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Epidemiologia e desigualdade: notas sobre a teoria e a história Jarbas Barbosa da Silva 1 e Marilisa Berti Azevedo Barros 2 O presente artigo analisa historicamente o conceito de desigualdade e aborda o tratamento dado à desigualdade em saúde. São analisadas as desigualdades naturais e sociais, o conceito de eqüidade, as explicações teóricas sobre a desigualdade e a estratificação nas sociedades modernas. Finalmente, são analisadas as relações entre os estudos sobre desigualdades sociais em saúde e a epidemiologia, desde o nascimento dessa disciplina, passando pela era bacteriológica e chegando aos dias de hoje, em que cresce o interesse pelo tema. Epidemiologia, história, classe social, distribuição de bens e serviços, eqüidade. RESUMO As desigualdades entre os humanos constituíram-se em objeto de reflexão desde que, na Grécia dos séculos VI e VII a.C., operou-se a transição do mito para o pensamento racional, inaugurando a filosofia (1). O nascimento da polis e da democracia ateniense propiciaram reflexões sobre a política, inclusive sobre a distribuição de bens, direitos e obrigações entre os cidadãos e entre esses e os escravos. Aristóteles, um dos primeiros a refletir sobre as desigualdades, apresentou princípios de igualitarismo que, legitimando as práticas sociais vigentes, justificavam, como naturalmente determinados, os desníveis existentes entre os seres humanos, já que alguns estariam destinados a comandar e outros, a obedecer (2). Desde então, diversos pensadores analisaram a sociedade tomando a questão das desigualdades como objeto, justificando-as como derivadas dos desígnios divinos ou decorrentes de uma natureza humana abstrata, ou contestando-as como injustas e derivadas da maneira como os seres humanos constroem sua história. As noções de igualdade e desigualdade remetem a dimensões específicas de análise, na medida em que todos podem ser considerados iguais aos outros se tomados por uma característica genérica o suficiente para ser extensiva a qualquer um; ou podem ser considerados completamente desiguais, se comparados por condição tão restritiva que resulte em uma quase individualização. A qualidade de ser igual ou desigual possui caráter apenas descritivo, sem associação necessária com um juízo de valor sobre justiça ou injustiça. O objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão histórica do conceito de desigualdade e abordar o tratamento que lhe tem sido conferido, no campo da saúde, desde o advento da epidemiologia. DESIGUALDADES NATURAIS E SOCIAIS As desigualdades geralmente são classificadas como naturais quando ocorrem como diferenças ou desseme- lhanças entre os indivíduos, como no caso de sexo, raça e idade; ou como sociais, quando sua ocorrência é associada com a estrutura da sociedade onde estão inseridas. As desigualdades sociais se originam na ocupação de posições diferentes no que diz respeito à organização social do processo de produção e, conseqüentemente, ao acesso a bens cuja disponibilidade é escassa (3). As desigualdades sociais têm sido descritas como ocorrendo em todas as sociedades conhecidas 3 , embora com padrões e causalidades variáveis. As desigualdades naturais não determinam a ocorrência das desigualdades sociais e são, muitas vezes, condicionadas por estas. Diferenças naturais como as de sexo, raça, força, estatura, inteligência e fecundidade propiciam o surgimento de desigualdades sociais quando são utilizadas por uma sociedade como critério para a atribuição de papéis sociais (4). Mesmo assim, a desigualdade, mesmo aquela socialmente determinada, não remete, necessariamente, à idéia de injustiça. Esta exige um julgamento de valor, encontrando-se melhor consubstanciada na noção de iniqüidade. O conceito de iniqüidade, diferentemente dos conceitos de diferença e desigualdade, não se reveste de caráter apenas descritivo, mas sim normativo, na medida em que sempre pretende enunciar um “deve- ser”. O CONCEITO DE EQÜIDADE E AS DESIGUALDADES EM SAÚDE Utilizado no âmbito do direito para representar a ascendência da justiça sobre a legalidade, o conceito de eqüidade, ou a sua falta, a iniqüidade, tem sido empregado em análises sobre desigualdades sociais em saúde para qualificar aquelas consideradas como inaceitáveis, por sua elevada Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 12(6), 2002 375 Palavras-chave 1 Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Centro Nacional de Epidemiologia. Correspondência e pedidos de separatas devem ser enviados a este autor no seguinte endereço: Centro Nacional de Epidemiologia/CENEPI/FUNASA, SAS, Quadra 4, Bloco N, Sala 600, CEP 70058-902, Brasília (DF), Brasil. E-mail: jarbas.barbosa@ funasa.gov.br 2 Universidade de Campinas, Departamento de Me- dicina Social, Campinas (SP), Brasil.

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Epidemiologia e desigualdade: notas sobre a teoria e a história

Jarbas Barbosa da Silva1 e Marilisa Berti Azevedo Barros 2

O presente artigo analisa historicamente o conceito de desigualdade e aborda o tratamento dado àdesigualdade em saúde. São analisadas as desigualdades naturais e sociais, o conceito de eqüidade, asexplicações teóricas sobre a desigualdade e a estratificação nas sociedades modernas. Finalmente, sãoanalisadas as relações entre os estudos sobre desigualdades sociais em saúde e a epidemiologia, desde o nascimento dessa disciplina, passando pela era bacteriológica e chegando aosdias de hoje, em que cresce o interesse pelo tema.

Epidemiologia, história, classe social, distribuição de bens e serviços, eqüidade.

