cos 1− sin 1).

(ad) polo de ordem 4 em π (resíduo 10π2 + 16).

(ae) polo de ordem 1 em 4 (resíduo e4

16); polo de

ordem 2 em 0 (resíduo − 516

).(af) polo de ordem 1 em −2 (resíduo −1); polode ordem 2 em 2i (resíduo 1).(ag) polo de ordem 9 em 1 (resíduo 10e

9!).

(ah) singularidade removível em 3 (resíduo 0);polo de ordem 1 em 1

2(resíduo −

pe

5).

(6.8) (c)∞∑

k=0

(−1)k+1w2k+1

(2k+ 1)!;

∞∑

k=0

(−1)k+1

(2k+ 1)! (z− 3)2k+1; −1; −1.

(6.10) (a) singularidade essencial em 0(resíduo 1

5!).

(b) polo de ordem 1 em 1 (resíduo e);singularidade essencial em 0 (resíduo 1− e).(c) polos de ordem 1 em kπ, k ∈ Z (resíduo(−1)k).(d) polo de ordem 1 em 0 (resíduo −2) e polosde ordem 2 em k2π, k ∈ Z, k 6= 0 (resíduo −2).(e) polos de ordem 1 em k2πi, k ∈ Z (resíduo2).(f) polos de ordem 1 em log2

2+ π

4+ kπi, k ∈ Z

(resíduo −i).

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EPISÓDIO 6: SINGULARIDADES E RESÍDUOS

(g) polos de ordem 1 em i log 2− π

2+ k2π, k ∈ Z

(resíduo 85) e em −i log2+ π

2+ k2π, k ∈ Z

(resíduo − 85).

(h) polos de ordem 1 em 3i (resíduo i6) e em

−3i (resíduo − i6).

(i) polos de ordem 1 em z =− 12± ( a

2− i

a), onde

a =q

1+p

172

(resíduo 1−i2z

).

(j) singularidade removível em −π (resíduo 0);polos de ordem 1 em kπ, k ∈ Z, k 6=−1 (resíduo(−1)k).(k) polos de ordem 1 em k ∈ Z (resíduo 1

π).

(l) polos de ordem 1 em 1 (resíduo − 12) e −1

(resíduo 12); polo de ordem 2 em 0 (resíduo 0).

(m) polo de ordem 1 em −1 (resíduo 1); polode ordem 2 em 0 (resíduo −1).(n) polos de ordem 1 em exp(π

4+ k π

2i) (para

quatro inteiros k consecutivos, escolhidos deacordo com o ramo do logaritmo; resíduo(1+2k)πi

16expπ(1+2k)i

4

).(o) polos de ordem 1 em exp(π

4+ k π

2i) (para

quatro inteiros k consecutivos, escolhidos deacordo com o ramo do logaritmo; resíduo14

exp− 2π(1+2k)i

3

).

(6.12) (a) 2πi. (b) −π2. (c) 0. (d) πi2

. (e) 0. (f)−4π2i. (g) 2πi. (h) 4πi. (i) 0.

(6.14) (a) π

2. (b) 5π

16. (c)

p2π.

(6.16) 4π3

.

(6.18) (a) − 4p

3π3

. (b) − 8p

3π9

. (c) − 2π5

. (d) 2π3

.(e) π

12.

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