RESUMO

As desigualdades entre os humanosconstituíram-se em objeto de reflexãodesde que, na Grécia dos séculos VI eVII a.C., operou-se a transição do mitopara o pensamento racional,inaugurando a filosofia (1). Onascimento da polis e da democraciaateniense propiciaram reflexões sobre apolítica, inclusive sobre a distribuiçãode bens, direitos e obrigações entre oscidadãos e entre esses e os escravos.Aristóteles, um dos primeiros a refletirsobre as desigualdades, apresentouprincípios de igualitarismo que,legitimando as práticas sociaisvigentes, justificavam, comonaturalmente determinados, osdesníveis existentes entre os sereshumanos, já que alguns estariamdestinados a comandar e outros, aobedecer (2).

Desde então, diversos pensadoresanalisaram a sociedade tomando aquestão das desigualdades comoobjeto, justificando-as como derivadasdos desígnios divinos ou decorrentesde uma natureza humana abstrata, oucontestando-as como injustas ederivadas da maneira como os sereshumanos constroem sua história. Asnoções de igualdade e desigualdade

remetem a dimensões específicas deanálise, na medida em que todospodem ser considerados iguais aosoutros se tomados por umacaracterística genérica o suficientepara ser extensiva a qualquer um; oupodem ser consideradoscompletamente desiguais, secomparados por condição tãorestritiva que resulte em uma quaseindividualização. A qualidade de serigual ou desigual possui caráterapenas descritivo, sem associaçãonecessária com um juízo de valorsobre justiça ou injustiça.

O objetivo do presente trabalho foirealizar uma revisão histórica doconceito de desigualdade e abordar otratamento que lhe tem sido conferido,no campo da saúde, desde o adventoda epidemiologia.

DESIGUALDADES NATURAIS E SOCIAIS

As desigualdades geralmente sãoclassificadas como naturais quandoocorrem como diferenças ou desseme-lhanças entre os indivíduos, como nocaso de sexo, raça e idade; ou comosociais, quando sua ocorrência éassociada com a estrutura da sociedadeonde estão inseridas. As desigualdadessociais se originam na ocupação deposições diferentes no que diz respeitoà organização social do processo deprodução e, conseqüentemente, aoacesso a bens cuja disponibilidade éescassa (3). As desigualdades sociaistêm sido descritas como ocorrendo em

todas as sociedades conhecidas3,embora com padrões e causalidadesvariáveis.

As desigualdades naturais nãodeterminam a ocorrência dasdesigualdades sociais e são, muitasvezes, condicionadas por estas.Diferenças naturais como as de sexo,raça, força, estatura, inteligência efecundidade só propiciam osurgimento de desigualdades sociaisquando são utilizadas por umasociedade como critério para aatribuição de papéis sociais (4).Mesmo assim, a desigualdade, mesmoaquela socialmente determinada, nãoremete, necessariamente, à idéia deinjustiça. Esta exige um julgamento devalor, encontrando-se melhorconsubstanciada na noção deiniqüidade. O conceito de iniqüidade,diferentemente dos conceitos dediferença e desigualdade, não sereveste de caráter apenas descritivo,mas sim normativo, na medida em quesempre pretende enunciar um “deve-ser”.

O CONCEITO DE EQÜIDADE EAS DESIGUALDADES EM SAÚDE

Utilizado no âmbito do direito pararepresentar a ascendência da justiçasobre a legalidade, o conceito deeqüidade, ou a sua falta, a iniqüidade,tem sido empregado em análises sobredesigualdades sociais em saúde paraqualificar aquelas consideradas comoinaceitáveis, por sua elevada

Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 12(6), 2002 375

Palavras-chave

1 Ministério da Saúde, Fundação Nacional deSaúde, Centro Nacional de Epidemiologia.Correspondência e pedidos de separatas devemser enviados a este autor no seguinte endereço:Centro Nacional deEpidemiologia/CENEPI/FUNASA, SAS, Quadra4, Bloco N, Sala 600, CEP 70058-902, Brasília (DF),Brasil. E-mail: jarbas.barbosa@ funasa.gov.br

2 Universidade de Campinas, Departamento de Me-dicina Social, Campinas (SP), Brasil.

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magnitude ou por sua já demonstradavulnerabilidade a ações factíveis. Essejulgamento, contudo, especialmenteao tratar de questões como níveis desaúde, necessariamente exige oestabelecimento, a priori, de uma linhadivisória, que será tomada comoparâmetro de justo ou injusto,orientada, em grande parte, porprincípios morais, éticos e políticos,que são historicamente dados.

Assim, sempre há provisoriedade na utilização dos qualificativos “boa”ou “má” para descrever a condição desaúde, na medida em que tais quali-ficativos estão necessariamentecircunscritos ao momento em que sãoaferidos. Pode-se então, falar deiniqüidades em saúde não enquantoum valor abstrato, mas sim como umamanifestação mensurável da injustiçasocial, geralmente representada pelosdiferenciais no risco de adoecer oumorrer. Esses riscos, por sua vez, se ori-ginam das condições heterogêneas deexistência e de acesso a bens e serviços,inclusive os de saúde. Os melhoresníveis de saúde efetivamentealcançados por certos grupos sociais,em dado momento, passam a ser umlimite que poderia ser universalizadocaso a sociedade fosse mais igualitáriaquanto às características quedeterminam esses diferenciais, emboraainda se distanciem do parâmetroestabelecido pelo “deve-ser”. Adesigualdade pode ser fator tanto deprodução quanto de superação deiniqüidades, como ressaltado por Kadte Tasca (5), visto que umadiscriminação positiva operaria nosentido de dar tratamento desigualpara reduzir as distâncias sociais.

Há vertentes na sociologia, entre osfuncionalistas, e na política, entre osliberais, que consideram aestratificação decorrente dasdesigualdades sociais comoinsuperável (o que seria comprovadopelo fato de sempre ter ocorrido, aindaque sob as mais variadas maneiras de

organização social) e desejável, por sercapaz de desempenhar um papelmotivador sobre as camadas “debaixo” existentes nas sociedades.Outras vertentes entendem asdesigualdades como injustas emutáveis (6, 7).

EXPLICAÇÕES PARA A DESIGUALDADE: A ESTRATIFICAÇÃO NASSOCIEDADES MODERNAS

O iluminista Jean-Jacques Rousseau,pioneiramente, em 1755, distinguiudois tipos de desigualdade (8): anatural ou física, “estabelecida pelanatureza e que consiste na diferençadas idades, da saúde, das forças docorpo e das qualidades do espírito e daalma”, e a moral ou política, que“depende de uma espécie deconvenção e que é estabelecida ou,pelo menos, autorizada, peloconsentimento dos homens”,apresentando uma causalidadesocial e expressando-senos “váriosprivilégios de que gozam alguns emprejuízo de outros” (p. 235).

Dentre os vários sistemasexplicativos para o fenômeno daestratificação social nas sociedadesmodernas, podem ser classificadascomo matrizes teóricas a teoriamarxista, que associou a existência dasclasses sociais à organização dasrelações de produção; a teoriafuncionalista, que pensa aestratificação como conseqüênciaimediata da divisão do trabalho; euma terceira teoria, esboçadainicialmente por Adam Smith, querelaciona a estratificação ao mercado(6).

Para o marxismo, a desigualdade nasociedade capitalista é resultado dadivisão da sociedade em classes, sendoestas definidas, predominantemente,pelo tipo de relação de seusintegrantes com os meios de produção.Esse critério diferencia radicalmente oconceito de classe utilizado pelomarxismo do conceito utilizado poroutros sistemas teóricos, que tomamcomo base, geralmente, o nível de

rendimento ou a propriedade. Aproposta marxista assume umaconcepção essencialmente dualística,enfatizando o papel da luta entre asclasses fundamentais e antagônicas,que poderia ser considerada como opropulsor da história de todas associedades humanas existentes atéentão (9).

Na sociedade atual, entretanto, aprevisão de uma progressivasimplificação das classes não serealizou, e agrupar todos os que nãopossuem meios de produção numaúnica classe social, o proletariado,significaria supor semelhanças deconsciência, de condição social, oumesmo de destino histórico entreindivíduos bastante diferenciados.Essa constatação, bem como anecessidade de caracterizar as classesmédias, que não apenas sobreviveramcomo também se expandiram, temlevado marxistas contemporâneos areinterpretar o conceito de classe,propondo novas conceituações, commenos ênfase em aspectosexclusivamente objetivos oueconômicos. Tal reflexão gerou umareavaliação da configuração e dadinâmica das classes sociais e fraçõesnas sociedades contemporâneas,reforçando a distinção em termos daidentidade de valores e darepresentação política (10, 11).

Max Weber propôs uma análise daestrutura das desigualdades sociaisbaseada em três dimensões, ao mesmotempo interdependentes erelativamente autônomas entre si: a dariqueza, a do prestígio e a do poder.Para Weber, classe pode ser definidacomo um grupo de pessoas que seencontra em igual situação quanto aum “conjunto de probabilidadestípicas” (12):

a) de provisão de bens; b) de posiçãoexterna; c) de destino pessoal, quederivam, dentro de umadeterminada ordem econômica, damagnitude e natureza do poder dedisposição (ou da carência dele)sobre bens e serviços e das maneirasde sua aplicabilidade para aobtenção de rendimentos (p. 242).

376 Barbosa e Barros • Epidemiologia e desigualdade: notas sobre a teoria e a história

3 É controversa a existência de sociedades humanasprimitivas sem qualquer traço de desigualdade,completamente igualitárias.

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A difícil operacionalização dessecomplexo sistema tem limitado osestudos que se inserem nessa tradiçãoteórica a utilizarem quase exclusi-vamente indicadores de status, comorenda ou grau de instrução, paraestabelecer a noção de estratificaçãosocial.

Por outro lado, os estratos sociaispodem ser tomados comoagrupamentos de indivíduos,definidos a partir de in-dicadores mensuráveis, podendoconstituir-se em simples agregadosestatísticos, com utilizaçãorelativamente restrita aos aspectosdescritivos, distinguindo-se doconceito de classe social proposto porMarx. Na análise de estratos sociais, avisão das classes como agenteshistóricos é substituída por análisesestatísticas de distribuição da renda,instrução e prestígio; a análise dadiferenciação social é separada daanálise do conflito (10).

A diversidade de sistemas teóricosque procuram analisar os mecanismosde criação das desigualdades sociais ea própria dificuldade em traduzir osconceitos de tais sistemas em estudosempíricos levam vários investigadoresdo processo saúde-doença a utilizaraproximações para apreenderproblemas de causalidade dasdesigualdades. Várias aproximaçõestêm sido utilizadas, levando em contaa associação entre diversos recortessociais (como gênero, grupos étnicos erel igiosos) e caracterizaçõesterritoriais com as condiçõesde vida (entendidas como o con-junto das condições materiais ne-cessárias à subsistência e que sãofortemente condicionadas, ainda quecom mediações, pelos modelosvigentes de organização da produçãosocial). Essas variáveis teriam umpoder explicativo relevante, inclusiveporque sua abordagem integrafenômenos socioeconômicos coletivos.

EPIDEMIOLOGIA E DESIGUALDADE: UMA SAGA INCONCLUSA

Uma das mais utilizadas definiçõesda epidemiologia — estudo dadistribuição e dos determinantes dafreqüência das doenças em sereshumanos (13) — contém a premissa deque o evento doença apresenta umadeterminada distribuição, ou seja, umarepartição desigual ou variável entre apopulação. Assim, caberia àepidemiologia tanto a descrição dessesdiferenciais de acometimento quanto abusca de explicações etiológicas paraessas desigualdades. Caso as doençase demais eventos relativos à saúde sedistribuíssem de maneiraabsolutamente aleatória e, portanto,não determinista, não existiria aepidemiologia ou, pelo menos, nãocomo é conhecida hoje.

O olhar sobre as desigualdades noacometimento da doença, bem comoas tentativas de explicá-las, estãopresentes em Hipócrates, que buscouestabelecer relações entre as condiçõesambientais e a propensão a apresentarcertos quadros de doenças (14).Também estão presentes em Snow,que procurou explicar os diferenciaisencontrados na epidemia de cóleraque assolou Londres no século XIX(15). A natureza dessas desigualdades,que a epidemiologia tentou medir eexplicar, assim como o cenário ondeestavam inseridas, é que varioubastante, acompanhando astransformações ocorridas nosprocessos políticos e sociais.

Mesmo em uma época em que otermo epidemiologia se referia, pro-vavelmente, apenas à descrição dasepidemias que então se instalavam naEuropa, Georg Agricola publicou, em1556, uma análise em que utiliza oelevado número de viúvas e as altastaxas de repetição de casamentos entreestas para demonstrar que havia umamortalidade mais alta e mais precoceentre os homens que trabalhavam nasminas subterrâneas dos montesCárpatos (16). Embora haja regis-tros de que já no séculoXVIII a associação entre po-breza e mortalidade havia sido

sugerida (17), foi somente na primeirametade do século XIX que sedesenvolveram, de maneira siste-temática, as investigações sobre asrelações entre o processo saúde-doença e as profundas desigualdadessociais da época.

Foi grande o impacto da revoluçãoindustrial sobre as condições de vidados habitantes das cidades européias.Agravou-se um quadro sanitário jábastante precário: estimativas da es-perança de vida ao nascer para as di-ferentes paróquias de Londres entre1570 a 1653 revelaram médias de 25,0 a43,5 anos, para os piores e melhoresestratos sociais, respectivamente. Alémdisso, uma análise da mortalidade emGenebra no século XVII estimou aesperança de vida ao nascer em apenas18,5 anos para a classe baixa, em 24,7anos para a média e em 35,9 anos paraos longevos da época, situados naclasse mais alta (18).

As profundas modificações sociais,econômicas e políticas desse períodoimpulsionaram estudos epidemio-lógicos sobre as precárias con-dições de vida experimentadas nascidades (19). Essa incipiente produçãocontemplou esse objeto com olharesdiferenciados e, em alguns casos,abertamente antagônicos. Por umlado, os partidários da medicina social,em grande parte vinculados aosmovimentos políticos de contestação eaos vários socialismos existentes naépoca (20), denunciaram e tentaramexplicar as causas das dramáticascondições de vida das classestrabalhadoras, que, paradoxalmente,com o advento da nova sociedade,viam, inclusive, agravar-se.

A efervescência política e social,cujo ápice foi o movimentorevolucionário que percorreu aEuropa, a partir de Paris, entre 1848 e1850, influenciava fortemente osintegrantes dos movimentos da saúdepública (21). Vários dos socialistasdessa primeira metade do século XIX,principalmente Charles Fourier eSaint-Simon, na França, e RobertOwen na Inglaterra, bem como seusseguidores, ao analisar os problemassociais da época e construir seusprojetos utópicos de sociedades,

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escreveram sobre aspectos dosproblemas de saúde pública (20, 21).

Representante dessa vertente,apontado inclusive como fundador daepidemiologia social (22), o jovem Engelsregistrou as terríveis condições devida nos bairros operários deManchester em A situação da classetrabalhadora na Inglaterra (23, 24).Engels enfatizou os diferenciais dorisco de morte prematura associadoscom a condição social, como, porexemplo, a duração média da vida emLiverpool, onde a expectativa de vidaentre as classes mais elevadas situava-se em 35 anos, reduzindo-se para 22anos entre negociantes e chegando aapenas 15 anos para os operários (24).

Por outro lado, também se observa,nessa época, o exame dasdesigualdades sociais para subsi-diar plataformas reformadoras quediminuíssem as tensões conti-nuamente produzidas pelo am-biente generalizado de exploraçãobrutal sobre as classes trabalhadoras.Autores como Luís Villermé e WilliamFarr podem ser considerados comoprecursores das contemporâneasaplicações da epidemiologia nadetecção de grupos populacionais sobmaior risco de adoecimento e morte,com o objetivo de orientar a tomada dedecisões na planificação de políticas desaúde. São originários do desen-volvimento da aritmética política,que havia sido fundada na metade doséculo XVII por William Petty eaperfeiçoada por John Graunt, queaplicou essas noções na área da saúde.A obra de Villermé teve grandeimpacto na regulamentação dotrabalho infantil na França, em 1841,enquanto Farr, na direção doEscritório do Registro Geral britânico,produziu as estatísticas que serviramde subsídio a ações reformadorascomo as de Chadwick (25), que propôsmedidas e leis que organizaram ainterferência do Estado britânico nasquestões sanitárias mais importantesda época (21).

A contribuição de Villermé éindiscutivelmente original no estudode diferenciais intra-urbanos de saúde,com base territorializada. Já em 1826,analisou a mortalidade em diferentes

setores da cidade de Paris (19, 21); em1840, em seu trabalho sobre operáriosdas indústrias de algodão (26), lã eseda, observou que “para encontrar100 homens aptos para o serviçomilitar, faz-se necessário recrutar 193da classe endinheirada, e até 343 daclasse pobre” (p. 37).

Do outro lado do Canal da Mancha,William Farr implantou, em 1839, oprimeiro registro demorbimortalidade, na Inglaterra. Apartir da década de 1860, Farrproduziu diversos estudos destinadosa explicar os diferenciais demortalidade observados quando seanalisavam os óbitos ocorridos nasclasses que ele construíra baseando-senos grupos profissionais presentes nassociedades industriais da época (27).

Com esse referencial, Farr analisouos diferenciais de mortalidade entremineiros e não mineiros de váriosdistritos da Grã-Bretanha, concluindoque até a idade de 35 anos não haviadiferenças significativas entre os doisgrupos; porém, nos grupos etáriosposteriores, a mortalidade eramarcadamente maior entre mineiros(28). Essa primeira tentativa deestratificação social, para análise deeventos como doenças e mortes, só foiretomada nos anos 1920, na própriaInglaterra (27).

Ainda na primeira metade do séculoXIX, merecem registro os estudos deQuételet, na Bélgica, e Stanway, naInglaterra, que compararam algunsaspectos do desenvolvimento do peso ealtura, o primeiro entre grupos“favorecidos” e “miseráveis” e osegundo entre trabalhadores de fábricae indivíduos que não precisavamtrabalhar para garantir o sustento (17).Nessa mesma época, Snow procurouapontar diferenciais de acometimentoligados à condição social nas epidemiasde cólera. Esse autor chamou a atençãopara o aumento na incidência decólera entre a classe trabalha-dora, relacionando-o com a exi-güidade das casas nos bairrosproletários, que obrigava os indiví-duos a fazer refeições no mesmoambiente em que se encontravam aspessoas doentes (15).

Também os operários, no caso, osmineiros, mereceram uma detalhadaexplicação de suas condições de vida e trabalho, para justificar a maiorincidência de cólera entre estes, secomparada à incidência entreindivíduos com outros ofícios.

A SUBMERSÃO DA DIMENSÃO SOCIAL

A partir dos estudos de Snow sobrea cólera, que forneceram as provasepidemiológicas, e das descobertas dePasteur e Koch, que forneceram asprovas microbiológicas, as teoriascontagionistas, que vinhamexperimentando franco declínio,ressurgiram e se firmaram nas trêsúltimas décadas do século XIX comoexplicação hegemônica para acausalidade das doenças. Assim foiinaugurado um longo período,conhecido como era bacteriológica (21).

As sucessivas e rápidas descobertasdos agentes etiológicos das principaisdoenças prevalentes na época criaramas condições para o fortalecimento deum modelo explicativo do processosaúde-doença, que o reduziu a umarelação quase exclusivamentebiológica e monocausal entre oshumanos, de um lado, e as bactérias,os vírus e os protozoários do outro. Oadvento da era bacteriológicarepresentou uma derrota para todas asconcepções identificadas com osfantasmagóricos miasmas e ofuscoulinhagem dos estudos que pro-curavam relacionar doença comsituação social. A atenção do campo dasaúde voltou-se, então, quase queexclusivamente para as alentadoraspromessas contidas na perspectiva dedescoberta dos agentes etiológicos dasdoenças, e para as possibilidades dedesenvolvimento de instrumentos deprevenção e controle. Um clima deotimismo acompanhou o pensamentode um século que chegava ao fimembalado por grandes sínteses empraticamente todos os camposcientíficos, fornecendo a ilusão de que a ciência estaria, no essencial,definitivamente concluída (29). Essa

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ilusão, como se sabe hoje, não sesustentou por muito tempo.

O hemisfério norte viveu, a partir doúltimo quarto do século XIX, um pe-ríodo de expansão econômica quedurou até a metade da segundadécada do século XX. Essa expansãopropiciou reformas sociais quepromoveram uma melhoria geral dascondições de vida das classestrabalhadoras, com importantesrepercussões para o aumento daexpectativa de vida, o conseqüenteenvelhecimento das populações e as modificações no perfi l de adoecimento e morte. Houve umaprogressiva substituição das doençasinfecciosas e parasitárias pelas doen-ças crônico-degenerativas. Assistiu-se,assim, à substituição da idade daspestilências e da fome pela idade dodeclínio das pandemias, para depoisse chegar até a idade das doençasdegenerativas e das doençasprovocadas pelo ser humano. Esseprocesso foi denominado de transiçãoepidemiológica em sua versão clássicaou ocidental (30), e desencadeou anecessidade de transformaçõesimportantes nos modelos de estudo dacausalidade das doenças, queprocuram dar conta da maiorcomplexidade dos processos agoraenvolvidos.

No início da segunda década doséculo XX, quando Goldbergerprocurou estabelecer a etiologia dapelagra, podem ser reconhecidosnovos indícios de investigação dadimensão social no processo saúde-doença (17), tendo sido analisadassuas relações com a pobreza urbana erural, pelas diferenças de alimentaçãopresentes entre esses dois “tipos” depobres (31). Os estudos sobremortalidade de Stevenson, criador doprimeiro sistema de classificaçãosocial baseado em gruposocupacionais, na Inglaterra, em 1911,foram publicados no início da décadade 1920. Neles, foi demonstrado que astaxas de mortalidade eram maioresentre estratos mais pobres, tendênciaque se acentuava ainda mais paraalgumas causas específicas como abronquite (27, 32).

Outra exceção importante para esselongo período de silêncio foram ostrabalhos de Mayor Greenwood, umdos membros fundadores daAssociação Médica Socialista, em 1930. Greenwood foi responsávelpor importantes contribuições ao desenvolvimento de técnicasestatísticas para estudos epide-miológicos que buscavam asso-ciação entre câncer e estratificaçãosocial. De fato, esse autor constatouuma mortalidade por câncer maiorentre classes mais baixas (33).

Nas décadas imediatamenteseguintes há escassos registros deestudos sobre o tema dasdesigualdades sociais em saúde. Nesseperíodo, o desenvolvimento detécnicas para a realização de estudosetiológicos é acompanhado por umafastamento cada vez maior dauti l ização do instrumental epi-demiológico na avaliação e análisede situações de saúde. Esse período desilêncio é quebrado, de maneiraocasional, como apontado por Illsey eBaker (34), por escassos estudos. Maisrecentemente, nos anos 1960, mereceregistro a investigação de Antonovsky(35) sobre as relações entre classesocial, mortalidade e expectativa devida. Alguns estudos produzidos nesseperíodo incorporaram os assimchamados fatores socioeconômicosapenas como mais uma dascaracterísticas individuais dospesquisados (36), reduzindo o alcanceda análise da dimensão social.

As pesquisas de investigaçãoetiológica, que experimentam grandedesenvolvimento no período posteriorà II Guerra Mundial e incorporamimportantes avanços metodológicos apartir dos anos 1960, necessitavamutilizar variáveis indicadoras deestratos socioeconômicos parapermitir controlar seu possível papelde confundimento nas associaçõesentre exposições e doenças (37). Ummenor número dessas pesquisasetiológicas procurava verificar o papeldas classes sociais como fator de riscopara doenças crônico-degenerativas,utilizando diferentes sistemas deestratificação, principalmente a partir

do tipo de ocupação, do nível de rendae do grau de instrução.

PANORAMA ATUAL

Na América Latina, a partir dametade dos anos 1970, iniciou-se, emalguns centros acadêmicos,primeiramente no México, Equador eBrasil, um movimento que procuravase diferenciar das posições entãohegemônicas na saúde pública e namedicina preventiva. Essa vertenteteórica buscou recuperar as idéias de causalidade social do pro-cesso saúde-doença que haviamentrado em declínio desde o adventoda era bacteriológica, retomando,inclusive, em alguns países, adenominação originária de medicinasocial. No Brasil, esse movimento teveinício em 1975 com a crítica de Aroucaao preventivismo e o estudo deDonnangelo sobre saúde e sociedade(38).

Assim como seus antecessoresfranceses, ingleses e alemães do séculopassado, os integrantes dessemovimento também assumiram, viade regra, uma vinculação com opensamento revolucionário de suaépoca, que pode ser identificada pelaadesão explícita dos fundadores aoideário marxista. Essa escola latino-americana promoveu uma rein-terpretação da epidemiologia sobo marco teórico do materialismohistórico, re-enquadrando o pro-cesso saúde-doença como fenô-meno socialmente determinado.

Alguns autores se voltaram paraa questão da desigualdade epi-demiológica, evidenciada peladiferença entre as classes sociais emtermos do risco de adoecimento emorte. Uma das contribuições daepidemiologia social ou crítica residiuna construção de abordagens paradelinear perfis epidemiológicos declasse, como o proposto por Breilh(39). Esses estudos partiram doprincípio de que o conceito marxistade classe social apresenta maior graude concretude e significados do que ostradicionais estudos de estratificação.No início da década de 1980, intro-

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duzindo essa metodologia no Brasil,Barros (40) realizou um estudo sobremorbidade e consumo de me-dicamentos por classes sociais emRibeirão Preto, Estado de São Paulo,utilizando um sistema que procuravacaracterizar as classes fundamentais eas frações de classe existentes naquelasociedade.

A epidemiologia social, procurandoutilizar o instrumental teórico eanalítico marxista em contraposição aofuncionalista, chegou a se constituir,na América Latina, em importantealternativa à epidemiologia clássica outradicional. Contudo, perdeusubstância, em anos posteriores, emparte devido à crise que entãoatravessavam o pensamento marxistae os movimentos de transformação dassociedades.

Na Europa, nos anos 1980, assistiu-se a uma retomada do interesse pelaanálise das desigualdades sociais emsaúde a partir do estudo que veio a serconhecido pelo nome do coordenadordo grupo que o produziu, Sir DouglasBlack. O trabalho, que alcançou grandenotoriedade pela polêmica quesuscitou, foi publicado no momentoem que os conservadores ascendiam aopoder, iniciando a era Thatcher.Sofreu, por seus resultados epropostas, uma frustrada tentativa deocultá-lo da imprensa e da opiniãopública, para em seguida serfrontalmente desautorizado pelo novogoverno britânico (41).

Em 1984, sob o patrocínio daOrganização Mundial da Saúde (OMS)foi realizado, na Dinamarca, umencontro sobre o tema “desigualdadesem saúde na Europa”. O encontroconcluiu pela necessidade de melhoresfontes de dados e de uma análise maisprofunda e de melhor qualidade —ambas consideradas insuficientes ouinexistentes na maioria dos países.Outro encontro, realizado emPortugal, em 1987, produziuresultados que serviram de base para omonitoramento do objetivo propostopela OMS, de reduzir em 25% osdesníveis entre países e entre grupossociais de um mesmo país até o ano2000 (42).

Nos anos 1990 ampliou-se apreocupação de pesquisadores eagências quanto à questão dasiniqüidades em saúde. Naepidemiologia, avaliações oriundas dediferentes perspectivas teóricastrouxeram à tona questionamentossobre ousadias condenáveis no uso dométodo epidemiológico, dadas aslimitações inerentes aos estudosobservacionais (43, 44); insuficienteformação médico-biológica dosepidemiologistas, conduzindo àprodução de pesquisas com desenhose análises ingênuas ou equivocadas(45); limitações metodológicas eparadigmas dominantes confrontadospelas novas frentes de avançocientífico e pela iminência de umanova era para a epidemiologia (46); e,a partir de uma perspectiva maisradical, críticas ao modelo hegemônicode causalidade (47), à insuficiência deconceitos e métodos de uma disciplinacontida no figurino biomédico emconstituir-se na disciplina básica dasaúde pública (48, 49) e em dar contado campo de uma epidemiologiasocial (50), eco-epidemiologia (47) oumacro-epidemiologia (48). O debateaflorou nos principais periódicos daárea , explicitando posiçõesdivergentes (51–56). Os queacompanharam a produção da epi-demiologia crítica latino-americanaviram no debate internacional umaretomada de parte dos questio-namentos contidos naquele mo-vimento (57).

Os estudos sobre desigualdadessociais em saúde ganharam, na décadade 1990, grande aporte, oriundo dodesenvolvimento de métodos edesenhos de estudos; da diversificaçãodos eventos de saúde, que passaram ase constituir como objetosprivilegiados de análise; da utilizaçãode novas técnicas de mensuração dedisparidades; e do acúmulo deconhecimentos sobre os principaisvieses a que esses estudos estãosujeitos (58–61). No campo científico,ampliou-se o número de artigos sobredesigualdades sociais em saúde que sedetinham não apenas em análises detaxas padronizadas de mortalidade, de esperança de vida e probabilidades

de sobrevivência, mas que tambémaprofundaram as análises de mortesem subgrupos etários (62) ou porcausas básicas específicas (63–65).

Outros eventos e indicadores desaúde incorporaram-se aos utilizadosnas análises das iniqüidades: esperançade vida livre de incapacidades, mortesevitáveis (66), morbidades específicas(60, 63), incapacidades, deficiênciafísica, acesso, uso e qualidade dos servi-ços de saúde, fatores de risco para doen-ças crônicas (67, 68) ou, ainda, auto-avaliações de saúde (69). Diversificadasabordagens e desenhos passaram a serutilizados e aperfeiçoados: estudos deagregados e de base individual,transversais ou de coorte, com ou semvinculação com os bancos que geramnumeradores e denominadores (58, 59).

Os estudos passaram a utilizardiferentes variáveis e classificaçõessocioeconômicas na configuração dosestratos socioeconômicos ou dasclasses sociais (58, 59, 70). Forampublicadas análises comparando o usode diferentes classificações. Entre asvariáveis, a ocupação ganhou espaçodiferenciado, com status de variávelsocioeconômica fundamental ,considerada como ref let indomudanças estruturais nas economiasnacionais e internacional (71).Diferenciam-se, entre as classificaçõesde ocupações, as hierárquicas dasestruturais, estas com orientaçãomarxista ou mais eclética (58). Deoutra perspectiva, pesquisadorespropuseram mensurar as diferençasda distribuição do evento saúde entreos indivíduos, dispensando préviadefinição do pertencimento a estratossocioeconômicos (72).

Diferentes indicadores compostosforam elaborados e propostos paraestudos de base individual, servindotambém, especialmente nas análisesde agregados, como instrumento paraa delimitação de áreas homogêneas(58, 60). A linhagem dos estudos dedesigualdades sociais em saúde se viuassim beneficiada pelos avanços devários campos: a concepção do estudoecológico como modelo apropriado eválido, e não como substitutivoinferior dos estudos de baseindividual; o aprimoramento de

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técnicas para manipulação evinculação de grandes bases de dados;o desenvolvimento das análises deséries temporais, das técnicas degeoreferenciamento e das análisesespaciais; e o desenvolvimento dasanálises de múltiplos níveis e deestratégias de análises de pequenasáreas.

Para quantificar e monitorar adisparidade social em saúde, inúmerasmedidas foram propostas e ensaiadas,tendo Kunst (58) contabilizado 15diferentes tipos de medidas que têmsido usadas por pesquisadores parasumarizar as diferenças observadasentre os estratos sob estudo. Esse autoranalisa os limites, potenciais eaplicações de cada um desses tipos demedidas e propõe classificá-las com ouso das dicotomias: medidas absolutasou relativas, de efeito ou de impacto,brutas ou modeladas. Kunst (58)reconhece que, embora extremamenteúteis, tais medidas não podemsubstituir a descrição detalhada dastaxas dos subgrupos estudados. Apartir dos avanços dos estudos sobredesigualdades e iniqüidades em saúde,diferenciou-se uma linha deinvestigação que, buscando analisar oimpacto do próprio grau deconcentração de riquezas sobre asaúde, independentemente do nível depobreza ou carência das populaçõesestudadas, produziu achados con-sistentes e significativos, cons-tatando piores r iscos de mor-bimortal idade em áreas commaiores concentrações de renda(73–76).

Além dos avanços no campo técnico-científico, houve um crescenteenvolvimento de agênciasgovernamentais e não governamentais,que passaram a promover oficinas,grupos de trabalho, forças-tarefa e alançar iniciativas e programas voltadospara o monitoramento e intervençõessobre as iniqüidades em saúde. NosEstados Unidos, em 1994, realizou-se

uma conferência cujo objeto foi aaferição de iniqüidades sociais emsaúde (US Conference on MeasuringSocial Inequalities in Health), promovidapelos Institutos Nacionais de Saúde(NIH). Seu relatório final recomendou ainclusão e publicação de dadossocioeconômicos nos bancos deestatísticas vitais, com destaque para aocupação; no registro de doenças; nosinquéritos nacionais; e em pesquisasnão governamentais financiadas comfundos federais (71). Em 1996, a OMSlançou um documento sobre eqüidade esaúde (77), tendo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) seposicionado em 1995 sobre a questão(78). A Organização das Nações Unidas(ONU), com os relatórios sobredesenvolvimento humano, estimulou adiscussão sobre indicadores edesigualdades sociais e o seumonitoramento; o Banco Mundialpassou a priorizar as áreas de nutrição,saúde e população com a publicação,em 1997, de estratégia (Health, Nutritionand Population Sector Strategy, HNP)com vistas à redução da pobreza e deseu impacto na saúde. A FundaçãoRockefeller lançou a iniciativa global deeqüidade em saúde (Global Health EquityInitiative), selecionando a questão daeqüidade em saúde como prioridadepara atenção e suporte (79).

Também no continente latino-americano houve uma revitalização datemática. A OPAS enfatizou a questãoda superação das iniqüidades emsaúde por intermédio dedesenvolvimentos metodológicos paraaperfeiçoamento das técnicas deaferição e dos modelos de análise, bemcomo pela defesa da inclusão dessetema entre as prioridades dosministérios da saúde da região. Aquestão das iniqüidades em saúdepassou a ter espaço qualificado nosprincipais congressos brasileiros deepidemiologia. Seminários e ofici-nas (80) aglutinam instânciasgovernamentais e acadêmicas em ini-

ciativas de definição de estratégias deintervenção e monitoramento dasdisparidades em saúde (81, 82).

Diferentes paradigmas e correntesde pensamento passaram a embasar asiniciativas científicas e as das agências,governamentais ou não, cujasatividades convergem para o campodas iniqüidades em saúde. Nessecampo, Gwatkin (79) identificou trêscorren-tes de pensamento, quepoderiam ser designadas pelo seuenfoque central: pobreza e saúde,desigualdades em saúde e iniqüidadesem saúde. O reconhecimentoinconteste do grau extremo esuperável das desigualdades sociaisexpressas nos níveis de saúde, asdisparidades sociais crescentes entrepaíses e entre classes sociais e fraçõesem diferentes países e regiões, sob oimpacto das políticas econômicasalinhadas aos moldes do processo deglobalização e das políticas sociaiscontidas e restritas, e um processocrescente e inumano de exclusão socialformaram o caldo em que germinamestudos científicos e iniciativas. Adimensão do problema levou àcriação, em junho de 2000, dasociedade internacional para aeqüidade em saúde (InternationalSociety for Equity in Health), cujaconferência inaugural teve lugar emHavana.

No presente momento, em que odebate epistemológico sobre aepidemiologia aponta, de um lado,para a possibilidade de uma completaseparação entre esta e seu objetocoletivo, e de outro, para a iminentemodificação de seus limites eparadigma, o recrudescimento dosestudos sobre iniqüidades em saúdeconstrói um espaço de muitaspossibilidades para que aepidemiologia venha a retomar seupapel de inteligência capaz de fornecerreferenciais e instrumentos para adetecção e o monitoramento dessa faceparticular das injustiças sociais.

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Manuscrito recebido em 8 de fevereiro de 2002. Aceitoem versão revisada em 13 de junho de 2002.

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In this paper we present a historical analysis of the concept of inequality, and we alsodiscuss how inequality has been viewed within the field of health. Natural and socialinequalities are discussed, along with the concept of equity, theoretical explanationsfor inequality, and stratification in modern societies. Finally, we focus on therelationships between epidemiology and studies on social inequalities in health sinceepidemiology was established as a discipline, during the so-called bacteriological era,and at the present time, when there is a growing interest in social inequalities inhealth.

ABSTRACT

Epidemiology and inequality:notes on theory and history